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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

PROCURADORIA FEDERAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO


NÚCLEO DE APOIO OPERACIONAL NA PRR-3aREGIÃO

VOTO nO 2147/2015/NAOP/PFDC/PRR3aR PRR3a-00009835/2015


Referência: Inquérito Civil nO1.34.001.000149/2014-59
Requerente: Sandra Alexandre da Silva
Requerido: Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade
de São Paulo - HCFMUSP
Procurador da República: Or. Kleber Mareei Uemura
Relator: Or. Robério Nunes dos Anjos Filho

INQUÉRITO CIVIL. SAÚDE. MEDICAMENTO. PESSOA COM


SíNDROME DE INSENSIBILIDADE AO HORMÔNIO DE
CRESCIMENTO. NÃO FORNECIMENTO DO MEDICAMENTO
"INCRELEX - IGF -1". O ACESSO RÁPIDO E EFICAZ AO
MEDICAMENTO É GARANTIDO POR INTERMÉDIO DE
AJUIZAMENTO DE AÇÃO INDIVIDUAL PELO PACIENTE QUE
COMPROVE A NECESSIDADE DE UTILIZÁ-LO EM SEU
TRATAMENTO. ARQUIVAMENTO DOS AUTOS. PERCENTUAL
MUITO BAIXO DE PACIENTES DIAGNOSTICADOS COM A
DOENÇA. MEDICAMENTO DE ALTO CUSTO. AUSÊNCIA DE
REGISTRO NA ANVISA. POSSIBILIDADE DE IMPORTAÇÃO
DIRETA. INEXISTÊNCIA DE OFENSA À RAZOABILIDADE NO
CASO CONCRETO. VOTO PELA HOMOLOGAÇÃO.

1. Os presentes autos foram distribuídos à minha relatoria em 12/05/2015.

2. Após análise do feito, o i. Colega do Ministério Público Federal oficiante,


lotado na Procuradoria da República no Estado de São Paulo, entendeu por
/"", bem promover o arquivamento dos autos, sob o seguinte fundamento (fls.
103/1 05):

"O presente inquérito civil foi instaurado para apurar os


motivos da não disponibilização na rede pública de saúde do
medicamento MECASSERMINA (INCRELEX - IGF - 1
recombinante humano), para o tratamento da "síndrome de
insensibilidade ao hormônio do crescimento".
Conforme informações da Senhora Sandra Alexandre da
Silva, sua filha Waleska da Silva Oliveira, não teve acesso ao
medicamento por se tratar de um fármaco importado de alto
custo. Segundo o Hospital das Clínicas da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo - HCFMUSP, o custo
do medicamento está acima do limite de compras da instituição.
Como se entendeu à época que se tratava de direito
individual, esta Procuratoria da República mandou ofício à
Defensoria Pública da União em São Paulo - DPU/SP para

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eventual medida judicial com vista a garantir o tratamento da


