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Elon Musk - Walter Isaacson
Elon Musk - Walter Isaacson
título original
Elon Musk
copidesque
João Sette Câmara
revisão
Eduardo Carneiro
Theo Araújo
revisão técnica
Thássius Veloso
fotos de capa
Frente: Art Streiber / AUGUST
Quarta capa: cortesia da @SpaceX
produção de e-book
Victor Huguet
e-isbn
978-65-5560-646-1
editoraintrinseca
@intrinseca
@editoraintrinseca
intrinsecaeditora
sumário
Capa
Folha de rosto
Créditos
Mídias sociais
Epígrafe
***
A África do Sul dos anos 1980 era um lugar violento, onde ataques com
metralhadoras e esfaqueamentos eram comuns. Certa vez, Elon e
Kimbal saíram de um trem a caminho de um show contra o apartheid e
tiveram que desviar de uma poça de sangue ao lado de um cadáver com
uma faca enfiada na cabeça. Pelo resto da noite, o sangue seco na sola
dos tênis deles fez barulho sempre que pisavam no chão.
A família Musk tinha pastores-alemães treinados para atacar qualquer
um que passasse perto da casa. Aos 6 anos, Elon estava correndo pela
entrada de carros e seu cachorro favorito o atacou, dando uma enorme
mordida em suas costas. No pronto-socorro, quando estavam se
preparando para dar os pontos, ele recusou o tratamento até que
prometessem que o cachorro não seria castigado. “Vocês não vão matar o
cachorro, vão?”, perguntou Elon. Eles juraram que não matariam. Ao
relembrar a história, Musk se detém e olha para o nada por muito
tempo. “Mas eles acabaram matando o cachorro a tiros.”
As experiências mais marcantes da vida dele aconteceram na escola.
Por muito tempo, Elon foi o menor e o mais novo da turma. Ele tinha
dificuldade em entender sinais sociais. A empatia não era algo natural, e
ele não tinha o desejo, nem o instinto, de tentar agradar. Como
resultado, era regularmente acossado por valentões, que se aproximavam
e davam socos no rosto dele. “Se você nunca levou um soco no nariz,
não tem ideia de como isso te afeta pelo resto da vida”, diz.
Certa manhã, quando todos os alunos estavam reunidos, um garoto
que brincava com um grupo de amigos esbarrou nele. Elon reagiu
empurrando o sujeito. Houve uma discussão. O menino e os amigos dele
foram atrás de Elon no intervalo e o encontraram comendo um
sanduíche. Eles se aproximaram por trás, deram-lhe um chute na cabeça
e o derrubaram escada abaixo. “Eles sentaram em cima do Elon e
simplesmente continuaram batendo e chutando a cabeça dele”, diz
Kimbal, que estava sentado junto ao irmão. “Quando terminaram, não
dava para reconhecê-lo. O rosto era uma bola de carne tão inchada que
quase não dava para ver os olhos.” Ele foi levado para o hospital e ficou
uma semana sem ir à escola. Décadas depois desse episódio, ele ainda se
submeteria a cirurgias corretivas para tentar consertar o nariz.
Aquelas cicatrizes, contudo, eram pequenas comparadas às cicatrizes
emocionais deixadas pelo pai, Errol Musk, um engenheiro carismático,
sonhador e trapaceiro que até hoje atormenta Elon. Depois da briga na
escola, Errol deu razão ao menino que acabou com o rosto do filho. “O
menino tinha acabado de perder o pai, que se suicidara, e Elon chamou
o garoto de burro”, diz Errol. “Elon tinha o hábito de chamar as pessoas
de burras. Como eu podia culpar aquela criança?”
Quando Elon finalmente recebeu alta e foi para casa, o pai o
repreendeu. “Tive que ficar em pé por uma hora enquanto ele gritava
comigo, me chamava de idiota e dizia que eu era um inútil”, recorda
Elon. Kimbal, que testemunhou a bronca, diz que é a pior lembrança de
sua vida. “Meu pai simplesmente perdeu o controle, surtou, como
frequentemente fazia. Ele não tinha compaixão.”
Tanto Elon quanto Kimbal, que não fala mais com o pai, dizem que a
alegação de Errol de que Elon teve culpa na agressão é absurda, e que o
agressor acabou sendo enviado para um centro de detenção juvenil por
aquilo. Eles dizem que o pai é um mentiroso instável, que
frequentemente conta histórias fantasiosas, às vezes mentiras calculadas
e outras, delirantes. Uma natureza meio O Médico e o Monstro, segundo
os dois. Em dado momento, era simpático; no instante seguinte,
começava uma série interminável de insultos. Errol encerrava todas as
agressões dizendo que Elon era patético. Elon tinha que ficar parado
ouvindo, sem permissão para sair. “Era tortura psicológica”, diz Elon,
que fica em silêncio por muito tempo e se emociona um pouco. “Ele
sabia perfeitamente como tornar tudo terrível.”
No dia em que liguei para Errol, ele conversou comigo por quase três
horas. Depois passou a ligar para mim com frequência e a mandar
mensagens de texto pelos dois anos seguintes. Estava ansioso para
descrever — com direito a fotos — as coisas boas que dera aos filhos,
pelo menos na época em que os negócios envolvendo engenharia iam
bem. Houve uma época em que ele dirigiu um Rolls-Royce, construiu
uma cabana na mata para os meninos e comprou esmeraldas brutas do
proprietário de uma mina na Zâmbia, até que o negócio faliu.
No entanto, Errol admite que incentivava uma dureza física e
emocional. “A vida deles comigo fazia o veldskool parecer bem
tranquilo”, diz ele, acrescentando que aquela violência era parte da
experiência educativa na África do Sul. “Dois seguravam você no chão
enquanto outro batia na sua cara, esse tipo de coisa. Quando trocavam
de escola, os meninos novos eram forçados a brigar com o valentão no
primeiro dia de aula.” Ele admite com orgulho que impunha “uma
autocracia urbana extremamente severa” aos meninos. Em seguida, faz
questão de acrescentar que “anos depois Elon iria aplicar a mesma
autocracia consigo mesmo e com os outros”.
“A adversidade me moldou”
“Alguém disse que todo homem tenta dar conta das expectativas do pai
ou corrigir os erros dele”, escreveu Barack Obama em seu livro de
memórias, “e acho que isso pode explicar o que eu vivi”. No caso de
Elon Musk, o impacto do pai na psique dele ia durar muito tempo,
apesar das muitas tentativas de expulsá-lo, tanto física quanto
psicologicamente. Seus humores alternavam ciclos que incluíam bons e
maus momentos, passando pelo modo intenso e engraçado, distante e
emotivo, com mergulhos ocasionais naquilo que os mais próximos
temiam e chamavam de “modo demoníaco”. Diferentemente do pai,
Elon era atencioso com os filhos, mas, em outros aspectos, seu
comportamento flertava com um perigo que precisava ser
constantemente combatido: o fantasma de que, como resume sua mãe,
“ele poderia se tornar igual ao pai”. Esse é um dos temas mais
recorrentes na mitologia. Até que ponto a saga do herói de Star Wars
exige que se exorcizem demônios legados por Darth Vader e se lute
contra o lado sombrio da Força?
“Com uma infância como a que ele teve na África do Sul, acho que é
preciso se fechar emocionalmente um pouco”, diz a primeira esposa,
Justine, mãe de cinco dos dez filhos vivos de Elon. “Se seu pai está
sempre te chamando de débil mental e idiota, talvez a única resposta seja
desligar dentro de si tudo que possa abrir uma dimensão emocional com
a qual não se tem capacidade de lidar.” Essa válvula interruptora de
emoções podia torná-lo insensível, mas também fez dele um inovador
sem medo de riscos. “Ele aprendeu a calar o medo”, diz ela. “Se você
cala o medo, talvez tenha que calar outras coisas também, como a alegria
e a empatia.”
O transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) da infância também
inculcou em Elon uma aversão ao contentamento. “Acho que ele não
sabe desfrutar o sucesso e sentir o perfume das flores”, comenta Claire
Boucher, a artista conhecida como Grimes, mãe de três dos outros filhos
dele. “Acho que ele aprendeu na infância que a vida é dor.” Musk
concorda. “A adversidade me moldou”, diz. “Minha resistência à dor é
bem alta.”
Durante um período particularmente infernal de sua vida, em 2008,
depois que os três primeiros lançamentos dos foguetes SpaceX
explodiram e a Tesla estava prestes a falir, Musk acordava se debatendo e
contava a Talulah Riley, que se tornou sua segunda esposa, as coisas
horríveis que o pai lhe dissera. “Eu o ouvia pronunciar aquelas frases”,
conta ela. “Isso teve um efeito profundo no modo como Elon vive.”
Quando ele recordava esses momentos, desligava-se e desaparecia por
trás dos olhos cor de aço. “Acho que ele não tinha consciência de quanto
isso ainda o afetava, porque pensava que era algo que ficara na infância”,
diz Riley. “Mas ele manteve um lado infantil, quase intocado. No
âmago, ele ainda é uma criança, uma criança diante do pai.”
Desse caldeirão, Musk desenvolveu uma aura que às vezes o faz
parecer um alienígena, como se sua missão de chegar a Marte fosse um
desejo de voltar para casa e sua aspiração de construir robôs humanoides
fosse uma busca por pertencimento. Não seria surpresa para ninguém se
ele tirasse a camiseta e mostrasse que não tem umbigo e não é terráqueo.
Contudo, a infância dele também o fez humano demais, um menino
bravo mas vulnerável que decide embarcar em aventuras épicas.
Musk desenvolveu um fervor que disfarça o jeito pateta e um jeito
pateta que disfarça o fervor. Pouco à vontade no próprio corpo, como
um homem grande e forte que nunca foi atleta, ele anda com os passos
largos de um urso obstinado e dança com movimentos que parecem
ensinados por um robô. Com a convicção de um profeta, ele fala sobre a
necessidade de nutrir a chama da consciência humana, sondar o
Universo e salvar nosso planeta. A princípio, achei que fosse só
encenação, discursos motivadores para a equipe e fantasias de podcast de
uma criança crescida que já leu O guia do mochileiro das galáxias mais
vezes do que deveria. Entretanto, quanto mais eu o conhecia, mais
acreditava que o sentimento de missão que ele tem é parte daquilo que o
motiva. Enquanto outros empreendedores lutam para desenvolver uma
visão de mundo, Musk procurou desenvolver uma visão do cosmos.
A ascendência e a origem, assim como a maneira de ele pensar,
tornaram-no uma pessoa por vezes insensível e impulsiva. Também
incutiram nele uma alta tolerância ao perigo. Ele calcula riscos friamente
e os aceita de modo febril. “Elon gosta do risco pelo risco”, diz Peter
Thiel, que se tornou sócio dele no início da PayPal. “Ele parece curtir, às
vezes até parece viciado.”
Elon se tornou uma dessas pessoas que se sentem mais vivas quando
um furacão está chegando. “Nasci para a tempestade, e tempo bom não
combina comigo”, dizia Andrew Jackson. O mesmo vale para Musk, que
desenvolveu uma mentalidade paranoica a qual incluía uma atração, às
vezes um desejo, pela tempestade e pelo drama, tanto no trabalho
quanto nos relacionamentos amorosos que lutava para manter, sem
sucesso. Musk se sobressai quando há crises, prazos e sobrecargas
intensas no trabalho. Quando enfrentava desafios complexos, o esforço
frequentemente o mantinha acordado à noite e o fazia vomitar. Isso,
contudo, também o energizava. “Ele atrai drama”, diz Kimbal. “É a
compulsão dele, o tema da vida dele.”
***
Winnifred e Joshua Haldeman (no alto, à esquerda); Errol, Maye, Elon, Tosca
e Kimbal Musk (abaixo, à esquerda); Cora e Walter Musk (à direita)
Joshua e Winnifred Haldeman
A atração de Elon Musk por risco é um traço de família. Nesse sentido,
ele puxou ao avô materno, Joshua Haldeman, um aventureiro audacioso
e genioso criado numa fazenda nas planícies estéreis do Canadá central.
Haldeman estudou técnicas de quiroprática no Iowa e depois voltou
para a sua cidade natal, perto de Moose Jaw, onde domava cavalos e
fazia sessões de quiroprática em troca de comida e alojamento.
Mais tarde, Haldeman conseguiu comprar uma fazenda, mas a
perdeu durante a Depressão, nos anos 1930. Ao longo dos anos
seguintes, ele trabalhou como caubói, peão de rodeio e peão de obra. A
única coisa constante em sua vida era o amor pela aventura. Ele se casou
e se divorciou, e viajou clandestinamente em trens de carga e num
transatlântico.
A perda da fazenda instigou em Haldeman um certo populismo, e ele
passou a participar de um movimento conhecido como Partido do
Crédito Social, que defendia dar aos cidadãos cartas de crédito gratuitas
que poderiam ser usadas como dinheiro. O movimento tinha uma base
conservadora e fundamentalista, com toques de antissemitismo. O
primeiro líder da organização no Canadá denunciava uma “perversão de
ideais culturais”, porque “um número desproporcional de judeus ocupava
posições de autoridade”. Haldeman chegou a ser presidente do conselho
nacional do partido.
Ele também se filiou a um movimento chamado de Tecnocracia, o
qual acreditava que o governo deveria ser comandado por tecnocratas em
vez de políticos. O movimento foi temporariamente banido no Canadá
por causa da oposição que fazia à entrada do país na Segunda Guerra
Mundial. Haldeman desafiou a proibição ao publicar no jornal um
anúncio de apoio ao movimento.
A certa altura, ele quis aprender dança de salão, e foi assim que
conheceu Winnifred Fletcher, cujo ímpeto aventureiro era semelhante
ao dele. Aos 16 anos, ela conseguiu um emprego no Times Herald de
Moose Jaw, mas sonhava em ser dançarina e atriz. Por isso, foi de trem
para Chicago e depois para Nova York. Ao voltar, abriu uma escola de
dança em Moose Jaw, onde Haldeman apareceu para ter aulas. Quando
ele a convidou para jantar, Winnifred disse: “Não saio com meus
clientes.” Então, ele desistiu da aula e a convidou novamente. Alguns
meses depois, ele perguntou: “Quando você vai casar comigo?” Ela
respondeu: “Amanhã.”
Eles tiveram quatro filhos, entre os quais meninas gêmeas, Maye e
Kaye, nascidas em 1948. Certo dia, os dois estavam em viagem quando
ele viu uma placa de vende-se em um avião monomotor Luscombe que
estava no campo de um agricultor. Ele não tinha dinheiro, mas
convenceu o fazendeiro a aceitar o carro como pagamento. Foi uma
decisão muito impetuosa, uma vez que Haldeman não sabia pilotar
avião. Ele contratou alguém para levá-lo de avião para casa e ensiná-lo a
pilotar.
A família passou a ser conhecida como os Haldeman Voadores, e ele
foi descrito por um jornal de quiroprática como “talvez o personagem
mais famoso na história dos quiropráticos voadores”, um elogio muito
tacanho, mas preciso. Eles compraram um avião monomotor maior, um
Bellanca, quando Maye e Kaye tinham 3 meses, e as crianças ficaram
conhecidas como as “gêmeas voadoras”.
Com opiniões estranhas, conservadoras e populistas, Haldeman
passou a acreditar que o governo canadense estava controlando demais a
vida dos indivíduos e que o país se acovardara. Em 1950, ele decidiu se
mudar para a África do Sul, que ainda vivia sob o regime do apartheid.
Eles desmontaram o Bellanca, guardaram-no em caixas e embarcaram
em um cargueiro rumo à Cidade do Cabo. Haldeman decidiu que queria
viver no interior, de modo que eles seguiram para Joanesburgo, onde a
maioria dos cidadãos brancos falava inglês em vez de africâner.
Entretanto, enquanto sobrevoavam uma região próxima a Pretória [atual
Tshwane], as flores lilás dos jacarandás haviam desabrochado, e
Haldeman anunciou: “Vamos ficar aqui.”
Quando Joshua e Winnifred eram jovens, um charlatão chamado
William Hunt, conhecido (segundo o próprio dizia) como “Grande
Farini”, apareceu em Moose Jaw e contou histórias sobre uma “cidade
perdida” antiga que tinha visto quando cruzou o deserto do Kalahari, na
África do Sul. “Esse mentiroso mostrou fotos que eram obviamente
falsas, mas meu avô acreditou e decidiu que era missão dele descobrir a
cidade”, diz Musk. Depois que chegaram à África, os Haldeman faziam
anualmente uma expedição de um mês pelo deserto do Kalahari para
procurar essa cidade lendária. Eles caçavam a própria comida e dormiam
armados para se defender dos leões.
A família adotou um lema: “Viva perigosamente... com cautela.” Eles
embarcavam em voos de longa distância para lugares como a Noruega,
empataram em primeiro lugar num rali de 20 mil quilômetros da Cidade
do Cabo até Argel e se tornaram os primeiros a voar com um
monomotor da África para a Austrália. “Eles tiveram que tirar os bancos
para colocar os tanques de combustível”, relembra Maye.
A vida de riscos de Joshua Haldeman por fim cobrou um preço. Ele
morreu quando uma pessoa a quem estava ensinando a voar acertou um
fio de alta-tensão, o que fez com que o avião se desgovernasse e caísse.
O neto Elon tinha 3 anos na época. “Ele sabia que aventuras reais têm
riscos”, diz. “O risco o motivava.”
Haldeman instigou esse espírito em uma das filhas gêmeas, a mãe de
Elon, Maye. “Sei que posso assumir um risco desde que esteja
preparada”, afirma ela. Quando estudante, Maye se saía bem em ciências
e matemática. Também era linda. Alta e de olhos azuis, com maçãs do
rosto salientes e o queixo esculpido, ela começou a trabalhar aos 15 anos
como modelo, fazendo desfiles de moda em lojas de departamentos nas
manhãs de sábado.
Nessa época, Maye conheceu um menino na vizinhança que também
era muito bonito, embora agisse de maneira ardilosa e bruta.
Errol Musk
Errol Musk era um aventureiro e negociante, sempre em busca da
próxima oportunidade. A mãe, Cora, era inglesa, havia concluído a
escola aos 14 anos, trabalhara em uma fábrica na qual fazia
revestimentos para bombardeiros e, passado um tempo, resolvera
embarcar num navio de refugiados para a África do Sul. Lá, conheceu
Walter Musk, um criptógrafo e oficial da inteligência militar que
trabalhava no Egito em planos para enganar os alemães usando armas
falsas e canhões de luz. Depois da guerra, ele praticamente não fazia
nada além de ficar sentado em silêncio numa poltrona, bebendo e
usando suas habilidades de criptografia para completar palavras
cruzadas. Então, Cora o deixou, voltou para a Inglaterra com os dois
filhos, comprou um Buick e retornou a Pretória. “Era a pessoa mais
forte que já conheci”, diz Errol.
Errol se formou em engenharia e trabalhou na construção de hotéis,
shopping centers e fábricas. No tempo livre, gostava de restaurar carros
antigos e aviões. Também se envolveu em política, derrotou um membro
africâner do Partido Nacional, pró-apartheid, e se tornou um dos poucos
membros anglófonos da Câmara de Pretória. O Pretoria News de 9 de
março de 1972 noticiou a eleição com a seguinte manchete: “Reação ao
status quo.”
Assim como os Haldeman, ele amava voar. Comprou um bimotor
Cessna Golden Eagle, que usava para levar equipes de televisão até um
chalé que construiu na selva. Em uma viagem em 1986, quando estava
tentando vender o avião, pousou numa pista na Zâmbia, onde um
empreendedor ítalo-panamenho quis comprá-lo. Eles acertaram um
preço, e, em vez de um pagamento em espécie, Errol recebeu uma parte
das esmeraldas extraídas de três minas pequenas que o empreendedor
tinha na Zâmbia.
À época, a Zâmbia tinha um governo negro pós-colonial, mas não
havia uma burocracia em funcionamento, então a mina não fora
legalizada. “Se você legalizasse, acabaria sem nada, porque os negros
tomariam tudo de você”, fala Errol. Ele critica a família de Maye por ser
racista, e insiste que ele próprio não é. “Não tenho nada contra os
negros; eles são diferentes de mim, nada mais”, diz de modo desconexo
pelo telefone.
Errol, que nunca foi dono de nenhuma parte da mina, expandiu os
negócios ao importar mais esmeraldas brutas e lapidá-las em
Joanesburgo. “Muita gente me procurava com produtos roubados”,
afirma ele. “Em viagens ao exterior, eu vendia as esmeraldas para
joalheiros. Era um negócio clandestino, porque nada disso era legal.”
Depois de obter lucros de cerca de 210 mil dólares, o negócio de
esmeraldas faliu nos anos 1980, quando os russos criaram em laboratório
uma esmeralda artificial. Ele perdeu todos os lucros que teve com as
pedras.
O casamento
Errol Musk e Maye Haldeman começaram a namorar quando eram
adolescentes. Desde o início, o relacionamento era cheio de drama.
Errol a pediu em casamento diversas vezes, mas Maye não confiava nele.
Quando descobriu que estava sendo traída, ficou tão chateada que
chorou por uma semana e não conseguia comer. “Por causa do
sofrimento, perdi cinco quilos”, relembra ela, e isso a ajudou a vencer
um concurso de beleza local. Maye ganhou um prêmio de 150 dólares
em dinheiro vivo e dez ingressos para um boliche, além de ter se tornado
finalista do Miss África do Sul.
Quando se formou na universidade, Maye se mudou para a Cidade
do Cabo com a finalidade de dar aulas de nutrição. Errol foi visitá-la,
comprou um anel de noivado e a pediu em casamento. Ele prometeu que
mudaria e seria fiel quando se casassem. Maye havia acabado de
terminar um relacionamento com outro namorado infiel, engordara
bastante e começara a recear que nunca se casaria, de modo que aceitou
o pedido.
Na noite do casamento, Errol e Maye pegaram um voo barato até a
Europa para passar a lua de mel. Na França, ele comprou exemplares da
Playboy, que era proibida na África do Sul, e se deitou na pequena cama
do hotel para ver as revistas, o que irritou Maye. As brigas deles se
tornaram amargas. Quando voltaram para Pretória, ela pensou em dar
fim ao casamento. No entanto, começou a sentir enjoos matinais. Ela
havia engravidado na segunda noite da lua de mel, na cidade de Nice.
“Estava evidente que me casar com ele tinha sido um erro”, relembra
Maye, “mas àquela altura era impossível voltar atrás”.
capítulo 2
Uma mente livre
Pretória, anos 1970
Elon e Maye Musk (no alto, à esquerda); Elon, Kimbal e Tosca (abaixo, à
esquerda); Elon arrumado para a escola (à direita)
Sozinha e determinada
Às sete e meia da manhã do dia 28 de junho de 1971, Maye Musk deu à
luz um menino de 3,8 quilos com uma cabeça muito grande.
Ela e Errol a princípio queriam chamá-lo de Nice, em homenagem à
cidade na França onde ele fora concebido. A história poderia ter sido
diferente, ou pelo menos engraçada, se o menino tivesse que viver com o
nome Nice Musk. Em vez disso, na esperança de deixar os Haldeman
felizes, Errol concordou que os dois nomes do menino viriam daquele
lado da família: Elon, em homenagem ao avô de Maye, J. Elon
Haldeman, e Reeve, o nome de solteira da avó materna de Maye.
Errol gostava do nome Elon porque era bíblico, e ele mais tarde
alegaria ter previsto o futuro. Quando criança, diz que ouviu falar do
livro de ficção científica do cientista espacial Wernher von Braun
chamado Projeto Marte, que descrevia uma colônia no planeta
comandada por um executivo conhecido como Elon.
Elon chorava muito, comia muito e dormia pouco. Em dado
momento, Maye decidiu que ia deixar o menino chorar até dormir, mas
desistiu depois que os vizinhos chamaram a polícia. Os humores dele
mudavam rapidamente — quando não estava chorando, diz a mãe, era
muito meigo.
Nos dois anos seguintes, Maye teve outros dois filhos, Kimbal e
Tosca. Ela não os mimava. Eles foram criados soltos. Não havia babá, só
uma empregada que prestava pouca atenção, mesmo quando Elon
começou a fazer experiências com foguetes e explosivos. Ele se diz
surpreso por ter chegado ao fim da infância com todos os dedos ilesos.
Quando ele tinha 3 anos, a mãe decidiu que alguém tão
intelectualmente curioso deveria ir para a pré-escola. O diretor tentou
dissuadi-la, explicando que ele era mais novo que os demais e teria
dificuldades para se socializar. Ele teria que esperar mais um ano. “Não
posso fazer isso”, falou Maye. “Elon precisa de alguém além de mim
para conversar. Eu realmente tenho um filho gênio.” Ela conseguiu.
Foi um erro. Elon não tinha amigos, e quando chegou ao segundo
ano passou a se desligar. “A professora se aproximava e gritava comigo,
mas eu não a via ou ouvia de fato”, conta ele. Os pais foram chamados
pelo diretor, que disse: “Achamos que o Elon é retardado.” Segundo
explicou uma das professoras, ele passava a maior parte do tempo num
transe, sem ouvir nada. “Ele fica olhando pela janela, e, quando digo
para prestar atenção, ele diz: ‘As folhas estão ficando marrons.’” Errol
respondeu que Elon estava certo, as folhas estavam ficando marrons.
O impasse acabou quando os pais concordaram que era preciso testar
a audição de Elon, como se esse pudesse ser o problema. “Eles
concluíram que o problema era a minha audição, de modo que tiraram a
minha adenoide”, conta ele. Isso acalmou os diretores da escola, mas não
mudou a tendência de Elon de se desligar e se fechar num mundo
próprio quando estava pensando. “Desde criança, se eu começo a me
concentrar muito em alguma coisa, todos os meus sentidos se desligam”,
diz. “Não consigo ver, ouvir, fazer mais nada. Estou usando meu cérebro
para computar, não para receber informações externas.” As outras
crianças pulavam e balançavam os braços na cara dele, para ver se
conseguiam fazer o menino voltar a prestar atenção. Mas não
funcionava. “Era melhor não interromper quando ele estava com o olhar
perdido”, afirma a mãe.
Somando-se aos problemas sociais do menino, havia o desinteresse
em tratar com educação as pessoas que ele considerava tolas. Ele usava a
palavra “burro” com frequência. “Quando começou a ir para a escola,
Elon se tornou muito solitário e triste”, conta a mãe. “Kimbal e Tosca
faziam amigos no primeiro dia e os traziam para casa, mas Elon nunca
trouxe ninguém. Ele queria ter amigos, mas não sabia como.”
Consequentemente, Elon era solitário, muito solitário, e aquela dor
permanece marcada em sua alma. “Quando eu era criança, tinha uma
coisa que eu dizia”, relembrou ele em uma entrevista para a Rolling Stone
durante um período tumultuado de sua vida amorosa em 2017. “‘Eu
nunca quero ficar sozinho.’ Era isso que eu dizia. ‘Não quero ficar
sozinho.’”
Certo dia, quando tinha 5 anos, um de seus primos fez uma festa de
aniversário, mas Elon estava de castigo por ter se envolvido numa briga
e ficou em casa. Ele era uma criança muito determinada, e decidiu andar
sozinho até a casa do primo. O problema era que a casa ficava do outro
lado de Pretória, uma caminhada de quase duas horas. Além disso, ele
era jovem demais para ler as placas de trânsito. “Eu meio que sabia o
caminho porque tinha visto do carro, e estava decidido a ir até lá, então
comecei a andar.” Ele chegou quase no fim da festa. Quando a mãe o viu
descendo a rua, se apavorou. Temendo ficar de castigo de novo, Elon
subiu numa árvore e se recusou a descer. Kimbal se lembra de ter ficado
embaixo, olhando com perplexidade para o irmão. “Ele tinha essa
determinação feroz que espanta e às vezes assusta, e ainda tem.”
Aos 8 anos, Elon cismou que queria ter uma moto. Sim, aos 8 anos.
Ele ficava ao lado da poltrona do pai defendendo a ideia repetidamente.
Quando o pai pegava o jornal e o mandava ficar quieto, Elon apenas
permanecia ali. “Era extraordinário de assistir”, diz Kimbal. “Ele ficava
em pé ali em silêncio, depois recomeçava a defender a ideia, então se
calava de novo.” Isso aconteceu todas as noites por semanas. O pai
finalmente cedeu e deu a Elon uma Yamaha azul e dourada de 50
cilindradas.
Além disso, Elon tinha uma tendência a se distrair e sair andando
sozinho, completamente indiferente ao que os outros estavam fazendo.
Em uma viagem da família a Liverpool para visitar parentes, quando ele
tinha 8 anos, os pais o deixaram, com o irmão, em um parque brincando
sozinhos. Não era da natureza de Elon ficar parado, então ele começou a
andar pelas ruas. “Algum menino me encontrou chorando e me levou até
a mãe, que me deu leite e biscoitos e chamou a polícia”, lembra Elon.
Quando reencontrou os pais na delegacia, ele não sabia o que havia de
errado.
“Era uma loucura deixar a mim e meu irmão sozinhos no parque
naquela idade”, afirma ele, “mas meus pais não eram superprotetores
como os pais de hoje em dia”. Anos depois, eu o vi num canteiro de
obras da construção de um telhado solar com o filho de 2 anos,
conhecido como X. Eram dez da noite, e havia guindastes e outras
máquinas em movimento iluminados por apenas dois holofotes que
formavam grandes sombras. Musk colocou X no chão para que
explorasse o local sozinho, algo que o menino fez sem medo. Enquanto
o filho brincava entre fios e cabos, Musk às vezes olhava para ele, mas
não tentava interferir. Finalmente, depois que X começou a escalar um
holofote móvel, ele se aproximou e pegou o garoto. X se contorceu e
reclamou, chateado por ter sido tolhido.
***
Tempos depois, Musk iria dizer — e até brincaria com isso — que tem
Asperger, nome popular de um tipo de transtorno do espectro autista
que pode afetar as habilidades sociais, os relacionamentos, os laços
emocionais e a autorregulação. “Ele nunca foi diagnosticado quando
criança”, declara a mãe, “mas diz que tem Asperger, e tenho certeza de
que tem razão”. O transtorno foi exacerbado pelos traumas de infância.
Mais tarde, sempre que ele se sentia acossado ou ameaçado, diz seu
amigo íntimo Antonio Gracias, o TEPT da infância tomava de assalto o
sistema límbico dele, a parte do cérebro que controla as reações
emocionais.
Como resultado, ele tem dificuldade em compreender sinais sociais.
“Eu entendia as pessoas de forma literal quando elas estavam tentando
dizer algo”, fala, “e só depois que comecei a ler livros aprendi que as
pessoas nem sempre diziam o que realmente sentiam”. Ele tinha uma
preferência por coisas mais precisas, como engenharia, física e
programação.
Assim como todas as características psicológicas, as de Musk são
complexas e individuais. Ele podia ser muito emotivo, especialmente em
relação aos filhos, e experimentara o tipo de ansiedade que acompanha a
solidão. Mas não tinha os receptores emocionais responsáveis pela
gentileza diária, pela cordialidade e pelo desejo de ser querido. A
empatia não era algo natural para ele, ou, para dizer em termos menos
técnicos, ele podia ser um babaca.
O divórcio
Maye e Errol Musk estavam numa edição da Oktoberfest com outros
três casais, bebendo cerveja e se divertindo, quando um homem de outra
mesa assobiou para Maye e disse que ela era sexy. Errol perdeu a cabeça,
mas não com o sujeito. Maye lembra que ele estava prestes a bater nela,
e um amigo teve que o segurar. Ela fugiu para a casa da mãe. “Com o
passar do tempo, ele foi ficando ainda mais maluco”, disse Maye depois.
“Ele me batia na frente das crianças. Lembro que Elon, que tinha 5
anos, batia na parte de trás dos joelhos do pai para tentar fazer com que
ele parasse.
Errol chama essas acusações de “mentira deslavada”. Ele alega que
adorava Maye e, no decorrer dos anos, tentou reconquistá-la. “Nunca
bati em uma mulher na vida, e certamente nunca bati em nenhuma das
minhas esposas”, afirma. “Uma das armas das mulheres é chorar
acusando o homem de abusar delas, chorar e mentir. E as armas do
homem são comprar e assinar.”
Na manhã depois da confusão na Oktoberfest, Errol foi até a casa da
mãe de Maye, se desculpou e pediu a Maye que voltasse. “Não se atreva
a encostar nela de novo”, asseverou Winnifred Haldeman. “Se você
bater nela, ela vai vir morar comigo.” Maye disse que ele nunca mais
bateu nela depois daquilo, mas os insultos continuaram. Ele dizia que
ela era “chata, burra e feia”. O casamento nunca se restabeleceu. Errol
depois admitiu que foi culpa dele. “Eu tinha uma esposa muito bonita,
mas havia moças mais jovens e mais bonitas”, disse. “Eu realmente
amava Maye, porém estraguei tudo.” Eles se divorciaram quando Elon
estava com 8 anos.
Maye e as crianças se mudaram para uma casa na costa perto de
Durban, cerca de seiscentos quilômetros ao sul da área de Pretória-
Joanesburgo, onde ela se dividia entre os trabalhos de modelo e
nutricionista. Ela ganhava pouco dinheiro, e comprava para os filhos
livros e uniformes de segunda mão. Em alguns fins de semana e
feriados, os meninos (geralmente não Tosca) pegavam o trem para
visitar o pai em Pretória. “Ele os mandava de volta sem roupas, sem
mochilas, de modo que eu tinha sempre que comprar roupas novas para
eles”, fala ela. “Errol dizia que uma hora eu voltaria para ele, porque
ficaria tão pobre que não seria capaz de dar de comer às crianças.”
Maye com frequência viajava para trabalhos de modelo, ou tinha que
dar uma aula de nutrição e deixar as crianças em casa. “Nunca me senti
culpada por trabalhar em tempo integral, porque não tinha escolha”, diz.
“Meus filhos precisavam tomar conta de si mesmos.” A liberdade os
ensinou a serem autossuficientes. Quando se deparavam com um
problema, ela dava uma resposta pronta: “Você vai descobrir como
resolvê-lo.” Como Kimbal recorda: “Nossa mãe não era delicada ou
carinhosa, e estava sempre trabalhando, mas isso foi um presente para
nós.”
Elon se transformou numa pessoa notívaga, que virava a noite lendo.
Ao ver a luz do quarto da mãe se acender às seis da manhã, ia para a
cama e dormia. Isso significava que ela encontrava dificuldade para
acordá-lo a tempo da escola, e, quando ela estava fora, às vezes Elon não
chegava na aula antes das dez da manhã. Depois de receber ligações da
escola, Errol começou uma batalha pela guarda dos filhos, e mandou
intimar as professoras de Elon, o agente de Maye e os vizinhos. Pouco
antes do julgamento, Errol desistiu do processo. De tempos em tempos,
ele abria outro processo e então desistia. Quando Tosca relembra essas
histórias, começa a chorar. “Me lembro da minha mãe sentada,
chorando no sofá. Não sabia o que fazer. Eu só podia dar um abraço
nela.”
Maye e Errol eram mais atraídos pela intensidade dramática do que
pela paz doméstica, um traço que os filhos herdariam. Depois do
divórcio, Maye começou a sair com outro homem abusivo. As crianças o
odiavam e, às vezes, colocavam nos cigarros dele bombinhas que
explodiam quando ele os acendia. Logo depois que o homem a pediu em
casamento, engravidou outra mulher. “Era uma amiga minha”, diz
Maye. “Tinha trabalhado comigo como modelo.”
Elon com um dente quebrado e uma cicatriz
capítulo 3
A vida com o pai
Pretória, anos 1980
Elon cutuca um cágado e Errol observa (alto, à esquerda); Kimbal e Elon com
Peter e Russ Rive (alto, à direita); a cabana na Reserva Timbavati Game
(abaixo)
A mudança
Aos 10 anos, Musk tomou uma decisão fatídica, da qual depois se
arrependeria. Ele decidiu morar com o pai. Pegou o perigoso trem
noturno de Durban para Joanesburgo sozinho. Quando avistou o pai
esperando na estação, começou “a sorrir de felicidade, como o sol”, diz
Errol. “Oi, pai, vamos comer um sanduíche”, gritou Elon. Naquela
noite, ele dormiu na cama do pai.
Por que ele decidiu morar com o pai? Elon suspira e fica em silêncio
por quase um minuto quando pergunto isso. “Meu pai estava solitário,
muito sozinho, e eu achei que devia fazer companhia a ele”, acaba
dizendo. “Ele usava artimanhas psicológicas comigo.” Elon também
adorava a avó, a mãe de Errol, Cora, conhecida como Nana. Ela o
convenceu de que era injusto que a mãe ficasse com as três crianças e o
pai, com nenhuma.
De certa maneira, a mudança não foi uma surpresa. Elon estava com
10 anos, e não tinha traquejo social nem amigos. A mãe era carinhosa,
mas estava sobrecarregada, distraída e vulnerável. O pai, por sua vez, era
arrogante e viril. Era um homem grande, com mãos enormes e uma
presença fascinante. Teve muitos altos e baixos na carreira, mas na época
Errol estava se sentindo o máximo. Tinha um Rolls-Royce Corniche
dourado e, mais importante, duas coleções de enciclopédias, muitos
livros e uma coleção de ferramentas de engenharia.
Então Elon, ainda menino, escolheu morar com ele. “Acabou se
provando uma ideia muito ruim”, diz. “Eu ainda não sabia quão ruim ele
era.” Quatro anos depois, Kimbal fez o mesmo. “Eu não queria deixar
meu irmão sozinho com ele”, diz Kimbal. “Meu pai persuadiu meu
irmão a ir morar com ele. E depois fez a mesma coisa comigo.”
“Por que ele escolheu morar com alguém que magoava todo mundo?”,
perguntou Maye Musk quarenta anos depois. “Por que ele não preferiu
uma casa feliz?” Depois, ela fez uma pausa antes de dizer: “Talvez esse
seja o jeito dele.”
***
Após terem ido morar com o pai, os meninos ajudaram Errol a construir
uma cabana que ele alugaria para turistas na Reserva Timbavati Game,
um trecho intocado de selva 480 quilômetros a leste de Pretória.
Durante a construção, eles dormiam ao redor de uma fogueira, com
fuzis Browning ao lado para se proteger dos leões. Os tijolos eram feitos
de areia do rio e o telhado, de sapê. Por ser engenheiro, Errol gostava de
estudar as propriedades de diversos materiais, e utilizou mica para fazer
o piso da casa, porque era um bom isolante térmico. Elefantes em busca
de água com frequência desenterravam os canos e macacos volta e meia
invadiam os quartos e faziam cocô, de modo que havia muito trabalho a
ser feito pelos meninos.
Elon frequentemente acompanhava os visitantes em caçadas. Apesar
de ter apenas um fuzil de calibre .22, sua mira era boa, e ele se tornou
um bom atirador. Até ganhou um concurso local de tiro ao alvo, embora
fosse novo demais para receber o prêmio, que era uma caixa de uísque.
Quando Elon tinha 9 anos, o pai levou Kimbal, Tosca e ele numa
viagem aos Estados Unidos, onde dirigiram de Nova York, passando
pelo Meio-Oeste, até a Flórida. Elon ficou viciado nos jogos de
fliperama da recepção dos hotéis de beira de estrada. “Era de longe a
coisa mais empolgante”, disse ele. “Não existia isso na África do Sul.”
Errol demonstrou sua mistura de extravagância e frugalidade. Alugou
um Thunderbird e eles se hospedavam em hotéis baratos. “Quando
chegamos a Orlando, meu pai se recusou a nos levar à Disneylândia
porque era caro demais”, lembra Musk. “Acho que fomos a algum
parque aquático em vez disso.” Como em tantos outros casos, Errol
conta uma história diferente, e insiste que eles foram tanto à
Disneylândia, onde Elon gostou da casa assombrada, quanto ao Six
Flags, na Geórgia. “Eu disse para eles mais de uma vez na viagem: ‘Um
dia vocês vão morar nos Estados Unidos.’”
Dois anos depois, Errol levou os três filhos a Hong Kong. “Meu pai
misturava negócios legais e clandestinos”, relembra Musk. “Ele deixou a
gente no hotel, que era bem sujo, com 50 dólares ou algo assim, e então
ficamos sem saber dele por dois dias.” Eles viram filmes de samurai na
TV do hotel. Elon e Kimbal deixaram Tosca no quarto e passearam
pelas ruas de Hong Kong, entrando nas lojas de eletrônicos em que
podiam jogar videogame de graça. “Hoje em dia chamariam o Conselho
Tutelar se alguém fizesse o que o meu pai fez”, conta Musk, “mas para
nós, na época, foi uma experiência maravilhosa”.
***
O aluno
Musk era um bom aluno, mas não era excelente. Quando tinha entre 9 e
10 anos, tirava A em inglês e matemática. “Ele entendia conceitos
matemáticos com facilidade”, reparou o professor. Entretanto, havia uma
observação constante no boletim: “Ele raramente termina as coisas, seja
por estar sonhando acordado, seja porque faz o que não devia.” “Ele
raramente termina as coisas. No ano que vem, tem que se concentrar
mais no trabalho e não se distrair durante as aulas.” “Seus textos
mostram uma imaginação viva, mas ele nem sempre os termina a
tempo.” A média dele antes de entrar no ensino médio era 83 de 100.
Depois de Elon ter sido acossado e agredido na escola pública, o pai o
transferiu para uma escola particular, a Pretoria Boys High School.
Inspirado no modelo de educação inglês, o colégio tinha regras rígidas,
castigos físicos, missas obrigatórias e uniformes. Lá ele tirou notas
excelentes em tudo, menos em duas disciplinas: africâner (tirou 61 de
100 no último ano) e religião (“ele não entende a si mesmo”, destacou o
professor). “Eu não me esforçava muito em coisas que achava que não
tinham sentido”, afirma Elon. “Preferia ler ou jogar videogame.” Ele
tirou A em física nas provas finais do ensino médio, mas
surpreendentemente tirou só B em matemática.
Em seu tempo livre, Elon gostava de fazer pequenos foguetes e
experimentar diferentes misturas — como cloro de piscina e fluido de
freio — para ver quais produziam uma explosão maior. Ele também
aprendeu truques de mágica e a hipnotizar as pessoas, e chegou a
convencer Tosca de que ela era um cachorro e devia comer bacon cru.
Como fariam depois nos Estados Unidos, os primos tentaram várias
ideias empreendedoras. Certa Páscoa, eles prepararam ovos de
chocolate, enrolaram em papel-alumínio e venderam de porta em porta.
Kimbal elaborou um esquema genial. Em vez de vendê-los mais barato
do que nas lojas, eles venderam mais caro. “Algumas pessoas desistiam
por causa do preço”, diz, “mas nós dizíamos: ‘Vocês estão apoiando
futuros capitalistas’”.
A leitura continuou a ser o retiro psicológico de Musk. Às vezes, ele
se afundava em livros a tarde toda e na maior parte da noite, por nove
horas seguidas. Quando a família ia na casa de alguém, ele desaparecia
na biblioteca do anfitrião. Quando iam para a cidade, ele se afastava e
em dado momento o encontravam numa livraria, sentado no chão, num
mundo próprio. Ele também era fã de quadrinhos. A paixão obstinada
dos super-heróis o impressionava. “Eles estavam sempre tentando salvar
o mundo, com a cueca por cima da roupa ou roupas justas de ferro, o que
é muito estranho se você parar para pensar”, diz Elon. “Mas eles estão
tentando salvar o mundo.”
***
Musk leu as duas enciclopédias do pai e se tornou, para a mãe e a irmã
corujas, um “geniozinho”. Para as outras crianças, no entanto, ele era um
nerd irritante. “Olhe aquela lua, deve estar a milhões de quilômetros de
distância!”, exclamou certa vez um primo. Elon respondeu: “Não, está a
cerca de 380 mil quilômetros, dependendo da órbita.”
Elon encontrou no escritório do pai um livro que descrevia grandes
invenções que seriam criadas no futuro. “Eu voltava da escola, ia para
uma sala ao lado do escritório do meu pai e lia aquilo várias e várias
vezes.” Entre as ideias estava um foguete movido por um propulsor de
íons, que usaria partículas em vez de combustível. Tarde da noite na sala
de controle de sua base de lançamento de foguetes no sul do Texas,
Musk descreveu o livro em detalhes para mim, incluindo a parte que
trata de como um propulsor de íons poderia funcionar no vácuo. “Aquele
livro foi o que me fez pensar pela primeira vez em ir a outros planetas”,
afirmou ele.
***
Blastar
No fim dos anos 1970, o jogo de RPG Dungeons & Dragons se tornou
uma obsessão popular entre os geeks mundo afora. Elon, Kimbal e os
primos Rive mergulharam de cabeça no jogo, em que todos ficam
sentados em volta de uma mesa e, guiados por tabelas de personagens e
lances de dados, embarcam em aventuras de fantasia. Um dos jogadores
serve de mestre e arbitra a ação.
Elon em geral jogava como mestre e, surpreendentemente,
desempenhava o papel com gentileza. “Mesmo quando criança, Elon
tinha uma gama de comportamentos e humores”, diz o primo Peter
Rive. “Como mestre, ele era inacreditavelmente paciente, o que não é,
na minha experiência, aquilo que se espera da personalidade dele, se é
que você me entende. Mas acontece às vezes, e é muito lindo.” Em vez
de pressionar o irmão e os primos, ele era muito analítico ao descrever as
opções que os jogadores tinham em cada situação.
Juntos eles entraram em um torneio em Joanesburgo, no qual eram os
jogadores mais jovens. O mestre do torneio determinou qual seria a
missão deles: vocês precisam salvar esta mulher ao descobrir e matar o
vilão do jogo. Elon olhou para o mestre e disse: “Acho que você é o
vilão.” E então eles o mataram. Elon estava certo, e o jogo, que deveria
durar horas, acabou. Os organizadores os acusaram de trapacear e a
princípio tentaram negar a eles o prêmio. Musk, porém, conseguiu o que
queria. “Aqueles caras eram uns idiotas”, diz. “Era muito óbvio.”
Musk viu um computador pela primeira vez mais ou menos na época
em que completou 11 anos. Ele estava num shopping em Joanesburgo e
ficou apenas parado, olhando fixamente. “Eu lia revistas sobre
computadores”, diz, “mas nunca tinha visto um antes”. Assim como no
caso da moto, atormentou o pai para que ganhasse um. Errol era
estranhamente avesso a computadores, dizia que aquilo só servia para
jogos e era um desperdício de tempo, não servia para engenharia. Então,
Elon fez pequenos trabalhos, juntou dinheiro e comprou um
Commodore VIC-20, um dos primeiros computadores pessoais, capaz
de rodar jogos como Galaxian e Alpha Blaster, no qual cada jogador
tenta proteger a Terra contra invasores alienígenas.
O computador veio com um curso de programação em BASIC que
compreendia sessenta horas de aulas. “Fiz em três dias, quase sem
dormir.” Meses depois, Elon recortou um anúncio para uma conferência
sobre computadores pessoais na Universidade de Joanesburgo e disse ao
pai que queria participar. De novo, o pai resistiu. Era um seminário caro,
de cerca de 400 dólares, e não era para crianças. Elon respondeu que era
“essencial”, e ficou em pé ao lado do pai, encarando-o. Nos dias
seguintes, Elon tirava o anúncio do bolso e repetia o pedido.
Finalmente, o pai cedeu e pediu à universidade um desconto para Elon
ficar no fundo da sala. Quando Errol chegou para pegá-lo no fim do
evento, encontrou o filho conversando com três professores. “Esse
menino precisa de um computador novo”, declarou um deles.
Depois que tirou 10 num teste de habilidades de programação na
escola, Elon ganhou um IBM PC/XT e aprendeu, sozinho, a programar
usando Pascal e Turbo C++. Aos 13 anos, desenvolveu um videogame,
que chamou de Blastar, usando 123 linhas de BASIC e uma linguagem
de montagem simples para que os gráficos pudessem funcionar. Ele o
enviou para a revista PC and Office Technology, e o jogo apareceu na
edição de dezembro de 1984, com uma introdução curta que dizia:
“Neste jogo você tem que destruir um cargueiro espacial alienígena cheio
de bombas de hidrogênio mortais e metralhadoras de feixes de luz.”
Apesar de não estar claro o que são metralhadoras de feixes de luz, o
conceito parece interessante. A revista pagou 500 dólares para ele, que
seguiu escrevendo e vendeu para o periódico outros dois jogos, um
semelhante ao Donkey Kong e o outro, uma simulação de roleta e 21.
Começou, assim, um vício em videogames que dura até hoje. “Se você
estiver jogando com Elon, perde a noção do tempo e só para quando
precisa comer”, diz Peter Rive. Em uma viagem para Durban, Elon
descobriu como hackear jogos em um shopping. Ele conseguiu alterar o
sistema para que pudessem jogar por horas sem gastar sequer uma
moeda.
Então, Elon teve uma ideia ainda mais grandiosa: os primos
poderiam abrir um fliperama. “Sabíamos exatamente quais jogos eram
mais populares, então parecia uma boa ideia”, diz Elon. Ele descobriu
como o fluxo de caixa poderia financiar o aluguel das máquinas. No
entanto, quando os meninos tentaram obter o alvará, foram informados
de que era preciso alguém com mais de 18 anos para assinar o pedido.
Kimbal, que tinha acabado de preencher trinta páginas de formulários,
decidiu que não iam pedir a Errol. “Ele era muito severo”, diz Kimbal.
“Então, fomos até o pai de Russ e Pete, e ele surtou. Isso acabou com a
história toda.”
capítulo 5
Velocidade de escape
Deixando a África do Sul, 1989
Médico e Monstro
Aos 17 anos, depois de sete anos morando com o pai, Elon percebeu
que teria que fugir. A vida com ele estava cada vez mais enervante.
Havia momentos em que Errol era jovial e divertido, mas às vezes ele
se tornava sombrio, verbalmente abusivo e dominado por fantasias e
conspirações. “O humor dele podia mudar rápido”, diz Tosca. “Tudo
estava bem, então em um segundo ele se mostrava perverso e começava
com os insultos.” Era quase como se Errol tivesse dupla personalidade.
“Uma hora ele era supersimpático”, diz Kimbal, “e no minuto seguinte
estava gritando, dando sermões por horas — literalmente duas ou três
horas, durante as quais você era obrigado a ficar em pé —, te chamando
de inútil, patético, fazendo comentários grosseiros e maldosos, sem
permitir que você saísse”.
Os primos de Elon passaram a relutar em visitá-los. “A gente nunca
sabia o que nos esperava”, afirma Peter Rive. “Às vezes Errol dizia:
‘Acabei de comprar motos novas, vamos andar nelas.’ Em outras
ocasiões, ficava nervoso e ameaçador e, ai, meu Deus, nos obrigava a
limpar os banheiros com uma escova de dentes.” Enquanto Peter me
conta isso, para por um momento e então, um pouco hesitante, diz que
Elon de vez em quando tem oscilações de humor parecidas. “Se Elon
está de bom humor, é a coisa mais legal e divertida do mundo. Mas, se
está de mau humor, fica muito soturno, e você tem que pisar em ovos.”
Um dia Peter chegou e encontrou Errol sentado só de cueca diante da
mesa da cozinha com uma roleta de plástico. Ele estava tentando ver se
as micro-ondas podiam afetá-la. Ele girava a roleta, anotava o resultado
e então a girava de novo, colocava num forno de micro-ondas e anotava
o resultado. “Era uma loucura”, diz Peter. Errol estava convencido de
que podia encontrar um sistema para ganhar o jogo. Muitas vezes, ele
arrastou Elon para o cassino em Pretória, ocasião em que vestia o filho
de modo a parecer que tinha mais de 16 anos, e fazia o menino anotar os
números enquanto ele próprio usava uma calculadora escondida sob um
cartão de apostas.
Elon foi à biblioteca, leu livros sobre roleta e até escreveu um
programa de simulação de roleta no computador. Depois, tentou
convencer o pai de que nenhum dos esquemas dele iria funcionar. Mas
Errol acreditava ter encontrado uma verdade profunda sobre a
probabilidade e, como mais tarde descreveu para mim, uma “solução
quase total sobre o que é chamado de aleatoriedade”. Quando peço que
explique, ele diz: “Não há ‘eventos aleatórios’ ou ‘acaso’. Todos os
acontecimentos seguem a sequência de Fibonacci, como o conjunto de
Mandelbrot. Eu descobri a relação entre o ‘acaso’ e a sequência de
Fibonacci. É um tema para um artigo científico. Se eu compartilhar,
todas as atividades que dependem do ‘acaso’ serão arruinadas; então, não
sei se vou fazer isso.”
Não sei o que tudo isso significa. Nem Elon. “Não sei como ele
começou sendo um bom engenheiro e passou a acreditar em bruxaria”,
diz. “Mas ele de alguma forma fez essa evolução.” Errol pode ser muito
insistente e, às vezes, convincente. “Ele muda a realidade em torno
dele”, diz Kimbal. “Literalmente inventa coisas, mas de fato acredita em
sua falsa realidade.”
Às vezes Errol fazia para os filhos afirmações absurdas, que não
tinham relação com os fatos, como quando insistia que nos Estados
Unidos o presidente era considerado um deus e não podia ser criticado.
Em certas ocasiões, criava histórias fantasiosas que o pintavam ou como
herói ou como vítima. Tudo era apresentado com tanta convicção que
Elon e Kimbal se pegavam questionando a própria realidade. “Dá para
imaginar como é crescer assim?”, diz Kimbal. “Era tortura psicológica, e
isso te contagia. Você acaba se perguntando o que é real.”
Eu me vi preso na rede de Errol da mesma maneira. Em uma série de
ligações e e-mails trocados durante dois anos, ele fez relatos diferentes
acerca da relação familiar e dos sentimentos por seus filhos, Maye e sua
filha adotiva, com quem ele teria dois outros filhos depois (falarei mais
sobre isso adiante). “Elon e Kimbal criaram uma história sobre como eu
era, e não é baseada em fatos”, diz. As histórias que os filhos contam
sobre ele ser psicologicamente abusivo, insiste Errol, são contadas para
agradar à mãe. Contudo, quando o pressiono, ele me fala para usar a
versão deles. “Não me importo que tenham escolhido uma narrativa
diferente, desde que estejam felizes. Não desejo que coloquem minha
palavra contra a deles. Deixem os holofotes para eles.”
***
Ao falar sobre o pai, Elon às vezes solta uma risada meio dura e amarga.
É parecida com a risada de Errol. Algumas das palavras que Elon usa, a
maneira como olha fixamente, as mudanças repentinas, fazem a família
se lembrar do Errol que habita dentro dele. “Eu via resquícios dessas
histórias terríveis que o Elon me contou surgirem no próprio
comportamento dele”, diz Justine, sua primeira esposa. “Isso me fez
perceber como é difícil não se deixar moldar por aquilo com que
crescemos, mesmo quando não é o que queremos.” Volta e meia, ela se
permitia dizer algo como: “Você está virando seu pai.” Ela me explica:
“Era nossa senha para alertar que ele estava adentrando as trevas.”
No entanto, Justine diz que Elon, que sempre esteve emocionalmente
envolvido com os filhos, é diferente do pai em algo fundamental. “Com
Errol havia a sensação de que coisas realmente ruins poderiam acontecer
perto dele”, relata ela. “Mas se o apocalipse zumbi acontecesse, você ia
querer Elon no seu time, porque ele descobriria uma maneira de colocar
os zumbis na linha. Ele pode ser muito duro, mas, no fim das contas,
você pode confiar que ele encontrará uma maneira de sobreviver.”
Para que isso acontecesse, ele tinha que seguir em frente. Era hora de
deixar a África do Sul.
Passagem só de ida
Musk começou a pressionar tanto a mãe quanto o pai, tentando
convencê-los a se mudarem para os Estados Unidos e levá-lo juntamente
com os irmãos. Nenhum dos dois estava interessado. “Então pensei:
Bem, vou ter que ir sozinho.”
Primeiro ele tentou obter a cidadania norte-americana com a alegação
de que o avô materno nascera em Minnesota, mas não conseguiu porque
a mãe dele nasceu no Canadá e nunca pediu a cidadania do país vizinho.
Então, ele chegou à conclusão de que ir para o Canadá podia ser um
primeiro passo mais fácil. Elon foi ao consulado canadense sozinho,
pegou os formulários para o passaporte e preencheu não só os dados
dele, como também os da mãe, do irmão e da irmã (mas não os do pai).
As autorizações saíram no fim de maio de 1989.
“Eu teria partido no dia seguinte, mas na época as passagens aéreas
eram mais baratas se você comprasse com catorze dias de antecedência”,
diz ele, “então tive que esperar duas semanas”. Em 11 de junho de 1989,
cerca de duas semanas antes do aniversário de 18 anos, Elon jantou no
melhor restaurante de Pretória, o Cynthia’s, com o pai e os irmãos, que
depois o levaram ao aeroporto de Joanesburgo.
“Você vai voltar em alguns meses”, conta Elon o que o pai lhe disse
com desdém. “Você nunca vai ser bem-sucedido.”
Como sempre, Errol tem sua própria versão da história, na qual ele é
o herói. De acordo com ele, Elon ficou seriamente deprimido durante o
último ano do ensino médio. O desespero chegou ao extremo no Dia da
República, 31 de maio de 1989. A família estava se preparando para ver
o desfile, mas Elon se recusou a sair da cama. O pai se encostou na
grande escrivaninha no quarto de Elon, sobre ela o computador usado, e
disse: “Quer estudar nos Estados Unidos?” Elon se animou: “Sim.”
Errol alega o seguinte: “Foi ideia minha. Até aquele momento, ele
nunca tinha dito que queria ir para os Estados Unidos. Então eu disse:
‘Bem, amanhã você tem que encontrar o adido cultural americano’, que
era meu amigo do Rotary.”
A versão do pai, segundo Elon, era outra das elaboradas fantasias de
Errol que o colocam como herói. Nesse caso, provavelmente era
mentira. No Dia da República de 1989, ele já tinha um passaporte
canadense e estava com a passagem aérea comprada.
capítulo 6
Canadá
1989
Maye e Tosca
Enquanto Elon estava em Vancouver, Maye Musk voou da África do
Sul para lá, depois de decidir que também ia se mudar. Ela mandava
relatos de campo para Tosca. Vancouver era fria demais e chuvosa,
escreveu ela. Montreal era empolgante, mas as pessoas lá falavam
francês. Toronto, concluiu, era o lugar para onde deveriam ir. Tosca
prontamente vendeu a casa e os móveis deles na África do Sul e em
seguida se juntou à mãe em Toronto, para onde Elon também se
mudara. Kimbal ficou em Pretória para terminar o último ano do ensino
médio.
A princípio, todos moraram num apartamento de um quarto em
Toronto, com Tosca e a mãe compartilhando a cama enquanto Elon
dormia no sofá. Eles tinham pouco dinheiro. Maye se lembra de ter
chorado certa vez ao derramar um pouco de leite, porque não havia
dinheiro para comprar mais.
Tosca conseguiu um emprego numa lanchonete, Elon, um estágio no
escritório da Microsoft em Toronto, e Maye começou a trabalhar na
universidade, numa agência de modelos e como nutricionista. “Eu
trabalhava todos os dias e quatro noites por semana”, diz Maye. “Saí
uma tarde de domingo para lavar roupa e comprar comida. Não tinha a
menor ideia do que meus filhos estavam fazendo, porque nunca estava
em casa.”
Depois de alguns meses, eles estavam ganhando dinheiro suficiente
para pagar o aluguel de um apartamento de três quartos regulamentado
pelo governo. O lugar tinha papel de parede de feltro, o qual Maye
teimou para que Elon arrancasse, e um carpete horrível. Eles
pretendiam comprar um carpete novo de 200 dólares, mas Tosca insistiu
em um de 300 dólares, mais grosso, porque Kimbal e o primo Peter Rive
estavam chegando para ficar com eles e poderiam dormir no chão. A
segunda grande compra foi um computador para Elon.
Ele não tinha amigos nem vida social em Toronto, e passava a maior
parte do tempo lendo ou trabalhando no computador. Tosca, por sua
vez, era uma adolescente insolente, que ansiava ir para a rua. “Vou com
você”, declarava Elon, por não querer ficar sozinho. “Não, não vai”,
respondia ela. E, quando o irmão insistia, ela decretava: “Você tem que
ficar a três metros de distância o tempo todo.” Ele ficava. Andava atrás
de Tosca e dos amigos dela, carregando um livro para ler sempre que
eles entravam numa boate ou numa festa.
Dançando com Kimbal em Toronto
capítulo 7
Queen’s
Kingston, Ontário, 1990-1991
Jogos de estratégia
“O que você vai fazer não é racional”, explicou Musk em sua voz
monótona. “Você está realmente se machucando.” Ele e Navaid Farooq
estavam jogando Diplomacia — um jogo de estratégia de tabuleiro —
com amigos no dormitório, e um dos jogadores estava se aliando com
outros contra Musk. “Se você fizer isso, vou botar seus aliados contra
você e te causar dor.” Musk costumava ganhar, diz Farooq, por ser
convincente em suas negociações e ameaças.
Musk gostava de todo tipo de videogame quando era adolescente na
África do Sul, incluídos jogos de tiro em primeira pessoa e jogos de
aventura, mas na universidade ele se dedicou mais a um gênero
conhecido como jogos de estratégia — em que dois ou mais jogadores
competem para construir um império usando estratégia de alto nível,
gerenciamento de recursos, logística de cadeia produtiva e pensamento
tático.
Jogos de estratégia — primeiro os de tabuleiro e depois os de
computador — iriam se tornar centrais na vida de Musk. Desde The
Ancient Art of War, que ele jogava quando adolescente, ao vício em The
Battle of Polytopia três décadas depois, ele saboreava os preparativos
complexos e o gerenciamento competitivo dos recursos que são
necessários para vencer. Dedicar-se a esses jogos por horas a fio se
tornou o modo de ele relaxar, de escapar do estresse e de aprimorar as
habilidades táticas e o pensamento estratégico para os negócios.
Enquanto estavam na Queen’s, o primeiro grande jogo de estratégia
para computador foi lançado: Civilization. Nele, os jogadores competem
para construir uma sociedade da pré-história até o presente mediante a
escolha de quais tecnologias desenvolver e quais indústrias construir.
Musk mudou sua escrivaninha de lugar para poder se sentar na cama e
jogar com Farooq, numa cadeira de frente para ele. “Entramos
completamente no jogo por horas, até ficarmos exaustos”, diz Farooq.
Eles passaram para Warcraft: Orcs and Humans, em que a parte principal
da estratégia é desenvolver fontes sustentáveis de recursos, tais como
metais de minas. Depois de horas jogando, eles paravam para comer e
Elon descrevia o momento em que sabia que ia ganhar. “Sou
programado para a guerra”, dizia ele a Farooq.
Uma das disciplinas na Queen’s usava um jogo de estratégia no qual
as equipes competiam em uma simulação de desenvolvimento de um
negócio. Os jogadores podiam decidir os preços dos produtos, a
quantidade gasta em publicidade, quanto do lucro investir em pesquisa e
outras variáveis. Musk descobriu como fazer engenharia reversa da
lógica que controlava a simulação, e vencia todas as vezes.
Trainee de banco
Quando Kimbal se mudou para o Canadá e se juntou a Elon como
aluno na Queen’s, os irmãos criaram uma rotina. Eles liam o jornal e
escolhiam a pessoa que achavam mais interessante. Elon não era um dos
entusiastas que gostavam de atrair e encantar mentores, por isso Kimbal,
mais gregário, assumiu o papel de telefonar para eles. “Se
conseguíssemos falar com a pessoa, geralmente ela almoçava conosco”,
diz.
Uma pessoa que eles contataram foi Peter Nicholson, o executivo
responsável pelo planejamento estratégico no Scotiabank. Nicholson era
engenheiro com mestrado em física e doutorado em matemática.
Quando Kimbal conseguiu falar com ele, Nicholson concordou em
almoçar com os irmãos. A mãe deles os levou a uma loja de
departamentos no shopping em Eaton, onde por 99 dólares você
comprava um terno e ganhava uma camisa e uma gravata de brinde. No
almoço, eles discutiram filosofia e física e a natureza do Universo.
Nicholson ofereceu a eles estágios de verão, e Elon foi convidado para
trabalhar diretamente com o executivo em sua equipe de planejamento
estratégico de três pessoas.
Nicholson, que tinha 49 anos na época, e Elon se divertiam juntos
resolvendo quebra-cabeças e equações estranhas. “Eu estava interessado
no lado filosófico da física e no modo como aquilo se relacionava com a
realidade”, diz Nicholson. “Não havia muitas pessoas com quem
conversar sobre isso.” Eles também discutiam a respeito do que se
tornara a paixão de Musk: viagens espaciais.
Certa noite, quando Elon acompanhou a filha de Nicholson,
Christie, a uma festa, a primeira pergunta que fez foi: “Você já pensou
em carros elétricos?” Como ele admitiria tempos depois, não era a
melhor cantada do mundo.
***
Com Robin Reb na Penn; com o primo Peter Rive e Kimbal em Boston
Física
Musk ficou entediado na Queen’s. O lugar era lindo, mas não era
academicamente desafiador. Então, quando um dos colegas se transferiu
para a Universidade da Pensilvânia, ele decidiu tentar o mesmo.
Dinheiro era um problema. O pai não estava ajudando e a mãe tinha
três empregos para conseguir pagar as contas. Entretanto, a Penn
ofereceu a ele uma bolsa de estudos de 14 mil dólares mais um
empréstimo estudantil, de modo que em 1992 ele se transferiu para lá a
fim de cursar o terceiro ano.
Elon decidiu se formar em física porque, assim como o pai, ele sentia
atração pela engenharia. A essência de ser um engenheiro, para ele, era
enfrentar qualquer problema reduzindo-o aos princípios básicos da
física. Elon também decidiu se formar em administração. “Eu receava
que, se não estudasse administração, seria forçado a trabalhar para
alguém que estudou”, diz. “Meu objetivo era projetar produtos tendo
uma noção da física, e nunca precisar trabalhar para um chefe com um
diploma de administração.”
Apesar de não ser nem político nem gregário, ele se candidatou para o
centro acadêmico. Uma das promessas de campanha provocava aqueles
que tentavam se eleger para abrilhantar seus currículos. A promessa final
da plataforma de campanha dele era: “Se este cargo um dia aparecer no
meu currículo, prometo ficar de cabeça para baixo e comer cinquenta
cópias do documento em um lugar público.” Felizmente Elon perdeu, o
que o salvou de entrar para a política estudantil, um mundo no qual não
se encaixava. Em vez disso, ele se encaixou perfeitamente na multidão
de geeks que gostava de fazer piadas inteligentes que envolviam forças
científicas, jogar Dungeons & Dragons, videogames e escrever código de
computador.
O amigo mais próximo dele nesse grupo era Robin Ren, que venceu
uma olimpíada de física no seu país natal, a China, antes de ir para a
Penn. “Ele era a única pessoa melhor do que eu em física”, confessa
Musk. Eles se tornaram parceiros no laboratório de física, onde
estudaram como as propriedades de diversos materiais mudavam quando
submetidas a altas temperaturas. No fim de um conjunto de
experimentos, Musk tirou as borrachas dos lápis, jogou-as numa jarra de
líquido superfrio e estilhaçou tudo ao jogar no chão. Ele queria conhecer
as propriedades dos materiais e das ligas em diferentes temperaturas e
ser capaz de vê-las.
Ren lembra que Musk estava concentrado em três áreas que iriam
definir sua carreira. Quer estivesse calibrando a força da gravidade ou
analisando as propriedades dos materiais, ele discutia com Ren como as
leis da física se aplicavam à construção de foguetes. “Elon sempre falava
sobre fazer um foguete que pudesse viajar até Marte”, relembra Ren. “É
óbvio que eu não prestei muita atenção, porque achei que ele estava
fantasiando.”
Musk também se concentrou em carros elétricos. Ele e Ren
compravam o almoço de um dos food trucks e se sentavam no gramado
do campus, onde Musk revisava trabalhos acadêmicos sobre baterias. A
Califórnia tinha acabado de aprovar um requerimento que exigia que
10% dos veículos fossem elétricos até 2003. “Eu queria fazer acontecer”,
disse Musk.
Musk também se convenceu de que a energia solar, que em 1994
estava começando a evoluir, era o melhor caminho em direção à energia
sustentável. Seu trabalho de conclusão de curso era intitulado “A
importância de ser solar”. Ele era motivado não só pelo perigo da
mudança climática, mas também pelo fato de que as reservas de
combustíveis fósseis iriam começar a declinar. “A sociedade em breve
não teria outra opção além de buscar fontes de energia renováveis”,
escreveu ele. A última página mostrava uma “estação de energia do
futuro” que tinha um satélite com espelhos capazes de concentrar a luz
solar em painéis e enviar a energia resultante de volta para a Terra por
meio de um raio de micro-ondas. O professor deu a ele nota 98 e disse
que era um “artigo muito interessante e bem escrito, exceto pela última
imagem, que surge do nada”.
Festeiro
Durante a vida, Musk encontrou três maneiras de escapar do drama
emocional que tendia a criar. A primeira foi a que ele compartilhou com
Navaid Farooq na Queen’s: a capacidade de se concentrar em jogos de
estratégia e construção de impérios, como Civilization e Polytopia.
Robin Ren refletiu sobre outra faceta de Musk: o leitor de enciclopédia
que gostava de mergulhar na “vida, no Universo e em tudo mais”, como
define O guia do mochileiro das galáxias.
Na Penn, Musk desenvolveu uma terceira forma de relaxamento: um
gosto pelas festas, que o tirou da concha solitária que o cercara na
infância. Seu parceiro e facilitador, Adeo Ressi, era um sujeito sociável
que gostava de diversão. Alto, de cabeça grande, risada expansiva e
personalidade forte, Ressi era um ítalo-americano de Manhattan que
amava casas noturnas. Excêntrico, ele fundou um jornal sobre meio
ambiente, o Green Times, e tentou criar sua própria disciplina na
faculdade, chamada revolução, usando exemplares do jornal como
trabalho de conclusão de curso.
Assim como Musk, Ressi veio transferido de outra faculdade, por isso
os dois foram colocados no dormitório dos calouros, em que havia regras
proibindo festas e visitantes depois das dez horas. Nenhum deles gostava
de seguir regras, de modo que alugaram uma casa numa parte pobre no
oeste da cidade.
Ressi elaborou um esquema para dar uma grande festa mensalmente.
Eles cobriam as janelas e decoravam a casa com luzes negras e pôsteres
fluorescentes. Certa vez, Musk descobriu que sua mesa tinha sido
pintada com tinta que brilha no escuro e pregada na parede por Ressi,
que chamou aquilo de instalação artística. Musk a tirou da parede e
declarou que não, era uma mesa. Eles encontraram uma escultura de
metal da cabeça de um cavalo num ferro-velho e colocaram uma luz
vermelha dentro, para que saíssem raios pelos olhos. Havia uma banda
em um andar, um DJ em outro, mesas com cerveja e shots de vodca com
gelatina, e alguém na porta cobrava 5 dólares a entrada. Em algumas
noites apareciam quinhentas pessoas, o que dava de sobra para pagar o
aluguel mensal.
Quando Maye o visitou, ficou chocada. “Enchi oito sacos de lixo e
varri o lugar, e achei que eles ficariam agradecidos”, diz ela. “Mas eles
nem repararam.” Na noite da festa, eles colocaram Maye no quarto de
Elon, perto da entrada, para guardar casacos e o dinheiro. Ela ficou com
uma tesoura na mão, pois achou que poderia usá-la contra qualquer um
que tentasse roubar o caixa, e colocou o colchão de Elon encostado
numa das paredes externas. “A casa tremia e sacudia tanto com a música
que achei que o teto fosse cair, então cheguei à conclusão de que, se eu
ficasse na extremidade da casa, estaria mais segura.”
Apesar de Elon amar a atmosfera das festas, nunca se deixou levar
totalmente por elas. “Eu não bebia na época”, diz. “Adeo ficava
completamente bêbado. Eu batia na porta dele e falava: ‘Cara, você
precisa vir cuidar da festa.’ Acabei sendo o cara que tinha que ficar de
olho nas coisas.”
Ressi mais tarde se diria maravilhado por ver que Musk geralmente
parecia indiferente. “Ele gostava de estar perto de uma festa, mas não
muito dentro. A única coisa para a qual ele se entregava eram
videogames.” Apesar de todas as festas, ele entendeu que Musk era
fundamentalmente alienado e indiferente, como um observador de outro
planeta que tenta aprender as jogadas da sociabilidade. “Eu gostaria que
o Elon soubesse como ser um pouco mais feliz”, diz Ressi.
capítulo 9
Rumo a oeste
Vale do Silício, 1994-1995
Julho de 1994
Estágio de verão
Nas universidades da Ivy League nos anos 1990, alunos ambiciosos eram
atraídos ou para o leste, o reino dourado das finanças em Wall Street, ou
para o oeste, rumo à utopia tecnológica e ao fervor empreendedor do
Vale do Silício. Na Penn, Musk recebeu algumas ofertas de estágio de
Wall Street, todas lucrativas, mas o mercado financeiro não o
interessava. Ele achava que banqueiros e advogados não contribuíam
muito para a sociedade. Além disso, não gostava dos alunos que
conhecera nas aulas de administração. Em vez disso, se sentia atraído
pelo Vale do Silício. Era a década de exuberância racional, quando
bastava que alguém colocasse um .com em qualquer fantasia e esperasse
pelo rugido dos Porsches se aproximando pela Sand Hill Road com
investidores acenando com cheques.
Musk conseguiu essa oportunidade no verão de 1994, entre seu
primeiro e segundo anos na Penn, quando fez dois estágios que
permitiam que ele saciasse suas paixões por veículos elétricos, espaço e
videogames.
