Você está na página 1de 13
© Cristina Costa, 2016 Ghroverna Coordenagie editorial: Fornanco Carlo Vedovate Edligdo de texto: Alice Kobayashi, Darel Rodrigues Aursi,tabel Perez, Meri Carolina Aguilera Maccapnin,Tatana PavaneliValsi Goréncia de design e produgio gréfia: Sancia Boteho do Carvalho Homma Coordenagdo de produgéo: Everson de Paula Suporte administrative editorial: Maria de Lourdes Rechigues (00rd) Coordenagio de design o projetos visuais: Marta Cerquora Leite Projeto grfico: Parca Mali (Capa: Patricia Malis Foto: Instalagdo com imagens de imigrantes no Arsenal da Esporanga sara 1 Festa do Imigrante, em 2008, promovida pelo Museu ds Imigrao 1m $30 Pau SFr © Fite Bereto Coordenagio de arte: Wilson Gazzoni Agostinho Edligdo de arte: Jordana de Lima Chaves Eaitoragao eletranica: Setup Bureau Esitoragbo Eleténica Coordenagio de revisio: Eni C. del Noro evisdo: Barbara Arusa, Carita Nogiomonte, Denise Ceron, Nancy H, Dias, Slee Brentan, Solange Martins, Tatans Malheir, Viviane. Mendes, Willans Catazans Coordenagio de pesquisa icanogriica: Luciano Baneza Gabaron Pesquisa iconogrfica: Aline Charl, Carle DAngeo, Camila Lago, Camila Soufer, Carel Bc, Vanessa Manna, Odete Emestina Perera Coordenagéo de bureau: Américo Jesus ‘Tatamento de imagens: Dense Feitoza Maciel, Marina M. Buzznaro, Fubens M. Rodrigues Pré-impresso: Alexandre Petreca,Evorton L. do Oivsira, Fabio. Procendo, Holi Pde Souza Fino, Marcio H. Kamato, Vitéria Sousa Coordenago de produgdo industria: Luiz Carlos Peron! Impressio e acabamento: Coan indisria Grafica Lida Lote: 251330/ 251331 Dados Internacionais de Catalogacao na Publicaeso (CIP) (Cémara Brasileira do Livro, SP Brasil) Costa, Cisne Sociologia: intodugdo@ cléncia da sociedede / Cistine Costa, —5. ed, S80 Paulo Moderna, 20°. Bidiograia 1. Sociologia. tuto | 1e08t69 cope Indice para catélogo sistematico: "Sociologia 301 ISBN 978-85-16-10476-4 (LA) {SBN 978-85-16-10477-1 (LP) Reproduto prod At 184.0 Cign Feral Lei9 61048 8c wersve de 1008, dea 0 dit eserves EDITORA MODERNA LTDA, So Pio SP Gas CEP O03 B04 ‘ors tenement el 0.10) 26028510, Foci. m) 278080 Impress Base ppantes do capitalismo Antes de o capitalismo tornar-se 0 modo de producio dominante, a partir do século XV, a Europa vivia sob o sistema feudal. A principal caracteristica da sociedade medieval era a de ser uma sociedade sem producio de excedente: cada familia, cada feudo, cada aldeia produzia aquilo de que necessitava para consumo proprio e poucos produtos eram trocados. Diante da falta de um produto (ferro, por exemplo}, o camponés buscava na vizinhanca e trocava algo que nao Ihe fizesse falta no momento. Essas trocas nao monetatias eram feitas geralmente em feiras. Nos feudos, os servos trabalhavam em sua prépria casa e com suas ferra- ‘mentas. Utilizavam as matérias-primas disponiveis para produzir 0 que era mais necessatio para o dia a dia. O servo, junto de sua familia, desde o fim do Império Romano, estava preso a terra onde nascera. Este panorama comegou a mudar paulatinamente depois do século X, com a ocupacao das terras livres e com 0 consequent crescimento populacional. Muitos feudos nao conseguiam comportar © crescente ntimero de servos e, por isso, os senhores os liberavam de suas obriga- bes, 20 permitir que mudassem para outros lugares. 318 Unidade 4 + Producto, wabaino e tecnologia Essa mudanca também aconteceu entre outras categorias de servos, como os artesios. A medida que os artesios comegaram a se instalar nas aldeias e cidades, organizaram-se em corporagoes de oficio reunindo os artesios que se dedicavam a um tipo de trabalho, sob a diregao de um mestre. Obter um ofi- cio dependia de ser aceito na corporagao e tornar-se aprendiz de uma oficina. Li ele aprenderia 0 oficio, seja para forjar o ferro, caso fosse ferreiro ou a te- cer um pano, caso fosse tecelao. O que era produzido seria trocado posterior- mente nas feiras. Tratava-se de uma economia voltada para a sobrevivéncia e © consumo, mas ndo para a