Você está na página 1de 8
(h) Nas sequéncias de consoantes devem distinguir-se: — as consoantes que terminam silaba [r,,], © que por isso sao segui- das de outras sem constituirem, no entanto, um grupo (exs. portas, [e-t]; forja, [¢-3]; marcha [e-f]; salsa, [4]; chilreio, [1-R]; festa [f-tl; musculo {f-k)s — duas consoantes sucessivas que pertencem & mesma sflaba e que for- mam um grupo consonantal (exs. entra, [tr]; abra, [br]; tecla, [kl]; plural, (pl). Por vezes, os grupos de consoantes que iniciam sflaba seguem-se a uma consoante final de sflaba (exs. feliro, (r], perplexo, [e-pl]; descrever, (f-kel). Fonologicamente, ou seja, a nivel subjacente e sem actuagdo dos processos fo- néticos, rés consoantes é o ntimero maximo de consoantes que podem ocorrer em sequéncia na lingua portuguesa. 25.3. Classificagao dos sons Os sons da fala so as mais pequenas unidades linguisticas e consideram-se indivistveis porque nao podem segmentar-se. So, no entanto, unidades comple- xas por serem formadas por um conjunto de caracteristicas analiséveis no que respeita sua produgio (nivel articulatério), aos seus aspectos fisicos (nivel actistico) e as suas qualidades perceptivas (nivel auditivo ou perceptivo). A pre senga ou auséncia dessas caracterfsticas, que podem ser apresentadas sob a for- ma de tragos distintivos ("), diferencia as unidades fonéticas entre si. Os tragos distintivos so bindrios e a sua presenga ou auséncia indica-se, respectivamer te, por [+] e [-]. Esta classificago das unidades fonicas, em que as propri dades de cada uma sdo discriminadas e identificadas por tracos, distingue-se da classificagao tradicional na qual as unidades so entendidas globalmente e se distribuem por classes como as oclusivas, as fricatvas ou as dentais e palatais, Em fonologia, 0s tragos distintivos so entendidos como as propriedades que 6s falantes reconhecem intuitivamente como identificadoras dos elementos do seu sistema fonol6gico. Pelo facto de constitufrem uma classe universal, os tra- (*) Na obra de Jakobson, Fant ¢ Halle (1952), foi pela primeira vez estabelecida a classe miversal de tragos distntivos,baseada nas earateristicas ecstcas ds soas. Em Chomsky € Halle (1968: 298-829), faz-se uma revisto dess clase de tragos tendo em conta, sobretudo, 8s propriedades artculatérias dos sons. A escolha e definigfo dos tragos apresentadas para o portugués reporta-se esta ditima obra 996 {008 refleetem as capacidades humanas de produgaa e percepeao da fala. Sendo identificados pelos falantes, reflectem também os conhecimentos que o locutor- -auditor tem da sua propria lingua. Assim, considera-se que os tragos distinti- ‘vos, embora partam das caracteristicas fonéticas dos sons, ao identificarem os segmento fonolégicos so propriedades fonoldgicas da lingua 25.3.1, Caracterfsticas articulatérias dos tragos distintivos Certos tragos distintivos correspondem ao modo de articulagio das unida- des, como acontece com a classificagdo tradicional das consoantes como cclusivas, fricativas, liquidas e nasais. Os tragos 'consonintico! ou ‘nasal’ indi- cados em (1) so tragos de modo de articulagao. Outros tragos tomam coma referéncia o ponto de articulagio dos sons, como sucede com a classificago tradicional das consoantes como dentais, palatais, velares ¢ uvulares. Tragos como ‘coronal! ou ‘alto’, indicados em (5), stio tacos de ponto de articulacio. Tanto 0 modo como o ponto de articulagdo esto relacionados com proprieda- des articulatérias dos sons que resultam da forma como o ar, expelido dos pul- mes, € modulado na eavidade oral e, por vezes, na eavidade nasal (sons nasais), A boca e as fossas nasais actuam como caixas de ressondncia, e © modo como estio colocados 0s articuladores méveis (lingua, dentes inferiores, véu palatino e tivula) ¢ 0s articuladores fixos (dentes superiores, alyéolos e palato duro) determina a natureza do som produzido. O conjunto dos érgaos do apare- Iho fonador que se encontrai acima da laringe — onde se situa a glote com as cordas vocais — constitui o tracto vocal (") Ao passar 0 ar pelas cordas vocais, estas vibram quando se pretende produ- zit um som vozeado (ou 'sonoro’), por aposigZo a um som ndio-vozeado (tradi- cionalmente denominado 'surdo') em que as cordas vocais se mantém tensas e separadas (por exemplo [b], vozeado vs. [p], nao vozeado). Se o som produzido for uma vogal, ou