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Copyright © 2023 by Walter Isaacson

título original
Elon Musk

copidesque
João Sette Câmara

revisão
Eduardo Carneiro
Theo Araújo

revisão técnica
Thássius Veloso

adaptação de projeto gráfico e de capa


Ilustrarte Design e Produção Editorial

fotos de capa
Frente: Art Streiber / AUGUST
Quarta capa: cortesia da @SpaceX

produção de e-book
Victor Huguet

e-isbn
978-65-5560-646-1

Edição digital: 2023

Todos os direitos desta edição reservados à


Editora Intrínseca Ltda.
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sumário

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Capa
Folha de rosto
Créditos
Mídias sociais
Epígrafe

prólogo: Musa de fogo


capítulo 1: Aventureiros
capítulo 2: Uma mente livre — Pretória, anos 1970
capítulo 3: A vida com o pai — Pretória, anos 1980
capítulo 4: A busca — Pretória, anos 1980
capítulo 5: Velocidade de escape — Deixando a África do Sul, 1989
capítulo 6: Canadá — 1989
capítulo 7: Queen’s — Kingston, Ontário, 1990-1991
capítulo 8: Penn — Filadélfia, 1992-1994
capítulo 9: Rumo a oeste — Vale do Silício, 1994-1995
capítulo 10: Zip2 — Palo Alto, 1995-1999
capítulo 11: Justine — Palo Alto, anos 1990
capítulo 12: X.com — Palo Alto, 1999-2000
capítulo 13: O golpe — PayPal, setembro de 2000
capítulo 14: Marte — SpaceX, 2001
capítulo 15: Homem-foguete — SpaceX, 2002
capítulo 16: Pais e filhos — Los Angeles, 2002
capítulo 17: Acelerando — SpaceX, 2002
capítulo 18: As regras de Musk para construir foguetes — SpaceX,
2002-2003
capítulo 19: O sr. Musk vai a Washington — SpaceX, 2002-2003
capítulo 20: Fundadores — Tesla, 2003-2004
capítulo 21: O Roadster — Tesla, 2004-2006
capítulo 22: Kwaj — SpaceX, 2005-2006
capítulo 23: Duas falhas — Kwaj, 2006-2007
capítulo 24: A Equipe da SWAT — Tesla, 2006-2008
capítulo 25: Assumindo a direção — Tesla, 2007-2008
capítulo 26: Divórcio
capítulo 27: Talulah
capítulo 28: Terceira falha
capítulo 29: No limite
capítulo 30: O quarto lançamento — Kwaj, agosto a setembro de 2008
capítulo 31: Salvando a Tesla — Dezembro de 2008
capítulo 32: Model S — Tesla, 2009
capítulo 33: Espaço privado — SpaceX, 2009-2010
capítulo 34: O lançamento do Falcon 9 — Cabo Canaveral, 2010
capítulo 35: Casando-se com Talulah — Setembro de 2010
capítulo 36: Produção — Tesla, 2010-2013
capítulo 37: Musk e Bezos — SpaceX, 2013-2014
capítulo 38: O falcão escuta o falcoeiro — SpaceX, 2014-2015
capítulo 39: A montanha-russa Talulah
capítulo 40: Inteligência artificial
capítulo 41: O lançamento do Autopilot — Tesla, 2014-2016
capítulo 42: Solar — Tesla Energy, 2004-2016
capítulo 43: The Boring Company
capítulo 44: Relações complicadas — 2016-2017
capítulo 45: Descida para a escuridão — 2017
capítulo 46: O inferno da fábrica de Fremont — Tesla, 2018
capítulo 47: Aviso de malha aberta — 2018
capítulo 48: Radioatividade — 2018
capítulo 49: Grimes — 2018
capítulo 50: Xangai — Tesla, 2015-2019
capítulo 51: Cybertruck — Tesla, 2018-2019
capítulo 52: Starlink — SpaceX, 2015-2018
capítulo 53: Starship — SpaceX, 2018-2019
capítulo 54: Dia da Autonomia — Tesla, abril de 2019
capítulo 55: Giga Texas — Tesla, 2020-2021
capítulo 56: Vida familiar — 2020
capítulo 57: A pleno vapor — SpaceX, 2020

capítulo 58: Bezos versus Musk, 2o round — SpaceX, 2021


capítulo 59: A onda da Starship — SpaceX, julho de 2021
capítulo 60: Onda solar — Verão de 2021
capítulo 61: Luzes apagadas — Verão de 2021
capítulo 62: Inspiration4 — SpaceX, setembro de 2021
capítulo 63: Mudanças no Raptor — SpaceX, 2021
capítulo 64: Nasce o Optimus — Tesla, agosto de 2021
capítulo 65: Neuralink — 2017-2020
capítulo 66: Pura visão — Tesla, janeiro de 2021
capítulo 67: Dinheiro — 2021-2022
capítulo 68: Pai do ano — 2021
capítulo 69: Política — 2020-2022
capítulo 70: Ucrânia — 2022
capítulo 71: Bill Gates — 2022
capítulo 72: Investidor ativo — Twitter, janeiro a abril de 2022
capítulo 73: “Fiz uma oferta” — Twitter, abril de 2022
capítulo 74: Quente e frio — Twitter, abril a junho de 2022
capítulo 75: Dia dos Pais — Junho de 2022
capítulo 76: Sacudida na Starbase — SpaceX, 2022
capítulo 77: Optimus Prime — Tesla, 2021-2022
capítulo 78: Incerteza — Twitter, julho a setembro de 2022
capítulo 79: Apresentação do Optimus — Tesla, setembro de 2022
capítulo 80: Robotáxi — Tesla, 2022
capítulo 81: “Vocês vão ter que aceitar” — Twitter, 26 e 27 de outubro
de 2022
capítulo 82: Tomando posse — Twitter, quinta-feira, 27 de outubro de
2022
capítulo 83: Os três mosqueteiros — Twitter, 26 a 30 de outubro de
2022
capítulo 84: Moderação de conteúdo — Twitter, 27 a 30 de outubro de
2022
capítulo 85: Halloween — Twitter, outubro de 2022
capítulo 86: Contas verificadas — Twitter, 2 a 10 de novembro de 2022
capítulo 87: Apostando tudo — Twitter, 10 a 18 de novembro de 2022
capítulo 88: Hardcore — Twitter, 18 a 30 de novembro de 2022
capítulo 89: Milagres — Neuralink, novembro de 2022
capítulo 90: Twitter Files — Twitter, dezembro de 2022
capítulo 91: Caminhos perigosos — Twitter, dezembro de 2022
capítulo 92: Travessuras natalinas — Dezembro de 2022
capítulo 93: IA para carros — Tesla, 2022-2023
capítulo 94: IA para humanos — X. AI, 2023
capítulo 95: O lançamento da Starship — SpaceX, abril de 2023
Agradecimentos
Fontes
Notas
Créditos das fotos
Sobre o autor
“A quem quer que eu tenha ofendido, só quero dizer que
reinventei os carros elétricos e estou enviando pessoas a
Marte num foguete espacial. Você acha que eu seria um
cara tranquilo, normal?”
— Elon Musk, Saturday Night Live, 8 de maio de 2021

“As pessoas que são loucas o suficiente para achar que


podem mudar o mundo são as que de fato o mudam.”
— Steve Jobs
prólogo
Musa de fogo
O parquinho
Em sua infância na África do Sul, Elon Musk conheceu a dor e
aprendeu a resistir a ela.
Aos 12 anos, foi levado de ônibus para um acampamento de
sobrevivência na selva conhecido como veldskool. “Era um Senhor das
Moscas paramilitar”, relembra ele. Cada criança recebia pequenas rações
de comida e água, e todas tinham permissão para lutar por elas — na
verdade, eram até incentivadas a isso. “O bullying era considerado uma
virtude”, diz o irmão mais novo de Elon, Kimbal. Os meninos maiores
logo aprenderam a socar os menores no rosto e pegar as coisas deles.
Elon, que era pequeno e inábil emocionalmente, foi espancado duas
vezes. Acabaria perdendo cinco quilos.
Perto do fim da primeira semana, os meninos foram divididos em
dois grupos e receberam ordens de se atacar. “Foi insano, inimaginável”,
lembra Musk. De tempos em tempos, algum dos meninos morria. Os
monitores usavam essas histórias como alertas. “Não seja imbecil como o
que morreu ano passado”, diziam. “Não seja um imbecil fracote.”
Na segunda vez que Elon foi para o veldskool, estava prestes a fazer 16
anos. Ele tinha crescido muito, espichara para quase 1,80 metro de
altura, com o corpo feito o de um urso, e aprendera um pouco de judô.
Dessa vez, o veldskool não foi tão ruim. “Percebi então que, se alguém
me enchesse o saco, eu podia dar um soco forte no nariz do cara, e aí
não me incomodavam mais. Eles podiam me encher de pancada, mas, se
eu acertasse um soco forte neles, não viriam mais atrás de mim.”

***

A África do Sul dos anos 1980 era um lugar violento, onde ataques com
metralhadoras e esfaqueamentos eram comuns. Certa vez, Elon e
Kimbal saíram de um trem a caminho de um show contra o apartheid e
tiveram que desviar de uma poça de sangue ao lado de um cadáver com
uma faca enfiada na cabeça. Pelo resto da noite, o sangue seco na sola
dos tênis deles fez barulho sempre que pisavam no chão.
A família Musk tinha pastores-alemães treinados para atacar qualquer
um que passasse perto da casa. Aos 6 anos, Elon estava correndo pela
entrada de carros e seu cachorro favorito o atacou, dando uma enorme
mordida em suas costas. No pronto-socorro, quando estavam se
preparando para dar os pontos, ele recusou o tratamento até que
prometessem que o cachorro não seria castigado. “Vocês não vão matar o
cachorro, vão?”, perguntou Elon. Eles juraram que não matariam. Ao
relembrar a história, Musk se detém e olha para o nada por muito
tempo. “Mas eles acabaram matando o cachorro a tiros.”
As experiências mais marcantes da vida dele aconteceram na escola.
Por muito tempo, Elon foi o menor e o mais novo da turma. Ele tinha
dificuldade em entender sinais sociais. A empatia não era algo natural, e
ele não tinha o desejo, nem o instinto, de tentar agradar. Como
resultado, era regularmente acossado por valentões, que se aproximavam
e davam socos no rosto dele. “Se você nunca levou um soco no nariz,
não tem ideia de como isso te afeta pelo resto da vida”, diz.
Certa manhã, quando todos os alunos estavam reunidos, um garoto
que brincava com um grupo de amigos esbarrou nele. Elon reagiu
empurrando o sujeito. Houve uma discussão. O menino e os amigos dele
foram atrás de Elon no intervalo e o encontraram comendo um
sanduíche. Eles se aproximaram por trás, deram-lhe um chute na cabeça
e o derrubaram escada abaixo. “Eles sentaram em cima do Elon e
simplesmente continuaram batendo e chutando a cabeça dele”, diz
Kimbal, que estava sentado junto ao irmão. “Quando terminaram, não
dava para reconhecê-lo. O rosto era uma bola de carne tão inchada que
quase não dava para ver os olhos.” Ele foi levado para o hospital e ficou
uma semana sem ir à escola. Décadas depois desse episódio, ele ainda se
submeteria a cirurgias corretivas para tentar consertar o nariz.
Aquelas cicatrizes, contudo, eram pequenas comparadas às cicatrizes
emocionais deixadas pelo pai, Errol Musk, um engenheiro carismático,
sonhador e trapaceiro que até hoje atormenta Elon. Depois da briga na
escola, Errol deu razão ao menino que acabou com o rosto do filho. “O
menino tinha acabado de perder o pai, que se suicidara, e Elon chamou
o garoto de burro”, diz Errol. “Elon tinha o hábito de chamar as pessoas
de burras. Como eu podia culpar aquela criança?”
Quando Elon finalmente recebeu alta e foi para casa, o pai o
repreendeu. “Tive que ficar em pé por uma hora enquanto ele gritava
comigo, me chamava de idiota e dizia que eu era um inútil”, recorda
Elon. Kimbal, que testemunhou a bronca, diz que é a pior lembrança de
sua vida. “Meu pai simplesmente perdeu o controle, surtou, como
frequentemente fazia. Ele não tinha compaixão.”
Tanto Elon quanto Kimbal, que não fala mais com o pai, dizem que a
alegação de Errol de que Elon teve culpa na agressão é absurda, e que o
agressor acabou sendo enviado para um centro de detenção juvenil por
aquilo. Eles dizem que o pai é um mentiroso instável, que
frequentemente conta histórias fantasiosas, às vezes mentiras calculadas
e outras, delirantes. Uma natureza meio O Médico e o Monstro, segundo
os dois. Em dado momento, era simpático; no instante seguinte,
começava uma série interminável de insultos. Errol encerrava todas as
agressões dizendo que Elon era patético. Elon tinha que ficar parado
ouvindo, sem permissão para sair. “Era tortura psicológica”, diz Elon,
que fica em silêncio por muito tempo e se emociona um pouco. “Ele
sabia perfeitamente como tornar tudo terrível.”
No dia em que liguei para Errol, ele conversou comigo por quase três
horas. Depois passou a ligar para mim com frequência e a mandar
mensagens de texto pelos dois anos seguintes. Estava ansioso para
descrever — com direito a fotos — as coisas boas que dera aos filhos,
pelo menos na época em que os negócios envolvendo engenharia iam
bem. Houve uma época em que ele dirigiu um Rolls-Royce, construiu
uma cabana na mata para os meninos e comprou esmeraldas brutas do
proprietário de uma mina na Zâmbia, até que o negócio faliu.
No entanto, Errol admite que incentivava uma dureza física e
emocional. “A vida deles comigo fazia o veldskool parecer bem
tranquilo”, diz ele, acrescentando que aquela violência era parte da
experiência educativa na África do Sul. “Dois seguravam você no chão
enquanto outro batia na sua cara, esse tipo de coisa. Quando trocavam
de escola, os meninos novos eram forçados a brigar com o valentão no
primeiro dia de aula.” Ele admite com orgulho que impunha “uma
autocracia urbana extremamente severa” aos meninos. Em seguida, faz
questão de acrescentar que “anos depois Elon iria aplicar a mesma
autocracia consigo mesmo e com os outros”.

“A adversidade me moldou”
“Alguém disse que todo homem tenta dar conta das expectativas do pai
ou corrigir os erros dele”, escreveu Barack Obama em seu livro de
memórias, “e acho que isso pode explicar o que eu vivi”. No caso de
Elon Musk, o impacto do pai na psique dele ia durar muito tempo,
apesar das muitas tentativas de expulsá-lo, tanto física quanto
psicologicamente. Seus humores alternavam ciclos que incluíam bons e
maus momentos, passando pelo modo intenso e engraçado, distante e
emotivo, com mergulhos ocasionais naquilo que os mais próximos
temiam e chamavam de “modo demoníaco”. Diferentemente do pai,
Elon era atencioso com os filhos, mas, em outros aspectos, seu
comportamento flertava com um perigo que precisava ser
constantemente combatido: o fantasma de que, como resume sua mãe,
“ele poderia se tornar igual ao pai”. Esse é um dos temas mais
recorrentes na mitologia. Até que ponto a saga do herói de Star Wars
exige que se exorcizem demônios legados por Darth Vader e se lute
contra o lado sombrio da Força?
“Com uma infância como a que ele teve na África do Sul, acho que é
preciso se fechar emocionalmente um pouco”, diz a primeira esposa,
Justine, mãe de cinco dos dez filhos vivos de Elon. “Se seu pai está
sempre te chamando de débil mental e idiota, talvez a única resposta seja
desligar dentro de si tudo que possa abrir uma dimensão emocional com
a qual não se tem capacidade de lidar.” Essa válvula interruptora de
emoções podia torná-lo insensível, mas também fez dele um inovador
sem medo de riscos. “Ele aprendeu a calar o medo”, diz ela. “Se você
cala o medo, talvez tenha que calar outras coisas também, como a alegria
e a empatia.”
O transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) da infância também
inculcou em Elon uma aversão ao contentamento. “Acho que ele não
sabe desfrutar o sucesso e sentir o perfume das flores”, comenta Claire
Boucher, a artista conhecida como Grimes, mãe de três dos outros filhos
dele. “Acho que ele aprendeu na infância que a vida é dor.” Musk
concorda. “A adversidade me moldou”, diz. “Minha resistência à dor é
bem alta.”
Durante um período particularmente infernal de sua vida, em 2008,
depois que os três primeiros lançamentos dos foguetes SpaceX
explodiram e a Tesla estava prestes a falir, Musk acordava se debatendo e
contava a Talulah Riley, que se tornou sua segunda esposa, as coisas
horríveis que o pai lhe dissera. “Eu o ouvia pronunciar aquelas frases”,
conta ela. “Isso teve um efeito profundo no modo como Elon vive.”
Quando ele recordava esses momentos, desligava-se e desaparecia por
trás dos olhos cor de aço. “Acho que ele não tinha consciência de quanto
isso ainda o afetava, porque pensava que era algo que ficara na infância”,
diz Riley. “Mas ele manteve um lado infantil, quase intocado. No
âmago, ele ainda é uma criança, uma criança diante do pai.”
Desse caldeirão, Musk desenvolveu uma aura que às vezes o faz
parecer um alienígena, como se sua missão de chegar a Marte fosse um
desejo de voltar para casa e sua aspiração de construir robôs humanoides
fosse uma busca por pertencimento. Não seria surpresa para ninguém se
ele tirasse a camiseta e mostrasse que não tem umbigo e não é terráqueo.
Contudo, a infância dele também o fez humano demais, um menino
bravo mas vulnerável que decide embarcar em aventuras épicas.
Musk desenvolveu um fervor que disfarça o jeito pateta e um jeito
pateta que disfarça o fervor. Pouco à vontade no próprio corpo, como
um homem grande e forte que nunca foi atleta, ele anda com os passos
largos de um urso obstinado e dança com movimentos que parecem
ensinados por um robô. Com a convicção de um profeta, ele fala sobre a
necessidade de nutrir a chama da consciência humana, sondar o
Universo e salvar nosso planeta. A princípio, achei que fosse só
encenação, discursos motivadores para a equipe e fantasias de podcast de
uma criança crescida que já leu O guia do mochileiro das galáxias mais
vezes do que deveria. Entretanto, quanto mais eu o conhecia, mais
acreditava que o sentimento de missão que ele tem é parte daquilo que o
motiva. Enquanto outros empreendedores lutam para desenvolver uma
visão de mundo, Musk procurou desenvolver uma visão do cosmos.
A ascendência e a origem, assim como a maneira de ele pensar,
tornaram-no uma pessoa por vezes insensível e impulsiva. Também
incutiram nele uma alta tolerância ao perigo. Ele calcula riscos friamente
e os aceita de modo febril. “Elon gosta do risco pelo risco”, diz Peter
Thiel, que se tornou sócio dele no início da PayPal. “Ele parece curtir, às
vezes até parece viciado.”
Elon se tornou uma dessas pessoas que se sentem mais vivas quando
um furacão está chegando. “Nasci para a tempestade, e tempo bom não
combina comigo”, dizia Andrew Jackson. O mesmo vale para Musk, que
desenvolveu uma mentalidade paranoica a qual incluía uma atração, às
vezes um desejo, pela tempestade e pelo drama, tanto no trabalho
quanto nos relacionamentos amorosos que lutava para manter, sem
sucesso. Musk se sobressai quando há crises, prazos e sobrecargas
intensas no trabalho. Quando enfrentava desafios complexos, o esforço
frequentemente o mantinha acordado à noite e o fazia vomitar. Isso,
contudo, também o energizava. “Ele atrai drama”, diz Kimbal. “É a
compulsão dele, o tema da vida dele.”

***

Quando eu estava escrevendo sobre Steve Jobs, seu sócio, Steve


Wozniak, disse que a grande pergunta era: “Ele de fato tinha que ser tão
mau assim? Tão duro e insensível? Tão viciado em drama?” Quando fiz
a mesma pergunta para Woz no fim da minha pesquisa, ele disse que, se
comandasse a Apple, teria sido mais gentil. Teria tratado todo mundo
como uma família e não demitiria sumariamente as pessoas. Em
seguida, parou e acrescentou: “Mas, se eu comandasse a Apple, talvez a
gente nunca tivesse feito o Macintosh.” Portanto, a pergunta sobre Elon
Musk é: poderia ele ser mais tranquilo e ainda ser a pessoa que está nos
levando a Marte e a um futuro com veículos elétricos?
No início de 2022 — depois de um ano marcado pelo 31o lançamento
bem-sucedido de foguetes da SpaceX, com a Tesla vendendo quase 1
milhão de carros e ele se tornando o homem mais rico do planeta —,
Musk falou pesarosamente sobre sua compulsão por drama. “Preciso
mudar minha mentalidade e sair do modo crise”, disse ele, “no qual
estou há pelo menos catorze anos, ou por quase a maior parte da minha
vida”.
Era um comentário melancólico, não uma resolução de Ano-Novo.
Mesmo enquanto fazia essa promessa, Musk estava secretamente
comprando ações do Twitter, o principal parquinho do mundo. Naquele
mês de abril, viajou discretamente para o Havaí, onde ficou na casa de
seu mentor, Larry Ellison, fundador da Oracle, acompanhado pela atriz
Natasha Bassett, uma namorada da época. Ofereceram a Musk um
assento no conselho do Twitter, mas durante o fim de semana ele
concluiu que não bastava. É da natureza dele querer ter controle total.
Então, decidiu que iria fazer uma oferta agressiva de compra direta da
empresa. Ele voou até Vancouver para se encontrar com Grimes. Lá,
ficou acordado com ela até as cinco da manhã jogando Elden Ring, um
jogo de guerra e império. Logo após terminar, pôs o plano em ação e
entrou no Twitter. “Fiz uma oferta”, anunciou.
Durante anos, sempre que estava em um momento difícil ou se sentia
ameaçado, Musk relembrava os horrores do bullying que sofreu na
infância. Agora ele tinha a oportunidade de se tornar o dono do
parquinho.
capítulo 1
Aventureiros

Winnifred e Joshua Haldeman (no alto, à esquerda); Errol, Maye, Elon, Tosca
e Kimbal Musk (abaixo, à esquerda); Cora e Walter Musk (à direita)
Joshua e Winnifred Haldeman
A atração de Elon Musk por risco é um traço de família. Nesse sentido,
ele puxou ao avô materno, Joshua Haldeman, um aventureiro audacioso
e genioso criado numa fazenda nas planícies estéreis do Canadá central.
Haldeman estudou técnicas de quiroprática no Iowa e depois voltou
para a sua cidade natal, perto de Moose Jaw, onde domava cavalos e
fazia sessões de quiroprática em troca de comida e alojamento.
Mais tarde, Haldeman conseguiu comprar uma fazenda, mas a
perdeu durante a Depressão, nos anos 1930. Ao longo dos anos
seguintes, ele trabalhou como caubói, peão de rodeio e peão de obra. A
única coisa constante em sua vida era o amor pela aventura. Ele se casou
e se divorciou, e viajou clandestinamente em trens de carga e num
transatlântico.
A perda da fazenda instigou em Haldeman um certo populismo, e ele
passou a participar de um movimento conhecido como Partido do
Crédito Social, que defendia dar aos cidadãos cartas de crédito gratuitas
que poderiam ser usadas como dinheiro. O movimento tinha uma base
conservadora e fundamentalista, com toques de antissemitismo. O
primeiro líder da organização no Canadá denunciava uma “perversão de
ideais culturais”, porque “um número desproporcional de judeus ocupava
posições de autoridade”. Haldeman chegou a ser presidente do conselho
nacional do partido.
Ele também se filiou a um movimento chamado de Tecnocracia, o
qual acreditava que o governo deveria ser comandado por tecnocratas em
vez de políticos. O movimento foi temporariamente banido no Canadá
por causa da oposição que fazia à entrada do país na Segunda Guerra
Mundial. Haldeman desafiou a proibição ao publicar no jornal um
anúncio de apoio ao movimento.
A certa altura, ele quis aprender dança de salão, e foi assim que
conheceu Winnifred Fletcher, cujo ímpeto aventureiro era semelhante
ao dele. Aos 16 anos, ela conseguiu um emprego no Times Herald de
Moose Jaw, mas sonhava em ser dançarina e atriz. Por isso, foi de trem
para Chicago e depois para Nova York. Ao voltar, abriu uma escola de
dança em Moose Jaw, onde Haldeman apareceu para ter aulas. Quando
ele a convidou para jantar, Winnifred disse: “Não saio com meus
clientes.” Então, ele desistiu da aula e a convidou novamente. Alguns
meses depois, ele perguntou: “Quando você vai casar comigo?” Ela
respondeu: “Amanhã.”
Eles tiveram quatro filhos, entre os quais meninas gêmeas, Maye e
Kaye, nascidas em 1948. Certo dia, os dois estavam em viagem quando
ele viu uma placa de vende-se em um avião monomotor Luscombe que
estava no campo de um agricultor. Ele não tinha dinheiro, mas
convenceu o fazendeiro a aceitar o carro como pagamento. Foi uma
decisão muito impetuosa, uma vez que Haldeman não sabia pilotar
avião. Ele contratou alguém para levá-lo de avião para casa e ensiná-lo a
pilotar.
A família passou a ser conhecida como os Haldeman Voadores, e ele
foi descrito por um jornal de quiroprática como “talvez o personagem
mais famoso na história dos quiropráticos voadores”, um elogio muito
tacanho, mas preciso. Eles compraram um avião monomotor maior, um
Bellanca, quando Maye e Kaye tinham 3 meses, e as crianças ficaram
conhecidas como as “gêmeas voadoras”.
Com opiniões estranhas, conservadoras e populistas, Haldeman
passou a acreditar que o governo canadense estava controlando demais a
vida dos indivíduos e que o país se acovardara. Em 1950, ele decidiu se
mudar para a África do Sul, que ainda vivia sob o regime do apartheid.
Eles desmontaram o Bellanca, guardaram-no em caixas e embarcaram
em um cargueiro rumo à Cidade do Cabo. Haldeman decidiu que queria
viver no interior, de modo que eles seguiram para Joanesburgo, onde a
maioria dos cidadãos brancos falava inglês em vez de africâner.
Entretanto, enquanto sobrevoavam uma região próxima a Pretória [atual
Tshwane], as flores lilás dos jacarandás haviam desabrochado, e
Haldeman anunciou: “Vamos ficar aqui.”
Quando Joshua e Winnifred eram jovens, um charlatão chamado
William Hunt, conhecido (segundo o próprio dizia) como “Grande
Farini”, apareceu em Moose Jaw e contou histórias sobre uma “cidade
perdida” antiga que tinha visto quando cruzou o deserto do Kalahari, na
África do Sul. “Esse mentiroso mostrou fotos que eram obviamente
falsas, mas meu avô acreditou e decidiu que era missão dele descobrir a
cidade”, diz Musk. Depois que chegaram à África, os Haldeman faziam
anualmente uma expedição de um mês pelo deserto do Kalahari para
procurar essa cidade lendária. Eles caçavam a própria comida e dormiam
armados para se defender dos leões.
A família adotou um lema: “Viva perigosamente... com cautela.” Eles
embarcavam em voos de longa distância para lugares como a Noruega,
empataram em primeiro lugar num rali de 20 mil quilômetros da Cidade
do Cabo até Argel e se tornaram os primeiros a voar com um
monomotor da África para a Austrália. “Eles tiveram que tirar os bancos
para colocar os tanques de combustível”, relembra Maye.
A vida de riscos de Joshua Haldeman por fim cobrou um preço. Ele
morreu quando uma pessoa a quem estava ensinando a voar acertou um
fio de alta-tensão, o que fez com que o avião se desgovernasse e caísse.
O neto Elon tinha 3 anos na época. “Ele sabia que aventuras reais têm
riscos”, diz. “O risco o motivava.”
Haldeman instigou esse espírito em uma das filhas gêmeas, a mãe de
Elon, Maye. “Sei que posso assumir um risco desde que esteja
preparada”, afirma ela. Quando estudante, Maye se saía bem em ciências
e matemática. Também era linda. Alta e de olhos azuis, com maçãs do
rosto salientes e o queixo esculpido, ela começou a trabalhar aos 15 anos
como modelo, fazendo desfiles de moda em lojas de departamentos nas
manhãs de sábado.
Nessa época, Maye conheceu um menino na vizinhança que também
era muito bonito, embora agisse de maneira ardilosa e bruta.

Errol Musk
Errol Musk era um aventureiro e negociante, sempre em busca da
próxima oportunidade. A mãe, Cora, era inglesa, havia concluído a
escola aos 14 anos, trabalhara em uma fábrica na qual fazia
revestimentos para bombardeiros e, passado um tempo, resolvera
embarcar num navio de refugiados para a África do Sul. Lá, conheceu
Walter Musk, um criptógrafo e oficial da inteligência militar que
trabalhava no Egito em planos para enganar os alemães usando armas
falsas e canhões de luz. Depois da guerra, ele praticamente não fazia
nada além de ficar sentado em silêncio numa poltrona, bebendo e
usando suas habilidades de criptografia para completar palavras
cruzadas. Então, Cora o deixou, voltou para a Inglaterra com os dois
filhos, comprou um Buick e retornou a Pretória. “Era a pessoa mais
forte que já conheci”, diz Errol.
Errol se formou em engenharia e trabalhou na construção de hotéis,
shopping centers e fábricas. No tempo livre, gostava de restaurar carros
antigos e aviões. Também se envolveu em política, derrotou um membro
africâner do Partido Nacional, pró-apartheid, e se tornou um dos poucos
membros anglófonos da Câmara de Pretória. O Pretoria News de 9 de
março de 1972 noticiou a eleição com a seguinte manchete: “Reação ao
status quo.”
Assim como os Haldeman, ele amava voar. Comprou um bimotor
Cessna Golden Eagle, que usava para levar equipes de televisão até um
chalé que construiu na selva. Em uma viagem em 1986, quando estava
tentando vender o avião, pousou numa pista na Zâmbia, onde um
empreendedor ítalo-panamenho quis comprá-lo. Eles acertaram um
preço, e, em vez de um pagamento em espécie, Errol recebeu uma parte
das esmeraldas extraídas de três minas pequenas que o empreendedor
tinha na Zâmbia.
À época, a Zâmbia tinha um governo negro pós-colonial, mas não
havia uma burocracia em funcionamento, então a mina não fora
legalizada. “Se você legalizasse, acabaria sem nada, porque os negros
tomariam tudo de você”, fala Errol. Ele critica a família de Maye por ser
racista, e insiste que ele próprio não é. “Não tenho nada contra os
negros; eles são diferentes de mim, nada mais”, diz de modo desconexo
pelo telefone.
Errol, que nunca foi dono de nenhuma parte da mina, expandiu os
negócios ao importar mais esmeraldas brutas e lapidá-las em
Joanesburgo. “Muita gente me procurava com produtos roubados”,
afirma ele. “Em viagens ao exterior, eu vendia as esmeraldas para
joalheiros. Era um negócio clandestino, porque nada disso era legal.”
Depois de obter lucros de cerca de 210 mil dólares, o negócio de
esmeraldas faliu nos anos 1980, quando os russos criaram em laboratório
uma esmeralda artificial. Ele perdeu todos os lucros que teve com as
pedras.

O casamento
Errol Musk e Maye Haldeman começaram a namorar quando eram
adolescentes. Desde o início, o relacionamento era cheio de drama.
Errol a pediu em casamento diversas vezes, mas Maye não confiava nele.
Quando descobriu que estava sendo traída, ficou tão chateada que
chorou por uma semana e não conseguia comer. “Por causa do
sofrimento, perdi cinco quilos”, relembra ela, e isso a ajudou a vencer
um concurso de beleza local. Maye ganhou um prêmio de 150 dólares
em dinheiro vivo e dez ingressos para um boliche, além de ter se tornado
finalista do Miss África do Sul.
Quando se formou na universidade, Maye se mudou para a Cidade
do Cabo com a finalidade de dar aulas de nutrição. Errol foi visitá-la,
comprou um anel de noivado e a pediu em casamento. Ele prometeu que
mudaria e seria fiel quando se casassem. Maye havia acabado de
terminar um relacionamento com outro namorado infiel, engordara
bastante e começara a recear que nunca se casaria, de modo que aceitou
o pedido.
Na noite do casamento, Errol e Maye pegaram um voo barato até a
Europa para passar a lua de mel. Na França, ele comprou exemplares da
Playboy, que era proibida na África do Sul, e se deitou na pequena cama
do hotel para ver as revistas, o que irritou Maye. As brigas deles se
tornaram amargas. Quando voltaram para Pretória, ela pensou em dar
fim ao casamento. No entanto, começou a sentir enjoos matinais. Ela
havia engravidado na segunda noite da lua de mel, na cidade de Nice.
“Estava evidente que me casar com ele tinha sido um erro”, relembra
Maye, “mas àquela altura era impossível voltar atrás”.
capítulo 2
Uma mente livre
Pretória, anos 1970

Elon e Maye Musk (no alto, à esquerda); Elon, Kimbal e Tosca (abaixo, à
esquerda); Elon arrumado para a escola (à direita)
Sozinha e determinada
Às sete e meia da manhã do dia 28 de junho de 1971, Maye Musk deu à
luz um menino de 3,8 quilos com uma cabeça muito grande.
Ela e Errol a princípio queriam chamá-lo de Nice, em homenagem à
cidade na França onde ele fora concebido. A história poderia ter sido
diferente, ou pelo menos engraçada, se o menino tivesse que viver com o
nome Nice Musk. Em vez disso, na esperança de deixar os Haldeman
felizes, Errol concordou que os dois nomes do menino viriam daquele
lado da família: Elon, em homenagem ao avô de Maye, J. Elon
Haldeman, e Reeve, o nome de solteira da avó materna de Maye.
Errol gostava do nome Elon porque era bíblico, e ele mais tarde
alegaria ter previsto o futuro. Quando criança, diz que ouviu falar do
livro de ficção científica do cientista espacial Wernher von Braun
chamado Projeto Marte, que descrevia uma colônia no planeta
comandada por um executivo conhecido como Elon.
Elon chorava muito, comia muito e dormia pouco. Em dado
momento, Maye decidiu que ia deixar o menino chorar até dormir, mas
desistiu depois que os vizinhos chamaram a polícia. Os humores dele
mudavam rapidamente — quando não estava chorando, diz a mãe, era
muito meigo.
Nos dois anos seguintes, Maye teve outros dois filhos, Kimbal e
Tosca. Ela não os mimava. Eles foram criados soltos. Não havia babá, só
uma empregada que prestava pouca atenção, mesmo quando Elon
começou a fazer experiências com foguetes e explosivos. Ele se diz
surpreso por ter chegado ao fim da infância com todos os dedos ilesos.
Quando ele tinha 3 anos, a mãe decidiu que alguém tão
intelectualmente curioso deveria ir para a pré-escola. O diretor tentou
dissuadi-la, explicando que ele era mais novo que os demais e teria
dificuldades para se socializar. Ele teria que esperar mais um ano. “Não
posso fazer isso”, falou Maye. “Elon precisa de alguém além de mim
para conversar. Eu realmente tenho um filho gênio.” Ela conseguiu.
Foi um erro. Elon não tinha amigos, e quando chegou ao segundo
ano passou a se desligar. “A professora se aproximava e gritava comigo,
mas eu não a via ou ouvia de fato”, conta ele. Os pais foram chamados
pelo diretor, que disse: “Achamos que o Elon é retardado.” Segundo
explicou uma das professoras, ele passava a maior parte do tempo num
transe, sem ouvir nada. “Ele fica olhando pela janela, e, quando digo
para prestar atenção, ele diz: ‘As folhas estão ficando marrons.’” Errol
respondeu que Elon estava certo, as folhas estavam ficando marrons.
O impasse acabou quando os pais concordaram que era preciso testar
a audição de Elon, como se esse pudesse ser o problema. “Eles
concluíram que o problema era a minha audição, de modo que tiraram a
minha adenoide”, conta ele. Isso acalmou os diretores da escola, mas não
mudou a tendência de Elon de se desligar e se fechar num mundo
próprio quando estava pensando. “Desde criança, se eu começo a me
concentrar muito em alguma coisa, todos os meus sentidos se desligam”,
diz. “Não consigo ver, ouvir, fazer mais nada. Estou usando meu cérebro
para computar, não para receber informações externas.” As outras
crianças pulavam e balançavam os braços na cara dele, para ver se
conseguiam fazer o menino voltar a prestar atenção. Mas não
funcionava. “Era melhor não interromper quando ele estava com o olhar
perdido”, afirma a mãe.
Somando-se aos problemas sociais do menino, havia o desinteresse
em tratar com educação as pessoas que ele considerava tolas. Ele usava a
palavra “burro” com frequência. “Quando começou a ir para a escola,
Elon se tornou muito solitário e triste”, conta a mãe. “Kimbal e Tosca
faziam amigos no primeiro dia e os traziam para casa, mas Elon nunca
trouxe ninguém. Ele queria ter amigos, mas não sabia como.”
Consequentemente, Elon era solitário, muito solitário, e aquela dor
permanece marcada em sua alma. “Quando eu era criança, tinha uma
coisa que eu dizia”, relembrou ele em uma entrevista para a Rolling Stone
durante um período tumultuado de sua vida amorosa em 2017. “‘Eu
nunca quero ficar sozinho.’ Era isso que eu dizia. ‘Não quero ficar
sozinho.’”
Certo dia, quando tinha 5 anos, um de seus primos fez uma festa de
aniversário, mas Elon estava de castigo por ter se envolvido numa briga
e ficou em casa. Ele era uma criança muito determinada, e decidiu andar
sozinho até a casa do primo. O problema era que a casa ficava do outro
lado de Pretória, uma caminhada de quase duas horas. Além disso, ele
era jovem demais para ler as placas de trânsito. “Eu meio que sabia o
caminho porque tinha visto do carro, e estava decidido a ir até lá, então
comecei a andar.” Ele chegou quase no fim da festa. Quando a mãe o viu
descendo a rua, se apavorou. Temendo ficar de castigo de novo, Elon
subiu numa árvore e se recusou a descer. Kimbal se lembra de ter ficado
embaixo, olhando com perplexidade para o irmão. “Ele tinha essa
determinação feroz que espanta e às vezes assusta, e ainda tem.”
Aos 8 anos, Elon cismou que queria ter uma moto. Sim, aos 8 anos.
Ele ficava ao lado da poltrona do pai defendendo a ideia repetidamente.
Quando o pai pegava o jornal e o mandava ficar quieto, Elon apenas
permanecia ali. “Era extraordinário de assistir”, diz Kimbal. “Ele ficava
em pé ali em silêncio, depois recomeçava a defender a ideia, então se
calava de novo.” Isso aconteceu todas as noites por semanas. O pai
finalmente cedeu e deu a Elon uma Yamaha azul e dourada de 50
cilindradas.
Além disso, Elon tinha uma tendência a se distrair e sair andando
sozinho, completamente indiferente ao que os outros estavam fazendo.
Em uma viagem da família a Liverpool para visitar parentes, quando ele
tinha 8 anos, os pais o deixaram, com o irmão, em um parque brincando
sozinhos. Não era da natureza de Elon ficar parado, então ele começou a
andar pelas ruas. “Algum menino me encontrou chorando e me levou até
a mãe, que me deu leite e biscoitos e chamou a polícia”, lembra Elon.
Quando reencontrou os pais na delegacia, ele não sabia o que havia de
errado.
“Era uma loucura deixar a mim e meu irmão sozinhos no parque
naquela idade”, afirma ele, “mas meus pais não eram superprotetores
como os pais de hoje em dia”. Anos depois, eu o vi num canteiro de
obras da construção de um telhado solar com o filho de 2 anos,
conhecido como X. Eram dez da noite, e havia guindastes e outras
máquinas em movimento iluminados por apenas dois holofotes que
formavam grandes sombras. Musk colocou X no chão para que
explorasse o local sozinho, algo que o menino fez sem medo. Enquanto
o filho brincava entre fios e cabos, Musk às vezes olhava para ele, mas
não tentava interferir. Finalmente, depois que X começou a escalar um
holofote móvel, ele se aproximou e pegou o garoto. X se contorceu e
reclamou, chateado por ter sido tolhido.

***

Tempos depois, Musk iria dizer — e até brincaria com isso — que tem
Asperger, nome popular de um tipo de transtorno do espectro autista
que pode afetar as habilidades sociais, os relacionamentos, os laços
emocionais e a autorregulação. “Ele nunca foi diagnosticado quando
criança”, declara a mãe, “mas diz que tem Asperger, e tenho certeza de
que tem razão”. O transtorno foi exacerbado pelos traumas de infância.
Mais tarde, sempre que ele se sentia acossado ou ameaçado, diz seu
amigo íntimo Antonio Gracias, o TEPT da infância tomava de assalto o
sistema límbico dele, a parte do cérebro que controla as reações
emocionais.
Como resultado, ele tem dificuldade em compreender sinais sociais.
“Eu entendia as pessoas de forma literal quando elas estavam tentando
dizer algo”, fala, “e só depois que comecei a ler livros aprendi que as
pessoas nem sempre diziam o que realmente sentiam”. Ele tinha uma
preferência por coisas mais precisas, como engenharia, física e
programação.
Assim como todas as características psicológicas, as de Musk são
complexas e individuais. Ele podia ser muito emotivo, especialmente em
relação aos filhos, e experimentara o tipo de ansiedade que acompanha a
solidão. Mas não tinha os receptores emocionais responsáveis pela
gentileza diária, pela cordialidade e pelo desejo de ser querido. A
empatia não era algo natural para ele, ou, para dizer em termos menos
técnicos, ele podia ser um babaca.

