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Gy Loe Teun. psy nl ao Eliiig en aptas blo ha tap uptalanG oh. prep fringes ont = end - s Kalismale , Cons Dirret. qe fg pe tanend CEE © — / FABIO KONDER COMPARATO — , - ty A AFIRMACAO HISTORICA DOS © + DIREITOS HUMANOS we VII EDICAO Pence a Ay augy ey JV 1 aw Wo ham 2 ee 4 2 L ddenttee : mn tek Da é 20 Ae or al Ce ua Ho Schasnarn, 270, Cemuona César ~ Sao Pao — SP carota 909 PARK (11) 3613 3000 ‘HCI 800 055 7688 Di 2806, dx 8:30 19:90 sever com bt ‘esse, war smut com be Huals ANATONAS/RONDONUA/RORAIMA/ ACRE Roto ant 84 Ceo om (92).4384727 ~ Fox (92) 36834782 ~ Hors ARIA SERGPE Agno, 23 — Boos Fone (1) B81 S884 / 381 89S fox (71) 23810989 ~Sahndar aR (SAO PAULO) a Moa (ie, 255/257 ~ Cee Fo (14324603 Fae: (14) 3284740) ~ Bas Ceand/Piulwarantio 1 iw Ge, 670 ~ oneang own (8) 32387373 / 3238138 Few (8) 3088 1331 ~ Fane ‘osteo Fea ‘1-58 6-97 ~ Std Geo Fon) 2447920 / 3482951 ox (6) 3044 1709 ~ eo ons TOCANTNS fu inde, $330 ~ Seo sop ene (6) 725280 / 22127806 fox (0) 39243016 ~ Goan aro rosso o suyato GROSSO ao 4d a, SAB ~ Cento Fone (387 3682 ~ For (47) 38620112 ~ Cong Gnd ns Ges en inate, 449 — aga Fone (91) 3484300 ~ fox (31) 34248910 ~ Bl Hoots A/a iow Ane, 186~ Batt Cangs fone (1) 27790 / 76908 Feu (7) 9741-0499 ke PARAS CARING cain ed, 769 — Po Veo fue os (41) SYS7-9 Cn RAMBO /PARAIA/R C00 NORE/ALAGOAS Hada Bye, VS ~ Bo et fom 1) 21-4706 fn (8) SH714S10— Rade FneLRAO PRO (Sh PAULO a ope, 15 ~ Cota 1 005683 For (16) 3608264 — Rolo "0 oF santikoseRiO santo Foe Yon ld, 1130119 —W bad Hoc (21) 75104014 ~tou (71) ISHTAR / 15119565 tea ai 317881 /18109565 ‘i Gao D0 Sut AH Pew 731 terme fom (51) 38014001 / 3071 eae 1 S806 / 3301960 sho rauo i rg Sn Vet, 1692 ~ Bardo Foo PAB (11) 361330 on fda (SBN 978-85-07089730 Dados Internaconis de Catalogo no Pubs Ci) (Cémora Brasilia do Lino, 52, Beas) Comparto, Fbio onder A alma hstrica ds dito, huranes / Fb Xondr Compaato, ~ 7. ed tev. «ata. ~ Sia Pose Save, 2010 1. Direitos humanas 2. Dieses humanes (Bree Internacional) 3, Diretos humanos - Histére | Title, 09-10426 euZT Indice poro cotélogo sistematico: 1. Direitos humanas : Dirt pabico BIBLIOTECA iT AKL Y Diretor editorial Antonio Luz de Toledo Pinto Ditetor de produco editorial Lz Rober Ca Editora Manuella Santos Asisenteeicrial Danes Lete Sha Produc editorial igi Aes (Clorisso Boreschi Mano Couro Exogiério Vince Asevedo Vieira Preparci de rginas Nor ici de Over Godoy ‘Arte @ dagramacéo Cristina Aporeide Aguc de Fries ‘Séinio de Poive Lime Revisodeprovas Rode sso Ouees: Gog Adlon Barbier de Oveso Armond Mano de Corvatho Servicos editors Ano Paulo Mazzoc0 ark ting Marques Elune Casting do Save Copa. abel Kondr Comporate ‘Imagem da copa Manto do Deco dos Ore ames Divas? Acesse www satarvaut com be Nona pate Jest ube pode ve repre wt goto mek ‘Lv er pub tz 144 er0Ne lage ds dats out # cane eta a ion # AWS 8 do plo ago 184 do he Pena INTRODUGAO SENTIDO E EVOLUCAO DOS DIREITOS HUMANOS Situagio0 do Homem no Mundo O que se conta, nestas paginas, é a parte mais bela e im- portante de toda a Hist6ria: a revelagdo de que todos os seres humanos, apesar das intimeras diferengas bioldgicas e culturais que os distinguem entre si, merecem igual respeito, como tni- cos entes no mundo capazes de amar, descobrir a verdade e criar a beleza. E 0 reconhecimento universal de que, em razaio dessa radical igualdade, ninguém— nenhum individuo, género, etnia, classe social, grupo religioso ou nagio — pode afirmar-se su- perior aos demais. Este livro procura mostrar como se foram criando e esten- dendo progressivamente, a todos os povos da Terra, as institui- Goes juridicas de defesa da dignidade humana contra a violéncia, © aviltamento, a exploragiio e a miséria. Tudo gira, assim, em torno do homem e de sua eminente posigéo no mundo. Mas em que consiste, afinal, a dignidade humana? A resposta