Durante o dia, ele trabalhava no Pinnacle Research Institute,
basicamente um grupo de vinte pessoas que tinha um contrato modesto
com o Departamento de Defesa para estudar um “ultracapacitor”
desenvolvido pelo seu fundador. Um capacitor é um dispositivo que
pode manter brevemente uma carga elétrica e liberá-la rápido, e a
Pinnacle pensou que podia construir um modelo potente o suficiente
para fornecer energia a carros elétricos e armas espaciais. Em um artigo
que escreveu no fim do verão, Musk declarou: “É importante perceber
que o ultracapacitor não é uma simples melhoria, mas uma tecnologia
radicalmente nova.”
À noite, Musk trabalhava para uma pequena empresa chamada
Rocket Science, que criava videogames. Quando ele apareceu no prédio
certa vez e pediu um estágio de verão, lhe deram um problema que não
tinham conseguido resolver: como fazer o computador realizar
multitarefas lendo gráficos gravados num CD-ROM enquanto
simultaneamente move um avatar na tela. Ele entrou em um fórum de
discussão para perguntar a outros hackers como evitar o BIOS e o leitor
de joystick usando o DOS. “Nenhum dos engenheiros seniores tinha
conseguido resolver esse problema, e eu resolvi em duas semanas”, conta.
Eles ficaram impressionados e queriam que Musk trabalhasse em
tempo integral, mas ele precisava se formar para conseguir um visto de
trabalho nos Estados Unidos. Além disso, Elon chegou a uma
conclusão: era apaixonado por videogame e tinha as habilidades para
ganhar dinheiro criando jogos, mas essa não era a melhor maneira de
levar a vida. “Eu queria causar um impacto maior”, diz.
Rei da estrada
Uma tendência infeliz dos anos 1980 foi a de tornar carros e
computadores máquinas hermeticamente vedadas. Era possível abrir e
brincar com as peças de um Apple II que Steve Wozniak desenvolveu no
fim dos anos 1970, mas não dava para fazer isso com o Macintosh, que
Steve Jobs tornou quase impossível de abrir em 1984. Do mesmo modo,
as crianças até os anos 1970 ficavam fuçando na mecânica dos carros,
mexendo nos carburadores, mudando velas e turbinando os motores.
Elas sabiam avaliar válvulas e Valvoline usando a ponta dos dedos. Esse
imperativo de colocar a mão na massa e a tradição dos kits de montar se
aplicavam até mesmo a aparelhos de rádio e televisão; se quisesse, você
podia mudar os tubos e também os transistores e ter certa noção do
funcionamento de um circuito.
Essa tendência de se fabricarem dispositivos fechados e selados
significava que a maioria dos técnicos que cresceu nos anos 1990 se
dedicou mais ao software do que ao hardware. Eles não sentiram o doce
cheiro do ferro de solda, mas programavam de maneira a fazer os
circuitos cantarem. Musk era diferente. Ele gostava tanto do hardware
quanto do software. Ele programava, mas também tinha um talento para
componentes físicos, como células de baterias e capacitores, válvulas e
câmaras de combustão, bombas de combustível e correia do alternador.
Musk tinha uma paixão especial por mexer em carros. Na época, ele
tinha uma BMW 300i de 21 anos, e passava os sábados vasculhando
ferros-velhos na Filadélfia à procura das peças de que precisava para
turbinar o carro. Ele tinha uma transmissão de quatro velocidades, mas
decidiu aprimorá-la quando a BMW começou a fabricar uma de cinco
velocidades. Pegando emprestado um macaco em uma oficina local,
Musk conseguiu, com alguns calços e um pouco de retificação, enfiar
uma transmissão de cinco marchas no que antes era um carro de quatro
marchas. “Aquilo podia arrastar um trem”, lembra ele.
No fim dos estágios de verão em 1994, ele e Kimbal dirigiram o carro
de Palo Alto até a Filadélfia. “Nós dois achávamos a universidade um
saco, e não tínhamos pressa para voltar”, lembra Kimbal, “então, fizemos
uma viagem de carro de três semanas”. O carro vivia quebrando. Uma
vez, eles conseguiram levá-lo até uma concessionária em Colorado
Springs, mas depois o carro acabou pifando de novo. Os dois
empurraram a BMW até uma parada de caminhões, onde Elon
conseguiu refazer tudo que o mecânico profissional tinha feito.
Musk também viajou na BMW com a garota que namorava na época,
Jennifer Gwyne. Durante o feriado de Natal em 1994, eles foram da
Filadélfia até a Queen’s University, onde Kimbal ainda estudava, e
depois até Toronto para ver Maye. Lá Musk deu a Jennifer um colar de
ouro com uma pequena esmeralda. “A mãe dele tinha vários desses
colares numa caixa no quarto, e Elon me disse que eram da mina de
esmeralda do pai na África do Sul... Ele tirou um da caixa”, destacou
Jennifer 25 anos depois, quando o leiloou pela internet. Na realidade, a
mina, havia muito falida, não ficava na África do Sul e não era do pai
dele, mas na época ele não se importava em passar essa impressão.
Quando se formou, na primavera de 1995, Musk decidiu fazer outra
viagem pelo país até o Vale do Silício. Ele levou junto Robin Ren,
depois de ensiná-lo a dirigir usando câmbio manual. Eles pararam no
recém-inaugurado Aeroporto de Denver, porque Musk queria ver o
sistema de manuseio de bagagem. “Ele estava fascinado com os robôs
desenvolvidos para lidar com as bagagens sem intervenção humana”,
relata Ren. Mas o sistema era uma bagunça. Musk aprendeu uma lição
que iria ter que reaprender quando construísse as altamente robóticas
fábricas da Tesla. “Era automatizado demais, e eles subestimaram a
complexidade do que estavam construindo”, diz ele.
A onda da internet
Musk planejava se matricular em Stanford no fim do verão para estudar
ciência dos materiais na graduação. Ainda fascinado por capacitores, ele
queria pesquisar como alimentar carros elétricos com eles. “A ideia era
aproveitar equipamentos de produção de chips para fazer
ultracapacitores de estado sólido com densidade de energia suficiente
para dar longo alcance a um carro”, diz. Contudo, quando a hora de se
matricular foi se aproximando, ele começou a se preocupar. “Percebi que
poderia passar muitos anos em Stanford, terminar o doutorado, e chegar
à conclusão de que os capacitores não eram viáveis”, comenta ele. “A
maioria das pessoas com doutorado é irrelevante. Quase nenhuma
promove alguma mudança de fato.”
À época, ele tinha concebido uma visão que iria repetir como um
mantra. “Pensei sobre coisas que afetariam de verdade a humanidade”,
relata ele. “Cheguei a três: internet, energia sustentável e viagem
espacial.” No verão de 1995, ficou evidente para Musk que a primeira
dessas coisas, a internet, não iria esperar que ele terminasse a faculdade.
A web havia acabado de ser aberta para uso comercial, e naquele agosto
a startup do navegador Netscape abriu o capital e chegou, em apenas um
dia, ao valor de mercado de 2,9 bilhões de dólares.
No seu último ano na Penn, Musk teve uma ideia para uma empresa
de internet, quando um executivo da NYNEX deu uma palestra sobre os
planos da empresa de telefonia de lançar uma versão on-line das Páginas
amarelas. Chamada de Big Yellow, ela teria itens interativos para que os
usuários adaptassem as informações às necessidades pessoais, disse o
executivo. Musk pensou (e acertou, no fim das contas) que a NYNEX
não tinha ideia de como torná-la realmente interativa. “Por que não
fazemos nós mesmos?”, sugeriu ele a Kimbal, e começou a programar de
forma a combinar as informações dos negócios com dados geográficos.
Ele chamou aquilo de Virtual City Navigator.
Pouco antes do prazo final para se matricular em Stanford, Musk foi
a Toronto a fim de se aconselhar com Peter Nicholson, do Scotiabank.
Ele deveria prosseguir com a ideia do Virtual City Navigator ou
começar o doutorado? Nicholson, que era doutor por Stanford, foi
categórico. “A revolução da internet só vai acontecer uma vez na vida;
então, vá nessa enquanto a forja está quente”, disse ele a Musk enquanto
os dois caminhavam às margens do rio Ontário. “Você vai ter muito
tempo para se formar na faculdade depois, caso ainda esteja interessado.”
Quando Musk voltou para Palo Alto, contou a Robin Ren que tinha se
decidido. “Preciso deixar todo o resto de lado”, disse. “Tenho que pegar
a onda da internet.”
Elon foi precavido em sua aposta. Ele se matriculou em Stanford e
imediatamente trancou o curso. “Escrevi um programa usando os
primeiros mapas da internet e as Páginas amarelas”, disse ele a Bill Nix, o
professor de ciência dos materiais. “Provavelmente vai dar errado, e, se
for o caso, gostaria de poder voltar.” Nix disse que não via problema em
Musk adiar os estudos, mas previu que ele nunca voltaria.
Maio de 1995
capítulo 10
Zip2
Palo Alto, 1995-1999
Hardcore
Desde o início da carreira, Musk foi um gestor exigente, avesso ao
conceito de equilíbrio entre trabalho e vida pessoal. Na Zip2 e em todas
as empresas seguintes, ele trabalhava todos os dias e durante boa parte
da noite, sem tirar férias, e esperava que os outros agissem da mesma
maneira. A única indulgência era permitir pausas para maratonas
intensas de videogame. A equipe da Zip2 ficou em segundo lugar na
competição nacional de Quake. Eles iam ficar em primeiro, diz Elon,
mas um dos jogadores do time travou o computador ao forçá-lo demais.
Quando os outros engenheiros iam para casa, Musk às vezes pegava o
programa no qual estavam trabalhando e o reescrevia. Com sua pouca
empatia, ele não percebia (ou não se importava) que corrigir alguém em
público — ou, como ele costumava dizer, “consertar a porcaria do código
deles” — não era um modo exatamente bom de se fazer amigos. Musk
nunca tinha sido capitão de uma equipe esportiva ou líder de um grupo
de amigos, e camaradagem não era algo instintivo para ele. Assim como
Steve Jobs, Musk sinceramente não se importava de ter ofendido ou
intimidado as pessoas com quem trabalhava, contanto que as fizesse
realizar coisas que julgavam impossíveis. “Não é nosso papel fazer com
que os funcionários nos amem”, diria ele em uma reunião de executivos
da SpaceX anos depois. “Na verdade, isso é contraproducente.”
Ele era mais duro com Kimbal. “Eu amo, amo, amo muito meu
irmão, mas trabalhar com ele era difícil”, diz Kimbal. Os
desentendimentos frequentemente levavam a brigas físicas no escritório.
Eles brigaram sobre estratégias importantes, pequenos detalhes e sobre o
nome Zip2 (Kimbal e uma empresa de marketing criaram o nome, Elon
o detestou). “Lutar era normal para quem foi criado na África do Sul”,
diz Elon. “Fazia parte da cultura.” Eles não tinham escritórios privados,
só baias, de modo que todo mundo podia ver e ouvir tudo. Numa das
piores brigas, chegaram a rolar no chão, e Elon parecia prestes a socar
Kimbal no rosto, mas Kimbal mordeu a mão dele e arrancou um naco de
carne. Elon teve que ir ao pronto-socorro para levar pontos e tomar
vacina antitetânica. “Quando tínhamos esses estresses intensos, não
víamos ninguém mais à nossa volta”, diz Kimbal. Ele depois admitiu que
Elon tinha razão sobre o nome Zip2. “Era ruim.”
***
Gente que trabalha com produto tem compulsão por vender diretamente
aos consumidores, sem intermediários atrapalhando as coisas. Musk era
assim. Ele ficou frustrado com a nova estratégia da Zip2 de se contentar
em ser uma fornecedora sem marca para a indústria jornalística.
“Acabamos em dívida com os jornais”, diz Musk. Ele queria comprar o
domínio “city.com” e voltar a tratar direto com os consumidores,
competindo com o Yahoo! e o AOL.
Os investidores também tinham dúvidas sobre a estratégia. Guias de
cidades e diretórios da internet estavam proliferando no outono de 1998,
e nenhum estava tendo lucro. Então, o CEO Rich Sorkin decidiu se
fundir com um deles, o CitySearch, na esperança de que, juntos, os dois
pudessem ser bem-sucedidos. Entretanto, quando Musk conheceu o
CEO da CitySearch, ficou apreensivo. Com a ajuda de Kimbal e de
alguns dos engenheiros, Elon liderou uma rebelião que naufragou a
fusão. Ele também exigiu voltar a ser CEO. Em vez disso, o conselho o
tirou da presidência e reduziu seu papel na empresa.
“Grandes coisas nunca acontecerão com fundos de capital e gestores
profissionais”, declarou Musk para a revista Inc. “Eles não têm nem a
criatividade nem a compreensão.” Um dos sócios da Mohr Davidow,
Derek Proudian, assumiu o cargo de CEO interino, com a tarefa de
vender a empresa. “Essa é sua primeira empresa”, disse ele a Musk.
“Vamos encontrar um comprador e ganhar dinheiro para que você possa
criar uma segunda, terceira e quarta empresas.”
O milionário
Em janeiro de 1999, menos de quatro anos depois que Elon e Kimbal
lançaram a Zip2, Proudian os chamou no escritório e disse que a
Compaq Computer, que estava tentando aprimorar seu serviço de busca
AltaVista, havia oferecido 307 milhões de dólares em dinheiro. Os
irmãos haviam dividido seus 12% em 60% para Elon e 40% para
Kimbal, de modo que Elon, aos 27 anos, saiu com 22 milhões de dólares
e Kimbal, com 15 milhões. Elon ficou atônito quando recebeu o cheque.
“Minha conta bancária foi de 5 mil dólares para 22.005.000 de dólares”,
lembra ele.
Os Musk deram 300 mil dólares do lucro para o pai e 1 milhão de
dólares para a mãe. Elon comprou um apartamento de 167 metros
quadrados e esbanjou no que para ele era a indulgência máxima: um
carro esporte McLaren F1 de 1 milhão de dólares, o mais rápido da
época. Permitiu que a CNN filmasse a chegada do veículo. “Há apenas
três anos eu estava tomando banho num albergue e dormindo no chão
do escritório, e agora tenho um carro de 1 milhão de dólares”, disse ele,
pulando de alegria na rua enquanto o McLaren era descarregado de um
caminhão.
Depois do surto impulsivo, ele percebeu que não era bom ficar dando
demonstrações frívolas de deslumbre com a riqueza. “Alguém podia
interpretar a compra do carro como um comportamento característico
de um pirralho imperialista”, admitiu ele. “Pode ser que meus valores
tenham mudado, mas eu não estava ciente disso.”
No entanto, os valores dele tinham de fato mudado? A riqueza
permitia realizar desejos e impulsos sem muitas restrições, o que nem
sempre é bonito de se ver. Mas a intensidade honesta e focada
permaneceu intacta.
O jornalista Michael Gross estava no Vale do Silício apurando uma
matéria para a elegante revista Talk, de Tina Brown, sobre os pirralhos
do mundo da tecnologia que estavam enriquecendo. “Eu estava
procurando um personagem principal que gostasse de ostentação e
valesse uma alfinetada”, lembraria Gross anos depois. “Mas o Musk que
conheci em 2000 era um sujeito cheio de joie de vivre, agradável demais,
quase impossível de alfinetar. Ele tinha a mesma despreocupação e
indiferença a expectativas que tem hoje, mas era descontraído, aberto,
charmoso e engraçado.”
Ser celebridade era atraente para um menino que cresceu sem amigos.
“Eu queria sair na capa da Rolling Stone”, declarou Musk para a CNN.
Contudo, ele acabaria tendo uma relação conflituosa com a riqueza. “Eu
podia comprar uma ilha nas Bahamas e transformá-la num feudo
pessoal, mas estou muito mais interessado em tentar construir e criar
uma empresa nova”, afirmou ele. “Não gastei meu dinheiro, vou investir
quase tudo em um jogo novo.”
capítulo 11
Justine
Palo Alto, anos 1990
O casamento
“Quando Elon falou que ia se casar com ela, eu intervim”, lembra
Kimbal. “Falei: ‘Não se case, você não pode se casar, ela é a pessoa errada
para você.’” Navaid Farooq, que estava com Musk na festa em que ele
conheceu Justine, também tentou impedir o casamento. Mas Musk
gostava tanto de Justine quanto da confusão. O casamento foi marcado
para um fim de semana em janeiro de 2000 na ilha caribenha de Saint-
Martin.
Musk voou para lá um dia antes com um acordo pré-nupcial redigido
por seus advogados. Ele e Justine rodaram a ilha procurando um tabelião
que pudesse ser testemunha na noite de sexta-feira, mas não
conseguiram encontrar ninguém. Ela prometeu que assinaria quando
eles voltassem (acabou assinando duas semanas depois), mas a conversa
causou muita tensão. “Acho que ele estava supernervoso por estar se
casando sem o acordo assinado”, diz Justine. Isso provocou uma briga,
ela saiu do carro e foi ver os amigos. Mais tarde, os dois se encontraram
na casa em que estavam e continuaram a brigar. “A casa tinha muitos
espaços abertos, então todo mundo ouviu a discussão”, diz Farooq, “e
ninguém sabia o que fazer”. De repente, Musk saiu e disse para a mãe
que o casamento estava cancelado. Ela ficou aliviada. “Agora você não
vai ser um sujeito infeliz”, decretou Maye. Mas aí ele mudou de ideia e
voltou para Justine.
A tensão continuou no dia seguinte. Kimbal e Farooq tentaram
convencer Musk a ir embora. Quanto mais os dois insistiam, mais
intransigente ele ficava. “Não, eu vou me casar com ela”, garantiu.
À primeira vista, a cerimônia ao lado da piscina do hotel pareceu
feliz. Justine estava radiante em um vestido branco sem mangas e com
uma tiara de flores brancas, e Musk estava elegante num smoking feito
sob medida. Tanto Maye quanto Errol estavam lá, e os dois até posaram
para fotos juntos. Depois do jantar, todos dançaram conga, e Elon e
Justine apresentaram sua primeira dança. Ele colocou ambos os braços
na cintura dela. Ela pôs os braços em volta do pescoço dele. Eles
sorriram e se beijaram. Então, enquanto dançavam, ele sussurrou um
lembrete para ela: “Neste relacionamento, eu sou o alfa.”
capítulo 12
X.com
Palo Alto, 1999-2000
***
Musk administrava a empresa do mesmo modo que fazia na Zip2, e isso
nunca ia mudar. Suas maratonas de programação tarde da noite seguidas
de uma mistura de grosseria e indiferença durante o dia levaram o
cofundador, Harris, e os poucos funcionários a exigir que Musk
renunciasse ao cargo de CEO. A certa altura, Musk respondeu com um
e-mail em que demonstrava muito autoconhecimento. “Sou por
natureza obsessivo-compulsivo”, escreveu ele para Fricker. “O que
importa para mim é vencer, e isso não é pouco. Sabe lá Deus por quê...
A raiz disso deve estar em alguma profundidade psicanalítica muito
perturbadora ou num curto-circuito neural.”
Como era o sócio majoritário, Musk triunfou e Fricker se demitiu,
junto com a maioria dos funcionários. Apesar da confusão, Musk
conseguiu convencer o influente presidente da Sequoia Capital, Michael
Moritz, a fazer um grande investimento na X.com. Depois, Moritz
intermediou um acordo para que o Barclays Bank e um banco
comunitário no Colorado se tornassem sócios, de modo que a X.com
pudesse oferecer fundos mútuos de investimentos, ter uma carta patente
e cobertura do fundo garantidor de crédito dos Estados Unidos, o
FDIC. Aos 28 anos, Musk era uma celebridade das startups. Em uma
matéria chamada “Elon Musk está prestes a se tornar o próximo grande
sucesso do Vale do Silício”, a Salon o chamou de “O cara de TI no Vale
do Silício”.
Uma das táticas de gestão de Musk, tanto na época quanto depois,
era estabelecer um prazo insano e motivar os colegas a cumpri-lo. Ele
fez isso no outono de 1999 ao anunciar, num gesto que um engenheiro
chamou de “babaquice”, que a X.com seria lançada para o público no
fim de semana de Ação de Graças. Nas semanas anteriores, Musk
rondava o escritório todos os dias, inclusive no Dia de Ação de Graças,
em um frenesi que contaminava os outros com seu nervosismo, e dormia
debaixo da mesa na maioria das noites. Um dos engenheiros que foi para
casa às duas da madrugada no Dia de Ação de Graças recebeu uma
ligação de Musk às onze da manhã pedindo que ele voltasse, porque
outro engenheiro tinha trabalhado a noite toda e “não está mais
funcionando a pleno vapor”. Tal comportamento causava discussões e
ressentimentos, mas também resultava em sucesso. Quando o produto
entrou no ar naquele fim de semana, todos os funcionários andaram até
um caixa eletrônico ali perto, no qual Musk inseriu um cartão de débito
da X.com. O dinheiro saiu e a equipe comemorou.
Na crença de que Musk precisava da supervisão de adultos, Moritz o
convenceu a sair no mês seguinte e permitir que Bill Harris, o ex-
presidente da Intuit, se tornasse CEO. Em uma reprise do que
aconteceu na Zip2, Musk permaneceu como diretor de produto e
presidente do conselho, e manteve a intensidade frenética. Depois de
uma reunião com os investidores, ele foi até a lanchonete onde havia
instalado alguns fliperamas. “Vários de nós estávamos jogando Street
Fighter com Elon”, diz Roelof Botha, o diretor financeiro. “Ele estava
suando, e dava para ver que era uma mistura de energia e intensidade.”
Musk desenvolveu técnicas de marketing virais, as quais incluíam
recompensas para usuários que conseguissem convencer amigos a se
tornarem clientes, e imaginou que seria capaz de fazer da X.com ao
mesmo tempo um serviço bancário e uma rede social. Assim como Steve
Jobs, Musk era apaixonado por desenhar interfaces simples. “Aprimorei
a interface do usuário para que a pessoa precisasse apertar o menor
número de teclas para abrir uma conta”, diz ele. A princípio era preciso
preencher formulários longos, com campos que pediam o número do
seguro social e o endereço residencial, por exemplo. “Por que a gente
precisa disso?”, perguntava Musk insistentemente. “Delete!” Uma
descoberta pequena e importante foi a de que os clientes não precisavam
ter nome de usuário, uma vez que o e-mail já era suficiente.
Um fator que impulsionou o crescimento foi um recurso para o qual
eles a princípio não deram bola: a capacidade de mandar dinheiro por e-
mail. Esse recurso se tornou muito popular, especialmente no site de
leilões eBay, em que os usuários estavam procurando uma maneira fácil
de pagar a desconhecidos por suas compras.
***
PayPal
Os sistemas de pagamento eletrônico de ambas as empresas foram
reunidos e promovidos sob a marca PayPal. Esta se tornou a principal
oferta da empresa, e continuou a crescer rapidamente. No entanto, não
era da natureza de Musk desenvolver produtos para nichos de mercado.
Ele queria refazer setores inteiros. Então, voltou a se concentrar em seu
objetivo original de criar uma rede social que pudesse mudar todo o
setor bancário. “Temos que decidir se nosso objetivo será grande”, disse
ele a seus soldados. Para alguns, a visão de Musk era falha. “Estávamos
deslanchando com o eBay”, diz Reid Hoffman, um dos primeiros
funcionários, que depois foi cofundador do LinkedIn. “Max e Peter
achavam que devíamos nos concentrar totalmente nisso e virar um
serviço comercial dominante.”
Musk insistia que o nome da empresa deveria ser X.com e que PayPal
seria somente uma das marcas subsidiárias. Ele até tentou renomear o
sistema de pagamento para X-PayPal. Houve muita resistência,
especialmente de Levchin. A PayPal tinha se tornado uma marca de
confiança do público, como um bom amigo que ajuda você a receber seu
dinheiro. Entrevistas com grupos focais indicaram que o nome X.com,
pelo contrário, passava a impressão de se tratar de um site estranho que
nem valia a pena mencionar numa conversa educada. Mas Musk não
queria ceder, e continua assim até hoje. “Se você quer ser apenas um
sistema de pagamento de nicho, PayPal é melhor”, diz ele. “Mas, se quer
tomar conta do sistema financeiro mundial, então X é um nome
melhor.”
Musk e Michael Moritz foram a Nova York para ver se era possível
recrutar Rudy Giuliani, que estava quase terminando o mandato de
prefeito, como lobista e para ajudar a achar os caminhos em meio às
complexidades políticas envolvidas na criação de um banco. Assim que
entraram no escritório dele, Musk e Moritz souberam que não iria dar
certo. “Foi como entrar num escritório da máfia”, revela Moritz. “Ele
estava cercado de capangas de confiança. Não sabia nada sobre o Vale do
Silício, mas ele e os capangas estavam ansiosos para ganhar dinheiro.”
Eles pediram 10% da empresa, e isso encerrou a conversa. “Esse cara
mora em um planeta diferente”, disse Musk a Moritz.
Musk reestruturou a empresa para que o departamento de engenharia
não fosse um departamento separado. Em vez disso, os engenheiros
trabalhariam com os gerentes de produto. Era uma filosofia que ele
levaria para a Tesla, a SpaceX e, posteriormente, para o Twitter. Separar
o design de um produto da engenharia era uma receita para problemas.
Os designers tinham que perceber imediatamente a dificuldade caso
alguma coisa que tivessem concebido fosse difícil de ser concretizada.
Musk também tinha um corolário que funcionou bem para foguetes,
mas nem tanto para o Twitter: os engenheiros é que deveriam liderar a
equipe.
***
Em busca de risco
Pela segunda vez em três anos, Musk tinha sido expulso de uma
empresa. Ele era um visionário que não trabalhava bem em equipe.
O que chocou os colegas na PayPal, além do estilo incansável e duro,
foi sua disposição em assumir riscos, quase como se ansiasse por isso.
“Empreendedores não são, na verdade, inclinados a correr riscos”, diz
Roelof Botha. “Eles são mitigadores de risco. Não prosperam no risco,
nunca buscam aumentá-lo; pelo contrário, tentam descobrir as variáveis
controláveis para minimizá-lo.” Musk, não. “Ele queria ampliar o risco e
queimar as pontes para que nunca pudesse voltar atrás.” Para Botha, o
acidente de McLaren de Musk era como uma metáfora: afunde o pé no
acelerador e veja quão rápido você vai.
Isso tornava Musk fundamentalmente diferente de Peter Thiel, que
sempre estava concentrado em limitar os riscos. Ele e Reid Hoffman
certa vez planejaram escrever um livro sobre a experiência na PayPal. O
capítulo sobre Musk seria chamado de “O homem que não entendia o
significado da palavra risco”. O vício no risco pode ser útil quando se
trata de levar as pessoas a fazerem algo que pareça impossível. “Ele é
incrivelmente bem-sucedido em fazer as pessoas atravessarem o
deserto”, diz Hoffman. “Ele tem um grau de certeza tão alto que o leva a
colocar todas as fichas na mesa.”
Isso era mais do que uma metáfora. Muitos anos depois, Levchin
estava no apartamento de um amigo com Musk. Algumas pessoas
estavam jogando pôquer no estilo Texas Hold’em, com apostas altas.
Apesar de não ser um jogador de cartas, Musk se sentou à mesa. “Havia
todos aqueles nerds e franco-atiradores que eram bons em memorizar as
cartas e calcular probabilidades”, conta Levchin. “Elon simplesmente
seguiu apostando tudo em todas as rodadas e perdendo. Aí ele comprava
mais fichas e dobrava a aposta. Uma hora, depois de perder muitas
rodadas, ele apostou tudo e ganhou. Então falou: ‘Certo, deu pra mim.’”
Isso era recorrente na vida dele: evitar tirar as fichas da mesa, continuar
arriscando.
Essa se mostraria uma boa estratégia. “Veja as duas empresas que ele
acabou criando, a SpaceX e a Tesla”, diz Thiel. “As pessoas no Vale do
Silício diriam que eram apostas muito arriscadas. Mas se duas empresas
malucas dão certo quando todo mundo achava que isso seria impossível,
você precisa parar e dizer: ‘Acho que o Elon entende alguma coisa sobre
risco que os outros não entendem.’”
***
Malária
A remoção de Musk do cargo de CEO da PayPal permitiu que ele
tivesse férias de verdade, a primeira vez que ele tirou uma folga de uma
semana do trabalho. Seria também a última. Ele não foi criado para sair
de férias.
Junto com Justine e Kimbal, foi ao Rio de Janeiro para ver o primo
Russ Rive, que tinha se mudado para lá depois de se casar com uma
brasileira. De lá, eles foram para a África do Sul, ao casamento de outro
parente. Era a primeira vez que Musk voltava depois de ter deixado o
país onze anos antes, aos 17 anos.
Justine teve dificuldades para lidar com o pai de Elon e com a avó,
conhecida como Nana. No Rio de Janeiro, havia feito uma tatuagem de
hena de lagartixa, que ainda estava aparente. Nana disse a Elon que
Justine era uma “Jezebel”, referindo-se à personagem bíblica cujo nome
foi associado à promiscuidade sexual ou a mulheres controladoras. “Foi a
primeira vez que ouvi uma mulher se referir a outra como Jezebel”, diz
Justine. “Acho que a tatuagem de lagartixa não ajudou.” Eles escaparam
de Pretória assim que puderam e foram fazer um safári em uma reserva
de luxo.
Depois de voltar a Palo Alto, em janeiro de 2001, Musk começou a se
sentir tonto. Ele sentia zumbidos no ouvido e tremia. Então, foi ao
pronto-socorro do Stanford Hospital, onde começou a vomitar. Uma
punção lombar mostrou que ele tinha uma contagem alta de glóbulos
brancos, o que levou os médicos a diagnosticar uma meningite viral. Em
geral, não é uma doença grave, de modo que os médicos hidrataram
Musk e lhe deram alta.
Nos dias seguintes, ele se sentiu cada vez pior, até que ficou tão fraco
que mal conseguia manter-se em pé. Musk chamou um táxi e foi a uma
médica. Quando ela tentou sentir o pulso dele, estava quase
imperceptível. Ela chamou uma ambulância, que levou Musk para o
hospital Sequoia, em Redwood City. Por acaso, um médico especialista
em doenças infecciosas passou pela cama de Musk e percebeu que ele
tinha malária, não meningite. Era a forma mais perigosa da doença,
provocada pelo protozoário parasita Plasmodium falciparum, e eles
diagnosticaram bem na hora. Com o aumento da gravidade dos
sintomas, como aconteceu no caso de Musk, muitas vezes resta aos
pacientes apenas um ou dois dias antes de o parasita ficar incontrolável.
Musk foi internado na UTI, onde os médicos enfiaram uma agulha no
peito dele para fazer infusões intravenosas seguidas de doses cavalares de
doxiciclina.
***
Planeta vermelho
No fim de semana do Dia do Trabalhador* de 2001, logo depois de se
recuperar da malária, Musk foi visitar seu amigo de festas na Penn,
Adeo Ressi, nos Hamptons. Durante a viagem de carro de volta para
Manhattan, na Long Island Expressway, eles conversaram sobre o que
Musk faria em seguida. “Sempre quis fazer algo no espaço”, confessou
ele a Ressi, “mas acho que um indivíduo, sozinho, não pode fazer nada
com relação a isso”. Era caro demais, óbvio, construir um foguete.
Será que era mesmo? Quais eram os requisitos físicos básicos,
exatamente? Musk descobriu que tudo de que precisava era metal e
combustível. E isso não custava tanto assim. “Quando chegamos no
Midtown Tunnel”, diz Ressi, “concluímos que era viável”.
Ao chegar ao hotel naquela noite, Musk entrou no site da NASA
para ler sobre os planos da agência de ir a Marte. “Imaginei que deveria
ser em breve, porque nós fomos à Lua em 1969, então deveríamos estar
prestes a ir a Marte.” Sem encontrar um cronograma, ele fuçou no site,
até que percebeu que a NASA não tinha planos para isso. Ficou
chocado.
Em suas buscas no Google por mais informações, Musk acabou
vendo um anúncio de um jantar no Vale do Silício oferecido por uma
organização chamada Mars Society. Isso parece legal, comentou com
Justine, e comprou dois ingressos de 500 dólares. Na realidade, ele
acabou enviando um cheque de 5 mil dólares, o que chamou a atenção
de Robert Zubrin, o presidente da sociedade. Zubrin colocou Elon e
Justine à mesa dele, junto com o diretor de cinema James Cameron, que
havia dirigido o thriller de guerra espacial Aliens, o resgate, assim como O
exterminador do futuro e Titanic. Justine se sentou ao lado de Cameron.
“Foi uma grande emoção para mim, porque sou superfã, mas ele falou
principalmente com Elon sobre Marte e sobre por que os humanos
estariam condenados se não colonizassem outros planetas.”
Musk tinha então uma nova missão, muito mais grandiosa do que
lançar um banco na internet ou Páginas amarelas digitais. Ele foi até a
biblioteca pública de Palo Alto para ler sobre engenharia de foguetes e
começou a ligar para especialistas, a fim de pedir emprestados velhos
manuais de motores.
Em uma reunião de ex-integrantes da PayPal em Las Vegas, Musk se
sentou em uma cabana perto da piscina para ler um manual esfarrapado
de um motor de foguete russo. Quando um deles, Mark Woolway,
perguntou o que Musk planejava fazer em seguida, ele respondeu: “Vou
colonizar Marte. Minha missão de vida é tornar a raça humana uma
civilização multiplanetária.” A reação de Woolway não foi
surpreendente: “Cara, você enlouqueceu.”
Reid Hoffman, outro veterano da PayPal, teve uma reação parecida.
Depois de ouvir Musk descrever seu plano de enviar foguetes para
Marte, Hoffman ficou confuso. “Qual é o plano de negócios?”,
perguntou. Depois, Hoffman percebeu que Musk não pensava dessa
forma. “O que não percebi era que o Elon começa com uma missão e
depois encontra uma forma de dar certo financeiramente”, diz ele. “É
isso o que o torna uma força da natureza.”
Por quê?
É bom fazer uma pausa por um momento e perceber a loucura que era
um empreendedor de 30 anos, que tinha sido expulso de duas startups
tecnológicas, decidir construir foguetes que pudessem ir a Marte. O que
motivava Musk, além de uma aversão a férias e um amor de criança por
foguetes, por ficção científica e pelo Guia do mochileiro das galáxias? Ele
deu três explicações para os amigos que ficaram confusos na época e em
conversas nos anos seguintes.
Musk achava surpreendente — e assustadora — a ideia de que o
progresso tecnológico não era inevitável. O progresso poderia estancar.
Poderia até haver uma regressão. Os Estados Unidos tinham ido à Lua.
Entretanto, as missões do ônibus espacial foram suspensas e o progresso
estancou. “Queremos dizer para nossos filhos que ir à Lua foi o melhor
que pudemos fazer, e que depois desistimos?”, pergunta ele. Os egípcios
antigos aprenderam a construir pirâmides, mas esse conhecimento foi
perdido. A mesma coisa aconteceu com Roma, que construiu aquedutos
e outras maravilhas que foram perdidas durante a Idade Média. Estaria
isso se repetindo nos Estados Unidos? “As pessoas estão equivocadas
quando pensam que a tecnologia se aprimora automaticamente”, disse
ele em um TED Talks alguns anos depois. “Só melhora se um monte de
gente trabalhar duro para isso.”
A segunda motivação era a ideia de que colonizar outros planetas
ajudava a garantir a sobrevivência da civilização e da consciência
humanas no caso de algo acontecer com nosso frágil planeta. A Terra
pode um dia ser destruída por um asteroide ou pela mudança climática
ou ainda por uma guerra nuclear. Ele tinha ficado fascinado pelo
paradoxo de Fermi, batizado em homenagem ao físico ítalo-americano
Enrico Fermi, que, em uma discussão sobre vida alienígena no Universo,
disse: “Mas onde está todo mundo?” Matematicamente, parecia lógico
que houvesse outras civilizações, mas a falta de qualquer prova levantava
a possibilidade incômoda de que a espécie humana da Terra pudesse ser
o único exemplo de consciência. “Temos esta chama delicada de
consciência brilhando aqui, e pode ser o único caso de consciência, então
é essencial que isso seja preservado”, diz Musk. “Se formos capazes de ir
a outros planetas, a expectativa de vida provável da consciência humana
será muito maior do que se estivermos presos em um planeta que pode
ser atingido por um asteroide ou destruir sua civilização.”
A terceira motivação era mais inspiradora. Vinha do legado da família
dele de aventureiros e da decisão que ele tomara quando adolescente de
se mudar para um país em cuja essência jazia o espírito dos pioneiros.
“Os Estados Unidos são, literalmente, a essência do espírito humano de
exploração”, diz ele. “Esta é uma terra de aventureiros.” Musk achava
que esse espírito precisava ser reavivado nos Estados Unidos, e a melhor
maneira de se fazer isso seria embarcar numa missão para colonizar
Marte. “Ter uma base em Marte será inacreditavelmente difícil, e é
provável que algumas pessoas morram nesse processo, assim como
aconteceu durante a colonização dos Estados Unidos. Mas será
incrivelmente inspirador, e temos que ter coisas inspiradoras no mundo.”
Ele achava que a vida não pode se resumir a resolver problemas.
Também tínhamos que correr atrás de grandes sonhos. “É isso o que nos
tira da cama de manhã.”
Musk acreditava que viajar para outros planetas seria um dos avanços
significativos na história da humanidade. “Há poucos marcos
significativos: vida unicelular, vida multicelular, diferenciação de plantas
e animais, vida estendendo-se dos oceanos para a terra, mamíferos,
consciência”, diz ele. “Nessa escala, o próximo passo importante é óbvio:
tornar a vida multiplanetária.” Havia algo emocionante, além de um
pouco irritante, na capacidade de Musk de enxergar significados
grandiosos em seus empreendimentos. Como Max Levchin resume
secamente: “Uma das maiores habilidades de Elon é a capacidade de
apresentar sua visão como uma mensagem do paraíso.”
Los Angeles
Musk decidiu que, se queria começar uma empresa de foguetes, era
melhor se mudar para Los Angeles, cidade que sediava a maioria das
empresas aeroespaciais, entre elas, a Lockheed e a Boeing. “A
probabilidade de sucesso de uma empresa de foguetes era bastante baixa,
e seria ainda menor se eu não me mudasse para o sul da Califórnia, onde
estava a massa crítica do talento na engenharia aeroespacial”, conta ele.
Musk não explicou a mudança para Justine, que pensou que ele tivesse
sido atraído pelo glamour das celebridades da cidade. Por causa do
casamento, ele podia requerer a cidadania norte-americana, que foi
obtida no início de 2002 numa cerimônia de juramento com outros
3.500 imigrantes no Los Angeles County Fairgrounds.
Musk começou a fazer reuniões com engenheiros espaciais em um
hotel próximo ao aeroporto de Los Angeles. “Minha ideia inicial não era
criar uma empresa de foguetes, mas montar uma missão filantrópica que
iria inspirar o público e conseguir mais financiamento para a NASA.”
***
Princípios básicos
Enquanto se preocupava com o preço absurdo que os russos queriam
cobrar, Musk empregou alguns princípios básicos de pensamento,
aprofundando-se na física elementar da situação e raciocinando a partir
daí. Isso levou Musk a desenvolver aquilo que chamou de “índice de
idiotice”, que calculava quão mais caro um produto final era do que o
custo de seus materiais básicos. Se um produto tivesse um alto índice de
idiotice, o custo poderia ser reduzido significativamente se fossem
elaboradas técnicas produtivas mais eficientes.
Foguetes tinham um índice de idiotice extremamente alto. Musk
começou a calcular o custo da fibra de carbono, do metal, do
combustível e de outros materiais que entravam na composição. O
produto final, se usados os métodos de fabricação em voga, custava pelo
menos cinquenta vezes mais do que isso.
Para que a humanidade chegasse a Marte, a tecnologia de foguetes
precisava ser melhorada de maneira radical. E confiar em foguetes
usados, especialmente em foguetes velhos da Rússia, não iria trazer
avanços tecnológicos.
Sendo assim, no voo de volta para casa, Musk pegou seu computador
e começou a fazer uma tabela que detalhava todos os materiais e custos
para construir um foguete de tamanho médio. Jim Cantrell e Mike
Griffin, sentados uma fileira atrás, pediram drinques e riram. “O que
você acha que esse idiota-prodígio está fazendo?”, perguntou Griffin a
Cantrell.
Musk se virou e respondeu: “Ei”, disse, mostrando a planilha, “acho
que nós mesmos podemos construir esse foguete”. Quando olhou os
números, Cantrell conta que pensou: Droga... É por isso que ele estava
pedindo emprestado os meus livros. Em seguida, pediu mais um drinque
para a comissária de bordo.
SpaceX
Quando Musk decidiu que iria fundar sua própria empresa de foguetes,
os amigos fizeram aquilo que amigos de verdade fazem numa situação
como essa: tentaram impedi-lo.
“Espere um pouco, cara. ‘Os russos me ferraram’ não é igual a ‘Crie
uma empresa de lançamento de foguetes’”, disse Adeo Ressi. Ressi
compilou em um vídeo dezenas de explosões de foguetes e forçou
amigos a ir para Los Angeles e a se reunir com Musk para convencê-lo a
desistir. “Eles me fizeram ver uma sequência de foguetes explodindo,
porque queriam me convencer de que eu ia perder todo o meu dinheiro”,
diz Musk.
Os argumentos sobre o risco serviram para reforçar a decisão de
Musk. Ele gostava de riscos. “Se você está tentando me convencer de
que o risco de fracasso é alto, eu já sei disso”, disse ele a Ressi. “O
resultado mais provável é que eu perca todo o meu dinheiro. Mas qual é
a alternativa? Que não exista progresso na exploração espacial?
Precisamos arriscar, ou ficaremos presos na Terra para sempre.”
Era uma declaração muito grandiosa de como ele era indispensável
para o progresso da humanidade. Contudo, como em muitas das
afirmações risíveis de Musk, havia nela um pouco de verdade. “Eu
queria manter a esperança de que os humanos pudessem ser uma
civilização exploradora do espaço e estar entre as estrelas”, diz, “e não
havia nenhuma chance de isso acontecer, a menos que uma nova
empresa começasse a criar foguetes revolucionários”.
A aventura espacial de Musk começou como um empreendimento
sem fins lucrativos para inspirar interesse numa missão a Marte. Naquele
momento, porém, ele tinha uma combinação de motivações que iriam
marcar sua carreira. Ele poderia fazer algo audacioso motivado por uma
ideia grandiosa, mas também queria ser prático e lucrativo, para que o
empreendimento se sustentasse. Isso significava usar foguetes para
lançar satélites comerciais e governamentais.
Musk decidiu começar com um foguete menor, que teria um custo
mais baixo. “Vamos fazer coisas idiotas, mas vamos evitar fazer coisas
idiotas em larga escala”, falou ele para Cantrell. Em vez de lançar
grandes cargas como a Lockheed e a Boeing, Musk iria criar um foguete
mais barato para pequenos satélites que estavam sendo viabilizados por
avanços nos microprocessadores. Ele estava centrado numa medida
principal: quanto custaria colocar cada quilo em órbita. O objetivo de
maximizar cada dólar guiaria a obsessão que ele tinha por aumentar o
impulso dos motores ao reduzir a massa dos foguetes e torná-los
reutilizáveis.
Musk tentou recrutar dois engenheiros que foram com ele a Moscou.
Mike Griffin, porém, não queria se mudar para Los Angeles. Ele estava
trabalhando para a In-Q-Tel, uma empresa de capital de risco
patrocinada pela CIA com sede na área de Washington, D.C., e
vislumbrava um futuro promissor nas políticas públicas relativas a
ciência. De fato, o presidente George W. Bush o indicou para ser
administrador da NASA em 2005. Jim Cantrell pensou em aceitar a
proposta de Musk, mas pediu muitas garantias de emprego que este não
queria atender. Então, Musk acabou sendo, por W.O., o engenheiro-
chefe da empresa.
Musk criou a Space Exploration Technologies em maio de 2002. A
princípio, chamou a empresa pelas iniciais, SET. Meses depois, deu
destaque à sua letra preferida, ao trocar o nome para algo mais
memorável, SpaceX. O objetivo, revelou ele numa apresentação inicial,
era lançar o primeiro foguete em setembro de 2003 e enviar uma missão
não tripulada a Marte até 2010. Dessa forma, Musk continuou uma
tradição que começou na PayPal: estabelecer prazos irreais que faziam
suas noções completamente insanas serem vistas como muito atrasadas
com relação a esses prazos.
capítulo 16
Pais e filhos
Los Angeles, 2002
***
Justine, pelo contrário, era muito aberta quanto às suas emoções. “Ele
ficava um tanto incomodado com o fato de eu expressar meus
sentimentos sobre a morte de Nevada”, conta ela. “Ele me disse que eu
estava sendo emocionalmente manipuladora, que estava deixando meus
sentimentos à mostra.” Ela atribui a repressão emocional de Musk a um
mecanismo de defesa que Elon desenvolveu na infância. “Ele se fecha
quando está numa situação ruim”, diz Justine. “Acho que é uma questão
de sobrevivência para ele.”
Errol aparece
Quando Nevada nasceu, Elon convidou o pai, Errol, que estava na
África do Sul, para conhecer o neto. Era a chance, treze anos depois de
deixar a África do Sul, de se reconciliar com Errol, ou pelo menos de
exorcizar alguns demônios. “Elon era o primeiro filho do nosso pai, e
talvez tivesse algo a provar para ele”, opina Kimbal.
Errol levou a nova esposa, os dois filhos mais novos e os três
enteados. Elon pagou as sete passagens. Quando eles chegaram a
Raleigh, na Carolina do Norte, depois do primeiro trecho do voo de
Joanesburgo, Errol recebeu uma mensagem de um representante da
Delta Air Lines. “Temos uma má notícia”, disseram a ele. “Seu filho nos
pediu que informássemos que Nevada, seu neto, morreu.” Elon queria
ter certeza de que o representante da companhia aérea contaria a notícia,
porque ele não conseguia pronunciar as palavras.
Quando Errol pegou o telefone, Kimbal explicou a situação e disse:
“Pai, você não deveria vir.” Ele tentou convencer Errol a voar de volta
para a África do Sul. Errol se recusou. “Não, já estamos nos Estados
Unidos, então vamos para Los Angeles.”
Errol se lembra de ter ficado impressionado com o tamanho da
cobertura no Beverly Wilshire, “provavelmente a coisa mais incrível que
já vi”. Elon parecia estar em transe, mas também muito carente, de uma
maneira complexa. Ele estava incomodado por seu pai tempestuoso vê-
lo em um estado tão vulnerável quanto aquele. Contudo, ele também
não queria deixá-lo ir embora. E acabou pedindo ao pai e à nova família
dele que ficassem em Los Angeles. “Não quero que você volte”, disse.
“Vou comprar uma casa para você aqui.”
Kimbal ficou chocado. “Não, não, não, essa não é uma boa ideia”,
falou para Elon. “Você está se esquecendo de que ele é um ser humano
cruel. Não faça isso, não faça isso com você mesmo.” No entanto, quanto
mais ele tentava fazer o irmão desistir, mais triste Elon ficava. Anos
depois, Kimbal ainda tinha dificuldade de entender o que motivara o
irmão. “Ver o filho morrer, acho que foi por isso que ele quis o pai por
perto”, disse ele para mim.
Elon comprou uma casa em Malibu para Errol e sua prole, assim
como o maior Land Rover que encontrou, e conseguiu que as crianças
fossem matriculadas em boas escolas e transportadas até elas todos os
dias. Mas as coisas ficaram estranhas rapidamente. Elon começou a se
preocupar porque Errol, na época com 56 anos, estava se interessando,
de uma maneira constrangedora, por uma das enteadas — Jana, de 15
anos.
Elon ficou furioso com o pai por ver um comportamento que
considerava inapropriado, uma vez que ele tinha criado profunda
empatia — e intensa afinidade — pelos enteados de Errol. Elon sabia o
que eles tinham que aguentar. Por isso, se ofereceu para dar a Errol um
iate que ficaria ancorado a 45 minutos de Malibu. Se ele concordasse em
morar sozinho, poderia ver a família nos fins de semana. A ideia não era
só estranha, era também ruim. Tornava toda a situação estranha. A
esposa de Errol, que era dezenove anos mais jovem que ele, começou a
obedecer a Elon. “Ela via Elon como provedor, não eu”, reclama Errol,
“e isso virou um problema”.
Certo dia, quando estava no iate, Errol recebeu uma mensagem de
Elon. “Esta situação não está dando certo”, disse ele, e pediu que Errol
voltasse para a África do Sul. Errol voltou. Meses depois, a esposa e a
família também voltaram. “Eu usei de ameaças, recompensas e
argumentos para melhorar meu pai”, diz Elon. “E ele...” Musk faz um
longo silêncio. “De forma alguma, só piorou.” Redes pessoais são mais
complexas do que as digitais.
capítulo 17
Acelerando
SpaceX, 2002
Tom Mueller
Tom Mueller
Em sua infância, na zona rural de Idaho, Tom Mueller adorava brincar
com pequenos foguetes. “Montei dezenas. Não duravam muito, óbvio,
porque eu sempre quebrava ou explodia os foguetes.”
Sua cidade natal, Saint Maries (com 2.500 habitantes), era um
vilarejo de exploração madeireira 160 quilômetros ao sul da fronteira
com o Canadá. O pai trabalhava como lenhador. “Quando criança, eu
sempre ajudava meu pai com sua caminhonete de trabalho, usando solda
e outras ferramentas”, lembra Mueller. “Colocar a mão na massa me deu
uma noção do que funciona e do que não funciona.”
Esguio e musculoso, com uma covinha no queixo e cabelos escuros
como azeviche, Mueller tinha a aparência bruta de um futuro lenhador.
Por dentro, porém, era estudioso como Musk. Mueller mergulhava na
biblioteca local e devorava a seção de ficção científica. Para um trabalho
no ensino fundamental, ele colocou gafanhotos dentro de um foguete
em miniatura e lançou o engenho no quintal para ver o efeito que a
aceleração teria neles. Ele aprendeu outra lição. O paraquedas falhou, o
foguete caiu e os gafanhotos morreram.
No começo, ele comprava kits de foguetes pelo correio, mas depois
começou a fazer seus próprios esboços. Quando tinha 14 anos,
converteu o maçarico do pai em um motor. “Injetei água nele para ver
que efeito isso teria no desempenho”, conta. “É uma coisa louca...
Colocar água dá mais impulso.”
O projeto ficou em segundo lugar na Feira de Ciências regional, o
que o classificou para as finais internacionais em Los Angeles. Foi a
primeira vez que ele esteve em um avião. “Não cheguei nem perto de
vencer”, diz. “Havia robôs e coisas que os pais de outras crianças tinham
construído. Pelo menos eu havia feito o meu projeto sozinho.”
Ele trabalhou como lenhador durante as férias de verão e nos fins de
semana com o propósito de ir para a Universidade de Idaho. Quando se
formou, se mudou para Los Angeles para procurar emprego no setor
aeroespacial. As notas de Mueller não eram boas, mas o entusiasmo era
contagiante e ajudou-o a conseguir um emprego na TRW, que
construíra o motor do foguete que permitiu que astronautas chegassem à
Lua. Nos fins de semana, ele ia ao deserto de Mojave para testar seus
grandes foguetes caseiros com colegas da Reaction Research Society, um
clube de entusiastas de foguetes fundado em 1943. Lá, se juntou ao
colega John Garvey para construir o que se tornou o motor de foguete
amador mais poderoso do mundo, com 36 quilos.
Certo domingo em janeiro de 2002, enquanto os dois estavam
trabalhando no motor amador deles num armazém alugado, Garvey
mencionou para Mueller que um milionário da internet chamado Elon
Musk queria conhecê-lo. Quando Musk chegou acompanhado de
Justine, Mueller estava soldando o motor de 36 quilos suspenso
enquanto tentava parafusá-lo a um suporte. Musk começou a enchê-lo
de perguntas. Quanto de impulso? Vinte mil quilos, respondeu Mueller.
Você já fez algo maior? Mueller explicou que na TRW estava
trabalhando no TR-106, que tinha 970 mil quilos de impulso. Musk,
então, perguntou quais eram os combustíveis de propulsão. Mueller por
fim desistiu de parafusar o motor para se concentrar no interrogatório de
Musk.
Musk perguntou a Mueller se ele podia construir um motor tão
grande quanto o TR-106 da TRW sozinho. Mueller reconheceu que
havia projetado o injetor e a ignição, conhecia bem o sistema de bomba
e, com uma equipe, poderia descobrir o resto. Musk queria saber quanto
iria custar. “Meu Deus, essa é difícil”, respondeu Mueller, que estava
surpreso com a rapidez com que a conversa havia evoluído para questões
específicas.
Em dado momento, Justine, que vestia um casaco de couro comprido,
cutucou Musk e disse que era hora de ir. Ele perguntou a Mueller se os
dois poderiam se encontrar no domingo seguinte. Mueller estava
relutante. “Era o domingo do Super Bowl, e eu tinha acabado de
comprar uma TV de tela panorâmica e queria assistir ao jogo com uns
amigos.” Contudo, sentiu que era inútil resistir, e então concordou em
receber Musk.
“Talvez a gente tenha visto, sei lá, uma jogada, porque estávamos
entretidos conversando sobre construir um veículo de lançamento”,
lembra-se Mueller. Junto com alguns outros engenheiros que estavam
presentes, eles desenharam planos para aquele que se tornaria o primeiro
foguete da SpaceX. O primeiro estágio, decidiram, seria impulsionado
por motores movidos a oxigênio líquido e querosene. “Eu sei como fazer
isso funcionar facilmente”, disse Mueller. Musk sugeriu peróxido de
hidrogênio para o estágio superior, mas Mueller imaginou que seria
difícil de manusear. Ele sugeriu em resposta tetróxido de nitrogênio, que
Musk considerou caro demais. Acabaram concordando em usar oxigênio
líquido e querosene no segundo estágio também. O jogo de futebol foi
esquecido. O foguete era mais interessante.
Musk ofereceu a Mueller o emprego de diretor de propulsão,
responsável por projetar os motores do foguete. Mueller, que vinha
reclamando da cultura avessa a riscos da TRW, consultou a esposa.
“Você vai se arrepender se não fizer isso”, opinou ela. Mueller se tornou,
assim, a primeira contratação da SpaceX.
Algo em que Mueller insistiu foi que Musk depositasse dois anos de
salário como garantia. Ele não era um milionário da internet, portanto
não queria correr o risco de ficar sem pagamento se o empreendimento
falhasse. Musk concordou. No entanto, isso o levou a considerar
Mueller um empregado, não um cofundador da SpaceX. Foi uma briga
que ele teve na PayPal e teria novamente na Tesla. Se você não está
disposto a investir em uma empresa, achava ele, não deveria ser visto
como fundador. “Você não pode pedir dois anos de salário em depósito e
se considerar cofundador”, comenta Musk. “Tem que existir alguma
combinação de inspiração, transpiração e risco para ser cofundador.”
Ignição
Depois de conseguir arregimentar Tom Mueller e alguns outros
engenheiros, Musk precisava de uma sede e de uma fábrica. “Estávamos
nos encontrando em salas de reunião em hotéis”, diz Musk, “então,
comecei a percorrer bairros onde ficam a maioria das empresas
aeroespaciais, e encontrei um armazém antigo bem perto do aeroporto
de Los Angeles”. (A sede da SpaceX e o vizinho estúdio de design da
Tesla ficam tecnicamente em Hawthorne, uma cidade no condado de
Los Angeles, ao lado do aeroporto, mas vou me referir ao local como
Los Angeles.)
Ao projetar a fábrica, Musk seguiu sua filosofia de que as equipes de
design, engenharia e produção deveriam ficar todas juntas. “As pessoas
na linha de montagem deveriam ser capazes de chamar imediatamente
um designer ou um engenheiro e dizer: ‘Por que você fez isso assim?’”,
explicou ele para Mueller. “Se sua mão está no fogão e queima, você tira,
mas, se é a mão de outra pessoa, vai demorar mais para você agir.”
Enquanto a equipe crescia, Musk foi infundindo em todos sua
tolerância ao risco e sua disposição para deturpar a realidade. “Se você
fosse negativo ou pensasse que algo não podia ser feito, não seria
convidado para a próxima reunião”, lembra-se Mueller. “Ele só queria
gente capaz de realizar as coisas.” Era uma boa maneira de estimular as
pessoas a fazer aquilo que achavam ser impossível. Entretanto, também
era uma boa maneira de se cercar de pessoas temerosas de dar más
notícias ou de questionar uma decisão.
Musk e os demais jovens engenheiros trabalhavam até tarde da noite
e depois começavam um jogo de tiro com vários jogadores simultâneos,
como Quake III Arena, nos desktops, conectavam seus celulares e
mergulhavam em partidas frenéticas que podiam ir até as três da manhã.
O nome de usuário de Musk era Random9, e ele era o mais agressivo
(óbvio). “Nós ficávamos gritando e berrando uns com os outros, como
um bando de lunáticos”, disse um funcionário. “E Elon estava bem ali,
no meio de tudo, com a gente.” Ele costumava ganhar. “Elon era
alarmantemente bom nesses jogos”, falou outro. “Ele tem reações
loucamente rápidas, e sabia todos os truques e como surpreender as
pessoas.”
Musk chamou o foguete que eles estavam construindo de Falcon 1,
em homenagem à espaçonave de Star Wars. Ele deixou que Mueller
batizasse seus motores, pois queria nomes legais, não só letras e
números. Uma funcionária de um dos fornecedores era falcoeira, e listou
as diferentes espécies daquela ave. Mueller escolheu “Merlin” para os
motores do primeiro estágio e “Kestrel” para os do segundo.
capítulo 18
As regras de Musk para
construir foguetes
SpaceX, 2002-2003
Improviso
Mueller e a equipe passavam doze horas por dia testando motores em
McGregor, jantavam num Outback Steakhouse e depois, tarde da noite,
faziam uma reunião por telefone com Musk, que os enchia de perguntas
técnicas. Quando um engenheiro não sabia uma resposta, Musk com
frequência entrava em combustão com a fúria controlada de um motor
de foguete. Com sua tolerância para risco, ele os incentivava a encontrar
soluções improvisadas. Usando ferramentas que Mueller havia levado
para o Texas, eles tentavam consertar as coisas ali mesmo.
Certa noite, um raio atingiu um estande de testes e derrubou o
sistema de pressurização de um tanque de combustível. Isso criou uma
protuberância e um rompimento numa das membranas dos tanques. O
procedimento, em se tratando de uma empresa aeroespacial normal,
seria substituir os tanques, o que levaria meses. No entanto, a ordem de
Musk foi: “Não, só conserte. Vá lá com uns martelos e martele até que
volte ao lugar, solde e vamos em frente.” Buzza achou isso uma loucura,
mas havia aprendido a seguir as ordens do chefe. Eles foram até o
estande de testes e martelaram a protuberância. Musk embarcou no
avião para o voo de três horas até lá a fim de supervisionar tudo
pessoalmente. “Quando ele apareceu, começamos a testar o tanque com
combustível dentro, e funcionou”, lembra Buzza. “Elon acredita que
toda situação é salvável. Isso nos ensinou muito. E de fato era divertido.”
Isso também fez com que a SpaceX demorasse muito menos tempo até
testar seu primeiro foguete.
Nem sempre dava certo, é óbvio. Musk tentou uma abordagem
igualmente pouco convencional no fim de 2003, quando apareceram
rachaduras no material de difusão de calor dentro da câmara de pressão
dos motores. “Primeiro, uma; depois, duas, três das nossas primeiras
câmaras racharam”, recorda Mueller. “Foi um desastre.”
Quando Musk recebeu a má notícia, mandou Mueller encontrar uma
forma de consertá-las. “Não podemos jogar tudo fora”, disse.
“Não tem como consertar”, replicou Mueller.
Era o tipo de afirmação que enfurecia Musk. Ele disse aos
engenheiros que colocassem as três câmaras no avião dele e voassem até
a fábrica da SpaceX, em Los Angeles. Sua ideia era aplicar uma camada
de cola epóxi para preencher as rachaduras e resolver o problema.
Quando Mueller falou a ele que a ideia era louca, Musk e ele
começaram a gritar um com o outro. Por fim, Mueller cedeu. “Ele é o
chefe”, disse para a equipe.
Quando as câmaras chegaram à fábrica, Musk estava vestido com
botas chiques de couro para uma festa de Natal à qual pretendia ir. Ele
nunca chegou à festa. Passou a noite toda ajudando a aplicar o epóxi e
destruindo as botas.
A aposta deu errado. Quando a pressão era aplicada, o epóxi se
soltava. As câmaras tiveram que ser redesenhadas, e o prazo para o
lançamento atrasou em quatro meses. No entanto, a disposição de Musk
em trabalhar a noite toda na fábrica em uma ideia inovadora inspirou
seus engenheiros a não ter medo de tentar soluções inusitadas.
Um padrão foi estabelecido: tentar novas ideias e estar disposto a
explodir coisas. Os moradores da área se acostumaram com as explosões.
As vacas, no entanto, não. Como desbravadores protegendo-se, elas
corriam em círculos com as crias mais jovens no centro, resguardadas,
quando uma grande explosão acontecia. Os engenheiros em McGregor
instalaram uma “câmera das vacas”, para poderem assistir.
capítulo 19
O sr. Musk vai a Washington
SpaceX, 2002-2003
Gwynne Shotwell
Gwynne Shotwell
Musk não se alia de modo natural a pessoas, seja social, seja
profissionalmente. Na Zip2 e na PayPal, ele mostrou que podia inspirar,
assustar e, às vezes, assediar colegas. Coleguismo, porém, não fazia parte
das habilidades dele, e deferência não lhe era natural. Ele não gosta de
compartilhar o poder.
Uma das poucas exceções era o relacionamento mantido com
Gwynne Shotwell, que entrou para a SpaceX em 2002 e acabou se
tornando sua presidente. Ela vem trabalhando com Musk, sentada em
uma baia bem ao lado da dele na sede da SpaceX, em Los Angeles, por
mais de vinte anos, mais do que qualquer um.
Direta, de língua afiada e corajosa, ela se orgulha de ser “bocuda” sem
chegar a ser desrespeitosa, e mantém a confiança agradável de quando
foi jogadora de basquete e líder de torcida no ensino médio. A
assertividade descontraída permite que ela fale com Musk com
franqueza, sem que isso o incomode, e reaja aos excessos dele sem
bancar a babá. Shotwell é capaz de tratá-lo quase de igual para igual e,
ainda assim, mostrar deferência, sem nunca esquecer que ele é o
fundador e o chefe.
Nascida Gwynne Rowley, ela foi criada numa cidadezinha ao norte da
região metropolitana de Chicago. Quando era caloura no ensino médio,
foi com a mãe a um painel da Sociedade das Mulheres Engenheiras, no
qual ficou fascinada com uma engenheira mecânica bem-vestida que
tinha um negócio próprio de construção. “Quero ser como ela”, falou, e
decidiu se matricular na Escola de Engenharia na vizinha Universidade
Northwestern. “Eu me matriculei por causa da riqueza da Northwestern
em outros campos”, diria ela mais tarde para os alunos daquela
faculdade. “Estava com medo de ser chamada de nerd. Hoje, tenho
muito orgulho de ser nerd.”
Enquanto se encaminhava para uma entrevista de emprego no
escritório da IBM na região de Chicago, em 1986, ela parou para assistir
pela televisão na vitrine de uma loja ao lançamento do ônibus espacial
Challenger com a professora Christa McAuliffe a bordo. O que deveria
ter sido um momento inspirador se tornou um pesadelo quando o
Challenger explodiu um minuto após o lançamento. Shotwell ficou tão
abalada que não conseguiu o emprego. “Devo ter errado o tom na
entrevista”, cogita ela. Tempos depois, foi contratada pela Chrysler em
Detroit, e posteriormente se mudou para a Califórnia, onde se tornou
chefe de vendas de sistemas espaciais para a Microcosm Inc., uma
startup de consultoria no mesmo bairro da SpaceX.
Na Microcosm, ela trabalhava com o engenheiro alemão, aventureiro
e cara de pau Hans Koenigsmann, que conheceu Musk em um dos
encontros de fim de semana de aficionados por lançamento de foguetes
no deserto de Mojave. Logo em seguida, Musk foi à casa de
Keonigsmann para recrutá-lo, e ele se tornou o quarto empregado da
SpaceX, em maio de 2002.
Para ajudá-lo a comemorar, Shotwell levou Koenigsmann a um
restaurante australiano chamado Chef Hannes, o favorito dele na região.
Depois, lhe deu carona por algumas quadras para deixá-lo na SpaceX.
“Entre”, disse ele. “Você pode conhecer o Elon.”
Shotwell se impressionou com as ideias de Musk para reduzir custos
de foguetes e fabricar peças internamente. “Ele sabia detalhes”, lembra.
Mas achou que a equipe não tinha a menor ideia de como vender os
serviços. “O cara que você tem para conversar com potenciais clientes é
um fracasso”, disse ela sem rodeios.
No dia seguinte, Shotwell recebeu uma ligação da assistente de Musk,
a qual disse que ele tinha uma proposta para lhe fazer: se tornar vice-
presidente de desenvolvimento de negócios. Shotwell era mãe de dois
filhos, estava se divorciando e prestes a completar 40 anos. A ideia de
entrar para uma startup arriscada comandada por um milionário
temperamental não a atraía muito. Ela passou três semanas pensando
antes de chegar à conclusão de que a SpaceX tinha o potencial de
transformar uma indústria de foguetes esclerosada em algo inovador.
“Estou sendo uma idiota”, disse a Musk. “Vou aceitar o emprego.”
Shotwell se tornou a sétima funcionária da empresa.
Ela tem uma percepção especial que ajuda a lidar com Musk. O
marido dela tem o transtorno do espectro autista popularmente
conhecido como Asperger. “Pessoas como o Elon, com Asperger, não
compreendem bem sinais sociais e não pensam naturalmente no impacto
que suas palavras causam nas outras pessoas”, opina ela. “Elon entende
personalidades muito bem, mas como objeto de estudo, não como uma
emoção.”
O Asperger pode fazer com que uma pessoa pareça não ter empatia.
“Elon não é um babaca, mas às vezes diz coisas que são cretinas”,
comenta Shotwell. “Ele apenas não pensa no impacto pessoal do que
está falando, só quer cumprir a missão.” Ela não tenta mudar Elon,
apenas salva quem sai ferido. “Parte do meu trabalho é atender os
feridos”, revela.
Também ajuda o fato de Shotwell ser engenheira. “Não estou no nível
dele, mas não sou idiota. Entendo o que ele está falando”, afirma ela.
“Ouço com cuidado, levo o Elon a sério, leio suas intenções e procuro
fazer o que ele quer, mesmo que a princípio pareça loucura.” Quando
Shotwell insiste comigo que “ele tende a ter razão”, pode parecer que se
trata de uma bajuladora, mas não. Ela fala com ele de forma franca e se
irrita com quem não faz a mesma coisa. Ela cita alguns nomes e diz:
“Eles trabalham muito, mas são medrosos perto do Elon.”
Paquerando a NASA
Alguns meses depois de ela entrar para a SpaceX, em 2003, Shotwell e
Musk viajaram a Washington. O objetivo era conseguir um contrato
com o Departamento de Defesa para lançar um novo tipo de pequenos
satélites táticos de comunicação, conhecidos como TacSat, que iriam
fornecer aos comandantes de forças terrestres imagens e outros dados
rapidamente.
Eles foram a um restaurante chinês perto do Pentágono, e Musk
quebrou um dente. Constrangido, ele ficava colocando a mão sobre a
boca, até que Shotwell riu dele. “Era muito engraçado vê-lo tentando
esconder”, lembra ela. Eles conseguiram encontrar um dentista de
plantão, que fez uma coroa dentária provisória para que Musk chegasse
apresentável ao Pentágono na manhã seguinte. Eles fecharam o
contrato, o primeiro da SpaceX, por 3,5 milhões de dólares.
Para tornar a SpaceX mais conhecida do público em geral, em
dezembro de 2003 Musk levou um foguete Falcon 1 para Washington
por ocasião de um evento público na área externa do National Air and
Space Museum. A SpaceX construiu um trailer especial com um suporte
de cor azul berrante para carregar o foguete de sete andares desde Los
Angeles, e Musk determinou um cronograma curto com um prazo
insano para deixar o protótipo do foguete pronto para a viagem. Na
opinião de muitos dos engenheiros da empresa, aquilo parecia uma
distração gigantesca, mas, quando o foguete desfilou pela Independence
Avenue com uma escolta policial, Sean O’Keefe, o administrador da
NASA, ficou impressionado. Ele despachou um de seus subalternos,
Liam Sarsfield, para a Califórnia com a finalidade de avaliar a corajosa
startup. “A SpaceX apresenta bons produtos e um potencial sólido”,
relatou Sarsfield na volta. “O investimento da NASA neste
empreendimento está bem protegido.”
Sarsfield admirava o apetite de Musk por informações extremamente
técnicas, desde o sistema de acoplagem da Estação Espacial
Internacional até as maneiras como os motores podem superaquecer.
Eles trocaram longos e-mails sobre esses e outros assuntos. Em fevereiro
de 2004, porém, a conversa por e-mail ficou mais tensa quando a NASA
fechou um contrato de 227 milhões de dólares, sem licitação, com uma
empresa privada de foguetes concorrente, a Kistler Aerospace. O
contrato era para foguetes que pudessem reabastecer a Estação Espacial
Internacional, algo que Musk achava que a SpaceX seria capaz de fazer
(e estava certo, no fim das contas).
Sarsfield cometeu o erro de dar a Musk uma explicação sincera. A
Kistler havia fechado um contrato sem licitação, escreveu ele, porque sua
“situação financeira era temerosa”, e a NASA não queria que a empresa
falisse. Haveria outros contratos para a SpaceX disputar, garantiu
Sarsfield a Musk. Isso irritou Elon, que argumentou que a NASA
deveria ter como objetivo promover inovação, não ajudar empresas.
Musk se encontrou com autoridades na sede da NASA em maio de
2004 e, ignorando o conselho de Shotwell, decidiu processá-los por
causa do contrato da Kistler. “Todo mundo me disse que isso significaria
que nunca poderíamos trabalhar com a NASA”, diz Musk. “Mas o que
eles fizeram era errado e corrupto; então, eu os processei.” Ele até
mesmo jogou Sarsfield, seu maior defensor na NASA, na fogueira ao
incluir no processo o e-mail amigável dele com a explicação de que o
contrato deveria salvar a Kistler.
A SpaceX acabou ganhando o processo, e a NASA foi obrigada a
abrir uma licitação para o projeto — da qual a SpaceX conseguiu vencer
uma parte importante. “Isso foi uma grande surpresa: imagine que
venceu o azarão com uma chance em dez”, declarou Musk a Christian
Davenport, do The Washington Post. “Isso surpreendeu a todos.”
Presidente Musk
Eberhard estava com um problema. Ele tinha uma ideia e um nome,
mas nenhum financiamento. Então, em março de 2004, recebeu uma
ligação de Tom Gage. Os dois tinham um acordo de não competir pelo
financiamento dos mesmos investidores. Quando se tornou evidente que
Musk não iria investir na AC Propulsion, Gage o ofereceu a Eberhard.
“Estou desistindo do Elon”, disse. “Você deveria ligar para ele.”
Eberhard e Tarpenning já conheciam Musk, de quem tinham ouvido
falar em uma reunião da Mars Society em 2001. “Eu o cerquei depois só
para dizer oi, como um fã”, relembra Eberhard.
Ele mencionou aquele encontro em um e-mail para Musk no qual
pediu para encontrá-lo. “Adoraríamos conversar com você sobre a Tesla
Motors, particularmente se estiver interessado em investir”, escreveu.
“Acredito que você tenha dirigido o carro tzero da AC Propulsion. Caso
sim, já sabe que um carro elétrico de alto desempenho pode ser feito.
Gostaríamos de convencê-lo de que podemos fazer isso de forma
lucrativa.”
Naquela noite, Musk respondeu: “Claro.”
Eberhard foi de Palo Alto a Los Angeles naquela semana,
acompanhado de um colega, Ian Wright. A reunião, na baia de Musk na
SpaceX, deveria durar meia hora, mas Musk fazia perguntas e
ocasionalmente gritava para a assistente cancelar a próxima reunião. Por
duas horas eles compartilharam visões para um carro elétrico potente e
discutiram detalhes sobre todo o sistema, incluídos trem de força, motor
e plano de negócios. No fim da reunião, Musk disse que gostaria de
investir. Quando saíram do prédio da SpaceX, Eberhard e Wright
comemoraram. Depois de uma nova reunião, que incluiu Tarpenning,
eles concordaram que Musk lideraria o investimento inicial com um
aporte de 6,4 milhões de dólares e se tornaria presidente do conselho.
O que chamou a atenção de Tarpenning foi o fato de que Musk
estava centrado na importância da missão, não no potencial do negócio.
“Ele claramente já havia concluído que, para que tivéssemos um futuro
sustentável, eram necessários carros elétricos”, diz Tarpenning.
Musk tinha alguns pedidos. O primeiro era que a papelada devia ser
concluída rapidamente, porque Justine estava grávida de gêmeos e uma
cesariana estava marcada para dali a uma semana. Ele também pediu
que Eberhard entrasse em contato com JB Straubel. Tendo investido
tanto no negócio de Straubel quanto no de Eberhard, Musk achava que
eles deveriam trabalhar juntos.
Straubel, que nunca tinha ouvido falar em Eberhard ou em seu novo
empreendimento, apareceu de bicicleta e foi embora cético. Musk,
contudo, ligou para ele depois e o incentivou a unirem forças. “Por favor,
você precisa fazer isso”, pediu Musk a ele. “Vai ser perfeito.”
Dessa forma, as peças se encaixaram e propiciaram o surgimento da
que iria se tornar a empresa automobilística mais valiosa e
transformadora do mundo: Eberhard como CEO, Tarpenning como
presidente, Straubel como chefe de tecnologia, Wright como chefe de
operações e Musk como presidente do conselho e principal fundador.
