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Teoria da Personalidade – Carl Rogers

“Se eu deixar de interferir nas pessoas, elas se encarregarão de si mesmas,


Se eu deixar de comandar as pessoas, elas se comportam por si mesmas,]
Se eu deixar de pregar às pessoas, elas se aperfeiçoam por si mesmas,
Se eu deixar de me impor às pessoas, elas se tornam elas mesmas”.

Lao-Tsé

Introdução
Carl Rogers nasceu em Oak Park, Illinois, em 08 de janeiro de 1902, numa família
protestante altamente conservadora. Sua infância foi limitada pelas crenças e atitudes de seus
pais e pela assimilação que ele próprio fez de suas ideias.
Enquadrado neste sistema de crenças (não jogar cartas, não ir ao cinema, não fumar,
não dançar etc), relata que seus anos de meninice foram vividos em isolamento.
Aos doze anos de idade sua família mudou-se para uma fazenda, onde ele iniciou seu
interesse pela ciência da agricultura. Esse interesse pelas ciências se concretizou na
Universidade, onde dirigiu seus estudos, nos primeiros tempos, para as ciências físicas e
biológicas.
Graduou-se na Universidade de Wisconsin no ano de 1924. Iniciou estudos de
graduação em Teologia no Seminário Teológico Unido, onde recebeu influência de uma visão
filosófica liberal da religião, mas optou por terminar seu trabalho em Psicologia no Teachers
College, na Universidade de Colúmbia, sendo influenciado pelas ideias de John Dewey e
introduzido na Psicologia clínica por Leta Hollingworth. Obteve o grau de mestre em 1928 e
seu doutorado em 1931, ambos na Universidade de Colúmbia.
Seu primeiro emprego foi em Rochester, Nova Iorque, num centro de orientação
infantil, trabalhando com crianças que haviam sido encaminhadas por várias agências sociais.
Durante doze anos em Rochester, a compreensão de Rogers sobre o processo de psicoterapia
progrediu de uma abordagem formal e diretiva para o que ele iria denominar mais tarde de
terapia centrada no cliente. Durante esse período, foi influenciado por Otto Rank, que,
naquela época, havia se separado da linha ortodoxa de Freud.
Em Rochester, Rogers escreveu The Clinical Treatment of the Problem Child
(1939). O livro foi bem recebido e motivou uma proposta de magistério na Universidade do
Estado de Ohio. Estimulado pelas críticas e pelo interesse dos estudantes graduados, Rogers
sentiu-se compelido a expressar mais claramente seus pontos de vista sobre psicoterapia, o
que originou seu livro Psicoterapia e Consulta (1942).
Em 1945 a Universidade de Chicago ofereceu-lhe a oportunidade de estabelecer um
novo centro de aconselhamento baseado em suas ideias. Ele foi diretor deste centro até 1957.
Em 1951 publicou Terapia Centrada no Cliente, onde continha sua primeira teoria
formal sobre a terapia, sua teoria da personalidade e algumas pesquisas que reforçaram suas
conclusões. Neste livro sugere que a maior força orientadora da relação terapêutica deveria
ser o cliente, não o terapeuta. Esta inversão da relação usual era revolucionária e atraiu
considerável crítica. Atingiu de modo direto a autoridade do terapeuta e a suposta falta de
consciência do paciente – suposições na maioria indiscutíveis segundo outros teóricos. As
implicações gerais desta posição, além da terapia, foram expressas em Tornar-se Pessoa
(1961).
Em 1957 foi para a Universidade de Wisconsin em Madison com uma indicação para
psiquiatria e psicologia. Rogers viu-se num conflito crescente com o departamento de
Psicologia. Sentia que tanto sua liberdade para ensinar como a liberdade para aprender dos
estudantes estavam sendo limitadas. “Gosto de viver e deixar que vivam, mas quando não
permitem que meus alunos vivam, esta experiência torna-se pouco satisfatória.”
Como era de se esperar, Rogers deixou o magistério em 1963 e foi para o
recém-fundado Instituto Ocidental da Ciência do Comportamento em La Jolla, Califórnia.
Seu trabalho com grupos de encontro origina-se de seus últimos doze anos na
Califórnia, onde foi livre para experimentar, inventar e testar suas ideias sem as influências
restritivas de instituições sociais ou da respeitabilidade acadêmica. Sua pesquisa com grupos
de encontro é resumida em Grupos de Encontro (1970).