a essa indagagao fundamental foi dada, suces- sivamente, no campo da religido, da filosofia e da ciéncia. A justificativa religiosa da preeminéncia do ser humano no mundo surgiu com a afirmagao da fé monotefsta, A grande contribuigéo do povo da Biblia a humanidade, uma das maiores, alids, de toda a Historia, foi a ideia da criagio do mundo por um Deus tinico e transcendente. Os deuses antigos, de certa forma, faziam parte do mundo, como super-homens, com as 13 mesmas paixGes e defeitos do ser humano, Iahweh, muito ao contrario, como criador de tudo o que existe, € anterior e supe- rior ao mundo. Diante dessa transcendéncia divina, os dias do homem, disse 0 salmista, “sto como a relva; ele floresce como a flor do campo, roga-Ihe um vento e ja desaparece, e ninguém mais reconhece seu lugar” (Salmo 103). No entanto, a criatura hu- mana ocupa uma posig¢io eminente na ordem da criagado. Deus Ihe deu poder sobre “os peixes do mar, as aves do céu, Os animais domésticos, todas as feras e todos os répteis que rastejam sobre a terra” (Génesis 1, 26). A cada um deles 0 homem deu um nome (2, 19), 0 que significa, segundo velhissima crenga, sub- meter 0 nomeado ao poder do nomeante!. E 0 que o Salmo 8 exprimiu em forma cintilante: “Quando vejo o céu, obra dos teus dedos, a lua e as estrelas que fixaste, que € um mortal, para dele te lembrares, e um filho de Addo, que venhas visit4-lo? E 0 fizeste pouco menos do que um deus, coroando-o de gléria e beleza. Para que domine as obras de tuas maos sob seus pés tudo colocaste: ovelhas e bois, todos eles, e as feras do campo também; as aves do céu e os peixes do oceano que percorrem as sendas dos mares”. Mais tarde, com a afirmacao da natureza essencialmente racional do ser humano, pée-se nova justificativa para a sua 1. Para os antigos, com efeito, o nome exprime a esséncia do ser, Um homem sem nome € insignificante, em todos os sentidos da palavra (J6 30, 8); € como se no existisse (Eclesiastes 6, 10). 0 nome de Iahweh, pronunciado pelo sacerdote sobre © Povo, protege-o (Nuimeros 6, 27). Dai a razio do 2° mandamento do decilogo mosaico: “Nao pronunciards em vio o nome de lahweh teu Deus, pois Tahweh nao deixaré impune aquele que pronunciar em vao 0 seu nome” (Deuterondmio 5, 11)- 14 eminente posigéo no mundo. A sabedoria grega expressou-a com vigor, pela voz dos poetas e fildsofos. Numa passagem do Prometeu Acorrentado (445-470) que marca a transigéo da explicagio religiosa para a filos6fica, Esquilo poe na boca do as seguintes palavras: “Ouga agora as misérias dos mortais e perceba como, de criangas que eram, eu os fiz seres de razio, capazes de pensar. Quero dizé-lo aqui, nao para denegrir os homens, mas para Ihe mostrar minha bondade para com eles. No inicio eles enxergavam sem ver, ouviam sem compreender, e, semelhantes as formas oniricas, viviam sua longa existéncia na desordem e na confusao. Eles desconheciam as casas ensolaradas de tijolo, ig- noravam os trabalhos de carpintaria,; viviam debaixo da terra, como dgeis formigas, no fundo de grotas sem sol. Para eles, nao havia sinais seguros nem do inverno nem da primavera florida nem do verao fértil; faziam tudo sem recorrer 4 razdo, até 0 momento em que eu Ihes ensinei a drdua ciéncia do nascente e do poente dos astros. Depois, foi a vez da ciéncia dos ntimeros, a primeira de todas, que inventei para eles, assim como a das letras combinadas, memoria de todas as coisas, labor que engendra as artes. Fui também o primeiro a subjugar os animais, submetendo-os aos arreios ou a um cavaleiro, de modo a substituir os homens nos grandes trabalhos agricolas, e atrelei 4s carruagens os cavalos déceis com que se ornamenta 0 fasto opulento. Fui 0 tnico a inventar os veiculos com asas de tecido, 0s quais permitem aos marinheiros correr os mares”. Na verdade, a indagacio central de toda a filosofia €é bem esta: — Que é o homem? A sua