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CAPITULO I Consideracées sobre o género historiografico 1.1 Escritas sobre o passado A Antiguidade ndo criou apenas um tipo de Historia. Criou muitos tipos. Quem deseja compreender do que trata a historiografia tem que entrar em contato com a pluralidade dos tipos. Arnaldo Momigliano O objetivo central deste livro ¢ introduzir 0 leitor e a leitora no universo da historiografia romana e sua diversidade. Para tanto, gostariamos de destacar, logo de inicio, que trataremos de tex- tos nas formas em que chegaram até nds por tradicao. Isso im- plica ter em mente dois aspectos fundamentais: em primeiro .. Seja por acaso, seja aad trabalho ey fareservacao: de alguma forma, muitos dos mo- delos atuais de escrita da Historia tm algum débito com os tex- rar. Esse processo nao ¢ linear, ao contrario, é bastante fragmen- =17 Pedro Paulo Funari e Renata Senna Garraffoni tado e constantemente atualizado de acordo com 0 presente e interesse politico daquele que escreve. Perceber tais meandros e contradigées ¢ tanto um desafio quanto um aspecto fundamental do trabalho com a Antiguida- de. As consideracées que teceremos a seguir seguem por esses encontros e desencontros e optamos por essa perspectiva com 0 intuito de instigar os leitores e as leitoras a notarem a plurali- ee: suas complexidades e Elas podem, também, inspirar a refleti dos conceitos a serem empregados, E preciso ter em mente que conceitos ¢ narrativas siio esco- e. Sabemos que, ha muito tempo, existe uma salutar preocupacao dos estudiosns eae {umi- nismo, no século XVIII, e1 BD alpartir’dos'seus proprids termos. Isso ja tinha seus ‘anteceden- tes 1o'Renascimento, quando da luta contra certos privilégios da Igreja, com cesta OED ‘oo e seu om: oO ae i que se converteu ao cris- tianismo, Constantino, liberou o culto cristaomovinicio do sé- cio entre a instituicao ecle- sidstica é 0 império, abrindo as portas para o que viria a ser chamado de cesaropapismo, a uniao da Igreja e do Estado, para usarmos termos modernos. A Igreja enfrentava a ascensio da burguesia e do poder real com o recurso a forca da tradic¢’o e, para isso, servia um documento atribuidovaouimperador-roma- amg que teria dado a Tereja posses e paderts subs- tanciais. ou que nto na se =18= Historiografia depois. Em certo sentido, nascia ai a filologia‘e o embriao da moderna historiografia. Mas talvez o leitor ou a leitora se pergunte: Qual a relacio disso com o género historiografico? Vamos, entio, ao conceito de género literdrio. Sempre que escrevemos algo, nés o fazemos com base em alguns parémetros, mesmo quando nio estamos conscientes disso. Uma mensagem no Twitter segue certos pro- tocolos, um e-mail outros, um oficio ainda outros. Nas provas escolares, pedem-se redagdes em diferentes géneros, que sigam diversas normas e estilos. O género literario é, portanto, aquilo que permite que alguém escreva algo que possa ser apreciado por outras pessoas que compartilham o conhecimento dessas normas. Uma/poesia so é usufruida se houver essa convergén- cia entre o produtor e 0 leitor/ouvinte. Quando e como surgiu o género historiografico? Ha diversas maneiras de responder a essa pergunta, como em quase tudo na vida. O género historiografico moderno, da nossa época, surgiu.no século XIX, como resultado do que viria a ser denominado positivismo, a busca pelos fatos “tal qual acon- teceram de fato”, como propés wanimaial ce (wie es eingentlich powesen), A Historia s al 2008). Os imediatos patersiores déRanke escreviam obras para o deleite literario, para que 0 leitor ficasse encantado com as narrativas\deiGibbon ou de Winckéliiatin sobre'ayAntigui- dade. Podemos