paciente diagnosticada com a "síndrome de insensibilidade ao
hormônio do crescimento". No entanto, o procedimento
administrativo aberto pela DPU/SP foi arquivado pelo não
comparecimento da Sra. Sandra Alexandre da Silva para prestar
mais informações para subsidiar uma possível ação judicial.
Cabe destacar que o Ministério Publico Federal tentou
inúmeras vezes entrar em contato com esta Senhora, mas não
obteve êxito.
Vale salientar que o arquivamento do procedimento
administrativo no âmbito da DPU/SP não acarreta prejuízo ao
direito da paciente Waleska da Silva Oliveira, já que ele pode ser
reaberto quando a parte mostrar interesse.
Com o objetivo de apurar os motivos para não dispensação
da medicação MECASSERMINA (INCRELEX - IGF - 1
recombinante humano) pelo Sistema Único de Saúde - SUS,
foram expedidos ofícios ao HCFMUSP, à Agência Nacional de
Vigilância Sanitária - ANVISA e à Secretaria de Ciência e
Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde.
Em síntese, o Hospital das Clínicas informou que o
medicamento MECASSERMINA (INCRELEX - IGF - 1
recombinante humano) não está disponível na rede pública e que
é o único tratamento possível para os portadores da "síndrome de
insensibilidade ao hormônio do crescimento".
A ANVISA informou que o medicamento não possui
registro no País, não sendo, portanto, permitida a sua
comercialização. Entretanto, existe a possibilidade de
importação direta do produto, como medida excepcional, desde
que atendidos os requisitos da Resolução de Diretoria Colegiada
nO28 de junho de 2011.
A Secretaria de Ciência e Tecnologia e Insumos
Estratégicos do Ministério da Saúde, destacou que o
medicamento MECASSERMINA (INCRELEX - IGF - 1
recombinante humano) não é disponibilizado em qualquer
Componente de Assistência Farmacêutica do SUS. .
Como não havia nos autos informações sobre a quantidade
de pessoas diagnosticadas com a "síndrome de insensibilidade ao
hormônio do crescimento", em idade para receber tratamento no
País, e se, não há, de fato, alternativa de tratamento ao

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medicamento MECASSERMINA (INCRELEX - IGF - 1


recombinante humano), requereu-se esses dados à Sociedade
Brasileira de Endocrinologia e Metabologia em São Paulo (fi.
101).
A Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia
em São Paulo informou que (fi. 102 ):
(i) no Brasil há aproximadamente 20 (vinte) pacientes com
diagnóstico estabelecido ao hormônio de crescimento, até este
momento; e
(ii) "nos casos de diagnósticos de insensibilidade ao
hormônio de crescimento ou pacientes que sob GH não
respondem ao tratamento a única alternativa terapêutica é através
do uso da macassermina ou IGF- 1 humano recombinant
(rhIGF-l)".
É o relatório.
Da análise dos autos, constata-se que a medicação
MECASSERMINA (INCRELEX - IGF - 1 recombinante
humano) pode ser usada como alternativa terapêutica no
tratamento de pacientes que não obtiveram bons resultados ao
hormônio de crescimento (GH). Essa droga é indicada para o
tratamento a longo prazo de deficiências do crescimento em
crianças e adolescentes dos 2 aos 18 anos de idade com
deficiência primária grave de fator de crescimento - 1 insulin-
like (IGFD primária), segundo consta do resumo das
características do medicamento em anexo (informações retiradas
do site da Agência de Vigilância Sanitária da União Europeia -
www.ema.eu).
No entanto, a medicação não possui registro na ANVISA e
não é fornecida por meio do Sistema Único de Saúde - SUS.
Todavia, existe a possibilidade da instituição de saúde pública
fazer a importação direta do medicamento por meio da RDC nO
28 da ANVISA.
Segundo informações da Sociedade Brasileira de
Endocrinologia e Metabologia em São Paulo, o País contaria
com aproximadamente 20 (vinte) pessoas diagnosticadas com
insensibilidade ao hormônio do crescimento. Contudo, não se
identificou quem seriam essas pessoas e se realmente
apresentariam indicação para a medicação MECASSERMINA
(INCRELEX - IGF - 1 recombinante humano).

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Diante dessas informações cabe ao Ministério Público