simples formulagio ja postula a singularidade eminente deste ser, capaz de tomar a si mesmo como objeto de reflexao. A caracteristica da racionalidade, que 15 a tradigio ocidental sempre considerou como atributo exclusi vamente humano, revela-se sobretudo nesse sentido reflexive, a partir do qual, como se sabe, Descartes deu inicio a fosofia moderna. A justificativa cientifica da dignidade humana sobreveio. com a descoberta do processo de evolugio dos seres Vivos, embora a primeira explicagio do fendmeno, na obra de Charles Darwin, rejeitasse todo finalismo, como se a natureza houvesse feito varias tentativas frustradas, antes de encontrar, por mero acaso, a boa via de solugio para a origem da espécie humana, Ora, apesar da accitagao geral das explicagoes darwinianas, vai aos poucos abrindo caminho no mundo cientifico a convic- cio de que nio € por acaso que o ser humano representa 0 dpice de toda a cadeia evolutiva das espécies vivas. A propria dindmica da evolugao vital se organiza em fungio do homem. Os partidarios do chamado “principio antrépico”? reconhe- cem que os dados cientificos nao permitem afirmar (nem negar, alias) que o mundo e o homem existem ¢ evoluem em raziio da vontade de um sujeito transcendente, que tudo criou e tudo pode destruir. O que esses cientistas sustentam, com bons argumen- tos, € que 0 encadeamento sucessivo das etapas evolutivas obedece, objetivamente, a uma orientagio finalistica, inscrita na propria Idgica do processo, ¢ sem a qual a evolugio seria racionalmente incompreensivel. A transformagio biolégica dos hominideos, alids, como hoje se reconhece, € um processo tinico e insuscetivel de reprodugio'. Nestas condigdes, € razoa- 2. Cf. J.D. Barrow e FJ. Tipler, The Anthropic Cosmological Principle, Oxtors University Press, 1986; Michael Denton, Evolution: A Theory in Crisis, Londres (Burnett). 1985; idem, The Long Chain of Coincidence, traduzido para o francés sob o titulo L’évolution a-t-elle un sens?, Paris, Fayard, 1997; J. Demaret ¢ D. Lambert, Le principe anthropique, Paris, Armand Colin, 1994. 3. Cf. John C. Eccles, Evolution of the Brain: Creation of the Londres e Nova York, 1989, p. 217. lf, Routledge. 16 vel aceitar-se, como postulado cientifico, que toda a evolugdo das espécies Vivas se encaminhou aleatoriamente em diregio ao ser humano, como poderia, também de forma puramente aleatoria, ter conduzido a degeneragio e a morte universal? Muito mais abstrusa que a explicagao mitolégica e religio- sa Jicional parece, assim, a ideia de que o advento do ser humano na face da Terra scria o resultado de um estupendo acaso. Pois se a evolugio avanga sem rumo, como nave desbus- jada através da Histéria, esta nada mais seria, como exclamou o desespero de Macbeth, que a tale, told by an idiot, full of sound and fury, signifying nothing’. Se a humanidade ignora 0 sentido da Vida e jamais podera discerni-lo, € impossivel dis- tinguir a justica da iniquidade, o belo do horrendo, o criminoso do sublime, a dignidade do aviltamento. Tudo se identifica e se confunde, no magma caético do absurdo universal, aquele mesmo abismo amorfo e tenebroso que, segundo o relato bibli- co, precedeu a Criagao. Para a sabedoria antiga, alids, a geracgéo do mundo nao tem apenas um sentido ontolégico, com o nascimento dos diversos entes que 0 povoam. Ela exprime, antes, um sentido axioldgico, com a organizagao de uma escala universal de valores, que vai aos poucos se explicitando. E importante observar que, no relato biblico da Criacio, o mundo nao surge instantaneamente, completo e acabado, das maos do Criador. As criaturas vio se acrescentando, umas as outras, como etapas de um vasto programa, simbolicamente ordenado na duragao de um ciclo lunar. O primeiro casal hu- mano s6 entra em cena na derradeira etapa do processo gene- siaco, quando todos os demais seres terrestres j4 haviam sido engendrados. Na