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Ensaio sobre a origem dos Resende/Sodré


Introdução

1 - Como diria o difamado senhor de La Palisse, existem coisas boas que provocam
efeitos colaterais perversos. Um exemplo de coisa boa é o revigorado interesse pelas
monografias genealógicas que, tendo encontrado um nicho de mercado viável, não
cessam de se multiplicar, despertando a curiosidade de quantos se interessam por estas
coisas. Um efeito colateral perverso é o ponto de partida de algumas dessas mesmas
monografias. Com efeito, se estas reproduzem, mais ou menos fielmente, mais ou
menos selectivamente, o que é possível “espremer” dos assentos paroquiais, notariais,
fontes publicadas, apontamentos diversos e genealogias manuscritas, aceitam
geralmente como premissa aquilo que outros escreveram sobre os genearcas a partir dos
quais desenvolvem as suas descendências.
Mas esse efeito perverso está na origem de outra corrente de pensamento alicerçado na
dúvida metódica. Com efeito, existem investigadores que se propuseram como missão
averiguar a fiabilidade histórica e a consistência de quanto se tem escrito sobre esses
mesmos genearcas, a partir dos quais se deduzem as supracitadas descendências.
Sendo, como é, um labor minucioso de crítica histórica, o trabalho destes revisores, ao
colidir com “verdades de fé revelada”, sujeita-se naturalmente a afrontar o
genealogicamente correcto, logo a incomodar. E, ainda por cima, na microscópica
limitação do seu “campo cirúrgico”, não dará nunca azo a fulgurantes lançamentos, nem
a ditirambicas parangonas. Mas, não tendo como objectivo acariciar a auto-estima
pessoal ou de cenáculos, é um trabalho que deve ser feito, contra ventos e marés.
Estamos em crer que, nesta fase da historiografia, não é admissível limitarmo-nos
contornar a realidade histórica de um genearca, envolvendo-a numa teia de citações que
lhe emprestariam uma alegada credibilidade sustentada em terceiras pessoas. A crítica
histórica, tal como tem evoluído no meio académico, procura, tanto quanto possível,
estribar-se em “ tal como parecem apontar as seguintes fontes” de preferência a citar o
que escreveram sicrano e beltrano. Até porque sicrano poderá ter visto mal, e beltrano
não passar de um copista.
O exemplo dos Sodré constitui, mais uma vez, um exemplo de “ puzzle genealógico”,
transparentemente mal montado, e sobre o qual, até ao ano em que estamos a escrever,
linhagistas e eruditos têm vindo a citar recorrentemente o mesmo novelo enrolado,
embora alguns destes intimidem pela audácia ao escrever coisas deste jaez:<< como até
agora se acreditou, aceitando sem crítica as informações de certos autores.>> A
historiografia, devidamente interiorizada, força-nos à humildade de conhecer pouco
mais do que a extensão do que ignoramos.
Não se trata, aliás, de uma posição nova. Já os genealogistas quinhentistas e seiscentistas, ao
contrário dos seus sucessores, tinham o máximo cuidado em aterem-se ao que era certo. Nas
palavras de Manuel Botelho Ribeiroi, «em cousas pouco certas o mais certo é não lhe dar
certeza».

Mas a Genealogia não pode, também, limitar-se ao factual, sob o risco de se afastar da realidade
que quer tratar. Quando falta a documentação taxativa e irrecusável, é necessário ter a audácia
suficiente para propor soluções aceitáveis, alicerçadas em indícios seguros e suspeitas
fundamentadas, que assim se transformam em novas pistas de investigação e, sobretudo, têm o
mérito de servir de alternativa consistente aos mitos genealógicos, constantemente repetidos. Na
certeza, porém, de que se trata de hipóteses, que como tal devem ser entendidas até que
possam ser confirmadas ou infirmadas.
2

Foi isso que tentamos fazer neste ensaio sobre a origem dos Resende/Sodré, que encontrámos
solidamente plantados em Santarém desde os alvores do século XV. A sua proposta
reconstituição foi toda feita a “cavalo nas fontes”, estribando-se na documentação, já o
respectivo entronque num ramo de Resende, constitui um exercício do possível, que aguarda o
selo do Arquivo.

O insustentável estado das coisas

Para o relançamento da questão da origem dos Sodré, já obliquamente aflorada por


autores mais antigos, contribuiu a publicação de trabalhos de Sérgio Sodré de Castro
1
.Este autor, baseou-se inicialmente, ao menos no que respeita ao “entronque inglês,”
nas Genealogias Manuscritas da Torre do Tombo, 2 e na Colecção Pombalina da
B.N.L. bebidas em José Freire de Montarroio (1743), 3 cuja versão foi confessadamente
copiada por MANSO DE LIMA4. Retomava assim tradições genealógicas que
deduziam, sem pestanejar, os modestos Sodré portugueses a partir de vetustos barões
anglo-saxónicos e, a partir daí, - embora tendo o cuidado de tentar com paginar o
conteúdo dessas fontes com o Burke’s Peerage & Baronetage,- 5 aceitava ligações que
remontavam a origens quase imemoriais, aos nublados heróis das sagas nórdicas, como
Rolf, o vicking.

É certo que esta ligação aos “Sudley”, ou “Sudeley” britânicos, (ou “Soudray”, ainda de
acordo com outros autores) apresentados como tronco original dos Sodré portugueses,
era tradicional na genealogia lusitana, encontrando-se tão bem, ou tão mal documentada
em fontes primárias, como a maioria das famílias estrangeiras índigenadas na centúria
de Quatrocentos, e como tal tinha vindo a ser referida por numerosas genealogias
manuscritas.
E assim permaneceria se, nos nossos dias, se esse “entronque”, e todas as questões
decorrentes, não tivesse sido ressuscitado com a publicação dos supracitados trabalhos
que inicialmente retomavam a versão tradicional dos genealógicos, procurando
compatibiliza-la, na medida do possível, com a ascendência dos Sudley ingleses 6

1
A Linhagem de Vasco da Gama (subsídios), edições Universidade Livre, Lisboa: 1986.
2
IAN/TT., Genealogias Manuscritas, 21 E 25, pp. 209-301 (PEIXOTO – Nobiliário).
3
<< (…) vimos os papeis e memórias que conservaram alguns ramos da mesma família e depois os
livros dos Reys de Armas de Inglaterra (!?) e de tudo formaremos este Tratado >> De Acordo com Sérgio
Sodré de Castro este autor teria visto o tomo I, p. 428 da obra “The Baronetage of England”, de William
DRUGDALE (Norroy Rei de Armas) morto em 1686, (CASTRO, Sérgio Sodré de, “Da Origem do
apelido Sodré” in Armas e Troféus, VI Série, Tomo I – Janeiro – Dezembro – n.º 1, 2 e 3, 1987-1988).
4
MANSO DE LIMA, Famílias de Portugal, tomo III, B.N.L, reservados, cod. 1301, fls. 23-24.
5
Burke’s Peerage & Baronetage, 105 ed., Glasgow, Burke´s Peerage (Genealogical Books) Ltd., 1980, p.
2575.(citado por CASTRO, Sérgio Sodré de, em A Linhagem de Vasco da Gama (subsídios), edições
Universidade Livre, Lisboa: 1986.). A respeito deste entronque, e da similitude que encontrou entre as
fontes portuguesas e a publicação britânica, escreveu Sodré de Castro a p. 31 da obra em apreço << O
Burke´s Peerage & Baronetage teve a sua primeira edição em 1826 e repare-se que, sendo pelo menos
um século e meio posterior a Peixoto, coincide com este em toda a sequência de nomes apresentados no
apelido Sudeley (Ralph, Harold, John, Ralph), julgo ficar assim comprovado o valor das antigas
memórias usadas por Peixoto, como sendo o resultado de antigos testemunhos que não foram inventados
>>.
6
A varonia destes titulares ter-se-ia extinguido em 1475, (como refere CASTRO, Sérgio Sodré de, que
remete para o já referido Burke’s Peerage and Baronetage, 105, ed Glasgow Burke’s Peerage
(Genealogical Books) Ltd, 1980, p. 2575).
3

Com a devida vénia a um pioneiro como Sodré de Castro, a questão não se coloca
exactamente nos termos em que ele a formulou inicialmente << julgo ficar assim
comprovado o valor das antigas memórias usadas por Peixoto, como sendo o resultado
de antigos testemunhos que não foram inventados >>. Pelo menos no atinente a Freire
Montarroio não nos restam dúvidas de que terá consultado tratadistas e genealógicos
ingleses com o intuito de tentar compatibilizar os Sudley com os Sodré portugueses.
Ignoramos se, de facto, se terá deslocado pessoalmente à Grã-bretanha para compulsar
os livros dos respectivos reis d’armas. Trata-se de uma questão que somente um
conhecimento mais aprofundado da sua biografia permitirá esclarecer. Aquilo que,
seguidamente procurámos esclarecer foi o modo como o “enxerto” dos Sodré nos
Sudley foi praticado por Montarroio, “enxerto” esse, cuja fundamentação teria que ser
comprovada também em fontes portuguesas.
Uma vez que documentaremos a “tradição” do entronque inglês, pelo menos a partir do
final do reinado de D. João II, para já em relação a dois ramos afastados da família, Frei
Duarte Sodré, depois de 1500, e Diogo Vaz Sodré, alegamente ainda durante o reinado
de D. João II, e que, tanto quanto alcançámos, parece existir um hiato de cerca de dois
séculos até que Freire Montarroio se tenha proposto reconstituir os Sudley ingleses e
“estabelecer” o modo como deles descenderiam os Sodré portugueses, alguém lhe deve
ter pedido esse trabalho de objectivar uma tradição vaga, que apenas a heráldica parecia
sustentar. Com efeito todos teremos presente que os linhagistas portugueses foram
prolíficos no “estudo” de linhagens de “origem estrangeira” como os Carneiro, os
Nápoles ou os Alpoim, para citar apenas algumas.
Montarroio desempenhou a sua tarefa mas, o modo como deduziu esse entronque, não
se parece coadunar com o conteúdo das fontes a que recorreremos neste ensaio.
Se todos os autores tivessem a probidade de Manso de Lima seria mais fácil entender
algumas das origens dos mitos genealógicos que são, invariavelmente, esclarecedores.
O microfilme do seu original encontra-se efectivamente nos Reservados da B.N.L.7 com
a tinta trespassada, salpicado de manchas e um pouco trôpego nos topónimos ingleses
rasurados.
Afinal a “toca” de onde parecem ter saído as maravilhosas viagens no tempo de muitos
copistas furtivos.
Só que Manso de Lima, que apenas dá início aos Sodré de Portugal num § 8 de Sudley
ingleses, adverte o leitor << D. Luís Lobo foi o primeiro genealógico que tratou dos
progenitores dos senhores de Águas Belas…com muita falta de circunstâncias…depois
escreveu o cónego de Évora, Dr. Francisco de Meneses e José de Azevedo e
Vasconcelos. (…) José Freire de Montarroio, depois de haver conferido tudo o que
escreveram esses autores, examinou os documentos e arquivos, viu papéis e memórias
que conservam alguns ramos dessa família, e depois os livros dos reis de Armas de
Inglaterra e os nobiliários das famílias do mesmo reino (sic)>> e de tudo isto compôs
este título << que dele copiamos>>.
E, efectivamente, está lá tudo o que Sodré de Castro viria a retomar no seu primeiro
artigo sobre a origem dos Sodré portugueses 8, desde um Rafael (que Sodré de Castro
escereve Ralf, como se encontra no Burke’s), que viveu pelos anos 975, no reinado de
Eduardo o Confessor, até um Bartolomeu Sudley9 que teve um filho que << passou a
Portugal com o conde de Cambridge, depois duque de York, e que era filho terceiro de
de Eduardo, rei de Inglaterra10, que passou a este reino em uma armada que veio em

7
B.N.L. Cód. 1301, F 5420, letra S.
8
A Linhagem de Vasco da Gama (subsídios), edições Universidade Livre, Lisboa: 1986
9
N.º 9 do § 2 do título que Manso de Lima confessa ter copiado de Freire Montarroio.
10
A personagem está estudada, bem como as circunstâncias da sua estadia em Portugal
4

Socorro do rei D. Fernando contra Castela, estabelecendo-se em Portugal, onde casou e


foi progenitor da família. Teve de sua mulher, cujo nome ignoramos..>>
Deixamos aos britânicos a tarefa de espiolharem a ascendência e descendência de um
Harold, que terá fixado residência em Sudley e terá fundado um mosteiro beneditino em
(Ewyas ?) de que descenderão os primeiros governadores do castelo de Hereford. O que
verdadeiramente nos interessa é o que escreveu Manso de Lima sobre o alegado filho de
um Bartolomeu Sudley que terá chegado a Portugal com o bem conhecido conde de
Cambridge, fixado residência em Portugal, onde casou com uma senhora que Manso de
Lima, e consequentemente Freire Montarroio, desconheciam.
Escreveu esclarecedoramente o primeiro destes autores 11 << mossem Frederico Sudley,
filho 1.ª de Frederico Sudley ( ou seria do Bartolomeu e da senhora incógnita?) foi
chamado em Portugal com a pequena corrupção de Fernão. E, para que não restassem
dúvidas sobre a personagem a que se referia, acrescentou sobre este Fernão <<teve o
foro de cavaleiro (sic) da Casa Real com 200 libras de moradia que lograva no ano de
1414 por mercê de D. João I cujo consta do livro de matrícula dos moradores da sua
casa.12 Montarroio começava mal, e Manso de Lima seguia na sua esteira, ao
designaram por cavaleiro o escudeiro da casa de D. João I chamado Fernão Sodré que
em 1414 lograva 200 libras, Sodré de Castro mais não fez do que lhes dar crédito
inicial.
Manso de Lima, que registou o Fernão Sodré escudeiro de D. João I em 1414, sem
qualquer referência à alfândega de Lisboa, sob o n.º 18 do já citado § 8 (correspondendo
á continuação de 17 Sudley ingleses precedentes) salta inopinadamente para a (sua?)
descendência do seguinte modo:
21. João Sodré, que segue.
22 Estêvão Sodré
23 Gil Sodré

21 João Sodré, filho de Frederico/Fernão, serviu o (manchado) de Valença, filho do 1.º


duque de Bragança cinco anos. Viveu depois na cidade de Bragança, sendo esta ainda
vila, e ali parece que alcançou os reinados de D. Afonso V e D. João II. Comprou o
senhorio do lugar de Sam-Ceriz13 com a sua jurisdição, foros e direitos e o padroado da
igreja de S. João da Fieira. Acrescenta Manso de Lima que esta compra terá sido
efectuada em 24 de Março de 1444, encontrando-se nas notas de Martim Gonçalves,
tabelião público em Coimbra. Teria casado com D. Francisca da Silva, viúva de Álvaro
Pinheiro Lobo, e filha de um João de Sousa, de quem teria tido:
2414Diogo Sodré, sucessor no senhorio de Sam-Ceriz e padroado de S. João da Fieira ao
qual D. Afonso V mandou dar (1?) 800 reais, ao qual teria sucedido
26 Fradique Sodré, nome que recebera em memória de seu terceiro avô (sic) que
vendeu o senhorio de Sam-Ceriz a Afonso Supico, moço de câmara de D. João III,
casou em Santarém, e foi pai de:
27 Duarte Sodré, que segue
28 Antão Sodré, que segue no § 8(sic)
29 Manuel Sodré, serviu na Índia
30 Maria Sodré, que segue no § 9
31 Clara Sodré a quem seu irmão Duarte Sodré deixou encomendados os filhos no seu
testamento
11
N.º 18 do § 8.º do título de Sodré do supracitado códice
12
Ver o n.º 1.2.2. da proposta supra de reconstituição genealógica da origem dos Resende/Sodré
13
Extinta vila e freguesia que ficava próximo de Bragança (PINHO LEAL, Portugal Antigo e Moderno,
vol.VIII, p.377)
14
Seguindo a numeração do Códice
5

27 Duarte Sodré, filho de Fradique, alcançou os reinados de D. João II e D. Manuel I.


Foi Comendador da Cardiga na Ordem de Cristo e de Santa Ovaia do Juncal, nomeado
em tempo de D. Afonso V alcaide-mor das vilas de Ceia e Gouveia e da vila de Tomar,
a qual logrou em 1474. (Instituiu) o morgado dos Reguengos da Tojosa e Alviela, na
comarca de Santarém. No seu testamento, feito em Montemor-o-Novo em 1496, nomeia
testamenteiro o seu irmão Antão Sodré, nomeia 1,º administrador do morgado o seu
filho Francisco Sodré e recomenda a sua irmã Clara Sodré o cuidado de seus filhos.

Registe-se que, de acordo com Montarroio, copiado por Manso de Lima, Frederico
Sodré, senhor de Sam-Ceriz, na remota Bragança, vendeu o senhorio transmontano e
veio casar a Santarém onde nasceram (efectivamente), entre outros, o bem conhecido
Frei Duarte Sodré e seu irmão Antão Sodré.
Dispensamos mais explicações: fica esclarecido onde foi colhida a notícia do Thesouro
da Nobreza, que dá a Frei Duarte Sodré, por pai, o evanescente Fradique Sodré. Quem
beneficiava desta varonia senhorial, condal e imemorial? É óbvio que os senhores de
Águas Belas, os mais notórios descendentes de Duarte Sodré e de seu filho e sucessor
Francisco. Se não encomendaram a pesquisa de Montarroio devem ter ficado
agradecidos. Mas lá iremos, a seu tempo, desvendar quem foram os verdadeiros
progenitores de Frei Duarte Sodré e seus irmãos.

Regressemos à saga dos Sudley, condes de Hereford. A “narrativa” da sua


verdadeiramente deslumbrante e grandiosa, viagem no tempo teve o condão de irritar o
marquês de Abrantes, o que até certo ponto se compreende.
Sobretudo tendo presente que a profundíssima capilaridade social iniciada em meados
do século XVIII, o desmoronamento da sociedade do Antigo Regime, a ascensão (e
queda) da burguesia nobilitada durante o cabralismo, e a vertiginosa aceleração do
tempo histórico de ascensão social em sociedades que formalmente - embora contra
todas as evidências - continuam a reclamar-se de igualitárias, tenham feito esquecer
algumas realidades importantes para o investigador.
E uma dessas realidades, que são objectivas e evidentes para quem se debruça sobre
estas questões, foi sintetizada pelo próprio marquês de Abrantes:
<< Paralelamente seria bom que se compreendesse de uma vez por todas que o fosso
que se abria nos séculos XV e XVII entre um escudeiro nobre e um burguês, era bem
menor do que o que separava aquele primeiro de um “Grande” do Reino>> 15 .

Era veemente o texto do saudoso marquês de Abrantes , mas as informações, e opiniões,


que D. Luís adiantava constituíram, na época, uma “pedrada no charco”, e justifica-se
que sejam reproduzidas aqui:
<< Abrimos aqui um breve parêntesis para trazer alguma luz sobre a origem dos
Sodrés, cujo nome se perpetuou no cais de Lisboa com tal designação mas sobre os
quais não só pouco se sabe como há quem tenha confundido ainda mais as coisas,
dando ouvidos a lendas sem a menor verosimilhança. E assim foi que se viu
recentemente aqueles remotos Sodrés quatrocentistas promovidos a parentes dos
britânicos condes de Sudley, linhagem tão ilustre que chegava a ter bastantes laços de
consanguinidade com os soberanos “Plantagenetas”. E teriam sido tão grandes
fidalgos enviados por Henrique III a Portugal, a fim de satisfazer um pedido do
cunhado D. João I, querendo este organizar, ou reorganizar, a alfândega de Lisboa. E
15
Távora, D. Luís de Lencastre e , - “Sociologia portuguesa dos séculos XV e XVI, o Caso Excepcional
da Ascensão Nobiliárquica de Vasco da Gama”, in Armas e Troféus, VI série, tomo V, 1993, pp. 48-49.
6

Henrique III escolhera os manos Sodrés por eles lá na nebulosa Albion serem oficiais
das alfândegas do Tamisa (!) .
Pessoalmente, também nós leramos algures que os dois Sodrés, cujo nome se grafaria
originalmente Soudray,16 teriam passado ao nosso país com o destino referido, mas
enviados por John de Gande e vindos da Flandres. Mas nessa genealogia que havíamos
observado não havia a menor alusão a Condes de Sudley ou similares : os tais Soudray
seriam meros oficiais das alfândegas e bons conhecedores dessas funções, estando só aí
a razão da sua escolha.
Diz-nos porém a nossa Consócia Ex.ma Senhora D. Teresa Schedel de Castelo-Branco
que nas suas investigações sobre a vida nos conventos femininos portugueses durante a
Idade-Média, descobriu uma freira a denominar-se precisamente Sodré, no derradeiro
quartel do século XIV, o que virá anular as teorias então avançadas dado não ser
possível que em 1380 – ano em que se encontra a monja de apelido Sodré – já D. João I
–que só ascenderia ao trono 5 anos mais tarde – pedisse a um sogro que o não era,
especialistas para exercer funções num campo com o qual ele nada tinha a ver.
Seja como for, no entanto, possuímos provas documentais de que os irmãos Sodrés
trabalharam na alfândega de Lisboa numa época anterior a 27 de Agosto de 1437 -
dado que o rei D. Duarte emitiu nessa data uma carta a fim de pagar o dote de D.
Aldonça de Meneses, pagamento que se efectuou com base em propriedades
confiscadas a Fernão Sodré e a outros oficiais da alfândega de Lisboa por se haver
descoberto haverem-se eles locupletado com muitos valores com muitos valores
subtraídos à Fazenda Real 17>> .
Efectivamente a descoberta de uma monja de apelido Sodré no derradeiro quartel do
século XV, recuava ligeiramente a cronologia que, entretanto, havíamos estabelecido
para os primeiros membros desta família documentados em Portugal.
Contactamos pessoalmente a Senhora D. Teresa de Castelo-Branco que amavelmente
confirmou a informação, embora não tivesse conseguido localizar uma nota tomada há
muito tempo. Tratando-se de uma autora que merece todo crédito, e não apenas pelo
rigor da sua obra publicada, damos como facto adquirido a existência, em finais de
Trezentos, de uma religiosa que usava já o apelido Sodré
Revisitamos os trabalhos publicados por Sérgio Sodré de Castro que tinham um mérito
duplo: lançar pela primeira vez o debate público sobre a origem dos Sodré portugueses
e, posteriormente, ir revendo em novos trabalhos algumas das posições assumidas no
seu primeiro estudo, ainda muito cingido a genealogias manuscritas, e cujo conteúdo
tivera o condão de “irritar” o nobre Marquês, levando-o a reagir tempestivamente, como
acabamos de ver.
Nada disto seria particularmente grave se não tivesse contaminado a ascendência de
Vasco da Gama, Vicente Sodré e Brás Sodré, personagem que pertencem à história de
Portugal, através de versões bebidas nas mesmas “fontes” 18 por Luciano Cordeiro, e
16
Os primeiros diplomas que citamos referem já inequivocamente Sodree.
17
TÁVORA, D. Luís de Lencastre e, - << O caso excepcional da ascensão nobiliárquica de Vasco da
Gama>> in Armas e Troféus,, Lisboa: 1993, VI Série – Tomo V, Janeiro-Dezembro – n.º 1,2 e 3, p. 48 O
diploma citado, que se conservava no arquivo da Casa de Abrantes, encontra-se actualmente depositado
no IANTT. Fernão Sodré foi escrivão da alfândega de Lisboa, mas foi acusado de ter cometido vários
roubos, motivo pelo qual o rei D. Duarte o mandou prender e confiscar-lhe os bens, entre os quais metade
de uma quinta << acerca desta cidade de lixboa Jmmto com o Resio de samta barbora>> ( IAN/TT.,
Chanc. D. Afonso V, liv. 1, fl. 78). Citada por MARQUES, João M. da Silva, Descobrimentos
Portugueses, vol. I, Lisboa: 1944, suplemento ao vol. I, p. 57, referido por CASTRO, Sérgio Sodré de,
“Da Origem do apelido Sodré” in Armas e Troféus, VI Série, Tomo I – Janeiro – Dezembro – n.º 1, 2 e 3,
1987-1988, p. 134).
18
CORDEIRO, Luciano, Os primeiros Gamas, Lisboa, Secção Editorial da Companhia Nacional Editora,
1898, IX, pp. 107-115
7

mais recentemente, por Correia Alves numa dissertação de Mestrado que foi dada à
estampa com um prefácio de Humberto Baquero Moreno, curiosamente o primeiro
historiador a chamar a atenção para os Resende de Santarém19.
Á face destas “confusões” quase parece irrelevante que os senhores de Águas Belas
tenham escamoteado a sua honrada varonia em benefício de uma casa dos Sodrea,
sublinhando a sua (admissível) ligação a esses grandes e vetustos barões ingleses.
E ainda seria menos relevante que linhagistas açorianos tivessem enrolado ainda mais
este “novelo genealógico” envolvendo-o nas sempiternas citações que escurecem a
origem desta família, a propósito de Vasco Gil Sodré, genearca dos deste apelido na ilha
da Graciosa.
Com efeito, cerca de uma década depois da publicação dos comentários de D. Luís de
Lencastre e Távora, Sérgio Sodré de Castro viria a tornar público um seu novo estudo
sobre a mesma questão 20 que recorria já a um leque de fontes mais alargado.
Nesse trabalho, e na sequência da correcção que já havia efectuado em o “Brasão de
Sodré-Chefe” este autor não referia já o contexto das guerras fernandinas como
“cenário” da passagem dos deste apelido a Portugal, optando pela referência – quanto a
nós mais ajustadamente alargada ao << contexto das contingências da aliança com
Inglaterra >> 21.
Mas reafirmava a ascendência inglesa, embora redireccionando-a para o entronque num
casal britânico, que referia como William le Botellier e Joane Sudley, casados cerca de
1341. E prosseguia: <<Os Sodrés portugueses terão conservado o sobrenome feminino
(aportuguesado) e o brasão do lado feminino. Esta persiste como a única explicação
documentada para a origem do nome e armas, outras hipóteses nem chegam a sê-lo por
carecerem em absoluto, até ao momento, de base documental publicável. A cronologia
também demonstra uma continuidade no uso das armas e no estatuto social que arreda
qualquer hipótese de efabulação>>.
Não afastamos a hipótese de que o linhagista brasileiro Francisco António Dória,
(citando por MENDES e FORJAZ) tenha ido “beber” em Sodré de Castro a notícia pela
qual << assevera que Vasco Gil Sodré (tronco dos Sodré da ilha Graciosa) e seu irmão
Diogo Sodré, este tronco dos Sodré Pereira de Portugal e do Brasil, eram filhos do ( já
referido, datado e entroncado) João Sodré, netos de outro (o que se verifica ser êrro)
João Sodré (John de Sudeley) e segundos netos paternos de William le Botelllier (n. em
1330) e de Joan de Sudeley, sendo esta 7.ª neta em varonia de Ralph, conde de
Hereford, no tempo de Eduardo, o Confessor, e tronco dos Sudeley ou Sudeley>>. Esta,
pelo menos, versão referida por MENDES e FORJAZ 22 como pertencendo ao professor
de matemática e estudioso das ascendências António Dória, que, se as leu (como parece
provável) não terá levado em conta as correcções entretanto introduzidas pelo mesmo
Sodré de Castro á genealogia deduzida por Montarroio e copiada por Manso de Lima..
19
ALVES, Ivone Correia, GAMAS E CONDES DA VIDIGUEIRA, percursos e genealogias,(prefácio de
Umberto Baquero Moreno) Lisboa, Edições Colibri, Instituto de Cultura Ibero-Atlântica, 2001
20
CASTRO, Sérgio Sodré de, <<Ligações Familiares de Vasco da Gama Pelo Lado Materno>> in Armas
e Troféus, Lisboa: 2002/2003, pp. 453-465.
21
CASTRO, idem,
22
<<…mas é com este John Le Botiler que as nossas genealogias antigas e modernas, errando ou
acertando nas genealogias acima desdobradas, identificam o “português “João Sodré (Jonh Sudley ou
Sudeley) acontiado por D. João I e que teria vindo para o nosso país quando o rei português casou com D.
Filipa de Lencastre. Nenhuma dessas genealogias diz com quem ele teria casado, mas dão-no como pai de
um Diogo Sodré, e de Vasco Gil Sodré, o povoador da Graciosa.....recorde-se que de Diogo Sodré nasceu
Fradique Sodré e deste, Duarte Sodré, vedor da Fazenda Real e alcaide-mor de Tomar, casado com
Catarina Nunes, pais de Francisco Sodré, 1.º senhor de Águas Belas Jure uxore (MENDES, António de
Ornelas e Forjaz, Jorge,- Genealogias da ilha Terceira, Dislivro Histórica, Lisboa: 2007, vol IX, p. 2002,
notas 19 e 20).
8

Já atrás tivemos ensejo de manifestar o nosso cepticismo em relação à genealogia


(entretanto reformulada) proposta por Sodré de Castro, e publicada no seu trabalho de
1986. E também, que considerávamos o “entronque inglês”, tal como era proposto, uma
das muitas ascendências míticas que genealogistas tardo-seiscentistas e setecentistas
divulgaram com insuficiente espírito crítico.
Hoje não perfilhamos exactamente essa posição e somos levados a admitir que a
“tradição” da origem inglesa da linhagem remonta, como dissemos, pelo menos aos
finais do século XV, embora nada nos permita confirmar esse entronque inglês nos
termos em que tem sido reiteradamente apresentado, e contestado.
Desde logo alguns especialistas da heráldica apontam singularidades, pouco frequentes
nas regras da armaria portuguesa coeva, mas que se encontram presentes no brasão dos
Sodré portugueses.
Como observou, por exemplo, METELO DE SEIXAS 23, << Quanto à heráldica da
família Sodré, está já presente nos referidos armoriais manuelinos 24: de azul, uma asna
de prata carregada de três estrelas de seis raios de vermelho e acompanhada de três
taças do segundo. Estas armas retomariam a heráldica inglesa da família Botiler 25, tal
como constam da lápide sepulcral de Sir John Botiler : de Azul, três taças de Ouro 26.
Note-se que um dos ramos da família Botiler, com sede no Lencashire, usou como
diferença uma asna de prata, e que um dos membros deste ramo carregou, ainda, esta
asna com três moletas de vermelho ; o que torna as armas deste ramo inglês
praticamente iguais às dos Sodrés. Esta semelhança, deve-se frisar, não pode, só por si,
levar à conclusão de que os Sodrés portugueses efectivamente entronquem nos Sudley
ingleses (como afirma a quase totalidade dos genealogistas que se ocuparam desta
linhagem); mas apenas permitirá concluir que, à data da constituição das armas dos
Sodrés, já existia a ideia dessa ligação genealógica, que a heráldica vinha tornar
visível>>
Compartilhamos a prudência oportunamente demonstrada por Metelo de Seixas 27, e
tomamos boa nota de que Sérgio Sodré de Castro abandonou pelo caminho a
descendência por linha direita varonil de um Frederico Sudley que – como
expressamente refere este último autor- é << figura de que não encontro
documentação indiscutível, pelo que pararia aqui a investigação genealógica >>
redireccionando-a embora para o supracitado casal William Le Botellier e Joane
Sudley, alegadamente “descoberto”.pelo brasileiro Francisco António Dória.
Em boa verdade também nós não conseguimos documentar em fontes primárias nenhum
Frederico Sodré, que apenas figura nas genealogias manuscritas, algumas das quais
citadas por LUCIANO CORDEIRO e, mais recentemente, por MENDES e FORJAZ,
que aparentemente não repararam na supracitada passagem de Manso de Lima
(copiando confessadamente Montarroio) se refere que o nome de Fernão Sodré,
documentadamente escudeiro de D. João I em 1414, resulta de uma pequena corruptela
de Frederico ou, mais pomposamente, Fradique.