acumulacio. Esse mundo relativamente estético foi abalado com as Cruzadas, digs- pora que teve grande impacto nas relages comerciais, por causa da vinda de produtos do Oriente, especiarias, joias, tecidos e objetos de luxo — desejos de consumo da aristocracia feudal. A procura por essas mercadorias animava ainda mais o comércio. As feiras ficaram cada vez mais importantes e reuniam comerciantes de diversas regides. As feiras incentivaram as trocas de produtos ¢ possibilitaram o estabelecimento de uma moeda, assim como de medidas para que produtos de diferentes valores fossem trocados. Por causa da oferta de produtos, as cidades passaram a crescer e a atrair pessoas, principalmente aquelas que viviam no campo. Esse comércio que floresceu ao final da Alta Idade Média (V d.C-XV d.C.), impulsionado pela melhoria nas condigdes de vida ¢ no crescimento populacio- nal, funcionava como na Antiguidade — havia os artesios que produziam ¢ os comerciantes que financiavam as trocas, e cada um recebia pelo que custara 0 seu trabalho. Os artesios teriam que receber o suficiente para repor a matéria-prima utilizada e sustentar sua familia, por isso mantinham 0 cultivo de produtos agricolas e tinham alguns animais. (Os comerciantes, por sua vez, precisariam de outros meios para o pré- prio sustento. Assim, ao prego pago pelo produto a ser comercializado era acrescentado o prego da intermediacao do comerciante — 0 custo com ani- mais ¢ carrogas para 0 transporte e 0 que era necessirio para ele ¢ sua fami lia sobreviverem. O que ultrapassasse esse custo, que nds chamariamos de lucro, era considerado ilegal ¢ antiético. Cobrar juros pelo montante envol- vido em transagdes era considerado pecado pela Igreja Catélica e antiético pela moral vigente. Amedida que se intensifiaram as troes com Oriente um comereo ‘deur dimenssoinstalouse na Europa Produtos deux, Gos erares—sedas,brocados, tapers especaras—, alam consumidores que desernbolssvam fqetas para obteos Bxpostos nas Tes das adades que resi no ‘curamenta datas comercial, onstuitamse no impulso que {aoa pata oRenascimento ‘omer Reprodugso de uma Imagem miniatura ances co {ro das maravbasdo mundo, de ‘Marco Plo e Rustic, do seule 2. Nea especiaris esto sendo ‘eanidas do Oren para 0 Odente CCapitalsmo industial» Capitulo 14 319. Peto dasfontncagses as cdades ra Ban a ldade Media, comercantes veo que heviam dead ‘meio rual dediearamse nwa des comers, © mercado, Tuminra do ira Cavoavos erates Tomas de Sees Pais. 40s No entanto, as atividades comerciais exigiam cada vez mais investimentos € eles deveriam vir de algum lugar — de banqueiros, da propria Igreja, que acumulava ouro e prata de doagdes, herancas e guerras santas, ¢ das monar- quias que comecavam a se fortalecer na Europa. Os empréstimos comegavam, a exigir juros, mas 0 comércio se avolumava. A resistencia da moral vigente e da doutrina religiosa cedeu, aos pou- cos, as necessidades crescentes do comércio emergente — todos queriam lu- rar com 0 crescimento dos negécios. © lucro passava a ser licito ¢ desejavel. Quem mais ajudou a expandir essa nova mentalidade foram os burgueses, grupos de pessoas saidas do mundo rural que se estabeleceram nas cercanias das cidades (os burgos) para atividades comerciais auténomas, isto é, livres das obrigacdes feudais e dos valores religiosos. Eles constituiram a forga de mobilizagdo do capitalismo. ¥ Oficios, oficinas, manufaturas Com 0 desenvolvimento do comércio e a possibilidade de vender o pro- duto nas feiras, os artesios puderam desenvolver suas atividades, dedicando- -se cada vez mais a producio, ao expandir os limites do comércio. Caso a demanda aumentasse, dois ou trés aprendizes eam contratados para ajudar 0 artesio — que permaneciam com o mestre por alguns anos até poderem abrir a propria oficina. As corporacées de oficio tinham por objetivo padronizar a producao € estabeleciam medidas ¢ precos para defender os interesses dos artesios. A fiscalizacao era rigorosa e havia multas para os artesdos que nao obedeces- sem as disposigdes corporativas, principalmente as que regulavam a qualidade € 0 prego do produto. O proprio desenvolvimento do mercado e a prosperidade alcancada por algumas oficinas colocaram em xeque o sistema das corporagées. Alguns ar- tesios mais bem-sucedidos nas vendas deixaram a produgao para se dedicar apenas ao comércio. © produtor comegava a se diferenciar do comerciante distribuidor. 