Anos depois, após muitas disputas amargas e um processo, eles
concordaram que os cinco fossem considerados cofundadores.
capítulo 21
O Roadster
Tesla, 2004-2006
Empresa de quem?
Um problema das startups, especialmente aquelas com muitos
fundadores e financiadores, é o de quem deve ficar no comando. Às
vezes o macho alfa vence, como quando Steve Jobs deixou Steve
Wozniak à margem, ou quando Bill Gates fez a mesma coisa com Paul
Allen. Em outros casos, a situação é mais complicada, especialmente
quando pessoas diferentes sentem que são fundadoras de uma empresa.
Tanto Eberhard quanto Musk se consideravam o principal fundador
da Tesla. Na mente de Eberhard, ele havia bolado a ideia, convocado seu
amigo Tarpenning, registrado a empresa, escolhido o nome e corrido
atrás e encontrado financiadores. “Elon se diz o arquiteto principal e
todo tipo de coisa, mas isso não é verdade”, afirma Eberhard. “Ele era
apenas membro do conselho e investidor.” Contudo, na mente de Musk,
foi ele quem promoveu o encontro entre Eberhard e Straubel e forneceu
o dinheiro necessário para dar início à empresa. “Quando conheci
Eberhard, Wright e Tarpenning, eles não tinham nenhuma propriedade
intelectual, nenhum funcionário, nada. Apenas a casca de uma empresa.”
No começo, essas perspectivas diferentes não foram um problema.
“Eu estava comandando a SpaceX”, diz Musk, “e não queria comandar
também a Tesla”. Ele estava feliz, pelo menos inicialmente, em ser
presidente do conselho e deixar Eberhard ser o CEO. No entanto,
sendo dono de quase toda a empresa, Musk era a principal autoridade, e
não era de seu feitio abrir mão disso. Ele começou a se envolver cada vez
mais, sobretudo nas decisões de engenharia. A liderança da Tesla, dessa
forma, se tornou uma molécula inerentemente instável.
Durante cerca de um ano, Musk e Eberhard se deram bem. Eberhard
lidava com o gerenciamento no dia a dia na sede, no Vale do Silício,
enquanto Musk passava a maior parte do tempo em Los Angeles e fazia
visitas cerca de uma vez por mês para participar de reuniões do conselho
e fazer avaliações importantes de design. As perguntas de Musk tendiam
a ser técnicas, para saber os detalhes da bateria, do motor e dos
materiais. Ele não era conhecido por mandar e-mails elogiosos, mas
certa noite, no início da relação deles, depois de trabalharem num
problema juntos, enviou um e-mail para Eberhard que dizia: “O número
de pessoas boas em produto no mundo é pequeno, e acho que você é
uma delas.” Eles conversavam quase todo dia, trocavam e-mails à noite
e, de vez em quando, se encontravam socialmente. “Nunca fui colega de
bar dele”, conta Eberhard, “mas íamos à casa um do outro às vezes e
saíamos para jantar”.
Infelizmente, eles eram parecidos demais para a amizade durar.
Ambos eram engenheiros obstinados, tensos e detalhistas, capazes de
desprezar brutalmente aqueles que consideravam tolos. Os problemas
começaram quando Eberhard teve uma briga com Ian Wright, que
fizera parte do grupo de fundadores. Os desentendimentos se tornaram
tão intensos que cada um dos dois tentou convencer Musk a demitir o
outro. Era um reconhecimento tácito da parte de Eberhard de que Musk
tinha a palavra final. “Martin e Ian estavam me dizendo por que o outro
era um demônio e precisava ser expulso”, revela Musk. “Estavam me
dizendo: ‘Elon, você precisa escolher um.’”
Musk pediu conselhos para Straubel. “Ok, quem devemos escolher
aqui?”, perguntou, ao que Straubel respondeu que nenhuma escolha era
boa. Quando pressionado a opinar, disse: “Talvez Martin seja o menor
de dois males.” Musk acabou demitindo Wright, mas a situação
aprofundou suas dúvidas sobre Eberhard. E levou-o a se envolver mais
na administração da Tesla.
Decisões de design
À medida que Musk começou a se dedicar mais à Tesla, ele não tinha
como evitar se envolver nas decisões de design e engenharia. Voava para
lá de Los Angeles a cada duas semanas, comandava uma avaliação de
design, inspecionava modelos e sugeria melhorias. Sendo Musk como é,
ele não considerava suas ideias meras sugestões; irritava-se quando elas
não eram executadas. Isso era um problema, porque o plano de negócios
da empresa dependia de montar uma carroceria da Lotus com outros
fornecedores sem fazer muitas mudanças. “Nós planejamos fazer o
mínimo possível de modificações”, afirma Tarpenning, “pelo menos até
Elon se envolver”.
Eberhard tentou resistir à maioria das sugestões de Musk, até mesmo
as que melhorariam o carro, porque sabia que isso podia aumentar os
custos e causar atrasos. Musk, entretanto, argumentou que a única
maneira de lançar a Tesla era apresentar um roadster que impressionasse
os clientes. “Nós só vamos poder lançar nosso primeiro carro uma vez,
então temos que fazer isso da melhor maneira possível”, disse ele a
Eberhard. Em uma das reuniões de análise, o rosto de Musk se fechou, a
expressão endureceu e ele declarou que o carro parecia barato e feio.
“Não dá para vendermos um carro feio por 100 mil dólares”, falaria ele
depois.
Muito embora ele fosse versado em software, não em desenho
industrial, Musk começou a investir bastante tempo na estética do
Roadster. “Eu nunca tinha projetado um carro antes, então estava
estudando todos os melhores carros e tentando entender o que os
tornava especiais”, comenta. “Eu sofria com cada detalhe.” Depois, ele
destacaria com orgulho que foi homenageado pelo Art Center College
of Design de Pasadena pelo trabalho no Roadster.
Uma grande mudança de design que Musk fez foi insistir que a porta
do Roadster fosse aumentada. “Para entrar no carro, você tinha que ser
um alpinista nanico ou um mestre contorcionista”, reclama ele. “Era
uma loucura, era ridículo.” Musk, com 1,80 metro de altura, descobriu
que tinha que encaixar a bunda grande no assento, ficar quase em
posição fetal e depois tentar colocar as pernas para dentro. “Se você está
indo a um encontro, como uma mulher vai entrar no carro?”, perguntou.
Sendo assim, ele mandou que a parte de baixo da moldura da porta fosse
abaixada oito centímetros. A mudança resultante significava que a Tesla
não podia usar a certificação de crash-test que a Lotus tinha, o que
aumentava em 2 milhões de dólares os custos de produção. Como
muitas das revisões feitas por Musk, essa era ao mesmo tempo correta e
cara.
Musk exigiu também que os assentos fossem mais largos. “Minha
ideia original era usar as estruturas de assento iguais às da Lotus”, diz
Eberhard, “ou teríamos que refazer todos os testes. Mas Elon achava
que os assentos eram estreitos demais para a esposa dele, ou algo assim.
Eu tenho bunda pequena, e sinto falta dos assentos estreitos”.
Musk também decidiu que os faróis originais da Lotus eram feios
porque não contavam com cobertura ou protetor. “Parecia que o carro
tinha olhos esbugalhados”, diz. “Os faróis são como os olhos do carro, e
é preciso ter olhos lindos.” Essa mudança iria adicionar 500 mil dólares
aos custos de produção, disseram para Musk. Mas ele foi irredutível. “Se
você está comprando um carro esporte, está comprando porque é lindo”,
afirmou para a equipe. “Então, não se trata de um detalhe menor.”
Em vez do material composto de fibra de vidro que a Lotus usava,
Musk decidiu que a carroceria do Roadster deveria ser feita de fibra de
carbono, mais resistente. Isso encareceu a pintura, mas também deixou o
carro mais leve e mais sólido. No decorrer dos anos, Musk foi capaz de
usar as técnicas que aprendeu na SpaceX e aplicá-las na Tesla, e vice-
versa. Quando Eberhard tentou resistir ao custo da fibra de carbono,
Musk lhe enviou um e-mail. “Cara, você poderia fazer os painéis da
carroceria para pelo menos quinhentos carros por ano se comprasse o
forno que temos na SpaceX!”, escreveu. “Se alguém está dizendo que
isso é difícil, está falando besteira. Você pode fazer compostos de alta
qualidade no forno da sua casa.”
Nenhum detalhe era pequeno demais para escapar da interferência de
Musk. O Roadster originalmente tinha maçanetas comuns, do tipo que
se abre com um clique. Musk insistiu em maçanetas elétricas, que
seriam operadas com um simples toque. “Alguém que esteja comprando
um Tesla Roadster vai comprar, seja com maçanetas comuns, seja com
elétricas”, argumentou Eberhard. “Isso não vai resultar num aumento
das vendas.” Era um argumento que ele havia usado para a maioria das
mudanças de Musk. Musk saiu vitorioso, e as maçanetas elétricas se
tornaram uma característica interessante que ajudou a definir a mágica
da Tesla. Todavia, como Eberhard alertou, acrescentou mais um custo.
Eberhard finalmente entrou em desespero quando, perto do fim do
processo de design, Musk decidiu que o painel era feio. “Esse é um
grande problema, e me preocupa muito o fato de que você não o
reconheça como tal”, escreveu Musk. Eberhard tentou mudar de
assunto, e implorou para que eles lidassem com o problema depois. “Não
consigo ver um caminho, qualquer que seja, para consertar isso antes do
início da produção sem um grande prejuízo no custo e no cronograma”,
disse ele. “Fico acordado à noite preocupado em simplesmente conseguir
colocar o carro em produção em algum momento de 2007... Para a
minha própria sanidade e para a sanidade da minha equipe, não estou
gastando muito tempo pensando no painel.” Muitas pessoas no decorrer
dos anos fariam o mesmo tipo de pedido a Musk, poucas com sucesso.
Nesse caso, Musk cedeu. A melhora do painel poderia ficar para depois
que os primeiros carros já tivessem entrado em produção. Contudo, isso
não ajudou no relacionamento de Musk e Eberhard.
Ao modificar tantos elementos, a Tesla perdeu a maior parte das
vantagens que vinham de simplesmente usar a carroceria já testada para
impactos do Lotus Elise. Isso também aumentou a complexidade da
cadeia de suprimentos. Em vez de poder confiar nos fornecedores da
Lotus, a Tesla se tornou responsável por encontrar novas fontes para
centenas de componentes, dos painéis de fibra de carbono aos faróis.
“Isso estava deixando o pessoal da Lotus louco”, diz Musk. “Eles me
perguntavam por que eu estava sendo tão duro assim com relação a cada
curva desse carro. E o que eu disse a eles foi: ‘Porque tem que ficar
lindo.’”
Reconhecimento de mérito
Musk, que havia insistido para permanecer como porta-voz da PayPal
mesmo depois de ser removido do cargo de CEO, tinha uma atração
pela publicidade. Ele nunca se tornaria garoto-propaganda de seus
produtos, como um Lee Iacocca ou um Richard Branson, nem era uma
mariposa atraída para entrevistas de televisão. Ele aparecia
ocasionalmente em conferências e posava para fotos em revistas, mas se
sentia mais cômodo descarregando posts no Twitter ou participando de
um podcast. Mestre dos memes, ele tinha um bom instinto para atrair
publicidade gratuita ao flertar com controvérsias e brigar nas redes
sociais, embora remoesse ofensas por anos.
Algo constante era a sua sensibilidade com relação ao reconhecimento
de seus méritos. O sangue dele fervia se alguém insinuasse que ele havia
se dado bem porque herdara riqueza ou alegasse que ele não merecia ser
chamado de fundador de uma das empresas que ajudara a fundar. Foi o
que aconteceu com a PayPal e estava acontecendo naquele momento
com a Tesla, e em ambos os casos isso levaria a processos judiciais.
Em 2006, Eberhard havia se tornado uma espécie de celebridade, o
que o agradava. Nas frequentes entrevistas para a televisão e nas
participações em conferências, ele era apresentado como fundador da
Tesla, e naquele ano apareceu em uma propaganda para o assistente
digital pessoal chamado BlackBerry (um precursor do smartphone), a
qual dizia que ele “criou o primeiro carro esporte elétrico”.
Depois da nota para a imprensa sobre a rodada de investimentos na
Tesla em maio, que citava apenas Eberhard e Tarpenning como
fundadores da empresa, Musk atuou vigorosamente para garantir que
seu papel nunca mais fosse minimizado. Sem avisar a chefe de relações
públicas da empresa, Jessica Switzer, contratada por Eberhard, ele
começou a conceder entrevistas. Ela achava problemático que Musk
estivesse dando declarações sobre a estratégia da empresa. “Por que Elon
está dando essas entrevistas?”, perguntou Switzer um dia a Eberhard
quando estavam andando de carro. “Você é o CEO.”
“Ele quer dar as entrevistas”, respondeu Eberhard, “e eu não quero
discutir com ele”.
A revelação
O problema chegou a um ponto crítico em julho de 2006, quando a
Tesla estava pronta para revelar um protótipo do Roadster. A equipe
havia feito manualmente um preto e um vermelho, cada um com
capacidade de acelerar de zero a cem em quatro segundos. Eles ainda
não tinham substituído os assentos estreitos e o painel feio que Musk
odiava, mas, fora isso, estavam muito perto daquilo que a Tesla planejava
colocar em produção.
Um elemento importante no lançamento de um novo produto, como
mostrou Steve Jobs com seus dramáticos eventos de anúncios, é criar um
ambiente que o transforma em objeto de desejo. Isso era especialmente
verdadeiro no caso dos carros elétricos, que precisavam superar a
imagem de carrinho de golfe. Switzer elaborou planos para fazer uma
festa cheia de celebridades no aeroporto de Santa Mônica, na qual os
convidados poderiam passear em um protótipo.
Eberhard e Switzer voaram a Los Angeles para mostrar a Musk os
planos. “Foi horrível”, lembra-se ela. “Ele questionou cada detalhe,
inclusive quanto planejávamos gastar com comida. Quando reagi, o
corpo inteiro dele se retraiu, ele se levantou e saiu da sala.” Como
Eberhard resume: “Ele detonou todas as ideias dela e me disse para
demiti-la.”
Musk assumiu o planejamento do evento. Supervisionou a lista de
convidados, escolheu o cardápio e até mesmo aprovou o custo e o design
dos guardanapos. Um punhado de celebridades apareceu, entre elas o
governador da Califórnia, Arnold Schwarzenegger, que foi levado para
um test drive com Straubel.
Tanto Eberhard quanto Musk falaram. “Existem carros rápidos e
existem carros elétricos, mas ter um carro que seja ambas as coisas é o
modo de tornar o carro elétrico popular”, declarou Eberhard em seu tom
confiante e educado. Musk estava estranho, e mostrou a tendência que
tinha de repetir palavras de modo inseguro ou gaguejar um pouco.
Contudo, essa falta de jeito encantou os repórteres. “Até hoje todos os
carros elétricos eram ruins”, disse ele. Comprar um Roadster, afirmou,
iria ajudar a financiar a Tesla para que ela pudesse produzir carros
elétricos e lançá-los no mercado de massa. “Os executivos da Tesla não
recebem salários altos e não estamos distribuindo dividendos. O
dinheiro vai totalmente para o desenvolvimento de uma tecnologia cuja
finalidade será a de reduzir custos e tornar os carros mais acessíveis.”
O evento recebeu uma cobertura positiva. “Este não é o carro elétrico
do seu pai”, elogiou o The Washington Post. “O carro de 100 mil dólares,
com seu visual de carro esporte, é mais uma Ferrari do que um Prius —
e mais testosterona do que natureba.”
No entanto, havia um problema. Eberhard levou quase todo o
crédito. “Ele se propôs a criar uma máquina elegante, alimentada por
baterias”, disse a Wired, desmanchando-se em elogios a ele numa
matéria luxuosamente ilustrada. “Depois de ler as biografias de John
DeLorean e Preston Tucker e de dizer para si mesmo que lançar uma
empresa automotiva era loucura, ele fez exatamente isso.” Musk era
citado como um simples investidor que Eberhard havia conseguido
atrair.
Musk enviou um e-mail incisivo para o vice-presidente da Tesla, que
havia tido a infelicidade de assumir o setor de publicidade depois da
demissão de Switzer. “A maneira como meu papel tem sido retratado até
hoje, sendo citado apenas como ‘um investidor inicial’, é inaceitável”,
escreveu ele. “Seria como chamar Martin de ‘um dos primeiros
funcionários’. Minha influência no carro vai dos faróis ao design da
soleira do porta-malas, e meu intenso interesse no transporte elétrico
antecede a Tesla em mais de uma década. Martin deveria ser certamente
o homem principal, mas a descrição do meu papel até agora tem sido
inacreditavelmente ofensiva.” Ele acrescentou que “gostaria de conversar
com todas as principais publicações em breve”.
No dia seguinte, o The New York Times escreveu um hino à Tesla
chamado “Zero a cem em quatro segundos”, em que Musk nem era
mencionado. Pior ainda: Eberhard era descrito como presidente da
Tesla, e a única foto era a dele com Tarpenning. “Fiquei
inacreditavelmente ofendido e constrangido pelo artigo do NY Times”,
escreveu Musk a Eberhard e à empresa de relações públicas, PCGC, que
eles haviam contratado. “Se algo assim acontecer novamente, por favor
considere a relação da PCGC com a Tesla encerrada imediatamente.”
Em um esforço para reforçar seu papel central, Musk publicou no site
da Tesla um pequeno ensaio que detalhava a estratégia da empresa.
Atrevidamente intitulado “O plano secreto da Tesla Motors (só entre
nós)”, o texto declarava:
***
Musk tinha uma regra sobre responsabilidade: cada peça, cada processo
e cada especificação precisam vir atrelados a um nome. Ele pode ser
rápido em encontrar um culpado quando algo dá errado. No caso do
fracasso no lançamento, ficou evidente que o vazamento viera de uma
porca que segurava o tubo de combustível. Musk apontou o dedo para
um engenheiro chamado Jeremy Hollman, uma das primeiras
contratações de Tom Mueller, que, na noite anterior ao lançamento,
havia removido e recolocado a porca para ter acesso a uma válvula. Em
um simpósio público dias depois, Musk descreveu o erro de “um dos
nossos mais experientes técnicos”, e os que estavam a par sabiam que ele
estava se referindo a Hollman.
Hollman tinha ficado duas semanas a mais em Kwaj para avaliar os
destroços. No voo de Honolulu para Los Angeles, ele estava lendo
reportagens sobre o lançamento fracassado e ficou chocado ao saber que
Musk colocara a culpa nele. Assim que aterrissou, dirigiu por três
quilômetros até a sede da SpaceX e invadiu a baia de Musk. Os dois
começaram a gritar, e Shotwell e Mueller foram acalmar os ânimos.
Hollman queria que a empresa fizesse uma retratação pela declaração de
Musk, e Mueller fez pressão para ser autorizado a fazer isso. “Eu sou o
CEO”, falou Musk. “Sou eu que lido com a imprensa; fique fora disso.”
Hollman disse a Mueller que só ficaria na empresa se nunca mais
tivesse que lidar diretamente com Musk. Ele deixou a SpaceX um ano
depois. Musk diz que não se lembra da situação, mas acrescenta que
Hollman não era um bom engenheiro. Mueller discorda. “Perdemos um
cara bom.”
No fim das contas, não foi culpa de Hollman. Quando o tubo de
combustível foi encontrado, parte da porca ainda estava conectada, mas
havia sido corroída e se quebrado ao meio. A culpa era da maresia em
Kwaj.
A segunda tentativa
Depois do fracasso do primeiro lançamento, a SpaceX ficou mais
cautelosa. A equipe começou a testar com cuidado e a registrar os
detalhes de cada uma das centenas de componentes do foguete. Pela
primeira vez, Musk não pressionou todo mundo para fazer as coisas em
alta velocidade e deixar de lado o cuidado.
Mesmo assim, ele não tentou eliminar todos os riscos possíveis. Isso
tornaria os foguetes da SpaceX tão caros e demorados quanto os
construídos por empreiteiros com contratos de compensação do
governo. Então, Musk exigiu um gráfico que mostrasse cada
componente, o custo dos materiais brutos, o custo que a SpaceX estava
pagando aos fornecedores e o nome do engenheiro responsável por
diminuir esse custo. Em reuniões, ele às vezes mostrava que sabia esses
números melhor do que os engenheiros que faziam a apresentação, o que
não era agradável. As reuniões de revisão podiam ser brutais, mas os
custos caíram.
Tudo isso significava correr riscos calculados. Por exemplo: foi Musk
quem aprovou o uso de alumínio barato e leve para a porca que havia
sido corroída e condenou o primeiro voo do Falcon 1.
Outro exemplo envolvia o que era conhecido como estabilizadores de
combustível. Enquanto o foguete ascende, o combustível remanescente
nos tanques pode balançar. Para evitar isso, anéis rígidos de metal
podem ser colocados na parte de dentro da parede do tanque. Os
engenheiros fizeram isso no primeiro estágio do Falcon 1, mas adicionar
massa ao segundo estágio era mais problemático, porque ele tinha que
ser propulsionado até a órbita.
A equipe de Koenigsmann fez várias simulações de computador para
testar os riscos de o combustível se mover de modo errático. Em apenas
uma pequena porcentagem dos modelos isso parecia ser um problema.
Na lista dos quinze maiores riscos, o número 1 era a possibilidade de
que o material fino que estavam usando na carcaça do foguete dobrasse
durante o voo. A movimentação errática de combustível no segundo
estágio ocupou o 11o lugar. Quando Musk repassou a lista com
Koenigsmann e seus engenheiros, decidiu que aceitaria alguns dos
riscos, incluído o da movimentação do combustível. A probabilidade da
maioria desses riscos não podia ser determinada com simulações. O risco
de o combustível se mover teria que ser testado num voo real.
O teste aconteceu em março de 2017. Como aconteceu um ano antes,
o lançamento começou bem. A contagem chegou a zero, o motor
Merlin foi acionado e o Falcon 1 foi arrastado para o espaço. Dessa vez,
Musk estava assistindo da sala de controle na sede da SpaceX, em Los
Angeles. “Sim, sim! Conseguimos”, gritou Mueller, abraçando-o. À
medida que o segundo estágio se separava como planejado, Musk
mordeu o lábio e depois começou a sorrir.
“Parabéns”, disse Musk. “Vou assistir a esse vídeo por muito tempo.”
Durante cinco minutos inteiros, tempo suficiente para abrir algumas
garrafas de champanhe, houve alegria. Então, Mueller notou algo no
vídeo. O segundo estágio estava começando a balançar. Os dados
recebidos confirmaram seus temores. “Soube na hora que era o
combustível se movendo”, revela.
No vídeo, parecia que a Terra estava girando numa secadora de
roupas, mas era, na realidade, o segundo estágio girando. “Pega! Pega!”,
gritou um engenheiro. Já não havia salvação. Aos onze minutos a
transmissão foi interrompida. O segundo estágio e sua carga estavam
caindo de volta na Terra de uma altura de trezentos quilômetros. O
foguete havia atingido o espaço sideral, mas não conseguiu entrar em
órbita. A decisão de aceitar o 11o item na lista de riscos — não ter
estabilizadores de combustível — havia se voltado contra eles. “De agora
em diante”, disse Musk para Koenigsmann, “vamos ter uma lista de
riscos de onze itens, nunca só de dez”.
capítulo 24
A Equipe da SWAT
Tesla, 2006-2008
Tim Watkins
Depois de colocar nos eixos sua empresa de galvanoplastia, Gracias
comprou algumas empresas parecidas, inclusive uma que tinha uma
pequena fábrica na Suíça. Quando ele voou até lá para inspecioná-la, foi
recebido no aeroporto por um engenheiro robótico britânico chamado
Tim Watkins, de rabo de cavalo, camiseta preta, calça jeans preta e uma
pochete preta. Sempre que era mandado para algum lugar novo, ele ia
até uma loja de departamentos local e comprava dez camisetas e calças,
as quais ia descartando como pele de lagarto durante sua estadia.
Depois de um jantar descontraído, Watkins sugeriu que fossem visitar
a fábrica. Gracias sabia que eles não tinham autorização para ter um
turno noturno, então ficou preocupado quando Watkins e o gerente da
fábrica o levaram até um beco num bairro industrial. “Achei por um
momento que iam me assaltar”, confessa Gracias. Watkins, que gostava
de certo drama, abriu a porta dos fundos. As luzes estavam apagadas,
tudo às escuras, mas havia sons de máquinas de estampar de alta
velocidade funcionando. Quando Watkins acendeu as luzes, Gracias
percebeu que estavam zumbindo por conta própria, sem funcionários
por perto.
As leis suíças determinavam que os funcionários não trabalhassem
mais de dezesseis horas por dia. Então, Watkins instituiu uma escala de
dois turnos de oito horas separados por períodos de quatro horas,
momentos em que as máquinas funcionariam sozinhas. Ele havia
elaborado uma fórmula que previa quando cada parte do processo
precisaria de intervenção humana. “Podíamos conseguir 24 horas de
produção por dezesseis horas de trabalho por dia”, afirma ele. Gracias
tornou Watkins sócio da sua empresa; eles se tornaram almas gêmeas, e
até ficaram no mesmo quarto enquanto desenvolviam uma visão
compartilhada de como investir em novas empresas e torná-las mais
eficientes. E foi isso que foram fazer na Tesla em 2007, a pedido de
Musk.
***
***
Quando Marks saiu, Musk recrutou um CEO que achou que seria mais
duro: Ze’ev Drori, um oficial paraquedista israelense testado em
combate que havia se tornado um empreendedor bem-sucedido no ramo
de semicondutores. “A única pessoa que concordaria em ser CEO da
Tesla seria alguém que não tivesse medo de nada, porque havia muito o
que temer”, diz Musk. Mas Drori não sabia nada sobre fazer carros.
Depois de alguns meses, uma delegação sênior de executivos liderados
por JB Straubel disse que eles teriam problema se continuassem a
trabalhar com ele, e Ira Ehrenpreis, um membro do conselho, ajudou a
convencer Musk a assumir. “Tenho que pôr as duas mãos no volante”,
disse Musk a Drori. “Não podemos ser dois na direção.” Drori saiu
graciosamente, e Musk se tornou o CEO oficial da Tesla (e o quarto a
ter o título no período de um ano) em outubro de 2008.
capítulo 26
Divórcio
Justine
2008
Depois da morte do filho, Nevada, Justine e Elon decidiram engravidar
de novo assim que possível. Eles foram a uma clínica de fertilização in
vitro, e em 2004 ela deu à luz gêmeos, Griffin e Xavier. Dois anos
depois, de novo por fertilização in vitro, eles tiveram trigêmeos
chamados Kai, Saxon e Damian.
No início do casamento, eles moravam juntos em um pequeno
apartamento no Vale do Silício que compartilhavam com três colegas de
quarto e um pequeno Dachshund que não havia sido adestrado, lembra
Justine, e naquele momento moravam em uma mansão de 560 metros
quadrados nas colinas de Bel Air, em Los Angeles, com cinco crianças
excêntricas, uma equipe de cinco babás e empregadas domésticas, além
de um Dachshund, que ainda não havia sido adestrado.
Apesar da natureza agitada dos dois, havia momentos em que o
relacionamento era afetuoso. Eles caminhavam até a Kepler’s Books,
perto de Palo Alto, um abraçado à cintura do outro, levavam as compras
até um café e liam enquanto bebiam. “Fico emocionada ao falar sobre
isso”, diz Justine. “Havia momentos de plena felicidade, plena mesmo.”
Musk era desajeitado no trato social, mas gostava de ir a festas cheias
de celebridades e ficar até de madrugada. “Nós íamos a jantares
beneficentes e conseguíamos as melhores mesas nas boates de
Hollywood, com Paris Hilton e Leonardo DiCaprio se divertindo ao
nosso lado”, conta Justine. “Quando o fundador do Google, Larry Page,
se casou na ilha caribenha particular de Richard Branson, estávamos lá
nos divertindo em um solar com John Cusack e vendo Bono posar com
várias fãs encantadas.”
Contudo, eles brigavam o tempo todo. Ele era viciado em
tempestades e estresse e ela era sugada pela turbulência. Durante as
piores discussões, Justine expressava quanto odiava o marido e ele
respondia dizendo coisas como: “Se você trabalhasse para mim, eu te
demitiria.” Às vezes ele a chamava de “imbecil” e “idiota”, numa
repetição assustadora do próprio pai. “Quando passei um tempo com
Errol”, diz Justine, “percebi que foi com o pai que ele aprendeu o
vocabulário”.
Kimbal, que brigava fisicamente com o irmão, achava duro vê-lo
brigar verbalmente com Justine. “Elon briga com muita intensidade”,
conta Kimbal. “E Justine também podia ser intensa. Eu ficava vendo, e
pensava: Meu Deus, que coisa brutal. Acabei me afastando dele durante
anos por causa da Justine. Eu simplesmente não conseguia ficar por
perto.”
O estilo de vida instável levou a uma queda em espiral. “Era
basicamente um enorme aglomerado de coisas perturbadoras”, fala
Justine. Ela percebeu que estava se transformando, ou sendo
transformada, em uma “esposa troféu”, e “era péssima nisso”, diz. Musk
insistia que ela deixasse o cabelo mais loiro. “Deixe platinado”, pedia ele.
Ela resistia, e começou a se retrair. “Eu o conheci quando ele não tinha
muita coisa”, lembra ela. “O acúmulo de riqueza e fama mudou a
dinâmica.”
Como fazia com os colegas no trabalho, Musk podia ir da luz à
escuridão e de volta à luz em instantes. Ele disparava alguns insultos,
fazia uma pausa, e então o rosto se desmanchava em um sorriso
divertido e ele fazia umas piadas estranhas. “Ele é determinado e
poderoso, como um urso”, disse Justine a Tom Junod, da Esquire. “Ele
pode ser brincalhão e divertido e lhe contar piadas, mas no fim das
contas você ainda está lidando com um urso.”
Quando Musk estava concentrado em um problema do trabalho,
entrava num transe, como na época de escola, e ficava completamente
absorto. Tempos depois, quando contei a Justine todas as calamidades
na SpaceX e na Tesla que estavam afetando Musk, ela começou a chorar.
“Ele não compartilhava essas coisas comigo”, revela. “Acho que não
ocorreu a ele que talvez eu pudesse ajudar. Ele tinha uma relação muito
combativa com o mundo. Mas era só compartilhar isso comigo.”
O que Justine mais sentia falta nele era a empatia. “Ele é um grande
homem em muitos sentidos”, opina ela, “mas é a falta de empatia que
me incomoda”. Certo dia, durante um passeio de carro, ela tentou
explicar a ele o conceito de empatia verdadeira. Musk ficava
transformando aquilo num conceito intelectual, e explicava como, em
razão do Asperger, havia ensinado a si mesmo a ser mais
psicologicamente astuto. “Não, não tem nada a ver com pensar ou
analisar ou interpretar a outra pessoa”, conta ela. “Trata-se de sentimento.
Você sente o que a outra pessoa sente.” Ele admitiu que isso era
importante em relacionamentos, mas sugeriu que a forma como o
cérebro dele era organizado era vantajosa para comandar uma empresa
de alto desempenho. “A determinação e a distância emocional que
faziam dele um marido difícil”, admite Justine, “podem ser a razão do
sucesso que obteve nos negócios”.
Elon ficava incomodado quando Justine o pressionava a experimentar
a psicoterapia. Ela havia começado a se consultar com um terapeuta
depois da morte de Nevada e desenvolveu um profundo interesse pela
área. Isso a levou, segundo ela, à descoberta de que a infância difícil de
Elon e a forma como o cérebro dele funciona permitiam que ele deixasse
de lado as emoções. A intimidade era difícil. “Quando você vem de um
passado disfuncional ou tem um cérebro assim”, diz ela, “a intensidade
assume o lugar da intimidade”.
Não é bem assim. Especialmente com os filhos, Musk pode se sentir
forte e emocionalmente carente. Ele sente falta de ter alguém por perto,
até mesmo ex-namoradas. No entanto, é verdade que o que lhe falta no
tocante à intimidade do dia a dia ele compensa com intensidade.
A insatisfação de Justine com o casamento aprofundou sua depressão
e deixou-a com raiva. “Ela deixou de ter altos e baixos para
simplesmente se sentir irritada todos os dias”, diz Elon. Ele culpava o
Adderall, um intensificador cognitivo que o psiquiatra dela havia
prescrito, e saía pela casa jogando fora as pílulas. Justine concorda que
estava depressiva e dependia do Adderall. “Fui diagnosticada com
transtorno de déficit de atenção, e o Adderall era uma ajuda maravilhosa
para mim”, conta ela. “Mas essa não era a razão pela qual eu estava com
raiva. Eu estava com raiva porque o Elon me ignorava.”
Na primavera de 2008, entre as explosões de foguetes e a confusão na
Tesla, Justine sofreu um acidente de carro. Depois disso, ficou sentada
na cama deles com os joelhos contra o peito e lágrimas nos olhos. Ela
disse a Elon que o relacionamento deles tinha que mudar. “Eu não
queria ficar na arquibancada assistindo ao espetáculo multimilionário da
vida do meu marido”, reclama ela. “Queria amar e ser amada, da
maneira como éramos antes desses milhões.”
Elon concordou em fazer terapia de casal, mas, depois de um mês e
três sessões, o casamento acabou. Segundo a versão de Justine, Elon deu
um ultimato: ou ela aceitava o casamento do jeito que era ou ele ia pedir
o divórcio. A versão dele é a de que ela dizia repetidas vezes que queria
se divorciar, até que ele por fim disse: “Estou disposto a ficar casado, mas
você tem que prometer não ser tão cruel assim comigo o tempo todo.”
Quando Justine deixou claro que a situação não era aceitável, ele pediu o
divórcio. “Eu me senti anestesiada”, lembra-se ela, “mas também
estranhamente aliviada”.
capítulo 27
Talulah
Musk havia ficado sem dinheiro, a Tesla estava numa sangria financeira,
e a SpaceX explodira três foguetes em sequência. Mas ele não estava
pronto para desistir. Em vez disso, iria falir, literalmente. “A SpaceX
seguirá em frente, sem hesitar”, anunciou ele algumas horas depois do
fracasso. “Não deve haver dúvidas de que a SpaceX vai conseguir entrar
em órbita. Nunca vou desistir, e falo muito sério.”
Na sala de conferências da SpaceX, no dia seguinte, Musk conversou
por telefone com Koenigsmann, Buzza e a equipe de lançamento em
Kwaj. Eles revisaram os dados e descobriram maneiras de dar mais
tempo de separação para que a colisão não acontecesse novamente.
Musk estava taciturno. “Foi o pior período da minha vida, pelo que
estava acontecendo com meu casamento, a SpaceX e a Tesla”, conta. “Eu
não tinha nem casa. Justine ficou com a nossa.” A equipe temia que ele
fosse, como frequentemente fazia, tentar culpar alguém. Eles se
prepararam para uma explosão.
Em vez disso, Musk disse que havia componentes para um quarto
foguete na fábrica em Los Angeles. Construam-no, mandou ele, e o
transportem para Kwaj assim que possível. Ele definiu um prazo que
quase não era realista: lançá-lo em seis semanas. “Ele nos disse para
seguir em frente”, diz Koenigsmann, “e me surpreendeu”.
Uma onda de otimismo percorreu a sede. “Depois disso, acho que a
maioria de nós seguiria Elon até as portas do inferno, levando óleo
bronzeador”, fala Dolly Singh, a diretora de recursos humanos. “Em
pouco tempo, a atmosfera no prédio passou do desespero e da derrota
para um clima de muita determinação.”
Carl Hoffman, um repórter da Wired que havia assistido ao fracasso
do segundo lançamento com Musk, o procurou para perguntar como ele
mantinha o otimismo. “Otimismo, pessimismo, dane-se”, respondeu
Musk. “Nós vamos fazer isso funcionar. Juro por Deus, estou
determinado a fazer dar certo.”
capítulo 29
No limite
***
Todos ao redor de Musk achavam que ele teria que tomar uma decisão.
Com o fim de 2008, parecia que ele precisaria escolher entre a SpaceX e
a Tesla. Se concentrasse seus escassos recursos em uma das empresas,
Musk poderia com certeza garantir a sobrevivência da escolhida. Se
tentasse dividir os recursos, talvez as duas falissem. Um dia, Mark
Juncosa, o amigo que era uma espécie de alma gêmea mais animada,
entrou na baia de Musk na SpaceX. “Cara, por que você não desiste logo
de uma delas?”, perguntou. “Se a SpaceX toca seu coração, descarte a
Tesla.”
“Não”, respondeu Musk, “isso ia servir como mais um argumento
para o pessoal que diz que ‘carros elétricos não funcionam’, e nunca
vamos ter energia sustentável”. Ele também não podia abandonar a
SpaceX. “Corremos o risco de nunca virmos a ser uma espécie
multiplanetária.”
Quanto mais as pessoas o pressionavam a escolher, mais Musk
resistia. “Para mim, emocionalmente falando, era como se eu tivesse dois
filhos e estivesse ficando sem comida”, revela ele. “Você pode dar metade
para cada um, mas os dois vão morrer, ou dar toda a comida para um
filho e aumentar a chance de um deles sobreviver. Eu não conseguia
escolher qual ia morrer, então decidi que faria de tudo para salvar os
dois.”
capítulo 30
O quarto lançamento
Kwaj, agosto a setembro de 2008
Hora da verdade
Em agosto de 2008, logo após o terceiro voo fracassar, Musk havia
animado sua equipe com o prazo para conseguir um novo foguete em
Kwaj em seis semanas. Isso parecia um esquema de distorção da
realidade de Musk. Haviam se passado doze meses entre o primeiro e o
segundo lançamentos fracassados, e mais dezessete meses entre o
segundo e o terceiro. Entretanto, como o foguete não precisava de
nenhuma mudança significativa de design para que fossem corrigidos os
problemas que causaram a terceira falha, ele calculou que o prazo de seis
semanas era viável e iria animar a equipe. Além disso, tendo em vista
que eles estavam queimando dinheiro rapidamente, Musk não tinha
escolha.
A SpaceX possuía os componentes para um quarto foguete na fábrica
em Los Angeles, mas enviar tudo para Kwaj por mar levaria quatro
semanas. Tim Buzza, o diretor de lançamento da SpaceX, disse a Musk
que a única maneira de cumprir o prazo seria alugar um avião de carga
C-17 da Força Aérea. “Bom, então vamos fazer isso”, respondeu Musk.
Foi aí que Buzza entendeu que Musk estava disposto a colocar todas as
fichas na mesa.
Vinte funcionários da SpaceX viajaram com o foguete no
compartimento de carga do C-17, afivelados nos assentos na parede. O
clima era festivo. Os membros da equipe, enlouquecidos de trabalho,
imaginavam estar prestes a realizar um milagre radical.
Enquanto eles sobrevoavam o Pacífico, um jovem engenheiro
chamado Trip Harriss pegou um violão e começou a tocar. Os pais dele
eram professores de música no Tennessee, e ele havia estudado para se
tornar músico clássico. Certo Natal, porém, ele assistiu a Star Trek e
decidiu que queria ser cientista aeronáutico. “Descobri como
reconfigurar meu cérebro e, em vez de fazer música, fui fazer
engenharia”, algo que não foi uma mudança tão grande quanto
imaginou. Depois de um ano na Purdue, Harriss estava procurando um
estágio de verão, mas sempre se dava mal nas entrevistas. Ele já tinha se
resignado a trabalhar na filial da Ace Hardware na cidade quando um
professor dele recebeu uma ligação de um amigo na SpaceX, o qual
informava que a empresa precisava de estagiários. Sem esperar pela
documentação, Harriss entrou no carro na manhã seguinte, abandonou a
namorada e dirigiu de Indiana até Los Angeles.
Quando o avião começou a descer para reabastecer no Havaí, ouviu-
se um estrondo. E depois outro. “Nós nos encaramos e pensamos que
aquilo era estranho”, diz Harriss. “E aí ouvimos outro estrondo e vimos
o lado do tanque do foguete amassando como uma lata de Coca.” A
descida rápida do avião havia feito a pressão no compartimento
aumentar, e as válvulas do tanque não estavam deixando o ar entrar
rápido o suficiente para equalizar a pressão interna.
Houve uma movimentação enlouquecida enquanto os engenheiros
tiravam facas do bolso e começavam a cortar a embalagem e tentavam
abrir as válvulas. Blent Altan correu até a cabine para tentar parar a
descida. “A situação era a seguinte: um turco enorme gritando com os
pilotos da Força Aérea, que eram os norte-americanos mais brancos que
você já viu, para voltar a subir”, diz Harris. Por sorte eles não jogaram
nem o foguete nem Altan no oceano. Em vez disso, concordaram em
subir de novo, mas alertaram Altan que só restavam trinta minutos de
combustível. Isso significava que em dez minutos teriam que começar a
descer novamente. Um dos engenheiros entrou na área escura entre os
estágios um e dois do foguete, encontrou a grande tubulação de
pressurização e conseguiu abri-la, o que permitiu a entrada do ar e a
equalização da pressão enquanto o avião começava a descer novamente.
O metal começou a voltar à forma original. Mas a avaria estava feita. A
parte externa ficara amassada e um dos paralamas havia se deslocado.
Eles ligaram para Musk em Los Angeles com o objetivo de contar o
que aconteceu e sugerir que levassem o foguete de volta. “Todos nós
reunidos ali, em pé, ouvimos a pausa”, diz Harriss. “Ele ficou em
silêncio por um minuto. Depois, disse: ‘Não, vocês vão levar o foguete
para Kwaj e consertá-lo lá.’” Harriss lembra que, quando chegaram a
Kwaj, a primeira reação foi: “Estamos ferrados.” Contudo, no dia
seguinte, a empolgação tomou conta. “Dizíamos: ‘Vamos fazer isso
funcionar.’”
Buzza e o chefe de estruturas de foguetes, Chris Thompson, juntaram
o equipamento de que precisavam na sede da SpaceX, incluindo
defletores novos para impedir que o combustível se movesse nos tanques,
e colocaram no avião de Musk para a viagem de Los Angeles a Kwaj.
Lá, encontraram um monte de engenheiros correndo no meio da noite,
trabalhando freneticamente no foguete desmontado, como se fossem
médicos em um pronto-socorro tentando salvar um paciente.
Depois dos primeiros três fracassos, Musk havia imposto mais
controles de qualidade e procedimentos para reduzir riscos. “Portanto, já
tínhamos nos acostumado a nos mover um pouco mais devagar com
documentação e inspeções”, diz Buzza. Ele disse a Musk que, se
seguissem todas as novas exigências, levariam cinco semanas para
consertar o foguete. Se abandonassem essas exigências, poderiam
terminar em cinco dias. Musk tomou a decisão esperada. “Ok, vão o
mais rápido possível.”
A decisão de revogar as ordens sobre controle de qualidade ensinou a
Buzza duas coisas: Musk pode mudar se a situação mudar, e ele estava
disposto a assumir riscos mais do que qualquer um. “Isso era algo que
tínhamos que aprender: Elon fazia uma declaração, mas depois de um
tempo ele percebia que podia ser de outra forma”, diz Buzza.
Enquanto trabalhavam sob o sol brutal de Kwaj, os engenheiros eram
observados por um caranguejo-dos-coqueiros excepcionalmente grande,
com quase noventa centímetros. Eles o chamaram de Elon, e sob o olhar
dele conseguiram completar o conserto nos cinco dias previstos. “Era
diferente de tudo que as empresas inchadas da indústria aeroespacial
poderiam imaginar”, diz Buzza. “Às vezes esses prazos loucos faziam
sentido.”
Da quarta vez dá certo!
A menos que a quarta tentativa de lançamento desse certo, aquele seria
o fim da SpaceX e provavelmente da ideia maluca de que o pioneirismo
espacial poderia ser liderado por empreendedores privados. Poderia
também ser o fim da Tesla. “Não conseguiríamos nenhum novo
financiamento para a Tesla”, comenta Musk. “As pessoas diriam: ‘Aquele
cara da empresa de foguetes que faliu, ele é um fracassado.’”
O lançamento estava marcado para 28 de setembro de 2008, e Musk
planejava assisti-lo do trailer de comando na sede da SpaceX, em Los
Angeles. Para aliviar a tensão, Kimbal sugeriu que eles levassem os filhos
à Disneylândia naquela manhã. Era um domingo e o parque estava
lotado, e eles não haviam comprado o acesso VIP, mas esperar nas
longas filas foi uma bênção, porque isso tinha um efeito calmante em
Elon. Eles andaram na montanha-russa Space Mountain, que era uma
metáfora tão óbvia que pareceria trivial se não fosse verdade.
De camisa polo bege e calça jeans desbotada, a roupa que tinha usado
na Disneylândia, Musk chegou ao trailer de comando bem quando a
janela de lançamento estava se abrindo, às quatro da tarde. Em um dos
monitores, ele via o Falcon 1 na plataforma de lançamento. A sala de
controle estava em silêncio quando a voz de uma mulher começou a
fazer a contagem regressiva.
No momento em que o foguete deixou a torre, houve comemoração,
mas Musk ficou encarando em silêncio os dados recebidos no
computador dele e o monitor na parede que mostrava as imagens das
câmeras do foguete. Depois de sessenta segundos, a tela mostrou a
pluma do motor escurecendo. Estava tudo bem. Era porque o foguete
havia chegado a uma altura com ar mais rarefeito e menos oxigênio. As
ilhas do atol Kwajalein se afastavam, parecendo um colar de pérolas no
mar turquesa.
Após dois minutos, era hora de os estágios se separarem. O motor
auxiliar foi desligado, e dessa vez houve um atraso de cinco segundos
antes de o segundo estágio se soltar, para evitar o choque que havia
condenado o terceiro lançamento. Quando o segundo estágio começou
lentamente a se afastar, Musk enfim se permitiu dar um grito de alegria.
O motor Kestrel, no segundo estágio, funcionou perfeitamente. O
bico soltava um brilho vermelho fosco devido ao calor, mas Musk sabia
que o material poderia ficar branco de calor e sobreviver. Finalmente,
nove minutos depois do lançamento, o motor Kestrel foi desligado,
conforme previsto, e a carga, posta em órbita. Naquele momento, a
comemoração foi ensurdecedora, e Musk deu socos no ar. Kimbal, em
pé ao lado dele, começou a chorar.
O Falcon 1 havia entrado para a história como o primeiro foguete
construído por uma empresa privada a alcançar a órbita partindo do
solo. Musk e sua pequena equipe de quinhentos funcionários (a divisão
equivalente da Boeing tinha 50 mil) haviam desenhado um sistema do
zero, e fizeram toda a construção por conta própria. Pouco havia sido
terceirizado. E o financiamento também foi privado, a maior parte do
próprio bolso de Musk. A SpaceX tinha contratos com a NASA e
outros clientes para realizar missões, mas só seriam pagos se e quando
fossem bem-sucedidos. Não havia subsídios nem contratos com
compensação.
“Isso foi incrível”, gritou Musk enquanto andava pelo chão de fábrica.
Ele fez uma dancinha na frente dos funcionários que comemoravam
reunidos perto do refeitório. “Da quarta vez dá certo!” Enquanto os
aplausos se intensificavam novamente, ele começou a gaguejar mais do
que o normal. “Minha mente está esgotada, então é difícil para mim
dizer alguma coisa”, murmurou. Apesar disso, falou da visão dele quanto
ao futuro. “Este é apenas o primeiro passo de muitos. Vamos colocar o
Falcon 9 em órbita ano que vem, fazer a espaçonave Dragon funcionar e
continuar do ponto em que o ônibus espacial parou. Vamos fazer muita
coisa, inclusive chegar a Marte.”
Apesar de parecer durão, o estômago de Musk se revirou durante o
lançamento e ele quase vomitou. Mesmo depois do sucesso, ele não
conseguiu ficar alegre. “Meus níveis de cortisol, meus hormônios de
estresse, a adrenalina, estavam tão altos que era difícil para mim me
sentir feliz”, conta. “Havia uma sensação de alívio, como se eu tivesse
sido poupado da morte, mas não de alegria. Eu estava estressado demais
para isso.”
“ilovenasa”
O lançamento bem-sucedido garantiu o futuro dos empreendimentos
espaciais. “Assim como Roger Bannister quando correu pouco mais de
1,5 quilômetro em quatro minutos, a SpaceX fez as pessoas recalibrarem
a percepção delas quanto aos limites possíveis no que dizia respeito a ir
ao espaço”, escreveu o autor Ashlee Vance.
Isso levou a uma grande mudança de rumo na NASA. Com o fim
iminente do programa do ônibus espacial, os Estados Unidos não teriam
mais a capacidade de enviar equipes ou carga para a Estação Espacial
Internacional. Então, a agência anunciou uma concorrência para realizar
missões de carga até lá. O sucesso do quarto voo do Falcon 1 permitiu
que Musk e Gwynne Shotwell fossem a Houston no fim de 2008 com o
intuito de comparecer a uma reunião na NASA para defender a
empresa.
Quando desembarcaram do jato dele, Musk puxou Shotwell para
uma conversa na pista de pouso. “A NASA está preocupada por eu ter
que dividir meu tempo entre a SpaceX e a Tesla”, disse. “Eu meio que
preciso de uma parceira.” Não era uma ideia que ocorresse facilmente a
ele: Musk era melhor comandando do que fazendo parcerias. Então, fez
a ela uma oferta: “Quer ser presidente da SpaceX?” Ele permaneceria
como CEO e ambos dividiriam as responsabilidades. “Vou me
concentrar na engenharia e no desenvolvimento de produto”, falou, “e
quero que você se concentre no gerenciamento de clientes, nos recursos
humanos, nas relações com o governo e em grande parte do financeiro”.
Ela aceitou na mesma hora. “Amo trabalhar com pessoas e ele ama
trabalhar com equipamentos e designs”, explica Shotwell.
Em 22 de dezembro, como que para encerrar o terrível ano de 2008,
Musk recebeu uma ligação. O chefe de voos espaciais da NASA, Bill
Gerstenmaier, que mais tarde iria trabalhar na SpaceX, deu a ele a
notícia: a SpaceX receberia um contrato de 1,6 bilhão de dólares para
fazer doze viagens à estação espacial. “Eu amo a NASA”, respondeu
Musk. “Vocês são incríveis.” Ele mudou a senha no computador para
“ilovenasa”.
capítulo 31
Salvando a Tesla
Dezembro de 2008
Empréstimos governamentais e o
investimento da Daimler
No decorrer dos anos, uma crítica feita à Tesla era a de que a empresa
havia sido “salva” ou “subsidiada” pelo governo em 2009. Na realidade, a
Tesla não recebeu dinheiro do Programa de Preservação de Ativos em
Risco (TARP), do Departamento do Tesouro, conhecido popularmente
como “o resgate”. Com o programa, o governo emprestou 18,4 bilhões
de dólares para a General Motors e para a Chrysler enquanto elas
passavam por uma reestruturação de concordata. A Tesla não se
inscreveu para receber nenhuma verba do TARP ou qualquer outro
incentivo.
O que a Tesla realmente recebeu em junho de 2009 foram 465
milhões de dólares em empréstimos a juros baixos de um programa do
Departamento de Energia. O Programa de Empréstimos para
Tecnologias Avançadas de Produção de Veículos concedia crédito para
empresas fazerem carros elétricos, ou carros mais eficientes quanto ao
consumo de combustível. A Ford, a Nissan e a Fisker Automotive
também receberam empréstimos.
O empréstimo do Departamento de Energia não era uma injeção
imediata de dinheiro. Ao contrário do dinheiro de resgate da GM e da
Chrysler, o empréstimo estava ligado a despesas reais. “Tínhamos que
gastar o dinheiro e prestar contas ao governo”, explica Musk. Sendo
assim, o primeiro cheque só chegou no início de 2010. Três anos depois,
a Tesla devolveu o empréstimo com 12 milhões de dólares em juros. A
Nissan pagou em 2017, a Fisker faliu e, em 2023, a Ford ainda devia
dinheiro para o programa.
Uma injeção mais significativa de dinheiro veio da Daimler. Em
outubro de 2008, em meio à crise da Tesla e aos fracassos nos
lançamentos da SpaceX, Musk foi até a sede da empresa alemã, em
Stuttgart. Os executivos da Daimler disseram estar interessados em criar
um carro elétrico, e tinham uma equipe que planejava visitar os Estados
Unidos em janeiro de 2009. Eles convidaram a Tesla a apresentar uma
proposta de uma versão elétrica do smart car da Daimler.
Assim que voltou, Musk disse a JB Straubel que eles deveriam correr
para montar um protótipo de um smart car elétrico para quando a equipe
da Daimler chegasse. Eles mandaram um funcionário ao México, onde
havia smart cars movidos a gasolina, para comprar um e levá-lo até a
Califórnia. Depois, colocaram o motor elétrico e as baterias do Roadster
nele.
Quando os executivos da Daimler chegaram à Tesla em janeiro de
2009, pareciam irritados por terem que ir a uma reunião com uma
empresa pequena e quase sem dinheiro, sobre a qual mal tinham ouvido
falar. “Lembro que eles estavam de muito mau humor e torcendo para
sair dali o mais rápido possível”, conta Musk. “Eles estavam esperando
alguma apresentação ruim de PowerPoint.” Então, Musk perguntou se
queriam dirigir o carro. “Como assim?”, indagou um dos membros da
equipe da Daimler. Musk explicou que haviam criado um modelo
funcional.
Eles foram até o estacionamento, e os executivos da Daimler fizeram
um test drive. O carro disparou em um instante e atingiu cem
quilômetros por hora em cerca de quatro segundos. Isso impressionou os
executivos. “O smart car tinha uma potência incrível”, diz Musk. “Dava
para dar cavalo de pau com aquele carro.” Como resultado, a Daimler
contratou a Tesla para fornecer baterias e trens de força para os smart
cars, uma ideia não muito diferente da que Salzman havia sugerido.
Musk pediu à Daimler que considerasse investir na empresa. Em maio
de 2009, antes mesmo de os empréstimos do Departamento de Energia
serem aprovados, a Daimler concordou em comprar 50 milhões de
dólares em ações da Tesla. “Se a Daimler não tivesse investido na Tesla
naquela época, teríamos fechado as portas”, relata Musk.
capítulo 32
Model S
Tesla, 2009
O conjunto de bateria
Para evitar que o Model S parecesse uma bola, Musk teve que fazer o
conjunto de bateria o mais fino possível. Isso porque ele queria que a
bateria ficasse sob o assoalho do carro, diferentemente do Roadster, que
tinha um conjunto de bateria em caixa atrás dos dois assentos. Colocar a
bateria embaixo tornava o carro mais fácil de ser manobrado e quase
impossível de capotar. “Gastamos muito tempo tirando milímetros do
conjunto de bateria para garantir que teríamos espaço interno suficiente
sem transformar o carro numa bolha”, conta Musk.
A pessoa que ele tornou responsável pela bateria era um recém-
graduado de Stanford chamado Drew Baglino. Mais simpático do que a
maioria dos engenheiros, dono de uma boa risada, Baglino iria escalar
até o topo da hierarquia da Tesla no decorrer dos anos, mas a carreira
dele quase teve um fim na primeira reunião com Musk. “De quantas
células de bateria precisamos para atingir nosso objetivo?”, perguntou
Musk a ele. Baglino e o restante da equipe do trem de força tinham
passado semanas analisando a questão. “Nós rodamos dezenas de
modelos: como a aerodinâmica poderia ser, como faríamos o trem de
força eficiente e a densidade de cada célula”, conta Baglino. E a resposta
era que o conjunto precisaria de 8.400 células.
“Não”, replicou Musk. “Faça com 7.200 células.”
Baglino achava que era impossível, mas não disse isso em voz alta. Já
tinha ouvido histórias sobre a raiva de Musk quando desafiado. Mesmo
assim, seria alvo da explosão dele diversas vezes. “Elon era muito duro”,
lembra Baglino. “Gosta de desafiar o mensageiro, o que nem sempre é a
melhor estratégia. Ele começou a me atacar.”
Baglino disse para JB Straubel, chefe dele e um dos cofundadores da
Tesla, que estava nervoso. “Nunca mais quero participar de uma reunião
com Elon.” Straubel, que havia passado por muitas dessas sessões, o
surpreendeu ao declarar que havia sido uma “ótima” reunião. “É desse
tipo de retorno que precisamos”, disse Straubel. “Você só tem que
aprender a lidar com as demandas do Elon. Descubra qual o objetivo
dele e continue dando informações. É assim que ele obtém os melhores
resultados.”
No caso das células de bateria, Baglino acabou se surpreendendo. “O
mais doido sobre a meta dele de 7.200 células é que, de fato, acabamos
usando 7.200 células”, diz. “Foi um cálculo instintivo, mas ele acertou.”
***
Design amigável
Havia outro princípio que vinha do estúdio de design da Apple. Quando
Jony Ive concebeu o iMac colorido, amigável, incluiu uma alça
embutida. Não era muito funcional, porque o iMac era um computador
de mesa que não servia para ser carregado. Mas era um sinal de
simpatia. “Se tem essa alça, torna o relacionamento possível”, explicou
Ive. “É acessível. Isso permite que você toque na máquina.”
Da mesma forma, Von Holzhausen desenhou maçanetas que ficavam
embutidas no carro e apareciam e acendiam como um aperto de mão
feliz quando o motorista se aproximava com a chave. Isso não
acrescentava nenhuma grande funcionalidade. Uma maçaneta externa
funcionaria igualmente bem. Musk, contudo, adotou a ideia de
imediato. Ela iria emitir um alegre sinal de amizade. “A maçaneta sente
sua chegada, acende e aparece para te cumprimentar, isso é mágico”, diz
ele.
Os engenheiros e as equipes de produção lutaram contra a ideia.
Havia pouco espaço dentro da porta para o mecanismo, que teria que
funcionar milhares de vezes em várias condições climáticas. Um dos
engenheiros disse a Musk uma de suas palavras favoritas: “imbecil”. Mas
Musk persistiu. “Parem de se opor a isso”, ordenou ele. Acabou sendo
uma característica marcante dos carros, que criava uma ligação
emocional com o dono.
Musk tinha certa resistência a regulamentos. Ele não gostava de jogar
sob as regras dos outros. À medida que o Model S ficava quase
completo, ele um dia entrou no carro e abaixou o quebra-sol do
passageiro. “Que merda é essa?”, perguntou, apontando para a etiqueta
de alerta obrigatória do governo sobre airbags e como desabilitá-los
quando uma criança está no assento do passageiro. Dave Morris
explicou que o governo exigia aquilo. “Se livre disso”, mandou Musk.
“As pessoas não são idiotas. Essas etiquetas são idiotas.”
Para poder burlar as exigências, a Tesla desenhou um sistema que
evitava que o airbag funcionasse quando detectava que uma criança
estava no assento do passageiro. Isso não satisfez o governo, e Musk não
cedeu. No decorrer dos anos, a Tesla iria se envolver em uma queda de
braço com a National Highway Transportation Safety Board, que
esporadicamente emitia chamadas de recall para carros da Tesla sem o
adesivo de aviso.
***
Musk queria que o Model S tivesse uma grande tela touch ao alcance do
motorista. Ele e Von Holzhausen passaram horas discutindo ideias de
tamanho, formato e posicionamento da tela. Acabou sendo um marco
para a indústria automobilística. O equipamento dava ao motorista um
controle mais fácil sobre as luzes, a temperatura, a posição dos assentos,
os níveis de suspensão e quase tudo no carro, exceto abrir o porta-luvas
(que, por alguma razão, o governo exigia que tivesse um botão físico).
Também permitia mais diversão, como jogos eletrônicos, sons de pum
nos bancos dos passageiros, diferentes sons para a buzina e surpresas
escondidas nas interfaces.
Mais importante ainda: pensar no carro como um software, e não só
como um hardware, permitiu que ele fosse continuamente atualizado.
Novos recursos podiam ser entregues pelo ar. “Estávamos encantados em
ver como podíamos acrescentar funcionalidades no decorrer dos anos,
inclusive mais aceleração”, diz Musk. “Isso permitia que o carro se
tornasse melhor do que era quando foi comprado.”
capítulo 33
Espaço privado
SpaceX, 2009-2010
Obama na SpaceX
“Me disseram que devemos estender o programa do ônibus espacial. É
isso mesmo?”, perguntou Barack Obama para sua conselheira sobre
questões do espaço, Lori Garver, no início de setembro de 2008.
“Não”, respondeu ela. “O setor privado deve fazer isso.” Era um
conselho arriscado. A SpaceX havia fracassado três vezes na tentativa de
colocar um satélite em órbita, e estava prestes a fazer aquela que poderia
ser sua última tentativa.
Garver, uma veterana da NASA, tentava convencer o candidato do
Partido Democrata à presidência de que a abordagem dos Estados
Unidos para a construção de foguetes precisava mudar. A NASA
planejava acabar com o ônibus espacial, e esperava substituí-lo por um
novo programa de foguetes chamado Constellation. O novo programa
seria realizado da maneira tradicional: a NASA fechara contratos com
compensação com a United Launch Alliance, da Lockheed-Boeing,
para construir a maioria dos componentes. Entretanto, o custo projetado
do programa mais do que dobrou, e ele não estava nem perto de ser
concluído. Garver recomendou que Obama o deixasse de lado e, em vez
disso, permitisse que empresas privadas como a SpaceX desenvolvessem
foguetes que poderiam levar astronautas ao espaço.
Eis por que ela, assim como Musk, tinha muito em jogo na quarta
tentativa de lançamento do Falcon 1 em Kwaj, em setembro. Quando
deu certo, Garver recebeu ligações de parabéns dos principais
funcionários de Obama que a indicou para o cargo de vice-
administradora da NASA.
Infelizmente para Garver, Obama escolheu como chefe dela Charlie
Bolden, um ex-piloto dos fuzileiros navais e astronauta da NASA, que
não compartilhava o entusiasmo dela em se associar ao setor privado.
“Eu não era um ideólogo como muitos à minha volta, que achavam que
bastava pegar o orçamento da NASA, pegar tudo que estivesse
destinado para voo espacial humano, e dar para Elon Musk e a SpaceX”,
diz Bolden.
Garver também teve que brigar com os congressistas que tinham
fábricas da Boeing em seus estados e que, apesar de serem republicanos,
se opunham à ideia de empreendedores privados assumirem aquilo que
eles achavam que deveria ser feito pela burocracia governamental. “As
principais autoridades da indústria e do governo tinham prazer em
ridicularizar a SpaceX e Elon”, lembra Garver. “Não ajudava o fato de
Elon ser mais jovem e rico do que eles, com uma mentalidade disruptiva
do Vale do Silício e sem demonstrar qualquer deferência à indústria
tradicional.”
Garver venceu a discussão no fim de 2009. Obama cancelou o
programa Constellation, da NASA, depois que o conselheiro de ciência
e diretor de orçamento da Casa Branca disse que ele estava “estourando
o orçamento, atrasado, fora de curso e era inexecutável”. Os
tradicionalistas, entre eles o reverenciado astronauta Neil Armstrong,
contestaram a decisão. “O orçamento proposto pelo presidente para a
NASA é o início da marcha de morte dos voos espaciais humanos nos
Estados Unidos”, disse o senador Richard Shelby, do Alabama. Ex-
administrador da NASA, Michael Griffin, que havia viajado com Musk
para a Rússia sete anos antes, acusou: “Em suma, os Estados Unidos
decidiram que não vão ser participantes significativos nos voos espaciais
humanos.” Eles estavam errados. Durante a década seguinte, graças
principalmente à SpaceX, os Estados Unidos mandaram mais
astronautas, satélites e cargas para o espaço do que qualquer outro país.
***
Obama decidiu viajar a Cabo Canaveral em abril de 2010 para afirmar
que depender de empresas privadas como a SpaceX não significava que
os Estados Unidos estavam abandonando a exploração espacial. “Alguns
disseram que era inviável ou imprudente trabalhar com o setor privado
dessa forma”, disse em um discurso. “Eu discordo. Ao comprar os
serviços de transporte espacial — em vez dos próprios veículos —,
podemos continuar a garantir padrões rigorosos de segurança. Mas
também vamos acelerar o ritmo de inovação enquanto as empresas — de
jovens startups a líderes estabelecidas — competem para projetar,
construir e lançar novas maneiras de transportar pessoas e materiais para
fora de nossa atmosfera.”
A equipe do presidente havia decidido que ele iria a uma das
plataformas de lançamento depois do discurso e faria uma sessão de
fotos na frente de um foguete. Segundo as reportagens, o presidente
queria ir a uma plataforma usada pela United Launch Alliance, mas eles
estavam se preparando para lançar um satélite de inteligência secreto,
então a ideia foi descartada. Lori Garver diz que a verdade era outra.
“Todos nós na Casa Branca concordamos que queríamos ir à plataforma
da SpaceX.”
A imagem televisionada foi inestimável tanto para Obama quanto
para Musk: o jovem presidente, nascido no ano em que John Kennedy
prometeu mandar um norte-americano à Lua, caminhando ao lado do
empreendedor que aceita riscos, conversando casualmente enquanto
andavam em volta do brilhante Falcon 9. Musk gostou de Obama.
“Achei ele moderado, mas também disposto a forçar mudanças”, diz
Musk. “Acho que ele queria entender se eu era confiável ou meio doido.”
capítulo 34
O lançamento do Falcon 9
Cabo Canaveral, 2010
... E a volta
O próximo grande teste, programado para o fim de 2010, era mostrar
que a SpaceX não só era capaz de lançar uma cápsula não tripulada em
órbita, como também podia fazê-la voltar à Terra em segurança.
Nenhuma empresa privada havia conseguido isso. Na realidade, apenas
três países conseguiram: Estados Unidos, Rússia e China.
Mais uma vez, Musk mostrou uma disposição em assumir riscos que
beirava a negligência, o que distinguia os programas dele dos que eram
comandados pela NASA. No dia anterior ao lançamento de dezembro,
uma inspeção final da plataforma revelou duas pequenas fissuras na saia
do motor do segundo estágio do foguete. “Todo mundo na NASA
presumiu que iríamos adiar o lançamento por algumas semanas”, diz
Garver. “O plano tradicional seria substituir o motor inteiro.”
“E se a gente cortar a saia?”, perguntou Musk à equipe. “Tipo,
literalmente cortar em volta dela?” Em outras palavras, por que não
retirar um pequeno pedaço do fundo que tinha as duas fissuras? A saia
mais curta significaria que o motor teria um pouco menos de impulso,
alertou um engenheiro, mas Musk calculou que ainda seria o suficiente
para cumprir a missão. Levou menos de uma hora para tomar a decisão.
Usando um par grande de tesouras, a saia foi encurtada e o foguete,
lançado para a missão crítica no dia seguinte, conforme planejado. “Os
caras da NASA não podiam fazer nada a não ser aceitar as decisões da
SpaceX e assistir, incrédulos”, lembra Garver.
O foguete foi capaz, como previu Musk, de levar a cápsula Dragon
até a órbita. Em seguida, fez as manobras designadas e ativou os
foguetes de propulsão para que pudesse retornar à Terra, descendo de
paraquedas suavemente até o mar na costa da Califórnia.
Por mais incrível que fosse tudo isso, Musk chegou a uma conclusão
sensata. O programa Mercury havia conseguido realizar ações
semelhantes cinquenta anos antes, antes de ele e Obama nascerem. Os
Estados Unidos estavam apenas retomando o caminho já percorrido.
***
O Expresso do Oriente
Riley gostava de dar festas criativas, e Musk, apesar de meio desajeitado
no trato social (ou talvez por causa disso), sentia um estranho
entusiasmo por elas. Esse tipo de evento permitia que ele se soltasse,
especialmente durante momentos de tensão, o que no caso dele era
quase o tempo todo. “Eu dava festas superteatrais só para mantê-lo
entretido”, diz ela.
A mais luxuosa foi para comemorar o aniversário de 40 anos de
Musk, em junho de 2011, menos de um ano depois do casamento deles.
Junto com três dezenas de amigos, ele e Talulah alugaram vagões no
Expresso do Oriente de Paris até Veneza.
Eles se encontraram no hotel Costes, um lugar opulento próximo à
Place Vendôme. Alguns deles, liderados por Elon e Kimbal, foram a um
restaurante chique, e enquanto estavam voltando para o hotel decidiram
alugar bicicletas e passear pela cidade. Eles andaram de bicicleta até as
duas da manhã e depois subornaram o hotel para que o bar ficasse aberto
e os recebesse. Após uma hora bebendo, voltaram para as bicicletas e
acabaram em um salão subterrâneo chamado Le Magnifique, onde
ficaram até as cinco horas.
Eles acordaram às três da tarde no dia seguinte, bem no momento de
pegar o trem. Vestidos com smokings, tiveram um jantar formal no
Expresso do Oriente, com caviar e champanhe, seguido de uma
apresentação particular do Lucent Dossier Experience, uma trupe de
performance steampunk que misturava música de vanguarda, artes aéreas e
fogo, mais ou menos como o Cirque du Soleil, só que mais erótico. “As
pessoas estavam penduradas no teto”, diz Kimbal, “o que era uma cena
bizarra no tradicional Expresso do Oriente”. Riley às vezes cantava para
Elon em particular uma música chamada “My Name Is Tallulah”, do
filme Bugsy. Ele disse que tinha apenas um desejo de aniversário: o de
que ela se apresentasse para todos na festa. “Eu não sei cantar, então foi
traumático para mim, mas fiz por ele”, diz Riley.
Musk não teve muitos relacionamentos sólidos, nem teve muitos
períodos estáveis e tranquilos na vida. E essas duas coisas estavam
relacionadas, sem dúvida. Entre os poucos relacionamentos desse tipo
está o que ele teve com Riley, e os anos que passou com ela — desde
quando os dois se conheceram, em 2008, até o divórcio, em 2016 —
acabaram sendo o maior período de relativa estabilidade na vida dele. Se
Musk gostasse de estabilidade mais do que de tempestade e drama, ela
seria perfeita para ele.
capítulo 36
Produção
Tesla, 2010-2013
Qualidade de produção
Quando os primeiros carros Model S saíram da linha de montagem de
Fremont, em junho de 2012, centenas de pessoas, entre elas o
governador da Califórnia, Jerry Brown, apareceram para a celebração.
Muitos dos trabalhadores agitavam bandeiras dos Estados Unidos.
Alguns choravam. O que um dia fora uma fábrica falida que demitira
todos os funcionários agora empregava 2 mil pessoas e liderava o
caminho para o carro elétrico do futuro.
No entanto, alguns dias depois, quando Musk recebeu seu próprio
Model S direto da linha de montagem, não ficou feliz. Mais
precisamente, ele disse que o carro era uma merda. Pediu que Von
Holzhausen fosse à casa dele, e os dois passaram duas horas analisando o
veículo. “Meu Deus, isso é o melhor que podemos fazer?”, perguntou
Musk. “O acabamento do painel é uma porcaria. A qualidade da pintura
é horrível. Por que não temos a mesma qualidade de produção que a
Mercedes e a BMW?”
Quando fica irritado, Musk toma atitudes drásticas. Ele rapidamente
demitiu três chefes de qualidade de produção. Um dia naquele mês de
agosto, Von Holzhausen estava com Musk no avião dele e perguntou
como podia ajudar. Ele deveria ter sido cuidadoso em fazer tal oferta.
Musk pediu que Von Holzhausen se mudasse para Fremont, por um
ano, e passasse a ser o novo chefe de qualidade de produção.
Von Holzhausen e seu vice, Dave Morris, que o acompanhou a
Fremont, às vezes andavam pelas linhas de produção até as duas da
madrugada. Era uma experiência interessante para um designer. “Isso
me ensinou como tudo que você cria na prancheta tem um efeito na
outra ponta, na linha de produção”, diz Von Holzhausen. Musk se
juntava a eles duas ou três noites por semana. O foco dele era na raiz do
problema. Qual parte do design fora responsável pelo problema na linha
de produção?
Uma das palavras — e dos conceitos — preferidas de Musk era
“hardcore”. Ele a usava para descrever a cultura do local de trabalho que
queria quando fundou a Zip2 e a usaria quase trinta anos depois,
quando colocou de cabeça para baixo a cultura estimulante do Twitter. À
medida que a produção do Model S era incrementada, Musk explicou
detalhadamente qual era a convicção que o guiava em um e-mail para os
funcionários cujo título era “Ultra-hardcore”, a essência do que ele
pensava. A mensagem dizia: “Por favor, prepare-se para um nível de
intensidade que você nunca experimentou. Revolucionar indústrias não
é para os fracos de coração.”
A validação veio no fim de 2012, quando a Motor Trend Magazine
escolheu o Model S como carro do ano. A manchete dizia: “Tesla
Model S, vencedor chocante: prova positiva de que os Estados Unidos
ainda são capazes de fazer coisas (ótimas).” A resenha era de tirar o
fôlego, a ponto de surpreender até Musk. “Dá para dirigi-lo como um
carro esportivo, ávido e ágil, de resposta rápida. Mas também é fácil e
suave de dirigir como um Rolls-Royce, pode carregar quase tanta coisa
quanto um Chevy Equinox e é mais eficiente que um Toyota Prius. Ah,
sem falar que vê-lo desfilar no valet de um hotel de luxo é como ver uma
supermodelo em uma passarela de Paris.” O texto terminava
mencionando “o impressionante ponto de inflexão que o Model S
representa”: era a primeira vez que se concedia o prêmio a um carro
elétrico.
Em um jantar em 2004
Jeff Bezos
Jeff Bezos, o superacelerado bilionário da Amazon, dono de uma risada
escandalosa e de um entusiasmo pueril, persegue suas paixões com um
talento para ser, ao mesmo tempo, exuberante e metódico. Como Musk,
ele era viciado em ficção científica na infância, lendo todas as obras de
Isaac Asimov e Robert Heinlein da biblioteca pública local.
Quando tinha 5 anos, em julho de 1969, assistiu pela televisão à
cobertura da missão da Apollo 11, que culminou com Neil Armstrong
andando na Lua. Esse foi um “momento seminal” para ele, de acordo
com Bezos. Tempos depois, ele financiaria uma série de missões que
recuperaram do oceano Atlântico um motor da Apollo 11, o qual
instalou em um nicho na sala de estar de sua casa em Washington, D.C.
