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Psicoses
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PSICOPATOLOGIA DAS PSICOSES
Uma Introdução sobre a Semiologia e a Neurociência Cognitiva dos
Transtornos do Pensamento e da Sensopercepção
Hélio Tonelli
2009
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ÍNDICE
Introdução 6
Conceito de Psicose 7
Dopamina e antipsicóticos 18
Pensamento 20
Perturbações da linguagem 22
Descarga Corolária 37
4
Modelos associados à cognição social 38
Sensopercepção 43
Conclusões 48
Bibliografia 50
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Introdução
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empreitada. Por exemplo, uma maneira de se estar psicótico sem apresentar delírios de
perseguição e alucinações do tipo vozes de comando é ter um comportamento
desorganizado (o que não significa que não haja pacientes com comportamento
desorganizado que apresentem concomitantemente delírios e/ou alucinações). A terceira
lição será compreender quais são os fenômenos mentais subjacentes à presença destes
comemorativos clínicos (atualmente a ciência cognitiva evoluiu bastante, de forma a
possibilitar a explicação dos mesmos com base em falhas no processamento da informação,
via déficits em filtros sensoriais ou processos de auto-monitoramento, por exemplo).
Conceito de Psicose
Parece irresistível à maioria daqueles que abordam o tema da psicose contrapor tal
conceito com o de neurose; não optarei por outro caminho neste texto porque os dois
conceitos caminharam juntos desde o princípio, mudando seu significado de acordo com a
época. É importante, todavia, salientar que inicialmente o termo neurose referia-se a qualquer
doença do sistema nervoso. Tanto era assim que, nos casos em que se suspeitava de forte
componente psíquico do transtorno afetando o sistema nervoso, poder-se-ia usar uma
expressão parecida com neurose psíquica, o que para aqueles acostumados com a nomina
freudiana, poderia parecer uma hipérbole. Falaremos um pouco mais das neuroses nos
próximos parágrafos. Na primeira vez que o termo psicose foi empregado, por
Feuchtersleben em 1845, o mesmo referia-se à presença de psicopatologia comprometendo
toda a personalidade e tendo como origens alterações tanto de processos físicos quanto de
processos psíquicos. Portanto, a palavra designava a presença de transtornos mentais ou
insanidade e assim permaneceu seu significado até a segunda metade do século dezenove.
A tendência continuava sendo de associar o termo à presença de sintomas explicados por
doenças no sistema nervoso central ou pela suposição de que transtornos acometendo o
cérebro os estivessem causando, até que Moebius, em 1875, sugeriu a classificação das
psicoses em endógenas e exógenas. Com este argumento alinharam-se Kraepelin e Jaspers,
os quais chamavam de exógena toda a psicose com causa externa, fosse física, fosse psíquica.
A expressão endógena – sob a qual eram definidos estados como melancolia, mania, paranóia
e histeria – consagrou-se definitivamente com o trabalho de Schneider, como uma
categoria para incluir estados clínicos em que não fora possível a obter a correlação
anátomo-clínica ou demonstrar a etiologia neurológica, mas que a existência de um
transtorno seria inequívoca em virtude da presença de sinais psicopatológicos. Mais tarde,
Kraepelin e Bleuler propuseram a clássica subdivisão das psicoses endógenas em duas
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categorias, psicose maníaco-depressiva e psicose esquizofrênica, baseando-se na evolução
da doença. Esta proposta é até hoje muito popular e pode ser observada nos manuais de
psiquiatria clínica, em que transtornos bipolares e esquizofrenia são estudados sob uma
ótica kraepeliniana, que, resumidamente, assume que os transtornos do humor terão uma
evolução favorável e que as esquizofrenias não. Qualquer psiquiatra com alguma
experiência e bom senso concordará que isso objetivamente não acontece.
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como reações psicológicas ou neuroses mais graves. Somente a partir da década de oitenta,
com as tentativas de validação das categorias diagnósticas dos sistemas classificatórios, é
que a dicotomia neurose-psicose é definitivamente abandonada e o termo psicose é
utilizado apenas em referência aos transtornos psicóticos.
Portanto, pode-se afirmar que o termo psicose abrange uma gama de estados
mentais patológicos os quais se caracterizam pela presença de um ou mais fenômenos
clínicos que, em última análise, são o reflexo de alterações mentais afetando a integridade
de sistemas cerebrais ligados ao processamento do teste da realidade. Embora a discussão
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de tais sistemas não seja o objetivo central deste estudo, é importante lembrar que uma
importante função do cérebro é lidar com o processamento de informações ambientais de
forma que possamos aperfeiçoar nossa sobrevivência no mundo da forma mais eficiente
possível. Estes aperfeiçoamentos incluem a elaboração de um modelo de mundo do qual
nossa realidade faz parte. A neurociência cognitiva, através de diferentes técnicas, tem
identificado vários sistemas cerebrais envolvidos diretamente na construção das
representações mentais do ambiente. Estes sistemas, quando avariados, podem resultar em
problemas no processamento do teste da realidade. É o que será estudado um pouco mais
adiante.
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estreitamente definíveis de esquizofrenia. Quando estas diferentes considerações acerca do
fenótipo da psicose são confrontadas e avaliadas suas ocorrências na comunidade, conclui-
se que o fenótipo mais amplo (mais liberal) de psicose pode ser até cinquenta vezes mais
comum que o mais estrito.
