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PSICOPATOLOGIA DAS PSICOSES

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PSICOPATOLOGIA DAS PSICOSES
Uma Introdução sobre a Semiologia e a Neurociência Cognitiva dos
Transtornos do Pensamento e da Sensopercepção

Hélio Tonelli

2009
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ÍNDICE

Introdução 6

Conceito de Psicose 7

Sintomas psicóticos como um continuum entre a normalidade e a 10


patologia

Esquizofrenia: um transtorno essencialmente psicótico 11

Dopamina e antipsicóticos 18

Sinais psicopatológicos das psicoses 19

Pensamento 20

Perturbações do fluxo do pensamento 20

Perturbações da forma do pensamento 20

Perturbações da linguagem 22

Algumas considerações adicionais sobre a estrutura da linguagem 23


na esquizofrenia

Perturbações do conteúdo do pensamento 27

Síndromes de Falsa Identificação 29

Teorias cognitivas da formação dos delírios 32

Descarga Corolária 37

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Modelos associados à cognição social 38

Desregulação da transmissão dopaminérgica e formação de delírios 42

Sensopercepção 43

Bases fisiológicas das alucinações 47

Conclusões 48

Bibliografia 50

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Introdução

O termo psicose é utilizado freqüentemente por profissionais de saúde mental. Mas,


o que objetivamente estes profissionais estão querendo dizer quando resolvem usar o
termo? Qual o significado das afirmações “este paciente encontra-se profundamente
psicótico” e “se usar esta droga ilícita você pode desenvolver uma psicose”? Leigos,
compreensivelmente, costumam associar a palavra psicose quase que exclusivamente a risco
de comportamento violento – possivelmente por influência do famoso filme homônimo de
Hitchcock – quando, na realidade, a violência nem sempre está presente nos quadros
clínicos em que há psicose. Não obstante, quando a violência ocorre em indivíduos
clinicamente psicóticos, costuma se caracterizar muito mais como uma reação defensiva a
um ambiente ameaçador do que a comportamentos friamente arquitetados, típicos dos
psicopatas (outro termo que gera confusão entre leigos, os quais acreditam que psicopatia é
sinônimo de doença mental em geral, o que, também, não corresponde à realidade). Outra
noção popular sobre o significado de psicose é mais próxima do conceito técnico: psicose é
sinônimo de loucura. Em certos termos, isso é verdade, mas, o que as pessoas querem dizer
quando usam a palavra loucura? Uma vez vi um atendente de enfermagem dizer, bem
intencionadamente, a um paciente (psicótico) que o perguntara se o achava louco: “os
loucos comem fezes e rasgam dinheiro, você não está fazendo nenhuma nem outra coisa,
logo você não é louco...” Este técnico perdeu a oportunidade de educar o paciente a
respeito de sua condição clínica e o fez por também não conhecer ao menos os rudimentos
do conceito de psicose. O que fazem os loucos, além de, supostamente, rasgar dinheiro e
comer fezes (se é que eles fazem mesmo isso)? As pessoas acometidas daquilo que
vulgarmente se chama de loucura têm comportamentos desviantes da norma e estes
comportamentos são determinados geralmente por fenômenos que acontecem em suas
mentes e fazem com que elas se comportem de maneira peculiar: falam sozinhos, são
assustadiços, assumem posturas estranhas, param de tomar banho diariamente, auto-
mutilam-se, acreditam que estão sendo perseguidos, que familiares foram substituídos por
impostores, que são controlados à distância, apresentam um discurso peculiar, etc. Alguns
se tornam violentos, mas a maioria geralmente se isola ou foge do contato com as outras
pessoas e o maior risco que oferecem é a si mesmas.

Portanto, a primeira lição de quem pretende estudar psicopatologia das psicoses é


ter em mente um conceito muito claro do termo psicose. A partir daí é possível descrever os
fenômenos clínicos presentes em uma síndrome psicótica, a segunda etapa de nossa

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empreitada. Por exemplo, uma maneira de se estar psicótico sem apresentar delírios de
perseguição e alucinações do tipo vozes de comando é ter um comportamento
desorganizado (o que não significa que não haja pacientes com comportamento
desorganizado que apresentem concomitantemente delírios e/ou alucinações). A terceira
lição será compreender quais são os fenômenos mentais subjacentes à presença destes
comemorativos clínicos (atualmente a ciência cognitiva evoluiu bastante, de forma a
possibilitar a explicação dos mesmos com base em falhas no processamento da informação,
via déficits em filtros sensoriais ou processos de auto-monitoramento, por exemplo).

Conceito de Psicose

Parece irresistível à maioria daqueles que abordam o tema da psicose contrapor tal
conceito com o de neurose; não optarei por outro caminho neste texto porque os dois
conceitos caminharam juntos desde o princípio, mudando seu significado de acordo com a
época. É importante, todavia, salientar que inicialmente o termo neurose referia-se a qualquer
doença do sistema nervoso. Tanto era assim que, nos casos em que se suspeitava de forte
componente psíquico do transtorno afetando o sistema nervoso, poder-se-ia usar uma
expressão parecida com neurose psíquica, o que para aqueles acostumados com a nomina
freudiana, poderia parecer uma hipérbole. Falaremos um pouco mais das neuroses nos
próximos parágrafos. Na primeira vez que o termo psicose foi empregado, por
Feuchtersleben em 1845, o mesmo referia-se à presença de psicopatologia comprometendo
toda a personalidade e tendo como origens alterações tanto de processos físicos quanto de
processos psíquicos. Portanto, a palavra designava a presença de transtornos mentais ou
insanidade e assim permaneceu seu significado até a segunda metade do século dezenove.
A tendência continuava sendo de associar o termo à presença de sintomas explicados por
doenças no sistema nervoso central ou pela suposição de que transtornos acometendo o
cérebro os estivessem causando, até que Moebius, em 1875, sugeriu a classificação das
psicoses em endógenas e exógenas. Com este argumento alinharam-se Kraepelin e Jaspers,
os quais chamavam de exógena toda a psicose com causa externa, fosse física, fosse psíquica.
A expressão endógena – sob a qual eram definidos estados como melancolia, mania, paranóia
e histeria – consagrou-se definitivamente com o trabalho de Schneider, como uma
categoria para incluir estados clínicos em que não fora possível a obter a correlação
anátomo-clínica ou demonstrar a etiologia neurológica, mas que a existência de um
transtorno seria inequívoca em virtude da presença de sinais psicopatológicos. Mais tarde,
Kraepelin e Bleuler propuseram a clássica subdivisão das psicoses endógenas em duas

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categorias, psicose maníaco-depressiva e psicose esquizofrênica, baseando-se na evolução
da doença. Esta proposta é até hoje muito popular e pode ser observada nos manuais de
psiquiatria clínica, em que transtornos bipolares e esquizofrenia são estudados sob uma
ótica kraepeliniana, que, resumidamente, assume que os transtornos do humor terão uma
evolução favorável e que as esquizofrenias não. Qualquer psiquiatra com alguma
experiência e bom senso concordará que isso objetivamente não acontece.

Contrapondo-se a esta visão, houve outros pesquisadores que propunham um


modelo de psicose unitária. O transtorno esquizoafetivo, uma categoria diagnóstica
caracterizada pela presença simultânea de sintomas característicos de esquizofrenia e de
psicose maníaco-depressiva, seria um bom argumento a favor deste modelo.

Portanto, aqueles que inicialmente empregaram o termo psicose estavam


interessados na descrição das manifestações psíquicas de quadros organomentais e,
gradualmente, a visão pareceu se inverter até a situação observada na época de autores
como Bleuler e Kraepelin, em que se assumia a existência de quadros psíquicos para os
quais havia a necessidade de se estabelecer uma conexão física. De certa forma, o conceito
mais moderno de psicose acabou convergindo para o conceito primordial de neurose. O
progresso das técnicas de avaliação neuropatológica e a identificação de novas causas de
doenças mentais, assim como o avanço da psicanálise, acabaram por restringir o conceito
de neurose àquelas situações clínicas de causa psicogênica. Nesta época foram descritas as
doenças de Alzheimer e de Pick, a esclerose múltipla, as doenças da tireóide e a
neurossífilis. Em relação à psicanálise, a mesma colaborou para a dicotomia entre psicose e
não-psicose (ou neurose), que permeou – ou permeia – a nosologia psiquiátrica
contemporânea. Esta dicotomia interferiu nas maneiras de se conceber e de se tratar as
psicoses e as neuroses. As primeiras continuaram sendo explicadas como resultantes de
doenças somáticas – pudessem ou não ser demonstradas suas causas físicas – seriam,
portanto, um processo; e as últimas, como tendo um caráter autobiográfico, eram vistas
como algo cujo desenvolvimento teria a ver com a história de vida de cada paciente. Disso
decorreria que as psicoses mereceriam uma explicação causal (seria possível descrever uma
“cascata” de eventos levando à psicose) e as neuroses, uma compreensão psicológica
(fortemente vinculada à história pessoal do indivíduo). Não obstante, explicações
psicodinâmicas derivadas da psicanálise – que influenciou a psiquiatria norte-americana
após a segunda grande guerra - aparecem nos textos das classificações psiquiátricas
tradicionais, como o DSM-II e a CID-9, inclusive para quadros psicóticos, que são tratados

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como reações psicológicas ou neuroses mais graves. Somente a partir da década de oitenta,
com as tentativas de validação das categorias diagnósticas dos sistemas classificatórios, é
que a dicotomia neurose-psicose é definitivamente abandonada e o termo psicose é
utilizado apenas em referência aos transtornos psicóticos.

Voltamos, então, à nossa pergunta inicial. O que é psicose? Como deve se


apresentar um paciente para que possamos dizer seguramente que o mesmo encontra-se
psicótico? Muitos autores respondem a esta questão afirmando que a psicose se caracteriza
por um comprometimento da capacidade de testar a realidade. Isto é, alguma coisa acontece
no discurso ou na atitude do indivíduo, que permite concluir que ele não está fazendo um
juízo adequado da realidade. Portanto, ao avaliarmos um paciente que afirma ser o
presidente do Brasil, poderemos concluir pelo prejuízo do teste da realidade se e apenas se: o
indivíduo realmente não for o presidente do Brasil, se após algum tempo de entrevista
pudermos concluir que o indivíduo não está simulando um sintoma psicótico ou caçoando
o entrevistador e se, após algumas perguntas objetivas do tipo “mas, se você é o presidente,
não deveria estar em seu gabinete no Palácio do Planalto?”, percebermos que o paciente
realmente crê naquilo que diz (seja porque apresenta respostas mais ou menos organizadas
para este tipo de pergunta, na tentativa de justificar as muitas contradições que surgem no
exercício de sustentar sua crença, seja pelas possíveis reações emocionais que aparecerem
em decorrência do confronto). O exemplo acima ilustra o caso de um paciente com quem
se conversou e, através da entrevista, foi possível concluir pela presença de psicose. Alguém
poderá argumentar se existiria alguma maneira de aferir a integridade do teste da realidade
em alguém com quem, por algum motivo, não se possa estabelecer um contato verbal
razoável? A resposta é sim, já que é possível avaliar o teste da realidade através das atitudes,
apesar de não ser, nestes casos, possível dizer com detalhes quais seriam os pensamentos e
crenças determinantes das atitudes apresentadas pelo paciente. Exemplos de casos como o
tratado acima incluem pacientes em mutismo ou com comportamento desorganizado ou
apresentando ecolalia e ecopraxia graves, pacientes em estupor ou furor catatônico ou com
intenso afrouxamento das associações e pacientes com severa fuga de idéias, para enumerar
apenas algumas possibilidades.

Portanto, pode-se afirmar que o termo psicose abrange uma gama de estados
mentais patológicos os quais se caracterizam pela presença de um ou mais fenômenos
clínicos que, em última análise, são o reflexo de alterações mentais afetando a integridade
de sistemas cerebrais ligados ao processamento do teste da realidade. Embora a discussão

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de tais sistemas não seja o objetivo central deste estudo, é importante lembrar que uma
importante função do cérebro é lidar com o processamento de informações ambientais de
forma que possamos aperfeiçoar nossa sobrevivência no mundo da forma mais eficiente
possível. Estes aperfeiçoamentos incluem a elaboração de um modelo de mundo do qual
nossa realidade faz parte. A neurociência cognitiva, através de diferentes técnicas, tem
identificado vários sistemas cerebrais envolvidos diretamente na construção das
representações mentais do ambiente. Estes sistemas, quando avariados, podem resultar em
problemas no processamento do teste da realidade. É o que será estudado um pouco mais
adiante.

Sintomas psicóticos como um continuum entre a normalidade e a patologia

Fenômenos clínicos como as experiências delirantes e as alucinações podem


ocorrer em um continuum com a normalidade. Em outras palavras, isto equivaleria a dizer
que alguns indivíduos que nunca foram diagnosticados como portadores de qualquer
transtorno psicótico (e que provavelmente nunca o serão) podem desenvolver experiências
psicóticas em algum momento de suas vidas. Reforçando esta idéia, uma série de estudos
examinou a prevalência de alucinações e de outros sintomas psicóticos na população geral,
sugerindo que grande parte das experiências psicóticas seja transitória, desaparecendo com
a passagem do tempo. Por exemplo, a taxa de prevalência de alucinações na população
geral adulta parece variar entre dez a vinte e cinco por cento, além do que alguns estudos
realizados com indivíduos universitários demonstraram que até setenta por cento deles já
tiveram experiências alucinatórias do tipo ouvir vozes pelo menos uma vez em suas vidas.
Uma crítica plausível a estes números envolve o fato de que muitos dos trabalhos de
rastreamento de sintomas psicóticos são feitos através da administração de questionários
auto-aplicáveis, permitindo uma razoável possibilidade de erro em virtude de má
interpretação das perguntas destes instrumentos, já que nem todos os indivíduos avaliados
têm treino psicopatológico, isto é, eles podem ter compreendido mal as questões que lhe
foram apresentadas.