Antecedentes Intelectuais
A teoria de Rogers desenvolveu-se essencialmente a partir de sua própria experiência
clínica. Ele sente que conservou a objetividade evitando a estreita identificação com qualquer
escola ou tradição específica. “Na verdade, nunca pertenci a qualquer grupo profissional. Fui
educado por, ou tive íntimas relações de trabalho com psicólogos, psicanalistas, psiquiatras,
assistentes sociais, educadores e religiosos, mas nunca senti que pertencia de fato num
sentido total ou comprometido, a qualquer um desses grupos... Para que não se diga que
tenho sido profissionalmente um completo nômade, acrescentaria que os únicos grupos aos
quais na realidade pertenci algum dia foram os intimamente ligados, forças de trabalho
agradáveis que organizei ou ajudei a organizar.”
Seus alunos da Universidade de Chicago sugeriram que Rogers encontraria nas ideias
de Martin Buber e Soren Kierkegaard um eco de sua própria posição emergente. Na verdade,
estes escritores são uma fonte de fundamentação para as marcas que Rogers traz da filosofia
existencial. Descobriu paralelos ao seu trabalho em fontes orientais, notavelmente no Zen
budismo e nos trabalhos de Lao-Tsé. A contribuição de Rogers é nitidamente uma
contribuição norte-americana para a compreensão da natureza humana.

Conceitos Principais
A teoria da personalidade proposta por Rogers desenvolveu-se a partir de uma técnica
terapêutica que é variavelmente descrita como “não-diretiva” ou “centralizada no cliente”. A
implicação destes termos é a de que a pessoa tem dentro de si a habilidade e a motivação para
se desenvolver e que o papel do terapeuta é, primariamente, aquele de facilitar este
desenvolvimento. Passemos aos conceitos principais:

- O Campo da Experiência (Campo Fenomenológico)


Há um campo de experiência único para cada indivíduo; este campo de experiência ou
“campo fenomenal (fenomenológico)” contém “tudo o que se passa no organismo em
qualquer momento, e que está potencialmente disponível à consciência.” Inclui eventos,
percepções, sensações e impactos dos quais a pessoa não toma consciência, mas poderia
tomar se focalizasse a atenção nestes estímulos. É um mundo privativo e pessoal que pode ou
não corresponder à realidade objetiva.
De início a atenção é colocada naquilo que a pessoa experimenta como seu mundo,
não na realidade comum. O campo de experiência é limitado por restrições psicológicas e
limitações biológicas. Temos tendência a dirigir nossa atenção para perigos imediatos, assim
como para experiências seguras ou agradáveis, ao invés de aceitar todos os estímulos que nos
rodeiam.
Rogers acredita que este mundo de experiências pessoais só pode ser conhecido “no
sentido genuíno e completo” pelo próprio indivíduo. O psicólogo, com seus métodos e provas
para avaliar a personalidade, não pode conhecer tão bem o campo fenomenológico do
indivíduo quanto o próprio indivíduo. Claro está que é possível que a pessoa nunca chegue a
desenvolver este autoconhecimento, mesmo que possua potencial para tal.
Segundo esta proposição, a pessoa é a melhor fonte de informação de si mesma. Suas
verbalizações são simbolizaçõs de experiência interior, e o psicólogo só pode saber o que
existe em seu mundo privado, ouvindo a pessoa. A situação da terapia centrada no cliente,
com sua ênfase na aceitação incondicional de tudo o que diz o cliente, cria uma atmosfera
especialmente agradável para a obtenção de livres e naturais autorrelatos.
Em suma, pode-se dizer que Rogers sustentou que o mundo experimentado, tal como
é acessível à consciência do indivíduo, desempenha um papel preponderante na determinação
do seu comportamento.