320 unidade 4 + Producdo, trabaino e tecnologia Ao longo do tempo, os comerciantes enriquecidos passavam a fazer par- te das instituigées municipais e acabavam por dominar o governo das cida des. A diferenca entre um mestre bem-sucedido ¢ um aprendiz aumentava, e ficava cada vez mais dificil a um aprendiz ter a propria oficina. Assim, transformavam-se em empregados. [As relagdes produtivas e comerciais passaram a ser cada vez mais complexas as regides em que havia as feiras passaram a ter maiores aglomeracies de fami- lias que passaram a ocupar esses espagos por conta das possibilidades de trabalho. Dessa forma, formavam-se aos poucos as nagdes europeias sob a diregio de um monarca que, apoiado pelos comerciantes endinheirados, respondia a esse apoio com a facilitagao das trocas, ao padronizar impostos ¢ leis comer~ ciais para favorecer os comerciantes e 0s proprietarios das oficinas da regido. Criavam-se as condigées para um mercado nacional, que chegou depois a ser internacional por conta da conquista de novos territ6rios que as Grandes Navegacées possibilitaram. Assim, acumulavam dinheiro com os negécios, impulsionados cada vez mais pela busca de novos negécios. A expansao da demanda fez. com que os comerciantes propusessem uma nova forma de produzir: passaram a se reunir em galpdes os artesdos que antes trabalhavam individualmente, e as tarefas foram divididas entre esses emprega- dos. Ou seja, na medida em que cada artesio se dedicava a apenas uma tarefa ‘num espago comum, a produtividade aumentava ¢ era a origem da manufatura. Um exemplo dessa transformagao que contribuiu para o fim das corpora- ‘ges foi Jack O’Newbury (1489-1557), comerciante londrino que ergueu edificio onde acomodou mais de duzentos teares, empregando seiscentos traba- Ihadores. Ele se tornaria o modelo de empresério capitalista moderno que inves tia no aumento da produtividade para obter lucro na venda do que produzisse. Cfcna alam de encaderamento Getiros togravure de 1875, ‘do arta tech Amudanga ro movi de produgao tambien Sera areloio entre o trabahador eo produte Tornou Semalscomum a especilzago em que cada vabalhador esempenha apenas ums taefa sim contribu para bumentar 8 produtvidode Coptalsmo ndustal« Capitulo 14 321. Essas transformagoes radicais no sistema de produgio medieval que de- ram origem a indiistria capitalista foram facilitadas pelo éxodo rural e pelo crescimento da populagao resultante da diminuigo da mortalidade e da me- Ihotia na qualidade de vida, proporcionada pela introdugao de novas técnicas de produgao agricola, responsével por maior volume de alimentos ¢ produtos — visto que a demanda das cidades que se formavam também aumentava. No caso especifico da Inglaterra, outro elemento que contribuiu para 0 avango da indiistria foi a lei de cercamento — que permite aos grandes pro- prietarios de terras cercar suas propriedades e, com isso, extinguir as terras comunais utilizadas pelos camponeses. Sem o uso das terras comunais, os camponeses mais pobres nio puderam sobreviver no campo; migraram para as cidades e foram empregados na nas- cente industria inglesa. A disponibilidade de mao de obra resultante dessas circunstancias con- tribuiu para o desenvolvimento das manufaturas, assim como estas motiva- ram 0 avango das monoculturas no meio rural, j4 que a produgao industrial demandava uma grande colheita de produtos especificos. Os proprietarios de terras passaram a produzir li e algodao para abastecer a industria nascente da tecelagem, por exemplo, e 0 mesmo ocorreria com os mais diferentes ti- pos de indkistria. Ou seja, o desenvolvimento da industria e da cidade impli- cava uma mudanca simultanea das relagdes rurais de produgao. Esses acontecimentos resultaram na Revolugao Industrial. » Revolucao Industrial Chamamos Revolugio Industrial ao processo ocorrido na Europa, entre 08 séculos XVII e XIX, iniciado na Inglaterra, marcado pela transigao da ma- nufatura para a maguinofatura, que estabeleceu novas formas de produgio ¢ novos tipos de relagdes. 