O divórcio
Maye e Errol Musk estavam numa edição da Oktoberfest com outros
três casais, bebendo cerveja e se divertindo, quando um homem de outra
mesa assobiou para Maye e disse que ela era sexy. Errol perdeu a cabeça,
mas não com o sujeito. Maye lembra que ele estava prestes a bater nela,
e um amigo teve que o segurar. Ela fugiu para a casa da mãe. “Com o
passar do tempo, ele foi ficando ainda mais maluco”, disse Maye depois.
“Ele me batia na frente das crianças. Lembro que Elon, que tinha 5
anos, batia na parte de trás dos joelhos do pai para tentar fazer com que
ele parasse.
Errol chama essas acusações de “mentira deslavada”. Ele alega que
adorava Maye e, no decorrer dos anos, tentou reconquistá-la. “Nunca
bati em uma mulher na vida, e certamente nunca bati em nenhuma das
minhas esposas”, afirma. “Uma das armas das mulheres é chorar
acusando o homem de abusar delas, chorar e mentir. E as armas do
homem são comprar e assinar.”
Na manhã depois da confusão na Oktoberfest, Errol foi até a casa da
mãe de Maye, se desculpou e pediu a Maye que voltasse. “Não se atreva
a encostar nela de novo”, asseverou Winnifred Haldeman. “Se você
bater nela, ela vai vir morar comigo.” Maye disse que ele nunca mais
bateu nela depois daquilo, mas os insultos continuaram. Ele dizia que
ela era “chata, burra e feia”. O casamento nunca se restabeleceu. Errol
depois admitiu que foi culpa dele. “Eu tinha uma esposa muito bonita,
mas havia moças mais jovens e mais bonitas”, disse. “Eu realmente
amava Maye, porém estraguei tudo.” Eles se divorciaram quando Elon
estava com 8 anos.
Maye e as crianças se mudaram para uma casa na costa perto de
Durban, cerca de seiscentos quilômetros ao sul da área de Pretória-
Joanesburgo, onde ela se dividia entre os trabalhos de modelo e
nutricionista. Ela ganhava pouco dinheiro, e comprava para os filhos
livros e uniformes de segunda mão. Em alguns fins de semana e
feriados, os meninos (geralmente não Tosca) pegavam o trem para
visitar o pai em Pretória. “Ele os mandava de volta sem roupas, sem
mochilas, de modo que eu tinha sempre que comprar roupas novas para
eles”, fala ela. “Errol dizia que uma hora eu voltaria para ele, porque
ficaria tão pobre que não seria capaz de dar de comer às crianças.”
Maye com frequência viajava para trabalhos de modelo, ou tinha que
dar uma aula de nutrição e deixar as crianças em casa. “Nunca me senti
culpada por trabalhar em tempo integral, porque não tinha escolha”, diz.
“Meus filhos precisavam tomar conta de si mesmos.” A liberdade os
ensinou a serem autossuficientes. Quando se deparavam com um
problema, ela dava uma resposta pronta: “Você vai descobrir como
resolvê-lo.” Como Kimbal recorda: “Nossa mãe não era delicada ou
carinhosa, e estava sempre trabalhando, mas isso foi um presente para
nós.”
Elon se transformou numa pessoa notívaga, que virava a noite lendo.
Ao ver a luz do quarto da mãe se acender às seis da manhã, ia para a
cama e dormia. Isso significava que ela encontrava dificuldade para
acordá-lo a tempo da escola, e, quando ela estava fora, às vezes Elon não
chegava na aula antes das dez da manhã. Depois de receber ligações da
escola, Errol começou uma batalha pela guarda dos filhos, e mandou
intimar as professoras de Elon, o agente de Maye e os vizinhos. Pouco
antes do julgamento, Errol desistiu do processo. De tempos em tempos,
ele abria outro processo e então desistia. Quando Tosca relembra essas
histórias, começa a chorar. “Me lembro da minha mãe sentada,
chorando no sofá. Não sabia o que fazer. Eu só podia dar um abraço
nela.”
Maye e Errol eram mais atraídos pela intensidade dramática do que
pela paz doméstica, um traço que os filhos herdariam. Depois do
divórcio, Maye começou a sair com outro homem abusivo. As crianças o
odiavam e, às vezes, colocavam nos cigarros dele bombinhas que
explodiam quando ele os acendia. Logo depois que o homem a pediu em
casamento, engravidou outra mulher. “Era uma amiga minha”, diz
Maye. “Tinha trabalhado comigo como modelo.”
Elon com um dente quebrado e uma cicatriz
capítulo 3
A vida com o pai
Pretória, anos 1980

Elon cutuca um cágado e Errol observa (alto, à esquerda); Kimbal e Elon com
Peter e Russ Rive (alto, à direita); a cabana na Reserva Timbavati Game
(abaixo)
A mudança
Aos 10 anos, Musk tomou uma decisão fatídica, da qual depois se
arrependeria. Ele decidiu morar com o pai. Pegou o perigoso trem
noturno de Durban para Joanesburgo sozinho. Quando avistou o pai
esperando na estação, começou “a sorrir de felicidade, como o sol”, diz
Errol. “Oi, pai, vamos comer um sanduíche”, gritou Elon. Naquela
noite, ele dormiu na cama do pai.
Por que ele decidiu morar com o pai? Elon suspira e fica em silêncio
por quase um minuto quando pergunto isso. “Meu pai estava solitário,
muito sozinho, e eu achei que devia fazer companhia a ele”, acaba
dizendo. “Ele usava artimanhas psicológicas comigo.” Elon também
adorava a avó, a mãe de Errol, Cora, conhecida como Nana. Ela o
convenceu de que era injusto que a mãe ficasse com as três crianças e o
pai, com nenhuma.
De certa maneira, a mudança não foi uma surpresa. Elon estava com
10 anos, e não tinha traquejo social nem amigos. A mãe era carinhosa,
mas estava sobrecarregada, distraída e vulnerável. O pai, por sua vez, era
arrogante e viril. Era um homem grande, com mãos enormes e uma
presença fascinante. Teve muitos altos e baixos na carreira, mas na época
Errol estava se sentindo o máximo. Tinha um Rolls-Royce Corniche
dourado e, mais importante, duas coleções de enciclopédias, muitos
livros e uma coleção de ferramentas de engenharia.
Então Elon, ainda menino, escolheu morar com ele. “Acabou se
provando uma ideia muito ruim”, diz. “Eu ainda não sabia quão ruim ele
era.” Quatro anos depois, Kimbal fez o mesmo. “Eu não queria deixar
meu irmão sozinho com ele”, diz Kimbal. “Meu pai persuadiu meu
irmão a ir morar com ele. E depois fez a mesma coisa comigo.”
“Por que ele escolheu morar com alguém que magoava todo mundo?”,
perguntou Maye Musk quarenta anos depois. “Por que ele não preferiu
uma casa feliz?” Depois, ela fez uma pausa antes de dizer: “Talvez esse
seja o jeito dele.”
***

Após terem ido morar com o pai, os meninos ajudaram Errol a construir
uma cabana que ele alugaria para turistas na Reserva Timbavati Game,
um trecho intocado de selva 480 quilômetros a leste de Pretória.
Durante a construção, eles dormiam ao redor de uma fogueira, com
fuzis Browning ao lado para se proteger dos leões. Os tijolos eram feitos
de areia do rio e o telhado, de sapê. Por ser engenheiro, Errol gostava de
estudar as propriedades de diversos materiais, e utilizou mica para fazer
o piso da casa, porque era um bom isolante térmico. Elefantes em busca
de água com frequência desenterravam os canos e macacos volta e meia
invadiam os quartos e faziam cocô, de modo que havia muito trabalho a
ser feito pelos meninos.
Elon frequentemente acompanhava os visitantes em caçadas. Apesar
de ter apenas um fuzil de calibre .22, sua mira era boa, e ele se tornou
um bom atirador. Até ganhou um concurso local de tiro ao alvo, embora
fosse novo demais para receber o prêmio, que era uma caixa de uísque.
Quando Elon tinha 9 anos, o pai levou Kimbal, Tosca e ele numa
viagem aos Estados Unidos, onde dirigiram de Nova York, passando
pelo Meio-Oeste, até a Flórida. Elon ficou viciado nos jogos de
fliperama da recepção dos hotéis de beira de estrada. “Era de longe a
coisa mais empolgante”, disse ele. “Não existia isso na África do Sul.”
Errol demonstrou sua mistura de extravagância e frugalidade. Alugou
um Thunderbird e eles se hospedavam em hotéis baratos. “Quando
chegamos a Orlando, meu pai se recusou a nos levar à Disneylândia
porque era caro demais”, lembra Musk. “Acho que fomos a algum
parque aquático em vez disso.” Como em tantos outros casos, Errol
conta uma história diferente, e insiste que eles foram tanto à
Disneylândia, onde Elon gostou da casa assombrada, quanto ao Six
Flags, na Geórgia. “Eu disse para eles mais de uma vez na viagem: ‘Um
dia vocês vão morar nos Estados Unidos.’”
Dois anos depois, Errol levou os três filhos a Hong Kong. “Meu pai
misturava negócios legais e clandestinos”, relembra Musk. “Ele deixou a
gente no hotel, que era bem sujo, com 50 dólares ou algo assim, e então
ficamos sem saber dele por dois dias.” Eles viram filmes de samurai na
TV do hotel. Elon e Kimbal deixaram Tosca no quarto e passearam
pelas ruas de Hong Kong, entrando nas lojas de eletrônicos em que
podiam jogar videogame de graça. “Hoje em dia chamariam o Conselho
Tutelar se alguém fizesse o que o meu pai fez”, conta Musk, “mas para
nós, na época, foi uma experiência maravilhosa”.

Uma confederação de primos


Após Elon e Kimbal terem ido morar com o pai na região metropolitana
de Pretória, Maye se mudou para perto de Joanesburgo, onde estava a
família. Nas sextas-feiras, ela ia até a casa de Errol para pegar os
meninos e depois iam visitar a avó, a indomável Winnifred Haldeman,
que fazia um frango ensopado que as crianças odiavam, a ponto de
Maye levar os filhos para comer pizza depois.

***

Elon e Kimbal geralmente passavam a noite na casa ao lado da


residência da avó, na qual a irmã de Maye, Kaye Rive, morava com os
três filhos. Os cinco primos — Elon e Kimbal Musk e Peter, Lyndon e
Russ Rive — se tornaram um grupo aventureiro e, às vezes, briguento.
Maye era mais indulgente e menos protetora do que a irmã, de modo
que os meninos conspiravam com ela quando preparavam uma aventura.
“Se a gente quisesse ir a um show em Joanesburgo, por exemplo, ela
dizia para a irmã: ‘Vou levar os meninos à igreja hoje de tarde’”, diz
Kimbal. “Depois que ela nos deixava, podíamos seguir com a nossa
travessura.”
Essas viagens podiam ser perigosas. “Lembro uma vez que o trem
parou, houve uma grande briga e vimos um cara ser esfaqueado na
cabeça”, diz Peter Rive. “A gente estava escondido no vagão, então as
portas se fecharam e seguimos em frente.” Às vezes uma gangue
embarcava no trem para caçar rivais, e invadia os vagões atirando com
metralhadoras. Alguns shows eram protestos contra o apartheid, como
um em 1985 em Joanesburgo que reuniu 100 mil pessoas.
Frequentemente aconteciam brigas. “Ninguém tentava se esconder da
violência, viramos sobreviventes dela”, diz Kimbal. “Isso nos ensinou a
não ter medo, mas também a não cometer loucuras.”
Elon ganhou fama de ser o mais corajoso. Quando os primos iam ao
cinema e as pessoas estavam fazendo barulho, era ele quem dizia para
todo mundo ficar quieto, mesmo que fossem muito maiores que ele. “É
importante para Elon que suas decisões nunca sejam guiadas pelo
medo”, lembra Peter. “Isso era um traço dele desde a infância.”
Elon também era o primo mais competitivo. Certa vez, quando
pedalavam de Pretória para Joanesburgo, ele estava bem na frente,
pedalando rápido. Os primos pararam e pegaram carona em uma
caminhonete. Quando se encontraram, Elon estava tão bravo que
começou a bater neles. Era uma corrida, e eles tinham roubado.
Essas brigas eram comuns. Os desentendimentos com frequência
aconteciam em público, com os meninos indiferentes ao entorno. Uma
das muitas brigas de Elon e Kimbal foi numa quermesse. “Eles estavam
lutando e trocando socos no chão”, lembra Peter. “As pessoas se
assustaram, e tive que dizer para a multidão: ‘Está tudo bem. Eles são
irmãos.’” Apesar de as brigas serem geralmente referentes a coisas sem
importância, podiam se tornar violentas. “Para ganhar precisava ser o
primeiro a bater ou chutar o saco do outro”, diz Kimbal. “Isso encerrava
a briga porque não dá para continuar se alguém acertar seus testículos.”

O aluno
Musk era um bom aluno, mas não era excelente. Quando tinha entre 9 e
10 anos, tirava A em inglês e matemática. “Ele entendia conceitos
matemáticos com facilidade”, reparou o professor. Entretanto, havia uma
observação constante no boletim: “Ele raramente termina as coisas, seja
por estar sonhando acordado, seja porque faz o que não devia.” “Ele
raramente termina as coisas. No ano que vem, tem que se concentrar
mais no trabalho e não se distrair durante as aulas.” “Seus textos
mostram uma imaginação viva, mas ele nem sempre os termina a
tempo.” A média dele antes de entrar no ensino médio era 83 de 100.
Depois de Elon ter sido acossado e agredido na escola pública, o pai o
transferiu para uma escola particular, a Pretoria Boys High School.
Inspirado no modelo de educação inglês, o colégio tinha regras rígidas,
castigos físicos, missas obrigatórias e uniformes. Lá ele tirou notas
excelentes em tudo, menos em duas disciplinas: africâner (tirou 61 de
100 no último ano) e religião (“ele não entende a si mesmo”, destacou o
professor). “Eu não me esforçava muito em coisas que achava que não
tinham sentido”, afirma Elon. “Preferia ler ou jogar videogame.” Ele
tirou A em física nas provas finais do ensino médio, mas
surpreendentemente tirou só B em matemática.
Em seu tempo livre, Elon gostava de fazer pequenos foguetes e
experimentar diferentes misturas — como cloro de piscina e fluido de
freio — para ver quais produziam uma explosão maior. Ele também
aprendeu truques de mágica e a hipnotizar as pessoas, e chegou a
convencer Tosca de que ela era um cachorro e devia comer bacon cru.
Como fariam depois nos Estados Unidos, os primos tentaram várias
ideias empreendedoras. Certa Páscoa, eles prepararam ovos de
chocolate, enrolaram em papel-alumínio e venderam de porta em porta.
Kimbal elaborou um esquema genial. Em vez de vendê-los mais barato
do que nas lojas, eles venderam mais caro. “Algumas pessoas desistiam
por causa do preço”, diz, “mas nós dizíamos: ‘Vocês estão apoiando
futuros capitalistas’”.
A leitura continuou a ser o retiro psicológico de Musk. Às vezes, ele
se afundava em livros a tarde toda e na maior parte da noite, por nove
horas seguidas. Quando a família ia na casa de alguém, ele desaparecia
na biblioteca do anfitrião. Quando iam para a cidade, ele se afastava e
em dado momento o encontravam numa livraria, sentado no chão, num
mundo próprio. Ele também era fã de quadrinhos. A paixão obstinada
dos super-heróis o impressionava. “Eles estavam sempre tentando salvar
o mundo, com a cueca por cima da roupa ou roupas justas de ferro, o que
é muito estranho se você parar para pensar”, diz Elon. “Mas eles estão
tentando salvar o mundo.”

***
Musk leu as duas enciclopédias do pai e se tornou, para a mãe e a irmã
corujas, um “geniozinho”. Para as outras crianças, no entanto, ele era um
nerd irritante. “Olhe aquela lua, deve estar a milhões de quilômetros de
distância!”, exclamou certa vez um primo. Elon respondeu: “Não, está a
cerca de 380 mil quilômetros, dependendo da órbita.”
Elon encontrou no escritório do pai um livro que descrevia grandes
invenções que seriam criadas no futuro. “Eu voltava da escola, ia para
uma sala ao lado do escritório do meu pai e lia aquilo várias e várias
vezes.” Entre as ideias estava um foguete movido por um propulsor de
íons, que usaria partículas em vez de combustível. Tarde da noite na sala
de controle de sua base de lançamento de foguetes no sul do Texas,
Musk descreveu o livro em detalhes para mim, incluindo a parte que
trata de como um propulsor de íons poderia funcionar no vácuo. “Aquele
livro foi o que me fez pensar pela primeira vez em ir a outros planetas”,
afirmou ele.

Russ Rive, Elon, Kimbal e Peter Rive


capítulo 4
A busca
Pretória, anos 1980
Crise existencial
Quando Musk era jovem, a mãe começou a levá-lo à escola dominical
na igreja anglicana local, onde ela era professora. Não deu certo. Ela
contava para a turma histórias da Bíblia e ele ficava questionando.
“Como assim, as águas se abriram?”, perguntava. “Isso não é possível.”
Quando ela contou a história de Jesus alimentando a multidão com pães
e peixes, ele retrucou dizendo que as coisas não surgem do nada. Como
fora batizado, a expectativa era a de que fosse fazer a primeira
comunhão, mas Elon começou a questionar isso também. “Tomei o
sangue e o corpo de Cristo, o que é estranho quando você é criança”,
afirmou. “Eu disse: ‘O que é isso? Uma metáfora estranha para
canibalismo?’” Maye decidiu deixar Elon lendo em casa nas manhãs de
domingo.
O pai, que era mais religioso, explicou a Elon que havia coisas que
não poderiam ser percebidas por nossos sentidos e nossas mentes
limitadas. “Não há pilotos ateus”, dizia ele, e Elon acrescentava: “Não há
ateus na época de provas.” Contudo, ele logo cedo começou a acreditar
que a ciência poderia explicar as coisas e que não era necessário evocar
um Criador ou uma divindade que interviria em nossa vida.
Já adolescente, Elon começou a ficar incomodado, pois achava que
faltava algo. Tanto as explicações religiosas quanto as científicas acerca
da existência, diz ele, não dão conta das perguntas importantes, como
qual é a origem do Universo e por que ele existe. A física nos ensina
tudo sobre o Universo, menos o porquê. Isso levou ao que Elon chama
de crise existencial adolescente. “Comecei a tentar entender qual era o
sentido da vida e do Universo”, fala ele. “E fiquei muito deprimido com
isso, como se a vida não tivesse sentido.”
Como um bom rato de biblioteca, ele tentou responder a essas
perguntas lendo. Primeiro, cometeu o erro clássico dos adolescentes
angustiados e leu filósofos existenciais, como Nietzsche, Heidegger e
Schopenhauer. Isso acabou transformando a confusão em desespero.
“Não recomendo ler Nietzsche na adolescência”, diz ele.
Felizmente, Elon foi salvo pela ficção científica, essa fonte de
sabedoria para crianças com intelecto hiperativo que jogam videogame.
Ele passou por toda a seção de ficção científica da escola e das
bibliotecas locais, e depois fez os bibliotecários comprarem mais livros.

***

Um dos livros favoritos dele era Revolta na Lua, de Robert Heinlein, um


romance sobre uma colônia penal na Lua. A colônia era administrada
por um supercomputador chamado Mike, capaz de desenvolver
autoconsciência e um senso de humor. O computador sacrifica a própria
vida durante uma rebelião na colônia penal. O livro explora um
problema que se tornaria central na vida de Musk: a inteligência
artificial vai se desenvolver de maneira a beneficiar e proteger a
humanidade, ou as máquinas terão intenções próprias e se tornarão uma
ameaça para os humanos?
Esse assunto está profundamente relacionado com o que se tornou
uma das leituras favoritas de Elon, as histórias de robôs de Isaac Asimov.
Os contos formulam leis da robótica cujo objetivo é garantir que os
robôs não vão sair de controle. No fim do livro Os robôs e o império, de
1985, Asimov apresenta a mais fundamental dessas regras, chamada de
Lei Zero: “Um robô não pode fazer mal à humanidade, ou, por inação,
permitir que a humanidade seja prejudicada.” Os heróis da série de livros
Fundação, de Asimov, criam um plano com a finalidade de enviar
colonos para regiões distantes da galáxia de forma a preservar a
consciência humana diante de uma iminente Idade das Trevas.
Mais de trinta anos depois, Musk postou um tuíte aleatório sobre
como essas ideias motivaram sua busca por tornar os humanos uma
espécie viajante do espaço e sua intenção de colocar a inteligência
artificial a serviço dos humanos. “A série Fundação e a Lei Zero foram
fundamentais para a criação da SpaceX”, disse.

O guia do mochileiro das galáxias


O livro de ficção científica que mais influenciou os anos maravilhosos de
Elon foi O guia do mochileiro das galáxias, de Douglas Adams. A história
divertida e irônica ajudou a moldar a filosofia de Musk e acrescentou
uma dose de comicidade a seu semblante sério. “O guia do mochileiro das
galáxias”, afirma ele, “me ajudou a sair da depressão existencial, e logo
percebi que o livro era incrivelmente engraçado de várias maneiras
sutis”.
A história começa com um humano chamado Arthur Dent, que é
resgatado por uma espaçonave de passagem pela Terra segundos antes de
o planeta ser destruído por uma civilização alienígena que está
construindo uma via expressa no hiperespaço. Junto com esse salvador
alienígena, Dent explora vários cantos e recantos da galáxia, que é
comandada por um presidente com duas cabeças que “transformou o
insondável em uma forma de arte”. Os habitantes da galáxia estão
tentando descobrir a “Resposta para a Pergunta Fundamental sobre a
Vida, o Universo e Tudo o Mais”. Eles constroem um supercomputador
que depois de 7 milhões de anos oferece uma resposta: 42. Quando isso
provoca um uivo confuso dos presentes, o computador responde: “Esta é
a resposta definitiva. Acho que o problema, para ser honesto, é que vocês
nunca souberam qual era a pergunta.” Musk guardou essa lição. “O que
aprendi com o livro é que precisamos expandir o escopo da consciência
para que sejamos mais capazes de fazer perguntas que levam à resposta,
que é o Universo”, diz ele.
O livro, combinado com o envolvimento posterior de Musk com
videogames e jogos de tabuleiro de simulação, levou a um fascínio
vitalício pela ideia assustadora de que podemos ser meros peões numa
simulação criada por seres superiores. Como Douglas Adams escreve:
“Segundo uma teoria, se alguém descobrir exatamente para que o
Universo existe e por que está aqui, essa pessoa vai desaparecer
instantaneamente e ser substituída por algo ainda mais estranho e
inexplicável. Há outra teoria que diz que isso já aconteceu.”

Blastar
No fim dos anos 1970, o jogo de RPG Dungeons & Dragons se tornou
uma obsessão popular entre os geeks mundo afora. Elon, Kimbal e os
primos Rive mergulharam de cabeça no jogo, em que todos ficam
sentados em volta de uma mesa e, guiados por tabelas de personagens e
lances de dados, embarcam em aventuras de fantasia. Um dos jogadores
serve de mestre e arbitra a ação.
Elon em geral jogava como mestre e, surpreendentemente,
desempenhava o papel com gentileza. “Mesmo quando criança, Elon
tinha uma gama de comportamentos e humores”, diz o primo Peter
Rive. “Como mestre, ele era inacreditavelmente paciente, o que não é,
na minha experiência, aquilo que se espera da personalidade dele, se é
que você me entende. Mas acontece às vezes, e é muito lindo.” Em vez
de pressionar o irmão e os primos, ele era muito analítico ao descrever as
opções que os jogadores tinham em cada situação.
Juntos eles entraram em um torneio em Joanesburgo, no qual eram os
jogadores mais jovens. O mestre do torneio determinou qual seria a
missão deles: vocês precisam salvar esta mulher ao descobrir e matar o
vilão do jogo. Elon olhou para o mestre e disse: “Acho que você é o
vilão.” E então eles o mataram. Elon estava certo, e o jogo, que deveria
durar horas, acabou. Os organizadores os acusaram de trapacear e a
princípio tentaram negar a eles o prêmio. Musk, porém, conseguiu o que
queria. “Aqueles caras eram uns idiotas”, diz. “Era muito óbvio.”
Musk viu um computador pela primeira vez mais ou menos na época
em que completou 11 anos. Ele estava num shopping em Joanesburgo e
ficou apenas parado, olhando fixamente. “Eu lia revistas sobre
computadores”, diz, “mas nunca tinha visto um antes”. Assim como no
caso da moto, atormentou o pai para que ganhasse um. Errol era
estranhamente avesso a computadores, dizia que aquilo só servia para
jogos e era um desperdício de tempo, não servia para engenharia. Então,
Elon fez pequenos trabalhos, juntou dinheiro e comprou um
Commodore VIC-20, um dos primeiros computadores pessoais, capaz
de rodar jogos como Galaxian e Alpha Blaster, no qual cada jogador
tenta proteger a Terra contra invasores alienígenas.
O computador veio com um curso de programação em BASIC que
compreendia sessenta horas de aulas. “Fiz em três dias, quase sem
dormir.” Meses depois, Elon recortou um anúncio para uma conferência
sobre computadores pessoais na Universidade de Joanesburgo e disse ao
pai que queria participar. De novo, o pai resistiu. Era um seminário caro,
de cerca de 400 dólares, e não era para crianças. Elon respondeu que era
“essencial”, e ficou em pé ao lado do pai, encarando-o. Nos dias
seguintes, Elon tirava o anúncio do bolso e repetia o pedido.
Finalmente, o pai cedeu e pediu à universidade um desconto para Elon
ficar no fundo da sala. Quando Errol chegou para pegá-lo no fim do
evento, encontrou o filho conversando com três professores. “Esse
menino precisa de um computador novo”, declarou um deles.
Depois que tirou 10 num teste de habilidades de programação na
escola, Elon ganhou um IBM PC/XT e aprendeu, sozinho, a programar
usando Pascal e Turbo C++. Aos 13 anos, desenvolveu um videogame,
que chamou de Blastar, usando 123 linhas de BASIC e uma linguagem
de montagem simples para que os gráficos pudessem funcionar. Ele o
enviou para a revista PC and Office Technology, e o jogo apareceu na
edição de dezembro de 1984, com uma introdução curta que dizia:
“Neste jogo você tem que destruir um cargueiro espacial alienígena cheio
de bombas de hidrogênio mortais e metralhadoras de feixes de luz.”
Apesar de não estar claro o que são metralhadoras de feixes de luz, o
conceito parece interessante. A revista pagou 500 dólares para ele, que
seguiu escrevendo e vendeu para o periódico outros dois jogos, um
semelhante ao Donkey Kong e o outro, uma simulação de roleta e 21.
Começou, assim, um vício em videogames que dura até hoje. “Se você
estiver jogando com Elon, perde a noção do tempo e só para quando
precisa comer”, diz Peter Rive. Em uma viagem para Durban, Elon
descobriu como hackear jogos em um shopping. Ele conseguiu alterar o
sistema para que pudessem jogar por horas sem gastar sequer uma
moeda.
Então, Elon teve uma ideia ainda mais grandiosa: os primos
poderiam abrir um fliperama. “Sabíamos exatamente quais jogos eram
mais populares, então parecia uma boa ideia”, diz Elon. Ele descobriu
como o fluxo de caixa poderia financiar o aluguel das máquinas. No
entanto, quando os meninos tentaram obter o alvará, foram informados
de que era preciso alguém com mais de 18 anos para assinar o pedido.
Kimbal, que tinha acabado de preencher trinta páginas de formulários,
decidiu que não iam pedir a Errol. “Ele era muito severo”, diz Kimbal.
“Então, fomos até o pai de Russ e Pete, e ele surtou. Isso acabou com a
história toda.”
capítulo 5
Velocidade de escape
Deixando a África do Sul, 1989
Médico e Monstro
Aos 17 anos, depois de sete anos morando com o pai, Elon percebeu
que teria que fugir. A vida com ele estava cada vez mais enervante.
Havia momentos em que Errol era jovial e divertido, mas às vezes ele
se tornava sombrio, verbalmente abusivo e dominado por fantasias e
conspirações. “O humor dele podia mudar rápido”, diz Tosca. “Tudo
estava bem, então em um segundo ele se mostrava perverso e começava
com os insultos.” Era quase como se Errol tivesse dupla personalidade.
“Uma hora ele era supersimpático”, diz Kimbal, “e no minuto seguinte
estava gritando, dando sermões por horas — literalmente duas ou três
horas, durante as quais você era obrigado a ficar em pé —, te chamando
de inútil, patético, fazendo comentários grosseiros e maldosos, sem
permitir que você saísse”.
Os primos de Elon passaram a relutar em visitá-los. “A gente nunca
sabia o que nos esperava”, afirma Peter Rive. “Às vezes Errol dizia:
‘Acabei de comprar motos novas, vamos andar nelas.’ Em outras
ocasiões, ficava nervoso e ameaçador e, ai, meu Deus, nos obrigava a
limpar os banheiros com uma escova de dentes.” Enquanto Peter me
conta isso, para por um momento e então, um pouco hesitante, diz que
Elon de vez em quando tem oscilações de humor parecidas. “Se Elon
está de bom humor, é a coisa mais legal e divertida do mundo. Mas, se
está de mau humor, fica muito soturno, e você tem que pisar em ovos.”
Um dia Peter chegou e encontrou Errol sentado só de cueca diante da
mesa da cozinha com uma roleta de plástico. Ele estava tentando ver se
as micro-ondas podiam afetá-la. Ele girava a roleta, anotava o resultado
e então a girava de novo, colocava num forno de micro-ondas e anotava
o resultado. “Era uma loucura”, diz Peter. Errol estava convencido de
que podia encontrar um sistema para ganhar o jogo. Muitas vezes, ele
arrastou Elon para o cassino em Pretória, ocasião em que vestia o filho
de modo a parecer que tinha mais de 16 anos, e fazia o menino anotar os
números enquanto ele próprio usava uma calculadora escondida sob um
cartão de apostas.
Elon foi à biblioteca, leu livros sobre roleta e até escreveu um
programa de simulação de roleta no computador. Depois, tentou
convencer o pai de que nenhum dos esquemas dele iria funcionar. Mas
Errol acreditava ter encontrado uma verdade profunda sobre a
probabilidade e, como mais tarde descreveu para mim, uma “solução
quase total sobre o que é chamado de aleatoriedade”. Quando peço que
explique, ele diz: “Não há ‘eventos aleatórios’ ou ‘acaso’. Todos os
acontecimentos seguem a sequência de Fibonacci, como o conjunto de
Mandelbrot. Eu descobri a relação entre o ‘acaso’ e a sequência de
Fibonacci. É um tema para um artigo científico. Se eu compartilhar,
todas as atividades que dependem do ‘acaso’ serão arruinadas; então, não
sei se vou fazer isso.”
Não sei o que tudo isso significa. Nem Elon. “Não sei como ele
começou sendo um bom engenheiro e passou a acreditar em bruxaria”,
diz. “Mas ele de alguma forma fez essa evolução.” Errol pode ser muito
insistente e, às vezes, convincente. “Ele muda a realidade em torno
dele”, diz Kimbal. “Literalmente inventa coisas, mas de fato acredita em
sua falsa realidade.”
Às vezes Errol fazia para os filhos afirmações absurdas, que não
tinham relação com os fatos, como quando insistia que nos Estados
Unidos o presidente era considerado um deus e não podia ser criticado.
Em certas ocasiões, criava histórias fantasiosas que o pintavam ou como
herói ou como vítima. Tudo era apresentado com tanta convicção que
Elon e Kimbal se pegavam questionando a própria realidade. “Dá para
imaginar como é crescer assim?”, diz Kimbal. “Era tortura psicológica, e
isso te contagia. Você acaba se perguntando o que é real.”
Eu me vi preso na rede de Errol da mesma maneira. Em uma série de
ligações e e-mails trocados durante dois anos, ele fez relatos diferentes
acerca da relação familiar e dos sentimentos por seus filhos, Maye e sua
filha adotiva, com quem ele teria dois outros filhos depois (falarei mais
sobre isso adiante). “Elon e Kimbal criaram uma história sobre como eu
era, e não é baseada em fatos”, diz. As histórias que os filhos contam
sobre ele ser psicologicamente abusivo, insiste Errol, são contadas para
agradar à mãe. Contudo, quando o pressiono, ele me fala para usar a
versão deles. “Não me importo que tenham escolhido uma narrativa
diferente, desde que estejam felizes. Não desejo que coloquem minha
palavra contra a deles. Deixem os holofotes para eles.”

***

Ao falar sobre o pai, Elon às vezes solta uma risada meio dura e amarga.
É parecida com a risada de Errol. Algumas das palavras que Elon usa, a
maneira como olha fixamente, as mudanças repentinas, fazem a família
se lembrar do Errol que habita dentro dele. “Eu via resquícios dessas
histórias terríveis que o Elon me contou surgirem no próprio
comportamento dele”, diz Justine, sua primeira esposa. “Isso me fez
perceber como é difícil não se deixar moldar por aquilo com que
crescemos, mesmo quando não é o que queremos.” Volta e meia, ela se
permitia dizer algo como: “Você está virando seu pai.” Ela me explica:
“Era nossa senha para alertar que ele estava adentrando as trevas.”
No entanto, Justine diz que Elon, que sempre esteve emocionalmente
envolvido com os filhos, é diferente do pai em algo fundamental. “Com
Errol havia a sensação de que coisas realmente ruins poderiam acontecer
perto dele”, relata ela. “Mas se o apocalipse zumbi acontecesse, você ia
querer Elon no seu time, porque ele descobriria uma maneira de colocar
os zumbis na linha. Ele pode ser muito duro, mas, no fim das contas,
você pode confiar que ele encontrará uma maneira de sobreviver.”
Para que isso acontecesse, ele tinha que seguir em frente. Era hora de
deixar a África do Sul.

Passagem só de ida
Musk começou a pressionar tanto a mãe quanto o pai, tentando
convencê-los a se mudarem para os Estados Unidos e levá-lo juntamente
com os irmãos. Nenhum dos dois estava interessado. “Então pensei:
Bem, vou ter que ir sozinho.”
Primeiro ele tentou obter a cidadania norte-americana com a alegação
de que o avô materno nascera em Minnesota, mas não conseguiu porque
a mãe dele nasceu no Canadá e nunca pediu a cidadania do país vizinho.
Então, ele chegou à conclusão de que ir para o Canadá podia ser um
primeiro passo mais fácil. Elon foi ao consulado canadense sozinho,
pegou os formulários para o passaporte e preencheu não só os dados
dele, como também os da mãe, do irmão e da irmã (mas não os do pai).
As autorizações saíram no fim de maio de 1989.
“Eu teria partido no dia seguinte, mas na época as passagens aéreas
eram mais baratas se você comprasse com catorze dias de antecedência”,
diz ele, “então tive que esperar duas semanas”. Em 11 de junho de 1989,
cerca de duas semanas antes do aniversário de 18 anos, Elon jantou no
melhor restaurante de Pretória, o Cynthia’s, com o pai e os irmãos, que
depois o levaram ao aeroporto de Joanesburgo.
“Você vai voltar em alguns meses”, conta Elon o que o pai lhe disse
com desdém. “Você nunca vai ser bem-sucedido.”
Como sempre, Errol tem sua própria versão da história, na qual ele é
o herói. De acordo com ele, Elon ficou seriamente deprimido durante o
último ano do ensino médio. O desespero chegou ao extremo no Dia da
República, 31 de maio de 1989. A família estava se preparando para ver
o desfile, mas Elon se recusou a sair da cama. O pai se encostou na
grande escrivaninha no quarto de Elon, sobre ela o computador usado, e
disse: “Quer estudar nos Estados Unidos?” Elon se animou: “Sim.”
Errol alega o seguinte: “Foi ideia minha. Até aquele momento, ele
nunca tinha dito que queria ir para os Estados Unidos. Então eu disse:
‘Bem, amanhã você tem que encontrar o adido cultural americano’, que
era meu amigo do Rotary.”
A versão do pai, segundo Elon, era outra das elaboradas fantasias de
Errol que o colocam como herói. Nesse caso, provavelmente era
mentira. No Dia da República de 1989, ele já tinha um passaporte
canadense e estava com a passagem aérea comprada.
capítulo 6
Canadá
1989

No celeiro de seu primo em Saskatchewan e na própria cama, em Toronto


Imigrante
Há um mito crescente de que Musk, por causa dos períodos de sucesso
do pai, chegou à América do Norte em 1989 com muito dinheiro, talvez
com os bolsos cheios de esmeraldas. Errol às vezes incentivava essa
percepção. Na realidade, porém, o que Errol tinha conseguido na mina
de esmeralda na Zâmbia perdera o valor anos antes. Quando Elon
deixou a África do Sul, o pai deu a ele 2 mil dólares em traveler’s checks
e a mãe forneceu outros 2 mil dólares que sacou de uma conta de
investimentos que abrira com o dinheiro ganho em um concurso de
beleza na adolescência. Caso contrário, só o que Elon teria ao chegar a
Montreal seria uma lista de parentes da mãe que ele não conhecia.
Elon planejava ligar para o tio da mãe, mas descobriu que ele havia se
mudado de Montreal. Então, Elon foi para um albergue, onde
compartilhava o quarto com outras cinco pessoas. “Eu estava
acostumado com a África do Sul, onde as pessoas te roubavam e
matavam”, diz. “Então, dormi abraçado com minha mochila até
constatar que nem todo mundo era assassino.” Ele andava pela cidade,
maravilhado de ver que não havia grades nas janelas.
Depois de uma semana, ele comprou um Greyhound Discovery Pass
de 100 dólares que permitia a ele viajar de ônibus para qualquer lugar no
Canadá por seis meses. Elon tinha um primo de segundo grau da
mesma idade, Mark Teulon, que vivia numa fazenda na província de
Saskatchewan, não muito longe de Moose Jaw, onde os avós tinham
vivido, então foi para lá. Ficava a quase 3 mil quilômetros de Montreal.
O ônibus, que parava em cada vilarejo, levou dias para cruzar o
Canadá. Em uma das paradas, Elon saltou para comer e, bem quando o
ônibus estava saindo, entrou de volta correndo. Infelizmente, porém, o
motorista havia desembarcado a mala dele com os traveler’s checks e as
roupas. Tudo que ele tinha era uma mochila com livros que carregava
para todo lado. A dificuldade para substituir os traveler’s checks
(demorou semanas) foi uma primeira experiência de como os sistemas
de pagamento precisavam de mudanças.
Quando chegou à cidade perto da fazenda do primo, Elon gastou
parte do dinheiro que tinha no bolso para telefonar. “Ei, aqui é o Elon,
seu primo da África do Sul”, disse. “Estou na rodoviária.” O primo
apareceu com o pai, levou Elon a uma churrascaria Sizzler e o convidou
para ficar na fazenda de trigo, onde fizeram-no limpar silos de grãos e
ajudar na construção de um celeiro. Lá ele comemorou o aniversário de
18 anos e teve direito a um bolo caseiro em que se lia “Feliz Aniversário,
Elon” escrito com cobertura de chocolate.
Depois de seis semanas, embarcou no ônibus e seguiu para
Vancouver, a mais de 1.600 quilômetros dali, para ficar na casa do meio-
irmão da mãe. Quando foi a uma agência de emprego, Elon percebeu
que a maioria dos trabalhos pagava 5 dólares a hora. Entretanto, havia
um que pagava 18 dólares a hora: limpar as caldeiras de uma serraria.
Para isso era preciso vestir um traje de proteção e passar por um
pequeno túnel que levava à câmara onde a polpa de madeira estava
sendo fervida enquanto retirava a cal que havia endurecido nas paredes.
“Se a pessoa no fim do túnel não removesse a gosma rápido o suficiente,
ficaria presa enquanto se desmanchava em suor”, relembra. “Era como
um pesadelo dickensiano steampunk, cheio de canos pretos e som de
britadeiras.”

Maye e Tosca
Enquanto Elon estava em Vancouver, Maye Musk voou da África do
Sul para lá, depois de decidir que também ia se mudar. Ela mandava
relatos de campo para Tosca. Vancouver era fria demais e chuvosa,
escreveu ela. Montreal era empolgante, mas as pessoas lá falavam
francês. Toronto, concluiu, era o lugar para onde deveriam ir. Tosca
prontamente vendeu a casa e os móveis deles na África do Sul e em
seguida se juntou à mãe em Toronto, para onde Elon também se
mudara. Kimbal ficou em Pretória para terminar o último ano do ensino
médio.
A princípio, todos moraram num apartamento de um quarto em
Toronto, com Tosca e a mãe compartilhando a cama enquanto Elon
dormia no sofá. Eles tinham pouco dinheiro. Maye se lembra de ter
chorado certa vez ao derramar um pouco de leite, porque não havia
dinheiro para comprar mais.
Tosca conseguiu um emprego numa lanchonete, Elon, um estágio no
escritório da Microsoft em Toronto, e Maye começou a trabalhar na
universidade, numa agência de modelos e como nutricionista. “Eu
trabalhava todos os dias e quatro noites por semana”, diz Maye. “Saí
uma tarde de domingo para lavar roupa e comprar comida. Não tinha a
menor ideia do que meus filhos estavam fazendo, porque nunca estava
em casa.”
Depois de alguns meses, eles estavam ganhando dinheiro suficiente
para pagar o aluguel de um apartamento de três quartos regulamentado
pelo governo. O lugar tinha papel de parede de feltro, o qual Maye
teimou para que Elon arrancasse, e um carpete horrível. Eles
pretendiam comprar um carpete novo de 200 dólares, mas Tosca insistiu
em um de 300 dólares, mais grosso, porque Kimbal e o primo Peter Rive
estavam chegando para ficar com eles e poderiam dormir no chão. A
segunda grande compra foi um computador para Elon.
Ele não tinha amigos nem vida social em Toronto, e passava a maior
parte do tempo lendo ou trabalhando no computador. Tosca, por sua
vez, era uma adolescente insolente, que ansiava ir para a rua. “Vou com
você”, declarava Elon, por não querer ficar sozinho. “Não, não vai”,
respondia ela. E, quando o irmão insistia, ela decretava: “Você tem que
ficar a três metros de distância o tempo todo.” Ele ficava. Andava atrás
de Tosca e dos amigos dela, carregando um livro para ler sempre que
eles entravam numa boate ou numa festa.
Dançando com Kimbal em Toronto
capítulo 7
Queen’s
Kingston, Ontário, 1990-1991

Com Navaid Farooq na Queen’s e vestido com seu novo terno


Relações industriais
As notas de Musk nas provas de admissão para a faculdade não eram
particularmente extraordinárias. Em uma segunda rodada dos testes
SAT — exame educacional padronizado usado como critério de
admissão —, ele tirou 670 de 800 no exame verbal e 730 em
matemática. Elon limitou as escolhas a duas universidades que ficavam
perto de Toronto: Waterloo e Queen’s. “Waterloo era definitivamente
melhor em engenharia, mas não parecia boa do ponto de vista social”,
diz. “Havia poucas garotas lá.” Ele sentia que conhecia ciência da
computação e engenharia tão bem quanto qualquer professor em
qualquer uma dessas instituições, mas desejava desesperadamente uma
vida social. “Eu não queria passar meus anos na universidade com um
monte de caras.” Então, no outono de 1990, ele se matriculou na
Queen’s.
Musk foi colocado no “andar internacional” de um dos alojamentos e
no primeiro dia conheceu um estudante chamado Navaid Farooq, que se
tornou o primeiro e duradouro amigo fora da família. O pai de Farooq
era paquistanês e a mãe, canadense, e ele fora criado na Nigéria e na
Suíça, onde os pais trabalhavam para organizações das Nações Unidas.
Como Elon, ele não tinha amigos próximos no ensino médio. Na
Queen’s, ele e Musk rapidamente se tornaram amigos por conta dos
mútuos interesses em jogos de computador e de tabuleiro, histórias
sombrias e ficção científica. “Para mim e Elon”, diz Farooq, “foi talvez o
primeiro lugar em que fomos aceitos socialmente e onde podíamos ser
nós mesmos”.
Durante o primeiro ano, Musk tirou A em administração, economia,
cálculo e programação de computadores, mas tirou B em contabilidade,
espanhol e relações industriais. No ano seguinte, fez outro curso de
relações industriais, que estuda as relações entre trabalhadores e gestores.
De novo, tirou B. Tempos depois, disse para a revista de ex-alunos da
Queen’s que o que aprendeu de mais importante durante seus dois anos
lá foi “como trabalhar colaborativamente com pessoas inteligentes e usar
o método socrático para conquistar um objetivo em comum”, uma
habilidade, assim como as das relações industriais, que os futuros colegas
perceberiam ter sido apenas parcialmente aperfeiçoada.
Ele estava mais interessado nas discussões filosóficas sobre o
significado da vida que aconteciam tarde da noite. “Eu estava ávido por
isso”, diz, “porque até ali eu não tinha amigos com quem pudesse
conversar sobre essas coisas”. Acima de tudo, ele se envolveu, com
Farooq a seu lado, no mundo de jogos de computador e de tabuleiro.

Jogos de estratégia
“O que você vai fazer não é racional”, explicou Musk em sua voz
monótona. “Você está realmente se machucando.” Ele e Navaid Farooq
estavam jogando Diplomacia — um jogo de estratégia de tabuleiro —
com amigos no dormitório, e um dos jogadores estava se aliando com
outros contra Musk. “Se você fizer isso, vou botar seus aliados contra
você e te causar dor.” Musk costumava ganhar, diz Farooq, por ser
convincente em suas negociações e ameaças.
Musk gostava de todo tipo de videogame quando era adolescente na
África do Sul, incluídos jogos de tiro em primeira pessoa e jogos de
aventura, mas na universidade ele se dedicou mais a um gênero
conhecido como jogos de estratégia — em que dois ou mais jogadores
competem para construir um império usando estratégia de alto nível,
gerenciamento de recursos, logística de cadeia produtiva e pensamento
tático.
Jogos de estratégia — primeiro os de tabuleiro e depois os de
computador — iriam se tornar centrais na vida de Musk. Desde The
Ancient Art of War, que ele jogava quando adolescente, ao vício em The
Battle of Polytopia três décadas depois, ele saboreava os preparativos
complexos e o gerenciamento competitivo dos recursos que são
necessários para vencer. Dedicar-se a esses jogos por horas a fio se
tornou o modo de ele relaxar, de escapar do estresse e de aprimorar as
habilidades táticas e o pensamento estratégico para os negócios.
Enquanto estavam na Queen’s, o primeiro grande jogo de estratégia
para computador foi lançado: Civilization. Nele, os jogadores competem
para construir uma sociedade da pré-história até o presente mediante a
escolha de quais tecnologias desenvolver e quais indústrias construir.
Musk mudou sua escrivaninha de lugar para poder se sentar na cama e
jogar com Farooq, numa cadeira de frente para ele. “Entramos
completamente no jogo por horas, até ficarmos exaustos”, diz Farooq.
Eles passaram para Warcraft: Orcs and Humans, em que a parte principal
da estratégia é desenvolver fontes sustentáveis de recursos, tais como
metais de minas. Depois de horas jogando, eles paravam para comer e
Elon descrevia o momento em que sabia que ia ganhar. “Sou
programado para a guerra”, dizia ele a Farooq.
Uma das disciplinas na Queen’s usava um jogo de estratégia no qual
as equipes competiam em uma simulação de desenvolvimento de um
negócio. Os jogadores podiam decidir os preços dos produtos, a
quantidade gasta em publicidade, quanto do lucro investir em pesquisa e
outras variáveis. Musk descobriu como fazer engenharia reversa da
lógica que controlava a simulação, e vencia todas as vezes.

Trainee de banco
Quando Kimbal se mudou para o Canadá e se juntou a Elon como
aluno na Queen’s, os irmãos criaram uma rotina. Eles liam o jornal e
escolhiam a pessoa que achavam mais interessante. Elon não era um dos
entusiastas que gostavam de atrair e encantar mentores, por isso Kimbal,
mais gregário, assumiu o papel de telefonar para eles. “Se
conseguíssemos falar com a pessoa, geralmente ela almoçava conosco”,
diz.
Uma pessoa que eles contataram foi Peter Nicholson, o executivo
responsável pelo planejamento estratégico no Scotiabank. Nicholson era
engenheiro com mestrado em física e doutorado em matemática.
Quando Kimbal conseguiu falar com ele, Nicholson concordou em
almoçar com os irmãos. A mãe deles os levou a uma loja de
departamentos no shopping em Eaton, onde por 99 dólares você
comprava um terno e ganhava uma camisa e uma gravata de brinde. No
almoço, eles discutiram filosofia e física e a natureza do Universo.
Nicholson ofereceu a eles estágios de verão, e Elon foi convidado para
trabalhar diretamente com o executivo em sua equipe de planejamento
estratégico de três pessoas.
Nicholson, que tinha 49 anos na época, e Elon se divertiam juntos
resolvendo quebra-cabeças e equações estranhas. “Eu estava interessado
no lado filosófico da física e no modo como aquilo se relacionava com a
realidade”, diz Nicholson. “Não havia muitas pessoas com quem
conversar sobre isso.” Eles também discutiam a respeito do que se
tornara a paixão de Musk: viagens espaciais.
Certa noite, quando Elon acompanhou a filha de Nicholson,
Christie, a uma festa, a primeira pergunta que fez foi: “Você já pensou
em carros elétricos?” Como ele admitiria tempos depois, não era a
melhor cantada do mundo.

