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LIGAÇÃO QUÍMICA NOS COMPLEXOS

Propriedades Magnéticas, Ópticas e Estrutura dos Compostos Complexos

1. Teoria de Ligação de Valência (TLV)

Segundo a TLV, a ligação nos complexos é uma ligação do tipo covalente dativa,
envolvendo orbitais híbridas do átomo central e as orbitais atómicas dos ligantes. Esta
teoria, permite explicar satisfatoriamente a geometria e as propriedades magnéticas
dos complexos. Mas, esta teoria, limita-se em certos aspectos tais como:

 Não permite prever se um complexo será paramagnético ou diamagnético;

 Não permite prever se um complexo com número de coordenação 4 será


tetraédrico ou quadrado planar;

 A TLV não consegue explicar porque alguns complexos do tipo [ML 6]q
apresentam distorções tetragonais;

2. Teoria do Campo Cristalino (TCC)

A TCC, teoria lançada por Hans Bethe em 1929 e modificada por Van Vleck em 1935, é
baseada na interacção puramente electrostática entre os ligantes e o metal, onde os
ligantes são considerados como cargas pontuais negativas. Esta teoria permite
explicar razoavelmente bem alguns aspectos dos complexos, tais como: cores,
propriedades magnéticas, alguns aspectos estruturais e termodinâmicos.

2.1. Propriedades Magnéticas e Estrutura dos Compostos Complexos

Segundo o carácter de interacção com o campo magnético externo as substâncias


podem ser paramagnéticas ou diamagnéticas. As substâncias paramagnéticas são

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atraídas pelo campo magnético, enquanto que as diamagnéticas sofrem uma fraca
repulsão da parte deste.

As diferenças entre as propriedades magnéticas das substâncias encontram-se ligadas


à estrutura electrónica das suas partes constituintes – átomos, iões e moléculas. Se na
partícula todos os electrões se encontram emparelhados, os seus momentos
magnéticos compensam-se mutuamente e o momento total da partícula é igual a zero.
Neste caso, a partícula é diamagnética. O paramagnetismo pode ser revelado por
uma partícula quando nela existe um ou mais electrões desemparelhados. O
momento magnético total de uma tal partícula é diferente de zero e, quanto maior for o
seu número, mais acentuada será esta propriedade.

Representação das Orbitais d

Figura 1: Orbitais atómicos situados nos planos xy, yz, xz, respectivamente

Figura 2: Forma e orientação dos orbitais atómicos dx2 – y2 e dz2, respectivamente

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Em átomos ou iões isolados as cinco orbitais d são degeneradas da seguinte forma:

__ __ __ __ __
dz2 dx2-y2 dxy dxz dyz

Segundo a TCC, o átomo central está sujeito ao campo eléctrico criado pelos ligantes a
sua volta.

TCC – Arranjo Octaédrico

Num arranjo octaédrico, as orbitais dx2- y


2 e d z2 são mais afectadas pelo campo dos
ligantes, passando a ter maior energia que as orbitais dxy, dxz, e dyz. Assim, as orbitais d
são então divididas em 2 grupos de orbitais:

 Orbitais eg (duplamente degeneradas), dx2- y2 e d z2, de maior energia;


 Orbitais t2g (triplamente degeneradas), dxy, dxz, e dyz, de menor energia.

Figura 3: Desdobramento do campo cristalino entre as orbitais d num complexo octaédrico.

A diferença entre as energias dos subníveis eg e t2g, é denominada energia de


desdobramento do campo cristalino ou energia de resolução, e é definida como ∆o
ou 10Dq (unidade cm-1).

Ligantes de campo fraco favorecem a configurações de spin alto, enquanto que


ligantes de campo forte favorecem a configurações de spin baixo.

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TCC – Arranjo Tetraédrico

Num arranjo tetraédrico, os ligantes interagem mais fortemente com as orbitais dxy,
dxz, e dyz do que com as orbitais dx2- y2 e d z2. Assim:

 Orbitais eg (dx2- y2 e d z2) terão menor energia;


 Orbitais t2g (dxy, dxz, e dyz) terão maior energia.