0 recorte do século XVII a XIX nao € preciso, pois alguns autores con- sideram que desde o Renascimento a economia da Europa tem sofrido uma lenta ¢ continua transformacao. Outros estudiosos consideram a criagao das unidades fabris, mas a maioria tem o século XVIII como um divisor de aguas. Quanto ao nome dado a essa revolugio, ele é atribuido a Jérome- -Adolphe Blanqui (1798-1854), economista francés do século XIX. O termo foi expandido por Friedrich Engels e Arnold Toynbee (1889-1975), entre ou- tros estudiosos da Histéria e da Economia europeias do século XIX. Mas ele popularizou-se no século XX para designar os processos de transformagio, na produgéo material capitalista O empresario capitalista, com o dinheiro acumulado das transagdes co- merciais ou emprestado dos bancos, constréi um espaco onde instala maqui- nas ¢ emprega trabalhadores em troca de salirio. Ao contririo do que ocorria na oficina medieval, em que o artesio tinha conhecimento e dominio da produgao, além de atuar em todas as etapas, cada operirio passou a conhecer apenas parte do produto, intensificando-se a divi- so social do trabalho e a especializacao. Um tecelio medieval, por exemplo, preparava os fios, tingia, tecia e dava aca- bamento ao tecido, enquanto na tecelagem industrial, cada etapa era realizada por tum grupo especializado de trabalhadores, os quais jé nao dominavam seu oficio como um todo. Ou seja, cada grupo de trabalhadores sabe apenas preparar os fios ena maioria das vezes, descomhece toda a divisdo de trabalho de uma fabrica. 322 nidade 4 + Producdo, rabaiho e tecnologia ’ ‘A Revolugao Industrial consagrou esse novo modelo de produgao em que a empresa, as maquinas eo produto do trabalho pertencem ao empresitio pitalista, enquanto o operdrio recebe apenas o suficiente para sua reproducao, independentemente da riqueza que ele ajudou a produzir. Pela quantidade de mercadorias que o sistema industrial passou a produzir, pela mecanizagio da produgio e pelos salirios reduzidos com os quais os empre- satios remuneravam os trabalhadores, o prego do produto fabril resultou muito it ferior a0 do produto artesanal. Isso, aos poucos, levour muitos artesios a pobreza por no poderem competir com o produto industrial. Assim, a indiistria extinguia © artesanato como uma forma de produgio significativa para o mercado. y Algumas consequéncias da Revolucio Industrial nas areas rurais A Revolugo Industrial repercutiu por toda a sociedade, ao contribuir para o declinio da sociedade aristocratica e para a valorizagio cada vez maior do mercado como instdncia reguladora da producao. Durante a [dade Média, as propriedades rurais nao eram totalmente des- tinadas & produgao agricola. Grandes glebas eram dedicadas caca, principal entretenimento dos nobres, a0 passo que muitos servos dividiam-se entre inti- meras atividades — do plantio a fabricagao de telhas, tecidos e carrogas e tudo aquilo de que necessitassem. ' 1 | i : Com a Revolugao Industrial, as propriedades rurais tradicionais modificaram-se, a0 mesmo tempo que se intensificou a produgao de alimentos com novas técnicas agricolas, para atender as necessidades do crescente exér- cito de operarios das cidades. Houve transformagio nos pastos e plantagdes em produtoras de matéria-prima para a industria. O emprego de um mimero de pessoas cada vez maior e a dispensa de muitos trabalhadores rurais levaram ao aumento do éxodo rural, ¢ as propriedades monocultoras transformaram-se em lati- fuindios capitalistas. Ja no século XIX, quando ocorreu