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%” NORBERTO BOBBIO Estados despaticos sto estaciondrios ¢ iméveis, nao es: tando sujeitos & lei do progresso indefinido que vale ape- nas para a Europa civil. Desse ponto de vista, o Estado liberal converte-se, mais que numa categoria politi ral, também num critério de interpretagao historica, 6. Democracia dos antigos e dos modernos Como teoria do Estado (e também como chave de interpretagao da histéria), 0 liberalismo & moderno, en- quanto a democracia, como forma de governo, é antiga. crsamento politico grego nos transmitiu uma eélebre Aipotogia das formas de governo das quais uma é a demo: racia, definida como governo dos muitos, dos mais, da iniotia, ow dos pobres (mas onde os pobres tomam a slinnteira & sinal de que poder pertence ao pléthos, & ‘uuassa), em suma, segundo a propria composic’o da pa- Invra, como governo do povo, em contraposigio a0 g0- sen le uns poweos. Seja o que for que se diga, a verda- tle & que, nao obstante o transcorrer dos séculos ¢ todas ns diseussdes que se travaram em torno da diversidade da ioeracia dos antigos com respeito & demoeracia dos lernos, 0 significado descritivo geral do termo nao se lterou, embora se altere, conforme os tempos ¢ as dou- {tinas, 0 seu significado valorativo, segundo 0 qual 0 g0- ‘yemnw do povo pode ser preferivel ao governo de um ou de ppoucos e vice-versa. O que se considera que foi alterado tna passagem da democracia dos antigos a democracia NORBERTO ROBBIO dos modernos, ao menos no julgamento dos que véem como itil tal contraposigao, nao & 0 titular do poder poli tico, que é sempre 0 “povo”, entendido como 0 conjunto dos cidadios a que cabe em tiltima instAncia o direito de tomar as decisdes coletivas, mas © modo (mais ou menos amplo) de exercer esse direito: nos mesmos anos em que, através das Declaragdes dos Direitos, nasce o Estado constitucional moderno, os autores do Federalista con: trapdem a democracia direta dos antigos e das cidades medievais A democracia representativa, que € © ‘nico ‘governo popular possivel num grande Estado, Hamilton se exprime do seguinte modo: E impossivel ler a respeito das pequenas repiiblicas dda Grécia e da Italia sem provar sentimentos de hor- ror ¢ desgosto pelas agitagdes a que estavam elas submetidas, e pela répida sucesso de revolugoes ue as mantinham num estado de perpétua incerte- 2a entre os estidios extremos da tirania e da anar- quia ‘Madison the faz eco: defensor de governos populares jamais se encon- traré to embaragado em considerar 0 cardter € 0 destino deles como quando apreciar a facilidade ‘com que degeneram aquelas formas corruptas do vi- ver politico.” (22) A Humilon, Jaye, Mason, The Federal (1738) (edit 4 Federale, MAA ©. Neg (rs). Boone, tt Maino, 1980 P89. (23) Tra. le 9.8 LIBERALISMO E DEMOCRACTA a Afirmar que 0 defeito da democracia citadina fosse o asitar-se das facgdes era, na realidade, um pretexto € refletia o antigo e sempre recorrente desprezo pelo povo por parte dos grupos oligarquicos: as divisBes entre par- {es contrapostas itiam se reproduzir sob a forma de par- tidos nas assembléias dos representantes. O que, a0 con Iririo, constituia a Gnica e sélida razio da democracia ropresentativa eram objetivamente as grandes dimensbes dos Estados modernos, a comecar da propria unio das troze coldnias inglesas, a respeito de cuja constitui¢zo ts esctitores do Federalista estavam discutindo. Havia econhecido isso 0 proprio Rousseau, admirador apai- onado dos antigos que tinha tomado a defesa da de- hncraeia direta sustentando que “a soberania nfo pode sr representada” ¢, portanto, “o povo inglés cré ser livre, mas se equivoca redondamente; s6 0 € durante clvigaio dos membros do parlamento; tio logo sio esses ‘lito, ele volta a ser eseravo, ndo é mais nada’” Rous- tein, entretanto, também estava convencido de que “inna verdadeira demoeracia jamais existiv nem existi- i", pois exige, aeima de tudo, um Estado muito peque- tno, “ho qual seja féeil ao povo se reunir"; em segundo lugar, “una grande simplicidade de costumes”; além do inais, “uma grande igualdade de condighes e fortunas"; vor fin, “pouco ow nada de lux0", Donde era levado a ccaneluis: “Se existisse um povo de deuses, seria gover: slo democraticamente. Mas um govern assim perfeito thio é feito para os homens".