Figura 4: Desdobramento do campo cristalino entre as orbitais d num complexo tetraédrico.

Portanto, ∆t é menor que ∆o, , pois, no complexo tetraédrico 4 ligantes


interagem com 3 orbitais d, enquanto que no complexo octaédrico 6 ligantes interagem
com apenas 2 orbitais d, consequentemente, valores de ∆t não são elevados o
suficiente para provocar o emparelhamento de electrões criando deste modo
complexos de spin alto.

Contudo, complexos tetraédricos são quase sempre de spin alto devido ao menor
valor de ∆.

Quando os ligantes favorecem um desdobramento de campo cristalino forte, outras


geometrias são favorecidas ao invés da tetraédrica.

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TCC – Arranjo Quadrado Planar

Num arranjo quadrado planar, as orbitais dxz, dyz, dz2 e dxy são de baixa energia,
enquanto que a orbital dx2 – y2 é de alta energia.

Figura 5: Desdobramento do campo cristalino entre as orbitais d num complexo quadrado


planar.

4
Note que ∆QP = 3∆t =  o , isso mostra que ∆Qp > ∆o > ∆t
3

A geometria quadrado planar é favorecida para os iões metálicos com configuração


d8 em um campo forte. Esta configuração forma complexos de spin baixo.

Para um mesmo ião metálico quando o número de coordenação é 4, se o ligante for


de campo fraco há tendência para a geometria ser tetraédrica; se o ligante for de
campo forte há tendência para geometria quadrado planar.

Ex: [CuCl4]2- - Geometria tetraédrica

[Cu(CN)4]2- - Geometria quadrado planar

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Relação entre número de coordenação e a estrutura do complexo

No de Coordenação Estrutura Hibridização

2 Linear sp

4 Tetraédrica ou Quadrado Planar sp3 ou dsp2

6 Octaédrica d2sp3 ou sp3d2

Estrutura dos compostos complexos

2.2. Factores que afectam o Parâmetro de Desdobramento do Campo Cristalino

2.2.1. Estado de Oxidação do ião Metálico


A magnitude de Δ aumenta com o aumento da carga iónica do metal, pois este,
apresentando uma carga positiva maior, atrairá os ligantes aniónicos ou polares mais
fortemente, aumentando assim a interacção electrostática entre eles e os electrões nos
orbitais d.
[CrF6]3-  o = 15.060 cm-1
[CrF6]2-  o = 22.000 cm-1

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2.2.2. Natureza do ião Metálico
A magnitude de Δ aumenta significativamente quando se passa de um período para
outro, em uma mesma família, ou seja, 3d < 4d < 5d. Um importante resultado desta
tendência é que os compostos de coordenação dos metais dos segundo e terceiro
períodos da Tabela Periódica apresentam a grande facilidade de formarem complexos
de spin-baixo em relação a aqueles da primeira série de transição.

[Co(NH3)6]3+  o = 22.870 cm-1


[Rh(NH3)6]3+  o = 34.100 cm-1
[Ir(NH3)6]3+  o = 41.200 cm-1

2.2.3. Número e Geometria dos Ligantes


A magnitude de Δ depende do número de ligantes e se seu arranjo em torno da
espécie central. Em princípio, quanto maior o número de ligantes, mais forte será o
campo. Como foi visto, um complexo com geometria tetraédrica apresenta um valor de
Δt de aproximadamente 50% do valor de ΔO (de um complexo octaédrico).

[Co(NH3)6]2+  o = 10.200 cm-1


[Co(NH3)4]2+  t = 5.900 cm-1

2.2.4. Natureza dos Ligantes


Diferentes ligantes influenciam diferentemente no grau de desdobramento dos orbitais
d.
[CrF6]3-  o = 15.060 cm-1
[Cr(H2O)6]3+  o = 17.400 cm-1

[Ru(H2O)6]2+  o = 19.800 cm-1


[Ru(CN)6]4-  o = 33.800 cm-1

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Experimentalmente, foi possível ordenar um grande número de ligantes de acordo com
os valores de Δ. A série obtida recebeu o nome de Série Espectroquímica.