23
SEIXAS, Miguel Metelo de, e OLIVEIRA, Duarte Nuno de, < <As armas de D. Vasco da Gama e os
acrescentamentos honrosos na heráldica portuguesa dos séculos XV e XVI>>, in Tabardo, Centro
Lusíada de Estudos Genealógicos e Heráldicos, Universidade Lusíada –Livraria Bizantina, Lisboa, 2002,
p. 34.
24
Livro do Armeiro-Mor e Livro da Nobreza e Perfeiçam das Armas.
25
Estirpe a partir da qual alguns autores parecem deduzir a família portuguesa BOTELHEIRO.,
BOTELHIM ou BOTELHUDO à qual atribuem armas vagamente similares ás dos Sodré.
26
CASTRO, Sérgio Sodré de ,<< O Brasão de Sodré-chefe >>, separata de Armas e Trofeus, Lisboa,
Instituto Português de Heráldica, 1991, p. 135.
27
Provável fonte da nota 20 da nota supracitada. (MENDES, António de Ornelas e Forjaz, Jorge,-
Genealogias da ilha Terceira…, vol IX, p. 2002, ).
9

Louvamo-nos na correcção de trajectória efectuada por Sodré de Castro, que é de


sublinhar e aplaudir, e ao longo deste trabalho, teremos ensejo de confirmar que essa
tradição da origem inglesa dos Sodré se encontra bem patente na lápide sepulcral de
Frei Duarte Sodré, falecido em 150028 bem como inquirição que terá precedido a Carta
de Brasão de Armas que, em 21 de Março de 1503, 29, terá sido passada a Diogo Vaz
Sodré, filho do povoador da ilha Graciosa Vasco Gil Sodré.

Barbos, bogas e sabogas do rio Tejo, assim se apaga uma ascendência


Acima tivemos ensejo de constatar o modo como Montarroio (copiado por Manso de
Lima) faz deslizar uns (efémeros?) senhores de Sam-Ceriz até um Fradique Sodré que,
muito oportunamente, teria vindo casar a Santarém transmitindo a Frei Duarte Sodré
uma varonia imemorial.
A lousa sepulcral deste Frei Duarte Sodré, ostentando o brasão Sodré-chefe, mais não
faz que ocultar a sua filiação no procurador e contador régio escalabitano Gil Pires de
Resende30 e em sua mulher Inês Sodré31 Continuando na, sempre proveitosa,
companhia de uma historiadora parece admissível que tenha sido o filho herdeiro deste
Frei Duarte , progenitor dos Sodré Pereira, senhores de Águas Belas a “apagar” a
varonia Resende da sua família. A casa da rua do Gaião foi efectivamente legada àquele
que, como tivemos ensejo de ver, foi o secundogénito de Frei Duarte, Francisco Sodré.
Era uma casa grande, com um quintal de árvores e laranjeiras 32, que não deslustrava os
avós desse Francisco Sodré, uma vez que BEIRANTE considerava que…nobres nesse
tempo eram, por exemplo, João de Sousa (instituidor da capela de S. Sebastião no
mosteiro de S. Francisco), Fernão Teles de Meneses e sua mulher D. Maria de Vilhena
(com casa apalaçada junto da barbacã) e Duarte Sodré, cavaleiro, curador (sic) da
casa del Rei e alcaide de Tomar e Ceras ( que tinha uma casa patrimonial fora de
portas, à calçada do Guião)33.
O problema, para o progenitor desses Sodré-Pereira, residia, se estamos correctos, não
tanto no avô contador-régio, já documentado como residente em Santarém em 1435 34,
mas no bisavô homónimo, aliás vassalo régio, que morrera antes de 9 de Setembro de
1454, data em que, por sua morte, foi substituído na administração da capela da igreja
de Santa Iria na vila de Santarém que, tudo o parece indicar, seria o mesmo Gil Pires
vassalo do rei, que D. Afonso V nomeou em 20 de Dezembro de 1441, sendo então

28
Como é evidente não podemos garantir que a lousa tumular em apreço foi esculpida nesse ano, e a
inscrição nela lavrada deverá ser da autoria de seus herdeiros, pormenor quase sempre relevante …
29
Referida na C.B.A. de Bartolomeu Cordeiro, bisneto de Diogo Vaz Sodré, 1619.09.23. (Cartas de
Brasão de Armas – colectânea - Guarda-Mor, Lisboa: 2003, pp.83-84.
30
<<Ao pé da calçada do Gaião, certamente na sua extremidade inferior, ficava uma casa senhorial que
pertencia a Duarte Sodré, alcaide-mor das vilas de Tomar e Ceras (sic), cavaleiro professo da Ordem de
Cristo, Comendador da Cardiga e criado de D. Manuel I. Herdara essa casa de seus pais. O Tesouro da
Nobreza (vol. I, fl. 26v) diz-nos que seu pai foi Fradique Sodré, natural de Inglaterra, notícia que não
parece ser correcta. Um documento do cartório de Santa Clara (de Santarém) afirma ter sido Gil Pires
de Resende, freguês de Santa Cruz da Ribeira (em Santarém), (citando Cla. M.S., doc. 453), que noutros
documentos aparece como procurador régio e contador (citando AIN/TT., Gav.X, maço 10, doc. 1).
BEIRANTE, Maria Ângela V. da Rocha, Santarém Medieval, Lisboa, Universidade Nova de Lisboa,
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, (1.ª ed) , 1980, p. 148. Ver 1.1.1.2. da proposta supra de
reconstituição genealógica da origem dos Resende/Sodré
31
<< A mulher de Gil Peres, ou Pires de Resende, foi Inês Sodré (citando Bens de D. Afonso V, fl. 52v)
BEIRANTE, Maria Ângela, Santarém Medieval…, p. 148, nota 74.
32
BEIRANTE, Maria Ângela, Santarém Medieval…, p. 148, nota 74 (citando CCP.., fls 361 e seg.)
33
BEIRANTE, Maria Ângela, Santarém Medieval…, p. 204.
34
<< No tempo de D. Duarte, em 1435, houve uma demanda entre o concelho (de Santarém) e o contador
da comarca Gil Pires de Resende sobre uns chãos no Arnado, do lado de fora das muralhas>>
BEIRANTE, Maria Ângela, Santarém Medieval…, p. 112.
10

criado de Pedro Afonso, escrivão da fazenda régia, para o cargo de escrivão da dízima
nova e velha e da sisa do pescado desde o Penedo até à portagem de Santarém 35.
Francisco casara entretanto com uma senhora Pereira, referida como descendente desse
verdadeiro manancial de confusões que são os descendentes dos inúmeros irmãos e
irmãs do grande D. Nuno Álvares Pereira, dos quais, a fazer fé nos linhagistas, todos
nós acabamos por descender, mais ou menos retorcidamente.
Francisco Sodré não quereria que subsistisse memória dos “barbos, bogas e sabogas”
que contaminavam o varonil bisavô escalabitano. Assim se apaga muita gente honrada,
se estiver correcta a ascendência destes Resende tal como é proposta pelo co-autor
Abranches de Soveral.

A ascendência próxima de Isabel Sodré, mãe de Vasco da Gama.

O já citado Luciano Cordeiro, 36escrevendo sobre os Sodré, com base nas genealogias
manuscritas do IAN/TT., refere um Gil Pires de Resende, pai de um João de Resende,
que este autor menciona como provedor das valas, ou lezírias do Tejo37, o qual teria
casado em Santarém com uma Maria Sodré, apresentada como filha do evanescente
Frederico Sodré dos genealogistas.
João de Resende e Maria Sodré teriam tido, de acordo com este autor, os seguintes
filhos:

1 – Gil Sodré, que teria permanecido em Santarém, sucedendo ao pai no ofício de


provedor das valas e casando com sua prima direita Inês Sodré, filha de um seu tio
materno chamado Antão Sodré.
2 – Brás Sodré, sobejamente conhecido comandante da caravela Leitoa Velha, que
integrava a frota de Vasco da Gama, na sua 2ª viagem à Índia.
3 – Vicente Sodré, também conhecido e documentado, que viajou para a Índia em 1502
a bordo da nau Esmeralda e comandando cinco embarcações.
4 – Isabel Sodré38., mulher de Estêvão da Gama (e geralmente referida como mãe de
Vasco da Gama 39).
Não nos deteremos na controvérsia gerada em torno da filiação de Vasco da Gama, mas
porque é relevante para a ascendência proposta para Vasco Gil Sodré, povoador da ilha
Graciosa, por Sérgio Sodré de Castro em 2003, e “aflorada” por Mendes e Forjaz, já em
2007, parece aconselhável regressar ao primeiro destes autores, que escreveu:
<< Ao estudar as ligações familiares do grande navegador Vasco da Gama pelo lado
materno é obviamente imperioso começar por determinar quem foi a sua mãe e afinal
ele próprio. Embora assim pareça, à partida, a questão não é absolutamente absurda,
porque é um facto comprovado que, ainda solteiro, seu pai teve um primeiro filho
bastardo (talvez fosse mais correcto designá-lo como filho natural), anterior ao
casamento com Isabel Sodré, a quem deu o mesmo nome e do qual nada transpirou para

35
Ver 1.1.1 da proposta supra de reconstituição genealógica da origem dos Resende/Sodré
36
CORDEIRO, Luciano – Os primeiros Gamas…, cap. IX, pp. 107-115.
37
Suspeitamos que o cargo fosse efectivamente Vedor das valas reais, como se verificava com Álvaro
Pires Baracho que, em 1474. 08.12., recebeu mercê (D. Afonso V) do cargo de Vedor das Valas Reais de
Vila Franca de Xira, (MOZER, Jorge, “Genealogias Estrangeiras em Portugal”, in Armas e Troféus, VI
Série, Tomo VI, Lisboa: 1994, p. 109.).
38
Esta senhora, de acordo com as “visitações” da Ordem de Santiago, efectuadas em 1517 pelo Mestre de
Santiago, D. Jorge á vila Sines, ainda era viva nesse ano, residindo naquela localidade, onde efectuou dois
donativos, um dos quais destinado à compra de uma sepultura
39
Ver nota nº 2.; Luciano CORDEIRO escreve : << Estêvão da Gama casou, ou teve os filhos que delle
conhecemos, de uma senhora chamada Isabel Sodré >> (CORDEIRO, Luciano, ob. cit., p. 107.).
11

a História excepto ter existido e na juventude ter tomado a primeira tonsura no mesmo
dia que seus meios-irmãos>>.
Prossegue Sérgio Sodré de Castro a sua argumentação num parágrafo que, por ora, não
analisaremos:
<< Ora se o descobridor tivesse sido o Vasco da Gama bastardo, então não era
sobrinho de Vicente Sodré, nem seu parente, nem irmão mais novo de Paulo da Gama.
Além de que, a ser verdade, a bastardia jamais deixaria de ser lembrada e apontada
pelos seus inúmeros inimigos ao longo dos tempos, o que não aconteceu…>> 40.
E prossegue este mesmo autor:
<< … A dúvida vai ser outra, é que durante séculos, e ainda hoje, os genealogistas,
copiando-se uns aos outros, induziram em erro os melhores e mais modernos autores
que versaram a figura do conde-almirante D. Vasco da Gama (…) quanto aos seus avós
maternos, ao propalarem que sua mãe Isabel Sodré (mulher de seu pai, Estêvão da
Gama, Alcaide-mor de Sines), era filha de João de Resende, Provedor das valas de
Santarém (…) Obras bem recentes mantêm este mesmo erro, porém já nada o justifica
depois da Academia Portuguesa de História haver publicado em 1990, a matrícula de
ordens da diocese de Évora (1480-1483), pela qual Isaías da Rosa Pereira prova que
Vicente Sodré (irmão mais novo de Isabel Sodré) é filho de João Sodré e de Isabel
Serrã. Assim, é este casal que deve ser considerado o dos avós maternos de Vasco da
Gama, o qual recebeu a primeira tonsura juntamente com seu tio Vicente, em Sines, a 5
de Novembro de 1480, (juntamente com) seu meio-irmão Vasco, e irmãos inteiros
Paulo, João e Pedro .41
A matrícula mencionada demonstra cabalmente que Vasco da Gama era filho terceiro
do casal Estêvão da Gama e Isabel Sodré 42 e que foram seus irmãos mais velhos outro
do mesmo nome (meio irmão, filho ilegítimo de mãe solteira de nome desconhecido,
(nascido) quando Estêvão ainda era solteiro), Paulo da Gama e João Sodré
(espelhando a tradição de dar a um filho o nome do avô materno) e irmão mais novo de
Pedro da Gama (…) Esta descoberta é prenhe de consequências genealógicas, e é este
filão que me proponho explorar, ligando o Conde-Almirante aos Sodrés do século XV e
40
Ver nota anterior.
41
Idem, p. 454.
42
Vemos pois que Isabel Sodré permanece em Sines muito depois da morte do marido, do
engrandecimento dos filhos, da expulsão de Vasco da Gama e da família. Compra uma sepultura, talvez
para si, em troca de uma “vistimenta de chamalote azull com savastro de chamalote cremesym noua toda
comprida”. Nesta mesma visitação refere-se que uma sepultura custaria a qualquer pessoa 500 reis. A que
extrema miséria teria chegado Isabel Sodré para comprar uma sepultura em troca de uma vestimenta,
numa data em que o filho acumulava já um vasto património?
Outro seu donativo, uma vistimenta para a ermida de Nª S.ª das Salas, é de “damasco verde com savastro
de veludo roxo franjada de retroes de cores noua e boa de todo comprida”, e não ajuda a perceber o
motivo por que Isabel Sodré continua a viver em Sines, depois da expulsão do filho. Deverá entender-se
este facto como indicador de que ela não vivia com o filho, mas em casa própria, e não faria assim parte
da sua família? Tal como Aires da Gama?
Ou teria D. Jorge respeitado a memória de Estêvão da Gama, alcaide e comendador, deixando assim ficar
a viúva em sua casa? Os donativos de D. Aires da Gama também nos dão que pensar. Confirmar-se-á
assim que só é abrangida na expulsão a família mais próxima do almirante, ficando de fora a mãe e os
irmãos? Ou a realidade é bem mais complexa?
Tanto quanto julgamos saber, Isabel Sodré não fará parte do Panteão dos Gamas, no convento de N.ª S.ª
das Relíquias da Vidigueira, não terá honras especiais por ser a mãe do Descobridor, terá que comprar a
sua sepultura em troca de uma “vistimenta”, e parece ter morrido como viveu: sem darmos pela sua
existência. Há sempre aquela dúvida que nos persegue, e se o Descobridor não fosse o Vasco da Gama
seu filho, mas o outro, “filho de homem solteiro e de mulher solteira”, do qual nem o nome da mãe
sabemos? Como homenagear Isabel Sodré, se ela nem era a mãe do Descobridor?...( CORREIA ALVES,
Ivone, - Gamas e Condes da Vidigueira percursos e genealogias, Edições Colibri, Lisboa: 2001, pp.63-
64.).
12

primeira metade do século XVI, e estes entre si, sem recorrer a genealogias
manuscritas, excepto quanto estas mencionam e permitem alcançar documentação
histórica válida 43 >>.
Perante o que fica acima restam poucas dúvidas sobre a mãe de Vasco da Gama 44, Isabel
Sodré, possivelmente casada com Estêvão da Gama antes de 1470, efectivamente filha
do almoxarife João Sodré (nascido entre 1415/1425 e casado cerca de 1447 com Isabel
Serrã), e neta do escudeiro e escrivão da alfândega Fernão Sodré (assim chamado por
uma pequena corruptela de Frederico ou, mais pomposamente, de Fradique) e de sua 2.ª
mulher, cunhada do despenseiro Amadiz Vasques de Castelo Branco.

Os infortúnios de Vasco Gil Sodré, povoador da ilha Graciosa

No antedito estudo publicado em 1978 SODRÉ DE CASTRO escrevia:


<< Se José Freire de Monterroyo foi o primeiro a estabelecer explicitamente a ligação
entre Sudley e Sodré, ela já fora feita implicitamente por outras fontes totalmente
independentes face a esse genealogista. Analisemos o que escreve Gaspar Frutuoso
(1522-1591) a respeito do primeiro povoador da ilha Graciosa , Vasco Gil Sodré “ veio
um Vasco Gil Sodré de África, 45natural de Montemor-o-Velho, com sua mulher
Breatriz Gonçalves de Bectaforte, natural do castelo de Bectaforte de Inglaterra, com
dois filhos um por nome Diogo Vaz Sodré e o outro Fernão Vaz Sodré, 46 e algumas
filhas e doze criados, e chegando à ilha Terceira determinou passar-se à Graciosa (…)
Diogo Vaz Sodré (…) chegando a Portugal achou em Montemor-o-Velho o brasão de
seu pai e o tirou com outros estromentos em que muitas pessoas juraram que sua avó,
mãe de seu pai 47fora casada em Inglaterra com um conde de um lugar ou vila que se
chamava o castelo de Bectaforte, donde trouxe provado como era grande fidalgo, e,
tornando-se pera a Graciosa com o brasão que apresentou >> 48.
E este autor prosseguia, pouco adiante, na mesma página:
<< As genealogias referem Vasco Gil Sodré como fidalgo da Casa Real, cavaleiro da
Ordem de Cristo, e seu pai, Gil Sodré, filho terceiro de Fernão Sodré, serviu o Infante
D. Pedro, duque de Coimbra >>.
Mas, num seu outro artigo, igualmente publicado nas Armas e Troféus (2002-2003), o
mesmo SODRÉ DE CASTRO adiantava: << …Ora há razões para crer que este Gil
Pires de Resende possa ter sido também o pai de Vasco Gil Sodré, Cavaleiro da Ordem
de Cristo49, o primeiro 50, ou um dos primeiros, povoadores da Ilha Graciosa, entre
43
Idem, p. 455.
44
Referido na lista de moradores da Casa Real de 1495, entre os cavaleiros, como Vasco da Gama Sodré
(Códice de D. Flamínio de Sousa (fotocópias de Jorge de Brito e Abreu), vol VI, 4.ª parte, fl.635v).
45
Tanto quanto alcançamos apenas uma nota de ELLAINE SANCEAU faz alusão a um Vasco Gil que
constaria de uma lista de navegantes da costa da Guiné, mas não cota a fonte.
46
Que veio a radicar-se na ilha de S. Miguel, e de cujos descendentes os cronista, residente na mesma
ilha, terá colhidas estas informações.
47
Sodré de Castro apercebeu-se do lapso escrevendo na nota 11 do trabalho em apreço: “ deveria querer
dizer mãe de sua mãe”.
48
CASTRO, Sérgio Sodré de, “Da Origem do apelido Sodré” in Armas e Troféus, VI Série, Tomo I –
Janeiro – Dezembro – n.º 1, 2 e 3, 1987-1988, p. 135).
49
Pelo que conseguimos apurar a menção de que Vasco Gil tivesse sido cavaleiro da Ordem de Cristo,
não se encontra documentada em diplomas dessa milícia, e terá tido a sua origem em manuscritos
genealógicos graciosences.
50
As fontes genealógicas, mas não a cronística açoriana, mencionam expressamente as circunstâncias em
que Vasco Gil Sodré terá sido chamado para ilha Graciosa a pedido de uma sua alegada irmã que é dada
como mulher de um Duarte Barreto, algarvio, referido como chefe do primeiro núcleo de povoadores (1.º
capitão do Donatário?) que havia sido raptado por corsários.
13

1465-1470. A utilização do nome Gil e o testemunho de seu filho Diogo Vaz Sodré
(para obter a carta-de-armas dada a 23 de Março de 1503) de que sua avó era de origem
inglesa apontam nesse sentido, além de que a documentação relaciona Vasco Gil e
Duarte Sodré com Montemor o -Novo (por vezes erradamente trocado com Montemor-
o-Velho 51). Outrossim, é de assinalar que, segundo o depoimento de André Furtado que
viu a certidão, Diogo Vaz Sodré requereu que lhe dessem as Armas de seus avós que
por direito lhe pertenciam, da Casa dos Sodrés de Inglaterra >>.
Estas hesitações são compartilhadas por MENDES e FORJAZ que apresentam as
seguintes alternativas: uns dão-no como filho de Gil Esteves e de Maria Lourenço
(sendo esta filha de Lourenço Pires, escudeiro no tempo de D. Duarte, e da tal D.
Brígida Sodré de Bectaforte, a tal vergôntea de uma casa condal inglesa que vinha
para Portugal casar com um simples escudeiro) 52. Outra versão diz que era filho de Gil
Sodré e neto de Mossem Fernão (ou Fradique) Sudley que teria vindo para Portugal
com o Infante D. Pedro duque de Coimbra, sendo a referida D. Brígida tia deste
Fernão. Em seguida têm o cuidado de referir uma terceira versão (a da Grande
Enciclopédia Portuguesa e Brasileira) segundo a qual a família descende de um tal
João Sodré que passou a Portugal na comitiva de D. Filipa de Lencastre, que foi
<<acontiado>> de D. João I e que foi pai de um outro João Sodré e avô de um Diogo
Sodré << que teve quantia na casa do rei D. Afonso V, que deixou geração da qual
provieram os deste apelido53>>, mas não faz qualquer referência ao nosso Vasco Gil
Sodré.>>
Diga-se em abono da verdade que, como ficou atrás, João Sodré teve um filho chamado
Diogo Sodré que cerca de 1473, sendo ainda moço, andava nos estudos.
Finalmente, para que nada ficasse esquecido, socorreram-se do genealogista brasileiro
Francisco António Dória, professor de Matemática na Faculdade de Comunicação da
Universidade Federal do Rio de Janeiro citando a opinião deste estudioso, de acordo
com a qual <<Vasco Gil Sodré e seu irmão Diogo Sodré (este dos Sodré Pereira de
Portugal e Brasil (sic)) eram filhos de João Sodré, netos de outro João Sodré (John de
Sudeley) e segundos netos paternos de Wiliam Le Botler (n. 1330) e de Joan de Sudeley,
sendo esta 7.ª neta em varonia de Ralph, conde de Hereford, no tempo de Eduardo o
Confessor, e tronco dos Sudeley ou Sudley>>54
Na ignorância das fontes que, finalmente, autorizam documentadamente o entronque
dos Sodré Portugueses em Joan de Sudeley 55e, através deste gate ancestor, nos
primeiros e remotos condes de Hereford, lamentamos não poder comentar essa ligação,
deixando no ar a pergunta, face ao que fica exposto neste ensaio é admissível que ainda
se escreva que Vasco Gil Sodré era mesmo irmão de Diogo Sodré (dos Sodré Pereira de
Portugal e Brasil (sic) e ambos filhos de João Sodré?

51
Estamos em crer que este erro foi divulgado em finais do século XVI pelo mais conhecido dos
cronistas açorianos << …veio um Vasco Gil Sodré de África, natural de Montemor-o-Velho com sua
mulher Breatis Gonçalves de Bectaforte…>> ( FRUTUOSO, Dr. Gaspar , Saudades da Terra, Instituto
Cultural de Ponta Delgada, Ponta Delgada: 1978, Livro Sexto, Cap. Quadragésimo Segundo, p. 307)
52
Versão parcialmente condizente com o depoimento do tabelião André Furtado de 1569
53
O sublinhado pertence aos autores.
54
MENDES, A. Ornelas e Jorge Forjaz Genealogias da Ilha Terceira, Dislivro Histórica, Lisboa: 2007,
vol. IX, p.202.
55
A qual não foi certamente B.N.L .(Reservados, supracitado códice de Manso de Lima, copiando Freire
Montarroio, ou na mesma << Colecção Pombalina>>, cota 321), nem tão pouco o chamado Nobiliário
Peixoto, das Genealogias Manuscritas do AIN/TT, nem sequer o The Complete Peerage of Engand,
Scotland, Ireland, Great-Britain and the United Kingdom, 1982, nas entradas << Boteler>> e <<
Sudeley>>.
14

PIMENTEL publicou parcialmente um depoimento feito, sob juramento, em 1569, pelo


tabelião do público judicial e notas da vila da Praia, em que vem referida a ascendência
de Vasco Gil Sodré56, e que foi sumariado por MENDES E FORJAZ57.
Sodré de Castro obteve informações sobre este depoimento reconhecidamente “em
segunda-mão”, e, por esse motivo, não alcançou saber que o documento a que se refere
contém a ascendência de Vasco Gil de tal modo explícita que invalida as suposições
(lógicas embora) que adianta, e vem fragilizar alguns marcos cronológicos em que
estriba a sua 2.ª versão dos Sodré portugueses. Outro tanto não sucedeu certamente com
MENDES e FORJAZ que sabiam, inclusivamente, << que nos finais do século XIX
ainda se conhecia o texto integral da carta de brasão de armas de Diogo Vaz Sodré,
quando Manuel Veloso de Armelim requereu foro da Casa Real>>, acrescentando que
<<o paradeiro desse texto (apresentado em treslado(sic)) é hoje desconhecido, mas
ainda deve ter chegado ás mãos do Dr. Manuel Armelim, filho do requerente, e que
faleceu em 1935>>58

Com efeito, existe na B.P.A.M.A.H. um traslado feito em 1805, para efeitos de uma
demanda apresentada por Sebastião Correia de Melo Bettencourt, morador aos poços da
Ribeira (cerca da vila de Santa Cruz da ilha Graciosa), herdeiro de Caetano José de
Melo, juntamente com o Padre Francisco de Paula Bettencourt e o tenente Teodósio
Álvares Bettencourt, contra os Desembargadores procuradores régios, sobre a penhora
de certas propriedades, sitas à Ribeirinha, que faziam parte da herança de Mor
Gonçalves, em que está inserta uma certidão (feita em 27 de Abril de1609) de uma
petição feita quarenta anos antes por Gaspar Luís e Francisco Luís e incluída num
processo levado perante o juiz Afonso Luís, em cujos autos se encontra, depondo como
testemunha ajuramentada, o tabelião André Furtado de Mendonça59.
56
PIMENTEL, Luís Conde, << Àcerca do Povoamento da Graciosa>> in Boletim do Museu Etnográfico
da Ilha Graciosa, n.º 1, 1986, pp. 60-65. (citando BPAH, Processos da comarca da Graciosa,, maço 49,
n.º 2690)
57
MENDES, A. Ornelas e Jorge Forjaz Genealogias da Ilha Terceira…vol. IX, p. 202.
58
MENDES, A. Ornelas e Jorge Forjaz Genealogias da Ilha Terceira, Dislivro Histórica, Lisboa: 2007,
vol. IX, p.202, nota 20.
59
Documentado, pelo menos desde 15 de Março de 1547., como tabelião das vilas de Santa Cruz e
Praia, cargo a que renunciou em 1568 (IAN/TT., Chanc. D. Sebastião, Doações, liv.7, fl. 12v) em
favor de seu filho Gaspar Furtado de Mendonça Terá nascido cerca de 1500 (na vila de Santa
Cruz da mesma ilha?), onde morreu em 19de Março de 1587 - fallesydo Andre FurtadoEm 19
djas do mees de Marco de 87 annos/emterou esta Caza da Saonta Misericordia/ com a bandejra e
pompa della a [6]/ Andre Furtado de Mendonsa e ade pa-/ gar Gaspar Furtado seu filho que/ esta
hordenado eu Antonio Picaonco/Correa escryvão da caza o prezen-/ te anno ho escrevj (3.º
assento da p. 159 do tombo da Misericórdia da supracitada vila, (fotocópia cedida por Luís Conde
Pimentel) Noutro registo tombado no Livro aonde se escrevem os defuntos irmãos da Santa Casa
da Misericórdia da vila de Santa Cruz da Graciosa, consta que em 1 de Outubro de 1592 foi
enterrada Leonor Vaz (Sodré), (2.ª) mulher de André Furtado, deixando de esmola dez alqueires
de trigo que pagará seu filho Gaspar Furtado de Mendonça. André Furtado de Mendonça casou
pela primeira vez no 1.º quartel de Quinhentos com Cenoleza Dornelas (assim referida em
documentos coevos), filha de Álvaro Dornelas da Câmara e de sua mulher Maria Vaz Sodré. Uma
sua bisneta, Antónia Furtado de Mendonça, viria a casar com Lázaro Luís Sodré, filho de Manuel
Dias e se sua mulher Beatriz Gonçalves Sodré, possíveis pais do Manuel Dias Sodré, residente na
cidade de Angra, que solicitou ao tabelião André Furtado de Mendonça o testemunho
ajuramentado que se reproduz., e possivelmente também de Bartolomeu Luís Sodré, descendente
de um dos suplicantes (Francisco Luís), que era pai de Bartolomeu Cordeiro ao qual foi passada
em 1619.09.23., uma C.B.A. de Sodré pleno, possivelmente relacionada com o diploma em
apreço. De acordo com uma nota encontrada por Luís Pimentel Gaspar Furtado de Mendonça,
morador ao sainte da vila (de Santa Cruz) terá morrido, ou sido enterrado, na mesma em 19 de
Março de1620.
15