- Self (Eu)
Talvez o construto mais importante na teoria da personalidade, proposto por Rogers,
seja o do self (eu). Tem havido muitos “teóricos do self” em Psicologia e cada um deles
contribuiu para a nossa compreensão dessa importante área. Rogers apercebeu-se da
importância do “eu” através de sua experiência pessoal com clientes em psicoterapia. A
terapia desenvolvida por Rogers é coerente com a sua convicção de que o cliente tem uma
estrutura do eu que ele próprio deve mudar para que ocorra uma melhora. Segundo Rogers há
uma tendência dos clientes em descrever suas experiências por referência a um “eu” e seus
problemas parecem decorrer frequentemente de incompatibilidades ou incongruências no
modo como se vêem: “Não entendo como pude agir dessa maneira”; “Sinto-me diferente de
como costumava sentir-me”.
Portanto, Rogers estudou as mudanças de atitudes em relação ao eu, através de
mudanças de atitude na terapia. As atitudes mudaram numa direção positiva, como fora
previsto.
Ao mesmo tempo, a experiência clínica estava refinando a noção de Rogers, em
relação ao eu. A percepção do eu pelo cliente mudou tão rapidamente, em certos casos, que
Rogers foi levado a ver o eu como uma gestalt ou configuração que poderia ser rapidamente
alterada por uma mudança, e não como uma atitude estável. Outro desenvolvimento notável
foi a incorporação da noção de coerência à noção de que o eu é uma configuração que
procura aceitar fatos coerentes com padrões que já existem e a rejeitar fatos que não são
coerentes. O construto corolário de congruência acabava de nascer.
Assim sendo, o “eu” na teoria de Rogers é o padrão organizado de percepções,
sentimentos, atitudes e valores que o indivíduo acredita ser exclusivamente seu. É o conjunto
de características que definem “eu” e “a mim”. Assim, o “eu” é o componente central da
experiência total do indivíduo.
Pode-se ainda dizer que o self é a visão que uma pessoa tem de si própria, baseada em
experiências passadas, estimulações presentes e expectativas futuras.

- Self ideal
O self ideal é “o conjunto de características que o indivíduo mais gostaria de poder
reclamar como descritivas de si mesmo”, ou seja, é a pessoa tal como gostaria de ser.
Considera-se que o indivíduo bem ajustado é aquele que possui uma correspondência muito
estreita entre o self e o self ideal.
Assim como o self, ele é uma estrutura móvel e variável, que passa por redefinição
constante. A extensão da diferença entre o self e o self ideal é um indicador do desconforto,
insatisfação e dificuldades neuróticas. Aceitar-se como se é na realidade, e não como se quer
ser, é um sinal de saúde mental. Aceitar-se não é resignar-se ou abdicar de si mesmo; é uma
forma de estar mais perto da realidade de seu estado atual. A imagem do self ideal, na medida
em que se diferencia de modo claro do comportamento e dos valores reais de uma pessoa é
um obstáculo ao crescimento pessoal.
Um trecho da história de um caso pode esclarecê-lo. Um estudante estava planejando
desligar-se da faculdade. Havia sido o melhor aluno no ginásio e o primeiro no colegial e
estava indo muito bem na faculdade. Estava desistindo, explicava, porque havia recebido um
“C” num curso. Sua imagem de ter sido sempre o melhor estava em perigo. A única
sequência de ações que ele vislumbrava era escapar, deixar o mundo acadêmico, rejeitar a
discrepância entre seu desempenho atual e sua visão ideal de si próprio. Disse que iria
trabalhar para ser o “melhor” de alguma outra forma.
Para proteger sua autoimagem ele desejava cortar pela raiz sua carreira acadêmica.
Ele deixou a escola, viajou pelo mundo e por vários anos teve uma grande quantidade de
empregos originais. Quando foi visto novamente era capaz de discutir a possibilidade de que
talvez não fosse necessário ser o melhor desde o começo, mas tinha ainda grandes
dificuldades em explorar qualquer atividade na qual pudesse experimentar fracasso.