a mecanizagao do trabalho agrario, novas modificagdes ocorreram e fizeram diminuir continuamente as distancias, sociais e econdmicas entre campo ¢ cidade. -ARevolugt Indust nee também nos hbstor dos noes ¢ os grandes proprietirios dete, Nainglterra pare dastevas que esting bs cagadas era utlzada ra cagbo de oveasparea Inaisttel TheQuor MuncinFall Gysecond oes pntra de Joho Daly, sel XK Ole sobre tla optalismo Indusval «Capitulo 14 323 Com a industialzagso, x empresas comegaram a desdobrar suse sxvidades a fabricacto do fer, surgi a producae de pregos, rmobiia novos tens, mquiss, cetruturasarquitetoncas ete Todos ees produto passorama ser ‘expostos em eas ntemacona. ‘come a Expos Universal Paris, erm 1889 Naimagem, Galea das Maquina dessa exposiae, que além das mquinas nostazadmiera pri estore fem erro des. Entretanto, entre os camponeses as transformagées no estilo de vida sio radicais — 0 éxodo rural sera processado continuamente ao longo dos séculos, ao despovoar o campo e aumentar a densidade populacional das cidades. A unidade produtiva deixa de ser a casa da familia; o trabalhador passa a ser empregado individualmente, sem vinculo com o grupo familiar, e trabalha em um espago que nao Ihe pertence, em horérios estipulados pelo emprega- dor, recebendo um salirio fixo suficiente para assegurar sua sobrevivéncia e reprodugio. Ele é despossuido das ferramentas necessdrias ao trabalho e da mercadoria que produz, como explica Karl Marx. Dono apenas de sua forca de trabalho, ele a vende no mercado para quem Ihe pagar melhor. Por outro lado, a ininterrupta divisao social do trabalho faz com que as tarefas fabris tornem-se cada vez mais simples €, consequentemente, pior remuneradas — o operirio jd nao domina o fabrico total do produto, mas apenas a atividade na qual esta empregado. Seu trabalho se torna nao qualificado e seu conhecimento sobre o proceso produtivo cada vez menor. Eis a base da alienacao do operdrio produzida pela industrializagao capitalista y Algumas consequéncias da Revolucdo Industrial nas areas urbanas Apesar das mas condigGes de vida dos trabalhadores da indiistria e do meno do desenvolvimento cientifico, o comércio internacio- campo, o fen nal e as benesses tecnolégicas que a indiistria produzia levaram a uma me Ihoria nas condigdes basicas de vida da populagdo — como abastecimento de alimentos, remédios, tratamentos médicos, transporte, saneamento basico etc. Isso resultou no crescimento populacional, nao apenas nas areas que se industrializavam, mas inclusive no meio rural que, depois de ter um primeiro momento de éxodo, recebe trabalhadores para as demandas do campo, que também passou em certa medida por transformagdes para receber e desenvol- ver uma indiistria especifica de seus produtos. 324 unidade 4 + Producso, rabatno e tecnologia | Essas melhorias diminuiram 0 nimero de mortes, especialmente de criancas, aumentaram 0 combate e o tratamento de doengas e pragas, melhoraram a ali- Entretanto, € mentagao e 0 abastecimento das novas cidades que se formavam. importante ressaltar que tais mudangas foram lentas e demoraram décadas para acontecer, além de muitas delas serem acessiveis apenas s classes mais ricas. Em contraponto, a classe trabathadora de Londres e da Inglaterra, por exemplo, so- fria com sérios problemas de saneamento basico e de alimentagio, j4 que traba- Ihavam muitas horas em troca de saldrios muito baixos. Entre as consequéncias da Revolucao Industrial est4 também a transformagao urbana, As cidades crescem, a populagao fica mais densa e a cidade se moderniza. Surgem bairros novos ¢ casas com maior leveza, feitas de tijolos produzidos em grande quantidade. A cidade cresce as margens dos rios, usados como transporte e para escoar a sujeira. Nas capitais, como Londres, Paris e Madri, estio os grandes mercados, cuja presenca valoriza cada vez mais as areas cen- trais das cidades para onde tudo converge. Mas, nas cidades menores, também se intensificam as redes de distribuigao