® Tanto os autores do Fede rulista quanto os constituintes franceses estavam conven- witlos de que o nico governo democratico adequado a tum povo de homens era a democracia representativa, ayuela forma de governo em que © povo mio toma ele (26) 2.3. Rowueun, trv Comaret Soot, 1, 15 trad cit, p. 802). o NORBERTO BOBBIO ‘mesmo as decisdes que Ihe dizem respeito, mas elege seus, préprios representantes, que devem por ele decidir. Mas flo pensavam realmente que instituindo uma democ ‘ia representativa acabariam por enfraquecer o principio do governo popular. Prova disso & que a primeira consti tuigo eserita dos estados da América do Norte, a da Vir- ‘inia (1776) — mas a mesma formula se encontra tam. bbém nas constituigies sucessivas —, diz: “Todo o poder repousa no povo e, em conseqiiéncia, dele deriva; os ma- sistrados slo os seus fiducidrios e servidores, e durante todo o tempo responséveis perante ele"; 0 artigo 3° da Declaragto de 1789 repete: “O principio de toda sobera- nia reside essencialmente na nacio. Nenhum corpo, ne- hum individuo pode exercer uma autoridade que no ‘emane expressamente da nagao". A parte o fato de que 0 exereicio direto do poder de decisio por parte dos cida- «ios no € incompativel com o exer ircto através de representantes eleitos, como demonstra a existéncia de constituigbes. como a italiana vigente (que previu © instituto do referendum popular, embora apenas com cficécia ab-rogativa), tanto a democracia direta quanto a indireta descendem do mesmo principio da soberania popular, apesar de se distinguirem pelas modalidades © pelas formas com que essa soberania é exercida, De resto, a democracia representativa também nas da conviegio de que os representantes eleitos pelos cidadios estariam em condigdes de avaliar quais seriam 0s interesses gerais melhor do que os proprios cidadaos, fechados demais na contemplagio de seus proprios inte resses particulares; portanto, a democracia indireta seria mais adequada precisamente para o aleance dos fins a que fora predisposta a soberania popular. Também sob esse aspecto a contraposicao entre democracia dos anti- ‘gos e democracia dos modernos termina por ser desviat ‘e,na medida em que a segunda se apresenta, ou & apre- LIBERALISMO H DEMOCRACTA 3s sentada, como mais perfeita, com respeito ao fim, do que primeira, Para Madison, a delegagio da acto do g0- vyerno a um pequeno nimero de cidadios de provada se bedoria tornaria “menos provavel 0 sacrificio do bem do paisa consideragdes particularistas ¢transitérias” 2 Mas isso desde que o deputado, uma ver eleito, se comportas- se ndo como um homem de confianga dos eleitores que 0 linham posto no parlamento, mas como um representan- eda nacao inteira, Para que a democracia fosse em sen tido proprio representativa, era necessério que fosse ex- ‘luido mandato vinculatério do eleitor para com 0 elei- to, earacteristico do Estado de estamentos, no qual os cestamentos, as corporagies, os corpos coletivos transmi tiam ao soberano, através de seus delegados, as suas T vindicagbes particulares. Também nessa matéri nnamento vinha da Inglaterra. Burke havia dito: Exprimir uma opiniao € um direito de todo homem; ‘dos eleitores é uma opinido que pesa e deve ser res- peitada, e um representante precisa estar sempre pronto a escuticla... Mas instrugdes imperativas ‘mandatos aos quais 0 membro das Assembléias deve cexpressa e cegamente obedecer, tais coisas sio com: pletamente estranhas as leis dessa terra.” Para tornar inclusive formalmente vinculatoria @ svparagio entre representante e representado, os consti- Iuintes franceses, seguindo a opiniao efieazmente expos li por Sigyés (1748-1836), introduziram na constituigio ile 1791 a proibigdode mandatoimperativo com 0 art.72, tla sec. IIL, do eap. 1, do titulo IL, que prescreve: representantes nomeados nos departamentos no sero (26) The Fert. 8-96. (Em Elman Burkes pete che Concason of the Pallonhis Being hand Dab Elec Te Works 3. Doe, 1922p 1, % NoRBERTO HOBBIO representantes de um departamento particular, mas da nagio inteira, ¢ no podera ser dado a eles nenhum mat dato’ Desde entio, a proibigdo feita aos representantes: de receber umm mandato vinculatério da parte de seus eleitores tornar-se-4 um principio essencial ao funciona mento do sistema parlamentar, 0 qual, exatamente em virtude desse prineipio, distingue-se do vetho Estado de ‘estamentos em que vigora 0 prineipio oposto da repre- sentago corporativa fundada sobre o vineulo de manda- to do delegado que ¢ institucionalmente chamado a de- fender os interesses da corporagdo, disso nao se podendo distanciar sob pena de perder o dieito de representacao, ‘A dissolugao do Estado de estamento liberta o individuo na sua singularidade e na sua autonomia: é ao individuo enquanto tal, no a0 membro de uma corporacdo, que ccabe o direito de eleger 0s representantes da nagio — 0s quais sio chamados pelos individuos singulares para re presentar @ nagdo em seu conjunto e devem, portanto, desenvolver su agi e tomar suas decisdes sem qualquer vineulo de mandato, Se por democracia moderna enten de-se a democracia representativa, e se a demoeracia re presentativa é inerente a desvinculagdo do representante {da nagio com respeito a0 singular individuo representa: ‘do € a0s seus interesses particularistas, entio a democra: cia moderna pressupde a atomizagio da nacio e @ sua recomposigio num nivel mais elevado e ao mesmo tempo mais restrito que & 0 das assembléias parlamentares. Mas tal processo de atomizagio é 0 mesmo processo do ‘qual nasceu a concepetio do Estado liberal, cujo funda- ‘mento deve ser buscado, como se disse, na afirmagao dos direitos naturais einviolaveis do individuo. (28) Paraum coment sre tema, ser P. Wome Lopez deta SS Ee ee ee re 7. Democracia e igualdade © fiberalismo dos modernos e a democracia dos an tins foram freqllentemente considerados antitéticos, no sentido de que os democratas da antigiidade nio conhe- nn nem a doulvina dos direitos naturais nem o dever siado de limitar « propria atividade ao minimo ne- ‘cessirio para a sobrevivéneia da comunidade. De outra parte os moderns Uberais nasceram exprimindo uma tprafunda deseonfianga para com toda forma de governo ponular, tendo sustentado e defendido 0 surgi restrito thurauite todo 0 arco do século XIX e também posterior inte, 34 a democracia moderna no s6 no é incompa- Hivel cai © liberatismo como pode dele ser considerada, sul nnuitos aspeetos e 20 menos até um certo ponto, um natural prosseguimento, ‘Com uma eondiggo: que se tome 0 termo “demo- * em seu significado juridico-institucional e nto no ‘ico, ou seja, num significado mais procedimental do ‘que substancial, E inegivel que historicamente “demo: ‘cracia teve dois significados prevalecentes, 20 menos na ‘origem, conforme se ponha em maior evidéncia o conjun- to das regras cuja observincia é necesséria para que o * [NORBERTO BOBBIO poder politico seja efetivamente distribuido entre a maior parte dos cidadiis, as assim chamadas regras do jogo, fou o ideal em que um governo democritico deveria sé inspirar, que é o da igualdade. A base dessa distingao ccostuma-se distinguir a democracia formal da substan: cial, ou, através de uma outra conhecida formulagio, ‘democracia como governo do povo da democracia como ‘governo para o povo. No &o caso, aqui, de repetir aind: uma vez que nessas duas acepgies a palavra ““democra- cia” 6 usada em dois significados diversos:o sufi para produzirem inGteis e interminéveis discussées, ‘como a dedicada a saber se ¢ mais democritico um regi- ‘me em que a democracia formal nfo se faz acompanhar de uma ampla igualdade ou o regime em que uma ampla igualdade 6 obtida através de um governo despético. Desde que na longa historia da teoria democritica se combinam elementos de método e motivos ideais, que apenas se encontram fundidos na teoria rousseauniana, nna qual o