- Congruência e Incongruência
Congruência é definida como o grau de exatidão entre a experiência, a comunicação e
a tomada de consciência. Ela relaciona-se à discrepância entre experienciar e tomar
consciência. Um alto grau de congruência significa que a comunicação (o que você está
expressando), a experiência (o que está ocorrendo em seu campo) e a tomada de consciência
(o que você está percebendo) são todas semelhantes. Suas observações e as de um observador
externo seriam consistentes.
Crianças pequenas exibem alta congruência. Expressam seus sentimentos logo que
seja possível com o seu ser total. Quando uma criança tem fome ela toda está com fome,
neste exato momento. Quando uma criança sente amor ou raiva, ela expressa plenamente
essas emoções. Isto pode justificar a rapidez com que a criança substitui um estado emocional
por outro. A expressão total de seus sentimentos permite que elas liquidem a bagagem
emocional que não foi expressa em experiências anteriores.
A congruência é bem descrita por um Zen-budista ao dizer: “Quando tenho fome,
como; quando estou cansado, sento-me; quando estou com sono, durmo”.
Segundo Rogers, quanto mais o terapeuta souber ouvir e aceitar o que se passa em si
mesmo, quanto mais souber ser a complexidade dos seus sentimentos, sem receio, maior será
o seu grau de congruência.
A incongruência ocorre quando há diferenças entre a tomada de consciência, a
experiência e a comunicação desta. As pessoas que parecem estar com raiva (punhos
cerrados, tom de voz elevado, praguejando) e que (se interpeladas) replicam que de forma
alguma estão com raiva, ou as pessoas que dizem estar passando por um período maravilhoso
mas que se mostram entediadas, isoladas ou facilmente doentes, estão revelando
incongruência. É definida não só como inabilidade de perceber com precisão mas também
como inabilidade ou incapacidade de comunicação precisa. Quando a incongruência está
entre a tomada de consciência (o que você está percebendo) e a experiência (o que está
ocorrendo em seu campo), é chamada repressão. A pessoa simplesmente não tem consciência
do que está ocorrendo. A maioria das psicoterapias trabalha sobre este sintoma de
incongruência ajudando as pessoas a se tornarem mais conscientes de suas ações,
pensamentos e atitudes na medida em que estes as afetam e aos outros.
Quando a incongruência é uma discrepância entre a tomada de consciência e a comunicação a
pessoa não expressa o que está realmente sentindo, pensando ou experienciando. Este tipo de
incongruência é muitas vezes percebido como mentiroso, inautêntico ou desonesto. Muitas
vezes esses comportamentos tornam-se foco de discussões em terapias de grupo ou grupos de
encontro. Embora tais comportamentos pareçam ser realizados com malícia, terapeutas e
treinadores relatam que a ausência de congruência social – aparente falta de boa vontade em
comunicar-se – é com frequência uma falta de autocontrole e consciência pessoal. A pessoa
não é capaz de expressar suas emoções e percepções reais em virtude do medo e de velhos
hábitos de encobrimento que são difíceis de superar. Por outro lado, é possível que a pessoa
tenha dificuldade em compreender o que os outros esperam dela.
A incongruência pode ser sentida como tensão, ansiedade ou, em circunstâncias mais
extremas, como confusão interna. Um paciente internado em hospital psiquiátrico que declara
não saber onde está, em que hospital, qual a hora do dia, ou mesmo quem ele é, está exibindo
alto grau de incongruência. A discrepância entre a realidade externa e aquilo que está
subjetivamente experienciando tornou-se tão grande que ele não é capaz de atuar.
A maioria dos sintomas descritos na literatura psiquiátrica podem ser vistos como
formas de incongruência. Para Rogers, a forma particular de distúrbio é menos crítica que o
reconhecimento de que há uma incongruência que exige uma solução.
A incongruência é visível em observações como estas. “Não sou capaz de tomar
decisões”, “Não sei o que quero”, “Nunca serei capaz de persistir em algo”. A confusão
aparece quando você não é capaz de escolher dentre os diferentes estímulos aos quais se acha
exposto. Considere o caso de um cliente que relata: “Minha mãe pede-me que eu me
mantenha firme para não ser puxado de todo lado. Pensou que sou muito bom para minha
mãe, mais do que ela merece. Às vezes a odeio, às vezes a amo. Às vezes é bom estar com
ela, às vezes ela me diminui”.
O cliente está assediado por estímulos diferentes. Cada um deles é válido e conduz a
ações válidas por algum tempo. É difícil diferenciar, dentre estes estímulos, aqueles que são
genuínos daqueles que são impostos. O problema pode estar em reconhecê-los como
diferentes e ser capaz de trabalhar sobre sentimentos diferentes em momentos diferentes. A
ambivalência não é rara ou anormal; não ser capaz de reconhecê-la ou enfrentá-la pode ser
uma causa de ansiedade.