apreciar a diferenga entre um trecho belissimo dé'Gibbon e outro, arido e secosdeRanke: The tender respect of Augustus for a free constitution which he had destroyed, can only be explained by an attentive consideration of the character of that subtle tyrant. A cool head, an unfeeling heart, and a aie Pedro Paulo Funari e Renata Senna Garraffoni cowardly disposition, prompted him, at the age of nineteen, to assume the mask of hypocrisy, which he never afterwards laid aside. With the same hand, and probably with the same temper, he signed the proscription of Cicero, and the pardon of Cinna. His virtues, and even his vices, were artificial; and according to the various dictates of his interest, he was at {first the enemy, and at last the father, of the Roman world. (26) When he framed the artful system of the Imperial authority his moderation was inspired by his fears, He wished to deceive the people by an image of civil liberty, and the armies by an image of civil government. (Gibbon)! O respeito sutil de Augusto pela livre constituicao que ele destruiu pode apenas ser explicado por uma consideraco atenta do carater desse tirano sutil. Uma cabe¢a fria, um cora¢do pouco sentimental e uma disposi¢ao medrosa levaram-no, aos dezenove anos, a assumir a mascara da hipocrisia, que, depois, nunca abandonou. Com a mesma mao, e provavelmente com 0 mesmo temperamento, assinou a pros- crigéo de Cicéro e 0 perdio,de.Gina. Suas virtudes e até mesmo os E, de acordo com os ditados de seus inte- seus vicios eram artifici resses, era de inicio o inimigo e, ao final, o pai do mundo romano. Quando inventou o sistema engenhoso da autoridade imperial, sua moderacao foi inspirada por seus temores. Queria iludir 0 povo com uma imagem de liberdade civil e os soldados com a miragem de um governo civi - Die Absicht eines Historikers hangt von seiner Ansicht ab; von dieser ist hier zweierlei zu sagen. Zuvérderst, da ihr die romanischen und germanischen Nationen als eine Einheit erscheinen. Sie entschldgt sich drei analoger Begriffe: des Begriffes einer allgemeinen Christenheit (dieser wiirde selbst die Armenier umfassen); des Begriffes von der Einheit Europa's: denn da die Tiirken Asiaten sind, und da das russische Reich den ganzen Norden von Asien begreift, kinnte ihre Lage nicht ohne ein Durchdringen und Hereinziehen der gesammten asiatischen Verhiltnisse griindlich verstanden werden; endlich auch des analogsten, Op Caulo Pace hactuzi ana versio abbrevraca ale * Keine € ated oo tingério pees peblioada pela Compashia de bolso. -20- Historiografia des Begriffes einer lateinischen Christenheit: slavische, lettische, magyarische Stimme, welche zu derselben gehéren, haben eine eigenthiimliche und besondere Natur, welche hier nicht inbegriffen wird. (Ranke, 1824)? O propésito do historiador depende do seu ponto de vista. Sobre mi- nha perspectiva neste volume, um par de comentarios: a comecar pela unidade dos povos latinos e germanicos. Essa nogao difere de trés conceitos andlogos: 0 conceito de um Cristianismo universal (que in- cluiria até mesmo os arménios); 0 conceito de Europa (pois os turcos sao asiaticos, e o império russo engloba toda a Asia setentrional e nao podem ser entendidos sem investigar e penetrar toda uma série de questdes asidticas); e mesmo o conceito mais parecido, de Cristanda- de Latina (pois as racas eslavas, lituanas e hiingaras pertencem a ela, mas tém sua natureza especial e particular, que nio incluirei aqui). Gibbon segue a narrativa dos antigos e seduz deimediato, enquanto Ranke é abstruso, com frases longas e conceituais, cheias de nogdes modernas, como nagdo e raga. E verdade que Gibbon seguia oysedutor