A empolgação com o espaço transformou Bezos num daqueles
fanáticos por Star Trek que conhecem todos os episódios. Como orador
da turma do ensino médio, o discurso dele foi sobre como colonizar
planetas, construir hotéis no espaço e salvar a Terra ao encontrar outros
lugares para fábricas. “Espaço, a fronteira final, encontrem-me lá!”,
concluiu ele.
Em 2000, depois de tornar a Amazon a empresa de vendas on-line
dominante no mundo, Bezos silenciosamente lançou uma empresa
chamada Blue Origin, nome inspirado no planeta azul-claro onde os
humanos surgiram. Como Musk, ele se concentrou em construir
foguetes reutilizáveis. “Em que aspectos a situação no ano 2000 é
diferente da situação nos anos 1960?”, pergunta Bezos. “A diferença está
nos sensores eletrônicos, nas câmeras, nos softwares. Ser capaz de
pousar verticalmente é o tipo de problema que pode ser enfrentado pelas
tecnologias que não existiam em 1960.”
Tal qual Musk, ele embarcou em empreendimentos espaciais mais
como um missionário do que como um mercenário. Há maneiras mais
fáceis de ganhar dinheiro. A civilização humana, Bezos acreditava, logo
acabará com os recursos de nosso pequeno planeta. Isso nos levará a uma
escolha: aceitar parar de crescer ou se expandir para lugares além da
Terra. “Não acho a estática compatível com a liberdade”, diz. “Podemos
resolver esse problema, e há uma solução: nos mudar para o sistema
solar.”
Os dois se conheceram em 2004, quando Bezos aceitou o convite de
Musk para fazer um passeio na SpaceX. Em seguida, Bezos ficou
surpreso ao receber um e-mail seco de Musk, que expressava irritação
por Bezos não ter retribuído o convite para que Musk conhecesse a
fábrica da Blue Origin em Seattle, o que ele prontamente fez, então.
Musk foi de avião com Justine, visitou a Blue Origin, depois eles
jantaram com Bezos e a esposa, MacKenzie. Musk estava cheio de
conselhos, expressados com a intensidade usual. Avisou a Bezos que ele
estava indo pelo caminho errado: “Cara, nós tentamos isso e acabou
sendo muito idiota, então me escute, não faça a mesma bobagem que
fizemos.” Bezos se lembra de pensar que Musk era um pouco confiante
demais, dado que ainda não tinha lançado com sucesso um foguete. No
ano seguinte, Musk pediu a Bezos que a Amazon fizesse uma avaliação
do novo livro de Justine, um thriller de horror urbano sobre seres metade
demônio, metade humano. Bezos explicou que não dizia para a Amazon
quais livros avaliar, mas falou que iria pessoalmente publicar uma
avaliação de cliente. Musk enviou uma resposta áspera, mas mesmo
assim Bezos publicou uma elogiosa resenha pessoal.
Pad 39 A
No início de 2011, a SpaceX ganhou uma série de contratos da NASA
para desenvolver foguetes que poderiam levar humanos até a Estação
Espacial Internacional, uma tarefa crucial desde a aposentadoria do
ônibus espacial. Para cumprir essa missão, ela precisava aumentar as
instalações no Pad 40, em Cabo Canaveral, e Musk decidiu alugar as
instalações mais históricas do lugar, o Pad 39 A.
O Pad 39 A havia sido palco central da Era Espacial Norte-
Americana, gravado na memória de toda uma geração que viu pela
televisão e prendeu a respiração quando a contagem regressiva começou:
“Dez, nove, oito...” A missão de Neil Armstrong na Lua a que Bezos
assistiu quando criança fora lançada do Pad 39, em 1969, assim como a
última missão tripulada para a Lua, em 1972. E também a primeira
missão do ônibus espacial, em 1981, e a última, em 2011.
Em 2013, porém, com o programa do ônibus espacial encerrado e
meio século de aspirações espaciais norte-americanas tendo terminado
com estrondos e choramingos, o Pad 39 estava enferrujando e ervas
daninhas cresciam no fosso de chamas. A NASA ansiava por alugá-lo.
O cliente óbvio era Musk, cujos foguetes Falcon 9 já haviam sido
lançados em missões de carga do Pad 40, que ficava próximo e Obama
tinha visitado. No entanto, quando a locação foi aberta para lances, Jeff
Bezos, tanto por razões sentimentais quanto práticas, decidiu competir
pelo lugar.
Quando a NASA decidiu locar o espaço para a SpaceX, Bezos entrou
com uma ação judicial. Musk ficou furioso, declarou que era ridículo que
a Blue Origin contestasse o aluguel “quando eles não conseguiram
colocar nem um palito em órbita”. Ele ridicularizou os foguetes de
Bezos, apontando que só eram capazes de chegar ao limite do espaço e
então caíam; eles não tinham o impulso necessário para romper a
gravidade da Terra e entrar em órbita. “Se eles de alguma forma
conseguirem apresentar nos próximos cinco anos um veículo nos padrões
de qualificação humana da NASA que possa se acoplar à estação
espacial, que é a finalidade do Pad 39 A, vamos acomodar com alegria as
necessidades deles”, disse Musk. “Francamente, acho mais provável
descobrir unicórnios dançando no duto de chamas.”
A batalha dos barões sci-fi havia começado. Um funcionário da
SpaceX comprou dezenas de unicórnios infláveis e os fotografou no duto
de chamas da plataforma.
Bezos acabou conseguindo alugar um complexo de lançamento
próximo de Cabo Canaveral, o Pad 36, que havia sido o local de
lançamento das missões para Marte e Vênus. A competição dos
bilionários infantis estava pronta para continuar. A transferência dessas
plataformas sagradas representava, tanto simbolicamente quanto na
prática, que a tocha da exploração espacial iniciada por John Kennedy
estava passando das mãos do governo para o setor privado — da outrora
gloriosa e hoje esclerosada NASA para um novo tipo de pioneiros com
sentido de missão.
Foguetes reutilizáveis
Tanto Musk quanto Bezos tinham uma visão sobre o que iria tornar as
viagens espaciais mais viáveis: foguetes que pudessem ser reutilizados. O
foco de Bezos era criar os sensores e o software que guiassem o foguete
para um pouso seguro na Terra. Mas isso era apenas parte do desafio. A
maior dificuldade seria colocar todos esses atributos em um foguete que
permanecesse leve o bastante e cujos motores teriam impulso suficiente
para chegar à órbita. Musk se concentrava obsessivamente nesse
problema de física. Ele gostava de meditar, meio brincando, que nós,
terráqueos, vivemos em uma simulação de videogame criada por
senhores inteligentes com senso de humor. Eles fizeram a gravidade em
Marte e na Lua fraca o suficiente para que se lançar em órbita fosse
fácil. Na Terra, porém, a gravidade parece perversamente calibrada para
tornar quase impossível chegar à órbita.
Como um alpinista organizando o conteúdo da mochila, Musk estava
obcecado em reduzir o peso de seus foguetes. Isso tinha um efeito
multiplicador: remover um pouco de peso — excluindo uma parte,
usando um material mais leve, fazendo soldas mais simples — resulta
em menos combustível necessário, o que reduz ainda mais a massa que
os motores precisam impulsionar. Quando andava pelas linhas de
produção da SpaceX, Musk parava em cada estação, observava em
silêncio e desafiava a equipe a descartar alguma parte. Quase todas as
vezes, ele, de forma maníaca, batia em uma só tecla: “Um foguete
completamente reutilizável é a diferença entre ser uma civilização de um
único planeta e ser uma de múltiplos planetas.”
Musk levou essa mensagem para o jantar anual de 2014 do centenário
Explorers Club, na cidade de Nova York, onde recebeu o President’s
Award. Ele compartilhou o palco com Bezos, que aceitou um prêmio
pelo trabalho que a equipe dele fizera quando da recuperação do motor
da espaçonave Apollo 11, comandada por Neil Armstrong. No jantar
formal, foram servidos pratos destinados a atrair os superaventureiros,
como escorpiões, morangos cobertos com larvas, pênis de boi agridoce,
martínis com olho de cabra e jacarés inteiros estavam entalhados nas
laterais da mesa.
Um vídeo mostrando os bem-sucedidos lançamentos de foguetes da
SpaceX apresentava Musk. “Vocês foram gentis em não mostrar nossos
primeiros três lançamentos”, disse ele. “Vamos ter que mostrar um vídeo
de erros de gravação em algum momento.” Então ele fez um sermão
sobre a necessidade de um foguete completamente reutilizável. “É isso
que nos permitirá estabelecer vida em Marte”, explicou. “Nosso próximo
lançamento terá pernas no foguete para pouso pela primeira vez.”
Foguetes reutilizáveis poderão, algum dia, reduzir o custo de levar uma
pessoa a Marte para 500 mil dólares. A maioria das pessoas não vai
poder viajar, admitiu, “mas suspeito que algumas pessoas nesta sala
iriam”.
Bezos aplaudiu, mas naquele momento estava preparando um ataque
inesperado. Ele e a Blue Origin haviam pedido o registro de uma
patente nos Estados Unidos intitulada “Pouso em mar de veículos
espaciais”, e poucas semanas depois do jantar a obtiveram. O registro de
dez páginas descrevia “métodos para pouso e recuperação de um foguete
auxiliar e/ou outras porções dele em uma plataforma no mar”. Musk
ficou furioso. A ideia de pousar em navios no mar “é algo que tem sido
discutido por, tipo, meio século”, disse ele. “Está em filmes de ficção;
está em inúmeras propostas; há tantos antecedentes da invenção, é uma
loucura. Então, tentar patentear algo que as pessoas têm discutido por
meio século é, obviamente, ridículo.”
No ano seguinte, depois que a SpaceX entrou com um processo,
Bezos concordou em cancelar a patente. A disputa, no entanto,
aumentou a rivalidade entre os dois empreendedores espaciais.
capítulo 38
O falcão escuta o falcoeiro
SpaceX, 2014-2015
***
“O Falcon pousou”
A oportunidade para Musk fazer o mesmo aconteceu em 21 de
dezembro de 2015, só quatro semanas após o voo suborbital de Bezos.
Na busca incessante para superar a gravidade, Musk havia
redesenhado o Falcon 9. A nova versão carregava mais combustível de
oxigênio líquido no foguete ao resfriá-lo a -200ºC, o que o deixava
muito mais denso. Como sempre, ele estava procurando todas as
maneiras possíveis de abarrotar mais poder em um foguete sem
aumentar significativamente o tamanho ou a massa dele. “Elon insistia
para que nós perseguíssemos uma pequena porcentagem a mais de
eficiência, resfriando o combustível cada vez mais”, diz Mark Juncosa.
“Era genial, mas estava nos causando dor de cabeça.” Algumas vezes
Juncosa resistia, alegando que aquilo iria causar problemas com as
válvulas ou vazamentos, mas Musk era inflexível. “Não há razões nos
princípios básicos para que isso não funcione”, dizia. “É
extraordinariamente difícil, eu sei, mas você tem que insistir.”
“Eu estava apavorado durante a contagem regressiva”, diz Juncosa. De
repente, ele notou algo preocupante na transmissão de vídeo na cavidade
entre o primeiro e o segundo estágios. Havia algumas gotas, e ele não
sabia se eram de nitrogênio líquido, o que seria razoável, ou de oxigênio
líquido do tanque super-resfriado, o que poderia ser um problema.
“Fiquei em pânico”, lembra Juncosa. “Se a empresa fosse minha, eu teria
parado tudo.”
“Você precisa interromper isso”, disse Juncosa a Musk enquanto a
contagem regressiva chegava ao último minuto.
Musk parou por alguns segundos. Qual o tamanho do risco de ter um
pouco de oxigênio líquido entre os estágios? Arriscado, mas um risco
pequeno. “Dane-se”, disse. “Vamos nessa.”
Anos depois, Juncosa assistiu a imagens do momento em que Musk
tomou essa decisão. “Achei que ele tinha feito alguns cálculos complexos
rapidamente para decidir o que fazer, mas a verdade é que ele só deu de
ombros e proferiu a ordem. Ele tinha uma intuição do que era a física.”
Musk estava certo. O lançamento aconteceu sem problemas.
***
Então veio a espera de dez minutos para ver se o foguete auxiliar iria
voltar e pousar em segurança na plataforma de pouso que a SpaceX
havia construído a cerca de 1,5 quilômetro do Pad 39 A. Logo depois
que o segundo estágio se separou, o foguete auxiliar ligou seus
propulsores para fazer a volta e retornar para Cabo, apontar a base para
baixo e reduzir a velocidade na descida. Com o GPS e os sensores dele
próprio guiando-o e as aletas de grade o ajudando a manobrar, ele
desceu tranquilamente em direção à plataforma de pouso. (Pare um
momento e pense em quão incrível é isso.)
Musk correu para fora da sala de controle e saiu pela estrada
encarando a escuridão, para ver o foguete reaparecer. “Desça, desça
devagar”, sussurrou em pé na rodovia, as mãos na cintura. Então houve
um som de explosão. “Ah, merda”, disse ele, virando-se e andando
desanimado pela estrada.
Dentro da sala de controle, entretanto, havia gritos de comemoração.
Os monitores mostravam o foguete em pé na plataforma, e o narrador
do lançamento ecoou as palavras que haviam sido usadas por Neil
Armstrong na Lua: “O Falcon pousou.” O som alto, no fim das contas,
era o estouro sônico da reentrada do foguete na atmosfera.
Uma das engenheiras de voo correu para fora da sala de controle com
a notícia. “Está em pé na plataforma!”, gritou. Musk deu meia-volta e se
arrastou rapidamente em direção à plataforma, dizendo “Puta merda”
para si mesmo. “Puta merda.”
Naquela noite, todos foram a um bar na orla chamado Fishlips para
festejar. Musk ergueu um copo de cerveja e gritou para os cerca de cem
funcionários e outros observadores impressionados: “Nós acabamos de
lançar e pousar o maior foguete do mundo!” Enquanto isso, a multidão
bradava o nome do país, e ele pulava e dava socos no ar.
***
***
Acidentes
Enquanto corria atrás de seus planos para carros autônomos, Musk, de
um jeito teimoso e repetitivo, exagerava as habilidades do Autopilot dos
carros da Tesla. Isso se tornou perigoso, porque levou alguns motoristas
a pensar que podiam usar um Tesla sem prestar muita atenção ao
trânsito. Mesmo enquanto Musk fazia suas grandes promessas em 2016,
a empresa estava sendo abandonada por um de seus fornecedores de
câmeras, a Mobileye, cujo presidente afirmou que a Tesla estava
“forçando os limites em termos de segurança”.
Era inevitável que houvesse acidentes fatais envolvendo o Autopilot,
assim como havia sem o Autopilot. Musk insistia que o sistema deveria
ser julgado não pela capacidade de evitar acidentes, mas pela capacidade
de reduzir o número de acidentes. Era uma posição lógica, porém
ignorava a realidade emocional de que uma pessoa morta por um
sistema Autopilot iria provocar muito mais horror que uma centena de
mortes causadas por erros humanos.
O primeiro caso registrado de acidente fatal envolvendo o Autopilot
nos Estados Unidos aconteceu em maio de 2016. Um motorista morreu
na Flórida quando uma carreta virou à esquerda em frente ao Tesla que
ele dirigia. “Nem o Autopilot nem o motorista notaram a lateral branca
da carreta em contraste com o céu claro, e o freio não foi ativado”,
declarou a Tesla em um comunicado. Os investigadores encontraram
provas de que, no momento do acidente, o motorista estava assistindo a
um filme da série Harry Potter em um computador apoiado no painel. O
Conselho Nacional de Segurança nos Transportes concluiu que “o
motorista descuidou do controle total do Tesla, o que levou à colisão”. A
Tesla havia enaltecido demais as habilidades de seu Autopilot, e o
motorista provavelmente presumiu que não precisava prestar muita
atenção ao trânsito. Houve relatos de outro acidente fatal envolvendo
um Tesla que devia estar no modo Autopilot, esse ocorrido no início
daquele ano.
As notícias sobre o acidente na Flórida estouraram quando Musk
estava em uma visita à África do Sul, a primeira vez em dezesseis anos.
Ele voou imediatamente de volta aos Estados Unidos, mas não fez
nenhuma declaração pública. Por ter a mente de um engenheiro, ele
mostrava pouco tato para emoções humanas, e não entendia como uma
ou duas mortes causadas pelo Autopilot da Tesla provocaram um clamor
quando havia mais de 1,3 milhão de mortes no trânsito todos os anos.
Ninguém estava falando sobre os acidentes evitados e as vidas salvas pelo
Autopilot. Nem estavam analisando se dirigir com o Autopilot era mais
seguro que dirigir sem ele.
Musk participou de uma teleconferência com repórteres em outubro
de 2016 e ficou irritado quando as primeiras perguntas foram sobre as
duas mortes. Se eles escrevessem matérias que fizessem as pessoas
desistirem de usar sistemas de direção autônoma ou os reguladores
desistirem de os aprovar, “vocês vão estar matando pessoas”. Musk parou
e disse, irritado: “Próxima pergunta.”
Promessas, promessas
A visão grandiosa de Musk — às vezes similar a uma miragem que
parece estar se distanciando no horizonte — era de que a Tesla iria
construir um carro totalmente autônomo que se autoconduziria sem
nenhuma intervenção humana. Ele acreditava que isso transformaria
nossa vida diária e tornaria a Tesla a empresa mais valiosa do mundo. “A
autonomia completa”, como a Tesla começou a chamá-la, seria capaz de
funcionar, prometeu Musk, não apenas em rodovias, mas também nas
ruas das cidades com pedestres, ciclistas e interseções complexas.
Assim como ocorrera em outras missões obsessivas, incluída a viagem
a Marte, ele fez previsões temporais que se mostrariam absurdas. Em
sua coletiva em outubro de 2016, declarou que no fim do ano seguinte
um Tesla seria capaz de dirigir de Los Angeles a Nova York “sem a
necessidade de nenhum toque” no volante. “Quando você quiser que seu
carro volte, clicará em summon no seu celular”, disse. “Ele vai te
encontrar, mesmo que você esteja do outro lado do país.”
Isso poderia ser considerada uma fantasia divertida, exceto pelo fato
de que Musk começou a pressionar os engenheiros que trabalhavam no
Model 3 e no Model Y da Tesla para que projetassem versões sem
volante nem pedais de aceleração e freio. Von Holzhausen fingiu
concordar. A partir do fim de 2016, havia sempre imagens e modelos
físicos de “Robotáxis” para Musk ver quando andava pelo estúdio de
design. “Ele estava convencido de que, quando colocássemos o Model Y
em produção, seria um Robotáxi, totalmente autônomo”, diz Von
Holzhausen.
Quase todo ano, Musk fazia outra previsão de que faltava apenas um
ou dois anos para o carro completamente autônomo. “Quando será
possível comprar um dos seus carros e literalmente tirar as mãos do
volante, dormir e acordar no destino?”, perguntou Chris Anderson a ele
no TED Talk em maio de 2017. “Daqui a uns dois anos”, respondeu
Musk. Em uma entrevista com Kara Swisher na Code Conference no
fim de 2018, ele afirmou que a Tesla “estava a caminho de conseguir
fazer isso no ano que vem”. No início de 2019, ele dobrou a aposta.
“Acho que vamos apresentar um carro com autonomia completa este
ano”, declarou em um podcast com Ark Invest. “Eu diria que tenho
certeza disso. Não é uma dúvida.”
“Se ele pegar leve e admitir que vai demorar muito”, disse Von
Halzhausen no fim de 2022, “ninguém vai se unir em torno disso e não
vamos projetar veículos que exijam autonomia”. Em uma reunião de
resultados com analistas naquele ano, Musk admitiu que o processo
estava sendo mais difícil do que ele esperara em 2016. “No fim das
contas, isso se resume”, disse ele, “ao fato de que, para resolver a questão
do carro totalmente autônomo, é preciso resolver a inteligência artificial
no mundo real”.
capítulo 42
Solar
Tesla Energy, 2004-2016
Comprando a SolarCity
Por um tempo, a SolarCity se saiu muito bem. Em 2015, ela detinha um
quarto de todas as instalações que não haviam sido feitas por uma
companhia de serviço. Apesar disso, ela lutava para encontrar um
modelo de negócio. No começo, eles alugavam os painéis solares para os
clientes sem custo inicial, mas isso resultou em um endividamento da
empresa, cujas ações caíram de uma alta de 85 dólares por ação, em
2014, para cerca de 20 dólares por ação, em meados de 2016.
Musk ficou cada vez mais frustrado com as práticas da empresa,
especialmente com quanto dependia de uma equipe de vendas agressiva
que recebia por comissão. “As táticas de vendas deles se tornaram um
daqueles esquemas de ir de porta em porta vendendo caixas de facas ou
alguma porcaria assim”, diz Musk. Os instintos dele indicavam o oposto.
Ele nunca concentrou muito esforço em vendas e marketing — pelo
contrário: acreditava que se você fizesse um produto ótimo, as vendas
aconteceriam.
Musk começou a atormentar os primos. “Vocês são uma empresa de
vendas ou de produto?”, perguntava diversas vezes. Os primos não
conseguiam entender a fixação dele no produto. “Nós estávamos
botando pra quebrar na participação no mercado”, diz Peter, “e Elon
ficava questionando questões estéticas, apontando coisas como o aspecto
dos clipes, e se irritava, dizendo que eram feios”. Musk ficou tão
frustrado, que uma hora ameaçou deixar a presidência do conselho.
Kimbal o convenceu a não fazer isso. Em vez disso, em fevereiro de
2016, ele telefonou para os primos e disse que queria que a Tesla
comprasse a SolarCity.
***
2016
Durante uma viagem que fizera a Hong Kong no fim de 2016, Musk
estava com o dia cheio de reuniões, e, como acontecia com frequência,
precisava de alguns minutos de tranquilidade para recarregar a energia,
conferir o celular e ficar simplesmente olhando para o nada. Ele estava
fazendo isso quando Jon McNeill, o presidente de vendas e marketing
da Tesla, chegou para tirá-lo do transe. “Você já notou que as cidades
são construídas em 3-D, mas as rodovias são construídas em 2-D?”,
disse Musk. McNeill pareceu confuso. “Daria para construir rodovias
em 3-D fazendo túneis debaixo das cidades”, explicou Musk, e então
ligou para Steve Davis, um engenheiro de confiança da SpaceX. Eram
duas da manhã na Califórnia, mas Davis concordou em estudar
rapidamente maneiras de construir túneis a custo baixo.
“Ok”, disse Musk, “vou te ligar de volta em três horas”.
Quando Musk retornou a ligação, Davis tinha elaborado algumas
ideias que consistiam em usar uma máquina de tunelamento padrão para
perfurar um buraco redondo simples de doze metros de diâmetro e não
ter que reforçá-lo com concreto. “Quanto custam estas máquinas?”,
perguntou Musk. Davis disse que 5 milhões de dólares. Musk ordenou
que ele comprasse duas delas e estivesse de posse das máquinas em seu
regresso.
Ao voltar para Los Angeles dias depois, Musk se viu preso em um
congestionamento, então começou a tuitar. “O trânsito está me deixando
louco”, postou. “Vou construir uma máquina de tunelamento e começar
a perfurar.” Ele brincou com vários nomes para uma nova empresa,
como Tunnels R Us e American Tubes & Tunnels, mas chegou a um
que combinava com seu senso de humor à la Monty Python. Como
tuitou uma hora depois: “Ela vai se chamar The Boring Company.*
Abrir caminho, é o que fazemos.”
Musk havia tido uma ideia ainda mais audaciosa alguns anos antes,
que era construir um tubo do tipo pneumático com cápsulas aceleradas
eletromagneticamente que transportariam as pessoas entre cidades a
uma velocidade quase supersônica. Ele chamou o projeto de Hyperloop.
Em uma demonstração incomum de comedimento, porém, repensou e,
em vez de tentar construir um, organizou uma competição de design
para estudantes. Musk construiu um tubo de câmara a vácuo de 1.600
quilômetros na sede da SpaceX para que pudessem testar as ideias. A
primeira competição estudantil do Hyperloop foi programada para
acontecer num domingo de janeiro de 2017, e grupos de estudantes de
lugares distantes como Holanda e Alemanha planejavam ir e mostrar as
cápsulas experimentais.
O prefeito, Eric Garcetti, e outras autoridades estariam lá, então
Musk decidiu que seria uma boa oportunidade para anunciar a ideia de
cavar túneis. Em uma reunião naquela sexta de manhã, ele perguntou
quanto tempo levaria para começar a cavar um túnel no terreno ao lado
do tubo experimental do Hyperloop. Umas duas semanas, disseram a
ele. “Comecem hoje”, mandou. “Quero o maior buraco possível até
domingo.” Elissa Butterfield, assistente de Musk, correu para conseguir
que os funcionários da Tesla tirassem os carros do local, e, em três horas,
as duas máquinas de tunelamento que Davis havia comprado estavam
cavando. No domingo, um buraco de quinze metros de largura estava
aberto, o qual levava até o início do túnel.
Musk investiu 100 milhões de dólares do próprio bolso para fundar a
The Boring Company, e nos dois anos seguintes frequentemente sairia
da SpaceX e atravessaria a rua para conferir o progresso feito. Como
podemos ir mais rápido? Quais os empecilhos? “Ele passou muito tempo nos
dando lições sobre a importância de eliminar etapas e simplificar”, diz
Joe Kuhn, um jovem engenheiro de Chicago que projetou a maneira
como os veículos iriam atravessar o túnel. Por exemplo, eles estavam
cavando um poço vertical no início do túnel para colocar a máquina de
tunelamento. “O esquilo no meu quintal não faz isso”, falou Musk. Eles
acabaram redesenhando a máquina de tunelamento, para que ela
pudesse simplesmente direcionar a ponta para baixo e começar a cavar o
chão.
Quando o túnel protótipo de 1.600 quilômetros estava quase pronto,
no fim de dezembro de 2018, Musk apareceu tarde da noite, certa vez,
com dois dos filhos e a namorada, Claire Boucher, conhecida como
Grimes. Eles se amontoaram em um Tesla com rodas personalizadas e
um elevador os baixou doze metros até o túnel. “Vamos o mais rápido
que pudermos!”, disse a Kuhn, que estava dirigindo. Grimes protestou
um pouco, pediu que fossem com calma. Musk entrou no modo
engenheiro e explicou por que “a probabilidade de um impacto
longitudinal era muito pequena”. E Kuhn acelerou. “Isso é sensacional!”,
exclamou Musk. “Isso vai mudar tudo.”
Aquilo não mudou tudo. Na realidade, se tornou um exemplo de uma
ideia exagerada de Musk. A The Boring Company completou um túnel
de três quilômetros em Las Vegas, em 2021, que transportava
passageiros em Teslas do aeroporto e através do centro de convenções, e
começou a negociar projetos em outras cidades. Mas, até 2023, nenhum
deles estava em andamento.
* Um trocadilho com a palavra “boring”, que em inglês significa tanto “perfuração” quanto
“entediante”. [N. da E.]
capítulo 44
Relações complicadas
2016-2017
Com Amber Heard, que lhe deixou uma marquinha de beijo na bochecha;
com Donald Trump; Errol Musk
Trump
Musk nunca foi muito político. Como muitos especialistas em
tecnologia, ele era progressista em assuntos sociais, mas com uma
grande resistência libertária a regulamentações e ao politicamente
correto. Ele fez doações para as campanhas de Barack Obama e depois
de Hillary Clinton, e foi um crítico de Donald Trump nas eleições de
2016. “Trump não parece ter o tipo de caráter que reflete bem nos
Estados Unidos”, disse à CNBC.
Entretanto, depois que Trump venceu, Musk ficou cautelosamente
otimista de que ele poderia governar como um renegado independente,
em vez de um ressentido direitista. “Achei que talvez algumas das coisas
mais loucas que ele tivesse dito durante a campanha fossem só uma
atuação e que ele acabaria sendo mais sensato”, diz Musk. Então, a
pedido do amigo Peter Thiel, um apoiador de Trump, Musk concordou
em se juntar a um grupo de CEOs de tecnologia que iam se encontrar
com o presidente eleito em Nova York em dezembro de 2016.
Na manhã do encontro, Musk visitou os conselhos editoriais do The
New York Times e do The Wall Street Journal e depois, como o trânsito
parecia ruim, pegou o metrô na Lexington Avenue para chegar à Trump
Tower. Além de Thiel, entre os vinte CEOs de tecnologia na reunião
estavam Larry Page, do Google; Satya Nadella, da Microsoft; Jeff
Bezos, da Amazon; e Tim Cook, da Apple.
Depois do encontro, Musk ficou para uma reunião privada com
Trump. O presidente lhe disse que ganhara de um amigo um Tesla, mas
ele nunca dirigira. Musk ficou perplexo, mas não falou nada. Em
seguida, Trump afirmou que “queria muito botar a NASA em operação
de novo”. Isso deixou Musk ainda mais perplexo. Ele incitou Trump a
estabelecer objetivos maiores — principalmente enviar humanos a
Marte — e a deixar as empresas realizá-los. Trump pareceu
impressionado com a ideia de mandar pessoas a Marte, mas reiterou que
queria “botar a NASA em operação de novo”. Musk achou a reunião
estranha, mas Trump amigável. “Ele parece meio louco”, disse depois,
“mas pode acabar se revelando ok”.
Posteriormente, Trump disse a Joe Kernen, da CNBC, que ficou
impressionado com Musk. “Ele gosta de foguetes e se sai bem com os
foguetes, a propósito”, comentou Trump, e depois entrou no modo
trumpiano confuso. “Nunca vi onde essas máquinas descem sem asas,
sem nada, e elas estão pousando, e eu falei ‘Nunca vi isso antes’, e fiquei
preocupado com ele, porque é um dos nossos maiores gênios e temos
que proteger nossos gênios, você sabe que temos que proteger Thomas
Edison e temos que proteger todas essas pessoas que criaram
originalmente a lâmpada e a roda e todas essas coisas.”
Juleanna Glover, uma bem relacionada consultora de assuntos
governamentais, ajudou a organizar outras reuniões enquanto eles
estavam na Trump Tower, inclusive um encontro com o vice-presidente
eleito, Mike Pence, e os assessores de segurança nacional Michael Flynn
e K. T. McFarland. O único que impressionou Musk foi Newt
Gingrich, que era um fã do espaço e compartilhava o entusiasmo por
deixar empresas privadas licitarem para missões.
No primeiro dia de Trump como presidente, Musk foi à Casa Branca
participar de um conselho dos principais CEOs, e duas semanas depois
voltou para uma sessão parecida. Ele concluiu que o Trump presidente
não era diferente do Trump candidato. A bufonaria não era só teatro.
“Trump talvez seja um dos melhores falastrões do mundo”, diz. “Como
o meu pai. A baboseira pode, às vezes, confundir o cérebro. Se você
pensar em Trump apenas como um tipo de vigarista, então o
comportamento dele faz sentido.” Quando o presidente tirou os Estados
Unidos do Acordo de Paris, um acordo internacional para combater a
mudança climática, Musk se retirou dos conselhos presidenciais.
Amber Heard
Musk não foi criado para a tranquilidade doméstica. A maioria dos
relacionamentos amorosos dele envolve turbulência emocional. O mais
angustiante deles foi com a atriz Amber Heard, que o arrastou em um
vórtice sombrio por mais de um ano e causou uma dor profunda que
perdura até hoje. “Foi brutal”, diz ele.
O relacionamento começou depois que ela participou de um filme de
ação, em 2012, chamado Machete mata, longa que apresenta um inventor
que quer criar uma sociedade em uma estação espacial em órbita. Musk
concordou em servir de consultor porque queria conhecê-la, mas isso só
ocorreu um ano depois, quando ela perguntou se podia visitar a SpaceX.
“Acho que, para alguém que é chamada de gostosa, eu até que posso ser
considerada geek”, disse ela brincando. Musk levou Amber para um
passeio num Tesla, e ela pensou que, para um engenheiro de foguetes,
até que ele era atraente.
A vez seguinte que ela o viu foi na fila do tapete vermelho no jantar
de gala do Metropolitan Museum, em Nova York, em maio de 2016.
Heard, na época com 30 anos, estava na iminência de um divórcio
explosivo de Johnny Depp. Ela e Musk conversaram no jantar e na festa
que se seguiu. Após o relacionamento conturbado com Depp, ela achou
que Musk era uma lufada de ar fresco.
Poucas semanas depois, Amber estava trabalhando em Miami, e
Musk foi visitá-la. Eles ficaram à beira da piscina em uma villa que ele
alugou no Delano Hotel, em Miami Beach, e então Musk a levou, junto
com a irmã dela, de avião até Cabo Canaveral, onde um lançamento do
Falcon 9 estava programado. Ela achou que aquele era o encontro mais
interessante que já tivera.
Para o aniversário de Musk, em junho, Amber decidiu surpreendê-lo,
e viajou da Itália, onde estava trabalhando, até a fábrica da Tesla em
Fremont. Quando estava perto, ela parou no acostamento e colheu
algumas flores silvestres. Com a ajuda da equipe de segurança dele,
escondeu-se na traseira de um Tesla e saltou para fora com as flores
quando Musk se aproximou.
O relacionamento ficou mais sério em abril de 2017, época em que
Musk voou para ficar com Amber na Austrália, onde ela estava filmando
Aquaman, no qual interpretava a princesa guerreira e par romântico de
um super-herói que tentava salvar o mundo. Eles andaram de mãos
dadas por um santuário de vida selvagem e fizeram um curso de
arvorismo, depois do qual Heard deixou uma marquinha de beijo na
bochecha dele. Musk lhe disse que ela o fazia se lembrar de Mercy, a
personagem favorita dele no jogo de videogame Overwatch, e então ela
passou dois meses desenhando e encomendando uma fantasia completa
a fim de poder encenar para ele.
O lado divertido de Amber, no entanto, era acompanhado pelo tipo
de turbulência que atraía Musk. O irmão e os amigos dele a odiavam
tanto, que a aversão que sentiam por Justine parecia até esmorecer. “Ela
era simplesmente muito tóxica”, diz Kimbal, “um pesadelo”. O chefe de
equipe de Musk, Sam Teller, a compara com um vilão dos quadrinhos.
“Ela parecia o Coringa, do Batman”, comenta. “O único objetivo dela
era o caos. Ela acha ótimo quando desestabiliza tudo.” Amber e Musk
ficavam acordados a noite toda brigando, e ele só conseguia se levantar à
tarde.
Eles romperam em julho de 2017, mas em seguida reataram e ficaram
juntos por mais cinco turbulentos meses. O fim finalmente aconteceu
depois de uma viagem insana para o Rio de Janeiro em dezembro com
Kimbal, a esposa dele e alguns dos filhos. Quando chegaram ao hotel,
Elon e Amber tiveram outra das brigas incendiárias. Ela se trancou no
quarto e começou a gritar que tinha medo de ser atacada e que Elon
havia pegado o passaporte dela. Os seguranças e a esposa de Kimbal
tentaram convencê-la de que estava segura, o passaporte encontrava-se
na mala dela e Amber podia — e devia — partir quando quisesse. “Ela
realmente é uma ótima atriz, então diz coisas que fazem você pensar
Uau, talvez seja verdade, mas não é”, fala Kimbal. “A maneira como ela é
capaz de criar uma realidade própria me faz lembrar do meu pai.” (Pense
nisso por um minuto.)
Amber concorda que eles brigaram e ela foi meio dramática.
Entretanto, diz que fizeram as pazes naquela noite, que era o Ano-
Novo. Eles foram a uma festa e celebraram o início do novo ano em pé
numa sacada com vista para a praia de Copacabana, ela em um vestido
de linho branco decotado, ele com uma camisa de linho branca meio
desabotoada. Kimbal e a esposa estavam lá, junto com o primo Russ
Rive e a esposa dele. Para mostrar que haviam se acertado, Amber me
enviou fotos e vídeos da noite. Em um deles, Elon deseja a ela um feliz
Ano-Novo e a beija apaixonadamente nos lábios.
Ela chegou à conclusão de que Musk cultivava o drama porque
precisava de muito estímulo para mantê-lo revigorado. Mesmo depois
que eles romperam definitivamente, a chama permaneceu. “Eu o amo
muito”, diz Amber. Ela também o entende bem. “Elon ama o fogo”,
comenta ela, “e às vezes acaba se queimando”.
O fato é que a atração de Musk por Amber era parte de um padrão.
“É muito triste que o Elon se apaixone por pessoas que fazem muito mal
a ele”, diz Kimbal. “Elas são lindas, sem dúvida, mas têm um lado
sombrio e o Elon sabe que são tóxicas.”
Então por que ele faz isso? Quando pergunto a Elon, ele dá uma
risada. “Porque sou um tolo apaixonado”, responde. “Muitas vezes sou
um tolo, mas especialmente quando estou apaixonado.”
Errol e Jana
Elon não via o pai desde o fim de 2002, quando Errol e a família
fizeram uma visita depois da morte do bebê Nevada. Durante a estadia,
Elon havia ficado desconfortável com o carinho do pai pela enteada
Jana, então com 15 anos, e o pressionado a voltar para a África do Sul.
No entanto, em 2016, Elon e Kimbal planejaram uma viagem com as
respectivas famílias à África do Sul e decidiram que deveriam ver Errol,
que estava divorciado e havia tido problemas cardíacos. Elon
compartilha algumas coisas com o pai, provavelmente mais do que
gostaria de admitir, inclusive o dia do aniversário: 28 de junho. Então,
eles marcaram um almoço para tentar se reconciliar, pelo menos por um
momento, no aniversário deles — Elon estava completando 45 anos e
Errol, 70.
Encontraram-se em um restaurante na Cidade do Cabo, onde Errol
morava. Estavam presentes Kimbal e a nova esposa, Christiana, e Elon e
a atriz Natasha Bassett, com quem ele saía de vez em quando. Justine
havia pedido que os filhos, que foram na viagem, não tivessem contato
com Errol, portanto as crianças deixaram o restaurante pouco antes de o
avô chegar. Antonio Gracias também estava presente e perguntou se
podia ir embora. “Elon pôs a mão na minha perna e pediu: ‘Fica, por
favor’”, recorda-se Gracias. “Foi a única vez que vi as mãos do Elon
tremendo.” Quando entrou no restaurante, Errol elogiou Elon em voz
alta pela beleza de Natasha, o que deixou todos desconfortáveis. “Elon e
Kimbal se fecharam, ficaram silenciosos”, diz Christiana. Após uma
hora, disseram que era hora de ir.
Elon tinha planejado levar Kimbal, Christiana, Natasha e as crianças
a Pretória, para verem onde os dois haviam crescido. Contudo, depois do
encontro com o pai, não havia mais clima. Elon interrompeu a viagem
abruptamente e voou de volta para os Estados Unidos, dizendo aos
demais e a si mesmo que precisava retornar para lidar com a situação do
motorista que havia morrido na Flórida enquanto usava o Autopilot da
Tesla.
***
A visita, apesar de breve, parecia anunciar uma détente com o pai, que
poderia, talvez, ter ajudado Elon a domar alguns dos demônios que
ainda o assombravam. Mas isso não aconteceu. Naquele mesmo ano,
não muito depois que Elon partiu da África do Sul, Errol engravidou
Jana, que estava então com 30 anos. “Éramos pessoas solitárias,
perdidas”, disse Errol depois. “Uma coisa levou a outra. Você pode
chamar isso de plano divino ou plano da natureza.”
Quando Elon e os irmãos descobriram, ficaram assustados e furiosos.
“Eu estava, na realidade, gradativamente fazendo as pazes com meu
pai”, diz Kimbal, “mas aí ele teve um filho com a Jana e eu decretei:
‘Acabou, estou fora. Nunca mais quero falar com você.’ E não falei mais
com ele desde então”.
Logo depois de saber da notícia, no verão de 2017, Elon tinha uma
entrevista agendada com Neil Strauss para uma matéria de capa da
Rolling Stone. Strauss começou a entrevista com uma pergunta sobre o
Model 3 da Tesla. Como acontecia com frequência, Musk simplesmente
ficou em silêncio. Ele estava processando ambas as situações, a com
Amber Heard e a com o pai dele. Sem dar muita explicação, Musk se
levantou e saiu.
Depois de mais de cinco minutos, Teller foi buscá-lo. Quando Musk
voltou, ele explicou para Strauss: “Acabei de terminar com minha
namorada. Estava realmente apaixonado, e dói muito.” Mais adiante na
entrevista, ele falou sobre o pai, mas sem mencionar o filho que Errol
havia acabado de ter com Jana. “Ele é um ser humano tão terrível”, disse
Musk, começando a chorar. “Meu pai sempre vai ter um plano maléfico
cuidadosamente urdido. Ele planeja o mal. Quase todo crime no qual
você possa pensar, ele já cometeu.” No perfil que publicou, Strauss
destacou que Musk não entrou em detalhes. “Nitidamente, existe algo
que Musk quer compartilhar, mas não consegue expressar com palavras.”
capítulo 45
Descida para a escuridão
2017
Desautomação
Desde o desenvolvimento das linhas de montagem, no início dos anos
1900, a maioria das fábricas tem sido projetada em dois estágios.
Primeiro, a linha é organizada com trabalhadores que fazem tarefas
específicas em cada estação. Depois, quando os problemas são
resolvidos, robôs e outras máquinas são gradualmente inseridos para
assumir parte do trabalho. Musk fez o inverso. Em sua visão de uma
fábrica moderna do tipo “encouraçado alienígena”, ele começou
automatizando todas as tarefas possíveis. “Tínhamos uma linha de
produção muito automatizada que usava toneladas de robôs”, diz
Straubel. “Só que havia um problema. Não funcionava.”
Certa noite, Musk andava pela fábrica de conjuntos de bateria em
Nevada com seu pelotão — Omead Afshar, Antonio Gracias e Tim
Watkins —, e eles notaram um atraso em uma estação de trabalho na
qual um braço robótico colava células em um tubo. A máquina tinha um
problema para segurar o material e deixá-lo alinhado. Watkins e Gracias
foram até uma mesa e tentaram fazer o processo manualmente. Eles
conseguiam fazer de forma mais confiável. Então chamaram Musk e
calcularam quantos humanos seriam necessários para se livrar da
máquina. Foram contratados trabalhadores para substituir o robô, e a
linha de montagem passou a andar mais rápido.
Musk passou de apóstolo da automação para uma nova missão que
assumiu com zelo similar: encontrar qualquer parte da linha onde
houvesse um atraso e ver se a desautomação poderia torná-la mais
rápida. “Começamos a limar os robôs da linha de produção e a jogá-los
no estacionamento”, conta Straubel. Em um fim de semana, eles
marcharam pela fábrica pintando marcas no maquinário que seria
descartado. “Fizemos um buraco na lateral do prédio só para remover
todo o equipamento”, diz Musk.
O experimento foi uma lição que se tornaria parte do algoritmo de
produção de Musk. Sempre espere até o fim do processo de
desenvolvimento — depois que você questionou todas as especificações e
eliminou as partes desnecessárias — antes de automatizar.
Em abril de 2018, a fábrica de Nevada estava funcionando melhor. O
clima havia esquentado um pouco, então Musk decidiu que ia dormir na
laje da fábrica em vez de dirigir até um hotel de beira de estrada. O
assistente dele comprou barracas e os amigos Bill Lee e Sam Teller se
juntaram a ele. Certa noite, depois de inspecionar as linhas de
montagem do módulo e dos conjuntos até quase a uma da manhã, eles
foram para a laje, acenderam uma pequena fogueira portátil e
conversaram sobre o próximo desafio. Musk estava pronto para dar
atenção a Fremont.
Na sala de conferências Júpiter, em Fremont, em 2008, assistindo a um
lançamento e observando os números de produção da Tesla
capítulo 46
O inferno da fábrica de
Fremont
Tesla, 2018
***
Remoção de robô
Durante o esforço para aumentar a produção na fábrica de baterias de
Nevada, Musk tinha aprendido que certas tarefas, às vezes muito
simples, são desempenhadas melhor por humanos do que por robôs.
Com os olhos, podemos procurar em volta e encontrar a ferramenta
certa de que precisamos. Depois podemos ir até ela, pegá-la com os
dedos, ver o lugar certo para usá-la e guiá-la com nosso braço. Fácil,
certo? Não para um robô, não importa quão boas sejam as câmeras que
ele tenha. Em Fremont, onde cada linha de montagem tinha 1.200
dispositivos robóticos, Musk chegou à mesma conclusão que chegara em
Nevada sobre os riscos de uma automatização tão implacável.
Perto do fim da linha de montagem havia braços robóticos tentando
ajustar as borrachas vedantes em torno das janelas. Eles estavam tendo
dificuldades. Certo dia, depois de ficar de pé em silêncio na frente dos
robôs obstinados por alguns minutos, Musk tentou fazer a tarefa com as
próprias mãos. Era fácil para um humano. Então deu uma ordem,
parecida com a que dera em Nevada: “Vocês têm 72 horas para remover
todas as máquinas desnecessárias.”
A remoção dos robôs começou mal. As pessoas haviam investido
muito nas máquinas. Mas então virou um tipo de jogo. Musk começou a
andar pela linha, sacudindo uma lata de tinta spray laranja. “Fica ou
vai?”, perguntava ele para Nick Kalayjian, o vice-presidente de
engenharia, ou para outras pessoas. Se a resposta fosse “vai”, a peça era
marcada com um X laranja e os funcionários a tiravam da linha. “Logo
ele estava rindo, como uma criança”, diz Kalayjian.
Musk assumiu a responsabilidade pela automatização excessiva, e
chegou até a anunciar isso publicamente. “A automatização excessiva na
Tesla foi um erro”, tuitou. “Para ser preciso, erro meu. Os humanos são
subestimados.”
Depois da desautomação e de outras melhorias, a fábrica aprimorada
de Fremont estava produzindo 3.500 sedãs Model 3 por semana no fim
de maio de 2018. Era um número impressionante, mas ainda muito
abaixo dos 5 mil por semana que Musk tinha prometido para o fim de
junho. Os operadores que apostavam na baixa das ações, com seus
espiões e drones, determinaram que não havia como a fábrica, com suas
duas linhas de montagem, alcançar essa meta. Eles também sabiam que
não havia como a Tesla construir outra fábrica, ou mesmo conseguir
autorização para tal, pelo menos dentro de um ano. “Os operadores
achavam que tinham a informação perfeita”, diz Musk, “e estavam se
gabando on-line, dizendo ‘É, a Tesla está ferrada’”.
A tenda
Musk gosta de história militar, especialmente das histórias sobre o
desenvolvimento de aviões de guerra. Em uma reunião na fábrica de
Fremont no dia 22 de maio, ele recontou uma história sobre a Segunda
Guerra Mundial. Quando o governo precisou acelerar a produção de
bombardeiros, montou linhas de produção nos estacionamentos das
companhias aéreas na Califórnia. Musk discutiu a ideia com Jerome
Guillen, que em breve seria promovido a presidente de automotivos da
Tesla, e ambos decidiram que podiam fazer algo parecido.
Havia uma cláusula no código de zoneamento de Fremont para algo
chamado “instalação temporária de conserto de veículos”, a qual previa
que postos de combustível tivessem permissão de instalar tendas onde
pudessem trocar pneus ou silenciadores. Entretanto, o regulamento não
especificava um tamanho máximo para essas tendas. “Consiga uma
dessas autorizações e comece a construir uma tenda enorme”, disse
Musk para Guillen. “Vamos ter que pagar uma multa depois.”
Naquela tarde, os funcionários da Tesla começaram a limpar os
entulhos que cobriam um velho estacionamento atrás da fábrica. Não
havia tempo para pavimentar o concreto rachado, então eles
simplesmente cobriram uma longa faixa e começaram a construir a
tenda em torno dela. Um dos ases de Musk na construção de fábricas,
Rodney Westmoreland, viajou para lá a fim de coordenar a construção, e
Teller reuniu caminhões de sorvete para entregar as iguarias doces aos
que estavam trabalhando ao sol. Em duas semanas, conseguiram
completar uma instalação dentro da tenda que tinha trezentos metros de
comprimento por 45 metros de largura, grande o suficiente para
acomodar uma linha de montagem improvisada. Em vez de robôs, havia
humanos em cada estação de trabalho.
O problema era que eles não tinham uma esteira transportadora para
mover os carros incompletos pela tenda. Só tinham um sistema antigo
para movimentar partes, mas não era poderoso o suficiente para mover
as carrocerias. “Então instalamos com uma ligeira inclinação, e a
gravidade impulsionava os carros a se moverem na velocidade certa”, diz
Musk.
Pouco depois das quatro horas da tarde do dia 16 de junho, apenas
três semanas depois de Musk ter a ideia, a nova linha de montagem já
estava produzindo sedãs Model 3 na tenda improvisada. Neal Boudette,
do The New York Times, tinha ido a Fremont para observar Musk em
ação e escrever sobre isso, e pôde ver a tenda sendo construída no
estacionamento. “Se o pensamento convencional torna uma missão
impossível”, disse Musk a ele, “então o pensamento não convencional é
necessário”.
Celebração de aniversário
O aniversário de 47 anos de Musk, em 28 de junho de 2018, aconteceu
pouco antes do prazo prometido para atingir a meta de 5 mil carros por
semana. Ele passou a maior parte do dia na estação de pintura da fábrica
principal. “Por que está atrasado?”, perguntava a cada imprevisto e
andava até o ponto de gargalo, onde ficava em pé até um dos
engenheiros resolver a situação.
Amber Heard ligou para desejar feliz aniversário, e depois disso ele
derrubou o telefone, que se quebrou, portanto Musk não estava de bom
humor. Contudo, logo depois das duas da tarde, Teller conseguiu fazê-lo
dar uma pausa e levá-lo para uma rápida celebração na sala de
conferências. “Aproveite o ano 48 da simulação!”, estava escrito com
glacê no bolo de sorvete que Teller tinha comprado. Não havia facas ou
garfos, então eles comeram com as mãos.
Doze horas depois, pouco após as duas e meia da manhã, Musk
finalmente deixou o chão de fábrica e voltou para a sala de conferências.
No entanto, ainda levaria mais uma hora para que conseguisse dormir.
Em vez disso, ele assistiu em um dos monitores ao lançamento de um
foguete da SpaceX em Cabo Canaveral. O foguete estava carregando
um assistente robótico junto com suprimentos que incluíam sessenta
pacotes de café supercafeinado Death Wish Coffee para os astronautas
na Estação Espacial Internacional. O lançamento aconteceu com
perfeição, tornando-se a 15a missão de carga bem-sucedida que a
SpaceX fazia para a NASA.
O dia 30 de junho, o prazo estabelecido por Musk para chegar à meta
de 5 mil carros por semana, era um sábado, e, quando ele acordou no
sofá da sala de conferências naquela manhã e olhou os monitores,
percebeu que iam conseguir. Musk trabalhou por algumas horas na linha
de pintura, depois saiu correndo da fábrica, ainda usando luvas
protetoras, e entrou em seu avião, rumo à Espanha, para chegar a tempo
de ser padrinho de casamento de Kimbal em uma vila catalã medieval.
À 1h53 da manhã no domingo, dia 1o de julho, um Model 3 preto foi
expelido da fábrica com uma faixa no para-brisa em que se lia “5.000”.
Quando Musk recebeu uma fotografia desse carro no iPhone, enviou
uma mensagem para todos os funcionários da Tesla: “Conseguimos! (...)
Criamos soluções totalmente novas que diziam ser impossíveis. Foi
intenso, em tendas.* Não importa. Funcionou... Acho que acabamos de
nos tornar uma empresa automotiva de verdade.”
O algoritmo
Em qualquer reunião de produção, seja na Tesla, seja na SpaceX, há uma
chance nada trivial de Musk entoar, como um mantra, o que ele chama
de “o algoritmo” — elaborado a partir das lições que aprendeu durante
as ondas infernais de produção nas fábricas de Nevada e Fremont. Seus
executivos às vezes movem os lábios e repetem as palavras, como se
entoassem a liturgia junto com o padre. “Eu me tornei um disco
arranhado falando do algoritmo”, diz Musk. “Mas acho que é útil dizer
até incomodar.” Eram cinco mandamentos:
Nunca peça à sua tropa para fazer algo que você não quer fazer.
As únicas regras são as que são ditadas pelas leis da física. Tudo o
mais é uma recomendação.
Na linha de montagem
* Em inglês, “intense in tents”, um famoso trocadilho com as palavras “intense” [intenso] e “in
tents” [em tendas], que brinca com a dificuldade de acampar e é usado para se referir a algo
complicado. [N. da E.]
capítulo 47
Aviso de malha aberta
2018
***
***
Tornar privada
No fim de julho, na Júpiter, na fábrica de Fremont, Musk se encontrou
com líderes do fundo de investimento do governo da Arábia Saudita,
que disseram a ele terem discretamente acumulado quase 5% das ações
da Tesla. Assim como fizeram em reuniões anteriores, Musk e o líder do
fundo, Yasir al-Rumayyan, discutiram a possibilidade de fechar o capital
da Tesla. A ideia era atraente para Musk. Ele odiava ter o valor da
empresa determinado por especuladores e vendedores a descoberto e se
irritava com as regras que vinham atreladas ao fato de ter as ações
negociadas na bolsa. Al-Rumayyan deixou o assunto nas mãos de Musk,
dizendo que gostaria de “ouvir mais” e apoiaria um plano “razoável” para
tornar a empresa privada.
Dois dias depois, as ações da Tesla subiram 16% quando foram
anunciados os bons resultados do segundo trimestre, o que incluía ter
atingido a produção de 5 mil carros por semana. Musk se preocupava
com que, se as ações continuassem a subir, se tornassem caras demais
para tornar a empresa privada. Então, naquela noite, ele mandou ao
conselho de diretores um memorando: queria fechar o capital da
empresa o mais rápido possível, e ofereceu para isso o valor de 420
dólares por ação. O cálculo original dele determinou o preço de 419
dólares, mas ele gostava do número 420 porque era uma gíria para fumar
maconha. “Parecia um carma melhor com 420 do que com 419”, diz.
“Mas eu não fumava maconha, só para deixar claro. Maconha não ajuda
na produtividade. Há uma razão para a palavra ‘chapado’.” Depois ele
admitiu para a Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos
(SEC, na sigla em inglês) que escolher o preço a partir de um trocadilho
sobre drogas não foi inteligente.
O conselho não fez nenhuma declaração pública enquanto
considerava a sugestão de Musk. Entretanto, na manhã de 7 de agosto,
quando estava indo para o terminal aéreo privado em Los Angeles, ele
publicou um tuíte fatídico: “Estou analisando tornar a Tesla privada por
420 dólares. O financiamento está assegurado.”
As ações subiram 7% antes que os operadores da bolsa
interrompessem temporariamente as negociações. Uma regra para
empresas públicas é que os executivos devem alertar a bolsa dez minutos
antes de qualquer anúncio que possa causar volatilidade no mercado.
Musk não prestava atenção às regras. A SEC abriu imediatamente uma
investigação.
O conselho e os principais administradores da Tesla foram pegos de
surpresa. Quando o chefe de relações com investidores da empresa viu o
tuíte de Musk, mandou uma mensagem para Teller em que perguntava:
“Isso é legítimo?” Gracias ligou para Musk a fim de expressar
oficialmente a preocupação do conselho e pedir que ele parasse de tuitar
até que o assunto fosse discutido.
Musk permaneceu imperturbável após a confusão causada pelo tuíte.
Ele voou para a gigafábrica de Nevada, onde brincou com os gestores
sobre como “420” era uma referência a maconha e passou o restante do
dia trabalhando na linha de montagem de baterias. À noite, ele voou
para a fábrica de Fremont, onde realizou reuniões até tarde.
Àquela altura, os sauditas estavam expressando desconforto com o
fato de suas conversas sobre tornar a Tesla privada terem sido
inflacionadas em um tuíte sobre “financiamento garantido”. Al-
Rumayyan, o líder do fundo, disse à Bloomberg News que eles estavam
“conversando” com Musk. Quando Musk viu a notícia, ele enviou uma
mensagem para Al-Rumayyan: “Essa é uma declaração muito fraca e
não reflete a conversa que tivemos. Vocês disseram que estavam
definitivamente interessados em tornar a Tesla privada e queriam fazer
isso desde 2016. Vocês estão me jogando aos lobos.” Ele acrescentou
que, se Al-Rumayyan não desse uma declaração pública mais forte,
“nunca mais vamos conversar, nunca”.
“Quando um não quer, dois não brigam”, respondeu Al-Rumayyan.
“Não recebemos nada ainda... Não podemos aprovar algo sobre o qual
não temos informação suficiente.”
Musk ameaçou encerrar as discussões com os sauditas. “Desculpe,
mas não podemos trabalhar juntos”, disse ele a Al-Rumayyan.
Enfrentando resistência de investidores institucionais, em 23 de
agosto Musk rescindiu a proposta de tornar a empresa privada. “Dado o
retorno que recebi, está evidente que a maioria dos atuais acionistas da
Tesla acredita que estamos melhor como uma empresa pública”, disse ele
em uma declaração.
A reação foi brutal. “Isso é um comportamento clássico e extremo de
uma pessoa bipolar que põe tudo em risco”, falou Jim Cramer, da
CNBC, no ar. “Estou falando sobre um comportamento que
obviamente está sendo examinado por muitos psiquiatras, que dizem ser
uma tendência clássica de assumir riscos, algo que um CEO não deveria
fazer.” No The New York Times, o colunista James Stewart escreveu que o
tuíte sobre tornar a Tesla privada era “tão impulsivo, potencialmente
impreciso, mal escrito e mal elaborado, e com tantas possíveis
consequências terríveis para ele próprio, a Tesla e os acionistas, que o
conselho deve agora fazer uma pergunta sensível, mas vital: qual era o
estado mental do sr. Musk quando escreveu aquilo?”
***
* O processo de difamação, que incluiu os e-mails para o BuzzFeed, foram a julgamento em Los
Angeles em 2019. Em seu depoimento, Musk se desculpou e disse não acreditar que o
explorador de cavernas fosse um pedófilo. O júri absolveu Musk.
capítulo 48
Radioatividade
2018
JB Straubel sai
Não foi surpresa que muitos dos principais executivos de Musk tenham
fugido durante o inferno da produção de 2018 e da tempestade que se
seguiu. Jon McNeill, o presidente da Tesla que supervisionava vendas e
marketing, havia assumido o papel de ajudar Musk durante as crises de
sofrimento mental que o acometiam, como fez quando ele estava
deitado no chão da sala de conferências. “Estava ficando absolutamente
exaustivo para mim”, diz McNeill. Ele foi até Musk em janeiro de 2018,
incentivou-o a procurar ajuda psicológica e disse: “Adoro você, mas não
consigo mais continuar assim.”
Doug Field, o vice-presidente sênior de engenharia, era cogitado
como futuro CEO da Tesla. Musk, contudo, perdeu a confiança nele no
início do inferno da onda e o tirou do papel de supervisor de produção.
Ele saiu para ir trabalhar na Apple e depois na Ford.
A saída mais importante, pelo menos dos pontos de vista simbólico e
emocional, foi a de JB Straubel, o animado cofundador que havia
acompanhado Musk por dezesseis anos, desde o jantar deles em 2003,
quando Straubel exaltou a possibilidade de usar baterias de íon de lítio
para fazer carros elétricos. No fim de 2018, ele tirou longas férias, as
primeiras férias de verdade em quinze anos. “Meu nível percentual de
felicidade estava baixo e tendendo a cair”, diz. Ele estava se divertindo
muito mais num empreendimento secundário que havia fundado, a
Redwood Materials, cujo objetivo era reciclar baterias de íon de lítio de
carros. Outro fator foi o comportamento de Musk na época. “Ele estava
sofrendo, e por isso se mostrava mais temperamental que de costume”,
explica Straubel. “Eu me senti terrível por ele e tentei ajudá-lo como
amigo, mas não consegui.”
Geralmente, Musk não é sentimental com a partida das pessoas. Ele
gosta de sangue novo. O que o preocupa mais é um fenômeno que
chama de “ricos preguiçosos”, ou seja, pessoas que trabalham por muito
tempo na empresa e, como já adquiriram dinheiro suficiente e casas de
veraneio, não têm mais o apetite para passar a noite toda no chão de
fábrica. Mas, no caso de Straubel, para além da confiança profissional,
Musk sentia uma afeição pessoal. “Fiquei um pouco surpreso com a
relutância de Elon em aceitar minha demissão”, diz Straubel.
Durante o início de 2019, eles tiveram várias conversas e Straubel foi
capaz de perceber as complexidades das oscilações emocionais de Musk.
“Ele pode mudar, normalmente sem aviso, de um humor muito emotivo
e humano para o exato oposto disso”, diz Straubel. “Às vezes ele pode
ser extremamente amável e carinhoso, de forma chocante até, e você
pensa Ah, meu Deus, é verdade, já passamos por grandes dificuldades juntos e
temos uma ligação profunda, e eu te amo, cara. Então isso se mistura àquele
olhar vazio, quando parece que ele está olhando através de você sem
emoção alguma.”
O plano que eles elaboraram era anunciar a saída de Straubel da Tesla
na reunião anual de junho de 2019, que seria realizada no Museu da
História do Computador, perto de Palo Alto. Considerando o local,
seria uma chance de andar pela história da Tesla, que em dezesseis anos
deixou de ser um sonho para se transformar na rentável pioneira da era
dos veículos elétricos. Em seguida, eles apresentariam o sucessor de
Straubel, Drew Baglino, um veterano que estava na empresa havia doze
anos. Straubel e Baglino tinham a mesma linguagem corporal e modos
esguios, além de uma profunda afeição.
Nos bastidores, antes do evento, Musk repensou se faria o anúncio da
saída de Straubel. “Estou com um mau pressentimento sobre isso”, disse.
“Não acho que a gente deva fazer o anúncio hoje.” Straubel ficou
aliviado, porque lidar com a própria saída estava sendo emocionalmente
difícil.
Musk fez a primeira parte da apresentação sozinho. “Foi um ano
infernal”, começou ele, uma frase que era verdadeira em muitos níveis.
O Model 3 estava, na época, vendendo mais que todos os concorrentes
juntos — a gasolina e elétricos — na categoria de carro de luxo e era o
carro mais vendido em receita nos Estados Unidos. “Há dez anos,
ninguém teria acreditado que isso poderia acontecer”, disse Musk. O
humor tolo dele veio à tona por um momento. Ele começou a rir com o
“aplicativo de pum”, o qual permitia que os motoristas do Tesla, ao
apertar um botão, fizessem o assento do passageiro emitir um som de
pum quando alguém se sentasse. “Talvez seja meu melhor trabalho”,
falou Musk.
Ele também, como sempre, prometeu que os Teslas autônomos
estavam próximos. “Esperamos apresentar a autonomia completa até o
fim deste ano”, declarou — mais um ano em que isso era prometido.
“Esse carro deve ser capaz de ir da garagem da sua casa até o
estacionamento do trabalho sem intervenção.” Uma pessoa da plateia foi
até o microfone e o desafiou, quando disse que as promessas anteriores
que ele fizera não haviam se concretizado. Musk riu, pois sabia que o
interlocutor estava certo. “Pois é, às vezes eu sou um pouquinho otimista
demais com relação a prazos”, disse ele. “Vocês já devem ter percebido,
não é? Mas será que eu estaria fazendo isso se não fosse otimista? Jesus!”
A plateia aplaudiu. Eles entendiam a piada.
Quando Musk convidou Straubel e Baglino ao palco, houve aplausos.
Entre os fãs da Tesla, eles eram astros queridos. Straubel disse com
afeição genuína: “Drew se juntou à minha equipe alguns anos depois da
fundação da empresa, quando meu time era pequeno, apenas cinco ou
dez pessoas, e desde então ele tem sido meu braço direito, fez parte de
todos os principais projetos que toquei.” Esse seria o momento em que
Straubel anunciaria a aposentadoria, assim havia planejado. Em vez
disso, Straubel e Musk aproveitaram a ocasião para relembrar o passado.
“Lembro da origem da Tesla, em 2003, quando JB e eu almoçamos com
Harold Rosen”, disse Musk. “É, aquela foi uma boa conversa.”
“Nós não previmos exatamente como as coisas aconteceriam”,
acrescentou Straubel.
“Eu tinha certeza absoluta de que não ia dar certo”, falou Musk. “Em
2003, as pessoas achavam que carros elétricos eram a coisa mais estúpida
do mundo, ruim em todos os sentidos, algo como um carrinho de golfe.”
“Mas era algo que precisava ser feito”, disse Straubel.
Durante uma reunião de resultados algumas semanas depois, Musk
anunciou casualmente a saída de Straubel. O respeito de Musk por ele,
entretanto, permaneceu. Em 2023, ele iria convidar Straubel para fazer
parte do conselho da Tesla.
capítulo 49
Grimes
2018
Claire Boucher, conhecida como Grimes, vestida para uma apresentação; com
Musk no Met Gala
em+cb
De vez em quando, frequentemente nos momentos mais complexos, os
Criadores da Nossa Simulação — os patifes que conjuram aquilo que
somos levados a acreditar ser realidade — apresentam um novo
elemento brilhante, que cria novas e caóticas subtramas. E foi
exatamente assim que, na primavera de 2018, em meio ao tsunami
emocional causado pelo rompimento com Amber Heard, surgiu na vida
de Musk uma franzina tecelã de sons: Claire Boucher, conhecida como
Grimes, uma artista performática inteligente e hipnótica, cujo
aparecimento acarretaria três novos filhos, intermitentes períodos de
vida doméstica e até mesmo uma batalha pública com uma rapper
instável.
Nascida em Vancouver, Grimes havia produzido quatro álbuns na
época em que começou a sair com Musk. Baseando-se em temas e
memes de ficção científica, ela combinava de forma hipnotizante textura
sonora com elementos de dream pop e música eletrônica. Uma intrépida
curiosidade intelectual a levou a se interessar por ideias ecléticas, como
um experimento mental conhecido como Basilisco de Roko, o qual
postula que a inteligência artificial poderia sair de controle e torturar
qualquer humano que não a tenha ajudado a ganhar poder. Esse é o tipo
de coisa com as quais ela e Musk se preocupam. Quando Musk quis
tuitar um trocadilho sobre o assunto, deu uma busca no Google para
encontrar uma imagem e então descobriu que Grimes havia
transformado isso em um elemento do videoclipe “Flesh Without
Blood”, de 2015. Ela e Musk deram início a uma conversa no Twitter,
que, à maneira moderna, acabou em trocas de mensagens privadas em
redes sociais e mensagens de celular.
Os dois já haviam se encontrado antes — ironicamente, quando
Musk estava em um elevador com Amber Heard. “Você se lembra
daquele encontro no elevador?”, perguntou Grimes durante uma
conversa que tive com ela e Musk tarde da noite. “Foi superestranho.”
“De tantos momentos em que a gente podia ter se encontrado...”,
concordou Musk. “Você estava me encarando muito intensamente.”
“Não”, corrigiu ela, “era você que estava me encarando com um olhar
estranho”.
Depois que se reencontraram na conversa sobre o Basilisco de Roko
no Twitter, Musk a convidou para voar até Fremont e visitar a fábrica
dele, sua ideia de um bom encontro. Era fim de março de 2018, durante
o frenesi enlouquecido para fazer 5 mil carros por semana. “Nós
simplesmente andamos pelo chão de fábrica a noite toda, e eu o vi tentar
consertar coisas”, conta Grimes. Na noite seguinte, enquanto a levava a
um restaurante, ele mostrou quão rápido o carro acelerava, depois tirou
as mãos do volante, cobriu os próprios olhos e a deixou experimentar o
Autopilot. “Fiquei, tipo, esse cara é muito louco”, diz ela. “O carro dava
a seta e mudava de pista sozinho. Parecia uma cena de filme da Marvel.”
No restaurante, ele escreveu em+cb na parede.
Quando ela comparou os poderes dele aos de Gandalf, Musk fez um
quiz com ela sobre O Senhor dos Anéis. Ele queria testar se ela era
realmente fã. Ela passou no teste. “Era importante para mim”, diz
Musk. Grimes deu de presente para ele uma caixa de ossos de animais
que havia colecionado. À noite, eles ouviam “Hardcore History”, de
Dan Carlin, e outros podcasts de história e audiolivros. “A única
maneira de eu estar em um relacionamento sério é se a pessoa com quem
estou também for capaz de ouvir, tipo, uma hora de história de guerra
antes de dormir”, diz ela. “Elon e eu passamos por muitos assuntos,
como Grécia Antiga, Napoleão e as estratégias militares da Primeira
Guerra Mundial.”
Tudo isso estava acontecendo enquanto Musk passava por suas crises
mentais e de trabalho em 2018. “Cara, você realmente parece estar com
a cabeça bem cheia”, disse Grimes para ele. “Quer que eu traga meu
material de música para cá e trabalhe na sua casa?” Musk respondeu que
gostaria disso. Não queria ficar sozinho. Ela achou que ficaria com ele
por algumas semanas, até que a turbulência emocional abrandasse. “Mas
a tempestade meio que nunca passou, e então você já está embarcado,
viajando, e eu simplesmente fui ficando ali.”
Ela foi com Musk à fábrica em algumas noites quando ele estava no
modo batalha. “Elon está sempre procurando pelo que está errado com o
motor, o que está errado com o mecanismo, o escudo térmico, a válvula
de oxigênio líquido”, diz ela. Certa noite, eles saíram para jantar e Musk
de repente ficou em silêncio, pensando. Depois de um minuto ou dois,
ele perguntou se ela tinha uma caneta. Ela tirou um delineador da bolsa.
Musk pegou e começou a desenhar em um guardanapo uma ideia para
modificar um escudo térmico do motor. “Percebi que, mesmo quando
estava com ele, havia momentos em que a mente dele ia para outro
lugar, geralmente para algum problema do trabalho”, comenta Grimes.
Em maio, Musk tirou uma breve folga do inferno de produção na
fábrica da Tesla e foi com ela a Nova York para participar do evento
anual de gala do Metropolitan Museum, uma extravagância cintilante
em que as pessoas exibem uma moda fora do comum e fantasias. Musk
sugeriu ideias para o traje dela, um conjunto punk medieval em preto e
branco com espartilho de vidro rígido e um colar feito de pontas que
lembravam o logotipo da Tesla. Ele até conseguiu alguém da equipe de
design da Tesla para ajudar Grimes a produzi-la. Ele usou uma camisa
branca com um colarinho clerical e um smoking branco puro com uma
discreta inscrição novus ordo seclorum, uma frase em latim que anuncia
uma nova ordem dos tempos.
Batalha de rap
Embora quisesse ajudar Musk durante a crise, Grimes não era uma
influência tranquila. A intensidade que a tornava uma artista ousada
trazia junto um estilo de vida confuso. Ela ficava acordada boa parte da
noite e dormia durante o dia. Grimes era exigente e não confiava na
equipe que cuidava dos afazeres domésticos de Musk, bem como tinha
um relacionamento difícil com Maye.
Musk era viciado em drama e Grimes tinha uma característica que
intensificava isso: era um ímã para drama. Ela atraía situações
dramáticas, fosse de propósito ou não. Bem quando o incidente da
caverna tailandesa e a confusão sobre tornar a Tesla uma empresa
privada estavam saindo de controle, em agosto de 2018, Grimes
convidou a rapper Azealia Banks para ficar com ela na casa de Musk e
colaborar em algumas músicas. Ela havia esquecido que tinha feito
planos com Musk de visitar Kimbal em Boulder. Grimes disse a Banks
que ela poderia ficar na casa de hóspedes no fim de semana. Naquela
manhã de sexta, três dias depois do tuíte sobre tornar a Tesla uma
empresa privada, Musk se levantou, se exercitou, fez algumas ligações e
viu de relance Banks na casa. Quando está concentrado em outras
coisas, ele não presta muita atenção no que acontece ao redor. Musk não
sabia ao certo quem vinha a ser ela, apenas que era amiga de Grimes.
Chateada por Grimes ter cancelado a sessão de gravação delas para
ficar com Musk, Banks soltou uma sequência de ofensas em seu perfil
do Instagram, que tinha muitos seguidores. “Esperei o fim de semana
todo enquanto grimes mimava o namorado por ser estúpido demais para
saber que não se entra no twitter sob efeito de ácido”, postou. Isso era
mentira (Musk nunca usou ácido), mas compreensivelmente instigou
não apenas a imprensa, como também a SEC. Os posts de Banks sobre
Grimes e Musk se tornaram progressivamente mais insanos:
Quando a Business Insider fez uma entrevista por telefone com Banks,
ela ligou a situação ao compromisso de Musk de tornar a Tesla uma
empresa privada, o que deixou as coisas legalmente piores. “Eu o vi na
cozinha com o rabinho entre as pernas, pedindo que investidores
salvassem o traseiro dele depois daquele tuíte”, disse ela. “Ele estava
estressado e com o rosto vermelho.”
Até então, histórias malucas envolvendo Musk tinham uma vida útil
curta. Essa história foi sensação nos tabloides por cerca de uma semana,
depois começou a sumir quando Banks postou um pedido de desculpa.
Grimes conseguiu transformar a situação em munição para uma música.
Em 2021, lançou uma faixa chamada “100% Tragedy”, que era sobre “ter
que derrotar Azealia Banks quando ela tentou destruir minha vida”.
***
***
Mark Juncosa
Em meio ao infernal verão de 2018, o sentido-aranha de Musk o estava
alertando para algo errado na Starlink. Os satélites eram grandes
demais, caros e difíceis de fabricar. Para conseguir uma escala lucrativa,
eles teriam que ser fabricados por um décimo do custo e dez vezes mais
rápido. A equipe da Starlink, porém, não parecia sentir essa urgência, o
que para Musk é um pecado capital.
Por isso, numa noite de domingo, em junho, sem muito alarde, ele
voou até Seattle para demitir toda a equipe de chefes da Starlink. Musk
levou consigo oito de seus mais experientes engenheiros de foguetes da
SpaceX. Nenhum deles sabia muito sobre satélites, mas todos sabiam
como resolver problemas de engenharia e aplicar o algoritmo de Musk.