***

Um assunto que Musk pesquisou para Nicholson era a dívida da


América Latina. Os bancos tinham bilhões em empréstimos para países
como o Brasil e o México que não podiam ser quitados, e em 1989 o
secretário do Tesouro norte-americano, Nicholas Brady, reuniu essas
obrigações de dívida em títulos negociáveis conhecidos como “títulos
Brady”. Como esses títulos eram garantidos pelo governo dos Estados
Unidos, Musk acreditava que eles sempre valeriam 50 centavos por
dólar. No entanto, alguns estavam à venda por até 20 centavos.
Musk imaginou que o Scotiabank poderia ganhar bilhões se
comprasse os títulos por esse preço, e ligou para a mesa de negociação
do Goldman Sachs em Nova York para ter certeza de que estavam
disponíveis. “Sim, quanto você quer?”, respondeu o vendedor
grosseiramente pelo telefone. “Seria possível comprar 5 milhões de
dólares?”, perguntou Musk, num tom de voz sério e grave. Quando o
vendedor disse que não seria problema, Musk desligou rapidamente.
“Eu pensei: Pronto, não tem erro”, diz. “Corri para contar ao Peter, e
achei que me dariam algum dinheiro para fazer isso.” Mas o banco
rejeitou a ideia. O CEO disse que já tinha muitos títulos da dívida
latino-americana. “Uau, isso é uma loucura”, disse Musk para si mesmo.
“É assim que os bancos pensam?”
Nicholson diz que o Scotiabank estava tratando a situação da dívida
da América Latina usando os próprios métodos, que funcionavam
melhor. “Ele ficou com a impressão de que o banco era mais burro do
que realmente era”, diz Nicholson. “Mas foi positivo, porque deu a ele
um desrespeito saudável pela indústria financeira e a audácia para mais
tarde começar o que se tornou a PayPal.”
Musk também aprendeu outra lição em seu tempo no Scotiabank: ele
não gostava de trabalhar para outras pessoas, não se saía bem nisso. Não
era da natureza dele mostrar deferência ou presumir que os outros
pudessem saber mais do que ele.
capítulo 8
Penn
Filadélfia, 1992-1994

Com Robin Reb na Penn; com o primo Peter Rive e Kimbal em Boston
Física
Musk ficou entediado na Queen’s. O lugar era lindo, mas não era
academicamente desafiador. Então, quando um dos colegas se transferiu
para a Universidade da Pensilvânia, ele decidiu tentar o mesmo.
Dinheiro era um problema. O pai não estava ajudando e a mãe tinha
três empregos para conseguir pagar as contas. Entretanto, a Penn
ofereceu a ele uma bolsa de estudos de 14 mil dólares mais um
empréstimo estudantil, de modo que em 1992 ele se transferiu para lá a
fim de cursar o terceiro ano.
Elon decidiu se formar em física porque, assim como o pai, ele sentia
atração pela engenharia. A essência de ser um engenheiro, para ele, era
enfrentar qualquer problema reduzindo-o aos princípios básicos da
física. Elon também decidiu se formar em administração. “Eu receava
que, se não estudasse administração, seria forçado a trabalhar para
alguém que estudou”, diz. “Meu objetivo era projetar produtos tendo
uma noção da física, e nunca precisar trabalhar para um chefe com um
diploma de administração.”
Apesar de não ser nem político nem gregário, ele se candidatou para o
centro acadêmico. Uma das promessas de campanha provocava aqueles
que tentavam se eleger para abrilhantar seus currículos. A promessa final
da plataforma de campanha dele era: “Se este cargo um dia aparecer no
meu currículo, prometo ficar de cabeça para baixo e comer cinquenta
cópias do documento em um lugar público.” Felizmente Elon perdeu, o
que o salvou de entrar para a política estudantil, um mundo no qual não
se encaixava. Em vez disso, ele se encaixou perfeitamente na multidão
de geeks que gostava de fazer piadas inteligentes que envolviam forças
científicas, jogar Dungeons & Dragons, videogames e escrever código de
computador.
O amigo mais próximo dele nesse grupo era Robin Ren, que venceu
uma olimpíada de física no seu país natal, a China, antes de ir para a
Penn. “Ele era a única pessoa melhor do que eu em física”, confessa
Musk. Eles se tornaram parceiros no laboratório de física, onde
estudaram como as propriedades de diversos materiais mudavam quando
submetidas a altas temperaturas. No fim de um conjunto de
experimentos, Musk tirou as borrachas dos lápis, jogou-as numa jarra de
líquido superfrio e estilhaçou tudo ao jogar no chão. Ele queria conhecer
as propriedades dos materiais e das ligas em diferentes temperaturas e
ser capaz de vê-las.
Ren lembra que Musk estava concentrado em três áreas que iriam
definir sua carreira. Quer estivesse calibrando a força da gravidade ou
analisando as propriedades dos materiais, ele discutia com Ren como as
leis da física se aplicavam à construção de foguetes. “Elon sempre falava
sobre fazer um foguete que pudesse viajar até Marte”, relembra Ren. “É
óbvio que eu não prestei muita atenção, porque achei que ele estava
fantasiando.”
Musk também se concentrou em carros elétricos. Ele e Ren
compravam o almoço de um dos food trucks e se sentavam no gramado
do campus, onde Musk revisava trabalhos acadêmicos sobre baterias. A
Califórnia tinha acabado de aprovar um requerimento que exigia que
10% dos veículos fossem elétricos até 2003. “Eu queria fazer acontecer”,
disse Musk.
Musk também se convenceu de que a energia solar, que em 1994
estava começando a evoluir, era o melhor caminho em direção à energia
sustentável. Seu trabalho de conclusão de curso era intitulado “A
importância de ser solar”. Ele era motivado não só pelo perigo da
mudança climática, mas também pelo fato de que as reservas de
combustíveis fósseis iriam começar a declinar. “A sociedade em breve
não teria outra opção além de buscar fontes de energia renováveis”,
escreveu ele. A última página mostrava uma “estação de energia do
futuro” que tinha um satélite com espelhos capazes de concentrar a luz
solar em painéis e enviar a energia resultante de volta para a Terra por
meio de um raio de micro-ondas. O professor deu a ele nota 98 e disse
que era um “artigo muito interessante e bem escrito, exceto pela última
imagem, que surge do nada”.

Festeiro
Durante a vida, Musk encontrou três maneiras de escapar do drama
emocional que tendia a criar. A primeira foi a que ele compartilhou com
Navaid Farooq na Queen’s: a capacidade de se concentrar em jogos de
estratégia e construção de impérios, como Civilization e Polytopia.
Robin Ren refletiu sobre outra faceta de Musk: o leitor de enciclopédia
que gostava de mergulhar na “vida, no Universo e em tudo mais”, como
define O guia do mochileiro das galáxias.
Na Penn, Musk desenvolveu uma terceira forma de relaxamento: um
gosto pelas festas, que o tirou da concha solitária que o cercara na
infância. Seu parceiro e facilitador, Adeo Ressi, era um sujeito sociável
que gostava de diversão. Alto, de cabeça grande, risada expansiva e
personalidade forte, Ressi era um ítalo-americano de Manhattan que
amava casas noturnas. Excêntrico, ele fundou um jornal sobre meio
ambiente, o Green Times, e tentou criar sua própria disciplina na
faculdade, chamada revolução, usando exemplares do jornal como
trabalho de conclusão de curso.
Assim como Musk, Ressi veio transferido de outra faculdade, por isso
os dois foram colocados no dormitório dos calouros, em que havia regras
proibindo festas e visitantes depois das dez horas. Nenhum deles gostava
de seguir regras, de modo que alugaram uma casa numa parte pobre no
oeste da cidade.
Ressi elaborou um esquema para dar uma grande festa mensalmente.
Eles cobriam as janelas e decoravam a casa com luzes negras e pôsteres
fluorescentes. Certa vez, Musk descobriu que sua mesa tinha sido
pintada com tinta que brilha no escuro e pregada na parede por Ressi,
que chamou aquilo de instalação artística. Musk a tirou da parede e
declarou que não, era uma mesa. Eles encontraram uma escultura de
metal da cabeça de um cavalo num ferro-velho e colocaram uma luz
vermelha dentro, para que saíssem raios pelos olhos. Havia uma banda
em um andar, um DJ em outro, mesas com cerveja e shots de vodca com
gelatina, e alguém na porta cobrava 5 dólares a entrada. Em algumas
noites apareciam quinhentas pessoas, o que dava de sobra para pagar o
aluguel mensal.
Quando Maye o visitou, ficou chocada. “Enchi oito sacos de lixo e
varri o lugar, e achei que eles ficariam agradecidos”, diz ela. “Mas eles
nem repararam.” Na noite da festa, eles colocaram Maye no quarto de
Elon, perto da entrada, para guardar casacos e o dinheiro. Ela ficou com
uma tesoura na mão, pois achou que poderia usá-la contra qualquer um
que tentasse roubar o caixa, e colocou o colchão de Elon encostado
numa das paredes externas. “A casa tremia e sacudia tanto com a música
que achei que o teto fosse cair, então cheguei à conclusão de que, se eu
ficasse na extremidade da casa, estaria mais segura.”
Apesar de Elon amar a atmosfera das festas, nunca se deixou levar
totalmente por elas. “Eu não bebia na época”, diz. “Adeo ficava
completamente bêbado. Eu batia na porta dele e falava: ‘Cara, você
precisa vir cuidar da festa.’ Acabei sendo o cara que tinha que ficar de
olho nas coisas.”
Ressi mais tarde se diria maravilhado por ver que Musk geralmente
parecia indiferente. “Ele gostava de estar perto de uma festa, mas não
muito dentro. A única coisa para a qual ele se entregava eram
videogames.” Apesar de todas as festas, ele entendeu que Musk era
fundamentalmente alienado e indiferente, como um observador de outro
planeta que tenta aprender as jogadas da sociabilidade. “Eu gostaria que
o Elon soubesse como ser um pouco mais feliz”, diz Ressi.
capítulo 9
Rumo a oeste
Vale do Silício, 1994-1995

Julho de 1994
Estágio de verão
Nas universidades da Ivy League nos anos 1990, alunos ambiciosos eram
atraídos ou para o leste, o reino dourado das finanças em Wall Street, ou
para o oeste, rumo à utopia tecnológica e ao fervor empreendedor do
Vale do Silício. Na Penn, Musk recebeu algumas ofertas de estágio de
Wall Street, todas lucrativas, mas o mercado financeiro não o
interessava. Ele achava que banqueiros e advogados não contribuíam
muito para a sociedade. Além disso, não gostava dos alunos que
conhecera nas aulas de administração. Em vez disso, se sentia atraído
pelo Vale do Silício. Era a década de exuberância racional, quando
bastava que alguém colocasse um .com em qualquer fantasia e esperasse
pelo rugido dos Porsches se aproximando pela Sand Hill Road com
investidores acenando com cheques.
Musk conseguiu essa oportunidade no verão de 1994, entre seu
primeiro e segundo anos na Penn, quando fez dois estágios que
permitiam que ele saciasse suas paixões por veículos elétricos, espaço e
videogames.
Durante o dia, ele trabalhava no Pinnacle Research Institute,
basicamente um grupo de vinte pessoas que tinha um contrato modesto
com o Departamento de Defesa para estudar um “ultracapacitor”
desenvolvido pelo seu fundador. Um capacitor é um dispositivo que
pode manter brevemente uma carga elétrica e liberá-la rápido, e a
Pinnacle pensou que podia construir um modelo potente o suficiente
para fornecer energia a carros elétricos e armas espaciais. Em um artigo
que escreveu no fim do verão, Musk declarou: “É importante perceber
que o ultracapacitor não é uma simples melhoria, mas uma tecnologia
radicalmente nova.”
À noite, Musk trabalhava para uma pequena empresa chamada
Rocket Science, que criava videogames. Quando ele apareceu no prédio
certa vez e pediu um estágio de verão, lhe deram um problema que não
tinham conseguido resolver: como fazer o computador realizar
multitarefas lendo gráficos gravados num CD-ROM enquanto
simultaneamente move um avatar na tela. Ele entrou em um fórum de
discussão para perguntar a outros hackers como evitar o BIOS e o leitor
de joystick usando o DOS. “Nenhum dos engenheiros seniores tinha
conseguido resolver esse problema, e eu resolvi em duas semanas”, conta.
Eles ficaram impressionados e queriam que Musk trabalhasse em
tempo integral, mas ele precisava se formar para conseguir um visto de
trabalho nos Estados Unidos. Além disso, Elon chegou a uma
conclusão: era apaixonado por videogame e tinha as habilidades para
ganhar dinheiro criando jogos, mas essa não era a melhor maneira de
levar a vida. “Eu queria causar um impacto maior”, diz.

Rei da estrada
Uma tendência infeliz dos anos 1980 foi a de tornar carros e
computadores máquinas hermeticamente vedadas. Era possível abrir e
brincar com as peças de um Apple II que Steve Wozniak desenvolveu no
fim dos anos 1970, mas não dava para fazer isso com o Macintosh, que
Steve Jobs tornou quase impossível de abrir em 1984. Do mesmo modo,
as crianças até os anos 1970 ficavam fuçando na mecânica dos carros,
mexendo nos carburadores, mudando velas e turbinando os motores.
Elas sabiam avaliar válvulas e Valvoline usando a ponta dos dedos. Esse
imperativo de colocar a mão na massa e a tradição dos kits de montar se
aplicavam até mesmo a aparelhos de rádio e televisão; se quisesse, você
podia mudar os tubos e também os transistores e ter certa noção do
funcionamento de um circuito.
Essa tendência de se fabricarem dispositivos fechados e selados
significava que a maioria dos técnicos que cresceu nos anos 1990 se
dedicou mais ao software do que ao hardware. Eles não sentiram o doce
cheiro do ferro de solda, mas programavam de maneira a fazer os
circuitos cantarem. Musk era diferente. Ele gostava tanto do hardware
quanto do software. Ele programava, mas também tinha um talento para
componentes físicos, como células de baterias e capacitores, válvulas e
câmaras de combustão, bombas de combustível e correia do alternador.
Musk tinha uma paixão especial por mexer em carros. Na época, ele
tinha uma BMW 300i de 21 anos, e passava os sábados vasculhando
ferros-velhos na Filadélfia à procura das peças de que precisava para
turbinar o carro. Ele tinha uma transmissão de quatro velocidades, mas
decidiu aprimorá-la quando a BMW começou a fabricar uma de cinco
velocidades. Pegando emprestado um macaco em uma oficina local,
Musk conseguiu, com alguns calços e um pouco de retificação, enfiar
uma transmissão de cinco marchas no que antes era um carro de quatro
marchas. “Aquilo podia arrastar um trem”, lembra ele.
No fim dos estágios de verão em 1994, ele e Kimbal dirigiram o carro
de Palo Alto até a Filadélfia. “Nós dois achávamos a universidade um
saco, e não tínhamos pressa para voltar”, lembra Kimbal, “então, fizemos
uma viagem de carro de três semanas”. O carro vivia quebrando. Uma
vez, eles conseguiram levá-lo até uma concessionária em Colorado
Springs, mas depois o carro acabou pifando de novo. Os dois
empurraram a BMW até uma parada de caminhões, onde Elon
conseguiu refazer tudo que o mecânico profissional tinha feito.
Musk também viajou na BMW com a garota que namorava na época,
Jennifer Gwyne. Durante o feriado de Natal em 1994, eles foram da
Filadélfia até a Queen’s University, onde Kimbal ainda estudava, e
depois até Toronto para ver Maye. Lá Musk deu a Jennifer um colar de
ouro com uma pequena esmeralda. “A mãe dele tinha vários desses
colares numa caixa no quarto, e Elon me disse que eram da mina de
esmeralda do pai na África do Sul... Ele tirou um da caixa”, destacou
Jennifer 25 anos depois, quando o leiloou pela internet. Na realidade, a
mina, havia muito falida, não ficava na África do Sul e não era do pai
dele, mas na época ele não se importava em passar essa impressão.
Quando se formou, na primavera de 1995, Musk decidiu fazer outra
viagem pelo país até o Vale do Silício. Ele levou junto Robin Ren,
depois de ensiná-lo a dirigir usando câmbio manual. Eles pararam no
recém-inaugurado Aeroporto de Denver, porque Musk queria ver o
sistema de manuseio de bagagem. “Ele estava fascinado com os robôs
desenvolvidos para lidar com as bagagens sem intervenção humana”,
relata Ren. Mas o sistema era uma bagunça. Musk aprendeu uma lição
que iria ter que reaprender quando construísse as altamente robóticas
fábricas da Tesla. “Era automatizado demais, e eles subestimaram a
complexidade do que estavam construindo”, diz ele.

A onda da internet
Musk planejava se matricular em Stanford no fim do verão para estudar
ciência dos materiais na graduação. Ainda fascinado por capacitores, ele
queria pesquisar como alimentar carros elétricos com eles. “A ideia era
aproveitar equipamentos de produção de chips para fazer
ultracapacitores de estado sólido com densidade de energia suficiente
para dar longo alcance a um carro”, diz. Contudo, quando a hora de se
matricular foi se aproximando, ele começou a se preocupar. “Percebi que
poderia passar muitos anos em Stanford, terminar o doutorado, e chegar
à conclusão de que os capacitores não eram viáveis”, comenta ele. “A
maioria das pessoas com doutorado é irrelevante. Quase nenhuma
promove alguma mudança de fato.”
À época, ele tinha concebido uma visão que iria repetir como um
mantra. “Pensei sobre coisas que afetariam de verdade a humanidade”,
relata ele. “Cheguei a três: internet, energia sustentável e viagem
espacial.” No verão de 1995, ficou evidente para Musk que a primeira
dessas coisas, a internet, não iria esperar que ele terminasse a faculdade.
A web havia acabado de ser aberta para uso comercial, e naquele agosto
a startup do navegador Netscape abriu o capital e chegou, em apenas um
dia, ao valor de mercado de 2,9 bilhões de dólares.
No seu último ano na Penn, Musk teve uma ideia para uma empresa
de internet, quando um executivo da NYNEX deu uma palestra sobre os
planos da empresa de telefonia de lançar uma versão on-line das Páginas
amarelas. Chamada de Big Yellow, ela teria itens interativos para que os
usuários adaptassem as informações às necessidades pessoais, disse o
executivo. Musk pensou (e acertou, no fim das contas) que a NYNEX
não tinha ideia de como torná-la realmente interativa. “Por que não
fazemos nós mesmos?”, sugeriu ele a Kimbal, e começou a programar de
forma a combinar as informações dos negócios com dados geográficos.
Ele chamou aquilo de Virtual City Navigator.
Pouco antes do prazo final para se matricular em Stanford, Musk foi
a Toronto a fim de se aconselhar com Peter Nicholson, do Scotiabank.
Ele deveria prosseguir com a ideia do Virtual City Navigator ou
começar o doutorado? Nicholson, que era doutor por Stanford, foi
categórico. “A revolução da internet só vai acontecer uma vez na vida;
então, vá nessa enquanto a forja está quente”, disse ele a Musk enquanto
os dois caminhavam às margens do rio Ontário. “Você vai ter muito
tempo para se formar na faculdade depois, caso ainda esteja interessado.”
Quando Musk voltou para Palo Alto, contou a Robin Ren que tinha se
decidido. “Preciso deixar todo o resto de lado”, disse. “Tenho que pegar
a onda da internet.”
Elon foi precavido em sua aposta. Ele se matriculou em Stanford e
imediatamente trancou o curso. “Escrevi um programa usando os
primeiros mapas da internet e as Páginas amarelas”, disse ele a Bill Nix, o
professor de ciência dos materiais. “Provavelmente vai dar errado, e, se
for o caso, gostaria de poder voltar.” Nix disse que não via problema em
Musk adiar os estudos, mas previu que ele nunca voltaria.

Maio de 1995
capítulo 10
Zip2
Palo Alto, 1995-1999

Celebrando a venda da Zip2 com Maye e Kimbal; recebendo o McLaren, com


Justine
Buscas em mapas
Algumas das melhores inovações nascem da combinação de duas
inovações anteriores. A ideia que Elon e Kimbal tiveram no início de
1995, bem quando a web começava a crescer exponencialmente, era
simples: colocar um diretório de negócios pesquisável on-line e
combiná-lo com um programa de mapas que mostrasse o caminho para
chegar até eles. Nem todo mundo enxergou o potencial disso. Quando
Kimbal teve uma reunião com o Toronto Star, que publicava as Páginas
amarelas na cidade, o presidente pegou uma edição grossa da lista
telefônica e jogou nele. “Você realmente acha que vai substituir isso um
dia?”, perguntou.
Os irmãos alugaram um pequeno escritório em Palo Alto, com espaço
para duas mesas e futons. Nos primeiros seis meses, eles dormiram no
escritório e tomaram banho na Associação Cristã de Moços. Kimbal,
que depois se tornaria chef e restauranteur, comprou um fogão elétrico, e
de vez em quando os irmãos cozinhavam. Na maior parte do tempo,
porém, os dois comiam em uma lanchonete da rede Jack in the Box,
porque era barata, ficava aberta 24 horas e estava a uma quadra de
distância. “Ainda lembro cada item do cardápio”, diz Kimbal. “Está
gravado no meu cérebro.” Elon virou fã de um prato com molho teriyaki.
Após alguns meses, eles alugaram um apartamento não mobiliado
próximo ao escritório. “Só tinha dois colchões e muitas caixas de cereal
matinal Cocoa Puffs”, diz Tosca. Mesmo depois que os dois se
mudaram, Elon passava muitas noites no escritório, e dormia embaixo
da mesa de trabalho quando se cansava de programar. “Ele não tinha
travesseiro nem saco de dormir. Não sei como conseguia”, diz Jim
Ambras, o primeiro funcionário. “Volta e meia, quando tínhamos uma
reunião com um cliente de manhã, eu precisava mandar que ele fosse
para casa tomar um banho.”
Navaid Farooq veio de Toronto para trabalhar com eles, mas logo
estava brigando com Musk. “Se você quer que a amizade dure”,
aconselhou a esposa dele, Nyame, “abandone esse trabalho”. Ele pediu
demissão depois de seis semanas. “Eu sabia que podia ou trabalhar com
ele ou ser amigo dele, mas não dava para ser as duas coisas, e a amizade
parecia mais agradável.”
Errol Musk, que ainda não tinha se afastado dos filhos, veio da África
do Sul e deu para eles 28 mil dólares mais um carro velho, que comprara
por 500 dólares. Maye vinha de Toronto com mais frequência e levava
comida e roupas. Ela deu a eles 10 mil dólares e deixou que usassem seu
cartão de crédito, porque o banco não aprovou a emissão de um cartão
para Elon e Kimbal.
A primeira vitória veio quando eles visitaram a Navteq, uma empresa
que tinha um banco de dados de mapas. A empresa concordou em
licenciá-lo para os Musk gratuitamente até que eles começassem a ter
lucros. Elon escreveu um programa que mesclava os mapas com a lista
de empresas de uma determinada área. “Você podia usar o cursor, se
aproximar e se mover no mapa”, diz Kimbal. “Isso é comum hoje, mas
era impressionante na época. Acho que Elon e eu fomos os primeiros
humanos a ver isso funcionando na internet.” Eles chamaram a empresa
de Zip2, uma brincadeira com “zip”, verbo em inglês que significa ir
rápido para onde quiser.
Elon conseguiu uma patente para a “rede interativa de listas de
empresas” que havia criado. “A invenção fornece uma rede acessível de
serviços que integra uma relação de empresas de negócios a um banco de
mapas”, declara a patente.
Para a primeira reunião com possíveis investidores, eles tiveram que
pegar um ônibus de Sand Hill Road, porque o carro que o pai lhes dera
tinha quebrado. No entanto, depois que as notícias sobre a empresa se
espalharam, os fundos de investimentos começaram a pedir para falar
com eles. Os irmãos compraram uma enorme torre de computador,
vazia, e colocaram o pequeno computador deles dentro, para que os
visitantes imaginassem que eles tinham um servidor potente. O nome
que eles deram foi “A Máquina que Faz Ping”, em homenagem a um
esquete do programa Monty Python. “Toda vez que um investidor
aparecia, eles mostravam a torre”, diz Kimbal, “e a gente ria porque as
pessoas achavam que estávamos fazendo coisas complexas”.
Maye Musk foi de Toronto até lá para ajudar os dois nos preparativos
para as reuniões com os investidores, e várias vezes passou a noite em
claro em lojas da rede varejista Kinko’s para imprimir as apresentações.
“Custava 1 dólar por página, e a gente mal podia pagar”, lembra ela.
“Todo mundo estava exausto, menos o Elon. Ele sempre ficava acordado
até tarde programando.” Quando os irmãos receberam as primeiras
propostas de investidores, no início de 1996, Maye levou os meninos a
um bom restaurante para comemorar. “É a última vez que vamos
precisar do meu cartão de crédito”, falou ela quando pagou a conta.
E de fato foi. Elon e Kimbal foram surpreendidos por uma oferta da
Mohr Davidow Ventures para investir 3 milhões de dólares na empresa.
A apresentação final para a firma estava agendada para uma manhã de
segunda-feira, e naquele fim de semana Kimbal decidiu fazer uma
viagem rápida até Toronto para consertar o computador da mãe, que
tinha quebrado. “Nós amamos nossa mãe”, explica ele. No domingo, na
volta para São Francisco, ele foi parado pela alfândega no aeroporto, e,
ao revistarem a bagagem, os funcionários viram a proposta de
investimento, os cartões de visita e outros documentos da empresa.
Como Kimbal não tinha visto de trabalho nos Estados Unidos, não o
deixaram embarcar. Ele pediu a um amigo que fosse buscá-lo no
aeroporto e atravessou a fronteira de carro, onde disse a um patrulheiro
menos atento que eles estavam viajando para ver o programa do David
Letterman. Kimbal conseguiu pegar um avião depois, de Buffalo para
São Francisco, e chegou a tempo da apresentação.
Mohr Davidow amou a apresentação e confirmou o investimento. A
empresa também contratou um advogado especializado em imigração
para ajudar os dois a conseguirem os vistos de trabalho e deu a cada um
deles 30 mil dólares para comprar carros. Elon comprou um Jaguar E-
type 1967. Ainda criança na África do Sul, ele tinha visto uma foto do
veículo em um livro sobre os melhores carros conversíveis de todos os
tempos e jurou comprar um se ficasse rico. “Era o carro mais bonito que
você pode imaginar”, diz ele, “mas enguiçava pelo menos uma vez por
semana”.
Os investidores logo fizeram aquilo que fazem frequentemente:
colocaram supervisores adultos para assumir no lugar dos jovens
fundadores. Aconteceu com Steve Jobs na Apple e com Larry Page e
Sergey Brin no Google. Rich Sorkin, que havia comandado uma
empresa de equipamento de áudio, se tornou CEO da Zip2. Elon
passou a exercer o cargo de diretor de tecnologia. Inicialmente, achou
que a mudança seria boa para ele, pois poderia se concentrar no
desenvolvimento do produto. Contudo, ele aprendeu uma lição. “Eu
nunca quis ser CEO”, afirma ele, “mas entendi que não se pode
realmente ser chefe de tecnologia ou de produto se você não for o
CEO”.
Com as mudanças veio uma nova estratégia. Em vez de vender o
produto diretamente para as empresas e seus clientes, a Zip2 se
concentrou em vender o programa para os grandes jornais, a fim de que
eles pudessem criar diretórios locais próprios. Fazia sentido, uma vez
que os jornais já tinham equipes de vendas que batiam de porta em porta
para vender espaços publicitários e anúncios nos classificados. O
Knight-Ridder, o The New York Times, o Pulitzer e os jornais do grupo
Hearst fecharam contratos. Os executivos dos dois primeiros entraram
para o conselho da Zip2. A revista Editor & Publisher publicou uma
reportagem de capa chamada “O novo super-herói do jornalismo: Zip2”,
a qual dizia que a empresa tinha desenvolvido “um conjunto de
estruturas de software que vai permitir que jornais possam criar
rapidamente grandes guias de suas cidades”.
Até 1997, a Zip2 tinha sido contratada por 140 jornais por licenças
que variavam entre mil dólares e 10 mil dólares. O presidente do Toronto
Star, que tinha jogado a lista telefônica em Kimbal, ligou para se
desculpar e perguntar se a Zip2 poderia ser parceira deles. Kimbal disse
que sim.

Hardcore
Desde o início da carreira, Musk foi um gestor exigente, avesso ao
conceito de equilíbrio entre trabalho e vida pessoal. Na Zip2 e em todas
as empresas seguintes, ele trabalhava todos os dias e durante boa parte
da noite, sem tirar férias, e esperava que os outros agissem da mesma
maneira. A única indulgência era permitir pausas para maratonas
intensas de videogame. A equipe da Zip2 ficou em segundo lugar na
competição nacional de Quake. Eles iam ficar em primeiro, diz Elon,
mas um dos jogadores do time travou o computador ao forçá-lo demais.
Quando os outros engenheiros iam para casa, Musk às vezes pegava o
programa no qual estavam trabalhando e o reescrevia. Com sua pouca
empatia, ele não percebia (ou não se importava) que corrigir alguém em
público — ou, como ele costumava dizer, “consertar a porcaria do código
deles” — não era um modo exatamente bom de se fazer amigos. Musk
nunca tinha sido capitão de uma equipe esportiva ou líder de um grupo
de amigos, e camaradagem não era algo instintivo para ele. Assim como
Steve Jobs, Musk sinceramente não se importava de ter ofendido ou
intimidado as pessoas com quem trabalhava, contanto que as fizesse
realizar coisas que julgavam impossíveis. “Não é nosso papel fazer com
que os funcionários nos amem”, diria ele em uma reunião de executivos
da SpaceX anos depois. “Na verdade, isso é contraproducente.”
Ele era mais duro com Kimbal. “Eu amo, amo, amo muito meu
irmão, mas trabalhar com ele era difícil”, diz Kimbal. Os
desentendimentos frequentemente levavam a brigas físicas no escritório.
Eles brigaram sobre estratégias importantes, pequenos detalhes e sobre o
nome Zip2 (Kimbal e uma empresa de marketing criaram o nome, Elon
o detestou). “Lutar era normal para quem foi criado na África do Sul”,
diz Elon. “Fazia parte da cultura.” Eles não tinham escritórios privados,
só baias, de modo que todo mundo podia ver e ouvir tudo. Numa das
piores brigas, chegaram a rolar no chão, e Elon parecia prestes a socar
Kimbal no rosto, mas Kimbal mordeu a mão dele e arrancou um naco de
carne. Elon teve que ir ao pronto-socorro para levar pontos e tomar
vacina antitetânica. “Quando tínhamos esses estresses intensos, não
víamos ninguém mais à nossa volta”, diz Kimbal. Ele depois admitiu que
Elon tinha razão sobre o nome Zip2. “Era ruim.”

***

Gente que trabalha com produto tem compulsão por vender diretamente
aos consumidores, sem intermediários atrapalhando as coisas. Musk era
assim. Ele ficou frustrado com a nova estratégia da Zip2 de se contentar
em ser uma fornecedora sem marca para a indústria jornalística.
“Acabamos em dívida com os jornais”, diz Musk. Ele queria comprar o
domínio “city.com” e voltar a tratar direto com os consumidores,
competindo com o Yahoo! e o AOL.
Os investidores também tinham dúvidas sobre a estratégia. Guias de
cidades e diretórios da internet estavam proliferando no outono de 1998,
e nenhum estava tendo lucro. Então, o CEO Rich Sorkin decidiu se
fundir com um deles, o CitySearch, na esperança de que, juntos, os dois
pudessem ser bem-sucedidos. Entretanto, quando Musk conheceu o
CEO da CitySearch, ficou apreensivo. Com a ajuda de Kimbal e de
alguns dos engenheiros, Elon liderou uma rebelião que naufragou a
fusão. Ele também exigiu voltar a ser CEO. Em vez disso, o conselho o
tirou da presidência e reduziu seu papel na empresa.
“Grandes coisas nunca acontecerão com fundos de capital e gestores
profissionais”, declarou Musk para a revista Inc. “Eles não têm nem a
criatividade nem a compreensão.” Um dos sócios da Mohr Davidow,
Derek Proudian, assumiu o cargo de CEO interino, com a tarefa de
vender a empresa. “Essa é sua primeira empresa”, disse ele a Musk.
“Vamos encontrar um comprador e ganhar dinheiro para que você possa
criar uma segunda, terceira e quarta empresas.”

O milionário
Em janeiro de 1999, menos de quatro anos depois que Elon e Kimbal
lançaram a Zip2, Proudian os chamou no escritório e disse que a
Compaq Computer, que estava tentando aprimorar seu serviço de busca
AltaVista, havia oferecido 307 milhões de dólares em dinheiro. Os
irmãos haviam dividido seus 12% em 60% para Elon e 40% para
Kimbal, de modo que Elon, aos 27 anos, saiu com 22 milhões de dólares
e Kimbal, com 15 milhões. Elon ficou atônito quando recebeu o cheque.
“Minha conta bancária foi de 5 mil dólares para 22.005.000 de dólares”,
lembra ele.
Os Musk deram 300 mil dólares do lucro para o pai e 1 milhão de
dólares para a mãe. Elon comprou um apartamento de 167 metros
quadrados e esbanjou no que para ele era a indulgência máxima: um
carro esporte McLaren F1 de 1 milhão de dólares, o mais rápido da
época. Permitiu que a CNN filmasse a chegada do veículo. “Há apenas
três anos eu estava tomando banho num albergue e dormindo no chão
do escritório, e agora tenho um carro de 1 milhão de dólares”, disse ele,
pulando de alegria na rua enquanto o McLaren era descarregado de um
caminhão.
Depois do surto impulsivo, ele percebeu que não era bom ficar dando
demonstrações frívolas de deslumbre com a riqueza. “Alguém podia
interpretar a compra do carro como um comportamento característico
de um pirralho imperialista”, admitiu ele. “Pode ser que meus valores
tenham mudado, mas eu não estava ciente disso.”
No entanto, os valores dele tinham de fato mudado? A riqueza
permitia realizar desejos e impulsos sem muitas restrições, o que nem
sempre é bonito de se ver. Mas a intensidade honesta e focada
permaneceu intacta.
O jornalista Michael Gross estava no Vale do Silício apurando uma
matéria para a elegante revista Talk, de Tina Brown, sobre os pirralhos
do mundo da tecnologia que estavam enriquecendo. “Eu estava
procurando um personagem principal que gostasse de ostentação e
valesse uma alfinetada”, lembraria Gross anos depois. “Mas o Musk que
conheci em 2000 era um sujeito cheio de joie de vivre, agradável demais,
quase impossível de alfinetar. Ele tinha a mesma despreocupação e
indiferença a expectativas que tem hoje, mas era descontraído, aberto,
charmoso e engraçado.”
Ser celebridade era atraente para um menino que cresceu sem amigos.
“Eu queria sair na capa da Rolling Stone”, declarou Musk para a CNN.
Contudo, ele acabaria tendo uma relação conflituosa com a riqueza. “Eu
podia comprar uma ilha nas Bahamas e transformá-la num feudo
pessoal, mas estou muito mais interessado em tentar construir e criar
uma empresa nova”, afirmou ele. “Não gastei meu dinheiro, vou investir
quase tudo em um jogo novo.”
capítulo 11
Justine
Palo Alto, anos 1990

Justine, Elon e Maye (acima); a família, com Errol e Maye, o segundo e a


terceira a partir da direita (abaixo)
Romance dramático
Quando Musk se acomodou no banco do motorista de sua nova
McLaren de 1 milhão de dólares, disse para o repórter da CNN que
registrava a cena: “O verdadeiro ganho é o sentimento de satisfação de
ter criado uma empresa.” Nesse momento, uma jovem linda, esbelta, que
vinha a ser a namorada de Elon, colocou os braços em volta dele. “Sim,
sim, sim, mas o carro também”, arrulhou ela. “O carro. Vamos ser
honestos.” Musk pareceu um pouco constrangido e olhou para baixo,
conferindo as mensagens no celular.
O nome dela era Justine Wilson, embora, no momento em que os
dois se conheceram na Queen’s University, ela ainda usasse o prosaico
nome de Jennifer. Como Musk, ela foi um rato de biblioteca quando
criança, embora preferisse romances de fantasia sombrios a ficção
científica. Criada numa cidadezinha à beira de um rio a nordeste de
Toronto, ela achava que ia se tornar escritora. Com cabelos soltos e um
sorriso misterioso, Justine conseguia ser radiante e opressora ao mesmo
tempo, como um personagem de um dos romances que esperava um dia
escrever.
Ela conheceu Musk quando era caloura e ele estava no segundo ano
na Queen’s. Depois de vê-la numa festa, Musk a convidou para tomar
sorvete. Ela aceitou o convite na terça-feira seguinte, mas, quando ele
foi buscá-la, descobriu que ela não estava em casa. “De qual sorvete ela
mais gosta?”, perguntou Elon para um amigo de Justine. Flocos, foi a
resposta. Então, ele comprou uma casquinha e andou pelo campus, até
que a encontrou estudando um texto em espanhol num centro
estudantil. “Acho que esse é o seu favorito”, disse ele, entregando-lhe a
casquinha derretida.
“Ele não é o tipo de cara que aceita não como resposta”, diz ela.
Justine na época estava terminando o relacionamento com alguém
que parecia mais legal, um escritor com uma barbicha embaixo do lábio
inferior, também chamada de mosca. “Achei que aquela mosca era um
sinal certeiro de que ele era um idiota”, comenta Musk. “Então,
convenci Justine a sair comigo.” Ele disse a ela: “Você tem um fogo na
alma. Eu me vejo em você.”
Ela ficou impressionada com as ambições de Musk. “Diferentemente
de outras pessoas ambiciosas, ele nunca falava em ganhar dinheiro”, diz
Justine. “Ele deduziu que ou ia ficar rico ou ia falir, sem meio-termo. O
que interessava eram os problemas que ele queria resolver.” A vontade
indomável dele — seja por fazê-la sair com ele, seja por construir carros
elétricos — impressionou Justine. “Até mesmo quando parecia conversa
de maluco, você acreditava, porque ele acreditava.”
Eles tiveram apenas alguns encontros antes de Musk trocar a Queen’s
pela Penn, mas mantiveram contato, e às vezes ele mandava rosas. Ela
passou um ano dando aulas no Japão e deixou de lado o nome Jennifer
“porque era muito comum e parecia nome de chefe de torcida”. Quando
voltou para o Canadá, Justine disse para a irmã: “Se o Elon me ligar de
novo, acho que vou nessa. Acho que perdi uma chance.” A ligação veio
quando ele foi a Nova York para falar com o Times sobre a Zip2. Elon a
convidou para sair. O fim de semana foi tão bom que ele pediu que
voltassem juntos para a Califórnia. Ela foi.
Musk ainda não tinha vendido a Zip2, e eles estavam morando no
apartamento dele em Palo Alto com dois colegas e um Dachshund não
adestrado chamado Bowie, em homenagem a David Bowie. Ela passava
a maior parte do tempo no quarto escrevendo e sendo antissocial. “Os
amigos não queriam ficar lá em casa porque a Justine era muito mal-
humorada”, lembra ele. Kimbal também não se dava com ela, e diz:
“Pessoas inseguras podem ser muito maldosas.” Quando Musk
perguntou à mãe o que ela achava de Justine, Maye foi, como sempre,
sincera. “Não tem nada nela que compense o lado ruim.”
Musk, que gostava de intensidade nos relacionamentos, estava
encantado. Certa noite durante o jantar, lembra Justine, ele perguntou
quantos filhos ela queria ter. “Um ou dois”, respondeu ela, “mas, se eu
pudesse pagar babás, teria quatro”.
“Essa é a diferença entre mim e você”, retrucou ele. “Eu já presumi
que a gente vai ter babás.” Então ele embalou algo imaginário nos braços
e disse “bebê”. Àquela altura, ele já queria muito ter filhos.
Logo depois, ele vendeu a Zip2 e comprou a McLaren. De repente,
havia dinheiro para babás. Ela brincou, constrangida, que talvez ele
fosse trocá-la por uma modelo linda. Em vez disso, Musk se ajoelhou na
calçada em frente à casa deles, pegou uma aliança e pediu Justine em
casamento, bem como num desses livros românticos.
Ambos gostavam de drama e as brigas eram um combustível para a
relação. “Para alguém que era tão amoroso assim comigo, ele nunca
hesitou em dizer quando eu estava errada a respeito de algo”, confessa
ela. “E eu reagia. Percebi que podia dizer qualquer coisa para ele e que
isso não o derrubava.” Um dia eles estavam num McDonald’s com um
amigo e começaram a discutir em voz alta. “Meu amigo ficou
constrangido, mas o Elon e eu estávamos acostumados a discutir em
público. Tem algo de combativo nele. Não acho que dá para estar num
relacionamento com o Elon e não brigar.”
Em uma viagem a Paris, eles foram ver as tapeçarias A Dama e o
Unicórnio no Musée de Cluny. Justine começou a descrever o que a
comovia, e fez uma interpretação espiritual do unicórnio como uma
espécie de Cristo. Musk chamou isso de “imbecilidade”. Eles
começaram a discutir intensamente sobre simbolismo cristão. “Ele
estava simplesmente inflexível e furioso, e dizia que eu não sabia do que
estava falando, que eu era burra e doida”, relata ela. “Era bem o jeito
como o pai falava com ele, pelo que ele me contava.”

O casamento
“Quando Elon falou que ia se casar com ela, eu intervim”, lembra
Kimbal. “Falei: ‘Não se case, você não pode se casar, ela é a pessoa errada
para você.’” Navaid Farooq, que estava com Musk na festa em que ele
conheceu Justine, também tentou impedir o casamento. Mas Musk
gostava tanto de Justine quanto da confusão. O casamento foi marcado
para um fim de semana em janeiro de 2000 na ilha caribenha de Saint-
Martin.
Musk voou para lá um dia antes com um acordo pré-nupcial redigido
por seus advogados. Ele e Justine rodaram a ilha procurando um tabelião
que pudesse ser testemunha na noite de sexta-feira, mas não
conseguiram encontrar ninguém. Ela prometeu que assinaria quando
eles voltassem (acabou assinando duas semanas depois), mas a conversa
causou muita tensão. “Acho que ele estava supernervoso por estar se
casando sem o acordo assinado”, diz Justine. Isso provocou uma briga,
ela saiu do carro e foi ver os amigos. Mais tarde, os dois se encontraram
na casa em que estavam e continuaram a brigar. “A casa tinha muitos
espaços abertos, então todo mundo ouviu a discussão”, diz Farooq, “e
ninguém sabia o que fazer”. De repente, Musk saiu e disse para a mãe
que o casamento estava cancelado. Ela ficou aliviada. “Agora você não
vai ser um sujeito infeliz”, decretou Maye. Mas aí ele mudou de ideia e
voltou para Justine.
A tensão continuou no dia seguinte. Kimbal e Farooq tentaram
convencer Musk a ir embora. Quanto mais os dois insistiam, mais
intransigente ele ficava. “Não, eu vou me casar com ela”, garantiu.
À primeira vista, a cerimônia ao lado da piscina do hotel pareceu
feliz. Justine estava radiante em um vestido branco sem mangas e com
uma tiara de flores brancas, e Musk estava elegante num smoking feito
sob medida. Tanto Maye quanto Errol estavam lá, e os dois até posaram
para fotos juntos. Depois do jantar, todos dançaram conga, e Elon e
Justine apresentaram sua primeira dança. Ele colocou ambos os braços
na cintura dela. Ela pôs os braços em volta do pescoço dele. Eles
sorriram e se beijaram. Então, enquanto dançavam, ele sussurrou um
lembrete para ela: “Neste relacionamento, eu sou o alfa.”
capítulo 12
X.com
Palo Alto, 1999-2000

Com Peter Thiel, cofundador da PayPal


Um banco tudo em um
Quando Peter Rive visitou o primo no início de 1999, encontrou Musk
estudando o sistema bancário. “Estou pensando no que vou fazer da vida
agora”, explicou Musk. A experiência no Scotiabank o convencera de
que esse setor estava pronto para uma transformação. Por isso, em março
de 1999, fundou a X.com com um amigo do banco, Harris Fricker.
Musk estava diante da escolha que descreveu para a CNN: sacar os
ganhos e viver como um multimilionário ou deixar as fichas na mesa
para financiar um novo empreendimento. O equilíbrio que ele
encontrou foi investir 12 milhões de dólares na X.com e deixar cerca de
4 milhões de dólares, já descontados os impostos, para gastar.
O conceito da X.com era grandioso. Seria um balcão único para todas
as necessidades financeiras: serviços bancários, compras digitais,
cheques, cartões de crédito, investimentos e empréstimos. As transações
seriam instantâneas, sem espera para que os pagamentos fossem
confirmados. A ideia de Musk era a de que o dinheiro não passava de
uma informação em um banco de dados, e ele queria descobrir uma
maneira de registrar todas as transações com segurança em tempo real.
“Se você ajustar todos os problemas que levam o consumidor a tirar seu
dinheiro do sistema”, diz ele, “você vai criar um lugar onde todo o
dinheiro vai estar e terá uma empresa multitrilionária”.
Alguns amigos dele não acreditavam que um banco on-line fosse
capaz de inspirar confiança com um nome que soa como um site
pornográfico. Mas Musk adorava o nome X.com. Em vez de ser
inventivo demais, como Zip2, o nome era simples, fácil de lembrar e de
digitar. Também permitia que Musk tivesse um dos endereços de e-mail
mais legais da época: e@x.com. O X se tornaria sua letra preferida para
batizar coisas, fossem empresas ou crianças.