se for uma consoante com o trago ‘soante! (as liquidas, i.e. laterais (1), [A] e vibrantes [4], [R], ¢ as nasais [n], [mi], (n}), a5 cordas vocais vibram espontaneamente com a passagem do ar. Certos sons podem ser produ- idos com tragos secundérios, ou seja, & sua articulagdo normal acrescenta-se um movimento articulatério diferente que permite identificar as duas prontin- cias como sendo a realizagio de um tnico segmenta fonolégico. Assim, o [4] () Sobre fonetica do portugués, ver Delgaco-Martins, (1988: capitulo 1-6), Faria, Duarte, Pedro e Gouveia (1996: capitulo 3) e Mateus, Andrade, Viana e Vllalva (1990: captulos 3 e 4) final de sflaba e de palavra é pronuneiado como [I] mas com uma elevacio da lingua na parte posterior da boca, o que se denomina uma velarizagao ('") Os tragos distintivos necessdrios para cada lingua sao um subconjunto de uma classe universal de tragos. Em portugués curopeu, sao nevessirio os tragos indicados e definidos em (5), que estdo seguidos das respectivas abreviaturas. (1) Indicagdo e definigdo dos tracos distintivos (") Consondntico ({cons]): [+consondntico) indica a existéncia de uma obstrugio A passagem do ar, no tracto vocal (p.ex. [p] é [+conso- niintico)). Soante ({soan]): [+soante] indica a existéncia de uma vibragio espon- tinea das cordas vocais, i., uma passagem livre do ar (px. [ é [+soante)) Vozeado ({vo7): [+vozeado] indica uma vibragio das cordas vocais que ou Sonoro pode ser espontinea, o que sucede com todos os sons [+soantes}, ou pode ser voluntéria, na producao dos sons que sao [-soantes] e [+vozeados] [p.ex. [b] € [-soante] e [+vozeado}). Anterior ((ant]): [+anterior] indica que o corpo da lingua se move hori- zontalmente, posicionando-se na parte frontal da boca (p.ex. [s] é [+anterior)). (9 Bstas consoantes que correspondem a um iio segmento mas dferem na prondncia so denominadas, em lingufstca estutual, 'alofones’ de um mesmo fonema de base. Em in- 16s, por exemplo, certas oclusivas podem ser pronunciadas com aspiragio em determinados contextos. Compare-se spin ’spin} ‘rotago', com pin (‘pin alfnete, Os alofones nem sem- pre tém tragos secundérios mas podem ser apenas diferentes, embora muito proximos, ds se3- iments fonol6gicos, como {f] em fim de palavra, que é realizagio de fs fonol6gico mas coincide com /f/ que também pode ser fonolésico como em chave [avi]. Sobre a diferenga e a proximidade dos dois segmentos, ver adiante 0 exemplo (5) ¢ respectivas observagbes, So- bre articulagdo secundéria, ver Kenstowicz (1994: 1.10), (°) Na identificacio dos segmentos, os trgos devem ser colocados dentro de parénieses rectos, quer estejam ou nd representades por abrevitura (px. [coronal] ou [cor], [nasal] ou Inas} et.) ‘Para clasificar as consoantes referidas na nota (11), que petencem a dialects diferentes do dialecto pao do portugués europeu, seriam exigidos ainda os seguints ago: distensio retardada que idenifica a alricada (]),estridente que dstingue as frictivas da ficatzada [8] « distribuido que caracteriza as sibilantes (s}e [2] por oposigéo &s apico-alveolares (s} € [2 Sabre estes tragos e os indicados em (1), consultar Chomsky ¢ Halle (1968; capitulo 7). 098 Recuado ({rec}): [4recuado] indica que 0 corpo da lingua se move ho~ rizontalmente, posicionando-se na parte posterior da boca (p.ex. [k] e [ul] slo [+recuados}). Coronal ((e0r]): {+coronal] indica que a coroa da lingua se eleva, quer produzindo uma obstrugdo (p.ex. [d} ou (t}) ou simples- mente restringindo a passagem do ar (p.ex.(s] ou [J]. Alto (at): [alto] indica que o corpo da kingua se eleva na parte dian- {eira ou posterior da boca (p.ex. [u] e {f] sto [+altos). Baixo ([bx]): [+baixo) indica que o corpo da lingua se abaixa na par- te dianteira ou posterior da boca (p.ex. [a] ¢ [+baixo)). Arredondado ({art]): _[+arredondado) indica que os labios se projectam e se arredondam (p.ex. [o] é [+aredondado)). Nasal ((nas}}: [+nasal] indica que o ar sai simultaneamente pela boca pelas fossas nasais (p.ex. (n} é [+nasal]) Lateral ({lat)) [+lateral] indica que 0 som sai pelos lados da lingua (peex. [I] é [+lateral]). Continuo (Icont)) {+continuo] indica que o ar sai sem ocluséio no tracto vocal (p.ex. {8} ou [a] so [+continuos]). Nos tragos contidos em (1) nfo esté ineluido o trago [silabico} com que por vezes se distinguem as vogais ([+silabicas]) das glides ({-sildbicas)), visto que, nfo existindo glides no nivel fonolégico do portugués (), a distingdo entre glides vogais no nivel fonético se pode fazer a partir do seu comportamento em re- Tago ao acento e & sua posigao na silaba. 