SÉRIE ESPECTROQUÍMICA

I- < Br- < S2- < SCN- < Cl- < NO3- < N3- < F- < OH- < C2O42- ≈ H2O < NCS- < CH3CN < py
(piridina) < NH3 < en (etilenodiamina) < bipy (2,2'-bipiridina) < phen (1,10-
fenantrolina) < NO2- < PPh3 < CN- ≈ CO
Nesta série o ligante I- é o mais fraco e o ligante CO o mais forte.

Exercícios Resolvidos

Considere os seguintes iões complexos: [CoF6]3-; [Co(NH3)6]3+; [NiCl4]2- e [PtCl4]2-.

Que propriedades magnéticas possuem os iões complexos acima mencionados?


Determine o tipo de hibridização dos respectivos iões do átomo central e a geometria
dos complexos em causa.

1. [CoF6]3-

NC = 6; F- = ligante de campo fraco; ião metálico = Co3+; configuração electrónica


do Co3+ = 3d64s0

Propriedades magnéticas: O complexo é paramagnético

Pela informação da propriedade magnética pode-se determinar o tipo de hibridização e


a posterior geometria do complexo a partir da TLV:

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Adicionando os pares de electrões provenientes dos ligantes, teremos:

A hibridização das orbitais será:

Hibridização: sp3d2. Geometria: Octaédrica

2. [Co(NH3)6]3+

NC = 6; NH3 - ligante de campo forte; ião metálico = Co3+; configuração electrónica do


Co3+ = 3d64s0.

O complexo é diamagnético.

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Uma vez que o ião complexo é diamagnético, os electrões 3d do cobalto devem estar
emparelhados:

Hibridização das orbitais será:

Hibridização: d2sp3. Geometria: Octaédrica

3. [NiCl4]2-

NC = 4; Cl- - ligante de campo fraco; átomo central: Ni – metal da 1ª série de transição;


ião metálico = Ni2+; configuração electrónica do Ni2+ = 3d84s0.

Uma vez que o ligante é de campo fraco e o átomo central é um metal de transição da
1a série, a estrutura do complexo é tetraédrica – complexo de spin alto.

Para a determinação da propriedade magnética, usamos o diagrama de


desdobramento do campo tetraédrico:

O complexo é paramagnético
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Para a determinação da hibridização teremos:

Formação de orbitais híbridos:

Hibridização: sp3 - geometria tetraédrica

4. [PtCl4]2-

NC = 4; Cl- - ligante de campo fraco; átomo central: Pt – metal da 3ª série de transição;


ião metálico = Pt2+; configuração electrónica do Pt2+ = 5d86s0.

Uma vez que átomo central é um metal de transição da 3 a série, a estrutura do


complexo é quadrado planar (complexo de spin baixo), apesar do ligante ser de campo
fraco.

Para a determinação da propriedade magnética, usamos o diagrama de


desdobramento do campo quadrado planar:

O complexo é diamagnético

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Determinação da hibridização:

Como o ião complexo é diamagnético, deve ocorrer emparelhamento dos electrões das
orbitais 5d:

Hibridização: dsp2 – geometria quadrado planar

Nota: Dos iões complexos [NiCl4]2- e [PtCl4]2-, ocorre emparelhamento dos electrões d
apenas no complexo de Pt devido ao tamanho do ião metálico.

2.3. Propriedades Ópticas dos Compostos Complexos

Os complexos dos metais de transição exibem notável e ampla variedade de cores,


tanto em solução como constituindo sólidos cristalinos. Quando observada sob a luz
branca, uma substância apresenta-se colorida se ela absorve uma porção da luz do
espectro visível. Em muitos complexos a energia de degeneração do campo cristalino
corresponde a energia electromagnética que se encontra em algum ponto do espectro
visível.