O tabelião do publico judicial e notas das vilas da Praia e Santa Cruz da ilha Graciosa
André Furtado de Mendonça, escreveu o seu testemunho ajuramentado sobre uma CBA
por certidão passada a Diogo Vaz Sodré, em 21 de Março de 1503, a pedido António
Dias Sodré, filho do supracitado Francisco Luís (?) e morador na cidade de Angra, ilha
Terceira.
Parece admissível que a certidão de 1609 pudesse estar relacionada com o << traslado
de um instrumento publico de testemunhas feito por autoridade da justiça na dita ilha
(Graciosa), e justificado nesta dita cidade de Lisboa por Francisco Pardo Ferreira,
escrivão dos agravos e causas das ilhas e reconhecido no paço dos tabeliães das notas
por Lourenço de Freitas e por Manuel Ferreira da Silveira, tabeliães públicos e de
notas, o qual instrumento era feito e autorizado em honra devida, e por autoridade da
justiça de muitas testemunhas que continha o dito instrumento que fica em poder do
escrivão dos agravos e a nobreza que esta certidão de brasão subscreveu, e a que me
reporto>>. 60
O supracitado instrumento público antecedeu a passagem a Bartolomeu Cordeiro, em 28
de Setembro de1619., duma Carta de Brasão de Armas por certidão (Sodré, pleno).
Nesta C. B. A. o armigerado figura como filho legítimo de Bartolomeu Luís Sodré e de
sua mulher Catarina da Rosa, já defuntos, moradores que foram na ilha Graciosa (…)
descendente de Vasco Gil Sodré, seu trisavô (ou terceiro avô?) e de Diogo Vaz Sodré,
que em tempo d’El Rei D. Manuel tirou brasão de sua nobreza e fidalguia 61 .
Aceitamos como muito provável que o Bartolomeu Luís Sodré, pai deste armigerado,
fosse filho do Francisco Luís casado com Inês Vaz Sodré referidos por CONDE
PIMENTEL62. A ser assim, o supracitado Francisco Luís, avô paterno do armigerado,
seria filho de Luís Afonso e de sua mulher Inês Vaz, esta última filha de Vasco Gil
Sodré e de sua mulher Brites Gonçalves, que assim ficam como trisavós de Bartolomeu
Luís Sodré, como ele próprio alegava. De acordo, entre outros manuscritos, com o Livro
de Genealogias da ilha Graciosa 63, Inês Vaz Sodré, avó paterna do armigerado, teria
casado (em primeiras ou segundas núpcias) com o supracitado capitão Francisco Luís, e
era filha de Vasco Gil Sodré e de Brites Gonçalves.
Como referimos, parece admissível que o traslado de 1609 se tivesse destinado ao
instrumento público que fundamentou a C.B.A de 1619, passada a Bartolomeu
Cordeiro, filho do antedito Bartolomeu Luís Sodré
O documento de 1805, afinal a nossa única fonte directa, reproduz sucessivas certidões
dos séculos XVI, XVII e XVIII. Não é de excluir, muito pelo contrário, que essas
sucessivas leituras do documento original tenham resultado em lapsos “paleográficos”
susceptíveis de alterar pontualmente palavras do depoimento ajuramentado de 1569,
Mas não vemos razões para recusar o valor das certidões do testemunho de um tabelião
que comprovadamente exerceu o ofício durante dezenas de anos, e afirma, sob
juramento, que conheceu ainda a 2.ª mulher de Vasco Gil Sodré, sendo casado com uma
neta sua.
Nem para lhe atribuir menor credibilidade, como fonte, do que ao manuscrito de
genealogias da Graciosa, compilado no mesmo século XIX, pelo tenente Francisco

60
MACHADO, José de Sousa, Brasões Inéditos, 1906, p. 25; e Cartas de Brasão de Armas – colectânea –
compilação, (organização e índices por Nuno Gonçalo Pereira Borrego), Guarda-mor, Lisboa: 2003, nº
167, pp. 83-84.
61
Ver nota anterior.
62
PIMENTEL, Luís Conde, ob. cit., p. 62.
63
AZEVEDO, Mateus Machado Fagundes de, (jorgense falecido em 1733) Cadernos genealógicos,
original pertencente a José do Canto, cuja cópia manuscrita, efectuada em 1873, se encontra na
B.P.A.D.A.H., fl. 1., nº 8.
16

Homem Ribeiro64, que se encontra na posse de MENDES e FORJAZ, e em que estes


autores estribam parte do seu parcimonioso e selectivo 65 título de Sodré dos Açores. As
fontes existentes não se aferem, nem escalonam, utilizando critérios divergentes apenas
porque “dá jeito” para um determinado desígnio.
Comecemos por apresentar uma transcrição da fonte a que nos reportamos

Diz Sebastião Correa de Mello Bitancort mo-/ rador no termo desta villa de Santa Cruz
da Gracioza/ que para bem de seu direito e justiça lhe he precizo por/ certidão hum
acórdão ou sentença que obteve do/ Supremo Tribunal da Relação contra os Dezem-/
bargadores Procuradores Regios por isso/
Pede a Vossa Mercê (?) Jllustrissimo Senhor Doutor Juiz/ de fora se sirva
mandar que o escri-/ vão a quem o supplicante aprezentar es-/ ta lha passe
por certidão em modo/ que faça fé no que/ Recebera Mercê/

P[asse] FJ Coelho

Manoel Correia Picanço dos Santos escrivam/ do judicial e notas nesta villa
de Santa Curuz (sic) da Gracioza etc/ Satisfazendo ao Despacho supra do
Dr. Juiz de fora Francis-/ co Jeronimo Coelho e Souza, firmado a margem
da petição do/ supplicante- Certefico que pello supplicante me foi
aprezentada a sentença/ ou acordam de que faz menção na petição cujo
theor e forma/ he o seguinte = Sentença Civel a favor do Padre (?) Francisco
de Paula e Bitancort = Tenente Theodozio Alvaro de Bitancort = Sebastiam
Correa de Mello Bitancort e outros/ contra os Dezembargadores e
Procuradores Régios Dom/ João por Graça de Deos Princepe Regente de
Portugal e dos Algar-/ ves d’Aquem e d’Alem Mar em Africa de Guine e da
Conquista//(…) faz oito centos i oitenta reis e eu Braz Diogo de Souza/
escrivam do judicial tabaliam publico de notas a fiz es-/ crever e
sobreescrevy = Logar do Publico = in testemonium veri-/ tatis Braz Diogo
de Souza e comigo tabaliam Themoteo/ Espinolla de Souza = recebi o
próprio Caetano Joze de Mello = Segun-/ do documento [1] Diz Caetano
Joze de Mello morador no termo desta vi-/ lla de Santa Cruz da Gracioza
que para bem de sua justiça lhe he ne-/ cessario por certidam o treslado de
hum brazam de Vasco/ Gil Sodre que se acha imserto em hum testemunho
que deo/ o cappitam André Furtado de Mendonça em huns autos de
peticam/ de abonaçam em que foi supplicante Antonio Cardozo Sodre cujo/
dito Vasco Gil Sodre hera sexto avô paterno delle/ supplicante = Pede a
Vossa Mercê Senhor Juis ordinário lhe faça/ mercê mandar que qualquer

64
Do qual possuímos fotocópia
65
Como se verifica, por exemplo, com os descendentes de Filipa Vaz Sodré a quem os autores não dão
descendência baseados numa genealogia manuscrita, reconhecendo embora que Luís Conde Pimentel <<
tem registos de descendentes deste casal>>, ou com o n.º 6 do § 11 de Bettencourt onde uma descendente
de Vasco Gil Sodré è dada como <<casada com António Fernandes Borges, mercador) que pagou a finta
dos cristãos-novos Cg. na Graciosa>>., (sucede que Luís Conde Pimentel apurou que este António
Fernandes Borges terá falecido na freguesia do Guadalupe, Graciosa, em 6 de Abril de 1649, e seria filho
de Heitor Fernandes e de uma Francisca Borges, curiosamente natural da ilha Terceira,) Seria oportuno
ter referido em que fonte credível foi encontrada referência a esta finta, respeitante a um casal com
descendência actual documentada, tanto na ilha Terceira (onde se não encontra menção) como no
continente. Pessoalmente não a conhecemos, e só teríamos a ganhar com a respectiva documentação. Isto
entre outros exemplos poderíamos chamar à colação.
[
17

escrivam a que o supplicante/ aprezentar os referidos autos delles lhe passe


a certi-/ dam pedida e modo que faça fé em Publica forma/ [2] = E receberá
Mercê = Como pede Santa Cruz da Gracioza trinta/ e hum de Agosto de mil
setecentos e secenta e quatro/ [3] Veiga = Saibam quantos este publico
instrumento dado e pas-/ sado em publica forma por mandado e autoridade
da jus-/ tica ex oficio de mim publico tabaliam Braz Diogo/ de Souza em
comprimento do Despacho supra do Juis ordinario/ António Espinolla da
Veiga firmado a margem da petiçam do/ supplicante Caetano Joze de Mello
virem do theor de hum/ Brazam de que na mesma petiçam se faz mençam
que/ pelo dito supplicante me foi aprezentado cujo theor delle/ de verbo ad
verbum he de maneira e forma seguinte =/ Certefico eu António de Quadros
Furtado tabaliam do publi-/ co e do judicial e escrivam da camara e
almotassaria/ por sua Magestade nesta villa da Praia desta Ilha/ Gracioza e
seu termo della que eu tenho em meu poder huns/ autos de hua petiçam de
Gaspar Luiz e Francisco Luis/ de hua abonaçam que fizeram no anno de mil
e qui-/ nhentos secenta e nove annos ante o Juis Afon-//[fl.46] Afonco Loiz
em o (sic) quais autos está hum testemunho que diz/ o seguinte Digo eu
Andre Frurtado (sic) tabaliam nesta villa da/ Praia desta Ilha Gracioza que
pelo juramento dos Santos Evangelhos/ que pelo Juis Afonço Loiz me foi
dado em que puz a minha/ mam direita e me emcaregou que disesse verdade
assim o pro-/ meteo fazer quanto ao costume minha molher prima com
yrma-/ as (sic) de Francisco Luiz filhos do yrmaos (sic) dos supplicantes
seus so-/ brinhos e diria verdade do contheudo na petiçam que por/ mim foi
lida que he verdade que os ditos supplicantes Francisco Loiz e/ Gaspar Loiz
sam filhos legítimos de Francisco Loiz e de/ Igenez (sic) Vaz Sodre sua
molher moradores nesta dita villa i o di-/ to Francisco Loiz he filho legitimo
de Ignez Vaz e de/ Loiz Afonço defuntos moradores que foram nesta dita
villa/ e a dita Ignes Vaz yrmam de Diogo Vaz Sodre/ contheudos na petiçam
filhos de Vasco Gil Sodre e de/ Biatriz Gonsalves sua molher e sendo
publica voz e/ fama por que eu ainda alcancei somente a Beatriz Gon-/
salves conheci e se nomeava por molher do dito Vasco Gil So-/ dre e o dito
Francisco Loiz Pay dos supplicantes se nomeava por ne-/ to dos ditos Vasco
Gil Sodre e Beatris Gonsalves e por tal/ havido e conhecido na dita Ilha
digo eu que servindo de/ tabaliam na villa de Santa Cruz da dita Ilha
Gracioza/ vi hum Brazam e o o (sic) tive em meu poder que tirou o/ dito
Diogo Vaz Sodre em Portugal de sua nobreza dos/ fidalgos de solar e armas
conhecido o qual declarava que di-/ zia El ri (sic) de armas Protugal (sic) e
muito excelente e poderozo senhor/ Dom Manel (sic) Rey de Portugal e dos
Algarves d’Aquem d’A-/ lem mar em Africa Senhor de Guine da conquista
e nave-/ gaçam comercio da Etiopia Arabia Percia e da India/ e dizia aos
que aquella certidam virem que Diogo Vaz Sodre/ requeria que lhe desse as
armas de seus Avôs que por direito lhe/ pertenciam da Caza dos Sodres de
Inglaterra lhe pertencião//[fl.46v] lhe pertenciam as ditas armas com seu
seferente (?) e diferen-/ ça e lhe fora requerido ao Rey de armas que lhe
desse o officio (sic)/ e lhe disse asim todas na certidam e p.ro (sic) [4] que
lhe satisfizesse a/ petiçam de Diogo Vas Sodre que se tirase hua inquiriçam/
[
[
[
18

por homemes (sic) honrrados em que lhe fizese certo que delle pro-/ cedia
da dita caza dos Sodrez que lhe aprezentara hum/ instromento publico feito
por officio (?) de João de Dia (sic) ca-/ valeiro fidalgo juiz ordinário na villa
de Montemor/o Novo e João Lopes inquiridor por mam de Fernam/ Vaz
tabaliam publico e do judicial da dita villa do (sic) Mon-/ temor e seu termo
por El rey Nosso Senhor e por outro/instromento publico fora (sic) feito em
as Alcassadanas (sic) do/ Sul feito por mandado de Vasco da Fonseca juis
ordinario/ e Fernam Vas inquiridor e por mam de João Afonço/ tabaliam
publico em a dita villa de Alcassaria (sic) pelo/ Senhor Dom Jefe (sic) de El
rey D. João que Deus haya notefi-/ cando lhe os ditos João Jefe (sic) que
dera juramento dos Santos Evan-/ gelhos a sertãs testemunhas dignas de fe e
credito a saber Alva[ro]/ Masssaneço (sic) Rodrigo Dias Timfal (sic) e a
Maria Fernandes/ e Guimar Alveres molher viúva que foi de Diogo Pires/
de idade e (sic) de cento e dezaceis annos moradora na/ Alcaçaria do Sul e
Catharina Luiz molher de João Caro-/ va (sic) de oitenta annos pouco mais
ou menos testemunha ju-/ rada aos Santos Evangelhos em as mãos dos ditos
João Je-/ sses (sic) e elles o diçeram todos que elles sabiam que o dito Dio-/
go Vaz hera filho de Vasco Gil e neto de Gil Esteves/ e de Faria (sic)
Lourenço sua molher e bisneto de Lourenço/ Pires Cazado escudeiro de El
rey Dom Duarte e D. Bri-/ gida Sodre e de Bitte Forte da Inglaterra e que
elles sa-/ biam que o dito Diogo Vaz hera filho legitimo do dito/ Vaco (sic)
Gil sem nelle haver nenhua bastardia e/ elle ser limpo e nobre em sua vida e
visto pello req[uerer ?]/ de armas o dito requerimento e prova ser valioza
por testemunhas//[fl.47] por testemunhas lhe dera em numero da certidam
jun-/ tados com sua defeza como estavam sentados em a (sic) li-/ vros
antigos que se pedem e estavam com juis da/ nobreza e lhe requeria e
mandava da parte do dito/ Senhor por poder e autoridade que de sua Alteza
tinha/ e que todos os cavaleiros e fidalgos da caza de armas con-/ hecidos e
corregedores e alcaides e juizes a quem aque-/ la sua carta foce mostrada
que bem daqui em dien-/ te (sic) quer que o dito Diogo Vaz Sodre fose
estivese e andase/ e lhes deixasem livremente trazer as ditas armas e com
ellas/ o dixaçem (sic) entrar em quais quer emquietaçoens (sic) e re-/ tiros
(sic) de seus officios e que elle se aviese com seus inimi-/ gos assim delle
como a todos os que delle descenderem por lin-/ nha direita masculina e
fose a dita cara (sic) valioza asim/ o dito Diogo Vas Sodre e os que delle
descenderem por linha/ direita como o dito he lhes deixaçem gozar asim
todos/ huns e outros que tinham e haviam todos huns e ou-/ tros cavaleiros
fidalgos de solar e armas conhecidos as-/ sim pela jessa (sic) haviam todos
os descendentes e so-/ cessores por rezam da (sic) ditas armas milhor e se
milhor/ e com rezam e asim o compriram huns e outros/ sem duvida nem
embargo que a ella seja posto/ a qual carta dezia ser feita em Lixboa aos
vinte hum [5]/ dias do mez de Marco do anno do Nascimento de Nosso
Sen-/ nhor Jezus Christo de mil quinhentos e trez/ annos e por virtude do
dito Brazam da maneira/ aqui declarado dou minha fe estar asim escrito e
asim/ ser que o dito Diogo Vas Sodre como outros seus yr-/ maos filhos do
dito Vasco Gil Sodre lograram su-/ as liberdades homenagens por respeito
do dito Bra-/ zam e viveram limpamente abastados e ser do regimento/ da
terra e asim os supplicantes são bisnetos do dito Vasco/ Gil e viveram
honrradamente e a dita Ines Vas yrmam//[fl.47v] yrmam do dito Diogo Vas
[
19

filha do dito Vasco Gil como ta[obem ?]/ declaro ella e seu marido Loiz
Afonço viveram nesta ter[ra ?]/ abastados e limpamente e os seus netos de
Vasco Gil guardara[m?]/ suas liberdades e homenagens e ser dos principais
da te-/ ra Andre Furtado tabeliam o escrevy por me ser pedi-/ da esta
certidam por parte de Antonio Dias Sodre filho de Jo-/ ão Loiz morador na
cidade de Angra Ilha Treceira (sic) que estava/ declarava com o treslado do
dito testemunho que estava escrito nos/ ditos autos que ficam em meu poder
a que me reporto/ aos autos e a todas as mais certidoens que tinha pas-/ sado
e fes treslado e testemunhos que passados e dado[s?]/ com elles esta
comsertei e corri com o tabaliam abai-/ xo asignado e com o dito juis e
proprios autos para fe/ de verdade me asigno de meu signal costumado que/
tal he hoye vinte sete dias do mez de Abril de mil/ seis centos e nove annos
= Passei por mandado de António Pereira d[e]/ Mello juis ordinario neste
prezente anno que a-/ qui se asignou comigo tabaliam. Pagou de busca oi-/
to centos e vinte reis = Antonio de Quadros Furtado = con-/ sertado =
Antonio de Quadros Furtado o qual instromento/ eu Braz Diogo de Souza
escrivam tabaliam do publi-/ co judicial e notas nesta villa de Santa Cruz e
seu termo/ desta Ilha Gracioza que sirvo nos ofícios de que foi ultimo pro-/
prietario o Cappitam Manoel da Cunha por provimento que para isso tanho/
do Dezembargador Corregedor atoal desta Comarca o Doutor/ Antonio de
Mesquita e Moura etcª fis passar bem e fielmente/ do proprio documento
que pelo dito supplicante me foi apre-/ zentado a quem o tornei a intregar
(sic) que de como o recebeo/ hade asignar com o qual este comferi
corroborei con-/ sertei e vai na verdade sem couza que duvida faça em fe/
do que me asigno do meu publico razo signal nes-/ ta villa de Santa Cruz da
Gracioza ao primeiro de Setembro de mil/ sete centos e secenta e quator
(sic) annos pagou desta cer-/ tidam com todas as regras na forma do
regimento//[fl.48]

André Furtado, que renunciara ao cargo de tabelião no ano anterior, tendo-o


exercido, como verificámos pessoalmente, pelo menos desde 1547, diz o seguinte:
eu que servindo de/ tabaliam na villa de Santa Cruz da dita Ilha Gracioza/ vi hum
Brazam e o o (sic) tive em meu poder que tirou o/ dito Diogo Vaz Sodre em
Portugal de sua nobreza dos/ fidalgos de solar e armas conhecido o qual
declarava que di-/ zia El ri (sic) de armas Protugal (sic) e muito excelente e
poderozo senhor/ Dom Manel (sic) Rey de Portugal e dos Algarves d’Aquem
d’A-/ lem mar em Africa Senhor de Guine da conquista e nave-/ gaçam comercio
da Etiopia Arabia Percia e da India/ e dizia aos que aquella certidam virem que
Diogo Vaz Sodre/ requeria que lhe desse as armas de seus Avôs que por direito
lhe/ pertenciam da Caza dos Sodres de Inglaterra
Refere-se portanto a uma carta de brasão de armas por certidão, resultante de uma
inquirição prévia feita por homens honrados, destinada a provar que o suplicante
procedia efectivamente da casa dos Sodré de Inglaterra (tal como,
simultaneamente ,se escreveu na lousa sepulcral de Frei Duarte Sodré).
Este apresentou um instrumento público feito por João de Dia (sic) cavaleiro-
fidalgo e juiz ordinário na vila de Montemor-o-Novo e João Lopes, inquiridor, por
mão de Fernão Vaz, tabelião publico e do judicial de Montemor-o-Novo e seu
termo por nomeação régia. E ainda outro instrumento publico feito em
Alcassadanas (sic) do/ Sul. (Consultadas várias corografias, estamos quase
20

seguros de que se tratava de Alcácer do Sal, na versão corrupta do copista) feito


por mandado de Vasco da Fonseca juiz ordinário, e Fernão Vaz inquiridor, por
mão de João Afonso tabelião publico na dita vila de <<Alcassaria>> (Alcácer)
ainda em vida de D. João II (passagem incompreensível) notificando-lhe João
Jefe (sic) dera juramento sobre os Santos Evangelhos a certas testemunhas dignas
de fé e credito a saber: Alva[ro]/ Masssaneço (sic) Rodrigo Dias Timfal (sic) e a
Maria Fernandes/ e Guiomar Alvares mulher viúva que foi de Diogo Pires, de
idade de cento e dezasseis anos (óbvio lapso do copista) moradora em Alcácer
do Sal e Catarina Luís mulher de João Carova (sic) de oitenta anos pouco mais ou
menos, testemunhas jurada aos Santos Evangelhos em as mãos dos ditos João Je-/
sses (sic) e eles o disseram todos que sabiam que o dito Diogo Vaz era filho de
Vasco Gil e neto de Gil Esteves e de Faria (Iria?) Lourenço sua mulher. Bisneto
de Lourenço Pires Casado, escudeiro do rei D. Duarte, e D. Brígida Sodré, de
Bitte Forte da Inglaterra.
Os mesmos sabiam ainda que o dito Diogo Vaz hera filho legitimo do dito Vaco
(sic) Gil sem nele haver nenhuma bastardia e ele ser limpo e nobre em sua vida. E
visto pelo req[uerer ?] de armas o dito requerimento e provas
ser(em) valiosas por testemunhas lhe dera em numero da certidão juntados com
sua defesa como estavam (as)sentados em livros antigos que se pedem e estavam
com juiz da nobreza e lhe requeria e mandava da parte do dito Senhor, por poder e
autoridade que de sua Alteza tinha, que todos os cavaleiros e fidalgos de cota de
armas conhecidos e corregedores e alcaides e juízes a quem aquela sua carta fosse
mostrada que daqui em diante (onde?) quer que o dito Diogo Vaz Sodré fosse
estivesse e andasse lhe deixassem livremente trazer as ditas armas .
Retirados os lapsos (dos sucessivos?) copistas do depoimento, parece-nos
inteiramente aceitável que o ex-tabelião André Furtado (no exercício do seu
ofício, para registo, ou por ser casado com uma descendente directa de Vasco Gil
Sodré), tivesse apontado o texto da C.B.A. por certidão de Diogo Vaz Sodré e se
encontrasse apto a efectuar o seu depoimento ajuramentado de 1569, baseado em
notas ou registos efectuados há menos de cinco décadas. E que, num meio tão
acanhado como o seria o das vilas da Praia e Santa Cruz da Graciosa no começo
da segunda metade do século XVI, fosse arriscado efectuar sob juramento um
depoimento contestável.
A ascendência de Vasco Gil foi reconhecida e comprovada por testemunhas de
Alcácer do Sal e Montemor-o-Novo, vilas onde, documentadamente o escrivão da
alfândega e escudeiro de D. João I Fernão Sodré e sua 2.ª mulher Teresa Eanes
possuíam bens, que legaram ao almoxarife João Sodré e sua mulher. Isabel
Serrão.
Tendo em conta ainda as ligações de Antão Sodré e Frei Duarte Sodré a
Montemor-o-Novo, seria de esperar um entronque límpido em membros
conhecidos do tronco desta linhagem “recente” e relativamente obscura. Mas não
só tal não sucede, como se não deduz pela varonia. Vasco Gil Sodré era filo de
um tal Gil Esteves e de sua mulher Iria Lourenço. Parece evidente que os avós
Lourenço Pires Casado, escudeiro do rei D. Duarte e sua mulher Brígida Sodré, de
Bitaforte da Inglaterra, o eram pela linha materna e representavam uma dupla, e
algo “escondida” dupla quebra de varonia.
Para ter chegado à ilha Graciosa entre 1475 e 1480 (como admite a generalidade
dos autores que se debruçaram sobre a questão) já com dois filhos e três filhas,
nascidos de um 2.º casamento com Beatriz Gonçalves, Vasco Gil teria casado pela
segunda vez (tendo em conta os intervalos inter genésicos) entre os finais da
21

década de sessenta e os meados da década de setenta de Quatrocentos. Mesmo


que o seu primeiro casamento tenha sido breve, deverá ter nascido ao redor de
1440/5. O seu avô, Lourenço Pires Casado, para ser escudeiro de D. Duarte
(1433.1438), teria nascido depois do escudeiro de D. João I (documentado como
tal em 1414) e escrivão da alfândega de Lisboa Fernão Sodré, e sua proposta irmã
Brígida Sodré um pouco depois.
Cronologicamente, parece-nos um exercício fútil fazer descender Vasco Gil Sodré de
qualquer filho, ou presumível irmão inteiro, do almoxarife João Sodré.
Para mais está comprovada a existência de uns Casado, moradores Setúbal, nos séculos
XIV e XV, curiosamente descendentes de Afonso Lourenço Casado, que em 1303
instituiu uma capela em Setúbal:
Concretamente, Lourenço Anes Casado, pai de João Lourenço Casado e Estevaínha
Lourenço Casado, esta mulher Lourenço Gomes Pinheiro, sem geração. Em 1449, já
viúva, esta Estevaínha Lourenço Casado instituiu uma capela chamada do Pomar da
Pipa, ao pé de Palmela, chamando para suceder nela Estêvão Anes Pinheiro, sobrinho de
seu marido Lourenço Gomes Pinheiro, e casado com uma sua sobrinha. Gaio diz que
1449 era da era de César (portanto 1411), mas a cronologia das pessoas envolvidas
indica que 1449 era da era de Cristo>>.
O dito João Lourenço Casado não sabemos se é o João Casado, cavaleiro, morador na
vila de Setúbal, a quem, a 24 de Dezembro de.1434, D. Duarte confirmou que não
participara na asnada e arroído que seu tio Afonso Martins Casado tivera com Gil Anes
de Freitas, cavaleiro morador em Setúbal, no qual arroído o dito Afonso Martins matara
Gomes, homem de João Cardim, e ferira o dito Gil Anes e sua mulher. Este João
Casado, filho de Afonso Vicente Casado, morador em Setúbal, foi a 17 de Junho1449
nomeado novamente para o cargo de escrivão do serviço velho e novo da judiaria da
vila de Setúbal. E era provavelmente irmão do Vicente Afonso Casado, escolar em
direito, que a 20.de Fevereiro de 1444 foi confirmado no cargo de procurador do
número da vila de Setúbal, assim como o era em vida de D. João I e de D. Duarte, que o
confirmara a 17 de Dezembro de.1433. Bem assim como de Nuno Afonso Casado, que
na mesma data é também nomeado novamente para o cargo de procurador do número de
Setúbal, assim como o era em vida do monarca D. Duarte.
De João Lourenço Casado foi filha Estefânia Lourenço Casado, que foi mulher de
Estêvão Anes Pinheiro, cavaleiro da Casa do infante D. João, condestável e mestre de
Santiago, com geração>>.
Mas, apesar da coincidência de Lourenços e Casado residentes na margem Sul do Tejo,
antes, durante, e depois do reinado de D. Duarte, não foi possível identificar, ainda,
nenhum Lourenço Pires Casado.
Registe-se que apenas admitimos a possibilidade de que o Lourenço Pires Casado
pertencesse a esta família coeva e geograficamente próxima
Propusemos a reconstituição da origem dos Sodré inserindo esta Brígida Sodré no
lugar que a cronologia parece indicar--lhe, não passando de mera conjectura
apresentar Brígida Sodré como uma das filhas do primeiro casamento do
supracitado genearca Fernão Sodré, ou sua irmã Mas não nos resta dúvida de que
o inquérito sobre a ascendência de Vasco Gil se desenrolou em vilas onde esse
genearca Fernão Sodré tinha, documentadamente propriedades, e a que
descendentes seus permaneceram ligados, e que existem coincidências
onomásticas flagrantes entre os Sodré do continente e os Sodré povoadores da ilha
Graciosa. Pessoalmente não temos a menor dúvida de que, uns e outros, seriam
parentes próximos.
22

Quanto ao Bectaforte, ou Bitaforte, não nos parece concludente que corresponda a


um deturpação da inglesa Hereford, lembrando que na ascendência de Bartolomeu
Perestrelo, sogro de Pêro Correia, Capitão do Donatário da mesma ilha Graciosa,
se contam Gabrielle Pallastrelli e Bertolina Bracciforte, , pais de Filippo
Pallastrelli, o primeiro que passou de Piazença a Portugal em 1384/ 1385 ( e foi
conhecido como “o espanhol”). Ora esta Bertolina surge em várias genealogias
manuscritas portuguesas como Bertolina Bectaforte66
É admissível que as armas dos Sodré portugueses pareçam retomar a heráldica
inglesa da família Botiler, e constitui um facto que estas últimas estão
“aparentadas” com as que foram usadas pelos descendentes de Theobald
Fitzwalter, criado “Chief Butler” da Irlanda por Henrique II de Inglaterra 67.
Como também julgamos ter estabelecido que a tradição da origem inglesa dos
Sodré, já patente no epitáfio de Frei Duarte Sodré, falecido em 1500 (ignorando
embora a data da inscrição), remonta documentadamente ao reinado de D. João II.
Até agora, de palpável, não surgiu ainda mais nada, a não ser a eterna constatação
dos novelos genealógicos em que os linhagistas envolvem os copistas incautos.

66
Vasconcelos, Sebastião Perestrelo de, Manuscrito sobre os Perestrelo, Torres Vedras: 1973, cap. VIII,
Fillipo Pallastrelli – O Espanhol (cópia amavelmente cedida por Lourenço Correia de Matos)
67
GREHAM, Jonhn Irish Clans, Jonhn Hinde Ltd, Dublin: 1994, p. 12
23
24

2 O estado da questão, revendo o pioneiro Sérgio Sodré de Castro

Para o relançamento da questão da origem dos Sodré, já obliquamente aflorada por


autores mais antigos, contribuiu, como dissemos, a publicação de trabalhos de Sérgio
Sodré de Castro 68 que, baseada inicialmente, ao menos no que respeita ao “entronque
inglês,” nas Genealogias Manuscritas da Torre do Tombo, 69 e na Colecção Pombalina
da B.N.L. bebidas em José Freire de Montarroyo (1743),70 cuja versão é aceite por
MANSO DE LIMA71, retomava tradições genealógicas que deduziam, sem pestanejar,
os modestos Sodré portugueses a partir de algumas das mais ilustres famílias titulares da
Grã-Bretanha e, a partir daí, - embora tendo o cuidado de tentar com paginar o conteúdo
dessas fontes com o Burke’s Peerage & Baronetage,- 72 aceitava ligações que
remontavam a origens quase imemoriais.