rHerddoto, enquanto Ranke’ se inspi- raya eniTucidides, quanto a estilo e intensdes, mas o positivista preendido e ftuido pelos modernos. Talvez nao seja casual que “Gibbon continue um best- seller, enquanto ‘Raiike-nao é mais lido senao por estudiosos’ EmboraHerddoto e Tucidides'sejam, talveznesihistoriado- «mes antigos mais conhecidos do publico moderno, ogénerohis- storiogréfico’é mais antigo do queeles. Conquanto o nome Histé- ria tenha surgido»naS@#@Gia antiga, as narrativas sobre o pas- sado sao ainda anteriores e podem ser relacionadas a:historio- sgrafia‘Toftiana, segundo oiclassicista David $»Potter (1991). oO =21- Pedro Paulo Funari e Renata Senna Garraffoni mediterraneo antigo recebeu os influxos de narrativas oriundas da Mesopotamia, do Egito e do Levante. O que viria a ser a/Bi- bliasHebraica consiste emiliteratura conhecida no.mundo ro- mano, por meio do contato com‘os‘judeus, tanto na Palestina, quanto no Egito e em outtas regides em que se dispersava a diaspora judaica. Dois aspectos destacam-se nessalliteranea i O uso da‘fébula que aparece noyixodo retoma mitos:mesopotamicos muito mais antigos e ressoa na historieta de Rémulo e Remo: OTNE-DY FEA P12 DD WS TPS 2847 THO-3 NN NA 512 TPAD TNT 7 DOD MY IW TEM oN aN Vn APaET Ty TYTN) 3 OYA) TN a3 OvM NED AWwNA NM -TWr7 Nay-Yy MOT JP aby ayTy pry ,inny azn) 7 POW Ara-2y pry Av p-na TM a ANOT TIN TIAT-NY NIN) se P-by NYA ADRDLANDN-Ny NIWA SJR WIA TAT-Ng AN NARA 1 ALONG Te NMP yy Yom -22- Exodo, 2 1. Um homem da tribo de Levi casou-se com uma mulher da tribo de Levi: 2. Ela concebeu e deu a luz um filho. Viu que era belo eo escondeu por trés meses. 3. Quando nao péde mais escondé-lo, pegou um cesto de junco, ve- dou com betume e piche, colocou dentro a crianga, e a colocou entre Historiografia 2 -DN TINT TV -na-Yg ,inhy TyNAL STAINS 72 PPD TPIT 1 NPP TBR sTIVD APM 932 TV IS-na AY-TNAL A TP] ON-NY NPA TTD TAD-Ny PPT AV S-na Ay NM w TBST MEN STIQY-NY TAS 2281? PPT] AAPM TT 3122 2-7] AV S-NI? RIM 77 PAP > STP DT 2 WRAL TY law NPM SPRAY NYE TY 77 DIT OPP NP PURY-WN MPD IY Wry NPD 5203 NY 58D “DY FSW PND NT TDP YN BP 7ing ANY! AT os juncos 4 margem do rio. 4, A irma da crianga observava ao longe para ver 0 que haveria de acontecer. -23- Pedro Paulo Funari e Renata Senna Garraffoni 5, Ea filha do Farad desceu para lavar-se no rio, enquanto suas servas andavam pela margem do rio. E ela viu 0 cesto entre os juncos e man- dou a criada pegar. 6. E, tendo aberto o cesto, viu a crianga: era um menino que chorava. Ela teve dé e disse: “Menino dos hebreus é este’. 7. Entao a irma do garoto disse a filha do Faraé: “Chamarei para ti uma mulher das hebreias para cuidar do menino”. 8, Ea filha do Farad disse para ela: “Vai”. A moga foi e chamou a mae da crianca. 9. Ea filha do Faraé disse para a mulher: “Leva este menino e cuida dele e te pagarei”. Ea mulher tomou o menino e cuidou dele. 10. Ecresceu a crianga, e ela levou a filha do Faraé e ela a tomou como filho e chamou pelo nome de Moisés, ¢ disse: “Porque das aguas 0 tire’ 11. E aconteceu naqueles dias e Moisés, jé grande, saiu para ver seus irmos. E notou sua carga de trabalho. E um egipcio batia em um va- rao hebreu. 