ideal fortemente igualitario que a move s6 en- contra realizagao na formagio da vontade geral, ambos (05 signifieados so historicamente legitimos. Mas a legi- timidade hist6rica de seu uso ndo permite nenhuma ila clo sobre a eventual presenca de elementos conotatives Dos dois significados, € o primeiro que esta histori- ‘camente ligado 3 formagio do Estado liberal. No caso de se assumir o segundo, o problema das relagbes entre libe- ralismo e demoeracia torna-se muito complexo, tendo jé dado lugar, ¢ hd motivos para erer que continuard a dar lugar, a debates inconclusivos. De fato, nesse modo 0 problema das relagbes entre liberalismo e democracia se resolve no dificil problema das relagbes entre liberdade e igualdade, um problema que pressupde uma resposta uunivoea a essas duas perguntas: “Qual liberdade? Qual igualdade?”. JeMOCRACIA » \Em seus significados mais amplos, quando se esten: dam a esfera econdmica respectivamente o direito a li herdade co direito aigualdade, como ocorre nas doutrinas, ‘opostasdoliberismo* e doigualitarismo, iberdade eigual- Alade sio valores antitéticos, no sentido de que nfo se pode realizar plenamente um sem limitar fortemente 0 ‘outro: uma sociedade liberal-liberista € inevitavelmente ‘fo-igualitéria, assim como uma sociedade igualitaria é inevitavelmente ndo-liberal. Libertarismo e igualitarismo {undam suas raizes em concepgtes do homem e da socie- dlade profundamente diversas: individualista, conflitua- lista € pluralista a liberal; totalizante, harménica © mo- hista aigualitéria.’Para o liberal, o fim principal & a ex- ppansto da perscinalidade individual, mesmo se o desen- volvimento da personalidade mais rica e dotada puder se afirmar em detrimento do desenvolvimento da persona- lidavle mais pobre e menos dotada; para o igualitario, 0 mi principal 60 desenvolvimento da comunidade em seu conjunto, mesmo que ao custo de diminuir a esfera de Ibersade dos singulares.. | A tinica forma de igualdade que nao s6 é compativel ‘oom a liberdade tal como entendida pela doutrina libe- ral, ns que é inclusive por essa solicitada, & a igualdade i liberdade: © que signifies que cada um deve gozar de ‘nua fiberdade quanto compativel com a Tiberdade dos ‘mutts, podendo fazer tudo o que ndo ofenda a igual li- hheriade dos outros.\Praticament desde as origens do studo liberal essa forma de igualdade inspira dois prin- lpios fundamentais, que sio enunciades em normas cvonstitucionais: a) a igualdade perante a lei; >) (©) Como ler claro so longo do texto, ¢parilarmente no cap ub 1, af malian false em "eri para desgar sored © ‘lw do iberatsmo eeonimio, do ve-carbae,feando otro “be io” reseed pats ouninese do Halen poles. (8. 7) dade dos direitos,'O primeico pode ser encontrado nas, constituigies francesas de 1791, 1793 ¢ 1798; e depois agradativamente no art. 1° da Carta de 1814, no art. 6° dda constituigdo belga de 1830, no art. 24 do estatuto al Dertino (1848). De igual dimensao é considerada a XIV Emenda da Constituigao dos Estados Unidos, que deseja assegurada a cada cidadio "a igual protegdo das leis". O segundo encontra-se afirmad solenemente no art. 1° da Declaragio dos Direitos do Homem ¢ do Cidadao de 1789: “Os homens nascem ¢ devem permanecer livres e iguais em seus direitos”. Ambos os prinefpios atravessam toda a hist6ria do constitucionalismo moderno ¢ estio conjuntamente expressos no art. 3°, primeiro paragrafo, da constituigio italiana vigente: “Todos os cidadaos témn idéntica dignidade social e so iguais perante a lei’ ( principio da igualdade perante a lei pode ser in terpretado restritivamente como uma diversa formulagio do principio que circula em todos os tribunais: “A lei é igual para todos” Nesse sentido significa simplesmente ‘que o juiz deve ser imparcial na aplicagao da lei e, como tal, faz parte integrante dos remédios constitutivos © aplicativos do Estado de direito, sendo assim inerente a0 Estado liberal pela ja mencionada identificagdo do Esta do liberal com o Estado de direito. Extensivamente isso significa que todos os cidados devem ser