É certo que esta ligação aos “Sudley”, ou “Sudeley” britânicos, (ou “Soudray”, ainda de
acordo com outros autores) apresentados como tronco original dos Sodré portugueses,
era tradicional na genealogia lusitana, encontrando-se tão bem, ou tão mal documentada
em fontes primárias, como a maioria das famílias estrangeiras índigenadas na centúria
de Quatrocentos, e como tal tinha vindo a ser referida por numerosas genealogias
manuscritas.
E assim permaneceria se, nos nossos dias, se esse “entronque” não tivesse sido
ressuscitado com a publicação dos supracitados trabalhos que inicialmente retomavam a
versão tradicional dos genealógicos, procurando compatibiliza-la, na medida do
possível, com a ascendência dos Sudeley ingleses 73
A primeira versão das gerações iniciais dos Sodré portugueses, tal como vem referida
por Sérgio Sodré de Castro no seu primeiro trabalho em apreço, não estaria isenta de
dificuldades.
Este autor (que, neste passo, seguiria, entre outros, o já referido Nobiliário Peixoto ou,
CORDEIRO 74) iniciava deste modo a proposta ascendência materna de Vasco da Gama
no atinente aos Sodré:

68
A Linhagem de Vasco da Gama (subsídios), edições Universidade Livre, Lisboa: 1986.
69
IAN/TT., Genealogias Manuscritas, 21 E 25, pp. 209-301 (PEIXOTO – Nobiliário).
70
<< (…) vimos os papeis e memórias que conservaram alguns ramos da mesma família e depois os
livros dos Reys de Armas de Inglaterra (!?) e de tudo formaremos este Tratado >> De Acordo com Sérgio
Sodré de Castro este autor teia visto o tomo I, p. 428 da obra “The Baronetage of England”, de William
DRUGDALE (Norroy Rei de Armas) morto em !686, (CASTRO, Sérgio Sodré de, “Da Origem do
apelido Sodré” in Armas e Troféus, VI Série, Tomo I – Janeiro – Dezembro – n.º 1, 2 e 3, 1987-1988).
71
MANSO DE LIMA, Famílias de Portugal, tomo III, B.N.L, reservados, cod. 1301, fls. 23-24.
72
Burke’s Peerage & Baronetage, 105 ed., Glasgow, Burke´s Peerage (Genealogical Books) Ltd., 1980, p.
2575.(citado por CASTRO, Sérgio Sodré de, em A Linhagem de Vasco da Gama (subsídios), edições
Universidade Livre, Lisboa: 1986.). A respeito deste entronque, e da similitude que encontrou entre as
fontes portuguesas e a publicação britânica, escreveu Sodré de Castro a p. 31 da obra em apreço << O
Burke´s Peerage & Baronetage teve a sua primeira edição em 1826 e repare-se que, sendo pelo menos
um século e meio posterior a Peixoto, coincide com este em toda a sequência de nomes apresentados no
apelido Sudeley (Ralph, Harold, John, Ralph), julgo ficar assim comprovado o valor das antigas
memórias usadas por Peixoto, como sendo o resultado de antigos testemunhos que não foram inventados
>>.
73
A varonia destes titulares ter-se-ia extinguido em 1475, (como refere CASTRO, Sérgio Sodré de, que
remete para o já referido Burke’s Peerage and Baronetage, 105, ed Glasgow Burke’s Peerage
(Genealogical Books) Ltd, 1980, p. 2575).
74
CORDEIRO, Luciano, Os Primeiros Gamas, Lisboa, Companhia Nacional Editora, 1898, cap. IX.,
obra que, terá seguido a “Colecção de vários títulos genealógicos”, B.N.L, P. R. tomo V, c. 82.”
25

<< O apelido Sodré deriva do senhorio inglês de Sudley, ou Sudeley, onde hoje se ergue
o castelo de Sudley, tendo passado a Portugal devido ao auxílio inglês na terceira guerra
com Castela travada pelo rei D. Fernando em 1381-1382 >> 75.
Veremos adiante que esta chegada a Portugal da família no contexto preciso das
chamadas guerras fernandinas parece difícil de conciliar com a mais antiga referência
documentável a uma religiosa de um convento português que usaria este apelido já no
derradeiro quartel do século XIV.
Muito sumariamente recordaremos que este autor apresenta o português Fernão Sodré,
referido como cavaleiro da casa de D. João I, com 200 libras de moradia, que lograria
em 141476 , como filho de um Fradique (ou Frederico) Sudley77 que, recorrentemente,
tem surgido como alegado tronco dos Sodré portugueses, mencionado, (ao que
admitimos sem suporte documental recolhido em fontes primárias), como tendo
chegado a Portugal integrando a hoste de Edmundo, conde de Cambridge, e depois
duque de York, que, em 1381-1382, veio auxiliar D. Fernando I na sua segunda guerra
com Castela.
Somos obrigados a recordar que, no trabalho em apreço, esse mesmo Frederico Sudley é
mencionado como sendo filho de um Bartolomeu Sudley (irmão de John Sudley, que
teria sucedido na casa paterna) que o mesmo autor, possivelmente por lapso, refere
como << falecendo sem descendentes >>78.
Acrescenta o mesmo Sérgio Sodré de Castro, ao que supomos baseado nas mesmas
fontes – que nós sempre tínhamos encarado, na melhor das hipóteses, como
possivelmente tardo-seiscentistas - , que <<o supracitado Bartolomeu Sudley era filho
de outro Bartolomeu Sudley, que sucedeu a seu irmão Raul Sudley, pagando 100 libras,
em 1218, a Henrique III pelo livramento das suas terras, e teria casado com Jeanne de
Beauchamp, (filha de Guilherme de Beauchamp, 1º conde de Warwick nesta família), e
teria detido os cargos de xerife e governador do castelo de Hereford.79 >>
Ignoramos em absoluto de onde foi colhido o entronque, que recuava as ligações destes
Sudley, até aos reis de Wessex, a Guilherme – o Conquistador -, e até Rolf – o vicking
– das sagas nórdicas.

Entronque esse que, é forçoso sublinhá-lo, o próprio Sérgio Sodré de Castro viria
honradamente a abandonar, emendando-o em obra posterior, como também admitiria
não ter encontrado nunca o menor rasto documental do celebrado Fradique Sodré.

Mas esta, verdadeiramente deslumbrante e grandiosa, viagem no tempo teve o condão


de irritar o marquês de Abrantes, o que até certo ponto se compreende.
Sobretudo tendo presente que a profundíssima capilaridade social iniciada em meados
do século XVIII, o desmoronamento da sociedade do Antigo Regime, a ascensão (e
queda) da burguesia nobilitada durante o cabralismo, e a vertiginosa aceleração do
tempo histórico de ascensão social em sociedades que formalmente - embora contra
todas as evidências - continuam a reclamar-se de igualitárias, tenha feito esquecer
algumas realidades importantes para o investigador.

75
CASTRO, Sérgio Sodré de, op. cit., p. 31.
76
Monumenta Henricina, vol. IV, Lisboa: 1962, p. 234. (mencionada como a mais antiga referência
documentada a um Sodré português (CASTRO, Sérgio Sodré de, “Da Origem do apelido Sodré” in
Armas e Troféus, VI Série, Tomo I – Janeiro – Dezembro – n.º 1, 2 e 3, 1987-1988, p. 134).
77
Que, por seu turno, é apresentado por alguns como filho, ou sobrinho, do britânico John Soudray
78
CASTRO, op. cit., p. 20.
79
CASTRO, op. cit., p. 21.
i
Genealogista nascido cerca de 1570, autor dos «Diálogos Morais de Políticos» (1630).
26

E uma dessas realidades, que são objectivas e evidentes para quem se debruça sobre
estas questões, foi sintetizada pelo próprio marquês de Abrantes:
<< Paralelamente seria bom que se compreendesse de uma vez por todas que o fosso
que se abria nos séculos XV e XVII entre um escudeiro nobre e um burguês, era bem
menor do que o que separava aquele primeiro de um “Grande” do Reino>> 80 .
Ora as informações sobre os Sodré colhidas em fontes primárias pareciam apontar, à
partida, para uma linhagem de funcionários administrativos, cuja ascensão ao estamento
da nobreza, efectuado ao longo do século XV, teria sido progressiva e gradual, não
obstante a alegada menção de 1414, que referiria Fernão Sodré como cavaleiro da casa
de D. João I, eventualmente reforçada por outra, de idêntico teor (embora nesta se
referisse que receberia 1200 libras), datada de 1444 81.

Ascensão aliás conseguida a despeito de um percurso acidentado e turbulento que não


exclui condenações por roubo, seguidas de prisão confisco de bens, e sua restituição
parcial, reintegração na confiança régia, querelas e pugilatos, bem como degredos
perdoados. Pelo menos alguns destes aspectos controversos, seriam parcialmente
conhecidos pelo marquês de Abrantes, que confrontado com a publicação de trabalhos
que, não só retomavam a versão tradicional do “entronque” inglês, como o procuravam
compatibilizar com a genealogia dos medievais barões Sudeley, se sentiu obrigado a
sair à estacada no supracitado artigo publicado nas Armas e Troféu, no qual
designadamente escreveu:
<< Seja como for, no entanto, possuímos provas documentais de que os irmãos Sodrés
trabalharam na alfândega de Lisboa numa época anterior a 27 de Agosto de 1437 -
dado que o rei D. Duarte emitiu nessa data uma carta a fim de pagar o dote de D.
Aldonça de Meneses, pagamento que se efectuou com base em propriedades
confiscadas a Fernão Sodré e a outros oficiais da alfândega de Lisboa por se haver
descoberto haverem-se eles locupletado com muitos valores com muitos valores
subtraídos à Fazenda Real 82>> .

Aqui D. Luís “jogava em casa “ porque, em boa verdade conhecemos esta ocorrência
pelo próprio monarca, que a ela se refere numa carta de 2 de Julho de 143783 :
<< Dom Eduarte etc. A quantos virem fazemos saber que em seendo fernam sodre
scprivam da nossa alfandega desta cidade de lixboa nos deserujo no dicto officio
tomando elle e querendo pera ssy como nom deuja panos e outras outras cousas do que
a dicta alfandega rendia polla qual razam o dicto fernam sodre foy preso e priuado do
dicto officio e tomados pera nos todos seus beens mouees e de raiz os quaães beens

80
Távora, D. Luís de Lencastre e , - “Sociologia portuguesa dos séculos XV e XVI, o Caso Excepcional
da Ascensão Nobiliárquica de Vasco da Gama”, in Armas e Troféus, VI série, tomo V, 1993, pp. 48-49.
81
CASTRO, Sérgio Sodré de, “Da Origem do apelido Sodré” in Armas e Troféus, VI Série, Tomo I –
Janeiro – Dezembro – n.º 1, 2 e 3, 1987-1988, p. 134.(citando MARQUES, João M. da Silva,
Descobrimentos Portugueses, vol. I, Lisboa: 1944, p. 881, que refere IAN/TT., Chanc. D. João I, liv. 1,
fl. 224v, 1.ª col.)
82
Diploma que se conservava no arquivo da Casa de Abrantes, actualmente depositado no IAN/TT.
Fernão Sodré foi escrivão da alfândega de Lisboa, mas foi acusado de ter cometido vários roubos, motivo
pelo qual o rei D. Duarte o andou prender e confiscar-lhe os bens, entre os quais metade de uma quinta <<
acerca desta cidade de lixboa Jmmto com o Resio de samta barbora>> ( informação de SOVERAL,
Manuel Abranches de). IAN/TT., Chanc. D. Afonso V, liv. 1, fl. 78 (Citada por MARQUES, João M. da
Silva, Descobrimentos Portugueses, vol. I, Lisboa: 1944, suplemento ao vol I, p. 57, referido por
CASTRO, Sérgio Sodré de, “Da Origem do apelido Sodré” in Armas e Troféus, VI Série, Tomo I –
Janeiro – Dezembro – n.º 1, 2 e 3, 1987-1988, p. 134).
83
IAN/TT., Chanc. D. Duarte, liv 1, fl. 224v, 1.ª col. (Referida em Descobrimentos Portugueses (1147-
1460), Instituto Nacional de Investigação Científica, Lisboa: 1988, vol. I, p. 381)
27

queremos por confiscados e encorporados a nossa câmara e ao nosso património pelo


que dicto he. E ora querendo nos com elle obrar mjsericordia e piedade o mandamos
soltar E lhe leixamos gram parte dos dictos seus beens pera ajuda e poportamento de
sua uida E pera per elles dar compridamente partiçom e quinhom a seus filhos de toda
a sua djreita parte que lhes per morte de sua madre ficarom assy mouel como raiz que
lhe de djreito pertencia d auer de sua herança dos dictos beens que lhe assy
filhamos>>.
Desta restituição parcial o soberano excluía a metade duma quinta junto de Lisboa
(adjacente ao Rossio de Santa Barbara 84) que o rei vendeu a Amadis Vasques de
Sampaio, seu despenseiro, que já possuía a outra metade.
Parece aceitável que a 2.ª mulher deste Fernão Sodré pudesse ser irmã do despenseiro
Sampaio, ou este último ser casado com uma irmã dela, cada uma herdeira de metade da
dita propriedade.
A metade da quinta incorporada na fazenda real pelo supracitado confisco foi avaliada
em 40.000 reais de prata, de 35 libras cada um, quantia que veio a receber D. Aldonça
de Menezes, filha mais velha de D. Pedro de Meneses, conde de Viana, a quem essa
parcela havia sido dada como penhor de uma parte do dote que lhe havia sido prometido
pelo rei85.
Num diploma de 27 de Agosto de 1437 em que se refere esta dívida para com D.
Aldonça menciona-se que Fernão Sodré, escrivão que foi da alfândega, pagou 76.200
reais << por certos beens que per nosso mandado foram tornados ao dicto Joham
sodree ao qual fernam sodree prougue de tomar em ssy os dictos beens e pagar os
dictos dinheiros>>86
Com todo o respeito que nos merece a memória do nobre marquês, esse Fernão Sodré,
por ele referido como irmão de André Sodré (ambos “funcionários ou organizadores” da
alfândega de Lisboa), poderia, em tese, identificar-se (é aliás o único do nome
mencionado em fontes no período em apreço, de acordo com Sérgio Sodré de Castro)
com o homónimo, criado e cavaleiro da Casa Real no reinado de D. João I, que teria
acabado a sua acidentada carreira como Reposteiro-mor da rainha D. Isabel de Castela,
de acordo com uma nota do manuscrito de D. Flamínio de Sousa que Sodré de Castro
refere sem mais indicação.
Se esta alegada nota for credível, dado que apenas o documentamos três décadas antes,
sendo ainda escudeiro, a “reabilitação” de Fernão Sodré poderá ter-se ficado a dever
(ainda antes de 1437) à influência de sua 2.ª mulher que surge referida (pelo mesmo D.
Flamínio de Sousa87) como ama da supracitada rainha, como veremos abaixo.

Nada, mas mesmo nada, obsta a que um cavaleiro desempenhasse funções na alfândega
de Lisboa. Mas sucede que as supracitadas fontes primárias que tivemos ensejo de citar
84
Esta quinta partia com Afonso Vasques, armeiro, Afonso Rodrigues, alfaiate de mancebas solteiras,
Com Álvaro Vasques, mestre de fazer naus, com Rui Vasques, mercador, João Lourenço, moedeiro, com
Pedro de Serpa, com Martim Vasques, que foi homem da alcaidaria, com a estrada publica que vai para
Carnide e com o <<Resio>> do concelho, << onde jogam ho arco>>, e com Gil Afonso, sapateiro, e
outros.
85
Cf. NFP, vol. XXI. p. 132. D. Aldonça tinha casado com Rui Nogueira, cavaleiro da casa do Infante D.
Duarte (IAN/TT., Gaveta II, mç I, fl.10), conselheiro régio (IAN/TT., Chanc. D. Duarte,, liv. I, fl. 150)
senhor do morgado de S. Lourenço e alcaide-mor de Lisboa em sucessão de seu pai Afonso Eanes
Nogueira. Em 1437.08.27., já este 1.º marido tinha morrido, foi efectuada uma doação régia de vários
bens a D. Aldonça, em pagamento da quantia de 4.000 coroas que o monarca devia ao falecido, e
assumidas em nome de D. Pedro de Meneses quando do casamento deste com D. Beatriz Coutinho (Cf.
IAN/TT., Chanc. D. Duarte, liv I, fl. 150, publicado em CPDD, vol I, tomo 2, pp. 125-129, n.º 836).
86
IAN/TT., Chanc. D. Duarte, liv. 1, fl. 225 (informação de SOVERAL, Manuel Abranches de,).
87
Sem cota
28

o mencionam apenas como escrivão da alfândega, omitindo a sua alegada qualidade de


criado e cavaleiro da Casa Real, referido noutras fontes citadas por Sodré de Castro
estribado no Códice de D. Flamínio de Sousa.
Em boa verdade, para tentar estabelecer marcos cronológicos à biografia deste Fernão
Sodré, confirmámos que existe uma referência a esta personagem que o posiciona
claramente. Mas não o menciona como cavaleiro, como pretendem as supracitadas
fontes publicadas. Em 1414, Fernão Sodré, escudeiro de D. João I, auferia 200 libras de
moradia 88
E ficámos também cientes pelo conteúdo das fontes parcialmente transcritas de que o
Fernão Sodré escrivão, e alegado irmão de André Sodré, outrossim funcionário da
alfândega, poderia ter casado, pela 2.º vez com uma irmã da mulher do despenseiro
régio Amadis Vasques de Sampaio (o que significaria este último ser cunhado de
Fernão, por ter casado com uma irmã de sua 2.ª mulher, cada uma delas herdeiras de
metade da dita quinta), de quem teria tido – entre outros possíveis – um filho chamado
João Sodré, aparentemente primogénito do 1.º casamento. Regressaremos adiante a esta
ligação de parentesco.
Mas Sérgio Sodré de Castro investigou, e publicou, um outro casamento, em segundas
núpcias de ambos os nubentes, deste Fernão Sodré com uma Teresa Eanes, que primeiro
havia sido casada com um Afonso Lopes, casal que este autor assevera terem sido amos
da rainha de Castela D. Isabel, filha do Infante D. João, Condestável do reino e
administrador da Ordem de Santiago 89.
E adianta este investigador que Fernão Sodré e Teresa Anes promoveram um casamento
entre dois filhos seus (nascidos dos matrimónios anteriores), mais precisamente o
supracitado João Sodré e Isabel Serrã (mencionada pelo mesmo autor como donzela da
Infanta D. Beatriz) aos quais, em 6 de Setembro de1447, fizeram doação de todos os
seus bens sitos em Montemor-o-Novo, Alcácer do Sal, Almada, Lisboa e Mafra, sendo
que os irmãos da desposada Isabel Serrã (João Serrão e Inês Serrã) teriam abdicado das
respectivas heranças em favor daquele casal.

Não conseguimos ainda verificar se os bens situados em Montemor-o-Novo fariam


parte do quinhão doado por Fernão Sodré, ou se teriam pertencido a Teresa Eanes,
precisão relevante pelo facto da inquirição sobre a ascendência de Vasco Gil Sodré se
ter desenrolado nas vilas de Montemor-o-Novo e Alcácer do Sal, mas pode não se tratar
de simples coincidência o facto de se documentarem como representantes concelhios de
Alcácer do Sal, em 1442, um Martim Eanes Serrão e um Esteves (sic) Serrão, possíveis
parentes de Teresa Eanes, mãe de Isabel Serrão 90. Coincidência essa que não invalida a
possibilidade do próprio Fernão Sodré ser proprietário em Montemor-o-Novo e Alcácer
do Sal, e haver casado em segundas núpcias com uma senhora que também o fosse
Apenas julgamos poder deduzir que este João Sodré, almoxarife do armazém de Lisboa,
91
aparentemente o único filho até agora documentado do 2.º casamento do escrivão da
alfândega de Lisboa Fernão Sodré, que se encontra referido em fontes primárias como
escudeiro de D. João I em 1414, deverá ter nascido ao redor de 1415/1422, o que
implica necessariamente que seu pai tivesse nascido ainda nos finais do século XIV,
autorizando assim duas suposições:

88
RECEITAS E DESPESAS DA FAZENDA REAL DE 1384 A 1481 (SUBSÍDIOS DOCUMENTAIS),
Jorge de Faro (publicadas por), Instituto Nacional de Estatística, Lisboa, 1965, p. 53
89
CASTRO, Sérgio Sodré de, “ Ligações Familiares de Vasco da Gama Pelo Lado Materno” in Armas e
Troféus, Lisboa: 2002/2003, pp. 453-465
90
BAQUERO MORENO, A batalha…, p. 56..
91
IAN/TT., Chanc. D. Afonso V, liv. 1º, fl. 78.
29

- Primeiramente que Fernão Sodré se situaria, sem grande margem para dúvidas, na
geração da alegada Brígida Sodré, dita de Bitaforte, a que regressaremos ao tratar da
ascendência de Vasco Gil Sodré da ilha Graciosa.
- E em segundo lugar que estes dois não deveriam pertencer à geração da monja
documentada no derradeiro quartel do século XIV a usar o apelido Sodré, o que aponta
para uma “chegada” ao reino de Portugal desta família - pelo menos - uma geração
antes do escrivão Fernão Sodré, escudeiro de D. João I em 1414

Sérgio Sodré de Castro, cujo meritório trabalho temos vindo a acompanhar, adianta
ainda que este João Sodré foi almoxarife do Armazém de Lisboa 92, escudeiro e criado
da Casa Real em 1447, ano do seu presumível casamento com Isabel Serrã 93.
Verificamos que, oito anos volvidos, em 25 de Março de1455, D. Afonso V fez-lhe
doação da quinta do Lamoso no almoxarifado do Porto, com sua << honra>> jurisdição,
direitos e padroados 94.
Se estivermos correctos (e mesmo abstraindo da qualidade de donzela da Infanta D.
Beatriz atribuído a sua mulher, mas que não confirmámos ainda) os termos da doação
desta quinta do Lamoso apontariam inequivocamente no sentido de que, se este João
Sodré não o integrava já, pelo menos em 1455 terá passado a pertencer ao estamento da
nobreza, o que não coincide exactamente com a caracterização desta família feita pelo
marquês de Abrantes nas passagens que transcrevemos.

O mesmo D. Luís de Lencastre e Távora ao referir-se ao alegado avô paterno de Vasco


da Gama, escreve no mesmo trabalho: 95 << …Era ela (Isabel Sodré) filha de um tal
João de Resende – cujo nome deveria ser indicativo de origem, dado que jamais alguém
pretendeu entroncá-lo na linhagem desta designação. O apelido de Isabel Sodré vinha-
lhe, portanto, de sua mãe, que pertenceria à família burguesa alfacinha que assim se
chamava. Família burguesa mas por certo senhora de bons cabedais, granjeados pelo
seu fundador conhecido, um tal André Sodré, a quem fora cometida, de parceria com
um irmão (Fernão Sodré), a organização da alfândega do porto de Lisboa >>.
Pessoalmente temos ainda menos certezas do que o saudoso D. Luís, que possuía no
arquivo da sua casa um diploma que referia terem sido confiscadas antes de 1437 os
bens de Fernão Sodré, acusado de se ter locupletado com valores subtraídos à Fazenda
Real.
Terão ficado senhores de bons cabedais (como entende D. Luís) mesmo depois do
confisco e da “restituição” de grande parte dos bens confiscados?
Que Fernão Sodré não ficou na miséria parece poder deduzir-se do facto de haver
adquirido por 76.200 reais uma parte dos bens que pertenciam ao quinhão de herança
de seu filho João, e da dotação de bens dispersos por várias localidades que, com sua 2.ª
mulher, fez ao filho João e nora.

92
Com efeito, em 10 de Julho de1449.., é referido como morador em Lisboa (Estremadura) e Almoxarife
do Armazém de Lisboa, a receber bens confiscados a Estêvão Rodrigues, escudeiro do Infante D. Pedro.
(IAN/TT., Chanc. D. Afonso V, liv. 34, fl. 176v; liv. II de Estremadura, fl. 47v, referido por BAQUERO
MORENO, A Batalha…, fls. 560 e 612).
93
CASTRO, Sérgio Sodré de, “ Ligações Familiares de Vasco da Gama Pelo Lado Materno” in Armas e
Troféus, Lisboa: 2002/2003, pp. 453-465.
94
IAN/TT., Chanc. D. Afonso V, liv.15, fl. 78v e IAN/TT., Livro IV de Além Douro, fls 145-145v
(referido por BAQUERO MORENO, A Batalha…, p. 569, que o menciona << entre os funcionários
administrativos que estiveram na batalha de Alfarrobeira, (citado por SODRÉ de CASTRO, <<Ligações
Familiares…>>, .).
95
ABRANTES, marquês de, ob. cit., p. 48.
30

O marquês de Abrantes entendia que sim, e explicava por essa via a aliança com os
Gama, que, não obstante, descrevia como uma << família de escudeiros por vezes
aumentados a cavaleiros>>.
Mas objectivamente, a partir da supracitada doação de 1447, parecem detectar-se
indícios, senão de bons cabedais, ao menos de vários bens fundiários na posse do casal
João Sodré e Isabel Serrã, de que procederia Isabel Sodré, a mãe de Vasco da Gama, e
outros descendentes aos quais, só muito episodicamente, terá cabido o epíteto de
“alfacinhas” com que os caracteriza o marquês de Abrantes.
Como veremos, a alegada família de Isabel Sodré pertenceria também inicialmente ao
médio funcionalismo régio, e por essa razão temos dificuldade em aceitar o distinguo
subtil que leva D. Luís de Lencastre e Távora a opinar que Estêvão da Gama (oriundo,
repetimos, << duma família de escudeiros acrescentados a cavaleiros>>) teria
procurado uma aliança com burgueses ulissiponenses endinheirados. Temos, e
continuaremos a ter, fundadas dúvidas sobre a precisão do estatuto de escudeiro
(nobre?) em 1414, mas não nos restam dúvidas de que o epíteto de “escudeiros ligados
ao médio funcionalismo régio” seria mais adequado, tanto mais que, como teremos
ensejo de ver, as duas famílias ascenderão simultaneamente, mas não com a mesma
retumbância, a cavaleiros e, depois, fidalgos.
A nós, singelamente, os Gama e Sodré desta altura parecem-nos farinha das mesmas
sacas do oficialato, como se depreenderia do contido nas obras de Luciano Cordeiro 96 e
Correia Alves97
Se os Sodré chegaram a Portugal ao redor de 1380, como é tradicionalmente referido, (e
uma vez que não temos conhecimento de provas que os documentem como tendo
integrado o contingente de tropas comandado pelo conde de Cambridge, mas sendo
conhecido que as trocas comerciais e contactos diplomáticos luso-britânicos foram
frequentes na segunda metade do século XIV) não será de todo incompreensível
encontrar uma monja de apelido Sodré no último quartel do século XIV, como sucedeu
a senhora D. Teresa Schedel de Castelo Branco.

Mas é forçoso confessar que inicialmente considerámos a propalada origem britânica


dos Sodré como mais uma daquelas hipóteses que os genealogistas tardios tendiam a
apresentar como factos inquestionáveis, hoje sabemos que essa “tradição” remonta, pelo
menos, ao reinado de D. João II (1481- 1495).
E essa desconfiança reforçava-se com a suspeita de que, tanta a alegada pertença à hoste
do conde de Cambridge, como a vinda para Portugal a rogo de D. João I, conflituavam
com a descoberta de uma freira de apelido Sodré documentada no último quartel do
século XIV, para não falar já do Fernão Sodré, escudeiro de D. João I em 1414.
O apelido, é certo, parecia insólito, admissivelmente indigenado a partir de uma origem
estrangeira, mas nada garantia que fosse de raiz inglesa como afiançava uma tradição
que reputei de tardia, e aliás veementemente contestada pelo marquês de Abrantes, nos
termos em que era proposta.
Cerca de uma década depois da publicação dos comentários de D. Luís de Lencastre e
Távora, Sérgio Sodré de Castro viria a tornar público um seu novo estudo sobre a
mesma questão 98 que recorria já a um leque de fontes mais alargado.

96
CORDEIRO, Luciano, Os primeiros Gamas, Lisboa, Secção Editorial da Companhia Nacional Editora,
1898, IX, pp. 107-115
97
ALVES, Ivone Correia, GAMAS E CONDES DA VIDIGUEIRA, percursos e genealogias,(prefácio de
Umberto Baquero Moreno) Lisboa, Edições Colibri, Instituto de Cultura Ibero-Atlântica, 2001
98
CASTRO, Sérgio Sodré de, <<Ligações Familiares de Vasco da Gama Pelo Lado Materno>> in Armas
e Troféus, Lisboa: 2002/2003, pp. 453-465.
31

Nesse trabalho, e na sequência da correcção que já havia efectuado em o “Brasão de


Sodré-Chefe” este autor não referia já o contexto das guerras fernandinas como
“cenário” da passagem dos deste apelido a Portugal, optando pela referência – quanto a
nós mais ajustadamente alargada ao << contexto das contingências da aliança com
Inglaterra >> 99.
Mas reafirmava a ascendência inglesa, embora redireccionando-a para o entronque num
casal britânico, que referia como William le Botellier e Joane Sudley, casados cerca de
1341. E prosseguia: <<Os Sodrés portugueses terão conservado o sobrenome feminino
(aportuguesado) e o brasão do lado feminino. Esta persiste como a única explicação
documentada para a origem do nome e armas, outras hipóteses nem chegam a sê-lo por
carecerem em absoluto, até ao momento, de base documental publicável. A cronologia
também demonstra uma continuidade no uso das armas e no estatuto social que arreda
qualquer hipótese de efabulação>>.
Não afastamos a hipótese de que o genealogista brasileiro Francisco António Dória,
(citando por MENDES e FORJAZ) tenha ido “beber” em Sodré de Castro a notícia pela
qual << assevera que Vasco Gil Sodré (tronco dos Sodré da ilha Graciosa) e seu irmão
Diogo Sodré, este tronco dos Sodré Pereira de Portugal e do Brasil, eram filhos do ( já
referido, datado e entroncado) João Sodré, netos de outro (o que se verifica ser êrro)
João Sodré (John de Sudeley) e segundos netos paternos de William le Botelllier (n. em
1330) e de Joan de Sudeley, sendo esta 7.ª neta em varonia de Ralph, conde de
Hereford, no tempo de Eduardo, o Confessor, e tronco dos Sudeley ou Sudeley>>. Esta
versão referida por MENDES e FORJAZ 100 como pertencendo ao professor de
matemática e estudioso das ascendências António Dória.

Já atrás tivemos ensejo de manifestar o nosso cepticismo em relação à genealogia


(entretanto reformulada) proposta por Sodré de Castro, e publicada no seu trabalho de
1986. E também, que considerávamos o “entronque inglês”, tal como era proposto, uma
das muitas ascendências míticas que genealogistas tardo-seiscentistas e setecentistas
divulgaram com insuficiente espírito crítico.
Hoje não perfilhamos exactamente essa posição e somos levados a admitir que a
“tradição” da origem inglesa da linhagem remonta, como dissemos, pelo menos aos
finais do século XV, embora nada nos permita confirmar esse entronque inglês nos
termos em que tem sido reiteradamente apresentado, e contestado.
Desde logo alguns especialistas da heráldica apontam singularidades, pouco frequentes
nas regras da armaria portuguesa coeva, mas que se encontram presentes no brasão dos
Sodré portugueses.