O engenheiro que ele escolheu para assumir o comando foi Mark
Juncosa, que já era encarregado da engenharia estrutural na SpaceX. Isso
tinha como vantagem a integração do design e da produção de todos os
produtos da empresa, desde foguetes auxiliares até satélites, sob o
controle de um único gestor. O fato de esse gestor ser Juncosa era outra
vantagem, porque ele é um engenheiro febrilmente brilhante, capaz de
fundir a mente com a de Musk.
Juncosa cresceu como um surfista magricela no sul da Califórnia,
profundamente apaixonado pelo clima, pela cultura e pela atmosfera do
local, mas sem se deixar influenciar por aquela languidez despreocupada.
Ele usa o iPhone como fidget spinner, girando-o entre o polegar e o
indicador com a mágica de um equilibrista circense, e fala como uma
metralhadora de exclamações, cheias de “sabe”, “tipo” e “uau, cara”.
Juncosa estudou em Cornell, onde participou da equipe de Fórmula 1
da faculdade. Em seu primeiro emprego, fabricava carrocerias de carros,
aproveitando as habilidades de construir pranchas, e depois foi integrado
à equipe de engenharia. “Eu, tipo, me apaixonei por aquilo, sabe, e
fiquei, tipo assim, sério, eu nasci para isso, cara”, diz ele.
Em uma visita a Cornell em 2004, Musk enviou um bilhete para
alguns professores de engenharia convidando-os a levar um ou dois
alunos prediletos para um almoço. “Foi, tipo, sabe, você quer comer de
graça com esse ricaço?”, conta Juncosa. “Superquero, estou dentro,
claro.” Quando Musk descreveu o que estava fazendo na SpaceX,
Juncosa pensou: Cara, esse sujeito é muito doido, e acho que vai perder todo o
dinheiro, mas ele parece superesperto e motivado, e eu gosto do estilo dele. No
momento em que Musk lhe ofereceu um emprego, ele aceitou na hora.
Juncosa impressionou Musk com seu jeito de correr riscos e quebrar
regras. Quando estava supervisionando o desenvolvimento da cápsula
Dragon, que leva carga do Falcon 9 até a órbita, ele foi repreendido
várias vezes pelo gerente de garantia de qualidade da SpaceX por não
preencher a papelada adequadamente. A equipe de Juncosa projetava a
cápsula durante o dia e passava a maior parte da noite construindo-a.
“Eu disse para o cara que a gente não tinha tempo pra documentar
nossas ordens de serviço e checagens de qualidade, a gente simplesmente
ia construir e testar no final”, diz ele. “O cara da qualidade ficou bem
irritado, e com razão, e aí a gente foi parar na baia do Musk, discutindo
isso.” Musk ficou agitado e começou a dar uma bronca no gerente de
qualidade. “Foi muito tenso, mas ele e eu estávamos superdecididos a
fazer essa cápsula porque existia o risco de o dinheiro acabar”, explica
Juncosa.
Starlinks aprimorados
Quando assumiu a Starlink, Juncosa jogou fora o design existente e
recomeçou desde os princípios básicos, questionando todas as
especificações com base na física elementar. O objetivo era construir o
satélite de comunicação da forma mais simples possível e depois
acrescentar os penduricalhos. “Tínhamos reuniões que pareciam
maratonas, e Elon insistia em cada detalhe”, diz Juncosa.
Por exemplo, as antenas do satélite ficavam em uma estrutura à parte
do computador de voo. Os engenheiros haviam decretado que essas
partes ficassem termicamente isoladas umas das outras. Juncosa
perguntara a razão disso. Quando disseram que as antenas podiam
superaquecer, ele pediu para ver os dados dos testes. “Ao perguntar ‘por
quê’ pela quinta vez, as pessoas estavam tipo: ‘Caramba, talvez a gente
devesse fazer um componente integrado.’”
No fim do processo de design, Juncosa tinha transformado um ninho
de ratos em um satélite simples e plano. Esse satélite tinha o potencial
de ser muito mais barato. Era possível carregar uma quantidade duas
vezes maior na ogiva do Falcon 9, o que duplicava o número de satélites
que cada voo era capaz de colocar em órbita. “Eu fiquei, tipo, bem feliz
com isso”, diz Juncosa. “Fiquei ali pensando como eu tinha sido
esperto.”
Musk, porém, continuava esquadrinhando todos os detalhes. Quando
os satélites foram lançados em um Falcon 9, havia conexões ligando cada
satélite ao solo para que eles fossem lançados um por vez e não
esbarrassem uns nos outros. “Por que não lançar todos de uma vez?”,
perguntou ele. De início, Juncosa e os outros engenheiros acharam que
isso era maluquice. Eles tinham medo de colisões. No entanto, Musk
disse que o movimento da espaçonave faria com que os satélites se
separassem naturalmente. Se por acaso eles se chocassem, seria algo
lento e inofensivo. Então, eles se livraram dos conectores, o que
significou uma pequena economia de custo, complexidade e massa. “A
vida ficou muito mais fácil por termos reunido essas partes”, diz Juncosa.
“Eu fui bundão demais para sugerir isso, mas o Elon fez a gente tentar.”
Em maio de 2019, o design do Starlink simplificado estava completo,
e o foguete Falcon 9 começou a lançá-los em órbita. Quatro meses
depois, quando entraram em operação, Musk estava em sua casa no sul
do Texas e postou no Twitter: “Publicando este tuíte por meio de um
satélite da Starlink no espaço.” Agora ele podia tuitar usando sua própria
internet.
capítulo 53
Starship
SpaceX, 2018-2019
A sala de estar e o quintal de Musk em Boca Chica; Bill Riley e Mark Juncosa
Grande foguete
Se o objetivo de Musk fosse criar uma empresa lucrativa de foguetes, ele
poderia ter se permitido reunir suas conquistas e relaxar depois de ter
sobrevivido a 2018. O Falcon 9 reutilizável havia se tornado o foguete
mais eficiente e confiável do mundo, e ele tinha desenvolvido os próprios
satélites de comunicação, que posteriormente proporcionariam uma
receita abundante.
O objetivo dele, porém, não era meramente se tornar um
empreendedor espacial. Era levar a humanidade a Marte. E não seria
possível fazer isso em um Falcon 9 nem em seu irmão mais reforçado, o
Falcon Heavy. Os Falcons só eram capazes de voar até uma certa altura.
“Eu podia ganhar muito dinheiro, mas não teria como tornar a vida
multiplanetária”, diz ele.
Foi por isso que em setembro de 2017 ele anunciou que a SpaceX iria
desenvolver um foguete reutilizável muito maior, o mais alto e mais
poderoso já construído. Musk deu ao grande foguete o codinome de
BFR. Um ano depois, ele tuitou: “Rebatizando o BFR como Starship.”
O sistema Starship teria um foguete auxiliar no primeiro estágio e
uma espaçonave no segundo estágio que, juntos, somariam quase 120
metros de altura, 50% mais alto do que o Falcon 9 e dez metros mais
alto do que o foguete Saturno V usado pela NASA no programa Apollo,
na década de 1970. Com 33 motores auxiliares, seria capaz de lançar
mais de cem toneladas de carga em órbita, quatro vezes mais do que o
Falcon 9. E, em algum momento, conseguiria transportar cem
passageiros para Marte. Embora estivesse assoberbado com as fábricas
da Tesla de Nevada e de Fremont, Musk encontrava tempo toda semana
para dar uma olhada nas renderizações dos serviços e das comodidades
que a Starship ofereceria aos passageiros durante uma viagem de nove
meses a Marte.
Aço inoxidável, de novo
Em razão da infância, quando perambulava pelo escritório de design do
pai, em Pretória, Musk tinha uma boa noção das propriedades dos
materiais de construção. Nas reuniões da Tesla e da SpaceX, ele se
concentrava nas várias opções de cátodos e ânodos de baterias, válvulas
de motor, chassis, estruturas de foguetes e de carroceria de caminhonete.
Ele podia (e com frequência o fazia) discorrer longamente sobre lítio,
ferro, cobalto, inconel e outras ligas de níquel e cromo, compostos
plásticos, graus de alumínio e ligas de aço. Em 2018, Musk estava se
apaixonando por uma liga bastante comum, que, ele percebeu,
funcionaria igualmente bem num foguete e no Cybertruck: o aço
inoxidável. “O aço inoxidável e eu temos uma história de amor”,
brincava com a equipe dele.
Havia um alegre e humilde engenheiro chamado Bill Riley
trabalhando com Musk na Starship. Ele tinha sido membro da lendária
equipe de corrida de Cornell e ajudado a treinar Mark Juncosa, que mais
tarde o convenceu a entrar para a SpaceX. Riley e Musk tinham um
amor em comum pela história militar — especialmente pelos conflitos
aéreos da Primeira e da Segunda Guerra Mundiais — e por ciência de
materiais.
Um dia, no fim de 2018, eles estavam visitando a unidade de
produção da Starship, que ficava perto do porto de Los Angeles, mais
ou menos 25 quilômetros ao sul da fábrica e da sede da SpaceX. Riley
explicou que estavam tendo problemas com a fibra de carbono. As placas
estavam enrugando. Além disso, o processo era lento e caro. “Se
continuarmos com a fibra de carbono, vamos nos ferrar”, disse Musk.
“Extrapolando isso, morrer é o nosso fim. Eu nunca vou conseguir
chegar a Marte.” Fabricantes que trabalham com custo mais margem
não pensam assim.
Musk sabia que os primeiros foguetes Atlas, que no início dos anos
1960 impulsionaram os primeiros quatro norte-americanos até a órbita,
foram feitos de aço inoxidável, e ele havia decidido usar esse material na
carroceria do Cybertruck. No fim de uma caminhada pela unidade, ele
ficou muito quieto e olhou para os navios que chegavam ao porto.
“Pessoal, a gente precisa mudar de rumo”, disse Musk. “Nunca vamos
construir foguetes rápido o suficiente com esse processo. Que tal aço
inoxidável?”
De início houve resistência, até certa incredulidade. Quando se
reuniu com seu time de executivos na sala de conferências da SpaceX
poucos dias depois, eles argumentaram que um foguete de aço
inoxidável provavelmente seria mais pesado do que um construído com
fibra de carbono ou com a liga de alumínio-lítio usada no Falcon 9. Os
instintos de Musk diziam outra coisa. “Façam as contas”, falou para os
executivos. “Façam as contas.” Quando fizeram, eles determinaram que
o aço poderia, na verdade, ser mais leve nas condições que a Starship
enfrentaria. Em temperaturas muito frias, a resistência do aço inoxidável
aumenta em 50%, o que significa que ele seria mais forte quando
estivesse carregado com o combustível de oxigênio líquido super-
resfriado.
Além disso, o alto ponto de fusão do aço inoxidável eliminaria a
necessidade de um escudo contra o calor na lateral da Starship voltada
para o espaço, o que reduziria o peso total do foguete. Uma última
vantagem era a simplicidade de soldar juntas as peças de aço inoxidável.
A liga de alumínio-lítio do Falcon 9 exigia um processo chamado
soldagem por fricção, que precisava ser feito num ambiente imaculado.
O aço inoxidável, entretanto, podia ser soldado em grandes tendas ou
mesmo ao ar livre, o que tornava mais fácil realizar o processo no Texas
ou na Flórida, perto dos locais de lançamento. “Com o aço inoxidável,
você pode fumar um charuto enquanto solda”, diz Musk.
***
Starbase
Boca Chica, no extremo sul do Texas, é uma versão do paraíso pouco
desenvolvida. Suas dunas de areia e as praias não têm o mesmo encanto
de Padre Island, uma área de resorts subindo a costa, mas as áreas de
preservação ambiental no entorno tornam o ambiente seguro para o
lançamento de foguetes. Em 2014, a SpaceX construiu uma plataforma
de lançamento rudimentar ali como plano B para Cabo Canaveral e
Vandenberg, mas o lugar ficou basicamente às moscas até 2018, quando
Musk decidiu que iria transformá-lo numa base dedicada à Starship.
Como a Starship era imensa, não fazia sentido construir em Los
Angeles e depois transportar para Boca Chica. Por isso, Musk decidiu
que eles deveriam construir uma unidade de fabricação de foguetes a
cerca de três quilômetros da plataforma de lançamento, em meio às áreas
ensolaradas e úmidas de Boca Chica, tomadas por vegetação rasteira e
infestadas de mosquitos. A equipe da SpaceX ergueu três imensas tendas
parecidas com hangares para abrigar as linhas de montagem e três
galpões altos de metal corrugado capazes de acomodar as Starships em
posição vertical. Uma velha construção que ficava no terreno foi dividida
em baias, uma sala de conferências e uma cantina com comida aceitável
e café de primeira. No início de 2020, havia quinhentos engenheiros e
operários, cerca de metade moradores da região, trabalhando 24 horas
por dia, em turnos.
“Você precisa vir para Boca Chica e fazer o que for preciso para deixar
este lugar perfeito”, disse Musk para Elissa Butterfield, assistente dele na
época. “O futuro do progresso da humanidade no espaço depende
disso.” Os hotéis mais próximos ficavam em Brownsville, cerca de
cinquenta quilômetros para o interior, por isso Butterfield criou um
parque de trailers Airstream para servir de acomodação, com palmeiras
compradas na Home Depot, um bar tiki e um deque com lareira ao ar
livre. Sam Patel, o jovem e ansioso chefe de instalações, alugou drones e
pulverizadores para tentar controlar os mosquitos. “Não dá para chegar
em Marte se os mosquitos nos comerem antes”, disse Musk.
Musk se concentrou no projeto e no funcionamento das tendas que
serviam de fábrica, discutindo como as linhas de montagem deveriam
ser organizadas. Em uma visita no fim de 2019, ele ficou frustrado com
o ritmo lento. A equipe ainda não tinha produzido sequer uma ogiva
que encaixasse perfeitamente na Starship. Parado em frente a uma das
tendas, lançou um desafio: construir uma ogiva até o nascer do sol. Isso
não era viável, lhe disseram, porque eles não tinham o equipamento para
calibrar o tamanho preciso. “Nós vamos fazer uma ogiva até o nascer do
sol nem que a gente morra”, insistiu Musk. Ordenou que cortassem fora
a parte de cima do corpo do foguete e usassem isso para fazer as
medições. Eles fizeram isso, e ele ficou acordado com a equipe de quatro
engenheiros e soldadores até a ogiva ficar pronta. “Na verdade, a gente
não tinha uma ogiva pronta quando o dia raiou”, admite um dos
membros da equipe, Jim Vo. “Só ficou pronta lá para umas nove da
manhã.”
***
***
Omead Afshar
Austin
Quais são suas cidades favoritas? Esse se tornou um passatempo entre
Musk e outras pessoas na Tesla no início de 2020, e muitas vezes eles
pegavam os respectivos celulares, abriam o aplicativo de mapas e diziam
nomes. Chicago e Nova York? Claro, mas não funcionariam para esse
propósito. A área de Los Angeles e São Francisco? Não, era disso que
eles estavam tentando fugir. A Califórnia estava conturbada, cheia de
gente se opondo a qualquer novo empreendimento no local, entupida de
regulamentações e de comissões enxeridas, além de estar assustada
demais com a covid. Que tal Tulsa? Ninguém tinha pensado no
Oklahoma, mas as lideranças locais haviam feito uma campanha
animada que precisava ser levada em consideração. Nashville? Omead
Afshar disse que Nashville era um lugar que as pessoas queriam visitar,
mas não era um bom lugar para morar. Dallas? O Texas era sedutor, mas
Dallas, eles concordavam, era texana demais. Que tal Austin, uma cidade
universitária que tinha boa música e se orgulhava de proteger os bolsos
contra esquisitices?
A questão era onde construir uma nova fábrica da Tesla, uma que
fosse grande o suficiente para merecer o rótulo de gigafábrica. A unidade
de Fremont, na Califórnia, estava à beira de se tornar a fábrica de carros
mais produtiva dos Estados Unidos, entregando mais de 8 mil carros por
semana, mas já operava em plena capacidade e uma expansão seria
difícil.
Diferentemente de Jeff Bezos, que promoveu uma disputa entre as
cidades que estavam ávidas para receber uma segunda sede da Amazon,
Musk decidiu tomar a decisão de seu modo usual, por instinto,
confiando na própria intuição e na de seus executivos. Ele detestava a
ideia de desperdiçar meses sendo obrigado a ouvir discursos políticos e
vendo apresentações de PowerPoint de consultores.
No fim de maio de 2020, surgiu um consenso. Enquanto estava
sentado no centro de comando de Cabo Canaveral, quinze minutos
antes de a SpaceX fazer seu primeiro lançamento de astronautas
humanos, Musk mandou uma mensagem para Afshar. “Você ia preferir
morar em Tulsa ou Austin?” Quando Afshar, com todo o devido
respeito por Tulsa, deu a resposta esperada, Musk escreveu: “Ótimo.
Vamos construir a fábrica em Austin, e você vai ser o responsável pela
unidade.”
Um processo semelhante levou à escolha de Berlim para ser a sede de
uma gigafábrica europeia. As fábricas da Alemanha e de Austin seriam
construídas em menos de dois anos e, junto com as unidades de
Fremont e Xangai, se tornariam os pilares da fabricação de carros da
Tesla.
Em julho de 2021, um ano depois de a construção ter começado, a
estrutura básica da gigafábrica de Austin estava completa. Musk e
Afshar ficaram de pé diante de uma parede em um escritório temporário
da construção e analisaram fotos da obra em várias fases. “Estamos
construindo com o dobro da velocidade de Xangai por metro quadrado,
apesar das regulamentações que enfrentamos”, disse Afshar.
Com 930 mil metros quadrados de chão de fábrica, a Giga Texas,
como ficou conhecida, teria o dobro de área de chão de fábrica de
Fremont e 50% a mais que o Pentágono. Segundo alguns parâmetros,
explicou Afshar, seria a maior fábrica do mundo em área, depois que
fossem acrescentados alguns mezaninos. Havia um shopping center na
China com mais metros quadrados, e a Boeing, com vários hangares
imensos, talvez tivesse mais volume. “De quanto mais precisaríamos
para podermos dizer que essa é a maior construção do mundo?”,
perguntou Musk. Mesmo com a expansão de cerca de 45 mil metros
quadrados que eles cogitavam, Afshar respondeu: “Não vamos chegar
lá.” Musk assentiu. Houve uma pausa muito longa na conversa. Depois
ele deixou a ideia para lá.
Os construtores mostraram a Afshar planos para janelas que iam
quase do nível do piso de cada andar até o teto. “Será que não ia ser
melhor se elas fossem exatamente do piso ao teto?”, perguntou ele. Uma
proposta voltou com vidraças produzidas sob medida, cada uma com
quase dez metros de altura, e Afshar mostrou as fotos para Musk. Steve
Jobs, que tinha uma obsessão por vidro, não economizava para conseguir
vidraças imensas para lugares que serviriam de cartão de visitas da
Apple, como a loja na Quinta Avenida, em Nova York. Musk era mais
cauteloso. Ele perguntou se o vidro precisava ser tão espesso como o
sugerido e também de que forma aquilo afetaria o modo como o sol
aquecia o prédio. “Não podemos fazer coisas tolas do ponto de vista do
custo”, afirmou.
Enquanto caminhava pela fábrica quase pronta, Musk parava em cada
estação ao longo da linha de montagem. A certa altura ele começou a
interrogar o técnico que estava na estação em que o aço seria resfriado.
“Não dá para fazer o processo de resfriamento ser mais rápido?” O
sujeito explicou os limites da velocidade do processo de resfriamento.
Musk insistiu. Esses limites são baseados de fato na física do aço? Será
que o aço pode ser igual a um biscoito, que fica duro por fora e viscoso
por dentro? O técnico manteve o ponto de vista. Musk parou de fazer
perguntas, mas a intuição o levou a concluir que o processo deveria levar
menos de um minuto. Ele deixou a cargo do técnico descobrir um modo
de atingir essa meta. “Quero deixar claro: o tempo de resfriamento não
pode passar de 59 segundos, ou eu vou voltar aqui e resolver isso
pessoalmente”, disse Musk.
Gigapress
Um dia, no fim de 2018, Musk estava sentado diante da mesa dele na
sede da Tesla, em Palo Alto, brincando com uma versão em miniatura
do Model S. Parecia uma versão miniaturizada do carro de verdade, e ao
desmontar ele viu que havia inclusive uma suspensão ali dentro. No
entanto, todo o fundo do carro tinha sido fundido em uma peça única de
metal. Numa reunião com a equipe naquele dia, Musk pegou o
brinquedo e o colocou na mesa de reuniões branca. “Por que a gente não
pode fazer assim?”, perguntou.
Um dos engenheiros apontou o óbvio, que o fundo de um carro de
verdade é muito maior. Não havia máquinas de fundição grandes o
suficiente para fazer algo daquele tamanho. A resposta não satisfez
Musk. “Descubram como fazer”, disse ele. “Peçam uma máquina de
fundição maior. Isso não quebra as leis da física.”
Ele e seus executivos chamaram seis grandes empresas que
trabalhavam com fundição, e cinco delas desdenharam da ideia.
Contudo, uma empresa chamada Idra Presse, na Itália, especializada em
máquinas de fundição de alta pressão, topou o desafio de construir
máquinas muito grandes que seriam capazes de produzir em grande
escala o fundo inteiro do Model Y, tanto a parte de trás quanto a da
frente. “Fizemos a maior máquina de fundição do mundo”, diz Afshar.
“A máquina que produz o Model Y pesa 6 mil toneladas, e vamos usar
uma de 9 mil toneladas para o Cybertruck.”
As máquinas injetam rajadas de alumínio derretido num molde frio
de fundição, capaz de produzir em apenas oitenta segundos um chassi
completo que antes tinha mais de cem peças que precisavam ser
soldadas, rebitadas ou unidas. O processo antigo gerava falhas, tremores
e vazamentos. “Então passamos de um pesadelo horroroso para um
processo que é insanamente barato, fácil e rápido”, diz Musk.
O processo reforçou a admiração de Musk pela indústria de
brinquedos. “Eles precisam produzir as coisas muito rápido, barato e
sem falhas, e precisam fazer tudo a tempo do Natal, ou as crianças vão
ficar tristes.” Repetidas vezes, ele fez a equipe ter ideias a partir de
brinquedos, como robôs e Legos. Enquanto andava pelo chão de fábrica,
Musk falou com um grupo de mecânicos de usinagem sobre a precisão
da modelagem das peças de Lego. Elas são precisas e idênticas, com
uma diferença que não passa de mícrons, o que significa que cada parte
pode ser facilmente substituída por outra. Peças de carros precisavam ser
assim. “Precisão não é algo caro”, diz Musk. “Tem mais a ver com
cuidado. Você se preocupa em fazer as coisas com precisão? Então dá
para fazer com precisão.”
capítulo 56
Vida familiar
2020
Os adolescentes
Uma semana depois, os filhos mais velhos de Musk foram ver o pai e X.
Saxon, o filho com autismo, ficou particularmente empolgado porque
adorava bebês. Musk tinha começado a colecionar as observações
simples e sábias feitas por Saxon, e às vezes as compartilhava com
Justine. “Saxon tem uma percepção realmente interessante”, opina ela,
“porque dá para ver que ele está se debatendo com conceitos abstratos,
como o tempo e o sentido da vida. Ele pensa em termos bastante literais
que te fazem perceber o universo de modo diferente”.
Saxon é um trigêmeo, concebido por fertilização in vitro, e os dois
gêmeos dele eram idênticos: Kai e Damian. No começo, eles eram tão
parecidos que mesmo Justine dizia ter dificuldade em saber quem era
quem. Entretanto, eles se tornaram um estudo interessante sobre o papel
da genética, do ambiente e do acaso. “Eles moravam na mesma casa e no
mesmo quarto, e tinham as mesmas experiências e tiravam notas
parecidas nas provas”, afirma Musk. “Mas o Damian se achava
inteligente e o Kai, não, por algum motivo. Muito estranho.”
As personalidades deles eram muito diferentes. Damian era
introvertido, comia pouco, e aos 8 anos de idade anunciou que era
vegetariano. Quando perguntei a Justine por que ele havia tomado essa
decisão, ela passou o telefone para que Damian respondesse. “Para
diminuir minha pegada de carbono”, explicou. Ele se tornou um
prodígio da música clássica, compôs sonatas soturnas e praticava piano
por horas, sem parar. Musk mostrava vídeos, que ele gravava no iPhone,
de Damian tocando. Ele também era um mago da matemática e da
física. “Acho que o Damian é mais brilhante do que você”, disse Maye
Musk certa vez para o filho, que assentiu com a cabeça.
Kai, mais alto e de uma beleza impressionante, é extrovertido e adora
resolver problemas práticos pondo a mão na massa. “Ele é maior e mais
atlético do que o Damian, e protege muito o irmão”, conta Justine. Dos
filhos, ele é quem mais se interessa pelos aspectos técnicos dos trabalhos
do pai, e era ele quem tinha maior probabilidade de acompanhar Elon
nas idas a Cabo Canaveral para lançamentos de foguetes. Isso era um
prazer para Musk, que diz que sua grande tristeza se dá quando os filhos
dizem que não querem ficar com ele.
O irmão mais velho deles, Griffin, tinha a mesma visão ética e a
mesma doçura. Ele também entendia bem o pai. Certa noite no Texas,
em um evento na fábrica da Tesla, Griffin estava com alguns amigos
quando o pai perguntou se ele podia acompanhá-lo até a sala de espera
nos bastidores. Griffin hesitou e disse que queria ficar com os amigos;
depois, olhou para eles, deu de ombros e foi com o pai. Brilhante em
ciências e matemática, o garoto tinha uma ternura que faltava ao pai,
além de ser a pessoa mais sociável da família, pelo menos até a chegada
de X.
E havia ainda o gêmeo não idêntico de Griffin. Xavier, cujo nome era
parcialmente em homenagem ao personagem favorito de Musk na série
dos X-Men, da Marvel, tinha muita determinação e desenvolveu um
profundo ódio ao capitalismo e à riqueza. Ocorriam longas e amargas
discussões, pessoalmente e por mensagens de texto, em que Xavier dizia
várias vezes: “Eu odeio você e tudo que você representa.” Esse foi um
dos fatores que levou Musk a vender suas casas e viver de modo menos
luxuoso, mas isso teve pouco efeito na relação. Em 2020, a situação já
era irreparável. Xavier não foi com os outros irmãos visitar o meio-irmão
recém-nascido.
Por isso, Xavier e Elon estavam afastados quando Xavier, então com
16 anos, fez a transição de gênero, mais ou menos na época em que X
nasceu. “Oi, eu sou trans e meu nome agora é Jenna”, comunicou ela a
Christiana, esposa de Kimbal, por mensagem de texto. “Não conte para
o meu pai.” Jenna também mandou uma mensagem para Grimes, e
igualmente pediu que ela guardasse segredo. Tempos depois, Musk
acabou sabendo por um de seus seguranças.
***
Casas
A fúria de Jenna tornou Musk sensível ao ódio contra bilionários. Ele
acreditava que não havia nada de errado em ficar rico por meio de
empresas bem-sucedidas e de manter o dinheiro investido nelas. No
entanto, em 2020, ele tinha passado a perceber que ficar com essas
riquezas e gastá-las generosamente com consumo pessoal era
improdutivo e indecente.
Até então, Musk vivera no luxo. Sua casa principal, na área de Los
Angeles conhecida como Bel Air, que ele havia comprado por 17
milhões de dólares em 2002, era um falso palácio de 1.400 metros
quadrados com sete quartos e uma suíte de hóspedes, onze banheiros,
academia de ginástica, quadra de tênis, piscina, uma biblioteca de dois
andares, sala de cinema e um pomar. Era um castelo para os cinco filhos
dele, que ficavam com o pai quatro dias por semana e tinham uma rotina
que incluía aulas de tênis, artes marciais e outras atividades na casa.
Quando a casa do ator Gene Wilder, do outro lado da rua, foi posta à
venda, Musk comprou-a para preservá-la. Depois, adquiriu três casas no
entorno e cogitou demolir algumas para construir sua casa dos sonhos.
Ele também era dono de uma propriedade de dezenove hectares, com
treze quartos, em estilo mediterrâneo, no Vale do Silício, avaliada em 32
milhões de dólares.
No início de 2020, Musk decidiu se livrar de todas elas. “Estou
vendendo quase todos os meus bens materiais”, tuitou três dias depois
do nascimento de X. “Não vou ter mais casa.” Ele explicou para Joe
Rogan o sentimento que o levou a tomar essa decisão. “Acho que ter
posses é meio que um peso, e se transformou num motivo para ataques”,
declarou Musk. “Nos últimos anos, a palavra ‘bilionário’ virou um termo
pejorativo, como se fosse algo ruim. Eles dizem: ‘Ei, bilionário, você tem
todas essas coisas.’ Bem, agora eu não tenho coisas, e então, o que você
vai fazer?”
***
* O termo woke refere-se a um conceito muito difundido nos Estados Unidos e significa algo
como “despertar”, o aumento da conscientização sobre questões sociais, raciais e políticas. [N. da
E.]
capítulo 57
A pleno vapor
SpaceX, 2020
Kiko Dontchev
Depois de lançar astronautas rumo à estação espacial em maio de 2020,
a SpaceX fez, num período de cinco meses, uma série impressionante de
onze lançamentos de satélite não tripulado bem-sucedidos. Mas Musk,
como sempre, temia a complacência. A não ser que mantivesse um senso
maníaco de urgência, ele receava que a SpaceX pudesse acabar sem vigor
e lenta, como a Boeing.
Depois de um dos lançamentos em outubro daquele ano, Musk fez
uma visita tarde da noite ao Pad 39 A. Havia apenas duas pessoas
trabalhando. Visões como essa eram um gatilho para ele. Em todas as
empresas que lhe pertenciam, como os empregados do Twitter
descobririam, ele esperava que todo mundo trabalhasse com uma
intensidade inclemente. “Nós temos 783 funcionários em Cabo
Canaveral”, disse ele com uma raiva fria para o vice-presidente de
lançamentos. “Por que só dois deles estão trabalhando agora?” Musk deu
ao executivo 48 horas para preparar um relatório sobre o que todos
deveriam estar fazendo.
Quando não conseguiu as respostas que queria, Musk decidiu
descobrir por conta própria. Ele entrou no modo hardcore. Assim como
tinha feito nas fábricas da Tesla em Nevada e Fremont, e como faria
mais tarde no Twitter, mudou-se para o prédio — nesse caso, o hangar
em Cabo Canaveral — e começou a trabalhar sem parar. A presença
dele durante toda a noite era ao mesmo tempo uma performance e algo
real. Na segunda noite, ele não conseguiu encontrar o vice-presidente de
lançamentos, que tinha mulher e filhos, e, na visão de Musk, se
ausentara sem permissão, então pediu para falar com um dos
engenheiros que vinha trabalhando com ele no hangar, Kiko Dontchev.
Dontchev nasceu na Bulgária e migrou para os Estados Unidos ainda
criança, quando o pai, um matemático, aceitou um emprego na
Universidade do Michigan. Dontchev fez graduação e pós-graduação
em engenharia aeroespacial, o que o levou àquela que ele imaginou ser a
oportunidade dos sonhos: um estágio na Boeing. Contudo, ele
rapidamente se desencantou e decidiu visitar um amigo que estava
trabalhando na SpaceX. “Nunca vou esquecer aquele dia, quando andei
pela SpaceX”, disse. “Todos aqueles engenheiros jovens trabalhando
duro, vestindo camisetas, exibindo tatuagens e sendo exigentes pra
cacete para fazer as coisas acontecerem. Pensei: Esse é o meu pessoal. Eu
não tinha nada a ver com o clima engomadinho e terrível da Boeing.”
No verão daquele ano, ele fez uma apresentação para um dos vice-
presidentes da Boeing em que contava como a SpaceX estava dando
espaço para que jovens engenheiros inovassem. “Se a Boeing não
mudar”, disse, “vocês vão perder os maiores talentos”. O vice-presidente
respondeu que não estava em busca de revolucionários. “Talvez a gente
não queira os melhores, mas aqueles que vão ficar por aqui mais tempo.”
Dontchev se demitiu.
Em uma conferência em Utah, ele foi a uma festa dada pela SpaceX
e, depois de alguns drinques, tomou coragem para falar com Gwynne
Shotwell. Dontchev tirou do bolso um currículo amassado e mostrou a
ela uma foto do hardware de satélite em que vinha trabalhando. “Eu
consigo fazer as coisas acontecerem”, disparou para ela.
Shotwell achou divertido. “Qualquer um que tenha coragem de me
trazer um currículo amassado pode ser um bom candidato”, disse. Ela o
convidou para fazer uma entrevista na SpaceX. Ele tinha hora marcada,
às três da tarde, para falar com Musk, que continuava entrevistando
todos os engenheiros que desejavam ser contratados. Como sempre,
Musk estava irritado, e disseram a Dontchev que ele teria que voltar
outro dia. Em vez disso, Dontchev ficou sentado do lado de fora da baia
de Musk por cinco horas. Quando finalmente conseguiu se encontrar
com ele, às oito, Dontchev aproveitou a oportunidade para falar de
como seu entusiasmo não era valorizado na Boeing.
Sempre que estava contratando ou promovendo, Musk fazia questão
de priorizar a atitude, não as habilidades descritas no currículo. E a
definição dele de boa atitude era um desejo maníaco de trabalhar. Musk
contratou Dontchev na hora.
***
Desafio
A pressão de Musk para ir mais rápido, correr mais riscos, quebrar
regras e questionar exigências permitiu, por um lado, que ele realizasse
grandes façanhas, como colocar humanos em órbita, vender grandes
quantidades de carros elétricos e tirar proprietários de casas da rede
elétrica. Por outro, isso significava que ele fazia coisas — como ignorar
as regras da Comissão de Valores Mobiliários ou desafiar as restrições
impostas pela Califórnia durante a pandemia de covid — que lhe
criavam problemas.
Hans Koenigsmann era um dos engenheiros originais recrutados por
Musk para a SpaceX em 2002. Ele tinha sido parte do intrépido grupo
em Kwaj durante os três primeiros voos fracassados e depois da primeira
missão bem-sucedida do Falcon 1. Musk o promoveu a vice-presidente
encarregado da confiabilidade de voo, para ter certeza de que os voos
eram seguros e seguiam as regulamentações. Não era um trabalho fácil
quando o chefe era Musk.
No fim de 2020, a SpaceX se preparava para lançar como teste não
tripulado o foguete auxiliar Super Heavy. Todos os voos precisam seguir
as exigências impostas pela Administração Federal de Aviação (FAA, na
sigla em inglês), o que incluía as orientações relativas ao clima. Naquela
manhã, o inspetor da FAA que estava monitorando o lançamento
remotamente determinou que os ventos em altitude tornavam o
procedimento inseguro. Caso houvesse uma explosão no lançamento, as
casas por perto poderiam ser impactadas. A SpaceX apresentou o
modelo dela de previsão climática, o qual afirmava que as condições
eram seguras, e pediu permissão para seguir em frente, mas a FAA
recusou.
Ninguém da FAA estava na sala de controle, e havia uma leve dúvida
(não muito séria) sobre quais eram as regras, de modo que o diretor de
lançamento se virou para Elon e inclinou a cabeça, sem falar nada, como
se perguntasse se deveria prosseguir. Musk silenciosamente fez que sim.
O foguete decolou. “Foi tudo muito sutil”, diz Koenigsmann. “É típico
do Elon. Uma decisão de correr um risco comunicada por um
movimento com a cabeça.”
O lançamento do foguete foi perfeito, e o clima não atrapalhou,
embora o foguete de fato tenha apresentado problemas quando tentou
pousar a dez quilômetros dali. A FAA abriu uma investigação para saber
por que a determinação dela quanto ao clima havia sido ignorada, e
decidiu suspender todos os testes da SpaceX por dois meses, mas acabou
não impondo penas mais severas.
Como parte de seu trabalho, Koenigsmann escreveu um relatório
sobre o incidente, e não tentou disfarçar o que a SpaceX tinha feito. “A
FAA é incompetente e conservadora, uma combinação ruim; mesmo
assim, eu precisava de uma autorização deles antes da decolagem, o que
nós não tínhamos”, disse. “Elon ordenou o lançamento quando a FAA
disse que nós não podíamos prosseguir. Então, escrevi um relatório
sincero que dizia isso.” Ele queria que a SpaceX e Musk assumissem a
culpa.
Essa não era a atitude que Musk valorizava. “Ele não via as coisas
assim, e ficou irritado, muito irritado”, lembra Koenigsmann.
Koenigsmann estava na SpaceX desde os primeiros e difíceis dias, e
Musk não quis demiti-lo na hora. No entanto, retirou de Koenigsmann
a atribuição de supervisionar os voos e acabou demitindo-o meses
depois. “Você fez um trabalho incrível durante muitos anos, mas a hora
da aposentadoria chega para todo mundo”, escreveu Musk para ele num
e-mail. “A sua chegou agora.”
capítulo 58
Bezos versus Musk, 2o round
SpaceX, 2021
Jeff Bezos logo após sua viagem; Richard Branson logo antes da dele
Provocação mútua
A partir de 2013, Jeff Bezos e Elon Musk começaram a disputar para
saber quem alugaria o célebre Pad 39 A em Cabo Canaveral (Musk
ganhou), quem seria o primeiro a pousar um foguete que houvesse
chegado ao limite do espaço sideral (Bezos), a pousar um foguete que
pusesse carga em órbita (Musk) e a colocar humanos em órbita (Musk).
O espaço era uma paixão pessoal dos dois, e a competição entre eles,
assim como a que havia ocorrido entre os barões das ferrovias um século
antes, serviria para tornar os avanços no campo mais rápidos. Apesar das
reclamações sobre o espaço ter se tornado um hobby de meninos
bilionários, a visão deles de privatizar os lançamentos foi o que
impulsionou os Estados Unidos, que haviam ficado atrás da China e até
mesmo da Rússia, a voltar à liderança da exploração espacial.
A rivalidade voltou em abril de 2021, quando a SpaceX venceu a Blue
Origin de Bezos na disputa por um contrato para levar astronautas da
NASA na parte final de uma viagem à Lua. A Blue Origin recorreu da
decisão, mas não teve sucesso. O site da empresa exibiu um gráfico que
criticava o plano da SpaceX, afirmando em letras garrafais que se tratava
de algo “imensamente complexo” e de “alto risco”. A SpaceX respondeu
ressaltando que a Blue Origin nem sequer havia conseguido produzir
um só foguete ou uma espaçonave capaz de atingir a órbita. Os fãs de
Musk no Twitter fizeram um flash mob para ridicularizar a Blue Origin,
e Musk participou. “Não consegue subir (para a órbita) rsrsrs”, tuitou
ele.
***
***
Outra disputa irrompeu em função das empresas rivais dos dois na área
de satélites de comunicação. No verão de 2021, a SpaceX tinha colocado
quase 2 mil satélites da Starlink em órbita. Sua internet com base no
espaço estava disponível em catorze países. Em 2019, Bezos dera início
a planos para que a Amazon criasse uma constelação semelhante de
satélites e uma internet própria, chamada Projeto Kuiper, mas, até o
momento, nenhum satélite havia sido lançado.
Musk acreditava que a inovação era guiada pelo estabelecimento de
métricas claras, como o custo por tonelada colocada em órbita ou o
número médio de quilômetros dirigidos no Autopilot sem intervenção
humana. No caso da Starlink, ele surpreendeu Juncosa ao perguntar
quantos fótons eram coletados pelos painéis solares dos satélites em
comparação com o que eles eram capazes de mandar de forma útil para a
Terra. Era uma proporção enorme — talvez 10 mil para 1 —, e Juncosa
jamais havia pensado naquilo. “Eu certamente nunca tinha pensado
nisso como uma métrica”, conta ele. “Isso me forçou a testar ideias
criativas sobre como podíamos aumentar a eficiência.”
Como resultado, a SpaceX desenvolveu uma segunda versão da
Starlink, e a empresa decidiu solicitar a aprovação da Comissão Federal
de Comunicações (FCC, na sigla em inglês). A solicitação previa uma
altitude orbital mais baixa no caso de futuros satélites da Starlinks, o que
reduziria a latência da rede.
Isso deixaria a empresa mais perto das órbitas planejadas pela
constelação da Kuiper, a concorrente de propriedade de Bezos, de modo
que este protocolou uma objeção. Mais uma vez, Musk o atacou no
Twitter, e escreveu seu nome errado de propósito, para que ficasse igual
à palavra em espanhol para “beijos”: “Na verdade, Besos se aposentou e
agora tem um emprego em tempo integral: se dedica a processar a
SpaceX.” A FCC determinou que Musk podia prosseguir com os
planos.
Passeios de bilionários
Um dos sonhos de Bezos era ir ele mesmo ao espaço. Por isso, no verão
de 2020, em meio às brigas com Musk, anunciou que ele e o irmão
Mark iriam voar até o limite do espaço sideral (embora sem chegar a
entrar em órbita) em um salto de onze minutos em um foguete da Blue
Origin. Ele seria o primeiro bilionário no espaço.
Sir Richard Branson, o sorridente bilionário britânico que fundou a
Virgin Airlines e a Virgin Music, também tinha esse sonho. Ele havia
criado uma empresa de voos espaciais, a Virgin Galactic, com um
modelo de negócios em grande medida dependente de levar ricos em
busca de novas experiências a viajar nos foguetes da empresa dele. O
talento para o marketing o fez incluir a si mesmo como o rosto e o
espírito da empresa. Ele sabia que não havia maneira melhor de
promover a empresa de turismo espacial, e de se divertir muito (algo que
ele adorava fazer), do que entrar em um dos foguetes dele próprio. Por
isso, depois que ficou impossível para Bezos mudar a data de lançamento
de seu foguete, Branson anunciou que voaria no dia 11 de julho, nove
dias antes. Sempre interessado em transformar tudo em espetáculo, ele
convidou o apresentador Stephen Colbert para narrar a transmissão e o
cantor Khalid para apresentar uma música nova na ocasião.
Quando acordou pouco antes da uma da manhã, no dia do
lançamento, Branson foi à cozinha da casa em que estava e viu Musk ali
com o bebê X. “Elon foi supergentil de ir com o bebê ver nosso voo”,
conta Branson. Musk estava descalço e vestia uma camiseta preta
estampada com a frase cinco décadas do apollo, em comemoração
aos 50 anos da missão à Lua. Eles se sentaram e conversaram por
algumas horas. “Parece que ele não dorme muito”, comenta Branson.
O voo, em um foguete suborbital com asas que foi alçado até a
altitude de lançamento por um cargueiro, correu bem. Branson e cinco
funcionários da Virgin Galactic chegaram à altitude de 89 quilômetros,
o que criou uma pequena discussão sobre eles terem ou não chegado ao
“espaço” de fato — que, pela definição da NASA, começa oitenta
quilômetros acima da Terra, mas outras nações dizem que começa na
linha de Kármán, a cem quilômetros.
A missão de Bezos, nove dias depois, também foi bem-sucedida.
Musk, obviamente, não esteve presente no lançamento. Bezos, o irmão e
a equipe atingiram uma altitude de 106 quilômetros, bem acima da linha
de Kármán, o que deu a ele mais motivos para se gabar. A cápsula
espacial deles pousou delicadamente de paraquedas no deserto do Texas,
onde a mãe de Bezos, muito ansiosa, e o pai, calmo, estavam à espera.
Musk fez elogios superficiais a Bezos e a Branson. “Eu achava bacana
que eles estivessem gastando dinheiro no avanço da exploração espacial”,
disse para Kara Swisher na Conferência Code em setembro. Apesar
disso, ele apontou que saltar a pouco mais de cem quilômetros era um
passo pequeno. “Para colocar as coisas em perspectiva, entrar em órbita
exige mais ou menos cem vezes a quantidade de energia necessária para
um voo suborbital”, explicou. “E depois, para voltar de órbita, você
precisa queimar essa energia, e para isso precisa de um escudo pesado
para se proteger do calor. Entrar em órbita é mais ou menos duas ordens
de magnitude mais difícil do que fazer um voo suborbital.”
Musk era amaldiçoado com uma mentalidade conspiratória, o que o
levava a crer que grande parte dos comentários negativos sobre si mesmo
na imprensa se deviam a interesses secretos ou inconfessáveis das pessoas
que eram donas dos veículos de comunicação. Isso se acentuou bastante
quando Bezos comprou o The Washington Post. Ao ser contatado pelo
jornal em 2021 para uma reportagem, Musk enviou um e-mail que dizia
simplesmente: “Mande um abraço para o sujeito que está manipulando
você.” Na verdade, Bezos sempre manteve uma atitude admirável de não
se meter na cobertura do Post, e o respeitado repórter de assuntos
espaciais Christian Davenport publicava matérias sobre os êxitos de
Musk, incluído um texto sobre a rivalidade com Bezos. “Por ora, Musk
está bem à frente em quase todas as áreas”, escreveu Davenport. “A
SpaceX enviou três grupos de astronautas para a Estação Espacial
Internacional, e na terça-feira deve enviar uma equipe de astronautas
civis em uma viagem de três dias orbitando a Terra. A Blue Origin
realizou apenas uma missão suborbital ao espaço, que durou somente
cerca de dez minutos.”
capítulo 59
A onda da Starship
SpaceX, julho de 2021
A onda
“Precisamos empilhar a nave sobre o foguete auxiliar”, disse Musk ao
agrupamento improvisado de centenas de trabalhadores reunidos num
semicírculo em uma das três tendas em formato de hangar em Boca
Chica. Era um dia de sol brutal em julho de 2021, e ele estava
concentrado em obter a aprovação da FAA para que a Starship voasse.
O melhor modo, decidiu ele, era empilhar o foguete auxiliar e a
espaçonave do segundo estágio na torre de lançamento para mostrar que
estavam prontos. “Isso vai forçar a agência reguladora a tirar a bunda da
cadeira”, disse ele. “Vai haver pressão da opinião pública para que eles
aprovem.”
Aquilo não tinha muito sentido, mas era típico de Musk. A Starship,
na verdade, só ficaria pronta em abril de 2023, 21 meses depois.
Contudo, ele esperava que criar um senso maníaco de urgência fizesse
com que todos trabalhassem mais rápido, o que incluía os reguladores,
os funcionários e até ele mesmo.
Durante as horas seguintes, Musk andou em meio às linhas de
montagem, balançando os braços sem pelos, inclinando levemente o
pescoço e parando de vez em quando para olhar algo em silêncio.
Gradualmente, o rosto dele foi ficando cada vez mais fechado, e as
pausas passaram a dar uma impressão sinistra. Perto das nove da noite,
uma lua cheia havia surgido sobre o oceano, e parecia que ia transformá-
lo num homem possuído.
Eu já tinha visto Musk entrar em seu modo demoníaco, e sabia o que
vinha pela frente. Como acontece com frequência — pelo menos duas
ou três vezes por ano com grande intensidade —, uma grande
compulsão vai crescendo dentro dele, até que Musk determine uma
“onda”, uma atividade frenética 24 horas por dia, como ele havia feito na
fábrica de baterias de Nevada, na montadora de Fremont e nos
escritórios responsáveis pelo sistema de direção autônoma, e como faria
posteriormente no mês insano que se seguiu à compra do Twitter. O
objetivo era sacudir tudo e “expulsar a merda do sistema”, segundo ele.
As nuvens de tempestade que vinham se formando sobre Musk
estouraram quando ele e um grupo de altos gestores foram até o ponto
de lançamento e não viram ninguém trabalhando. Isso talvez não
parecesse incomum para a maior parte das pessoas no fim de noite de
uma sexta-feira, mas Musk surtou. O alvo imediato foi um engenheiro
civil alto, de jeito tranquilo, chamado Andy Krebs, que estava
encarregado de construir a infraestrutura na Starbase. “Por que não tem
ninguém trabalhando?”, perguntou Musk.
Infelizmente para Krebs, era a primeira vez em três semanas que ele
não passava todo o turno da noite trabalhando na torre e no ponto de
lançamento. De fala suave e ligeiramente gago, o engenheiro hesitou ao
responder, o que não ajudou. “Qual é o problema?”, exigiu saber Musk.
“Quero ver gente trabalhando.”
Foi aí que ele determinou uma onda de produção. O foguete auxiliar
da Starship e o segundo estágio deveriam ser retirados das áreas de
fabricação e empilhados na torre de lançamento dentro de dez dias. Ele
queria que quinhentos trabalhadores de toda a SpaceX — Cabo
Canaveral, Los Angeles e Seattle — fossem enviados imediatamente
para Boca Chica e colocados em ação. “Isso aqui não é uma organização
de trabalho voluntário”, reclamou Musk. “Não estamos vendendo
biscoitos de bandeirantes. Ponham todo mundo aqui.” Quando ligou
para Gwynne Shotwell, que estava em Los Angeles, dormindo, para
descobrir quais trabalhadores e supervisores iriam para Boca Chica, ela
se queixou e disse que os engenheiros de Cabo Canaveral ainda
precisavam preparar os lançamentos do Falcon 9. Musk determinou que
isso fosse atrasado. A onda era a prioridade dele.
Pouco depois da uma da manhã, Musk enviou um e-mail intitulado
“Onda da Starship” para todos os empregados da SpaceX. “Qualquer
um que não esteja trabalhando em outros projetos que sejam obviamente
decisivos para a SpaceX deve se transferir de imediato para trabalhar na
primeira órbita da Starship”, escreveu. “Por favor, venham de avião, de
carro, ou cheguem aqui por qualquer meio possível.”
Em Cabo Canaveral, Kiki Dontchev, que ganhou o cargo de chefia
quando Musk deflagrou um frenesi semelhante depois de não ver
ninguém trabalhando no Pad 39 A certa noite, começou a acordar seus
melhores funcionários com o objetivo de ir para o Texas. A assistente de
Musk, Jehn Balajadia, tentou reservar quartos de hotel em Brownsville,
perto de Boca Chica, mas a maioria já estava reservada para uma
convenção de controle de fronteiras, de modo que ela teve dificuldades
em fazer os preparativos para que os funcionários dormissem em
colchões de ar. Sam Patel trabalhou a noite toda imaginando as
estruturas de hierarquia e supervisão que seriam criadas, e também como
levar comida suficiente para alimentar todos em Boca Chica.
Quando Musk voltou da torre de lançamento para o prédio principal
da Starbase, o monitor de vídeo da porta dianteira tinha sido
reprogramado. O texto dizia “Nave + Foguete Empilhados T -196h
44m 23s” e estava numa contagem regressiva segundo a segundo.
Balajadia explicou que Musk não deixou que eles arredondassem dias
nem horas. Todo segundo contava. “Nós precisamos chegar a Marte
antes que eu morra”, disse ele. “A única força que nos impele a chegar a
Marte somos nós, e às vezes isso se resume a mim.”
A onda de trabalho foi bem-sucedida. Em pouco mais de dez dias, o
foguete auxiliar e a espaçonave Starship foram empilhados na torre.
Também foi meio sem sentido, uma vez que o foguete ainda não tinha
capacidade para voar, e a montagem do conjunto não forçou a FAA a
apressar a aprovação. A crise inventada, contudo, forçou a equipe a
continuar trabalhando freneticamente, e deu a Musk uma dose do
drama que a personalidade dele exige. “Sinto minha fé no futuro da
humanidade renovada”, comentou ele naquela noite. Mais uma
tempestade havia passado.
Custos do Raptor
Poucas semanas depois desse surto, Musk voltou a atenção para o
Raptor, o motor que impulsionaria a Starship. Movido a metano líquido
super-resfriado e a oxigênio líquido, o Raptor tinha mais do que o dobro
do empuxo do motor Merlin do Falcon 9. Isso significava que a Starship
teria mais empuxo do que qualquer outro foguete na história.
Todavia, o motor Raptor não iria levar a humanidade a Marte
simplesmente por ser potente. Ele também precisaria ser fabricado às
centenas a um custo razoável. Cada Starship precisaria de cerca de
quarenta deles, e Musk vislumbrou uma frota de dezenas de Starships.
O Raptor era complexo demais para ser fabricado em massa. Ele parecia
um emaranhado de espaguete. Por isso, em agosto de 2021, Musk
demitiu a pessoa encarregada do design e assumiu pessoalmente o título
de vice-presidente de propulsão. O objetivo era reduzir o custo de cada
propulsor em cerca de 200 mil dólares, um décimo do custo na época.
Certa tarde, Gwynne Shotwell e o CFO da SpaceX, Bret Johnsen,
organizaram um pequeno encontro com a pessoa do departamento
financeiro encarregada de supervisionar os custos do Raptor. Entra em
cena um jovem analista financeiro com aparência de estudioso chamado
Lucas Hughes, cujo visual ligeiramente elitista era mitigado por um
rabo de cavalo. Ele jamais havia interagido diretamente com Musk, e
não tinha certeza se o patrão sabia seu nome. Portanto, estava nervoso.
Musk começou um sermão sobre coleguismo. “Quero ser superclaro”,
começou. “Você não é amigo dos engenheiros. Você é o juiz. Se você for
popular entre os engenheiros, isso é mau sinal. Se você não pisar no calo
de ninguém, eu vou te demitir. Está claro?” Hughes gaguejou um pouco
enquanto dizia que sim.
Desde que tinha voltado da Rússia e calculado os custos para produzir
seus foguetes, Musk havia usado algo que ele apelidou de “índice de
idiotice”. Essa era a proporção entre o custo total de um componente e o
custo das matérias-primas utilizadas. Algo com um alto índice de
idiotice — digamos, um componente que custa mil dólares quando o
alumínio usado em sua fabricação custa apenas cem — tinha alta
probabilidade de ter um design complexo demais ou um processo de
manufatura ineficiente. Nas palavras de Musk, “se a proporção for alta,
você é um idiota”.
“Quais são as melhores peças do Raptor segundo o índice de
idiotice?”, perguntou Musk.
“Não tenho certeza”, respondeu Hughes. “Vou descobrir.” Isso não
era bom. O rosto de Musk se fechou e Shotwell me olhou preocupada.
“No futuro, é melhor você ter certeza de que saiba essas coisas de
cor”, disse Musk. “Se chegar numa reunião e não souber quais são as
peças idiotas, sua demissão vai ser aceita imediatamente”, falou sem
alterar a voz nem demonstrar qualquer emoção. “Como você pode não
saber quais são as melhores e piores peças?”
“Eu conheço a planilha de custo nos mínimos detalhes”, comentou
Hughes em voz baixa. “Só não sei o custo das matérias-primas dessas
peças.”
“Quais são as cinco piores peças?”, perguntou Musk. Hughes olhou
para o computador para ver se conseguia calcular uma resposta. “NÃO!
Não olhe para a sua tela”, esbravejou Musk. “Diga só uma. Você deveria
saber quais são as peças problemáticas.”
“Tem a tampa da injeção”, disse Hughes hesitante. “Acho que custa
13 mil dólares.”
“É feita de apenas uma peça de aço”, retrucou Musk, passando a
interrogar o funcionário. “Quanto custa essa matéria-prima?”
“Acho que na casa dos milhares de dólares”, respondeu Hughes.
Musk sabia a resposta. “Não. É só aço. São uns 200 dólares. Você
errou feio. Se você não melhorar, sua demissão será aceita. Esta reunião
acabou. Chega.”
***
A lição de Lucas
Um ano depois, decidi ver o que tinha acontecido com as duas pessoas
que Musk tinha criticado no verão de 2021, Lucas Hughes e Andy
Krebs.
Hughes se lembrava nitidamente de cada momento. “Musk ficava
insistindo comigo sobre os custos da tampa da injeção”, diz. “Ele estava
certo sobre o custo da matéria-prima, e na hora eu não consegui explicar
direito os outros custos.” Quando Musk continuou interrompendo o que
ele dizia, Hughes recorreu ao treinamento como ginasta.
Ele fora criado em Golden, no Colorado, e era apaixonado por
ginástica. Desde os 8 anos, treinava trinta horas por semana. A ginástica
ajudou Hughes a ter um alto rendimento acadêmico. “Eu era
superatento aos detalhes, supercompetitivo, dedicado e disciplinado”,
comenta. Em Stanford, ele competiu em todas as seis modalidades
masculinas, o que exigiu treinamento ao longo do ano todo, ao mesmo
tempo que cursava engenharia e finanças. A aula favorita dele se
chamava construindo o futuro com materiais de engenharia. Quando se
formou, em 2010, ele foi trabalhar na Goldman Sachs, mas queria fazer
algo mais próximo da engenharia de verdade. “Eu era um nerd que
adorava coisas espaciais quando criança”, diz, de modo que ele se
candidatou quando soube que a SpaceX tinha anunciado uma vaga de
analista financeiro. Hughes foi trabalhar lá em dezembro de 2013.
“Quando o Elon estava me dando aquela bronca, eu me concentrei
muito em tentar manter a compostura”, revela ele. “A ginástica te ensina
a manter a calma em situações de muita pressão. Eu só estava tentando
manter a calma e não desabar.”
Após a segunda reunião, quando já tinha todas as informações sobre o
“índice de idiotice” na ponta da língua, ele nunca mais teve problemas
com Musk. Sempre que surgiam questões relativas a custos em reuniões
posteriores sobre o Raptor, Musk costumava perguntar o que Hughes
achava, e o chamava pelo nome. Por acaso, Musk reconhecia que tinha
passado por cima dele como um trator? “Essa é uma boa pergunta”,
responde Hughes. “Não faço ideia. Não sei se ele internaliza essas
reuniões ou se lembra delas. Só sei que, depois disso, ele ao menos sabia
o meu nome.”
Pergunto se Hughes estava distraído na primeira reunião em função
da morte da filha. Ele faz uma pausa, talvez surpreso por eu saber disso,
e depois pede que eu não mencione isso no livro. Uma semana depois,
porém, ele me mandou um e-mail. “Conversei com a minha esposa, e
não tem problema se você contar a história.” Apesar da crença de Musk
de que todo feedback deve ser impessoal, às vezes as coisas são, na
verdade, pessoais. Shotwell entende isso. “Gwynne definitivamente se
importa com as pessoas, e acho que é importante que ela exerça esse
papel na empresa”, opina Hughes. “Elon se importa muito com a
humanidade, mas com a humanidade num sentido bem mais amplo.”
Tendo passado doze anos compenetrado em treinos de ginástica,
Hughes gostava da mentalidade superdedicada de Musk. “Ele está
disposto a simplesmente se jogar por completo nessa missão, e é isso o
que ele espera dos outros”, fala. “Isso tem um lado bom e um lado ruim.
Você certamente percebe que está sendo usado como ferramenta para
atingir esse objetivo maior, e isso é ótimo. As ferramentas, porém, ficam
gastas, e ele acha que pode simplesmente substituí-las.” Na verdade,
como ele demonstrou ao comprar o Twitter, Musk não vê as coisas
assim. Ele acha que quando as pessoas querem priorizar o conforto e o
lazer, elas devem sair.
Foi o que Hughes fez em maio de 2022. “Trabalhar para o Elon é
uma das coisas mais empolgantes que você pode fazer, mas não sobra
tempo para mais nada na vida”, confessa ele. “Às vezes isso compensa.
Se o Raptor se tornar o propulsor mais acessível já criado e nos levar a
Marte, os danos colaterais vão ter valido a pena. Foi nisso que eu
acreditei por mais de oito anos. Mas agora, principalmente depois da
morte de nosso bebê, é hora de eu me concentrar em outras coisas na
vida.”
A lição de Andy
Andy Krebs lidou de outra forma, pelo menos no começo. Assim como
Hughes, ele fala com tranquilidade e é naturalmente gentil, com uma
covinha no queixo e um sorriso largo, mas não fica tão à vontade quanto
Mark Juncosa e Kiko Dontchev quando vira alvo durante uma conversa
com Musk. Num encontro preparatório para uma reunião em que a
equipe discutia quem iria apresentar certos dados desagradáveis sobre
vazamento de metano, Krebs disse que não estaria presente, então
Juncosa começou a balançar os cotovelos e a cacarejar, querendo dizer
que ele era covarde. No entanto, Krebs tem moral com Juncosa e outras
pessoas na Starbase, pois acham que ele se saiu bem quando Musk o
usou como alvo no incidente da torre de lançamento que deu início à
onda de trabalho.
Musk frequentemente se repete em reuniões. Em parte, o objetivo é
dar ênfase; em parte, é só uma invocação de um mantra, como num
transe. Krebs aprendeu que um modo de tranquilizá-lo era repetir o que
ele dizia. “Musk quer ter certeza de que você escutou”, comenta ele.
“Então, aprendi a repetir o feedback dele. Se ele diz que as paredes
deviam ser amarelas, eu digo: ‘Entendi, isso não deu certo, vamos pintar
as paredes de amarelo.’”
O método funcionou naquela noite na torre de lançamento. Embora
Musk às vezes pareça não perceber como as pessoas estão reagindo, ele
pode ser bom em determinar quem é capaz de lidar com situações
difíceis. “Eu acho, na verdade, que o Krebs sabia que tinha feito
besteira”, diz Musk. “A reação dele ao feedback foi boa. Consigo
trabalhar com as pessoas se elas têm uma reação boa a feedbacks
importantes.”
Como resultado, perto da meia-noite de uma sexta-feira, poucas
semanas depois da onda, Musk ligou para Krebs e deu a ele novas
atribuições em Boca Chica, entre as quais a tarefa importantíssima de
colocar os propelentes nos motores. “Ele vai reportar diretamente a
mim”, escreveu Musk num e-mail para a equipe. “Por favor, deem a ele
todo o apoio possível.”
Certo domingo, poucos meses depois, quando a Starship estava
novamente sendo montada na torre de lançamento, o vento aumentou e
alguns dos funcionários não quiseram subir até o topo da torre, onde
havia trabalho a ser feito, como a remoção do revestimento e a feitura
das conexões necessárias. Por isso, o próprio Krebs subiu e começou a
fazer o trabalho. “Eu precisava garantir que todos os funcionários
continuassem motivados”, fala ele. Perguntei se ele tinha feito isso por
ter sido inspirado por Musk, que gostava de ser um general na frente de
É
batalha, ou se fora por medo. “É como Maquiavel ensinava”, respondeu
Krebs. “Você precisa sentir medo e amor pelo líder. As duas coisas.”
Essa atitude sustentou Krebs por mais dois anos. Contudo, no início
de 2023, ele se tornou mais um refugiado da estratégia superintensa de
Musk. Depois de se casar e ter um filho, decidiu que era hora de seguir
em frente e encontrar um equilíbrio melhor entre trabalho e vida
pessoal.
capítulo 60
Onda solar
Verão de 2021
***
Com Maye, no palco do Saturday Night Live, e com Grimes em uma festa
Saturday Night Live
“A quem quer que eu tenha ofendido, só quero dizer que reinventei os
carros elétricos e estou enviando pessoas a Marte num foguete espacial.
Você acha que eu seria um cara tranquilo, normal?” Musk sorriu
timidamente enquanto fazia o monólogo de abertura como apresentador
convidado do Saturday Night Live. Alternando o peso de uma perna
para outra, ele estava fazendo um trabalho passável ao tentar
transformar estranheza em charme.
Este era o objetivo dele: mostrar-se que estava consciente das próprias
limitações emocionais. Com a ajuda da capacidade infalível do produtor
Lorne Michaels de fazer um convidado se sair bem, Musk usou a
participação como anfitrião em maio de 2021 para suavizar sua imagem.
“Na verdade, estou entrando para a história esta noite como a primeira
pessoa com Asperger a apresentar o SNL — ou pelo menos a primeira a
admitir isso”, disse. “Não vou fazer muito contato visual com o elenco
aqui hoje, mas não se preocupem, sei fazer o modo ‘humano’ do meu
emulador funcionar muito bem.”
Era Dia das Mães, então Maye teve a chance de subir ao palco. No
ensaio, na sexta-feira, ela leu os cartazes com as falas e disse: “Isso não é
engraçado.” Então recebeu permissão para improvisar algumas falas, e
fez isso. “Deixamos mais real e engraçado”, opina ela. Grimes também
apareceu, em um quadro inspirado no jogo Super Mario Bros. Uma ideia
que eles ensaiaram, em que a piada era com alguns dos tuítes antiwoke
de Musk, envolvia-o representando um James Bond totalmente woke,
mas não funcionou, e essa parte foi cortada do programa.
A festa pós-programa aconteceu na badalada casa de shows de Ian
Schrager, o Public Hotel, que estava fechada por causa da covid, mas
reabriu só para o evento. Chris Rock, Alexander Skarsgård e Colin Jost
estavam lá junto com Grimes, Kimbal, Tosca e Maye. Elon foi embora
por volta das seis da manhã e rumou, com Kimbal e algumas outras
pessoas, para a casa de Tim Urban, o blogueiro, onde ficou acordado por
mais algumas horas conversando. “Ele é um cara tão nerd que na
infância não sabia cair na farra”, diz Maye, “mas agora já compensou
isso”.
Aniversário de 50 anos
Musk costumava comemorar seus aniversários com festas à fantasia
elaboradas. Principalmente as que Talulah Riley coreografava.
Entretanto, quando chegou ao marco de 50 anos, em 28 de junho de
2021, ele havia acabado de se submeter à terceira cirurgia no pescoço
para aliviar a dor da lesão que sofrera ao tentar derrubar um lutador de
sumô na festa de aniversário de 42 anos. Então, decidiu fazer só uma
reunião tranquila com amigos próximos em Boca Chica.
No trajeto de saída do aeroporto de Brownsville, Kimbal comprou a
maioria dos fogos de artifício em uma banca de beira de estrada, os quais
disparou com os filhos mais velhos de Elon, Griffin, Kai, Damian e
Saxon. Eram fogos de artifício de verdade, não pequenos e fracos
foguetes de garrafa, porque, como Kimbal explica, “no Texas você pode
fazer o que quiser”.
Além da dor no pescoço, Musk estava exausto do trabalho. Ele havia
passado o dia andando pelas tendas de produção em Boca Chica, onde
se irritou com a complexidade da seção que ligava o foguete auxiliar da
Starship com a espaçonave de segundo estágio. “Há tantas aberturas na
cobertura que parece um queijo suíço!”, reclamou ele em um e-mail para
Mark Juncosa. “O tamanho dos buracos para antenas deveria ser
mínimo — só o suficiente para passar o fio. Todas as cargas e outras
exigências de design devem ter um nome individual atribuído a elas.
Nada de design coletivo.”
Durante boa parte do fim de semana de aniversário, os amigos dele o
deixaram sozinho para que pudesse dormir. Quando finalmente
acordou, reuniu todo mundo para um jantar no Flaps, o restaurante para
funcionários que a SpaceX havia construído perto da base de
lançamento. Depois, todos foram para a pequena casa dele e se reuniram
no estúdio ainda menor, que ficava na cabana no quintal em que Grimes
trabalhava. Havia apenas almofadões no chão, e eles simplesmente
ficaram ali, Musk deitado no chão com uma almofada sob o pescoço, e
conversaram até o dia raiar.
***
A última vez que civis haviam sido lançados em órbita fora em 1986, na
missão do ônibus espacial Challenger, que levava a professora Christie
McAuliffe e explodiu um minuto após a decolagem. Grimes achava que
essa era uma ferida que os Estados Unidos precisavam curar, e a
Inspiration4 faria isso. Por isso, ela assumiu o papel de “feiticeira
mestra”, e lançou feitiços de boa sorte no foguete antes do lançamento.
Como sempre ocorria durante momentos de tensão, Musk distraía a
mente pensando no futuro. Sentado na sala de controle ao lado de Kiko
Dontchev, que estava tentando se concentrar na contagem regressiva, ele
ficou fazendo perguntas sobre o sistema da Starship que estava sendo
construído em Boca Chica e sobre como convencer os engenheiros a sair
da Flórida e se mudar para lá.
Hans Koenigsmann estava participando de seu último lançamento.
Depois de trabalhar por vinte anos na SpaceX, desde o grupo destemido
que lançou os voos originais da Falcon 1 em Kwaj, Musk foi
empurrando o ex-parceiro para fora após o relatório que ele escreveu
sobre a desobediência às ordens meteorológicas da FAA. Depois que o
foguete Inspiration4 decolou, ele se aproximou e abraçou
desajeitadamente Musk para se despedir. “Fiquei preocupado com a
possibilidade de eu acabar ficando um pouco chateado ou emotivo”,
confessa Koenigsmann. “Trabalhei lá mais tempo do que todos os
outros.”
Eles conversaram por alguns minutos sobre quão importante era essa
missão civil para a história da exploração do espaço. Quando
Koenigsmann estava saindo, Musk voltou a atenção para o telefone a
fim de checar seu feed no Twitter. Grimes deu um cutucão nele: “É a
última missão dele”, disse ela.
“Eu sei”, replicou Musk, olhando para Koenigsmann e acenando.
“Não fiquei ofendido”, diz Koenigsmann. “Musk se importa muito,
mas não é emocionalmente carinhoso.”
***
***
A missão Inspiration4, lançada por uma empresa privada para cidadãos
privados, foi o prenúncio de uma nova economia orbital, cheia de
empreendimentos empresariais, satélites comerciais e grandes aventuras.
“A SpaceX e Elon são uma história de sucesso incrível”, comentou o
administrador da NASA, Bill Nelson, na manhã seguinte. “Existe uma
sinergia entre o setor público e o setor privado, e tudo isso em prol da
humanidade.”
Processando o significado do lançamento, Musk se tornou filosófico
ao seu modo O guia do mochileiro das galáxias. “Construir carros elétricos
em massa era inevitável”, disse. “Isso teria acontecido sem a minha
intervenção. Mas se tornar uma civilização que viaja pelo espaço não é
inevitável.” Cinquenta anos antes, os Estados Unidos haviam enviado
um homem à Lua, mas desde então não houve mais progresso — muito
pelo contrário. O ônibus espacial só voava em órbitas baixas, e depois
que foi aposentado os Estados Unidos não tinham nem mais como fazer
isso. “A tecnologia não progride automaticamente”, disse Musk. “Esse
voo é um grande exemplo de como o progresso exige ação humana.”
capítulo 63
Mudanças no Raptor
SpaceX, 2021
Jake McKenzie
Enquanto comandava reuniões na sala de conferências todas as noites,
Musk estava procurando alguém que pudesse supervisionar o design do
Raptor. “Há algum líder em ascensão?”, perguntou Shotwell a ele depois
de uma das sessões de Musk com engenheiros menos graduados.
“Minha rede neural para avaliar capacidade de engenharia é boa, mas
é difícil quando eles estão camuflados”, reclamou Musk. Então, ele
começou a fazer também sessões individuais, nas quais enchia de
perguntas os engenheiros de nível médio.
Depois de algumas semanas, um jovem engenheiro chamado Jacob
McKenzie começou a se destacar. A combinação de um sorriso angelical
com dreadlocks na altura dos ombros o deixava com uma aparência
descolada mas discreta. Musk gosta de dois tipos de assistente: os Red
Bulls, como Mark Juncosa, altamente cafeinados, loquazes e que
vomitam ideias, e os Spocks, cuja fala comedida lhes dá a típica aura de
competência de um vulcano. McKenzie fazia parte desta última
categoria.
Ele havia sido criado na Jamaica e depois se mudou para o norte da
Califórnia, onde se interessou por carros, foguetes e “qualquer coisa com
muita engenharia pesada”. A família dele era pobre, e ele trabalhou num
armazém para ganhar algum dinheiro durante o ensino médio.
McKenzie economizou com o objetivo de ir para a Santa Rosa Junior
College, onde estudou engenharia, e se saiu bem o suficiente a ponto de
conseguir se transferir para Berkeley e depois para a graduação no MIT,
onde fez um doutorado em engenharia mecânica.
Na SpaceX, onde começou a trabalhar em 2015, ele geria uma equipe
que produzia as válvulas para o motor Raptor. É uma função
importantíssima. Muitas vezes quando a contagem regressiva é
interrompida, a causa é um vazamento em uma válvula. McKenzie tinha
interagido com Musk poucas vezes, e ficou surpreso quando o patrão
começou a falar sobre a possibilidade de ele comandar o programa
Raptor. “Eu achava que Musk nem sabia o meu nome”, confessa
McKenzie. Talvez fosse o caso, mas Musk sabia que o trabalho dele era
bom. A equipe de McKenzie havia melhorado os atuadores da Starship,
um dos muitos projetos nos quais Musk mergulhou pessoalmente.
Certa noite em setembro de 2021, pouco depois da meia-noite, Musk
enviou uma mensagem para McKenzie: “Está acordado?” De modo
nada surpreendente, McKenzie respondeu: “Sim, acordado, vou ficar no
escritório pelo menos mais algumas horas.” Musk ligou e disse que ia
promovê-lo. Às quatro e meia da manhã, ele enviou um e-mail. “Jake
McKenzie vai responder diretamente a mim daqui em diante”, escreveu.
Musk disse que um dos seus objetivos era “trocar a maioria dos flanges e
das peças feitas de liga Inconel por ligas de aço soldáveis, bem como
excluir qualquer peça que seja *potencialmente* desnecessária. Se nós
não tivermos que recolocar algumas peças, significa que não eliminamos
o suficiente”.
McKenzie começou a aplicar soluções no estilo da indústria
automotiva, o que em alguns casos resultava em peças 90% mais baratas.
Ele pediu a Lars Moravy, um dos principais executivos na Tesla, para
caminhar com ele pela linha de produção da SpaceX e sugerir técnicas
automotivas que poderiam simplificar as coisas. Às vezes, Moravy ficava
tão chocado com as complexidades desnecessárias na linha de motores
de foguetes que cobria os olhos. “Ok, dá para tirar as mãos do rosto?”,
perguntou McKenzie. “Porque isso está me magoando demais.”
A maior mudança que Musk fez foi colocar engenheiros de projeto
no comando da produção, como havia feito por um tempo na Tesla.
“Criei grupos de design e produção separados há muito tempo, e foi um
erro idiota”, disse em uma das primeiras reuniões que McKenzie liderou.