Levando estas considerações em conta, consideremos a psicose como um fenótipo


definível de forma mais ou menos liberal. Portanto, de maneira liberal, definiremos este
fenótipo como um caminho (ou espectro) que se inicia nas experiências psicóticas na
população geral, passando por formas progressivamente mais graves de psicose até chegar
à expressão mais estreitamente definível de esquizofrenia. Ou então, de maneira mais
restritiva (e categorial), estipulemos que o fenótipo da psicose inclui apenas as formas mais

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estreitamente definíveis de esquizofrenia. Quando estas diferentes considerações acerca do
fenótipo da psicose são confrontadas e avaliadas suas ocorrências na comunidade, conclui-
se que o fenótipo mais amplo (mais liberal) de psicose pode ser até cinquenta vezes mais
comum que o mais estrito.

De fato, a prática diária do diagnóstico e tratamento de síndromes psicóticas faz


com que aprendamos a reconhecer diferentes apresentações clínicas de psicose, que variam
desde indivíduos praticamente “normais” e que se nos apresentam com peculiaridades nos
processos de pensamento ou relatos de experiências alucinatórias esporádicas ou
subclínicas. O transtorno esquizotípico de personalidade é um exemplo de condição
psiquiátrica em que algo como este quadro pode ocorrer. Este transtorno de personalidade
é definido clinicamente no Manual de Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais,
quarta edição (DSM-IV), como um padrão invasivo de déficits sociais e interpessoais, marcado por
desconforto agudo e reduzida capacidade para relacionamentos íntimos, além de distorções cognitivas ou
perceptivas e comportamento excêntrico, associados a traços esquizotípicos: idéias de referência, crenças
bizarras ou pensamento mágico, experiências perceptivas incomuns, pensamento e discurso bizarros,
desconfiança, ideação paranóide, inadequação ou contrição afetiva, aparência peculiar ou excêntrica e
excessiva ansiedade social associada principalmente a temores paranóides, mais do que a auto-julgamentos
negativos. Embora não possam ser diagnosticados como portadores de uma síndrome
esquizofrênica, estes indivíduos parecem apresentar uma vulnerabilidade aumentada para o
desenvolvimento de esquizofrenia e muitos deles realmente evoluem para psicoses
esquizofrênicas francas. No entanto, nem todas as pessoas que, em algum momento de
suas vidas, tiveram experiências alucinatórias ou deliróides ou delirantes preenchem
critérios diagnósticos para um transtorno psiquiátrico, ou seja, nem todas poderão ser
consideradas casos clínicos. Aliás, a difícil tarefa de examinar um paciente com
sintomatologia psicótica subsindrômica e sem prejuízos severos no funcionamento sócio-
ocupacional, visando um diagnóstico psiquiátrico – e consequentemente uma orientação
terapêutica – exige experiência clínica, adquirida com anos de observação psicopatológica e
estudo.

Esquizofrenia: um transtorno essencialmente psicótico

Uma vez que a esquizofrenia é o transtorno mental em que a psicose se manifesta


por excelência, cabe aqui uma rápida discussão a seu respeito.

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A esquizofrenia é uma condição clínica relativamente comum (sua taxa de risco ao
longo da vida é de cerca de 0,7%, semelhante à da artrite reumatóide), caracterizada pelo
acometimento de múltiplas funções mentais. Cognição, pensamento, senso-percepção,
volição, controle de impulsos e juízo crítico da realidade costumam estar afetados. Ela tem
um curso crônico, geralmente marcado por recaídas e remissões e costumeiramente se
inicia no início da idade adulta. Por esta razão, trata-se de um transtorno para o qual
a detecção e intervenção precoce são fundamentais, pois, depois de instalado o processo
mórbido, todos os tratamentos disponíveis são paliativos. Desta forma, o estudo e o
reconhecimento de pródromos têm sido uma importante atividade de pesquisa em
esquizofrenia.

Pródromo é um conceito retrospectivo, isto é, a não ser que haja uma doença
psicótica estabelecida, é impossível defini-lo. Em esquizofrenia e outras doenças psicóticas
o pródromo se refere ao período caracterizado por comemorativos clínicos que
representam uma alteração do funcionamento pré-mórbido de um paciente imediatamente
anterior ao início dos sintomas psicóticos francos.

Cerca de oitenta a noventa por cento dos esquizofrênicos relatam uma gama de
sintomas, que incluem mudanças nas percepções, crenças, cognição, humor e
comportamento, antes de ficarem psicóticos. Os demais dez a vinte por cento desenvolvem
quadros psicóticos agudos, sem sinais prodrômicos.

De maneira geral, sintomas como apatia e isolamento social ou sinais inespecíficos


são os primeiros a aparecer e são seguidos de sintomas positivos (os delírios e alucinações,
que serão descritos adiante com mais detalhes) atenuados.

É importante identificar quais as populações que, em um dado momento, estão


manifestando supostos sintomas prodrômicos de esquizofrenia (e não desenvolveram um
episódio psicótico completo até então) e que irão evoluir para um diagnóstico bem
estabelecido de esquizofrenia. Indivíduos de alto risco são aqueles que têm um parente
esquizofrênico em primeiro grau, mais frequentemente um dos pais ou irmãos.
Recentemente tem sido valorizada a identificação de grupos de risco ultra-alto, separados por
pesquisadores australianos em três categorias, de acordo com a síndrome identificada:
indivíduos com síndrome psicótica atenuada, indivíduos com síndrome psicótica breve
intermitente e indivíduos com uma síndrome de deterioração recente. Estas categorias são
explicadas com mais detalhes abaixo.

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Critérios para síndromes de risco ultra-alto para psicoses esquizofrênicas
(Young e colaboradores, 1996)

Síndrome de sintomas psicóticos atenuados

• No último ano, sintomas positivos subclínicos ocorreram, mas não


sintomas francamente psicóticos.
• Os sintomas devem ter ocorrido no mínimo 1 vez por semana no último
mês.

Síndrome psicótica intermitente breve

• Nos últimos três meses ocorreram sintomas psicóticos francos, que foram
breves e auto-limitados.
• Tais sintomas não preenchem critérios do DSM-IV para algum transtorno
psicótico.
• Os sintomas não são seriamente desagregadores ou perigosos.

Síndrome de deterioração recente e risco genético

• O indivíduo apresenta um transtorno esquizotípico de personalidade (já


definido acima) ou um parente em primeiro grau com psicose.
• No último ano, o funcionamento reduziu trinta pontos ou mais na Escala
de Funcionamento Global, por no mínimo um mês.

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Felizmente existem indivíduos falso-positivos para risco ultra-alto, ou seja,
clinicamente são muito semelhantes aos indivíduos portadores de risco ultra-alto que
desenvolvem sintomas psicóticos francos, mas com a diferença de que não são vulneráveis
à psicose.

Indivíduos com risco ultra-alto para o desenvolvimento de esquizofrenia


apresentam chances de cerca de quarenta a sessenta por cento de apresentarem sintomas
francamente psicóticos, uma taxa mais alta do que a dos que apresentam apenas um risco
genético para esquizofrenia, que é de dez a vinte por cento. Existem programas
estruturados especificamente para o atendimento desta população, a fim de que se evite que
estes indivíduos passem, a qualquer momento, a preencher critérios para esquizofrenia.
Contudo, muitas questões éticas ainda não foram resolvidas a respeito do tema: por
exemplo, é ético prescrever antipsicóticos para indivíduos de risco que não têm
esquizofrenia clínica?

As manifestações psicopatológicas da esquizofrenia ocorrem em praticamente todas


as esferas da vida mental do indivíduo e, embora sejam tradicionalmente descritas em
separado, devem ser compreendidas como alterações que se relacionam mutuamente,
comprometendo de forma grave o funcionamento psíquico.

Várias tentativas de se classificar e sistematizar os sintomas da esquizofrenia já


foram feitas e atualmente existe uma ampla aceitação de que a doença compreende três
dimensões sintomáticas: negativa, positiva e desorganizada. Um modelo anterior, que
descreve os sintomas como pertencentes a apenas duas categorias, positiva e negativa,
parece ser muito simplista, não refletindo suas conexões com outros fatores; os sintomas
negativos parecem pertencer a um grupo de sintomas bastante homogêneos, que são
definidos de maneira muito similar por vários autores. Já os sintomas positivos parecem
demonstrar uma complexa heterogeneidade, o que, muitas vezes, resultou na subdivisão
deste grupo em clusters sintomáticos menores. Alguns autores sugeriram a inclusão dos
sintomas depressivos e déficits no ajustamento social pré-mórbido como uma parte
integrante do processo esquizofrênico.

Dimensão
Negativa Anedonia e isolamento social, embotamento afetivo, pobreza do discurso,
diminuição do interesse, falta de inflexões vocais, desatenção social, anergia,
pobreza de gestos expressivos, diminuição de movimentos espontâneos, alogia,

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não-responsividade afetiva, diminuição do interesse sexual, falta de persistência
em atividades escolares ou laborativas, pobre contato visual, déficits atencionais,
bloqueio do pensamento, retardamento psicomotor.
Dimensão
Positiva Alucinações (vozes comentando, somáticas, tácteis, vozes conversando entre si,
olfativas), delírios (controle, inserção de pensamento, referência, irradiação de
pensamento, persecutórios, somáticos, culpa, místicos).
Dimensão
Desorganizada Comportamento bizarro, transtorno formal do pensamento (tangencialidade,
incoerência, circunstancialidade, afrouxamento, pressão pela fala, desorganização
conceitual).

Quais são as principais teorias sobre a fisiopatologia da esquizofrenia? A mais


popular é a teoria dopaminérgica, que foi construída a partir da constatação de que os
antipsicóticos bloqueiam a transmissão dopaminérgica cerebral. Discutiremos de maneira
resumida os mecanismos de ação destes fármacos logo em seguida.

A teoria dopaminérgica também se baseia na observação de que o abuso de


estimulantes como a cocaína e anfetaminas – substâncias que, sabidamente alteram a
concentração do neurotransmissor dopamina em áreas específicas do cérebro – pode levar a
um estado psicótico semelhante ao observado na esquizofrenia. Além da dopamina, outros
neurotransmissores foram sendo consecutivamente incluídos na lista de possíveis
substâncias cerebrais cujo mau funcionamento pode estar relacionado ao aparecimento da
esquizofrenia, dentre elas a serotonina e o glutamato.

Atualmente, teorias cognitivas da esquizofrenia têm ampliado a compreensão sobre o


aparecimento de sintomas positivos e negativos, com a vantagem de não descartarem as
causas bioquímicas. São, portanto, complementações das teorias neuroquímicas.

Funções cerebrais superiores como o pensamento e a linguagem têm seu “sítio


anatômico” localizado no córtex associativo. O córtex associativo é dividido em três
porções: córtex pré-frontal (envolvido com funções motoras), córtex límbico (envolvido
com memória, emoção e aspectos motivacionais do comportamento) e córtex associativo
parietotemporoccipital (envolvido com funções sensoriais e linguagem).

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O córtex pré-frontal é a área que mais se desenvolveu no cérebro, do ponto de vista
filogenético. De maneira geral, ele integra as informações dos meios externo e interno a fim
de encontrar as respostas motoras apropriadas. Desta forma, esta área está estreitamente
relacionada a funções cognitivas e planejamento de ações. O córtex pré-frontal recebe uma
inervação dopaminérgica proeminente. Pacientes com lesões desta região podem, ao exame
muito superficial, parecer normais. Contudo, por apresentarem comprometimento em uma
área relacionada ao planejamento de ações, podem desenvolver desinibições
comportamentais, bem como perseverações ou dificuldades para mudarem seus esquemas
de ação (na medida em que pensamento e ação estão dissociados).

Durante as últimas décadas o estudo dos mecanismos neurais da esquizofrenia


passou rapidamente por três fases. Na primeira, tentou-se demonstrar que se tratava de
uma doença do cérebro. Tal fase foi suportada por estudos de neuroimagem em que foram
evidenciados achados difusos inespecíficos, como proeminência de sulcos cerebrais ou
dilatação ventricular. A próxima fase tentou relacionar manifestações específicas da doença
com determinadas regiões cerebrais. Progressos nesta fase incluíram as correlações do
córtex pré-frontal com a sintomatologia negativa e a dos lobos temporais com as
alucinações auditivas. A fase mais recente tenta compreender a esquizofrenia como um
processo que afeta mecanismos cognitivos e determinados circuitos neurais, enfatizando
modelos integrativos de processamento de informação e atenção, memória de trabalho e
iniciativa.

