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caPrTuLo um Refletindo sobre a pratica da aula de Portugués Enure 0 porgue eo por qué hd mais bobagem wramatical do que sabedoria semantica, MittoR Fensaxoes 1.1. Sinais de mudanga Um exame mais cuidadoso de como 0 estudo da Uingua portuguesa acontece, desde o Ensino Fundamen. fal revela a. persisténcia de uma pritica pedagégica gue, em muitos aspectos, ainda mantém a perspectiva reducionista do estudo da palavra e da frase descontex. fualizadas, Nesses limites, ficam reduzidos, naturalmen. &, 08 objetivos que uma compreensao mais relevante 2 linguagem poderia suscitar — linguagem que s6 Sunciona para que as pessoas possam interagir social. Ssente, Embora muitas agées institucionais jé se te- ‘sham desenvolvido, no sentido de motivar e fundamen. ‘Sr uma reorientacdo dessa pratica, as experiéncias de 'RErLETINDO Sonne a PeAmiCADA AULA DE FoRTUUS | 19 renovagao, infelizmente, ainda nao ultrapassam o domi- Consegitentemente, persiste 0 quadro nada ani- mador (e quase desesperador) do insucesso escolar, que se manifesta de diversas maneiras. Logo de saida, ma- ta descoberta, por parte do aluno, de igués”, de que “o portugues é Posteriormente, manifesta- aversio as aulas de portu- na dolorosa experiéncia da uma lingua muito dil se na confessada (ou vela peténcia e da evasao escolar: Com enormes dificuldades de leitura, 0 aluno se vé frustrado no seu esforgo de estudar outras dis capaz, de que ¢ ling - nao podendo, portanto, to- Ita, Naturalmente, como tantos outros, vai margem do entendimento ¢ das decisoes de construgao da sociedade. E evidente que causas externas a escola interfe- na determinagao desse resulta- reflete as condigdes gerais de vida da comunidade em evidente também que E principalmente em Atengao a esses fatores liga- dos a escola que desenvolvo, no momento, as presentes reflexdes ¢ propostas de estudo do portugues. 20 | Auta be Poarucues Trawoe AxTuvEs constituem um enorme desafio para a responsabilidad ¢ ara 0 espirito civico de todos. Os momentos de crise ‘do, comumente, também momentos de crescimento. Por isso que jé se pode testemunhar um conjunto de atuagdes sociais positivas, na direcéo de uma crescente consciéncia da cidadania cada vez mais integral e efetiva. © presente trabalho pretende ser, também, uma Tesposta aos apelos ¢ as exigéncias de construgao dessa mesma cidadania. 1.2, Um querer ja legitimado E possivel documentar, atualmente, uma série de agGes que as instituicdes governamentais, em todos os niveis, tém empreendido a favor de uma escola mais for rae epee agdes, apesar de todos os seus limites, acontecem tanto na area da formagao e capacita- ‘g40 dos professores como na outra, nao menos significa- tiva, das avaliagoes. Basta referir o trabalho que res ha claboracao e divulgagao dos Parametros Curriculares Nacionais (PCN), com todos os seus Posteriores desdobramentos; ou 0 trabalho empreendido pelo Sistema Nacional de Avaliagao da Educagio Bisica (SEB), que ‘objetiva avaliar o desempenho escolar de alunos de todas as ‘egies do pais e, a partir dai, oferecer, ao priprio Govern aos Estados, subsidios para a redefinigao de poli- edlucacionais mais comsistentes ¢ relevantes. Em relagdo aos PCN, nao se pode deixar de reco- que as concepgdes tedricas subjacentes ao docu- [REFLETINDO some PRATICA DA AULA DH PORTUGUES | 21 mento ja privilegiam a dimensio interacional e discursiva da Iingua e definem o dominio dessa lingua como uma das condigées para a plena participagao do individuo em seu meio social (cf. p. 19). Além disso, estabelecem que 08 contetidos de lingua portuguesa devem se articular em tomo de dois grandes eixos: 0 do uso da Iingua oral ¢ escrita e 0 da reflexdo acerca desses usos. Nenhuma aten- a0 € concedida aos contetidos gramaticais, na forma e na seqiiéncia tradicional das classes de palavras, tal como aparecia nos programas de ensino de antes. Em relagao ao SAEB, a orientagdo nao é diferen- te: os pontos — chamados de descritores — que cons- tituem as matrizes de referéncia para a elaboragao das questées das provas — contemplam ex; compreensio ¢ nada de definigdes ou classificagdes gramaticais. Todas essas competéncias sao avaliadas em textos, de diferentes tipos, géneros ¢ fungdes. Nao ha um descritor sequer que se parega com os itens tradi- cionais dos programas de ensino do portugués. Nem a famigerada concordancia verbal saber da “inequivoca norma culta”, aparece. Tampouco a regéncia ou outra questao semelhante. Muito menos as famosas classificagées de oragdes. Os Estados tém entrado em harmonia com estas orien- tagoes do SAEB e ja organizam seus exames de avaliagao! * Vale a pena consultar os descritores selecionados para as matrizes do Estado de Pernambuco. Embora se apregoe que tais ‘matrizes existem para orientar a avaliagio do ensino, € inegvel ue os descritores nelas contidos podem inspirar muito positiva- ‘mente as atividades escolares com a leitura e a escrita, Atwalmente, 22 Ava be Porruoves Inanoe Avruses com base num rol de competéncias semelhantes, tam- bém avaliadas em textos. Nale referir também o trabalho que € realizado pelo Programa Nacional do Livro Didatico (PNLD) que, elo menos em relagao a lingua portuguesa, tem ofere, cido étimas pistas para a produgao dos ais de ensino. Os exames vestibulares de algumas universida- des também 1ém botado lenha nessa fogueira, Ou seja, aS questdes em torno de competéncias textuais tém tra, ido a dimenso da textualidade para o dia-a-dia da ath Vidade pedagdgica ou, pelo menos, conseguiram tirar do Centro de interesse a anélise puramente metalingiistica que prevalecia nos programas de ensino, Parece, portanto, néo faltar ao professor o respal- ; do das instancias superiores, que assumiram o discur- 0° de novas concepgdes te6ricas, de onde podem emer. gir novos programas e novas praticas. Pelo menos, para 08 professores, jé no tem sentido transferir para as Secretarias de Educagao, para o vestibular ou para todos (08 livros didticos, a responsabilidade de ter de “rezar” io das classes de palavras, conta a conta, 58 dispoe de uma Matriz Curricular para ssivamente para a avaliagio), com a ias esperadas Esse ores tem como supore tcdico os principios de ners € da textualidade. “ * Certamente outs aides adminstativas dev 9 plano do ciscurso ofa para que as concen s pelos govemos posiam tomarse cada tes has Ue ee -Rerverwoo sopae 4 Arica D4 AULA De poetuuts| 23, uma a uma. A “salvagdo” parece vir por outros meios. ;ntos” comegam a ter outra cara. Ou seja, os * 1.3. Num olhar de relance Sem perder de vista que muito empenho vem sendo demonstrado (e com alguns resultados evidentes ¢ louvé- no sentido de deixar a escola em condigoes de mais idade ¢ maiores éxitos, me parece witil, ainda, come- por referir algumas constatagdes menos positivas, = acerca de como acontece a atividade pedagégica de ensi- no do portugués (as veres, preferia ndo ter visto...!). Vou fixar-me, como disse, em quatro campos: o da oralidade, 6 da escrita, o da leitura e 0 da gramatica. 