de produtos e alimentos, o fendmeno da urbanizacao passa a ocorrer na maioria dos lugares. Entretanto, os centros urbanos, com o crescimento descontrolado € ace- lerado da populagao, so também locais de grandes perigos. As cidades eram bastante escuras até 0 inicio do uso da eletricidade em 1865, 0 que facilitava a realizagao de crimes e criava dificuldades para a acao da policia. Além disso, com 0 crescimento desordenado e sem qualquer politica publica de tratamento de Aguas e esgotos, as cidades eram facilmente varridas por doengas endémicas que amedrontavam a populagio e levavam ao habito de se beber cha ¢ vinho, em ver da gua, que era retirada de pocos pouco salubres. Assim, a revolugio urbana trouxe novos habitos, anseios e desafios. Pierre Chaunu observa, entretanto, que nenhuma dessas transformagdes econdmicas e sociais teria sido possivel sem um elemento essencial: a moneta- rizagao da economia. Diz ele: “0 dinheiro fascina, 0 dinheiro polariza, 0 dinheiro mobiliza. A ascensio, da burguesia € a ascensdo de um grupo de homens que detém a manipula 0 do maravilhoso instrumento monetario. CCHAUNU, Pierre. cvillzagdo da Europa cldsica v1. Lisboa: Editorial Estampa, 1987. p. 30% y Algumas consequéncias da Revolucio Industrial na economia Também como consequéncia da industrializagao, est o desenvolvi- mento do setor de servigos da economia. Na Inglaterra, por volta de 1800, 80% da populagdo trabalhava na prestagao de servicos. A medida que as maquinas passaram a ser cada vez mais incorporadas & produgao ¢ mais tipos de servicos foram criados, maior foi o ntimero de pessoas empregadas no setor tercidrio. Outra tendéncia vista com a industrializacao é o incentivo a criagao de associagio entre empresas ou producdes combinadas. Trata-se de um desdobramento das fungdes nas empresas capitalistas — a fabrica de tecidos acaba por desenvolver a modelagem, o fabrico de acess6rios como meias e chapéus e até as flores que enfeitam as roupas. eo (cers) Historiador francés, Chaunu especiatizou- se nas pesquisas da América espanhola ena Historia Social da Franga no Antigo Regime. Foi profes- sor emérito da Uni- versidade de Paris IV Sorbonne. Dedicou-se 20 estudo da Histéria Quantitativa, influen- ciado, entre outros, or Fernand Braudel (1902-1985) ee Coptalsmo industrial Capftulo 14 325 Da mesma forma, a mineradora de ferro produz pregos ¢ depois grades e, por fim, escadas, terracos ¢ edificios inteiros feitos de ferro fundido e até chafa- rizes para jardim, Cada vez mais percebe-se a concentracao de atividades em poucas empresas que combinam pregos de mercadorias, se associam, ampliam sua forga no mercado ¢ tentam anular ou diminuir a importaneia das empresas tecorrentes — so os chamados trustes. Londres, considerada a maior cidade do mundo no =8cula Xk 2a sede de Revoloio Indust foi parcalmente destrulda por umincéndio em 1656 resltante ‘deum verde longo, quente © seco em uma cdade que tinh, em sua materia construe de madeira Mais de Wezel ass foram destuids, ssn como 0 Patlamento, Mas, gracas 3 iqueza querela cule, fo intiamente reconstuida em cerea de dee anos. Fachada do Raya xchange, Londres. Gravuraem metal por Georg Gott Wincle, 61730. )>Desigualdades sociais e identidade de classe { A Revolucdo Industrial, que se inicia na Inglaterra, logo se espalha por J cusrve paises come Mélgics, Alzcanke, Francs « parte da Itélia por meio * de acontecimentos simulténeos similares: declinio das instituigdes feudais, / éxodo rural, industrializagdo, urbanizagao, desenvolvimento tecnolégico, ( moveesiacio e transformagio do cotidiano e do estilo de vida. Como muito bem explica Norbert Elias em O processo civilizador (1939), a sociedade burguesa nio criou apenas uma nova forma de produzir, mas tam- bem outra mancira de viver ¢ sentir. Os burgueses, no sendo nobres em sua origem, nem proprietdrios de terras, ao alcancar sucesso econémico em seus empreendimentos, procuraram distinguir-se das demais categorias sociais por intermédio