A esquizofrenia se apresenta clinicamente com uma diversidade de sintomas em


múltiplos domínios psicológicos: percepção, inferência, formação de conceitos, linguagem,
volição, atividade motora, interação social e emoção. O transtorno envolve algum tipo de
alteração na recepção e processamento da informação oriunda do meio externo. Um
modelo particularmente promissor assume que há um déficit em um sistema que coordena
o processamento, priorização e expressão da informação. Tal sistema abrange as chamadas
funções executivas, cujo sítio cerebral é o córtex pré-frontal. Contudo, autores postulam que
estas funções não estejam circunscritas a esta região, distribuindo-se de forma mais
complexa no SNC, compreendendo não apenas redes corticais, mas também sistemas
neurais subcorticais. O termo dismetria cognitiva1 tem sido usado para nomear esta situação

1
Do ponto de vista neurológico o termo dismetria quer dizer alteração da coordenação da atividade motora. A
disdiadococcinesia é uma alteração dismétrica. O termo dismetria deriva do grego e quer dizer “alteração da”
(dis) moderação (metron). Por metron subentende-se a tomada de medida do tempo e do espaço, fazendo

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de descompasso envolvendo tanto as funções executivas como as emoções, o controle
motor, atenção e memória.

Todos os seres humanos saudáveis psiquicamente têm um forte sentimento de


controle voluntário de seu comportamento. Tal intuição sugere a existência de algum
sistema executivo que organize e unifique nossos pensamentos e comportamento. A
atenção conduz a seleção de inputs relevantes para que tarefas mentais sejam cumpridas de
maneira coerente. O sistema da atenção deve ser suficientemente flexível para permitir que
objetivos integrantes da tarefa sejam re-priorizados com base nas mudanças ocorridas no
ambiente. Este sistema parece ser afetado por danos aos lobos frontais. A esquizofrenia é
comumente vista por alguns autores como um transtorno de déficit atencional, e muitas
das alterações apresentadas por esquizofrênicos na realização de tarefas cognitivas parecem
corroborar esta idéia. Estes déficits talvez sejam muito mais específicos do que já foi
pensado e não podem ser atribuídos a fatores gerais como falta de motivação ou habilidade
para entender instruções. Como sintomas particulares e únicos da esquizofrenia, como
alucinações e transtornos do pensamento, poderiam estar relacionados às funções
executivas? As áreas relacionadas às funções executivas estão envolvidas com a seleção
dentre o trabalho semântico, função esta que, quando alterada, promoveria uma falha no
controle de idéias conflitantes.

Pacientes esquizofrênicos não apresentam, grosso modo, alterações motoras;


contudo o exame mais minucioso poderá revelar formas subclínicas de distúrbios motores
em alguns indivíduos desta população. Um exemplo de alteração motora observada em
esquizofrênicos é a lentificação, constantemente atribuída à terapêutica com antipsicóticos
(principalmente os mais antigos, também denominados de primeira geração). Contudo, este
sinal já era descrito em pacientes antes da era dos antipsicóticos. Recentemente, o termo
sinais neurológicos leves (soft signs) tem sido usado para descrever estas alterações em pacientes
que nunca receberam antipsicóticos.

Não obstante, a expressão dismetria cognitiva abrange tanto processos motores como
cognitivos, relativos ao processamento da informação e às respostas conferidas como
conseqüência deste processamento. É razoável afirmar-se que processos como alucinações,
alterações formais do pensamento, delírios, embotamento afetivo, distúrbios volitivos e
déficits atencionais também possam ser decorrentes de dismetria cognitiva. Uma teoria

inferências sobre interrelações entre tais grandezas em relação a outro(s), a objetos, memórias e conceitos;
formulando respostas e experimentando sentimentos como conseqüências desta tomada de medida.

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bastante interessante a respeito da fisiopatologia das alterações do pensamento baseia-se na
tese de que o pensamento é a forma mais evoluída e sofisticada de atividade motora em
humanos e como tal, poderá apresentar-se alterado em virtude do descompasso de
estruturas envolvidas no processamento motor. Não se trata de uma metáfora, mas de um
conceito que implica na participação de estruturas subcorticais como os gânglios da base e
tálamo, bem como do próprio cerebelo no processamento do pensamento.

De fato, os sintomas positivos da esquizofrenia são os mais difíceis de serem


explicados e de se compreender, e muitos fatores estão por trás destas dificuldades: em
primeiro lugar, embora muitas pessoas possam apresentar desorganização comportamental
e falta de motivação, muitas dos sujeitos deste grupo jamais irão apresentar delírios ou
alucinações. Em segundo lugar, embora seja relativamente menos complicado explicar
porque determinadas condições clínicas cursam com perda da capacidade de ter sensações
ou da habilidade de pensar, é muito mais difícil entender como o cérebro poderia “criar”
experiências sensoriais e cognitivas novas e convincentes.

A teoria ideal sobre a gênese de sintomas positivos deveria abranger três níveis
explicativos: em primeiro lugar, identificaria processos físicos aberrantes acontecendo no
tecido cerebral. Em segundo, conectaria tais processos com aberrações cognitivas
acontecendo em nível psicológico e, em terceiro lugar, conciliar os dois primeiros níveis
com o nível experiencial, isto é, fornecer uma explicação de como seria a experiência de ter
delírios e alucinações.

Dopamina e antipsicóticos

A introdução da clorpromazina em 1950 inaugurou a era da moderna


psicofarmacologia das psicoses e, desde então, diversas classes destas drogas foram
lançadas. A partir de 1960, a idéia de que os antipsicóticos agem predominantemente no
sistema dopaminérgico ficou estabelecida, o que foi definitivamente comprovado a partir
da década de setenta, com o achado de que tais drogas agem em receptores dopaminérgicos
do tipo D2. Apesar de várias tentativas de desenvolvimento de fármacos com propriedades
antipsicóticas, mas que não agissem em sistemas dopaminérgicos, até hoje é aceito que o
bloqueio dos receptores do tipo D2 permanece uma condição necessária para atividade
antipsicótica.

Portanto, sabemos que, do ponto de vista biológico, as psicoses parecem originar-


se de problemas envolvendo a transmissão dopaminérgica, bem como que os antipsicóticos

18
exercem suas ações em sistemas dopaminérgicos. Todavia, ainda não conseguimos explicar
as conexões entre estes achados biológicos e a natureza essencialmente fenomenológica da
psicose em um nível mental. Kapur e colaboradores propuseram, em 2004, um modelo
compreensivo de como deve acontecer tal conexão. Seu modelo baseia-se no papel da
dopamina como um neurotransmissor relacionado a reforço comportamental, seja por
mediar o prazer hedônico, seja por estar envolvida com eventos apetitivos e aversivos, seja
por ser liberada por neurônios dopaminérgicos mesencefálicos quando há predição de
prazer ou de gratificação. O sistema dopaminérgico é “colocado em ação” tanto quando
um animal se depara com novos reforçadores ou gratificadores ambientais, tanto quando
associações previamente aprendidas são violadas. Conseqüentemente, este
neurotransmissor está também envolvido com o aprendizado.

Hoje em dia sabemos que o bloqueio de receptores D2 proporcionado pelas drogas


antipsicóticas é bastante eficiente contra os sintomas positivos da esquizofrenia, mas não
contra os sintomas negativos. Além disso, o bloqueio destes receptores em vias
dopaminérgicas específicas pode causar, em alguns pacientes, efeitos colaterais
extrapiramidais, que se caracterizam de maneira geral por movimentos involuntários como
tremores, discinesias ou contraturas musculares involuntárias.

Sinais psicopatológicos das psicoses

A partir de agora detalharemos as alterações psicopatológicas presentes nos quadros


psicóticos. Iniciaremos por um estudo das alterações do pensamento passando, em seguida,
às alterações sensoperceptivas. Cabe lembrar que boa parte dos fenômenos aqui descritos
não ocorre exclusivamente na esquizofrenia, mas também em outras condições clínicas em
que pode existir psicose. Entretanto, embora não existam sinais patognomônicos de
esquizofrenia, muitos deles são fortemente sugestivos da presença do transtorno.

Muitas dos modelos teóricos disponíveis – e descritos a seguir – para a explicação


de algumas alterações do pensamento na esquizofrenia aplicam-se, de certa forma, à
compreensão de alguns tipos de alucinações presentes neste transtorno. Isso reforça o fato
de que a descrição dos processos perceptivos e de pensamento como fenômenos separados
é uma estratégia puramente didática.

19
Pensamento

O pensamento normal é uma atividade psíquica constituída basicamente por um


fluxo de idéias, símbolos e associações iniciado por um problema qualquer e dirigido a um
objetivo determinado, levando a conclusões baseadas na realidade. Bleuler lembrou de que
é um erro conceber o pensamento como um simples processo associativo, como se o
mesmo fosse apenas um encadeamento de representações, por mais diversos que sejam os
mecanismos que definam este encadeamento. Ele afirmou que quando pensamos não
juntamos apenas, também damos forma. A semiologia do pensamento propõe que o estudemos
dividindo-o em diferentes partes: fluxo, forma, linguagem e conteúdo.

O fluxo é a velocidade com que o pensamento se processa; a forma é constituída


pelas capacidades de formular, organizar e expressar as idéias e o conteúdo diz respeito à
informação propriamente dita da qual se preocupa o pensamento em veicular.

Perturbações do fluxo do pensamento

O fluxo (ou velocidade) do pensamento poderá estar aumentado ou diminuído. O


aumento do fluxo do pensamento pode ocorrer normalmente em pessoas excitadas ou
bem-humoradas, mas em maníacos o aumento do fluxo do pensamento pode interferir em
sua forma, causando uma alteração chamada de fuga de idéias. A fuga de idéias é uma
alteração formal do pensamento gerada por uma alteração do fluxo. Nos estados
depressivos pode existir diminuição do fluxo do pensamento ou inibição do pensamento,
que passa a se desenrolar de maneira lenta e difícil, com aumento do tempo de latência
entre pergunta e resposta. Interessante é que, no aumento do fluxo há uma tendência à
mudança do foco do pensamento, pois o estado de excitação pode fazer com que o
indivíduo se impressione com qualquer estímulo novo que se apresente. Nos estados de
lentificação o oposto pode ocorrer, isto é, uma condição na qual a temática não muda,
estabelecendo-se o que psicopatologistas chamam de monoideísmo. O monoideísmo, da
mesma forma que a fuga de idéias, é uma alteração formal do pensamento, presente em
situações clínicas em que há grave diminuição da velocidade do pensamento.

Perturbações da forma do pensamento

Chama-se de empobrecimento do pensamento a presença de um pensamento


exageradamente simplificado, caracterizado por uma quantidade pequena de recordações e

20
de representações mentais. Os indivíduos cujo pensamento é empobrecido não conseguem
vincular afetos, memórias, representações e impressões, como é comum em um ato
cognitivo saudável. O discurso é, então, vago e dá a impressão de que não acrescenta
nenhuma informação, apesar das palavras. Trata-se de um sinal típico dos esquizofrênicos
cronificados e dos portadores de quadros organomentais com patologia cerebral difusa.

A perseveração é a persistência da resposta a uma pergunta, mesmo quando outra


pergunta é apresentada ao paciente. Não há mudança de tópico frente às mudanças de
perguntas. Por exemplo, ao interrogarmos o paciente a respeito de seu nome, ele responde,
corretamente. Em seguida, perguntamos sua idade e ele diz seu nome e assim permanece
fazendo, independentemente da pergunta. A perseveração é comum na esquizofrenia e em
outros distúrbios mentais de etiologia orgânica.

Prolixidade é a inclusão no discurso de itens desnecessários à sua compreensão e


acontece por vários motivos. Em virtude do aumento do fluxo do pensamento, em que há
superinclusão de temas pelo aumento da sensibilidade a estímulos ambientais; de déficit de
inteligência (oligofrênicos muitas vezes não conseguem separar o que é essencial do que
não é em sua comunicação verbal); de outros déficits cognitivos, por ocorrer perda da
integridade de mecanismos de memória; em esquizofrênicos (graças ao afrouxamento
associativo). A prolixidade pode expressar-se de duas formas: circunstancialidade e
tangencialidade. O paciente circunstancial tem um pensamento prolixo, cujo discurso – ainda
que muito superinclusivo – acaba por atingir um objetivo. O que acontece com o paciente
tangencial é algo diferente: o discurso também é prolixo e superinclusivo e margeia o
objetivo final, mas não o atinge.

Bloqueio do pensamento se caracteriza pela parada súbita do fluxo do pensamento


quando este vinha fluindo normalmente. Alguns pacientes, ao vivenciarem um bloqueio,
poderão conferir-lhe uma interpretação delirante de roubo do pensamento.

Incoerência do pensamento é a distorção gramatical completa e o desaparecimento da


conexão lógica entre uma parte e outra da sentença e que pode ocorrer pó conta de intensa
aceleração do pensamento (principalmente em pacientes maníacos), nos quadros
organomentais (como o delirium) e na esquizofrenia, por conta de severo afrouxamento
associativo. É sinônimo de desagregação ou desorganização do pensamento.

Afrouxamento das associações é uma importante alteração formal do pensamento


presente na esquizofrenia e que se distingue por um discurso no qual as idéias tendem a

21
mudar para temas não correlacionados, configurando um pensamento idiossincrático e
potencialmente incompreensível. O afrouxamento pode ser observado em diferentes graus
de severidade: em pacientes menos graves, percebe-se que as idéias não são ligadas de
forma apropriada – embora possa ainda se entender aquilo que o paciente está falando –
fazendo com que se tenha uma sensação de que as conexões lógicas são pobres ou até
mesmo inexistentes. Em pacientes mais graves pode surgir incoerência ou desagregação do
pensamento.