“Você é responsável pelo processo de produção. Não pode repassar essa
tarefa para ninguém. Se o design custa caro para produzir, mude o
design.” McKenzie e toda a equipe dele de engenharia deslocaram as 75
mesas para que ficassem ao lado das linhas de montagem.
O motor 1337
Um método que Musk usava quando um problema se tornava
complicado era voltar a atenção para o projeto de uma versão futura do
produto. Foi isso que ele fez com o Raptor algumas semanas depois que
McKenzie assumiu: declarou que passariam a se dedicar a fazer um
motor completamente novo. Seria algo tão diferente que ele não queria
batizá-lo com o nome em inglês de alguma espécie de falcão, como
Merlin ou Kestrel. Em vez disso, decidiu usar um meme do mundo da
programação e chamá-lo de 1337, que se pronunciava “LEET” (os
números se assemelham ligeiramente a essas letras). O objetivo era fazer
um motor que custasse menos de mil dólares por tonelada de impulso, e
que dessa forma seria, disse ele, “o desenvolvimento fundamental
necessário para tornar a vida multiplanetária”.
O objetivo de desenhar um motor novo era fazer todo mundo pensar
de modo ousado. “Nosso objetivo é o grande motor da aventura”, disse
Musk em um discurso motivacional para a equipe. “Existe uma chance
de êxito maior que zero? Caso sim, inclua no projeto! Se descobrirmos
que as mudanças que fizemos são ousadas demais, voltamos atrás.” O
objetivo principal era fazer um motor reduzido às características mais
essenciais. “Há muitas maneiras de se esfolar um gato”, disse. “Mas é
importante saber como é o gato sem pele. A resposta é: musculoso e
cheio de saliências.”
Ainda naquela noite, ele mandou uma sequência de mensagens para
enfatizar como estava falando sério sobre esse novo plano. “Não estamos
mirando na Lua”, escreveu. “Estamos mirando em Marte. Um
sentimento maníaco de urgência é o nosso princípio operacional.” Em
uma mensagem que mandou diretamente para McKenzie, ele
acrescentou: “O motor SpaceX 1337 é o último grande avanço crítico
necessário para levar a humanidade a Marte!!! Nenhuma palavra basta
para captar quão importante isso é para o futuro da civilização.”
Ele sugeriu pessoalmente algumas ideias extremas, como excluir todo
o coletor de gás combustível quente e fundir a bomba turbomolecular de
combustível com o injetor da câmara principal. “Pode resultar em uma
má distribuição de gás combustível, ou não. Vamos descobrir.” Ele
reforçou a cruzada com e-mails quase toda a noite. “Estamos numa
*fúria* de exclusão!!”, escreveu em um deles. “Nada é sagrado. Todo
tubo, sensor, peça etc. levemente questionável será eliminado esta noite.
Por favor, sejam ultrafirmes na eliminação e na simplificação.”
Ao longo de outubro de 2021, as reuniões noturnas sempre
atrasavam, e a maioria começava por volta das onze horas. Mesmo
assim, geralmente havia dezenas de pessoas na sala de conferências e
mais de cinquenta participando remotamente. Em cada sessão
costumava surgir uma nova ideia para simplificação ou eliminação. Certa
noite, por exemplo, Musk se concentrou em se livrar de toda a saia do
propulsor, que é a parte aberta não pressurizada situada bem embaixo.
“Isso não ajuda a conter uma parte significativa do propelente”,
comentou ele. “É como mijar numa piscina. Não afeta muito a piscina.”
Depois de um mês, tão abruptamente quanto havia forçado a equipe a
se concentrar em um motor futurista 1337, Musk voltou a atenção de
todos novamente para a revisão do Raptor, a fim de transformá-lo em
um Raptor 2 mais elegante e potente. “Estou mudando o foco da
propulsão da SpaceX de volta para o Raptor”, anunciou ele em uma
mensagem às duas da manhã. “Precisamos de ritmo de produção de
motor de um por dia para manter uma cadência decente de lançamento.
Atualmente, é de um a cada três dias.” Perguntei se isso reduziria a
velocidade do desenvolvimento do 1337. “Sim”, respondeu ele. “Não
podemos tornar a vida multiplanetária com o Raptor, porque é muito
caro, mas o Raptor é necessário para nos levar adiante até que o 1337
esteja pronto.”
O surto envolvendo o 1337 e o recuo posterior foram uma estratégia
cuidadosamente elaborada por Musk para fazer a equipe pensar de
modo mais ousado, ou tudo não passou de um ato impulsivo em que ele
acabou voltando atrás? Como lhe é comum, foi uma mistura das duas
coisas. Isso serviu ao propósito de incitar o surgimento de ideias novas,
inclusive a de se livrar de várias capas e saias, que seriam incorporadas
aos objetivos dele para um Raptor aprimorado. “O exercício ajudou a
definir como seria um motor ideal”, afirma McKenzie. “Mas não estava
nos permitindo progredir em coisas que eram imediatamente necessárias
para avançar no programa Starship.” Ao longo do ano seguinte,
McKenzie e sua equipe foram capazes de produzir Raptors quase como
se fossem carros em uma linha de montagem. No feriado de Ação de
Graças de 2022, eles estavam fabricando mais de um por dia, e fizeram
um estoque para futuros lançamentos da Starship.
capítulo 64
Nasce o Optimus
Tesla, agosto de 2021
Dia da IA
Quarenta e oito horas antes do Dia da IA, Musk fez virtualmente uma
reunião de preparação com a equipe da Tesla de Boca Chica. O dia
também incluiu uma reunião com o Escritório de Conservação de Peixes
e Vida Selvagem do Texas com o propósito de conseguir apoio para os
lançamentos da Starship, uma reunião financeira da Tesla, uma
discussão sobre as finanças dos telhados solares, uma reunião sobre os
lançamentos futuros de civis, uma caminhada controversa pelas tendas
em que a Starship estava sendo montada, uma entrevista para um
documentário da Netflix e a segunda visita de Musk, tarde da noite, ao
loteamento residencial onde a equipe de Brian Dow estava instalando
telhados solares. Depois da meia-noite, ele entrou no avião e seguiu para
Palo Alto.
“É exaustivo ter que transitar entre tantas questões”, disse ele quando
finalmente relaxou no avião. “Mas há muitos problemas, e tenho que
resolver tudo.” Então, por que ele estava agora saltando para o mundo da
IA e dos robôs? “Porque estou preocupado com Larry Page”, respondeu.
“Tive conversas longas com ele sobre os perigos da IA, mas ele não
entende. Agora, mal nos falamos.”
Quando pousamos, às quatro da manhã, ele foi para a casa de um
amigo para dormir por algumas horas e em seguida dirigiu-se à sede da
Tesla em Palo Alto para um encontro com a equipe que se preparava
para o anúncio do robô. O plano era que uma atriz se vestisse como o
robô e subisse no palco. Musk ficou empolgado. “Ela vai fazer
acrobacias!”, declarou, como se fosse um esquete de Monty Python.
“Podemos pedir que ela faça coisas legais que parecem impossíveis?
Como sapatear com um chapéu e uma bengala?”
Musk tinha uma meta séria: o robô deveria parecer mais divertido do
que ameaçador. Como se tivesse sido combinado, X começou a dançar
na mesa da sala de conferências. “O menino tem baterias boas”, disse o
pai. “Ele recebe atualizações de software andando, olhando e ouvindo.”
Era este o objetivo: um robô que pudesse aprender a fazer coisas ao ver e
imitar humanos.
Depois de mais algumas piadas sobre danças com chapéu e bengala,
Musk começou a mergulhar nas especificações finais. “Vamos fazer o
robô andar a oito quilômetros por hora, não seis, e dar potência para
levantar um pouco mais de peso”, afirmou ele. “Nós exageramos na
tentativa de fazê-lo parecer dócil.” Quando os engenheiros disseram que
estavam planejando ter baterias que pudessem ser trocadas quando se
exaurissem, Musk vetou a ideia. “Muitos tolos foram pelo caminho da
bateria substituível, e geralmente isso se deu porque a bateria deles era
ruim”, declarou ele. “Nós originalmente fizemos isso com a Tesla. Sem
conjunto de bateria substituível. Basta fazer o conjunto maior para que
possa operar por dezesseis horas.”
Depois da reunião, ele continuou na sala de conferências. O pescoço
dele estava doendo por causa do antigo acidente com o lutador de sumô,
e ele se deitou no chão com uma bolsa de gelo na cabeça. “Se
conseguirmos produzir um robô de uso geral que pode te observar e
aprender a fazer uma tarefa, isso vai turbinar a economia a um grau que
é uma loucura”, disse. “Aí então podemos instituir um salário mínimo
universal. Trabalhar se tornaria uma escolha.” Sim, e alguns ainda
seriam levados a trabalhar de modo maníaco.
***
O chip
A tecnologia subjacente para o chip Neuralink se baseou no Utah Array,
inventado na Universidade de Utah em 1992, que é um microchip
cravejado com cem agulhas que podem ser enfiadas no cérebro. Cada
agulha detecta a atividade de um único neurônio e envia os dados por
um fio para uma caixa presa no crânio de alguém. Como o cérebro tem
cerca de 86 bilhões de neurônios, esse era apenas um nanopasso em
direção à interface humano-computador.
Em agosto de 2019, Musk publicou um artigo científico em que
descrevia como a Neuralink iria melhorar o Utah Array para criar o que
chamou de “uma plataforma integrada cérebro-máquina com milhares
de canais”. Os chips da Neuralink tinham mais de 3 mil eletrodos em 96
fios. Como sempre, Musk se concentrou não apenas no produto, mas
também em como ele seria fabricado e utilizado. Robôs trabalhando em
alta velocidade iriam cortar um pequeno buraco no crânio humano,
inserir o chip e introduzir os fios no cérebro.
Ele revelou uma versão inicial do dispositivo em uma apresentação
pública em agosto de 2020 na Neuralink, na qual mostrou uma porca
chamada Gertrude que tinha um chip no cérebro. Um vídeo dela
andando em uma esteira mostrava como o chip poderia detectar sinais
no cérebro do animal e enviar para um computador. Musk segurou o
chip, que tinha o tamanho de uma moeda de 25 centavos de dólar.
Quando colocado sob o crânio, ele poderia transmitir dados sem precisar
de fios, o que garantia que o usuário não ficasse parecendo um ciborgue
de um filme de horror. “Eu posso ter um Neuralink implantado agora e
vocês não saberiam”, disse Musk. “Talvez eu tenha.”
Alguns meses depois, Musk foi ao laboratório da Neuralink em
Fremont, perto da fábrica da Tesla, onde os engenheiros mostraram para
ele a última versão. Ela combinava quatro chips separados, cada um com
cerca de mil fios. Eles seriam implantados em diferentes partes do crânio
com fios conectados a um roteador preso atrás da orelha. Musk ficou
parado em silêncio por quase dois minutos, enquanto Zilis e os colegas
dela assistiam. Então, ele deu o veredito: havia odiado. Era complexo
demais, com muitos fios e conexões.
Ele estava no processo de eliminar conexões nos motores Raptor da
SpaceX. Cada uma era um possível ponto de falha. “Isso tem que ser um
único dispositivo”, disse ele aos desanimados engenheiros da Neuralink.
“Um só pacote elegante sem fios, sem conexões e sem roteador.” Não
havia nenhuma lei da física — nenhum princípio básico — que
impedisse toda a funcionalidade poder estar contida em um único
dispositivo. Quando os engenheiros tentaram explicar por que
precisavam do roteador, a expressão de Musk enrijeceu. “Eliminem”,
decretou ele. “Deletem, deletem, deletem.”
Depois que deixaram a reunião, os engenheiros passaram pelos
estágios típicos do transtorno de estresse pós-Musk: perplexidade, raiva
e ansiedade. Apesar disso, em uma semana ficaram intrigados, porque
perceberam que a nova abordagem poderia funcionar.
Quando Musk voltou ao laboratório semanas depois, eles mostraram
um só chip que poderia lidar com o processamento dos dados de todos
os fios e transmiti-los por Bluetooth para um computador. Sem
conexões, sem roteador, sem fios. “Achávamos que era impossível”,
comentou um dos engenheiros, “mas agora estamos muito empolgados
com isso”.
Um problema que os engenheiros enfrentavam era causado pela
exigência de que o chip fosse muito pequeno. Isso tornava desafiador ter
uma bateria de vida longa e suporte a muitos fios. “Por que tem que ser
tão pequeno assim?”, perguntou Musk. Alguém cometeu o erro de dizer
que era um dos pré-requisitos que eles receberam. Isso fez com que
Musk entoasse seu algoritmo, a começar pelo questionamento de todas
as especificações. Depois ele falou da ciência básica do tamanho do chip.
Nosso crânio é redondo; o chip não pode ser um pouco abaulado? E o
diâmetro não poderia ser maior? Eles chegaram à conclusão de que o
crânio humano acomodaria facilmente um chip maior.
Quando o dispositivo estava pronto, eles o implantaram em um dos
macacos, chamado Pager, que estava hospedado no laboratório.
Ensinaram-no a jogar Pong no videogame e lhe davam como
recompensa uma vitamina de fruta quando ele se saía bem. O
dispositivo da Neuralink gravava quais neurônios estavam funcionando
cada vez que ele mexia o controle de uma certa maneira. Posteriormente
o controle foi desativado, e os sinais do cérebro do macaco passaram a
controlar o jogo. Era um grande passo em direção ao objetivo de Musk
de criar uma conexão direta entre o cérebro e a máquina. A Neuralink
publicou um vídeo disso no YouTube que foi visto 6 milhões de vezes no
período de um ano.
capítulo 66
Pura visão
Tesla, janeiro de 2021
Controvérsia
A decisão de Musk de eliminar o radar causou um debate público. Uma
reportagem investigativa minuciosa do The New York Times feita por
Cade Metz e Neal Boudette revelou que muitos engenheiros da Tesla
estavam bastante apreensivos. “Diferentemente dos tecnólogos em quase
todas as outras empresas que estão trabalhando em carros autônomos, o
sr. Musk insiste que a autonomia pode ser atingida só com câmeras”,
escreveram. “Mas muitos dos engenheiros da Tesla questionavam se era
seguro o bastante confiar em câmeras sem o benefício de outros
dispositivos sensores, e se o sr. Musk não estava exagerando em suas
promessas aos motoristas sobre as capacidades do Autopilot.”
Edward Niedermeyer, que havia escrito um livro crítico sobre a Tesla
chamado Ludicrous [Ridículo], publicou uma sequência de tuítes.
“Melhorias nos sistemas comuns de assistência ao motorista estão
levando o setor a usar mais radares, além de modalidades ainda mais
inovadoras, como o LiDAR e imagens térmicas”, escreveu ele. “A Tesla,
ao contrário, está dando um passo para trás.” E Don O’Dowd, um
empreendedor de segurança de software, comprou um anúncio de
página inteira no The New York Times em que chamava o sistema de
direção autônoma da Tesla de “o pior software já vendido por uma
empresa incluída na lista Fortune 500”.
A Tesla foi por muito tempo alvo de investigações da National
Highway Traffic Safety Administration, que ganharam impulso depois
da eliminação do radar em 2021. Em um estudo, a agência
governamental registrou 273 acidentes com motoristas de carros da
Tesla que estavam usando algum nível de direção assistida, cinco dos
quais resultaram em mortes. Também foi aberta uma investigação sobre
onze colisões de Teslas com veículos de emergência.
Musk estava convencido de que motoristas ruins, não um software
ruim, eram a principal razão por trás da maioria dos acidentes. Em uma
reunião, ele sugeriu usar os dados coletados das câmeras dos carros —
uma das quais fica dentro do veículo e está direcionada ao motorista —
para provar quando havia erro do motorista. Uma das mulheres na mesa
reagiu. “Já discutimos isso com a equipe de privacidade”, disse ela. “Não
podemos associar as transmissões de selfies a nenhum veículo específico,
nem mesmo quando há uma colisão; pelo menos é essa a orientação dos
nossos advogados.”
Musk não ficou feliz. O conceito de “equipe de privacidade” não o
comovia. “Sou eu o tomador de decisões nesta empresa, não a equipe de
privacidade”, disse. “Nem sei quem são. Eles são tão privados que nunca
sabemos quem são.” Ouviram-se algumas risadas nervosas. “Talvez a
gente possa fazer um anúncio pop-up para dizer às pessoas que se elas
usarem a FSD [direção totalmente autônoma] vamos coletar dados para
o caso de haver uma colisão”, sugeriu ele. “Haveria algum problema
quanto a isso?”
A mulher pensou por um instante e depois assentiu. “Contanto que
isso seja comunicado aos clientes, acho que está tudo bem.”
O Phoenix se levanta
Apesar de teimoso, provas podem fazer Musk mudar de ideia. Ele estava
decidido a eliminar radares em 2021 porque a qualidade técnica desse
dispositivo na época não permitia resolução suficiente para acrescentar
informação significativa ao sistema de visão. No entanto, ele concordou
em permitir que os engenheiros continuassem o programa Phoenix para
ver se conseguiam desenvolver uma tecnologia de radar melhor.
Lars Moravy, o chefe de engenharia automotiva de Musk, colocou
um engenheiro nascido na Dinamarca chamado Pete Scheutzow como
encarregado. “Elon não é contra o radar”, diz Moravy, “ele é contra um
radar ruim”. A equipe de Scheutzow desenvolveu um sistema de radar
que se concentrava nos casos em que o motorista humano não fosse
capaz de ver algo. “Você talvez tenha razão”, disse Musk, e secretamente
autorizou testes do novo sistema no Model S e no Model Y, que são
mais caros.
“É um radar muito mais sofisticado do que o radar automotivo
comum”, afirma Musk. “É o que se vê em sistemas de armas. Cria uma
imagem do que está acontecendo, em vez de receber só um sinal de
retorno.” Ele de fato planejava colocá-lo nos carros de luxo da Tesla?
“Vale a pena experimentar. Estou sempre aberto a receber provas de
experimentos físicos.”
capítulo 67
Dinheiro
2021-2022
Desde 2007, talvez até o ano passado, a dor tem sido ininterrupta.
Tem uma arma apontada para a sua cabeça, você tem que fazer a
Tesla dar certo, tirar um coelho da cartola e, depois, tirar mais um
coelho da cartola. Uma sequência de coelhos voando pelos ares. Se o
próximo coelho não sair, você estará morto. Isso tem um preço. Não
dá para viver em uma luta constante por sobrevivência, sempre com a
adrenalina altíssima, e não se machucar.
Mas tem outra coisa que descobri este ano: lutar para sobreviver
estimula por um tempo. Quando você não está mais no modo
sobrevivência, não é fácil se motivar todos os dias.
Bebê Y
Apesar de estarem num momento difícil do relacionamento, Grimes e
Musk se divertiam tanto sendo pais de X que decidiram ter outro bebê.
“Eu realmente queria muito que ele tivesse uma filha”, diz ela. Como a
primeira gravidez havia sido difícil e o corpo de Grimes, muito esguio, a
tornava propensa a ter complicações, eles decidiram por uma barriga de
aluguel.
Isso levou a uma improvável situação esquisita e potencialmente
estranha, digna de uma farsa francesa new age. Quando Zilis estava
internada no hospital de Austin por complicações da gravidez, a mãe
que gestava a filha que Musk e Grimes haviam concebido in vitro em
segredo estava no mesmo hospital. Como a mãe de aluguel estava tendo
uma gravidez difícil, Grimes lhe fez companhia. Ela não sabia que Zilis
encontrava-se em um quarto ali perto, nem que estava grávida de Musk.
Talvez não seja surpresa que Musk tenha decidido voar para a Costa
Oeste naquele fim de semana de Ação de Graças para lidar com os
problemas mais simples de engenharia de foguetes.
Quando a filha deles nasceu, em dezembro, apenas algumas semanas
depois dos meios-irmãos gêmeos, Musk e Grimes começaram o
demorado processo de escolha de nomes. A princípio, eles a chamaram
de Sailor Mars, em homenagem a uma das heroínas do mangá Sailor
Moon, que apresenta guerreiras que protegem o sistema solar contra o
mal. Parecia um nome adequado, muito embora pouco convencional,
para uma criança que poderia estar destinada a ir a Marte. Em abril, eles
decidiram que precisavam dar a ela um nome menos sério (isso mesmo),
porque “ela é toda brilhante e muito mais pateta”, disse Grimes. Eles
concordaram em Exa Dark Sideræl, mas no início de 2023 brincaram
com a ideia de mudar o nome dela para Andromeda Synthesis Story
Musk. Para simplificar, eles a chamavam de Y ou, às vezes, “Why?”,
com um ponto de interrogação como parte do nome dela. “Elon sempre
diz que precisamos descobrir qual a pergunta antes de saber as respostas
do Universo”, explica Grimes, se referindo ao que aprendeu com O guia
do mochileiro das galáxias.
Quando Musk e Grimes levaram Y para casa, apresentaram-na a X.
Christiana Musk e outros familiares estavam lá, e todos brincaram no
chão como se fossem uma família comum. Musk nunca disse nada sobre
ter tido gêmeos com Shivon. Depois de uma hora de brincadeiras e um
jantar rápido, ele pegou X e o levou no seu avião para Nova York, onde o
menino ficou sentado no colo dele na cerimônia da revista Time que o
coroou como Pessoa do Ano.
O título concedido pela revista foi o auge no tocante à popularidade
de Musk. Em 2021, ele passou a ser a pessoa mais rica do mundo, a
SpaceX se tornou a primeira empresa privada a colocar uma equipe civil
em órbita e a Tesla chegou ao valor de mercado de 1 trilhão de dólares
ao encabeçar uma mudança histórica na indústria automobilística
mundial, com a era dos veículos elétricos. “Poucos indivíduos tiveram
mais influência do que Musk na vida na Terra e potencialmente na vida
fora da Terra também”, escreveu Ed Felsenthal, editor da Time. O
Financial Times também o declarou Pessoa do Ano: “Musk está
apostando em ser o empreendedor mais inegavelmente inovador de sua
geração.” Na entrevista para o jornal, Musk destacou as missões que
moviam as empresas dele. “Estou apenas tentando levar as pessoas a
Marte, promover a liberdade da informação com a Starlink, acelerar a
tecnologia sustentável com a Tesla e libertar as pessoas da labuta de
dirigir”, afirmou. “É bem possível que a estrada para o inferno seja em
parte pavimentada com boas intenções — mas a estrada para o inferno
é, principalmente, pavimentada com más intenções.”
capítulo 69
Política
2020-2022
Biden
À medida que Musk ficava mais preocupado com a mentalidade woke, a
lealdade partidária dele mudou. “Este vírus da mentalidade woke jaz
principalmente no Partido Democrata, apesar de a maioria dos
democratas não concordar com isso”, disse. A evolução era também uma
reação a ataques contra ele por alguns democratas. “Elizabeth Warren
realmente me chamou de vigarista aproveitador que não paga impostos,
quando estou literalmente pagando mais impostos do que qualquer
indivíduo na história”, diz. Ele ficou especialmente enfurecido com um
ataque de uma deputada progressista da Califórnia, Lorena Gonzalez.
“F*da-se Elon Musk”, tuitou ela. Isso se somava à frustração dele com a
Califórnia. “Eu vim para cá quando era a terra da oportunidade”,
comenta Musk. “Agora, é a terra do litígio, da regulamentação e dos
impostos.”
Ele havia desenvolvido um profundo desprezo por Donald Trump,
que considerava um vigarista, mas não ficou impressionado com Joe
Biden. “Quando Biden era vice-presidente, fui a um almoço com ele em
São Francisco em que falou por uma hora e foi chato pra caramba, como
um daqueles bonecos em que você puxa uma cordinha e ele fica
repetindo as mesmas frases bobas.” Mesmo assim, Musk diz que votaria
em Biden em 2020, mas decidiu que votar na Califórnia, onde estava
cadastrado o seu título de eleitor, era uma perda de tempo porque não
era um estado em que a disputa seria acirrada.
Seu desprezo por Biden aumentou em agosto de 2021, quando o
presidente realizou um evento na Casa Branca em homenagem aos
veículos elétricos. Os chefes da GM, da Ford e da Chrysler, junto com o
líder da United Auto Workers, foram convidados, mas não Musk, apesar
de a Tesla ter vendido mais carros elétricos nos Estados Unidos do que
todas as outras empresas somadas. A secretária de comunicação de
Biden, Jen Psaki, foi sincera quanto ao motivo. “Bem, estes são os três
maiores empregadores da United Auto Workers”, disse ela, “então vou
deixá-lo tirar suas próprias conclusões”. A UAW não tinha conseguido
sindicalizar a fábrica da Tesla em Fremont, em parte por causa do que o
Conselho Nacional de Relações Trabalhistas considerou ações
antissindicais ilegais da empresa, em parte porque seus trabalhadores
(como nas outras novas empresas de veículos elétricos, Lucid e Rivian)
obtiveram opções de ações, o que não costuma fazer parte dos contratos
sindicais.
Biden foi mais longe em novembro, quando visitou a fábrica da GM
em Detroit com a CEO Mary Barra e membros da liderança da UAW.
“Detroit está liderando o mundo em veículos elétricos”, disse Biden.
“Mary, eu me lembro de ter conversado com você em janeiro sobre a
necessidade de os Estados Unidos serem líderes no ramo dos carros
elétricos. Você mudou toda a história, Mary. Você tornou elétrica toda a
indústria automobilística. É sério. Você liderou, e isso é importante.”
De fato, a GM começara a liderar a mudança para veículos elétricos
nos anos 1990, mas havia desistido. Quando Biden fez essa declaração, a
GM tinha apenas um veículo elétrico, o Chevy Bolt, que havia sofrido
um recall e não estava sendo produzido na época. No último
quadrimestre de 2021, a GM vendeu um total de 26 veículos elétricos
nos Estados Unidos. Naquele ano, a Tesla vendeu cerca de 300 mil
carros elétricos nos Estados Unidos. “Biden é um fantoche murcho em
forma de gente”, retorquiu Musk. Dana Hull, uma repórter da
Bloomberg que costumava ser crítica de Musk (ele a bloqueou no
Twitter), escreveu: “Biden faria melhor em se ater aos fatos e reconhecer
— como o mercado fez — o papel da Tesla como líder na revolução dos
carros elétricos.”
Os assessores de Biden, muitos dos quais dirigiam Teslas, começaram
a se preocupar com a crescente briga, e, no início de fevereiro de 2022, o
chefe de gabinete, Ron Klain, e o principal assessor econômico de
Biden, Brian Deese, ligaram para Musk. Ele achou os dois
surpreendentemente razoáveis. Ansiosos por aplacar a raiva de Musk,
ambos prometeram que o presidente elogiaria a Tesla publicamente, e
inseriram uma frase num discurso que seria feito por ele no dia seguinte:
“Empresas anunciaram investimentos que somam mais de 200 bilhões
de dólares na fabricação doméstica aqui nos Estados Unidos — desde
empresas emblemáticas, como a GM e a Ford, que estão desenvolvendo
uma nova produção de veículos elétricos, até a Tesla, a maior fabricante
de veículos elétricos do país.” Não era um endosso completo, mas
apaziguou Musk, pelo menos por algum tempo.
A distensão com o governo Biden não estava fadada a durar. Musk
enviou um e-mail para os principais executivos na Tesla expressando seu
“sentimento super-ruim” com relação à economia e pedindo a eles que se
preparassem para uma recessão. Quando o e-mail vazou, Biden foi
questionado sobre o assunto. Ele soltou uma farpa sarcástica: “Então,
sabe, que ele tenha muita sorte na viagem à Lua.” Era como se Biden
pensasse que Musk era algum maluco tentando voar até a Lua. Na
realidade, o módulo de pouso lunar da SpaceX estava sendo construído
para os Estados Unidos, e havia sido contratado pela NASA. Alguns
minutos depois do comentário de Biden, Musk tirou sarro da falta de
noção do presidente: “Obrigado, sr. presidente!”, tuitou, e incluiu um
link para a nota da NASA à imprensa que dizia ter fechado um contrato
com a SpaceX para pousar astronautas norte-americanos na Lua.
***
Em uma ligação em abril, os assessores de Biden descreveram os
incentivos para carros elétricos que estavam num projeto de lei em
tramitação para reduzir a inflação. Musk ficou surpreso com quão bem
elaborados eram. Entretanto, foi contra os planos do governo de gastar 5
bilhões de dólares em três anos para criar uma rede de estações de
carregamento de carros elétricos. Embora isso pudesse ajudar a Tesla,
Musk achava que o governo não deveria se meter no negócio de
construir estações de carregamento, assim como não deveria construir
postos de combustível. Isso era feito melhor pelo setor privado, tanto
pelas empresas grandes quanto pelas pequenas. As empresas
encontrariam formas de atrair os clientes ao construir estações de
carregamento em restaurantes, atrações de beira de estrada, lojas de
conveniência e outros locais. No entanto, se o governo construir
estações, isso acabará com esses impulsos empreendedores. Musk
prometeu que os carregadores da Tesla estariam abertos para outros
carros. “Quero que vocês saibam que nossos mecanismos de
carregamento tanto no carro quanto nas nossas estações vão ser
interoperáveis”, prometeu ele na ligação telefônica.
Isso era um pouco mais complicado do que parecia. Os
supercarregadores da Tesla precisariam de adaptadores para os
conectores usados em outros carros, e ajustes financeiros teriam que ser
negociados. Mitch Landrieu, o czar de infraestrutura da Casa Branca,
foi até a fábrica de baterias da Tesla em Nevada e recebeu informações
sobre os detalhes tecnológicos. Depois, ele e John Podesta, o assessor de
Biden para inovação em energias limpas, tiveram uma rápida reunião
com Musk em Washington para acertar os detalhes. Isso levou a uma
rara troca de tuítes de apoio. “Elon Musk vai abrir uma pequena parte
da rede da Tesla para todos os motoristas”, dizia um tuíte que os
assessores escreveram para Biden postar. “É uma grande notícia, e vai
fazer uma diferença e tanto.” Musk respondeu: “Muito obrigado. A
Tesla está feliz em apoiar outros carros elétricos por meio de nossa rede
de supercarregadores.”
Um círculo libertário
Certo dia no início de 2022, Musk decidiu dar uma festa de última hora
na gigafábrica da Tesla no Texas, que estava quase pronta. O assistente
dele, Omead Afshar, encomendou um protótipo do Cybertruck e fez
com que o levantassem até um dos espaços abertos no segundo andar da
fábrica. Ele instalou um bar, usou os assentos dos carros em produção
para criar um enorme saguão e colocou alguns robôs da linha de
montagem ao redor só por diversão.
Musk convidou o amigo Luke Nosek, cofundador da PayPal e
investidor da SpaceX, que sugeriu convidar também Joe Rogan, o
podcaster morador de Austin e um politicamente incorreto orgulhoso,
em cujo programa Musk havia fumado um baseado em meio à confusão
de 2018. Nosek também chamou Jordan Peterson, o psicólogo
canadense e ocasional provocador antiwoke, que estava de visita.
Peterson chegou trajado de paletó de colarinho de veludo cinza com um
colete de veludo cinza combinando. Depois da festa, um pequeno grupo
que incluía Musk, Rogan, Peterson e Grimes foi à casa de Nosek, onde
ficaram conversando até as três da manhã.
Nosek, que nasceu na Polônia, havia sido um libertário dedicado
desde os tempos na Universidade do Illinois, onde teve longas discussões
com Max Levchin. Eles iriam se tornar cofundadores, juntamente com
Musk e o libertário ainda mais ardente Peter Thiel, da PayPal. Nosek
havia estado entre as poucas pessoas que comemoraram na casa de Thiel
a vitória de Trump em 2016.
O grupo de amigos de Musk em Austin também incluía o
cofundador da PayPal Ken Howery, que era embaixador de Trump na
Suécia, e o jovem empreendedor de tecnologia Joe Lonsdale, outro
pupilo de Thiel. Outro amigo dos dias da PayPal era o empreendedor de
São Francisco e investidor de risco David Sacks. As opiniões políticas de
David não eram rigidamente partidárias; ele havia apoiado tanto Mitt
Romney quanto Hillary Clinton. Contudo, desde o tempo de estudante,
preocupava-o o que ele chamou de correção política, e em 1995 ele
escreveu com Thiel o livro The Diversity Myth: Multiculturalism and
Political Intolerance on Campus [O mito da diversidade: multiculturalismo
e intolerância política na universidade], que denunciava, usando a alma
mater deles, Stanford, como exemplo, “o impacto debilitante do
‘multiculturalismo’ politicamente correto sobre o ensino superior e a
liberdade acadêmica”.
Nenhuma dessas pessoas determinava as visões políticas de Musk, e
seria errado pintá-las como influenciadoras sombrias dos bastidores.
Musk era obstinadamente cheio de opiniões, pela própria natureza e por
instinto. Mas elas tendiam a reforçar os sentimentos antiwoke dele.
O salto de Musk para a direita em 2022 desconcertou os amigos
progressistas, entre eles a primeira esposa, Justine, e a então namorada,
Grimes. “A chamada guerra contra a mentalidade woke é uma das coisas
mais idiotas da história”, tuitou Justine naquele ano. Quando ele
começou a enviar memes de direita e teorias da conspiração para
Grimes, ela respondeu: “Isto é do 4chan ou algo do tipo? Você está
começando a soar como alguém da extrema direita.”
Havia uma esquisitice no recém-descoberto fervor antiwoke de
Musk, bem como no ocasional apoio a teorias da conspiração da direita
radical. Elas vinham em ondas, assim como sua personalidade
demoníaca; não era o padrão de Musk. Na maior parte do tempo, ele
alegava ser de centro moderado, muito embora com uma tendência
libertária pela resistência natural a regulamentações e regras. Já havia
feito doações para a campanha de Obama, e certa vez ficou por seis
horas em uma fila para apertar a mão do então futuro presidente em um
evento. “Estou pensando em criar um ‘supercomitê de ação política
(CAP) supermoderado’ que apoia candidatos com visões centristas de
todos os partidos”, tuitou ele certa vez em 2022. E, mais tarde naquele
verão, quando voou para comparecer a um evento de arrecadação de
recursos para o CAP do líder republicano na Câmara, Kevin McCarthy,
inoculou-se com um tuíte para tentar tranquilizar os que achavam que
iria se tornar totalmente pró-Trump: “Para deixar claro, apoio a metade
à esquerda do Partido Republicano e a metade à direita do Partido
Democrata!”
Entretanto, as opiniões políticas de Musk, assim como os humores
dele, eram volúveis. Ao longo de 2022, ele se alternou entre elogios
animados por moderação e reclamações raivosas sobre como a
mentalidade woke e a censura perpetuadas pela elite da mídia eram uma
ameaça existencial à humanidade.
Polytopia
Uma chave para entender Musk — a intensidade, o foco, a
competitividade, as atitudes teimosas e o amor pela estratégia — é a
paixão dele por videogames. Horas de imersão se tornaram a maneira de
ele gastar energia (ou armazená-la) e melhorar as habilidades e o
pensamento estratégico para os negócios.
Aos 13 anos, na África do Sul, depois de aprender sozinho a
programar, Musk desenvolveu um jogo eletrônico chamado Blastar. Ele
descobriu maneiras de hackear jogos de fliperama para jogar de graça,
considerou abrir um fliperama e fez estágio em uma empresa produtora
de jogos. Como estudante de graduação, começou a se concentrar no
gênero conhecido como jogos de estratégia — a princípio com
Civilization e Warcraft: Orcs and Humans —, nos quais os jogadores se
revezam enquanto competem para ganhar uma campanha militar ou
econômica usando estratégias inteligentes, gestão de recursos e
pensamento tático de árvore de decisão.
Em 2021, Musk ficou obcecado com um novo jogo multiplayer de
estratégia no iPhone chamado Polytopia. Nele, os jogadores escolhiam
um entre dezesseis personagens, conhecidos como tribos, e competiam
para desenvolver tecnologias, monopolizar recursos e batalhar de forma
a construir um império. Ele se tornou tão bom que era capaz de vencer o
desenvolvedor sueco do jogo, Felix Ekenstam. O que a paixão pelo jogo
diz sobre ele? “Fui feito para a guerra, basicamente”, respondeu Musk.
Shivon Zilis instalou o app no celular para que eles pudessem jogar
juntos. “Fiquei viciada, e tem tantas lições de vida para aprender, tantas
coisas estranhas sobre você e seus oponentes”, diz. Um dia em Boca
Chica, depois de uma discussão tensa com alguns engenheiros sobre a
necessidade de usar correntes de segurança quando moviam o foguete
auxiliar da Starship, Musk se recolheu para se sentar em um
equipamento no canto do estacionamento e jogou duas intensas partidas
de Polytopia no telefone contra Zilis, que estava em Austin. “Ele
simplesmente acabou comigo nas duas”, conta ela.
Ele também convenceu Grimes a baixar o jogo. “Ele não tem hobbies
ou maneiras de relaxar que não sejam jogos eletrônicos”, diz ela, “e leva
isso tão a sério que acaba sendo muito intenso”. Durante uma partida
em que os dois haviam combinado que formariam uma frente unificada
contra outras tribos, ela o atacou de surpresa com uma bola de fogo. “Foi
uma das nossas maiores brigas”, lembra ela. “Ele interpretou isso como
um ato de profunda traição.” Grimes reclamou, e disse que aquilo era só
um jogo, uma coisa de pouca importância. “É muito importante”,
rebateu Musk. Ele ficou sem falar com Grimes pelo resto do dia.
Em uma visita à fábrica da Tesla em Berlim, ele ficou tão envolvido
em Polytopia que atrasou reuniões com gerentes locais. A mãe dele, que
também viajara, o criticou. “É verdade, eu errei”, admitiu Musk. “Mas é
o melhor jogo que existe.” Durante a viagem de volta em seu avião, ele
jogou a noite toda.
Alguns meses depois, em Cabo San Lucas, aonde fora para a festa de
aniversário de Christiana Musk, Elon passou horas sozinho no quarto
ou no canto jogando. “Por favor, você precisa vir ficar com a gente”,
implorou a cunhada, mas ele se recusou. Kimbal tinha aprendido o jogo
para se aproximar do irmão. “Ele disse que ia me ensinar a ser um CEO
assim como ele”, fala Kimbal. “Chamamos de Lições de Vida do
Polytopia.” Entre elas:
Empatia não é uma vantagem. “Ele sabe que tenho o gene da empatia,
diferentemente dele, e isso me prejudicou nos negócios”, diz Kimbal.
“Polytopia me ensinou como ele pensa quando se tira a empatia.
Quando você joga não há empatia, certo?”
Viva a vida como um jogo. “Tenho essa sensação”, comentou Zilis certa
vez para Musk, “de que, quando você era criança e estava jogando um
desses jogos de estratégia, sua mãe desligou o videogame e você nem
reparou, e continuou vivendo a vida como se fosse aquele jogo”.
Não tenha medo de perder. “Você vai perder”, afirma Musk. “Vai doer
nas primeiras cinquenta vezes. Quando se acostumar a perder, vai
jogar cada partida com menos emoção.” Você será mais ousado,
correrá mais riscos.
Seja proativo. “Sou um pouco pacifista e reativa à moda canadense”,
confessa Zilis. “Meu modo de jogo era 100% reativo ao que todo
mundo estava fazendo, em vez de pensar na minha melhor
estratégia.” Ela percebeu que, como muitas mulheres, isso mostrava a
maneira como ela se comportava no trabalho. Tanto Musk quanto
Mark Juncosa disseram que ela jamais ganharia, a menos que
assumisse o papel de determinar a estratégia.
Starlink ao resgate
Uma hora antes de iniciar a invasão à Ucrânia, em 24 de fevereiro de
2022, a Rússia lançou um ataque gigantesco de malware para impedir o
funcionamento dos roteadores da empresa norte-americana de satélites
Viasat, que fornecia serviços de comunicação e internet para o país. O
sistema de comando das Forças Armadas ucranianas ficou prejudicado, o
que praticamente impossibilitou a organização de uma defesa. De modo
frenético, altos oficiais ucranianos pediram ajuda a Musk, e o vice-
primeiro-ministro, Mykhailo Fedorov, usou o Twitter para pedir que ele
fornecesse a conectividade. “Pedimos que você forneça estações da
Starlink para a Ucrânia”, escreveu.
Musk aceitou. Dois dias depois, quinhentos terminais chegaram à
Ucrânia. “As Forças Armadas dos Estados Unidos querem ajudar com o
transporte, e o Departamento de Estado ofereceu voos humanitários e
uma pequena compensação”, escreveu Gwynne Shotwell num e-mail a
Musk. “O pessoal está realmente empenhado!”
“Maravilha”, respondeu Musk. “Parece bom.” Ele entrou em uma
chamada por Zoom com o presidente Volodymyr Zelensky, discutiu a
logística de um sistema mais robusto e prometeu visitar a Ucrânia
quando a guerra acabasse.
Lauren Dreyer, diretora de operações corporativas da Starlink na
SpaceX, começou a mandar e-mails com atualizações para Musk duas
vezes por dia. “A Rússia derrubou boa parte da infraestrutura de
comunicações da Ucrânia hoje, e vários kits da Starlink já estão
permitindo que as Forças Armadas ucranianas continuem operando
centros de comando”, escreveu ela em 1o de março. “Esses kits podem
salvar vidas, já que o oponente agora está se concentrando intensamente
em infraestrutura de comunicações. Eles estão pedindo mais.”
No dia seguinte, a SpaceX enviou mais dois terminais pela Polônia.
Dreyer, contudo, disse que não havia eletricidade em algumas áreas, de
modo que muitos dos kits não iriam funcionar. “Vamos oferecer o envio
de kits de energia solar + baterias”, respondeu Musk. “Podemos mandar
Powerwalls da Tesla e Megapacks também.” As baterias e os painéis
solares logo estavam a caminho.
Durante todos os dias daquela semana, Musk fez reuniões regulares
com os engenheiros da Starlink. Ao contrário de todas as outras
empresas e até mesmo de setores das Forças Armadas norte-americanas,
eles conseguiram encontrar modos de derrotar o bloqueio de
comunicações imposto pela Rússia. No domingo, a empresa estava
oferecendo conexão de voz para uma brigada de operações especiais da
Ucrânia. Kits da Starlink também estavam sendo usados para conectar
as Forças Armadas ucranianas com o Comando de Operações Especiais
Conjuntas dos Estados Unidos e retomar as transmissões televisivas no
país. Em questão de dias, mais 6 mil terminais e antenas foram
enviados, e em julho havia 15 mil terminais da Starlink operando na
Ucrânia.
Não demorou para que a Starlink recebesse uma cobertura generosa
na imprensa. “O conflito na Ucrânia ofereceu à novata rede de satélites
de Musk e da SpaceX um teste de fogo que despertou o apetite de
muitas Forças Armadas no Ocidente”, escreveram os repórteres do
Politico depois de fazer um perfil de soldados ucranianos no front que
estavam usando o serviço. “Comandantes ficaram impressionados com a
capacidade da empresa de entregar, em poucos dias, milhares de estações
de satélite do tamanho de uma mochila para o país devastado pela
guerra e de mantê-los conectados à internet, apesar dos ataques cada vez
mais sofisticados de hackers russos.” O The Wall Street Journal também
publicou uma reportagem. “Sem a Starlink estaríamos perdendo a
guerra”, declarou um comandante de pelotão ucraniano ao jornal.
A Starlink contribuiu com metade do custo das antenas e dos serviços
oferecidos. “O que doamos até agora?”, escreveu Musk para Dreyer em
12 de março. Ela respondeu: “Dois mil Starlinks gratuitos e serviço
mensal. Além disso, trezentos outros com desconto significativo para a
associação de TI de Lviv, e demos isenção da taxa mensal de serviço
para aproximadamente 5.500.” Pouco depois, a empresa doou mais 1,6
mil terminais, e Musk estimou a contribuição total em cerca de 80
milhões de dólares.
Outra fonte de financiamento veio de agências governamentais dos
Estados Unidos, da Grã-Bretanha, da Polônia e da República Tcheca.
Também houve contribuições de pessoas físicas. O historiador Niall
Ferguson enviou um e-mail para amigos com o propósito de tentar
arrecadar 5 milhões de dólares para a compra e o transporte de mais 5
mil kits da Starlink. “Se você quiser contribuir, por favor, me informe o
quanto antes”, escreveu. “Eu não tenho como exagerar a importância do
papel que a Starlink tem desempenhado na manutenção das
comunicações do governo ucraniano, impedindo que elas sejam
derrubadas pela Rússia.” Três horas depois, ele recebeu uma resposta de
Marc Benioff, o bilionário cofundador da Salesforce: “Vou doar 1
milhão de dólares. Elon é demais.”
***
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***
Havia uma questão controversa que eles precisavam abordar. Gates
vendera ações da Tesla a descoberto, apostando alto que elas iam
desvalorizar. Ele estava errado. Quando chegou a Austin, tinha perdido
1,5 bilhão de dólares. Musk ficara sabendo disso e estava furioso.
Pessoas que apostam na baixa das ações estavam nos círculos centrais do
inferno de Musk. Gates disse que lamentava o fato, mas isso não
aplacou Musk. “Eu pedi desculpa”, relatou Gates. “Quando ficou
sabendo que eu tinha feito venda a descoberto, ele foi supergrosseiro
comigo, mas ele é supergrosseiro com muita gente, então não dá para
levar muito para o lado pessoal.”
A disputa era reflexo de mentalidades diferentes. Quando perguntei a
Gates por que ele havia apostado na baixa da Tesla, ele explicou que
tinha calculado que a oferta de carros elétricos seria maior do que a
demanda, o que levaria os preços a cair. Assenti com a cabeça, mas
insisti na mesma pergunta: por que ele tinha vendido as ações a
descoberto? Gates me olhou como se eu não tivesse entendido o que ele
tinha acabado de explicar e respondeu como se a resposta fosse óbvia: ele
achou que ao vender as ações da Tesla a descoberto podia ganhar
dinheiro.
Esse modo de pensar não fazia sentido para Musk. Ele acreditava na
missão de levar o mundo a passar a usar carros elétricos, e investiu todo
o dinheiro de que dispunha nesse objetivo, ainda que não parecesse um
investimento seguro. “Como alguém pode dizer que é apaixonado pela
luta contra as mudanças climáticas e aí fazer algo que reduzia o
investimento total na empresa que mais estava fazendo algo nessa
direção?”, me perguntou Musk poucos dias depois da visita de Gates. “É
pura hipocrisia. Por que ganhar dinheiro com o fracasso de uma
empresa automotiva de energia sustentável?”
Grimes acrescentou a interpretação dela: “Acho que é meio que uma
competição para ver quem tem o pinto maior.”
***
Filantropia
Musk demonstrou pouco interesse por filantropia ao longo dos anos,
pois tinha a impressão de que poderia fazer mais bem à humanidade
mantendo dinheiro investido nas empresas dele que trabalhavam em
prol da energia sustentável, da exploração espacial e da segurança da
inteligência artificial.
Poucos dias depois de Bill Gates visitá-lo com sugestões de
filantropia, Musk se sentou a uma mesa no mezanino que dava vista
para as linhas de montagem da nova gigafábrica da Tesla, no Texas, com
Birchall e quatro conselheiros de planejamento patrimonial. Embora
não tivesse sido convencido por Gates a mergulhar na filantropia, ele
queria ideias para financiar algo que fosse mais operacional do que uma
fundação tradicional.
A opção proposta por Birchall era criar uma holding sem fins
lucrativos, que é mais ou menos uma empresa que orienta e financia
múltiplas organizações sem fins lucrativos que estão sob a proteção dela
própria. Como Birchall explicou, a estrutura seria similar à do Howard
Hughes Medical Institute. “Vamos fazer isso aos poucos”, me disse
Birchall, “mas em última instância isso pode se tornar algo bem grande,
quem sabe, um verdadeiro instituto de ensino superior”.
Embora o conceito tivesse agradado a Musk, ele não estava pronto
para se comprometer. “Tenho muita coisa em que pensar agora”, disse
ele ao sair da mesa.
Verdade, ele tinha mesmo. Naquele dia, 6 de abril de 2022, estava se
preparando para a abertura da Giga Texas, e passou a manhã numa
intensa caminhada de inspeção na linha de montagem do Model Y e
aprovando os detalhes da festa que estava sendo planejada, batizada de
Giga Rodeio. Também era o dia da conversa remota com autoridades da
Casa Branca sobre comércio internacional, China e subsídios para
baterias. E ainda havia a questão que estava ocupando mais espaço na
cabeça de Musk, uma oferta que havia acabado de aceitar, mas sobre a
qual tinha dúvidas: entrar para o conselho de uma empresa cujas ações
ele vinha acumulando em segredo desde janeiro.
capítulo 72
Investidor ativo
Twitter, janeiro a abril de 2022
Lança-chamas de dedos
O período de calma irritante para Musk no início de 2022 coincidiu,
fatidicamente, com um momento em que ele se viu de súbito com muito
dinheiro no bolso. As vendas de ações tinham lhe rendido mais ou
menos 10 bilhões de dólares. “Eu não queria deixar aquilo parado no
banco”, fala ele, “então, me perguntei de qual produto eu gostava, e a
resposta era fácil: o Twitter”. Em janeiro, Musk pediu em segredo a seu
gerente pessoal, Jared Birchall, que começasse a comprar ações.
O Twitter é um parque de diversões ideal — quase ideal demais —
para Musk. A plataforma recompensa atores impulsivos, irreverentes e
que não têm filtro, uma espécie de lança-chamas de dedos. Tem vários
dos atributos de um pátio de escola, o que inclui provocações e bullying.
No caso do Twitter, entretanto, os garotos espertos conquistam
seguidores, em vez de serem empurrados dos degraus de concreto. E se
você for o mais rico e mais esperto de todos, pode inclusive decidir, ao
contrário do que acontecia na infância, ser o rei do pátio da escola.
Musk usou o Twitter pela primeira vez logo depois do lançamento da
rede, em 2006, mas abandonou a conta depois de se “entediar com tuítes
sobre qual tipo de latte alguém tomou no Starbucks”. O amigo Bill Lee
o convenceu a voltar para ter um método de comunicação sem filtros
com o público, e ele abriu a torneira em dezembro de 2011. Entre os
primeiros tuítes de Musk estavam uma foto tirada em uma festa de
Natal em que ele usava uma peruca de cabelos arrepiados e fingia ser Art
Garfunkel e outra que se tornou o início de uma amizade estressante.
“Kanye West me ligou do nada hoje e despejou suas ideias em mim,
desde sapatos até Moisés”, escreveu Musk. “Ele foi educado, mas difícil
de entender.”
Ao longo da década seguinte, Musk escreveu 1.900 tuítes. “Meus
tuítes às vezes são como as cataratas do Niágara, e vêm rápido demais”,
diz. “Basta mergulhar um copo ali e tentar evitar alguma bosta
aleatória.” Os tuítes dele em 2018 sobre “pedofilia” e “financiamento
garantido” mostraram que o Twitter podia ser perigoso em seus dedos
inquietos, especialmente no fim de noites agitadas movidas a Red Bull e
Zolpidem. Quando perguntam por que ele não se contém, Musk admite
com alegria que muitas vezes “dá tiros no próprio pé” ou “cava a própria
cova”. Contudo, ele afirma que a vida precisa ser interessante e arriscada,
e depois cita sua frase predileta do filme Gladiador, de 2000: “Vocês
estão se divertindo? Não é para isso que vocês estão aqui?”
No início de 2022, um novo ingrediente havia sido acrescentado a
esse caldeirão inflamável: a preocupação crescente com os perigos do
“vírus da mentalidade woke”, que ele acreditava estar infectando os
Estados Unidos. Musk desdenhava de Donald Trump, mas achava
absurdo banir permanentemente um ex-presidente, e se irritou cada vez
mais com as queixas das pessoas de direita que estavam sendo tiradas do
Twitter. “Ele viu a direção que o Twitter estava tomando, que era a de
censurar quem estava na ponta errada do espectro”, diz Birchall.
Os amigos libertários de Musk da área de tecnologia incentivavam a
ideia. Quando Musk sugeriu, em março, que o Twitter devia tornar
públicos os algoritmos usados para impulsionar ou limitar conteúdos,
seu jovem amigo Joe Lonsdale manifestou apoio. “Nossa praça pública
não pode ter censura arbitrária e regras pouco claras”, escreveu.
“Amanhã vou falar com mais de cem congressistas em um retiro do
Partido Republicano sobre políticas públicas, e essa é uma das ideias que
vou defender.”
“Com certeza”, respondeu Musk. “O que nós temos hoje é corrupção
oculta!”
Joe Rogan, amigo deles de Austin, também palpitou. “Você vai
libertar o Twitter do pessoal que adora uma censura?”, escreveu para
Musk.
“Vou aconselhar, e eles podem ou não decidir seguir meus conselhos”,
respondeu Musk.
Na visão dele, quanto mais liberdade de expressão, melhor para a
democracia. Em certo momento de março, Musk fez uma enquete no
Twitter: “A liberdade de expressão é essencial para uma democracia
funcional. Você acredita que o Twitter adere rigorosamente a esse
princípio?” Quando mais de 70% das pessoas disseram que não, Musk
fez outra pergunta: “Será que precisamos de uma nova plataforma?”
Cofundador do Twitter, Jack Dorsey, que na época ainda estava no
conselho da empresa, respondeu em privado para Musk: “Sim.”
Musk lhe escreveu: “Gostaria de ajudar, se puder.”
Assento no conselho
Naquele momento, Musk estava pensando se devia ou não fundar outra
plataforma. Contudo, no fim de março, ele tinha conversado em
particular com alguns membros do conselho do Twitter, que o incitaram
a se envolver mais com a empresa. Certa noite, logo depois de encerrar a
reunião das nove horas com o pessoal do Autopilot da Tesla, ele ligou
para Parag Agrawal, o engenheiro de software que tinha assumido o
lugar de Dorsey como CEO. Os dois decidiram jantar em sigilo em 31
de março, junto com o presidente do conselho do Twitter, Bret Taylor.
A equipe do Twitter conseguiu que eles usassem a sede de uma
fazenda alugada no Airbnb perto do aeroporto de San Jose. Quando
Taylor chegou, mandou uma mensagem avisando Musk. “Este é o lugar
mais esquisito em que eu fiz uma reunião nos últimos tempos”,
comentou. “Tem tratores e mulas.”
Musk respondeu: “Vai ver o algoritmo do Airbnb acha que você adora
tratores e mulas (quem não ama?).”
Na reunião, Musk gostou de Agrawal. “É um cara bacana”, diz ele.
Entretanto, esse era o problema. Se você perguntar a Musk quais são as
características necessárias para um CEO, ele não incluiria “ser um cara
bacana”. Uma das máximas que ele adota é que gestores não devem
querer que os funcionários gostem dele. “O que o Twitter precisa é de
um dragão que cuspa fogo”, afirmou depois daquela reunião, “e o Parag
não é assim”.
Dragão cuspidor de fogo. Essa é uma descrição concisa de Musk.
Mas ele ainda não tinha pensado em assumir o Twitter. Na reunião,
Agrawal disse que Dorsey havia proposto fazia algum tempo que Musk
entrasse para o conselho. Agrawal pediu que Musk aceitasse.
Musk estava na Alemanha quando, dois dias depois, o conselho do
Twitter mandou uma oferta inicial para que ele participasse. E, para
surpresa de Musk, não era um acordo amistoso. O acordo se baseava em
outro que o Twitter havia utilizado dois anos antes, quando concordou
em colocar dois investidores ativistas hostis no conselho. O documento
tinha sete páginas e incluía cláusulas que o impedia de dar declarações
públicas (e presumivelmente tuítes) em que criticasse a empresa. Do
ponto de vista do conselho do Twitter, isso era compreensível. A história
demonstrou, e o futuro faria a mesma coisa, o estrago que Musk podia
fazer quando não era obrigado a deixar seu lança-chamas no coldre. A
batalha travada com a Comissão de Valores Mobiliários também havia
demonstrado como era difícil impor a ele esse tipo de restrição.
Musk mandou Birchall rejeitar o acordo. Era “a ironia máxima”, disse
ele, que uma companhia que supostamente deveria ser “a praça pública”
tentasse restringir a liberdade de expressão dele. Em questão de horas, o
conselho do Twitter recuou. Eles enviaram um acordo revisado, bastante
amistoso, que tinha apenas três parágrafos. A única grande restrição era
que ele não poderia comprar mais do que 14,9% das ações do Twitter.
“Bem, se eles vão estender o tapete vermelho, eu aceito”, disse ele para
Birchall.
Depois que Musk revelou à Comissão de Valores Mobiliários
tardiamente que era dono de cerca de 9% das ações do Twitter, ele e
Agrawal trocaram tuítes celebratórios. “Estou feliz de contar que
estamos indicando @elonmusk para nosso conselho!” Agrawal fez seu
post no início da manhã de 5 de abril. “Ele é ao mesmo tempo um fã e
um intenso crítico do serviço, e é exatamente disso que nós precisamos.”
Musk respondeu sete minutos depois com um tuíte cuidadosamente
planejado. “Muito feliz de trabalhar com Parag e com o conselho do
Twitter para fazer melhorias significativas na rede nos próximos meses!”
Por alguns dias, parecia que haveria paz no vale. Musk gostava do
fato de Agrawal ser engenheiro, e não um típico CEO. “Eu interajo
muito melhor com engenheiros capazes de fazer programação pesada do
que com o típico gestor de programa/MBA”, escreveu ele. “Adoro nossas
conversas!”
“Na nossa próxima conversa me trate como engenheiro, não como
CEO, e vamos ver aonde isso vai dar”, respondeu Agrawal.
Brainstorming
Luke Nosek e Ken Howery, amigo íntimo de Musk e um dos
cofundadores da PayPal, estava andando de um lado para outro no
mezanino da Giga Texas na tarde de 6 de abril, esperando que ele
encerrasse uma discussão sobre filantropia com Birchall e depois, um
telefonema com as autoridades do governo Biden sobre as tarifas
chinesas. Musk estava morando na casa de Howery, e também chegou a
ficar na casa de Nosek. “Meus dois senhorios!”, declarou quando
finalmente terminou e começou a andar pela fábrica.
Era o dia seguinte ao anúncio de que ele ia entrar para o conselho do
Twitter, e Nosek e Howery estavam céticos quanto à decisão. “Parece
uma receita para dar encrenca”, admitiu Musk alegremente enquanto se
sentava à mesa de reuniões, de onde se viam as linhas de montagem da
Tesla. “Eu estava com um monte de dinheiro parado!” Howery e Nosek
deram uma risadinha, e esperaram que ele falasse mais. “Acho que é
importante haver um fórum em que as pessoas confiem, ou pelo menos
que não seja muito desacreditado”, acrescentou. Ele reclamou que os
membros do conselho do Twitter tinham pouco envolvimento pessoal
no serviço, fosse como acionistas, fosse como usuários. “Parag é um cara
da tecnologia e tem uma ideia razoável do que está acontecendo, mas é
óbvio que os loucos estão comandando o hospício.”
Musk repetiu sua visão simplória de que seria bom para a democracia
que o Twitter parasse de restringir o que os usuários podiam dizer. “O
Twitter tem que ir mais na direção da liberdade de expressão, pelo
menos pela definição legal”, disse ele. “Neste momento, o Twitter
reprime a liberdade de expressão muito mais do que a lei exige.”
Embora compartilhasse a visão libertária de Musk sobre liberdade de
expressão, Howery expressou pensamentos sofisticados na forma de
perguntas educadas. “Será que devia ser como um sistema de telefonia,
no qual as palavras que entram de um lado saem exatamente iguais do
outro lado?”, perguntou ele. “Ou você acha que é mais uma espécie de
sistema que está governando o discurso no mundo, e talvez deva haver
alguma inteligência no algoritmo que priorize ou tire prioridade das
coisas?”
“É verdade, é uma questão espinhosa”, respondeu Musk. “Existe a
capacidade de dizer algo, e também existe a questão de até que ponto ela
é promovida ou rebaixada ou amplificada.” Talvez a fórmula para
promover tuítes devesse ser mais aberta. “Podia ser um algoritmo de
código aberto publicado no GitHub para que as pessoas pudessem ver.”
Era uma ideia que agradava aos conservadores, que tinham a impressão
de que havia um viés progressista secretamente embutido no algoritmo,
mas não resolvia a questão sobre ser dever do Twitter ou não tentar
impedir a disseminação de conteúdo perigoso, falso ou danoso.
Musk jogou no ar algumas outras ideias. “E se a gente cobrasse das
pessoas uma pequena quantia, tipo 2 dólares por mês, para receber a
verificação?”, perguntou. Essa se tornaria uma das ideias principais dele
para o Twitter: fazer com que as pessoas se inscrevessem por meio do
uso do cartão de crédito e do número do celular seria uma forma de
verificar e autenticar a identidade de cada uma delas. O algoritmo
poderia favorecer esses usuários, que provavelmente teriam risco menor
de participar de farsas, bullying e disseminação de informações que eles
soubessem ser falsas. Isso talvez reduzisse a velocidade com que qualquer
discussão descambava para alguém comparando o outro a nazistas.
Ele afirmou, ainda, que obter o cartão de crédito do usuário traria
uma vantagem adicional: facilitaria a transformação do Twitter em uma
plataforma de pagamentos por meio da qual as pessoas pudessem enviar
dinheiro, dar gorjetas e pagar para ler reportagens, ouvir música e assistir
a vídeos. Como Howery e Nosek tinham estado com Musk na PayPal,
eles gostaram da ideia. “Isso podia realizar minha visão original para a
X.com e a PayPal”, disse Musk com uma risada feliz. Desde o começo,
ele via o potencial para que o Twitter se tornasse aquilo que ele tinha
visualizado para a X.com: uma rede social que permitisse transações
financeiras.
A conversa continuou enquanto eles jantavam no Pershing, um clube
elegante porém despretensioso em Austin, onde Nosek havia feito
reservas no andar superior. Também se encontravam lá Griffin e Saxon;
Chris Anderson, do TED, que estava na cidade com o propósito de
gravar uma entrevista para a próxima conferência que faria; Maye, que
tinha acabado de chegar de Praga, onde havia aparecido na Vogue; e,
mais tarde, Grimes.
Griffin e Saxon admitiram usar o Twitter raramente, mas Maye disse
que usava sempre, o que talvez devesse ter servido como um alerta sobre
a demografia dos usuários do serviço. “Talvez eu passe tempo demais no
Twitter”, disse Elon. “É um bom lugar para você cavar a própria cova.
Você já está enterrado até o ombro e continua cavando.”
Giga Rodeio
A grandiosa abertura da fábrica Giga Texas estava marcada para a noite
seguinte, 7 de abril. Omead Afshar tinha planejado aquilo que ele
apelidou de Giga Rodeio, com 15 mil convidados. Em vez de
supervisionar os preparativos e ensaiar sua parte no show, Musk voou até
Colorado Springs para uma visita de três horas à Academia da Força
Aérea dos Estados Unidos, onde ele tinha aceitado fazer uma palestra.
Foi uma pausa bem-vinda. Enquanto estava ocupado com outra coisa,
ele podia processar seus pensamentos sobre o Twitter.
Musk incitou os cadetes a não se tornarem presas da mentalidade
cautelosa da burocracia que ele acreditava estar prejudicando o
andamento dos programas governamentais. “Se nós não estivermos
explodindo motores, não estamos nos empenhando o bastante”, disse.
Ele parecia não estar com pressa, apesar de tudo que estava acontecendo.
Depois da palestra, Musk se encontrou com um pequeno grupo de
alunos para discutir a pesquisa deles sobre inteligência artificial e o
desenvolvimento de drones autônomos.
Quando voltou, no fim da tarde, a Giga Texas tinha sido
transformada. A área de estacionamento estava decorada com
instalações de arte como as que havia no Burning Man, fliperamas,
coretos, um touro mecânico, um pato de borracha gigante e duas
bobinas gigantes da Tesla. Do lado de dentro, partes da fábrica tinham
sido decoradas para parecer uma boate. Kimbal ajudou a montar o show
de drones, que contava com imagens de Nikola Tesla, do cachorro
mascote Dogecoin e de um Cybertruck no céu noturno. Entre as
celebridades convidadas estavam Harrison Ford, Spike Lee e o artista
Beeple, que tinha criado uma instalação.
Musk subiu no palco ao som de uma música altíssima de Dr. Dre,
dirigindo o Tesla Roadster preto que fora o primeiro carro produzido na
história da empresa. Ele citou muitas estatísticas referentes à
enormidade de uma fábrica de mais de 900 mil metros quadrados, e
depois colocou isso em perspectiva ao dizer que ali dentro caberiam 194
bilhões de hamsters. Depois de listar muitos marcos atingidos pela
Tesla, enfatizou o que, segundo ele, seria o objetivo final: “A Direção
Totalmente Autônoma”, prometeu, “vai revolucionar o mundo”.
A inauguração da Giga Texas deveria ser um momento de triunfo.
Musk tinha aberto o caminho para uma era de veículos elétricos, e então
mostrava que a indústria podia prosperar nos Estados Unidos. Contudo,
o burburinho na festa de abertura da fábrica e na festa que se seguiu não
tinha a ver com os milagres da indústria. Especialmente entre os amigos
íntimos de Musk e sua família — Kimbal, Antonio, Luke, e até mesmo
Maye —, a conversa era sobre o Twitter. Por que ele estava se atirando
nesse pântano infestado de cobras? Seria essa a Batalha de Wilderness
dele? Deveríamos tentar convencê-lo a sair disso?
capítulo 73
“Fiz uma oferta”
Twitter, abril de 2022
Pausa
No dia seguinte ao Giga Rodeio, sexta-feira, 8 de abril de 2022, Musk
se encontrou com Kimbal para um brunch. Ele estava frustrado com as
conversas que tivera com os membros do conselho do Twitter. “Eles são
simpáticos, mas nenhum deles usa o Twitter”, afirmou. “Acho que não
vai acontecer nada.”
Kimbal não foi muito encorajador: “Cara, você nunca participou de
um conselho, então você não tem ideia de quanto isso vai te sugar”,
disse. “Você diz o que pensa, aí as pessoas sorriem e fazem que sim com
a cabeça e te ignoram.”
Kimbal achava que seria melhor para o irmão fundar sua própria
plataforma de mídias sociais baseada em blockchain. Elon especulou que
talvez desse até para incluir um sistema de pagamento com a utilização
de Dogecoin. Depois do brunch, ele mandou mensagens para Kimbal
imaginando um “sistema de mídia social de blockchain que faz
pagamentos e publica mensagens curtas de texto como o Twitter”.
Como não teria um servidor central, “não haveria garganta para
engasgar, e a liberdade de expressão estaria garantida”.
Elon disse, ainda, que a outra opção era comprar o Twitter, em vez de
simplesmente entrar para o conselho. “Passei a acreditar que o Twitter
estava indo na direção do precipício, e que eu não teria como salvar a
empresa apenas participando do conselho”, afirma. “Então pensei:
Talvez eu devesse comprar o Twitter, fechar o capital e consertar tudo.”
Ele já tinha aceitado, tanto por mensagem de texto quanto num tuíte
público, o convite amigável para fazer parte do conselho do Twitter.
Mas, depois do brunch com Kimbal, telefonou para Birchall e disse a ele
que não concluísse nada, pois ainda precisava pensar.
Havaí
Naquela noite, Musk voou até a ilha de Larry Ellison no Havaí, Lanai.
O fundador da Oracle construíra para si mesmo um pacato condomínio
numa colina no centro da ilha, e cedeu a Musk sua antiga casa perto da
praia. Musk tinha planejado a viagem como um encontro tranquilo com
uma das mulheres com quem ele saía de vez em quando, a atriz
australiana Natasha Basset. Mas, em vez de ser um período sossegado de
miniférias, Musk passou a maior parte daqueles quatro dias pensando no
que fazer com o Twitter.
Na primeira noite, quase não dormiu, remoendo os problemas da
empresa. Quando olhou para uma lista com as pessoas com mais
seguidores, como Barack Obama, Justin Bieber e Katy Perry, Musk
percebeu que essas contas já não estavam ativas. Então, às 3h32 da
manhã, pelo fuso do Havaí, ele postou um tuíte: “A maioria dessas
contas com mais seguidores tuíta raramente e posta pouquíssimo
conteúdo. Será que o Twitter está morrendo?”
Em São Francisco, onde estava o CEO do Twitter, Agrawal, eram
seis e meia da manhã. Cerca de noventa minutos depois, ele mandou
uma mensagem para Musk: “Você tem liberdade para tuitar ‘Será que o
Twitter está morrendo?’ ou qualquer outra coisa que queira, mas é
minha responsabilidade dizer que isso não me ajuda a melhorar o
Twitter no contexto atual.” Era uma mensagem contida, escrita com
cuidado para evitar insinuar que Musk não tinha mais o direito de falar
mal da empresa. Agrawal acrescentou que eles deveriam tratar em breve
de como evitar “distrações” que estavam “prejudicando nossa capacidade
de fazer as coisas”.
Quando Musk recebeu a mensagem, eram pouco mais de cinco da
manhã no Havaí, mas ele continuava alerta, talvez alerta demais para
aquela hora e aquela situação. Um minuto depois, enviou uma resposta
contundente: “O que você conseguiu realizar nesta semana?” Era a típica
tentativa de Musk de humilhar as pessoas.
Depois, enviou uma fatídica série de três frases: “Não vou participar
do conselho. É uma perda de tempo. Vou fazer uma oferta para fechar o
capital do Twitter.”
Agrawal ficou chocado. Eles já tinham anunciado que Musk iria
participar do conselho. Não houve indícios de que em vez disso ele
tentaria uma aquisição hostil. “Podemos conversar?”, perguntou ele,
queixoso.
Três minutos depois, Bret Taylor, presidente do conselho do Twitter,
enviou uma mensagem para Musk com um pedido semelhante para
conversar. A manhã de sábado deles não estava começando bem.
Justo naquele momento, em meio ao diálogo dele com Taylor e
Agrawal, Elon recebeu uma resposta de Kimbal para as mensagens que
ele tinha mandado mais cedo sobre a possibilidade de criar uma rede
social baseada em blockchain. “Adoraria saber mais”, disse Kimbal. “Fucei
bastante sobre Web3 (não é exatamente cripto), e a distribuição do
direito a voto é impressionante e verificada. O blockchain impede que as
pessoas deletem tuítes. Prós e contras, mas que comecem os jogos!”
“Acho necessária uma nova empresa de mídia social que seja baseada
em blockchain que inclua pagamentos”, respondeu Elon.
No entanto, ao mesmo tempo que estava falando com Kimbal sobre
criar uma rede social, ele repetiu para Agrawal e Taylor que queria
comprar o Twitter. “Podem esperar uma oferta para fechar o capital”,
escreveu.
“Você me dá cinco minutos para eu entender o contexto?”, pediu
Taylor.
“Acertar o Twitter conversando com o Parag não vai funcionar”,
respondeu Musk. “É preciso tomar uma ação drástica.”
“Faz 24 horas que você entrou para o conselho”, respondeu Taylor.
“Entendo o seu argumento, mas só quero entender a mudança
repentina.”
Musk esperou quase duas horas para responder, passavam das sete da
manhã no Havaí, e ele ainda não tinha ido dormir. “Logo vou entrar
num avião, mas posso conversar amanhã”, escreveu.
***
Musk relata que ao chegar no Havaí ficou claro que ele não ia acertar o
Twitter sendo parte do conselho. “Eu estava basicamente caindo numa
armadilha”, diz. “Eles escutavam, concordavam e não faziam nada.
Decidi que eu não queria ser cooptado e ser uma espécie de traidor no
conselho.” Em retrospecto, isso soa como um motivo bem estudado. Na
época, porém, havia outro fator. Musk estava em seu modo maníaco e,
como costuma acontecer, agindo por impulso.
Naquela tarde de sábado, 9 de abril, ele escreveu para Birchall para
dizer que tinha decidido comprar o Twitter. “É pra valer”, garantiu ele.
“Não tem como consertar a empresa com 9% das ações, e os mercados
de ações não são bons em pensar além do trimestre seguinte. O Twitter
precisa eliminar os bots e os enganadores, o que vai dar a impressão de
uma queda gigantesca no número de usuários por dia.”
Birchall escreveu para um banqueiro no Morgan Stanley: “Ligue para
mim assim que tiver um minuto.” Naquela noite, eles começaram a
trabalhar num plano para chegar a um preço razoável pelo Twitter e em
como Musk poderia financiar isso.
Em paralelo, Musk continuou disparando contra o Twitter. Ele
postou uma enquete sobre a sede da empresa em São Francisco. “Que tal
converter a sede do Twitter em SF num abrigo para sem-teto, já que
ninguém aparece para trabalhar mesmo?”, tuitou. Um dia depois, havia
1,5 milhão de votos, mais de 91% a favor.
“Ei, você consegue conversar hoje no fim da tarde?”, escreveu Taylor
para ele. “Vi seus tuítes e preciso urgentemente entender sua posição.”
Musk não respondeu.
No domingo, Taylor desistiu. Ele disse a Musk que o Twitter
anunciaria que ele havia mudado de ideia e não participaria mais do
conselho. “Acho ótimo”, respondeu Musk. “Na minha opinião, o melhor
é fechar o capital do Twitter, reestruturar e voltar à bolsa quando isso
estiver feito.”
Agrawal oficializou em um tuíte tarde da noite: “A nomeação de Elon
para o conselho seria efetivada em 9 de abril, mas ele avisou na manhã
daquele dia que não vai mais entrar para o conselho. Acho que é melhor
assim. Nós sempre valorizamos e continuaremos valorizando a opinião
de nossos acionistas, estejam eles no conselho ou não.”
Musk fez uma reunião remota com Birchall e os banqueiros do
Morgan Stanley na tarde de segunda-feira, no fuso do Havaí. Eles
tinham chegado a uma proposta de qual seria o preço a ser ofertado por
ação: 54,20 dólares. Musk e Birchall riram porque mais uma vez
apareceu a gíria de internet para maconha, assim como no preço para
“fechar o capital” da Tesla, de 420 dólares. “Essa piada nunca perde a
graça”, disse Musk. Empolgado com a perspectiva de comprar o Twitter,
ele começou a se referir à ideia de criar uma alternativa baseada em
blockchain como “plano B”.