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A esquizofrenia é uma condição clínica relativamente comum (sua taxa de risco ao
longo da vida é de cerca de 0,7%, semelhante à da artrite reumatóide), caracterizada pelo
acometimento de múltiplas funções mentais. Cognição, pensamento, senso-percepção,
volição, controle de impulsos e juízo crítico da realidade costumam estar afetados. Ela tem
um curso crônico, geralmente marcado por recaídas e remissões e costumeiramente se
inicia no início da idade adulta. Por esta razão, trata-se de um transtorno para o qual
a detecção e intervenção precoce são fundamentais, pois, depois de instalado o processo
mórbido, todos os tratamentos disponíveis são paliativos. Desta forma, o estudo e o
reconhecimento de pródromos têm sido uma importante atividade de pesquisa em
esquizofrenia.
Pródromo é um conceito retrospectivo, isto é, a não ser que haja uma doença
psicótica estabelecida, é impossível defini-lo. Em esquizofrenia e outras doenças psicóticas
o pródromo se refere ao período caracterizado por comemorativos clínicos que
representam uma alteração do funcionamento pré-mórbido de um paciente imediatamente
anterior ao início dos sintomas psicóticos francos.
Cerca de oitenta a noventa por cento dos esquizofrênicos relatam uma gama de
sintomas, que incluem mudanças nas percepções, crenças, cognição, humor e
comportamento, antes de ficarem psicóticos. Os demais dez a vinte por cento desenvolvem
quadros psicóticos agudos, sem sinais prodrômicos.
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Critérios para síndromes de risco ultra-alto para psicoses esquizofrênicas
(Young e colaboradores, 1996)
• Nos últimos três meses ocorreram sintomas psicóticos francos, que foram
breves e auto-limitados.
• Tais sintomas não preenchem critérios do DSM-IV para algum transtorno
psicótico.
• Os sintomas não são seriamente desagregadores ou perigosos.
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Felizmente existem indivíduos falso-positivos para risco ultra-alto, ou seja,
clinicamente são muito semelhantes aos indivíduos portadores de risco ultra-alto que
desenvolvem sintomas psicóticos francos, mas com a diferença de que não são vulneráveis
à psicose.
Dimensão
Negativa Anedonia e isolamento social, embotamento afetivo, pobreza do discurso,
diminuição do interesse, falta de inflexões vocais, desatenção social, anergia,
pobreza de gestos expressivos, diminuição de movimentos espontâneos, alogia,
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não-responsividade afetiva, diminuição do interesse sexual, falta de persistência
em atividades escolares ou laborativas, pobre contato visual, déficits atencionais,
bloqueio do pensamento, retardamento psicomotor.
Dimensão
Positiva Alucinações (vozes comentando, somáticas, tácteis, vozes conversando entre si,
olfativas), delírios (controle, inserção de pensamento, referência, irradiação de
pensamento, persecutórios, somáticos, culpa, místicos).
Dimensão
Desorganizada Comportamento bizarro, transtorno formal do pensamento (tangencialidade,
incoerência, circunstancialidade, afrouxamento, pressão pela fala, desorganização
conceitual).
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O córtex pré-frontal é a área que mais se desenvolveu no cérebro, do ponto de vista
filogenético. De maneira geral, ele integra as informações dos meios externo e interno a fim
de encontrar as respostas motoras apropriadas. Desta forma, esta área está estreitamente
relacionada a funções cognitivas e planejamento de ações. O córtex pré-frontal recebe uma
inervação dopaminérgica proeminente. Pacientes com lesões desta região podem, ao exame
muito superficial, parecer normais. Contudo, por apresentarem comprometimento em uma
área relacionada ao planejamento de ações, podem desenvolver desinibições
comportamentais, bem como perseverações ou dificuldades para mudarem seus esquemas
de ação (na medida em que pensamento e ação estão dissociados).
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Do ponto de vista neurológico o termo dismetria quer dizer alteração da coordenação da atividade motora. A
disdiadococcinesia é uma alteração dismétrica. O termo dismetria deriva do grego e quer dizer “alteração da”
(dis) moderação (metron). Por metron subentende-se a tomada de medida do tempo e do espaço, fazendo
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de descompasso envolvendo tanto as funções executivas como as emoções, o controle
motor, atenção e memória.
Não obstante, a expressão dismetria cognitiva abrange tanto processos motores como
cognitivos, relativos ao processamento da informação e às respostas conferidas como
conseqüência deste processamento. É razoável afirmar-se que processos como alucinações,
alterações formais do pensamento, delírios, embotamento afetivo, distúrbios volitivos e
déficits atencionais também possam ser decorrentes de dismetria cognitiva. Uma teoria
inferências sobre interrelações entre tais grandezas em relação a outro(s), a objetos, memórias e conceitos;
formulando respostas e experimentando sentimentos como conseqüências desta tomada de medida.
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bastante interessante a respeito da fisiopatologia das alterações do pensamento baseia-se na
tese de que o pensamento é a forma mais evoluída e sofisticada de atividade motora em
humanos e como tal, poderá apresentar-se alterado em virtude do descompasso de
estruturas envolvidas no processamento motor. Não se trata de uma metáfora, mas de um
conceito que implica na participação de estruturas subcorticais como os gânglios da base e
tálamo, bem como do próprio cerebelo no processamento do pensamento.