1.3.1. O trabalho com a oralidade idades em torno da orali- No que se refere as linda se pode constatar: + uma quase omissio da fala como objeto de ex- ploragao no trabalho escolar; essa omissao pode dade, uisos orais da lingua estéo to ligados a vida de todos nés que nem precisam ser matéria de sala. de aula (cf, Mareuschi, 2001: 19); + uma equivocada visio da fala, como o lugar do das regras da gra- permitido, pois ela est4 acima das prescr: gramaticais; nao se distinguem, portanto, as si- Trane Poxrvaves é de oralidade que nao 0 coloquial; * uma concentracao das atividades em A géneros da oralidade informal, peculiar as si colega vizinho” etc. Na verdade, o trabalho se restringe a reproducao desses registr tente de como a conversagdo acontece; * ou seja, uma generalizada falta de oportunidades de se explicitar em sala de aula os padroes gerais da conversa, de se abordar a realizagao dos gé- nneros orais da comunicagao publica, que pedem re- gistros mais formais, com escolhas lexicais mais especializadas e padrdes textuais mais rigidos, além do atendimento a certas convengées sociais exigidas pelas situagdes do “falar em publico”. }.2. O trabalho com a escrita No que se refere as atividades em torno da eserita, la Se pode constatar: + um processo de aquisigao da escrita que ignora 4 interferéncia decisiva do sujeito aprendiz, na construgao e na testagem de suas hipéteses de tepresentacao grafica da lingua; _# a pritica de uma escrita mecénica e periférica, icialmente, nas habilidades motoras RerLtixoo Sonne 4 reATICA BA AULA Dx PORTUGUES | 25 de produzir sinais grificos e, mais adiante, na memorizagao pura e simples de regras ortogra- ficas: para muita gente, no saber escrever ain- da equivale a escrever com erros de ortogr: ‘a de uma escrita artificial e inexpressiva, realizada em “exercicios” de criar listas de pa- lavras soltas ou, ainda, de formar frases. Tais palavras e frases isoladas, desvinculadas de qualquer contexto comunicativo, so vazias do sentido ¢ das intengdes com que as pessoas di- zem as coisas que tem a dizer. Além do mais, esses exercicios de formar frases soltas afastam 6 alunos daquilo que eles fazem, naturalmente, quando interagem com os outros, que & “cons- truir pecas inteiras”, ou seja, fextos, com unidade, com comeco, meio ¢ fim, para expressar sentidos ¢ intengoes. Parece incrivel, mas é na escola que as pessoas “exercitam” a linguagem ao contréri ou seja, a linguagem que ndo diz nada. Nessa linguagem vazia, os principios basicos da textualidade sao violados, porque o que se diz € reduzido a uma sequiéncia de frases desliga- das umas das outras, sem qualquer perspectiva de ordem ou de progressio e sem responder qualquer tipo particular de contexto social * a pritica de uma escrita sem fungao, destituida de qualquer valor interacional, sem autoria sem recepgao (apenas para “exercitar”), uma “Isabel Pinheiro, em sua dissertagao de mestrado (cf. Biblio~ srafia), analisou as propostas de produgao de texto de alguns livros didaticos e constatou que somente muito poucas cuidam de levar em conta os fatores interativos do ato de escrever um texto, 26 | AuLA be Porrecues Treanor. Axons vez que, por ela, ndo se estabelece a pretendida entre a linguagem e 0 mundo, © autor € 0 leitor do texto; * a pratica de uma esc lades de exer da escrita, como, px exercicios de separa cimento de menino sabi 1.3.3. O trabalho com a leitura No que se refere a& a também se encontra ainda: lades de ensino da leitura, + uma atividade de leitura centrada nas habilidades mecénicas de decodificagao da escrita, sem ditigir, contudo, a aquisigao de tais habilidades para a di- mensio da interagao verbal — quase sempre, nessas circunstancias, nao ha leitura, porque nao ha “en- contre” com ninguém do outro lado do texto; uma atividade de leitura sem interesse, sem mente desvinculada is que se faz da leitura + uma atividade de leitura puramente escolar, sem gosto, sem prazet, convertida em momento de ‘ou em oportunidade para futuras “cobrang: leitura que é, assim, redu- ida a momentos de exercicio, sejam aqueles da “eitura em voz. alta” realizados, quase sempre, -s avaliativos, sejam aqueles que tem de culminar com a elaboracdo das conhe- cidas “fichas de leitura’; * uma atividade de leitura cuja interpretagao se imita a recuperar os elementos literais e expli- citos presentes na superficie do texto. Quase sempre esses elementos privilegiam aspectos apenas pontuais do texto (alguma informagao localizada num ponto qualquer), deixando de lado os elementos de fato relevantes para sua compreenso global (como seriam todos aque- les relativos a idéia central, ao argumento prin- cipal defendido, a finalidade global do texto, a0 reconhecimento do conflito que provcou © enredo da narrativa, entre outros); + uma atividade incapaz de suscitar no aluno a compreensao das mii leitura (muitas vezes, 0 que se lé na escola nao coincide com o que se precisa ler fora dela); * enfim, uma escola “sem tempo para a lei porque, como declararam os alunos, “tinha qu aprender as narrativas, a lingua portuguesa ¢ as palavras que a gente fala errado” ou, que “atrapalha o professor em suas exp (cf. Silva, 1986: 27). 