Vancouver
Grimes vinha insistindo com Musk que fossem a Vancouver, cidade
natal dela, para que pudessem apresentar X aos pais e aos avós idosos.
“Meu avô é engenheiro, e faz muito tempo que ele queria um bisneto”,
afirma Grimes, “e minha avó está bem velhinha, e a gente não sabe
quanto tempo ela vai aguentar”.
Eles decidiram que uma boa data seria quinta-feira, 14 de abril,
quando Chris Anderson estaria fazendo a conferência anual do TED em
Vancouver. Anderson havia gravado uma entrevista com Musk uma
semana antes na Giga Texas, mas estava ansioso — especialmente tendo
em vista a saga do Twitter, que não parava de ter mudanças rápidas —
para entrevistá-lo também ao vivo na conferência.
Eles chegaram a Vancouver na quarta, 13 de abril, após Grimes ter
saído de Austin e Musk, do Havaí. Musk foi a uma loja da Nordstrom
para comprar um terno preto, pois não havia levado um na viagem ao
Havaí. À tarde, Grimes viajou com X 120 quilômetros até a cidadezinha
de Agassiz, onde os avós dela moravam, e deixou Musk no hotel. “Dava
para ver que ele estava estressado e que a história do Twitter ia se
concretizar”, diz ela.
Ia mesmo. Ainda naquela tarde, de seu quarto de hotel em
Vancouver, Musk enviou uma mensagem para Bret Taylor com a decisão
oficial. “Depois de vários dias de deliberação — esta, obviamente, é uma
decisão importante —, decidi tocar a ideia de fechar o capital do
Twitter”, declarou ele. “Vou mandar uma carta esta noite com uma
oferta.” A carta dizia:
Navaid visita
Quando Musk voltou a Austin, recebeu a visita de seu amigo da Queen’s
University, Navaid Farooq, que morava em Londres. Mais de trinta anos
depois de terem criado um vínculo como geeks sem habilidades sociais
que gostavam de jogos de estratégia e liam livros de ficção científica,
Farooq era um dos verdadeiros amigos de Musk, um dos poucos que
podiam lhe fazer perguntas pessoais, falar sobre o pai e a família dele e
conversar sobre crises ocasionais de solidão. No sábado, quando foram a
Boca Chica para ver a Starbase, Farooq fez a pergunta que muitos
amigos de Musk queriam fazer sobre o Twitter: “Por que você está
fazendo isso?”
Musk não estava mais pensando apenas em questões ligadas à
liberdade de expressão. Ele respondeu a Farooq que esperava fazer do
Twitter uma excelente plataforma para conteúdos gerados pelos
usuários, incluídos músicas, vídeos e stories. Celebridades, jornalistas
profissionais e pessoas comuns poderiam postar suas criações, como
faziam no Substack ou no WeChat, e receber por isso se quisessem.
Quando eles chegaram à Starbase, Musk fez sua caminhada pelas
tendas de montagem da Starship. Como acontecia com frequência, ficou
irritado ao ver quanto certas coisas estavam demorando. Isso criou uma
brecha para que Farooq, quando eles voltaram a Austin no domingo de
Páscoa, fizesse mais uma das perguntas que estavam incomodando os
amigos de Musk. “E quanto ao seu tempo e à sua sanidade?”, perguntou.
“A Tesla e a SpaceX ainda precisam da sua ajuda. Quanto tempo levaria
para pôr o Twitter no rumo certo?”
“Pelo menos cinco anos”, respondeu Musk. “E eu teria que me livrar
da maior parte da equipe. Eles não dão duro, ou sequer aparecem para
trabalhar.”
“Você quer passar por tudo isso?”, perguntou Farooq. “Você dormia
no chão de fábrica da Tesla, saía de lá para a SpaceX. Você realmente
quer viver tudo isso de novo?”
Musk fez uma de suas pausas muito longas. “Na verdade, quero”,
disse por fim. “Não ia me importar.”
Uma visão
Musk já tinha formulado o argumento financeiro para explicar por que
queria comprar o Twitter. Ele acreditava que seria capaz de quintuplicar
a receita da empresa, elevando-a para 26 bilhões de dólares em 2028,
mesmo reduzindo a participação das receitas de propaganda de 90% para
45%. A nova receita viria de assinaturas de usuários e licenciamento de
dados. Ele também projetou receitas vindas de processamento de
pagamentos, incluindo pequenas quantias pagas por textos de jornal e
outros conteúdos via Twitter, assim como acontecia no WeChat.
“Precisamos equiparar nossa funcionalidade à do WeChat”, me disse
ele depois de uma conversa com banqueiros em abril. “Uma das coisas
mais importantes vai ser dar condições para que as pessoas criem
conteúdo remunerado no Twitter.” Um sistema de pagamentos on-line
teria o benefício adicional de autenticar os usuários. O Twitter seria
capaz de verificar quais usuários eram realmente humanos ao pedir a eles
que pagassem uma pequena quantia mensal e requisitar informações de
cartão de crédito. Caso desse certo, isso poderia ter um impacto real na
internet como um todo. O Twitter poderia ser usado como a plataforma
que verificava a identidade das pessoas e também oferecer aos criadores
de conteúdo, de grandes empresas de mídia a indivíduos, novos modos
de ganhar dinheiro com o que produziam.
Ele também explicou por que queria “ampliar o limite” de quais
discursos eram permitidos no Twitter e evitar banimentos permanentes
de pessoas, até mesmo daquelas com ideias pouco convencionais. No
rádio e na TV a cabo havia fontes de informações separadas para
progressistas e conservadores. Ao expulsar as pessoas de direita, os
moderadores de conteúdo do Twitter, dos quais mais de 90% ele
imaginava serem democratas progressistas, poderiam estar criando o
mesmo tipo de balcanização na mídia social. “Queremos evitar um
mundo em que as pessoas se separam e ficam nas suas câmaras de eco
nas mídias sociais, indo, por exemplo, ao Parler ou ao Truth Social”,
disse Musk. “Queremos ter um lugar onde pessoas com diferentes
pontos de vista possam interagir. Isso seria bom para a civilização.” Era
um sentimento nobre, mas ele acabaria minando essa importante missão
com declarações e tuítes que acabaram levando progressistas e pessoas da
mídia convencional para outras redes sociais.
Eu insisti na pergunta que Farooq e outros amigos tinham feito: será
que tudo aquilo não seria extremamente difícil, não exigiria muito
tempo e seria controverso demais, o que acabaria prejudicando as
missões dele na Tesla e na SpaceX? “Eu acho que, de um ponto de vista
cognitivo, não é nem de longe tão difícil quanto a SpaceX ou a Tesla”,
falou ele para mim. “Não é como chegar a Marte. Não é tão difícil
quanto mudar toda a base industrial do planeta para energia
sustentável.”
O acordo
O conselho do Twitter e os advogados de Musk terminaram de trabalhar
nos detalhes do plano de compra num domingo, 24 de abril. Quando
Musk me mandou uma mensagem às dez da manhã, disse que tinha
passado a noite em claro. Perguntei se era por estar trabalhando nos
últimos detalhes ou se ele estava preocupado com a compra do Twitter.
“Não, é que eu fui a uma festa com amigos e bebi Red Bull demais”,
respondeu.
Quem sabe ele devesse diminuir o tanto de Red Bull que tomava?
“Mas me dá asas”, retrucou.
Musk passou o dia tentando encontrar investidores externos que o
ajudassem a financiar a compra. Ele falou com Kimbal, que não quis. A
conversa com Larry Ellison foi mais bem-sucedida. “Sim, claro”,
respondeu Ellison quando Musk perguntara naquela semana se ele tinha
interesse em investir no negócio.
“Mais ou menos quanto?”, indagou Musk. “Não vou comprometer
você com esse valor, mas tem muita gente interessada, então eu preciso
reduzir ou tirar alguns dos participantes.”
“Um bilhão”, disse Ellison, “ou o que você recomendar”.
Ellison não publicava um tuíte havia uma década. Na verdade, ele
nem se lembrava da senha da sua conta do Twitter, de modo que Musk
teve que resetar pessoalmente a conta para ele. Contudo, Larry achava
que o Twitter era importante. “É um serviço de notícias em tempo real,
e não existe nada igual”, me disse ele. “Se você concorda que é
importante para a democracia, então acho que vale a pena fazer um
investimento.”
Uma pessoa que realmente queria participar do negócio era Sam
Bankman-Fried, o fundador da corretora de criptomoedas FTX — a
qual pouco depois cairia em desgraça —, que acreditava que o Twitter
podia ser reconstruído com base em blockchain. Ele dizia ser um defensor
do altruísmo eficaz, e o fundador daquele movimento, William
MacAskill, mandou uma mensagem para Musk com o intuito de tentar
marcar uma reunião, assim como Michael Grimes, principal banqueiro
de Musk no Morgan Stanley, que estava trabalhando para viabilizar o
financiamento. “Estou atolado de trabalho”, escreveu Musk para o
banqueiro. “É urgente?”
Michael Grimes respondeu que Bankman-Fried “faria a engenharia
para a integração entre mídia social e blockchain, e colocaria 5 bilhões de
dólares no negócio”. Ele poderia voar para Austin no dia seguinte, caso
Musk estivesse disposto a conversar.
Musk havia falado com Kimbal e outras pessoas sobre a possibilidade
de usar blockchain como espinha dorsal do Twitter. Embora estivesse se
divertindo com a Dogecoin e outras criptomoedas, ele não era um
fanático do blockchain, e achou que não seria rápido o suficiente para as
postagens apressadas do Twitter. Portanto, Musk não tinha interesse em
se encontrar com Bankman-Fried. Quando Michael Grimes insistiu,
dizendo que Bankman-Fried “poderia colocar 5 bilhões de dólares se
toda a visão batesse”, Musk respondeu com um emoji de polegar para
baixo. “Um Twitter blockchain não é possível, as exigências de banda e de
latência não podem ser suportadas por uma rede ponto a ponto.” Ele
disse que poderia se encontrar com Bankman-Fried em outro momento,
“desde que não precisemos fazer um debate cansativo sobre blockchain”.
Bankman-Fried então mandou uma mensagem diretamente para
Musk, dizendo que estava “realmente empolgado com o que você vai
fazer com o TWTR”. Ele disse que tinha 100 milhões de dólares em
ações do Twitter que pretendia “rolar”, querendo dizer que as ações
seriam convertidas em participação na nova empresa caso Musk fechasse
o capital. “Desculpe, quem está mandando essa mensagem?”, respondeu
Musk. Quando Bankman-Fried pediu desculpa e se apresentou, Musk
disse laconicamente: “Fique à vontade para fazer isso.”
Isso levou Bankman-Fried a ligar para Musk em maio. “Meu detector
de besteiras disparou como um alerta vermelho num contador Geiger”,
afirma Musk. Bankman-Fried começou a falar rápido, sempre sobre si
mesmo. “Ele estava falando como se tivesse tomado metanfetamina ou
Aderall, dois quilômetros por minuto”, conta Musk. “Achei que ele fosse
me fazer perguntas sobre a compra, mas ficou me falando de coisas que
estava fazendo. E eu pensando: Rapaz, se acalme.” A sensação foi mútua;
Bankman-Fried achou que Musk parecia maluco. A ligação durou meia
hora, e Bankman-Fried acabou não fazendo investimentos nem
mantendo suas ações do Twitter.
Os principais investidores que Musk reuniu incluíam Ellison, a
Sequoia Capital, de Mike Moritz, a corretora de criptomoedas Binance,
Andressen Horowitz, um fundo de Dubai e um fundo do Qatar. (Parte
do acordo com os investidores do Qatar era a promessa de ir ao país para
a final da Copa do Mundo.) O príncipe Alwaleed bin Talal, da Arábia
Saudita, concordou em manter o investimento que já tinha no Twitter.
Na tarde de segunda-feira, 25 de abril, o conselho do Twitter aceitou
o plano. Presumindo que os acionistas o aprovassem, a compra seria
fechada no outono. “Esse é o caminho certo”, escreveu para Musk o
cofundador da empresa, Jack Dorsey. “Vou continuar fazendo o que for
preciso para que tudo dê certo.”
Em vez de comemorar, Musk foi de Austin para a Starbase, no sul do
Texas. De lá, participou da reunião noturna regular sobre o redesenho
do motor Raptor, e por mais de uma hora se debateu para saber como
lidar com inexplicados vazamentos de metano que estavam acontecendo.
As notícias sobre o Twitter eram o assunto mais comentado da internet
e no mundo todo, mas não na reunião sobre o Raptor. Os engenheiros
sabiam que ele gostava de ficar concentrado na tarefa que tinha diante
de si, e ninguém mencionou o Twitter. Depois, Elon encontrou Kimbal
num café de beira de estrada em Brownsville que apresentava shows ao
vivo de músicos locais. Ficaram lá até as duas da manhã, sentados a uma
mesa bem de frente para o palco, só ouvindo a música.
Sinais de alerta
Na sexta-feira, depois de o conselho do Twitter aceitar a oferta de
Musk, ele foi a Los Angeles jantar com os quatro filhos mais velhos
num restaurante no alto de um prédio no Soho Club, em West
Hollywood. Eles não usavam muito o Twitter, e estavam intrigados. Por
que o pai ia comprar a empresa? Só pelo questionamento, já dava para
ver que eles não achavam aquilo uma boa ideia.
“Acho que é importante ter uma arena pública inclusiva e na qual as
pessoas confiem”, respondeu Musk. Depois de uma pausa, ele
perguntou: “Se não for assim, como a gente vai conseguir eleger o
Trump em 2024?”
Era uma piada. Mas, no caso de Musk, às vezes era difícil saber, até
mesmo para os filhos dele. Talvez até para ele mesmo. Os filhos ficaram
horrorizados. Musk tranquilizou os meninos dizendo que era só
brincadeira.
No fim do jantar, eles tinham aceitado a maior parte das razões do pai
para a compra do Twitter, mas continuavam um tanto incomodados.
“Eles achavam que eu estava procurando sarna para me coçar”, revela
Musk. Claro, os meninos tinham razão. Eles também sabiam que o pai
na verdade gostava de ir atrás de problemas.
***
Pensando melhor
As perguntas contundentes e as provocações irritadas de Musk refletiam
o fato de que ele não tinha certeza se queria ir adiante com a compra.
Na maioria dos dias, ele queria. Mais ou menos. Mas a vontade dele
mudava, e com isso as emoções entravam em conflito.
Ele estava convicto de que tinha pagado caro demais, o que era
verdade. O gasto com publicidade estava em baixa no verão de 2022, em
função das incertezas na economia, e o preço das ações de empresas de
mídia social estava caindo. O Facebook tinha caído 40% até então
naquele ano e o Snap, 70%. O Twitter agora estava negociando 30%
abaixo dos 54,20 dólares que Musk tinha oferecido, um sinal de que
Wall Street não tinha certeza de que o negócio seria realmente fechado.
Como o pai havia ensinado a ele quando os dois iam a parques de
diversões na Flórida, o gosto de uma Coca-Cola que custa caro demais
não é tão bom assim. Por isso, no fundo, quando foi para a reunião no
Twitter, Musk sentia um desejo de preparar o terreno para sair do
negócio ou renegociar o preço.
“Não tem como irmos em frente depois do que eles disseram”, me
falou ele depois da reunião no Twitter. “O preço de 44 bilhões de dólares
requer a contração de muitas dívidas, tanto para a empresa quanto para
mim pessoalmente. Acho que o Twitter pode sair dos trilhos. O acordo
talvez até aconteça, mas a um preço muito mais baixo, e digo
literalmente a metade, ou algo assim.”
Ele também estava tendo dúvidas maiores quanto ao fato de assumir
um desafio tão complicado assim. “Eu tenho o mau hábito de ter o olho
maior do que a boca”, admitiu. “Acho que preciso pensar menos no
Twitter. Nem mesmo esta conversa é tempo bem gasto.”
Na semana seguinte, no dia 13 de maio, mais ou menos às quatro da
manhã, pelo fuso do Texas, ele publicou um tuíte: “A compra do Twitter
está temporariamente paralisada, dependendo de detalhes que embasem
o cálculo de que as contas spam/fake realmente representam menos de
5% dos usuários.” As ações do Twitter caíram 20% nas negociações antes
da abertura dos mercados. Jared Birchall, gestor dos negócios dele, e
Alex Spiro, seu advogado, incitaram-no desesperadamente a voltar atrás
na declaração. Eles disseram que era possível sair do negócio, mas
anunciar o desejo de fazer isso podia ser perigoso para ele. Duas horas
depois, Musk postou um adendo de cinco palavras: “Ainda
comprometido com a aquisição.”
Foi uma das poucas vezes que vi Musk inseguro quanto ao que estava
fazendo. Ao longo dos cinco meses seguintes, até o fechamento da
compra, em outubro, ele por vezes expressava grande empolgação com a
possibilidade de transformar o Twitter num “aplicativo para tudo”, com
serviços financeiros e conteúdo de qualidade, ao mesmo tempo que
ajudava a salvar a democracia. Em outros momentos, ficava irritado e
frio, ameaçava processar o conselho e a gestão do Twitter, e insistia que
queria desistir de vez do acordo.
Pecados do pai
A fase 5 do Dia dos Pais talvez tenha sido a mais sinistra de todas. Por
infelicidade, envolvia o pai do próprio Musk, com quem ele não falava
mais.
Em um e-mail para Elon com o assunto “Dia dos Pais”, Errol
escreveu: “Estou sentado aqui num frio congelante enrolado em cobertas
e jornais. Não tem eletricidade. Se estou me dando o trabalho de
escrever isso, você pode se dar o trabalho de ler.” O que vinha depois
disso era uma divagação desconexa em que ele chamava Biden de “um
presidente que era uma aberração, um criminoso, um pedófilo” que
queria destruir tudo que os Estados Unidos representavam, “incluindo
você”. Ele dizia que os líderes negros na África do Sul estavam sendo
racistas contra os brancos. “Sem brancos aqui, os negros vão voltar para
as árvores.” Vladimir Putin era “o único líder mundial com voz”. Ele
mandou outro e-mail em seguida com a foto de um placar de um estádio
em que se lia: trump ganhou — f***-se joe biden, e acrescentou o
comentário “Isso é irrefutável”.
A carta de Errol era chocante em vários níveis, principalmente pelo
racismo. Contudo, um outro aspecto se tornaria mais inquietante
naquele ano: a crença dele em teorias da conspiração. O pai de Elon
tinha passado a acreditar no discurso da extrema direita, e rotulava
Biden de pedófilo e elogiava Putin. Em outros posts e e-mails, ele disse
que a covid era “uma mentira”, atacou o especialista em covid Anthony
Fauci e alegou que as vacinas eram mortais, opiniões que Elon repetiria
algum tempo depois.
As descrições sobre o frio e a pobreza tinham como intenção censurar
o filho por ter parado de oferecer ajuda financeira a ele. Fazia não muito
tempo, Elon mandava, de modo intermitente, quantias variáveis de
dinheiro por mês. Isso começou em 2010, com pagamentos mensais de
2 mil dólares para ajudar Errol a sustentar os filhos mais novos depois
do segundo divórcio. Ao longo dos anos, Elon ocasionalmente
aumentava o valor, depois voltava a reduzi-lo quando Errol dava
entrevistas exagerando a sua contribuição para o sucesso do filho.
Quando Errol passou por uma cirurgia cardíaca, o apoio dado por Elon
subiu temporariamente para 5 mil dólares mensais. Mas ele cortou a
ajuda depois de saber que Errol havia engravidado Jana, a enteada que
ele criara desde os 4 anos de idade e a qual Elon e Kimbal viam como
uma meia-irmã.
No fim de março de 2022, Errol escreveu pedindo que sua mesada
fosse restabelecida. “Aos 76 anos, não é fácil para mim gerar renda”,
escreveu ele. “A alternativa está entre a fome e a humilhação
insuportável ou a morte por suicídio. A morte por suicídio não me
preocupa, mas deveria preocupar você. A verdade é conhecida demais.
Você estará arruinado, não se engane, e as pessoas vão saber quem você
realmente é, ou quem se tornou.” Ele dizia que a culpa pela atitude de
Elon era da natureza “nacional-socialista, cruel, egoísta e covarde” da
família da mãe dele, e acrescentou: “A maldade dos Haldeman
triunfou?”
Mais ou menos na época do Dia dos Pais, Elon retomou os
pagamentos mensais de 2 mil dólares. Entretanto, o gerente das finanças
dele, Jared Birchall, pediu a Errol que parasse de fazer uma série de
vídeos no YouTube, intitulados “Pai de um gênio”, que ele havia
produzido com um psicólogo clínico. Errol reagiu com raiva. “Meu
silêncio para deixar que essa merda diabólica continue fermentando não
vale 2 mil dólares”, respondeu ele. “Além disso, me calar é um erro. Eu
tenho muito a ensinar às pessoas.”
Como se estivesse seguindo um roteiro perverso, o Dia dos Pais de
2022 trouxe mais uma complicação para essa situação. Errol revelou que
tinha tido mais um bebê com Jana, uma filha. “O único motivo para
estarmos neste planeta é nos reproduzirmos”, disse ele. “Se pudesse ser
pai de mais um filho, eu seria. Não consigo ver por que não.”
***
Sacudindo a equipe
Os satélites da Starlink que estavam sendo construídos em Seattle
começavam a se acumular em julho de 2022. Os foguetes Falcon 9
estavam sendo lançados de Cabo Canaveral pelo menos uma vez por
semana, e cada voo punha em órbita cerca de cinquenta satélites. Musk,
entretanto, vinha contando com o fato de que a gigantesca Starship
estaria fazendo lançamentos regulares da plataforma em Boca Chica.
Como sempre, ele estava sendo pouco realista com relação a
cronogramas.
“Quer que eu mande algumas pessoas para Boca?”, perguntou Mark
Juncosa, que havia se mudado para Seattle a fim de supervisionar a
produção da Starlink.
“Sim”, respondeu Musk. “Você deveria ir para lá também.” Era o
momento de sacudir os gestores. No início de agosto, Juncosa estava
circulando pelas tendas da linha de montagem em Boca Chica feito um
redemoinho, levantando poeira.
Juncosa é abençoado com uma boa dose da loucura de Musk. Com
cabelos desgrenhados e olhos enormes, ele salta de um lado para outro e
gira o celular de uma maneira que cria um campo de alta energia em
volta dele. “Juncosa é muito carismático de um jeito pateta e durão”, diz
Musk. “Ele consegue dizer para as pessoas que elas estão errando e que a
ideia é um lixo, mas de um jeito que não deixa ninguém com raiva. Ele é
o meu Marco Antônio.”
Musk e Juncosa gostavam da equipe em Boca Chica, especialmente
de Riley e Patel, mas achavam que eles não eram duros o suficiente. “Bill
é um grande cara, mas tem dificuldade em dar feedbacks negativos e
simplesmente não consegue demitir ninguém”, me falou Musk. A
presidente da SpaceX, Gwynne Shotwell, tinha a mesma opinião sobre
Patel, que havia supervisionado a construção das instalações. “Sam
trabalha muito”, disse, “mas não sabe como dar más notícias ao Elon.
Sam e Bill são covardes”.
Musk fez uma videochamada com a equipe da Starship em 4 de
agosto da sala de conferências na Giga Texas, onde estava se preparando
para a reunião anual com os acionistas da Tesla naquela tarde. Enquanto
eles explicavam os slides, ele foi ficando cada vez mais bravo. “Esses
cronogramas são bobagem, um grande erro”, explicou. “Não tem chance
de isso levar tanto tempo assim.” Musk decretou que começaria a ter
reuniões sobre a Starship todas as noites, sete vezes por semana. “Vamos
revisar os princípios básicos do algoritmo todas as noites, questionar as
especificações e eliminar”, decretou ele. “Foi isso que fizemos para dar
um jeito na merda que era o Raptor.”
Ele perguntou quanto tempo demoraria para colocar o foguete
auxiliar na plataforma de lançamento a fim de testar os motores. Dez
dias foi a resposta. “É muito”, retrucou ele. “Isso é crucial para o destino
da humanidade. Dá trabalho mudar o destino. Não dá para fazer isso só
em horário comercial.”
Então, Musk encerrou a reunião abruptamente. “Vejo vocês à noite”,
falou ele para a equipe de Boca Chica. “Tenho uma reunião de acionistas
da Tesla à tarde, e nem vi os slides ainda.”
***
***
O jovem Frankenstein
Musk e seus engenheiros descobriram que corpos humanos são incríveis.
Em uma das reuniões semanais, por exemplo, eles discutiram como
nossos dedos não apenas aplicam pressão às coisas, como também
podem sentir pressão. Qual era o melhor jeito de fazer os dedos do
Optimus avaliarem a pressão? “Poderíamos olhar para a corrente no
atuador da articulação, que vai se correlacionar com a pressão aplicada na
ponta”, sugeriu um engenheiro. Outro pensou em colocar capacitores na
ponta dos dedos, como em uma tela sensível ao toque, ou talvez um
sensor barométrico de pressão ou um chip envolto em borracha, ou
mesmo uma pequena câmera dentro de uma ponta de dedo feita em gel.
“Quais são as diferenças quanto aos custos?”, perguntou Von
Holzhausen. Eles decidiram que medir a pressão usando a corrente no
atuador da articulação seria mais eficiente porque não acrescentaria
peças.
Não importa quão conturbada estivesse sua rotina, Musk tentava
participar das reuniões semanais de design do Optimus. Em uma delas,
em fevereiro, ele estava na sala VIP do estádio do Miami Marlins
participando de uma festa de audição promovida por Kanye West,
conhecido como Ye, para um novo álbum, Donda 2. Ele estava em pé
com os rappers French Montana e Rick Ross, comendo tacos e
conversando sobre criptomoedas, quando recebeu uma mensagem de
Omead Afshar lembrando-o da reunião do Optimus às nove da noite.
Musk entrou na conferência, mas esqueceu a câmera do telefone ligada
e, sem perceber, deixou que a equipe do Optimus assistisse à festa ao
fundo. Membros da comitiva VIP de Ye olhavam com curiosidade
enquanto ele andava pela sala sacudindo os dedos e discutindo o número
de atuadores que seriam necessários para dar às mãos do Optimus
destreza suficiente. “Elas precisam ser capazes de pegar um lápis de
qualquer ângulo”, disse Musk. Um rapper ao fundo acenou e começou a
sacudir os dedos.
Às vezes as reuniões a respeito do Optimus se arrastavam por mais de
duas horas enquanto Musk considerava ideias grandes e triviais. “Talvez
os robôs pudessem trocar os braços por ferramentas distintas”, sugeriu
alguém. Musk rejeitou isso. Em outra reunião, ele perguntou se deveria
existir uma tela no lugar do rosto. “Pode ser só um monitor”, falou ele.
“Não precisa ser sensível ao toque. Mas precisamos saber o que ele está
fazendo a distância.” Eles decidiram que era uma boa ideia, mas não
havia necessidade para uma primeira iteração do Optimus.
As discussões frequentemente evocavam as fantasias futurísticas de
Musk. A equipe preparou uma simulação em vídeo do Optimus
trabalhando em uma colônia em Marte, o que levou a uma longa
discussão sobre se os robôs em Marte poderiam trabalhar por conta
própria ou se deveriam trabalhar sob a orientação de supervisores
humanos. Von Holzhausen tentou levar as coisas de volta à Terra. “Acho
que a simulação de Marte é divertida”, interveio ele por fim, “mas
deveríamos fazer uma que mostre os robôs trabalhando em uma de
nossas fábricas, quem sabe realizando tarefas repetitivas que ninguém
quer fazer”. Em outra reunião, eles discutiram se deveriam colocar um
Optimus no assento do motorista em um Robotáxi para cumprir a
obrigação legal de o carro ter um motorista. “Lembra que no Blade
Runner original fizeram algo assim?”, disse Musk. “Assim como no jogo
Cyberpunk mais recente.” Ele gostava de fazer a ficção científica deixar
de ser ficção.
Outras ideias pareciam mais influenciadas pelo lado bobo do sistema
límbico de Musk. “Talvez devêssemos ter um cabo de carregamento que
saia da bunda”, brincou ele certa vez. Depois de algumas risadas altas,
ele rejeitou a ideia. “O fator de riso seria alto demais”, zombou. “Para os
humanos, os orifícios são importantes.”
“Isso me lembra do filme O jovem Frankenstein”, disse Musk certa
vez, referindo-se à paródia dirigida por Mel Brooks. “É um filme
emblemático.” Isso, entretanto, levou a uma discussão mais séria sobre
como garantir que os robôs não virem monstros, que fora o impulso
original que levara Musk a se dedicar aos campos da inteligência
artificial e da robótica. Em uma reunião, ele revisou o “caminho para o
comando de parada”, que daria a um ser humano o poder final para
desativar o robô. “Não pode existir um cenário no qual alguém possa ter
acesso à nave-mãe e assuma o controle dos robôs de maneira maliciosa”,
disse ele, descartando o uso de quaisquer sinais eletrônicos que possam
ser hackeados. Citando as leis da robótica de Asimov, ele planejou
estratégias de jogo que permitiriam aos humanos triunfar sobre
“exércitos de robôs mortais”.
***
Andando
Um dos maiores desafios era fazer o Optimus andar. X tinha quase 2
anos e também estava aprendendo a andar, e Musk continuava a
comparar o modo que seres humanos e máquinas aprendem as coisas. “A
princípio, as crianças andam com os pés chatos; depois, começam a
andar se apoiando nos dedos dos pés, mas ainda andam como um
macaco”, falou. “Leva bastante tempo até que consigam andar como um
adulto. A marcha é bastante complicada.”
Em março, a equipe deu início à reunião semanal com um vídeo em
comemoração a um marco: “Primeiros passos no chão!” Em abril, eles
haviam conquistado o nível seguinte: fazer o Optimus andar enquanto
carregava uma caixa. “Mas não conseguimos coordenar os braços e as
pernas para manter o equilíbrio”, disse um engenheiro. Um problema
era que a cabeça tinha que se mover para o robô ver o entorno. “Se
colocarmos várias câmeras”, sugeriu Musk, “não precisamos virar a
cabeça”.
Musk levou alguns brinquedos, entre eles um robô que seguia uma
pessoa com os olhos e outro que dançava break, para uma das reuniões
de avaliação de design em meados de julho. Ele acreditava que os
brinquedos podiam oferecer lições; certo protótipo de carro já o havia
inspirado a fazer carros de verdade usando grandes prensas de fundição,
por exemplo, e Legos o ajudavam a entender a importância da precisão
na fabricação. O Optimus estava em pé no meio da oficina sustentado
por um guindaste de pórtico. O robô andou lentamente em volta de
Musk e depositou a caixa que estava carregando. Musk então pegou o
controle e guiou o Optimus a pegar a caixa e entregá-la para Von
Holzhausen. Depois que o Optimus terminou, Musk o empurrou de
leve no peito para ver se ele cairia. Os estabilizadores funcionaram, e o
robô permaneceu de pé. Musk assentiu com a cabeça em aprovação e fez
um vídeo do Optimus. “Sempre que o Elon pega o celular para filmar,
sabemos que ele ficou impressionado”, diz Lars Moravy.
Depois, Musk anunciou que faria uma demonstração pública na qual
iria apresentar o Optimus, o carro totalmente autônomo e o Dojo. “Em
todos esses projetos”, disse ele, “estamos lidando com a enorme tarefa de
criar uma inteligência artificial geral”. O evento aconteceria na sede da
Tesla, em Palo Alto, no dia 30 de dezembro de 2022, e ele o chamou de
Dia da IA 2. A equipe de design criou uma logo que mostrava os lindos
dedos longos do Optimus unidos formando um coração.
capítulo 78
Incerteza
Twitter, julho a setembro de 2022
***
Indo em frente
As negociações de Musk com o Twitter para abaixar o preço do acordo
não foram longe. A empresa fez algumas propostas que poderiam
reduzir o preço de 44 bilhões de dólares em cerca de 4%, mas Musk
insistiu que a redução tinha que ser de mais de 10% para que ele ao
menos a considerasse. Em alguns momentos, as chances de conseguir
uma aproximação dos dois lados pareciam factíveis, mas havia um
problema adicional. Se o acordo fosse reestruturado, ou tivesse o preço
alterado, isso permitiria que os bancos comprometidos a emprestar o
dinheiro renegociassem os termos. Os compromissos haviam sido
firmados quando os juros estavam baixos, de modo que as novas taxas
cobradas iriam acabar com quaisquer economias.
Existia também um obstáculo mais emocional. Os executivos do
Twitter e os membros do conselho insistiam que qualquer acordo
renegociado deveria garantir a eles proteção contra futuros processos de
Musk. “Nunca vamos dar a eles isenção legal”, disse Musk. “Vamos
caçar cada um até o dia da morte deles.”
Durante o mês de setembro, Musk falava ao telefone com seus
advogados Alex Spiro e Mike Ringler três ou quatro vezes por dia.
Alguns dias ele estava num humor agressivo, e insistia que podiam lutar
e vencer o caso em Delaware. Revelações de um denunciante e outros
fatores haviam aumentado a convicção de Musk de que o Twitter estava
mentindo sobre o número de bots. “Eles estão dando um tiro no pé”,
comentou ele referindo-se ao conselho do Twitter. “Não acredito que o
juiz vá garantir o acordo. Não passaria despercebido ao público.” Outras
vezes, Musk achava que deveria seguir com o acordo e em seguida
processar o conselho do Twitter e os gestores por fraude. Talvez até
fosse possível recuperar parte do preço da compra depois. “O problema”,
disse ele com raiva, “é que os membros do conselho têm tão poucas
ações que recuperar o dinheiro deles vai ser difícil”.
Finalmente, no fim de setembro, os advogados convenceram Musk de
que ele perderia se o caso fosse a julgamento. Era melhor fechar o
acordo nos termos originais, de 54,20 dólares por ação, 44 bilhões de
dólares no total. Naquele momento, Musk havia recuperado um pouco
do entusiasmo com a ideia de passar a comandar a empresa. “Há
controvérsias, mas eu deveria simplesmente pagar o preço total, porque
essas pessoas que comandam o Twitter são muito burras e idiotas”, disse
ele para mim no fim de setembro. “As ações estavam em 70 no ano
passado, apesar desse bando de imbecis. O potencial é enorme. Tem
muita coisa que eu posso consertar.” Ele concordou com a confirmação
oficial do acordo em outubro.
***
Quando ficou claro que o acordo iria ser concluído, Ari Emanuel voltou
a falar com Musk. Enviou-lhe uma mensagem de três parágrafos, pelo
serviço de mensagens de texto criptografadas Signal, com uma proposta:
deixar que ele e a agência Endeavor, da qual era CEO, comandassem o
Twitter. Emanuel propôs que, por uma taxa de 100 milhões de dólares,
se encarregaria de cortar os custos, criar uma cultura melhor e gerir as
relações com anunciantes e marqueteiros. “A ideia era a de que nós
iríamos gerir a operação, mas Musk nos diria o que queria e ficaria
responsável por toda a engenharia e a parte técnica”, diz Emanuel.
“Fazemos muitos negócios com anunciantes, e temos experiência no
assunto, sabe?”
Birchall chamou a mensagem de “ofensiva, humilhante, insana”.
Musk foi mais otimista e educado. Ele valorizava a amizade com
Emanuel. “Olha, agradeço a oferta”, respondeu, “mas o Twitter é uma
empresa de tecnologia, uma empresa de programação”. Emanuel rebateu
que contrataria os técnicos, mas Musk o respondeu com um não firme.
Ele tinha uma crença fundamental de que não dá para separar a
engenharia do design do produto. Na realidade, o design do produto
deveria ficar a cargo dos engenheiros. A empresa, assim como a Tesla e a
SpaceX, deveria ser liderada pela engenharia em todos os níveis.
Havia mais uma coisa que Emanuel não entendia. Musk queria
comandar pessoalmente o Twitter, assim como estava fazendo com a
Tesla, a SpaceX, a The Boring Company e a Neuralink.
capítulo 79
Apresentação do Optimus
Tesla, setembro de 2022
O ensaio do Dia da IA
Depois de ter sido fotografado durante as férias de dois dias na Grécia
com Ari Emanuel e chamado de gordo, Musk decidiu começar a usar o
remédio Ozempic para fins de emagrecimento e seguir uma dieta de
jejum intermitente, fazendo só uma refeição por dia. No caso dele, a
única refeição era um café da manhã tardio, e a dieta permitia que ele se
empanturrasse à vontade. Às onze da manhã de uma quarta-feira, ele foi
ao Palo Alto Creamery, um pequeno restaurante retrô que estava na
moda, e pediu um cheeseburger com bacon ao barbecue acompanhado
de batata-doce frita e um milkshake de Oreo. X ajudou a comer parte da
porção de batatas.
Depois, Musk visitou o laboratório da Neuralink em um centro
comercial em Fremont, onde se concentrou na mecânica e nos sinais que
o ato de andar compreendia. Usando jalecos e protetores de sapato,
Shivon Zilis, DJ Seo e Jeremy Barenholtz o levaram até uma sala sem
janelas na qual um porco chamado Mint estava andando em uma esteira
ergométrica e ganhando pedaços de maçã cobertos de mel como
recompensa. De vez em quando, ele recebia um choque para fazer os
músculos se contraírem. Todos tentavam decodificar quais atuadores
estavam envolvidos no ato de andar.
Quando Musk chegou à sede da Tesla, os engenheiros de lá também
estavam focados no andar. Preparando-se para a apresentação do
Optimus marcada para a noite seguinte, eles haviam programado o robô
para dar passos um pouco mais curtos porque o palco da apresentação
era mais liso que o chão de concreto da oficina. No entanto, Musk
gostava da caminhada mais longa, e começou a imitar os passos largos
de John Cleese no esquete “O Ministério dos Passos Bobos”, de Monty
Python. “Parecia mais legal com a caminhada descolada”, disse Musk. Os
engenheiros começaram a fazer ajustes.
Em seguida, trinta engenheiros se reuniram em torno de Musk para
ouvir um discurso motivacional. “Robôs humanoides vão desatar a
economia em níveis quase infinitos”, declarou ele.
“Robôs operários resolveriam a falta de crescimento populacional”,
acrescentou Drew Baglino.
“Sim, mas as pessoas ainda deveriam ter filhos”, replicou Musk.
“Queremos que a consciência humana sobreviva.”
Mais tarde naquela noite, fizemos um passeio nostálgico pelo prédio
de três andares nos limites do centro de Palo Alto que outrora abrigara o
pequeno escritório do Zip2, a startup que ele e Kimbal haviam fundado
27 anos antes. Assobiando como se estivesse em um devaneio, Musk
andou em volta do prédio tentando entrar, mas todas as portas estavam
fechadas e havia uma placa de aluga-se na janela. Então ele atravessou
duas quadras, até o Jack in the Box, onde ele e Kimbal comiam todos os
dias. “Eu deveria estar em jejum agora, mas tenho que comer algo aqui”,
disse. No microfone do drive-thru, pediu: “Vocês ainda têm a porção de
teriyaki?” Ainda tinham. Musk pediu uma para ele e um hambúrguer
para X. “Será que isso ainda vai estar aqui daqui a 25 anos, para o X
trazer os filhos dele?”, comentou.
Dia da IA 2
Quando Musk chegou na tarde seguinte para a grande revelação do
Optimus no Dia da IA 2, dezenas de engenheiros corriam pelos
corredores parecendo preocupados. Uma ligação havia se soltado no
peito do Optimus, que não estava mais funcionando. “Não acredito que
isso está acontecendo”, disse Kovac, tendo flashbacks do trauma sofrido
no Dia da IA 1 um ano antes. No fim das contas, alguns dos
engenheiros conseguiram religar a conexão, e torceram para que ficasse
no lugar. Eles decidiram correr o risco. Com Musk rodeando, não
tinham muita escolha.
Os vinte engenheiros que iriam participar da apresentação se
reuniram nos bastidores para compartilhar histórias de momentos
complicados. Phil Duan, um jovem especialista em machine learning da
equipe do Autopilot, estudou ciência da informação óptica na cidade
natal dele, Wuhan, na China, e depois fez doutorado na Universidade
de Ohio. Ele começou a trabalhar na Tesla em 2017, bem na época das
ondas insanas de produção que culminaram com a pressão de Musk para
apresentar um carro autônomo no Dia da Autonomia, em 2019.
“Trabalhei por meses, sem nenhuma folga, e fiquei tão cansado que me
demiti da Tesla no dia seguinte ao Dia da Autonomia”, disse ele. “Eu
estava exausto. Mas, depois de nove meses, fiquei entediado e liguei para
o meu chefe, implorando para que me deixasse voltar. Decidi que
preferia estar exausto a entediado.”
Tim Zaman, que comandou a equipe de infraestrutura da inteligência
artificial, tinha uma história parecida. Nascido no norte da Holanda, ele
entrou para a Tesla em 2019. “Quando você trabalha na Tesla, tem
medo de ir para qualquer outro lugar, porque você vai se entediar.” A
esposa havia acabado de ter a primeira filha do casal, e ele sabe que a
empresa não é propícia a um estilo de vida equilibrado entre trabalho e
vida pessoal. Mesmo assim, planeja permanecer na Tesla. “Vou tirar os
próximos dias para ficar com minha esposa e minha filha”, diz Zaman,
“mas, se eu tirar uma semana inteira de folga, meu cérebro fica fritando”.
No Dia da IA anterior, nenhum dos vinte apresentadores era mulher.
Dessa vez, um dos mestres de cerimônia era uma engenheira de design
mecânico carismática chamada Lizzie Miskovetz. Enquanto o volume
da música ia baixando e o Optimus estava prestes a entrar, ela animou o
público com o anúncio: “Esta é a primeira vez que vamos mostrar este
robô sem nenhum apoio extra, guindastes ou mecanismos — sem cabos,
sem nada!”
As cortinas, estampadas com o logotipo das mãos do Optimus
formando um coração, se abriram. Optimus, sem suporte, estava em pé,
confiante, e começou a erguer os braços. “Ele se moveu, está
funcionando”, disse Duan nos bastidores. Em seguida, o robô sacudiu as
mãos, girou os braços e flexionou os pulsos. Os engenheiros prenderam
a respiração enquanto ele começava a dar o primeiro passo com a perna
direita. O robô marchou rigidamente, mas com confiança, até a frente
do palco e executou um cumprimento real. Triunfante, ele ergueu o
punho direito no ar, fez uma dancinha, depois se virou e andou de volta
para trás da cortina.
Até Musk parecia aliviado. “Nosso objetivo é criar um robô
humanoide útil o mais rápido possível”, disse para o público. Em algum
momento, prometeu, haveria milhões deles. “Isso significa um futuro de
abundância, um futuro sem pobreza. Vamos poder pagar uma renda
básica universal para as pessoas. É realmente uma transformação
fundamental da civilização.”
Milan Kovac
capítulo 80
Robotáxi
Tesla, 2022
Omead Afshar, Musk, Franz von Holzhausen, Drew Baglino, Lars Moravy e
Zach Kirkhorn; o conceito de Robotáxi
Vamos apostar tudo na autonomia
Carros autônomos, Musk acreditava, iriam fazer mais do que
simplesmente liberar a população da chatice de ter que dirigir. Em
grande medida, eliminariam a necessidade de as pessoas terem carros. O
futuro seria do Robotáxi: um veículo sem motorista que apareceria
quando chamado, levaria você até o destino desejado e depois seguiria
até o próximo passageiro. Algumas pessoas poderiam adquirir um para
uso próprio, mas a maioria dos Robotáxis seria de empresas de
transporte ou da Tesla.
Naquele mês de novembro, Musk reuniu seus seis principais
assessores em Austin para discutir esse futuro durante um jantar
informal na casa parcialmente mobiliada de Omead Afshar, que
contratou um chef particular para preparar bifes de costela maturada
supergrossos. Estavam presentes Franz von Holzhausen, Drew Baglino,
Lars Moravy e Zach Kirkhorn. Eles decidiram que o Robotáxi seria um
carro menor, mais barato e menos veloz que o Model 3. “Nosso
principal foco tem que ser em volume”, disse Musk. “Não há uma
quantidade que possamos fabricar que seja suficiente. Um dia vamos
querer chegar a 20 milhões por ano.”
O desafio central era descobrir como desenhar um carro sem volante
ou pedais que pudesse atender aos padrões de segurança do governo e
lidar com situações especiais. Semana após semana, Musk considerava
cada detalhe. “E se alguém esquecer de fechar a porta do Robotáxi
quando descer?”, perguntou. “Temos que garantir que ele possa fechar as
portas sozinho.” Como um Robotáxi poderia entrar em um condomínio
ou em um estacionamento? “Talvez precise de um braço para conseguir
apertar um botão ou pegar um tíquete”, disse. Isso parecia um pesadelo.
“Talvez possamos simplesmente excluir os lugares em que não dá para
entrar facilmente”, concluiu Musk. Às vezes, as conversas eram tão
sérias e detalhadas que contradiziam a ousadia do conceito.
No fim do verão de 2022, Musk e a equipe perceberam que tinham
que tomar uma decisão final sobre um assunto com o qual lidaram ao
longo de um ano. Eles deveriam optar pelo caminho seguro e incluir
volante, pedais, retrovisores e outros itens atualmente exigidos pela
legislação? Ou deveriam fazer carros de fato autônomos?
A maioria dos engenheiros ainda pressionava pela alternativa mais
segura. Eles tinham uma visão mais realista sobre quanto tempo levaria
para fazer a Direção Totalmente Autônoma (FSD, na sigla em inglês)
funcionar. Em uma reunião fatídica e dramática no dia 18 de agosto,
reuniram-se para resolver o problema.
“Queremos garantir que estamos avaliando o risco com você”, disse
Von Holzhausen a Musk. “Se optarmos por não ter volante e a Direção
Totalmente Autônoma não estiver em operação, não vamos poder
colocar os carros na rua.” Ele sugeriu que construíssem um carro que
tivesse volante e pedais, mas que fossem removíveis com facilidade.
“Basicamente, nossa proposta é incluí-los agora, mas tirá-los quando for
permitido.”
Musk fez que não com a cabeça. O futuro não chegaria rápido o
suficiente, a menos que eles o forçassem.
“Pequenos”, insistiu Von Holzhausen, “que possamos retirar
facilmente e projetar ao redor”.
“Não”, disse Musk. “Não. NÃO.” Houve uma longa pausa. “Sem
retrovisores, sem pedais, sem volante. Estou assumindo a
responsabilidade por esta decisão.”
Os executivos sentados em volta da mesa hesitaram. “Certo, vamos
voltar a falar disso com você”, disse um deles.
Musk mudou de humor e adotou um ar gélido. “Vou ser claro”, falou
devagar. “Esse veículo deve ser desenhado como um Robotáxi limpo.
Vamos assumir esse risco. É minha culpa se der merda. Mas não vamos
projetar um anfíbio, uma espécie meio sapo, meio carro. Vamos apostar
tudo na autonomia.”
Semanas depois, ele ainda estava animado com a decisão. Durante
um voo para levar Griffin até a universidade, participou da reunião
semanal do Robotáxi pelo telefone. Como sempre, tentou instigar um
senso de urgência. “Esse vai ser um produto historicamente
megarrevolucionário”, declarou Musk. “Vai transformar tudo. Esse é o
produto que fará da Tesla uma empresa de 10 trilhões. As pessoas vão
falar sobre este momento daqui a cem anos.”
O carro de 25 mil dólares
Como mostravam as discussões sobre o Robotáxi, Musk podia ser
ferozmente teimoso. Ele tinha uma obstinação que distorcia a realidade
e uma presteza para atropelar os pessimistas. Essa dureza pode ter sido
um dos superpoderes que levaram aos sucessos dele, assim como aos
fracassos.
Eis, porém, uma característica menos conhecida de Musk: ele podia
mudar de ideia. Era capaz de ouvir argumentos que parecia estar
rejeitando e recalibrar os cálculos de risco. E foi isso que aconteceu com
os volantes.
No fim do verão de 2022, depois que Musk se manifestou sobre estar
“apostando tudo” em um Robotáxi sem volante, Von Holzhausen e
Moravy decidiram persuadi-lo a cobrir a aposta. Eles sabiam como fazer
isso de uma maneira não desafiadora. “Apresentamos novas informações,
que talvez ele não tivesse digerido completamente antes”, diz Moravy.
Mesmo que carros autônomos fossem aprovados pelas agências
reguladoras dos Estados Unidos, argumentou ele, ainda levaria anos até
que fossem aprovados no exterior. Por isso, fazia sentido construir uma
versão do carro com volante e pedais.
Por anos eles conversaram sobre como deveria ser a próxima geração
de produtos da Tesla: um carro para o mercado de massa, pequeno e
barato, vendido por cerca de 25 mil dólares. O próprio Musk havia
aventado a possibilidade em 2020, mas suspendeu os planos e pelos dois
anos seguintes repetidamente vetou a ideia, quando disse que o Robotáxi
tornaria o outro carro desnecessário. Apesar disso, Von Holzhausen
manteve a ideia viva em sigilo e tocou um projeto secreto no estúdio de
design.
Numa quarta-feira tarde da noite, durante a viagem para apresentar o
Optimus em setembro de 2022, Musk se abrigou em um refúgio de
longa data: Júpiter, a sala de conferências sem janelas da fábrica de
Fremont. Moravy e Von Holzhausen levaram alguns dos principais
membros da equipe da Tesla até a sala para uma reunião reservada. Eles
apresentaram dados que mostravam o seguinte: para a Tesla crescer 50%
por ano, precisava de um carro pequeno e barato. O mercado global para
esse tipo de veículo era enorme. Em 2030, poderiam existir até 700
milhões deles, quase o dobro da categoria Model 3/Y. Então eles
mostraram que era possível usar a mesma plataforma e a mesma linha de
montagem para fazer o carro de 25 mil dólares e o Robotáxi. “Nós o
convencemos de que, se construíssemos fábricas e tivéssemos as
plataformas, daria para produzir tanto os Robotáxis quanto o carro de 25
mil dólares, usando a mesma arquitetura de veículo”, conta Von
Holzhausen.
Depois da reunião, Musk e eu nos sentamos a sós na sala de
conferências e ficou evidente que ele não estava entusiasmado com o
carro de 25 mil dólares. “Não é um produto muito empolgante”,
comentou. O que ele realmente queria era transformar os meios de
transporte com os Robotáxis. Contudo, ao longo dos meses, foi se
entusiasmando bastante. Em uma reunião de avaliação de design numa
tarde de fevereiro de 2023, Von Holzhausen colocou modelos do
Robotáxi e do carro de 25 mil dólares lado a lado no estúdio. Os dois
tinham o ar futurista do Cybertruck. Musk adorou os designs. “Quando
um desses contornar uma esquina”, disse ele, “as pessoas vão achar que
estão vendo algo que veio do futuro”.
O novo veículo para o mercado de massa — assim como o carro com
volante e o Robotáxi — tornou-se conhecido como “a plataforma da
nova geração”. A princípio, Musk decidiu que a Tesla construiria uma
nova fábrica no norte do México, cerca de 650 quilômetros ao sul de
Austin, toda projetada para produzir esses carros. A unidade iria usar
um método de produção completamente novo, com alta automatização.
Não demorou, porém, para que um problema surgisse na mente dele:
Musk sempre acreditou que os engenheiros de design da Tesla
precisavam estar bem ao lado da linha de montagem, e não em um local
distante da produção. Assim, os engenheiros podiam receber um
feedback instantâneo sobre como incluir inovações de projeto que não só
melhorariam o carro, como também tornariam a produção mais fácil.
Isso valia, principalmente, no caso de um carro e de um método de
produção novos. Contudo, ele percebeu que teria problemas em
conseguir que os engenheiros principais se mudassem para a nova
fábrica. “A engenharia da Tesla tem que estar junto da linha de produção
para que tudo dê certo, e nunca vamos conseguir mudar todo mundo
para o México”, me disse ele.
Por isso, em maio de 2023, decidiu mudar para Austin a localização
inicialmente pensada para a fábrica da nova geração de carros e de
Robotáxis, onde ele e seus principais engenheiros estariam trabalhando
bem ao lado da nova linha de montagem super-rápida e ultra-
automatizada. Ao longo do verão de 2023, Musk passou horas, todas as
semanas, trabalhando com a equipe a fim de projetar cada estação da
linha de montagem, buscando modos de reduzir em milissegundos cada
passo e cada processo.
capítulo 81
“Vocês vão ter que aceitar”
Twitter, 26 e 27 de outubro de 2022
***
* Em inglês, “Let that sink in”, uma expressão com sentido de que é preciso deixar a ficha cair,
digerir e aceitar a situação. O trocadilho se dá por causa de “sink”, que significa “pia”. [N. da E.]
capítulo 82
Tomando posse
Twitter, quinta-feira, 27 de outubro de 2022
***
Numa outra área da sede do Twitter, a empresa estava dando uma festa
de Halloween, cheia de abraços de despedida, chamada Trick or Tweet.*
Birchall brincou com as outras pessoas que estavam na sala de guerra:
“Ned Segal veio com uma fantasia de CFO.” Nas salas de conferências
ao lado, alguns dos engenheiros da SpaceX estavam grudados em uma
transmissão de vídeo em seus computadores. Pouco depois das seis, um
foguete Falcon 9 decolou de Vandenberg carregando 52 satélites da
Starlink.
Michael Grimes, o principal executivo do banco Morgan Stanley,
pegou um voo em Los Angeles e chegou à sala de guerra com presentes.
O primeiro era uma montagem que mostrava defesas históricas da
liberdade de expressão — de John Milton, em 1644, à cena de Musk
entrando na sede do Twitter e dizendo “Vocês vão ter que aceitar!”. Ele
também levou uma garrafa de Pappy Van Winkle, o melhor bourbon do
mundo, que a esposa tinha ganhado de aniversário. Cada um na sala
tomou um pequeno gole e em seguida Musk assinou a garrafa pela
metade para ela.
Minutos depois, ele fez a primeira modificação de produto. Até
então, quando as pessoas entravam no site Twitter.com, a primeira tela
que viam as instruía a fazer login. Musk achou que em vez disso elas
deviam cair numa página de “Explorar”, que mostraria os assuntos mais
quentes e as tendências do momento. Uma mensagem foi enviada para a
pessoa encarregada da página “Explorar”, um jovem engenheiro
chamado Tejas Dharamsi, que estava num voo voltando ao país depois
de visitar a família na Índia. Ele respondeu dizendo que faria a mudança
assim que chegasse ao escritório na segunda-feira. Faça agora, foi a
ordem que recebeu. Assim, usando o wi-fi do voo da United, ele fez a
mudança naquela noite. “Tínhamos trabalhado em muitas possíveis
novas funcionalidades por anos, mas ninguém tomava decisões sobre
elas”, diria Dharamsi posteriormente. “De repente, esse cara chegou
tomando decisões rápidas.”
Musk estava hospedado na casa de David Sacks. Quando ele voltou
para lá, perto das nove da noite, Ro Khanna, o deputado democrata do
distrito, já estava presente. Khanna é um defensor da liberdade de
expressão que entende de tecnologia, mas a conversa não foi sobre o
Twitter. Na verdade, eles falaram sobre o papel da Tesla em atrair as
indústrias de volta para os Estados Unidos e o perigo de não encontrar
uma solução diplomática para a guerra na Ucrânia. Foi uma conversa
animada que durou quase duas horas. “Musk tinha acabado de fechar a
compra do Twitter, e eu fiquei surpreso por não termos falado disso”,
conta Khanna. “Ele parecia querer falar de outras coisas.”
* Um trocadilho, em inglês, com a brincadeira “Doce ou travessura?” (Trick or treat). [N. da E.]
capítulo 83
Os três mosqueteiros
Twitter, 26 a 30 de outubro de 2022
Com James Musk, Dhaval Shroff e Andrew Musk analisando o código (topo);
Ross Nordeen estudando a arquitetura do software do Twitter (abaixo, à
esquerda); James e Andrew Musk (abaixo, à direita)
James, Andrew e Ross
Quem comandava a jovem tropa da tecnologia nas salas de conferências
do segundo andar naquela quinta-feira era um rapaz de 29 anos
espantosamente parecido com Musk. James Musk, filho do irmão mais
novo de Errol, tinha o cabelo idêntico, o sorriso cheio de dentes, os
maneirismos de levar a mão ao pescoço e um sotaque sul-africano óbvio
como o do primo de primeiro grau. Havia uma dureza na mente e nos
olhos, mas ele compensava isso com um grande sorriso, um jeito sempre
emocionalmente alerta e uma disposição em agradar aos outros, coisas
que não faziam parte do repertório de Elon. Engenheiro de software,
James trabalhou duro na equipe do Autopilot da Tesla e então se tornou
o núcleo de um pequeno grupo de mosqueteiros leais que coordenaram
os mais de trinta engenheiros da empresa automotiva e da SpaceX que
aportaram na sede do Twitter como uma força expedicionária naquela
semana.
Desde os 12 anos, James acompanhava avidamente as aventuras de
Elon e escrevia cartas para ele com regularidade. Assim como Elon, ele
deixou a África do Sul por conta própria quando estava prestes a
completar 18 anos e passou um ano vagando pela Riviera, trabalhando
em iates e hospedando-se em albergues. Depois, foi para Berkeley e
entrou para a Tesla bem a tempo de ser convocado por Elon para a onda
insana de 2017 na fábrica de baterias de Nevada. Em seguida, tornou-se
parte da equipe do Autopilot, quando desenvolveu a rota de
planejamento da rede neural que analisa os dados em vídeo de
motoristas humanos para aprender como um carro autônomo deveria se
comportar.
Quando Elon o chamou no fim de outubro e o “convocou a se
voluntariar” para ajudar na iminente tomada do Twitter, James relutou
por um momento. O aniversário da garota que ele namorava era naquele
fim de semana e eles pretendiam viajar para ir ao casamento da melhor
amiga dela. No entanto, ela entendeu que James precisava ajudar o
primo. “Você tem que estar lá”, disse a ele.
O irmão ruivo e mais tímido, Andrew, engenheiro de software na
Neuralink, juntou-se a James na missão. Durante a infância na África
do Sul, eles eram jogadores da liga nacional de críquete, além de alunos
de engenharia de destaque. Meia geração mais jovens que Elon e
Kimbal, eles não faziam parte do grupinho dos irmãos Rive, primos de
Elon por parte de mãe. Elon colocou Andrew e James debaixo das asas
quando eles deixaram a África do Sul, pagando a mensalidade de ambos
na universidade e as despesas pessoais. Andrew foi para a UCLA, a
Universidade da Califórnia em Los Angeles, onde pesquisou a
tecnologia de blockchain com o teórico pioneiro da internet em
comutação de pacotes, Len Kleinrock. E, como se fosse uma herança
genética da família (o que pode até ser), James e Andrew ficaram
viciados no Polytopia. “Minha ex-namorada me odiava por isso”, diz
Andrew. “Talvez por isso seja minha ex-namorada.”
***
Avaliadores de código
James e Andrew estavam sentados com os respectivos notebooks a uma
pequena mesa redonda no espaço aberto próximo à sala de conferências
da qual Musk comandava seu campo de batalha. X estava brincando no
chão com quatro grandes cubos mágicos. (Não, ele ainda não conseguia
resolver o quebra-cabeça, tinha só 2 anos e meio.) Era quinta-feira, 27
de outubro, o dia em que Musk estava correndo para executar o rápido
fechamento da aquisição do Twitter, mas deu uma escapada das reuniões
por uma hora para discutir com os primos como categorizar os
engenheiros do Twitter. Com eles, estava também outro jovem
engenheiro da equipe do Autopilot, Dhaval Shroff, que havia sido um
dos apresentadores no Dia da IA 2.
James, Andrew e Dhaval tinham acesso pelos notebooks deles a toda
a biblioteca de código escrita no Twitter ao longo do ano anterior.
“Pesquisem quem escreveu cem linhas de código ou mais no último
mês”, orientou Musk. “Quero que vocês revisem o diretório e vejam
quem está entregando código.”
O plano de Musk era demitir a maioria dos engenheiros, mas manter
os realmente bons. “Vamos descobrir quem fez uma quantidade
surpreendente de código, e dentro desse grupo descobrir quem são os
melhores programadores”, disse Musk. Era uma tarefa gigantesca, que
se tornava ainda mais difícil porque eles não tinham o código em um
formato que fosse fácil de determinar quem fizera cada inserção ou
exclusão.
James teve uma ideia. Ele e Dhaval haviam conhecido um jovem
engenheiro de software do Twitter em uma conferência em São
Francisco alguns dias antes. O nome dele era Ben. James ligou para ele,
o colocou no viva-voz e começou a enchê-lo de perguntas.
“Eu tenho a lista das inserções e exclusões de todo mundo”, disse
Ben.
“Pode me mandar?”, pediu James. Eles passaram um tempo tentando
descobrir como usar um script em Python e técnicas para tornar a
transferência mais rápida.
Então Musk interrompeu: “Obrigado por ajudar, cara.”
Houve uma longa pausa.
“Elon?”, perguntou Ben. Ele parecia um pouco admirado que o novo
chefe estivesse passando tempo vasculhando o código-fonte no dia de
fechar o negócio.
Ao ouvir o sotaque francês, percebi que era o mesmo Ben —– Ben
San Souci — que havia perguntado a Musk sobre a moderação de
conteúdo na visita à cafeteria. Um engenheiro na aparência, ele não era
muito bom em fazer conexões, mas de repente havia sido arrastado para
dentro do círculo interno. Era uma prova do valor do acaso — e de
aparecer pessoalmente no escritório.
***
No controle
Nos corredores do Twitter, assim como na Tesla, na SpaceX e em Wall
Street, as pessoas comentavam se Musk contrataria alguém para ajudá-lo
a administrar a empresa. Naquele primeiro dia como dono, ele se reuniu
em sigilo com um possível nome para isso, Kayvon Beykpour, o
cofundador do aplicativo de streaming de vídeo Periscope, que foi
comprado e depois encerrado pelo Twitter. Beykpour havia se tornado
chefe de desenvolvimento de produto do Twitter, mas foi demitido por
Agrawal no início de 2022 sem explicações.
A conversa deles na sala de conferências de Musk, que também
contou com a presença do investidor de tecnologia Scott Belsky,
mostrou uma verdadeira fusão mental. “Tenho uma ideia quanto aos
anúncios”, sugeriu Beykpour. “Pergunte para as pessoas que assinam
quais são os interesses que elas têm e ofereça-lhes uma experiência
personalizada. Você pode transformar isso em um benefício da
assinatura.”
“É, e os anunciantes vão amar”, disse Musk.
“Também coloque um botão de downvote para tuítes”, acrescentou
Beykpour. “Você precisa de um sinal negativo do usuário para alimentar
os rankings.”
“Só os usuários pagos e verificados deveriam poder dar votos
negativos”, ponderou Musk, “porque senão isso poderia estar sujeito a
ataques de bots”.
No fim da conversa, Musk fez a Beykpour uma oferta casual. “Por
que você não volta a trabalhar aqui?”, propôs. “Parece que você ama
isso.” E então apresentou toda a visão de como pretendia fazer do
Twitter uma plataforma financeira e de conteúdo, com todos os
elementos que havia vislumbrado para a.
“Bem, estou em dúvida”, disse Beykpour. “Eu admiro você. Comprei
todos os produtos que você já criou. Vou pensar sobre isso e te responder
depois.”
Ficou nítido, no entanto, que Musk não iria ceder muito controle,
assim como não havia cedido nas outras empresas. Um mês depois,
perguntei a Beykpour o que ele decidira. “Eu não vejo um papel para
mim”, me disse. “Elon é apaixonado por dirigir diretamente, ele mesmo,
a engenharia e o produto.”
Musk não tinha pressa em trazer alguém para comandar o Twitter,
mesmo depois de ter conduzido uma enquete on-line cujo resultado
apontou que ele deveria fazer isso. Ele até mesmo dispensou ter um
diretor financeiro. Queria fazer da empresa um parquinho de diversões
próprio. Na SpaceX, tinha pelo menos quinze pessoas que se reportavam
diretamente a ele; na Tesla, cerca de vinte. No Twitter, ele disse para a
equipe que estava disposto a ter mais de vinte. E decretou que eles e os
engenheiros mais dedicados deveriam trabalhar num enorme espaço
aberto no décimo andar, onde Musk iria lidar diretamente com todos
dia e noite.
Primeiro round
Musk havia encarregado seus jovens mosqueteiros de desenvolver uma
estratégia para fazer grandes cortes nas inchadas equipes de engenharia,
e eles estavam fuçando o código-base para avaliar quem era excelente e
dedicado. Às seis da noite da sexta-feira, 28 de outubro, 24 horas depois
da aquisição, Musk reuniu-os e mais três dúzias de mercenários de
confiança da Tesla e da SpaceX para começar a botar o plano em ação.
“O Twitter tem hoje 2.500 engenheiros de software”, disse Musk para
eles. “Se cada um escrevesse só três linhas de código por dia, um padrão
ridiculamente baixo, isso somaria 3 milhões de linhas de código por ano,
o que é o suficiente para todo um sistema operacional. Isso não está
acontecendo. Algo está profundamente errado. Parece até que estou
num programa de humor.”
“Gerentes de produto que não sabem nada sobre programação ficam
pedindo recursos que não sabem como criar”, falou James. “Como
líderes da cavalaria que não sabem andar a cavalo.” Era uma frase que
Musk usava com frequência.
“Vou estabelecer uma regra”, decretou Musk. “Temos 150
engenheiros fazendo o Autopilot. Quero reduzir a esse número no
Twitter.”
Mesmo concordando com a visão de Musk sobre a baixa
produtividade no Twitter, uma demissão em massa de mais de 90% dos
engenheiros fez a maioria dos que estavam à mesa titubear. Milan
Kovac, então menos intimidado por Musk do que estivera no dia da
apresentação do Optimus, explicou por que eram necessários mais. Alex
Spiro, o advogado, também pediu cautela. Ele achava que alguns
trabalhos no Twitter não exigiam habilidades computacionais geniais.
“Não entendo por que todas as pessoas que trabalham em uma empresa
de rede social têm que ter um QI de 160 e trabalhar 24 horas por dia”,
argumentou. Algumas pessoas precisam ser boas em vendas, outras
precisam da habilidade emocional de bons gestores e outras, ainda,
apenas sobem vídeos de usuários e não precisam ser estrelas. Além disso,
cortar tanto assim colocaria o sistema em risco de falhar se alguém
ficasse doente ou ficasse de saco cheio.
Musk não concordou. Ele queria cortes profundos não apenas por
motivos financeiros, mas também porque queria implementar uma
cultura de trabalho hardcore, fanática. Ele estava disposto a assumir
riscos e voar sem rede de proteção; mais que isso, estava ansioso.
James, Andrew, Ross e Dhaval começaram se reunindo com os
gestores e pedindo a eles que cumprissem as metas de Musk de demitir
mais de 90% dos funcionários. “Eles ficaram bem tristes”, diz Dhaval.
“Argumentaram que a empresa ia simplesmente quebrar.” Ele e os
outros mosqueteiros tinham uma resposta-padrão: “Elon pediu isso, e é
assim que ele funciona, então temos que elaborar um plano.”
Na noite daquele domingo, 30 de outubro, James enviou para Musk a
lista oficial que ele e os outros mosqueteiros haviam compilado dos
melhores engenheiros, que deveriam ser mantidos. Os demais poderiam
ser dispensados. Musk estava pronto para fazer as demissões
imediatamente. Se ocorressem antes de 1o de novembro, a empresa não
teria que pagar os bônus desses funcionários nem opções de ações que
deveriam vencer nessa data. Contudo, os gestores de recursos humanos
do Twitter resistiam. Eles queriam examinar a lista para garantir que
houvesse diversidade. Musk descartou essa sugestão. Outro alerta deles,
no entanto, o fez repensar. As demissões, se feitas sumariamente, iriam
desencadear multas por quebra de contrato e violações das leis
trabalhistas da Califórnia. Isso iria custar milhões de dólares, mais do
que esperar até depois dos bônus contratados.
Com relutância, Musk concordou em adiar as demissões em massa
até o dia 3 de novembro. Elas foram anunciadas naquela noite em um e-
mail sem assinatura: “Em um esforço para colocar o Twitter em um
caminho saudável, vamos passar pelo difícil processo de reduzir nossa
força de trabalho global.” Cerca de metade dos funcionários em todo o
mundo e quase 90% de algumas das equipes de infraestrutura foram
demitidos e o acesso deles aos computadores e e-mails da empresa,
imediatamente bloqueado. Musk também demitiu a maior parte dos
gestores de recursos humanos.
E esse foi apenas o primeiro round do que seria um banho de sangue
em três rounds.
capítulo 84
Moderação de conteúdo
Twitter, 27 a 30 de outubro de 2022
Yoel Roth
Quando Musk demitiu a chefe do departamento jurídico do Twitter,
Vijaya Gadde, a tarefa de lidar com a moderação de conteúdo, e a
igualmente difícil tarefa de lidar com Musk, passou para um sujeito um
tanto acadêmico, mas alegre e juvenil, chamado Yoel Roth, de 35 anos.
Era uma combinação improvável. Roth era um democrata que tendia
para a esquerda e tinha deixado um rastro de tuítes antirrepublicanos.
“Jamais doei para uma campanha presidencial antes, mas acabei de dar
100 dólares para Hillary, pelos Estados Unidos”, postou em 2016, o ano
em que ele entrou para a equipe de confiança e segurança da empresa.
“Não dá mais para brincar.” No dia da eleição de 2016, ele tirou sarro
dos eleitores de Trump tuitando: “Só o que eu estou dizendo é que
existe um motivo para que a gente passe voando por cima dos estados
que votaram numa tangerina racista.” Depois de Trump se tornar
presidente, ele tuitou “NAZISTAS DE VERDADE NA CASA
BRANCA” e chamou Mitch McConnel de “saco de peidos sem
personalidade”.
No entanto, Roth tinha uma combinação de otimismo e avidez que o
deixaram torcendo para trabalhar com Musk. A primeira vez que os dois
se encontraram foi na tarde de quinta-feira em que Musk estava
forçando o fechamento apressado da compra do Twitter. Às cinco da
tarde, o telefone de Roth tocou. “Oi, aqui é o Yoni”, disse a pessoa do
outro lado da linha. “Você pode vir ao segundo andar, por favor?
Precisamos conversar.” Roth não sabia quem Yoni era, mas ele passou
pela festa de Halloween e chegou ao grande espaço aberto das áreas de
conferências onde estavam Musk, seus banqueiros e os mosqueteiros.
Ali ele foi cumprimentado por Yoni Ramon, um engenheiro de
segurança da informação da Tesla baixinho, cheio de energia e de
cabelos longos que era originário de Israel. “Eu também sou israelense,
então eu sabia que ele era de lá”, diz Roth. “Mas, fora isso, eu não tinha
ideia de quem ele era.”
Musk tinha dado a Ramon a tarefa de impedir que qualquer
funcionário descontente do Twitter sabotasse o serviço. “Elon está
completamente paranoico, e com razão, com a ideia de que algum
funcionário irritado possa atrapalhar as coisas”, me disse Ramon pouco
antes de Roth chegar. “Ele me deu a atribuição de não deixar isso
acontecer.”
Quando eles se sentaram a uma mesa na área aberta, perto do bufê de
garrafinhas de água mineral, Ramon perguntou a Roth, sem explicações:
“Como eu consigo acesso às ferramentas do Twitter?”
Ainda não estava claro para Roth quem era aquele cara. “Existem
várias restrições sobre quem tem acesso às ferramentas do Twitter”,
respondeu Roth. “Existem várias considerações sobre privacidade.”
“Bem, houve uma transição de comando”, disse Ramon. “Eu trabalho
para o Elon e precisamos deixar as coisas protegidas. Pelo menos me
mostre como são as ferramentas.”
Roth achou que isso era razoável. Ele pegou o laptop e mostrou a
Ramon as ferramentas de moderação de conteúdo que o Twitter usava e
recomendou algumas medidas que poderiam servir como proteção para
ameaças internas.
“Posso confiar em você?”, perguntou Ramon de repente, olhando nos
olhos de Roth. Roth, assustado com a franqueza, disse que sim.
“Certo, vou chamar o Elon”, falou Ramon.
Um minuto depois, Musk saiu da sala de guerra onde a compra
acabara de ser concluída, sentou-se diante de uma das mesas redondas
da área e pediu que fosse demonstrado como as ferramentas de
segurança funcionavam. Roth abriu a conta do próprio Musk e mostrou
o que as ferramentas do Twitter poderiam fazer com ela.
“O acesso a essas ferramentas deveria ficar restrito a apenas uma
pessoa, por enquanto”, disse Musk.
“Eu fiz isso ontem”, replicou Roth. “Essa única pessoa sou eu.” Musk
assentiu em silêncio. Ele parecia gostar do modo como Roth estava
lidando com as coisas.
Musk então pediu que Roth dissesse os nomes de dez pessoas nas
quais “ele confiaria cegamente” e que poderiam ter acesso às ferramentas
mais avançadas. Roth falou que ia fazer uma lista. Musk o encarou e
frisou: “Estou falando de gente em que você confiaria a própria vida.
Porque, se eles fizerem alguma coisa errada, eles vão ser demitidos, e
você vai ser demitido, e toda a sua equipe vai ser demitida.” Roth pensou
consigo mesmo que estava familiarizado com o modo de lidar com esse
tipo de chefe. Ele fez que sim com a cabeça e voltou para seu escritório.
Sacks e Calacanis
Yoel Roth estava almoçando com o marido no dia seguinte, um sábado,
quando recebeu uma ligação sendo chamado para ir até o escritório.
David Sacks e Jason Calacanis queriam fazer algumas perguntas a ele.
“Melhor você ir”, aconselhou um amigo do Twitter, sabendo da
importância dos dois. Então Roth foi de carro, saindo de Berkeley, onde
morava, e atravessou a baía para chegar à sede do Twitter.