A teoria ideal sobre a gênese de sintomas positivos deveria abranger três níveis
explicativos: em primeiro lugar, identificaria processos físicos aberrantes acontecendo no
tecido cerebral. Em segundo, conectaria tais processos com aberrações cognitivas
acontecendo em nível psicológico e, em terceiro lugar, conciliar os dois primeiros níveis
com o nível experiencial, isto é, fornecer uma explicação de como seria a experiência de ter
delírios e alucinações.
Dopamina e antipsicóticos
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exercem suas ações em sistemas dopaminérgicos. Todavia, ainda não conseguimos explicar
as conexões entre estes achados biológicos e a natureza essencialmente fenomenológica da
psicose em um nível mental. Kapur e colaboradores propuseram, em 2004, um modelo
compreensivo de como deve acontecer tal conexão. Seu modelo baseia-se no papel da
dopamina como um neurotransmissor relacionado a reforço comportamental, seja por
mediar o prazer hedônico, seja por estar envolvida com eventos apetitivos e aversivos, seja
por ser liberada por neurônios dopaminérgicos mesencefálicos quando há predição de
prazer ou de gratificação. O sistema dopaminérgico é “colocado em ação” tanto quando
um animal se depara com novos reforçadores ou gratificadores ambientais, tanto quando
associações previamente aprendidas são violadas. Conseqüentemente, este
neurotransmissor está também envolvido com o aprendizado.
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Pensamento
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de representações mentais. Os indivíduos cujo pensamento é empobrecido não conseguem
vincular afetos, memórias, representações e impressões, como é comum em um ato
cognitivo saudável. O discurso é, então, vago e dá a impressão de que não acrescenta
nenhuma informação, apesar das palavras. Trata-se de um sinal típico dos esquizofrênicos
cronificados e dos portadores de quadros organomentais com patologia cerebral difusa.
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mudar para temas não correlacionados, configurando um pensamento idiossincrático e
potencialmente incompreensível. O afrouxamento pode ser observado em diferentes graus
de severidade: em pacientes menos graves, percebe-se que as idéias não são ligadas de
forma apropriada – embora possa ainda se entender aquilo que o paciente está falando –
fazendo com que se tenha uma sensação de que as conexões lógicas são pobres ou até
mesmo inexistentes. Em pacientes mais graves pode surgir incoerência ou desagregação do
pensamento.
Perturbações da linguagem
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comprometendo, portanto, a emissão espontânea da palavra, sua compreensão auditiva e
escrita. Nesta afasia, existe perda dos símbolos previamente armazenados para as palavras.
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Chaika argumentou que estes pacientes poderiam ter perdido o controle voluntário
da linguagem, em virtude de uma degradação da comunicação de subsistemas mentais
associados, o que parece nos lembrar de uma das possíveis origens dos sintomas
schneiderianos de passividade (que serão descritos mais detalhadamente adiante, mas que,
resumidamente, abrangem as vivências de perda de controle do eu, nas quais pensamentos
do próprio paciente podem ser experimentados como vindos “de fora”, como se fossem
inseridos na mente do sujeito). Também veremos adiante que estes subsistemas podem ser
os mesmos envolvidos no controle de retroalimentação inibitória importantes na regulação
da produção de movimentos voluntários, designados como descarga corolária. Discutiremos
estes sistemas com um pouco mais de detalhamento posteriormente.
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Classicamente, duas regiões cerebrais foram relacionadas ao processamento da linguagem: a área de
Wernicke e a área de Broca. A primeira parece estar relacionada ao processamento declarativo da linguagem e
a segunda, ao processamento procedural, de forma que haveria diferentes manifestações clínicas de lesões
específicas nestas áreas. Assim, um discurso parafásico e fluente seria observado nos pacientes com afasias de
Wernicke, já que estes indivíduos não teriam problemas na geração dos aspectos automáticos da linguagem,
como a fluência, mas em domínios que exigiriam habilidades de seleção das melhores palavras, por exemplo.
Os portadores de afasia de Broca, embora possam escolher palavras adequadas e dispô-las de maneira
gramaticalmente correta, perdem a “automaticidade” do discurso.
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Nancy Andreasen também estudou a linguagem na esquizofrenia, elaborando um
instrumento, a Thought, Language and Communication Scale (TLC) (Escala de Pensamento,
Linguagem e Comunicação), utilizada em muitos estudos sobre o tema. A TLC abrange
dezoito sintomas: pobreza do discurso, pobreza do conteúdo, pressão do discurso,
distratibilidade, tangencialidade, perda do objetivo, desagregação (derailment),
circunstancialidade, ilogicidade, incoerência, neologismos, aproximações (palavras
substitutas para expressões pré-existentes, como “sapatos de mãos”, ao invés de “luvas”),
perseveração, ecolalia, bloqueio, auto-referência, discurso excessivamente formal ou
pomposo e associações ressonantes (clanging). Andreasen destacou que alguns dos sintomas
classicamente considerados como “exclusivamente” esquizofrênicos, podem ocorrer em
outros transtornos mentais, como a mania (em que podem acontecer associações
ressonantes) e a depressão (que pode apresentar-se com pobreza do discurso, desagregação,
perda do objetivo e bloqueio).
A linguagem pode ser estratificada em vários níveis. O léxico (ou vocabulário) nos
informa que uma determinada sequencia de sons (fonologia) forma uma palavra; por
exemplo, homem, que é um substantivo (sintaxe), singular (morfologia), que significa um ser
humano do sexo masculino (semântica) e que pode ter conotações diferentes e
dependentes de um estilo de comunicação (pragmática). Covington e colaboradores
também revisaram o comprometimento destes diferentes níveis da linguagem na
esquizofrenia.