Neologismo é a invenção de palavras, geralmente por condensação de outras palavras


significativas para o paciente. Exemplo: Ao atender um paciente esquizofrênico em uma unidade de
emergência, perguntei: “O que o traz aqui?”, ao que o paciente respondeu: “Amplictaz...” Pude observar
que o acompanhante do paciente me mostrava naquele instante uma caixa de clorpromazina (Amplictil),
medicação usada pelo paciente. Por condensação do nome do remédio com a palavra “traz” de minha
pergunta, aquele paciente “montou” seu neologismo.

Perturbações da linguagem

A linguagem é considerada pela maioria dos psicopatologistas ilustres como o elo


final da cadeia de processos que se iniciam com a percepção e terminam com a palavra falada ou escrita.
As alterações da linguagem são classificadas quanto à sua origem em alterações orgânicas
(resultantes de lesões de quaisquer dos órgãos que participam da elaboração, da emissão e
da articulação das palavras) e funcionais (também denominadas alterações do
comportamento verbal).

As alterações orgânicas da linguagem incluem a disartria, a dislalia e as afasias. A disartria


consiste na dificuldade de articulação das palavras e pode ter múltiplas causas, centrais ou
periféricas. A dislalia é uma perturbação funcional da palavra, de etiologia orgânica, e seus
sintomas incluem a omissão, substituição, deformação de fonemas e também podem ter
causas centrais ou periféricas. As afasias abrangem transtornos da emissão verbal do
pensamento e consistem na incapacidade de expressá-lo por meio da palavra oral ou escrita
ou de compreender a palavra falada ou escrita. Na afasia motora o sintoma característico é a
impossibilidade de pronunciar as palavras, com a compreensão daquilo que se ouve. Na
verdade, a linguagem está prejudicada porque o paciente não pode falar por
comprometimento de circuitos motores, embora a imagem mental das palavras esteja
preservada. O paciente pode, portanto, escrever e ler. A afasia sensorial (ou afasia de Wernicke)
consiste de um transtorno da recepção da linguagem onde há surdez e cegueira verbal,

22
comprometendo, portanto, a emissão espontânea da palavra, sua compreensão auditiva e
escrita. Nesta afasia, existe perda dos símbolos previamente armazenados para as palavras.

As alterações da linguagem de origem funcional poderiam ser compreendidas como


alterações do comportamento verbal, freqüentemente observadas em pacientes
psiquiátricos. Abrangem sinais como o mutismo, restrição da quantidade de discurso, logorréia
(discurso incessante, muitas vezes feito em voz alta e sem que se deixe contestar, de
conteúdo pobre ou inútil), verbigeração (repetição sem sentido da mesma palavra ou frase,
geralmente em tom monótono ou declamatório, podendo durar de dias a meses), ecolalia
(repetição de palavras, frases ou perguntas que chegam ao ouvido do paciente) e mussitação
(expressão da linguagem em voz muito baixa, murmurante, com movimento automático
dos lábios).

Algumas considerações adicionais sobre a estrutura da linguagem na esquizofrenia

Muitos indivíduos portadores de esquizofrenia apresentam alterações da linguagem,


embora não todos. Caracterizar tais alterações exige bastante paciência, treino e gosto pela
tarefa. Covington e colaboradores publicaram em 2005 uma interessante revisão sobre
alterações da estrutura da linguagem na esquizofrenia do ponto de vista de um linguista,
observando como este transtorno afeta a fonologia, a sintaxe e a semântica. Chaika foi uma
linguista pioneira no estudo da linguagem de esquizofrênicos e observou que estes
pacientes apresentavam (1) alterações na verbalização de itens lexicais pretendidos, (2) eram
distraídos pelos sons ou pelos sentidos das palavras, de forma que seu discurso se parece
mais com uma sequencia de palavras do que uma apresentação coerente de informação a
ser conduzida e que (3) tais indivíduos muitas vezes tinham comprometimento sintático,
além de (4) falta de uma consciência de seus déficits de verbalização. De tais anormalidades
observadas por Chaika, a mais característica da esquizofrenia seria (2), enquanto (1) e (3)
parecer-se-iam mais com erros comuns de discurso e (4) lembraria algumas formas de
afasia. Embora se argumente que erros lexicais e sintáticos no discurso são bastante
comuns em indivíduos normais – que podem ser induzidos a falhas tanto por sons quanto
por sentidos recentemente verbalizados, sem se dar conta de seus erros - as alterações de
discurso observadas na esquizofrenia não parecem ser puramente decorrentes de
problemas de linguagem, mas a outros fatores não linguísticos. Além disso, os deslizes
linguísticos cometidos por indivíduos saudáveis são muito mais frequentemente corrigidos
do que aqueles que são cometidos por esquizofrênicos.

23
Chaika argumentou que estes pacientes poderiam ter perdido o controle voluntário
da linguagem, em virtude de uma degradação da comunicação de subsistemas mentais
associados, o que parece nos lembrar de uma das possíveis origens dos sintomas
schneiderianos de passividade (que serão descritos mais detalhadamente adiante, mas que,
resumidamente, abrangem as vivências de perda de controle do eu, nas quais pensamentos
do próprio paciente podem ser experimentados como vindos “de fora”, como se fossem
inseridos na mente do sujeito). Também veremos adiante que estes subsistemas podem ser
os mesmos envolvidos no controle de retroalimentação inibitória importantes na regulação
da produção de movimentos voluntários, designados como descarga corolária. Discutiremos
estes sistemas com um pouco mais de detalhamento posteriormente.

Em relação à comparação entre a linguagem dos esquizofrênicos e a afasia, algumas


diferenciações foram sugeridas: os sintomas afasia-like observados em indivíduos
esquizofrênicos ocorreriam episodicamente, enquanto as afasias produzidas por injúria
cerebral seriam persistentes. Outro aspecto é que os pensamentos de pacientes afásicos por
injúria cerebral são normais, ao passo que indivíduos diagnosticados com esquizofrenia
podem ter pensamentos incomuns ou desorganizados. A linguagem em alguns pacientes
esquizofrênicos já foi comparada à Afasia de Wernicke, um transtorno no qual o paciente
apresenta um discurso fluente, mas ininteligível2.

Em sua revisão, Covington e colaboradores citam mais algumas diferenças do


discurso “esquizofásico” e do discurso afásico: esquizofrênicos costumam ter um tema ou
uma preocupação preferencial, ao contrário dos afásicos. Além disso, aqueles indivíduos
costumam pular de um assunto para outro de acordo com sons ou palavras que disseram
(associações ressonantes ou glossomania), além do fato de que seu léxico inclui um
vocabulário intacto – e muitas vezes vasto – o que não costuma ocorrer nos afásicos, que
têm um vocabulário restrito.

2
Classicamente, duas regiões cerebrais foram relacionadas ao processamento da linguagem: a área de
Wernicke e a área de Broca. A primeira parece estar relacionada ao processamento declarativo da linguagem e
a segunda, ao processamento procedural, de forma que haveria diferentes manifestações clínicas de lesões
específicas nestas áreas. Assim, um discurso parafásico e fluente seria observado nos pacientes com afasias de
Wernicke, já que estes indivíduos não teriam problemas na geração dos aspectos automáticos da linguagem,
como a fluência, mas em domínios que exigiriam habilidades de seleção das melhores palavras, por exemplo.
Os portadores de afasia de Broca, embora possam escolher palavras adequadas e dispô-las de maneira
gramaticalmente correta, perdem a “automaticidade” do discurso.

24
Nancy Andreasen também estudou a linguagem na esquizofrenia, elaborando um
instrumento, a Thought, Language and Communication Scale (TLC) (Escala de Pensamento,
Linguagem e Comunicação), utilizada em muitos estudos sobre o tema. A TLC abrange
dezoito sintomas: pobreza do discurso, pobreza do conteúdo, pressão do discurso,
distratibilidade, tangencialidade, perda do objetivo, desagregação (derailment),
circunstancialidade, ilogicidade, incoerência, neologismos, aproximações (palavras
substitutas para expressões pré-existentes, como “sapatos de mãos”, ao invés de “luvas”),
perseveração, ecolalia, bloqueio, auto-referência, discurso excessivamente formal ou
pomposo e associações ressonantes (clanging). Andreasen destacou que alguns dos sintomas
classicamente considerados como “exclusivamente” esquizofrênicos, podem ocorrer em
outros transtornos mentais, como a mania (em que podem acontecer associações
ressonantes) e a depressão (que pode apresentar-se com pobreza do discurso, desagregação,
perda do objetivo e bloqueio).

Outros instrumentos utilizados no estudo de perturbações da linguagem na


esquizofrenia incluem a escala Thought and Language Index (TLI) (Indice de Pensamento e
Linguagem), de Liddle e colaboradores e a CLANG (Clinical Language Scale), de Chen e
colaboradores.

A linguagem pode ser estratificada em vários níveis. O léxico (ou vocabulário) nos
informa que uma determinada sequencia de sons (fonologia) forma uma palavra; por
exemplo, homem, que é um substantivo (sintaxe), singular (morfologia), que significa um ser
humano do sexo masculino (semântica) e que pode ter conotações diferentes e
dependentes de um estilo de comunicação (pragmática). Covington e colaboradores
também revisaram o comprometimento destes diferentes níveis da linguagem na
esquizofrenia.

Em relação à fonética e fonologia, as alterações mais frequentemente encontradas


em esquizofrênicos são a aprosódia ou embotamento tonal, que pode incluir um déficit da
capacidade de compreender a musicalidade do discurso (prosódia) dos interlocutores, o que
no fundo parece refletir o comprometimento destes pacientes na compreensão da
expressão emocional através de variações tonais da voz.

Além disso, o discurso de esquizofrênicos contém mais pausas e hesitações do que


o de indivíduos normais. Alguns autores argumentam que, por ser possível reproduzir
alterações semelhantes em indivíduos normais, ao expô-los à execução de tarefas como

25
recontar histórias nas quais um evento não relacionado e irrelevante é inserido, elas não
sejam genuinamente alterações fonológicas, mas o reflexo de comprometimento semântico
ou pragmático.

Perturbações morfológicas do discurso incluiriam situações muitas vezes


indistinguíveis de alterações sintáticas, em que os sujeitos usam palavras semanticamente
corretas, mas sintaticamente inadequadas. São raramente observadas na esquizofrenia e, em
um país como o Brasil, onde uma boa parcela da população não domina o português,
podem ocorrer mesmo em indivíduos sem psicopatologia.

A sintaxe também costuma estar preservada na esquizofrenia; até mesmo quando a


organização do discurso está severamente comprometida, os elementos sintáticos da
construção de frases mantém certa coerência. Por exemplo, ao dizer “se você realmente quer
alimentar seu cachorro deve considerar elementos de física quântica e de presunção ardorosa, além de
proficiência poética que o caracterizem como um ser politicamente generoso...”, um paciente respeita
regras gramaticais apesar de nos apresentar um discurso ilógico, possivelmente à custa de
prejuízo semântico. O prejuízo observado no fragmento do discurso acima descrito parece
ser do tipo em que a organização das proposições parece refletir problemas no uso dos
símbolos e de suas relações com os objetos a que se referem. Alguns autores sugerem que a
origem de tal prejuízo seria a tendência de pacientes esquizofrênicos em impregnar seu
ambiente com “significados especiais”.

Por pragmática define-se a relação entre linguagem e contexto. Assim, figuras de


linguagem como a metáfora, bem como o uso da comunicação na forma de ironia, por
exemplo, são exemplos de situações em que se exige integridade dos sistemas relacionados
ao processamento da linguagem pragmática. A pragmática parece estar obviamente
comprometida na esquizofrenia.

Um dos elementos fundamentais na elaboração da linguagem pragmática inclui a


organização das verbalizações através do emprego de pronomes, conjunções, elipses,
repetições e uso de sinônimos, a qual envolve o estabelecimento de referência no mundo
externo, para que aquilo a respeito do que se fala possa ser compreendido sem excessiva
repetição de palavras. Esta referencia deve ser mantida tanto por aquele que fala quanto
por aquele que ouve. Tal uso de palavras respeitando referências externas é denominado
coesão. A esquizofrenia parece comprometer a coesão, observável pela maior tendência
destes pacientes de identificar referências não verbalmente (através de apontamentos, por

26
exemplo), assim como portadores deste transtorno podem ter maior dificuldade em
compreender referências indiretas e informações presumidas, assim como tenderem a fazer
referências obscuras e presumirem informação não contida no discurso de seus
interlocutores.

O discurso de indivíduos esquizofrênicos é frequentemente considerado incoerente,


um termo que, via de regra, gera bastante confusão por não ser claramente definido. Um
texto ou um discurso deve ser organizado de forma que proposições são organizadas de
modo que duas proposições interconectadas devem se relacionar mutuamente, bem como
que a proposição ramificada a partir de outra dependa da veracidade desta para ser
consistente. Problemas nesta organização de proposições são considerados frequentes na
esquizofrenia, onde pode ocorrer desestruturação do discurso, decorrente de falta de
planejamento adequado do mesmo.

Além destes problemas, tanto portadores de esquizofrenia quanto indivíduos


vulneráveis (parentes em primeiro grau de esquizofrênicos e portadores de transtorno
esquizotípico de personalidade) apresentam dificuldades na compreensão de ironias,
metáforas, provérbios e “faux pas”, na medida em que podem ter alterações em circuitos
cerebrais associados direta ou indiretamente na compreensão e no uso da linguagem
pragmática.

Perturbações do conteúdo do pensamento

As principais alterações do conteúdo do pensamento são os delírios, que foram


inicialmente conceituados por Bleuler como convicções errôneas e não corrigíveis mediante
argumentação lógica. É importante esclarecer que nem toda convicção errônea é delirante, daí
a importância de se realizar, durante a investigação do pensamento, uma avaliação conjunta
de outras variáveis como o grau de instrução, religião e cultura do paciente.