28 | Avia ve Porucves A propésito da questao “o tempo para a leitura na escola”, vale a pena referir a pesquisa realizada por Lilian Martin da Silva (1986) junto a alunos de es piiblicas de Campinas (tenho sérias dtividas se os resul- tados seriam muito diferentes, caso a pesquisa fosse feita em escolas particulares!). As respostas dos alunos so auténticas dentincias da estreiteza com que algu- ‘mas escolas tém considerado os objetives de uma aula de portugues, Vejamos © que os alunos responderam, quando solicitados a dizer se liam durante as aulas de portugués: “Nunea porque ndo sobrava tempo.” “Nunca porque ndo dé tempo.” “Nunca porque a professora achava que perderia muito tempo de aula.” "Pouco, porque nos pri E muito exercicio.” “A professora dava a matéria, explicava e nunca den uma aula de leitura” “A gente lia apenas o livro da matéria.” “Os professores se preocupam com a gramiética e a redagao." iros anos escolares eu fiz Como Da falta de tempo genericamente just ntos permite avangar um pouco mais na lo dessa questao ou porque através deles os alu- 1m as explicagdes que Ihes so dadas ou porque depois de anos a fio, vendo repetida a pritica de leitura, entender os seus porqués (p. 27). Ruruerispo sown mekricn DA AULA De roRTUGLES | 29 Assim € que A pergunta “Por que néo ha tempo Conscientes dessa compreensio falseada do que seja a para a leitura em "2 os alunos responderam: sramatica de uma lingua, passamos ao item segui 1.3.4. O trabatho com a gramdética No que se tefere a atividades em tomo da gramé: : tica, pode-se constatar 0 ensino de: nian ee : * uma gramética descontextualizada, amorfa, da faba a prakesse oes" Ingua como potencialidade; gramatica que 6 muito ; mais “sobre a lingua”, desvinculada, portanto, dos lusos reais da lingua escrita ou falada na comuni. cagio do dia-a-dia; * uma gramatica fragmentada, de frases inventa- das, da palavra e da frase isoladas, sem sujeitos __ interlocutores, sem contexto, sem fungac feitas para servir de ligao, ‘a matéria” que precisava uma gramitica da irrelevancia, com primazia em Na verdade, a compreensao deturpada questGes sem importancia para a competé: que se tem da grat it iguir um adjunto adnominal © a escrita de textos adequados e relevantes. HA um complemento nominal, ou, ainda, em reco- equivoco tremendo em relacao a dimens: - wecer as diferentes fungdes do ove ou do se, _folsas com as quais muito tempo de aula ainda é rdigado; sramitica das excentricidades, de pontos de tefinados, mas, muitas vezes, inconsistentes, Ae apdiam apenas em regras e casos particu. que, apesar de estarem nos compéndios de . estdlo Hora dos contextos mais pre cipar da vida de sua comunidade. 30 | Auta or Poxrucuts. Tanne Arta ururino sown. redrica 04 au1a 06 rot * uma gramatica voltada para a nomenclatura e a classificagao das unidades; portanto, uma gramé- tica dos “nomes" das unidades, das classes ¢ subclasses dessas unidades (e nao das regras de seus usos). Pelos li treitos dessa graméti- ca, 0 que se pode desenvolver nos alunos é apenas lade de “reconhecer” as unidades e de nomeé-las corretamente. Vale a pena lembrar que, de tudo o que diz. respeito & lingua, a nomencla- tura é a parte menos mével, menos flexivel, mais estanque e mais distante das intervengdes dos fa- lantes, Talvez, por isso mesmo, seja a parte “mais facil” de virar objeto das aulas de lingua. Vale a pena lembrar também que a gramstica de uma lin- gua é muito mais, muito mais mesmo, do que o junto de sua nomenclatura, por mais bem el borada e consistente que seja. A esse propés muito Gtil a consulta ao trabalho de Neves (1994: 12), trabalho pelo qual ela péde constatar que os exercicios em torno do reconhecimento da classe gramatical das palavras e de suas fungdes sintati- cas obtiveram 0 maior indice de freqiténcia; les uma gramdtica inflexivel, petrificada, de uma lin- gua supostamente uniforme e inalteravel, diavelmente “fixada” num conjunto de regras que, conforme constam nos manuais, devem manter- se a todo custo imutaveis (apesar dos muitos usos em contratio), como se 0 processo de mudanga das Iimguas fosse apenas um fato do passado, algo que ja aconteceu e ndo acontece mais. Por esta via de percepgao, a “consulta” que se faz € sem- re, e apenas, a um compéndio de gramética (nem Powrvees Iran. AxruNes 14. sempre consistentemente atualizado), sem, de al- guma maneira, considerar o que, na verdade, é fato, ou seja, sem considerar 0 que faz parte dos uusos reais que os grupos mais escolarizados de falantes e escritores da atualidade adotam; uma gramatica predominantemente prescritiva preocupada apenas com marcar 0 “certo” e 0 “er. rado ymente extremados, como se fa- lar e escrever bem fosse apenas uma questao de falar e escrever corretamente, nado importando o iz, como se diz, quando se diz, e se se tem algo a dizer. Por essa gramética, professores ¢ alunos s6 vem a lingua pelo prisma da correcao ©, 0 que é pior, deixam de ver outros muitissi 10s fatos e aspectos lingti (os fatos textuais e discursivos, por exemplo), realmente uma gramatica que nao tem como apoio o uso da lingua em textos reais, isto 6, em manifestagoes textuais da comunicagao funcional e que nao chega, por isso, a ser 0 estudo dos usos comunicati- Virando a pagina A reorientagao do quadro até aqui apresentado Tequer, antes de tudo, determinagio, vontade, empenho de querer mudar: Isso supde uma agdo ampla, fun mentada, planejada, sistemdtica e participada (das po ticas piblicas — federais, estaduai © municipais — dos professores como classe e de cada professor em Pena consultar, entre muitos outros, Brit * Acerca das crit 0 ensino de e possa chegar a uma escola que papel social de capacitagaio das cada vez mais pleno e consci- particular), para que s cumpra, de fato, seu pessoas para o exerescio ente de sua cidadania. lade do proceso pedagégico imp “m se prever € Se avaliar, a linguagem? O que é na verdade, 0 cuidado «1 radamente, concepedes (O que € objetivos (Para que © finalidade?), procedimentos ( tados (O que temos consegti as agoes se orientem te: conseguir ampliar as interacionais dos alunos. 'do?), de forma que todas para um ponto comum & competéncias comunicativo- assumir a discussao de como apro? 10, de “competéncias para da mudanga, pois ji engio dos professores de querer adotar uma ica realmente capaz. de oferecer re- gratificantes. Como em mul- para identificar os sultados mais positivos € tos outros casos, discuti problemas ¢ encontrar saidas, ja € wm: 1e do processo de mudanga. FE evidente que qualquer discussio sobre os obje- tivos da atividade pedagégica, por mai leve complementar-se com. © ‘a reflexdo, a pesquisa (n6s, p! ‘mos de tempo para jsso!) € que participam dessa ativi cesta reflexdo produtiva, na pr ofessores, precisa- jdade. O empenho por fazer yratica didria das atividades que a ‘que assumé do portugués, do Fur elementos que “A discusso que trago sera valida ¢ encontraré , apenas se comple- [Roruerispo sone a PrATICA DA AULA De ronTuGUtS | 35 com a vida da escola, (Educar requer estado de espirito” permanente). Os mei imentos concretos de levar té ‘da sala de aula e, nao s6, até a escola como um dia a dia pensados, descobertos, inventados, s, conforme as ircunstancias particulares de ago, de cada meio geografico e social. Dessa yprofessor encontra condigdes para deixar de ser idor de uma lista de contetidos, iguaizinhos ‘ano, em qualquer