***
Musk administrava a empresa do mesmo modo que fazia na Zip2, e isso
nunca ia mudar. Suas maratonas de programação tarde da noite seguidas
de uma mistura de grosseria e indiferença durante o dia levaram o
cofundador, Harris, e os poucos funcionários a exigir que Musk
renunciasse ao cargo de CEO. A certa altura, Musk respondeu com um
e-mail em que demonstrava muito autoconhecimento. “Sou por
natureza obsessivo-compulsivo”, escreveu ele para Fricker. “O que
importa para mim é vencer, e isso não é pouco. Sabe lá Deus por quê...
A raiz disso deve estar em alguma profundidade psicanalítica muito
perturbadora ou num curto-circuito neural.”
Como era o sócio majoritário, Musk triunfou e Fricker se demitiu,
junto com a maioria dos funcionários. Apesar da confusão, Musk
conseguiu convencer o influente presidente da Sequoia Capital, Michael
Moritz, a fazer um grande investimento na X.com. Depois, Moritz
intermediou um acordo para que o Barclays Bank e um banco
comunitário no Colorado se tornassem sócios, de modo que a X.com
pudesse oferecer fundos mútuos de investimentos, ter uma carta patente
e cobertura do fundo garantidor de crédito dos Estados Unidos, o
FDIC. Aos 28 anos, Musk era uma celebridade das startups. Em uma
matéria chamada “Elon Musk está prestes a se tornar o próximo grande
sucesso do Vale do Silício”, a Salon o chamou de “O cara de TI no Vale
do Silício”.
Uma das táticas de gestão de Musk, tanto na época quanto depois,
era estabelecer um prazo insano e motivar os colegas a cumpri-lo. Ele
fez isso no outono de 1999 ao anunciar, num gesto que um engenheiro
chamou de “babaquice”, que a X.com seria lançada para o público no
fim de semana de Ação de Graças. Nas semanas anteriores, Musk
rondava o escritório todos os dias, inclusive no Dia de Ação de Graças,
em um frenesi que contaminava os outros com seu nervosismo, e dormia
debaixo da mesa na maioria das noites. Um dos engenheiros que foi para
casa às duas da madrugada no Dia de Ação de Graças recebeu uma
ligação de Musk às onze da manhã pedindo que ele voltasse, porque
outro engenheiro tinha trabalhado a noite toda e “não está mais
funcionando a pleno vapor”. Tal comportamento causava discussões e
ressentimentos, mas também resultava em sucesso. Quando o produto
entrou no ar naquele fim de semana, todos os funcionários andaram até
um caixa eletrônico ali perto, no qual Musk inseriu um cartão de débito
da X.com. O dinheiro saiu e a equipe comemorou.
Na crença de que Musk precisava da supervisão de adultos, Moritz o
convenceu a sair no mês seguinte e permitir que Bill Harris, o ex-
presidente da Intuit, se tornasse CEO. Em uma reprise do que
aconteceu na Zip2, Musk permaneceu como diretor de produto e
presidente do conselho, e manteve a intensidade frenética. Depois de
uma reunião com os investidores, ele foi até a lanchonete onde havia
instalado alguns fliperamas. “Vários de nós estávamos jogando Street
Fighter com Elon”, diz Roelof Botha, o diretor financeiro. “Ele estava
suando, e dava para ver que era uma mistura de energia e intensidade.”
Musk desenvolveu técnicas de marketing virais, as quais incluíam
recompensas para usuários que conseguissem convencer amigos a se
tornarem clientes, e imaginou que seria capaz de fazer da X.com ao
mesmo tempo um serviço bancário e uma rede social. Assim como Steve
Jobs, Musk era apaixonado por desenhar interfaces simples. “Aprimorei
a interface do usuário para que a pessoa precisasse apertar o menor
número de teclas para abrir uma conta”, diz ele. A princípio era preciso
preencher formulários longos, com campos que pediam o número do
seguro social e o endereço residencial, por exemplo. “Por que a gente
precisa disso?”, perguntava Musk insistentemente. “Delete!” Uma
descoberta pequena e importante foi a de que os clientes não precisavam
ter nome de usuário, uma vez que o e-mail já era suficiente.
Um fator que impulsionou o crescimento foi um recurso para o qual
eles a princípio não deram bola: a capacidade de mandar dinheiro por e-
mail. Esse recurso se tornou muito popular, especialmente no site de
leilões eBay, em que os usuários estavam procurando uma maneira fácil
de pagar a desconhecidos por suas compras.

Max Levchin e Peter Thiel


Enquanto Musk monitorava os nomes dos novos usuários, um chamou a
atenção: Peter Thiel. Ele fora um dos fundadores de uma empresa
chamada Confinity, que havia funcionado no mesmo prédio da X.com e
estava agora na mesma rua. Thiel e o cofundador da empresa, Max
Levchin, eram tão intensos quanto Musk, porém mais disciplinados.
Assim como a X.com, a empresa deles oferecia um serviço de
pagamento de pessoa para pessoa. A versão da Confinity se chamava
PayPal.
No início de 2000, num dos primeiros sinais de que a bolha da
internet poderia estourar, a X.com e a PayPal estavam numa corrida para
conseguir novos clientes. “Era uma competição maluca em que as duas
empresas ofereciam prêmios em dinheiro para quem trouxesse novos
clientes e indicasse amigos”, diz Thiel. Como Musk definiu depois, “era
uma corrida para ver quem ficava sem dinheiro por último”.
Musk lutava com a intensidade de um gamer. Thiel, por sua vez,
gostava de calcular os riscos friamente e mitigá-los. Logo ficou evidente
para ambos que o efeito de rede — quem crescesse primeiro cresceria
ainda mais rapidamente — significava que só uma empresa sobreviveria.
Então, fazia sentido unir as empresas em vez de transformar a
competição numa partida de Mortal Kombat.
Musk e seu novo CEO, Bill Harris, agendaram um encontro com
Thiel e Levchin no salão dos fundos do Evia, um restaurante grego em
Palo Alto. Os dois lados trocaram informações sobre número de
usuários, e Musk exagerou, como sempre. Thiel perguntou como ele
imaginava os termos de uma possível fusão. “Nós vamos ter 90% da
empresa depois da fusão, e vocês ficariam com 10%”, respondeu Musk.
Levchin não sabia o que pensar sobre Musk. Ele estava falando sério?
As bases de usuários deles eram quase iguais. “Musk estava com uma
cara extremamente séria, de quem não estava brincando, mas no fundo
parecia ser ironia”, diz Levchin. Como Musk admitiu depois,
“estávamos jogando”.
Depois que a equipe da PayPal foi embora, Levchin disse a Thiel:
“Isso nunca vai dar certo, vamos partir para outra.” Thiel, no entanto,
interpretava melhor as pessoas e as situações. “Isso é só o começo”, falou.
“Com um cara como o Elon, basta ter paciência.”
O namoro continuou durante janeiro de 2000, o que levou Musk a
adiar a lua de mel com Justine. Michael Moritz, o principal investidor,
organizou uma reunião com os dois grupos no escritório dele, na Sand
Hill Road. Thiel pegou carona com Musk na McLaren.
“Então, qual é a potência desse carro?”, perguntou Thiel.
“Olha só isso”, respondeu Musk, passando para a faixa rápida e
pisando fundo.
O eixo da roda traseira quebrou e o carro girou, bateu numa barragem
e levantou voo como um disco voador. Partes da carroceria ficaram em
pedaços. Thiel, um libertário praticante, não estava com cinto de
segurança, mas saiu ileso. Ele conseguiu pegar uma carona até o
escritório da Sequoia. Musk, também ileso, ficou para trás por meia
hora, enquanto o carro era rebocado. Ao chegar à reunião, não contou a
Harris o que havia acontecido. Mais tarde, Musk conseguiu rir e dizer:
“Pelo menos mostrei ao Peter que eu não tenho medo de riscos.” Thiel
comenta: “É, percebi que ele é meio doido.”

***

Musk continuou resistindo à fusão. Apesar de ambas as empresas terem


cerca de 200 mil clientes cadastrados para fazer pagamentos eletrônicos
no eBay, Musk acreditava que a X.com era uma empresa mais valiosa
porque oferecia uma gama mais ampla de serviços bancários. Isso o
colocava em conflito com Harris, que certa vez ameaçou pedir demissão
caso Musk tentasse atrapalhar as negociações de fusão. “Caso ele se
demitisse, seria um desastre”, diz Musk, “porque estávamos tentando
levantar mais dinheiro justo quando o mercado da internet enfraquecia”.
Uma oportunidade surgiu quando Musk teve um momento de
conexão com Thiel e Levchin em outro almoço, dessa vez no Il Fornaio,
um sofisticado restaurante italiano em Palo Alto. A comida estava
demorando muito para ser servida, e Harris decidiu invadir a cozinha
para ver quais pratos já podiam ser retirados. Musk, Thiel e Levchin
trocaram um olhar de compreensão. “Lá estava um homem de negócios
extremamente extrovertido, que agia como se tivesse um S no peito e
nós três fôssemos muito nerds”, diz Levchin. “O fato de nós três sermos
o tipo de pessoa que nunca faria o que Bill fez nos unia.”
Eles concordaram com uma fusão em que a X.com ficaria com 55%
da nova empresa, mas Musk quase estragou as coisas logo depois, ao
dizer para Levchin que aquilo era um roubo. Furioso, Levchin ameaçou
desistir. Harris foi até a casa dele e o ajudou a dobrar roupas enquanto
ele se acalmava. Os termos foram revisados mais uma vez, e mudaram
para uma fusão 50-50, mas com a X.com como a empresa sobrevivente.
Em março de 2000 um acordo foi confirmado, e Musk, o maior
acionista, se tornou presidente. Semanas depois, ele se juntou a Levchin
para forçar Harris a sair e reassumiu também o papel de CEO. A
supervisão de adultos não era mais bem-vinda.

PayPal
Os sistemas de pagamento eletrônico de ambas as empresas foram
reunidos e promovidos sob a marca PayPal. Esta se tornou a principal
oferta da empresa, e continuou a crescer rapidamente. No entanto, não
era da natureza de Musk desenvolver produtos para nichos de mercado.
Ele queria refazer setores inteiros. Então, voltou a se concentrar em seu
objetivo original de criar uma rede social que pudesse mudar todo o
setor bancário. “Temos que decidir se nosso objetivo será grande”, disse
ele a seus soldados. Para alguns, a visão de Musk era falha. “Estávamos
deslanchando com o eBay”, diz Reid Hoffman, um dos primeiros
funcionários, que depois foi cofundador do LinkedIn. “Max e Peter
achavam que devíamos nos concentrar totalmente nisso e virar um
serviço comercial dominante.”
Musk insistia que o nome da empresa deveria ser X.com e que PayPal
seria somente uma das marcas subsidiárias. Ele até tentou renomear o
sistema de pagamento para X-PayPal. Houve muita resistência,
especialmente de Levchin. A PayPal tinha se tornado uma marca de
confiança do público, como um bom amigo que ajuda você a receber seu
dinheiro. Entrevistas com grupos focais indicaram que o nome X.com,
pelo contrário, passava a impressão de se tratar de um site estranho que
nem valia a pena mencionar numa conversa educada. Mas Musk não
queria ceder, e continua assim até hoje. “Se você quer ser apenas um
sistema de pagamento de nicho, PayPal é melhor”, diz ele. “Mas, se quer
tomar conta do sistema financeiro mundial, então X é um nome
melhor.”
Musk e Michael Moritz foram a Nova York para ver se era possível
recrutar Rudy Giuliani, que estava quase terminando o mandato de
prefeito, como lobista e para ajudar a achar os caminhos em meio às
complexidades políticas envolvidas na criação de um banco. Assim que
entraram no escritório dele, Musk e Moritz souberam que não iria dar
certo. “Foi como entrar num escritório da máfia”, revela Moritz. “Ele
estava cercado de capangas de confiança. Não sabia nada sobre o Vale do
Silício, mas ele e os capangas estavam ansiosos para ganhar dinheiro.”
Eles pediram 10% da empresa, e isso encerrou a conversa. “Esse cara
mora em um planeta diferente”, disse Musk a Moritz.
Musk reestruturou a empresa para que o departamento de engenharia
não fosse um departamento separado. Em vez disso, os engenheiros
trabalhariam com os gerentes de produto. Era uma filosofia que ele
levaria para a Tesla, a SpaceX e, posteriormente, para o Twitter. Separar
o design de um produto da engenharia era uma receita para problemas.
Os designers tinham que perceber imediatamente a dificuldade caso
alguma coisa que tivessem concebido fosse difícil de ser concretizada.
Musk também tinha um corolário que funcionou bem para foguetes,
mas nem tanto para o Twitter: os engenheiros é que deveriam liderar a
equipe.

Queda de braço com Levchin


Peter Thiel se afastou do envolvimento ativo com a empresa e deixou o
cofundador da Confinity, Max Levchin, um mago ucraniano do
software, discreto e muito inteligente, como diretor de tecnologia e um
contrapeso a Musk. Levchin e Musk logo entraram em conflito a
respeito de um assunto que parecia técnico, mas também teológico: se
eles deviam usar Microsoft Windows ou Unix como principal sistema
operacional. Musk admirava Bill Gates, amava o Windows NT e achava
que a Microsoft seria um parceiro mais confiável. Levchin e sua equipe
ficaram chocados, pois achavam que o Windows NT não era seguro, era
cheio de bugs e sem graça. Eles preferiam usar várias versões de sistemas
operacionais Unix, incluídos o Solaris e o Linux, de código aberto.
Certa noite, já bem de madrugada, Levchin estava trabalhando
sozinho numa sala de reuniões quando Musk entrou pronto para
continuar a discussão. “Uma hora você vai entender meu ponto de vista”,
esbravejou Musk. “Eu sei como esse filme termina.”
“Não, você está errado”, retrucou Levchin sem se exaltar.
“Simplesmente não vai dar certo com a Microsoft.”
“Sabe o que mais?”, disse Musk. “Vamos decidir isso na queda de
braço.”
Levchin achou, com razão, que era a maneira mais estúpida possível
de se decidir um desentendimento sobre software e programação. Além
disso, Musk tinha quase o dobro do tamanho dele. Contudo, por estar
zonzo após várias horas de trabalho, concordou com a queda de braço.
Levchin colocou todo o peso no braço e perdeu imediatamente. “Só para
deixar claro”, disse Levchin a Musk, “não vou usar seu peso físico como
forma de critério para uma decisão técnica”.
Musk riu e disse: “É, eu entendo.” Mas ele se saiu melhor. Musk
passou um ano fazendo sua equipe de engenheiros reescrever o código
Unix que Levchin tinha escrito para a Confinity. “Perdemos um ano
fazendo essas dancinhas técnicas em vez de desenvolver novos recursos”,
afirma Levchin. O esforço de reescrever o código também impediu que a
empresa se concentrasse na quantidade crescente de fraudes que
afetavam o serviço. “Nós só éramos bem-sucedidos ainda porque não
havia outras empresas sendo financiadas naquele período.”

***

Levchin tinha dificuldade em entender Musk. O truque da queda de


braço era sério? As explosões de intensidade maníaca pontuadas por um
humor meio infantil e jogos eram coisas calculadas ou maluquices? “Há
ironia em tudo que ele faz”, diz Levchin. “Ele opera numa escala de
ironia que vai até onze, mas nunca fica abaixo de quatro.” Um dos
poderes de Musk era atrair outras pessoas para seu círculo de ironia, para
que elas pudessem compartilhar a piada interna. “Ele liga esse lança-
chamas de ironia e cria um sentimento de que você faz parte do
exclusivíssimo clube do Elon.”
Isso não dava certo com Levchin, que usava a sinceridade como
escudo contra o lança-chamas de ironia. Ele tinha um bom radar para
detectar os exageros de Musk. Durante a fusão, Musk insistia que a
X.com tinha quase o dobro de usuários, e Levchin conferiu isso com
seus engenheiros e conseguiu o número real. “Elon não estava só
exagerando, ele inventava”, conta Levchin. Era o tipo de coisa que o pai
dele teria feito.
E, ainda assim, Levchin começou a se maravilhar com os
contraexemplos, como quando Musk o surpreendia ao demonstrar que
sabia de certas coisas. Certa vez, Levchin e seus engenheiros estavam
lidando com um problema complicado que envolvia o banco de dados
Oracle. Musk colocou a cabeça para dentro da sala e, apesar de ele ser
versado em Windows, não em Oracle, imediatamente descobriu o
contexto da conversa, deu uma resposta técnica precisa e saiu sem
esperar a confirmação. Levchin e a equipe voltaram para seus manuais
Oracle e procuraram o que Musk havia descrito. “Um a um, todos
disseram ‘Merda, ele tem razão’”, lembra Levchin. “Elon dizia coisas
loucas, mas de vez em quando te surpreendia ao saber muito mais do
que você sobre a sua especialidade. Acho que, em grande parte, ele
motiva as pessoas por essas demonstrações de acuidade, que as pessoas
não esperam dele, porque acham que ele é um mentiroso ou um
brincalhão.”
capítulo 13
O golpe
PayPal, setembro de 2000

A máfia da PayPal (acima, da esquerda para a direita): Loke Nosek, Ken


Howery, David Sacks, Peter Thiel, Keith Rope, Reid Hoffman, Max Levchin,
Roelof Botha; Max Levchin (abaixo, à esquerda); Michael Moritz (abaixo, à
direita)
Briga de rua
No fim do verão de 2000, Levchin estava achando muito difícil lidar
com Musk. Ele escrevia para Musk longos memorandos em que
detalhava como as fraudes ameaçavam quebrar a empresa (o título
incongruente de um deles era “Fraude é amor”), mas a única resposta
que obtinha eram rejeições concisas. Quando Levchin desenvolveu o
primeiro uso comercial da tecnologia CAPTCHA para evitar a
automatização de fraudes, Musk demonstrou pouco interesse. “Aquilo
me deixou extremamente deprimido”, relata Levchin. Ele ligou para a
namorada e disse: “Acho que acabou.”
Sentado no saguão de um hotel em Palo Alto, onde participava de
uma conferência, Levchin contou para alguns colegas seu plano de sair.
Eles o incentivaram a lutar. Outros tinham frustrações semelhantes.
Seus amigos próximos, Peter Thiel e Luke Nosek, haviam secretamente
encomendado um estudo que indicava que a PayPal era uma marca
muito mais valiosa do que a X.com. Musk ficou furioso, e exigiu que a
marca PayPal fosse retirada da maior parte do site da empresa. No início
de setembro, os três, junto com Reid Hoffman e David Sacks, haviam
decidido que era hora de destronar Musk.
Musk havia se casado com Justine oito meses antes, mas não tinha
encontrado tempo para desfrutar uma lua de mel. Numa decisão
fatídica, decidiu viajar naquele mês de setembro, bem quando os colegas
estavam se unindo contra ele. Musk foi para a Austrália a fim de assistir
às Olimpíadas, com paradas para conhecer potenciais investidores em
Londres e Cingapura.
Assim que ele partiu, Levchin telefonou para Thiel e perguntou se ele
não gostaria de voltar a ser o CEO, pelo menos temporariamente.
Quando Thiel disse que sim, o grupo de rebeldes concordou em se unir e
enfrentar o conselho, e arregimentou outros funcionários para assinar
uma petição em apoio à causa deles.
Sentindo que tinham armas e forças suficientes, Thiel, Levchin e seus
aliados subiram a Sand Hill Road e foram até o escritório da Sequoia
Capital para defender seus argumentos diante de Michael Moritz. Este
folheou a pasta com a petição; em seguida, fez algumas perguntas
específicas sobre o software e os problemas com fraudes. Moritz
concordou que uma mudança era necessária, mas disse que só apoiaria
Thiel como CEO se fosse em caráter temporário, portanto a empresa
precisava começar o processo de recrutar um executivo experiente. Os
conspiradores concordaram e foram comemorar em um bar local, o
Antonio’s Nut House.
Em uma de suas ligações da Austrália, Musk começou a perceber que
havia algum problema. Como sempre, ele dava ordens, mas seus
normalmente cordatos subalternos começaram a resistir. Ele descobriu o
porquê no quarto dia da viagem, ao ser copiado em um e-mail enviado
para o conselho por um funcionário que exaltou a liderança de Musk e
denunciou os golpistas. Musk se sentiu enganado. “Essa história está me
deixando tão triste que estou sem palavras”, respondeu ele em um e-
mail. “Eu fiz todo o esforço possível, investi quase todo o meu dinheiro
da Zip2 e coloquei meu casamento em risco, e mesmo assim sou alvo de
acusações de malfeitos aos quais eu ainda nem tive a oportunidade de
responder.”
Musk ligou para Moritz para tentar reverter a decisão. “Ele descreveu
o golpe como ‘hediondo’”, diz Moritz, que tinha uma sensibilidade
literária refinada. “Lembro disso porque a maioria das pessoas não usa
essa palavra. Ele chamou de crime hediondo.” Quando Moritz se
recusou a voltar atrás na decisão, Musk rapidamente comprou passagens
de avião — os únicos assentos que ele e Justine conseguiram eram na
classe econômica — e voltou para casa. Ao chegar ao escritório da
X.com, se reuniu com alguns companheiros leais para tentar descobrir
como resistir ao golpe. Depois de uma sessão que foi até tarde da noite,
ele se refugiou nos consoles de videogame que havia no escritório e
jogou rodada atrás de rodada de Street Fighter sozinho.
Thiel alertou os executivos para não atenderem às ligações de Musk.
Ele podia ser muito persuasivo e intimidador. No entanto, Reid
Hoffman, o diretor de operações, sentia que devia a Musk uma
conversa. Empreendedor com um jeito de urso e uma personalidade
jovial, Hoffman conhecia as artimanhas de Musk. “Elon tem poderes de
alterar a realidade e abduzir as pessoas para dentro da visão dele”, afirma
Hoffman. Mesmo assim, decidiu almoçar com Musk.
Durante as três horas de almoço, Musk tentou persuadir e adular
Hoffman. “Peguei todo o meu dinheiro e pus nessa empresa”, disse.
“Tenho o direito de comandar esse negócio.” Ele também argumentou
contra a estratégia de centralizar a operação apenas em pagamentos
eletrônicos. “Isso devia ser só o primeiro ato na criação de um banco
digital.” Ele tinha lido o livro O dilema da inovação, de Clayton
Christensen, e tentou convencer Hoffman de que o sisudo setor
bancário poderia ser mudado. Hoffman discordou. “Eu disse que
acreditava que a visão dele de um superbanco era tóxica, porque
precisávamos concentrar no nosso serviço de pagamento no eBay”, conta
ele. Musk então mudou de tática. Tentou convencer Hoffman a ser
CEO. Ansioso para encerrar o almoço, Hoffman concordou em pensar
no assunto, mas rapidamente decidiu que não estava interessado. Ele era
leal a Thiel.
Quando o conselho votou para tirar Musk do cargo de CEO, ele
respondeu com uma calma e uma leveza surpreendente para todos que
haviam assistido à luta febril travada para se sair vitorioso. “Decidi que
era hora de trazer um CEO experiente para levar a X.com ao próximo
nível”, escreveu ele num e-mail aos colegas de trabalho. “Depois que a
busca acabar, meu plano é tirar um período sabático de três ou quatro
meses, focar em algumas ideias e depois fundar uma nova empresa.”
Embora fosse um lutador, Musk tinha uma capacidade inesperada de
ser realista na derrota. Quando Jeremy Stoppelman, um acólito de Musk
que depois se tornaria um dos fundadores do Yelp, perguntou se ele
próprio e outros deveriam se demitir em protesto, Musk disse que não.
“A empresa era o meu bebê, e, como a mãe no Livro de Reis, eu estava
disposto a desistir para que ela pudesse sobreviver”, diz Musk. “Decidi
trabalhar duro para consertar o relacionamento com Peter e Max.”
A única fonte restante de tensão era o desejo de Musk, como ele disse
no e-mail, de “fazer um pouco de relações públicas”. Ele tinha sido
mordido pela mosca azul da fama, e queria ser o rosto da empresa. “Eu
realmente sou o melhor porta-voz”, disse ele a Thiel durante uma
reunião tensa no escritório de Moritz. Quando Thiel rejeitou a ideia,
Musk explodiu. “Não quero ter minha honra contestada”, gritou.
“Minha honra vale mais para mim do que essa empresa.” Thiel ficou
perplexo que aquilo fosse uma questão de honra. “Ele era muito
dramático”, lembra Thiel. “As pessoas normalmente não falam com esse
tom super-heroico, quase homérico, no Vale do Silício.” Musk
continuou a ser o maior acionista e membro do conselho, mas Thiel o
impediu de falar em nome da empresa.

Em busca de risco
Pela segunda vez em três anos, Musk tinha sido expulso de uma
empresa. Ele era um visionário que não trabalhava bem em equipe.
O que chocou os colegas na PayPal, além do estilo incansável e duro,
foi sua disposição em assumir riscos, quase como se ansiasse por isso.
“Empreendedores não são, na verdade, inclinados a correr riscos”, diz
Roelof Botha. “Eles são mitigadores de risco. Não prosperam no risco,
nunca buscam aumentá-lo; pelo contrário, tentam descobrir as variáveis
controláveis para minimizá-lo.” Musk, não. “Ele queria ampliar o risco e
queimar as pontes para que nunca pudesse voltar atrás.” Para Botha, o
acidente de McLaren de Musk era como uma metáfora: afunde o pé no
acelerador e veja quão rápido você vai.
Isso tornava Musk fundamentalmente diferente de Peter Thiel, que
sempre estava concentrado em limitar os riscos. Ele e Reid Hoffman
certa vez planejaram escrever um livro sobre a experiência na PayPal. O
capítulo sobre Musk seria chamado de “O homem que não entendia o
significado da palavra risco”. O vício no risco pode ser útil quando se
trata de levar as pessoas a fazerem algo que pareça impossível. “Ele é
incrivelmente bem-sucedido em fazer as pessoas atravessarem o
deserto”, diz Hoffman. “Ele tem um grau de certeza tão alto que o leva a
colocar todas as fichas na mesa.”
Isso era mais do que uma metáfora. Muitos anos depois, Levchin
estava no apartamento de um amigo com Musk. Algumas pessoas
estavam jogando pôquer no estilo Texas Hold’em, com apostas altas.
Apesar de não ser um jogador de cartas, Musk se sentou à mesa. “Havia
todos aqueles nerds e franco-atiradores que eram bons em memorizar as
cartas e calcular probabilidades”, conta Levchin. “Elon simplesmente
seguiu apostando tudo em todas as rodadas e perdendo. Aí ele comprava
mais fichas e dobrava a aposta. Uma hora, depois de perder muitas
rodadas, ele apostou tudo e ganhou. Então falou: ‘Certo, deu pra mim.’”
Isso era recorrente na vida dele: evitar tirar as fichas da mesa, continuar
arriscando.
Essa se mostraria uma boa estratégia. “Veja as duas empresas que ele
acabou criando, a SpaceX e a Tesla”, diz Thiel. “As pessoas no Vale do
Silício diriam que eram apostas muito arriscadas. Mas se duas empresas
malucas dão certo quando todo mundo achava que isso seria impossível,
você precisa parar e dizer: ‘Acho que o Elon entende alguma coisa sobre
risco que os outros não entendem.’”

***

A PayPal abriu o capital no início de 2002 e foi comprada pelo eBay em


julho por 1,5 bilhão de dólares. O ganho de Musk foi de cerca de 250
milhões de dólares. Posteriormente, ele ligou para seu arqui-inimigo,
Max Levchin, e sugeriu que os dois se encontrassem no estacionamento
da empresa. Levchin, um cara pequeno e magro que às vezes tinha um
vago temor de ser espancado por Musk, respondeu meio brincando:
“Quer brigar atrás da escola?” Mas Musk estava sendo sincero. Sentado
no meio-fio, com um semblante triste, perguntou a Levchin: “Por que
você se voltou contra mim?”
“Para ser sincero, eu acreditei que era a coisa certa a ser feita”,
respondeu Levchin. “Você estava completamente errado, a empresa ia
morrer, e eu vi que não tinha outra opção.” Musk assentiu. Meses
depois, eles jantaram em Palo Alto. “A vida é muito curta”, disse Musk a
Levchin. “Vamos deixar isso para lá.” Ele fez a mesma coisa com Peter
Thiel, David Sacks e com outros líderes do golpe.
“Fiquei muito irritado na hora”, disse Musk a mim no verão de 2022.
“Cheguei a pensar em matar alguém. Mas uma hora vi que foi bom ter
sofrido um golpe. Caso contrário, eu ainda estaria me matando de
trabalhar na PayPal.” Depois, parou por um momento e riu, então falou:
“Se eu tivesse ficado, a PayPal seria uma empresa de 1 trilhão de dólares,
óbvio.”
Houve um arremate: na época em que conversamos, Musk estava em
meio à compra do Twitter. Enquanto andávamos em frente à baía
elevada em que seu foguete Starship estava sendo preparado para um
teste, ele voltou a falar de qual era a visão que tinha da X.com. “É isso o
que o Twitter poderia se tornar”, disse. “Se você combinasse uma rede
social com uma plataforma de pagamento, poderia criar o que eu queria
que a X.com tivesse sido.”

Malária
A remoção de Musk do cargo de CEO da PayPal permitiu que ele
tivesse férias de verdade, a primeira vez que ele tirou uma folga de uma
semana do trabalho. Seria também a última. Ele não foi criado para sair
de férias.
Junto com Justine e Kimbal, foi ao Rio de Janeiro para ver o primo
Russ Rive, que tinha se mudado para lá depois de se casar com uma
brasileira. De lá, eles foram para a África do Sul, ao casamento de outro
parente. Era a primeira vez que Musk voltava depois de ter deixado o
país onze anos antes, aos 17 anos.
Justine teve dificuldades para lidar com o pai de Elon e com a avó,
conhecida como Nana. No Rio de Janeiro, havia feito uma tatuagem de
hena de lagartixa, que ainda estava aparente. Nana disse a Elon que
Justine era uma “Jezebel”, referindo-se à personagem bíblica cujo nome
foi associado à promiscuidade sexual ou a mulheres controladoras. “Foi a
primeira vez que ouvi uma mulher se referir a outra como Jezebel”, diz
Justine. “Acho que a tatuagem de lagartixa não ajudou.” Eles escaparam
de Pretória assim que puderam e foram fazer um safári em uma reserva
de luxo.
Depois de voltar a Palo Alto, em janeiro de 2001, Musk começou a se
sentir tonto. Ele sentia zumbidos no ouvido e tremia. Então, foi ao
pronto-socorro do Stanford Hospital, onde começou a vomitar. Uma
punção lombar mostrou que ele tinha uma contagem alta de glóbulos
brancos, o que levou os médicos a diagnosticar uma meningite viral. Em
geral, não é uma doença grave, de modo que os médicos hidrataram
Musk e lhe deram alta.
Nos dias seguintes, ele se sentiu cada vez pior, até que ficou tão fraco
que mal conseguia manter-se em pé. Musk chamou um táxi e foi a uma
médica. Quando ela tentou sentir o pulso dele, estava quase
imperceptível. Ela chamou uma ambulância, que levou Musk para o
hospital Sequoia, em Redwood City. Por acaso, um médico especialista
em doenças infecciosas passou pela cama de Musk e percebeu que ele
tinha malária, não meningite. Era a forma mais perigosa da doença,
provocada pelo protozoário parasita Plasmodium falciparum, e eles
diagnosticaram bem na hora. Com o aumento da gravidade dos
sintomas, como aconteceu no caso de Musk, muitas vezes resta aos
pacientes apenas um ou dois dias antes de o parasita ficar incontrolável.
Musk foi internado na UTI, onde os médicos enfiaram uma agulha no
peito dele para fazer infusões intravenosas seguidas de doses cavalares de
doxiciclina.

***

O chefe de recursos humanos da X.com foi visitar Musk no hospital e


acertar o plano de saúde dele. “Mais algumas horas e ele estaria morto”,
escreveu o executivo num e-mail para Thiel e Levchin. “O médico dele
tinha tratado dois outros casos desse tipo de malária antes de tratar
Elon, e os dois pacientes morreram.” Thiel lembra que teve uma
conversa mórbida com o diretor de RH depois de descobrir que Musk
tinha feito, em nome da empresa, um “seguro de pessoa-chave” de 100
milhões de dólares. “Se ele tivesse morrido”, diz Thiel, “todos os nossos
problemas financeiros estariam resolvidos”. Era típico da personalidade
inflada de Musk fazer um seguro tão vultoso assim. “Ficamos felizes por
ele ter sobrevivido e por tudo ter gradualmente entrado nos trilhos na
empresa, de modo que nem precisamos da apólice de 100 milhões de
dólares.”
Musk ficou na UTI por dez dias, e só se recuperou totalmente depois
de cinco meses. Ele tirou duas lições da experiência de quase morte.
“Férias matam”, diz ele. “E a África do Sul também. Aquele lugar ainda
está tentando me destruir.”
capítulo 14
Marte
SpaceX, 2001

Aprendendo a pilotar (acima); Adeo Ressi (abaixo)


Voar
Depois da expulsão da PayPal, Musk comprou um monomotor turbo-
hélice e decidiu aprender a voar, assim como o pai e os avós haviam
feito. Para conseguir o brevê, ele precisava de cinquenta horas de voo
como treinamento, o que concluiu em duas semanas. “Tenho a
tendência de fazer as coisas muito intensamente”, conta. Ele achou a
prova de regras de voo visual fácil, mas foi reprovado na primeira vez
que fez a prova de instrumentos de voo. “Eles cobrem as janelas, então
não dá para ver nada lá fora, e metade dos instrumentos fica coberta”,
revela ele. “Então, desligam um motor e você tem que pousar o avião.
Eu pousei, mas o instrutor disse: ‘Não foi bom o bastante. Reprovado.’”
Na segunda tentativa, ele passou.
Isso o inspirou a cometer a loucura de comprar um jato soviético
construído na Tchecoslováquia chamado Aero L-39 Albatros. “Era o
avião que usavam para treinar pilotos de caça, então é
inacreditavelmente acrobático”, diz. “Mas foi um pouco arriscado, até
mesmo para mim.” Certa vez, ele e o instrutor levaram o avião para um
voo de baixa altitude sobre Nevada. “Foi bem estilo Top Gun. Você fica a
uns cem metros do chão, seguindo o contorno das montanhas. Fizemos
uma escalada vertical ao lado de uma montanha e depois ficamos de
ponta-cabeça.”
Voar instigava o lado audacioso de Musk. Também ajudava a
visualizar melhor a aerodinâmica. “Não é apenas um simples princípio
de Bernoulli”, diz ele enquanto começa uma explicação sobre como as
asas levantam um avião em movimento. Depois de cerca de quinhentas
horas voando no L-39 e em outros aviões, ele ficou um pouco entediado,
mas a atração pelo voo não acabou.

Planeta vermelho
No fim de semana do Dia do Trabalhador* de 2001, logo depois de se
recuperar da malária, Musk foi visitar seu amigo de festas na Penn,
Adeo Ressi, nos Hamptons. Durante a viagem de carro de volta para
Manhattan, na Long Island Expressway, eles conversaram sobre o que
Musk faria em seguida. “Sempre quis fazer algo no espaço”, confessou
ele a Ressi, “mas acho que um indivíduo, sozinho, não pode fazer nada
com relação a isso”. Era caro demais, óbvio, construir um foguete.
Será que era mesmo? Quais eram os requisitos físicos básicos,
exatamente? Musk descobriu que tudo de que precisava era metal e
combustível. E isso não custava tanto assim. “Quando chegamos no
Midtown Tunnel”, diz Ressi, “concluímos que era viável”.
Ao chegar ao hotel naquela noite, Musk entrou no site da NASA
para ler sobre os planos da agência de ir a Marte. “Imaginei que deveria
ser em breve, porque nós fomos à Lua em 1969, então deveríamos estar
prestes a ir a Marte.” Sem encontrar um cronograma, ele fuçou no site,
até que percebeu que a NASA não tinha planos para isso. Ficou
chocado.
Em suas buscas no Google por mais informações, Musk acabou
vendo um anúncio de um jantar no Vale do Silício oferecido por uma
organização chamada Mars Society. Isso parece legal, comentou com
Justine, e comprou dois ingressos de 500 dólares. Na realidade, ele
acabou enviando um cheque de 5 mil dólares, o que chamou a atenção
de Robert Zubrin, o presidente da sociedade. Zubrin colocou Elon e
Justine à mesa dele, junto com o diretor de cinema James Cameron, que
havia dirigido o thriller de guerra espacial Aliens, o resgate, assim como O
exterminador do futuro e Titanic. Justine se sentou ao lado de Cameron.
“Foi uma grande emoção para mim, porque sou superfã, mas ele falou
principalmente com Elon sobre Marte e sobre por que os humanos
estariam condenados se não colonizassem outros planetas.”
Musk tinha então uma nova missão, muito mais grandiosa do que
lançar um banco na internet ou Páginas amarelas digitais. Ele foi até a
biblioteca pública de Palo Alto para ler sobre engenharia de foguetes e
começou a ligar para especialistas, a fim de pedir emprestados velhos
manuais de motores.
Em uma reunião de ex-integrantes da PayPal em Las Vegas, Musk se
sentou em uma cabana perto da piscina para ler um manual esfarrapado
de um motor de foguete russo. Quando um deles, Mark Woolway,
perguntou o que Musk planejava fazer em seguida, ele respondeu: “Vou
colonizar Marte. Minha missão de vida é tornar a raça humana uma
civilização multiplanetária.” A reação de Woolway não foi
surpreendente: “Cara, você enlouqueceu.”
Reid Hoffman, outro veterano da PayPal, teve uma reação parecida.
Depois de ouvir Musk descrever seu plano de enviar foguetes para
Marte, Hoffman ficou confuso. “Qual é o plano de negócios?”,
perguntou. Depois, Hoffman percebeu que Musk não pensava dessa
forma. “O que não percebi era que o Elon começa com uma missão e
depois encontra uma forma de dar certo financeiramente”, diz ele. “É
isso o que o torna uma força da natureza.”

Por quê?
É bom fazer uma pausa por um momento e perceber a loucura que era
um empreendedor de 30 anos, que tinha sido expulso de duas startups
tecnológicas, decidir construir foguetes que pudessem ir a Marte. O que
motivava Musk, além de uma aversão a férias e um amor de criança por
foguetes, por ficção científica e pelo Guia do mochileiro das galáxias? Ele
deu três explicações para os amigos que ficaram confusos na época e em
conversas nos anos seguintes.
Musk achava surpreendente — e assustadora — a ideia de que o
progresso tecnológico não era inevitável. O progresso poderia estancar.
Poderia até haver uma regressão. Os Estados Unidos tinham ido à Lua.
Entretanto, as missões do ônibus espacial foram suspensas e o progresso
estancou. “Queremos dizer para nossos filhos que ir à Lua foi o melhor
que pudemos fazer, e que depois desistimos?”, pergunta ele. Os egípcios
antigos aprenderam a construir pirâmides, mas esse conhecimento foi
perdido. A mesma coisa aconteceu com Roma, que construiu aquedutos
e outras maravilhas que foram perdidas durante a Idade Média. Estaria
isso se repetindo nos Estados Unidos? “As pessoas estão equivocadas
quando pensam que a tecnologia se aprimora automaticamente”, disse
ele em um TED Talks alguns anos depois. “Só melhora se um monte de
gente trabalhar duro para isso.”
A segunda motivação era a ideia de que colonizar outros planetas
ajudava a garantir a sobrevivência da civilização e da consciência
humanas no caso de algo acontecer com nosso frágil planeta. A Terra
pode um dia ser destruída por um asteroide ou pela mudança climática
ou ainda por uma guerra nuclear. Ele tinha ficado fascinado pelo
paradoxo de Fermi, batizado em homenagem ao físico ítalo-americano
Enrico Fermi, que, em uma discussão sobre vida alienígena no Universo,
disse: “Mas onde está todo mundo?” Matematicamente, parecia lógico
que houvesse outras civilizações, mas a falta de qualquer prova levantava
a possibilidade incômoda de que a espécie humana da Terra pudesse ser
o único exemplo de consciência. “Temos esta chama delicada de
consciência brilhando aqui, e pode ser o único caso de consciência, então
é essencial que isso seja preservado”, diz Musk. “Se formos capazes de ir
a outros planetas, a expectativa de vida provável da consciência humana
será muito maior do que se estivermos presos em um planeta que pode
ser atingido por um asteroide ou destruir sua civilização.”
A terceira motivação era mais inspiradora. Vinha do legado da família
dele de aventureiros e da decisão que ele tomara quando adolescente de
se mudar para um país em cuja essência jazia o espírito dos pioneiros.
“Os Estados Unidos são, literalmente, a essência do espírito humano de
exploração”, diz ele. “Esta é uma terra de aventureiros.” Musk achava
que esse espírito precisava ser reavivado nos Estados Unidos, e a melhor
maneira de se fazer isso seria embarcar numa missão para colonizar
Marte. “Ter uma base em Marte será inacreditavelmente difícil, e é
provável que algumas pessoas morram nesse processo, assim como
aconteceu durante a colonização dos Estados Unidos. Mas será
incrivelmente inspirador, e temos que ter coisas inspiradoras no mundo.”
Ele achava que a vida não pode se resumir a resolver problemas.
Também tínhamos que correr atrás de grandes sonhos. “É isso o que nos
tira da cama de manhã.”
Musk acreditava que viajar para outros planetas seria um dos avanços
significativos na história da humanidade. “Há poucos marcos
significativos: vida unicelular, vida multicelular, diferenciação de plantas
e animais, vida estendendo-se dos oceanos para a terra, mamíferos,
consciência”, diz ele. “Nessa escala, o próximo passo importante é óbvio:
tornar a vida multiplanetária.” Havia algo emocionante, além de um
pouco irritante, na capacidade de Musk de enxergar significados
grandiosos em seus empreendimentos. Como Max Levchin resume
secamente: “Uma das maiores habilidades de Elon é a capacidade de
apresentar sua visão como uma mensagem do paraíso.”

Los Angeles
Musk decidiu que, se queria começar uma empresa de foguetes, era
melhor se mudar para Los Angeles, cidade que sediava a maioria das
empresas aeroespaciais, entre elas, a Lockheed e a Boeing. “A
probabilidade de sucesso de uma empresa de foguetes era bastante baixa,
e seria ainda menor se eu não me mudasse para o sul da Califórnia, onde
estava a massa crítica do talento na engenharia aeroespacial”, conta ele.
Musk não explicou a mudança para Justine, que pensou que ele tivesse
sido atraído pelo glamour das celebridades da cidade. Por causa do
casamento, ele podia requerer a cidadania norte-americana, que foi
obtida no início de 2002 numa cerimônia de juramento com outros
3.500 imigrantes no Los Angeles County Fairgrounds.
Musk começou a fazer reuniões com engenheiros espaciais em um
hotel próximo ao aeroporto de Los Angeles. “Minha ideia inicial não era
criar uma empresa de foguetes, mas montar uma missão filantrópica que
iria inspirar o público e conseguir mais financiamento para a NASA.”

***

O primeiro plano dele foi construir um pequeno foguete e enviar ratos


para Marte. “Mas eu fiquei preocupado, pois podíamos acabar com um
vídeo tragicômico de ratos morrendo lentamente numa pequena
espaçonave.” Isso não seria bom. “Então, tudo se resumia a ‘Vamos
enviar uma pequena estufa para Marte’.” A estufa iria pousar em Marte
e enviar de volta fotografias de plantas verdes crescendo lá. Em tese, o
público ficaria tão empolgado que iria clamar por mais missões. A
proposta era chamada Oásis Marte, e Musk estimava que poderia fazer
isso por menos de 30 milhões de dólares.
Ele tinha o dinheiro. O maior desafio era conseguir um foguete
acessível que pudesse levar a estufa até Marte. No fim das contas, havia
um lugar onde ele poderia conseguir um barato, ou pelo menos era o que
ele achava. Na Mars Society, Musk ouviu falar de um engenheiro de
foguetes chamado Jim Cantrell, que trabalhou em um programa russo-
americano para desmontar mísseis. Um mês depois da viagem pela Long
Island Expressway com Adeo Ressi, Musk ligou para Cantrell.
Cantrell estava dirigindo em Utah com a capota do conversível
aberta. “Só consegui ouvir que um cara chamado Ian Musk estava
dizendo que era um milionário da internet e precisava falar comigo”,
disse ele depois para a Esquire. Quando Cantrell chegou em casa e
conseguiu retornar a ligação, Musk explicou sua visão. “Quero mudar o
modo como a humanidade pensa na ideia de ser uma espécie
multiplanetária”, falou. “Podemos nos encontrar neste fim de semana?”
Cantrell estava vivendo uma vida meio clandestina por causa do
envolvimento com as autoridades russas, e por isso queria encontrar esse
interlocutor misterioso num lugar seguro, sem armas. Ele sugeriu que os
dois se encontrassem em um clube da Delta Air Lines no aeroporto de
Salt Lake City. Musk levou Adeo Ressi, e eles elaboraram um plano
para ir à Rússia com o propósito de ver se conseguiam comprar algumas
plataformas de lançamento ou alguns foguetes.

* Feriado nacional norte-americano celebrado na primeira segunda-feira de setembro. [N. da E.]


capítulo 15
Homem-foguete
SpaceX, 2002

Com Adeo Ressi em um programa de foguete e em um jantar com russos em


Moscou
Rússia
O almoço no salão dos fundos de um restaurante pouco atraente de
Moscou consistia em pequenas porções de comida intercaladas de
grandes doses de vodca. Musk havia chegado naquela manhã com Adeo
Ressi e Jim Cantrell com o intuito de tentar comprar para sua missão a
Marte um foguete russo usado, e ele estava acabado depois de uma longa
noite de festa durante uma parada em Paris. Além disso, Musk não
costumava beber muito, e não ficava bem quando bebia. “Calculei o peso
da comida e o peso da vodca, e eles eram quase iguais”, lembra-se ele.
Depois de muitos brindes à amizade, os russos deram aos norte-
americanos garrafas de vodca de presente com rótulos que exibiam a
cabeça de cada pessoa sobre uma imagem de Marte. Musk, que só estava
mantendo a cabeça na vertical com auxílio da mão, desmaiou e bateu a
cabeça contra a mesa. “Acho que isso não impressionou os russos”, diz
ele.
Naquela noite, mais ou menos recuperado, Musk e seus
companheiros foram se encontrar com outro grupo em Moscou que
supostamente vendia mísseis desativados. O novo encontro acabou
sendo igualmente estranho. O russo responsável não tinha um dente da
frente, e, sempre que falava alto, o que era frequente, voavam perdigotos
na direção de Musk. Em algum momento, quando Musk começou a
falar sobre a necessidade de tornar os humanos multiplanetários, o russo
ficou visivelmente chateado. “Esse foguete não foi feito para capitalistas
usarem para ir a Marte numa missão tola”, disse ele. “Quem é o seu
engenheiro-chefe?” Musk confessou que era ele mesmo. Nesse
momento, Cantrell se lembra, o russo cuspiu neles.
“Ele cuspiu na gente?”, perguntou Musk.
“Cuspiu”, respondeu Cantrell. “Acho que é um sinal de desrespeito.”
Apesar do circo, Musk e Cantrell decidiram voltar à Rússia no início
de 2002. Ressi não foi, mas Justine, sim. Também havia um novo
membro no grupo: Mike Griffin, um engenheiro aeroespacial que mais
tarde se tornaria administrador da NASA.
Dessa vez, Musk estava concentrado em comprar dois foguetes
Dnepr, que eram velhos mísseis. Quanto mais ele negociava, mais alto o
preço ficava. Ele finalmente achou que tinha fechado um acordo para
pagar 18 milhões de dólares pelos dois Dneprs, mas aí os russos
disseram que não, eram 18 milhões de dólares cada. “Eu falei: ‘Cara, isso
é loucura’”, conta Musk. Os russos então sugeriram que talvez devessem
cobrar 21 milhões de dólares cada foguete. “Eles zombaram do Elon”,
lembra Cantrell. “Eles disseram: ‘Ah, que pena, garotinho, é muito caro
pra você?’”
Foi bom que as reuniões não tenham corrido bem. Isso levou Musk a
pensar de modo ainda mais grandioso. Em vez de simplesmente usar um
foguete de segunda mão para montar uma demonstração da estufa em
Marte, ele iria conceber um empreendimento muito mais audacioso, um
dos mais audaciosos da nossa era: construir, por iniciativa privada,
foguetes capazes de colocar satélites e posteriormente humanos em
órbita e um dia mandá-los a Marte e além. “Fiquei muito irritado, e,
quando fico irritado, tento repensar o problema.”