Além disso, há alterações do conteúdo do pensamento que não se constituem, em


sua essência, de delírios propriamente ditos. Tais condições poderiam ser chamadas de
idéias ou ideações deliróides porque falta a elas a força da resistência à argumentação
característica dos delírios propriamente ditos. Dentre as idéias deliróides, as idéias
supervalorizadas são bastante comuns e correspondem à centralização do conteúdo do
pensamento em torno de uma idéia particular associada a uma acentuada tonalidade afetiva.
A intensidade de uma idéia supervalorizada é menor que a de uma idéia delirante. Deve ser
diferenciada de um pensamento obsessivo na medida em que este costuma ser ego-

27
distônico, isto é, as idéias supervalorizadas não costumam causar no paciente a sensação de
serem absurdas bem como não fazem, à semelhança dos pensamentos obsessivos, com que
os pacientes tendam a lutar contra elas. Idéias de referência são idéias menos firmemente
mantidas que delírios, de que acontecimentos, objetos ou pessoas de seu ambiente têm um
significado particular, incomum e relacionado especificamente ao paciente. Idéias de referência
de culpabilidade são idéias muito semelhantes às idéias de referência, contudo, o indivíduo
acredita estar sendo censurado por alguma ação ou atributo. Culpa patológica é a alteração do
pensamento que acomete pessoas que se culpam exageradamente por pequenas falhas que
a maioria das pessoas não consideraria como sérias. Embora o sujeito reconheça o exagero
da intensidade da culpa, ele não consegue evitá-la.

Existem muitas classificações para os delírios, algumas mais, outras menos úteis.
Por exemplo, a classificação conforme a direção ou o tropismo, que aborda a posição do
ego delirante com o mundo externo e propõe que os delírios sejam catalogados em delírios
centrífugos - onde há um “transbordamento do eu”, tal qual ocorre nos delírios de grandeza e
onipotência – e centrípetos – onde há uma “egossístole”, como nos delírios de culpa; parece-
nos interessante apenas do ponto de vista histórico. A clássica e fundamental categorização
dos delírios em primários e secundários é, todavia, ainda muito utilizada, à medida que se
concentra especificamente na origem deste sintoma psicótico, embora tenha sido
questionada por alguns psicólogos cognitivos (vide Strik & Dierks, 2008).
Conseqüentemente, o delírio primário surge sem ter uma relação com um estado de humor
que possa justificá-lo; para Jaspers ele tem um caráter de coisa imposta à consciência do paciente.
Em última análise, o delírio primário é resultante de patologia do pensamento e não do
comprometimento deste por transtorno de outra função mental, como o humor. O delírio
secundário, por sua vez, é aquele que surge em conseqüência de um estado de humor
comprometendo o pensamento. Delírios de grandeza e de ruína são delírios secundários,
comuns, respectivamente, em pacientes maníacos e deprimidos.

Quanto ao curso evolutivo, os delírios podem ser classificados em agudos e


crônicos, episódicos ou recorrentes.

A classificação mais interessante dos delírios é, contudo, a classificação quanto à


temática, que, por ser fundamental do ponto de vista descritivo, merece atenção especial:

Delírios paranóides: categoria em que se incluem os delírios de referência, de controle, de


grandeza e persecutórios.

28
Os delírios de referência são caracterizados por uma crença de que o comportamento
das outras pessoas ou os acontecimentos externos têm um significado peculiar, geralmente
negativo e dirigido ao paciente. São os equivalentes delirantes das idéias de referência.

Os delírios de controle são falsas crenças de que a vontade do paciente está submetida
ao controle de alguma força ou agente externo desconhecido ou não. Esta categoria parece
muito típica da esquizofrenia, existindo, inclusive, teorias cognitivas muito esclarecedoras
do porque os mesmos ocorrem nestes pacientes. Uma vivência mental particular acontece
em todos os indivíduos acometidos de delírios de controle, que são as vivências de
influência, que se traduzem clinicamente na sensação da perda de controle do eu. Esta
sensação pode motivar o aparecimento de diversas explicações delirantes da parte do
paciente. O delírio de roubo do pensamento, a crença de que o pensamento foi roubado ou
removido da cabeça, geralmente é seguido de um bloqueio do pensamento. Ao contrário,
inserção do pensamento é o delírio de que pensamentos são adicionados à cabeça; trata-se de
uma experiência mental de que os pensamentos não são próprios. A irradiação do pensamento
consiste na crença de que os pensamentos parecem ressoar alto, de modo que alguém
possa ouvi-los, assim como a vivência de que os pensamentos possam ser compartilhados
por um grande número de pessoas. Os delírios de controle e as experiências de passividade
foram descritos primeiramente por Kurt Schneider, o qual sugeriu que estes sintomas
seriam patognomônicos da esquizofrenia. Hoje estes sinais clínicos são denominados
sintomas schneiderianos da esquizofrenia.

Os delírios de grandeza abrangem crenças acerca de uma concepção irreal e exagerada


acerca da própria importância, poder e habilidades, bastante comuns nos estados maníacos.

Nos delírios persecutórios, falsas crenças de que o paciente é perseguido, de que alguém
tenta prejudicá-lo ou molestá-lo, denegrir sua imagem, causar-lhe algum mal físico ou
deixá-lo louco, são os temas centrais.

Outros delírios importantes (não paranóides) incluem os delírios de ciúme, erotomania


(falsa convicção de que alguém que, em geral tem algum destaque social, está
profundamente apaixonado pelo paciente), delírios somáticos (também chamados de delírios
hipocondríacos, caracterizam-se pela falsa crença de que o corpo não é mais saudável, está
doente ou, nos casos mais extremos, está apodrecendo), delírios de culpa e delírios relacionados à
aparência (firme convicção de que existe algo errado com a aparência, por exemplo, com a
dimensão de determinadas partes do corpo).

29
Síndromes de Falsa Identificação

As síndromes delirantes de falsa identificação (SDFI) incluem condições clínicas como


as síndromes de Capgras e Fregoli, a ilusão de intermetamorfose e a paramnésia reduplicativa.

A primeira descrição de SDFI foi feita em 1923 por Capgras e Reboul-Lachaux, que
reportaram o fenômeno da ilusão dos sósias (illusion des sosies), a partir da qual outras SDFI
foram relatadas.

Nas SDFI clássicas, o indivíduo identifica erroneamente alguém que lhe é familiar, ao
passo que nos tipos “reversos” ele acredita que sua própria identidade foi alterada. Edelstyn
e colaboradores (1996) acrescentam, ainda, que as SDFI não necessitam se restringir à falsa
identificação de pessoas, mas também podem envolver objetos e lugares.

A síndrome de Capgras é a crença delirante de que uma pessoa, comumente um


parente próximo, foi substituída por um sósia. O paciente reconhece as características
físicas da pessoa que está identificando erroneamente, contudo, não reconhece seus
atributos psicológicos.

A síndrome de Fregoli é caracterizada pela crença delirante de que uma pessoa


consegue assumir formas físicas distintas e adotar a aparência de outra, embora sua
identidade permaneça inalterada.

O paciente apresentando um delírio de intermetamorfose acredita que outras pessoas


são capazes de se transformar de forma radical, tanto física quanto emocionalmente,
resultando em outras pessoas completamente diferentes das iniciais.

A paramnésia reduplicativa, condição descrita pela primeira vez por Pick, em 1903, é
uma condição delirante na qual os pacientes acreditam que existem réplicas de pessoas ou
lugares conhecidos. Para Pisani e colaboradores (2000), a paramnésia reduplicativa é um
transtorno específico da memória caracterizado pela crença de que uma pessoa, lugar ou
evento foi duplicado. Baseando-se no conceito de paramnésia reduplicativa, Murai e
colaboradores (1998) descreveram um fenômeno que chamaram de pluralização clonal da
pessoa (PCP). Para estes autores, na PCP o falso reconhecimento não é o principal
fenômeno, mas a pluralização da identidade de alguém, isto é, o paciente acredita que uma
pessoa existe em número maior que um.

30
A prosopagnosia, um transtorno caracterizado pelo comprometimento da habilidade de
reconhecer faces familiares associado a dano orgânico tem sido associada às SDFI e as
bases anatômicas de ambas poderiam ser investigadas em pacientes com lesão cerebral,
apesar de sua freqüente ocorrência em esquizofrênicos. De fato, existem vários estudos
reportando déficits no reconhecimento de faces e suas expressões emocionais nestes
pacientes.

O hemisfério direito é considerado responsável pelo reconhecimento da identidade e da


singularidade de alguém e danos a esta região explicariam a ocorrência de SDFI tanto em
esquizofrênicos quanto em portadores de lesão cerebral. Estudos de neuroimagem
identificaram ao menos duas áreas bilaterais do córtex visual que respondem mais a
imagens de faces do que a objetos em humanos saudáveis, no giro fusiforme medial: a área
facial fusiforme e a área facial occipital, com uma dominância do hemisfério direito,
embora as interações entre estas regiões e se elas são necessárias para a percepção facial
normal ainda são questões em aberto.

Duas vias conectam o córtex visual, os lobos temporais e o sistema límbico: uma via
ventral, que liga o córtex visual aos lobos temporais através do fascículo longitudinal
inferior e uma via dorsal, interconectando através do lóbulo parietal inferior o córtex visual
e o sistema límbico. Danos à primeira via, que inclui o giro fusiforme, ocorreriam na
prosopagnosia, ao passo que injúrias na via dorsal, envolvida precisamente com o registro
da resposta emocional às faces, relacionar-se-iam às SDFI. Desta forma, diferenças entre
prosopagnosia e SDFI envolveriam predominantemente aspectos emocionais relativos à
experiência visual de faces. Críticas a esta teoria de duas vias no processamento da
informação relativa a faces baseiam-se no fato de que a principal evidência da mesma
permanece no modelo do “reconhecimento eletrodérmico” (RE). Trata-se de um modelo
desenhado por Bauer (1984, 1986), que identificou, através do estudo de um paciente
prosopagnósico, dois padrões de resposta: o primeiro, a inabilidade em reconhecer faces
quando figuras lhe eram apresentadas. O segundo, observado quando nomes corretos e
incorretos eram lidos em voz alta simultaneamente à apresentação das figuras: havia
aumento da condutância autonômica da pele quando os nomes corretos eram ditos. Esta
seria uma evidência de um reconhecimento “inconsciente” das faces. Para estes autores, na
medida em que o RE poderia não ser nada além de uma medida da excitação autonômica,
sua interpretação em termos cognitivos estaria longe de ser óbvia.

31
Onitsuka e colaboradores (2003), compararando esquizofrênicos crônicos a controles,
reportaram anormalidades neuroanatômicas envolvendo o giro fusiforme nos
esquizofrênicos (redução de substância cinzenta relacionada significativamente à pior
performance em testes envolvendo memória para faces).

A grande quantidade de trabalhos correlacionando estas alterações psicopatológicas


com circuitos cerebrais específicos, além de mostrar que muito há para ser explicado,
propicia um estímulo à valorização da psicopatologia na avaliação psiquiátrica.

Teorias cognitivas da formação dos delírios

Os conhecimentos neurofisiológico e neurocognitivo atuais, associados às


modernas técnicas de neuroimagem funcional, permitem uma compreensão muito mais
completa sobre as origens dos sintomas psicóticos na esquizofrenia e em outros
transtornos mentais. Boa parte dos mecanismos a serem discutidos a seguir, embora situada
em uma sessão reservada aos sintomas delirantes, pode ser aplicada também à origem de
alguns tipos de alucinações.

É possível que os delírios surjam de transtornos nos processos mentais de retirada


de conclusões a partir de informações disponíveis (disordered reasoning). Contudo, são poucas
as evidências de que isso realmente ocorra, pois experimentos conduzidos utilizando
tarefas cognitivas estandardizadas para a avaliação de tais processos não têm conseguido
demonstrar alterações específicas.

Delírios (e alucinações) podem ocorrer em outras condições clínicas e neurológicas


além de na esquizofrenia, contudo, parece existir um subgrupo de sintomas mais
especificamente relacionado a este transtorno. Este subgrupo abrange sintomas tais como
ouvir os próprios pensamentos, vozes comentando as atitudes do paciente ou discutindo
entre si, passividade somática, roubo do pensamento, inserção do pensamento, transmissão
do pensamento, sensações de que determinados sentimentos e impulsos são “construídos”
ou “inseridos” e percepção delirante. Poderíamos afirmar que todos os sintomas deste
subgrupo compartilhariam de uma sensação de passividade ou de estar sujeito ao controle
de um agente externo.

Conexões óbvias entre as experiências delirantes e alucinatórias sugerem que tais


termos possam significar rótulos diferentes para experiências semelhantes. Por exemplo, às
vezes pode ser muito difícil discernir entre a ocorrência de falsas percepções ou de falsas

32
crenças em indivíduos apresentando delírios de controle, porque, embora possamos
classificar e descrever como delirante o relato objetivo de “ser controlado por um agente
externo”, a vivência de passividade também pode perfeitamente ser descrita em termos de
uma percepção distorcida, ao examinarmos como o paciente experimenta, subjetivamente, tal
vivência.