- Tendência à Auto Atualização (Autorrealização)


Há um aspecto básico da natureza humana que leva uma pessoa em direção a uma
maior congruência e a um funcionamento realista. Este impulso é evidente em toda vida
humana e orgânica – expandir-se, estender-se, tornar-se autônomo, desenvolver-se,
amadurecer – a tendência a expressar e ativar todas as capacidades do organismo (indivíduo
total) na medida em que tal ativação valoriza o organismo ou o self.
Rogers sugere que em cada um de nós há um impulso inerente em direção a sermos
competentes e capazes quanto ao que estamos aptos a ser biologicamente. Assim como uma
planta tenta tornar-se saudável, como uma semente contém dentro de si um impulso para se
tornar uma árvore, também uma pessoa é impelida a se tornar uma pessoa total, completa e
auto atualizada.
O impulso em direção à saúde não é uma força esmagadora que supera obstáculos ao
longo da vida; pelo contrário, é facilmente embotado, distorcido e reprimido. Rogers o vê
como a força motivadora dominante numa pessoa que está “funcionando de modo livre”, não
paralisada por eventos passados ou por crenças correntes que mantêm a incongruência.
Maslow chegou a conclusões semelhantes; chamava esta tendência de uma voz interna e
fraca que é facilmente abafada. A suposição de que o crescimento é possível e central para o
projeto do organismo é crucial para o restante do pensamento de Rogers.
Portanto, para Rogers, o motivo básico do organismo é a realização, manutenção e
enriquecimento do eu. A tendência para a auto atualização incute significado e direção à
atividade humana.
Esta autorrealização não se faz sem luta e sofrimento, mas a pessoa aceita a luta e
suporta o sofrimento porque o impulso criador para crescer é muito forte.

Crescimento Psicológico
As forças positivas em direção à saúde e ao crescimento são naturais e inerentes ao
organismo. Baseado em sua própria experiência clínica, Rogers conclui que os indivíduos
têm a capacidade de experienciar e de se tornarem conscientes de seus desajustamentos, isto
é, você pode experienciar as incoerências entre seu autoconceito e suas experiências reais.
Esta capacidade que reside em nós é associada a uma tendência subjacente à modificação do
autoconceito, no sentido de estar realmente de acordo com a realidade. Rogers postula,
portanto, um movimento natural para a resolução e distante do conflito. Vê o ajustamento,
não como um estado estático, mas como um processo no qual as novas aprendizagens e novas
experiências são cuidadosamente assimiladas.
Ainda para Rogers, estas tendências em direção à saúde são facilitadas por qualquer
relação interpessoal na qual um dos membros esteja livre o bastante da incongruência para
estar em contato com seu próprio centro de autocorreção. A maior tarefa da terapia é
estabelecer tal relacionamento genuíno. Aceitar a si mesmo é um pré-requisito para uma
aceitação mais fácil e genuína dos outros. Em compensação, ser aceito por outro conduz a
uma vontade cada vez maior de aceitar-se a si próprio. Este ciclo de autocorreção e auto
incentivo é a forma principal pela qual se minimizam os obstáculos ao crescimento
psicológico.