de um estilo de vida ostensivo e suntuoso. Procuraram, por meio de novos hébitos e costumes, que iam desde o figuri- no até a etiqueta, distinguir-se e distanciar-se dos demais homens comuns que vi- viam nas cidades. Alguns desses novos modos eram superficiais, ¢ diziam respeito @ como cumprimentar pessoas, por exemplo, mas outros eram mais profundos diziam respeito a0 gosto artistico, & erudi¢ao ¢ ao culto do individualismo. Diziam respeito também ao apelo cada vez mais forte da vida privada e do apego a vida familiar, que se desenvolveu na medida em que se romperam os lacos coletivos de linhagem e da vassalagem, além de haver maior integragio com pessoas desconhecidas ¢ anénimas resultante da vida urbana. 326 Unidade 4 + Producto, rabaiho e tecnologia Diante disso, as pessoas isolam-se no reduto do mundo familiar. Todas essas disposigdes que, como dissemos, iam de aspectos mais frivolos e manei- ristas ao cultivo da sensibilidade e dos sentimentos, preconizavam uma vida social bastante ritualizada e formal na qual comportamento social passava a ser elemento indispensavel de identidade social e de atribuigao de status social. Esses novos habitos, caracteristicos da burguesia emergente, dependiam de recursos financeiros ¢ de acesso a elementos da nova sociedade — nao s6 aos produtos que a indiistria colocava no mercado, mas 4 arte e & educagao. Aqueles que nao tinham acesso a essas condigdes passaram a se distinguir claramente na sociedade, excluidos da instrugao e desse estilo de vida sofisti- cado que caracterizava a partir de “civilizados”, em oposigao aos “incultos” ou “selvagens”. Nas cidades que se avolumavam com pessoas oriundas de diferentes regides e estratos — Paris tinha, no século XVIIL, cerca de 70% de no nascidos na cidade — cada vez mais aumentava a diferenga entre pobres € ricos. Em vez de diminuir as distancias sociais que havia entre nobres e sti- ditos, a burguesia criava novos distanciamentos ¢ desigualdades, ainda mais dificeis de serem dissolvidos. A industrializagao, dese modo, nao s6 contrapds duas classes sociais ‘opostas — de um lado, os empresarios, donos das indiistrias, das maquinas e das riquezas produzidas e, de outro, os trabalhadores, vindos do campesinato, sem recursos nem qualificago —, como levou a formagao de duas culturas igualmente opostas — a da sociedade rica e abastada e a do trabalhador bracal da periferia das cidades. Pintoesretataram a vida social das elites prsensesetonaram evident o oss que se estabelei entre ea eas «amass pobres da popula. Hotel Meurc,logravure francesa de auton desconhecis, 1908, 1 Coptalimondustials Capitulo 14 327 ‘Omovimento operario demoro 8 fazer-se ouvir eater pela sua ie organiza como cass, mas desde ofna do culo XX tenn Conseguido conquitas notaves pata. os wabahadores,como.o fim de semana reunerado et fariasKprolbgto do emprego Ge crangas ea imtagio na Jomada de trabalho foram outros onauistas. Durante secu XX, Sante no mundo td, Greve no pot de Londres, 1889 Duas culturas de classe antagOnicas, separadas por atitudes, compor- tamentos € a ostentagao de padres de consumo e estilos de vida dispares, aumentaram os conflitos sociais da modernidade. A industria teve papel re- levante nesse cendrio quer pelas relagdes de produgao geradas, quer pelo enri- quecimento proporcionado aos empresadrios, financistas, negociantes e suas fa- miias. Claro esta que esse confronto gerou preconceito, hostilidade e revolta. Como relata René Rémond (1918-2007) sobre 0 periodo: “Existem, portanto, agora, duas populacées, frente a frente, populacoes {que nao se encontram senao por ocasiao do trabalho e nao tém outra rela- do que as de mando e de subordinacao. Elas poderiam ignorar-se, mas logo passam da dissociaco para o antagonismo"” REMOND, René. 0 século XIX: 1815-1914 0 Paulo: Cultrix, 8. p. 105 ¥V Movimento operario As condigdes de trabalho na indistria nascente da Europa eram péssimas — 0 trabalho fabril podia chegar a dezesseis horas de jornada, sem férias