lugar ou situagéo — contet- ‘yezes, alheios a Iingua que a gente fala, ouve, Je, Vale lembrar aqui Rubem Alves, em Conver- gosta de ensinar (p. 31):"Bem dizia o mestre euagem tem um poder enfeiti- ‘eu me pergunto: de que palavras nos alimen- Pois é, perguntemo-nos: de que palavras se fa vida da escola? O que palavras pelos corredores das escolas? disposigao neste momento €, 1em a orientagio ou a atividade de ndamental ao Ensino Mé- .ssam ajudar na descober- 9s jeitos” de ver a lingua e, conseatie ‘yerrse como professor em aulas de portugues. para o exercicio fluente, verbal, oral e escrita, -apacitar o cidadao bra- adequado ¢ relevante da Como discussao, este livro se destina a apresentar nao um receituario simplista de novas técnicas a serem empregadas e, muito menos, de novas tarefas a se- rem realizadas: destina-se a apresentar uma série de ios, capazes de fundamentar a ampla e comple- xa atividade do ensino da lingua. Esses principios teé- ricos, objetivos e cientificos, contém, naturalmente, im- plicagdes pedagégicas. Basta analisé-los com cuidado para descobri-las. Dessas implicagdes, por sua vez, derivam as praticas ou os procedimentos concretos que cada professor, na vida diaria com seus alunos, vai in- lugar para o professor simplistamente repetidor, como disse acima, que fica, passivo, a espera de que Ihe digam exatamente como fazer, como “passar” ou “aplicar” as nogées que The ensinaram. Os princfpios sao fundamento em que 0 professor vai apoiar-se para criar suas opgdes de traba- Iho. Q novo perfil do professor é aquele do pesquisador, que, com seus alunos (e nao, “para” eles), produz. co- nhecimento, 0 descobre e o redescobre. Sempre.| Muitas e urgentes sao as razdes sociais que justi- ficam © empenho da escola por um ensino da lingua cada vex mais itil e contextualmente significative. Sa- bemos quanto a incompeténcia atribufda a escola esta ligada a conflitos com a linguagem (cf. Soares, 1987), a percepgdes distorcidas e miticas acerca do que seja 0 fenomeno Ii ico (cf. Bagno, 1999, 2000). Sabemos quanto nos aflige a seletividade, a manutengéo da es- trutura de classes e a reprodugao da forga de trabalho (cf. Carraher, 1986) que, incondicionalmente, decorrem também dessa incompeténcia e dessas distorgées. Sa- bemos que a educacdo escolar € um processo social, 36 Auta oe Porrucuts Trawoe Axruses nitida e incontestavel fungao politica, com desdo- bramentos sérios e decisivos para 0 desenvolvimento Blobal das pessoas e da sociedade. Sentimos na pele “que no dé mais para “tolerar” uma escola que ‘ezes, nem sequer alfabetiza (principalmente os ma >) ou que, alfabetizando, nao forma leitores nem capazes de expressar'se por escrito, coerente Rerurrisoo soa 4 reATICA DA AULA DE morrucuts | 37 Assuminde a dimensdo interacional da linguagem So esqueceram uma coisa na construgdo do nosso 3 cedificio social: a pedra fundamental. < Muniox Feewaxoes 3 Toda) atividade pedagégica de ensino do portu- és tem subjacente, de forma explicita ou apenas in- iva, wma determinada concepedo de lingua. Nada do se realiza na sala de aula deixa de estar dependente ‘um conjunto de principios tesricos, a partir dos quais fendmenos lingiifsticos so percebidos e tudo, con- qilentemente, se decide. Desde a definicdo dos obje- , passando pela selegtio dos objetos de estudo, al Iha dos procedimentos mais corriqueiros e espe- , em tudo esta presente uma determinada con- de lingua, de suas fungdes, de seus processos de , de uso e de aprendizagem. " Tenho presenciado, por vezes, uma certa descon- ‘ou uma certa restrigdo dos professores quando ASSUMINDO A DIMENSAO ISTERACIONAL DA LANGUAGE | 39 se trata de thes oferecer mais referenciais te6ricos. Parece que so meio descrentes da teoria. “Queremos pratica’, costumam dizer. Esta afirmacao pode signifi- car um certo ceticismo ou um descontentamento com explicagies te6ricas que hes chegam nos eventuais encontros ou “treinamentos’. Nesse caso, os professo- res podem ter raziio, principalmente, se a teoria que ca mais produtiva, mais relevante e significativa. Mas o desinteresse pela teoria pode significar tam- bém uma incompreensio do que seja “teoria” e “prati ca”, de como uma e outra se interdependem ou se al mentam mutuamente. Como pode significar ainda uma certa acomodagao dos professores, que, passivamente, esperam que alguém venha dizer a eles o que fazer € como fazer, dispensando-os, assim, do trabalho cons- tante de estudar, de “estar atentos", de pesquisar, de avaliar, de criar, de inventar e reinventar sua pratica, 0 que naturalmente supde fundamentagio teérica, am- pla, consistente e relevante. Nao pode haver uma pratica eficiente sem funda- mentag3o num corpo de principios tedricos sélidos ¢ objetivos. Nao tenho dtividas: se nossa prética de pro- fessores se afasta do ideal é porque nos falta, entre ‘outras muitas condigdes, um aprofundamento te6rico acerca de como funciona o fenémeno da linguagem humana. 0 conhecimento teérico disponivel a muitos professores, em geral, se limita a nogdes ¢ regras gra- maticais apenas, como se tudo 0 que é uma Iingua em funcionamento coubesse dentro do que é uma gramé- tica, Teorias lingifsticas do uso da prosédia, da morfos- sintaxe, da semantica, da pragmatica, teorias do texto, 40 | Auta pe Poervouts Traxpe Arun eepgdes de leitura, de escrita, concepgoes, enfim, do uso interativo e funcional das pode embasar um trabalho verdadeiramente eficaz professor de portugues. Mas voltemos a questo dos prinefpios teéricos. _ De uma forma muito geral, pode-se dizer que, ao dos estudos lingiifsticos, duas grandes tendéncias M marcado a percepedo dos fatos da linguagem: a) uma tendéncia centrada na lingua enquanto enquanto conjunto abs- trato de signos e de regras, desvinculado de ‘suas condigdes de realizacao; centrada na lingua enquanto nquanto atividade e interagao terlocutores e, assim, enquanto sistema-em-fundo, vinculado, portan- to, as circunstancias concretas e diversificadas de sua atualizacao, nseqtientemente, um trabalho pedag itivo € relevante. Ou seja, a evidéncia de que as 86 existem para promover a interagio entre as nos leva a admitir que somente uma concepeao acionista da linguagem, eminentemente funcional te, produtivo e relevante. Iingua-em-fungao apenas ocorre sob a forma | textualidade — e esta é uma segunda evidéncia que ASSUMINDO A DIMENSNO ISTERACIONAL DA taNGUAGEA | 41 quero lembrar aqui — € natural admitir também que 86 0 estudo das regularidades textuais e discursivas, na sua produgdo e interpretago, pode constituir 0 objeto de