Figura 6: Espectro de luz visível

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De um modo geral, os complexos de metais de transição apresentam cores, sempre
que possa ocorrer uma transição de 1 electrão de uma orbital d para outra orbital d de
energia diferente, isto é, de maior energia. Por outras palavras, para que um complexo
tenha cor, ele deve absorver luz visível, e para que haja esta absorção, necessita-se de
um orbital d parcialmente preenchido.

Figura 7: Absorção da luz visível

A energia do quantum de luz absorvido (E) para a transição do electrão é igual à


energia de resolução ou de desdobramento do campo cristalino (∆). Calculada em
relação a 1 mol de substância que absorve a luz, pode considerar-se válida a seguinte
correlação:
hc
 = E  N A = h N A = NA

Onde:
NA – número de Avogadro (6,022 x 1023 mol-1)
h – constante de Planck (6,625 x 10-34 J.s)
c – velocidade da luz no vácuo (3 x 108 m/s)
 e  - frequência e comprimento de onda da luz absorvida, respectivamente.

Quando uma substância absorve uma determinada parte do espectro, ela própria
adquire uma certa coloração que lhe é complementar.

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Correspondência entre o  e a cor da substância

Comprimento de Onda Cor da Luz Absorvida Cor da Substância


(nm)
400 – 435 Violeta Amarela-esverdeada
435 – 480 Azul Amarela
480 – 490 Azul-esverdeada Laranja
490 – 500 Verde-azulada Vermelha
500 – 560 Verde Púrpura
560 – 580 Amarela-esverdeada Violeta
580 – 595 Amarela Azul
595 – 650 Laranja Azul-esverdeada
650 – 750 Vermelha Verde-azulada

NOTA:
Iões sem electrões d não apresentam cor; incluem o [Sc(H2O)6]3+ e [Ti(H2O)6]4+,
excepto MnO4- e CrO42-.
De modo similar, iões com configurações d10, tais como [Ag(NH3)2]+ e [Zn(H2O)4]2+,
também são incolores; nestes iões as transições d–d são impossíveis porque todos os
orbitais d estão ocupados.
A cor do complexo depende do metal, estado de oxidação e do ligante.

Exercícios Resolvidos

1. Explicar por que razão os compostos de ouro (I) não são coloridos, enquanto que os
do ouro (III) o são.

Resolução: A configuração electrónica do Au+ é 5d10. Todas as orbitais 5d estão


totalmente preenchidas, pois, isto impossibilita a transição dos electrões da orbital de
menor energia para a de maior energia, o que torna o composto incolor; diferentemente
do Au+, o Au3+ tem a configuração 5d8, o subnível d não está totalmente preenchido, o
que possibilita a transição d-d.

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2. O máximo de absorção da luz visível que o ião [Cu(NH3)4]2+ regista corresponde a
um comprimento de onda  = 304 nm. Calcular a energia de resolução do subnível
d.

Dados:  = 304 nm = 3,04 x 10-7 m; h = 6,625 x 10-34Js; c = 3 x 108m/s; NA = 6,022 x


1023 mol-1

hc 6, 625 10 −34  3 108


Resolução:  = NA =  6, 022 10 23 = 39,37 10 4 J / mol = 393, 7 kJ / mol
 3, 04 10−7

3. Para o ião [Cr(H2O)6]3+ a energia de resolução é igual a 167,2 kJ/mol. Qual será a
cor dos compostos de crómio (III) nas soluções aquosas?

Dados: ∆ = 167,2 kJ/mol = 167,2 x 103 J/mol; h =6,625 x 10-34 Js; c = 3 x 108 m/s; NA =
6,022 x 1023 mol-1

Resolução:
hc hc 6, 625 10−34  3 108
= NA   = NA =  6, 022 1023 = 0, 7158 10 −6 m = 715,8 nm
  167, 2 10 3

A este comprimento de onda, o ião [Cr(H2O)6]3+ absorve luz no sector vermelho do seu
espectro e a cor dos compostos de crómio (III) nas soluções aquosas é verde-azulada.

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