tradigio elofsta’, o homem foi criado a imagem a 4. Ato V, cena V. \ 5. Segundo a teoria mais geralmente aceita, os cinco primeiros livros da Biblia (© Pentateuco) procedem de quatro fontes distintas, amalgamadas no texto atual. A 17 e semelhanga de Deus (Gn 1, 26-27). Ja na tradigao javista, diferentemente, “Deus modelou 0 homem coma argila do solo” — adamah, em hebraico, nome coletivo que passa a designar primeiro ser humano, Adio (Gn 2, 7). A Biblia apresenta, pois, o homem como situado entre o Céu e a Terra, como um ser a um s6 tempo espiritual e terreno. Ora, a verdade — hoje indiscutivel, de resto, no meio cientifico — € que o curso do processo de evolugio vital foi substancialmente influenciado pela apari¢ao da espécie huma- na. A partir de entdo, surge em cena um ser capaz de agir sobre © mundo fisico, sobre 0 conjunto das espécies vivas e sobre si proprio, enquanto elemento integrante da biosfera. O homem passa a alterar 0 meio ambiente e, ao final, com a descoberta das leis da genética, adquire os instrumentos habeis a interferir no processo generativo e de sobrevivéncia de todas as espécies vivas, inclusive a sua propria. Na atual etapa da evolugao, como todos reconhecem, 0 componente cultural é mais acentuado que © componente “natural”. Até o aparecimento da linguagem, a evolucdo cultural foi quase imperceptivel. A partir de entdo, no entanto, ou seja, a contar desse marco histérico decisivo, ha cerca de 40.000 anos, a evolucao cultural cresceu mais rapida- mente do que nos milhées de anos que a precederam®. O homem perfaz indefinidamente a sua prépria natureza — por assim dizer, inacabada — ao mesmo tempo em que “hominiza” a Terra, tornando-a sempre mais dependente de si préprio. Foi exatamente essa concep¢io do homem — demiurgo de si mesmo e do mundo em torno de si — que um jovem huma- fonte javista, assim denominada porque nela Deus toma o nome de Iahweh, seria origindria do reino de Juda. A fonte eloista, onde Deus é comumente designado como Elohim, € originéria de Israel. 6. Jared Diamond, The Rise and Fall of the Third Chimpanzee, citado por Chris~ tian de Duve (Prémio Nobel), Poussiére de vie — Une histoire du vivant, Paris, Fayard, 1996, 404. 18 nista italiano, Giovanni Pico, senhor de Mirandola e Concordia. apresentou em 1486 em famoso discurso académico’. Imaginou ele que 0 Criador, ao completar sua obra, haven- do povoado a regio supraceleste com puros espiritos e o mun- do terrestre com uma turba de animais de toda espécie, vis e torpes, percebeu que ainda faltava alguém, nesse vasto cenirio, capaz de apreciar racionalmente a obra divina, de amar sua beleza e admirar-lhe a vastidaio. A dificuldade, no entanto, é que j4 nao havia um modelo proprio e especifico para a composigao dessa tiltima criatura. Todas as formas possfveis — de grau infimo, médio ou superior —haviam sido utilizadas e especificadas na criagao dos demais seres. Decidiu entio 0 Criador, em sua infinita sabedoria, que Aquele a quem nada mais podia atribuir de proprio fosse con- ferido, em comum, tudo 0 que concedera singularmente as outras criaturas. Mais do que isso, determinou Deus que o ho- mem fosse um ser naturalmente incompleto. “Nao te damos, 6 Adio, nem um lugar determina- do nem um aspecto proprio nem uma funcao peculiar, a fim de que o lugar, 0 aspecto ou a fungaio que dese- jares, tu os obtenhas e conserves por tua escolha e deliberacio proprias. A natureza limitada dos outros seres é encerrada no quadro de leis que prescrevemos. Tu, diversamente, nao constrito em limite algum, de- terminards tua natureza segundo teu arbitrio, a cujo poder te entregamos. Pusemos-te no centro do mundo, para que daf possas examinar a tua roda tudo o que nele se contém. Nao te fizemos nem celeste nem imortal, para que tu mesmo, como artifice por assim dizer livre 7. Oratio loannis Pici Mirandulae Concordiae Comit Cito da edigdo bilingue, latina e italiana, sob o titulo Discorso sulla Dignita dell’'Uomo, aos cuidados Giuseppe Tognon, Brescia, Editrice La Scuola, 1987. 