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recontar histórias nas quais um evento não relacionado e irrelevante é inserido, elas não
sejam genuinamente alterações fonológicas, mas o reflexo de comprometimento semântico
ou pragmático.
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exemplo), assim como portadores deste transtorno podem ter maior dificuldade em
compreender referências indiretas e informações presumidas, assim como tenderem a fazer
referências obscuras e presumirem informação não contida no discurso de seus
interlocutores.
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distônico, isto é, as idéias supervalorizadas não costumam causar no paciente a sensação de
serem absurdas bem como não fazem, à semelhança dos pensamentos obsessivos, com que
os pacientes tendam a lutar contra elas. Idéias de referência são idéias menos firmemente
mantidas que delírios, de que acontecimentos, objetos ou pessoas de seu ambiente têm um
significado particular, incomum e relacionado especificamente ao paciente. Idéias de referência
de culpabilidade são idéias muito semelhantes às idéias de referência, contudo, o indivíduo
acredita estar sendo censurado por alguma ação ou atributo. Culpa patológica é a alteração do
pensamento que acomete pessoas que se culpam exageradamente por pequenas falhas que
a maioria das pessoas não consideraria como sérias. Embora o sujeito reconheça o exagero
da intensidade da culpa, ele não consegue evitá-la.
Existem muitas classificações para os delírios, algumas mais, outras menos úteis.
Por exemplo, a classificação conforme a direção ou o tropismo, que aborda a posição do
ego delirante com o mundo externo e propõe que os delírios sejam catalogados em delírios
centrífugos - onde há um “transbordamento do eu”, tal qual ocorre nos delírios de grandeza e
onipotência – e centrípetos – onde há uma “egossístole”, como nos delírios de culpa; parece-
nos interessante apenas do ponto de vista histórico. A clássica e fundamental categorização
dos delírios em primários e secundários é, todavia, ainda muito utilizada, à medida que se
concentra especificamente na origem deste sintoma psicótico, embora tenha sido
questionada por alguns psicólogos cognitivos (vide Strik & Dierks, 2008).
Conseqüentemente, o delírio primário surge sem ter uma relação com um estado de humor
que possa justificá-lo; para Jaspers ele tem um caráter de coisa imposta à consciência do paciente.
Em última análise, o delírio primário é resultante de patologia do pensamento e não do
comprometimento deste por transtorno de outra função mental, como o humor. O delírio
secundário, por sua vez, é aquele que surge em conseqüência de um estado de humor
comprometendo o pensamento. Delírios de grandeza e de ruína são delírios secundários,
comuns, respectivamente, em pacientes maníacos e deprimidos.
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Os delírios de referência são caracterizados por uma crença de que o comportamento
das outras pessoas ou os acontecimentos externos têm um significado peculiar, geralmente
negativo e dirigido ao paciente. São os equivalentes delirantes das idéias de referência.
Os delírios de controle são falsas crenças de que a vontade do paciente está submetida
ao controle de alguma força ou agente externo desconhecido ou não. Esta categoria parece
muito típica da esquizofrenia, existindo, inclusive, teorias cognitivas muito esclarecedoras
do porque os mesmos ocorrem nestes pacientes. Uma vivência mental particular acontece
em todos os indivíduos acometidos de delírios de controle, que são as vivências de
influência, que se traduzem clinicamente na sensação da perda de controle do eu. Esta
sensação pode motivar o aparecimento de diversas explicações delirantes da parte do
paciente. O delírio de roubo do pensamento, a crença de que o pensamento foi roubado ou
removido da cabeça, geralmente é seguido de um bloqueio do pensamento. Ao contrário,
inserção do pensamento é o delírio de que pensamentos são adicionados à cabeça; trata-se de
uma experiência mental de que os pensamentos não são próprios. A irradiação do pensamento
consiste na crença de que os pensamentos parecem ressoar alto, de modo que alguém
possa ouvi-los, assim como a vivência de que os pensamentos possam ser compartilhados
por um grande número de pessoas. Os delírios de controle e as experiências de passividade
foram descritos primeiramente por Kurt Schneider, o qual sugeriu que estes sintomas
seriam patognomônicos da esquizofrenia. Hoje estes sinais clínicos são denominados
sintomas schneiderianos da esquizofrenia.
Nos delírios persecutórios, falsas crenças de que o paciente é perseguido, de que alguém
tenta prejudicá-lo ou molestá-lo, denegrir sua imagem, causar-lhe algum mal físico ou
deixá-lo louco, são os temas centrais.
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Síndromes de Falsa Identificação
A primeira descrição de SDFI foi feita em 1923 por Capgras e Reboul-Lachaux, que
reportaram o fenômeno da ilusão dos sósias (illusion des sosies), a partir da qual outras SDFI
foram relatadas.
Nas SDFI clássicas, o indivíduo identifica erroneamente alguém que lhe é familiar, ao
passo que nos tipos “reversos” ele acredita que sua própria identidade foi alterada. Edelstyn
e colaboradores (1996) acrescentam, ainda, que as SDFI não necessitam se restringir à falsa
identificação de pessoas, mas também podem envolver objetos e lugares.