um ensino da lingua que pretenda ser, como se disse acima, produtivo e relevante. Assumo, portanto, que 0 micleo central da pre- sente discussao € a concepedo interacion icional e discursiva da lingua, da qual deriva o principio geral iguua 6 se atualiza a servigo da comunicagao intersubjetiva, em situagoes de atuagao social e através de priticas discursivas, materializadas em textos orais e escritos. E,, pois, esse niicleo que deve constituir 0 pon- to de referéncia, quando se quer definir todas as op- gdes pedagégicas, sejam os objetivos, os programas de estudo e pesquisa, seja a escolha das atividades ¢ da forma particular de realizé-las ¢ avalié-las. Vale a pena trazer a discussao mais um ponto: as aulas em questio sio “aulas de portugués”. Mas, de que portugués? Do portugues de Portugal? Do portu gués do Brasil? E claro que & do portugues do Bra aberto, porém, a andlise de outras variedades, Essa é ‘uma questéo fundamental, que tem desdobramentos de toda ordem. S6 para dar um exemplo: querer aplicar ao portugués brasileiro as regras da colocacao prono- minal do portugués europeu é gerar uma série de in- . Ou seja, a chamada “norma-padrao” na escola deve ter como parametro os sos préprios do Brasil, nos diferentes contextos de 42 | Ava be Porrucurs Inaspe Axrunes funcionamento da lingua. De outra forma, se cria um fosso sem sada, um problema sem solucdo, (“uma pedra no meio do caminho” que nao pode ser afastada.) ponto de de que é 0 aluno 0 ssujeito da aprendizagem que acontece, ou seja, é ele quem realiza, na interagao com 0 objeto da aprendizagem, a atividade estruturadora da qual resulta 0 conhecimento Cf. Kato, 1986). Vale a pena ter em conta, ainda, que tal iplica, no © armazenamento, em esto- que, de um conjunto de informagées, de contetidos ¢ Tegras, mas a existéncia de uma capacidade gerativa, isto 6, uma capacidade de encontrar novas Tespostas para problemas inteiramente novos, em novas apresento um conjunto de princfpios que, como disse, podem respaldar uma pritica pedagdgica de _ estudo ¢ exploragao da oralidade, da escrita, da leitura ¢ Em nenhum momento atribuo a esses ; da cons- ‘ttucao que professores ¢ alunos vio empreender: Bons professores, como a aranha, sabem que li- , essas teias de palavras, nao podem ser tecidas no zio. Elas precisam de fundamentos. Os fios, por firtos + leves que sejam, tém de estar amarrados a coisas s6li- das: drvores, paredes, caibros. Se as amarras sao corta- ; @ teia é soprada pelo vento, ea arartha perde a casa. fessores sabe que isso vale também para as pala- : separadas das coisas, elas perdem seu sentido. Por mesmas, elas nao se st teia de aranha, se suas amarras as coisas sélidas sito 5 elas se tornam sons vazios: nonsense... (Ru- Prevejo, para além da explicitagao desses princi- ibs antes de tudo, uma base tedrica bem mais abrangente — que, naturalmente, no cabe nos limites Parece-me razoavel supor que este ndo é 0 lugar adequado para descermos aos minimos detalhes do que- fazer pedagdgico. ¥ evidente que pretendo atingir a 'diana da pritica, da aplicagio, mas quero és da indicagao de implicagées, de pistas, © Professores podem descobrir os jeitos daquele que-fazer Pedagégico. Tenho em mente um Professor de Portursues que é, além de educadon, lim Biista e pesquisadgr (como propde Marcos Bagno em fea taen Obra), eiliéen que, com base en priectjo, jetices, clentificos e consistentes, observa of fatoe da Iingua, pensa, reflete, levania problemas ¢ hipéteses sobre eles ¢ reinvenia sua forma de abordéos, de explicité-los ou explicé-los. Esses fatos da lingua so- mente vém A tona mas priticas discursivas, das quais o texto € parte constitutiva, Por isso é que s6 os textos ode constitute 0 Gbteto relevante de ectudo da lingua, Vamos a08 principios. 2.1. Explorando a escrita Para facer uma frase de dex palavras sto necessérias umascem, Micioe Fexavoes Acscita, come tocta atividade interativa, implica uma relagSo cooperativa entre duas ou mais pessoas, 44) Auta ve Porrvcuts Teaxne Avruves ividade € interativa quando ¢ realizada, Pessoas cujas acdes mesmos fins. Assim, numa inter-asdo (“aco entre"), o que cada um faz de. aescrita tao interativa, to dialégica, dinamica e negocidvel 110 a fala, Uma io interacionista da escrita supe, desse encontro, parceria, envolvimento entre sujeitos, que acontesa a comunhio das idéias, das infor, es ¢ das intengdes Pretendidas. Assim, ‘Por essa so se supde que alguém selecionou alguma coisa a f dita a wm outro alguém, com quem pretendeu em vista de algum objetivo, lade da escrita 6, entéo, uma atividade a de expresso, (ex-, “para fora”), de manifes. © verbal das idéias, informagées, intengdes, cren. uma condigao prévia Para o éxito ide de escrever. Nao ha conhecimento ico (lexical ou gramatical) que supra a deficién. ‘indo ter 0 que dizer”. As palavras so apenas a . OO material com que se faz a ponte entre em fala € quem escuta, entre quem escreve ¢ quem Como mediacao, elas se limitam a poss 10 do que é sabido, do que é pensado, do que & informagao, vo de informagdes e sensacdes, alargar nossos horizontey de percepeao das coisas. Ai as palavras virao, e a cres. Cente competéncia para a escrita vai ficando por conta da pritica de cada dia, do exercicio de cada evento, com as regras préprias de cada tipo e de cada génerg, de texto. 0 grande equivoco em tomo do ensino da ingua tem sido 0 de acreditar que, ensinando anélise sintatica, ensinando nomenclatura gramatical, conse. guimos deixar os alunos suficientemente competentes para ler e escrever textos, conforme as diversificadas situagdes sociais. Numa outra oportunidad, explorei a dimensao dese equivoco (ver Antunes, 2002), A visio interacionista da escrita supde ainda que existe 0 outro, 0 14, com quem dividimos 0 momento da escrita. Embora 0 sujeito com quem interagimos pela escrita ndo esteja presente a circunstancia da pro- dugao do texto, € inegavel que tal sujeito existe e é imprescindivel que ele seja levado em conta, em cada momento. Ou seja, a escrita, pelo fato de nao requerer presenga simultanea dos interlocutores em interacao, no deixa de ser um exercicio da faculdade da lingua. gem. Como tal, existe para servir @ com sujeitos, os qui iva © mutuamente, se ajus- tam e se condicionam. Quem escreve, na verdade, es- creve para alguém, ou seja, esté em interagdo com outra pessoa. Essa outra pessoa é a medida, é 0 parametro das decisdes que devemos tomar acerca do que dizer, do quanto dizer e de como fazé-lo. dolorosa e, por fim, € uma tarefa ineficaz, pois falta a referéncia