Obstáculos ao Crescimento
Rogers sugere que os obstáculos aparecem na infância e são aspectos normais do
desenvolvimento. O que a criança aprende em um estágio como benéfico deve ser reavaliado
nos estágios posteriores. Motivos que predominam na primeira infância mais tarde podem
inibir o desenvolvimento da personalidade.
Quando a criança começa a tomar consciência do self, desenvolve uma necessidade de
amor ou consideração (atenção) positiva. Esta necessidade é universal, considerando-se que
ela existe em todo ser humano e que se faz sentir de uma maneira contínua e penetrante.
Essa necessidade de atenção positiva, a qual pode assumir várias formas, como
aprovação, amor, simpatia, respeito de outras pessoas, estaria presente em tudo. É vista mais
claramente na necessidade infantil de amor e aprovação dos pais. O conceito de eu da criança
será modelado pelo uso parental da atenção positiva condicional. Se as experiências reais da
criança conflitam com o conceito de eu “exigido” por seus pais como uma condição do amor,
então é possível que mecanismos de defesa tenham de ser empregados para impedir que as
experiências sejam conscientizadas; por exemplo, se os pais atribuem grande valor ao êxito
acadêmico, é provável que a criança desenvolva um conceito de eu que enfatizará as
elevadas realizações acadêmicas; o fracasso em igualar-se aos seus propósitos elevados pode
ser superado mediante o emprego de mecanismos de defesa. Assim, as origens dos
mecanismos de defesa são encontradas nas tentativas do indivíduo para reter o amor.
O amor é tão importante para a criança que ela “acaba por ser guiada, não pelo caráter
agradável ou desagradável de suas experiências e comportamentos, mas pela promessa de
afeição que elas encerram”. A criança começa a agir de forma que lhe garante amor ou
aprovação, sejam os comportamentos saudáveis ou não para ela. As crianças podem agir
contra seu próprio interesse... Teoricamente. Esta situação poderia não se desenvolver se a
criança sempre se sentisse aceita e houvesse aprovação dos sentimentos mesmo que alguns
comportamentos fossem inibidos. Em tal situação ideal a criança nunca seria pressionada a se
despojar ou repudiar partes não atraentes mas autênticas de sua personalidade.
Comportamentos ou atitudes que negam algum aspecto do self são chamados de
condições de valor. “Quando uma experiência relativa ao eu é procurada ou evitada –
unicamente porque é percebida como mais ou menos digna de consideração de si, dizemos
que o indivíduo adquiriu um modo de avaliação condicional”. Condições de valor são os
obstáculos básicos à exatidão da percepção e à tomada de consciência realista. Há vendas e
filtros seletivos destinados a assegurar um suprimento interminável de amor da parte dos
parentes e dos outros... As condições de valor criam uma discrepância entre o self e o
autoconceito. Para mantermos uma condição de valor temos que negar determinados aspectos
de nós mesmos.
Por exemplo, se lhe falaram “Você deve amar seu irmãozinho recém-nascido senão
mamãe não gosta mais de você”, a mensagem é a de que você deve negar ou reprimir seus
sentimentos negativos genuínos em relação a ele. Se você conseguir esconder sua vontade
maldosa, seu desejo de machucá-lo e seu ciúme normal, sua mãe continuará a amá-lo. Se
você admitir que tem tais sentimentos você arrisca a perder este amor. Uma solução que cria
uma condição de valor é rejeitar tais sentimentos sempre que ocorram, bloqueando-os de sua
consciência. Admitir tais sentimentos e permitir-lhes alguma expressão quando ocorrem é
mais saudável, segundo Rogers, do que rejeitá-los ou aliená-los.
Quando a criança amadurece, o problema persiste. O crescimento é impedido na
medida em que a pessoa nega impulsos diferentes do autoconceito artificialmente “bom”.
Para sustentar a falsa autoimagem a pessoa continua a distorcer experiências – quanto maior a
distorção maior a probabilidade de erros e de criação de novos problemas. Os
comportamentos, os erros e a confusão que resultam dão manifestações de distorções iniciais
mais fundamentais.
A situação realimenta-se a si mesma. Cada experiência de incongruência entre o self e
a realidade aumenta a vulnerabilidade, a qual, por sua vez, ocasiona o aumento de defesas,
interceptando experiências e criando novas ocasiões de incongruência.
Por vezes manobras defensivas não funcionam. A pessoa toma consciência das
discrepâncias óbvias entre os comportamentos e as crenças. Os resultados podem ser pânico,
ansiedade crônica, retraimento ou mesmo uma psicose. Rogers observou que o
comportamento psicótico parece ser muitas vezes a representação externa de um aspecto
anteriormente negado da experiência. Perry (1974) o corrobora, apresentando evidência de
que o episódio psicótico é uma tentativa desesperada da personalidade de se reequilibrar e de
permitir a realização de necessidades e de experiências internas frustradas. A terapia centrada
no cliente esforça-se por estabelecer uma atmosfera na qual condições de valor prejudiciais
possam ser postas de lado, permitindo, portanto, que forças saudáveis de uma pessoa
retomem sua dominância original. Uma pessoa recupera a saúde reivindicando suas partes
reprimidas ou negadas.