10, Le possas plasmar ¢ esculpir na forma que sionalidade dos y nivel diving dos e¢ soberi escolheres. Poderis te rebaixar a irr seres inferiores; ou Enkio Clevar-te seres superiores”. A sabedoria teltirica do Riobaldo, de Grande Sertda: Ve- 0, no doce falar dos Gerais: a CODVIC redas, exprimiu a mest “Mire, veja: o mais importante ¢ bonito, do mun- do, € isto: que as pessoas nio estio sempre iguals, ainda nao foram terminadas — mas que clas vao sem- pre mudando. Afinam ou desafinam”. ‘a reflexdo do homem sobre si mesmo ias civilizagdes, num perio- Na verdade, a prime surgiu, concomitantemente, em vé do decisivo da Historia. Desdobramentos O Periodo Axial e se Numa interpretagao que Toynbee considerou iluminante*, Karl Jaspers’ sustentou que 0 curso inteiro da Histéria poderia ser dividido em duas ctapas, em fungaio de uma determinada €poca, entre os séculos VIIEe Ha.C., a qual formaria, por assim dizer, 0 cixo histérico da humanidade. Daf a sua designa para essa época, de periodo axial (Achsenzeit). No centro do perfodo axial, entre 600 ¢ 480 a.C., coexis- tiram, sem se comunicarem entre si, alguns dos maiores dou- trinadores de todos os tempos: Zaratustra na Pérsia, Buda na india, Lao-Tsé ¢ Conficio na China, Pitégoras na Grécia e 0 Déutero-Isafas em Isracl, Todos eles, cada um a seu modo, foram autores de vis6es do mundo, a partir das quais estabele- 4. Cf, Mankind and Mother barth — A narrative history of the world, 1976, Oxford University Press, p. 177. 9. Yom Urspruny und Ziel der Geschichte, \* ed, em 1949, 8 ed., Munique/Zuni- que, R. Piper & Co. Verlay, 1983, p, 19-42, 20 couse a grande linha diviséria historica: as explicagées mito- logicas anterior io abandonadas, e 0 curso posterior da Historia y a constituir um longo desdobramento das ideias ¢ principios expostos durante esse periodo. pass; O século VIL a.C. € apontado como o inicio do periodo anial'®, nado s6 porque & o século de Homero, mas sobretudo porque nele surgiram os profetas de Israel, notadamente Isafas, do do auténtico monotefsmo. Até entio, com efeito, a religido dos hebreus era, como ja se disse, de certa mancira uma monolatria: $6 Iahweh podia ser adorado como Deus verdadeiro, mas a existéncia de outras divindades era, no raro, admitida. aos quais se deve a elabora Foi durante o periodo axial que se enunciaram os grandes principios e se estabeleceram as diretrizes fundamentais de vida, em vigor até hoje. No século V a.C., tanto na Asia quanto na Grécia (0 “sé- culo de Péricles”), nasce a filosofia, com a substituigdo, pela primeira vez na Hist6ria, do saber mitolégico da tradigdo pelo saber Idgico da razio. O individuo ousa exercer a sua faculdade de critica racional da realidade. Nesse mesmo século, em Atenas, surgem concomitante- mente a tragédia e a democracia, e essa sincronia, como se observou, ndo foi meramente casual'', A supressio de todo poder politico superior ao do préprio povo coincidiu, histo- ricamente, com 0 questionamento dos mitos religiosos tradi- cionais. Qual deveria ser, doravante, 0 critério supremo das agdes humanas? Nao poderia ser outro sendo 0 préprio ho- mem. Mas como definir esse critério, ou, melhor dizendo, 10. Toynbee sustenta que 0 inicio desse periodo remontaria a ¢, 1060 da ena pre cerista, quando surgiram os primeiros profetas Simos, PrOVAVELS inspiradores dos Profetas de Israel. 