A paramnésia reduplicativa, condição descrita pela primeira vez por Pick, em 1903, é
uma condição delirante na qual os pacientes acreditam que existem réplicas de pessoas ou
lugares conhecidos. Para Pisani e colaboradores (2000), a paramnésia reduplicativa é um
transtorno específico da memória caracterizado pela crença de que uma pessoa, lugar ou
evento foi duplicado. Baseando-se no conceito de paramnésia reduplicativa, Murai e
colaboradores (1998) descreveram um fenômeno que chamaram de pluralização clonal da
pessoa (PCP). Para estes autores, na PCP o falso reconhecimento não é o principal
fenômeno, mas a pluralização da identidade de alguém, isto é, o paciente acredita que uma
pessoa existe em número maior que um.
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A prosopagnosia, um transtorno caracterizado pelo comprometimento da habilidade de
reconhecer faces familiares associado a dano orgânico tem sido associada às SDFI e as
bases anatômicas de ambas poderiam ser investigadas em pacientes com lesão cerebral,
apesar de sua freqüente ocorrência em esquizofrênicos. De fato, existem vários estudos
reportando déficits no reconhecimento de faces e suas expressões emocionais nestes
pacientes.
Duas vias conectam o córtex visual, os lobos temporais e o sistema límbico: uma via
ventral, que liga o córtex visual aos lobos temporais através do fascículo longitudinal
inferior e uma via dorsal, interconectando através do lóbulo parietal inferior o córtex visual
e o sistema límbico. Danos à primeira via, que inclui o giro fusiforme, ocorreriam na
prosopagnosia, ao passo que injúrias na via dorsal, envolvida precisamente com o registro
da resposta emocional às faces, relacionar-se-iam às SDFI. Desta forma, diferenças entre
prosopagnosia e SDFI envolveriam predominantemente aspectos emocionais relativos à
experiência visual de faces. Críticas a esta teoria de duas vias no processamento da
informação relativa a faces baseiam-se no fato de que a principal evidência da mesma
permanece no modelo do “reconhecimento eletrodérmico” (RE). Trata-se de um modelo
desenhado por Bauer (1984, 1986), que identificou, através do estudo de um paciente
prosopagnósico, dois padrões de resposta: o primeiro, a inabilidade em reconhecer faces
quando figuras lhe eram apresentadas. O segundo, observado quando nomes corretos e
incorretos eram lidos em voz alta simultaneamente à apresentação das figuras: havia
aumento da condutância autonômica da pele quando os nomes corretos eram ditos. Esta
seria uma evidência de um reconhecimento “inconsciente” das faces. Para estes autores, na
medida em que o RE poderia não ser nada além de uma medida da excitação autonômica,
sua interpretação em termos cognitivos estaria longe de ser óbvia.
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Onitsuka e colaboradores (2003), compararando esquizofrênicos crônicos a controles,
reportaram anormalidades neuroanatômicas envolvendo o giro fusiforme nos
esquizofrênicos (redução de substância cinzenta relacionada significativamente à pior
performance em testes envolvendo memória para faces).
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crenças em indivíduos apresentando delírios de controle, porque, embora possamos
classificar e descrever como delirante o relato objetivo de “ser controlado por um agente
externo”, a vivência de passividade também pode perfeitamente ser descrita em termos de
uma percepção distorcida, ao examinarmos como o paciente experimenta, subjetivamente, tal
vivência.
Cada vez mais surgem modelos teóricos explicando os delírios como sendo
derivados de problemas no processamento cognitivo. Os modelos incluem desde
problemas afetando o funcionamento executivo até déficits mais complexos, localizados
em sistemas relacionados ao processamento de toda a informação ligada diretamente à
presença de outras pessoas e à convivência em sociedade, um domínio cerebral chamado
de cognição social. Atualmente existe um corpo robusto de informação derivada de pesquisa
séria a respeito de possíveis alterações do processamento cognitivo social na gênese de
delírios e outros sintomas em sujeitos esquizofrênicos. Discutiremos primeiramente os
modelos baseados na cognição geral e, em seguida, abordarei alguns aspectos do papel da
desregulação da cognição social na gênese de sintomas psicóticos.
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estímulos desnecessários, por isso, a evolução configurou mecanismos regulatórios de
priorização e seleção de estímulos, para que possamos prestar atenção somente naquilo que
objetivamente importa. Se recebermos um estímulo específico prévio, nossa atenção a um
segundo estímulo da mesma categoria tende a ser diferente da atenção mobilizada na
ausência de um estímulo prévio. Ora, se há uma condição na qual ocorre um prejuízo neste
mecanismo, poderíamos concluir que o mesmo acarretaria em sobrecarga sensorial e
problemas no processamento adequado da informação oriunda do meio ambiente. Esta
sobrecarga poderia aumentar o risco de desenvolvimento de sintomas psicóticos. Portanto,
percepções anormais podem decorrer de maneiras aberrantes de lidar com os estímulos
ambientais, não os selecionando adequadamente, por exemplo.
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que esta probabilidade é continuamente atualizada por novas evidências. Uma falsa crença
poderia ocorrer quando as crenças não são adequadamente atualizadas com base nas novas
evidências. Isso nada mais é do que o já citado jumping to conclusions.
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processando todas as sensações que nos bombardeiam a todo o momento. Em última
análise, o aprendizado depende do fator surpresa, isto é, um pareamento estímulo-desfecho
inesperado ou diferente daquele ou daqueles que se espera, melhoram nosso repertório de
crenças a respeito do mundo.