Terapia Centrada no Cliente


Rogers foi um terapeuta praticante durante toda a sua carreira profissional. Sua teoria
da personalidade emerge de seus métodos e ideias sobre terapia e é integrada a eles. A teoria
psicoterápica de Rogers passou por diversas fases de desenvolvimento e mudanças de ênfase,
e ainda assim há alguns pontos básicos que se mantiveram inalterados. Rogers faz uma
citação de uma palestra de 1940, onde pela primeira vez descreveu suas novas ideias sobre
terapia:
1. “Esta nova abordagem coloca um peso maior sobre o impulso individual em direção ao
crescimento, à saúde e ao ajustamento. A terapia é uma questão de libertar o paciente para
um crescimento e desenvolvimento normais.”
2. “Esta terapia dá muito mais ênfase ao aspecto afetivo de uma situação do que aos
aspectos intelectuais”.
3. “Esta nova terapia dá muito mais ênfase à situação imediata do que ao passado do
indivíduo”.
4. “Esta abordagem enfatiza o relacionamento terapêutico em si mesmo como uma
experiência de crescimento.”
Rogers usa a palavra “cliente” ao invés do termo tradicional “paciente”. Um paciente
é, em geral, alguém que está doente, precisa de ajuda e vai ser ajudado por profissionais
formados. Um cliente é alguém que deseja um serviço e que pensa não poder realizá-lo
sozinho. O cliente, portanto, embora possa ter muitos problemas é ainda visto como uma
pessoa inerentemente capaz de entender sua própria situação. Há uma igualdade implícita no
modelo do cliente, que não está presente no relacionamento médico-paciente.
A terapia atende a uma pessoa ao revelar seu próprio dilema com um mínimo de
intrusão por parte do terapeuta. Rogers define a psicoterapia como “a liberação de
capacidades já presentes em estado latente”. Isto é, implica que o cliente possua,
potencialmente, a competência necessária à solução de seus problemas. Tais opiniões se
opõem diretamente à concepção da terapia como uma manipulação, por especialista, de um
organismo mais ou menos passivo”. A terapia é apontada como dirigida pelo cliente ou
centrada no cliente, uma vez que é quem assume toda direção que for necessária.
A terapia centrada no cliente e a modificação de comportamento têm algumas
semelhanças: ambas ouvem as ideias do cliente sobre suas dificuldades e ambas aceitam o
cliente como capaz de compreender seus próprios problemas. Entretanto, na terapia centrada
no cliente, a pessoa continua a dirigir e modificar as metas da terapia e iniciar as mudanças
comportamentais (ou outras) que deseja que ocorram. Na modificação do comportamento, os
novos comportamentos são escolhidos pelo terapeuta. Rogers sente de modo intenso que tais
“intervenções do especialista”, qualquer seja a sua natureza, são, em última instância,
prejudiciais ao crescimento da pessoa.