do outro, a quem todo texto deve adequar-se. Como saber se dissemos de mais 46 | AULA De Potuauts Teaxoe Avrowes ‘com a palavra certa” aquilo Que tinhamos a dizer? Sem 0 outro, do outro lado da linha, nao ieuagem. Pode haver o treinamento Mecanico ¢ aleatério de emitir sinais, o que, na verda- de, fora de certas situagdes escolares, ninguém faz. 0 Outro, que caracteriza o ato inerentemente social da Tinguagem, paradoxalmente, s6 desaparece nas aulas de portugues, que até ja se chamaram de aulas de “Co. Munica¢io e Expressio”. Como lembra Bakhtin (1995: Na realidade, toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém como pelo fato de que se dirige para alguém. (...) A Palavra € uma espécie de ponte langada entre mim e 98 outros, Se ela se apdia sobre numa extremida- de, na outra apéia-se sobre o meu interlocutor. A pa- lavra 0 territério comum do locutor e do interlocutor © professor nao pode, sob nenhum pretexto, in- “Sistir na prética de uma escrita escolar sem leitor, sem destinatario; sem referéncia, portanto, para se decidir Sobre o que vai ser escrito, _ COmunicativas socialmente especificas e relevantes, Como uma das modalidades de uso da lingua, a @scrita existe para cumprir diferentes fungées comunicas ivas, de maior ou menor relevancia para a vida da “Comunidade. Se prestarmos atenco a vida das pessoas nas sociedades letradas, constatamos que a esc ASSEMINDO A DIMENSHO IXTERACIONAL DA LINGUAGEN | 47 presente, como forma constante de atuagao, nas milti- plas atividades dessas pessoas — no trabalho, na fami- lia, na escola, na vida social em geral — e, stro do seu patriménio cient sto tre as pessoas ¢ est inevitavelmente em relagao com os diversos contextos sociais em que essas pessoas atuam. Pela escrita alguém informa, avisa, adverte, anui pina, argumenta, instrui, resume, documenta, faz literatura, organiza, registra ¢ divulga 0 conhecimento produzido pelo grupo. Se “fa- Jar é uma forma de comportamento”, como afirma Searle (1981; 27), escrever também o é. Ou seja, nunca dizemos nada, oralmente ou por escrito, que nao tenha conseqiiéncias (s6 a escola parece nao ver isso. Em suma, socialmente, ndo existe a escrita “para nada’, “para ndo dizer”, ‘para ndo ser ato de linguagem’. Daf por que nao existe, em nenhum grupo social, a escrita de palavras ou de frases soltas, de frases inven- tadas, de textos sem prop« sem a clara e inequivo- ca definigéo de sua razio de ser. ‘A escrita varia, na sua forma, em decorréncia das di- ferencas de func3o que se propde cumprir e, conse- qientemente, em decorréncia dos diferentes géne- ros em que se realiza. Vinculada aquela dimensio da funcionalidade da escrita esta a outra dimensio da sua forma de real Gao © apresentagao. Assim como se admite que nao 48 | AvLA be Porrucuies liane ANTUNES _questio dos géneros. (e fala uniforme, realizada de forma igual em dife- tes situagdes e usos, também a producdo de textos ritos toma formas diferentes, conforme as diferen- fungdes que pretende cump! Essas diferengas vao implicar diferengas de géne- de texto', isto 6, diferencas na forma de as diferen- partes do texto se distribuirem, se organizarem ¢ se rem sobre o papel. A chamada superestrutura texto corresponde a essas formas diferentes de 0 “organizar-se ¢ apresentarse em duas, trés ou mais jes, numa seqiiéncia mais ou menos definida. Assim que uma carta, um relatério, um aviso, um requeri- nto tm um jeito proprio, um jeito tipico de aconte- ; OU seja, so feitos de acordo com um certo modelo, partes ot blocos mais ou menos estaveis, que vao ler-se numa ordem também mais ou menos fixa. Como os textos sao de autoria das pessoas, delas icamente provém ¢ a elas unicamente se destinam, modelos em que os géneros de texto se manifestam resultado de convengoes historicas e sociais instituf- por essas mesmas pessoas. Sao convengdes, como as outras, criadas, modificadas ou AssUMIN0 & DIMENSAO INTERACTONAL DA LINGUAGEN | 49 lado, sempre que for necessario fazé-lo, Neste aml também se pode constatar a natureza complexa da lin- guagem, que é, por um lado, proto! modelos e padrées ¢, por outro, flexivel, passivel de alteragoes ¢ mudangas. Assim, como ja se ressaltou em outro trabalho (Antunes, 1998), 0 paradoxo da variagao e da organiza- ‘cdo estvel dos textos € apenas 0 reflexo da natureza mesma da linguagem, definida como sujeita a tradicao ¢, a0 mesmo tempo, subordinada & ago livre dos fa- antes. Se, por um lado, como admite Saussure (1973), uma lingua € “radicalmente incapaz de se defender” dos fatores que, constantemente, a deslocam (p. 90), por outro, a solidariedade com o passado restringe ¢ controla esse inevitavel deslocamento (p. 88). Os géneros de textos evidenciam essa natureza altamente complexa das realizag ingiiisticas: elas sio diferentes, multiformes, mutaveis, em atendimento {A variagdo dos fatores contextuais e dos valores prag- maticos que incluem e, por outro lado, sao prototfpicas, sio padronizadas, sio estivels, atendendo & natureza social das ins Em sintese, uma escrita uniforme, sem variagdes de superestrutura, de organizacao, de seqiténcia de suas partes, corresponde a uma escrita sem fungio, artifi- al, mecanica, inexpressiva, descontextualizada, con- em puro treino e exercfcio escolar, que nao es- timula nem fascina ninguém, pois se esgota nos redu- zidos limites das préprias paredes escolares. ‘A escrita supde condices de producao e recepcdo diferentes daquelas atribuidas a fala. 50 AULA be Porrucuts Tang AxruNes Todo evento de fala corresponde a uma interagao verbal que se desenvolve durante o tempo em que dois ou mais interlocutores, em situagdo de co-presenga, al- ternam seus papéis de falante e ouvinte. O discurso vai sendo, assim, coletivamente produzido, negociado, ao mesmo tempo em que vai sendo planejado, e sua se- qiténcia é determinada, quase sempre, na propria con- tinuidade do didlogo. Aescrita corresponde a uma outra modalidade de interagio verbal: a modalidade em que a recepedo é adiada, uma ver que os sujeitos atuantes no ocupam, ‘40 mesmo tempo, 0 mesmo espaco. Além disso, ha um lapso de tempo, maior ou menor, entre 0 ato de elabo- ragio do texto pelo autor e 0 ato de sua lei leitor, Como lembram Faraco & Tezza (200: homem inventou a escrita, ha milhares de anos, quan- do 6 a conversa nao conseguia dar conta de todas as suas necessidades”. Essas diferentes condigdes de produgio da escrita dio a quem escreve a possibilidade de conceder uma parcela de tempo maior a elaboragao verbal de seu tex- to, bem como a possibilidade de revere