Cada vez mais surgem modelos teóricos explicando os delírios como sendo
derivados de problemas no processamento cognitivo. Os modelos incluem desde
problemas afetando o funcionamento executivo até déficits mais complexos, localizados
em sistemas relacionados ao processamento de toda a informação ligada diretamente à
presença de outras pessoas e à convivência em sociedade, um domínio cerebral chamado
de cognição social. Atualmente existe um corpo robusto de informação derivada de pesquisa
séria a respeito de possíveis alterações do processamento cognitivo social na gênese de
delírios e outros sintomas em sujeitos esquizofrênicos. Discutiremos primeiramente os
modelos baseados na cognição geral e, em seguida, abordarei alguns aspectos do papel da
desregulação da cognição social na gênese de sintomas psicóticos.

Um dos modelos cognitivos mais populares sobre a gênese de delírios é chamado


de “jumping to conclusions” ou pulando às conclusões. Este modelo afirma que indivíduos
delirantes chegam a falsas conclusões porque avaliam mais superficialmente as informações
disponíveis e fazem suas análises baseados em menos evidências do que sujeitos saudáveis.

Vieses atribucionais foram também muito estudados em esquizofrênicos,


particularmente em relação ao seu papel na formação dos delírios persecutórios. Estes
vieses dizem respeito ao estilo com que cada um de nós atribui (estilo atribucional) causas e
responsabilidades por eventos ambientais. Alguns estudos conseguiram correlacionar a
presença de tais vieses à ocorrência de delírios. Os dados não são, no entanto, inequívocos.

Teorias cognitivas importantes incluem o papel da atenção na gênese da


sintomatologia delirante de pacientes esquizofrênicos. Chama-se de inibição latente ao efeito
no qual a pré-exposição a um estímulo compromete a resposta a outro estímulo. Muitos
estudos demonstraram que a inibição latente está afetada nos estados psicóticos agudos.
Este efeito parece estar também presente em indivíduos com altas pontuações em
instrumentos que medem esquizotipia, o que é sugestivo de que tal comprometimento
pode ser traço-dependente. Qual o significado deste “defeito” na inibição latente? De
forma geral, não é recomendável sobrecarregar o sistema nervoso com uma avalanche de

33
estímulos desnecessários, por isso, a evolução configurou mecanismos regulatórios de
priorização e seleção de estímulos, para que possamos prestar atenção somente naquilo que
objetivamente importa. Se recebermos um estímulo específico prévio, nossa atenção a um
segundo estímulo da mesma categoria tende a ser diferente da atenção mobilizada na
ausência de um estímulo prévio. Ora, se há uma condição na qual ocorre um prejuízo neste
mecanismo, poderíamos concluir que o mesmo acarretaria em sobrecarga sensorial e
problemas no processamento adequado da informação oriunda do meio ambiente. Esta
sobrecarga poderia aumentar o risco de desenvolvimento de sintomas psicóticos. Portanto,
percepções anormais podem decorrer de maneiras aberrantes de lidar com os estímulos
ambientais, não os selecionando adequadamente, por exemplo.

Uma das teorias mais desenvolvidas envolvendo a gênese de sintomas psicóticos


sugere que delírios podem ser gerados a partir de déficits de auto-monitoramento, ou seja,
muitos dos sintomas da esquizofrenia poderiam ser provocados a partir de uma atribuição
defeituosa de ações auto-geradas a terceiros. Indivíduos normais conseguem distinguir
entre as ações que eles geram das ações geradas por outras pessoas, embora todo ato
desenvolvido por alguém também inclua consequências sensoriais que poderiam ser
decorrentes de uma causa externa. Portanto, devem existir mecanismos centrais
responsáveis pelo não aparecimento de um “conflito” perceptual potencial surgido quando
se faz algum movimento, de maneira tal que não haja risco de interpretarmos atos
voluntários como involuntários. Discutiremos estes mecanismos mais adiante, ao falarmos
de descarga corolária.

Embora falhas em mecanismos de auto-monitoramento possam estar por trás das


experiências de passividade já descritas, elas talvez não justifiquem de maneira adequada o
surgimento de todos os tipos de delírios. Por exemplo, a súbita crença de um paciente de
que seus familiares podem estar tentando envenená-lo não tem uma ligação obrigatória
com uma percepção anômala, como nas vivências de passividade. Por este motivo acredita-
se que, nestas situações, o problema envolva diretamente processos de formação das
crenças, mais do que em percepções distorcidas favorecendo o aparecimento de delírios.
Pacientes delirantes podem apresentar déficits em avaliações probabilísticas de
situações. O modelo Bayesiano3 do estudo de formação de crenças nos diz que uma crença
é uma probabilidade subjetiva de que uma proposição a respeito do mundo é verdadeira e
3
O termo “Bayesiano” deriva de Estimação Bayesiana, uma técnica de avaliação probabilística para se estimar
uma probabilidade desconhecida através da atualização contínua de novas medidas.

34
que esta probabilidade é continuamente atualizada por novas evidências. Uma falsa crença
poderia ocorrer quando as crenças não são adequadamente atualizadas com base nas novas
evidências. Isso nada mais é do que o já citado jumping to conclusions.

Previsibilidade é uma palavra chave quando se tenta entender a gênese tanto de


percepções aberrantes quanto de falsas crenças. Em outras palavras, uma diferença
significativa entre o impacto mental de ações auto-geradas e de algo que aconteça fora do
controle do indivíduo é que atos voluntários possibilitam previsão do que vai acontecer em
seguida. A capacidade de previsão acerca de algo que está por acontecer faz com que seja
possível ignorar ou suprimir o registro de determinados eventos. Estes eventos podem ser
subprodutos sensoriais de atos voluntários – de fato, a previsibilidade pode ser um
importante marcador de ações geradas internamente –, contudo, podemos prever estímulos
externos, também. O aprendizado acerca de onde e quando estímulos externos aparecerão
facilita o caráter preditivo destes eventos, fazendo com que nossa percepção sobre ele não
seja desconexa ou confusa. Este processo integrativo é realizado via atualização constante
dos registros sensoriais e das probabilidades de que dois estímulos coincidam. Associar
dois (ou mais) estímulos – por exemplo, serpentes e risco à integridade física – é um
importante recurso cognitivo tanto para a manutenção da vida e da espécie; todavia, esta
associação probabilística só deverá ocorrer se a probabilidade de co-ocorrência for maior
do que as ocorrências isoladas. Assim, como o encontro com serpentes costuma vir
pareado com ataques potencialmente mortais, é muito importante que a mente garanta que
estejamos atentos a este risco. Esta garantia é proporcionada através da apresentação de um
sinal de alerta comunicando que, seguindo o encontro com a serpente existe uma grande
chance de sairmos machucados. Uma sinalização como esta será possível a partir do
aumento da eficiência de nossa capacidade de prever um pareamento estímulo-desfecho.

Quando um novo pareamento estímulo-desfecho ocorre são ativadas memórias de


prévias ocorrências dos elementos daquele par a fim de se poder afirmar se é uma
associação estímulo-desfecho verdadeira ou uma mera coincidência. Portanto, a maneira
através da qual experimentamos um estímulo sensorial depende de nosso conhecimento
prévio acerca daquilo, expressa em termos de sua previsibilidade. Em outras palavras, cada
experiência é afetada por aquilo em que acreditamos. Adicionalmente, aquilo em que
acreditamos é constantemente atualizado pela experiência sensoperceptiva, de modo que
experiências que não desafiem um sistema de crenças tornam-se previsíveis e são, em
consequência, ignoradas. A vantagem disso é que não somos obrigados a gastar energia

35
processando todas as sensações que nos bombardeiam a todo o momento. Em última
análise, o aprendizado depende do fator surpresa, isto é, um pareamento estímulo-desfecho
inesperado ou diferente daquele ou daqueles que se espera, melhoram nosso repertório de
crenças a respeito do mundo.

Consequências desta peculiar interação entre crença e experiência: crenças muito


fortes podem fazer com que ignoremos experiências com alto teor de informação. De fato,
a maneira como cada um “constrói” o mundo em seus sistemas mentais de representação
tem um impacto sobre a maneira de continuar percebendo o mundo.

Existem fortes evidências de que o neurotransmissor dopamina tenha um papel


fundamental no aprendizado dependente de predição erro-dependente tanto em animais
quanto em humanos, pois neurônios dopaminérgicos mesolímbicos parecem disparar em
resposta a reforço e erros de predição. Como já discutimos em outra sessão, os
antipsicóticos são fármacos úteis no tratamento de sintomas psicóticos, bem como agem
sobre receptores dopaminérgicos. Portanto suas ações poderiam ser explicadas, ao menos
parcialmente, pela possibilidade destes agentes “corrigirem” alterações nestes processos de
aprendizado.

Uma das explicações mais completas sobre a formação de delírios foi sugerida por
Langdon e Coltheart. Estes autores fazem uma distinção entre fatores que explicam os
conteúdos dos delírios e fatores que explicam sua presença. Langdon e Coltheart propuseram
que a distorção perceptual é necessária para a gênese de delírios, tanto que a chamam de
primeiro fator. Argumentam, contudo, que vieses cognitivos, embora contribuintes
potenciais, não são nem necessários nem suficientes para garantir a presença de delírios.
Eles alegam que tais vieses são fundamentais na elaboração de hipóteses improváveis, mas
que é necessária a ocorrência de um segundo fator, subjacente à transformação destas
hipóteses em delírios na verdadeira acepção da palavra.

Todavia, existe um debate intenso acerca da veracidade da hipótese de que a


natureza do primeiro fator deva ser perceptual, bem como que distorções perceptuais
devam, obrigatoriamente, dar origens a delírios, já que elas estão distribuídas na população
geral. Em relação ao segundo fator, existem algumas teorias de que ele possa incluir
processos que ocorrem em hemisfério cerebral direito, responsáveis pela organização das
crenças em resposta a novos estímulos. Estes processos podem incluir armazenamento de
memória, bem como processos relacionados ao processamento de informação sócio-

36
cognitiva. Embora esta teoria seja embasada pela experiência clínica de se observar a
emergência de delírios em pacientes portadores de demência, em que há documentação de
atrofia cortical, os casos de “psicoses funcionais” em que não se observam sinais desta
atrofia, permanecem desafios teóricos a serem, ainda, vencidos, no que tange à explicação
dos delírios.

Descarga Corolária

O conceito de descarga corolária (DC) é relativamente complexo, mas faz muito


sentido na compreensão de como podem se formar alguns delírios e alucinações na
esquizofrenia. No entanto, algumas considerações devem ser feitas antes de definirmos o
que é DC.

A fim de se estabelecer quais seriam os mecanismos cerebrais subjacentes à


emergência dos delírios e alucinações, é interessante notarmos que ambos não são
fenômenos unitários, ou seja, eles podem diferir tanto do ponto de vista fenotípico quanto
etiológico. Por exemplo, é possível considerar três classes de alucinações: as que ocorrem
nas psicoses “funcionais” (esquizofrenia e transtorno bipolar), as que ocorrem nos estados
de descompensação cerebral aguda (como o delirium) e as que são produzidas por drogas
alucinógenas. Alucinações e ilusões visuais vívidas, como as presentes no delirium e na
intoxicação por LSD, raramente são presentes nas psicoses funcionais. Por outro lado,
fenômenos de passividade comumente associados à vivência alucinatória da esquizofrenia
são raros nas outras duas condições. Estas diferenças talvez sugiram que os padrões
clínicos distintos de alucinações possam ser produzidos por disfunção em níveis distintos
do sistema nervoso central. As alucinações observadas em pacientes esquizofrênicos têm
um padrão cognitivo relacionado diretamente a problemas acontecendo em níveis cerebrais
mais altos, especificamente os ligados à consciência e ao pensamento. Por outro lado, as
alucinações vistas em pacientes com delirium ou intoxicação por LSD são decorrentes de
alterações afetando primordialmente sistemas sensoriais, embora haja, nestas condições,
alterações da consciência.

O modelo que envolve a DC é bastante útil na explicação da origem das


alucinações da esquizofrenia e, como veremos adiante, também consegue esclarecer aqueles
delírios muito característicos da esquizofrenia: os delírios de controle ou vivências de
passividade. A idéia deste modelo é que estes sintomas psicóticos originar-se-iam de uma
DC defeituosa. Mas, o que seria a DC? De maneira geral, DC designa todos os mecanismos

37
de retroalimentação inibitória que regulam a geração de um movimento voluntário, de
modo que este possa ser vivenciado como voluntário. Para que um movimento seja sentido
pelo indivíduo que o executa como tendo sido iniciado por ele mesmo, sistemas sensoriais
deverão ser abastecidos com informação a respeito de que um comando motor está sendo
iniciado. Portanto, a DC informa os sistemas sensoriais de que eles serão estimulados, mas
por movimentos iniciados por aquele que “possui” os referidos sistemas sensoriais. Os
mecanismos de DC foram muito bem estudados em níveis sensório-motores mais baixos,
mas tudo leva a crer que mecanismos muito semelhantes de DC possam existir em níveis
cerebrais elevados. A natureza é conservadora, por isso é razoável se esperar que
mecanismos que integram circuitos sensoriais e motores mais simples, mas de
funcionamento ótimo, deverão ser preservados em sistemas de complexidade
progressivamente maiores. Portanto, podemos afirmar que a cada nível cerebral, os
comandos formais seriam os mesmos: preparar sistemas que sofrerão o impacto da atividade efetora
para os efeitos desta atividade. Completando este raciocínio, é necessário introduzir um
conceito bastante provocativo, isto é, o de que o pensamento é um processo motor que
evoca algumas das estruturas responsáveis pelo controle do movimento, particularmente o
cerebelo e os gânglios da base. De fato, condições clínicas afetando estas estruturas estão
por trás das anomalias no processamento do pensamento de pacientes portadores de
esquizofrenia. Jeannerod (2007) nos oferece uma excelente revisão sobre este assunto.