99
CASTRO, idem,
100
<<…mas é com este John Le Botiler que as nossas genealogias antigas e modernas, errando ou
acertando nas genealogias acima desdobradas, identificam o “português “João Sodré (Jonh Sudley ou
Sudeley) acontiado por D. João I e que teria vindo para o nosso país quando o rei português casou com D.
Filipa de Lencastre. Nenhuma dessas genealogias diz com quem ele teria casado, mas dão-no como pai de
um Diogo Sodré, e de Vasco Gil Sodré, o povoador da Graciosa.....recorde-se que de Diogo Sodré nasceu
Fradique Sodré e deste, Duarte Sodré, vedor da Fazenda Real e alcaide-mor de Tomar, casado com
Catarina Nunes, pais de Francisco Sodré, 1.º senhor de Águas Belas Jure uxore (MENDES, António de
Ornelas e Forjaz, Jorge,- Genealogias da ilha Terceira, Dislivro Histórica, Lisboa: 2007, vol IX, p. 2002,
notas 19 e 20).
32

Como observou, por exemplo, METELO DE SEIXAS 101, << Quanto à heráldica da
família Sodré, está já presente nos referidos armoriais manuelinos 102: de azul, uma
asna de prata carregada de três estrelas de seis raios de vermelho e acompanhada de
três taças do segundo. Estas armas retomariam a heráldica inglesa da família Botiler
103
, tal como constam da lápide sepulcral de Sir John Botiler : de Azul, três taças de
Ouro 104. Note-se que um dos ramos da família Botiler, com sede no Lencashire, usou
como diferença uma asna de prata, e que um dos membros deste ramo carregou, ainda,
esta asna com três moletas de vermelho ; o que torna as armas deste ramo inglês
praticamente iguais às dos Sodrés. Esta semelhança, deve-se frisar, não pode, só por si,
levar à conclusão de que os Sodrés portugueses efectivamente entronquem nos Sudley
ingleses (como afirma a quase totalidade dos genealogistas que se ocuparam desta
linhagem); mas apenas permitirá concluir que, à data da constituição das armas dos
Sodrés, já existia a ideia dessa ligação genealógica, que a heráldica vinha tornar
visível>>
Compartilhamos a prudência oportunamente demonstrada por Metelo de Seixas 105, e
tomamos boa nota de que Sérgio Sodré de Castro abandonou pelo caminho a
descendência por linha direita varonil de um Frederico Sudley que – como
expressamente refere este último autor- é << figura de que não encontro
documentação indiscutível, pelo que pararia aqui a investigação genealógica >>
redireccionando-a embora para o supracitado casal William Le Botellier e Joane
Sudley.
Em boa verdade também nós não conseguimos documentar em fontes primárias nenhum
Frederico Sodré, que apenas figura nas genealogias manuscritas, algumas das quais
citadas por LUCIANO CORDEIRO e, mais recentemente, MENDES e FORJAZ
Louvamo-nos na correcção de trajectória efectuada por Sodré de Castro, que é de
sublinhar e aplaudir, e ao longo deste trabalho, teremos ensejo de confirmar que essa
tradição da origem inglesa dos Sodré se encontra bem patente na lápide sepulcral de
Frei Duarte Sodré, falecido em 1500 106 bem como inquirição que terá precedido a Carta
de Brasão de Armas que, em 21 de Março de 1503, 107, foi passada a Diogo Vaz Sodré,
filho do povoador da ilha Graciosa Vasco Gil Sodré.

3 A ascendência próxima de Isabel Sodré, mãe de Vasco da Gama.

O já citado Luciano Cordeiro, 108escrevendo sobre os Sodré, com base nas genealogias
manuscritas do IAN/TT., refere um Gil Pires de Resende, pai de um João de Resende,

101
SEIXAS, Miguel Metelo de, e OLIVEIRA, Duarte Nuno de, < <As armas de D. Vasco da Gama e os
acrescentamentos honrosos na heráldica portuguesa dos séculos XV e XVI>>, in Tabardo, Centro
Lusíada de Estudos Genealógicos e Heráldicos, Universidade Lusíada –Livraria Bizantina, Lisboa, 2002,
p. 34.
102
Livro do Armeiro-Mor e Livro da Nobreza e Perfeiçam das Armas.
103
Estirpe a partir da qual alguns autores parecem deduzir a família portuguesa BOTELHEIRO.,
BOTELHIM ou BOTELHUDO à qual atribuem armas vagamente similares ás dos Sodré.
104
CASTRO, Sérgio Sodré de ,<< O Brasão de Sodré-chefe >>, separata de Armas e Trofeus, Lisboa,
Instituto Português de Heráldica, 1991, p. 135.
105
Provável fonte da nota 20 da nota supracitada. (MENDES, António de Ornelas e Forjaz, Jorge,-
Genealogias da ilha Terceira…, vol IX, p. 2002, ).
106
Como é evidente não podemos garantir que a lousa tumular em apreço foi esculpida nesse ano, e a
inscrição nela lavrada deverá ser da autoria de seus herdeiros, pormenor quase sempre relevante
107
Referida na C.B.A. de Bartolomeu Cordeiro, bisneto de Diogo Vaz Sodré, 1619.09.23. (Cartas de
Brasão de Armas – colectânea - Guarda-Mor, Lisboa: 2003, pp.83-84.
108
CORDEIRO, Luciano – Os primeiros Gamas…, cap. IX, pp. 107-115.
33

que este autor menciona como provedor das valas, ou lezírias do Tejo109, o qual teria
casado em Santarém com uma Maria Sodré, apresentada como filha do evanescente
Frederico Sodré dos genealogistas.
João de Resende e Maria Sodré teriam tido, de acordo com este autor, os seguintes
filhos:

1 – Gil Sodré, que teria permanecido em Santarém, sucedendo ao pai no ofício de


provedor das valas e casando com sua prima direita Inês Sodré, filha de um seu tio
materno chamado Antão Sodré.
2 – Brás Sodré, sobejamente conhecido comandante da caravela Leitoa Velha, que
integrava a frota de Vasco da Gama, na sua 2ª viagem à Índia.
3 – Vicente Sodré, também conhecido e documentado, que viajou para a Índia em 1502
a bordo da nau Esmeralda e comandando cinco embarcações.
4 – Isabel Sodré110., mulher de Estêvão da Gama (e geralmente referida como mãe de
Vasco da Gama 111).
Não nos deteremos na controvérsia gerada em torno da filiação de Vasco da Gama, mas
porque é relevante para a ascendência proposta para Vasco Gil Sodré, povoador da ilha
Graciosa, por Sérgio Sodré de Castro em 2003, e “aflorada” por Mendes e Forjaz, já em
2007, parece aconselhável regressar ao primeiro destes autores, que escreveu:
<< Ao estudar as ligações familiares do grande navegador Vasco da Gama pelo lado
materno é obviamente imperioso começar por determinar quem foi a sua mãe e afinal
ele próprio. Embora assim pareça, à partida, a questão não é absolutamente absurda,
porque é um facto comprovado que, ainda solteiro, seu pai teve um primeiro filho
bastardo (talvez fosse mais correcto designá-lo como filho natural), anterior ao
casamento com Isabel Sodré, a quem deu o mesmo nome e do qual nada transpirou para
a História excepto ter existido e na juventude ter tomado a primeira tonsura no mesmo
dia que seus meios-irmãos>>.
Prossegue Sérgio Sodré de Castro a sua argumentação num parágrafo que, por ora, não
analisaremos:
<< Ora se o descobridor tivesse sido o Vasco da Gama bastardo, então não era
sobrinho de Vicente Sodré, nem seu parente, nem irmão mais novo de Paulo da Gama.
Além de que, a ser verdade, a bastardia jamais deixaria de ser lembrada e apontada
pelos seus inúmeros inimigos ao longo dos tempos, o que não aconteceu…>> 112.
E prossegue este mesmo autor:
<< … A dúvida vai ser outra, é que durante séculos, e ainda hoje, os genealogistas,
copiando-se uns aos outros, induziram em erro os melhores e mais modernos autores
que versaram a figura do conde-almirante D. Vasco da Gama (…) quanto aos seus avós
maternos, ao propalarem que sua mãe Isabel Sodré (mulher de seu pai, Estêvão da
Gama, Alcaide-mor de Sines), era filha de João de Resende, Provedor das valas de
Santarém (…) Obras bem recentes mantêm este mesmo erro, porém já nada o justifica
depois da Academia Portuguesa de História haver publicado em 1990, a matrícula de

109
Suspeitamos que o cargo fosse efectivamente Vedor das valas reais, como se verificava com Álvaro
Pires Baracho que, em 1474. 08.12., recebeu mercê (D. Afonso V) do cargo de Vedor das Valas Reais de
Vila Franca de Xira, (MOZER, Jorge, “Genealogias Estrangeiras em Portugal”, in Armas e Troféus, VI
Série, Tomo VI, Lisboa: 1994, p. 109.).
110
Esta senhora, de acordo com as “visitações” da Ordem de Santiago, efectuadas em 1517 pelo Mestre
de Santiago, D. Jorge á vila Sines, ainda era viva nesse ano, residindo naquela localidade, onde efectuou
dois donativos, um dos quais destinado à compra de uma sepultura
111
Ver nota nº 2.; Luciano CORDEIRO escreve : << Estêvão da Gama casou, ou teve os filhos que delle
conhecemos, de uma senhora chamada Isabel Sodré >> (CORDEIRO, Luciano, ob. cit., p. 107.).
112
Ver nota anterior.
34

ordens da diocese de Évora (1480-1483), pela qual Isaías da Rosa Pereira prova que
Vicente Sodré (irmão mais novo de Isabel Sodré) é filho de João Sodré e de Isabel
Serrã. Assim, é este casal que deve ser considerado o dos avós maternos de Vasco da
Gama, o qual recebeu a primeira tonsura juntamente com seu tio Vicente, em Sines, a 5
de Novembro de 1480, (juntamente com) seu meio-irmão Vasco, e irmãos inteiros
Paulo, João e Pedro .113
A matrícula mencionada demonstra cabalmente que Vasco da Gama era filho terceiro
do casal Estêvão da Gama e Isabel Sodré 114 e que foram seus irmãos mais velhos outro
do mesmo nome (meio irmão, filho ilegítimo de mãe solteira de nome desconhecido,
(nascido) quando Estêvão ainda era solteiro), Paulo da Gama e João Sodré
(espelhando a tradição de dar a um filho o nome do avô materno) e irmão mais novo de
Pedro da Gama (…) Esta descoberta é prenhe de consequências genealógicas, e é este
filão que me proponho explorar, ligando o Conde-Almirante aos Sodrés do século XV e
primeira metade do século XVI, e estes entre si, sem recorrer a genealogias
manuscritas, excepto quanto estas mencionam e permitem alcançar documentação
histórica válida 115 >>.
Perante o que fica acima restam poucas dúvidas sobre a mãe de Vasco da Gama 116,
Isabel Sodré, possivelmente casada com Estêvão da Gama antes de 1470, efectivamente
filha do almoxarife João Sodré (nascido entre 1415/1425 e casado cerca de 1447 com
Isabel Serrã), e neta do escrivão da alfândega Fernão Sodré e de sua 2.ª mulher,
cunhada do despenseiro Amadiz Vasques de Castelo Branco.
Retomando parcialmente o que viemos a expor, apresentaremos uma proposta
provisória e, certamente, muito incompleta

4 Proposta sobre os primeiros Sodré.

&1
113
Idem, p. 454.
114
Vemos pois que Isabel Sodré permanece em Sines muito depois da morte do marido, do
engrandecimento dos filhos, da expulsão de Vasco da Gama e da família. Compra uma sepultura, talvez
para si, em troca de uma “vistimenta de chamalote azull com savastro de chamalote cremesym noua toda
comprida”. Nesta mesma visitação refere-se que uma sepultura custaria a qualquer pessoa 500 reis. A que
extrema miséria teria chegado Isabel Sodré para comprar uma sepultura em troca de uma vestimenta,
numa data em que o filho acumulava já um vasto património?
Outro seu donativo, uma vistimenta para a ermida de Nª S.ª das Salas, é de “damasco verde com savastro
de veludo roxo franjada de retroes de cores noua e boa de todo comprida”, e não ajuda a perceber o
motivo por que Isabel Sodré continua a viver em Sines, depois da expulsão do filho. Deverá entender-se
este facto como indicador de que ela não vivia com o filho, mas em casa própria, e não faria assim parte
da sua família? Tal como Aires da Gama?
Ou teria D. Jorge respeitado a memória de Estêvão da Gama, alcaide e comendador, deixando assim ficar
a viúva em sua casa? Os donativos de D. Aires da Gama também nos dão que pensar. Confirmar-se-á
assim que só é abrangida na expulsão a família mais próxima do almirante, ficando de fora a mãe e os
irmãos? Ou a realidade é bem mais complexa?
Tanto quanto julgamos saber, Isabel Sodré não fará parte do Panteão dos Gamas, no convento de N.ª S.ª
das Relíquias da Vidigueira, não terá honras especiais por ser a mãe do Descobridor, terá que comprar a
sua sepultura em troca de uma “vistimenta”, e parece ter morrido como viveu: sem darmos pela sua
existência. Há sempre aquela dúvida que nos persegue, e se o Descobridor não fosse o Vasco da Gama
seu filho, mas o outro, “filho de homem solteiro e de mulher solteira”, do qual nem o nome da mãe
sabemos? Como homenagear Isabel Sodré, se ela nem era a mãe do Descobridor?...( CORREIA ALVES,
Ivone, - Gamas e Condes da Vidigueira percursos e genealogias, Edições Colibri, Lisboa: 2001, pp.63-
64.).
115
Idem, p. 455.
116
Referido na lista de moradores da Casa Real de 1495, entre os cavaleiros, como Vasco da Gama Sodré
(Códice de D. Flamínio de Sousa (fotocópias de Jorge de Brito e Abreu), vol VI, 4.ª parte, fl.635v).
35

1 N… monja de apelido Sodré encontrada por D. Teresa Schedel de Castelo Branco,


que vivia no derradeiro quartel do século XIV, possível tia, ou irmã, de Fernão Sodré
(abaixo)

2 Fernão Sodré, como escudeiro de D. João I, com 200 libras de moradia em 1414.
Em 2 de Julho de 1437 D. Duarte , referindo-se a delitos praticados anteriormente,
sentenciava << A quantos virem fazemos saber que em seendo fernam sodre scprivam
da nossa alfandega desta cidade de lixboa nos deserujo no dicto officio tomando elle e
querendo pera ssy como nom deuja panos e outras outras cousas do que a dicta
alfandega rendia polla qual razam o dicto fernam sodre foy preso e priuado do dicto
officio e tomados pera nos todos seus beens mouees e de raiz os quaães beens
queremos por confiscados e encorporados a nossa câmara e ao nosso património pelo
que dicto he. E ora querendo nos com elle obrar mjsericordia e piedade o mandamos
soltar E lhe leixamos gram parte dos dictos seus beens pera ajuda e poportamento de
sua uida E pera per elles dar compridamente partiçom e quinhom a seus filhos de toda
a sua djreita parte que lhes per morte de sua madre ficarom assy mouel como raiz que
lhe de djreito pertencia d auer de sua herança dos dictos beens que lhe assy
filhamos>>.
Deste diploma se conclui que, em 1437, o escudeiro e escrivão da alfândega de Lisboa
Fernão Sodré foi solto da prisão pelo monarca, que lhe restituiu grande parte dos bens
que lhe havia confiscado, tendo, entre outros, o objectivo de que ele efectuasse partilhas
com os filhos, designadamente do quinhão que lhes competia por morte da sua mãe.
Ou seja, nesse ano, Fernão Sodré era viúvo e tinha filhos do seu primeiro casamento.
Desta restituição parcial o soberano excluía a metade duma quinta junto de Lisboa
(adjacente ao Rossio de Santa Barbara117) que o rei vendeu a Amadis Vasques de
Sampaio, seu despenseiro, que já possuía a outra metade.
Parece aceitável que a segunda mulher deste Fernão Sodré pudesse se cunhada do
despenseiro Sampaio, (por este último ser casado com uma irmã dela), cada uma
herdeira de metade da dita propriedade.
Com efeito comprovam-se relações de parentesco entre as suas famílias, pois em 5 de
Junho de 1453, D. Afonso V privilegiou Rui de Sampaio, fidalgo da sua Casa,
concedendo licença para que o tabelião que celebrasse o seu contrato de casamento com
Isabel Serrão, filha de Maria Çapata, pudesse aceitar os juramento das partes no dito
contrato118.Posteriormente, em 20 de Dezembro de 1473, o mesmo monarca
privilegiaria Isabel (Serrão), filha de Diogo Serrão e de Maria Çapata, por ter casado
com Rui de Sampaio, fidalgo da sua Casa, sem terem feito a descompensação de
parentesco até ao quarto grau, mandando que o dito casamento fosse considerado
válido119
A metade da quinta incorporada na fazenda real pelo supracitado confisco foi avaliada
em 40.000 reais de prata, de 35 libras cada um, quantia que veio a receber D. Aldonça
de Menezes, filha mais velha de D. Pedro de Meneses, conde de Viana, a quem essa
parcela havia sido dada como penhor de uma parte do dote que lhe havia sido prometido
pelo rei

117
Esta quinta partia com Afonso Vasques, armeiro, Afonso Rodrigues, alfaiate de mancebas solteiras,
Com Álvaro Vasques, mestre de fazer naus, com Rui Vasques, mercador, João Lourenço, moedeiro, com
Pedro de Serpa, com Martim Vasques, que foi homem da alcaidaria, com a estrada publica que vai para
Carnide e com o <<Resio>> do concelho, << onde jogam ho arco>>, e com Gil Afonso, sapateiro, e
outros.
118
IAN/TT., Chanc. D. Afonso V, liv.33, fls 147-147v.
119
IAN/TT., Chanc. D. Afonso V, liv.33, fl. 49v.
36

Decorridos apenas dois meses sobre a carta régia anteriormente citada, num diploma de
27 de Agosto de 1437 em que se refere esta dívida para com D. Aldonça menciona-se
que Fernão Sodré, escrivão que foi da alfândega, pagou 76.200 reais << por certos
beens que per nosso mandado foram tornados ao dicto Joham sodree ao qual fernam
sodree prougue de tomar em ssy os dictos beens e pagar os dictos dinheiros>>
Mas Sérgio Sodré de Castro, como já referimos atrás, investigou um outro casamento,
em segundas núpcias de ambos os nubentes, deste Fernão Sodré com uma Teresa Eanes,
que primeiro havia sido casada com um Afonso Lopes, casal que este autor assevera
terem sido amos da rainha de Castela D. Isabel, filha do Infante D. João, Condestável do
reino e administrador da Ordem de Santiago, mencionando a fonte, mas não o
respectivo fólio.
E adianta que Fernão Sodré e Teresa Anes promoveram um casamento entre dois filhos
seus (nascidos dos matrimónios anteriores), mais precisamente João Sodré e Isabel
Serrã (mencionada pelo mesmo autor como donzela da Infanta D. Beatriz) aos quais, em
6 de Setembro de1447, fizeram doação de todos os seus bens sitos em Montemor-o-
Novo, Alcácer do Sal, Almada, Lisboa e Mafra, sendo que os irmãos da desposada
Isabel Serrã (João Serrão e Inês Serrã) teriam abdicado das respectivas heranças em
favor daquele casal. 120
Não conseguimos ainda verificar se os bens situados em Montemor-o-Novo fariam
parte do quinhão doado por Fernão Sodré, ou se teriam pertencido a Teresa Eanes,
precisão relevante pelo facto da inquirição sobre a ascendência de Vasco Gil Sodré se
ter desenrolado nas vilas de Montemor-o-Novo e Alcácer do Sal, mas pode não se tratar
de simples coincidência o facto de se documentarem como representantes concelhios de
Alcácer do Sal, em 1442, um Martim Eanes Serrão e um Esteves (sic) Serrão, possíveis
parentes de Teresa Eanes, mãe de Isabel Serrão 121.
Este Fernão Sodré, que já mencionámos como tendo sido referido pelo marquês de
Abrantes como irmão de André Sodré (este indocumentado, mas segundo o mesmo
autor ambos “funcionários ou organizadores” da alfândega de Lisboa, teria acabado, a
fazer fé no que escreveu Sodré de Castro, a sua acidentada carreira como reposteiro-mor
da rainha D. Isabel de Castela, de acordo com uma nota do manuscrito de D. Flamínio
de Sousa, que este último autor refere sem mais indicação.
Se esta alegada nota for credível, dado que apenas o documentamos três décadas antes,
sendo ainda escudeiro, a “reabilitação” de Fernão Sodré, (preso e privado do seu ofício,
com os bens confiscados) poderá ter-se ficado a dever (ainda antes de 1437) à influência
de sua 2.ª mulher, que surgirá referida (pelo mesmo D. Flamínio de Sousa?) como ama
da supracitada rainha da mulher de D. Duarte
Filhos de Fernão Sodré e de sua primeira mulher, N…
3 1. N… Sodré, admissivelmente um dos filhos/filhas que o escudeiro Fernão teve do
seu primeiro casamento, expressamente referidos em fontes primárias, que segue no &
2, Resende/Sodré
3.2. João Sodré, filho do segundo matrimónio com Teresa Anes, cunhada de Amadiz
Vasques de Sampaio despenseiro de D. Duarte, que segue:

3.João Sodré possível filho único do segundo casamento de Fernão Sodré, nascido
entre 1415/ 1425, Em 1449 encontra-se referido como almoxarife do Armazém de

120
CASTRO, Sérgio Sodré de, “ Ligações Familiares de Vasco da Gama Pelo Lado Materno” in Armas e
Troféus, Lisboa: 2002/2003, pp. 453-465.
121
BAQUERO MORENO, A batalha…, p. 56..
37

Lisboa, e escudeiro122 da Casa Real. Em 6 de Setembro de 1447, ano do seu presumível


casamento com Isabel Serrã., Fernão Sodré e Teresa Anes fizeram, como já dissemos,
doação de todos os seus bens sitos em Montemor-o-Novo, Alcácer do Sal, Almada,
Lisboa e Mafra, sendo que os irmãos da desposada Isabel Serrã (João Serrão e Inês
Serrã) teriam abdicado das respectivas heranças em favor daquele casal. Em 10 de Julho
de 1449 o mesmo monarca concederia a João Sodré, almoxarife do armazém de Lisboa,
todos os bens móveis e de raiz que tinham pertencido a João Rodrigues, escudeiro do
Infante D.Pedro, que os perdera por ter participado, ao lado do dito Infante na batalha de
Alfarrobeira123
Cerca de seis anos volvidos, em 25 de Março de1455, D. Afonso V fez-lhe doação
vitalícia da quinta do Lamoso no almoxarifado do Porto, com todas os seus direitos,
honras jurisdição e padroados das igrejas, contanto que, por sua morte, a quinta
revertesse outra vez para o património da coroa124. Se estamos correctos (e mesmo
abstraindo da qualidade de donzela da Infanta D. Beatriz atribuído a sua mulher, mas
que não confirmámos ainda) os termos da doação desta quinta do Lamoso apontariam
inequivocamente no sentido de que, se este João Sodré não o integrava já, pelo menos
em 1455 terá passado a pertencer ao estamento da nobreza.
Mas devemos confessar que nos desperta alguma perplexidade constatar que, em 5 de
Julho de 1454, D. Afonso V nomeou pelo prazo de cinco anos, Lourenço Fernandes,
morador na vila de Almada, para o cargo de coudel nessa vila e seu termo, em
substituição de João Sodré125.Se tivermos presente que, em 19 de Julho de 1464 D.
Afonso V aforou a João Sodré, cavaleiro da sua Casa, bem como a seus herdeiros, a
mata da Rentela, situada no termo da vila de Almada, chamada Marinha das Vacas,
mediante certas condições, coloca-se uma questão. Pela cronologia deveria tratar-se da
mesma personagem, e então concluiríamos que o almoxarife ascendera de escudeiro a
cavaleiro da Casa Real antes de 1464. Mas não podíamos excluir de todo que se tratasse
de um outro. E, nesse caso, filho de quem?
Julgamos que a resposta possa residir num diploma de 2 de Agosto de 1476, pelo qual o
monarca perdoava a justiça régia a João Sodré, escudeiro e morador na vila de
Guimarães, pela querela e malefícios que fizera a Nuno Álvares, mercador na mesma
vila, e a Josep Rodriga, judeu aí residente, na sequência do perdão geral outorgado aos
homiziados que foram servir para Castela126 .
Se o João Sodré, residente entre Lisboa e Almada, era cavaleiro, pelo menos, em 19 de
Julho de 1464, não poderia tratar-se o mesmo individuo que, menos de dois meses
antes, se documentava como “João Sodré, escudeiro, morador na vila de Guimarães.
Mas neste ponto a cronologia é incómoda, porque teriam passado apenas 17 anos desde
a data da doação de bens efectuada em 1447 pelo escudeiro e escrivão Fernão Sodré e
sua 2.ª mulher ao casal João Sodré/Isabel Serrão, (que supomos próxima da data do
respectivo casamento) o que, desde logo parecia afastar a hipótese cómoda de um

122
Joam Ssodré nosso escudeiro e allmoxariffe do dito almazém (da dita cidade de Lixboa ), encontra-se
referido numa carta de 3 de Abril de 1450 (emprazamento de umas casas de Lisboa fronteiras à s casas do
Desembargo de Ceuta), como tendo mandado Joane Anes de Pratas, pregoeiro jurado do Concelho de
Lisboa, trazer em pregão umas casas régias na rua do Saco, o que acontecera “auya bem três messes”, ou
seja em finais de Novembro de 1449 (Documentos das Chancelarias Reais anteriores a 1531 relativos a
Marrocos, Pedro de Azevedo (direcção de) Tomo I (1415-1450), Lisboa : Academia das Ciências, 1915,
pp. 539-594)
123
IAN/TT., Chanc. D. Afonso V, liv 34, fl. 176v.
124
IAN/TT., Chanc. D. Afonso V, liv. 15, fl.78v.
125
IAN/TT., Chanc. D. Afonso V, liv. 10, fl.56
126
IAN/TT., Chanc. D. Afonso V, liv. 6, fls. 128v-129
38

escudeiro João Sodré, filho do almoxarife João Sodré e Isabel Serrão a residir no Norte
do reino na sequência da doação a João Sodré, almoxarife, da quinta do Lamoso.
Até porque é nossa convicção que este belicoso escudeiro João Sodré residiria na vila de
Guimarães anteriormente ao supracitado ano de 1446, tendo protagonizado algumas
“brigas” que deixaram rasto. Assim, em 8 de Agosto desse mesmo ano (cerca de uma
semana após a data da primeira carta de perdão que o menciona) o monarca perdoaria
igualmente a justiça régia a João de Santarém, escrivão dos contos, também residente
em Guimarães, pelos ferimentos que este causara a João Sodré, escudeiro, residente na
mesma vila, e a Gonçalo Vasques, meirinho do ouvidor do duque (de Bragança) em
Guimarães127. Mas esse celebrado pleito arrastou-se em justiça, pelo menos até 20 de
Maio de, imagine-se, 1481. Com efeito, nessa data o rei perdoou a justiça régia, bem
como a prisão, a João Gonçalves, escrivão régio da corte na comarca de Entre-Douro-e-
Minho, e a sua mulher, Leonor Vaz, e a seu criado, Álvaro Pires, pela querela que João
de Santarém, filho dos primeiros, tivera com João Sodré, escudeiro do duque de
Bragança, morador em Guimarães, a quem agredira fisicamente, mediante os
instrumentos públicos de perdão feitos a seu favor, tendo pago cada um 500 reais para a
Piedade128
Tendo presentes os seus pais parece poder concluir-se que o antedito João de Santarém
era assim denominado por ser natural da cidade de Santarém. Seria tentador poder
concluir que o belicoso escudeiro do duque de Bragança João Sodré, que fora servir a
Castela, pudesse coincidir com o João de Resende (ou Sodré), cavaleiro de África,
(outrossim natural de Santarém, e genealogicamente dado como filho do contador régio
de Santarém Gil Pires de Resende) morto em combate em Ceuta ao serviço de D. Duarte
de Meneses. Mas a cronologia, de acordo com Gomes Eanes de Azurara, não o autoriza.
E o trabalho do historiador não consiste em procurar “arrumar” as cartas fora do
baralho. Ficamos assim com um João Sodré, escudeiro do duque de Bragança, que
residia em Guimarães desde antes de 1464. Continuamos a ignorar a sua paternidade
aguardando melhor notícia
Filhos do almoxarife João Sodré, cavaleiro da Casa Real, e de sua mulher Inês Serrão :
1.4. Diogo Sodré, filho de João Sodré recebia 4.800 reais dos mantimentos dos
moços que estão no estudo (1473?)129.

2.4. Isabel Sodré, mulher de Estêvão da Gama, pais de Paulo da Gama, Vasco da
Gama130, João e Pedro, (receberam a prima tonsura com seu tio Vicente Sodré e um
filho natural de Estêvão da Gama, de nome Vasco) 131

3.4. Brás Sodré, na lista de moradores da Casa Real figura como escudeiro em
1495132Tendo permanecido no Oriente comandando um navio sob as ordens de seu
irmão Vicente Sodré, foi encarregado em 1503 de bloquear a entrada do Mar Roxo,
numa tentativa de dificultar o comércio otomano com a Índia. Uma tempestade que se

127
IAN/TT., Chanc. D. Afonso V, liv. 6, fls. 128v-129
128
IAN/TT., Chanc. D. Afonso V, liv. 26, fl. 100v.
129
Receitas e Despesas da Fazenda Real de 1384 a 1481…, p. 94 Não é certamente o Diogo Gil, porteiro
da Alfândega de Lisboa, que recebia 3.380 reais de tença graciosa d’el rei (1473?), embora dada a função
e o nome, não excluamos que possa tratar-se de um Sodré (op. cit., p. 102)
130
Possivelmente nascido em Sines em 1468. (ALBUQUERQUE, Luís de, -Navegadores, Viajantes e
Aventureiros Portugueses, Séculos XV e XVI Editorial Caminho, Lisboa: 1987, vol. 1, p.94).
131
Que receberam a primeira tonsura em Sines, a 5 de Novembro de 1480 (PEREIRA, Isaías da Rosa,
Matrículas de Ordens da diocese de Évora, Lisboa, Academia Portuguesa de História, 1990)
132
Códice de D. Flamínio de Sousa (fotocópias de Jorge de Brito e Abreu), vol. VI, 4.ª parte, fl. 654. v.
39

levantou junto das ilhas Curiá Muriá fez naufragar a nau capitania comandada por seu
irmão Vicente, e o navio de Brás Sodré, que se perdeu no mar.

