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Ditadura Militar Na Amazonia Projetos de
Ditadura Militar Na Amazonia Projetos de
Resumo
Ainda na década de 1960, alguns anos após o golpe de 1964, a ditadura militar dava início
aos empreendimentos voltados para a Amazônia. Visando demonstrar seu alcance como "prove-
dor do desenvolvimento" na promoção de um "Brasil Grande", o regime militar cria dispositivos
governamentais especialmente voltados para a região. Nesse sentido, é possível citar, dentre outros,
o BASA (Banco da Amazônia S.A), a SUDAM (Superintendência do Desenvolvimento da Ama-
zônia) e a SUFRAMA (Superintendência da Zona Franca de Manaus). Estes organismos tinham
como objetivo a execução do Plano de Valorização Econômico da Amazônia, que deveria, segundo
o governo: colonizar, ocupar, desenvolver, integrar e descobrir a Amazônia. Contudo, o planeja-
mento e execução desses projetos foram permeados por inúmeras contradições e problemáticas
que pouco foram explorados. Em raras ocasiões são discutidas as ligações desses empreendimentos
com o projeto político autoritário que foi estabelecido no Brasil após 1964. Normalmente, estes
são associados a noções de desenvolvimento, investimento e progresso da Amazônia. Além disso,
é usual que sejam propagadas no senso comum ideias de que a repressão ditatorial não chegou ao
Amazonas ou à região amazônica, como um todo. Dessa maneira, objetiva-se aqui demonstrar a
correlação desses projetos desenvolvimentistas com o autoritarismo da ditadura militar. Estes em-
preendimentos serão entendidos como um exercício de poder, uma das formas encontradas pela
ditadura para se fazer presente na Amazônia, ocupando e controlando a região.
Palavras-chave: Ditadura Militar, Amazônia, desenvolvimentismo, autoritarismo
na Amazônia, os militares poderiam exercer controle ali, garantindo a “ordem e segurança”, mas
também coagindo um possível avanço da esquerda. Ademais, a Escola Superior de Guerra (ESG)
já formulava, muito antes do golpe de 1964, um Projeto de Brasil que tinha como um de seus focos
o domínio, a ocupação e o desenvolvimento da região amazônica, entendida como área estratégica
para a segurança nacional e para o crescimento econômico do país.
Não à toa, a ocorrência da Guerrilha do Araguaia, em fins dos anos 1960 e primeira meta-
de da década de 1970, coincide com o aumento da presença da ditadura na Amazônia, com mais
projetos e maior busca por ocupação e desenvolvimento na região. Isso nos mostra a ligação que
podemos fazer entre o combate ao comunismo e o desenvolvimentismo na Amazônia.
A compreensão, pelas Forças Armadas, de que o território amazônico ocupa posição es-
tratégica e tem grande importância geopolítica, faz com que os militares considerem fundamental
firmar presença na região. Isso se dá de variadas formas. Os projetos desenvolvimentistas, por
exemplo, representam uma maneira de a ditadura se autolegitimar entre parte dos amazônidas,
além de se fazer presente de maneira ativa na Amazônia, utilizando o território como “vitrine do
desenvolvimento”1 para o restante do país; a submissão e perseguição de grupos indígenas no Nor-
te e em outras localidades são justificadas pelo entendimento de que o índio é fator de segurança
nacional, por isso seria preciso vigiar para que não ocorresse “infiltrações comunistas” nas aldeias,
além de garantir que os indígenas se tornassem “verdadeiros brasileiros” através da aculturação
e até militarização desses sujeitos. Não é coincidência que um dos períodos de efervescência dos
movimentos indigenistas organizados é a década de 1970. Estes movimentos têm como resposta a
atuação ambígua e controladora da FUNAI e um “Estatuto do Índio” que preza mais pela tutela e
controle das comunidades indígenas do que pela sua liberdade e independência2.
Quando digo que os projetos da ditadura para a Amazônia compõem uma proposta econômica
desenvolvimentista, entendo que o desenvolvimentismo é ferramenta de controle do Estado sobre a
economia, de modo a promover sua legitimação, da mesma forma que privilegia determinados setores
civis. Logo, o que decorre do modelo desenvolvimentista é o beneficiamento das empresas que se aliam
aos objetivos propostos pelo Estado, pois elas utilizam de privilégios concedidos pelo governo, como os
incentivos fiscais no caso da Amazônia, para crescer. Por outro lado, as empresas que não se encaixam
às diretrizes prioritárias traçadas pelo Estado e não encaram a burocracia estatal, se veem limitadas.
1 Janaína Martins Cordeiro aponta que as grandes obras como a Rio-Niterói e a Transamazônica foram apresentadas
pelo governo como “vitrines de um Brasil moderno” (CORDEIRO, Janaína Martins. Por que lembrar? A memória
coletiva sobre o governo Médici e a ditadura em Bagé. In: REIS, D. A.; RIDENTI, M.; MOTTA, R. P. (orgs.). A
ditadura que mudou o Brasil. 50 anos do golpe de 1964. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2014, p. 186-202.).
2 Essas problemáticas que envolvem as relações dos indígenas com o regime ditatorial foram muitos discutidas
durante o minicurso “Violações de direitos indígenas durante a ditadura militar”, ministrado por Pedro Berutti
Marques e Marco Túlio Antunes Gomes, e durante a Mesa 1 do Simpósio Temático “Diálogos sobre a ditadura
militar brasileira: ensino e pesquisa”, coordenado por mim, Ana Carolina Monay e Jessica Machado Martins, du-
rante o VII Encontro de Pesquisa em História da UFMG (2018). As discussões ocorridas nestes dois momentos
foram fundamentais para que a questão indígena aparecesse com maior relevância neste trabalho. Boa parte dos
comentários sobre este assunto foram inspirados pelos debates dessas duas ocasiões.