Voltemos, então, ao estudo dos delírios na esquizofrenia, em especial as vivências


de passividade, a exemplo dos delírios de controle por personagens da televisão ou inserção
de pensamento, muito comuns entre indivíduos esquizofrênicos e já discutidos acima. A
teoria do defeito da DC (ou da ausência de feedback da DC) explica que, nestas condições,
haveria déficits da informação necessária a sistemas sensoriais (o feedback DC), a fim de que
estes se preparassem para reconhecer que um pensamento (o ato motor voluntário) gerado
é, na realidade, originado no cérebro do mesmo indivíduo que possui os referidos sistemas.
Em outras palavras, indivíduos saudáveis são capazes de identificar espontaneamente seus
pensamentos como seus, porque os mecanismos de DC estão íntegros; contudo, problemas
afetando tais mecanismos prejudicam este reconhecimento automático e espontâneo e
deixam um problema para o indivíduo: como explicar os pensamentos que ocorrem em sua
mente? O defeito da DC causa uma sensação de perda do reconhecimento da posse dos
próprios pensamentos, levando a explicações delirantes envolvendo temas de influência ou
de passividade. “Estes pensamentos não são meus, estão sendo inseridos em minha

38
cabeça”, são explicações corriqueiras de indivíduos esquizofrênicos para a vivência de não
reconhecerem como seus os próprios pensamentos.

Modelos associados à cognição social

O comprometimento no funcionamento social é um importante sintoma da


esquizofrenia e pode ocorrer tanto na forma de isolamento social quanto na forma de
inadequação afetiva e comportamental. Este tipo de comprometimento, embora também
presente em outros transtornos mentais, é muito mais marcante na esquizofrenia, podendo
surgir ao longo de todo o curso do transtorno, persistir a despeito do tratamento
antipsicótico, tendendo à estabilidade ou mesmo à piora com a evolução do quadro. Além
disso, o prejuízo do funcionamento social aumenta as taxas de recaída da esquizofrenia,
tornando imprescindível o desenvolvimento de intervenções que melhorem estas funções.

Embora se admita intuitivamente uma forte relação entre integridade


neurocognitiva e adequação do comportamento social na esquizofrenia, as evidências
disponíveis dando suporte a esta correlação são, ainda, modestas.

Atualmente existem linhas de investigação procurando demonstrar que existem


domínios cognitivos especificamente ligados ao comportamento social, caracterizando a
cognição social. Por cognição social subentende-se “as operações mentais que estão por
trás das interações sociais e que incluem a habilidade humana de perceber as intenções e
disposições dos outros”. As representações geradas por este tipo específico de cognição
servem para que o indivíduo guie seu comportamento social de forma flexível e adaptada.
Evidências de que a cognição social seja um domínio cognitivo específico abrangem, por
exemplo, estudos de indivíduos que sofreram lesão cortical frontal ou pré-frontal
demonstrando que eles podem apresentar como conseqüência danos em seu
comportamento social, a despeito de manutenção de habilidades cognitivas como memória
e linguagem.

O estudo da cognição social na esquizofrenia concentra-se, de maneira geral, no


estudo das chamadas habilidades “Teoria da Mente” (também chamadas de “mentalização”
e “metarepresentação” ou simplesmente “habilidades ToM”), relacionadas à habilidade de
representar os estados mentais e/ou de fazer inferências sobre as intenções dos outros;
estudos de percepção social (cujas linhas de pesquisa concentram-se principalmente no
reconhecimento do afeto facial e percepção de atitudes sociais) e estilo atribucional.
Recentemente, Tonelli e Alvarez (no prelo) realizaram uma revisão sistemática a respeito

39
do processamento ToM na esquizofrenia, na medida em que existem muitos estudos a
respeito de alterações da cognição social e das habilidades ToM em pacientes
esquizofrênicos disponível na literatura internacional. Ficamos surpresos com a escassez de
estudos brasileiros acerca do tema, apesar da abundante pesquisa estrangeira, abrangendo
informações sobre a correlação entre cognição social e habilidades ToM e sintomas da
esquizofrenia, bem como sobre a presença de alterações destas habilidades tanto em
indivíduos suscetíveis mas não diagnosticados como esquizofrênicos e em episódios
psicóticos e nos períodos intercríticos do transtorno. Outro campo de pesquisa pouco
explorado, mas já em início de desenvolvimento, são os estudos a respeito do impacto do
uso de antipsicóticos sobre a cognição social e habilidades ToM.

A compreensão do funcionamento social de esquizofrênicos em um nível cognitivo


pode ser útil para o desenvolvimento de técnicas terapêuticas eficazes e de fácil
aplicabilidade em ambientes hospitalares e ambulatoriais, além do que podem ser
objetivamente medidas.

Frith, em 1992, levantou pela primeira vez a questão da relação entre os sintomas
da esquizofrenia e os prejuízos das habilidades ToM. Este autor sugeriu que os pacientes
com predomínio de sintomas das dimensões negativa e desorganizada teriam
comprometimento da capacidade de representar os estados mentais dos outros e de si mesmos, enquanto os
pacientes paranóides apresentariam apenas comprometimento da capacidade de representar
os estados mentais dos outros. Hardy-Baylé, em 1994, argumentou que o prejuízo das
habilidades ToM na esquizofrenia apenas refletiria o déficit executivo destes pacientes, de
forma que, alterações nas habilidades ToM seriam proporcionais à gravidade da síndrome
disexecutiva. Como conseqüência, pacientes paranóides sem sintomas da dimensão
desorganizada não teriam déficits de habilidades ToM.

Muitos estudos propuseram-se a correlacionar as alterações das habilidades ToM


em esquizofrênicos e os sintomas da esquizofrenia, testando os modelos propostos por
Frith e Hardy-Baylé. Brüne, revisando o assunto, concluiu que os dados disponíveis
parecem confirmar a hipótese de que os pacientes com predomínio de sintomas negativos e
de desorganização têm piores pontuações na testagem de habilidades ToM do que
pacientes com predomínio de sintomas positivos. O modelo de Hardy-Baylé parece
confirmar-se apenas parcialmente já que muitos estudos não sustentam sua hipótese de que
pacientes paranóides sem extensa sintomatologia desorganizada não apresentariam
prejuízos de habilidades ToM.

40
Em virtude de ainda não estar estabelecido se as habilidades ToM constituem um
módulo cognitivo independente no cérebro, por funcionarem em profunda consonância
com as habilidades cognitivas gerais, é que o estudo dos prejuízos de habilidades ToM em
esquizofrênicos deve controlar as variáveis cognitivas “não ToM” que possam interferir
nos resultados. Déficits atencionais, executivos e baixos escores de inteligência
objetivamente influenciam a testagem das habilidades ToM, mas a comparação de
indivíduos normais com esquizofrênicos no que tange à performance em testes que avaliam
estas habilidades continua significativamente favorecendo controles saudáveis quando são
controlados os fatores relacionados à cognição.

Uma metanálise realizada recentemente por Sprong e cols. sobre ToM na


esquizofrenia avaliou 29 estudos e demonstrou que a performance de pacientes
esquizofrênicos nas tarefas empregadas para mensuração de habilidades ToM foi
significativamente inferior que a de controles saudáveis. Além disso, variáveis como QI,
gênero e idade não afetaram significativamente este resultado, apesar de outras importantes
variáveis, como uso de medicação e duração e gravidade da doença não poderem ter sido
examinadas por falta de informação em muitos dos estudos incluídos.

Até o momento apenas dois estudos escritos em inglês avaliaram o impacto do uso
de antipsicóticos sobre tarefas ToM em pacientes portadores de transtorno do espectro da
esquizofrenia (TEE). O estudo de Mizrahi e colaboradores avaliou o efeito do tratamento
antipsicótico sobre habilidades ToM nos TEE, tanto transversal quanto longitudinalmente.
Na fase transversal do estudo, foi avaliada o desempenho em uma tarefa ToM de pacientes
portadores de TEE que estavam em uso de antipsicóticos. Na fase longitudinal, pacientes
com TEE, a maioria deles em primeiro surto, tiveram sua performance na mesma tarefa
avaliada ao longo de seis semanas, a partir da introdução de antipsicóticos. Estes escores
correlacionaram-se significativamente com os sintomas negativos e gerais avaliados pela
PANSS (Positive and Negative Symptoms Scale, uma escala que mede a presença e a intensidade
de sintomas positivos e negativos), mas não com os sintomas positivos, o que está de
acordo com a proposta inicial de Frith. Longitudinalmente houve melhora das pontuações
da tarefa ToM ao longo das 6 semanas de tratamento. Além disso, os escores dos pacientes
na baseline não estavam associados significativamente com os sintomas positivos, mas sim
com os sintomas negativos e gerais. Embora Mizrahi e colaboradores tenham sido os
pioneiros a examinar longitudinalmente os efeitos do tratamento antipsicótico em
habilidades ToM nos TEE, seu estudo apresenta uma série de limitações metodológicas:

41
ausência de grupos controle, utilização de apenas uma tarefa ToM e de apenas uma
testagem cognitiva não ToM, amostra muito pequena na fase longitudinal e predomínio de
pacientes do sexo masculino nas duas fases (85% na fase transversal e 76% na fase
longitudinal). Savina e Beninger compararam o impacto do uso de antipsicóticos típicos e
atípicos em pacientes portadores de TEE sobre a performance em três tipos de tarefas
ToM de complexidade variável, com o desempenho de um grupo de voluntários normais
nas mesmas tarefas. Os resultados mostraram diferenças nas performances próximas aos
dos controles em pacientes recebendo olanzapina e clozapina e níveis significativamente
mais baixos dos pacientes recebendo antipsicóticos típicos e risperidona em relação ao
grupo controle. Os autores propõem que tais resultados possam correlacionar-se à ativação
de c-fos e conseqüente liberação de dopamina pela olanzapina e clozapina (mas não pela
risperidona e típicos) em córtex pré-frontal, principal sítio das habilidades ToM. Todavia,
outras funções cognitivas são melhoradas pelo aumento da dopamina frontocortical, não
apenas aquelas relacionadas à cognição social, como foi demonstrado anteriormente. Além
disso, o estudo de Savina e Beninger utilizou apenas o Mini Exame do Estado Mental para
o controle cognitivo não ToM, sendo necessárias medidas mais precisas e específicas da
atividade cognitiva geral para que tais conclusões possam ser tomadas com maior
segurança. Outras limitações de seu estudo incluem o fato de que os pacientes poderiam
estar usando outras drogas, exceto anticolinérgicos, além dos antipsicóticos; desenho
aberto e ausência de grupo placebo.

Desregulação da transmissão dopaminérgica e formação de delírios

O papel da dopamina na compreensão da fisiopatologia da esquizofrenia e do


funcionamento das drogas antipsicóticas no tratamento desta condição foi rapidamente
discutido acima. A dopamina parece participar de mecanismos centrais de reforço
comportamental, prazer hedônico e aprendizado. Os neurônios dopaminérgicos da via
mesolímbica disparam com maior intensidade diante da perspectiva de uma experiência
hedônica.

Em condições normais, a atividade dopaminérgica contexto dirigida medeia a


experiência de novidade e de aquisição de saliência motivacional apropriada, na medida em
que a detecção de novos reforçadores comportamentais e suas associações adquirem
saliência para o comportamento apetitivo animal através dos disparos dos neurônios
dopaminérgicos. Tais funções, quando combinadas com as também já estabelecidas

42
funções da dopamina junto ao sistema motor, permitem a conversão do aprendizado em
motivação para a ação.

Kapur propõe que na esquizofrenia, uma série de predisposições genéticas e


ambientais resulta em uma desregulação do sistema dopaminérgico, o qual passa a disparar
e liberar dopamina independentemente de um contexto apropriado. Ocorre, então, uma
deturpação do processo normal do senso de novidade; ou seja, estímulos que, para sujeitos
normais, não seriam categorizados como salientes do ponto de vista motivacional, passam
a sê-lo. Portanto, nesta situação o sistema dopaminérgico passa a funcionar como o criador
de um senso aberrante de novidade e saliência.

Delírios e alucinações muitas vezes são precedidos por períodos prodrômicos (já
definidos anteriormente) que antecedem a psicose franca. De fato, nestas fases os pacientes
referem experiências de perplexidade diante da sensação de novidade e saliência frente a
estímulos ou eventos antes insignificantes. Acredita-se que os pacientes continuem a
acumular este tipo de experiência sem uma clara – ou sistematizada – explicação a respeito
deles e, com o tempo, há um aumento do senso de perplexidade, confusão e alterações do
humor e comportamento até que tudo isso se configure em um delírio. Para Kapur, a
desregulação dopaminérgica é o “combustível” para a criação de um delírio e a história
pessoal e cultural do indivíduo proporcionam sua forma. Para este autor, este modelo de
formação de delírios pode, também, explicar o aparecimento de alucinações. Estas
refletiriam a saliência anormal de representações de percepções, linguagem e memórias.