0s dois grandes grupos formados pelas vogais (V) e pelas consoantes (C) distinguem.se pelo traco [consonfintico}: V [-consonantico] ¢ C [+consondintico]. A correspondéncia entre os tragos distintivos acima indicados ¢ as principais classificagGes tradicionais é a seguinte: (2) Modo de articulagao (consoantes) oclusivas —continuas: Ip.b,t.d,k, g] ~soantes (5) Ver 252. fricativas (ae ff.v 8,2, .3] =soantes | Iiquidas (aterais e vibrantes) -+soantes 11, 4c, RVC) —nasais nasais “+soantes [m, n, 9] -+nasais 3) Pomto de articulagao (consoantes e vogais) Iabiais ¢ labio-dentais “+anteriores Ip. bf ¥, m] —coronais dentais e alveolares -+anteriores” | {ids,z,n, Le ++coronais pré-palatais e palatais anteriores’ U3 Arie el -recuadas _| velares e uvulares {+recuadas] [k, 2B, a, 9, 0, uM) Os quadros seguintes contém os tragos necessérios para identificar os segmen- tos Fonol6gicos do portugués europeu (dialecto-padrio): vogais (4a), consoantes oclusivas orais e nasais (4b), consoantes fticativas (4c) ¢ consoantes liquidas (4d). Cada um dos segmentos est identificado quanto & presenga (sinal +) ou auséncia (sinal -) do respectivo trago, Um quadro deste tipo denomina-se uma mat fo- rnolégiea. Note-se que sendo as vogais sempre [-consondinticas] e as consoantes sempre [+consoninticas] este trago ndo esti indicado nas matrizes. (A consoante uvularrepresentada por [R] & a vibrante que se encontra no dialecto-pa- dro do portugués europe, em que a sua producio implica a aegio da dvula. Em alguns dia- Jecios existe uma variante dental, avibrante melipla que se representa por (r] (©) A vogal [a] é considerada tradicionalmente central, embora seje também identficada ‘como [fecuada] por oposigao as [-recuadas} como [i] lel aa Voorais | Trager soante voreado \ alto [ono ea ee ee be [asedondaio [= [= (4) ‘Tragos soante voueado coin | ee | ee aaa pete) el* epee tee eon Wei ee ed en reeuado [ - [| — nasal_[ = | = Ae) Tags | f [vs | woante | — | - voreado | - | + contiauo | + | + anterior | + | * reeuado | - [| — oom | = | - + | ele vasl | - | - | ad ‘Tragos soante voueado eontinue, ‘anterior remade | |e [tiers a es ee jel (+ | = Ll 1001 a A identificagao dos segmentos fonol6gicos a partir dos seus tragos distinti- ‘os tora mais clara a relagdo que mantém entre si e permite compreender como funcionam, tanto no plano diaerénico como no plano sinerénico, as regras e os processos que determinam a sua realizagio fonética, Veja-se, por exemplo, em (5) a identificagio, com os tracos distintivos colocados em coluna, da consoante fonoldgica fs e da fonética [f] (os tragos [alto], [baixo] ¢ [arredondado] nio figu- ram nas colunas destas consoantes porque sio caracterizadores das vogais). Trata- -se de duas consoantes muito préximas, o que permite que, em portugues, o {f] final de uma palavra como mais {méjf] seja a realizac0 fonética de um /s/ fonoldgico, (5) Identificagdo de /¥/ fonolégico e de [S} no nivel fonético AI il +cont vor. nas slat +cor ant =tee Analisando os tragos que identificam as duas consoantes verificamos que o timico trago que as distingue € o [anterior]. Constatamos assim a proximidade entre as duas consountes, o que toma compreensivel a realizagao fonética da consoante fonolégica 25,3.2. Redundancias As consoantes apresentadas em (5) esti completamente identificadas com 0s tragos distintivos que funcionam no sistema fonolégico do portugués. Mas ao reconhecer um segmento, o falante nfo recorre necessariamente a todos esses tragos porque alguns deles so redundantes em relacdo a outros. Assim, ao classificar as vogais e consoantes de um sistema fonolégico, nao € necessdrio incluir a lista completa dos tragos com o respectivo valor positivo ‘ou negativo, porque esse valor pode predizer-se a partir dos tragos que so per tinentes para o reconhecimento do segmento, Isto quer dizer que os tragos caracterizadores so pertinentes e os que se podem deduzir desses tragos so 1002 da Lingua Portuguesa Maria Helena Mira Mateus Ana Maria Brito Inés Duarte Isabel Hub Faria e Sonia Frota (er sso e Meld Fatima Oliveira NY Eran E maroc ATM slIev NE ree ARIIE série LINGUISTIC. q A

Você também pode gostar