3 O conceito de capitalismo de Estado pode ter mais de um significado, por isso, é preciso esclarecer que aqui o
termo é aplicado a “[...] países capitalistas com forte intervenção do Estado na economia onde ele se esforça para
desenvolver as forças produtivas, [...] não aguardando iniciativas particulares das livres forças de mercado” (COS-
TA, Fernand Nogueira da. Capitalismo de Estado Neocorporativista. In: Texto para discussão. Instituto de Economia
UNICAMP, Campinas, n. 207, julho 2012.).
4 MARQUES, Adriana Aparecida. Amazônia: pensamento e presença militar. Tese apresentada ao Programa de Pós-Gra-
duação do Departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de
São Paulo. São Paulo, 2007.
5 CARDOSO, Fernando Henrique; MÜLLER, Geraldo. Amazônia: Expansão do capitalismo. São Paulo: Editora Brasi-
liense, 2ª edição, 1978.
6 DECRETO-LEI 1.106, 16 de junho de 1970.
Mais uma vez, este grande projeto que causou intensas modificações na Amazônia, teve
como motor principal a resolução de um problema exógeno à região: a seca no Nordeste. O PIN,
portanto, é parte de um objetivo maior de eliminação das regionalidades e fortalecimento de um
ideal grandioso de nação, como pode ser percebido na fala de Médici: “ou crescemos juntos todos
os brasileiros ou nos retardaremos indefinidamente para crescer. E, como a segunda alternativa
não é admissível, o Programa de Integração Nacional terá de ser, como decidimos que será, um
instrumento a serviço do progresso de todo o Brasil”7.
Assim como as outras obras faraônicas da ditadura, a Transamazônica também foi repleta
de contradições e problemáticas que precisam ser destacadas. Um ponto a ser levantado são as
“intenções escusas” para a construção da rodovia. Dentre elas, o uso da Transamazônica como
projeto de grande impacto para a legitimação do governo através da propaganda e o provável
beneficiamento das grandes empreiteiras do Sul do país que participaram das obras. Já que, assim
como nos outros grandes projetos de engenharia, nas obras da Transamazônica também houveram
denúncias de corrupção.
As relações da ditadura com empreiteiras foram muito bem exploradas na tese de Pedro
Henrique Pedreira Campos, “A ditadura dos Empreiteiros: as empresas nacionais de construção
pesada, suas formas associativas e o Estado ditatorial brasileiro, 1964-1985”8. De acordo com
o autor, a construção de estradas foi uma tendência durante a ditadura, sendo as construtoras e
multinacionais do setor automobilístico duas grandes interessadas nestas obras que priorizavam o
transporte rodoviário9. Contudo, Pedro Campos afirma que as empreitadas de grandes rodovias na
região Amazônica tiveram características específicas em comparação a investimentos no setor de
transportes de outras regiões brasileiras:
Na Amazônia foi diferente. Ali, novos desenhos de estradas foram criados, ex-
pressando uma política de colonização e avanço de capitais. A região era dotada
de recursos pouco explorados, que poderiam servir, segundo o discurso oficial,
ao desenvolvimento do país. Houve no desenho dessas rodovias o encontro de
interesses agregando: empresas minerais desejosas do acesso a regiões ricas em
minérios, com vias para escoamento da produção; interesses fundiários e agrá-
rios que viam possibilidades de expansão agrícola e especulação com a terra; um
elemento geopolítico e estratégico, com princípios de defesa e povoamento de
regiões “desabitadas” e da região de fronteira; e, por fim, e não menos impor-
tante, as empreiteiras, aliadas às fabricantes de equipamentos e de automóveis,
pressionando e influindo na implementação desses projetos10.
7 MÉDICI, Emílio Garrastazu. Sob o signo da fé, 08 de outubro de 1970. Discurso proferido em Manaus, na Reu-
nião Extraordinária da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia, SUDAM.
8 Esta tese defendida em 2012 na Universidade Federal Fluminense foi publicada pela editora da Universidade
(Eduff) com o título “Estranhas Catedrais: as empreiteiras brasileiras e a ditadura civil-militar, 1964-1988”. A obra
ganhou o prêmio Jabuti em 2015 na categoria “Economia, Administração, Negócios, Turismo, Hotelaria e Lazer”.
9 CAMPOS, Pedro Henrique Pedreira. A ditadura dos Empreiteiros: as empresas nacionais de construção pesada, suas formas
associativas e o Estado ditatorial brasileiro, 1964-1985. Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação de História
Social da Universidade Federal Fluminense. Niterói, 2012.
10 CAMPOS, A ditadura dos Empreiteiros, p. 468-469
11 GOMES, Flavio Alcaraz. Transamazônica: a redescoberta do Brasil. São Paulo: Livraria Cultura Editora; Springer Admi-
ral, 1972.
nas áreas de energia e transporte, por exemplo. Porém, os conflitos existiram, vidas foram sacrifi-
cadas, culturas foram subjugadas e dizimadas. O homem da região, nas várias camadas sociais, foi
pouco ouvido e teve pequena participação nessa corrida para o desenvolvimento em comparação
com o próprio Estado e grupos particulares das outras localidades do país. Assim, mesmo que a
propaganda tenha sido efetiva, gerando memórias positivas da ditadura na região amazônica nos
dias atuais, muitas das consequências negativas dessa modernização conflituosa também perduram
no presente.