recompor 0 seu discurso, sem que as marcas dessa revistio e dessa ‘recomposicao aparecam. Dai a ilusio de que a versio escrita que aparece divulgada — arranjada ¢ bem escri- ta — corresponde a versio ial do autor. Daf a outra inda — de que a escrita é mais bem Além desse maior tempo na elaboragao do texto to, vale a pena lembrar que é bem mais comum & ita a referéncia a pessoas, propriedades e objetos AssuwrNoo 4 pixsto HTERACIONAL DA LiNcUAc | SI ausentes da situagao, o que requer uma maior expl lingiifstica dessas referéncias, ampliando-se ¢ diversili- candosse, assim, na escrita, 0 emprego das unidades lexicais e de formulagoes si ‘as mais completas. Os sinais de pontuago e 0 uso explicito de conectivos, entre muitos outros recursos, tendem a suprir instrugdes que, na fala, so dadas por recursos como a entonagao, as pausas, os acentos de voz etc. (cf. Kato, 1986). Evidentemente, convém chamar a ateng&o para 0 fato de que ndo existe um padrio tinico de fala, como nao existe também um padrao tinico de escrita. Nio falamos nem escrevemos todos do mesmo jeito, em qualquer situago ou para quaisquer interlocutores. Falamos ¢ escrevemos, com maior ou menor formal is ou menos A vontade, com maior ou menor lade ¢ fluéncia. Hé momentos, de fala ou de sem muita ou sem nenhuma formalidade, como ha momentos em que tudo precisa ser cuidadosamente planejado e controlado. Naturalmente, a diferenga que pretendo ressaltar aqui é aquela entre a fala mais informal ¢ a escrita mais formal. Quanto maior for a distancia entre as duas, mais salientes sero as diferengas. A fala informal esta normalmente presente nos contextos mais corriqueiros da conversacao coloquial e caracteriza-se, em geral, por um vocabuldrio comum, restrito a esses contextos cor. de hesitagbes, de superpos igdes ou de frases inacabadas (nao que isso signifique “erro” ou desleixo). Sua coe- sio, além de outros aspectos discursivos, é estabelecida 52 Avia ve Porrvaves Trane ANTUNES Por meio de recursos paralingilist as express6es faciais) e supra-segmentais (como a entonacao, o aumento da intensidade, o alongamento das vogais, as pausas). Além disso, a presenga de refe- rentes concretos deixa, quase sempre, 0 texto falado informalmente cheio de incompletudes ¢ “vaguezas”, ‘que nao afeta a coeréncia do que € dito, pois so faci mente supridas pelo contexto, Daf que apenas a fala informal nao pode servir de Suporte para o desenvolvimento da compreensio de sé lo contacto com textos escritos formais é que se pode er a formulagao prépria da escrita formal, Con- _seqilentemente, s6 com textos orais os alunos nao che- & competéncia para o texto escrito (¢ nao espere- os por milagres!) No interior de um elevador, constava uma placa os seguintes dizeres: Atengdo Capacidade licenciada: 6 passageiros ou 420 ke A utilizagao acima destes limites é perigosa e ilegal sujeitando os infratores as penalidades da legislagao. Pode-se prever que, em contextos da fala informal, informagdes que so dadas neste texto teriam uma mulagéo bem diferente, Certamente, as palavras se- outras, a composigao das frases seria outra. Sem pretender estabelecer um marco nitidamen- ivisério entre a fala e a escrita — até porque, na ASSUMINDO 4 DIMEASAO ISTERACIONAL DA LINGUNGEN | 53 verdade, hé muito mais de semelhante entre as duas do que de diferente —, sem pretender os muitos simplismos com que a fala ea escrita tém sido a pena, contudo, chamar a atengao para as condigdes de produgao de uma e de outra e ter em conta como essas diferencas interferem na sua reali Ao concreta, compreende etapas distintas e integradas de realizacao (planejamento, operacao e revisio), as quais, por sua vez, implicam da parte de quem escre- ve uma série de decisoes. Elaborar um texto escrito é€ uma tarefa cujo su- cesso nao se completa, simplesmente, pela codificagio das idéias ou das informagoes, através de sinais grificos. Ou seja, produzir um texto escrito ndo é uma tarefa qu implica apenas 0 ato de escrever. Nao comega, portanto, quando tomamos nas maos papel e lépis. Supe, ao con- trério, varias tapas, interdependentes e intercomplemen- tares, que vao desde o planejamento, passando pela escri- ta propriamente, até o momento posterior da revisio e da reescrita, Cada etapa cumpre, assim, uma fungao espect- fica, e a condicao final do texto vai depender de como se respeitou cada uma destas fungdes. A primeira etapa, a etapa do pl corresponde todo o cuidado de quem vai escrever para: Para aprofundar vale a pena, entre outras principalmente © primeito capitulo, onde o autor apresenta uma sintese das varias perspectivas em que a fala e a escrita sio obser vadas. 54 Auta oe Porrcues. Tease sro a. delimitar o tema de seu texto ¢ aquilo que Ihe dard unidade; beleger os obj c. escolher 0 géne1 d delimitar os critérios de ordenagao das idéias; . prever as condigdes de seus leitores e a forma lingiifstica (mais formal ou menos formal) que seu texto deve assumir, Na escolha dos critérios de ordenagao das idéias, informagao vai ser distril 10 6, por onde se vai comecar, €m subt6picos e em que ordem eles vao apare- E 0 momento de delinear a planta do edificio que vai construi A segunda etapa, a etapa da escrita, corresponde fa de pdr no papel, de registrar o que foi planeja- E a etapa da escrita propriamente dita, do registro, do concretamente quem escreve vai seguir a plan. esbocada ¢ dar forma ao objeto projetado (im: que é fazer uma construgao sem planejamento!). E clo aquele que escreve toma as decisdes de ordem tical (a escolha das palavras) e de ordem sintatico- ; mente planejado evidentemente, em conformidade, ainda, com as junicacao. Sem- coeréncia, relevancia, A terceira etapa, a etapa da revisao e da reescrita, para aquele que escreve confirmar se os objetivos fo- ram cumpridos, se conseguiu a concentracao tem desejada, se hé coeréncia ¢ clareza no desenvolvimento das idéias, se ha encadeamento entre os varios segmen- tos do texto, se ha fidelidade as normas da sintaxe e da seméntica — conforme prevéem as regras de estrutura da lingua — se respeitou, enfim, aspectos da superficie do texto, como a ortografia, a pontuacio e a divisio do texto em pardgrafos. E, como disse, a hora da revisao (da primeira, talvez), para decidir sobre o que fica, o que sai, © que se reformula, Como afirmou Hemingway: “A cesta de papéis é 0 primeiro mével na casa de um escritor”. A natureza interativa da escrita impée esses dife- rentes momentos, esse vaivém de procedimentos, cada um implicando anilises e diferentes decisoes de alguém que