12. E olhou para cé e para ld e viu que nao havia ninguém e matou o egipcio e enterrou na areia. Ha semelhangas notaveis dessa historieta com a lenda de R6- mulo e Remo, tal como relatada, séculos'depois, por;Tito,Livio,., O her6i é deixado ao léu e ha uma briga fratricida, mas podem- -se avaliar as semelhancas no trecho relativo ao abandono das criangas nas aguas: Sed nec di nec homines aut ipsam aut stirpem a crudelitate regia uindicant: sacerdos uincta in custodiam datur, pueros in profluentem aquam mitti jubet. Forte quadam diuinitus super ripas Tiberis effusus lenibus stagnis nec adiri usquam ad iusti cursum poterat amnis et posse quamuis languida mergi aqua infantes spem ferentibus dabat, Ita uelut defuncti regis imperio in proxima alluuie ubi nunc ficus Ruminalis a2de Historiografia est — Romularem uocatam ferunt — pueros exponunt. Vastae tum in his locis solitudines erant. Tenet fama cum fluitantem alueum, quo ex- positi erant pueri, tenuis in sicco aqua destituisset, lupam sitientem ex montibus qui circa sunt ad puerilem uagitum cursum flexisse; eam sub- missas infantibus adeo mitem praebuisse mammas ut lingua lamben- tem pueros magister regi pecoris inuenerit — Faustulo fuisse nomen ferunt—ab eo ad stabula Larentiae uxori educandos datos. Sunt qui Larentiam uolgato corpore lupam inter pastores uocatam putent; inde locum fabulae ac miraculo datum. (Tito Livio, Ab Vrbe Condita, 1, 4)° Mas nem deuses nem homens abrigaram-na ou a seus filhos da cruel- dade do rei: a sacerdotisa foi feita prisioneira, os meninos deveriam. ser jogados no rio. Por providéncia divina, o Tibre estava em cheia e veios d’égua impediam o acesso ao leito principals portadores das criangas pensavam que a agua parada seria suficiente para afogé-los. Assim, na impressao de que cumpriam 0 mandato real, expuseram os garotos na parte mais proxima da enchente, onde o Ficus Ruminalis, que se diz era chamado antes de Romulariststé ainda hoje. Na época, o lugar era deserto. A tradi¢ao diz que 0 cesto flutuante onde estavam. os meninos foi deixado pelas Aguas que baixavam em um lugar seco e que uma loba com sede, vinda de elevagées vizinhas, foi atraida pelo choro das criangas, aproximou-se delas, deu-lhes as mamas e foi téo delicada com elas que o pastor real viu que a loba até lambia os bebés. Segundo essa lenda, 0 nome do pastor era Faustulo. Ele levou as criaturas para sua tenda e deu para que sua esposa Laréncia as criasse. Alguns autores dizem que Laréncia, por sua vida pouco casta, ganhara dos pastores a alcunha de loba ¢ esta seria a origem da histo- rieta fantasiosa> ©¥plica po racionaligta. Of. o heurd-ou alas duaS primeira qulas ofa Disciplina sobre mandaraics antign auc curse! en 2018.2 come prof. Marcos Hartinho. Noté-Se, de passagem, como actradugio @ospottugués exige 203 palavras, diante de apenas 145 no original latifio; 0 que ates- ta.a concisao latina, mas, também, o estilo econdmicoidellityio. Diss é acriagSe de uma X plicapa racionalista ? @ dnveoces dimels qica para apeiar a evplicagao racionalis!a? -25- Pee helenigthen eral iCa € 3+ (Lembro do. tect eterna Aeterna), phténees 0 Ae cidade: Nome Unto AAS teIas para el dla da furs Sp Pedro Paulo Funari e Renata Senna Garraffoni Além disso, o que se evidencia nessa selecao de trechos é que os autores, de alguma maneira, fazem referéncias aos antecesso- res: nesse sentido, a escrita sobre o passado é um didlogo de diferentes temporalidades e formas de narrar. Entender suas especificidades e como se articulam em nossa contemporanei- dade é fundamental. -Momigliano (2004) jé atentara para o fato no inicio dos anos 1980. O estudioso dedicou parte de sua vida a pensar como es- sas correntes se entrecruzaram ao longo dos séculos, como se reatualizaram, como, afinal, deram-se os laos entreia Moder- i le. Até que ponto a historidgrafianacional “moderna e ocidental deve aos rontanos? Ou aos gregos? Por que alguns discursos sobressairam na propria Antiguidade? Qual 0 papel g c a nesse processo? Em suas conferéncias, depois reunidas na obra mencionada, Momiglia- .Mo'explorou essas ambiguidades, esses entrecruzamentos, certo de que havia muitas lacunas. Suas consideragées nos