Princípios básicos
Enquanto se preocupava com o preço absurdo que os russos queriam
cobrar, Musk empregou alguns princípios básicos de pensamento,
aprofundando-se na física elementar da situação e raciocinando a partir
daí. Isso levou Musk a desenvolver aquilo que chamou de “índice de
idiotice”, que calculava quão mais caro um produto final era do que o
custo de seus materiais básicos. Se um produto tivesse um alto índice de
idiotice, o custo poderia ser reduzido significativamente se fossem
elaboradas técnicas produtivas mais eficientes.
Foguetes tinham um índice de idiotice extremamente alto. Musk
começou a calcular o custo da fibra de carbono, do metal, do
combustível e de outros materiais que entravam na composição. O
produto final, se usados os métodos de fabricação em voga, custava pelo
menos cinquenta vezes mais do que isso.
Para que a humanidade chegasse a Marte, a tecnologia de foguetes
precisava ser melhorada de maneira radical. E confiar em foguetes
usados, especialmente em foguetes velhos da Rússia, não iria trazer
avanços tecnológicos.
Sendo assim, no voo de volta para casa, Musk pegou seu computador
e começou a fazer uma tabela que detalhava todos os materiais e custos
para construir um foguete de tamanho médio. Jim Cantrell e Mike
Griffin, sentados uma fileira atrás, pediram drinques e riram. “O que
você acha que esse idiota-prodígio está fazendo?”, perguntou Griffin a
Cantrell.
Musk se virou e respondeu: “Ei”, disse, mostrando a planilha, “acho
que nós mesmos podemos construir esse foguete”. Quando olhou os
números, Cantrell conta que pensou: Droga... É por isso que ele estava
pedindo emprestado os meus livros. Em seguida, pediu mais um drinque
para a comissária de bordo.

SpaceX
Quando Musk decidiu que iria fundar sua própria empresa de foguetes,
os amigos fizeram aquilo que amigos de verdade fazem numa situação
como essa: tentaram impedi-lo.
“Espere um pouco, cara. ‘Os russos me ferraram’ não é igual a ‘Crie
uma empresa de lançamento de foguetes’”, disse Adeo Ressi. Ressi
compilou em um vídeo dezenas de explosões de foguetes e forçou
amigos a ir para Los Angeles e a se reunir com Musk para convencê-lo a
desistir. “Eles me fizeram ver uma sequência de foguetes explodindo,
porque queriam me convencer de que eu ia perder todo o meu dinheiro”,
diz Musk.
Os argumentos sobre o risco serviram para reforçar a decisão de
Musk. Ele gostava de riscos. “Se você está tentando me convencer de
que o risco de fracasso é alto, eu já sei disso”, disse ele a Ressi. “O
resultado mais provável é que eu perca todo o meu dinheiro. Mas qual é
a alternativa? Que não exista progresso na exploração espacial?
Precisamos arriscar, ou ficaremos presos na Terra para sempre.”
Era uma declaração muito grandiosa de como ele era indispensável
para o progresso da humanidade. Contudo, como em muitas das
afirmações risíveis de Musk, havia nela um pouco de verdade. “Eu
queria manter a esperança de que os humanos pudessem ser uma
civilização exploradora do espaço e estar entre as estrelas”, diz, “e não
havia nenhuma chance de isso acontecer, a menos que uma nova
empresa começasse a criar foguetes revolucionários”.
A aventura espacial de Musk começou como um empreendimento
sem fins lucrativos para inspirar interesse numa missão a Marte. Naquele
momento, porém, ele tinha uma combinação de motivações que iriam
marcar sua carreira. Ele poderia fazer algo audacioso motivado por uma
ideia grandiosa, mas também queria ser prático e lucrativo, para que o
empreendimento se sustentasse. Isso significava usar foguetes para
lançar satélites comerciais e governamentais.
Musk decidiu começar com um foguete menor, que teria um custo
mais baixo. “Vamos fazer coisas idiotas, mas vamos evitar fazer coisas
idiotas em larga escala”, falou ele para Cantrell. Em vez de lançar
grandes cargas como a Lockheed e a Boeing, Musk iria criar um foguete
mais barato para pequenos satélites que estavam sendo viabilizados por
avanços nos microprocessadores. Ele estava centrado numa medida
principal: quanto custaria colocar cada quilo em órbita. O objetivo de
maximizar cada dólar guiaria a obsessão que ele tinha por aumentar o
impulso dos motores ao reduzir a massa dos foguetes e torná-los
reutilizáveis.
Musk tentou recrutar dois engenheiros que foram com ele a Moscou.
Mike Griffin, porém, não queria se mudar para Los Angeles. Ele estava
trabalhando para a In-Q-Tel, uma empresa de capital de risco
patrocinada pela CIA com sede na área de Washington, D.C., e
vislumbrava um futuro promissor nas políticas públicas relativas a
ciência. De fato, o presidente George W. Bush o indicou para ser
administrador da NASA em 2005. Jim Cantrell pensou em aceitar a
proposta de Musk, mas pediu muitas garantias de emprego que este não
queria atender. Então, Musk acabou sendo, por W.O., o engenheiro-
chefe da empresa.
Musk criou a Space Exploration Technologies em maio de 2002. A
princípio, chamou a empresa pelas iniciais, SET. Meses depois, deu
destaque à sua letra preferida, ao trocar o nome para algo mais
memorável, SpaceX. O objetivo, revelou ele numa apresentação inicial,
era lançar o primeiro foguete em setembro de 2003 e enviar uma missão
não tripulada a Marte até 2010. Dessa forma, Musk continuou uma
tradição que começou na PayPal: estabelecer prazos irreais que faziam
suas noções completamente insanas serem vistas como muito atrasadas
com relação a esses prazos.
capítulo 16
Pais e filhos
Los Angeles, 2002

Errol, Kimbal e Elon


Bebê Nevada
Bem quando Elon estava lançando a SpaceX, em maio de 2002, Justine
deu à luz o primeiro filho do casal, um menino que recebeu o nome de
Nevada, por ter sido concebido no festival anual Burning Man, que
acontece naquele estado. Quando o garoto tinha 10 semanas, a família
toda foi a Laguna Beach, ao sul de Los Angeles, para o casamento de
um primo. Durante a recepção, o gerente do hotel apareceu à procura
dos Musk. Algo havia acontecido com o bebê deles, disse.
Quando voltaram para o quarto, paramédicos estavam intubando
Nevada e dando-lhe oxigênio. A babá explicou que ele estava dormindo
no berço, de costas, e de repente parou de respirar. A causa
provavelmente era a síndrome da morte súbita, um mal inexplicado que
é a principal causa de mortalidade infantil em países em
desenvolvimento. “Quando a equipe de paramédicos conseguiu
ressuscitar Nevada, ele tinha ficado tanto tempo sem oxigênio que já
havia sofrido morte cerebral”, contou Justine depois.
Kimbal foi para o hospital com Elon, Justine e o bebê. Apesar de a
morte cerebral ter sido declarada, Nevada foi mantido conectado a
aparelhos por três dias. Quando finalmente decidiram desligar o
respirador, Elon sentiu a última batida do coração do filho, e Justine o
segurou no colo e sentiu quando ele morreu. Musk chorou
incontrolavelmente. “Ele chorou como um lobo”, diz Maye. “Chorou
como um lobo.”
Como Elon disse que não suportaria voltar para casa, Kimbal
organizou para eles uma estadia no Beverly Wilshire Hotel. O gerente
deu a eles a suíte presidencial, e Musk pediu que se livrasse das roupas e
dos brinquedos de Nevada, que haviam sido levados para o hotel. Musk
demorou três semanas para conseguir ir para casa e ver aquele que tinha
sido o quarto do filho.
Musk processou o luto em silêncio. Navaiq Farooq, seu amigo da
Queen’s University, voou para Los Angeles e ficou com ele logo depois
da volta para casa. “Justine e eu tentamos fazer Elon falar a respeito do
que aconteceu, mas ele não queria conversar sobre o assunto”, comenta
Farooq. Em vez disso, eles assistiam a filmes e jogavam videogame. Em
determinado momento, depois de um longo silêncio, Farooq perguntou:
“Como você está se sentindo? Como está lidando com isso?” Musk
encerrou completamente a conversa. “Eu o conhecia o suficiente para ler
seu rosto”, diz Farooq. “Dava para ver que estava determinado a não
tocar no assunto.”

***

Justine, pelo contrário, era muito aberta quanto às suas emoções. “Ele
ficava um tanto incomodado com o fato de eu expressar meus
sentimentos sobre a morte de Nevada”, conta ela. “Ele me disse que eu
estava sendo emocionalmente manipuladora, que estava deixando meus
sentimentos à mostra.” Ela atribui a repressão emocional de Musk a um
mecanismo de defesa que Elon desenvolveu na infância. “Ele se fecha
quando está numa situação ruim”, diz Justine. “Acho que é uma questão
de sobrevivência para ele.”

Errol aparece
Quando Nevada nasceu, Elon convidou o pai, Errol, que estava na
África do Sul, para conhecer o neto. Era a chance, treze anos depois de
deixar a África do Sul, de se reconciliar com Errol, ou pelo menos de
exorcizar alguns demônios. “Elon era o primeiro filho do nosso pai, e
talvez tivesse algo a provar para ele”, opina Kimbal.
Errol levou a nova esposa, os dois filhos mais novos e os três
enteados. Elon pagou as sete passagens. Quando eles chegaram a
Raleigh, na Carolina do Norte, depois do primeiro trecho do voo de
Joanesburgo, Errol recebeu uma mensagem de um representante da
Delta Air Lines. “Temos uma má notícia”, disseram a ele. “Seu filho nos
pediu que informássemos que Nevada, seu neto, morreu.” Elon queria
ter certeza de que o representante da companhia aérea contaria a notícia,
porque ele não conseguia pronunciar as palavras.
Quando Errol pegou o telefone, Kimbal explicou a situação e disse:
“Pai, você não deveria vir.” Ele tentou convencer Errol a voar de volta
para a África do Sul. Errol se recusou. “Não, já estamos nos Estados
Unidos, então vamos para Los Angeles.”
Errol se lembra de ter ficado impressionado com o tamanho da
cobertura no Beverly Wilshire, “provavelmente a coisa mais incrível que
já vi”. Elon parecia estar em transe, mas também muito carente, de uma
maneira complexa. Ele estava incomodado por seu pai tempestuoso vê-
lo em um estado tão vulnerável quanto aquele. Contudo, ele também
não queria deixá-lo ir embora. E acabou pedindo ao pai e à nova família
dele que ficassem em Los Angeles. “Não quero que você volte”, disse.
“Vou comprar uma casa para você aqui.”
Kimbal ficou chocado. “Não, não, não, essa não é uma boa ideia”,
falou para Elon. “Você está se esquecendo de que ele é um ser humano
cruel. Não faça isso, não faça isso com você mesmo.” No entanto, quanto
mais ele tentava fazer o irmão desistir, mais triste Elon ficava. Anos
depois, Kimbal ainda tinha dificuldade de entender o que motivara o
irmão. “Ver o filho morrer, acho que foi por isso que ele quis o pai por
perto”, disse ele para mim.
Elon comprou uma casa em Malibu para Errol e sua prole, assim
como o maior Land Rover que encontrou, e conseguiu que as crianças
fossem matriculadas em boas escolas e transportadas até elas todos os
dias. Mas as coisas ficaram estranhas rapidamente. Elon começou a se
preocupar porque Errol, na época com 56 anos, estava se interessando,
de uma maneira constrangedora, por uma das enteadas — Jana, de 15
anos.
Elon ficou furioso com o pai por ver um comportamento que
considerava inapropriado, uma vez que ele tinha criado profunda
empatia — e intensa afinidade — pelos enteados de Errol. Elon sabia o
que eles tinham que aguentar. Por isso, se ofereceu para dar a Errol um
iate que ficaria ancorado a 45 minutos de Malibu. Se ele concordasse em
morar sozinho, poderia ver a família nos fins de semana. A ideia não era
só estranha, era também ruim. Tornava toda a situação estranha. A
esposa de Errol, que era dezenove anos mais jovem que ele, começou a
obedecer a Elon. “Ela via Elon como provedor, não eu”, reclama Errol,
“e isso virou um problema”.
Certo dia, quando estava no iate, Errol recebeu uma mensagem de
Elon. “Esta situação não está dando certo”, disse ele, e pediu que Errol
voltasse para a África do Sul. Errol voltou. Meses depois, a esposa e a
família também voltaram. “Eu usei de ameaças, recompensas e
argumentos para melhorar meu pai”, diz Elon. “E ele...” Musk faz um
longo silêncio. “De forma alguma, só piorou.” Redes pessoais são mais
complexas do que as digitais.
capítulo 17
Acelerando
SpaceX, 2002

Tom Mueller
Tom Mueller
Em sua infância, na zona rural de Idaho, Tom Mueller adorava brincar
com pequenos foguetes. “Montei dezenas. Não duravam muito, óbvio,
porque eu sempre quebrava ou explodia os foguetes.”
Sua cidade natal, Saint Maries (com 2.500 habitantes), era um
vilarejo de exploração madeireira 160 quilômetros ao sul da fronteira
com o Canadá. O pai trabalhava como lenhador. “Quando criança, eu
sempre ajudava meu pai com sua caminhonete de trabalho, usando solda
e outras ferramentas”, lembra Mueller. “Colocar a mão na massa me deu
uma noção do que funciona e do que não funciona.”
Esguio e musculoso, com uma covinha no queixo e cabelos escuros
como azeviche, Mueller tinha a aparência bruta de um futuro lenhador.
Por dentro, porém, era estudioso como Musk. Mueller mergulhava na
biblioteca local e devorava a seção de ficção científica. Para um trabalho
no ensino fundamental, ele colocou gafanhotos dentro de um foguete
em miniatura e lançou o engenho no quintal para ver o efeito que a
aceleração teria neles. Ele aprendeu outra lição. O paraquedas falhou, o
foguete caiu e os gafanhotos morreram.
No começo, ele comprava kits de foguetes pelo correio, mas depois
começou a fazer seus próprios esboços. Quando tinha 14 anos,
converteu o maçarico do pai em um motor. “Injetei água nele para ver
que efeito isso teria no desempenho”, conta. “É uma coisa louca...
Colocar água dá mais impulso.”
O projeto ficou em segundo lugar na Feira de Ciências regional, o
que o classificou para as finais internacionais em Los Angeles. Foi a
primeira vez que ele esteve em um avião. “Não cheguei nem perto de
vencer”, diz. “Havia robôs e coisas que os pais de outras crianças tinham
construído. Pelo menos eu havia feito o meu projeto sozinho.”
Ele trabalhou como lenhador durante as férias de verão e nos fins de
semana com o propósito de ir para a Universidade de Idaho. Quando se
formou, se mudou para Los Angeles para procurar emprego no setor
aeroespacial. As notas de Mueller não eram boas, mas o entusiasmo era
contagiante e ajudou-o a conseguir um emprego na TRW, que
construíra o motor do foguete que permitiu que astronautas chegassem à
Lua. Nos fins de semana, ele ia ao deserto de Mojave para testar seus
grandes foguetes caseiros com colegas da Reaction Research Society, um
clube de entusiastas de foguetes fundado em 1943. Lá, se juntou ao
colega John Garvey para construir o que se tornou o motor de foguete
amador mais poderoso do mundo, com 36 quilos.
Certo domingo em janeiro de 2002, enquanto os dois estavam
trabalhando no motor amador deles num armazém alugado, Garvey
mencionou para Mueller que um milionário da internet chamado Elon
Musk queria conhecê-lo. Quando Musk chegou acompanhado de
Justine, Mueller estava soldando o motor de 36 quilos suspenso
enquanto tentava parafusá-lo a um suporte. Musk começou a enchê-lo
de perguntas. Quanto de impulso? Vinte mil quilos, respondeu Mueller.
Você já fez algo maior? Mueller explicou que na TRW estava
trabalhando no TR-106, que tinha 970 mil quilos de impulso. Musk,
então, perguntou quais eram os combustíveis de propulsão. Mueller por
fim desistiu de parafusar o motor para se concentrar no interrogatório de
Musk.
Musk perguntou a Mueller se ele podia construir um motor tão
grande quanto o TR-106 da TRW sozinho. Mueller reconheceu que
havia projetado o injetor e a ignição, conhecia bem o sistema de bomba
e, com uma equipe, poderia descobrir o resto. Musk queria saber quanto
iria custar. “Meu Deus, essa é difícil”, respondeu Mueller, que estava
surpreso com a rapidez com que a conversa havia evoluído para questões
específicas.
Em dado momento, Justine, que vestia um casaco de couro comprido,
cutucou Musk e disse que era hora de ir. Ele perguntou a Mueller se os
dois poderiam se encontrar no domingo seguinte. Mueller estava
relutante. “Era o domingo do Super Bowl, e eu tinha acabado de
comprar uma TV de tela panorâmica e queria assistir ao jogo com uns
amigos.” Contudo, sentiu que era inútil resistir, e então concordou em
receber Musk.
“Talvez a gente tenha visto, sei lá, uma jogada, porque estávamos
entretidos conversando sobre construir um veículo de lançamento”,
lembra-se Mueller. Junto com alguns outros engenheiros que estavam
presentes, eles desenharam planos para aquele que se tornaria o primeiro
foguete da SpaceX. O primeiro estágio, decidiram, seria impulsionado
por motores movidos a oxigênio líquido e querosene. “Eu sei como fazer
isso funcionar facilmente”, disse Mueller. Musk sugeriu peróxido de
hidrogênio para o estágio superior, mas Mueller imaginou que seria
difícil de manusear. Ele sugeriu em resposta tetróxido de nitrogênio, que
Musk considerou caro demais. Acabaram concordando em usar oxigênio
líquido e querosene no segundo estágio também. O jogo de futebol foi
esquecido. O foguete era mais interessante.
Musk ofereceu a Mueller o emprego de diretor de propulsão,
responsável por projetar os motores do foguete. Mueller, que vinha
reclamando da cultura avessa a riscos da TRW, consultou a esposa.
“Você vai se arrepender se não fizer isso”, opinou ela. Mueller se tornou,
assim, a primeira contratação da SpaceX.
Algo em que Mueller insistiu foi que Musk depositasse dois anos de
salário como garantia. Ele não era um milionário da internet, portanto
não queria correr o risco de ficar sem pagamento se o empreendimento
falhasse. Musk concordou. No entanto, isso o levou a considerar
Mueller um empregado, não um cofundador da SpaceX. Foi uma briga
que ele teve na PayPal e teria novamente na Tesla. Se você não está
disposto a investir em uma empresa, achava ele, não deveria ser visto
como fundador. “Você não pode pedir dois anos de salário em depósito e
se considerar cofundador”, comenta Musk. “Tem que existir alguma
combinação de inspiração, transpiração e risco para ser cofundador.”

Ignição
Depois de conseguir arregimentar Tom Mueller e alguns outros
engenheiros, Musk precisava de uma sede e de uma fábrica. “Estávamos
nos encontrando em salas de reunião em hotéis”, diz Musk, “então,
comecei a percorrer bairros onde ficam a maioria das empresas
aeroespaciais, e encontrei um armazém antigo bem perto do aeroporto
de Los Angeles”. (A sede da SpaceX e o vizinho estúdio de design da
Tesla ficam tecnicamente em Hawthorne, uma cidade no condado de
Los Angeles, ao lado do aeroporto, mas vou me referir ao local como
Los Angeles.)
Ao projetar a fábrica, Musk seguiu sua filosofia de que as equipes de
design, engenharia e produção deveriam ficar todas juntas. “As pessoas
na linha de montagem deveriam ser capazes de chamar imediatamente
um designer ou um engenheiro e dizer: ‘Por que você fez isso assim?’”,
explicou ele para Mueller. “Se sua mão está no fogão e queima, você tira,
mas, se é a mão de outra pessoa, vai demorar mais para você agir.”
Enquanto a equipe crescia, Musk foi infundindo em todos sua
tolerância ao risco e sua disposição para deturpar a realidade. “Se você
fosse negativo ou pensasse que algo não podia ser feito, não seria
convidado para a próxima reunião”, lembra-se Mueller. “Ele só queria
gente capaz de realizar as coisas.” Era uma boa maneira de estimular as
pessoas a fazer aquilo que achavam ser impossível. Entretanto, também
era uma boa maneira de se cercar de pessoas temerosas de dar más
notícias ou de questionar uma decisão.
Musk e os demais jovens engenheiros trabalhavam até tarde da noite
e depois começavam um jogo de tiro com vários jogadores simultâneos,
como Quake III Arena, nos desktops, conectavam seus celulares e
mergulhavam em partidas frenéticas que podiam ir até as três da manhã.
O nome de usuário de Musk era Random9, e ele era o mais agressivo
(óbvio). “Nós ficávamos gritando e berrando uns com os outros, como
um bando de lunáticos”, disse um funcionário. “E Elon estava bem ali,
no meio de tudo, com a gente.” Ele costumava ganhar. “Elon era
alarmantemente bom nesses jogos”, falou outro. “Ele tem reações
loucamente rápidas, e sabia todos os truques e como surpreender as
pessoas.”
Musk chamou o foguete que eles estavam construindo de Falcon 1,
em homenagem à espaçonave de Star Wars. Ele deixou que Mueller
batizasse seus motores, pois queria nomes legais, não só letras e
números. Uma funcionária de um dos fornecedores era falcoeira, e listou
as diferentes espécies daquela ave. Mueller escolheu “Merlin” para os
motores do primeiro estágio e “Kestrel” para os do segundo.
capítulo 18
As regras de Musk para
construir foguetes
SpaceX, 2002-2003

Estande para teste em McGregor, Texas


Questione cada custo
Musk estava muito determinado em manter os custos baixos, não só
porque o dinheiro dele mesmo estava em risco, apesar de isso ser um
fator. Era também porque o custo-benefício era crítico para o objetivo
final, que era o de colonizar Marte. Ele questionava os preços que os
fornecedores do setor aeroespacial cobravam para os componentes,
geralmente dez vezes maiores do que peças semelhantes na indústria
automotiva.
O foco no custo, assim como ter uma natureza controladora, levou
Musk a querer fabricar a maior quantidade de componentes possível na
empresa, em vez de comprá-los de fornecedores, que era a prática-
padrão nos setores de foguete e de carro. Certa vez, a SpaceX precisava
de uma válvula, lembra-se Mueller, e o fornecedor disse que custaria 250
mil dólares. Musk falou que era loucura, e disse a Mueller que eles
mesmos deveriam fabricá-la. Eles levaram alguns meses para fazer isso,
e por um valor muito mais baixo. Outro fornecedor pediu 120 mil
dólares por um acionador que giraria o bocal dos motores do estágio
superior. Musk disse que não seria mais complicado do que um controle
para abrir uma garagem, e mandou um dos engenheiros fazer um por 5
mil dólares. Jeremy Hollman, um dos jovens engenheiros que
trabalhavam com Mueller, descobriu que uma válvula usada para
misturar líquidos num sistema de lavagem de carros poderia ser
modificada de modo a funcionar com combustível para foguete.
Depois que um fornecedor entregou alguns domos de alumínio, que
ficam no topo dos tanques de combustível, reajustou o preço para a
entrega seguinte. “Imagine que um pintor pinte a metade da sua casa
por um preço e depois decida cobrar três vezes aquele valor pelo
restante”, diz Mark Juncosa, que se tornou o colega mais próximo de
Musk na SpaceX. “Isso não deixou Musk muito entusiasmado.” Musk se
referia à situação como “dar uma de russo” para cima dele, como os
mascates de foguetes em Moscou fizeram. “Nós mesmos vamos fazer
isso”, disse ele a Juncosa. Então, uma nova parte da fábrica foi
construída para fazer domos. Depois de alguns anos, a SpaceX estava
fazendo 70% dos componentes dos seus foguetes.
Quando a SpaceX começou a produzir os primeiros motores Merlin,
Musk perguntou a Mueller quanto eles pesavam. Cerca de 450 quilos,
respondeu Mueller. O motor Tesla Model S, disse Musk, pesa duas
toneladas e custa cerca de 30 mil dólares para ser fabricado. “Se o motor
Tesla é quatro vezes mais pesado que o seu, por que o seu custa tanto?”
Uma razão era que os componentes do foguete estavam sujeitos a
centenas de especificações e exigências feitas pelos militares e pela
NASA. Em grandes empresas aeronáuticas, os engenheiros seguiam isso
religiosamente. Musk fez o oposto. Ele mandou seus engenheiros
questionarem todas as especificações. Depois, isso se tornaria o primeiro
de uma lista de cinco passos chamada “o algoritmo”, que se tornou o
mantra repetido por ele com frequência ao desenvolver produtos.
Sempre que um engenheiro citava “uma exigência” como razão para
fazer algo, Musk questionava: quem fez essa exigência? E não aceitava
como resposta “os militares” ou “o departamento jurídico”. Musk insistia
que eles soubessem o nome da pessoa que havia determinado a
exigência. “Nós conversávamos sobre como conseguir qualificar um
motor ou certificar um tanque de combustível, e ele perguntava: ‘Por que
temos que fazer isso?’”, diz Tim Buzza, um egresso da Boeing que se
tornaria vice-presidente de lançamentos e testes da SpaceX. “E nós
respondíamos: ‘Há uma especificação que diz que isso é obrigatório.’ E
ele respondia: ‘Quem escreveu isso? Por que isso faz sentido?’” Todas as
exigências deviam ser tratadas como recomendações, instruía ele
repetidas vezes. As únicas regras imutáveis eram as decretadas pelas leis
da física.

Tenha um senso de urgência maníaco


Quando estava trabalhando nos motores Merlin, Mueller apresentou
um cronograma agressivo para concluir uma das versões. Mas não era
agressivo o suficiente para Musk. “Como isso pode demorar tanto?”,
perguntou ele. “Isso é burrice. Reduza à metade.”
Mueller resistiu: “Não dá para pegar um cronograma que já é
apertado e diminuir pela metade.” Musk olhou para ele friamente e
mandou que permanecesse após o fim da reunião. Quando estavam
sozinhos, perguntou se Mueller queria continuar a ser o encarregado dos
motores. Quando Mueller disse que queria, Musk respondeu: “Então,
quando eu pedir algo, faça.”
Mueller concordou e cortou o cronograma pela metade de modo
arbitrário. “E adivinha só?”, diz ele. “Acabamos desenvolvendo no
mesmo tempo previsto no cronograma original.” Às vezes os prazos
insanos produziam o impossível; outras vezes, não. “Aprendi a nunca
dizer não para Musk”, confessa Mueller. “Basta dizer que você vai
tentar; se não der certo, você explica depois.”
Musk insistia em determinar prazos pouco realistas até mesmo
quando não eram necessários, como na ocasião em que mandou
construir em semanas os estandes de teste para motores de foguetes que
ainda não haviam sido construídos. “Um senso de urgência maníaco era
nosso princípio operacional”, declarou ele repetidas vezes. O sentimento
de urgência era bom por si mesmo. Fazia os engenheiros se envolverem
nos primeiros princípios do pensamento. No entanto, como Mueller
indica, também era corrosivo. “Se você determina um cronograma que as
pessoas pensam que podem cumprir, elas se esforçam para tal”, opina
ele. “Mas, se você apresentar a eles um prazo que é fisicamente
impossível, os engenheiros não são burros. Vocês os desmotiva. É a
maior fraqueza do Elon.”
Steve Jobs fazia algo parecido. Os colegas dele chamavam isso de
campo de distorção da realidade. Jobs estipulava prazos pouco realistas e,
quando as pessoas se recusavam, ele as encarava sem piscar e dizia: “Não
tenha medo, você consegue.” Apesar de a prática desmotivar as pessoas,
elas acabavam conseguindo fazer coisas que outras empresas não
conseguiam. “Embora a gente não conseguisse cumprir a maior parte
dos prazos ou dos custos que o Elon estipulava, nós ainda vencíamos
todos os nossos concorrentes”, reconhece Mueller. “Desenvolvemos o
menor custo, os foguetes mais incríveis da história, e acabávamos nos
sentindo muito bem com isso, mesmo que Papai não estivesse sempre
feliz conosco.”
Aprenda com o erro
Musk adotou uma abordagem iterativa no design. Foguetes e motores
seriam rapidamente prototipados, testados, explodidos, revisados e
testados novamente, até que, por fim, algo funcionasse. Mova-se rápido,
exploda coisas, repita. “Não se tratava de evitar problemas”, revela
Mueller. “O que importava era a velocidade com que você descobria qual
era o problema e o consertava.”
Por exemplo: havia um conjunto de especificações militares sobre
quantas horas cada nova versão de um motor precisava ser testada sob
uma longa lista de condições diferentes. “Era uma abordagem
entediante e muito cara”, explica Tim Buzza. “Elon disse para construir
só um motor e ligá-lo nos estandes de teste; se funcionar, coloque em
um foguete e faça-o voar.” Como a SpaceX era uma empresa privada e
como Musk estava disposto a desrespeitar as regras, podia correr os
riscos que quisesse. Buzza e Mueller forçavam os motores até que
falhassem, e então diziam: “Ok, agora sabemos quais são os limites.”
Essa crença no design iterativo significava que a SpaceX precisava de
um espaço aberto para testes. Inicialmente, eles consideraram o Porto
Espacial e Aéreo de Mojave, mas, no fim de 2002, a Câmara de
Vereadores ficou adiando a decisão sobre o pedido da SpaceX.
“Precisamos cair fora de Mojave”, falou Mueller para Musk. “A
Califórnia é difícil.”
Em dezembro daquele ano, Musk deu uma palestra na Purdue, que
tinha um programa reconhecido de testes com foguetes, e levou com ele
Mueller e Buzza. Lá, conheceram um engenheiro que trabalhara para a
Beal Aerospace, uma das muitas empresas privadas de foguetes que
haviam falido. Ele descreveu o campo de testes abandonado da Beal na
região de McGregor, no Texas, cerca de quarenta quilômetros a leste de
Waco, e lhes deu um número de celular de um ex-funcionário que ainda
morava na área.
Musk decidiu que eles deveriam voar até lá naquele mesmo dia. No
caminho, ligaram para o ex-funcionário, Joe Allen, e o encontraram na
Texas State Technical College, onde estava estudando programação de
computadores, depois de perder o emprego na Beal. Allen nunca tinha
ouvido falar em Musk nem na SpaceX, mas concordou em encontrá-los
sob um tripé no antigo campo de testes. Após o avião de Musk ter
pousado, eles não tiveram dificuldade para encontrar o tripé no deserto
— tinha 33 metros de altura. Na base estava Allen, em pé ao lado de sua
velha picape Chevrolet.
“Deus do céu”, sussurrou Mueller para Buzza enquanto andavam pelo
local. “Aqui tem quase tudo de que precisamos.” Havia estandes de
testes e sistemas de água e um posto de observação em meio à grama
rala. Buzza começou a se entusiasmar com o lugar, pensando no quão
bem poderia funcionar. Musk o puxou para um canto. “Pare de dizer
como tudo isso é bom”, disse. “Você está tornando tudo mais caro.”
Musk acabou contratando Allen imediatamente, e conseguiu alugar o
campo de McGregor e os equipamentos por apenas 45 mil dólares
anuais.
Dessa forma, começou uma ação entre amigos na qual um pelotão de
engenheiros de foguete durões, liderados por Mueller e Buzza, com
visitas ocasionais de Musk, ligavam motores e causavam explosões, que
eles chamavam de “desmontagens rápidas não previstas”, em um trecho
miserável e repleto de concreto e cascavéis no deserto do Texas.
O primeiro teste de um Merlin aconteceu na noite do aniversário de
Mueller, 11 de março de 2003. O querosene e o oxigênio líquidos foram
injetados em uma câmara de pressão e queimaram somente por meio
segundo, que era o tempo necessário para se assegurar de que o
mecanismo funcionava. Eles comemoraram com uma garrafa de mil
dólares de conhaque Rémy Martin, dada de presente a Musk pela
participação em uma conferência espacial. A assistente dele, Mary Beth
Brown, dera a garrafa a Mueller para ser consumida em uma ocasião
especial. Eles tomaram em copos de papel.

Improviso
Mueller e a equipe passavam doze horas por dia testando motores em
McGregor, jantavam num Outback Steakhouse e depois, tarde da noite,
faziam uma reunião por telefone com Musk, que os enchia de perguntas
técnicas. Quando um engenheiro não sabia uma resposta, Musk com
frequência entrava em combustão com a fúria controlada de um motor
de foguete. Com sua tolerância para risco, ele os incentivava a encontrar
soluções improvisadas. Usando ferramentas que Mueller havia levado
para o Texas, eles tentavam consertar as coisas ali mesmo.
Certa noite, um raio atingiu um estande de testes e derrubou o
sistema de pressurização de um tanque de combustível. Isso criou uma
protuberância e um rompimento numa das membranas dos tanques. O
procedimento, em se tratando de uma empresa aeroespacial normal,
seria substituir os tanques, o que levaria meses. No entanto, a ordem de
Musk foi: “Não, só conserte. Vá lá com uns martelos e martele até que
volte ao lugar, solde e vamos em frente.” Buzza achou isso uma loucura,
mas havia aprendido a seguir as ordens do chefe. Eles foram até o
estande de testes e martelaram a protuberância. Musk embarcou no
avião para o voo de três horas até lá a fim de supervisionar tudo
pessoalmente. “Quando ele apareceu, começamos a testar o tanque com
combustível dentro, e funcionou”, lembra Buzza. “Elon acredita que
toda situação é salvável. Isso nos ensinou muito. E de fato era divertido.”
Isso também fez com que a SpaceX demorasse muito menos tempo até
testar seu primeiro foguete.
Nem sempre dava certo, é óbvio. Musk tentou uma abordagem
igualmente pouco convencional no fim de 2003, quando apareceram
rachaduras no material de difusão de calor dentro da câmara de pressão
dos motores. “Primeiro, uma; depois, duas, três das nossas primeiras
câmaras racharam”, recorda Mueller. “Foi um desastre.”
Quando Musk recebeu a má notícia, mandou Mueller encontrar uma
forma de consertá-las. “Não podemos jogar tudo fora”, disse.
“Não tem como consertar”, replicou Mueller.
Era o tipo de afirmação que enfurecia Musk. Ele disse aos
engenheiros que colocassem as três câmaras no avião dele e voassem até
a fábrica da SpaceX, em Los Angeles. Sua ideia era aplicar uma camada
de cola epóxi para preencher as rachaduras e resolver o problema.
Quando Mueller falou a ele que a ideia era louca, Musk e ele
começaram a gritar um com o outro. Por fim, Mueller cedeu. “Ele é o
chefe”, disse para a equipe.
Quando as câmaras chegaram à fábrica, Musk estava vestido com
botas chiques de couro para uma festa de Natal à qual pretendia ir. Ele
nunca chegou à festa. Passou a noite toda ajudando a aplicar o epóxi e
destruindo as botas.
A aposta deu errado. Quando a pressão era aplicada, o epóxi se
soltava. As câmaras tiveram que ser redesenhadas, e o prazo para o
lançamento atrasou em quatro meses. No entanto, a disposição de Musk
em trabalhar a noite toda na fábrica em uma ideia inovadora inspirou
seus engenheiros a não ter medo de tentar soluções inusitadas.
Um padrão foi estabelecido: tentar novas ideias e estar disposto a
explodir coisas. Os moradores da área se acostumaram com as explosões.
As vacas, no entanto, não. Como desbravadores protegendo-se, elas
corriam em círculos com as crias mais jovens no centro, resguardadas,
quando uma grande explosão acontecia. Os engenheiros em McGregor
instalaram uma “câmera das vacas”, para poderem assistir.
capítulo 19
O sr. Musk vai a Washington
SpaceX, 2002-2003

Gwynne Shotwell
Gwynne Shotwell
Musk não se alia de modo natural a pessoas, seja social, seja
profissionalmente. Na Zip2 e na PayPal, ele mostrou que podia inspirar,
assustar e, às vezes, assediar colegas. Coleguismo, porém, não fazia parte
das habilidades dele, e deferência não lhe era natural. Ele não gosta de
compartilhar o poder.
Uma das poucas exceções era o relacionamento mantido com
Gwynne Shotwell, que entrou para a SpaceX em 2002 e acabou se
tornando sua presidente. Ela vem trabalhando com Musk, sentada em
uma baia bem ao lado da dele na sede da SpaceX, em Los Angeles, por
mais de vinte anos, mais do que qualquer um.
Direta, de língua afiada e corajosa, ela se orgulha de ser “bocuda” sem
chegar a ser desrespeitosa, e mantém a confiança agradável de quando
foi jogadora de basquete e líder de torcida no ensino médio. A
assertividade descontraída permite que ela fale com Musk com
franqueza, sem que isso o incomode, e reaja aos excessos dele sem
bancar a babá. Shotwell é capaz de tratá-lo quase de igual para igual e,
ainda assim, mostrar deferência, sem nunca esquecer que ele é o
fundador e o chefe.
Nascida Gwynne Rowley, ela foi criada numa cidadezinha ao norte da
região metropolitana de Chicago. Quando era caloura no ensino médio,
foi com a mãe a um painel da Sociedade das Mulheres Engenheiras, no
qual ficou fascinada com uma engenheira mecânica bem-vestida que
tinha um negócio próprio de construção. “Quero ser como ela”, falou, e
decidiu se matricular na Escola de Engenharia na vizinha Universidade
Northwestern. “Eu me matriculei por causa da riqueza da Northwestern
em outros campos”, diria ela mais tarde para os alunos daquela
faculdade. “Estava com medo de ser chamada de nerd. Hoje, tenho
muito orgulho de ser nerd.”
Enquanto se encaminhava para uma entrevista de emprego no
escritório da IBM na região de Chicago, em 1986, ela parou para assistir
pela televisão na vitrine de uma loja ao lançamento do ônibus espacial
Challenger com a professora Christa McAuliffe a bordo. O que deveria
ter sido um momento inspirador se tornou um pesadelo quando o
Challenger explodiu um minuto após o lançamento. Shotwell ficou tão
abalada que não conseguiu o emprego. “Devo ter errado o tom na
entrevista”, cogita ela. Tempos depois, foi contratada pela Chrysler em
Detroit, e posteriormente se mudou para a Califórnia, onde se tornou
chefe de vendas de sistemas espaciais para a Microcosm Inc., uma
startup de consultoria no mesmo bairro da SpaceX.
Na Microcosm, ela trabalhava com o engenheiro alemão, aventureiro
e cara de pau Hans Koenigsmann, que conheceu Musk em um dos
encontros de fim de semana de aficionados por lançamento de foguetes
no deserto de Mojave. Logo em seguida, Musk foi à casa de
Keonigsmann para recrutá-lo, e ele se tornou o quarto empregado da
SpaceX, em maio de 2002.
Para ajudá-lo a comemorar, Shotwell levou Koenigsmann a um
restaurante australiano chamado Chef Hannes, o favorito dele na região.
Depois, lhe deu carona por algumas quadras para deixá-lo na SpaceX.
“Entre”, disse ele. “Você pode conhecer o Elon.”
Shotwell se impressionou com as ideias de Musk para reduzir custos
de foguetes e fabricar peças internamente. “Ele sabia detalhes”, lembra.
Mas achou que a equipe não tinha a menor ideia de como vender os
serviços. “O cara que você tem para conversar com potenciais clientes é
um fracasso”, disse ela sem rodeios.
No dia seguinte, Shotwell recebeu uma ligação da assistente de Musk,
a qual disse que ele tinha uma proposta para lhe fazer: se tornar vice-
presidente de desenvolvimento de negócios. Shotwell era mãe de dois
filhos, estava se divorciando e prestes a completar 40 anos. A ideia de
entrar para uma startup arriscada comandada por um milionário
temperamental não a atraía muito. Ela passou três semanas pensando
antes de chegar à conclusão de que a SpaceX tinha o potencial de
transformar uma indústria de foguetes esclerosada em algo inovador.
“Estou sendo uma idiota”, disse a Musk. “Vou aceitar o emprego.”
Shotwell se tornou a sétima funcionária da empresa.
Ela tem uma percepção especial que ajuda a lidar com Musk. O
marido dela tem o transtorno do espectro autista popularmente
conhecido como Asperger. “Pessoas como o Elon, com Asperger, não
compreendem bem sinais sociais e não pensam naturalmente no impacto
que suas palavras causam nas outras pessoas”, opina ela. “Elon entende
personalidades muito bem, mas como objeto de estudo, não como uma
emoção.”
O Asperger pode fazer com que uma pessoa pareça não ter empatia.
“Elon não é um babaca, mas às vezes diz coisas que são cretinas”,
comenta Shotwell. “Ele apenas não pensa no impacto pessoal do que
está falando, só quer cumprir a missão.” Ela não tenta mudar Elon,
apenas salva quem sai ferido. “Parte do meu trabalho é atender os
feridos”, revela.
Também ajuda o fato de Shotwell ser engenheira. “Não estou no nível
dele, mas não sou idiota. Entendo o que ele está falando”, afirma ela.
“Ouço com cuidado, levo o Elon a sério, leio suas intenções e procuro
fazer o que ele quer, mesmo que a princípio pareça loucura.” Quando
Shotwell insiste comigo que “ele tende a ter razão”, pode parecer que se
trata de uma bajuladora, mas não. Ela fala com ele de forma franca e se
irrita com quem não faz a mesma coisa. Ela cita alguns nomes e diz:
“Eles trabalham muito, mas são medrosos perto do Elon.”

Paquerando a NASA
Alguns meses depois de ela entrar para a SpaceX, em 2003, Shotwell e
Musk viajaram a Washington. O objetivo era conseguir um contrato
com o Departamento de Defesa para lançar um novo tipo de pequenos
satélites táticos de comunicação, conhecidos como TacSat, que iriam
fornecer aos comandantes de forças terrestres imagens e outros dados
rapidamente.
Eles foram a um restaurante chinês perto do Pentágono, e Musk
quebrou um dente. Constrangido, ele ficava colocando a mão sobre a
boca, até que Shotwell riu dele. “Era muito engraçado vê-lo tentando
esconder”, lembra ela. Eles conseguiram encontrar um dentista de
plantão, que fez uma coroa dentária provisória para que Musk chegasse
apresentável ao Pentágono na manhã seguinte. Eles fecharam o
contrato, o primeiro da SpaceX, por 3,5 milhões de dólares.
Para tornar a SpaceX mais conhecida do público em geral, em
dezembro de 2003 Musk levou um foguete Falcon 1 para Washington
por ocasião de um evento público na área externa do National Air and
Space Museum. A SpaceX construiu um trailer especial com um suporte
de cor azul berrante para carregar o foguete de sete andares desde Los
Angeles, e Musk determinou um cronograma curto com um prazo
insano para deixar o protótipo do foguete pronto para a viagem. Na
opinião de muitos dos engenheiros da empresa, aquilo parecia uma
distração gigantesca, mas, quando o foguete desfilou pela Independence
Avenue com uma escolta policial, Sean O’Keefe, o administrador da
NASA, ficou impressionado. Ele despachou um de seus subalternos,
Liam Sarsfield, para a Califórnia com a finalidade de avaliar a corajosa
startup. “A SpaceX apresenta bons produtos e um potencial sólido”,
relatou Sarsfield na volta. “O investimento da NASA neste
empreendimento está bem protegido.”
Sarsfield admirava o apetite de Musk por informações extremamente
técnicas, desde o sistema de acoplagem da Estação Espacial
Internacional até as maneiras como os motores podem superaquecer.
Eles trocaram longos e-mails sobre esses e outros assuntos. Em fevereiro
de 2004, porém, a conversa por e-mail ficou mais tensa quando a NASA
fechou um contrato de 227 milhões de dólares, sem licitação, com uma
empresa privada de foguetes concorrente, a Kistler Aerospace. O
contrato era para foguetes que pudessem reabastecer a Estação Espacial
Internacional, algo que Musk achava que a SpaceX seria capaz de fazer
(e estava certo, no fim das contas).
Sarsfield cometeu o erro de dar a Musk uma explicação sincera. A
Kistler havia fechado um contrato sem licitação, escreveu ele, porque sua
“situação financeira era temerosa”, e a NASA não queria que a empresa
falisse. Haveria outros contratos para a SpaceX disputar, garantiu
Sarsfield a Musk. Isso irritou Elon, que argumentou que a NASA
deveria ter como objetivo promover inovação, não ajudar empresas.
Musk se encontrou com autoridades na sede da NASA em maio de
2004 e, ignorando o conselho de Shotwell, decidiu processá-los por
causa do contrato da Kistler. “Todo mundo me disse que isso significaria
que nunca poderíamos trabalhar com a NASA”, diz Musk. “Mas o que
eles fizeram era errado e corrupto; então, eu os processei.” Ele até
mesmo jogou Sarsfield, seu maior defensor na NASA, na fogueira ao
incluir no processo o e-mail amigável dele com a explicação de que o
contrato deveria salvar a Kistler.
A SpaceX acabou ganhando o processo, e a NASA foi obrigada a
abrir uma licitação para o projeto — da qual a SpaceX conseguiu vencer
uma parte importante. “Isso foi uma grande surpresa: imagine que
venceu o azarão com uma chance em dez”, declarou Musk a Christian
Davenport, do The Washington Post. “Isso surpreendeu a todos.”