133
4.4.(almirante?) Frei Vicente Sodré (irmão dos antecedentes, como
demonstrou Isaías Rosa Pereira). Em 26 de Janeiro de 1493, mencionado como Frei
Vicente Sodré, Comendador dos Maninhos, na Ordem de Cristo134 fidalgo da casa do
duque D. Manuel, que em 8.de Julho de.1494, diz que o enviou à ilha da Madeira, parte
do Funchal, com a missão de providenciar sobre a cerca e os baluartes a construir no
Funchal 135 Viajou para a Índia em 1502 a bordo da nau Esmeralda e comandando
cinco embarcações, escreveu Sodré de Castro. Já Luís de Albuquerque, num seu estudo
sobre a biografia de Vasco da Gama relata, a propósito desta armada <<… as naus de
fiscalização deviam ser e foram comandadas por Vicente Sodré, tio materno de Vasco
da Gama, que em tal missão devia ser acompanhado por navios sob o comando de Brás
Sodré, Álvaro de Ataíde, Fernão Rodrigues (chamado <<o Bardaças>>) e António
Fernandes. A nomeação de Vicente Sodré (Comendador da Ordem de Cristo) para um
comando à margem da alçada do capitão-mor dera, de resto, lugar a dificuldades. Pelo
que nos conta João de Barros, infere-se que toda a armada devia sob o comando de
Pedro Álvares Cabral; mas este agastou-se com D. Manuel por dar a capitania de cinco
naus da esquadra que ele supunha pertencer-lhe por inteiro, a Vicente Sodré. El-rei
dispensou-o e recorreu a Vasco da Gama.
Efectivamente, em 1 de Abril de 1502 zarpou a frota sob o comando de Vicente Sodré
que além dos supracitados capitães, levava a bordo, entre outros, Estêvão da Gama,
filho de Aires da Gama …quando do regresso de Vasco da Gama, Vicente Sodré
permaneceu no Oriente como estava decidido>> 136 A sua acção no Oriente é conhecida
e foi interrompida pela morte em 1503, no mesmo naufrágio em que pereceu seu irmão
Brás. Para completar a biografia deste nauta sem sobrecarregar o texto sugerimos a
leitura de vários documentos137
Filhos:
1.5. João Sodré, moço-fidalgo da casa de D. Manuel. Em 23.de Abril de.1515,
quando o monarca mandou dar-lhe 30.000 reais “de sua temca” deste ano;
assina tê-los recebido em 9 de Agosto de1516: “Yº Ssodre”138 De 17 de Junho de

133
João de Barros e Diogo do Couto afirmam que Vicente Sodré era tio de Vasco da Gama e irmão de sua
mãe. João de Barros e Diogo do Couto escreveram que Vicente Sodré era tio de Vasco da Gama e irmão
de sua mãe, João de Barros e Diogo do Couto afirmam que Vicente Sodré era tio de Vasco da Gama e
irmão de sua mãe.
134
IAN/TT., Ordem de Cristo/Convento de Tomar, Cód.235, fls. 97-98 (referido por SOUSA E SILVA, A
Ordem de Cristo…p.477).
135
SERRÃO, Joaquim Veríssimo, Itinerários de El-Rei D.João II (1481-1495), Academia Portuguesa da
História, Lisboa, 1993 (citando Luís de Sousa Melo, Arquivo Histórico da Madeira, vol. XVI, pp. 299-
300, doc. nº 180).

136
ALBUQUERQUE, Luís de, -Navegadores, Viajantes…, pp. 116/117.
137
Ordem de D. Pedro de Castro, para se entregar a Afonso Gil, despenseiro da caravela em que ia por
capitão Vicente Sodré 25 quintais de biscoito (PT-TT-CC/2/3/93, documento simples); em Carta régia de
1503 dirigida ao almirante Vasco da Gama em que lhe declara suposto pelo Regimento que Vicente Sodré
levava não devia ter alguma parte nas prezas feitas pelo dito, antes se deveria entender somente como
almirante e não devia haver como capitão-mor (PT-TT. CC/1/4/57, documento simples); carta de 2 de
Fevereiro de 1504, enviada por Pedro de Ataíde a D. Manuel I sobre o que sucedeu na Índia depois da
morte de Vicente Sodré (PT-TT-CC/1/4/57, documento simples);
138
PT-TT-CC/2/56/145.
40

1516 é o mandado régio para serem pagos a este “fydalguo de nosa casa” 6.500
reais da moradia “que lhe mandamos dar de seus corregimentos de escudeiro”;
assina tê-los recebido em 3 de Outubro de 1516 .Faleceu antes de 21 de Outubro
de 1525, data em que Afonso Mexia manda averiguar se no seu testamento ele se
declarava ser devedor à Fazenda Real 139
2.5. Fernão Sodré, fidalgo da casa de D. Manuel, em 17 de Junho de 1516,
quando o monarca expediu provisão para lhe serem pagos 6.500 reais de
moradia “que lhe mandamos dar de seus corregimentos de escudeiro”; assina
tê-los recebido em 3 de Outubro de.1516: “Fernam Sodre”140. Estando em
Cochim a 11.de Fevereiro de.1521 é-lhe paga a quantia de 65 cruzados: “a
Fernam Sodre filho de Vicemte Sodre que de Purtugual veyo por omem d’armas
n’armada de Djiogo Lopez de Syqueyra sasemta e çynco cruzados” [22]. Sendo
fidalgo da casa de D. João III, teve mercê de 30 cruzados por alvará de
01.02.1528, “por que me ora vay seruir ha Imdia” e “pera ajuda de se fazer
prestes” [23

Resende/Sodré

Perdoem que voltemos a recordar que o já citado Luciano Cordeiro, 141escrevendo sobre
os Sodré, com base em algumas das genealogias manuscritas da TT., e B.N.L.
sucessivamente copiadas e citadas até à actualidade refere um Gil Pires de Resende,
pai de um João de Resende, que este autor menciona como provedor das valas, ou
lezírias do Tejo142, o qual teria casado em Santarém com uma Maria Sodré, apontada
como filha do evanescente Frederico (ou Fradique?) Sodré dos genealogistas.
João de Resende e Maria Sodré teriam tido, de acordo com este autor, e alguns copistas
que beberam nas mesmas “fontes”, os seguintes filhos:

1 – Gil Sodré, que teria permanecido em Santarém, sucedendo ao pai no ofício de


provedor das valas e casando com sua prima direita Inês Sodré, filha de um seu tio
materno chamado Antão Sodré.
2 – Brás Sodré, sobejamente conhecido comandante da caravela Leitoa Velha, que
integrava a frota de Vasco da Gama, na sua 2ª viagem à Índia.(o que é erro, como vimos
atrás)

139
PT-TT-CC/2/159/59
140
PT-TT-CC/2/65/54
[
[
141
CORDEIRO, Luciano – Os primeiros Gamas…, cap. IX, pp. 107-115.
142
Suspeitamos que o cargo fosse efectivamente Vedor das valas reais, como se verificava com Álvaro
Pires Baracho que, em 1474. 08.12., recebeu mercê (D. Afonso V) do cargo de Vedor das Valas Reais de
Vila Franca de Xira, (MOZER, Jorge, “Genealogias Estrangeiras em Portugal”, in Armas e Troféus, VI
Série, Tomo VI, Lisboa: 1994, p. 109.).
41

3 – Vicente Sodré, (outro erro, como também vimos) também conhecido e


documentado, que viajou para a Índia em 1502 a bordo da nau Esmeralda e
comandando cinco embarcações.
4 - Isabel Sodré, mulher de Estêvão da Gama, o que já vimos ser falso.

No entanto as confusões persistem na actualidade, como temos vindo a constatar. Numa


dissertação de Mestrado, que foi publicada repete-se a propósito da mãe de Vasco da
Gama <<…Isabel Sodré, filha de João de Resende e de Maria Sodré, e irmã de Gil,
Brás e Vicente Sodré>>143.
O próprio marquês de Abrantes escreveu distraidamente <<….com tudo isto se não
pretende dizer que Vasco da Gama possuísse um foro de nobreza da primeira plana, da
fidalguia senhorial de uma linhagem há muito conhecida. Pelo contrário: a sua varonia
documentada remonta a bem poucas gerações e pelo que dela se sabe podemos defini-la
como sendo a de uma família de escudeiros por vezes aumentados a cavaleiros. Indício
seguro deste facto é o casamento do pai do nauta com uma senhora – a quem
erroneamente alguns autores dão o tratamento de “Dona” que nunca possuiu – fazendo
uso do apelido Sodré. Era ela, todavia, filha de um tal João de Resende – cujo nome
deveria ser indicativo de origem, dado que jamais alguém pretendeu entroncá-la na
linhagem desta designação>>.
Que nos perdoe a memória erudita de D. Luís, mas a mãe de Vasco da Gama não era –
documentadamente – filha dum tal João de Resende, embora concordemos que não
tinha, nem poderia ter, o tratamento de Dona. Depois, a linhagem desta designação tem
muito que se lhe diga, como bem sabia ALÃO de MORAES 144 que circunspectamente
remeteu o suposto pai de Isabel Sodré para um parágrafo 8 do seu título de Resende,
escrevendo apenas:

<< Gil de Resende foi contador em Santarém no tempo d’el Rei D. Duarte. Seguiu a
parcialidade do Infante D. Pedro, seu irmão e, quando a rainha D. Leonor se foi para
Castela, ele foi o que avisou ao dito Infante da sua determinação
Teve:
João de Resende, que serviu em África com o conde D. Duarte de Meneses, em cuja
Crónica145 se fala nele e se diz que uma vitória, que o dito conde tivera, custara a vida a
este João de Resende >>.146.
E aqui, verdadeiramente, recomeçam os nossos problemas. Este João de Resende, tão
celebrado como o nebuloso Fradique Sodré, poderá ser, por mero acaso, o João Sodré,
fronteiro de Ceuta nos primeiros tempos da conquista, que aí praticou vários feitos 147
Se fizéssemos a menor ideia sobre as fontes em que se baseou o autor desta entrada,
quase juraríamos que sim, mas não estamos seguros de que as enciclopédias constituam
sempre uma fonte segura
Mas sucede que, ao contrário do seu filho João, Gil Pires de Resende é uma personagem
bem conhecida do funcionalismo régio, cuja carreira vamos descrever a partir da morte
de D. Duarte

143
ALVES, Ivone Correia, Gamas e Condes da Vidigueira, percursos e genealogias, Lisboa, Edições
Colibri, 2001. p. 63.
144
ALÃO DE MORAES, Cristóvão – Pedatura Lusitana, vol. V, p. 247. § 8.
145
AZURARA, Gomes Eanes O MIGUEL ENCONTROU A PASSAGEM
146
No tocante a João de Resende ABRANCHES de SOVERAL apenas documentamou um homónimo
coevo, mas capelão régio e cónego da Sé de Lamego, que viu legitimada por carta régia de 6 de Junho
1468, uma sua filha, por nome Maria de Resende, havida em Maria Álvares, mulher solteira.
147
Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Editorial Enciclopédia, Limitada, vol. XXIX, p. 504
42

&2

1Gil Pires de Resende, (1433? -1464), que propomos casado com (Maria?) Sodré,
filha do primeiro casamento do genearca Fernão Sodré
<<…O regente (Infante D. Pedro, duque de Coimbra) teve conhecimento da fuga da
rainha (D. Leonor, viúva de D. Duarte) pouco depois da meia noite (2 de Novembro de
1440) através de Gil Pires de Resende, contador de Santarém >>. 148 O mesmo
MORENO identifica este contador mencionando um diploma régio.de.27 de Julho de
1450, onde o mesmo Gil Pires de Resende, contador nos almoxarifados de Santarém e
Abrantes, passava a receber desde o início desse ano, as rendas e direitos da lezíria <<
que he acerca da Toorruja>>. 149
Mas, já uma década antes, em 11 de Maio de 1440, portanto no início da Regência do
Infante D. Pedro, foi escrita em Santarém uma carta régia enviada a Lourenço Eanes,
contador no almoxarifado de Santarém e a Gil Pires de Resende, procurador e
requeredor dos direitos régios no dito almoxarifado150
Seis anos volvidos, em 13 de Abril de1446, o mesmo Gil Pires de Resende havia sido
nomeado por autoridade do. Regente para o cargo de contador e arrendador das rendas e
direitos régios da comarca dos almoxarifados de Santarém e Abrantes em substituição
do supracitado Lourenço Eanes, que, entretanto, fora aposentado151.
No rescaldo da batalha de Alfarrobeira, em 2 de Julho de 1450 152, o mesmo Gil Pires de
Resende, contador régio, recebeu licença para arrendar as sisas, rendas e dinheiros dos
almoxarifados de Santarém e Abrantes, com todos os direitos e deveres inerentes 153. Em
27 do mesmo mês e ano Gil Pires de Resende obteve uma carta de privilégio pela qual
podia deslocar-se em besta muar de sela e freio.
E, apenas decorrido um mês (27 de Julho de1450) 154, o monarca doava a Gil Pires de
Resende, contador régio nas comarcas dos almoxarifados de Santarém e Abrantes,
enquanto sua mercê fosse, os rendimentos do lezirão junto da << Toorruja>>, a partir de
1 de Janeiro de 1450,com todos os seus foros, direitos e pertenças155.
A derrota e morte do Regente D. Pedro parecem não ter significado o final da carreira
deste funcionário. Cerca de 14 anos depois, em 22 de Agosto 1464, D. Afonso V doou a
Gil Pires de Resende, de vedor-mor das obras de Almeirim e solicitador dos direitos
reais nos almoxarifados de Santarém e Abrantes, uma modesta tença anual de 6.000
reais brancos para seu mantimento. 156 Confirma-se assim, genericamente, aquilo que,
escreveu ALÃO DE MORAES, razão que nos move a não vermos razão para duvidar
que tenha efectivamente iniciado a sua carreira sob D. Duarte, embora não exercendo
ainda o ofício de contador régio de Santarém.
Mas, tanto quanto alcançámos, do contador régio Gil Pires de Resende apenas se
documentava directamente, além do supracitado João de Resende 157, (ou João Sodré?)
148
BAQUERO MORENO –A batalha de Alfarrobeira, Lourenço Marques: 1973, p 84.
149
IAN/TT., Chanc. D. Afonso V, liv. 34, fl. 190.
150
IAN/TT., Conventos por identificar, cx. 2, s.n.
151
IAN/TT., Chanc. D. Afonso V, liv. 5, fl. 39
152
Já em 14 de Junho de 1459 o rei havia doado vitaliciamente a Lopo de Condeixa, tangedor de alaúde,
as azenhas e toda a terra que trazia emprazada, entre Alpiarça e Almeirim, assim como foram demarcadas
por Gil Pires de Resende, contador régio nos almoxarifados de Santarém e Abrantes (IAN/TT., Chanc.
D. Afonso V, liv. 36, fl. 208v)
153
IAN/TT., Chanc. D. Afonso V, liv. 34, fls. 99-99v.
154
Trata-se do diploma referido supra por BAQUERO MORENO
155
IAN/TT., Chanc. D. Afonso V, liv. 34, fl. 190.
156
IAN/TT., Chanc. D. Afonso V, liv.8, fl. 62v.
157
Acresce que o único João de Resende coevo que documentámos em fontes primárias, era capelão
régio, cónego da Sé de Lamego e abade da igreja de Faragil (?) que, a seu pedido, viu legitimada por D.
43

um filho, (que em boa verdade poderia ser apenas genro) chamado Pedro Domingues,
requeredor da portagem de Santarém, e morador na Ribeira da dita vila, a quem D.
Afonso V confirmou, em 24 de Maio de1472, o emprazamento uma vinha labrusca que
andara em pregão na dita vila, pagando de foro anual 176 reais brancos158.
Não nos parece provável que este Pedro Domingues fosse filho de uma Maria Sodré, ou
neto do famigerado Frederico Sodré, como entende Cordeiro, ou de João Sodré,
segundo Sérgio Sodré de Castro.
Mas, em contrapartida, parece-nos digno de registo que o sucessor de Gil Pires de
Resende no cargo de contador régio da comarca dos almoxarifados das vilas de
Santarém e Abrantes (expressamente referido como ocupando o cargo em substituição
de Gil Pires, - que em 22 de Agosto desse ano de 1464,ocupava o cargo de vedor-mor
das obras de Almeirim e solicitador dos direitos reais nos almoxarifados de Santarém e
Abrantes, - como vimos acima) tenha sido precisamente um Antão Sodré, escudeiro da
Casa Real, nomeado por carta régia de D. Afonso V, passada em Tentúgal,
precisamente em 12 de Agosto de 1464, dias antes da data do diploma que menciona Gil
Pires de Resende com outras funções e usufruindo de uma tença de 6.000 reais
brancos159.
É certo que o diploma não refere qualquer parentesco entre os dois, mas não nos parece
de excluir que ele existisse face à prática consuetudinária coeva, e a “partilha de
ofícios” que vamos descrever em seguida permite-nos admitir que este Antão fosse
filho, ou neto, de Gil Pires de Resende, o velho, tanto mais que seu irmão Duarte viria a
ser degredado para Santarém, vila onde, de acordo com o seu testamento, possuía casas,
herdadas de seus pais.
Como soe dizer-se Antão Sodré mal “terá aquecido o lugar” porquanto, cerca de quatro
anos volvidos, em 2 de Junho de 1468, o rei nomeava João Matela, escudeiro da sua
Casa, para os cargos de contador nas comarcas e almoxarifados de Santarém e de
Abrantes, e vedor das obras na jurisdição de Almeirim (ofício onde documentámos, em
22 de Agosto 1464, Gil Pires de Resende, embora como vedor-mor), em substituição de
Antão Sodré, outrossim escudeiro da Casa Real, que deixara de servir os ditos ofícios,
em benefício do dito João Matela.
Logo no dia 19 de Maio do ano imediato (1469) o mesmo Antão Sodré “recuperava”
alguma influência no âmbito das funções que cedera a João Matela, uma vez que o
monarca nomeava Álvaro Martins, criado de Antão Sodré, escudeiro da sua Casa, para o
cargo de requeredor das sisas régias da vila de Santarém, (precisamente o mesmo ofício
que, em 11 de Maio de 1440 era exercido pelo seu proposto pai Gil Pires de Resende, o
velho, como vimos acima) em substituição de Estêvão Pires, que morrera 160
Finalmente o mesmo Antão Sodré, escudeiro da Casa, recebeu, decorridos cerca de dois
anos, em 11 de Abril de1471, uma tença anual de 20.000 reais brancos pelo ofício da
contadoria das vilas de Santarém e Abrantes, a serem pagos da távola geral da dita vila,
aos quartos do ano, e foi isentado de ser juiz, almotacé, ou de exercer qualquer cargo
concelhio161.
.Comprova-se assim que existiu um Antão Sodré exactamente contemporâneo e
testamenteiro (em1496) de seu irmão, o bem conhecido Frei Duarte Sodré, com fortes
probabilidades de ser filho, ou neto, do Gil Pires de Resende, o velho.

Afonso V, uma filha havida em Maria Álvares, mulher solteira (IAN/TT., Chanc. D. Afonso V, liv. 28, fl.
54)
158
IAN/TT., Chanc. D. Afonso V, liv. 29, fls. 136v-137.
159
IAN/TT.,Chanc. D. Afonso V, liv. 28, fl. 49v
160
IAN/TT.,Chanc. D. Afonso V, liv. 35, fl. 45.
161
IAN/TT.,Chanc. D. Afonso V, liv.16, fl. 102v
44

Mas a nossa perplexidade aumenta quando verificamos que, em 1472, meses depois de
ter sido concedida uma tença anual ao contador régio Antão Sodré, se documenta como
contador no almoxarifado de Santarém um Gil Pires de Resende. Referência que surge
cerca de três décadas volvidas sobre a primeira referência a um Gil Pires de Resende
como procurador e requeredor dos direitos régios no almoxarifado de Santarém (11 de
Maio de 1440), o qual, decorridos seis anos, viria a ser nomeado contador nesse
almoxarifado, e após cerca de quatro anos de exercício desse cargo por Antão Sodré,
não se nos afigura provável tratar-se do mesmo Gil Pires de Resende, o velho, mas sim
de um filho (ou neto) homónimo, Gil Pires de Resende, o moço.
Possivelmente o filho primogénito chamado Gil que CORDEIRO atribui a Gil Pires de
Resende, o velho, e que não teria sido conhecido por Gil Sodré, como pretende este
autor, mas pelo mesmíssimo nome de seu pai.

Até aqui temos vindo a seguir fontes e factos. As fontes não explicam tudo, e muitos
factos necessitariam de ser minuciosamente contextualizados. O trabalho do historiador
esbarra frequentemente em “semáforos amarelos” que aconselham a parar, reflectir e
propor hipóteses que, mesmo sendo credíveis e (parcialmente) fundamentadas, não
passam de um esforço provisório de compatibilização do conhecido com o provável.
Deste ponto em diante vamos apenas formular dois postulados para enquadrar uma
proposta.
Se ALÃO DE MORAES estiver correcto, para que o contador Gil Pires de Resende
desempenhasse já funções durante o reinado de D. Duarte (1433-1438), teria nascido ao
redor de 1400, o que é compatível com a sua “aposentação” posterior a 1464.
Se tivesse casado com uma das filhas, que o genearca Fernão Sodré poderia ter tido do
primeiro casamento (as fontes referem apenas, genericamente, filhos), o casamento de
Gil Pires de Resende com uma (Maria Sodré?) teria ocorrido cerca de 1420/1425, data
perfeitamente compatível com a cronologia, e que explicaria o facto de o contador Gil
Pires de Resende, o velho, morador em Santarém, ter tido quase seguramente
descendência que usou os apelidos Sodré e Resende.
O Gil Pires de Resende que, em 1472, meses depois de ter sido concedida uma tença
anual ao contador régio Antão Sodré, se documenta como contador no almoxarifado de
Santarém após cerca de oito anos de exercício desse cargo pelo antedito Antão Sodré,
em bom rigor tanto poderia ser filho do antedito Antão Sodré, como seu irmão, mas a
cronologia parece apontar para a 2.ª hipótese.
E certo que, seguramente, não documentamos directamente nenhum outro filho deste
Gil Pires de Resende, o velho, (para lá do supracitado Pedro Domingues, requeredor da
portagem de Santarém, e morador na Ribeira da dita vila em 1472, que poderia ser
apenas genro) nem conhecemos a relação de parentesco entre o seu primeiro sucessor
no cargo, (1464) Antão Sodré, e o sucessor deste, (1472) Gil Pires de Resende, o moço.
Mas, em contrapartida, parece admissível que este Antão Sodré (visto que nenhum
homónimo coevo foi ainda detectado nas fontes) pudesse ser o mesmo Antão que, em
1496 foi testamenteiro de seu irmão, o bem conhecido Frei Duarte Sodré. As fontes
indicam-nos que este último era filho de um Francisco, cujo apelido foi omitido, e pai
de uma Inês de Resende.
Se casou ao redor de 1420 com uma filha do genearca Fernão Sodré, o contador de
Santarém Gil Pires de Resende, o velho, poderá cronologicamente ser pai do Francisco
(de Resende?) que a lista de moradores da Casa Real recolhida por D. Flamínio de
Sousa, refere expressamente como pai de Frei Duarte Sodré e, logo de Antão Sodré que
lhe sucedeu como contador em Santarém em 1464. E, seguindo a mesma lógica, o
45

mesmo Antão Sodré, irmão, do Gil Pires de Resende, o moço, que substituiu em 1472
supracitado Antão Sodré no mesmíssimo cargo.
Do epitáfio de Frei Duarte Sodré depreende-se claramente que este (ou alguém por ele),
que ascendera a fidalgo, Comendador de Santa Ovaia, e depois da Cardiga, na Ordem
de Cristo, alcaide-mor de Tomar e Ceia e vedor da Fazenda, deliberadamente quis
omitir a sua filiação varonil, deslocando o ênfase para <<o qual descende e vem da
linhagem da caza da Sodrea que he caza de grandes senhores do Reyno de
Inglaterra>> . Não é incompreensível, e desse processo temos apresentado, e
apresentaremos ainda, vários exemplos, que aos senhores de Águas Belas fizesse mais
“toilette” descender de uma casa dos Sodré de Inglaterra do que do contador de
Santarém Gil Pires de Resende.
No estado actual da questão, e salvo melhor doutrina, a explicação mais colada ás
fontes, e mais ajustada à cronologia que poderá justificar o surgimento destes
Resende/Sodré reside no casamento, celebrado na segunda década de Quatrocentos do
contador Gil Peres de Resende com uma filha do primeiro casamento do escudeiro de
D. João I, e escrivão da alfândega de Lisboa, Fernão Sodré.
É sabido que um desses contadores de nome Gil Pires de Resende (cronologicamente tal
vez Gil Pires, o velho) viveu e morreram em Santarém uma vez que, na igreja de Santa
Cruz dessa vila foram instituídas várias capelas << algumas das quais pelo padre
Manuel da Silva, Gil Pires de Resende, Manuel Jorge Lobo e sua mulher ,Guiomar
Gomes de Matos, Joana Borges, Simão Jorge Lobo, Urcela Freire 162. Na mesma igreja,
no lado norte do adro, junto à porta travessa, encontra-se enterrado um túmulo
trapezoidal com a tampa em três planos e topos verticais 163. Sobre dois destes planos
ostenta-se um escudo gótico com duas cabras gravadas, passantes e sotopostas,
caminhando da sinistra para a dextra. Os escudos conhecidos em que os móveis são
cabras, variando nas cores e nos esmaltes dos campos do escudo, concedidos a Baiões,
Cabrais, Resendes e Cabreiras, trazem as cabras caminhando da direita para a esquerda,
para o observador. Estarão deficientemente representados os móveis? Será mais um
caso de inversão?164
Não nos atrevemos a concluir que seja forçosamente um túmulo “medieval” em que
tivesse sido sepultado um Resende, embora na mesma igreja existisse, como vimos,
uma capela instituída por um dos dois Gil Pires de Resende “medievais”, contadores em
Santarém, que documentámos atrás.
Não é, para já, de excluir que a presença de indivíduos usando o apelido Resende em
Santarém possa ser anterior a Gil Pires de Resende-o-velho. Se tal viesse a confirmar-
se, e o supracitado túmulo armoriado da igreja de Santa Cruz de Santarém
correspondesse a um deles, teríamos de rever, uma vez mais, a controversa linhagem
dos Resende do Ribatejo e Alentejo, e apurar a sua possível ligação a Nuno de Resende,
escudeiro do Infante D. Pedro, como mencionámos atrás. Mas, nesse caso, ficaria por
explicar o motivo que teria levado os herdeiros de Frei Duarte Sodré (que tinha casas
em Santarém, herdadas de seus pais, como expressamente refere no testamento) a omitir
a sua varonia, deslocando a ênfase linhagistica para os “Sodré de Inglaterra”.
Propomos que do contador Gil Pires de Resende-o-velho e de (Maria?) Sodré
tenham nascido
162
SAMENTO, Zeferino, - História e Monumentos de Santarém , Santarém, Câmara Municipal de
Santarém, 1993, p. 109 citando(Capelas do Distrito de Santarém: Instituições, Encargos, Bens e Contas
–Mon. n.º 1, gav. 8 – n.º 77 (C-329 de Biblioteca Braamcamp Freire , que supomos corresponderem aos
Sumários de Lousada)
163
O mesmo Zeferino Sarmento, comentando este túmulo, observa: O tipo desta arca tumbal, que é
anepígrafa, foi usado nos séculos XIII e XIV
164
SARMENTO, Zeferino, Idem, ibidem.
46

2. Francisco (de Resende?) 165 de quem não sabemos outra coisa que não seja o
estar expressamente referido como pai de Frei Duarte Sodré, na lista de moradores da
Casa Real transcrita por D. Flamínio de Sousa.
Porventura não será este o “ famigerado” Fradique (ou Frederico Sodré) das genealogias
manuscritas, como tal citado até à actualidade? De acordo com a antedita à lista de
moradores da Casa Real em 1556, foi pai de Duarte Sodré que, no seu testamento de
1496, nomeia como irmãos Antão Sodré e Maria Sodré.
O problema que se coloca é o seguinte: D. Flamínio não lhe menciona expressamente o
apelido, a exemplo do que sucede com o filho e o neto. Ignoramos se porque o dava
como adquirido, se porque o ignorava, ou se o omitiu intencionalmente. Em duas das
supracitadas hipóteses poderemos estar apenas diante de um Francisco de Resende,
irmão do “fronteiro” de África João de Resende (ou Sodré), morto em combate sob o
comando de D. Duarte de Meneses, ambos filhos do contador de Santarém Gil Peres de
Resende e duma filha do escudeiro de D. João I e escrivão da alfândega de Lisboa
Fernão Sodré. Hipótese que retiraria a linha varonil de Sodré aos senhores de Águas
Belas. Neste caso a omissão do apelido do pai de Frei Duarte Sodré poderia não ser
totalmente inocente, como o não seria o deslocamento do ênfase nobiliárquico da
inscrição lousa sepulcral do alcaide-mor de Tomar e Ceia para a casa dos Sodré de
Inglaterra.
Ou estaremos perante um Francisco Sodré que, neste caso, cronologicamente deveria
ser irmão dos indiscutíveis João Sodré, Isabel Sodré e Diogo Sodré. Mas, neste
caso, como explicar o apelido Resende, inequivocamente usado por sua neta, a
religiosa Inês de Resende, documentada como filha de Frei Duarte Sodré, e também,
possivelmente, de outra religiosa homónima filha de um Vasco Sodré que propomos
seja acrescentado à lista dos filhos admissíveis de um Francisco de Resende casado com
uma Sodré?
Aguardando que novas informações possam esclarecer esta questão, optaremos por
dizer apenas o que conhecemos de fonte documental, que do supracitado Francisco
(Sodré ou Resende) nasceram
Filhos:
1.3. Duarte Sodré, que segue.166
2.3. Antão Sodré, escudeiro do rei, nomeado por carta régia de D. Afonso V, passada
em Tentúgal, para o cargo de contador da vila de Santarém, em substituição de Gil Pires
de Resende, ofício que pertencia a Gil Pires de Resende o velho, provavelmente desde o
reinado de D. Duarte, e seguramente desde Maio de 1440.Esse diploma, registe-se, data
de 12 de Setembro de 1464167, precisamente um mês e três dias depois da data do
diploma que menciona Gil Pires de Resende com outras funções, e usufruindo de uma
tença de 6.000 reais brancos.
É certo que os diplomas não refere qualquer parentesco entre os dois, mas este parece
admissível, face à prática consuetudinária coeva e ao intrincado processo sucessório da
contadoria da vila de Santarém.
Recordemos que, em 2 de Junho de 1468, o mesmo rei nomeava João Matela, escudeiro
da sua Casa, para os cargos de contador nas comarca e almoxarifados de Santarém e
165
Lista de moradores da Casa Real (3 de Janeiro de1556): moços fidalgos, << Fernão Sodré Pereira,
filho de Duarte Sodré e neto de Francisco…>> Códice de D. Flamínio de Sousa (fotocópias de Jorge de
Brito e Abreu), vol. VI, 4.ª parte, fl. 604.
166
A ordem dos nascimentos constante desta proposta é quase sempre aleatória, excepto quando
expressamente referida em fontes primárias
167
IAN/TT., Chanc. D. Afonso V, liv. 8, fl
47

Abrantes, e vedor das obras na jurisdição de Almeirim, em substituição de Antão Sodré,


escudeiro da sua Casa, que deixara de servir os ditos ofícios, em benefício do dito João
Matela168
E, em 19 de Abril de 1469, o mesmo monarca nomeava Álvaro Martins, criado de
Antão Sodré, escudeiro da sua Casa, para o cargo de requeredor das sisas régias da vila
de Santarém, em substituição de Estêvão Pires, que havia morrido169
Este Antão Sodré, escudeiro da Casa Real, recebeu em 11 de Abril de1471, uma tença
anual de 20.000 reais brancos pelo ofício da contadoria das vilas de Santarém e
Abrantes, a serem pagos da távola geral da dita vila, aos quartos do ano, e foi isentado
de ser juiz, almotacé, ou de exercer qualquer cargo concelhio170.
Exerceu o ofício de contador de Santarém apenas quatro anos, visto o haver recebido
em 1464 e no qual permaneceria até 1468 (tendo sido substituído pelo o seu proposto
irmão Gil Pires de Resende em 1472.Existe um lapso de 10 anos até que se documente
novamente este Antão Sodré em novas funções. Com efeito, em 11.de Junho de1482 era
corregedor d’entre Tejo e Guadiana171.
Cerca de cinco anos mais tarde, em 12 de Junho de 1487 foi-lhe feita quitação da 4.ª e
5.ª da sua tença172, na mesma data foi ordenado que a mesma tença passasse a ser paga
aos quartéis173.No mesmo dia 12 desse mês e ano, regista-se no mesmo fólio que
recebeu o privilégio de isenção do cargo de conselheiro do rei. Finalmente, em 15 de
Junho de 1487, recebeu padroado de 25.000 reais de tença 174.. Testamenteiro de seu
irmão Frei Duarte Sodré em 1496

3.3.Gil Pires de Resende moço, que em 1472, meses depois de ter sido concedida
uma tença anual ao contador régio Antão Sodré, se documenta como contador no
almoxarifado de Santarém após cerca de oito anos de exercício desse cargo pelo
antedito Antão Sodré, de quem propomos fosse irmão (filhos ambos, recorde-se, de Gil
Pires de Resende o velho, documentado nesse cargo desde 1440, e que Alão de Moraes
assevera que o exercia já no reinado de D. Duarte. Possivelmente o mesmo Gil que
Luciano Cordeiro, dando-lhe uma ascendência que não parece correcta, nomeia Gil
Sodré, mas que usaria o mesmíssimo nome de seu proposto pai.