inspiram a pensar aspectos filéséficos e metodoldgicos do trabalho do shistoriador e, embora nao haja uma tinica resposta para as ques- tes levantadas, elas se tornam problemas presentes, sobre os quais, em algum momento, i idade precisa refletir. Diante das miltiplas formas de escrever a Historia e da importancia davArqueologia:nos'diasideyhoje, rever os modelos dos,historiadores é uma tarefa urgente. E por isso que conhecer melhor as narrativas em que se baseiam é fundamental para uma postura critica diante das formas de escrita na atualidade. E dessa perspectiva que, a seguir, apresentaremos as discussdes sobre ‘ypsaB ov opeay FOULS! waste Se wes E tara Bath Stipes se nf Un doy} jSades © wAeB 35 art *- Paadope Sn ee ee Pgs dex wat res siod “Y/2/0 tale SOM CxS yori © aado ag 3 (TdLIMIOLY Ow WI I2A}G sone optefvossad eum t25po rg) ousipemt Osh H ap DanGy q QD wep as v Guesemus enbiay © seusygah s2oe}oo of “oo'{yoadss grow “epasoucy “Sapn SIO “BAYIBEP sow omg Le bed ® “BeperyiAr 425 w sours -26- 3 conya C2fS9 4, Sow 1A ap sed oped aacecleerg seaady Wares, S04 CLE sop eee aad AP OSM OlOpocwu arojprlS of Joop, ASIP VWF tw, [Psetwarb pe epop bye pre phsougis! ep wana] PSS? 20; Se Ps qrtome? aocoy “Pye Jed “oy Historiografi ued ayy opm) sel pMel Wasco 26 cules Cay 14 SoIpesd® so 49) 2 ose! {ICP 0442 PUNSEW @ Japsuer Gov wpe “WH SSb "bie y 1.2 O género historiografico antigo Sha old dao Arie Je moc Curie Som Ojon Os antigos classificaram suas producées literarias segundo uma »tipologia. A taxonomia era uma maneira particular de organi- zar a produco cultural e servia Oo] alizar os autores quanto, o:piblico. Aristételes, em sua‘Poética (9.1451b5-7), foi muito claro quanto a historiografia, em referéncia explicita a “Herédotoe sua narrativa em prosa: “a poesia € mais filosdfica e elevada do que a Histéria, pois a poesia trata de temas univer- sais, enquanto a Histéria descreve acontecimentos tinicos”. Ha- via, pois, um género literério antigo bem definido, a escrita da Historia, que se voltava para a descrigéo de acontecimentos par- ticulares e que nao se podiam repetir, a diferenga do'mito, cuja trama era antes prototipica do que fatic&*Edipo ter podido ma- tar 0 seu pai, no como acontecimefitd real, mas como aco pos- 8 3 © sivel para todo ser humano (matar o pai), seria, segundo 0 esta- Sov girita, muito mais profundo do que descrever a morte de um ¥-£ individuo, mesmo que fosse Péricles, descrito/por'Muicidides, ° 8 pelo carter particular, tinico e, no fundo, nas maos do destino, Roe mais do que do carater (éthos) do personagem. Muitos mor- ‘ge g reram pela praga, emiAtenas, entre os quais Péricles, sem que, ars isso se possa tirar qualquer ligdoumoral, ao contrario da arro- © & ¢¢ gancia de Edipo (hybris), a ser evitada por todo ser humano. _y 8 Nao havia, pois, dividas sobre a existéncia de um género & literdrio, aleséritaldalHistotia ou histotiografia, desde pelo me- 3s Hersdoto, 2 wcorre entre & rneki SE Deer S ly Sogy ; é He Spe -COM30 oO ith 7 CWO? Su 914YSIY -——— 3. ¢, ig@eemelhante 4 (aste}) Binge) ng rheadare: fav 0. PS ESS € € en Q 2 g pho gS cb PORE vunan eke ea “sp 1 opasaa a bing Tr Wane es soa | peur ro f a ire & A 5 comaum (um fopes juol fer a 3 8 Horacio ¢ } acavars poderiam ser derivadas as outras caracteristi- cas do género, como a descricao de personagens e seu carater, os discursos desgenefais el6tadores; as pinturas de paisagens e ambientes geograficos, mas também os detalhes, ainda que me- nores, dos acontecimentos“Na origem do género, connalieg’ DMQuardo Aretsteles escreve, a braclicao ofe inlerprelacao lo mm: oci4 estd consolidada. Dole adleniS, Que nesea opovicto’ entre Mito € -27-helinia freaclarste mite em si, a (abula, esdpicn © © ep redo le una tragédiao comédia bipham em comum. devem Serinterpreladas num nivel mais 1 4 rai rap lt 7 Sep nba 139 One © 90; OAM * Sourrsapas gnl® seouy pcouns: ee puol d. fpevdeipace ving Wat 2 Daw Ss nes fiZera a 7 6a an s awe qus WS oS % ue bm ve joe teekaue dePeé pi =. OT eas Pr oe col ukS 2 Taeratctes. 