Uma das explicações mais completas sobre a formação de delírios foi sugerida por
Langdon e Coltheart. Estes autores fazem uma distinção entre fatores que explicam os
conteúdos dos delírios e fatores que explicam sua presença. Langdon e Coltheart propuseram
que a distorção perceptual é necessária para a gênese de delírios, tanto que a chamam de
primeiro fator. Argumentam, contudo, que vieses cognitivos, embora contribuintes
potenciais, não são nem necessários nem suficientes para garantir a presença de delírios.
Eles alegam que tais vieses são fundamentais na elaboração de hipóteses improváveis, mas
que é necessária a ocorrência de um segundo fator, subjacente à transformação destas
hipóteses em delírios na verdadeira acepção da palavra.
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cognitiva. Embora esta teoria seja embasada pela experiência clínica de se observar a
emergência de delírios em pacientes portadores de demência, em que há documentação de
atrofia cortical, os casos de “psicoses funcionais” em que não se observam sinais desta
atrofia, permanecem desafios teóricos a serem, ainda, vencidos, no que tange à explicação
dos delírios.
Descarga Corolária
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de retroalimentação inibitória que regulam a geração de um movimento voluntário, de
modo que este possa ser vivenciado como voluntário. Para que um movimento seja sentido
pelo indivíduo que o executa como tendo sido iniciado por ele mesmo, sistemas sensoriais
deverão ser abastecidos com informação a respeito de que um comando motor está sendo
iniciado. Portanto, a DC informa os sistemas sensoriais de que eles serão estimulados, mas
por movimentos iniciados por aquele que “possui” os referidos sistemas sensoriais. Os
mecanismos de DC foram muito bem estudados em níveis sensório-motores mais baixos,
mas tudo leva a crer que mecanismos muito semelhantes de DC possam existir em níveis
cerebrais elevados. A natureza é conservadora, por isso é razoável se esperar que
mecanismos que integram circuitos sensoriais e motores mais simples, mas de
funcionamento ótimo, deverão ser preservados em sistemas de complexidade
progressivamente maiores. Portanto, podemos afirmar que a cada nível cerebral, os
comandos formais seriam os mesmos: preparar sistemas que sofrerão o impacto da atividade efetora
para os efeitos desta atividade. Completando este raciocínio, é necessário introduzir um
conceito bastante provocativo, isto é, o de que o pensamento é um processo motor que
evoca algumas das estruturas responsáveis pelo controle do movimento, particularmente o
cerebelo e os gânglios da base. De fato, condições clínicas afetando estas estruturas estão
por trás das anomalias no processamento do pensamento de pacientes portadores de
esquizofrenia. Jeannerod (2007) nos oferece uma excelente revisão sobre este assunto.
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cabeça”, são explicações corriqueiras de indivíduos esquizofrênicos para a vivência de não
reconhecerem como seus os próprios pensamentos.
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do processamento ToM na esquizofrenia, na medida em que existem muitos estudos a
respeito de alterações da cognição social e das habilidades ToM em pacientes
esquizofrênicos disponível na literatura internacional. Ficamos surpresos com a escassez de
estudos brasileiros acerca do tema, apesar da abundante pesquisa estrangeira, abrangendo
informações sobre a correlação entre cognição social e habilidades ToM e sintomas da
esquizofrenia, bem como sobre a presença de alterações destas habilidades tanto em
indivíduos suscetíveis mas não diagnosticados como esquizofrênicos e em episódios
psicóticos e nos períodos intercríticos do transtorno. Outro campo de pesquisa pouco
explorado, mas já em início de desenvolvimento, são os estudos a respeito do impacto do
uso de antipsicóticos sobre a cognição social e habilidades ToM.
Frith, em 1992, levantou pela primeira vez a questão da relação entre os sintomas
da esquizofrenia e os prejuízos das habilidades ToM. Este autor sugeriu que os pacientes
com predomínio de sintomas das dimensões negativa e desorganizada teriam
comprometimento da capacidade de representar os estados mentais dos outros e de si mesmos, enquanto os
pacientes paranóides apresentariam apenas comprometimento da capacidade de representar
os estados mentais dos outros. Hardy-Baylé, em 1994, argumentou que o prejuízo das
habilidades ToM na esquizofrenia apenas refletiria o déficit executivo destes pacientes, de
forma que, alterações nas habilidades ToM seriam proporcionais à gravidade da síndrome
disexecutiva. Como conseqüência, pacientes paranóides sem sintomas da dimensão
desorganizada não teriam déficits de habilidades ToM.
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Em virtude de ainda não estar estabelecido se as habilidades ToM constituem um
módulo cognitivo independente no cérebro, por funcionarem em profunda consonância
com as habilidades cognitivas gerais, é que o estudo dos prejuízos de habilidades ToM em
esquizofrênicos deve controlar as variáveis cognitivas “não ToM” que possam interferir
nos resultados. Déficits atencionais, executivos e baixos escores de inteligência
objetivamente influenciam a testagem das habilidades ToM, mas a comparação de
indivíduos normais com esquizofrênicos no que tange à performance em testes que avaliam
estas habilidades continua significativamente favorecendo controles saudáveis quando são
controlados os fatores relacionados à cognição.