Naquela semana, Musk estava hospedado na casa de cinco andares de
Sacks no Pacific Heights, em São Francisco. Eles se conheciam desde a
época da PayPal. Desde então, Sacks era um libertário declarado que
defendia a liberdade de expressão. O desprezo dele pelo movimento
woke o empurrou para a direita, mas com um viés populista-nacionalista
que o tornava cético quanto ao intervencionismo norte-americano.
Em 2021, no jantar de aniversário de 50 anos de Sky Dayton,
empresário do ramo da internet com viés libertário, na Toscana, Sacks e
Musk discutiram como as grandes empresas de tecnologia estavam em
conluio para restringir a liberdade de expressão on-line. Sacks tinha uma
visão populista, argumentava que um “cartel” das elites corporativas
estava usando a censura como arma para derrotar aqueles que pensavam
diferente. Grimes discordou, mas Musk geralmente concordava com
Sacks. Ele não tinha se concentrado muito na liberdade de expressão e
na censura até então, mas a ideia ecoava o crescente sentimento
antiwoke dele. Quando Musk assumiu o Twitter, Sacks se tornou uma
presença constante, ajudando a coordenar reuniões e dando conselhos.
O amigo e parceiro de pôquer Jason Calacanis, com quem ele
produzia um podcast semanal, era um sujeito nascido no Brooklyn que
tinha uma startup de internet e vinha a ser um amigo muito próximo e
dedicado de Musk. Ele tinha uma empolgação juvenil que contrastava
com a reticência rigorosa de Sacks e era mais moderado politicamente.
Quando Musk fez os primeiros movimentos para comprar o Twitter, em
abril, Calacanis lhe mandou uma mensagem dizendo quanto estava
empolgado para ajudar. “Conselheiro, consultor, seja lá o que for…
Conte com este soldado”, escreveu. “Me bota para jogar, treinador!
CEO do Twitter é meu emprego dos sonhos.” O afã dele às vezes fazia
Musk repreendê-lo, como na vez que Calacanis criou uma Sociedade de
Propósito Específico com o intuito de arrecadar investimentos para a
compra do Twitter por Musk. “Que ideia é essa de vender uma SPE
para pessoas aleatórias?”, disse Musk por mensagem. “Isso não está
certo.” Calacanis pediu desculpa e recuou. “Essa compra capturou a
imaginação do mundo de modo inimaginável. É uma loucura... Eu estou
com você para o que der e vier — eu pularia em cima de uma granada
por você.”
***
***
Naquela noite de domingo, Musk voou até Nova York para se encontrar
com a equipe de vendas de anúncios do Twitter e tentar tranquilizar os
anunciantes e as respectivas agências. Levou X junto, e eles chegaram
por volta das três da manhã no apartamento de Maye em Greenwich
Village. Musk não gostava de hotéis nem de ficar sozinho. Pela manhã,
tanto Maye quanto X foram com ele à sede do Twitter em Manhattan,
servindo a um só tempo de escudo e apoio emocional para reuniões que
seriam tensas.
Musk tem uma intuição para problemas de engenharia, mas as redes
neurais dele têm dificuldades para lidar com sentimentos humanos, por
isso a aquisição do Twitter tornou-se tão problemática. Ele pensava no
Twitter como uma empresa de tecnologia, quando, na realidade, era um
meio publicitário baseado em emoções humanas e relacionamentos. Ele
sabia que tinha que ser solícito na viagem a Nova York, mas estava com
raiva. “Existe uma campanha agressiva contra mim desde que o acordo
foi anunciado em abril”, me disse Musk. “Grupos ativistas têm
pressionado os anunciantes para que deixem de assinar acordos.”
As reuniões naquela segunda-feira não ajudaram muito a tranquilizar
os anunciantes. Enquanto Maye assistia e X brincava, Musk falou num
tom monocórdio, primeiro com a equipe de vendas e depois por meio de
telefonemas com a comunidade de publicidade. “Quero que o Twitter
seja interessante para um amplo número de pessoas, talvez 1 bilhão
algum dia”, disse ele em uma dessas conversas. “Isso anda de mãos dadas
com segurança. Se você deparar com uma avalanche de discurso de ódio
ou for atacado, vai embora.” A cada reunião ele era questionado a
respeito do tuíte sobre Paul Pelosi. “Eu sou quem eu sou”, disse uma
hora, o que não era muito tranquilizador para nenhum dos
interlocutores, que de alguma forma esperavam o contrário. “Minha
conta no Twitter é uma extensão do que eu sou pessoalmente, e, bem,
vou tuitar algumas coisas que vão se mostrar estúpidas, vou cometer
erros.” Ele disse isso não com uma humildade envergonhada, mas com
uma fria modéstia. Em uma das reuniões que fizera via Zoom, era
possível ver anunciantes cruzando os braços e saindo da ligação. “Que
merda é essa?”, murmurou um deles. O Twitter supostamente era um
negócio de bilhões de dólares, não uma extensão das falhas e
idiossincrasias de Elon Musk.
No dia seguinte, muitos dos principais executivos do Twitter que
tinham a confiança da comunidade publicitária se demitiram ou foram
demitidos, mais notavelmente Leslie Berland, Jean-Philippe Maheu e
Sarah Personette. Além disso, grandes marcas e agências de publicidade
anunciaram a intenção de pausar os anúncios no Twitter, ou fizeram isso
discretamente. As vendas caíram 80% naquele mês. As mensagens de
Musk passaram de tranquilizadoras para bajuladoras e então
ameaçadoras. “O Twitter teve uma queda massiva na receita, devido à
pressão de grupos ativistas aos anunciantes, apesar de nada ter mudado
na moderação de conteúdo e de tudo que fizemos para agradar aos
ativistas”, tuitou Musk depois das reuniões. “Estão tentando destruir a
liberdade de expressão nos Estados Unidos.”
Comandantes espaciais
O Halloween é um dos feriados favoritos de Musk, uma chance para
jogos reais de representação. Outro motivo para ele voar até Nova York,
além de tentar tranquilizar os anunciantes, era ter prometido
acompanhar a mãe à festa anual de Halloween da modelo Heidi Klum,
que contava com um desfile no tapete vermelho de fantasias exageradas
para o deleite dos paparazzi.
Musk só voltou das reuniões com os anunciantes para o apartamento
de Maye às nove da noite, quando ela e uma amiga o ajudaram a vestir a
armadura de couro vermelha e preta da fantasia de “Devil’s Champion”
— um guerreiro do diabo — que ela havia providenciado. Apesar de
terem sido levados para uma área VIP, eles odiaram a festa. Maye achou
o som alto demais e Elon ficou incomodado por todo mundo estar
tentando tirar selfies com ele. Por isso, ficaram apenas dez minutos e
foram embora. Musk, porém, mudou sua foto do perfil no Twitter para
uma dele vestido de Devil’s Champion. Ele achou que combinava com a
situação naquele momento.
Na manhã seguinte, ele acordou cedo para assistir com a mãe e o filho
à transmissão da decolagem do Falcon Heavy, a primeira vez em três
anos que o foguete de 27 motores da SpaceX era lançado. Depois, voou
até Washington para uma cerimônia que marcou a mudança dos
principais generais do Comando Espacial dos Estados Unidos. Apesar
das tensões que tinha com o governo Biden, Musk ainda foi bem
recebido pelo Pentágono, especialmente porque a SpaceX era a única
entidade norte-americana capaz de enviar grandes satélites militares e
tripulação para a órbita. Durante a cerimônia, ele foi destacado pelo
general Mark Milley, o chefe do Estado-Maior Conjunto. “O que ele
simboliza”, disse Milley, “é a combinação entre a cooperação civil e
militar e o trabalho em equipe que faz dos Estados Unidos o país mais
poderoso no espaço”.
capítulo 86
Contas verificadas
Twitter, 2 a 10 de novembro de 2022
Volta ao trabalho
À medida que o lançamento do Twitter Blue se transformava num
desastre nível Hindenburg, Musk entrou no modo crise. Às vezes crises
dão energia a ele. Deixam Musk feliz e empolgado — mas não daquela
vez. Na quarta e na quinta-feira ele ficou sombrio, irritado, ressentido e
grosseiro.
Parte disso era por causa da situação financeira — cada vez pior — do
Twitter. Quando Musk fez a oferta de compra em abril, o Twitter
basicamente empatava receitas e despesas. Ocorre, contudo, que no
momento, além da redução das receitas de publicidade, a empresa
precisava pagar os juros de uma dívida de mais de 12 bilhões de dólares.
“Esse é um dos quadros financeiros mais apavorantes que eu já vi”, disse
Musk. “Acho que podemos ter um déficit de mais de 2 bilhões de
dólares ano que vem.” Para poder virar o jogo no Twitter, ele vendeu
mais 4 bilhões de dólares em ações da Tesla.
Na noite daquela quarta-feira, Musk enviou um e-mail para o pessoal
do Twitter. “Não há como dourar a pílula”, começou. “Francamente, o
cenário econômico diante de nós é catastrófico.” Como já tinha feito
antes na Tesla e na SpaceX, e inclusive na Neuralink, ele ameaçou fechar
a empresa, até mesmo declarar falência, se as coisas não melhorassem.
Para ter sucesso seria necessária uma mudança completa na cultura
suave, tranquila e boazinha da empresa. “A estrada que temos pela frente
é árdua e vai exigir trabalho intenso.”
Acima de tudo, isso significava reverter a política do Twitter,
anunciada por Jack Dorsey no começo da pandemia e reafirmada por
Parag Agrawal em 2022, de que os funcionários poderiam trabalhar de
casa para sempre. “O trabalho remoto não é mais permitido”, declarou
Musk. “A partir de amanhã, todos precisam estar no escritório por pelo
menos quarenta horas por semana.”
A nova política era parcialmente motivada pela crença de Musk de
que, com todos juntos no escritório, o fluxo de ideias e de energia era
facilitado. “As pessoas são muito mais produtivas quando estão
pessoalmente no trabalho, porque a comunicação é muito melhor”, disse
ele numa reunião com funcionários convocada às pressas na cafeteria do
nono andar. Mas a política também resultava da ética de trabalho
pessoal de Musk. Quando um dos funcionários na reunião perguntou
por que era preciso ir ao escritório se a maior parte das pessoas com
quem eles interagiam estava em outras cidades, Musk se irritou. “Vou
ser absolutamente claro”, começou ele, falando devagar e sem alterar o
tom de voz. “Se as pessoas não voltam para o escritório quando elas
podem estar no escritório, elas não podem continuar na empresa. Ponto
final. Se você pode ir trabalhar no escritório e não aparece, sua demissão
foi aceita. Ponto final.”
A questão da Apple
Além dos problemas com os impostores, Yoel Roth percebeu que havia
outro problema com o Twitter Blue: a Apple. O plano de Musk era que
os usuários logassem em seus iPhones usando o aplicativo do Twitter. O
Twitter receberia os 8 dólares e de quebra ficaria com os dados que a
Apple solicitava para verificar o usuário, como o nome e outras
informações, incluído, Musk presumiu, o número de cartão de crédito.
“O problema é que ninguém se deu ao trabalho de perguntar para a
Apple se eles topavam compartilhar essa informação”, diz Roth.
A Apple tinha uma política rigorosa com aplicativos. Ela recebia uma
taxa de 30% de qualquer pagamento feito por um aplicativo ou por
compras feitas por meio de um app. O que era ainda mais oneroso: a
Apple não compartilhava dados de usuários. Qualquer serviço que
tentasse violar essas regras seria retirado da App Store da Apple. A
política tinha como justificativa questões de privacidade e segurança. Se
você fazia uma compra pelo seu iPhone, a Apple mantinha seus dados e
as informações de seu cartão de crédito em sigilo.
“Isso não vai funcionar”, disse Roth quando conseguiu falar com Elon
ao telefone. “A premissa fundamental do Twitter Blue não funciona com
o iPhone.”
Musk se irritou. Embora compreendesse as políticas da Apple, havia
presumido que o Twitter poderia trabalhar em parceria com eles. “Você
falou com alguém na Apple?”, perguntou. “Ligue para a Apple e mande
eles darem os dados de que você precisa.”
Roth ficou surpreso. Se um funcionário de nível intermediário como
ele ligasse para a Apple e pedisse que mudassem a política sobre
privacidade de informação, eles iriam, nas palavras de Roth, “mandar eu
me foder”.
Musk insistiu que o problema era contornável. “Se eu precisar ligar
para a Apple, eu ligo para a Apple”, disse. “Ligo para o Tim Cook, se
for o caso.”
Yoel Roth se demite
Essa conversa foi a gota d’água para Roth. O modelo de negócios do
Twitter Blue estava correndo riscos se levados em consideração os
limites impostos pela Apple. A questão dos impostores com selo azul de
verificação era algo impossível de controlar de imediato porque Musk
tinha demitido a maior parte dos moderadores humanos. As explosões
autoritárias dele continuavam a aborrecer Roth. E Musk estava exigindo
uma lista de mais pessoas para serem demitidas.
Roth havia dito para si mesmo que ficaria até as eleições de meio de
mandato, que aconteceriam no dia 8 de novembro, e elas tinham
transcorrido em paz. No fim do telefonema com Musk, decidiu que era
hora de partir. Por isso, enquanto Musk reunia-se com os funcionários
na cafeteria do nono andar, Roth estava no décimo andar escrevendo a
carta de demissão.
Ele fez uma breve videoconferência para informar parte de sua
equipe, apertou o botão de “enviar” e saiu às pressas do prédio porque
não queria ser expulso pela segurança. Assim que soube da notícia,
Musk ficou genuinamente decepcionado. “Uau, não achei que ele fosse
fazer isso com a gente”, disse.
Quando Roth estava atravessando a Bay Bridge em direção a
Berkeley, o celular começou a vibrar. A notícia tinha vazado. “Não
atendi enquanto dirigia, porque sou um motorista muito nervoso,
mesmo nos meus melhores dias”, diz ele. Ao chegar em casa e ver o
celular, havia uma mensagem de Yoni Ramon: “Podemos conversar?”
Outras mensagens semelhantes chegaram de Alex Spiro e Jared Birchall.
Ele ligou para Birchall, o qual disse que Musk estava muito
decepcionado e esperava que Roth reconsiderasse. “Tem alguma coisa
que a gente possa fazer para convencer você a voltar?”, perguntou
Birchall. Eles conversaram por meia hora, e Birchall explicou como lidar
com os momentos em que Musk entra no modo demoníaco. Roth disse
que já havia se decidido, mas estava disposto a ter uma conversa
amigável com Musk como uma entrevista demissional. Ele almoçou,
esboçou o que queria dizer e às cinco e meia mandou uma mensagem
para Musk: “Estou disponível para conversar.”
Musk ligou na mesma hora. Durante a maior parte da conversa, Roth
mencionou pontos que ele considerava mudanças imprescindíveis para o
Twitter. Musk então perguntou diretamente: “Você consideraria voltar?”
“Não, essa não é a decisão certa para mim”, respondeu Roth.
Os sentimentos que Roth nutria por Musk eram complexos. A
maioria das interações deles tinha sido boa. “Ele era uma pessoa
razoável, divertida, envolvente e falava sobre a visão dele de um modo
que era meio conversa fiada, mas que basicamente fazia você se sentir
inspirado”, comenta Roth. E então vinham os momentos em que Musk
mostrava um lado autoritário, cruel, sombrio. “Ele passava a ser o Elon
mau, e era esse Elon que eu não suportava.”
“As pessoas querem que eu diga que detesto Musk, mas é muito mais
complicado, e imagino que é isso que o torna tão interessante. Ele é
meio idealista, certo? Tem visões grandiosas, seja sobre a humanidade
multiplanetária, seja sobre energia renovável, e até mesmo a liberdade de
expressão. E ele construiu para si mesmo um universo moral e ético que
tem como foco alcançar essas grandes metas. Acho que isso torna difícil
fazer dele um vilão.”
Roth não pediu dinheiro nem benefícios na rescisão. “Eu só desejava
sair enquanto minha reputação estava intacta e eu ainda era
empregável”, diz, melancólico. Ele também queria estar em segurança.
Roth foi vítima de ameaças de morte assustadoras com viés antissemita e
homofóbico quando o New York Post e outros veículos escreveram sobre
os tuítes antigos postados por ele, os quais apoiavam os democratas e
criticavam Trump. “Eu tinha receio de que, caso Elon e eu acabássemos
brigando, ele pudesse tuitar coisas ruins sobre mim e me chamar de
esquerdalha, e então as centenas de milhões de seguidores dele, alguns
dos quais podem ser violentos, começassem a vir atrás de mim e da
minha família.” Roth assumiu um tom lamentoso enquanto falava de
suas preocupações. “O que o Elon não entende”, disse no fim da nossa
conversa, “é que as demais pessoas não têm uma equipe de seguranças
como ele tem”.
Desespero
Depois da demissão de Roth e da implosão do Twitter Blue, Musk fez
uma videoconferência num fim de noite com Franz von Holzhausen e os
demais integrantes da equipe que estava projetando o Robotáxi na Tesla.
Antes que eles tivessem a chance de começar a mostrar as novas versões
do carro, Musk desabafou sobre suas frustrações no Twitter. “Não sei
por que eu fiz isso”, disse, parecendo cansado e abatido. “O juiz
basicamente disse que eu tinha que comprar o Twitter, ou então... E
agora eu estou tipo, ok, merda.”
Fazia exatamente duas semanas que Musk tinha concluído a compra.
Desde então, estivera trabalhando em tempo integral na sede do Twitter
enquanto fazia malabarismo com o trabalho na Tesla, na SpaceX e na
Neuralink. A reputação dele estava sendo destruída, e a empolgação pelo
drama do Twitter tinha dado lugar à dor. “Espero em algum momento
sair desse inferno em que o Twitter me colocou”, disse ele, prometendo
tentar retornar a Los Angeles para fazer uma reunião presencial sobre o
Robotáxi.
Von Holzhausen tentou tratar do design superfuturista que eles
tinham desenvolvido para o Robotáxi, mas Musk voltou à situação do
Twitter. “Se vocês querem saber como é a cultura do Twitter, imaginem
a pior situação possível e depois multipliquem por dez”, falou Musk. “O
grau de preguiça e de indulgência aqui é uma coisa de doido.”
Mais tarde, Musk deu uma entrevista por vídeo para uma conferência
sobre negócios na Indonésia. O mediador perguntou que conselho ele
daria para alguém que quisesse ser o próximo Elon Musk. “Eu diria:
tome cuidado com o que você deseja”, respondeu Musk. “Não tenho
certeza se as pessoas realmente gostariam de ser quem eu sou. O grau de
tortura que eu imponho a mim mesmo é impressionante, para ser
franco.”
capítulo 87
Apostando tudo
Twitter, 10 a 18 de novembro de 2022
***
Sim ou não?
A característica seguinte que Musk queria filtrar — depois de excelência
e confiabilidade — era motivação. Em sua vida inteira ele havia sido
hardcore e gostava de apostar tudo. Era uma questão de honra para ele.
Musk desprezava pessoas bem-sucedidas que gostavam de tirar férias.
James e Ross passaram a terça-feira pensando em maneiras de
determinar quais funcionários eram realmente motivados. Então eles
viram um post que alguém fez no Slack. “Por favor, me deixe sair com
indenização e eu saio”, dizia o texto. Eles perceberam que podiam
confiar na autosseleção. Algumas pessoas ficariam felizes em trabalhar
até tarde e nos fins de semana, mas outras, compreensivelmente, não
gostavam da ideia e não estavam constrangidas em admitir isso.
James e Ross perceberam que as pessoas estavam dispostas a declarar
de qual grupo faziam parte, e na verdade faziam isso com orgulho. Por
isso, sugeriram a Musk dar a oportunidade para que os funcionários
optassem por não fazer parte do novo Twitter hardcore. Ele gostou da
ideia, e Ross projetou um formulário simples com um botão em que os
funcionários poderiam clicar para assinalar que queriam sair em bons
termos e receber na rescisão o acréscimo de três meses de salário.
“Estávamos superanimados”, disse James. “Não teríamos que fazer todas
aquelas demissões extras.”
Algumas horas depois, Musk saiu de uma reunião e entrou na estufa
sorrindo. “Tive uma grande ideia”, falou. “Vamos inverter. Não faça o
botão para sair. Em vez disso, faça para ficar. Queremos que pareça a
expedição de Shackleton. Queremos pessoas que se declarem hardcore.”
Mais tarde naquela noite, Musk voou até Delaware para depor em
um processo dos acionistas que questionava o pacote de remuneração da
Tesla. Pouco antes das quatro da manhã, pelo fuso da Costa Leste, ele
testou o link de adesão no avião, tornando-se a primeira pessoa a dizer
sim para as novas expectativas do Twitter. Então ele mandou um e-mail
para todos os funcionários:
Terceiro round
Em uma reunião com Musk naquela tarde de sexta-feira, a chefe de
vendas de anúncios, Robin Wheeler, disse que estava se demitindo. Ela
tentara fazer isso uma semana antes, ao mesmo tempo que Yoel Roth,
mas Musk e Jared Birchall a haviam convencido a ficar.
A maioria das pessoas, incluídos Ross e James, presumiu que a saída
dela era uma reação à decisão unilateral de Musk sobre as reintegrações
e ao lançamento da enquete para reintegrar Trump. Contudo, o que
realmente incomodou Wheeler era que Musk estava decidido a proceder
a mais uma rodada de demissões, e exigiu que ela fizesse uma lista de
quem devia ir embora. No início da semana, Wheeler havia
argumentado com a organização de vendas que eles deveriam dizer “sim”
para um novo e mais exigente Twitter. Agora ela teria que olhar algumas
dessas mesmas pessoas nos olhos, as que tinham dito sim, e dizer que
elas estavam sendo demitidas.
Os alvos de demissões e desligamentos viviam mudando, a depender
do humor de Musk. Em dado momento, ele disse aos mosqueteiros que
queria reduzir a equipe de engenheiros programadores para cinquenta.
Em outras ocasiões naquela semana, afirmou que não estava preocupado
com números absolutos: “Só façam uma lista dos engenheiros muito
bons e demitam os outros.”
Para facilitar o processo, Musk determinou que todos os engenheiros
de software do Twitter mandassem para ele exemplos de código que
tivessem escrito recentemente. Durante o fim de semana, Ross
trabalhou para que as respostas fossem transferidas da caixa de entrada
de Musk para a dele própria, de modo que ele, James e Dhaval
pudessem avaliar o trabalho. “Tenho quinhentas mensagens na minha
caixa de entrada”, disse Ross na noite de domingo, cansado. “Temos que
dar um jeito de revisar tudo hoje para ver quais engenheiros devem
ficar.”
Por que Musk estava fazendo isso? “Ele acredita que um pequeno
grupo de engenheiros generalistas muito bons pode fazer mais do que
um grupo regular centenas de vezes maior”, disse Ross. “Como um
pequeno batalhão de fuzileiros navais bem entrosados que é capaz de
fazer coisas incríveis. E acho que ele quer resolver isso logo, não quer
ficar enrolando.”
Ross, James e Andrew se encontraram com Musk na manhã de
segunda-feira e apresentaram o critério que usaram para avaliar as
respostas. Musk aprovou o plano e desceu as escadas com Alex Spiro até
o café, onde convocou de última hora outra reunião com todos os
funcionários. Enquanto as pessoas entravam, ele perguntou o que
deveria dizer se perguntassem sobre demissões adicionais. Spiro sugeriu
evitar o assunto, mas Musk decidiu dizer que “não haveria mais
demissões”. O raciocínio dele era o de que as demissões do novo round
seriam por “justa causa”, porque o trabalho daquelas pessoas
supostamente não era bom o suficiente, não uma demissão para reduzir
pessoal, o que daria a elas direito a um generoso pacote de compensação.
Ele estava fazendo uma distinção que a maioria das pessoas não
percebeu. “Não há mais reduções de equipe de trabalho previstas”,
declarou no início da reunião, e foi aplaudido.
Em seguida, ele se encontrou com uma dezena de jovens
programadores que haviam sido escolhidos por Ross e James pela
excelência. Falar sobre engenharia o relaxava, e ele os questionou sobre
as maneiras de tornar o upload de vídeos mais fácil, por exemplo. Musk
disse a eles que no futuro as equipes do Twitter seriam lideradas por
engenheiros como eles em vez de designers e gerentes de produto. Era
uma mudança sutil. Refletia a crença dele de que o Twitter deveria ser,
no âmago, uma empresa de engenharia de software, comandada por
pessoas que entendem de programação, não uma empresa de mídia e
consumo, comandada por pessoas com especialização em
relacionamentos e desejos humanos.
Visita à Apple
“A Apple parou de anunciar no Twitter”, tuitou Musk no fim de
novembro. “Por acaso eles odeiam a liberdade de expressão nos Estados
Unidos?”
Naquela noite, Musk teve uma de suas conversas regulares com seu
mentor e investidor Larry Ellison, que morava a maior parte do ano em
Lanai, a ilha da qual era dono no Havaí. Ellison, que havia sido o
mentor de Steve Jobs, deu a Musk um conselho: não comece uma briga
com a Apple. Era a única empresa que o Twitter não tinha condições de
afastar. A Apple era um grande anunciante. Mais importante: o Twitter
só sobreviveria se continuasse disponível na App Store do iPhone.
De certa forma, Musk era como Steve Jobs, um capataz brilhante e
áspero, com um campo de distorção da realidade que podia levar os
funcionários à loucura, mas também a fazer coisas que achavam
impossível de ser feitas. Ele podia ser confrontador, tanto com colegas
quanto com concorrentes. Tim Cook, que assumiu a Apple em 2011,
era diferente: calmo, friamente disciplinado e desconcertantemente
educado. Embora pudesse ser duro quando havia justificativas para
tanto, evitava confrontos desnecessários. Enquanto Jobs e Musk
pareciam atrair drama, Cook tinha um instinto para desarmá-los. Ele
tinha um senso moral firme.
“Tim não quer nenhuma animosidade”, disse a Musk um amigo em
comum. Não era o tipo de informação que geralmente tiraria Musk do
modo guerreiro, mas ele percebeu que entrar em guerra com a Apple
não era uma boa ideia. “Pensei: Bem, também não quero nenhuma
animosidade”, afirma Musk. “Então, tive a ideia de ir visitá-lo na sede da
Apple.”
Havia outro incentivo. “Estava procurando uma desculpa para visitar
a sede da Apple porque ouvi dizer que era incrível”, comenta ele. O
enorme edifício circular, de vidro curvo feito sob medida, em volta de
um lago, fora projetado, sob a supervisão de Jobs, pelo arquiteto
britânico Norman Foster, o qual, na ocasião em que Musk manifestara o
desejo de construir uma casa, encontrara-se com ele em Austin para
discutir o assunto.
Musk enviou um e-mail diretamente para Cook, e eles concordaram
em se reunir naquela quarta-feira. Quando Musk chegou à sede em
Cupertino, a primeira impressão da equipe da Apple era a de que ele
parecia não dormir havia semanas. Eles se dirigiram à sala de reuniões
de Cook para um tête-à-tête que durou pouco mais de uma hora.
Começaram trocando histórias horríveis sobre cadeia de suprimentos.
Desde o fiasco com o processo de produção do Roadster, Musk passou a
ter uma compreensão profunda da dificuldade de gerenciar a cadeia, e
com razão considerava Cook um mestre. “Acho que poucos seriam
capazes de fazer um trabalho melhor do que Tim”, diz.
Ao tratarem de publicidade, eles conseguiram diminuir a tensão.
Cook explicou que proteger a confiança na marca Apple era a principal
prioridade. A empresa não queria os anúncios dela em um lamaçal
tóxico cheio de ódio, desinformação e conteúdo não seguro. Mas
prometeu que a Apple não iria deixar de anunciar no Twitter nem tinha
planos de tirar o Twitter de sua loja de aplicativos. Quando Musk
questionou os 30% que a Apple cobrava de qualquer venda de aplicativo
na App Store, Cook explicou como isso baixou para 15% no decorrer do
tempo.
Musk estava parcialmente tranquilizado, pelo menos naquele
momento, mas ainda havia a questão sobre a qual Yoel Roth o havia
alertado: a falta de disposição da Apple em compartilhar dados sobre
compras ou informação dos clientes. Isso dificultaria a visão de Musk de
acrescentar serviços financeiros da X.com ao Twitter. Era um assunto
que estava sendo discutido nos tribunais norte-americanos e pelos
reguladores na Europa, e Musk decidiu não forçar o assunto na reunião
com Cook. “Essa é uma batalha futura que teremos que enfrentar”, diz
ele, “ou pelo menos uma conversa que Tim e eu precisamos ter”.
Quando a reunião acabou, Cook levou Musk para os damasqueiros e
o lago sereno no meio do campus circular que Jobs havia vislumbrado.
Musk pegou o iPhone para gravar um vídeo. “Obrigado, @tim_cook,
por me mostrar a linda sede da Apple”, tuitou ele assim que voltou para
o carro. “Resolvemos o desentendimento sobre o Twitter poder ser
tirado da App Store. Tim afirmou claramente que a Apple nunca
cogitou isso.”
capítulo 89
Milagres
Neuralink, novembro de 2022
A apresentação
No fim de setembro, Musk voltou a ficar impaciente. Ele vinha forçando
Zilis e Barenholtz a fazer um evento público para exibir o progresso
deles, mas os dois diziam que não estavam prontos. Em uma das sessões
semanais de avaliação de projeto, o semblante dele se fechou. “Se não
acelerarmos, não vamos conseguir grandes coisas antes de morrermos”,
alertou. Então, Musk decretou uma data para a apresentação: quarta-
feira, 30 de novembro. Acabou coincidindo com o dia em que ele
visitara Tim Cook na Apple.
Quando Musk chegou naquela noite, havia duzentas cadeiras
colocadas à disposição para a apresentação na unidade da Neuralink em
Fremont. Um dos podcasters favoritos de Musk, Lex Fridman, fora
participar do evento, assim como Justin Roiland, do desenho animado
televisivo Rick and Morty. Os três mosqueteiros, James, Andrew e Ross,
não tinham sido convidados, mas deram um jeito de entrar.
Musk queria que a apresentação mostrasse tanto suas ambições
maiores quanto os objetivos mais imediatos. “Minha maior motivação
com a Neuralink”, disse para a plateia, “é criar um dispositivo geral de
entrada e saída de informações capaz de interagir com todos os aspectos
do seu cérebro”. Em outras palavras, isso seria a fusão mental definitiva
entre humanos e máquinas, o que nos protegeria contra a possibilidade
de a inteligência artificial sair do controle. “Ainda que a IA seja
benévola, como podemos garantir que vamos ser incluídos nisso?”
Então, Musk revelou as novas missões de curto prazo que tinha
estabelecido para a Neuralink. “A primeira é restaurar a visão”, falou.
“Ainda que uma pessoa tenha nascido cega, nós acreditamos que é
possível fazer com que ela enxergue.” Em seguida, ele falou da
paraplegia e da tetraplegia. “Por mais que pareça milagroso, estamos
confiantes de que é possível restaurar a funcionalidade do corpo inteiro
para pessoas que tenham sofrido uma lesão na medula espinhal.” A
apresentação durou três horas. Ele ficou na unidade até a uma da
manhã, numa comemoração com os engenheiros, e comentou que era
um descanso bom do “incêndio” no Twitter.
capítulo 90
Twitter Files
Twitter, dezembro de 2022
Bari Weiss
Na noite de 2 de dezembro, Bari Weiss estava em casa, em Los Angeles,
com a esposa, Nellie Bowles, lendo os Twitter Files que estavam sendo
publicados por Taibbi. Ela ficou com ciúme: “Essa história seria perfeita
para a gente publicar”, lembra-se de ter pensado. Foi aí que Weiss
recebeu uma mensagem inesperada de Musk perguntando se ela aceitava
pegar um voo para São Francisco naquela noite.
Assim como Taibbi, Weiss era uma jornalista independente não fácil
de categorizar do ponto de vista ideológico. Os dois haviam aderido,
assim como Musk, à bandeira da liberdade de expressão em oposição
àquilo que viam como o “despertar” de uma crescente mentalidade woke
que produzia uma cultura de cancelamento censora, principalmente na
mídia tradicional e nas elites institucionais educacionais. Weiss se
classificava como uma “liberal sensata, receosa de que a extrema
esquerda sufoque a liberdade de expressão”. Depois de escrever editoriais
para o The Wall Street Journal e o The New York Times, ela reuniu um
grupo de jornalistas independentes para criar The Free Press, uma
newsletter por assinatura no Substack.
Musk teve um contato com ela rápido quando foi entrevistado por
Sam Altman, que fundou junto com ele a OpenAI, na conferência
Allen&Company, no Sun Valley, poucos meses antes. Ela foi aos
bastidores para dizer que estava feliz por ele estar tentando comprar o
Twitter, e os dois conversaram por alguns minutos. Quando Taibbi se
preparava para publicar seus Twitter Files, no início de dezembro, Musk
percebeu que havia material demais para ser digerido por um único
jornalista. Seu investidor e correligionário nas fileiras de liberdade de
expressão Marc Andreessen, um grande amigo do mundo da tecnologia,
sugeriu que ele chamasse Weiss; por isso, no voo de volta de uma rápida
viagem a Nova Orleans para conversar com o presidente Macron, Musk
mandou a mensagem inesperada que ela recebeu na noite de 2 de
dezembro.
Ela e Bowles, junto com o bebê de 3 meses, dirigiram-se às pressas
pegar um voo para São Francisco duas horas depois. Quando chegaram
ao décimo andar da sede do Twitter na noite daquela sexta-feira, às onze
horas, Musk estava de pé perto da máquina de café vestido com uma
jaqueta azul da Starship. Num de seus momentos de humor leviano, ele
andou com as duas pelo prédio mostrando as caixas de camisetas com
estampas progressistas e outros vestígios do antigo regime: “Os bárbaros
invadiram e estão saqueando a mercadoria!”, disse. Weiss ficou
maravilhada ao ver que ele era como um garoto que tinha acabado de
comprar uma loja de doces e ainda não acreditava que era o dono. Os
mosqueteiros Ross Nordeen e James Musk mostraram a Weiss e Bowles
parte das ferramentas computacionais para investigar os arquivos de
mensagens de Slack da empresa. Elas ficaram lá até as duas da manhã, e
depois James as levou até o lugar onde passariam a noite.
Quando Weiss e Bowles voltaram na manhã seguinte, um sábado,
encontraram Musk, que continuava passando as noites num sofá na
biblioteca do Twitter, novamente perto da máquina de café, comendo
cereal num copinho de papel. Durante duas horas elas ficaram sentadas
na sala de conferências dele e discutiram a visão que ele tinha para o
Twitter. Por que ele estava fazendo aquilo?, perguntaram elas. Primeiro,
ele respondeu que tinha sido forçado a comprar a empresa depois de ter
dúvidas sobre a oferta que fizera em abril. “Na verdade, eu não tinha
certeza se ainda queria fazer isso, mas os advogados me disseram que eu
tinha que engolir esse sapo, e então é isso o que estou fazendo”, falou.
Depois, Musk começou a falar a sério sobre o desejo de criar um
fórum público dedicado à liberdade de expressão. Ele disse que “o futuro
da civilização” estava em jogo. Achava que metade do país não confiava
no Twitter pelo fato de a plataforma ter suprimido determinados pontos
de vista. Para reverter isso, seria necessário ter uma transparência radical.
“Temos um objetivo aqui, que é o de eliminar erros passados e seguir em
frente começando do zero. Estou dormindo na sede do Twitter por um
motivo: esta é uma situação alarmante.”
“Você quase acaba acreditando nele”, me disse Weiss depois. Era um
comentário sincero, sem nenhuma ironia.
No entanto, embora estivesse impressionada, Weiss manteve parte do
ceticismo que fizera dela uma jornalista independente. A certa altura
durante a conversa de duas horas entre eles, ela perguntou como os
interesses comerciais da Tesla na China poderiam afetar o modo como
Musk administrava o Twitter. Ele se irritou. Não era para ser aquele o
tema da conversa. Weiss insistiu. Musk disse que o Twitter, na verdade,
precisaria ter cuidado com relação às palavras usadas sobre a China,
porque os negócios da Tesla podiam ser ameaçados. Ele disse que a
repressão chinesa aos uigures poderia ser encarada de duas perspectivas.
Weiss ficou incomodada. Por fim, Bowles entrou na conversa para
amenizar a situação com algumas piadas. Eles mudaram de assunto.
Para tornar a ironia, ou pelo menos a complexidade, ainda maior,
havia o fato de que Musk precisava encerrar a conversa para ir a
Washington. Ele tinha uma reunião marcada com altas autoridades
governamentais na capital sobre um assunto extremamente sigiloso, que
envolvia o lançamento de satélites da SpaceX.
***
Filtro de visibilidade
Taibbi e Weiss chamaram uns poucos colegas para ajudar, e montaram
acampamento no bunker sem janelas do Twitter, que sempre tinha no ar
o cheiro derivado da falta de banho dos mosqueteiros e de comida
tailandesa. James e Ross, que ajudavam as duas a usar as ferramentas
digitais de busca, estavam trabalhando 24 horas por dia, e a impressão
era a de que os olhos deles iam saltar para fora do rosto. Em certas
noites, Musk ia até lá, comia restos de refeições e dava início a longos
discursos.
Enquanto estava fuçando e-mails antigos e comentários de
funcionários do Twitter no Slack, Weiss se perguntou o que ela ia achar
se alguém lesse as mensagens pessoais antigas dela. Isso fez com que ela
sentisse que estava fazendo algo errado. Ross sentia os mesmos
melindres. “Para ser franco, eu queria manter a maior distância possível
do que eles estavam fazendo”, comenta ele. “Eu estava meio que
tentando ajudar, mas não queria estar envolvido demais. Não sou uma
pessoa muito envolvida com política, e parecia que tinha todo tipo de
merda escrita ali.”
***
Uma reportagem que Weiss e sua equipe escreveram com base nos
Twitter Files descrevia o que era conhecido como “filtro de visibilidade”,
a prática de diminuir o acesso a certos tuítes ou usuários reduzindo a
exposição nos primeiros lugares das buscas e impedindo que
aparecessem nos trending topics. Em extremo, essa era uma prática
conhecida como shadow banning, em que os usuários podiam fazer os
posts e vê-los, mas eles jamais seriam informados de que esses tuítes
ficavam invisíveis para todos os demais usuários.
O Twitter não praticava shadow banning no sentido técnico, mas
usava filtros de visibilidade. Em discussões com Yoel Roth, o próprio
Musk tinha adotado a ideia como uma alternativa ao banimento puro e
simples de usuários, e ele tinha elogiado a política semanas antes:
“Tuítes negativos/de ódio terão a visibilidade reduzida e serão
desmonetizados; portanto, nada de anúncios ou de outras receitas no
Twitter. Você só vai encontrar esse tuíte se procurar.”
O problema surgiu quando o filtro de visibilidade foi usado com viés
político. Weiss concluiu que os moderadores do Twitter eram mais
agressivos na supressão de tuítes de direita. “O Twitter mantinha uma
lista secreta, com equipes de funcionários que tinham como tarefa
suprimir a visibilidade de contas ou indivíduos vistos como indesejáveis”,
escreveram Weiss e a equipe dele. Além disso, o Twitter, assim como
muitas instituições de mídia e educação, haviam tornado mais estritas as
definições do que era um discurso aceitável. “As pessoas encarregadas
dessas instituições aplicaram os novos parâmetros, e expandiram as
definições de palavras como ‘violência’, ‘dano’ e ‘segurança’.”
A covid era um caso interessante. Em um dos extremos havia
desinformações médicas claramente danosas, como o incentivo a falsas
curas e a práticas que podiam levar à morte de pessoas. Entretanto,
Weiss descobriu que o Twitter estava disposto a suprimir postagens que
não se adequavam aos pronunciamentos oficiais, incluídos assuntos
válidos, como a discussão sobre se as vacinas com base em RNA
mensageiro podiam causar problemas cardíacos, se o uso obrigatório de
máscaras funcionava e se o vírus tinha surgido de um teste de
laboratório na China que acabou vazando.
O Twitter colocou o professor Jay Bhattacharya, de Stanford, por
exemplo, na lista proibida dos Trends, o que significava que a
visibilidade dos posts fora reduzida. Ele tinha organizado um manifesto
de alguns cientistas o qual dizia que o confinamento e o fechamento de
escolas trariam mais prejuízos do que benefícios, um ponto de vista
controverso que depois se verificou ter certa validade. Quando Weiss
descobriu como Bhattacharya foi suprimido, Musk mandou uma
mensagem para ele. “Olá. Você pode vir à sede do Twitter esta semana
para que a gente mostre o que o Twitter 1.0 fez?” Musk, que tinha
visões semelhantes sobre o confinamento durante a covid, e
Bhattacharya conversaram por quase uma hora.
***
@elonjet
Se tem uma coisa que certamente deixa Musk enlouquecido é uma
ameaça ao filho dele de 2 anos, X, seu companheiro de todas as horas e
alegre fonte de energia. Numa noite de quinta-feira em dezembro, em
meio ao escândalo dos Twitter Files, Musk percebeu que essa ameaça
tinha ocorrido, e os ecos dessa situação abalaram as fundações de sua
proclamada batalha pela liberdade de expressão.
Um sujeito que vinha stalkeando Grimes havia muito tempo ficou de
tocaia durante um dia todo na rua onde ficava a casa em que ela e Musk
estavam hospedados na região de Los Angeles, e, em certo momento,
dizem, ele seguiu um carro dirigido por um dos integrantes da segurança
de Musk, que levava X e a babá para um hotel ali perto. O segurança
parou em um posto de gasolina, confrontou o motorista e fez um vídeo
dele trajado como ninja, com luvas e máscara. O sujeito ou pulou sobre
o capô do carro ou tentou subir nele quando foi encurralado (os detalhes
não são claros), e, quando a polícia chegou, não prendeu ninguém. Por
meio do vídeo que Musk postou, o The Washington Post rastreou o
sujeito, que disse ao jornal acreditar que Grimes estava mandando
mensagens cifradas para ele em seus posts no Instagram. Musk tuitou:
“Ontem à noite, um carro levando o pequeno X em LA foi seguido por
um stalker maluco (achando que era eu), que depois bloqueou o carro
impedindo a passagem e subiu no capô.”
Musk achava que o stalker tinha conseguido encontrar o lugar onde
ele e Grimes estavam hospedados por causa de uma conta no Twitter
chamada @elonjet, alimentada por um aluno chamado Jack Sweeney,
que postava em tempo real decolagens e aterrissagens do jato de Musk,
com base em informações públicas de voos. A conexão era obscura:
Musk tinha pousado em Los Angeles um dia antes, mas Grimes disse
que foi aí que ela começou a perceber o carro montando tocaia do lado
de fora.
Havia muito tempo que Musk andava irritado com a conta @elonjet,
que ele considerava uma invasão de privacidade e algo que o colocava em
risco. Em abril, quando estava pensando em comprar o Twitter, ele
discutiu a situação em um jantar com amigos e a família em Austin, e
tanto Grimes quanto a mãe dele defenderam de modo enfático que ele
devia banir a conta. Musk concordou, mas não fez isso quando assumiu
o Twitter. “Meu compromisso com a liberdade de expressão se estende
inclusive a não banir a conta que segue o meu avião, embora isso seja um
risco de segurança pessoal”, tuitou no início de novembro.
Isso impressionou Bari Weiss, mas, quando estava montando seu
primeiro fio do Twitter Files, ela descobriu que Musk tinha feito com
@elonjet aquilo que o antigo regime do Twitter fizera com parte da
extrema direita: @elonjet estava passando por um rigoroso “filtro de
visibilidade” para que não aparecesse nas buscas. Ela ficou decepcionada,
pois parecia hipocrisia. Então, depois do incidente que envolveu X,
Musk tomou a decisão unilateral de suspender @elonjet de uma vez. Ele
justificou a ação dizendo que o Twitter passara a ter uma regra contra
apontar a localização de pessoas.
Pior ainda, especialmente do ponto de vista de tornar o site um porto
seguro para a liberdade de expressão, Musk suspendeu arbitrariamente
um punhado de jornalistas que escreveram sobre o que ele havia feito
com @elonjet. A justificativa que dera foi a de que as reportagens
tinham feito links para a conta @elonjet e, desse modo, também estavam
alavancando a exposição dela, mas na verdade a conta @elonjet não
estava disponível e os links só levavam a uma página que dizia “Conta
suspensa”. Por isso, parecia que Musk tinha agido em parte por
ressentimento, em retaliação a jornalistas cujas matérias eram críticas a
ele — nesse grupo estavam Ryan Mac, do The New York Times, Drew
Harwell e Taylor Lorenz, do The Washington Post, e pelo menos outros
oito.
Weiss, que continuava trabalhando no bunker para produzir mais
reportagens sobre os Twitter Files, se encontrou numa situação difícil.
“Ele estava fazendo exatamente as coisas que dizia desprezar nos antigos
donos do Twitter”, afirma ela. “Algumas pessoas que ele estava
expulsando eram meus maiores algozes no Twitter. Eu não gosto nem
um pouco de algumas dessas pessoas. Mas a minha impressão era a de
que ele estava traindo as coisas que dizia querer para o Twitter: que a
rede fosse uma praça pública sem qualquer viés. E, de um ponto de vista
puramente estratégico, ele estava transformando um bando de cretinos
em mártires.”
Weiss mandou uma mensagem privada para Musk no Signal: “Ei, o
que está acontecendo aqui?”
“Eles violaram a minha privacidade e revelaram a localização do meu
avião”, respondeu ele. “Eles atacaram meu filho.”
Weiss discutiu o assunto com alguns dos outros jornalistas no bunker,
mas em última instância ela era a única que estava disposta a falar do
assunto. “Não tem como você ser jornalista e ver jornalistas serem
expulsos do Twitter e não dizer nada”, comenta ela. “Eu ainda me
importo com princípios.” Ela sabia que isso podia significar perder
acesso para continuar as reportagens sobre os Twitter Files. E, como
disse brincando para Nellie Bowles: “Acho que o Elon nunca vai doar
esperma para a gente depois disso.”
“O antigo regime do Twitter era orientado por seus próprios
caprichos e vieses, e sem dúvida parece que o novo regime sofre do
mesmo problema”, tuitou Weiss na manhã de 16 de dezembro, um dia
depois de os jornalistas serem expulsos. “Eu me oponho em ambos os
casos.”
“Em vez de ir atrás da verdade com rigor”, respondeu Musk via
Twitter, “você está fingindo ser virtuosa para mostrar à elite da imprensa
que é ‘boazinha’, para manter um pé em cada barco”. Depois disso, ele
restringiu o acesso dela aos Twitter Files.
Twitter Spaces
“Isso é loucura”, disse por mensagem Jason Calacanis a David Sacks
sobre a decisão de Musk de suspender jornalistas. “Isso vai arruinar a
atenção dada aos Twitter Files. A gente tem que reverter isso.” Por isso,
os dois enviaram mensagens a Musk. “Você tem que deixar esse pessoal
voltar.” Musk foi evasivo.
Em meio às trocas de mensagens, Calacanis percebeu que no Twitter
Spaces, o lugar em que os usuários podem organizar discussões em
áudio, muitas pessoas estavam falando sobre o assunto. Dois dos
jornalistas suspensos, Drew Harwell, do Post, e Matt Binder, do
Mashable, estavam participando. Embora estivessem proibidos de postar,
o software do Twitter não tinha impedido que eles participassem da
conversa em áudio, contou Calacanis a Musk, que surpreendeu os
participantes ao ir ao Spaces (onde falou em tom muito defensivo e
ríspido) e entrar na conversa. A história logo se espalhou, e em questão
de minutos havia 30 mil usuários ouvindo.
Quando a organizadora, a repórter do BuzzFeed News Katie
Notopoulos, pediu que Musk explicasse as suspensões, ele disse que o
motivo eram os links para páginas que o haviam exposto. “Você está
sugerindo que nós dissemos a sua localização, e isso não é verdade”,
disse Harwell. “Eu nunca postei seu endereço.”
“Você postou um link para o endereço”, respondeu Musk.
“Nós postamos links para @elonjet, que não está mais on-line”, disse
Harwell. Ele acusou Musk de “usar exatamente a mesma técnica de
bloqueio de links que tinha criticado como parte da reportagem do New
York Post sobre Hunter Biden”.
Musk se irritou e desapareceu da sessão. Minutos depois, o Twitter
abruptamente encerrou a conversa. Na verdade, o Spaces foi fechado por
um dia para tornar impossível que usuários suspensos participassem das
conversas. “Estamos consertando um bug que herdamos”, tuitou Musk
sobre o fechamento do Spaces. “Deve estar funcionando amanhã.”
Musk logo percebeu que tinha ido longe demais, e procurou um
modo de reverter as próprias ordens. Ele postou uma enquete em que
perguntava aos usuários se jornalistas barrados do Twitter deviam ter as
contas restauradas. Mais de 58% dos 3,6 milhões de votos disseram que
sim. As contas foram reintegradas.
Processe/Fauci
À medida que a controvérsia se desenrolava, Musk se alternava entre a
irritação e o modo brincalhão. Numa noite, sentado na sala de
conferências do bunker com Weiss, parte dos colegas dela e James, ele
começou a brincar com a prática das pessoas de postar seus pronomes.
Alguém brincou que os de Musk deviam ser “Processe/Fauci”. Houve
uns poucos risos nervosos — Weiss admite que não queria desafiar
Musk naquele momento —, e Musk começou a rir. Ele repetiu a piada
três vezes. Então, lá pelas três da manhã, tuitou por impulso: “Meus
pronomes são Processe/Fauci.” Não fazia muito sentido, não era
engraçado, e conseguiu, com apenas cinco palavras, tirar sarro de pessoas
trans, conjurar conspirações sobre uma autoridade da área de saúde
pública que tinha 81 anos, Anthony Fauci, assustar mais anunciantes e
criar mais um punhado de novos inimigos que jamais iriam comprar
Teslas.
O irmão dele esteve entre os que se sentiram ultrajados. “Que merda
é essa, cara, você está falando de um senhorzinho que só estava tentando
descobrir o que fazer durante a covid”, disse Kimbal a ele. “Isso não é
legal.” Até Jay Bhattacharya, o professor de Stanford cujas críticas às
políticas de Fauci o levaram a ser filtrado pelo Twitter, criticou a
postagem: “Acho que Fauci cometeu erros graves. Mas acho que o certo
não é um processo contra ele, e sim que ele entre para a posteridade por
ter cometido esses erros.”
O tuíte sobre Fauci não era um mero exemplo em que Musk estava
expressando sentimentos antiwoke e ligados à direita. Em certos
momentos, ele parecia estar à beira de caminhos perigosos que levavam
a teorias da conspiração, as quais envolvem forças sinistras que agem na
elite global. Era o labo B das especulações espirituosas dele sobre
estarmos, na verdade, vivendo em uma simulação. Quando estava em
seus humores mais sombrios, ele imaginava que por trás de nossa
realidade havia forças conspiratórias nefastas, como em Matrix. Ele
retuitou comentários de Robert Kennedy Jr., por exemplo, um ardoroso
crítico das vacinas, o qual alegava que a CIA tinha assassinado o tio
dele, o presidente. Depois do tuíte de Musk sobre Fauci, Kennedy
postou: “Fauci comprou a omertà dos virologistas globalmente com um
total de 37 bilhões de dólares de pagamentos anuais em verbas para
pesquisas. Com o responsável por fazer os pagamentos fora de cena, as
ortodoxias irão se desfazer.”
“Precisamente”, respondeu Musk. Ele posteriormente seria anfitrião
de um Twitter Spaces com Kennedy quando ele decidiu concorrer à
presidência contra Biden.
***
Como sempre, havia ecos incômodos do pai dele. Errol vinha falando de
teorias da conspiração sobre a covid havia mais de dois anos. “Esse cara
precisa ser demitido!”, disse ele sobre Fauci no Facebook em abril de
2020. Naquele mesmo ano, alegou que Bill Gates soube da covid seis
meses antes de o vírus se espalhar, e negociou um contrato de 100
bilhões de dólares para rastrear a epidemia. Em 2021, ele se tornou um
negacionista completo das vacinas contra a covid, da derrota de Trump
nas eleições e dos ataques terroristas do 11 de Setembro. “Por todas as
informações a que estamos tendo acesso, parece que os ataques do 11 de
Setembro foram uma armação, e as provas são muito contundentes”,
alegou ele. Poucas semanas antes de Elon dar início aos Twitter Files,
Errol postou um ataque no Facebook em que dizia que a covid era “uma
mentira”. Ele disse sobre as vacinas: “Se você é burro o bastante para
tomar a injeção, e especialmente os reforços, você vai morrer em breve.”
Depois que os Twitter Files foram publicados, Errol mandou para o
filho mais uma mensagem não solicitada: “A Esquerda (ou gângsteres)
precisa ser detida. A civilização corre risco.” A eleição tinha sido
roubada de Trump, e era “essencial” deixar que ele voltasse ao Twitter.
“Ele é nosso único raio de luz.” Ele então aconselhou o filho a se
lembrar da lição que ele aprendera na infância nos parquinhos da África
do Sul. “Tentar apaziguar os bandidos é inútil. Quanto mais você tenta,
menos eles têm medo de você ou te respeitam. Bata com força neles, ou
bata com força em qualquer um, e eles vão te respeitar.”
Elon nunca viu as mensagens. Numa tentativa de expurgar os
demônios do pai, ele tinha mudado o endereço de e-mail, e nunca deu o
novo para Errol.
Queda
Quando Yoel Roth pediu demissão do Twitter, em novembro, tinha
como maior preocupação a possibilidade de que Musk jogasse contra ele
uma turba de usuários do Twitter que pudessem lhe colocar em risco a
segurança. No começo, parecia ter sido poupado. Depois, porém,
quando os e-mails e as mensagens de Slack foram divulgadas nos
Twitter Files em dezembro, Musk mirou em Roth seu lança-chamas.
Os Twitter Files mostraram Roth discutindo como lidar com
questões como a história do laptop de Hunter Biden. A maioria dos
comentários dele era bem pensada, mas isso não impediu que houvesse
reações furiosas no Twitter. A certa altura, um usuário postou uma
mensagem que dizia: “Acho que posso ter encontrado o problema.” A
mensagem apontava para um post que Roth fez em 2010 que continha
um link, sem nenhum comentário, para um artigo de jornal que
perguntava se era errado que um professor fizesse sexo com um aluno de
18 anos de idade. “Isso explica muita coisa”, respondeu Musk. A partir
daí, Musk assumiu o comando do ataque. Ele tuitou uma imagem que
exibia um parágrafo da tese de doutorado de Roth na Universidade da
Pensilvânia, intitulada “Dados sobre gays”, que falava sobre modos como
sites de encontros para gays, como o Grindr, podiam lidar com usuários
menores de 18 anos de idade. Musk comentou: “Parece que o Yoel está
defendendo que crianças possam ter acesso a serviços de internet para
adultos.”
Roth não tinha nada a ver com pedofilia, mas as insinuações de Musk
levaram ao surgimento de conspiradores no estilo Pizzagate, que ficavam
nos cantos escuros do Twitter disparando uma onda de ataques
homofóbicos e antissemitas. Em seguida, um tabloide publicou o
endereço de Roth, o que o levou a se esconder. “Musk tomou a decisão
de compartilhar uma alegação difamatória de que eu apoio a pedofilia ou
sou conivente com ela”, declararia Roth posteriormente. “Precisei sair da
minha casa e vendê-la. Essas são as consequências desse tipo de assédio
e de discurso na internet.”
***
No domingo em que Musk causou ultraje com o tuíte sobre Fauci, ele
apareceu no bunker no Twitter e ofereceu aos mosqueteiros e a outras
pessoas ingressos para um show de comédia de Dave Chapelle naquela
noite. Até mesmo em um show de um comediante notoriamente
antiwoke, ficou evidente que os tuítes de Musk lhe acrescentaram uma
nova camada de dano à reputação. “Senhoras e senhores, uma salva de
palmas para o homem mais rico do mundo”, disse Chapelle ao convidar
Musk para o palco. Houve aplausos, mas também um coro de vaias.
“Parece que tem gente que você demitiu na plateia”, falou Chapelle. Para
tranquilizar Musk, ele brincou ao dizer que as vaias eram principalmente
de gente que tinha ficado em “lugares horríveis no teatro”.
Os tuítes erráticos de Musk prejudicaram ainda mais a relação do
Twitter com os anunciantes. Ele pediu uma conversa com David Zaslav,
o CEO da Warner Bros. Discovery, e eles conversaram por mais de uma
hora. Zaslav disse que Musk estava agindo de modo autodestrutivo, o
que tornava difícil atrair novas marcas. Ele devia se concentrar em
melhorar o produto acrescentando a possibilidade de postar vídeos mais
longos e fazendo com que os anúncios fossem mais eficientes.
Essa situação chegou inclusive a afetar a Tesla. As ações da empresa
tinham caído para 156 dólares, sendo que estavam em 340 dólares
quando ele anunciou pela primeira vez seu interesse no Twitter. Na
reunião em Austin em 14 de dezembro, o conselho da Tesla,
normalmente muito solícito, disse a Musk que as controvérsias do
Twitter estavam prejudicando a marca da Tesla. Musk respondeu
dizendo que os números de vendas iam mal no mundo todo, inclusive
nos lugares em que as pessoas não estavam prestando atenção às
controvérsias, e isso se devia principalmente a fatores macroeconômicos.
Contudo, tanto Kimbal quanto o presidente do conselho, Robyn
Denholm, continuaram pressionando, dizendo que o comportamento
dele era um fator. “O elefante gigantesco na sala era ele agindo como um
idiota”, afirma Kimbal.
capítulo 92
Travessuras natalinas
Dezembro de 2022
***
Natal em família
Tarde da noite na véspera de Natal, com o cessar-fogo temporário no
data center de Sacramento, Musk convidou James e Andrew, cujos
planos de esquiar tinham ido por água abaixo, a ir a Boulder e passar o
Natal com Kimbal e a família. Christiana correu para comprar presentes
e brindes para as meias dos dois convidados inesperados. Kimbal
cozinhou rosbife e fez um pudim Yorkshire de trinta centímetros. O
filho de Elon, Damian, que também era um chef ávido, fez um prato
com batatas. X brincou com um foguete de pressão, fazendo a contagem
regressiva, e pisou no botão para lançá-lo. James e Andrew mergulharam
na banheira de hidromassagem para relaxar.
A visita era uma chance para Kimbal ter uma conversa séria com o
irmão sobre como, desde o acordo com o Twitter, ele estava
descontrolado. Um ano antes, ele havia sido escolhido a Personalidade
do Ano e o homem mais rico do mundo, e naquele momento não era
mais nenhum dos dois. Parecia uma situação semelhante à que
aconteceu em 2018, e era hora de mais um aviso de segurança. Você está
fazendo inimigos a uma velocidade perigosa e em níveis perigosos, disse
Kimbal. “É como na época do ensino médio, quando você apanhava o
tempo todo.”
Kimbal chegou a questionar se Elon queria permanecer como CEO
da Tesla. A empresa enfrentava problemas e ele não estava dando
atenção a isso. “Por que você não deixa de ser CEO?”, perguntou
Kimbal. Elon não estava pronto para responder a isso.
Havia também o problema de seus tuítes tarde da noite. Kimbal havia
parado de seguir Elon no Twitter porque era estressante demais. Elon
admitiu que o tuíte sobre Paul Pelosi foi um erro. Ele não havia
percebido que a história que viu on-line sobre o michê não era de um
site confiável. “Você é um idiota”, disse Kimbal. “Pare de cair nessas
coisas idiotas.” O mesmo valia para o tuíte dele sobre Fauci. “Não é
certo. Não é engraçado. Você não pode fazer essas merdas.” Kimbal
também criticou James e Andrew por incentivá-lo. “Isso não está certo,
gente. Não está certo.”
Um assunto que eles não discutiram foi o Twitter como empresa.
Quando Elon comentou, Kimbal se recusou a falar sobre isso. “Eu não
me importo com o Twitter”, disse ele. “É só uma espinha na bunda
comparado ao impacto que você deveria causar no mundo.” Elon
discordou, mas os dois não discutiram.
Uma tradição de Natal de Kimbal e Christiana era pedir a todos que
refletissem sobre uma pergunta. Naquele ano foi “Quais
arrependimentos você tem?”. “Meu principal arrependimento”,
respondeu Elon, “é a frequência com que eu enfio o garfo na minha
perna, atiro no meu meu pé e enfio a faca no meu olho”.
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Véspera de Ano-Novo
Musk precisava muito descomprimir. Ele não era bom em tirar férias,
mas algumas vezes fugia por dois ou três dias no ano para Lanai, no
Havaí, e ficava em uma das casas de seu mentor, Larry Ellison, como
havia feito em abril quando decidiu comprar o Twitter. No fim de
dezembro, foi para lá com Grimes e X.
Ellison havia construído recentemente na ilha um observatório
astronômico com domo e um telescópio de espelho de um metro que
pesava 1,4 tonelada. Musk pediu que ele fosse apontado para Marte.
Depois de olhar no visor por um tempo em silêncio, chamou X e o
levantou para ver. “Veja isso”, disse. “É aí que você um dia vai morar.”
Depois Musk, Grimes e X voaram até Cabo San Lucas, no México,
para celebrar um bem-vindo fim de um tumultuado 2022 com Kimbal e
família. Os quatro filhos mais velhos de Musk estavam lá, assim como
todos os filhos do irmão. “Fazia bem para nosso sistema nervoso
estarmos juntos”, diz Kimbal. “Somos uma família muito complexa e é
muito raro todo mundo estar feliz ao mesmo tempo.”
Desde a compra do Twitter, Musk estava no modo guerra, com a
mentalidade que havia lhe permeado a infância e criado ressentimentos
facilmente desencadeados — de quem está com a mente em estado de
sítio. Os pés dele estavam pesados, a linguagem corporal, feroz e a
postura, tensa, pronta para a batalha. Apesar disso, as reuniões de
família produziam alguns períodos de calma intermitente. Na primeira
noite em Cabo, ele foi jantar só com Kimbal, Kai e Antonio Gracias em
um restaurante muito tranquilo. No dia seguinte, jogaram jogos de
tabuleiro e assistiram a filmes. O que Musk escolheu era o drama de
ação de 1993 O Demolidor, no qual Sylvester Stallone é um policial
apaixonado por perigo que desempenha o papel com tanta intensidade
que causa enormes danos colaterais. Ele achou engraçado.
Houve uma festa comunitária para celebrar a véspera do Ano-Novo,
que culminou com a contagem regressiva tradicional à meia-noite.
Depois dos abraços e fogos de artifício, Musk ficou com o olhar vazio e
fixo em algo a distância. Os amigos sabiam que não deveriam
interromper quando ele estava nesses transes, mas Christiana colocou a
mão nas costas dele e perguntou se estava tudo bem. Ele ficou em
silêncio por mais um minuto. “Temos que colocar a Starship em órbita”,
disse ele finalmente. “Precisamos colocar a Starship em órbita.”
capítulo 93
IA para carros
Tesla, 2022-2023
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Elon Musk permitiu que eu o seguisse por dois anos, me convidou para
participar de reuniões, concedeu dezenas de entrevistas e conversas tarde
da noite, me forneceu e-mails e mensagens de celular e incentivou os
colegas, a família, adversários e ex-esposas a falar comigo. Ele não me
pediu para ler, nem leu, o livro antes de ser publicado e não exerceu
nenhum tipo de controle sobre a obra.
Sou grato a todas as pessoas citadas nas fontes que me concederam
entrevistas. Gostaria de destacar algumas que me ajudaram em especial,
cederam fotos e me direcionaram: Maye Musk, Errol Musk, Kimbal
Musk, Justine Musk, Claire Boucher (Grimes), Talulah Riley, Shivon
Zilis, Sam Teller, Omead Afshar, James Musk, Andrew Musk, Ross
Nordeen, Dhaval Shroff, Bill Riley, Mark Juncosa, Kiko Dontchev, Jehn
Balajadia, Lars Moravy, Franz von Holzhausen, Jared Birchall e
Antonio Gracias.
Crary Pullen foi a intrépida editora de fotografia, papel que já exerceu
em muitos dos meus livros anteriores. Todos foram publicados pela
Simon & Schuster, que terá para sempre minha lealdade, por seus
valores e pela grande equipe: Priscilla Painton, Jonathan Karp, Hana
Park, Stephen Bedford, Julia Prosser, Marie Florio, Jackie Seow, Lisa
Rivlin, Kris Doyle, Jonathan Evans, Amanda Mulholland, Irene
Kheradi, Paul Dippolito, Beth Maglione e o espírito sempre presente da
falecida Alice Mayhew. Judith Hoover, mesmo aposentada, atendeu a
meu pedido para mais uma vez fazer o copidesque. Quero também
agradecer à minha agente, Amanda Urban, assim como a suas colegas
internacionais Helen Manders e Peppa Mignone, e à minha assistente
em Tulane, Lindsey Billips.
E, como sempre, a Cathy e Betsy.
fontes
entrevistas
Omead Afshar. Homem de confiança de Musk.
Parag Agrawal. Ex-CEO do Twitter.
Deepak Ahuja. Ex-CFO da Tesla.
Sam Altman. Cofundador da OpenAI com Musk.
Drew Baglino. Vice-presidente sênior da Tesla.
Jehn Balajadia. Assistente de Musk.
Jeremy Barenholtz. Chefe de software de interfaces com o cérebro da
Neuralink.
Melissa Barnes. Ex-vice-presidente do Twitter para a América Latina e
o Canadá.
Leslie Berland. Ex-diretora de marketing do Twitter.
Kayvon Beykpour. Ex-chefe de produto no Twitter.
Jeff Bezos. Fundador da Amazon.
Jared Birchall. Gestor dos negócios pessoais de Musk.
Roelof Botha. Ex-CFO da PayPal, sócio da Sequoia Capital.
Claire Boucher (Grimes). Artista performática, mãe de três dos filhos
de Musk.
Nellie Bowles. Jornalista do Common Sense, esposa de Bari Weiss.
Richard Branson. Fundador da Virgin Galactic.
Elissa Butterfield. Ex-assistente de Musk.
Tim Buzza. Ex-vice-presidente de lançamento da SpaceX.
Jason Calacanis. Empreendedor, amigo de Musk.
Gage Coffin. Ex-engenheiro de produção da Tesla.
Esther Crawford. Ex-diretora de gestão de produto do Twitter.
Larry David. Comediante e escritor.
Steve Davis. Presidente da The Boring Company.
Tejas Dharamsi. Engenheiro de software do Twitter.
Thomas Dmytryk. Engenheiro de software da Tesla.
John Doerr. Investidor de risco.
Kiko Dontchev. Vice-presidente de lançamento da SpaceX.
Brian Dow. Ex-diretor da Tesla Energy.
Mickey Drexler. Ex-CEO da J.Crew e The Gap.
Phil Duan. Engenheiro do Autopilot da Tesla.
Martin Eberhard. Confundador da Tesla.
Blair Efron. Banqueiro de investimentos.
Ira Ehrenpreis. Membro do conselho da Tesla.
Larry Ellison. Cofundador da Oracle.
Ashok Elluswamy. Diretor do software Autopilot da Tesla.
Ari Emanuel. CEO da Endeavor.
Navaid Farooq. Amigo de Musk na Queen’s University.
Nyame Farooq. Esposa de Navaid Farooq.
Joe Fath. Gerente de portfólio da T. Row Price.
Lori Garver. Ex-vice-administrador da NASA.
Bill Gates. Cofundador da Microsoft.
Rory Gates. Filho de Bill Gates.
David Gelles. Repórter do The New York Times.
Bill Gerstenmaier. Vice-presidente de confiabilidade de voo da SpaceX.
Kunal Girotra. Ex-diretor da Tesla Energy.
Juleanna Glover. Consultora de relações públicas, Washington, D.C.
Antonio Gracias. Amigo de Musk e investidor.
Michael Grimes. Diretor de gestão do Morgan Stanley.
Trip Harriss. Gestor de operações do ponto de lançamento da SpaceX.
Demis Hassabis. Cofundador da DeepMind.
Amber Heard. Atriz, ex-namorada de Musk.
Reid Hoffman. Cofundador do LinkedIn e da PayPal.
Ken Howery. Cofundador da PayPal e amigo de Musk.
Lucas Hughes. Ex-diretor financeiro da SpaceX.
Jared Isaacman. Empreendedor e comandante da Inspiration4.
RJ Johnson. Ex-diretor da Tesla Energy.
Mark Juncosa. Principal assistente de Musk na SpaceX.
Steve Jurvetson. Investidor e amigo de Musk.
Nick Kalayjian. Ex-vice-presidente de engenharia da Tesla.
Ro Khanna. Congressista pelo Partido Democrata na Califórnia.
Hans Koenigsmann. Engenheiro veterano da SpaceX.
Milan Kovac. Diretor de engenharia do software Autopilot da Tesla.
Andy Krebs. Ex-diretor de engenharia civil da Starship da SpaceX.
Joe Kuhn. Engenheiro mecânico da The Boring Company e Tesla.
Bill Lee. Investidor e amigo de Musk.
Max Levchin. Cofundador da PayPal.
Jacob McKenzie. Diretor sênior de engenharia do Raptor, SpaceX.
Jon McNeill. Ex-presidente da Tesla.
Lars Moravi. Vice-presidente de engenharia de veículos da Tesla.
Michael Moritz. Investidor.
Dave Morris. Diretor de design sênior da Tesla.
Rich Morris. Vice-presidente de produção e lançamento da SpaceX.
Marcus Mueller. Gestor sênior da Tesla Energy.
Tom Mueller. Funcionário fundador e projetista de motores da SpaceX.
Andrew Musk. Primo-irmão de Musk.
Christiana Musk. Esposa de Kimbal Musk.
Elon Musk.
Errol Musk. Pai de Musk.
Griffin Musk. Filho de Musk.
James Musk. Primo-irmão de Musk.
Justine Musk. Primeira esposa de Musk e mãe de cinco filhos dele.
Kimbal Musk. Irmão de Musk.
Maye Musk. Mãe de Musk.
Tosca Musk. Irmã de Musk.
Bill Nelson. Administrador da NASA.
Peter Nicholson. Ex-vice-presidente sênior do Scotiabank e mentor de
Musk
Ross Nordeen. Engenheiro de software na Tesla e mosqueteiro no
Twitter.
Luke Nosek. Investidor e amigo de Musk.
Sam Patel. Diretor de operações da Starship, SpaceX.
Chris Payne. Engenheiro de software do Autopilot da Tesla.
Janet Petro. Diretora do Kennedy Space Center, Cabo Canaveral.
Jow Petrzelka. Vice-presidente de engenharia da Starship, SpaceX.
Henrik Pfister. Designer automotivo.
Yoni Ramon. Diretor de segurança da Tesla.
Robin Ren. Amigo íntimo de Musk na Penn e ex-diretor da Tesla na
China.
Adeo Ressi. Amigo íntimo de Musk na Penn.
Bill Riley. Diretor sênior da SpaceX.
Talulah Riley. Atriz e segunda esposa de Musk.
Peter Rive. Primo-irmão de Musk.
Ben Rosen. Investidor.
Yoel Roth. Ex-diretor de segurança e moderação do Twitter.
David Sacks. Cofundador da PayPal, amigo íntimo de Musk e
investidor.
Alan Salzman. Um dos primeiros investidores da Tesla.
Ben San Souci. Engenheiro de software do Twitter.
Joe Scarborough. Âncora, MSNBC.
DJ Seo. Cofundador da Neuralink.
Brad Sheftel. Parceiro de Antonio Gracias.
Gwynne Shotwell. Presidente da SpaceX.
Dhaval Shroff. Engenheiro de software da Tesla e mosqueteiro no
Twitter.
Mark Soltys. Engenheiro de princípios de lançamento da SpaceX.
Alex Spiro. Advogado de Musk.
Christopher Stanley. Vice-presidente sênior de engenharia de segurança
da Tesla e da SpaceX.
Robert Steel. Banqueiro de investimentos.
JB Straubel. Cofundador da Tesla.
Anand Swaminathan. Engenheiro do Optimus, Tesla.
Jessica Switzer. Ex-conselheira de relações públicas da Tesla.
Feliz Sygulla. Engenheiro do Optimus, Tesla.
Marc Tarpenning. Cofundador da Tesla.
Sam Teller. Ex-conselheiro de Musk.
Peter Thiel. Cofundador da PayPal e investidor.
Jim Vo. Gerente de construção da Starship, SpaceX.
Franz von Holzhausen. Chefe de design da Tesla.
Tim Watkins. Parceiro de Antonio Gracias e líder da equipe da SWAT
da Tesla.
Bari Weiss. Jornalista do The Free Press.
Rodney Westmoreland. Diretor de infraestrutura da Tesla.
Linda Yaccarino. Ex-diretora comercial da NBC Universal; CEO do
Twitter.
Tim Zaman. Engenheiro de IA, Tesla Autopilot.
David Zaslav. CEO da Warner Bros. Discovery.
Shivon Zilis. Gestora da Neuralink e mãe de dois filhos de Musk.
livros
Eric Berger, Liftoff (William Morrow, 2021)
Max Chafkin, The Contrarian (Penguin, 2021)
Christian Davenport, The Space Barons (Public Affairs, 2018)
Tim Fernholz, Rocket Billionaires (Houghton Mifflin Harcourt, 2018)
Lori Garver, Space Pirates (Diversion, 2022
Tim Higgins, Power Play (Doubleday, 2021)
Hamish McKenzie, Insane Mode (Dutton, 2018)
Maye Musk, A Woman Makes a Plan (Penguin, 2019)
Edward Niedermeyer, Ludicrous (BenBella, 2019)
Jimmy Soni, The Founders (Simon&Schuster, 2022)
Ashlee Vance, Elon Musk (Intrínseca, 2015)
Ashlee Vance, When the Heavens Went on Sale (Ecco, 20223)
notas