e finais de semana de descanso. Todos estavam submetidos a essas condigées, homens, mulheres ¢ criangas, além de serem mal remunerados e trabalharem em sistemas industriais autoritarios e excessivamente reguladores. Para complementar esse quadro, esses operdrios viviam nas piores areas da Cidade, em locais distantes e insalubres. Moravam em sub-habitagdes. Mesmo nessas condigdes, 0 movimento operdrio, liderado pelos artesios que se sentiam prejudicados pelo avango da inctstria, s6 tomou corpo na Inglaterra no final do século XIX, quando mineiros, estivadores ¢ trabalhadores das companhias de ais ingressaram no sindicalismo, 32B unidade 4+ Prosucie,vabaho tecnologia A luta inicial do movimento operario foi por mudanga na lei que proibia a organizagao aberta dos operérios. Com base nos interesses em desfazer as rigidas regras que dominavam a producio feudal, as leis europeias proibiram a organizagao profissional dos trabalhadores, ou seja, as corporagies de oficio. A luta operéria fez- YEARS OF THE aie INTERNATIONAL! -se no sentido de derrubar essas leis, existentes na Inglaterra e Franga, e permitir a organizagio poli- tica dos trabalhadores. Depois disso, com a pressao exercida sobre os tates aaee ie foram no sentido de WORKERS OF THE limitar o turno de trabalho de mulheres e criangas. WORLD UNITE! Mais tarde, os trabalhadores conseguem leis que garantem a seguranga e a salubridade no trabalho. Desde entdo, o movimento operirio luta por uma sociedade mais justa ¢ igualitaria, Os métodos utilizados pelos trabalhadores sio a greve, a pressao junto aos partidos € mui: tas vezes agdes violentas. As reivindicagdes que comegaram timidas chegaram, na passagem do século XIX para 0 XX, as exigéncias anarquistas que contestam a existén- panes detundaie da cia da propriedade, do Estado ¢ da prépria empresa capitalista. Mas foi 0 Mgciioieraciond ds, socialismo, criado ¢ difundido por Karl Marx, que fomentou 0 movimento Prmeralrtemscional— piel dos trabalhadores n: ria, que passou @lutar por uma nova etapa da Sgatesseierasionaide sociedade humana na qual seriam abolidos a propriedade privada dos meios de produgao, o Estado e a nagio. Surgiram, entdo, as Internacionais Comunistas — a primeira, criada em Londres, em 1864, fundada como Associacao Internacional dos Trabalha- dores, tendo Karl Marx como um de seus membros € autor de mensagens ¢ programas. Fla deixou de existir em 1876. ‘A Segunda Internacional, organizada em 1889, previa a organizacao inter- nacional dos trabalhadores ¢ teve a adeséo de partidos politicos democratas ¢ trabalhistas, mas acabou durante a Primeira Guerra Mundial. A Terceira Internacional foi criada na Riissia, em 1919. Lénin foi sew grande inspirador ¢ articulador e representou a maior organizacio politica do operariado, extinta, entretanto, em 1943, por Stalin, em um acordo com os paises aliados da Segunda Guerra Mundial. Houve ainda uma Quarta Internacional Comunista, criada por Leon ar Trotski, em 1938, quando exilado na Franca, que teve influéncia até a década (PRR de 1970, com forte atuagao nos movimentos politicos dessa década. Para terminar este capitulo, vamos retornar as diferentes visdes de mun- do de Manolito e Mafalda, expressas no cartoon de Quino, com 0 qual iniciamos nosso texto. Os didlogos conflituosos entre Manolito ¢ Mafalda [oe contradigdes que apontamos neste capitulo que justificam a exis téncia, durante todos esses séculos, do desenvolvimento do modo de produ- . ‘cio capitalista, dessa polarizagao gerada por um desenvolvimento econdmico | México, onde foi assas- . desigual e nem sempre justo. Embora essa polarizagao seja, em parte, um | $1pado por um agente Nascido Lev Davidocich Bronstein, Trotski fo! Lider da Revolucao Bol- chevique, na Russia, corganizador do Exército Vermetho, que se tor- na rival de Josef Stalin. Exilado, refugiou-se no estereétipo, ela continua a opor diferentes correntes ideol6gicas. I Capitalismo industrial + Capitulo14 329

Você também pode gostar