Até o momento apenas dois estudos escritos em inglês avaliaram o impacto do uso
de antipsicóticos sobre tarefas ToM em pacientes portadores de transtorno do espectro da
esquizofrenia (TEE). O estudo de Mizrahi e colaboradores avaliou o efeito do tratamento
antipsicótico sobre habilidades ToM nos TEE, tanto transversal quanto longitudinalmente.
Na fase transversal do estudo, foi avaliada o desempenho em uma tarefa ToM de pacientes
portadores de TEE que estavam em uso de antipsicóticos. Na fase longitudinal, pacientes
com TEE, a maioria deles em primeiro surto, tiveram sua performance na mesma tarefa
avaliada ao longo de seis semanas, a partir da introdução de antipsicóticos. Estes escores
correlacionaram-se significativamente com os sintomas negativos e gerais avaliados pela
PANSS (Positive and Negative Symptoms Scale, uma escala que mede a presença e a intensidade
de sintomas positivos e negativos), mas não com os sintomas positivos, o que está de
acordo com a proposta inicial de Frith. Longitudinalmente houve melhora das pontuações
da tarefa ToM ao longo das 6 semanas de tratamento. Além disso, os escores dos pacientes
na baseline não estavam associados significativamente com os sintomas positivos, mas sim
com os sintomas negativos e gerais. Embora Mizrahi e colaboradores tenham sido os
pioneiros a examinar longitudinalmente os efeitos do tratamento antipsicótico em
habilidades ToM nos TEE, seu estudo apresenta uma série de limitações metodológicas:
41
ausência de grupos controle, utilização de apenas uma tarefa ToM e de apenas uma
testagem cognitiva não ToM, amostra muito pequena na fase longitudinal e predomínio de
pacientes do sexo masculino nas duas fases (85% na fase transversal e 76% na fase
longitudinal). Savina e Beninger compararam o impacto do uso de antipsicóticos típicos e
atípicos em pacientes portadores de TEE sobre a performance em três tipos de tarefas
ToM de complexidade variável, com o desempenho de um grupo de voluntários normais
nas mesmas tarefas. Os resultados mostraram diferenças nas performances próximas aos
dos controles em pacientes recebendo olanzapina e clozapina e níveis significativamente
mais baixos dos pacientes recebendo antipsicóticos típicos e risperidona em relação ao
grupo controle. Os autores propõem que tais resultados possam correlacionar-se à ativação
de c-fos e conseqüente liberação de dopamina pela olanzapina e clozapina (mas não pela
risperidona e típicos) em córtex pré-frontal, principal sítio das habilidades ToM. Todavia,
outras funções cognitivas são melhoradas pelo aumento da dopamina frontocortical, não
apenas aquelas relacionadas à cognição social, como foi demonstrado anteriormente. Além
disso, o estudo de Savina e Beninger utilizou apenas o Mini Exame do Estado Mental para
o controle cognitivo não ToM, sendo necessárias medidas mais precisas e específicas da
atividade cognitiva geral para que tais conclusões possam ser tomadas com maior
segurança. Outras limitações de seu estudo incluem o fato de que os pacientes poderiam
estar usando outras drogas, exceto anticolinérgicos, além dos antipsicóticos; desenho
aberto e ausência de grupo placebo.
42
funções da dopamina junto ao sistema motor, permitem a conversão do aprendizado em
motivação para a ação.
Delírios e alucinações muitas vezes são precedidos por períodos prodrômicos (já
definidos anteriormente) que antecedem a psicose franca. De fato, nestas fases os pacientes
referem experiências de perplexidade diante da sensação de novidade e saliência frente a
estímulos ou eventos antes insignificantes. Acredita-se que os pacientes continuem a
acumular este tipo de experiência sem uma clara – ou sistematizada – explicação a respeito
deles e, com o tempo, há um aumento do senso de perplexidade, confusão e alterações do
humor e comportamento até que tudo isso se configure em um delírio. Para Kapur, a
desregulação dopaminérgica é o “combustível” para a criação de um delírio e a história
pessoal e cultural do indivíduo proporcionam sua forma. Para este autor, este modelo de
formação de delírios pode, também, explicar o aparecimento de alucinações. Estas
refletiriam a saliência anormal de representações de percepções, linguagem e memórias.
Sensopercepção
43
Como sabemos, alucinações são decorrentes de problemas no processamento da
sensopercepção; é, pois, importante distinguir algumas diferenças entre percepção,
sensação e apreensão. Bleuler nos ensina que
...a sensação nos mostra formas e cores em um quadro; a percepção, homens, animais e árvores a e
apreensão, uma caçada... (Bleuler, 1985)
44
Alucinações verdadeiras são geradas primariamente no cérebro e na ausência de um
estímulo sensorial, ao contrário das ilusões, que consistem de distorções patológicas de
percepções sensoriais. Elas mobilizam emoções da mesma forma que o fariam percepções
reais e podem determinar respostas comportamentais decorrentes deste impacto
emocional. Por exemplo, ao ouvir uma alucinação do tipo voz de comando, ordenando que
agrida alguém, um indivíduo psicótico pode desenvolver um comportamento
heteroagressivo e, ao sofrer de alucinações de conteúdo difamatório e acusatório, um
paciente pode tentar suicídio.
45
Bleuler e Kraepelin, ao discutirem as características clínicas das alucinações
auditivas, distinguiram duas classes destes fenômenos: as que são ouvidas “fora da cabeça”,
isto é, no espaço externo, e as que são ouvidas “dentro da cabeça” ou no espaço interno.