2 ty wel QO peaio Paulo Funarie Renata Senna Garraffoni prea, |, ES oat f° es geet fies evilare cles 2 @ nr moc ee! fice Amul Keessive, olG uty inal, moesiol de Uhybris 9 tea tro “Clésgico esta rela Seanaciy o> doto, estava a eouviu, comoaconferir = 7 amnecessaria legitimidade discurs a narrativa do que acon- AG teceu, ou deve ter acontecido, no ao que apenas poderia ter & ie acontecid6#Herédoto nao tinha pejo emdescrever explicagdes = di n ; interlocutores 0 cumentos a que 4 teve acesso, smpre em busca do que deve ter sido de fatofS a diferen¢a do mito. Mesmo quando poderia parecer aos seus er conn, » Of. p.ee.o e mon lickcle ete cricao do.g Phusig Men, ave, long ¢ 4, Pr a lo cle Doak ouvintes ou leitores algo fantasioso, s6 menciona aquilo em que Se: no 92 wiDeySe Aeza| ba, nea BA se: orscu, acredita ser ao menos possivel que assim seja (como quando diz lex Is d wey “Uc\d ‘pjespias cwSPU! “Se a demorstrar g Df SOL ©: que as egipcias urinam em pé e os homens de cécoras). Nao ha Jem é g eB LA DAE OF, perQqem sobre a orig 3 os © 1S a am-se.as defir IollWa.C, passa.a atribuir um papel destacado aos individuos. Basta lembrar que as moedas grégas, surgidas no contexto das cidades independentes (poleis), nao figuravam individuos (Car- lan & Funari, 2012). A partir da ascensao:miacéd ainda, com os reinos sucessores » OS. individuos passam a ter uma proeminéncia antes impossivelD ctefeso destina S nem FEDS, wl ica e, mais dere LEBEL Gopreaire|as afsaioys GB, HOPUSSEIP sold poe. ra AS Auas VEI ame s € mesmo as pessoas 1S S lt acusaca, 4 2 eS é v | I5qu 150 tears ave PE Derep ore (on 4 Be cen , surgia uma preocupacao com a vida individual que daria origem a um tipo de narrativa, a.biogtafial(bids), porta- dora de ingredientes doigénero historiografico, na medida em que descrevia as vicissitudes ocorridas, nao as que poderiam ter ocorrido. No entanto, a énfase nao estava em narrar 0 que acon- teceu, mas no personagem e no seu carater (éthos). aa @ Lsve € mais um wés {iloed hee cla mimese potlica a ser explo- oe Sesh of 2 tga op ot Boja ‘oplvcareh ces vor @4 narralio dos o uma vers& os rmements en rade. R¢lacse da ainlave maimelica com a histdria e com 2 recur so diddtice le (le)mo(nstrar. Alérn BSS, jcn Bit, Gorka platenica, @ preciso representa de alqum moc, concrehZar,es referentes ole verbos, actjeti ves frases. ica Ie SAG Og jaysscd afee feO24 sa 40, ac Cos~bay bs “s: a DE OC) WMV/IRH Ofow wLUM’ SyALsafCE BSH 3 Steep ae perch f ad Saioztucl op (01k Wd “a EOTOREN ford, sep aon vp Waa qu IP “eaipajen ©fcyunes 224d 9) wink. Wore Ha, pois, uma falta de certeza, na oC a, em como oy enquadranasproducaoiliterdria antiga que, para os modernos, x foi designada como bidgrafia. Por um lado, as biografias de Sue" >. t6nio (70-130 d.C,) retratam acontecimentos, nao possibilida- des e, nesse aspecto, poderiam estar incluidas na definicao de -Aristételes. Por isso mesmo, alguns’estudiosos tém propug- nado que a8 biografias antigas sejam inclufdas flo género his toriografico.e, pelo critério basico proposto pelo’fildsofo esta~ § girita, isso ¢ defensavel. A maioria, contudo, nao as inclui no ambito da/Histéria, como atestam os principais compéndios sobre 0 tema, ainda que, ¢ evidente, sejam fontes importantes para o estudo da Histétia, O motivo principal dessa recusa est nos