11. Cf. Jacqueline de Romilly, La Tra © Pourquoi la Grece, Paris, Editions de édie Grecque, Patis (PUF), 1973, p. 14-5, Hois, 1992, p. ISS €s. quem é 0 homem? Se jd ndo had nenhuma justificativa ética para a organizagao da vida humana em sociedade numa ins- tancia superior ao povo, 0 homem torna-se, em si mesmo, o principal objeto de anilise e reflexado. A tragédia gr tos séculos antes da psicanilise, representou a primeira gran- de introspecgao nos subterraneos da alma humana, povoados de paixdes, sentimentos e emogGes, de cardter irra ional e incontroldvel. O homem aparece, aos seus préprios olhos, como um problema, ele é em si mesmo um problema, no sentido que a palavra tomou desde logo entre os ge6metras gregos: um obstaculo 4 compreensdo, uma dificuldade pro- posta a raz4o humana. Na linha dessa tendéncia a racionalizagdo, durante o perfodo axial, as religides tornam-se mais éticas e menos rituais ou fantdsticas. Em lugar dos antigos cultos da natu- reza, ou da adoragio dos soberanos politicos, busca-se al- cangar uma esfera transcendental ao mundo e aos homens: ou entdo, como na China, desenvolve-se a veneragdo aos antepassados como modelos éticos para as novas geragoes. Algumas ideias cardeais do ensinamento de Zaratustra — a imortalidade da alma, o Julgamento Final, a atuagio divina sobre o mundo através do Espirito Santo — sao assimiladas pelo judaismo e, por intermédio deste, passam ao cristianis- mo e ao islamismo. A fé monotefsta alcanga em Israel sua express no século VI a.C. com o Déutero-Isafas, 0 autor andnimo dos cap(tulos 40 a 55 do Livro de Isaias. A relagio religiosa torna- -se mais pessoal e 0 culto menos coletivo ou indireto: a grande inovagao é que os individuos podem, doravante, entrar em contato direto com Deus, sem necessidade da intermedigdo sacerdotal ou grupal. Enquanto isso, a forga da ideia monote- fsta acaba por transcender os limites do nacionalismo religioso, preparando 0 caminho para 0 culto universal do Deus tnico & ~mui- oO mais pura 22 ia final das nagGes'*. O cristianismo, em particular, s uiltimas consequéncias o ensinamento ecuménico de envolvendo-o na exigéncia de amor universal'?. Por outro lado, em meio 4 multiddo dos mini-Estados e cidades-Estados da época, com culturas locais proprias e em perpétua guerra entre si, comegam a ser tecidos lagos de apro- ximagio e compreensio miitua entre os diversos povos. Con- fiicio e Moti fundam as primeiras escolas, 4s quais acorrem alunos de todas as partes da China. Buda inicia seus longos périplos pelo vasto continente indiano. Os filésofos gregos viajam pela bacia do Mediterraneo como exploradores e con- selheiros de governantes. As primeiras escolas de filosofia instalam-se na Grécia, atraindo discfpulos de toda a Hélade. Herddoto narra suas viagens, comparando os diferentes costu- mes e tradigdes dos povos, 0 que ensejou a compreensao da relatividade das civilizagées. Em suma, é a partir do perfodo axial que, pela primeira vez na Hist6ria, o ser humano passa a ser considerado, em sua viraio em que 0 monte da casa de Iahweh serd estabelecido no mais alto das montanhas e se algard acima de todos os outeiros. Ale acorrerio todas as nacées, muitos povos virdo, dizendo: “Vinde, subamos ao monte de Iahweh, Acasa do Deus de Jacé, Para que ele nos instrua a respeito dos seus caminhos € assim andemos nas suas veredas’. Com efeito, de Sido saird a Lei, € de Jerusalém, a palavra de Iahweh. Ele julgard as nagoes, ele corrigird a muitos povos. Estes quebrardo as suas espadas, transformando-as em relhas, € as suas langas, a fim de fazerem podadeiras. Uma nagao nao levantard a espada contra a outra, rghit 9© aPrenderd mais a fazer guerra” (safas 2, 2-4, versio da Biblia de Jerusa- lem). de 12: Nos textos evangélicos, a foram discernidas pelo menos 24 citagdes do Livro le Isafas 23 igualdade essencial, como ser dotado de liberdade e razdo, nao obstante as multiplas diferengas de sexo, raga, religiao ou cos- tumes sociais. Langavam-se, assim, os fundamentos intelectuais para a compreensao da pessoa humana e para a afirmacdo da existéncia de direitos universais, porque a ela inerentes. Vejamos como se foram elaborando historicamente esses conceitos.

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