sujeito, que é autor de um dizer e de um fazer, para outro ou outros sujeitos, também ativos e coope- antes. Carlos Drummond de Andrade parecia bastante consciente das exigéncias de uma escrita cuidadosa (que supde tempo e disposigao para planejar, fazer e refa- zer), quando anotou em seu didrio: Margo 12. Tanto trabalho para redigir a carta de posta a uma diretora de servigo piblico que me dou observagées sobre uma crénica que publiquei Jornal do Brasil. Problema: achar 0 tom adequado, palavra justa, a expresso medida e insubstituivel, nem *O mesmo Hemingway registrou: “Reescrevi limo paragrafo de Adeus as Armas antes de me sentir s A Voltaire € atribuida a seguinte citagao: “Perdoe-me, eserevi carta to comprida, Nao tive tempo de fazé-la cura 56 | Auta ne Porrucves Trane Avis mais nem menos. Chego a conclusao de que escritor & aquele que néo sabe escrever, pois quem nao sabe escre- ‘ve sem esforgo, Ja Manuel Bandeira era de outra opi- nigo: “Se voeé faz uma coisa com dificuldade, é que ‘no tem jeito para ela.” Duvido. (grifo meu) Carlos Drummond de Andrade, O observador no eseritorio A realidade de nossas salas de aula mostra exata- ente 0 contrario, pois a falta de esforgo, a improvisa- com que nossos alunos escrevem pare- 's sobra competéncia e arte. Esque- Os, como disse alguém, que “o que é escrito sem breo é geralmente lido sem prazer’ Para facilitar a compreensao das distintas etapas Producdo escrita de um texto, mostradas anterior te, talvez valha a pena conferir o esquema a seguir, rcomplementares implicadas ide da escrita 2. ESCREVER | 3. REESCREVER Eactaps para | Ea etapa para o sueher osu por no papel o que | rever o que for {oi planejado, escrito; realizar a tarefa | confirmar se os motora de objetivos foram escrever; ‘cumpridos; Guar pra que os | Ral 8 or itensplanelodos | uidade tema sejam todos au cumpridos v v AASSUMINDO A DIMENSAO INTERACIONAL 4 UNGUAGEM | 57 cescolher 0s critérios de cordenacao das ideas, das informagoes: observar 2 concatenagso entre os periodos, fentre os paragra- fos; ou entre 05 blocos superparagraticos: prever as condi- oes dos possivels leitores: avaliar 8 do que foi comunicado: valiar a adequa- cio do texto 2 condigoes da situaga0: Enfim, considerar 8 (0 texto vai circular; escrito Situagdo em que | etapa intermedis- fia, que preve 2 btividade anterior | normas da de planejar e @ foutra posterior de rever 0 que foi rever a fidelidade de sua formula- «Bo linguistica as ‘essa é uma sintaxe e 62 semantica, conforme prevé 2 cgramatica da cestrutura d2 linguas podem deixar 0 texto adequado @ diviséo do texto emcees ‘58 Avia oe Porructs ae em paragrafos. | aa mma isto | i | ton et | Tee Tao ANTUNES Como se vé, nao basta 0 cumprimento da etapa de escrever. E. preciso que se providencie uma etapa ‘anterior e uma outra posterior a escrita propriamente, Cada uma tem uma fung’o de grand yrtancia para ‘que nossas produgdes lingisticas resultem adequadas relevantes. Possivelmente, a qualidade, por vezes pouco dese- dos textos escritos por nossos alunos se deva bém a falta de oportunidade para que eles plane~ € revejam esses textos. A pratica das “redagoes colares — normalmente realizada num limi ‘tempo, freqdentemente improvisada e sem objetivos amplos que aquele de simplesmente escrever — ‘0s alunos a produzir textos de qualquer maneira, ‘um planejamento prévio e, ainda, sem uma diligente o em busca da melhor forma de dizer aquilo q comunicar, Essa busca da “melhor forma” fica lizada no texto pelas rasuras, que indicam exatamen- ‘outra opcdo que pareceu mais adequada que a ante- of O professor, normalmente, tem inibido o uso da deixando passar a falsa idéia de que palavra certa ‘encontra na primeira tentativa. Como lembra Calil : 59): “Para a Escola, a rasura é apenas uma marca in pois suja 0 texto que, por isso: passado a limpo*. Apagam-se, assim, 0s car as rasuras que as criangas fazem na produgio de seus | De fato, seria proveitoso que o professor de portugues pro- ido que as rasuras podem ter, So as idéias poderiam nascer dat ASSUMIND A piMfENSAO INTERACTONAL DA LANGUAGE | 59 sinais de que entre a primeira versio ¢ o texto passado a limpo houve uma leitura ai ae se decidiu por uma outra forma considerada mais adequada. A maturidade na atividade de escrever textos ade- quados e relevantes se faz assim, ¢ € uma conquista ramente possfvel a todos — mas € “uma conquis- ‘uma aquisicao”, isto é, nao acontece gratuitamen- te, por acaso, sem ensino, sem esforgo, sem pel cia. Supde orientagao, vontade, deter exerci , apren- dizagem. Exige tempo, alinal Aescrita, enquanto sistema de codificacao, é regida Por convencées graficas, oficialmente impostas. Existe, para os padres da escrita, um conjunto de convengdes que estipulam a forma como as palavras devem ser grafadas. Em alguns contextos, € possivel estabelecer uma série de regras que determinam o emprego de certos grafemas, os quais, como se sabe, nao correspondem univocamente aos sons dos fonemas. No caso do portugues, as convengSes ortograficas obedecem, em geral, a motivos etimolégicos (relativos a origem das palavras) e sé muito raramente sofrem alteragoes. Como convengoes, as regras ortograficas devem ser estudadas, exploradas e progressivamente domina- das, No entanto, deve-se ter todo 0 cuidado para pres- tar atencao a outros aspectos do texto, para além da correcdo ortografica. A tradicao escolar tem conferido, por vezes, uma importincia exagerada ao dominio da ortografia, criando a impressdo de que basta a corre- 60 | Auta be Poxrucues Tanne Arto m como pressuposto a constatago de que eles escrevem com erros de ortografia. Na verdade — e a escola deve cuidar para que isso acontega — é de se esperar que, a final do ensino médio, os alunos nao demonstrem culdades ortografic: aleatoi grafia; mas apenas isso ndo pode constituir 6 ideal da escrita adequada e relevante, embora nao possa de merecer cuidado, 1.1. Implicagdes pedagdgicas O conjunto de principios acima apresentados con- determinadas perspectivas, escolher determinadas idades © atitudes praticas Por essas implicagdes, 0 professor de portugués intervir para que o trabalho com a escrita tenha caracteristicas que passamos a enumerar, * Uma escrita de autoria também dos alunos — A Produgao de textos escritos na escola deve in- cluir também os alunos como seus autores, Que eles possam “sentir-se sujeitos” de um certo dizer que circula na escola e superar, assim, a Ginica condicao de leitores desse dizer. Como observa-

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