Contratos de preço fixo


A vitória foi crucial não apenas para a SpaceX, como também para o
programa espacial norte-americano. Ela promoveu uma alternativa aos
contratos “com compensação” que a NASA e o Departamento de
Defesa geralmente usavam. Sob esses contratos, o governo mantinha o
controle de um projeto — tal como construir um novo foguete, motor
ou satélite — e emitia especificações detalhadas do que queria que fosse
feito. Então, fechava o contrato com empresas grandes como Boeing ou
Lockheed Martin, que tinham todos os custos pagos e lucro garantido.
Essa abordagem se tornou padrão durante a Segunda Guerra Mundial,
para dar ao governo controle completo sobre o desenvolvimento de
armas e evitar a percepção de que as empresas estavam lucrando com a
guerra.
Durante a viagem a Washington, Musk depôs perante um comitê do
Senado e insistiu em fazer uma abordagem diferente. O problema com o
sistema de compensação, argumentou, é que ele impedia a inovação. Se
o projeto superasse o orçamento previsto, o contratado recebia mais
dinheiro. Havia pouco incentivo para que o pequeno clube das empresas
com contratos de compensação assumisse riscos, fosse criativo,
trabalhasse rápido e reduzisse custos. “A Boeing e a Lockheed só
queriam saber de se manter no trem da compensação”, reclama ele. “Não
dá para chegar a Marte com esse sistema. Eles têm um incentivo para
nunca terminar. Se você nunca termina um contrato de compensação,
você mama nas tetas do governo para sempre.”
***

A SpaceX foi pioneira em uma alternativa na qual empresas privadas


podiam concorrer para desempenhar uma tarefa ou uma missão
específicas, como colocar carregamentos do governo em órbita. A
empresa arriscaria o próprio capital, e seria paga apenas se e quando
cumprisse determinados objetivos. Essa contratação baseada em
resultado, com preço fixo, permitia a uma empresa privada controlar,
com amplos parâmetros, como seus foguetes eram projetados e
construídos. Havia muito dinheiro a ser ganho com a construção de um
foguete de baixo custo que funcionasse, e também muito dinheiro a
perder se não funcionasse. “Isso recompensa o resultado, não o
desperdício”, opina Musk.
capítulo 20
Fundadores
Tesla, 2003-2004

JB Straubel, com sua cicatriz; Martin Eberhard e Marc Tarpenning


JB Straubel
Jeffrey Brian Straubel — conhecido como JB — era um garoto de
Wisconsin criado à base de milho, bem-apessoado e com um sorriso de
esquilo. Nerd aficionado por carros, aos 13 anos reconstruiu o motor de
um carrinho de golfe e se apaixonou por veículos elétricos. Ele também
gostava de química. No ensino médio, fez uma experiência com
peróxido de hidrogênio que explodiu o porão da casa da família e o
deixou com uma cicatriz permanente no rosto angelical.
Enquanto estudava sistemas de energia em Stanford, ele estagiou com
um empresário alto-astral e travesso nascido em Nova Orleans, Harold
Rosen, que desenvolveu o satélite geoestacionário Syncom para a
Hughes Aircraft. Rosen e o irmão, Ben, estavam tentando construir um
carro híbrido com uma roda inercial que poderia gerar energia. Straubel
tentou algo mais simples. Converteu um velho Porsche num veículo
totalmente elétrico alimentado por tradicionais baterias de carro de
chumbo-ácido. Tinha uma aceleração estonteante, mas o alcance era de
apenas cinquenta quilômetros.
Depois que a empresa de carros elétricos de Rosen faliu, Straubel se
mudou para Los Angeles. Uma noite, no fim do verão de 2003, ele foi
anfitrião de seis estudantes exaustos e fedidos da equipe de carro solar de
Stanford que haviam acabado de terminar uma corrida de Chicago a
Los Angeles em um veículo movido por painéis solares.
Eles acabaram conversando durante a maior parte da noite, e o papo
se voltou para baterias de íon de lítio, que eram usadas em notebooks.
Elas armazenavam bastante energia e podiam ser colocadas juntas em
grandes números. “E se pudéssemos colocar mil ou 10 mil juntas?”,
perguntou Straubel. Eles chegaram à conclusão de que um carro leve
com meia tonelada de baterias seria capaz de viajar de um lado a outro
dos Estados Unidos. Quando amanheceu, foram para o quintal com
algumas pilhas de íon de lítio para martelar e ver se elas explodiam. Era
uma celebração do futuro, e eles fizeram um pacto. “Temos que fazer
isso”, disse Straubel.
Infelizmente, ninguém estava interessado em financiar o projeto. Até
que ele conheceu Elon Musk.
Em outubro de 2003, Straubel esteve em um seminário em Stanford,
no qual Musk, que havia fundado a SpaceX no ano anterior, era um dos
palestrantes. A palestra era sobre a necessidade de atividades espaciais
empreendedoras “movidas pelo espírito da livre-iniciativa”. Isso levou
Straubel a se apresentar no fim da fala e se oferecer para organizar uma
reunião com Harold Rosen. “Harold era uma lenda da indústria
aeroespacial, de modo que eu o convidei para ir visitar a fábrica da
SpaceX”, lembra Musk.
A visita na fábrica não correu muito bem. Rosen, então com 77 anos,
parecia jovial e seguro enquanto apontava para as partes do projeto de
Musk que iriam fracassar. Quando foram almoçar em um restaurante de
frutos do mar chamado McCormick e Schmick, Musk devolveu,
dizendo que a última ideia de Rosen, que era a de construir drones
elétricos para fornecer serviços de internet, era imbecil. “Elon formava
opiniões rapidamente”, comenta Straubel. Musk lembra com carinho do
bate-boca intelectual. “Foi uma grande conversa, porque Harold e JB
eram pessoas muito interessantes, apesar de a ideia ser idiota.”
Ansioso em manter a conversa, Straubel mudou de assunto e passou a
falar sobre a ideia dele de construir um carro elétrico movido a baterias
de íon de lítio. “Eu estava atrás de financiamento e sendo bastante
desavergonhado”, confessa. Musk se mostrou surpreso quando Straubel
explicou quão boas as baterias se tornaram. “Eu ia trabalhar com
armazenamento de energia de alta intensidade em Stanford”, disse
Musk a ele. “Eu estava tentando descobrir o que teria maior impacto no
mundo, e armazenamento de energia e carros elétricos figuravam no
topo da lista.” Os olhos dele brilharam enquanto processava os cálculos
de Straubel. “Conte comigo”, disse, comprometendo-se a contribuir com
10 mil dólares de financiamento.
Straubel sugeriu que Musk conversasse com Tom Gage e Alan
Cocconi, que haviam cofundado uma pequena empresa, a AC
Propulsion, que estava investindo na mesma ideia. Eles haviam
construído um protótipo em fibra de vidro, que chamaram de tzero, e
Straubel ligou para instigá-los a levar Musk para dar uma volta. Então,
em janeiro de 2004, Gage enviou um e-mail para Musk. “Tanto Sergey
Brin quanto JB Straubel sugeriram que você pode estar interessado em
dirigir nosso carro esporte tzero”, escreveu. “Nós corremos contra um
Viper na segunda passada e o nosso carro venceu quatro das cinco
baterias na pista de duzentos metros. Perdemos uma bateria porque
estava carregando uma câmera de 130 quilos. Você tem um horário para
eu levá-lo até você?”
“Claro”, respondeu Musk. “Eu realmente vou gostar de vê-lo. Mas
não acho que você ganhe da minha McLaren (ainda).”
“Hum, uma McLaren… Cara, isso seria como um prêmio para mim”,
escreveu Gage em resposta. “Posso levá-lo até aí dia 4 de fevereiro.”
Musk ficou impressionado com o tzero, apesar de ser um protótipo
bruto, sem portas nem teto. “Você precisa transformá-lo num produto
de verdade”, disse ele a Gage. “Isso de fato pode mudar o mundo.” Mas
Gage queria começar a construir um carro mais barato, quadrado, mais
lento. Aquilo não fazia sentido para Musk. Qualquer versão inicial de
um carro elétrico seria cara de construir, pelo menos 70 mil dólares a
unidade. “Ninguém vai pagar essa quantia por uma coisa feia”,
argumentou. A maneira de começar uma empresa automobilística era
construir a versão luxuosa do carro primeiro e depois passar para o
modelo popular. “Gage e Cocconi eram inventores malucos”, diz ele,
rindo. “Senso comum não era o forte deles.”
Durante semanas, Musk os importunou para que eles fizessem uma
versão sofisticada de um roadster, como são chamados os carros esporte
conversíveis de dois assentos. “Todo mundo acha que os carros elétricos
são uma droga, mas vocês podem provar que isso não é verdade”,
implorou ele. Gage, porém, resistiu. “Pois bem. Se vocês não querem
comercializar o tzero, se importam que eu faça isso?”, perguntou Musk.
Gage concordou. Ele também fez uma sugestão profética: Musk
deveria fechar uma parceria com dois entusiastas por carros que
trabalhavam ali perto e tinham uma ideia parecida. E foi assim que
Musk acabou conhecendo duas pessoas que haviam tido uma
experiência comparável com a AC Propulsion e decidiram abrir uma
empresa automobilística própria, que eles tinham registrado com o
nome de Tesla Motors.
Martin Eberhard
Quando Martin Eberhard, um esguio empreendedor do Vale do Silício
com rosto comprido e personalidade enérgica, estava superando um
divórcio conturbado em 2001, decidiu que devia, como ele mesmo
descreve, “fazer como todos os outros caras que estão passando por uma
crise de meia-idade e comprar um carro esporte”. Ele podia comprar um
carro muito bom, porque havia fundado e vendido uma empresa que fez
o primeiro predecessor do Kindle, o Rocket eBook. Ele, contudo, não
queria um carro movido a gasolina. “A mudança climática havia se
tornado uma realidade para mim”, confessa. “Além disso, acho que só
continuamos a travar guerras no Oriente Médio por causa da nossa
necessidade de petróleo.”
Metódico, ele criou uma planilha que calculava a eficiência energética
de tipos diferentes de carro, a começar pela fonte bruta de combustão.
Ele comparou gasolina, diesel, gás natural, hidrogênio e eletricidade de
várias fontes. “Fiz cálculos exatos a cada passo, desde quando o
combustível sai do ambiente até quando alimenta o carro.”
Ele descobriu que carros elétricos, até mesmo em locais nos quais a
eletricidade é produzida a partir do carvão, eram melhores para o meio
ambiente. Então, decidiu comprar um. A Califórnia havia acabado de
revogar a legislação que obrigava as concessionárias a oferecer um
determinado número de carros com emissão zero, e a General Motors
havia desistido de fazer seu EV1. “Isso realmente me abalou”, confessa
ele.
Então, ele leu sobre o protótipo tzero feito por Tom Gage e pela AC
Propulsion. Depois de vê-lo, disse a Gage que investiria 150 mil dólares
na empresa se eles mudassem das baterias de chumbo-ácido para as de
íon de lítio. O resultado foi que, em setembro de 2003, Gage tinha um
protótipo que podia acelerar de zero a cem quilômetros em 3,6
segundos, além de uma autonomia de quinhentos quilômetros.
Eberhard tentou convencer Gage e a equipe da AC Propulsion a
começar a fabricar o carro, ou pelo menos fazer um para ele. Mas eles
não quiseram. “Tratava-se de pessoas inteligentes, mas logo percebi que
eram realmente incapazes de fazer carros”, diz Eberhard. “Foi quando
decidi que tinha que fundar uma empresa de carros própria.” Ele fechou
um acordo para licenciar os motores elétricos e o trem de força da AC
Propulsion.
Eberhard convocou um amigo, Marc Tarpenning, um engenheiro de
software que havia sido sócio dele na Rocket eBook. Os dois
desenvolveram um plano para começar com um roadster luxuoso e
depois construir carros para o mercado popular. “Eu queria fazer um
roadster que mudasse completamente a maneira como as pessoas
pensavam em carros elétricos”, revelou Eberhard, “e usá-lo para
construir uma marca”.
Como deveria ser essa marca? Certa noite, enquanto estava em um
encontro na Disneylândia, Eberhard ficou obcecado, de maneira pouco
romântica, pensando no nome da empresa. Como o carro ia usar motor
de indução, ele teve a ideia de homenagear o inventor do dispositivo,
Nikola Tesla. No dia seguinte, tomou um café com Tarpenning e
perguntou a opinião dele. Tarpenning abriu o notebook, entrou na
internet e registrou o nome. Em julho de 2003, eles formalizaram a
empresa.

Presidente Musk
Eberhard estava com um problema. Ele tinha uma ideia e um nome,
mas nenhum financiamento. Então, em março de 2004, recebeu uma
ligação de Tom Gage. Os dois tinham um acordo de não competir pelo
financiamento dos mesmos investidores. Quando se tornou evidente que
Musk não iria investir na AC Propulsion, Gage o ofereceu a Eberhard.
“Estou desistindo do Elon”, disse. “Você deveria ligar para ele.”
Eberhard e Tarpenning já conheciam Musk, de quem tinham ouvido
falar em uma reunião da Mars Society em 2001. “Eu o cerquei depois só
para dizer oi, como um fã”, relembra Eberhard.
Ele mencionou aquele encontro em um e-mail para Musk no qual
pediu para encontrá-lo. “Adoraríamos conversar com você sobre a Tesla
Motors, particularmente se estiver interessado em investir”, escreveu.
“Acredito que você tenha dirigido o carro tzero da AC Propulsion. Caso
sim, já sabe que um carro elétrico de alto desempenho pode ser feito.
Gostaríamos de convencê-lo de que podemos fazer isso de forma
lucrativa.”
Naquela noite, Musk respondeu: “Claro.”
Eberhard foi de Palo Alto a Los Angeles naquela semana,
acompanhado de um colega, Ian Wright. A reunião, na baia de Musk na
SpaceX, deveria durar meia hora, mas Musk fazia perguntas e
ocasionalmente gritava para a assistente cancelar a próxima reunião. Por
duas horas eles compartilharam visões para um carro elétrico potente e
discutiram detalhes sobre todo o sistema, incluídos trem de força, motor
e plano de negócios. No fim da reunião, Musk disse que gostaria de
investir. Quando saíram do prédio da SpaceX, Eberhard e Wright
comemoraram. Depois de uma nova reunião, que incluiu Tarpenning,
eles concordaram que Musk lideraria o investimento inicial com um
aporte de 6,4 milhões de dólares e se tornaria presidente do conselho.
O que chamou a atenção de Tarpenning foi o fato de que Musk
estava centrado na importância da missão, não no potencial do negócio.
“Ele claramente já havia concluído que, para que tivéssemos um futuro
sustentável, eram necessários carros elétricos”, diz Tarpenning.
Musk tinha alguns pedidos. O primeiro era que a papelada devia ser
concluída rapidamente, porque Justine estava grávida de gêmeos e uma
cesariana estava marcada para dali a uma semana. Ele também pediu
que Eberhard entrasse em contato com JB Straubel. Tendo investido
tanto no negócio de Straubel quanto no de Eberhard, Musk achava que
eles deveriam trabalhar juntos.
Straubel, que nunca tinha ouvido falar em Eberhard ou em seu novo
empreendimento, apareceu de bicicleta e foi embora cético. Musk,
contudo, ligou para ele depois e o incentivou a unirem forças. “Por favor,
você precisa fazer isso”, pediu Musk a ele. “Vai ser perfeito.”
Dessa forma, as peças se encaixaram e propiciaram o surgimento da
que iria se tornar a empresa automobilística mais valiosa e
transformadora do mundo: Eberhard como CEO, Tarpenning como
presidente, Straubel como chefe de tecnologia, Wright como chefe de
operações e Musk como presidente do conselho e principal fundador.
Anos depois, após muitas disputas amargas e um processo, eles
concordaram que os cinco fossem considerados cofundadores.
capítulo 21
O Roadster
Tesla, 2004-2006

Straubel levando o então governador Arnold Schwarzenegger para um test


drive no Roadster
Juntando as peças
Uma das decisões mais importantes que Elon Musk tomou no tocante à
Tesla — a marca definitiva que levou-a ao sucesso e ao impacto na
indústria automotiva — era a de que ela deveria fabricar seus principais
componentes, em vez de montar um carro com centenas de
componentes de fornecedores independentes. A Tesla iria controlar seu
destino — e a qualidade, os custos e a cadeia de fornecedores — ao ser
integrada verticalmente. Criar um carro bom era importante. Ainda
mais importante era criar processos de fabricação e fábricas que
pudessem produzi-los em massa, das baterias à carroceria.
Contudo, não foi dessa forma que a empresa começou. Muito pelo
contrário.
Quando produziram o Rocket eBook, Martin Eberhard e Marc
Tarpenning terceirizaram o processo de fabricação. Da mesma forma,
quando chegou a hora de a Tesla fazer seu primeiro carro, o Roadster,
eles decidiram montá-lo a partir de componentes de fornecedores
externos. Em uma decisão que assombraria a Tesla, Eberhard decidiu
que a empresa compraria baterias na Ásia, a carroceria dos carros, na
Inglaterra, os trens de força, da AC Propulsion, e uma transmissão, em
Detroit ou na Alemanha.
Isso estava em consonância com as tendências prevalentes na
indústria automobilística. No início, Henry Ford e outros pioneiros, os
fabricantes de carros, faziam quase tudo internamente. A partir dos anos
1970, porém, as empresas demitiram seus operários e aumentaram a
dependência de fornecedores. De 1970 a 2010, a porcentagem da
propriedade intelectual dos veículos produzidos por essas empresas
passou de 90% para cerca de 50%. Isso as deixou dependentes de cadeias
de suprimentos muito longas.
Depois que Eberhard e Tarpenning decidiram terceirizar a produção
da carroceria e do chassi, foram ao Auto Show em Los Angeles, se
convidaram para o estande da pequena fabricante de carros britânica
Lotus e cercaram um dos executivos. “Ele era um britânico educado e
não sabia como se livrar da gente”, diz Eberhard. “Quando terminamos
de falar, ele estava tão intrigado que nos convidou para uma viagem à
Inglaterra.” Eles fecharam um acordo para que a Lotus fornecesse uma
versão um pouco diferente da carroceria do roadster Elise, fabricado por
eles, e a Tesla, a partir daí, iria equipá-lo com um motor elétrico e um
trem de força da AC Propulsion.
Em janeiro de 2005, os dezoito engenheiros e mecânicos da Tesla
haviam montado manualmente o que é conhecido como veículo de teste,
um carro que podia ser mostrado e testado antes de entrar em produção.
“Fazer o protótipo exigia muito improviso e estratégias para fazer nossas
baterias e o trem de força da AC Propulsion caberem num Lotus Elise”,
diz Musk. “Mas pelo menos tínhamos algo que parecia um carro de
verdade, com portas e um teto, diferentemente do tzero.”
Straubel fez o primeiro teste de direção. Quando ele pisou no
acelerador, o carro saltou para a frente como um cavalo assustado, o que
surpreendeu até os engenheiros. Eberhard foi o próximo, e as lágrimas
escorreram-lhe pelo rosto enquanto ele segurava o volante. Depois que
Musk teve sua chance de dirigir e se impressionar com a aceleração
rápida e muito silenciosa do carro, ele concordou em investir mais 9
milhões de dólares na empresa.

Empresa de quem?
Um problema das startups, especialmente aquelas com muitos
fundadores e financiadores, é o de quem deve ficar no comando. Às
vezes o macho alfa vence, como quando Steve Jobs deixou Steve
Wozniak à margem, ou quando Bill Gates fez a mesma coisa com Paul
Allen. Em outros casos, a situação é mais complicada, especialmente
quando pessoas diferentes sentem que são fundadoras de uma empresa.
Tanto Eberhard quanto Musk se consideravam o principal fundador
da Tesla. Na mente de Eberhard, ele havia bolado a ideia, convocado seu
amigo Tarpenning, registrado a empresa, escolhido o nome e corrido
atrás e encontrado financiadores. “Elon se diz o arquiteto principal e
todo tipo de coisa, mas isso não é verdade”, afirma Eberhard. “Ele era
apenas membro do conselho e investidor.” Contudo, na mente de Musk,
foi ele quem promoveu o encontro entre Eberhard e Straubel e forneceu
o dinheiro necessário para dar início à empresa. “Quando conheci
Eberhard, Wright e Tarpenning, eles não tinham nenhuma propriedade
intelectual, nenhum funcionário, nada. Apenas a casca de uma empresa.”
No começo, essas perspectivas diferentes não foram um problema.
“Eu estava comandando a SpaceX”, diz Musk, “e não queria comandar
também a Tesla”. Ele estava feliz, pelo menos inicialmente, em ser
presidente do conselho e deixar Eberhard ser o CEO. No entanto,
sendo dono de quase toda a empresa, Musk era a principal autoridade, e
não era de seu feitio abrir mão disso. Ele começou a se envolver cada vez
mais, sobretudo nas decisões de engenharia. A liderança da Tesla, dessa
forma, se tornou uma molécula inerentemente instável.
Durante cerca de um ano, Musk e Eberhard se deram bem. Eberhard
lidava com o gerenciamento no dia a dia na sede, no Vale do Silício,
enquanto Musk passava a maior parte do tempo em Los Angeles e fazia
visitas cerca de uma vez por mês para participar de reuniões do conselho
e fazer avaliações importantes de design. As perguntas de Musk tendiam
a ser técnicas, para saber os detalhes da bateria, do motor e dos
materiais. Ele não era conhecido por mandar e-mails elogiosos, mas
certa noite, no início da relação deles, depois de trabalharem num
problema juntos, enviou um e-mail para Eberhard que dizia: “O número
de pessoas boas em produto no mundo é pequeno, e acho que você é
uma delas.” Eles conversavam quase todo dia, trocavam e-mails à noite
e, de vez em quando, se encontravam socialmente. “Nunca fui colega de
bar dele”, conta Eberhard, “mas íamos à casa um do outro às vezes e
saíamos para jantar”.
Infelizmente, eles eram parecidos demais para a amizade durar.
Ambos eram engenheiros obstinados, tensos e detalhistas, capazes de
desprezar brutalmente aqueles que consideravam tolos. Os problemas
começaram quando Eberhard teve uma briga com Ian Wright, que
fizera parte do grupo de fundadores. Os desentendimentos se tornaram
tão intensos que cada um dos dois tentou convencer Musk a demitir o
outro. Era um reconhecimento tácito da parte de Eberhard de que Musk
tinha a palavra final. “Martin e Ian estavam me dizendo por que o outro
era um demônio e precisava ser expulso”, revela Musk. “Estavam me
dizendo: ‘Elon, você precisa escolher um.’”
Musk pediu conselhos para Straubel. “Ok, quem devemos escolher
aqui?”, perguntou, ao que Straubel respondeu que nenhuma escolha era
boa. Quando pressionado a opinar, disse: “Talvez Martin seja o menor
de dois males.” Musk acabou demitindo Wright, mas a situação
aprofundou suas dúvidas sobre Eberhard. E levou-o a se envolver mais
na administração da Tesla.

Decisões de design
À medida que Musk começou a se dedicar mais à Tesla, ele não tinha
como evitar se envolver nas decisões de design e engenharia. Voava para
lá de Los Angeles a cada duas semanas, comandava uma avaliação de
design, inspecionava modelos e sugeria melhorias. Sendo Musk como é,
ele não considerava suas ideias meras sugestões; irritava-se quando elas
não eram executadas. Isso era um problema, porque o plano de negócios
da empresa dependia de montar uma carroceria da Lotus com outros
fornecedores sem fazer muitas mudanças. “Nós planejamos fazer o
mínimo possível de modificações”, afirma Tarpenning, “pelo menos até
Elon se envolver”.
Eberhard tentou resistir à maioria das sugestões de Musk, até mesmo
as que melhorariam o carro, porque sabia que isso podia aumentar os
custos e causar atrasos. Musk, entretanto, argumentou que a única
maneira de lançar a Tesla era apresentar um roadster que impressionasse
os clientes. “Nós só vamos poder lançar nosso primeiro carro uma vez,
então temos que fazer isso da melhor maneira possível”, disse ele a
Eberhard. Em uma das reuniões de análise, o rosto de Musk se fechou, a
expressão endureceu e ele declarou que o carro parecia barato e feio.
“Não dá para vendermos um carro feio por 100 mil dólares”, falaria ele
depois.
Muito embora ele fosse versado em software, não em desenho
industrial, Musk começou a investir bastante tempo na estética do
Roadster. “Eu nunca tinha projetado um carro antes, então estava
estudando todos os melhores carros e tentando entender o que os
tornava especiais”, comenta. “Eu sofria com cada detalhe.” Depois, ele
destacaria com orgulho que foi homenageado pelo Art Center College
of Design de Pasadena pelo trabalho no Roadster.
Uma grande mudança de design que Musk fez foi insistir que a porta
do Roadster fosse aumentada. “Para entrar no carro, você tinha que ser
um alpinista nanico ou um mestre contorcionista”, reclama ele. “Era
uma loucura, era ridículo.” Musk, com 1,80 metro de altura, descobriu
que tinha que encaixar a bunda grande no assento, ficar quase em
posição fetal e depois tentar colocar as pernas para dentro. “Se você está
indo a um encontro, como uma mulher vai entrar no carro?”, perguntou.
Sendo assim, ele mandou que a parte de baixo da moldura da porta fosse
abaixada oito centímetros. A mudança resultante significava que a Tesla
não podia usar a certificação de crash-test que a Lotus tinha, o que
aumentava em 2 milhões de dólares os custos de produção. Como
muitas das revisões feitas por Musk, essa era ao mesmo tempo correta e
cara.
Musk exigiu também que os assentos fossem mais largos. “Minha
ideia original era usar as estruturas de assento iguais às da Lotus”, diz
Eberhard, “ou teríamos que refazer todos os testes. Mas Elon achava
que os assentos eram estreitos demais para a esposa dele, ou algo assim.
Eu tenho bunda pequena, e sinto falta dos assentos estreitos”.
Musk também decidiu que os faróis originais da Lotus eram feios
porque não contavam com cobertura ou protetor. “Parecia que o carro
tinha olhos esbugalhados”, diz. “Os faróis são como os olhos do carro, e
é preciso ter olhos lindos.” Essa mudança iria adicionar 500 mil dólares
aos custos de produção, disseram para Musk. Mas ele foi irredutível. “Se
você está comprando um carro esporte, está comprando porque é lindo”,
afirmou para a equipe. “Então, não se trata de um detalhe menor.”
Em vez do material composto de fibra de vidro que a Lotus usava,
Musk decidiu que a carroceria do Roadster deveria ser feita de fibra de
carbono, mais resistente. Isso encareceu a pintura, mas também deixou o
carro mais leve e mais sólido. No decorrer dos anos, Musk foi capaz de
usar as técnicas que aprendeu na SpaceX e aplicá-las na Tesla, e vice-
versa. Quando Eberhard tentou resistir ao custo da fibra de carbono,
Musk lhe enviou um e-mail. “Cara, você poderia fazer os painéis da
carroceria para pelo menos quinhentos carros por ano se comprasse o
forno que temos na SpaceX!”, escreveu. “Se alguém está dizendo que
isso é difícil, está falando besteira. Você pode fazer compostos de alta
qualidade no forno da sua casa.”
Nenhum detalhe era pequeno demais para escapar da interferência de
Musk. O Roadster originalmente tinha maçanetas comuns, do tipo que
se abre com um clique. Musk insistiu em maçanetas elétricas, que
seriam operadas com um simples toque. “Alguém que esteja comprando
um Tesla Roadster vai comprar, seja com maçanetas comuns, seja com
elétricas”, argumentou Eberhard. “Isso não vai resultar num aumento
das vendas.” Era um argumento que ele havia usado para a maioria das
mudanças de Musk. Musk saiu vitorioso, e as maçanetas elétricas se
tornaram uma característica interessante que ajudou a definir a mágica
da Tesla. Todavia, como Eberhard alertou, acrescentou mais um custo.
Eberhard finalmente entrou em desespero quando, perto do fim do
processo de design, Musk decidiu que o painel era feio. “Esse é um
grande problema, e me preocupa muito o fato de que você não o
reconheça como tal”, escreveu Musk. Eberhard tentou mudar de
assunto, e implorou para que eles lidassem com o problema depois. “Não
consigo ver um caminho, qualquer que seja, para consertar isso antes do
início da produção sem um grande prejuízo no custo e no cronograma”,
disse ele. “Fico acordado à noite preocupado em simplesmente conseguir
colocar o carro em produção em algum momento de 2007... Para a
minha própria sanidade e para a sanidade da minha equipe, não estou
gastando muito tempo pensando no painel.” Muitas pessoas no decorrer
dos anos fariam o mesmo tipo de pedido a Musk, poucas com sucesso.
Nesse caso, Musk cedeu. A melhora do painel poderia ficar para depois
que os primeiros carros já tivessem entrado em produção. Contudo, isso
não ajudou no relacionamento de Musk e Eberhard.
Ao modificar tantos elementos, a Tesla perdeu a maior parte das
vantagens que vinham de simplesmente usar a carroceria já testada para
impactos do Lotus Elise. Isso também aumentou a complexidade da
cadeia de suprimentos. Em vez de poder confiar nos fornecedores da
Lotus, a Tesla se tornou responsável por encontrar novas fontes para
centenas de componentes, dos painéis de fibra de carbono aos faróis.
“Isso estava deixando o pessoal da Lotus louco”, diz Musk. “Eles me
perguntavam por que eu estava sendo tão duro assim com relação a cada
curva desse carro. E o que eu disse a eles foi: ‘Porque tem que ficar
lindo.’”

Conseguindo mais capital


As modificações de Musk podem ter deixado o carro mais bonito, mas
também torraram as reservas da empresa. Além disso, ele insistiu que
Eberhard contratasse mais pessoas para que a empresa pudesse crescer
mais depressa. Em maio de 2006, ela contava com setenta funcionários e
precisava de mais uma rodada de financiamento dos investidores.
Tarpenning estava agindo como diretor financeiro da empresa, apesar
de ser versado em software, não em finanças. Coube a ele a tarefa nada
invejável de dizer a Musk em uma reunião do conselho que eles estavam
ficando sem dinheiro. “Isso aconteceu antes do planejado,
principalmente porque fizemos todas essas contratações em que o Musk
insistiu”, relembra Tarpenning. “Elon perdeu completamente a
compostura.”
Durante o chilique de Elon, Kimbal, que integrava o conselho, pegou
uma pasta e olhou as apresentações de orçamento das cinco reuniões
anteriores. “Elon”, interferiu ele calmamente, “se você tirar o custo de
seis novas contratações que insistiu em fazer, eles estão dentro do
planejado”. Musk parou, olhou para as planilhas e concordou. “Ok”,
disse, “acho que temos que ver como conseguimos levantar mais
investimentos”. Tarpenning conta que sentiu vontade de abraçar
Kimbal.
Naquela época, havia no Vale do Silício um grupo muito unido e
festeiro de jovens empreendedores e programadores que tinham ficado
milionários com startups, e Musk havia se tornado uma das estrelas
desse grupo. Ele tinha chamado alguns amigos para investir, entre os
quais Antonio Gracias, Sergey Brin, Larry Page, Jeff Skoll, Nick
Pritzker e Steve Jurvetson. No entanto, os membros do conselho
incentivaram-no a ampliar a rede e tentar pedir financiamento em uma
grande empresa de capital de risco, do tipo que adornava a Sand Hill
Road, em Palo Alto. Além de dinheiro, isso também daria legitimidade
à Tesla.
Primeiro ele abordou a Sequoia Capital, que havia se tornado a rainha
do Vale do Silício por estar entre os primeiros investidores de Atari,
Apple e Google. A empresa era comandada por Michael Moritz, o
irônico e literato ex-jornalista galês que ajudou a orientar Musk e Thiel
no processo tumultuado da PayPal. Musk o levou para passear em um
protótipo simulado da Lotus. “Foi um passeio absolutamente assustador
com Elon ao volante neste carro minúsculo sem suspensão, que ia de
zero a cem em menos tempo do que você leva para piscar”, diz Moritz.
“Dá para ser mais assustador?” Depois que se recuperou, Moritz ligou
para Musk e disse que não iria investir. “Eu realmente gostei do passeio,
mas não vamos competir com a Toyota”, disse. “É uma missão
impossível.” Anos depois, Moritz admitiu: “Eu não levei em
consideração a determinação do Elon.”
Em vez disso, Musk se voltou para a VantagePoint Capital,
comandada por Alan Salzman e Jim Marver. Eles se tornaram os
principais investidores, com uma rodada de financiamento de 40
milhões de dólares que terminou em maio de 2006. “A dualidade na
gestão com Eberhard e Musk me preocupava”, lembra Salzman, “mas
percebi que era essa a natureza dessa criatura”.
A dualidade não estava evidente na nota para a imprensa que
anunciou a rodada de financiamento, que Musk só viu depois de
publicada. O texto não listava Musk como um dos fundadores da
empresa. “A Tesla Motors foi fundada em junho de 2003 por Martin
Eberhard e Marc Tarpenning”, dizia. Havia uma citação de Eberhard na
qual ele agradecia educadamente a Musk pelo investimento. “Estamos
orgulhosos pela confiança contínua do sr. Musk na Tesla Motors,
expressa por sua participação intensa em todas as rodadas de
financiamento e sua liderança no conselho diretor.”

Reconhecimento de mérito
Musk, que havia insistido para permanecer como porta-voz da PayPal
mesmo depois de ser removido do cargo de CEO, tinha uma atração
pela publicidade. Ele nunca se tornaria garoto-propaganda de seus
produtos, como um Lee Iacocca ou um Richard Branson, nem era uma
mariposa atraída para entrevistas de televisão. Ele aparecia
ocasionalmente em conferências e posava para fotos em revistas, mas se
sentia mais cômodo descarregando posts no Twitter ou participando de
um podcast. Mestre dos memes, ele tinha um bom instinto para atrair
publicidade gratuita ao flertar com controvérsias e brigar nas redes
sociais, embora remoesse ofensas por anos.
Algo constante era a sua sensibilidade com relação ao reconhecimento
de seus méritos. O sangue dele fervia se alguém insinuasse que ele havia
se dado bem porque herdara riqueza ou alegasse que ele não merecia ser
chamado de fundador de uma das empresas que ajudara a fundar. Foi o
que aconteceu com a PayPal e estava acontecendo naquele momento
com a Tesla, e em ambos os casos isso levaria a processos judiciais.
Em 2006, Eberhard havia se tornado uma espécie de celebridade, o
que o agradava. Nas frequentes entrevistas para a televisão e nas
participações em conferências, ele era apresentado como fundador da
Tesla, e naquele ano apareceu em uma propaganda para o assistente
digital pessoal chamado BlackBerry (um precursor do smartphone), a
qual dizia que ele “criou o primeiro carro esporte elétrico”.
Depois da nota para a imprensa sobre a rodada de investimentos na
Tesla em maio, que citava apenas Eberhard e Tarpenning como
fundadores da empresa, Musk atuou vigorosamente para garantir que
seu papel nunca mais fosse minimizado. Sem avisar a chefe de relações
públicas da empresa, Jessica Switzer, contratada por Eberhard, ele
começou a conceder entrevistas. Ela achava problemático que Musk
estivesse dando declarações sobre a estratégia da empresa. “Por que Elon
está dando essas entrevistas?”, perguntou Switzer um dia a Eberhard
quando estavam andando de carro. “Você é o CEO.”
“Ele quer dar as entrevistas”, respondeu Eberhard, “e eu não quero
discutir com ele”.
A revelação
O problema chegou a um ponto crítico em julho de 2006, quando a
Tesla estava pronta para revelar um protótipo do Roadster. A equipe
havia feito manualmente um preto e um vermelho, cada um com
capacidade de acelerar de zero a cem em quatro segundos. Eles ainda
não tinham substituído os assentos estreitos e o painel feio que Musk
odiava, mas, fora isso, estavam muito perto daquilo que a Tesla planejava
colocar em produção.
Um elemento importante no lançamento de um novo produto, como
mostrou Steve Jobs com seus dramáticos eventos de anúncios, é criar um
ambiente que o transforma em objeto de desejo. Isso era especialmente
verdadeiro no caso dos carros elétricos, que precisavam superar a
imagem de carrinho de golfe. Switzer elaborou planos para fazer uma
festa cheia de celebridades no aeroporto de Santa Mônica, na qual os
convidados poderiam passear em um protótipo.
Eberhard e Switzer voaram a Los Angeles para mostrar a Musk os
planos. “Foi horrível”, lembra-se ela. “Ele questionou cada detalhe,
inclusive quanto planejávamos gastar com comida. Quando reagi, o
corpo inteiro dele se retraiu, ele se levantou e saiu da sala.” Como
Eberhard resume: “Ele detonou todas as ideias dela e me disse para
demiti-la.”
Musk assumiu o planejamento do evento. Supervisionou a lista de
convidados, escolheu o cardápio e até mesmo aprovou o custo e o design
dos guardanapos. Um punhado de celebridades apareceu, entre elas o
governador da Califórnia, Arnold Schwarzenegger, que foi levado para
um test drive com Straubel.
Tanto Eberhard quanto Musk falaram. “Existem carros rápidos e
existem carros elétricos, mas ter um carro que seja ambas as coisas é o
modo de tornar o carro elétrico popular”, declarou Eberhard em seu tom
confiante e educado. Musk estava estranho, e mostrou a tendência que
tinha de repetir palavras de modo inseguro ou gaguejar um pouco.
Contudo, essa falta de jeito encantou os repórteres. “Até hoje todos os
carros elétricos eram ruins”, disse ele. Comprar um Roadster, afirmou,
iria ajudar a financiar a Tesla para que ela pudesse produzir carros
elétricos e lançá-los no mercado de massa. “Os executivos da Tesla não
recebem salários altos e não estamos distribuindo dividendos. O
dinheiro vai totalmente para o desenvolvimento de uma tecnologia cuja
finalidade será a de reduzir custos e tornar os carros mais acessíveis.”
O evento recebeu uma cobertura positiva. “Este não é o carro elétrico
do seu pai”, elogiou o The Washington Post. “O carro de 100 mil dólares,
com seu visual de carro esporte, é mais uma Ferrari do que um Prius —
e mais testosterona do que natureba.”
No entanto, havia um problema. Eberhard levou quase todo o
crédito. “Ele se propôs a criar uma máquina elegante, alimentada por
baterias”, disse a Wired, desmanchando-se em elogios a ele numa
matéria luxuosamente ilustrada. “Depois de ler as biografias de John
DeLorean e Preston Tucker e de dizer para si mesmo que lançar uma
empresa automotiva era loucura, ele fez exatamente isso.” Musk era
citado como um simples investidor que Eberhard havia conseguido
atrair.
Musk enviou um e-mail incisivo para o vice-presidente da Tesla, que
havia tido a infelicidade de assumir o setor de publicidade depois da
demissão de Switzer. “A maneira como meu papel tem sido retratado até
hoje, sendo citado apenas como ‘um investidor inicial’, é inaceitável”,
escreveu ele. “Seria como chamar Martin de ‘um dos primeiros
funcionários’. Minha influência no carro vai dos faróis ao design da
soleira do porta-malas, e meu intenso interesse no transporte elétrico
antecede a Tesla em mais de uma década. Martin deveria ser certamente
o homem principal, mas a descrição do meu papel até agora tem sido
inacreditavelmente ofensiva.” Ele acrescentou que “gostaria de conversar
com todas as principais publicações em breve”.
No dia seguinte, o The New York Times escreveu um hino à Tesla
chamado “Zero a cem em quatro segundos”, em que Musk nem era
mencionado. Pior ainda: Eberhard era descrito como presidente da
Tesla, e a única foto era a dele com Tarpenning. “Fiquei
inacreditavelmente ofendido e constrangido pelo artigo do NY Times”,
escreveu Musk a Eberhard e à empresa de relações públicas, PCGC, que
eles haviam contratado. “Se algo assim acontecer novamente, por favor
considere a relação da PCGC com a Tesla encerrada imediatamente.”
Em um esforço para reforçar seu papel central, Musk publicou no site
da Tesla um pequeno ensaio que detalhava a estratégia da empresa.
Atrevidamente intitulado “O plano secreto da Tesla Motors (só entre
nós)”, o texto declarava:

O propósito abrangente da Tesla Motors (e a razão pela qual estou


financiando a empresa) é ajudar a acelerar a mudança de uma
economia de exploração e queima de hidrocarbonetos para uma
economia solar... Para que isso seja possível, é fundamental que exista
um carro elétrico em que não foram feitas quaisquer concessões,
razão pela qual o Tesla Roadster foi desenvolvido para vencer carros
esporte a gasolina, como o Porsche ou a Ferrari, num confronto tête-
à-tête... Alguns podem questionar se isso realmente faz bem ao
mundo. Precisamos de verdade de outro carro esporte de alto
desempenho? Vai realmente fazer a diferença para as emissões de
carbono globais? Bem, as respostas são não e não muito. No entanto,
não é isso o que importa, a menos que você entenda o plano secreto
ao qual aludimos. Quase toda nova tecnologia inicialmente tem um
custo alto por unidade antes de ser otimizada, e isso vale para os
carros elétricos. A estratégia da Tesla é entrar no nicho de alta
qualidade do mercado, no qual os clientes estão dispostos a pagar por
um produto premium, e, em seguida, ampliar o mercado o mais
rápido possível para aumentar o volume unitário e abaixar os preços
com cada modelo sucessivo.

Musk também chegou mais perto da fama ao fazer um tour pela


fábrica da SpaceX com o ator Robert Downey Jr. e o diretor Jon
Favreau, que estavam filmando Homem de Ferro. Musk se tornou um
modelo para o personagem principal, Tony Stark, um industrial célebre
e engenheiro capaz de se transformar em um homem de ferro com uma
armadura mecanizada desenvolvida por ele mesmo. “Minha mente não
se impressiona facilmente, mas esse lugar e esse cara são incríveis”, disse
Downey posteriormente. Ele pediu que um Tesla Roadster fosse
colocado no cenário do filme que mostrava a oficina de Stark. Musk
depois fez uma aparição como ele mesmo em Homem de Ferro 2.
***

O protótipo do Roadster revelado em 2006 atingiu o primeiro objetivo


que Musk havia resumido: acabar com a ilusão de que carros elétricos
eram destinados a serem versões quadradas de um carrinho de golfe. O
governador Schwarzenegger fez um depósito de 100 mil dólares para
comprar um, assim como o ator George Clooney. O vizinho de Musk
em Los Angeles, Joe Francis, que produzia a série de televisão Girls
Gone Wild, mandou um carro-forte com um depósito de 100 mil dólares
em espécie. Steve Jobs, que amava carros, mostrou uma foto de um
Roadster para um membro do seu conselho, Mickey Drexler, então
CEO da J. Crew. “A beleza jaz em criar uma obra de engenharia boa
assim”, disse Jobs.
A GM havia recentemente encerrado sua versão ruim de um carro
elétrico, o EV1, e o cineasta Chris Paine havia lançado um
documentário contundente chamado Quem matou o carro elétrico?.
Naquele momento, Musk, Eberhard e a equipe destemida da Tesla
estavam prontos para reviver o futuro.
Certa noite, Eberhard estava dirigindo seu Roadster pelo Vale do
Silício quando um rapaz em um Audi superequipado parou ao lado dele
em um sinal e acelerou o carro a fim de desafiá-lo para uma corrida.
Quando as luzes ficaram verdes, Eberhard o deixou comendo poeira. A
mesma coisa aconteceu nos dois sinais seguintes. O rapaz, por fim,
abaixou o vidro do carro e perguntou a Eberhard o que ele estava
dirigindo. “É elétrico”, falou Eberhard. “Não tem como você ganhar.”
capítulo 22
Kwaj
SpaceX, 2005-2006

Hans Koenigsmann e a ilha Omelek no atol Kwajalein


Ardil-22
Musk havia planejado lançar os foguetes da SpaceX de um dos locais
mais convenientes possíveis: a Base Aérea Vandenberg, uma instalação
de quatrocentos quilômetros quadrados na costa da Califórnia, perto de
Santa Bárbara. Os foguetes e equipamentos poderiam ser facilmente
transportados para lá da sede da SpaceX e da fábrica em Los Angeles,
cerca de 260 quilômetros ao sul.
O problema é que a base era administrada pela Força Aérea, que
tratava regras e exigências como coisas sagradas. Isso não caía bem com
Musk, que estava incentivando uma cultura baseada em questionar cada
regra e presumir que cada exigência era idiota até que se provasse o
contrário. “A Força Aérea e nós formávamos uma péssima dupla”, diz
Hans Koenigsmann, na época engenheiro-chefe de lançamento da
SpaceX. “Eles tinham algumas exigências das quais Elon e eu ríamos a
ponto de perder o fôlego.” Depois de um momento de reflexão,
acrescenta: “Eles provavelmente também riam da gente do mesmo jeito.”
Para piorar as coisas, Vandenberg estava reservada para o lançamento
de um satélite espião supersecreto de 1 bilhão de dólares. Na primavera
de 2005, bem quando o Falcon 1, da SpaceX, estava quase pronto, a
Força Aérea decretou que a SpaceX não poderia usar a plataforma até
que o satélite fosse lançado em segurança, e eles não tinham como
informar — nem fazer uma previsão — quando isso iria acontecer.
Não havia ninguém cobrindo as despesas da SpaceX. Não havia um
contrato com compensação, e ela só era paga quando lançava foguetes
ou entregava certas partes de um projeto. A Lockheed, por sua vez,
lucrava sempre que havia um atraso. Depois de uma conferência com os
burocratas da Força Aérea em maio de 2005, durante a qual Musk
percebeu que a SpaceX não teria permissão para lançar o foguete tão
cedo, Musk ligou para Tim Buzza e disse a ele que começasse a fazer as
malas. Eles iriam transportar o foguete para outro lugar.
Felizmente, eles tinham um lugar disponível. Infelizmente, era tão
inconveniente quanto Vandenberg era conveniente.
***

Gwynne Shotwell havia fechado para a SpaceX, em 2004, por 6 milhões


de dólares, um acordo para lançar um satélite de comunicação para a
Malásia. O problema era que o satélite era tão pesado que tinha que ser
lançado perto da linha do equador, onde a rotação mais rápida da
superfície da Terra poderia dar o impulso adicional necessário.
Shotwell convidou Koenigsmann para a baia dela na SpaceX, abriu
um mapa-múndi e passou o dedo ao longo da linha do equador. Até o
meio do Pacífico, não havia nada: as Ilhas Marshall ficavam a cerca de 7
mil quilômetros de Los Angeles. Era quase na Linha Internacional de
Data, mas não era perto de mais nada. As Ilhas Marshall, que haviam
sido território norte-americano usado como área de testes para armas
nucleares e mísseis, se tornaram uma república independente, mas
continuaram alinhadas com os Estados Unidos, que mantinham bases
militares lá. Uma delas ficava numa cadeia de ilhotas de coral e areia
conhecidas como atol Kwajalein.
A ilha Kwajalein, conhecida como Kwaj, é a maior do atol. É sede de
uma base militar com instalações hoteleiras em decadência que parecem
dormitórios e uma pista que tenta se apresentar como aeroporto. Três
dias por semana, há um voo vindo de Honolulu. Considerando as
conexões, leva quase vinte horas para ir de Los Angeles até Kwaj.
Quando Shotwell pesquisou Kwaj, descobriu que as instalações eram
administradas pelo Comando de Espaço e Mísseis de Defesa do
Exército, com sede em Huntsville, no Alabama. A pessoa responsável se
chamava major Tim Mango, um nome que fez Musk rir. “Parece algo
saído de Ardil-22”, diz. “Uma pessoa no Pentágono decide escolher
alguém chamado major Mango para comandar uma base numa ilha
tropical.”
Musk ligou do nada para Mango e explicou que era um dos
fundadores da PayPal e tinha entrado no negócio de lançamento de
foguetes. Mango ouviu por alguns minutos e desligou. “Achei que fosse
um maluco”, contou Mango para Eric Berger, do site Ars Technica.
Mango então pesquisou Musk no Google, viu uma foto dele ao lado da
McLaren de 1 milhão de dólares, leu que ele havia fundado uma
empresa chamada SpaceX e percebeu que não se tratava de um doido.
Navegando pelo site da SpaceX Mango encontrou o número de telefone
da empresa e ligou. A mesma pessoa com um fraco sotaque sul-africano
atendeu. “Ei, você não acabou de desligar o telefone na minha cara?”,
perguntou Musk.
Mango concordou em visitar Musk em Los Angeles. Depois de
conversarem por um tempo na baia dele, Musk convidou Mango para
jantar num bom restaurante. Mango consultou o escritório de ética do
governo, o qual disse que ele teria que pagar sua parte da conta, de modo
que eles foram jantar no Applebee’s. Musk e algumas pessoas de sua
equipe retribuíram a visita voando um mês depois até Huntsville para se
encontrar com Mango e a equipe dele. Dessa vez comeram melhor, num
restaurante local de beira de estrada que servia bagre frito inteiro,
inclusive a cabeça. Musk comeu um, junto com bolinhos hush puppy. Ele
queria fechar negócio.
O major Mango também. Sua base na Kwaj, como muitas instalações
do gênero, tinha que fechar contratos comerciais para cobrir metade dos
custos. “Então o major Mango estava estendendo o tapete vermelho
para nós, ao passo que a Força Aérea nos ignorava em Vandenberg”, diz
Musk. No voo de Huntsville, Musk disse para a equipe: “Vamos para
Kwaj.” Semanas depois, eles foram no avião de Musk até o atol remoto,
fizeram uma visita em um helicóptero sem portas Huey e decidiram
mudar a base de lançamento para lá.