Federal avaliar a tomada de uma medida que vise garantir o
direito de tratamento para essas pessoas no âmbito do SUS. Uma
possível medida seria provocar os órgão de estado para buscar
incorporar essa medicação ao SUS. Seguindo esse caminho,
seria necessário submeter essa medicação ao crivo da ANVISA
e, após aprovação, no caso de ser aprovada, a Comissão
Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS - CONITEC
teria que se manifestar sobre a viabilidade ou não de incorporar a
droga ao SUS. Após todo esse processo, a medicação poderia
não ser incorporada por motivos de ordem técnica (ausência de
comprovação da segurança e eficácia da medicação) ou
econômica (alto custo da medicação).
Outra medida possível, seria a propositura de uma ação
civil pública em face da União, do Estado de São Paulo e do
Município de São Paulo com vistas a fornecer o medicamento a
todos os pacientes diagnosticados com insensibilidade ao
hormônio do crescimento. Na hipótese em questão, para
efetividade da medida, o paciente teria que ter conhecimento de
/ eventual sentença favorável e buscar um serviço público de
saúde para receber a medicação. Caso o fornecimento fosse
inicialmente negado, haveria a necessidade de informar o juízo
para executar a decisão.
A solução levantada no primeiro caso demoraria anos para
ser transformada em política pública. Caso não fosse,
independente dos motivos, os pacientes ainda teriam a
possibilidade de recorrer ao Poder Judiciário para pleitear o
direito de receber o tratamento custeado pelo SUS.
No caso da segunda solução levantada, o pedido veiculado
em ação civil pública poderia ser julgado improcedente por
ausência de pretensão resistida, uma vez que não se identificou
as pessoas diagnosticas, assim como não se identificou se
estariam dentro do limite de idade para receber o tratamento, a
exceção da paciente Waleska da Silva Oliveira, que não pôde ser
encontrada.
Dessa forma, independente de qual dessas medidas o
Ministério Público Federal viesse a tomar, nenhuma delas seria
capaz de tornar efetivo o direito dessas pessoas ao tratamento,
em tempo hábil, pois seria necessário identificar essas pessoas e,
uma vez identificadas, verificar se estaria em idade de receber a
medicação, ou seja, entre 2 e 18 anos. Levando em consideração

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o número reduzido de pacientes diagnosticados que essa doença


(aproximadamente vinte), seria muito difícil imaginar que ao
final de um processo de incorporação da medicação ao SUS ou
de uma decisão favorável em ação coletiva todos estariam em
condições para receber a medicação a tempo de produzir os
efeitos desejados.
Nesse sentido, conclui-se que o acesso rápido e eficaz a
esse tratamento só pode ser garantido pela promoção de ação
individual pelo paciente que comprove a indicação terapêutica e
esteja em idade adequada para que o fármaco possa fazer os seus
efeitos.
Diante de todo o exposto, fica evidente que o Ministério
Público Federal não possui elementos para subsidiar uma ação
civil pública para garantir o fornecimento dessa medicação,
assim como não se vislumbra que a indução dos órgão de estado
para promover a incorporação dessa medicação possa trazer
efeitos positivos para os cerca de vinte pacientes diagnosticados,
tendo em vista que a demora para implementação dessa política
pode inviabilizar o tratamento. Além disso, esta medida pode se
mostrar antieconômica em face do custo de fornecimento da
medicação para os pacientes que realmente se enquadrarem nos
critérios clínicos para receber esse tratamento.
No mesmo sentido, levando-se em consideração que a
insensibilidade ao hormônio do crescimento é uma doença muito
rara, o aparecimento de eventuais novos casos não mudará o
senário fático com relação a promoção de uma medida por este
orgao para garantir a distribuição da medicação
MECASSERMINA (INCRELEX - IGF - 1 recombinante
humano) no âmbito do SUS. Assim, acreditando que o
ajuizamento de ação individual é a melhor solução para garantir
o tratamento em tempo hábil para essas pessoas neste momento e
em um futuro não muito distante, promovo o arquivamento dos
presentes autos, submetendo a presente decisão para análise
junto ao Núcleo de Apoio Operacional à Procuradoria Federal
dos Direitos do Cidadão - NAOP/PFDC, nos termos do art. 62,
inciso IV, da Lei Complementar na 75/93 c.c. O art. 90, § 10, da
Lei na 7.347/85, e art. 10, § 10, da Resolução na 23, de
17/09/2007, do Conselho Nacional do Ministério Público.
Por fim, em que pese a denunciante não tenha sido
encontrada nas inúmeras vezes que este Órgão tentou entrar em
contato com ela, determino que seja enviada comunicação da

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presente decisão ao endereço que consta nos autos".