submetidos as mesmas leis e devem, portanto, ser suprimidas e nao re- tomadas as leis espectficas das singulares ordens ou es- tados: 0 prinefpio é igualitério porque elimina uma dis criminagio precedente. No predmbulo da constituigao de 1791, lé-se que os constituintes desejaram abolir “irre. ‘vogavelmente as instituigdes que feriam a liberdade © igualdade dos direitos”, ¢ entre tais instituigdes so in- cluidas as mais caracteristicas instituigdes feudais. O predimbulo se encerra com uma frase: “Nao existem mais para parte alguma da nagio, nem para algum individuo, LIBERALISMO E DEMOCRACIA, a ‘qualquer privilégio ou excecio ao direito comum de to- ddos os franceses”, que ilustra a contrario, como melhor iilo se poderia desejar, o significado do prinefpio da iqualdade diante da lei como recusa da sociedade por eslamentos e, assim, ainda uma vez, como afirmagio da sociedade em que os sujeitos origindrios sio apenas os Individuos ut singull Quanto a igualdade nos ou dos direitos, ela repre senla um momento ulterior na equalizagio dos indivi duos com respeito & igualdade perante a lei entendida como exclusio das diseriminagdes da sociedade por es- lumentos: significa © igual gozo por parte dos cidadiios de alguns direitos fundamentais constitucionalmente ga- rantidos. Enquanto a igualdade perante a lei pode ser Iinterpretada como uma forma especifica e historicamen- (c determinada de igualdade juridica (por exemplo, no de todos de ter acesso a jurisdigdo comum ou aos ipais cargos civis e militares, independentemente do hnaseimento), a igualdade nos direitos compreeende a iqualdade em todos os direitos fundamentais enumera- los numa constituigao, tanto que podem ser definidos vom fundamentais aqueles, e somente aqueles, que «levem ser gozados por todos os cidados sem discrimi- tungies derivadas da classe social, do sexo, da religiao, da raya, etc, © elenco dos direitos fundamentais varia de é)maea para época, de povo para povo, € por isso no se pode fixar um elenco de uma vez por todas: pode-se ape- 1s dizer que sao fundamentais os direitos que numa de- tcriminada constituigio so atribuidos a todos os cida- «lh indistintamente, em suma, aqueles diante dos quais twas os eidadaos sto iguais. 8. O encontro entre liberalismo e democracia Nenhum dos prinefpios de igualdade, acima ilustra- 4dos, vinculados ao surgimento do Estado liberal, tem a ‘ver com o igualitarismo democritico, 0 qual se estende 440 ponto de perseguit o ideal de uma certa equaliza¢a0 econdmica, estranha & tradigdo do pensamento liberal. Este se projetou até a aceitagio, além da igualdade juri dic, da igualdade das oportunidades, que prevé a equa- lizagao dos pontos de partida, mas nfo dos pontos de chegada:Com respeiio, porianto, aos varios significados possiveis de igualdade, liberalismo e democracia esto destinados a nfo se encontrar, o que explica, entre ou- tras coisas, a contraposicao histérica entre eles durante ‘uma longa fase. Em que sentido, entio, a democracia pode ser considerada como o prosseguimento e o aperfei ‘coamento do Estado liberal, so ponto mesmo de justifi- car 0 uso da expressio “iberal-democracia” para desi: ‘nar um certo nimero de regimes atuais? Nao sé o libera- listno é compativel com a democracia, mas a democracia pode serconsiderada como o natural desenvolvimento do Estado liberal apenas se tomada no pelo lado de seu LIBERAL SMO F DEMOCRACIA a que 6, como se viu, a soberania popular. O Ginico modo de tornar possivel excreivio da soberania popular & a atribuigio ao maior mimero de cidadaos do dircito de participar direta e indiretamente na tomada das decisdes coletivas; em outras palavras, a maior extensio dos reitos politicos até o limite ditimo do sufrégio universal masculino e feminino, salvo o limite da idade (que em xgeral coincide com s majoridade). Embora muitos escri- tores liberais tertham contestado a opertunidade da ex: onsio do stfrigio e no momento da formacao do Estado liberal a participacio no voto fosse consentida apenas aos proprietarios, & verdade € que 0 sufrigio universal nao & em