Este lado do paraíso


Anos depois, Musk admitiria que se mudar para Kwaj foi um erro. Ele
deveria ter esperado até que Vandenberg vagasse. Mas isso teria exigido
paciência, uma virtude que ele desconhece. “Eu não percebi o tamanho
da encrenca com a qual teríamos que lidar, que envolvia a logística e a
maresia”, diz. “De vez em quando a gente dá um tiro no próprio pé. Se
você quisesse escolher um caminho que reduzisse a probabilidade de
sucesso, lançar de uma ilha tropical inacessível seria a escolha ideal.” Em
seguida, ele ri. Uma vez que as feridas sararam, ele consegue ver que
Kwaj foi uma aventura memorável. Como explica seu engenheiro-chefe
de lançamento, Koenigsmann: “Aqueles quatro anos em Kwaj foram
formadores, nos uniram e nos ensinaram a trabalhar em equipe.”
Um grupo essencial de engenheiros da SpaceX se mudou para as
instalações na ilha Kwajalein. A estação de lançamento em si ficava a
trinta quilômetros de distância, numa ilha ainda menor no atol,
conhecida como Omelek. Com duzentos metros de largura e inabitada,
ela era acessível apenas por catamarã cuja viagem durava 45 minutos e
podia causar queimaduras de pele mesmo que fosse bem cedo e a pessoa
estivesse de camiseta. Lá a equipe da SpaceX instalou um trailer enorme
que fazia as vezes de escritório e concretou a base de lançamento.
Depois de poucos meses, algumas pessoas da equipe decidiram que
era mais fácil dormir em Omelek do que atravessar a lagoa toda manhã e
toda noite. O trailer foi mobiliado com colchões, um pequeno
refrigerador e uma grelha na qual um engenheiro turco jovial e de
cavanhaque da SpaceX chamado Blent Altan aprimorou uma maneira
de cozinhar goulash de carne moída e iogurte. A atmosfera era uma
mistura de A ilha dos birutas e Survivor, mas com uma estação de
foguete. Cada vez que um novato passava a noite ali, recebia uma
camiseta estampada com o mantra suado, sedento, lançado.
Por insistência de Musk, os membros da equipe encontraram
maneiras de economizar dinheiro. Em vez de pavimentar o caminho de
140 metros entre o hangar e a plataforma de lançamento, montaram um
suporte sobre rodas para transportar o foguete e colocaram pedaços de
madeira compensada no chão. Feito isso, rolavam o foguete alguns
metros, e moviam a madeira para facilitar o caminho nos próximos
metros.
Quão mambembe e diferente era a equipe de Kwaj em comparação
com a da Boeing? No início de 2006, eles planejaram realizar um teste
de fogo estático, em que os motores são acionados brevemente enquanto
o foguete permanece preso à plataforma de lançamento. Entretanto,
quando começaram o teste, descobriram que o segundo estágio não
estava recebendo energia elétrica suficiente. No fim das contas, as caixas
de força desenvolvidas por Altan, o engenheiro que cozinhava goulash,
tinham capacitores que não conseguiam lidar com a voltagem
aumentada que a equipe de lançamento havia decidido usar. Altan ficou
apavorado porque o período que o Exército dera para eles terminarem o
teste estático ia se encerrar dali a quatro dias. Ele correu para bolar uma
solução.
Os capacitores estavam à disposição no armazém em Minnesota. Um
estagiário no Texas foi enviado para lá. Enquanto isso, Altan removeu as
caixas de força do foguete em Omelek e entrou num barco rumo a Kwaj,
dormiu num pedaço de concreto do lado de fora do aeroporto esperando
por um voo logo cedo para Honolulu e em seguida pegou a conexão para
Los Angeles, onde foi recebido pela esposa, que o levou à sede da
SpaceX. Lá, ele encontrou o estagiário que havia chegado de Minnesota
com os novos capacitores. Ele os substituiu nas caixas de força
defeituosas e correu até em casa para mudar de roupa durante as duas
horas que duraram os testes das caixas. Então, ele e Musk entraram no
avião do próprio Musk para voar de volta até Kwaj, e levaram o
estagiário junto como recompensa. Altan esperava conseguir dormir no
avião — ele passara a maior parte das últimas quarenta horas acordado
—, mas Musk o encheu de perguntas sobre cada detalhe do circuito. Um
helicóptero os levou da pista de pouso em Kwaj para Omelek, onde
Altan colocou as caixas consertadas no foguete. Elas funcionaram. O
teste de três segundos de fogo estático foi um sucesso, e a primeira
tentativa completa de lançamento do Falcon 1 ficou agendada para
algumas semanas depois.
capítulo 23
Duas falhas
Kwaj, 2006-2007

Bülent Altan preparando goulash; Hans Koenigsmann, Chris Thompson e


Anne Chinnery no Kwajalein
A primeira tentativa de lançamento
“Quer andar de bicicleta?”, perguntou Kimbal ao irmão quando eles
acordaram às seis da manhã. Eles haviam chegado a Kwaj para o dia do
lançamento — 24 de março de 2006 —, quando Elon esperava que o
foguete Falcon 1, com o qual havia sonhado anos antes, entrasse para a
história.
“Não, preciso ir ao centro de controle”, respondeu Elon.
Kimbal insistiu. “O lançamento é só mais tarde. Vamos dar um
passeio. Vai aliviar o estresse.”
Elon cedeu, e eles pedalaram num ritmo intenso até uma ribanceira
de onde podiam ver o nascer do sol. Lá, Elon ficou em silêncio por
muito tempo, olhando ao longe, antes de seguir para a sala de controle.
Vestindo short e uma camiseta preta, ele andava entre as mesas de
madeira padrão governamental. Quando fica estressado, Musk
frequentemente se abriga no futuro. Ele surpreende seus engenheiros,
que estão concentrados em algum acontecimento imediato, e os enche
de perguntas sobre os detalhes de coisas que estão a anos-luz de
distância: planos para pousar em Marte, táxis robóticos sem volantes,
chips implantados no cérebro que podem se conectar a computadores.
Na Tesla, durante as crises enfrentadas na produção do Roadster, ele
começava a questionar a equipe sobre a situação de peças para o próximo
carro que estava planejando.
Naquele momento, em Kwaj, quando a contagem regressiva para o
primeiro lançamento do Falcon 1 chegou à hora final, Musk começou a
perguntar a seus engenheiros sobre componentes necessários para o
Falcon 5, o próximo foguete que teria cinco motores Merlin. Ele
perguntou a Chris Thompson, que estava sentado junto ao console
supervisionando a contagem regressiva, atribulado, se eles tinham
encomendado um novo tipo de liga de alumínio para os tanques de
combustível. Quando Thompson, um dos primeiros engenheiros da
SpaceX, disse que não, Musk ficou irritado. “Estávamos bem no meio de
uma contagem regressiva e ele queria ter essa conversa profunda,
agressiva, sobre materiais”, disse Thompson para Eric Berger depois.
“Fiquei absolutamente estupefato porque ele parecia não perceber que
estávamos tentando lançar um foguete e o chefe de lançamento era eu,
que estava basicamente encarregado de acionar cada comando a ser
executado. Isso me surpreendeu.”
Somente no momento do lançamento Musk pareceu se concentrar de
novo no presente. Enquanto o Falcon 1 saía da plataforma e os
engenheiros na sala de controle comemoravam, Musk olhava fixamente
para a transmissão de vídeo de uma câmera do segundo estágio do
foguete que apontava para baixo. Vinte segundos depois, ela mostrava
uma praia intocada e a água turquesa de Omelek a distância. “Lançou!”,
comemorou Kimbal. “Lançou de verdade!”
Então, após mais cinco segundos, Tom Mueller, que acompanhava os
dados que chegavam, notou um problema. “Merda”, falou. “Estamos
perdendo impulso.” Koenigsmann viu chamas saindo da parte de fora do
motor. “Merda”, esbravejou, ecoando Mueller. “Tem um incêndio, um
vazamento.”
Por um momento, Musk teve a esperança de que o foguete fosse subir
o suficiente para que a falta de oxigênio na atmosfera apagasse as
chamas. Em vez disso, ele começou a cair. Na transmissão de vídeo,
Omelek começou a se aproximar. Então, o vídeo ficou em branco.
Destroços em chamas caíram no oceano. “Meu estômago se contorceu”,
diz Musk. Uma hora depois, ele e a equipe principal — Mueller,
Koenigsmann, Buzza e Thompson — se apertaram em um helicóptero
do Exército para inspecionar os escombros.
Naquela noite, toda a equipe se reuniu em um bar ao ar livre em Kwaj
e bebeu cerveja em silêncio. Alguns engenheiros choraram. Musk
meditou em silêncio, o rosto duro como pedra e o olhar distante. Então
ele falou, muito calmamente. “Quando começamos, todos sabíamos que
poderíamos fracassar na primeira missão”, relembrou. “Mas vamos
construir outro foguete e tentar de novo.”
Musk e o restante da equipe da SpaceX se juntaram a voluntários da
região no dia seguinte enquanto andavam pela praia em Omelek e
partiam em pequenos barcos para coletar fragmentos. “Colocamos os
pedaços num hangar e montamos para tentar descobrir o que tinha dado
errado”, conta Koenigsmann. Kimbal, um apaixonado por gastronomia
que estudou para ser chef depois que a Zip2 foi vendida, tentou animar
todo mundo naquela noite cozinhando uma refeição ao ar livre que
incluía um cozido de carne, feijão-branco enlatado e tomate, com salada
e pão, tomate, alho e anchovas.
Enquanto Musk e seus principais engenheiros voavam no avião dele
de volta a Los Angeles, eles estudaram o vídeo. Mueller indicou o
momento em que as chamas surgiram no motor Merlin. A causa
claramente fora um vazamento de combustível. Musk então explodiu
com Mueller. “Sabe quanta gente me disse para te demitir?”
“Por que você não me demite?”, rebateu Mueller.
“Eu não demiti, não é, caralho?”, retrucou Musk. “Você ainda está
aqui, porra.” Depois, para aliviar a tensão, Musk pôs um excêntrico
filme de ação satírica, Team America: Detonando o mundo. Como
frequentemente acontecia com ele, as trevas davam lugar à comédia-
pastelão.
Mais tarde, Musk postou uma declaração. “A SpaceX está nessa até o
fim”, escreveu. “Independentemente dos desafios, vamos fazer isso dar
certo.”

***

Musk tinha uma regra sobre responsabilidade: cada peça, cada processo
e cada especificação precisam vir atrelados a um nome. Ele pode ser
rápido em encontrar um culpado quando algo dá errado. No caso do
fracasso no lançamento, ficou evidente que o vazamento viera de uma
porca que segurava o tubo de combustível. Musk apontou o dedo para
um engenheiro chamado Jeremy Hollman, uma das primeiras
contratações de Tom Mueller, que, na noite anterior ao lançamento,
havia removido e recolocado a porca para ter acesso a uma válvula. Em
um simpósio público dias depois, Musk descreveu o erro de “um dos
nossos mais experientes técnicos”, e os que estavam a par sabiam que ele
estava se referindo a Hollman.
Hollman tinha ficado duas semanas a mais em Kwaj para avaliar os
destroços. No voo de Honolulu para Los Angeles, ele estava lendo
reportagens sobre o lançamento fracassado e ficou chocado ao saber que
Musk colocara a culpa nele. Assim que aterrissou, dirigiu por três
quilômetros até a sede da SpaceX e invadiu a baia de Musk. Os dois
começaram a gritar, e Shotwell e Mueller foram acalmar os ânimos.
Hollman queria que a empresa fizesse uma retratação pela declaração de
Musk, e Mueller fez pressão para ser autorizado a fazer isso. “Eu sou o
CEO”, falou Musk. “Sou eu que lido com a imprensa; fique fora disso.”
Hollman disse a Mueller que só ficaria na empresa se nunca mais
tivesse que lidar diretamente com Musk. Ele deixou a SpaceX um ano
depois. Musk diz que não se lembra da situação, mas acrescenta que
Hollman não era um bom engenheiro. Mueller discorda. “Perdemos um
cara bom.”
No fim das contas, não foi culpa de Hollman. Quando o tubo de
combustível foi encontrado, parte da porca ainda estava conectada, mas
havia sido corroída e se quebrado ao meio. A culpa era da maresia em
Kwaj.

A segunda tentativa
Depois do fracasso do primeiro lançamento, a SpaceX ficou mais
cautelosa. A equipe começou a testar com cuidado e a registrar os
detalhes de cada uma das centenas de componentes do foguete. Pela
primeira vez, Musk não pressionou todo mundo para fazer as coisas em
alta velocidade e deixar de lado o cuidado.
Mesmo assim, ele não tentou eliminar todos os riscos possíveis. Isso
tornaria os foguetes da SpaceX tão caros e demorados quanto os
construídos por empreiteiros com contratos de compensação do
governo. Então, Musk exigiu um gráfico que mostrasse cada
componente, o custo dos materiais brutos, o custo que a SpaceX estava
pagando aos fornecedores e o nome do engenheiro responsável por
diminuir esse custo. Em reuniões, ele às vezes mostrava que sabia esses
números melhor do que os engenheiros que faziam a apresentação, o que
não era agradável. As reuniões de revisão podiam ser brutais, mas os
custos caíram.
Tudo isso significava correr riscos calculados. Por exemplo: foi Musk
quem aprovou o uso de alumínio barato e leve para a porca que havia
sido corroída e condenou o primeiro voo do Falcon 1.
Outro exemplo envolvia o que era conhecido como estabilizadores de
combustível. Enquanto o foguete ascende, o combustível remanescente
nos tanques pode balançar. Para evitar isso, anéis rígidos de metal
podem ser colocados na parte de dentro da parede do tanque. Os
engenheiros fizeram isso no primeiro estágio do Falcon 1, mas adicionar
massa ao segundo estágio era mais problemático, porque ele tinha que
ser propulsionado até a órbita.
A equipe de Koenigsmann fez várias simulações de computador para
testar os riscos de o combustível se mover de modo errático. Em apenas
uma pequena porcentagem dos modelos isso parecia ser um problema.
Na lista dos quinze maiores riscos, o número 1 era a possibilidade de
que o material fino que estavam usando na carcaça do foguete dobrasse
durante o voo. A movimentação errática de combustível no segundo
estágio ocupou o 11o lugar. Quando Musk repassou a lista com
Koenigsmann e seus engenheiros, decidiu que aceitaria alguns dos
riscos, incluído o da movimentação do combustível. A probabilidade da
maioria desses riscos não podia ser determinada com simulações. O risco
de o combustível se mover teria que ser testado num voo real.
O teste aconteceu em março de 2017. Como aconteceu um ano antes,
o lançamento começou bem. A contagem chegou a zero, o motor
Merlin foi acionado e o Falcon 1 foi arrastado para o espaço. Dessa vez,
Musk estava assistindo da sala de controle na sede da SpaceX, em Los
Angeles. “Sim, sim! Conseguimos”, gritou Mueller, abraçando-o. À
medida que o segundo estágio se separava como planejado, Musk
mordeu o lábio e depois começou a sorrir.
“Parabéns”, disse Musk. “Vou assistir a esse vídeo por muito tempo.”
Durante cinco minutos inteiros, tempo suficiente para abrir algumas
garrafas de champanhe, houve alegria. Então, Mueller notou algo no
vídeo. O segundo estágio estava começando a balançar. Os dados
recebidos confirmaram seus temores. “Soube na hora que era o
combustível se movendo”, revela.
No vídeo, parecia que a Terra estava girando numa secadora de
roupas, mas era, na realidade, o segundo estágio girando. “Pega! Pega!”,
gritou um engenheiro. Já não havia salvação. Aos onze minutos a
transmissão foi interrompida. O segundo estágio e sua carga estavam
caindo de volta na Terra de uma altura de trezentos quilômetros. O
foguete havia atingido o espaço sideral, mas não conseguiu entrar em
órbita. A decisão de aceitar o 11o item na lista de riscos — não ter
estabilizadores de combustível — havia se voltado contra eles. “De agora
em diante”, disse Musk para Koenigsmann, “vamos ter uma lista de
riscos de onze itens, nunca só de dez”.
capítulo 24
A Equipe da SWAT
Tesla, 2006-2008

Antonio Gracias e Tim Watkins


Custos do Roadster
Musk sempre dizia que desenhar um carro é fácil. A parte difícil é
fabricá-lo. Depois que o protótipo do Roadster foi revelado, em julho de
2006, a parte difícil começou.
A princípio, a meta de custo do Roadster era de cerca de 50 mil
dólares. Contudo, vieram as mudanças de projeto de Musk, além de
muitos problemas para encontrar o sistema de transmissão certo. Em
novembro de 2006, o custo havia subido para 83 mil dólares.
Com isso, Musk acabou fazendo algo incomum para um membro do
conselho: viajou à Inglaterra para visitar a Lotus, fornecedora do chassi,
sem contar a Martin Eberhard, o CEO. “Acho essa uma situação
bastante estranha, Elon ter perguntado como a Lotus vê o cronograma
de produção”, escreveu para Eberhard um dos executivos da Lotus.
Musk levou uma bronca na Inglaterra. A equipe da Lotus, que estava
lidando com as rápidas mudanças nas especificações de design da Tesla,
disse que não seria possível começar a produção das carrocerias do
Roadster antes do fim de 2007, ou seja, pelo menos oito meses depois
do prazo. Apresentaram para ele uma lista com mais de oitocentos
problemas que haviam surgido.
Por exemplo: havia um problema com a empresa britânica que a Tesla
contratara para fornecer os painéis de fibra de carbono personalizados,
os para-lamas e as portas. Era sexta-feira, e Musk, impulsivamente,
decidiu visitar o fornecedor. “Caminhei na lama até o prédio, onde vi
que os caras da Lotus estavam certos: a produção das peças não estava
funcionando”, diz. “Era um fracasso total.”
No fim de julho de 2007, a situação financeira piorou. O custo dos
materiais para a primeira rodada de produção estava estimado em 110
mil dólares por carro, e a previsão era de que a empresa ficaria sem
dinheiro em algumas semanas. Foi quando Musk decidiu chamar a
Equipe da SWAT.
Antonio Gracias
Quando Antonio Gracias tinha 12 anos, pediu de Natal um presente
que tinha relação com a Apple. Não era um computador; ele já tinha um
dos primeiros Apple II. Gracias queria ações da empresa. A mãe, que
tinha uma pequena loja de lingerie em Grand Rapids, Michigan, só
falava espanhol, mas conseguiu comprar para ele dez ações por 300
dólares. Ele ainda as tem. E hoje elas valem cerca de 490 mil dólares.
Um de seus primeiros empreendimentos enquanto era estudante na
Georgetown University foi comprar camisinhas em lotes e enviá-las para
um amigo na Rússia vender. Isso acabou não dando muito certo, e
Gracias ficou com um estoque enorme de camisinhas no quarto. Ele
então as colocou em caixas de fósforos, vendeu anúncios nas caixas e as
distribuiu em bares e fraternidades.
Ele conseguiu um emprego na Goldman Sachs, em Nova York, mas
pediu demissão para ir estudar direito na Universidade de Chicago. A
maioria dos estudantes de direito, especialmente em um lugar como
Chicago, achava a carga de trabalho pesada, mas Gracias estava
entediado. Em seu tempo livre, ele abriu um fundo de investimentos que
comprava pequenas empresas. Uma delas parecia particularmente
promissora: uma empresa da Califórnia que fazia galvanoplastia. No
entanto, acabou virando uma bagunça. Gracias se viu viajando para a
Califórnia para tentar consertar as coisas na fábrica, enquanto um amigo
na faculdade de direito chamado David Sacks fazia anotações para ele
nas aulas. (Lembre-se desses nomes, Antonio Gracias e David Sacks,
porque eles vão ressurgir na saga do Twitter.)
Como Gracias falava espanhol, assim como a maioria dos
trabalhadores da fábrica, foi capaz de aprender com eles quais eram os
problemas. “Percebi que, se você investe numa empresa, deve passar todo
o tempo no chão de fábrica”, afirma. Quando Gracias perguntou como
podiam acelerar a produção, um dos funcionários explicou que ter cubas
menores para os banhos de níquel faria o chapeamento ser mais rápido.
Essa e outras ideias dos trabalhadores deram tão certo que a fábrica
começou a lucrar e Gracias, a comprar mais empresas problemáticas.
Ele aprendeu uma grande lição com esses empreendimentos: “Não é
o produto que leva ao sucesso. É a capacidade de fazer o produto de
maneira eficiente. Trata-se de construir uma máquina que constrói
máquinas. Em outras palavras, como você desenha uma fábrica?” Era
um princípio norteador que Musk adotaria.
Depois da faculdade de direito, David Sacks, juntamente com Musk,
se tornaria um dos cofundadores da PayPal. Gracias era um investidor, e
ele e Musk estavam entre os novos milionários que foram a Las Vegas
comemorar o aniversário de 30 anos de Sacks em maio de 2002.
Seis dos convidados estavam em uma limusine, e um deles, um amigo
de Stanford, vomitou no banco de trás. Quando o motorista deixou-os
no hotel, a maioria resolveu não ficar para ajudá-lo. “Elon e eu olhamos
um para o outro e dissemos: não podemos deixar o coitado do motorista
com vômito no carro”, lembra Gracias. Então, foram com ele até uma
loja de conveniência 7-Eleven, compraram toalhas de papel e produtos
de limpeza e limparam o carro. “Elon tem Asperger”, diz Gracias,
“então, às vezes parece não ter emoções, mas ele realmente se importa”.
Gracias e sua empresa de capital de risco, a Valor Management,
participaram das quatro rodadas de investimentos da Tesla, e em maio
de 2007 ele entrou para o conselho. Foi justamente quando Musk estava
descobrindo a profundidade dos problemas de produção com o
Roadster, e então pediu a Gracias que descobrisse o que estava errado.
Para ajudá-lo, Gracias chamou um parceiro excêntrico, um sujeito
conhecido como o mago das fábricas.

Tim Watkins
Depois de colocar nos eixos sua empresa de galvanoplastia, Gracias
comprou algumas empresas parecidas, inclusive uma que tinha uma
pequena fábrica na Suíça. Quando ele voou até lá para inspecioná-la, foi
recebido no aeroporto por um engenheiro robótico britânico chamado
Tim Watkins, de rabo de cavalo, camiseta preta, calça jeans preta e uma
pochete preta. Sempre que era mandado para algum lugar novo, ele ia
até uma loja de departamentos local e comprava dez camisetas e calças,
as quais ia descartando como pele de lagarto durante sua estadia.
Depois de um jantar descontraído, Watkins sugeriu que fossem visitar
a fábrica. Gracias sabia que eles não tinham autorização para ter um
turno noturno, então ficou preocupado quando Watkins e o gerente da
fábrica o levaram até um beco num bairro industrial. “Achei por um
momento que iam me assaltar”, confessa Gracias. Watkins, que gostava
de certo drama, abriu a porta dos fundos. As luzes estavam apagadas,
tudo às escuras, mas havia sons de máquinas de estampar de alta
velocidade funcionando. Quando Watkins acendeu as luzes, Gracias
percebeu que estavam zumbindo por conta própria, sem funcionários
por perto.
As leis suíças determinavam que os funcionários não trabalhassem
mais de dezesseis horas por dia. Então, Watkins instituiu uma escala de
dois turnos de oito horas separados por períodos de quatro horas,
momentos em que as máquinas funcionariam sozinhas. Ele havia
elaborado uma fórmula que previa quando cada parte do processo
precisaria de intervenção humana. “Podíamos conseguir 24 horas de
produção por dezesseis horas de trabalho por dia”, afirma ele. Gracias
tornou Watkins sócio da sua empresa; eles se tornaram almas gêmeas, e
até ficaram no mesmo quarto enquanto desenvolviam uma visão
compartilhada de como investir em novas empresas e torná-las mais
eficientes. E foi isso que foram fazer na Tesla em 2007, a pedido de
Musk.

O problema da cadeia de suprimentos


A primeira tarefa era lidar com o problema que envolvia o fornecedor
britânico dos painéis de fibra de carbono, para-lamas e portas. Após
Musk visitar a empresa, houve discussões acaloradas com os gestores.
Meses depois, eles ligaram e avisaram que iam desistir. Não conseguiam
lidar com as exigências de Musk, e por isso estavam cancelando o
contrato.
Assim que recebeu a notícia, Musk ligou para Watkins em Chicago.
“Estou entrando no meu avião, vou te buscar em Chicago e vamos
arrumar isso”, disse. Na Inglaterra, eles colocaram parte do maquinário
no avião e voaram para a França, onde outra empresa, a Sotira
Composites, havia concordado em assumir o contrato. Musk estava
preocupado que os trabalhadores na França não fossem tão dedicados
quanto ele, então fez um discurso para os funcionários da empresa. “Por
favor, não façam greve ou saiam de férias agora, ou a Tesla vai morrer”,
implorou. Depois de um jantar num castelo no Vale do Loire, foi
embora deixando Watkins com a incumbência de ensinar os franceses a
trabalhar com fibra de carbono e a tornar as linhas de produção mais
eficientes.
O problema com os painéis levou Musk a se preocupar com outras
partes da cadeia de suprimentos, e ele pediu a Watkins que trabalhasse
em todo o sistema. O que ele encontrou era um pesadelo. O processo
começava no Japão, onde as células para as baterias de íon de lítio eram
fabricadas. Setenta dessas células eram unidas para formar tijolos, que
eram enviados para uma fábrica improvisada na selva da Tailândia que já
havia fabricado churrasqueiras. Lá, elas eram montadas em baterias com
uma rede de tubos como mecanismo de resfriamento. Essas baterias não
podiam ser levadas de avião, de modo que eram despachadas de barco
para a Inglaterra e levadas até a fábrica da Lotus, onde eram montadas
nos chassis do Roadster. Os painéis da carroceria vinham do novo
fornecedor na França. As carrocerias com as baterias eram enviadas
através do Atlântico e do canal do Panamá para a montadora da Tesla,
perto de Palo Alto. Lá, uma equipe era responsável pela montagem final,
incluindo o motor da AC Propulsion e o trem de força. Quando as
células de bateria chegavam aos carros dos consumidores, haviam viajado
por todo o mundo.
Isso não era apenas um pesadelo logístico, era também um problema
de fluxo de caixa. Cada célula começava a jornada custando 1,50 dólar.
Com mão de obra, um conjunto completo de bateria de 9 mil células
custava 15 mil dólares. A Tesla tinha que pagar adiantado por elas, mas
se passariam nove meses antes que esses conjuntos dessem a volta ao
mundo e pudessem ser vendidos em forma de carro para consumidores.
Outras peças na longa cadeia de suprimentos queimavam dinheiro da
mesma forma. Terceirizar podia ser uma forma de economizar dinheiro,
mas atrapalhava o fluxo de caixa.
Para agravar o problema, o design do carro, em parte por causa da
intervenção de Musk, havia se tornado complexo demais. “Era um
incêndio em uma lixeira de burrice”, admitiu Musk depois. Os chassis
haviam ficado 40% mais pesados, e tiveram que ser redesenhados para
receber o conjunto de baterias, o que invalidou o teste de colisão que a
Lotus havia feito. “Em retrospecto, teria sido muito melhor começar
com um design do zero e não tentar modificar o Lotus Elise”, afirma
ele. Quanto ao trem de força, quase nada da tecnologia da AC
Propulsion se mostrou viável para a produção do carro. “A gente se
ferrou muito”, diz Musk.

***

Quando Watkins chegou à sede da Tesla, na Califórnia, para resolver a


confusão com Martin Eberhard, ficou chocado ao descobrir que não
havia lista de materiais para a produção do Roadster. Em outras
palavras, não havia um registro integral de cada parte que compunha o
carro e de quanto a Tesla pagava por cada uma. Eberhard explicou que
estava tentando passar para um sistema SAP a fim de gerenciar tais
informações, mas não tinha um diretor-financeiro para organizar a
transição. “Você não pode fabricar um produto sem uma lista de
materiais”, disse Watkins a ele. “Há dezenas de milhares de
componentes em um veículo, e você pode ser comido vivo.”
Ao descobrir os custos reais, Watkins percebeu que as coisas estavam
piores do que as projeções mais pessimistas. Os primeiros Roadsters a
sair da linha de montagem, incluídas as despesas gerais, iriam custar
pelo menos 140 mil dólares, e o custo não cairia para menos de 120 mil
dólares mesmo depois que a produção aumentasse. Ainda que eles
vendessem o carro a 100 mil dólares, estariam perdendo dinheiro.
Watkins e Gracias apresentaram os resultados ruins para Musk. A
cadeia de fornecedores sugadora de dinheiro e o custo do carro
acabariam com todo o dinheiro da empresa — incluindo os depósitos
que haviam sido feitos por clientes para reservar um Roadster — antes
mesmo que eles começassem a vender o carro em grande escala. “Foi um
daqueles momentos em que a gente pensa Que merda”, diz Watkins.
Gracias chamou Musk de lado depois. “Isso não vai dar certo”, disse.
“Eberhard não está sendo sincero com relação aos números.”
capítulo 25
Assumindo a direção
Tesla, 2007-2008

Martin Eberhard e o Roadster


A destituição de Eberhard
Logo depois que ouviu falar da viagem secreta de Musk à Inglaterra,
Eberhard convidou-o para jantar em Palo Alto. “Vamos começar a
procurar alguém que possa me substituir”, disse. Mais tarde, Musk seria
brutal ao falar sobre ele, mas naquela noite foi compreensivo. “Ninguém
pode tirar de você a importância do que você fez como fundador desta
empresa”, disse. Numa reunião do conselho no dia seguinte, Eberhard
descreveu o plano que traçara para deixar o cargo, e todo mundo o
aprovou.
A busca por um sucessor foi lenta, principalmente porque Musk não
estava satisfeito com nenhum dos candidatos. “A quantidade de
problemas da Tesla era tão alta que parecia quase impossível encontrar
um CEO decente”, diz Musk. “É difícil encontrar um comprador para
uma casa que está em chamas.” Em julho de 2007, eles não estavam
nem perto de encontrar um. Foi quando Gracias e Watkins
apresentaram o relatório deles, e o humor de Musk mudou.
Musk convocou uma reunião do conselho da Tesla no início de agosto
de 2007. “Qual é a sua melhor estimativa para o custo do carro?”,
perguntou ele a Eberhard. Quando Musk começa o interrogatório dessa
maneira, é provável que não termine bem. Eberhard teve dificuldade
para dar uma resposta precisa, e Musk ficou convencido de que ele
estava mentindo. É uma palavra que ele usa muito, frequentemente com
excesso de liberdade. “Ele mentiu para mim e disse que o custo não seria
um problema”, alega Musk
“Isso é calúnia”, retruca Eberhard quando cito as acusações de Musk.
“Eu não minto para ninguém. Por que eu faria isso? O custo real ia ser
revelado mais tarde.” O tom de voz dele sobe com a raiva, mas há um
quê de dor e tristeza. Ele não consegue entender por que Musk, depois
de quinze anos, insiste tanto em atacá-lo. “Esse é o homem mais rico do
mundo batendo em alguém que não tem como revidar.” Seu parceiro
original, Tarpenning, admite que eles erraram feio o preço, mas defende
Eberhard contra a alegação de Musk de que ele mentiu. “Certamente
não foi de propósito”, afirma Tarpenning. “Estávamos lidando com a
informação de preço que tínhamos. Não estávamos mentindo.”
Alguns dias após a reunião do conselho, Eberhard estava a caminho
de uma conferência em Los Angeles quando o celular tocou. Era Musk,
que o informou de que naquele exato momento ele estava sendo
destituído do cargo de CEO. “Foi como levar uma tijolada na cabeça,
uma coisa que eu jamais teria previsto”, comenta Eberhard, que deveria
ter antevisto isso. Apesar de a busca por um novo CEO ter sido sugestão
dele, Eberhard não esperava ser demitido abruptamente antes que um
fosse encontrado. “Eles tinham se reunido sem mim e votado pela
minha saída.”
Ele tentou falar com alguns membros do conselho, mas nenhum
atendeu às ligações. “Era uma decisão unânime do conselho que Martin
tinha que sair, incluídos os membros que Martin havia colocado no
conselho”, diz Musk. Tarpenning saiu logo depois.
Eberhard lançou um pequeno site chamado Tesla Founders Blog, no
qual descarregava suas frustrações com relação a Musk e acusava a
empresa de “tentar arrancar e destruir o que quer que ainda reste do meu
coração”. Membros do conselho pediram que ele abaixasse o tom, o que
não funcionou, então o advogado da Tesla ameaçou retirar dele as ações,
e isso deu certo. Há certas pessoas que parecem demônios na mente de
Musk, que o provocam, desequilibram e estimulam uma raiva fria. O pai
dele era o número 1. Entretanto, de alguma forma estranha, Martin
Eberhard, que não é um nome conhecido, é o segundo. “Me envolver
com Eberhard foi o pior erro que cometi na minha carreira”, assevera
Musk.
Musk disparou uma série de ataques contra Eberhard no verão de
2008, enquanto os problemas de produção da Tesla se acumulavam, e
Eberhard respondeu ameaçando processá-lo por difamação. “Musk
decidiu reescrever a história”, assim começava o processo. Eberhard
ainda se irrita com as acusações de Musk de que mentiu. “Qual é a
dele?!”, esbraveja Eberhard. “A empresa que Marc e eu fundamos o
transformou no homem mais rico do mundo. Isso não é o suficiente?”
Em 2009, eles finalmente chegaram a um acordo difícil no qual
concordavam em não agredir um ao outro, e dali em diante ambos
seriam chamados de cofundadores da Tesla, junto com JB Straubel,
Marc Tarpenning e Ian Wright. Além disso, Eberhard ganhou um
Roadster, que lhe fora prometido. Ambos deram falsas declarações
simpáticas um sobre o outro.
Apesar da cláusula de não agressão, Musk não conseguia se segurar e
explodia de tempos em tempos. Em 2019, ele tuitou: “A Tesla está viva
apesar de Eberhard, mas ele quer créditos constantes e os tolos
concedem.” No ano seguinte, declarou: “Ele é literalmente a pior pessoa
com quem já trabalhei.” E no fim de 2021: “A história de fundação da
Tesla como contada por Eberhard é falsa. Queria nunca tê-lo
conhecido.”

Michael Marks e a pergunta cretina


Àquela altura, Musk já deveria ter aprendido que compartilhar poder
com um CEO não era o forte dele. Contudo, ele ainda resistia em se
tornar CEO da Tesla. Dezesseis anos depois, ele seria CEO
autoindicado de cinco grandes empresas, mas em 2007 achava que
deveria ser como quase todo CEO e ficar em uma só empresa — no caso
dele, a SpaceX. Então, procurou um dos investidores da Tesla, Michael
Marks, para ser CEO interino.
Marks havia sido o CEO da Flextronics, uma empresa de serviços de
produção eletrônica que ele transformou numa indústria líder altamente
lucrativa ao usar uma estratégia de que Musk gostava: integração
vertical. A empresa dele tinha controle de ponta a ponta das várias
etapas do processo.
A princípio, Musk e Marks se davam bem. Musk, que tinha o hábito
estranho de ser o homem mais rico do mundo a dormir nos sofás
alheios, ficava na casa de Marks quando visitava o Vale do Silício. “Nós
tomávamos um pouco de vinho e ficávamos jogando conversa fora”, diz
Marks. Então Marks cometeu o erro de acreditar que podia arrumar a
empresa em vez de simplesmente atender aos desejos de Musk.
O primeiro confronto aconteceu quando Marks concluiu que a
fixação de Musk por cronogramas sem base na realidade significava que
os suprimentos tinham que ser encomendados e pagos, mesmo que não
houvesse chance de eles serem usados para construir um carro num
futuro próximo. “Por que estamos trazendo todos esses materiais?”,
perguntou Marks em uma de suas primeiras reuniões. O gestor
respondeu: “Porque Elon insiste que vamos começar a entregar carros
em janeiro.” O fluxo de caixa para esses componentes estava esvaziando
o caixa da Tesla, então Marks cancelou a maioria das encomendas.
Marks também resistiu à maneira grosseira como Musk tratava as
pessoas. Naturalmente amigável, Marks era conhecido por seus modos
educados e respeitosos com os colegas, do zelador aos executivos. “Elon
não é uma pessoa agradável e não trata as pessoas bem”, diz Marks, que
ficou chocado por Musk não ter lido a maioria dos romances da esposa,
Justine. Não era só uma questão de delicadeza, pois isso afetava a
capacidade de Musk de detectar os problemas. “Eu disse a ele que as
pessoas não dizem a verdade porque ele as intimida”, conta Marks. “Ele
podia ser tirânico e brutal.”
Marks ainda se questiona se a forma como o cérebro de Musk
funciona — o que ele diz ser Asperger e os traços arraigados de sua
personalidade — pode explicar ou até mesmo justificar parte do
comportamento dele. Será que isso pode até mesmo ser benéfico de
certa maneira, quando se trata de comandar empresas cuja missão é mais
importante do que as sensibilidades individuais? “Musk está no espectro,
então acho que ele não tem mesmo qualquer conexão com as pessoas”,
diz Marks.
Musk responde que estar no outro extremo pode ser debilitante para
um líder. Querer ser amigo de todo mundo, disse ele a Marks, faz com
que você se importe mais com as emoções das pessoas na sua frente do
que com o sucesso do empreendimento como um todo — uma
abordagem que pode levar a um número muito maior de pessoas
magoadas. “Michael Marks não demitia ninguém”, afirma Musk. “Eu
dizia para ele: ‘Michael, você não consegue dizer para as pessoas que elas
precisam dar conta das coisas’; e aí, quando as pessoas não conseguiam
dar conta das coisas, nada acontecia com elas.”
Uma diferença de estratégia também surgiu. Marks decidiu que a
Tesla deveria fechar uma parceria com um fabricante de carros
experiente para conseguir dar conta da montagem do Roadster. Isso ia
contra um dos instintos fundamentais de Musk. Ele aspirava a construir
fábricas gigantescas em que a matéria-prima entraria de um lado e
carros sairiam do outro.
Durante as discussões sobre a proposta de Marks de terceirizar a
montagem do Tesla, Musk foi ficando cada vez mais irritado, e ele não
tinha nenhum filtro natural para limitar as respostas. “Essa é a coisa
mais imbecil que já ouvi”, disse em algumas reuniões. Essa era uma frase
que Steve Jobs usava com frequência. Assim como Bill Gates e Jeff
Bezos. A honestidade brutal deles podia ser irritante, até ofensiva. Podia
restringir em vez de instigar um diálogo franco. Mas também era eficaz
às vezes, pois criava o que Jobs chamava de jogadores de primeiro nível,
que não queriam estar cercados de gente sem ideias claras.
Marks era bem-sucedido e orgulhoso demais para tolerar o
comportamento de Musk. “Ele me tratava como uma criança, o que eu
não sou”, reclama Marks. “Sou mais velho que ele. E já comandei uma
empresa de 25 bilhões de dólares.” Ele não durou muito tempo.
Marks admite que Musk tinha razão quanto aos benefícios de se
controlar todos os aspectos do processo de fabricação. De uma maneira
mais conflituosa, ele também se faz a principal pergunta sobre Musk: se
o comportamento ruim dele pode ser separado do ímpeto que o torna
bem-sucedido. “Eu passei a colocá-lo na mesma categoria de Steve Jobs,
de pessoas que são simplesmente grosseiras, mas que conseguem tanta
coisa que sou obrigado a observar e dizer: ‘Parece que isso faz parte de
um pacote.’” Eu me pergunto: será que isso justifica o comportamento
de Musk? “Se o preço que o mundo paga por esse tipo de realização é ter
um imbecil completo por trás disso, bem, provavelmente é um preço que
vale a pena pagar. Foi assim que passei a pensar.” Então, depois de uma
pausa, ele acrescenta: “Mas eu não gostaria que fosse assim.”