objetivos muito particulares da biografia: trata-se da apre- sentagao do carater (éthos) de um personagem histérico, com certa pretensao: ‘a, na medida em que se pode depreen- ° ma a Jeri cisa Ser lo le 0 lagacs Ao SiS qlacds Forranos spre die biSculd os kom Be apart | ope con rel 6 Mun o WS wa‘) olual b. 1 | ivictacle pre Sco } sf esele 4ajeod o ani 3 anqe ge 2> Oa1P ot atiscatir comam SSA fOdF pre eve-se © ave € ‘dug liade F@ cole’ fore od oe SoA ONS 0700 129) }) 26H) ppso as one? S24 ous So ivi e nd. Shion de eX AcSO le nS cont ¢2r8 +S der uma teleologia na vida do biografadoy Se na histo afia 'e procura-se descrever o mais importante para o curso dos even- tos, na biografia o principal é aquilo que determina o curso de uma vida. Dai que seja relevante contar quando e como Jiilio. @ésar chorou, no fim do mundo - ao constatar que estava com. a idade com a qual"Alexanidre morreu, sem ter conquistado o mundo -, numa biogtafia, mas néo em um livro dé Histéria. ©, A ambiguidade, contudo, nao pode ser evitada de todo, pois, mesmo nas narrativas Oe ha sempre lugar para tratar do cardter dos personagens: Ita, elle vt ieee She Eprenl oh 61EY ial Ie ee Nesse sentido, mesmo que os antigos tenham suas formas de classificar as obras conforme mencionamos, quando os'mo- se.voltam para os antigos, apresentam di- ficuldades em enquadrar todos os aspectos das obras daqueles sobre o passado em categorias, sendo a’biogtafia, talvez, um dos éd exemplos mais perceptiveis. Segund (2009), a razio “ 7 , YEHE DEC, comaenact? por suloos to participacdo na wwspita _29.¢%0 le Mreio seria leilor ole & ia. Nevo comparar es shbs de Séncca € Ovidio (ambos cr)- Ficactos pelos conservaclo res) assmeano 4 épire ke Lucanne ade Ovidio. spanaiied asa Cred Sees 35 ncia fo fier OW 56 oS wn JP Sck fe e carac +, medio € eleva 1 (roe in m essa te: ste ido, reaica juss enh Meote 5A cone tap ola, a AWES qarega od op Spoopacn VP My 223%Oy Be Sioa sh te ernanne 2 Wises “genericn BAF ON PIA) 94400 36 30, bp B ‘v44on| clon gsr ane } (2 op Gag ¢. tl 2979} op 2 1re4 AS iP i alirica meet ot ie Pedro Paulo Funari e Renata Senna Garraffoni desses problemas de classificagao est na maneira como os mo- dernos se posicionam, prendendo-se a duas questées princi- pais, isto é, ora entendem esses historiadores como fonte de informacao relevante para a Hist6ria antiga, ora fixam a andlise no estilo e na forma literdria, destacando que nao seriam de todo confidveis. Nesse jogo, que indica muito do que se pensa sobre a escrita’da Historia na modernidade, o que se perde, se- gundo Pitther, (2009), é o movimento, pois, para ele, 0s historia- dores antigos podem trazer elementos sobre o passado que nar- ram, servindo como documento para a atualidade, mas a forma como escolheram o que narrar determina aquilo que chegou até nds. Essas consideragoes de Pitcher sao fundamentais para que possamos aprofundar nossos estudos sobre historiografia _antiga. Como os leitores e as leitoras perceberao, nossa op¢ao de abordar os autores selecionados é préxima da dé/Pitcher: discutiremos suas formas de narrar, suas escolhas e método no tratamento dos dados, mas com problematiza¢io da politica, da moral e da\Historia deRoma a partir daquilo que os antigos escreveram e o tempo permitiu que chegasse até nés. Conside- rando essa fragmentacao e as descontinuidades, buscaremos, de maneira resumida, apontar as principais contribuicées de cada um nas multiplas formas de refletir sobre memoria, pas- sado e Hist6ria. Notas 1 Retirado de: . 2. Retirado de: . 3. Todas as referéncias latinas provém do Projeto Perseus, as excegdes serdo citadas. ~30-

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