Terapeuta Centrado no Cliente


O cliente tem a chave de sua recuperação mas o terapeuta deveria ter determinadas
qualidades pessoais que ajudam o cliente a aprender como usar tais chaves. “Estes poderes
(dentro do cliente) tornar-se-ão efetivos se o terapeuta puder estabelecer com o cliente um
relacionamento de aceitação e compreensão suficientemente caloroso”. Antes do terapeuta
ser qualquer coisa para o cliente, ele deve ser autêntico, genuíno e não estar desempenhando
um papel – especialmente o de um terapeuta quando está com o cliente. Isto “envolve a
vontade de ser e expressar com minhas próprias palavras e meus comportamentos, os
diversos sentimentos e atitudes que existem em mim. Isto significa que preciso, na medida do
possível, perceber os meus próprios sentimentos, ao invés de apresentar uma fachada externa
de uma atitude enquanto na verdade mantenho outra”.
Terapeutas que estão se formando por vezes perguntam: “Como você se comporta se
não gosta do paciente ou se está aborrecido ou bravo?” Não serão estes sentimentos genuínos
justamente os que ele desperta em todas as pessoas que ofende?”
A resposta centrada no cliente a estas questões envolve diversos níveis de
compreensão. Em um nível, o terapeuta serve como modelo de uma pessoa autêntica. O
terapeuta oferece ao cliente um relacionamento através do qual este pode testar sua própria
realidade. Se o cliente confia que vá receber uma resposta honesta, pode descobrir se suas
antecipações ou defesas são justificadas. O cliente pode aprender a esperar uma reação real –
não distorcida ou diluída – à sua busca interior. Este teste de realidade é crucial se o cliente
quer afastar-se das distorções e experienciar a si mesmo de modo direto.
Num outro nível, o terapeuta centrado no cliente proporciona uma relação de ajuda
enquanto aceita e é capaz de manter uma “consideração positiva incondicional”. Rogers a
define como “uma preocupação que não é possessiva, que não exige qualquer favor pessoal.
É simplesmente uma atmosfera que demonstra, “Eu preocupo-me” e não “Eu preocupo-me
consigo se se comportar desta ou daquela maneira”. Não é uma avaliação positiva porque
toda avaliação é uma forma de julgamento moral. A avaliação tende a restringir o
comportamento respeitando algumas coisas e punindo outras, a consideração positiva
incondicional permite à pessoa ser realmente o que é, não importando o que possa ser.
Essa atitude aproxima-se daquilo que Maslow denomina “amor taoístico”, um amor
que não faz julgamento prévio, que não restringe nem define. É a promessa de aceitar alguém
simplesmente como ela revela ser. Para fazer isto, um terapeuta centrado no cliente deve ser
sempre capaz de ver o centro auto atualizador do cliente e não os comportamentos
destrutivos, prejudiciais e ofensivos. Se se puder reter uma consciência da essência positiva
do indivíduo, poder-se-á ser autêntico com tal pessoa, ao invés de ficar aborrecido, irritado ou
bravo com expressões particulares de sua personalidade. Esta atitude é similar à dos mestres
espirituais da tradição oriental que, vendo o divino em todos os homens, podem tratar a todos
com igual respeito e compaixão.
O terapeuta rogeriano, portanto, trabalha com a compreensão e aceitação do cliente
incondicionalmente. Na prática, entretanto, isto é extremamente difícil. Terapeutas rogerianos
admitem que são com frequência, incapazes de manter esta qualidade de compreensão
quando trabalham.
A aceitação pode ser uma mera tolerância, uma postura não julgadora que pode ou
não incluir uma real compreensão. Esta aceitação é inadequada; a consideração positiva
incondicional deve incluir também “uma compreensão empática... captar o mundo particular
do cliente como se fosse o seu próprio mundo, mas sem nunca esquecer esse caráter de
“como se”. Esta nova dimensão permite ao cliente maior liberdade para explorar sentimentos
internos. O cliente está certo de que o terapeuta fará mais do que aceitá-lo, pois está engajado
de maneira ativa na tentativa de sentir as mesmas situações dentro de si próprio.
O critério final para um bom terapeuta é que ele deve possuir a habilidade para
comunicar esta compreensão ao cliente. O cliente precisa saber que o terapeuta é autêntico,
preocupa-se, ouve e compreende de fato. É necessário que o terapeuta seja claro apesar das
distorções seletivas do cliente, das subcepções de ameaça e dos efeitos danosos de uma
autoconsideração mal colocada. Desde que esta ponte entre terapeuta e cliente seja
estabelecida, o cliente pode começar a trabalhar sério.
A descrição acima pode parecer estática, como se o terapeuta alcançasse um “platô” e
então fizesse terapia, é no entanto, um processo dinâmico em andamento, num estado de
contínua renovação. O terapeuta, assim como o cliente, está sempre num processo de se
tornar mais congruente.
Segundo Rogers, o cliente deve determinar seu próprio caminho com os esforços de
encorajamento e apoio por parte do terapeuta.
Enquanto que alguns aspectos da terapia rogeriana podem ser facilmente aprendidos e
são de fato usados por muitos terapeutas, as características pessoais que um terapeuta
eficiente deve manter são extremamente difíceis de compreender, experienciar e praticar. A
capacidade de estar verdadeiramente presente para um outro ser humano – empático com a
dor dessa pessoa, confiante em seu crescimento e capaz de lhe comunicar tudo isto – é uma
exigência quase esmagadora.

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