Sensopercepção

Alucinações são consideradas as “marcas registradas” dos transtornos psicóticos e,


juntamente dos delírios, são os sintomas mais “populares” destas condições psiquiátricas.
De fato, indivíduos psicóticos são constantemente descritos na literatura leiga como
sujeitos com “manias de perseguição” ou “de grandeza” (os delírios) e que “ouvem vozes”
(as alucinações auditivas). O termo “alucinação foi introduzido pela primeira vez, da forma
com que atualmente é utilizado, em 1837 no livro de Esquirol intitulado Des Maladies
Mentales e textos de Kraepelin apresentaram descrições vívidas e detalhadas destes
fenômenos. Bleuler considerava-as sintomas acessórios da esquizofrenia, ressaltando o fato
de que os mesmos poderiam também ocorrer em outros transtornos mentais.

Embora alucinações estejam fortemente associadas à presença de distúrbio mental,


sabe-se que muitas condições não psiquiátricas também cursam com a presença delas.

43
Como sabemos, alucinações são decorrentes de problemas no processamento da
sensopercepção; é, pois, importante distinguir algumas diferenças entre percepção,
sensação e apreensão. Bleuler nos ensina que

...a sensação nos mostra formas e cores em um quadro; a percepção, homens, animais e árvores a e
apreensão, uma caçada... (Bleuler, 1985)

De acordo com este ilustre psicopatologista, sensações se transformam em


percepções e em apreensões, níveis progressivamente mais complexos de integração da
informação sensorial, à medida que progridem “centripetamente” no sistema nervoso
central. Em outras palavras, a integração da informação sensorial se dá em decorrência do
fluxo de informação evoluir do córtex visual primário, onde são processadas inicialmente as
diversas modalidades de informação visual, separadamente, seguindo pelos córtices visuais
secundário e terciário, onde as informações visuais são integradas. Posteriormente, a
informação sensorial visual integra-se com informações de outras modalidades sensoriais, o
que ocorre no córtex associativo.

Podemos iniciar a descrição das alterações sensoperceptivas lembrando-nos das


hiperestesias e hiperalgesias, presentes em muitos quadros psicopatológicos, como as
depressões, além de na esquizofrenia. Muitos pacientes esquizofrênicos podem se queixar,
durante a fase prodrômica ou ao longo de todo o período crítico, de que os sons parecem
mais altos ou os cheiros mais intensos. Pacientes catatônicos podem exibir analgesia, que
pode ser absoluta e envolver todo o corpo.

Bleuler denominou as ilusões e as alucinações de “enganos dos sentidos”. Ilusões


são percepções reais, mas patologicamente transformadas, comuns nos quadros de Delirium.
Mais prevalentes na esquizofrenia e em outros transtornos mentais que cursam com
psicose são as alucinações.

Alucinações são consideradas “verdadeiras” quando preenchem alguns critérios.


Para este autor, a verdadeira alucinose acontece na ausência de estímulo sensorial externo, tem o
mesmo impacto de uma percepção real e é involuntária, espontânea e incontrolável. As alucinações mais
comumente presentes no atendimento ao paciente psiquiátrico são as auditivas.
Características clínicas das alucinações auditivas incluem clareza, familiaridade, número,
volume, conteúdo, localização espacial e variam de paciente para paciente.

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Alucinações verdadeiras são geradas primariamente no cérebro e na ausência de um
estímulo sensorial, ao contrário das ilusões, que consistem de distorções patológicas de
percepções sensoriais. Elas mobilizam emoções da mesma forma que o fariam percepções
reais e podem determinar respostas comportamentais decorrentes deste impacto
emocional. Por exemplo, ao ouvir uma alucinação do tipo voz de comando, ordenando que
agrida alguém, um indivíduo psicótico pode desenvolver um comportamento
heteroagressivo e, ao sofrer de alucinações de conteúdo difamatório e acusatório, um
paciente pode tentar suicídio.

Alucinações típicas de pacientes esquizofrênicos costumam conter conteúdo verbal,


em forma de palavras ou até mesmo de sentenças inteiras. Portanto, sua relação com
circuitos cerebrais associados à geração da linguagem parece lógico. De fato, quando
examinados através de ressonância magnética funcional, pacientes apresentando sintomas
alucinatórios podem apresentar ativação da área de Broca, relacionada, de maneira geral,
aos aspectos motores da linguagem.

Um conceito controverso em psiquiatria é o de pseudoalucinação. Parte desta


controvérsia deriva do fato de que este conceito tem evoluído e, consequentemente, sido
alterado ao longo do tempo, além de diferir entre os autores. No entanto, pelo menos em
um aspecto psicopatológico, diferentes psicopatologistas parecem concordar: o que
distingue uma alucinação verdadeira de uma pseudoalucinação é o grau de insight a respeito
da não realidade da experiência. Enquanto as alucinações são aceitas como vivências
perceptuais reais, as pseudoalucinações não. Isto possivelmente explica porque alguns
autores valorizam, na descrição da pseudoalucinação, o caráter dramático ou pueril, ou a
indiferença afetiva observados em alguns pacientes que as apresentam. A lógica desta
valorização residiria no fato de que, já que as experiências alucinatórias verdadeiras são, em
sua essência, assustadoras ou, no mínimo, invasivas; um indivíduo relatando alucinações e,
ao mesmo tempo, apresentando um tom afetivo predominantemente indiferente, pueril,
dramático ou extático, teria altas chances de estar apresentando experiências
pseudoalucinatórias. Contudo, este critério nem sempre é confiável, pois pacientes
esquizofrênicos crônicos podem “acostumar-se” às suas alucinações e já não reagirem
ostensivamente a elas.

Embora as alucinações mais comumente observadas nos transtornos mentais sejam


da modalidade auditiva, alucinações visuais, olfativas, somatossensoriais e gustativas
também podem acometer indivíduos sofrendo de problemas psiquiátricos.

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Bleuler e Kraepelin, ao discutirem as características clínicas das alucinações
auditivas, distinguiram duas classes destes fenômenos: as que são ouvidas “fora da cabeça”,
isto é, no espaço externo, e as que são ouvidas “dentro da cabeça” ou no espaço interno.
Recentes estudos fenomenológicos reafirmaram esta distinção, identificando três
dimensões independentes relacionadas às alucinações auditivas: complexidade de linguagem,
falsas atribuições e localização espacial. Embora estes fatores tenham sido confirmados por
avaliações dimensionais, não foi possível até o momento detectar diferenças clínicas ou
demográficas entre os pacientes com alucinações internas ou externas. No entanto, os
substratos neurais para a complexidade da linguagem e falsas atribuições foram
investigados experimentalmente em pacientes apresentando alucinações auditivas. Assim,
estudos de neuroimagem nestes pacientes demonstraram alterações estruturais e funcionais
em regiões envolvidas com a linguagem (córtex temporal e área de Broca) e atribuição
(cíngulo e córtex temporal esquerdo). Em contraste, áreas relacionadas à localização
espacial ainda não foram identificadas.

Conforme discutido acima, um dos aspectos mais marcantes das alucinações é sua
intensidade física similar à de uma percepção real e a sensação subjetiva de que é gerada no
meio externo. De fato, pacientes esquizofrênicos apresentando alucinações podem
apresentar ativação de áreas do córtex auditivo primário do hemisfério dominante
observada através de ressonância magnética funcional. Portanto, a ativação do córtex
auditivo poderia garantir a sensação subjetiva de um estímulo acústico verdadeiro.

Alucinações visuais são muito comuns em quadros orgânicos como o delirium. Nos
pacientes com delirium, elas costumam evoluir ao longo do transtorno, costumeiramente
sendo precedidos por pesadelos vívidos e ilusões. Também são características as
alucinações de insetos, serpentes e outros animais pequenos andando pelas paredes ou pelo
teto. Adicionalmente, podem acontecer de virem associadas a imagens assustadoras e
alucinações auditivas. Além do delirium, outras condições podem produzir alucinações
visuais, como a intoxicação ou a abstinência de algumas drogas.

Alucinações sinestésicas são frequentemente descritas na literatura como fenômenos


em que há associação de diferentes modalidades perceptuais. Assim, pacientes podem
apresentar alucinose visual seguida de um determinado estímulo sonoro ou, ao contrário,
frente a uma intensa estimulação visual, desenvolverem alucinações auditivas. Alucinações
visuais elementares caracterizam-se por alucinações incompletas ou não formadas,
envolvendo cores, flashes de luz, estrelas, pontos luminosos únicos ou em grupos e formas

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geométricas. A Síndrome de Charles Bonnet apresenta-se como alucinose visual vívida,
comumente em idosos acometidos de patologia oftálmica causando privação sensorial
severa. Outros tipos de alucinações visuais abrangem as alucinações autoscópicas, que se
caracterizam pela impressão puramente visual de ver o próprio corpo como se estivesse
refletido em um espelho; estas diferem da autoscopia, que seria definida como uma
experiência visual e somestésica de existência de uma separação do próprio corpo em duas
partes: a própria imagem é vista e sentida como um fantasma, não se comportando como
uma imagem especular, mas dotada de autonomia. A autoscopia negativa (ou assomatoscopia)
consiste de uma alucinação negativa em que o indivíduo não consegue perceber o próprio
corpo, seja olhando para ele diretamente ou por um espelho. Na autoscopia interna, o
indivíduo alucina que seus órgãos internos estão localizados no espaço extracorporal.

Alucinações somatossensoriais costumeiramente acompanham crises convulsivas e


podem ser descritas como cinestésicas ou cenestésicas. As primeiras são falsas percepções de
que partes imóveis do corpo estão se movendo e as últimas compreendem sensações
viscerais incomuns muitas vezes relatas por pacientes esquizofrênicos ou com depressão
psicótica. Exemplos são queixas de que o cérebro está derretendo ou de que é possível
sentir a urina passando pelos ureteres.

Alucinações olfativas podem acometer pacientes severamente deprimidos, que


podem se queixar de sentir odores fétidos emanados de seu próprio corpo. Esquizofrênicos
podem se queixar de que determinados cheiros são forçados a chegarem a seu encontro,
conferindo o já discutido caráter de passividade da experiência alucinatória. A Síndrome
olfatória de referência constitui-se da associação de uma falsa crença de que um determinado
odor alucinado pelo paciente é por ele emanado, causando comportamentos como
excessivo lavar de mãos, trocas de roupas e evitação de outras pessoas.

Alucinações gustativas são comumente associadas a lesões do lobo temporal e do


giro uncinado.

Bases fisiológicas das alucinações

Já abordamos anteriormente as origens de alucinações – e dos delírios – em termos


de uma falha em distinguir experiências produzidas por ações internas e por mudanças no
mundo externo, ao discutirmos o conceito de DC. Conforme também afirmado em alguns
parágrafos acima, uma diferença significativa entre o impacto mental de ações autogeradas
e de algo que aconteça fora do controle do indivíduo é que, no primeiro caso, é possível

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prever o que vai acontecer em seguida. Em consequência disso, tudo o que é previsível é
passível de ser facilmente ignorado. Tal estado de “ignorância” é conseguido através da
supressão de suas consequências sensoriais. Conceitualmente é simples entender que a
preparação para um ato motor abrange a predição de suas consequências através de
informação enviada ao córtex sensorial. Coisas imprevisíveis são difíceis de ignorar e isso é
evolutivamente importante, porque faz parte de nosso repertório cognitivo incorporá-las
como parte da atualização sensorial acerca do meio ambiente.

Tal modelo tem uma implicação muito clara: as consequências sensoriais de um ato
voluntário promovem menor atividade cerebral do que aqueles gerados por algo no meio
externo. Existem estudos demonstrando que a resposta eletrofisiológica a ouvir o próprio
discurso é menor do que a resposta eletrofisiológica a ouvir a fala de outra pessoa ou até
mesmo da própria voz distorcida. Portanto, alucinações auditivas podem ter sua origem a
partir da percepção inadequada do discurso interno (inner speech) do próprio indivíduo –
cujo cérebro não receberia as eferências adequadas para ignorá-lo, de forma que é
percebido como algo vindo de fora –; a experiência de ter alucinações auditivas deveria
estar associada a atividades em áreas relacionadas tanto à fala, incluindo o córtex auditivo.
De fato, portadores de esquizofrenia podem ter atenuação de sincronização da atividade
cerebral associada ao próprio discurso e isso parece predispor tais pacientes a apresentarem
alucinose auditiva.

Deste modo, seria razoável sugerir que, se a adequada neutralização de estímulos


sensoriais gerados quando da realização de um ato involuntário é dependente da
integridade da conectividade entre circuitos cerebrais, então deve existir algum tipo de
desconexão sensório-motora em cérebros de indivíduos portadores de esquizofrenia. Tal
desconexão sensório-motora atenuaria sistemas relacionados à previsão de consequências
sensoriais, levando a déficits na distinção entre estímulos gerados interna e externamente.

Conclusões

Este texto teve como objetivo reunir de forma sintética informações úteis e
atualizadas para profissionais envolvidos no atendimento de indivíduos portadores de
quadros psicóticos. Além de apresentar as clássicas descrições das alterações de
pensamento e da sensopercepção em diferentes subtipos, procura resumir as principais
teorias contemporâneas acerca da gênese de sintomas como delírios, experiências de
passividade, vivências de influência e alucinações em geral. Estas teorias poderiam ser

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descritas como hipóteses derivadas da neurociência cognitiva e da neurofisiologia, e
abrangem correntes teóricas como a cognição social, o estudo dos mecanismos de descarga
corolária e as proposições cognitivas de formação de crenças. Nenhuma delas é definitiva,
mas já se apresentam como promissoras “pontes” comunicando teorias psicológicas e
função cerebral, o que, sem dúvida é importante para a compreensão tanto dos quadros
patológicos que cursam com psicose quanto do funcionamento mental normal.

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