4.3. Martim Sodré (?), que auferia uma tença de 25.000 reais em 1473175.

5.3.Maria Sodré, mencionada como irmã no testamento de Frei Duarte Sodré (1496).

6.3. Vasco Sodré (?), pai de uma Inês de Resende, freira, que recebeu de seu pai
uma carta de padrão176.
.

168
IAN/TT., Chanc. D. Afonso V, liv. 28, fl. 49v.
169
IAN/TT., Chanc. D. Afonso V, liv. 31, fl.45.
170
IAN/TT., Chanc. D. Afonso V, liv. 16, fl. 102v
171
IAN/TT., Chanc. D. João II, liv.2, fl. 122
172
IAN/TT., Chanc. D. João II, liv. 21, fl. 155
173
IAN/TT., Chanc. D. João II, liv. 21, fl. 156
174
IAN/TT., Chanc. D. João II, liv. 21, fl. 155
175
Receitas e Despesas da Fazenda Real de 1384 a 1481 (Subsídios Documentais), Jorge de Faro
(publicado por), Instituto Nacional de Estatística, Lisboa; 1965, p.105.
176
IAN/TT., Chanc. D. João III. liv ???? 52v
48

3. Frei Duarte Sodré177, e tem sido genealogicamente apresentado como filho do


acima referido Gil Pires de Resende e de uma Maria Sodré, alegada irmã do escrivão
Fernão Sodré 178 ou como filho de Fradique Sodré e neto do supracitado Diogo Sodré 179
Afinal por todos aqueles que se limitaram a compulsar genealogias manuscritas, valha a
verdade que confusas, e a obra publicada que as reproduz, sem sequer se darem conta de
que esta última hipótese era, cronologicamente, insustentável.
Podemos no entanto acrescentar algo ajude que a definir esta personagem que, em nosso
entender, marca um salto qualitativo na ascensão social desta família.
Uma vez que se documenta como escudeiro da Casa do Infante D. Fernando em 1466, e
virá a morrer, como veremos, em 1500, parece legítimo admitir que possa ter nascido ao
redor de 1445/1450. A biografia da personagem tem, no entanto, permanecido um tanto
obscura, uma vez que se encontra mencionado, como sendo escudeiro do Condestável
D. Pedro, filho do Regente, Duque de Coimbra, em 1465. Mas BAQUERO MORENO
não o inclui entre aqueles que teriam participado na batalha de Alfarrobeira,
presumivelmente por ser ainda criança em 1449. Não terá pois acompanhado o
Condestável à Catalunha 180.
Não o encontramos mencionado na documentação por nós estudada como fazendo parte
da Ordem de Avis durante o governo do Condestável, mas poderá ter gravitado em
torno do Infante D. Henrique (morto em 1460), que se encontrou temporariamente à
testa dessa Ordem Militar, uma vez que ocupou o cargo de provedor das capelas desse
mesmo Infante, como veremos.
A sua biografia documentada, tanto quanto apurámos até agora, começa de modo bem
diverso. Em 6 de Junho de 1466 D. Afonso V perdoou o degredo, na vila de Santarém
(a mesma onde ele expressamente referirá no seu testamento de 1496 ter herdado casas
de seus pais) a Duarte Sodré, escudeiro da Casa do Infante D. Fernando, (duque de
Beja, sogro de D. João II e Governador as ordens militares) tendo este pago 200 reais
para a Piedade181.
Ignoramos quanto tempo durou esse degredo, bem como as suas causas, mas deduzimos
que Duarte tivesse residido em Santarém, (em casa de seus pais?) anteriormente a 1466.
Terá permanecido na órbita da Casa dos Beja-Viseu uma vez que, quase uma década
depois, em plenos prenúncios do conflito militar que precedeu a batalha de Toro, Duarte
Sodré, já referido como Comendador de Santa Ovaia 182 na Ordem de Cristo (o que se

177
Em 26 de Janeiro de 1493 referido como Freire cavaleiro da Ordem de Cristo; Comendador e alcaide-
mor de Tomar, provedor das capelas do Infante D. Henrique ( SILVA, Isabel Morgado de Sousa e, -<< A
Ordem de Cristo (1417-1521), in Militarium Ordinum Analecta, n.º 6, Lisboa: 2002, p. 355.(citando
IAN/TT., Ordem de Cristo/Convento de Tomar ,Cód. 235, fls. 97-98).
178
CASTRO, Sérgio Sodré de, << Ligações Familiares de Vasco da Gama pelo Lado Materno>> in
Armas e Troféus, Lisboa, Instituto Português de Heráldica, 2002/2003,
179
(MENDES, A. Ornelas e Jorge Forjaz Genealogias da Ilha Terceira, Dislivro Histórica, Lisboa: 2007,
vol. IX, p.200).
180
Em 1465, o Condestável D. Pedro atravessava um ano particularmente difícil e encontrava-se na
Catalunha, combatendo para fazer vingar as suas pretensões aquele trono, ora FONSECA não o refere na
sua listagem de cavaleiros portugueses que o acompanharam àquele principado (CF. FONSECA, Luís
Adão da, O Condestável D. Pedro de Portugal, INIC, Porto:1982).
181
IAN/TT., Chanc. D. Afonso V, liv. 14, fl. 77v
182
Em 23 de Junho de 1461 era Comendador de Santa Ovaia Frei Álvaro Caiado, mas já em 20 de Junho
de 1493 era titular da essa comenda D. Frei Diogo de Sousa, subentendendo-se que Duarte Sodré o terá
sido durante parte do período intercalar, passando depois a comendador da Cardiga, na mesma Ordem
( MORGADO E SILVA,- << A Ordem de Avis…,>>, p.486.
49

compreende já que o seu patrono governava a milícia), foi privilegiado pelo monarca, a
pedido do duque, tendo-lhe sido concedida licença para arrendar a sua comenda 183.
Ter-se-á encontrado na batalha de Toro? Não o encontramos referido como tal, mas
parece seguro que, apesar da sua ligação à Casa dos Beja-Viseu, não foi hostilizado por
D. João II, seguramente por ser figura próxima do duque de Viseu, futuro D. Manuel I.
O marco biográfico seguinte também é singular porque pouco mais de um ano depois,
em 21 de Junho de 1476 (D. João príncipe ?) confirmava a Duarte Sodré, contador, o
privilégio para todos os seus caseiros e lavradores que lhe havia sido outorgado pelos
reis antecessores184
Durante a década seguinte continuaria a ser alvo da benevolência do Príncipe-Perfeito
uma vez que, na qualidade de cavaleiro da casa de D. João II , foi autorizado por carta
de 23 da Agosto de 1486 a possuir um casal no reguengo do Alviela, termo de
Santarém.185.Mas, no ano imediato à desastrosa morte do príncipe-herdeiro D. Afonso
desempenhava já altas funções na Casa do duque de Beja (futuro D. Manuel I), pois se
encontra referido como vedor da Casa do duque de Beja, em 10 de Novembro de 1492,
quando recebeu doação de uns bens e herança no lugar de S. Romão, almoxarifado da
Guarda186. Um ano após a ascensão ao trono do seu patrono encontra-se
abundantemente referenciado como cavaleiro e vedor da Casa do Venturoso, alcaide-
mor de Tomar187 e Seia, Freire cavaleiro e Comendador da Cardiga 188, na Ordem de
Cristo.
O ano de 1496, altura em que andaria pelos 50 anos, em vésperas do início da 1.ª
viagem de Vasco da Gama à Índia, terá ficado marcado por uma doença grave, ou uma
missão ao exterior, visto testou nesse ano, e tomou medidas relativas aos filhos. Em 5 de
Fevereiro de 1496 Frei Duarte Sodré, cavaleiro da Casa Real e Comendador da Ordem
de Cristo, vedor da casa de D. Manuel, e também alcaide-mor de Tomar, obteve carta
de legitimação para seu filho Francisco Sodré, havido em Catarina Antunes, mulher
solteira ao tempo do seu nascimento189, e também, na mesma data, outra para seu filho
Manuel Sodré190, nascido da mesma mãe. Consultando as fontes primárias, em vez de
genealogias manuscritas, MENDES e FORJAZ poderiam ter verificado que Frei Duarte
Sodré não casou com Catarina Nunes, mulher solteira, embora dela tenha tido, pelo
menos, dois filhos.
Por seu turno, na Chancelaria de D. João III, encontramos referida uma filha do mesmo
Duarte Sodré, chamada Inês de Resende, em carta de 15 de Maio de1532 onde se
confirma à dita Inês de Resende, sendo freira em Santa Clara de Santarém, do padrão de
5.000 reais de tença anual que fora outorgada em 16.de Julho.1496, por D. Manuel, a
seu pai Frei Duarte Sodré, fidalgo, veedor da casa do Venturoso, comendador e
alcaide-mor de Tomar e Seia. (sendo já ela nesta data freira no mesmo mosteiro). Não o
poderemos assegurar, mas parece admissível que Frei Duarte Sodré tenha ascendido de

183
IAN/TT., Chanc. D. Afonso V, liv. 30, fl, 113v
184
IAN/TT., Chanc. D. Afonso V, liv. 6, fl. 99v.
185
SERRÂO, Joaquim Veríssimo, Itinerários de EL-Rei D. João II (1481-1495), Academia Portuguesa de
História, Lisboa: 1993 (citando Biblioteca Braamcamp Freire Santarém, Sumários de Lousada, parte III,
fls. 701-701v).
186
SERRÂO, Joaquim Veríssimo, Itinerários… (citando TT, Beira, liv. 1, 147v-148).
187
Novamente referido nessa qualidade em 1500 (SILVA, Isabel Morgado de Sousa e, - << A Ordem de
Cristo…>>, p. 487.)
188
Embora SOUSA E SILVA, no seu já referido estudo sobre esta milícia, o documente apenas como
Freire-cavaleiro e alcaide-mor de Tomar
189
IAN/TT., Legitimações, liv. I, fls. 24-24v (PT-TT RGM/01/322542, documento simples). Citado por
SOUSA e SILVA, A Ordem de Cristo…, p. 132
190
Ver nota supra (MF: 3648), 114v-115: carta igualmente de 05.02.1496
50

cavaleiro a fidalgo após a entronização do Venturoso de quem era, indiscutivelmente,


um antigo servidor.
Para complicar um pouco as coisas, como já referimos, na mesma chancelaria
menciona-se uma carta de padrão de um Vasco Sodré para sua filha também ela
chamada Inês de Resende, e igualmente freira191
Regressemos ao testamento de Frei Duarte Sodré, que fez redigir esse documento em
Montemor-o- Novo no ano de 1496, muito embora só viesse a morrer em 25 de Agosto
de 1500. a fazer fé na inscrição da sua lápida tumular, situada 192 junto ao altar-mor da
Igreja de Nossa Senhora do Monte, em Santarém, e em cuja lousa sepulcral, como
publicou Sodré de Castro, se encontra esculpido o brasão de Sodré pleno, ladeado por
uma espada e uma lança-pendão, com o seguinte epitáfio : “Aqui jaz o muito honrado
Duarte Sodré que foi veador da caza D’El Rey D. Manuel e alcaide mor das vilas de
Tomar e Sea e comendador da cardiga o qual descende e vem da linhagem da caza da
Sodrea que he caza de grandes senhores do Reyno de Inglaterra e finou-se aos vinte e
cinco de Agosto de mil e quinhentos.193
No supracitado testamento, lido por D. Francisco de Meneses, cónego de Évora, são
mencionados como seus irmãos Antão Sodré, (testamenteiro) e Maria Sodré, e nomeia-
se seu filho Francisco Sodré para administrador do seu morgado nos Reguengos de
Tojosa e Alviela, (uma vez que o filho primogénito, João Sodré, teria renunciado à
herança por se ter feito frade franciscano, vindo a falecer antes de 1496) e vinculam-se
casas em Santarém, herdadas de seus pais.
Frei Duarte Sodré teve:
Filhos (que retomam a onomástica tradicional da linhagem dos Sodré, com excepção de
um Francisco e de um Manuel)
1.4. João Sodré, filho primogénito, que teria renunciado à herança por se ter feito
frade franciscano, vindo a falecer antes de 1496, de acordo com o supracitado
testamento
2.4. Fernão Sodré,194.Moço-fidalgo da Casa Real em 3 de Janeiro de 1556 (D. João
III), expressamente referido como filho de Duarte Sodré e neto de Francisco…
3.4. Francisco Sodré, filho de Catarina Antunes, mulher solteira, legitimado em 5 de
Fevereiro de 1496, que sucedeu como administrador do morgado do pai nos Reguengos
de Tojosa e Alviela, de acordo com o mesmo testamento. Progenitor dos senhores de
Águas Belas pelo seu casamento com uma senhora Pereira, que MENDES e FORJAZ
apresentam como filho legítimo de Duarte Sodré, este, por sua vez, filho do
“famigerado” Fradique Sodré e, como se não bastasse, bisneto de Diogo Sodré, na
realidade filho de João Sodré, que recebia 4.800 reais dos mantimentos dos moços que
estão no estudo, cerca de1473. O que efectivamente dá outro relevo à frase destes
genealogistas << como até agora se acreditou, aceitando sem crítica as informações de
certos autores>>195.

191
IAN/TT., Chanc.. D. João III, liv. 19, fl. 52v.
192
CASTRO, Sérgio Sodré de, << Ligações Familiares de Vasco da Gama Pelo Lado Materno>> in
Armas e Troféus, Lisboa, Instituto Português de Heráldica, 2002/2003, pp. 456.
193
Situado no pavimento da capela-mor da capela de Nossa Senhora do Monte, em Santarém, o brasão,
(cuja foto foi publicada por Sodré de Castro) está flanqueado pela lança e o pendão de cavaleiro, e
representa um chaveirão carregado de três estrelas de oito pontas e três jarras de uma só asa (gomis) e não
as albarradas
194
Códice de D. Flamínio de Sousa,( fotocópias de Jorge de Brito e Abreu), vol. VI, 4.ª parte, fl. 604
195
MENDES, A. Ornelas e Jorge Forjaz Genealogias da Ilha Terceira, Dislivro Histórica, Lisboa: 2007,
vol. IX, p.202.
51

4.4. Manuel Sodré, igualmente filho de Catarina Antunes, mulher solteira , e também
legitimado em 5 de Fevereiro de 1496. Capitão dos [200] [29] besteiros de Goa em
25.02.1513, quando recebeu do feitor de Goa, Francisco Corvinel, 758 rodas de
barbante para gasto das bestas [30]. Em 27.12.1515 escreve de Cananor a D. Manuel a
pedir uma nau ou fortaleza pelos seus serviços, pois, como refere, “há oyto annos que
nestas partes da Ymdia syrvo vosa alteza”; carta que reflecte de modo notável a
corrupção no acesso às mercês por serviços e na sua distribuição, lamentando o autor
que as referidas mercês se dêem “por vontade” dos parentescos e compadrios dos
poderosos e não por razão dos serviços, pelo que os que melhor servem e há mais anos
são os que mais empobrecem [31]. Sendo em Cochim a 11.02.1521 é-lhe paga a quantia
de 47 cruzados: “a Manoel Sodre filho de Duarte Sodre alcayde mor de Tomar que de
Purtugual veyo por omem d’armas n’armada de Jorge d’Agujar quarenta e sete
cruzados e quatro […]” [32]. Pretensão a uma legítima mercê que não terá tido grande
acolhimento, como se infere de uma outra sua missiva, datada de 24.10.1523, desta feita
dirigida ao Piedoso e a requerer, em recompensa de 25 anos de serviços, o cargo que
tivera o defunto Manuel de Sampaio. Diz o seguinte: “Manoell Sodre ffilho de Duarte
Sodre que hora vay serujr vosa alteza em esta armada que partyo este anno passado
para a Indya honde ffyco serujndo- peço a vossa alteza que seja lembrado de vinte e
çimquo annos que ha que vos seruo e os qujnze forom na Yndia onde eu ouve muytas
fyrydas em voso serujço; em meu tempo se tomou Goa e Malaca e se fezeram todas as
fortallezas que na Yndia ha em todas estas cousas eu fuy sem me vossaa alteza lla fazer
nenhüa merçe e lyuey de ca tam pouco que nam pude leixar de tornar a estas partes e
ysto por escusar de de (sic) ser lla ladram nem por me tornar frade que nam he de
mjnha comdiçam. Tomey por mjlhor vir serujr Vossa Alteza ca sem nada honde agora
fyco peço a vossa alteza me faça merçe do carreguo que Manoel de Sampayo em Goa
tynha em sua vida que hera dyuar (sic) pois eu senhor quero ca serujr vosa alteza em
meus dias e ysto senhor em sostifaçam (sic) de meus serujços que pouco mais tem
d’ordenado do que eu ca tenho de moradia e soldo por quanto Manoell de Sampayo he
faleçido e ysto esta vaguo. Também dou conta a vosa alteza do estado da Yndya por que
me parece voso serujço. A costa esta toda aleuantada e vaza se muyta pimenta// (…)”
[33]
.
5.4. Isabel de Resende, como deixamos acima, por carta de 15 de Maio de 1532
confirma-se à dita Inês de Resende, sendo freira em Santa Clara de Santarém, o padrão
de 5.000 reais de tença anual que fora outorgada em 16.de Julho.1496, por D. Manuel, a
seu pai Frei Duarte Sodré, fidalgo, veedor da casa do Venturoso, comendador e
alcaide-mor de Tomar e Seia. (sendo já ela nesta data freira no mesmo mosteiro).
5.5. Leonor Sodré, legitimada por carta de D. João II, de 10 de Maio de 1486 196

[
[
[
[
[
196
PT-TT-CRH/J/1/4/199.
52

&3

A ascendência “inglesa” de Vasco Gil Sodré da ilha Graciosa


(de acordo com a certidão de um depoimento ajuramentado de 1569)

No estudo publicado em 1978 SODRÉ DE CASTRO escrevia:


<< Se José Freire de Monterryo foi o primeiro a estabelecer explicitamente a ligação
entre Sudley e Sodré, ela já fora feita implicitamente por outras fontes totalmente
independentes face a esse genealogista. Analisemos o que escreve Gaspar Frutuoso
(1522-1591) a respeito do primeiro povoador da ilha Graciosa , Vasco Gil Sodré “ veio
um Vasco Gil Sodré de África, 197natural de Montemor-o-Velho, com sua mulher
Breatriz Gonçalves de Bectaforte, natural do castelo de Bectaforte de Inglaterra, com
dois filhos um por nome Diogo Vaz Sodré e o outro Fernão Vaz Sodré, 198 e algumas
filhas e doze criados, e chegando à ilha Terceira determinou passar-se à Graciosa (…)
Diogo Vaz Sodré (…) chegando a Portugal achou em Montemor-o-Velho o brasão de
seu pai e o tirou com outros estromentos em que muitas pessoas juraram que sua avó,
mãe de seu pai 199fora casada em Inglaterra com um conde de um lugar ou vila que se
chamava o castelo de Bectaforte, donde trouxe provado como era grande fidalgo, e,
tornando-se pera a Graciosa com o brasão que apresentou >> 200.
E este autor prosseguia, pouco adiante, na mesma página:
<< As genealogias referem Vasco Gil Sodré como fidalgo da Casa Real, cavaleiro da
Ordem de Cristo, e seu pai, Gil Sodré, filho terceiro de Fernão Sodré, serviu o Infante
D. Pedro, duque de Coimbra >>.
Mas, num seu outro artigo, igualmente publicado nas Armas e Troféus (2002-2003), o
mesmo SODRÉ DE CASTRO adiantava: << …Ora há razões para crer que este Gil
Pires de Resende possa ter sido também o pai de Vasco Gil Sodré, Cavaleiro da Ordem
de Cristo201, o primeiro 202, ou um dos primeiros, povoadores da Ilha Graciosa, entre
1465-1470. A utilização do nome Gil e o testemunho de seu filho Diogo Vaz Sodré
(para obter a carta-de-armas dada a 23 de Março de 1503) de que sua avó era de origem
inglesa apontam nesse sentido, além de que a documentação relaciona Vasco Gil e
Duarte Sodré com Montemor o -Novo (por vezes erradamente trocado com Montemor-
o-Velho 203). Outrossim, é de assinalar que, segundo o depoimento de André Furtado
que viu a certidão, Diogo Vaz Sodré requereu que lhe dessem as Armas de seus avós
que por direito lhe pertenciam, da Casa dos Sodrés de Inglaterra >>.
197
Tanto quanto alcançamos apenas uma nota de ELLAINE SANCEAU faz alusão a um Vasco Gil que
constaria de uma lista de navegantes da costa da Guiné, mas não cota a fonte.
198
Que veio a radicar-se na ilha de S. Miguel, e de cujos descendentes os cronista, residente na mesma
ilha, terá colhidas estas informações.
199
Sodré de Castro apercebeu-se do lapso escrevendo na nota 11 do trabalho em apreço: “ deveria querer
dizer mãe de sua mãe”.
200
CASTRO, Sérgio Sodré de, “Da Origem do apelido Sodré” in Armas e Troféus, VI Série, Tomo I –
Janeiro – Dezembro – n.º 1, 2 e 3, 1987-1988, p. 135).
201
Pelo que conseguimos apurar a menção de que Vasco Gil tivesse sido cavaleiro da Ordem de Cristo,
não se encontra documentada em diplomas dessa milícia, e terá tido a sua origem em manuscritos
genealógicos graciosences.
202
As fontes genealógicas, mas não a cronística açoriana, mencionam expressamente as circunstâncias em
que Vasco Gil Sodré terá sido chamado para ilha Graciosa a pedido de uma sua alegada irmã que é dada
como mulher de um Duarte Barreto, algarvio, referido como chefe do primeiro núcleo de povoadores (1.º
capitão do Donatário?) que havia sido raptado por corsários.
203
Estamos em crer que este erro foi divulgado em finais do século XVI pelo mais conhecido dos
cronistas açorianos << …veio um Vasco Gil Sodré de África, natural de Montemor-o-Velho com sua
mulher Breatis Gonçalves de Bectaforte…>> ( FRUTUOSO, Dr. Gaspar , Saudades da Terra, Instituto
Cultural de Ponta Delgada, Ponta Delgada: 1978, Livro Sexto, Cap. Quadragésimo Segundo, p. 307)
53

Estas hesitações são compartilhadas por MENDES e FORJAZ que apresentam as


seguintes alternativas: uns dão-no como filho de Gil Esteves e de Maria Lourenço
(sendo esta filha de Lourenço Pires, escudeiro no tempo de D. Duarte, e da tal D.
Brígida Sodré de Bectaforte, a tal vergôntea de uma casa condal inglesa que vinha
para Portugal casar com um simples escudeiro)204. Outra versão diz que era filho de
Gil Sodré e neto de Mossem Fernão (ou Fradique) Sudley que teria vindo para
Portugal com o Infante D. Pedro duque de Coimbra, sendo a referida D. Brígida tia
deste Fernão. Em seguida têm o cuidado de referir uma terceira versão (a da, já
mencionada, Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira) segundo a qual a família
descende de um tal João Sodré que passou a Portugal na comitiva de D. Filipa de
Lencastre, que foi <<acontiado>> de D. João I e que foi pai de um outro João Sodré e
avô de um Diogo Sodré << que teve quantia na casa do rei D. Afonso V, que deixou
geração da qual provieram os deste apelido205>>, mas não faz qualquer referência ao
nosso Vasco Gil Sodré.>>
Diga-se em abono da verdade que, como ficou atrás, João Sodré teve um filho chamado
Diogo Sodré que cerca de 1473, sendo ainda moço, andava nos estudos.
Finalmente, para que nada ficasse esquecido, socorreram-se do genealogista brasileiro
Francisco António Dória, professor de Matemática na Faculdade de Comunicação da
Universidade Federal do Rio de Janeiro citando a opinião deste estudioso, de acordo
com a qual <<Vasco Gil Sodré e seu irmão Diogo Sodré (este dos Sodré Pereira de
Portugal e Brasil (sic)) eram filhos de João Sodré, netos de outro João Sodré (John de
Sudeley) e segundos netos paternos de Wiliam Le Botler (n. 1330) e de Joan de Sudeley,
sendo esta 7.ª neta em varonia de Ralph, conde de Hereford, no tempo de Eduardo o
Confessor, e tronco dos Sudeley ou Sudley>>206
Na ignorância das fontes que, finalmente, autorizam documentadamente o entronque
dos Sodré Portugueses em Joan de Sudeley 207e, através deste gate ancestor, nos
primeiros e remotos condes de Hereford, lamentamos não poder comentar essa ligação,
deixando no ar a pergunta? Vasco Gil Sodré era mesmo irmão de Diogo Sodré (dos
Sodré Pereira de Portugal e Brasil (sic) e ambos filhos de João Sodré?
PIMENTEL publicou parcialmente um depoimento feito, sob juramento, em 1569, pelo
tabelião do público judicial e notas da vila da Praia, em que vem referida a ascendência
de Vasco Gil Sodré208, e que foi sumariado por MENDES E FORJAZ209.
Sodré de Castro obteve informações sobre este depoimento reconhecidamente “em
segunda-mão”, e, por esse motivo, não alcançou saber que o documento a que se refere
contém a ascendência de Vasco Gil de tal modo explícita que invalida as suposições
(lógicas embora) que adianta, e vem fragilizar alguns marcos cronológicos em que
estriba a sua 2.ª versão dos Sodré portugueses. Outro tanto não sucedeu certamente com
MENDES e FORJAZ que sabiam, inclusivamente, << que nos finais do século XIX
ainda se conhecia o texto integral da carta de brasão de armas de Diogo Vaz Sodré,
quando Manuel Veloso de Armelim requereu foro da Casa Real>>, acrescentando que
204
Versão parcialmente condizente com o depoimento do tabelião André Furtado de 1569
205
O sublinhado pertence aos autores.
206
MENDES, A. Ornelas e Jorge Forjaz Genealogias da Ilha Terceira, Dislivro Histórica, Lisboa: 2007,
vol. IX, p.202.
207
A qual não foi certamente B.N.L.(Reservados, << Colecção Pombalina>>, cota 321), nem tão pouco o
chamado Nobiliário Peixoto, das Genealogias Manuscritas do AIN/TT9, nem sequer o The Complete
Peerage of Engand, Scotland, Ireland, Great-Britain and the United Kingdom, 1982, nas entradas <<
Boteler>> e << Sudeley>>.
208
PIMENTEL, Luís Conde, << Àcerca do Povoamento da Graciosa>> in Boletim do Museu Etnográfico
da Ilha Graciosa, n.º 1, 1986, pp. 60-65. (citando BPAH, Processos da comarca da Graciosa,, maço 49,
n.º 2690)
209
MENDES, A. Ornelas e Jorge Forjaz Genealogias da Ilha Terceira…vol. IX, p. 202.
54

<<o paradeiro desse texto (apresentado em treslado(sic)) é hoje desconhecido, mas


ainda deve ter chegado ás mãos do Dr. Manuel Armelim, filho do requerente, e que
faleceu em 1935>>210

Com efeito, existe na B.P.A.M..A.H. um traslado feito em 1805, para efeitos de uma
demanda apresentada por Sebastião Correia de Melo Bettencourt, morador aos poços da
Ribeira (cerca da vila de Santa Cruz da ilha Graciosa), herdeiro de Caetano José de
Melo, juntamente com o Padre Francisco de Paula Bettencourt e o tenente Teodósio
Álvares Bettencourt, contra os Desembargadores procuradores régios, sobre a penhora
de certas propriedades, sitas à Ribeirinha, que faziam parte da herança de Mor
Gonçalves, em que está inserta uma certidão (feita em 27 de Abril de1609) de uma
petição feita quarenta anos antes por Gaspar Luís e Francisco Luís e incluída num
processo levado perante o juiz Afonso Luís, em cujos autos se encontra, depondo como
testemunha ajuramentada, o tabelião André Furtado de Mendonça211.
O tabelião do publico judicial e notas das vilas da Praia e Santa Cruz da ilha Graciosa
André Furtado de Mendonça, escreveu o seu testemunho ajuramentado sobre uma CBA
por certidão passada a Diogo Vaz Sodré, em 21 de Março de 1503, a pedido António
Dias Sodré, filho do supracitado Francisco Luís (?) e morador na cidade de Angra, ilha
Terceira.
Parece admissível que a certidão de 1609 pudesse estar relacionada com o << traslado
de um instrumento publico de testemunhas feito por autoridade da justiça na dita ilha
(Graciosa), e justificado nesta dita cidade de Lisboa por Francisco Pardo Ferreira,
escrivão dos agravos e causas das ilhas e reconhecido no paço dos tabeliães das notas
por Lourenço de Freitas e por Manuel Ferreira da Silveira, tabeliães públicos e de
notas, o qual instrumento era feito e autorizado em honra devida, e por autoridade da
justiça de muitas testemunhas que continha o dito instrumento que fica em poder do