linha de psineipio contririo nem ao Estado de direito nem a0 Estado minimo. Ao contrério, deve-se di ver que se foi formando uma tal interdependéncia entre tum ¢ outto que, engvanto ne inicio puderam se formar Estados liberais que no erar demoeraticos {a nfo ser nas doclaragdes de principio), hoje Estados liberais ndo- demoeraticos nfo seriam mais coneebiveis, nem Estados idemocriticas que no fossem também liberais. Existem, '8) que hoje o método les fundamentais da pessoa, que est Es J; b) que a salvaguasda desses direitos seja neces pari a correto furcionamento do método democré- ‘Com respeito ao priaeire ponto deve-se observar © ane segue: a maior garantia de que 0s direitos de liber- shuk:scjam protegidos contra a tendéncia dos governan- tes se fimité-los e suprimi-los esté.na possibifidade que ‘vidas tenham de defendé-los contra os eventuais huss, O melhor remédio contra 0 abuso de poder sob ‘qwaluer forma — mesmo que “melhor” no queira realmente dizer nem timo nem infalivel — & 2 partici- pagio direta ou indireta dos cidadios, do maior némero de cidadios, na formagio das leis. Sob esse aspecto, os direitos politicos sio um complemento natural dos direi- tos de liberdade e dos direitos civis, ou, para usar as co~ nhecidas expressdes tornadas eélebres por Jellinek (1851 -1911), 0$ iura activae civitatis constituem @ melhor sal- vaguarda que num regime nao fundado sobre a sobera- nia popular depende unicamente do direito natural de resistencia & opressto. ‘Com respeito ao segundo ponto, que se refere no mais necessidade da democracia para a sobrevivéncia do Estado liberal, mas, a0 contrério, ao reconhecimento dos direitos invioléveis da pessoa sobre os quais se funda 0 Estado liberal para o bom funcionamento da democra- cia, deve-se observar que a participacio no voto pode ser considerada como correto ¢ eficaz exercicio de um poder politico, isto é, 0 poder de influenciar a formagio das decisdes coletivas, apenas caso se desenvolva livremente, quer dizer, apenas seo individuo se dirige as urnas para expressar 0 proprio voto goza das liberdades de opinio, de imprensa, de reunido, de associagao, de todas as li berdades que constituem a esséneia do Estado liberal, ¢ {que enquanto tais passam por pressupostos necessérios para que a participagao seja real e nao ficticia. Tdeais liberais e método democratico vieram gra- dualmente se combinando num modo tal que, se & ver dade que 0s direitos de liberdade foram desde o inicio a ‘condigio necesséria para a direta aplicagio das regras do jogo democritico, & igualmente verdadeiro que, em se- ‘guida, 0 desenvolvimento da democracia se tornow 0 principal instrumento para a delesa dos direitos de liber- dade. Hoje apenas os Estados nascidos das revolugdes liberais sio democ jews ¢ apenas os Vstados democri- ticos protegem os dirciles ds unica: todas os Estados utoritarios dl nud saw aor msi tempo antiliberais| eantidemoeritiens 9. Individualismo e organicismo- Esse nexo reeiproco entre liberalismo e democracia, & possivel porque ambos tm um ponto de partida co- ‘mum: o individuo. Ambos repousam sobre uma concep: eto individualista da sociedade. Toda a historia do pen- samento politico esté dominada por uma grande dicoto- mia; organicismo (holismo) e individualismo (ato mismo). Mesmo que 0 movimento nio seia pode-se dizer com uma certa aproximagao que o organi cismo ¢ antigo, ¢ 0 individualismo modern (ou pelo me- nos dele se pode fazer comecar a teoria do Estado mo~ dderno): uma contraposigao historicamente mais correta {quea proposta por Constant entre democracia (antiga) & liberalismo (moderno). Enquanto 0 organicismo consi dera o Fstado como um grande corpo composto de partes {que concorrem — cada uma segundo sua propria desti- hago e em relagio de interdependéncia com todas as demais — para a vida do todo, ¢ portanto no atribui enhuma autonomia aos individuos uti singuli, 0 indi dualismo considera o Estado como um conjunto de indi- viduos e como o resultado da atividade deles e das rela-

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