3. Ao meu sentir foi correto o arquivamento, não se vislumbrando necessidade


de continuação da presente investigação. Adoto como razões de decidir parte
dos argumentos acima. Entendo que o fato de eventuais medidas que, em
tese, poderiam ser adotadas pelo Ministério Público, tendo em vista o tempo
necessário para a conclusão das mesmas, provavelmente não virem a
beneficiar especificamente as pessoas que, hoje, necessitam dessa
medicação, não é um fator impeditivo da sua adoção, em especial no que
concerne a propositura de ação civil coletiva ou a tratativas extrajudiciais. Do
ponto de vista da defesa de interesses difusos e coletivos o que importa para a
atuação ministerial não é unicamente o conjunto de pessoas especificamente
beneficiadas no momento presente, tendo em vista que os resultados a serem
obtidos projetam-se também para o futuro, beneficiando inclusive pessoas de
gerações vindouras. No caso dos autos, entretanto, considerando o alto custo
do medicamento e o reduzido percentual da população atingida (segundo
dados da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia em São Paulo
haveria no país, hoje, aproximadamente apenas 20 pessoas diagnosticadas
com insensibilidade ao hormônio do crescimento - fls. 102), entendo que a sua
não disponibilização no SUS não viola a razoabilidade, considerando a reserva
do possível. Anoto, em adendo, que ficou comprovado nos autos que a
comercialização do produto ainda não é possível no Brasil, por falta de registro
na ANVISA (fls. 32/35), bem como que apesar disso a sua importação direta,
como medida excepcional, é possível, desde que atendidos os requisitos da
Resolução de Diretoria Colegiada da ANVISA nO 28 de junho de 2011 (fls.
35/39).

4. Diante do quanto exposto, VOTO PELA HOMOLOGAÇÃO do arquivamento.

5. Submeta-se o presente voto à apreciação do Colegiado e, em caso de


HOMOLOGAÇÃO, remetam-se os autos à unidade administrativa de origem,
para arquivamento.

Robério

Membro

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ATA DE JULGAMENTO

DECISÃO nO 2147/2015/NAOP/PFDC/PRR3aR
Referência: Inquérito Civil nO1.34.001.000149/2014-59
Requerente: Sandra Alexandre da Silva
Requerido: Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade
de São Paulo - HCFMUSP
Procurador da República: Or. Kleber Mareei Uemura
Relator: Or. Robério Nunes dos Anjos Filho

INQUÉRITO CIVIL. SAÚDE. MEDICAMENTO. PESSOA COM SíNDROME DE


INSENSIBILIDADE AO HORMÔNIO DE CRESCIMENTO. NÃO FORNECIMENTO DO
MEDICAMENTO "INCRELEX - IGF -1". O ACESSO RÁPIDO E EFICAZ AO
MEDICAMENTO É GARANTIDO POR INTERMÉDIO DE AJUIZAMENTO DE AÇÃO
INDIVIDUAL PELO PACIENTE QUE COMPROVE A NECESSIDADE DE UTILIZA-LO
EM SEU TRATAMENTO. ARQUIVAMENTO DOS AUTOS. PERCENTUAL MUITO
BAIXO DE PACIENTES DIAGNOSTICADOS COM A DOENÇA MEDICAMENTO DE
ALTO CUSTO. AUSÊNCIA DE REGISTRO NA ANVISA POSSIBILIDADE DE
IMPORTAÇÃO DIRETA INEXISTÊNCIA DE OFENSA À RAZOABILIDADE NO CASO
CONCRETO. VOTO PELA HOMOLOGAÇÃO.

POR UNANIMIDADE, FOI HOMOLOGADO O ARQUIVAMENTO.

Participaram do julgamento o Or. Robério Nunes dos Anjos Filho (Relator), Ora.
Marcela Moraes Peixoto e Or. Walter Claudius Rothenburg.

São Paulo,

Robério·
Procurad e io Lda República
Membro o. NAOP/PFDC/PRR3aR

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