210
MENDES, A. Ornelas e Jorge Forjaz Genealogias da Ilha Terceira, Dislivro Histórica, Lisboa: 2007,
vol. IX, p.202, nota 20.
211
Documentado, pelo menos desde 15 de Março de 1547., como tabelião das vilas de Santa Cruz e
Praia, cargo a que renunciou em 1568 (IAN/TT., Chanc. D. Sebastião, Doações, liv.7, fl. 12v) em
favor de seu filho Gaspar Furtado de Mendonça Terá nascido cerca de 1500 (na vila de Santa
Cruz da mesma ilha?), onde morreu em 19de Março de 1587 - fallesydo Andre FurtadoEm 19
djas do mees de Marco de 87 annos/emterou esta Caza da Saonta Misericordia/ com a bandejra e
pompa della a [6]/ Andre Furtado de Mendonsa e ade pa-/ gar Gaspar Furtado seu filho que/ esta
hordenado eu Antonio Picaonco/Correa escryvão da caza o prezen-/ te anno ho escrevj (3.º
assento da p. 159 do tombo da Misericórdia da supracitada vila, (fotocópia cedida por Luís Conde
Pimentel) Noutro registo tombado no Livro aonde se escrevem os defuntos irmãos da Santa Casa
da Misericórdia da vila de Santa Cruz da Graciosa, consta que em 1 de Outubro de 1592 foi
enterrada Leonor Vaz (Sodré), (2.ª) mulher de André Furtado, deixando de esmola dez alqueires
de trigo que pagará seu filho Gaspar Furtado de Mendonça. André Furtado de Mendonça casou
pela primeira vez no 1.º quartel de Quinhentos com Cenoleza Dornelas (assim referida em
documentos coevos), filha de Álvaro Dornelas da Câmara e de sua mulher Maria Vaz Sodré. Uma
sua bisneta, Antónia Furtado de Mendonça, viria a casar com Lázaro Luís Sodré, filho de Manuel
Dias e se sua mulher Beatriz Gonçalves Sodré, possíveis pais do Manuel Dias Sodré, residente na
cidade de Angra, que solicitou ao tabelião André Furtado de Mendonça o testemunho
ajuramentado que se reproduz., e possivelmente também de Bartolomeu Luís Sodré, descendente
de um dos suplicantes (Francisco Luís), que era pai de Bartolomeu Cordeiro ao qual foi passada
em 1619.09.23., uma C.B.A. de Sodré pleno, possivelmente relacionada com o diploma em
apreço. De acordo com uma nota encontrada por Luís Pimentel Gaspar Furtado de Mendonça,
morador ao sainte da vila (de Santa Cruz) terá morrido, ou sido enterrado, na mesma em 19 de
Março de1620.
55

escrivão dos agravos e a nobreza que esta certidão de brasão subscreveu, e a que me
reporto>>. 212
O supracitado instrumento público antecedeu a passagem a Bartolomeu Cordeiro, em 28
de Setembro de1619., duma Carta de Brasão de Armas por certidão (Sodré, pleno).
Nesta C. B. A. o armigerado figura como filho legítimo de Bartolomeu Luís Sodré e de
sua mulher Catarina da Rosa, já defuntos, moradores que foram na ilha Graciosa (…)
descendente de Vasco Gil Sodré, seu trisavô (ou terceiro avô?) e de Diogo Vaz Sodré,
que em tempo d’El Rei D. Manuel tirou brasão de sua nobreza e fidalguia 213 .
Aceitamos como muito provável que o Bartolomeu Luís Sodré, pai deste armigerado,
fosse filho do Francisco Luís casado com Inês Vaz Sodré referidos por CONDE
PIMENTEL214. A ser assim, o supracitado Francisco Luís, avô paterno do armigerado,
seria filho de Luís Afonso e de sua mulher Inês Vaz, esta última filha de Vasco Gil
Sodré e de sua mulher Brites Gonçalves, que assim ficam como trisavós de Bartolomeu
Luís Sodré, como ele próprio alegava. De acordo, entre outros manuscritos, com o Livro
de Genealogias da ilha Graciosa 215, Inês Vaz Sodré, avó paterna do armigerado, teria
casado (em primeiras ou segundas núpcias) com o supracitado capitão Francisco Luís, e
era filha de Vasco Gil Sodré e de Brites Gonçalves.
Como referimos, parece admissível que o traslado de 1609 se tivesse destinado ao
instrumento público que fundamentou a C.B.A de 1619, passada a Bartolomeu
Cordeiro, filho do antedito Bartolomeu Luís Sodré
O documento de 1805, afinal a nossa única fonte directa, reproduz sucessivas certidões
dos séculos XVI, XVII e XVIII. Não é de excluir, muito pelo contrário, que essas
sucessivas leituras do documento original tenham resultado em lapsos “paleográficos”
susceptíveis de alterar pontualmente palavras do depoimento ajuramentado de 1569,
Mas não vemos razões para recusar o valor das certidões do testemunho de um tabelião
que comprovadamente exerceu o ofício durante dezenas de anos, e afirma, sob
juramento, que conheceu ainda a 2.ª mulher de Vasco Gil Sodré, sendo casado com uma
neta sua.
Nem para lhe atribuir menor credibilidade, como fonte, do que ao manuscrito de
genealogias da Graciosa, compilado no mesmo século XIX, pelo tenente Francisco
Homem Ribeiro216, que se encontra na posse de MENDES e FORJAZ, e em que estes
autores estribam parte do seu parcimonioso e selectivo 217 título de Sodré dos Açores. As

212
MACHADO, José de Sousa, Brasões Inéditos, 1906, p. 25; e Cartas de Brasão de Armas – colectânea
– compilação, (organização e índices por Nuno Gonçalo Pereira Borrego), Guarda-mor, Lisboa: 2003, nº
167, pp. 83-84.
213
Ver nota anterior.
214
PIMENTEL, Luís Conde, ob. cit., p. 62.
215
AZEVEDO, Mateus Machado Fagundes de, (jorgense falecido em 1733) Cadernos genealógicos,
original pertencente a José do Canto, cuja cópia manuscrita, efectuada em 1873, se encontra na
B.P.A.D.A.H., fl. 1., nº 8.
216
Do qual possuímos fotocópia
217
Como se verifica, por exemplo, com os descendentes de Filipa Vaz Sodré a quem os autores não dão
descendência baseados numa genealogia manuscrita, reconhecendo embora que Luís Conde Pimentel <<
tem registos de descendentes deste casal>>, ou com o n.º 6 do & 11 de Bettencourt onde uma
descendente de Vasco Gil Sodré è dada como <<casada com António Fernandes Borges, mercador) que
pagou a finta dos cristãos-novos Cg. na Graciosa>>., (sucede que Luís Conde Pimentel apurou que este
António Fernandes Borges terá falecido na freguesia do Guadalupe, Graciosa, em 6 de Abril de 1649, e
seria filho de Heitor Fernandes e de uma Francisca Borges, curiosamente natural da ilha Terceira,) Seria
oportuno ter referido em que fonte credível foi encontrada referência a esta finta, respeitante a um casal
com descendência actual documentada, tanto na ilha Terceira (onde se não encontra menção) como no
continente.Pessoalmente não a conhecemos, e só teríamos a ganhar com a respectiva documentação. Isto
entre outros exemplos poderíamos chamar à colação.
56

fontes existentes não se aferem, nem escalonam, utilizando critérios divergentes apenas
porque “dá jeito” para um determinado desígnio.
Comecemos por apresentar uma transcrição da fonte a que nos reportamos

Diz Sebastião Correa de Mello Bitancort mo-/ rador no termo desta villa de Santa Cruz
da Gracioza/ que para bem de seu direito e justiça lhe he precizo por/ certidão hum
acórdão ou sentença que obteve do/ Supremo Tribunal da Relação contra os Dezem-/
bargadores Procuradores Regios por isso/
Pede a Vossa Mercê (?) Jllustrissimo Senhor Doutor Juiz/ de fora se sirva
mandar que o escri-/ vão a quem o supplicante aprezentar es-/ ta lha passe
por certidão em modo/ que faça fé no que/ Recebera Mercê/

P[asse] FJ Coelho

Manoel Correia Picanço dos Santos escrivam/ do judicial e notas nesta villa
de Santa Curuz (sic) da Gracioza etc/ Satisfazendo ao Despacho supra do
Dr. Juiz de fora Francis-/ co Jeronimo Coelho e Souza, firmado a margem
da petição do/ supplicante- Certefico que pello supplicante me foi
aprezentada a sentença/ ou acordam de que faz menção na petição cujo
theor e forma/ he o seguinte = Sentença Civel a favor do Padre (?) Francisco
de Paula e Bitancort = Tenente Theodozio Alvaro de Bitancort = Sebastiam
Correa de Mello Bitancort e outros/ contra os Dezembargadores e
Procuradores Régios Dom/ João por Graça de Deos Princepe Regente de
Portugal e dos Algar-/ ves d’Aquem e d’Alem Mar em Africa de Guine e da
Conquista//(…) faz oito centos i oitenta reis e eu Braz Diogo de Souza/
escrivam do judicial tabaliam publico de notas a fiz es-/ crever e
sobreescrevy = Logar do Publico = in testemonium veri-/ tatis Braz Diogo
de Souza e comigo tabaliam Themoteo/ Espinolla de Souza = recebi o
próprio Caetano Joze de Mello = Segun-/ do documento [1] Diz Caetano
Joze de Mello morador no termo desta vi-/ lla de Santa Cruz da Gracioza
que para bem de sua justiça lhe he ne-/ cessario por certidam o treslado de
hum brazam de Vasco/ Gil Sodre que se acha imserto em hum testemunho
que deo/ o cappitam André Furtado de Mendonça em huns autos de
peticam/ de abonaçam em que foi supplicante Antonio Cardozo Sodre cujo/
dito Vasco Gil Sodre hera sexto avô paterno delle/ supplicante = Pede a
Vossa Mercê Senhor Juis ordinário lhe faça/ mercê mandar que qualquer
escrivam a que o supplicante/ aprezentar os referidos autos delles lhe passe
a certi-/ dam pedida e modo que faça fé em Publica forma/ [2] = E receberá
Mercê = Como pede Santa Cruz da Gracioza trinta/ e hum de Agosto de mil
setecentos e secenta e quatro/ [3] Veiga = Saibam quantos este publico
instrumento dado e pas-/ sado em publica forma por mandado e autoridade
da jus-/ tica ex oficio de mim publico tabaliam Braz Diogo/ de Souza em
comprimento do Despacho supra do Juis ordinario/ António Espinolla da
Veiga firmado a margem da petiçam do/ supplicante Caetano Joze de Mello
virem do theor de hum/ Brazam de que na mesma petiçam se faz mençam
que/ pelo dito supplicante me foi aprezentado cujo theor delle/ de verbo ad
[
[
[
57

verbum he de maneira e forma seguinte =/ Certefico eu António de Quadros


Furtado tabaliam do publi-/ co e do judicial e escrivam da camara e
almotassaria/ por sua Magestade nesta villa da Praia desta Ilha/ Gracioza e
seu termo della que eu tenho em meu poder huns/ autos de hua petiçam de
Gaspar Luiz e Francisco Luis/ de hua abonaçam que fizeram no anno de mil
e qui-/ nhentos secenta e nove annos ante o Juis Afon-//[fl.46] Afonco Loiz
em o (sic) quais autos está hum testemunho que diz/ o seguinte Digo eu
Andre Frurtado (sic) tabaliam nesta villa da/ Praia desta Ilha Gracioza que
pelo juramento dos Santos Evangelhos/ que pelo Juis Afonço Loiz me foi
dado em que puz a minha/ mam direita e me emcaregou que disesse verdade
assim o pro-/ meteo fazer quanto ao costume minha molher prima com
yrma-/ as (sic) de Francisco Luiz filhos do yrmaos (sic) dos supplicantes
seus so-/ brinhos e diria verdade do contheudo na petiçam que por/ mim foi
lida que he verdade que os ditos supplicantes Francisco Loiz e/ Gaspar Loiz
sam filhos legítimos de Francisco Loiz e de/ Igenez (sic) Vaz Sodre sua
molher moradores nesta dita villa i o di-/ to Francisco Loiz he filho legitimo
de Ignez Vaz e de/ Loiz Afonço defuntos moradores que foram nesta dita
villa/ e a dita Ignes Vaz yrmam de Diogo Vaz Sodre/ contheudos na petiçam
filhos de Vasco Gil Sodre e de/ Biatriz Gonsalves sua molher e sendo
publica voz e/ fama por que eu ainda alcancei somente a Beatriz Gon-/
salves conheci e se nomeava por molher do dito Vasco Gil So-/ dre e o dito
Francisco Loiz Pay dos supplicantes se nomeava por ne-/ to dos ditos Vasco
Gil Sodre e Beatris Gonsalves e por tal/ havido e conhecido na dita Ilha
digo eu que servindo de/ tabaliam na villa de Santa Cruz da dita Ilha
Gracioza/ vi hum Brazam e o o (sic) tive em meu poder que tirou o/ dito
Diogo Vaz Sodre em Portugal de sua nobreza dos/ fidalgos de solar e armas
conhecido o qual declarava que di-/ zia El ri (sic) de armas Protugal (sic) e
muito excelente e poderozo senhor/ Dom Manel (sic) Rey de Portugal e dos
Algarves d’Aquem d’A-/ lem mar em Africa Senhor de Guine da conquista
e nave-/ gaçam comercio da Etiopia Arabia Percia e da India/ e dizia aos
que aquella certidam virem que Diogo Vaz Sodre/ requeria que lhe desse as
armas de seus Avôs que por direito lhe/ pertenciam da Caza dos Sodres de
Inglaterra lhe pertencião//[fl.46v] lhe pertenciam as ditas armas com seu
seferente (?) e diferen-/ ça e lhe fora requerido ao Rey de armas que lhe
desse o officio (sic)/ e lhe disse asim todas na certidam e p.ro (sic) [4] que
lhe satisfizesse a/ petiçam de Diogo Vas Sodre que se tirase hua inquiriçam/
por homemes (sic) honrrados em que lhe fizese certo que delle pro-/ cedia
da dita caza dos Sodrez que lhe aprezentara hum/ instromento publico feito
por officio (?) de João de Dia (sic) ca-/ valeiro fidalgo juiz ordinário na villa
de Montemor/o Novo e João Lopes inquiridor por mam de Fernam/ Vaz
tabaliam publico e do judicial da dita villa do (sic) Mon-/ temor e seu termo
por El rey Nosso Senhor e por outro/instromento publico fora (sic) feito em
as Alcassadanas (sic) do/ Sul feito por mandado de Vasco da Fonseca juis
ordinario/ e Fernam Vas inquiridor e por mam de João Afonço/ tabaliam
publico em a dita villa de Alcassaria (sic) pelo/ Senhor Dom Jefe (sic) de El
rey D. João que Deus haya notefi-/ cando lhe os ditos João Jefe (sic) que
dera juramento dos Santos Evan-/ gelhos a sertãs testemunhas dignas de fe e
credito a saber Alva[ro]/ Masssaneço (sic) Rodrigo Dias Timfal (sic) e a
Maria Fernandes/ e Guimar Alveres molher viúva que foi de Diogo Pires/
[
58

de idade e (sic) de cento e dezaceis annos moradora na/ Alcaçaria do Sul e


Catharina Luiz molher de João Caro-/ va (sic) de oitenta annos pouco mais
ou menos testemunha ju-/ rada aos Santos Evangelhos em as mãos dos ditos
João Je-/ sses (sic) e elles o diçeram todos que elles sabiam que o dito Dio-/
go Vaz hera filho de Vasco Gil e neto de Gil Esteves/ e de Faria (sic)
Lourenço sua molher e bisneto de Lourenço/ Pires Cazado escudeiro de El
rey Dom Duarte e D. Bri-/ gida Sodre e de Bitte Forte da Inglaterra e que
elles sa-/ biam que o dito Diogo Vaz hera filho legitimo do dito/ Vaco (sic)
Gil sem nelle haver nenhua bastardia e/ elle ser limpo e nobre em sua vida e
visto pello req[uerer ?]/ de armas o dito requerimento e prova ser valioza
por testemunhas//[fl.47] por testemunhas lhe dera em numero da certidam
jun-/ tados com sua defeza como estavam sentados em a (sic) li-/ vros
antigos que se pedem e estavam com juis da/ nobreza e lhe requeria e
mandava da parte do dito/ Senhor por poder e autoridade que de sua Alteza
tinha/ e que todos os cavaleiros e fidalgos da caza de armas con-/ hecidos e
corregedores e alcaides e juizes a quem aque-/ la sua carta foce mostrada
que bem daqui em dien-/ te (sic) quer que o dito Diogo Vaz Sodre fose
estivese e andase/ e lhes deixasem livremente trazer as ditas armas e com
ellas/ o dixaçem (sic) entrar em quais quer emquietaçoens (sic) e re-/ tiros
(sic) de seus officios e que elle se aviese com seus inimi-/ gos assim delle
como a todos os que delle descenderem por lin-/ nha direita masculina e
fose a dita cara (sic) valioza asim/ o dito Diogo Vas Sodre e os que delle
descenderem por linha/ direita como o dito he lhes deixaçem gozar asim
todos/ huns e outros que tinham e haviam todos huns e ou-/ tros cavaleiros
fidalgos de solar e armas conhecidos as-/ sim pela jessa (sic) haviam todos
os descendentes e so-/ cessores por rezam da (sic) ditas armas milhor e se
milhor/ e com rezam e asim o compriram huns e outros/ sem duvida nem
embargo que a ella seja posto/ a qual carta dezia ser feita em Lixboa aos
vinte hum [5]/ dias do mez de Marco do anno do Nascimento de Nosso
Sen-/ nhor Jezus Christo de mil quinhentos e trez/ annos e por virtude do
dito Brazam da maneira/ aqui declarado dou minha fe estar asim escrito e
asim/ ser que o dito Diogo Vas Sodre como outros seus yr-/ maos filhos do
dito Vasco Gil Sodre lograram su-/ as liberdades homenagens por respeito
do dito Bra-/ zam e viveram limpamente abastados e ser do regimento/ da
terra e asim os supplicantes são bisnetos do dito Vasco/ Gil e viveram
honrradamente e a dita Ines Vas yrmam//[fl.47v] yrmam do dito Diogo Vas
filha do dito Vasco Gil como ta[obem ?]/ declaro ella e seu marido Loiz
Afonço viveram nesta ter[ra ?]/ abastados e limpamente e os seus netos de
Vasco Gil guardara[m?]/ suas liberdades e homenagens e ser dos principais
da te-/ ra Andre Furtado tabeliam o escrevy por me ser pedi-/ da esta
certidam por parte de Antonio Dias Sodre filho de Jo-/ ão Loiz morador na
cidade de Angra Ilha Treceira (sic) que estava/ declarava com o treslado do
dito testemunho que estava escrito nos/ ditos autos que ficam em meu poder
a que me reporto/ aos autos e a todas as mais certidoens que tinha pas-/ sado
e fes treslado e testemunhos que passados e dado[s?]/ com elles esta
comsertei e corri com o tabaliam abai-/ xo asignado e com o dito juis e
proprios autos para fe/ de verdade me asigno de meu signal costumado que/
tal he hoye vinte sete dias do mez de Abril de mil/ seis centos e nove annos
= Passei por mandado de António Pereira d[e]/ Mello juis ordinario neste
[
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prezente anno que a-/ qui se asignou comigo tabaliam. Pagou de busca oi-/
to centos e vinte reis = Antonio de Quadros Furtado = con-/ sertado =
Antonio de Quadros Furtado o qual instromento/ eu Braz Diogo de Souza
escrivam tabaliam do publi-/ co judicial e notas nesta villa de Santa Cruz e
seu termo/ desta Ilha Gracioza que sirvo nos ofícios de que foi ultimo pro-/
prietario o Cappitam Manoel da Cunha por provimento que para isso tanho/
do Dezembargador Corregedor atoal desta Comarca o Doutor/ Antonio de
Mesquita e Moura etcª fis passar bem e fielmente/ do proprio documento
que pelo dito supplicante me foi apre-/ zentado a quem o tornei a intregar
(sic) que de como o recebeo/ hade asignar com o qual este comferi
corroborei con-/ sertei e vai na verdade sem couza que duvida faça em fe/
do que me asigno do meu publico razo signal nes-/ ta villa de Santa Cruz da
Gracioza ao primeiro de Setembro de mil/ sete centos e secenta e quator
(sic) annos pagou desta cer-/ tidam com todas as regras na forma do
regimento//[fl.48]

André Furtado, que renunciara ao cargo de tabelião no ano anterior, tendo-o


exercido, como verificámos pessoalmente, pelo menos desde 1547, diz o seguinte:
eu que servindo de/ tabaliam na villa de Santa Cruz da dita Ilha Gracioza/ vi hum
Brazam e o o (sic) tive em meu poder que tirou o/ dito Diogo Vaz Sodre em
Portugal de sua nobreza dos/ fidalgos de solar e armas conhecido o qual
declarava que di-/ zia El ri (sic) de armas Protugal (sic) e muito excelente e
poderozo senhor/ Dom Manel (sic) Rey de Portugal e dos Algarves d’Aquem
d’A-/ lem mar em Africa Senhor de Guine da conquista e nave-/ gaçam comercio
da Etiopia Arabia Percia e da India/ e dizia aos que aquella certidam virem que
Diogo Vaz Sodre/ requeria que lhe desse as armas de seus Avôs que por direito
lhe/ pertenciam da Caza dos Sodres de Inglaterra
Refere-se portanto a uma carta de brasão de armas por certidão, resultante de uma
inquirição prévia feita por homens honrados, destinada a provar que o suplicante
procedia efectivamente da linhagem (caza!) dos Sodré.
Este apresentou um instrumento público feito por João de Dia (sic) cavaleiro-
fidalgo e juiz ordinário na vila de Montemor-o-Novo e João Lopes, inquiridor, por
mão de Fernão Vaz, tabelião publico e do judicial de Montemor-o-Novo e seu
termo por nomeação régia. E ainda outro instrumento publico feito em
Alcassadanas (sic) do/ Sul. (Consultadas várias corografias, estamos quase
seguros de que se tratava de Alcácer do Sal, na versão corrupta do copista) feito
por mandado de Vasco da Fonseca juiz ordinário, e Fernão Vaz inquiridor, por
mão de João Afonso tabelião publico na dita vila de <<Alcassaria>> (Alcácer)
ainda em vida de D. João II (passagem incompreensível) notificando-lhe João
Jefe (sic) dera juramento sobre os Santos Evangelhos a certas testemunhas dignas
de fé e credito a saber: Alva[ro]/ Masssaneço (sic) Rodrigo Dias Timfal (sic) e a
Maria Fernandes/ e Guiomar Alvares mulher viúva que foi de Diogo Pires, de
idade de cento e dezasseis anos (óbvio lapso do copista) moradora em Alcácer
do Sal e Catarina Luís mulher de João Carova (sic) de oitenta anos pouco mais ou
menos, testemunhas jurada aos Santos Evangelhos em as mãos dos ditos João Je-/
sses (sic) e eles o disseram todos que sabiam que o dito Diogo Vaz era filho de
Vasco Gil e neto de Gil Esteves e de Faria (Iria?) Lourenço sua mulher. Bisneto
de Lourenço Pires Casado, escudeiro do rei D. Duarte, e D. Brígida Sodré, de
Bitte Forte da Inglaterra.
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Os mesmos sabiam ainda que o dito Diogo Vaz hera filho legitimo do dito Vaco
(sic) Gil sem nele haver nenhuma bastardia e ele ser limpo e nobre em sua vida. E
visto pelo req[uerer ?] de armas o dito requerimento e provas
ser(em) valiosas por testemunhas lhe dera em numero da certidão juntados com
sua defesa como estavam (as)sentados em livros antigos que se pedem e estavam
com juiz da nobreza e lhe requeria e mandava da parte do dito Senhor, por poder e
autoridade que de sua Alteza tinha, que todos os cavaleiros e fidalgos de cota de
armas conhecidos e corregedores e alcaides e juízes a quem aquela sua carta fosse
mostrada que daqui em diante (onde?) quer que o dito Diogo Vaz Sodré fosse
estivesse e andasse lhe deixassem livremente trazer as ditas armas .
Retirados os lapsos (dos sucessivos?) copistas do depoimento, parece-nos
inteiramente aceitável que o ex-tabelião André Furtado (no exercício do seu
ofício, para registo, ou por ser casado com uma descendente directa de Vasco Gil
Sodré), tivesse apontado o texto da C.B.A. por certidão de Diogo Vaz Sodré e se
encontrasse apto a efectuar o seu depoimento ajuramentado de 1569, baseado em
notas ou registos efectuados há menos de cinco décadas. E que, num meio tão
acanhado como o seria o das vilas da Praia e Santa Cruz da Graciosa no começo
da segunda metade do século XVI, fosse arriscado efectuar sob juramento um
depoimento contestável.
A ascendência de Vasco Gil foi reconhecida e comprovada por testemunhas de
Alcácer do Sal e Montemor-o-Novo, vilas onde, documentadamente o escrivão da
alfândega e escudeiro de D. João I Fernão Sodré e sua 2.ª mulher Teresa Eanes
possuíam bens, que legaram ao almoxarife João Sodré e sua mulher. Isabel
Serrão.
Tendo em conta ainda as ligações de Antão Sodré e Frei Duarte Sodré a
Montemor-o-Novo, seria de esperar um entronque límpido em membros
conhecidos do tronco desta linhagem “recente” e relativamente obscura. Mas não
só tal não sucede, como se não deduz pela varonia. Vasco Gil Sodré era filo de
um tal Gil Esteves e de sua mulher Iria Lourenço. Parece evidente que os avós
Lourenço Pires Casado, escudeiro do rei D. Duarte e sua mulher Brígida Sodré, de
Bitaforte da Inglaterra, o eram pela linha materna e representavam uma dupla, e
algo “escondida” dupla quebra de varonia.
Para ter chegado à ilha Graciosa entre 1475 e 1480 (como admite a generalidade
dos autores que se debruçaram sobre a questão) já com dois filhos e três filhas,
nascidos de um 2.º casamento com Beatriz Gonçalves, Vasco Gil teria casado pela
segunda vez (tendo em conta os intervalos inter genésicos) entre os finais da
década de sessenta e os meados da década de setenta de Quatrocentos. Mesmo
que o seu primeiro casamento tenha sido breve, deverá ter nascido ao redor de
1440/5. O seu avô, Lourenço Pires Casado, para ser escudeiro de D. Duarte
(1433.1438), teria nascido depois do escudeiro de D. João I (documentado como
tal em 1414) e escrivão da alfândega de Lisboa Fernão Sodré, e sua mulher
Brígida Sodré um pouco depois.
Cronologicamente, parece-nos um exercício fútil fazer descender Vasco Gil Sodré de
qualquer filho, ou presumível irmão inteiro, do almoxarife João Sodré.
Manuel Abranches de Soveral estudou, e fez o favor de os partilhar connosco, a
existência de uns Casado, moradores Setúbal, nos séculos XIV e XV, curiosamente
descendentes de Afonso Lourenço Casado, que em 1303 instituiu uma capela em
Setúbal., e a que a eles se refere nos seguintes termos:
<<Concretamente, Lourenço Anes Casado, pai de João Lourenço Casado e Estevaínha
Lourenço Casado, esta mulher Lourenço Gomes Pinheiro, sem geração. Em 1449, já
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viúva, esta Estevaínha Lourenço Casado instituiu uma capela chamada do Pomar da
Pipa, ao pé de Palmela, chamando para suceder nela Estêvão Anes Pinheiro, sobrinho de
seu marido Lourenço Gomes Pinheiro, e casado com uma sua sobrinha. Gaio diz que
1449 era da era de César (portanto 1411), mas a cronologia das pessoas envolvidas
indica que 1449 era da era de Cristo>>.
O dito João Lourenço Casado não sei se é o João Casado, cavaleiro, morador na vila de
Setúbal, a quem a 24.12.1434 D. Duarte confirmou que não participara na asnada e
arroído que seu tio Afonso Martins Casado tivera com Gil Anes de Freitas, cavaleiro
morador em Setúbal, no qual arroído o dito Afonso Martins matara Gomes, homem de
João Cardim, e ferira o dito Gil Anes e sua mulher. Este João Casado, filho de Afonso
Vicente Casado, morador em Setúbal, foi a 17.6.1449 nomeado novamente para o cargo
de escrivão do serviço velho e novo da judiaria da vila de Setúbal. E era provavelmente
irmão do Vicente Afonso Casado, escolar em direito, que a 20.2.1444 foi confirmado no
cargo de procurador do número da vila de Setúbal, assim como o era em vida de D. João
I e de D. Duarte, que o confirmara a 17.12.1433. Bem assim como de Nuno Afonso
Casado, que na mesma data é também nomeado novamente para o cargo de procurador
do número de Setúbal, assim como o era em vida do monarca D. Duarte.
De João Lourenço Casado foi filha Estefânia Lourenço Casado, que foi mulher de
Estêvão Anes Pinheiro, cavaleiro da Casa do infante D. João, condestável e mestre de
Santiago, com geração>>.
Mas, apesar da coincidência de Lourenços e Casado residentes na margem Sul do Tejo,
antes, durante, e depois do reinado de D. Duarte, não foi possível identificar, ainda,
nenhum Lourenço Pires Casado.
Não passando de mera conjectura apresentar Brígida Sodré como uma das filhas
do primeiro casamento do supracitado genearca Fernão Sodré, não resta dúvida de
que o inquérito sobre a ascendência de Vasco Gil se desenrolou em vilas onde
esse genearca Fernão Sodré tinha, documentadamente propriedades, e a que
descendentes seus permaneceram ligados, e que existem coincidências
onomásticas flagrantes entre os Sodré do continente e os Sodré povoadores da ilha
Graciosa. Pessoalmente não tenho a menor dúvida de que, uns e outros, seriam
parentes próximos.
Quanto ao Bectaforte, ou Bitaforte, não nos parece concludente que corresponda a
um deturpação da inglesa Hereford, lembrando que na ascendência de Bartolomeu
Perestrelo, sogro de Pêro Correia, Capitão do Donatário da mesma ilha Graciosa,
se contam Gabrielle Pallastrelli e Bertolina Bracciforte, , pais de Filippo
Pallastrelli, o primeiro que passou de Piazença a Portugal em 1384/ 1385 ( e foi
conhecido como “o espanhol”). Ora esta Bertolina surge em várias genealogias
manuscritas portuguesas como Bertolina Bectaforte218
É admissível que as armas dos Sodré portugueses pareçam retomar a heráldica
inglesa da família Botiler, e que estas últimas sejam “aparentadas” com as que
foram usadas pelos descendentes de Theobald Fitzwalter, criado “Chief Butler”
da Irlanda por Henrique II de Inglaterra é um facto219.
Como também julgamos ter estabelecido que a tradição da origem inglesa dos
Sodré, já patente no epitáfio de Frei Duarte Sodré, falecido em 1500 (ignorando
embora a data da inscrição), remonta documentadamente ao reinado de D. João II.
Até agora, de palpável, não surgiu ainda mais nada.

218
Vasconcelos, Sebastião Perestrelo de, Manuscrito sobre os Perestrelo, Torres Vedras: 1973, cap. VIII,
Fillipo Pallastrelli – O Espanhol (cópia amavelmente cedida por Lourenço Correia de Matos)
219
GREHAM, Jonhn Irish Clans, Jonhn Hinde Ltd, Dublin: 1994, p. 12
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