Recentes estudos fenomenológicos reafirmaram esta distinção, identificando três
dimensões independentes relacionadas às alucinações auditivas: complexidade de linguagem,
falsas atribuições e localização espacial. Embora estes fatores tenham sido confirmados por
avaliações dimensionais, não foi possível até o momento detectar diferenças clínicas ou
demográficas entre os pacientes com alucinações internas ou externas. No entanto, os
substratos neurais para a complexidade da linguagem e falsas atribuições foram
investigados experimentalmente em pacientes apresentando alucinações auditivas. Assim,
estudos de neuroimagem nestes pacientes demonstraram alterações estruturais e funcionais
em regiões envolvidas com a linguagem (córtex temporal e área de Broca) e atribuição
(cíngulo e córtex temporal esquerdo). Em contraste, áreas relacionadas à localização
espacial ainda não foram identificadas.
Conforme discutido acima, um dos aspectos mais marcantes das alucinações é sua
intensidade física similar à de uma percepção real e a sensação subjetiva de que é gerada no
meio externo. De fato, pacientes esquizofrênicos apresentando alucinações podem
apresentar ativação de áreas do córtex auditivo primário do hemisfério dominante
observada através de ressonância magnética funcional. Portanto, a ativação do córtex
auditivo poderia garantir a sensação subjetiva de um estímulo acústico verdadeiro.
Alucinações visuais são muito comuns em quadros orgânicos como o delirium. Nos
pacientes com delirium, elas costumam evoluir ao longo do transtorno, costumeiramente
sendo precedidos por pesadelos vívidos e ilusões. Também são características as
alucinações de insetos, serpentes e outros animais pequenos andando pelas paredes ou pelo
teto. Adicionalmente, podem acontecer de virem associadas a imagens assustadoras e
alucinações auditivas. Além do delirium, outras condições podem produzir alucinações
visuais, como a intoxicação ou a abstinência de algumas drogas.
46
geométricas. A Síndrome de Charles Bonnet apresenta-se como alucinose visual vívida,
comumente em idosos acometidos de patologia oftálmica causando privação sensorial
severa. Outros tipos de alucinações visuais abrangem as alucinações autoscópicas, que se
caracterizam pela impressão puramente visual de ver o próprio corpo como se estivesse
refletido em um espelho; estas diferem da autoscopia, que seria definida como uma
experiência visual e somestésica de existência de uma separação do próprio corpo em duas
partes: a própria imagem é vista e sentida como um fantasma, não se comportando como
uma imagem especular, mas dotada de autonomia. A autoscopia negativa (ou assomatoscopia)
consiste de uma alucinação negativa em que o indivíduo não consegue perceber o próprio
corpo, seja olhando para ele diretamente ou por um espelho. Na autoscopia interna, o
indivíduo alucina que seus órgãos internos estão localizados no espaço extracorporal.
47
prever o que vai acontecer em seguida. Em consequência disso, tudo o que é previsível é
passível de ser facilmente ignorado. Tal estado de “ignorância” é conseguido através da
supressão de suas consequências sensoriais. Conceitualmente é simples entender que a
preparação para um ato motor abrange a predição de suas consequências através de
informação enviada ao córtex sensorial. Coisas imprevisíveis são difíceis de ignorar e isso é
evolutivamente importante, porque faz parte de nosso repertório cognitivo incorporá-las
como parte da atualização sensorial acerca do meio ambiente.
Tal modelo tem uma implicação muito clara: as consequências sensoriais de um ato
voluntário promovem menor atividade cerebral do que aqueles gerados por algo no meio
externo. Existem estudos demonstrando que a resposta eletrofisiológica a ouvir o próprio
discurso é menor do que a resposta eletrofisiológica a ouvir a fala de outra pessoa ou até
mesmo da própria voz distorcida. Portanto, alucinações auditivas podem ter sua origem a
partir da percepção inadequada do discurso interno (inner speech) do próprio indivíduo –
cujo cérebro não receberia as eferências adequadas para ignorá-lo, de forma que é
percebido como algo vindo de fora –; a experiência de ter alucinações auditivas deveria
estar associada a atividades em áreas relacionadas tanto à fala, incluindo o córtex auditivo.
De fato, portadores de esquizofrenia podem ter atenuação de sincronização da atividade
cerebral associada ao próprio discurso e isso parece predispor tais pacientes a apresentarem
alucinose auditiva.
Conclusões
Este texto teve como objetivo reunir de forma sintética informações úteis e
atualizadas para profissionais envolvidos no atendimento de indivíduos portadores de
quadros psicóticos. Além de apresentar as clássicas descrições das alterações de
pensamento e da sensopercepção em diferentes subtipos, procura resumir as principais
teorias contemporâneas acerca da gênese de sintomas como delírios, experiências de
passividade, vivências de influência e alucinações em geral. Estas teorias poderiam ser
48
descritas como hipóteses derivadas da neurociência cognitiva e da neurofisiologia, e
abrangem correntes teóricas como a cognição social, o estudo dos mecanismos de descarga
corolária e as proposições cognitivas de formação de crenças. Nenhuma delas é definitiva,
mas já se apresentam como promissoras “pontes” comunicando teorias psicológicas e
função cerebral, o que, sem dúvida é importante para a compreensão tanto dos quadros
patológicos que cursam com psicose quanto do funcionamento mental normal.
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