***

Quando Marks saiu, Musk recrutou um CEO que achou que seria mais
duro: Ze’ev Drori, um oficial paraquedista israelense testado em
combate que havia se tornado um empreendedor bem-sucedido no ramo
de semicondutores. “A única pessoa que concordaria em ser CEO da
Tesla seria alguém que não tivesse medo de nada, porque havia muito o
que temer”, diz Musk. Mas Drori não sabia nada sobre fazer carros.
Depois de alguns meses, uma delegação sênior de executivos liderados
por JB Straubel disse que eles teriam problema se continuassem a
trabalhar com ele, e Ira Ehrenpreis, um membro do conselho, ajudou a
convencer Musk a assumir. “Tenho que pôr as duas mãos no volante”,
disse Musk a Drori. “Não podemos ser dois na direção.” Drori saiu
graciosamente, e Musk se tornou o CEO oficial da Tesla (e o quarto a
ter o título no período de um ano) em outubro de 2008.
capítulo 26
Divórcio

Justine
2008
Depois da morte do filho, Nevada, Justine e Elon decidiram engravidar
de novo assim que possível. Eles foram a uma clínica de fertilização in
vitro, e em 2004 ela deu à luz gêmeos, Griffin e Xavier. Dois anos
depois, de novo por fertilização in vitro, eles tiveram trigêmeos
chamados Kai, Saxon e Damian.
No início do casamento, eles moravam juntos em um pequeno
apartamento no Vale do Silício que compartilhavam com três colegas de
quarto e um pequeno Dachshund que não havia sido adestrado, lembra
Justine, e naquele momento moravam em uma mansão de 560 metros
quadrados nas colinas de Bel Air, em Los Angeles, com cinco crianças
excêntricas, uma equipe de cinco babás e empregadas domésticas, além
de um Dachshund, que ainda não havia sido adestrado.
Apesar da natureza agitada dos dois, havia momentos em que o
relacionamento era afetuoso. Eles caminhavam até a Kepler’s Books,
perto de Palo Alto, um abraçado à cintura do outro, levavam as compras
até um café e liam enquanto bebiam. “Fico emocionada ao falar sobre
isso”, diz Justine. “Havia momentos de plena felicidade, plena mesmo.”
Musk era desajeitado no trato social, mas gostava de ir a festas cheias
de celebridades e ficar até de madrugada. “Nós íamos a jantares
beneficentes e conseguíamos as melhores mesas nas boates de
Hollywood, com Paris Hilton e Leonardo DiCaprio se divertindo ao
nosso lado”, conta Justine. “Quando o fundador do Google, Larry Page,
se casou na ilha caribenha particular de Richard Branson, estávamos lá
nos divertindo em um solar com John Cusack e vendo Bono posar com
várias fãs encantadas.”
Contudo, eles brigavam o tempo todo. Ele era viciado em
tempestades e estresse e ela era sugada pela turbulência. Durante as
piores discussões, Justine expressava quanto odiava o marido e ele
respondia dizendo coisas como: “Se você trabalhasse para mim, eu te
demitiria.” Às vezes ele a chamava de “imbecil” e “idiota”, numa
repetição assustadora do próprio pai. “Quando passei um tempo com
Errol”, diz Justine, “percebi que foi com o pai que ele aprendeu o
vocabulário”.
Kimbal, que brigava fisicamente com o irmão, achava duro vê-lo
brigar verbalmente com Justine. “Elon briga com muita intensidade”,
conta Kimbal. “E Justine também podia ser intensa. Eu ficava vendo, e
pensava: Meu Deus, que coisa brutal. Acabei me afastando dele durante
anos por causa da Justine. Eu simplesmente não conseguia ficar por
perto.”
O estilo de vida instável levou a uma queda em espiral. “Era
basicamente um enorme aglomerado de coisas perturbadoras”, fala
Justine. Ela percebeu que estava se transformando, ou sendo
transformada, em uma “esposa troféu”, e “era péssima nisso”, diz. Musk
insistia que ela deixasse o cabelo mais loiro. “Deixe platinado”, pedia ele.
Ela resistia, e começou a se retrair. “Eu o conheci quando ele não tinha
muita coisa”, lembra ela. “O acúmulo de riqueza e fama mudou a
dinâmica.”
Como fazia com os colegas no trabalho, Musk podia ir da luz à
escuridão e de volta à luz em instantes. Ele disparava alguns insultos,
fazia uma pausa, e então o rosto se desmanchava em um sorriso
divertido e ele fazia umas piadas estranhas. “Ele é determinado e
poderoso, como um urso”, disse Justine a Tom Junod, da Esquire. “Ele
pode ser brincalhão e divertido e lhe contar piadas, mas no fim das
contas você ainda está lidando com um urso.”
Quando Musk estava concentrado em um problema do trabalho,
entrava num transe, como na época de escola, e ficava completamente
absorto. Tempos depois, quando contei a Justine todas as calamidades
na SpaceX e na Tesla que estavam afetando Musk, ela começou a chorar.
“Ele não compartilhava essas coisas comigo”, revela. “Acho que não
ocorreu a ele que talvez eu pudesse ajudar. Ele tinha uma relação muito
combativa com o mundo. Mas era só compartilhar isso comigo.”
O que Justine mais sentia falta nele era a empatia. “Ele é um grande
homem em muitos sentidos”, opina ela, “mas é a falta de empatia que
me incomoda”. Certo dia, durante um passeio de carro, ela tentou
explicar a ele o conceito de empatia verdadeira. Musk ficava
transformando aquilo num conceito intelectual, e explicava como, em
razão do Asperger, havia ensinado a si mesmo a ser mais
psicologicamente astuto. “Não, não tem nada a ver com pensar ou
analisar ou interpretar a outra pessoa”, conta ela. “Trata-se de sentimento.
Você sente o que a outra pessoa sente.” Ele admitiu que isso era
importante em relacionamentos, mas sugeriu que a forma como o
cérebro dele era organizado era vantajosa para comandar uma empresa
de alto desempenho. “A determinação e a distância emocional que
faziam dele um marido difícil”, admite Justine, “podem ser a razão do
sucesso que obteve nos negócios”.
Elon ficava incomodado quando Justine o pressionava a experimentar
a psicoterapia. Ela havia começado a se consultar com um terapeuta
depois da morte de Nevada e desenvolveu um profundo interesse pela
área. Isso a levou, segundo ela, à descoberta de que a infância difícil de
Elon e a forma como o cérebro dele funciona permitiam que ele deixasse
de lado as emoções. A intimidade era difícil. “Quando você vem de um
passado disfuncional ou tem um cérebro assim”, diz ela, “a intensidade
assume o lugar da intimidade”.
Não é bem assim. Especialmente com os filhos, Musk pode se sentir
forte e emocionalmente carente. Ele sente falta de ter alguém por perto,
até mesmo ex-namoradas. No entanto, é verdade que o que lhe falta no
tocante à intimidade do dia a dia ele compensa com intensidade.
A insatisfação de Justine com o casamento aprofundou sua depressão
e deixou-a com raiva. “Ela deixou de ter altos e baixos para
simplesmente se sentir irritada todos os dias”, diz Elon. Ele culpava o
Adderall, um intensificador cognitivo que o psiquiatra dela havia
prescrito, e saía pela casa jogando fora as pílulas. Justine concorda que
estava depressiva e dependia do Adderall. “Fui diagnosticada com
transtorno de déficit de atenção, e o Adderall era uma ajuda maravilhosa
para mim”, conta ela. “Mas essa não era a razão pela qual eu estava com
raiva. Eu estava com raiva porque o Elon me ignorava.”
Na primavera de 2008, entre as explosões de foguetes e a confusão na
Tesla, Justine sofreu um acidente de carro. Depois disso, ficou sentada
na cama deles com os joelhos contra o peito e lágrimas nos olhos. Ela
disse a Elon que o relacionamento deles tinha que mudar. “Eu não
queria ficar na arquibancada assistindo ao espetáculo multimilionário da
vida do meu marido”, reclama ela. “Queria amar e ser amada, da
maneira como éramos antes desses milhões.”
Elon concordou em fazer terapia de casal, mas, depois de um mês e
três sessões, o casamento acabou. Segundo a versão de Justine, Elon deu
um ultimato: ou ela aceitava o casamento do jeito que era ou ele ia pedir
o divórcio. A versão dele é a de que ela dizia repetidas vezes que queria
se divorciar, até que ele por fim disse: “Estou disposto a ficar casado, mas
você tem que prometer não ser tão cruel assim comigo o tempo todo.”
Quando Justine deixou claro que a situação não era aceitável, ele pediu o
divórcio. “Eu me senti anestesiada”, lembra-se ela, “mas também
estranhamente aliviada”.
capítulo 27
Talulah

Com Talulah Riley no Hyde Park, em Londres


2008
Em julho de 2008, depois de romper com Justine, Musk tinha sido
chamado para dar uma palestra na Royal Aeronautical Society, em
Londres. Não era um momento propício para falar sobre foguetes. Dois
deles haviam explodido e, supostamente, previa-se que a terceira
tentativa seria lançada em três semanas. A cadeia de produção
complicada da Tesla estava sugando dinheiro, e os primeiros sinais da
crise econômica tornavam difícil obter financiamento. Além disso, o
divórcio ameaçava a capacidade de Musk de controlar suas ações na
Tesla. Mesmo assim, ele foi.
No discurso, ele argumentou que empreendimentos espaciais
comerciais, como a SpaceX, eram mais inovadores do que os programas
do governo, além de necessários se os humanos quisessem colonizar
outros planetas. Depois, foi visitar o CEO da Aston Martin, que
criticou todo o movimento relacionado ao carro elétrico e desdenhou das
preocupações com mudanças climáticas.
No dia seguinte, Musk acordou com dores no estômago, o que não
era incomum. Ele pode fingir gostar do estresse, mas o estômago dele,
não. Ele estava viajando com o amigo Bill Lee, um empreendedor de
sucesso, que o levou a uma clínica. Quando o médico determinou que
não havia apendicite, ou algo pior, Lee insistiu que eles fossem
extravasar um pouco, e ligou para um amigo, Nick House, que era dono
da boate Whisky Mist. “Eu estava tentando tirar Elon do péssimo
humor em que ele estava”, diz Lee. Musk insistia em ir embora, mas
House o convenceu a ir à sala VIP, no porão. Pouco depois, uma atriz
que usava um vestido de festa chamativo entrou.
Talulah Riley, então com 22 anos, foi criada em um vilarejo inglês em
Hertfordshire que parecia saído de um livro, e, quando conheceu Musk,
havia ganhado certa fama pela boa atuação em alguns papéis pequenos,
principalmente o da irmã do meio da família Bennet, Mary, em uma
adaptação de Orgulho e preconceito, de Jane Austen. Alta e linda, com um
cabelo comprido e esvoaçante e uma mente e personalidade afiadas, ela
era exatamente o tipo de Musk.
Apresentada por Nick House e outro amigo, James Fabricant, ela
acabou se sentando com Musk. “Ele parecia muito tímido e um pouco
estranho”, conta Riley. “Ele estava falando sobre foguetes, e a princípio
eu não percebi que os foguetes eram dele.” Em determinado momento,
Musk perguntou: “Posso colocar a mão no seu joelho?” Ela achou um
pouco estranho, mas concordou. No fim, ele disse a ela: “Sou péssimo
nisso, mas queria pegar seu número de telefone porque gostaria muito de
ver você de novo.”
Riley tinha acabado de sair da casa dos pais, e ligou para eles no dia
seguinte para contar sobre o homem que tinha conhecido. Enquanto
eles estavam conversando, o pai dela fez uma busca no Google. “Esse
cara é casado e tem cinco filhos”, revelou ele. “Você foi enganada por um
playboy.” Furiosa, ela ligou para o amigo Fabricant, que a acalmou e
garantiu que Musk tinha se separado da esposa.
“Acabamos tomando café juntos”, diz Riley, “e no final ele disse: ‘Eu
realmente queria te ver no almoço.’ Então, depois do almoço, ele falou:
‘Bom, foi maravilhoso. Agora queria jantar com você’”. Nos três dias
seguintes, eles fizeram quase todas as refeições juntos, e foram à loja de
brinquedos Hamleys a fim de comprar presentes para os cinco filhos
dele. “Eles estavam apaixonados, de mãos dadas o tempo todo”, diz Lee.
No fim da viagem, Musk a convidou para ir a Los Angeles com ele. Ela
não podia porque tinha que fazer um ensaio fotográfico na Sicília para
uma reportagem da Tatler sobre um filme que tinha acabado de gravar,
Escola para garotas bonitas e piradas. De lá, assim que pôde, ela voou para
Los Angeles.
Em vez de se mudar para a casa de Musk — o que ela achava
indecoroso —, Riley alugou um quarto por uma semana no Peninsula
Hotel. No fim da visita, ele a pediu em casamento. “Lamento não ter
um anel”, falou ele. Ela sugeriu que eles apertassem as mãos, e foi o que
fizeram. “Lembro-me de nadar em volta dele na piscina da cobertura,
nós dois muito felizes, conversando sobre como era estranho a gente ter
se conhecido só duas semanas antes e já estarmos noivos.” Riley achava
que a relação daria certo. “Qual é a pior coisa que pode acontecer com a
gente?”, brincou. Musk, de repente num tom sincero, respondeu: “Um
de nós pode morrer.” Sabe-se lá como, mas no momento ela achou
aquilo muito romântico.
Quando os pais dela viajaram de Londres para conhecer Musk
semanas depois, ele perguntou ao sogro se podia se casar com ela.
“Conheço minha filha muito bem e confio na decisão dela; então, vá em
frente”, respondeu ele. Maye voou para Los Angeles e, pela primeira
vez, aprovou uma parceira do filho. “Ela era adorável, divertida, amável e
bem-sucedida”, diz. “E os pais dela eram muito agradáveis, um casal
inglês muito bacana.” Entretanto, por conselho do irmão, Musk decidiu
— e Talulah concordou — que os dois deveriam esperar alguns anos
antes de se casarem.
capítulo 28
Terceira falha

Hans Koenigsmann com um Falcon 1


Kwaj, 3 de agosto de 2008
Depois de dois lançamentos fracassados do atol remoto de Kwajalein, a
terceira tentativa do Falcon 1 era decisiva para a SpaceX, ou pelo menos
era o que todo mundo, inclusive Musk, pensava. Ele disse à equipe que
só tinha dinheiro para três tentativas. “Eu acreditava que se não
pudéssemos fazer em três tentativas”, diz, “merecíamos morrer”.
No segundo voo, a SpaceX não havia colocado um satélite real no
topo do foguete, porque não queria perder uma carga preciosa caso
houvesse uma queda. Na terceira tentativa, porém, Musk resolveu
apostar tudo no sucesso. O foguete ia carregar um caríssimo satélite de
oitenta quilos da Força Aérea, dois satélites menores da NASA e as
cinzas de James Doohan, o ator que fazia o papel de Scotty em Star
Trek.
A decolagem foi perfeita, e a sala de controle em Los Angeles, de
onde Musk estava assistindo, irrompeu em aplausos quando o foguete
subiu. Depois de dois minutos e vinte segundos, o segundo estágio se
soltou do foguete auxiliar, como previsto. A carga parecia estar a
caminho da órbita. “A terceira vez é a que vale!”, gritou um engenheiro.
Então, mais uma vez, houve um suspiro de Mueller, que estava
sentado no lugar de sempre, ao lado de Musk. Um segundo depois de
começar a descer para a Terra, como previsto, o foguete auxiliar subiu
brevemente e bateu contra o estágio dois. A transmissão de vídeo foi
interrompida, e Musk e sua equipe souberam, instantaneamente, que
ambos os estágios, junto com os restos mortais de Scotty, estavam em
queda.
O problema era que eles haviam redesenhado o sistema de
resfriamento do motor Merlin, e isso o levou a ter um pouco de impulso
mesmo depois de desligado. A equipe de Mueller havia testado o novo
sistema em terra, e funcionou bem ao nível do mar. No vácuo do espaço,
porém, o restinho de combustível empurrou o foguete auxiliar por uns
trinta centímetros.
***

Musk havia ficado sem dinheiro, a Tesla estava numa sangria financeira,
e a SpaceX explodira três foguetes em sequência. Mas ele não estava
pronto para desistir. Em vez disso, iria falir, literalmente. “A SpaceX
seguirá em frente, sem hesitar”, anunciou ele algumas horas depois do
fracasso. “Não deve haver dúvidas de que a SpaceX vai conseguir entrar
em órbita. Nunca vou desistir, e falo muito sério.”
Na sala de conferências da SpaceX, no dia seguinte, Musk conversou
por telefone com Koenigsmann, Buzza e a equipe de lançamento em
Kwaj. Eles revisaram os dados e descobriram maneiras de dar mais
tempo de separação para que a colisão não acontecesse novamente.
Musk estava taciturno. “Foi o pior período da minha vida, pelo que
estava acontecendo com meu casamento, a SpaceX e a Tesla”, conta. “Eu
não tinha nem casa. Justine ficou com a nossa.” A equipe temia que ele
fosse, como frequentemente fazia, tentar culpar alguém. Eles se
prepararam para uma explosão.
Em vez disso, Musk disse que havia componentes para um quarto
foguete na fábrica em Los Angeles. Construam-no, mandou ele, e o
transportem para Kwaj assim que possível. Ele definiu um prazo que
quase não era realista: lançá-lo em seis semanas. “Ele nos disse para
seguir em frente”, diz Koenigsmann, “e me surpreendeu”.
Uma onda de otimismo percorreu a sede. “Depois disso, acho que a
maioria de nós seguiria Elon até as portas do inferno, levando óleo
bronzeador”, fala Dolly Singh, a diretora de recursos humanos. “Em
pouco tempo, a atmosfera no prédio passou do desespero e da derrota
para um clima de muita determinação.”
Carl Hoffman, um repórter da Wired que havia assistido ao fracasso
do segundo lançamento com Musk, o procurou para perguntar como ele
mantinha o otimismo. “Otimismo, pessimismo, dane-se”, respondeu
Musk. “Nós vamos fazer isso funcionar. Juro por Deus, estou
determinado a fazer dar certo.”
capítulo 29
No limite

Na sala de controle da SpaceX


Tesla e SpaceX, 2008
Em 1o de fevereiro de 2008, um e-mail foi enviado para os funcionários
na sede da Tesla. “P1 chegando!”, anunciava o texto. “P1” era o
codinome do primeiro Roadster a sair do processo de fabricação. Musk
fez um discurso curto e levou o Roadster para uma volta olímpica em
Palo Alto.
Esse lançamento de alguns veículos, montados manualmente, era
apenas um pequeno triunfo. Muitas empresas automotivas, falidas e
esquecidas havia muito tempo, conseguiram a mesma coisa. O próximo
desafio era chegar a um processo de fabricação em que a produção de
carros fosse lucrativa. No último século, só uma empresa automotiva
norte-americana (a Ford) conseguiu fazer isso sem falir.
Naquele momento, não estava claro que a Tesla se tornaria a segunda.
A crise do subprime hipotecário havia começado, o que levaria à mais
severa recessão global desde a Grande Depressão. A cadeia de
fornecedores da Tesla era confusa, e a empresa estava ficando sem
dinheiro. Além disso, a SpaceX ainda precisava colocar um foguete em
órbita. “Apesar de saber que eu tinha um Roadster”, diz Musk, “foi o
começo do ano mais doloroso da minha vida”.
Musk frequentemente andava nos limites da legalidade. Ele manteve
a Tesla em funcionamento na primeira metade de 2008 por meio do uso
dos depósitos feitos pelos clientes que haviam comprado Roadsters
ainda não fabricados. Alguns executivos da Tesla e membros do
conselho achavam que os depósitos deveriam ser mantidos em caução,
em vez de serem usados com despesas operacionais, mas Musk insistiu.
“Ou fazemos isso ou morremos.”
À medida que a situação ficava mais desesperadora, no outono de
2008, Musk implorou por dinheiro a amigos e familiares para conseguir
quitar a folha de pagamento da Tesla. Kimbal havia perdido a maior
parte do dinheiro dele, e, assim como o irmão, estava prestes a declarar
falência. Ele ainda tinha os 375 mil dólares em ações da Apple, e dizia
que precisava disso para cobrir os empréstimos que fizera no banco.
“Preciso que você coloque isso na Tesla”, pediu Elon. Kimbal, sempre
solidário, vendeu as ações e fez o que Elon havia pedido. Ele recebeu
uma ligação de um irritado banqueiro da Colorado Capital, o qual
alertou-o para o fato de que ele estava acabando com o próprio crédito.
“Desculpe, mas tive que fazer isso”, respondeu Kimbal. Quando o
banqueiro ligou novamente semanas mais tarde, Kimbal se preparou
para uma discussão. Contudo, o banqueiro o interrompeu com a notícia
de que a Colorado Capital tinha acabado de falir. “Isso mostra quão
ruim foi 2008”, diz Kimbal.
Bill Lee, amigo de Musk, investiu 2 milhões de dólares; Sergey Brin,
do Google, investiu 500 mil dólares; e até mesmo funcionários comuns
da Tesla fizeram cheques. Musk pegou empréstimos para cobrir as
despesas, o que incluía pagar 170 mil dólares por mês aos advogados
dele que tratavam do divórcio e (como a lei da Califórnia exige de
cônjuges ricos) também aos de Justine. “Deus abençoe Jeff Skoll, que
deu a Elon o dinheiro para que ele conseguisse”, diz Talulah sobre o
amigo de Musk, que foi o primeiro presidente do eBay. Antonio Gracias
também se voluntariou, e emprestou a ele 1 milhão de dólares. Até
mesmo os pais de Talulah se ofereceram para ajudar. “Eu estava muito
chateada e liguei para papai e mamãe, e eles disseram que iam
refinanciar a casa e tentar ajudar”, lembra ela. Essa oferta, Musk
rejeitou. “Seus pais não devem perder a casa só porque eu apostei tudo o
que tinha”, falou.
Talulah assistia horrorizada enquanto, noite após noite, Musk falava
sozinho, às vezes balançando os próprios braços e gritando. “Eu achava
que ele ia acabar tendo um infarto”, conta ela. “Ele estava tendo terrores
noturnos e gritava dormindo e me arranhava. Era horrível. Fiquei
realmente assustada, e ele estava desesperado.” Às vezes Musk ia ao
banheiro e começava a vomitar. “Afetava o estômago dele, e ele ficava
gritando e vomitando”, diz Talulah. “Eu ficava do lado do vaso
segurando a cabeça dele.”
A tolerância de Musk ao estresse é alta, mas 2008 quase fez com que
ele perdesse a cabeça. “Eu estava trabalhando todo dia, o dia todo, de
manhã e de noite, em uma situação que exigia que eu tirasse coelhos da
cartola repetidamente”, lembra. Ele ganhou muito peso e depois perdeu
tudo que tinha engordado, talvez até um pouco mais. Passou a andar
curvado, e os dedos endureciam quando ele caminhava. Mas Musk
estava cheio de energia e muito compenetrado. A ameaça da forca fez
com que a mente dele se concentrasse.

***

Todos ao redor de Musk achavam que ele teria que tomar uma decisão.
Com o fim de 2008, parecia que ele precisaria escolher entre a SpaceX e
a Tesla. Se concentrasse seus escassos recursos em uma das empresas,
Musk poderia com certeza garantir a sobrevivência da escolhida. Se
tentasse dividir os recursos, talvez as duas falissem. Um dia, Mark
Juncosa, o amigo que era uma espécie de alma gêmea mais animada,
entrou na baia de Musk na SpaceX. “Cara, por que você não desiste logo
de uma delas?”, perguntou. “Se a SpaceX toca seu coração, descarte a
Tesla.”
“Não”, respondeu Musk, “isso ia servir como mais um argumento
para o pessoal que diz que ‘carros elétricos não funcionam’, e nunca
vamos ter energia sustentável”. Ele também não podia abandonar a
SpaceX. “Corremos o risco de nunca virmos a ser uma espécie
multiplanetária.”
Quanto mais as pessoas o pressionavam a escolher, mais Musk
resistia. “Para mim, emocionalmente falando, era como se eu tivesse dois
filhos e estivesse ficando sem comida”, revela ele. “Você pode dar metade
para cada um, mas os dois vão morrer, ou dar toda a comida para um
filho e aumentar a chance de um deles sobreviver. Eu não conseguia
escolher qual ia morrer, então decidi que faria de tudo para salvar os
dois.”
capítulo 30
O quarto lançamento
Kwaj, agosto a setembro de 2008

Musk na sala de controle e com engenheiros; Koenigsmann servindo


champanhe em Kwaj
Fundadores ao resgate
Musk havia orçado três tentativas de lançamento do Falcon 1, e os três
foguetes explodiram antes de entrar em órbita. Diante da possibilidade
de ter que declarar falência e com a Tesla numa crise financeira, era
difícil enxergar de que maneira ele ia levantar dinheiro para uma quarta
tentativa. Então, um grupo inesperado veio ao resgate: os colegas
cofundadores da PayPal, que o haviam tirado do cargo de CEO oito
anos antes.
Musk tinha encarado a destituição com uma calma incomum, de
modo que ficou em bons termos com os líderes do golpe, incluídos Peter
Thiel e Max Levchin. A antiga máfia da PayPal, como eles chamavam a
si mesmos, era um grupo unido. Eles ajudaram a financiar o antigo
colega David Sacks — o amigo que fazia anotações para Antonio
Gracias na faculdade de direito — enquanto ele produzia o filme satírico
Obrigado por fumar. Thiel se juntou a outros fundadores da PayPal, Ken
Howery e Luke Nosek, para criar o Fundo dos Fundadores, que investia
principalmente em startups da internet.
Thiel era, segundo ele mesmo, “categoricamente cético com relação à
tecnologia limpa”, portanto o fundo não investira na Tesla. Nosek, que
havia se tornado próximo de Musk, sugeriu que eles investissem na
SpaceX. Thiel concordou em fazer uma reunião por telefone com Musk
para discutir a ideia. “Em certo momento, eu perguntei a Elon se
poderíamos falar com o chefe dos engenheiros de foguete da empresa”,
diz Thiel, “e Elon respondeu: ‘Você já está falando com ele.’” Isso não
tranquilizou Thiel, mas Nosek insistiu muito no investimento.
“Argumentei que o que Elon estava tentando realizar era incrível, e nós
deveríamos fazer parte daquilo”, lembra ele.
Thiel acabou cedendo e concordou que o fundo investisse 20 milhões
de dólares. “Parte do meu pensamento era que isso seria uma forma de
compensação pela saga do PayPal”, conta ele. O investimento foi
anunciado em 3 de agosto de 2008, logo depois que a terceira tentativa
fracassou. Isso serviu como uma fonte de recursos que permitia a Musk
declarar que financiaria um quarto lançamento.
“Era um exercício interessante de carma”, diz Musk. “Depois que fui
assassinado pelos líderes do golpe na PayPal, como César esfaqueado no
Senado, podia ter dito ‘Cara, vocês são horríveis’. Mas eu não disse. Se
tivesse feito isso, o Fundo dos Fundadores não teria aparecido em 2008 e
a SpaceX estaria morta. Não acredito em astrologia ou coisas do tipo,
mas o carma talvez seja real.”

Hora da verdade
Em agosto de 2008, logo após o terceiro voo fracassar, Musk havia
animado sua equipe com o prazo para conseguir um novo foguete em
Kwaj em seis semanas. Isso parecia um esquema de distorção da
realidade de Musk. Haviam se passado doze meses entre o primeiro e o
segundo lançamentos fracassados, e mais dezessete meses entre o
segundo e o terceiro. Entretanto, como o foguete não precisava de
nenhuma mudança significativa de design para que fossem corrigidos os
problemas que causaram a terceira falha, ele calculou que o prazo de seis
semanas era viável e iria animar a equipe. Além disso, tendo em vista
que eles estavam queimando dinheiro rapidamente, Musk não tinha
escolha.
A SpaceX possuía os componentes para um quarto foguete na fábrica
em Los Angeles, mas enviar tudo para Kwaj por mar levaria quatro
semanas. Tim Buzza, o diretor de lançamento da SpaceX, disse a Musk
que a única maneira de cumprir o prazo seria alugar um avião de carga
C-17 da Força Aérea. “Bom, então vamos fazer isso”, respondeu Musk.
Foi aí que Buzza entendeu que Musk estava disposto a colocar todas as
fichas na mesa.
Vinte funcionários da SpaceX viajaram com o foguete no
compartimento de carga do C-17, afivelados nos assentos na parede. O
clima era festivo. Os membros da equipe, enlouquecidos de trabalho,
imaginavam estar prestes a realizar um milagre radical.
Enquanto eles sobrevoavam o Pacífico, um jovem engenheiro
chamado Trip Harriss pegou um violão e começou a tocar. Os pais dele
eram professores de música no Tennessee, e ele havia estudado para se
tornar músico clássico. Certo Natal, porém, ele assistiu a Star Trek e
decidiu que queria ser cientista aeronáutico. “Descobri como
reconfigurar meu cérebro e, em vez de fazer música, fui fazer
engenharia”, algo que não foi uma mudança tão grande quanto
imaginou. Depois de um ano na Purdue, Harriss estava procurando um
estágio de verão, mas sempre se dava mal nas entrevistas. Ele já tinha se
resignado a trabalhar na filial da Ace Hardware na cidade quando um
professor dele recebeu uma ligação de um amigo na SpaceX, o qual
informava que a empresa precisava de estagiários. Sem esperar pela
documentação, Harriss entrou no carro na manhã seguinte, abandonou a
namorada e dirigiu de Indiana até Los Angeles.
Quando o avião começou a descer para reabastecer no Havaí, ouviu-
se um estrondo. E depois outro. “Nós nos encaramos e pensamos que
aquilo era estranho”, diz Harriss. “E aí ouvimos outro estrondo e vimos
o lado do tanque do foguete amassando como uma lata de Coca.” A
descida rápida do avião havia feito a pressão no compartimento
aumentar, e as válvulas do tanque não estavam deixando o ar entrar
rápido o suficiente para equalizar a pressão interna.
Houve uma movimentação enlouquecida enquanto os engenheiros
tiravam facas do bolso e começavam a cortar a embalagem e tentavam
abrir as válvulas. Blent Altan correu até a cabine para tentar parar a
descida. “A situação era a seguinte: um turco enorme gritando com os
pilotos da Força Aérea, que eram os norte-americanos mais brancos que
você já viu, para voltar a subir”, diz Harris. Por sorte eles não jogaram
nem o foguete nem Altan no oceano. Em vez disso, concordaram em
subir de novo, mas alertaram Altan que só restavam trinta minutos de
combustível. Isso significava que em dez minutos teriam que começar a
descer novamente. Um dos engenheiros entrou na área escura entre os
estágios um e dois do foguete, encontrou a grande tubulação de
pressurização e conseguiu abri-la, o que permitiu a entrada do ar e a
equalização da pressão enquanto o avião começava a descer novamente.
O metal começou a voltar à forma original. Mas a avaria estava feita. A
parte externa ficara amassada e um dos paralamas havia se deslocado.
Eles ligaram para Musk em Los Angeles com o objetivo de contar o
que aconteceu e sugerir que levassem o foguete de volta. “Todos nós
reunidos ali, em pé, ouvimos a pausa”, diz Harriss. “Ele ficou em
silêncio por um minuto. Depois, disse: ‘Não, vocês vão levar o foguete
para Kwaj e consertá-lo lá.’” Harriss lembra que, quando chegaram a
Kwaj, a primeira reação foi: “Estamos ferrados.” Contudo, no dia
seguinte, a empolgação tomou conta. “Dizíamos: ‘Vamos fazer isso
funcionar.’”
Buzza e o chefe de estruturas de foguetes, Chris Thompson, juntaram
o equipamento de que precisavam na sede da SpaceX, incluindo
defletores novos para impedir que o combustível se movesse nos tanques,
e colocaram no avião de Musk para a viagem de Los Angeles a Kwaj.
Lá, encontraram um monte de engenheiros correndo no meio da noite,
trabalhando freneticamente no foguete desmontado, como se fossem
médicos em um pronto-socorro tentando salvar um paciente.
Depois dos primeiros três fracassos, Musk havia imposto mais
controles de qualidade e procedimentos para reduzir riscos. “Portanto, já
tínhamos nos acostumado a nos mover um pouco mais devagar com
documentação e inspeções”, diz Buzza. Ele disse a Musk que, se
seguissem todas as novas exigências, levariam cinco semanas para
consertar o foguete. Se abandonassem essas exigências, poderiam
terminar em cinco dias. Musk tomou a decisão esperada. “Ok, vão o
mais rápido possível.”
A decisão de revogar as ordens sobre controle de qualidade ensinou a
Buzza duas coisas: Musk pode mudar se a situação mudar, e ele estava
disposto a assumir riscos mais do que qualquer um. “Isso era algo que
tínhamos que aprender: Elon fazia uma declaração, mas depois de um
tempo ele percebia que podia ser de outra forma”, diz Buzza.
Enquanto trabalhavam sob o sol brutal de Kwaj, os engenheiros eram
observados por um caranguejo-dos-coqueiros excepcionalmente grande,
com quase noventa centímetros. Eles o chamaram de Elon, e sob o olhar
dele conseguiram completar o conserto nos cinco dias previstos. “Era
diferente de tudo que as empresas inchadas da indústria aeroespacial
poderiam imaginar”, diz Buzza. “Às vezes esses prazos loucos faziam
sentido.”
Da quarta vez dá certo!
A menos que a quarta tentativa de lançamento desse certo, aquele seria
o fim da SpaceX e provavelmente da ideia maluca de que o pioneirismo
espacial poderia ser liderado por empreendedores privados. Poderia
também ser o fim da Tesla. “Não conseguiríamos nenhum novo
financiamento para a Tesla”, comenta Musk. “As pessoas diriam: ‘Aquele
cara da empresa de foguetes que faliu, ele é um fracassado.’”
O lançamento estava marcado para 28 de setembro de 2008, e Musk
planejava assisti-lo do trailer de comando na sede da SpaceX, em Los
Angeles. Para aliviar a tensão, Kimbal sugeriu que eles levassem os filhos
à Disneylândia naquela manhã. Era um domingo e o parque estava
lotado, e eles não haviam comprado o acesso VIP, mas esperar nas
longas filas foi uma bênção, porque isso tinha um efeito calmante em
Elon. Eles andaram na montanha-russa Space Mountain, que era uma
metáfora tão óbvia que pareceria trivial se não fosse verdade.
De camisa polo bege e calça jeans desbotada, a roupa que tinha usado
na Disneylândia, Musk chegou ao trailer de comando bem quando a
janela de lançamento estava se abrindo, às quatro da tarde. Em um dos
monitores, ele via o Falcon 1 na plataforma de lançamento. A sala de
controle estava em silêncio quando a voz de uma mulher começou a
fazer a contagem regressiva.
No momento em que o foguete deixou a torre, houve comemoração,
mas Musk ficou encarando em silêncio os dados recebidos no
computador dele e o monitor na parede que mostrava as imagens das
câmeras do foguete. Depois de sessenta segundos, a tela mostrou a
pluma do motor escurecendo. Estava tudo bem. Era porque o foguete
havia chegado a uma altura com ar mais rarefeito e menos oxigênio. As
ilhas do atol Kwajalein se afastavam, parecendo um colar de pérolas no
mar turquesa.
Após dois minutos, era hora de os estágios se separarem. O motor
auxiliar foi desligado, e dessa vez houve um atraso de cinco segundos
antes de o segundo estágio se soltar, para evitar o choque que havia
condenado o terceiro lançamento. Quando o segundo estágio começou
lentamente a se afastar, Musk enfim se permitiu dar um grito de alegria.
O motor Kestrel, no segundo estágio, funcionou perfeitamente. O
bico soltava um brilho vermelho fosco devido ao calor, mas Musk sabia
que o material poderia ficar branco de calor e sobreviver. Finalmente,
nove minutos depois do lançamento, o motor Kestrel foi desligado,
conforme previsto, e a carga, posta em órbita. Naquele momento, a
comemoração foi ensurdecedora, e Musk deu socos no ar. Kimbal, em
pé ao lado dele, começou a chorar.
O Falcon 1 havia entrado para a história como o primeiro foguete
construído por uma empresa privada a alcançar a órbita partindo do
solo. Musk e sua pequena equipe de quinhentos funcionários (a divisão
equivalente da Boeing tinha 50 mil) haviam desenhado um sistema do
zero, e fizeram toda a construção por conta própria. Pouco havia sido
terceirizado. E o financiamento também foi privado, a maior parte do
próprio bolso de Musk. A SpaceX tinha contratos com a NASA e
outros clientes para realizar missões, mas só seriam pagos se e quando
fossem bem-sucedidos. Não havia subsídios nem contratos com
compensação.
“Isso foi incrível”, gritou Musk enquanto andava pelo chão de fábrica.
Ele fez uma dancinha na frente dos funcionários que comemoravam
reunidos perto do refeitório. “Da quarta vez dá certo!” Enquanto os
aplausos se intensificavam novamente, ele começou a gaguejar mais do
que o normal. “Minha mente está esgotada, então é difícil para mim
dizer alguma coisa”, murmurou. Apesar disso, falou da visão dele quanto
ao futuro. “Este é apenas o primeiro passo de muitos. Vamos colocar o
Falcon 9 em órbita ano que vem, fazer a espaçonave Dragon funcionar e
continuar do ponto em que o ônibus espacial parou. Vamos fazer muita
coisa, inclusive chegar a Marte.”
Apesar de parecer durão, o estômago de Musk se revirou durante o
lançamento e ele quase vomitou. Mesmo depois do sucesso, ele não
conseguiu ficar alegre. “Meus níveis de cortisol, meus hormônios de
estresse, a adrenalina, estavam tão altos que era difícil para mim me
sentir feliz”, conta. “Havia uma sensação de alívio, como se eu tivesse
sido poupado da morte, mas não de alegria. Eu estava estressado demais
para isso.”
“ilovenasa”
O lançamento bem-sucedido garantiu o futuro dos empreendimentos
espaciais. “Assim como Roger Bannister quando correu pouco mais de
1,5 quilômetro em quatro minutos, a SpaceX fez as pessoas recalibrarem
a percepção delas quanto aos limites possíveis no que dizia respeito a ir
ao espaço”, escreveu o autor Ashlee Vance.
Isso levou a uma grande mudança de rumo na NASA. Com o fim
iminente do programa do ônibus espacial, os Estados Unidos não teriam
mais a capacidade de enviar equipes ou carga para a Estação Espacial
Internacional. Então, a agência anunciou uma concorrência para realizar
missões de carga até lá. O sucesso do quarto voo do Falcon 1 permitiu
que Musk e Gwynne Shotwell fossem a Houston no fim de 2008 com o
intuito de comparecer a uma reunião na NASA para defender a
empresa.
Quando desembarcaram do jato dele, Musk puxou Shotwell para
uma conversa na pista de pouso. “A NASA está preocupada por eu ter
que dividir meu tempo entre a SpaceX e a Tesla”, disse. “Eu meio que
preciso de uma parceira.” Não era uma ideia que ocorresse facilmente a
ele: Musk era melhor comandando do que fazendo parcerias. Então, fez
a ela uma oferta: “Quer ser presidente da SpaceX?” Ele permaneceria
como CEO e ambos dividiriam as responsabilidades. “Vou me
concentrar na engenharia e no desenvolvimento de produto”, falou, “e
quero que você se concentre no gerenciamento de clientes, nos recursos
humanos, nas relações com o governo e em grande parte do financeiro”.
Ela aceitou na mesma hora. “Amo trabalhar com pessoas e ele ama
trabalhar com equipamentos e designs”, explica Shotwell.
Em 22 de dezembro, como que para encerrar o terrível ano de 2008,
Musk recebeu uma ligação. O chefe de voos espaciais da NASA, Bill
Gerstenmaier, que mais tarde iria trabalhar na SpaceX, deu a ele a
notícia: a SpaceX receberia um contrato de 1,6 bilhão de dólares para
fazer doze viagens à estação espacial. “Eu amo a NASA”, respondeu
Musk. “Vocês são incríveis.” Ele mudou a senha no computador para
“ilovenasa”.
capítulo 31
Salvando a Tesla
Dezembro de 2008

Um amor quase estranho pelo perigo: desafiando um atirador de facas


vendado em uma de suas festas de aniversário
Financiando a Tesla, dezembro de 2008
Musk só pôde curtir o contrato da NASA por alguns minutos. De fato,
o nível de estresse dele não diminuiu. A SpaceX até podia ter
conseguido um indulto de Natal, mas a Tesla ainda estava caminhando
rumo à falência no fim de 2008. O dinheiro iria acabar na véspera de
Natal. Nem a empresa nem o próprio Musk tinham dinheiro suficiente
no banco para quitar a próxima folha de pagamento.
Musk convocou seus financiadores na época para uma nova rodada de
meros 20 milhões de dólares. Seria o bastante para permitir que a Tesla
seguisse em frente por mais alguns meses. No entanto, quando achou
que o plano estava pronto, ele descobriu que um dos investidores estava
desistindo: a VantagePoint Capital, liderada por Alan Salzman. Para que
o novo capital fosse liberado, todos os investidores tinham que aprovar.
Salzman e Musk haviam passado os meses anteriores discordando em
relação à estratégia. Certa vez, na sede da Tesla, eles tiveram uma
discussão aos berros que pôde ser ouvida pelos funcionários. Salzman
queria que a Tesla se tornasse fornecedora de baterias para outras
empresas automotivas, como a Chrysler. “Isso ajudaria a financiar o
crescimento da Tesla”, disse Salzman. Musk achava maluquice.
“Salzman estava insistindo que a gente amarrasse nossa carroça à das
empresas automotivas tradicionais”, conta ele, “e eu dizia: ‘Este navio
está literalmente afundando’”. Salzman chateava-se por a Tesla estar
gastando os depósitos feitos pelos clientes do Roadster antes mesmo de
os carros estarem prontos. “As pessoas achavam que tinham feito um
depósito, não um empréstimo sem garantia para a empresa. Era
moralmente errado.” Musk conseguiu um consultor externo que deu um
parecer afirmando que isso era legal. Salzman também foi repelido pelo
comportamento de Musk: “Ele era duro com as pessoas e
desnecessariamente insensível. Apenas fazia parte do DNA dele. Eu não
gostava disso.”
Em uma conferência por telefone não oficial com Kimbal na linha,
Salzman tentou preparar o terreno para remover Musk do cargo de
CEO. “Fiquei furioso com o que todos esses tolos do mal estavam
tentando fazer com Elon”, diz Kimbal. “Comecei a gritar: ‘Nem pensar,
vocês não vão fazer isso. Vocês são uns tolos.’” Antonio Gracias também
estava na ligação. “Não, estamos com Elon”, falou. Kimbal ligou para o
irmão, que conseguiu barrar a votação no conselho. Ele estava tão
compenetrado que nem ficou com raiva.
Salzman e seus parceiros insistiram que Musk fosse até o escritório
deles e detalhasse as necessidades financeiras futuras da Tesla. “Ele
estava tentando fazer uma cirurgia cardíaca, e nós estávamos tentando
garantir que ele não ia usar o tipo errado de sangue”, diz Salzman.
“Quando você está lidando com uma pessoa com controle excessivo e
essa pessoa está sob grande estresse, é uma situação arriscada.”
Musk se irritou. “Temos que fazer isso rápido, ou não vamos quitar a
folha de pagamento”, falou para Salzman. Mesmo assim, Salzman
insistiu que eles se encontrassem na semana seguinte, e marcou a
conversa para as sete da manhã, o que enfureceu Musk ainda mais. “Sou
um sujeito notívago, então achei aquilo horrível”, diz. “Salzman estava
fazendo isso comigo porque é um idiota.” Musk achava que Salzman
estava feliz em dizer não na cara dele, e foi o que aconteceu.
Musk é capaz de perdoar, como mostrou na reconciliação com os
sócios na PayPal. Contudo, há algumas pessoas que o fazem explodir,
quase irracionalmente. Martin Eberhart é uma. E Alan Salzman se
tornou outra. Musk achava que ele estava intencionalmente empurrando
a Tesla para a falência. “Ele é um babaca”, xinga Musk. “Quando digo
que é um babaca, é uma descrição, não algo pejorativo.”
Salzman calmamente nega as alegações de Musk, e parece não se
importar com os insultos. “Não tínhamos nenhum plano de assumir a
empresa ou de forçá-la a falir”, conta. “Isso é um absurdo. Nosso papel
simplesmente era o de apoiar a empresa e garantir que o capital fosse
gasto com bom senso.” Apesar dos ataques pessoais de Musk contra ele,
Salzman realmente expressa alguma admiração. “Ele tem sido uma força
particular por trás da empresa, e reconheço que funcionou. Tiro o
chapéu para ele.”
De forma a contornar o veto de Salzman na nova rodada de
investimentos, Musk mexeu na estrutura de financiamento para que não
envolvesse a emissão de mais ações, transformando tudo em dívida. O
telefonema final aconteceu na véspera de Natal, dois dias depois que a
SpaceX fechou o contrato com a NASA. Musk estava na casa de
Kimbal em Boulder, no Colorado, junto com Talulah Riley. “Eu estava
no chão embrulhando presentes para as crianças e Elon estava na cama,
ao telefone, freneticamente tentando fazer as coisas darem certo”,
lembra-se ela. “O Natal é muito importante para mim, então minha
prioridade era proteger as crianças da situação. Eu repetia: ‘É Natal, vai
acontecer algum milagre.’”
E aconteceu. A VantagePoint acabou apoiando o plano, assim como
os outros investidores que estavam na ligação. Musk caiu no choro. “Se
tivesse acontecido de outra forma, a Tesla estaria acabada”, diz, “e talvez
o sonho do carro elétrico fosse esquecido por muitos anos”. Na época,
todas as grandes empresas automotivas dos Estados Unidos haviam
desistido de produzir carros elétricos.

Empréstimos governamentais e o
investimento da Daimler
No decorrer dos anos, uma crítica feita à Tesla era a de que a empresa
havia sido “salva” ou “subsidiada” pelo governo em 2009. Na realidade, a
Tesla não recebeu dinheiro do Programa de Preservação de Ativos em
Risco (TARP), do Departamento do Tesouro, conhecido popularmente
como “o resgate”. Com o programa, o governo emprestou 18,4 bilhões
de dólares para a General Motors e para a Chrysler enquanto elas
passavam por uma reestruturação de concordata. A Tesla não se
inscreveu para receber nenhuma verba do TARP ou qualquer outro
incentivo.
O que a Tesla realmente recebeu em junho de 2009 foram 465
milhões de dólares em empréstimos a juros baixos de um programa do
Departamento de Energia. O Programa de Empréstimos para
Tecnologias Avançadas de Produção de Veículos concedia crédito para
empresas fazerem carros elétricos, ou carros mais eficientes quanto ao
consumo de combustível. A Ford, a Nissan e a Fisker Automotive
também receberam empréstimos.
O empréstimo do Departamento de Energia não era uma injeção
imediata de dinheiro. Ao contrário do dinheiro de resgate da GM e da
Chrysler, o empréstimo estava ligado a despesas reais. “Tínhamos que
gastar o dinheiro e prestar contas ao governo”, explica Musk. Sendo
assim, o primeiro cheque só chegou no início de 2010. Três anos depois,
a Tesla devolveu o empréstimo com 12 milhões de dólares em juros. A
Nissan pagou em 2017, a Fisker faliu e, em 2023, a Ford ainda devia
dinheiro para o programa.
Uma injeção mais significativa de dinheiro veio da Daimler. Em
outubro de 2008, em meio à crise da Tesla e aos fracassos nos
lançamentos da SpaceX, Musk foi até a sede da empresa alemã, em
Stuttgart. Os executivos da Daimler disseram estar interessados em criar
um carro elétrico, e tinham uma equipe que planejava visitar os Estados
Unidos em janeiro de 2009. Eles convidaram a Tesla a apresentar uma
proposta de uma versão elétrica do smart car da Daimler.
Assim que voltou, Musk disse a JB Straubel que eles deveriam correr
para montar um protótipo de um smart car elétrico para quando a equipe
da Daimler chegasse. Eles mandaram um funcionário ao México, onde
havia smart cars movidos a gasolina, para comprar um e levá-lo até a
Califórnia. Depois, colocaram o motor elétrico e as baterias do Roadster
nele.
Quando os executivos da Daimler chegaram à Tesla em janeiro de
2009, pareciam irritados por terem que ir a uma reunião com uma
empresa pequena e quase sem dinheiro, sobre a qual mal tinham ouvido
falar. “Lembro que eles estavam de muito mau humor e torcendo para
sair dali o mais rápido possível”, conta Musk. “Eles estavam esperando
alguma apresentação ruim de PowerPoint.” Então, Musk perguntou se
queriam dirigir o carro. “Como assim?”, indagou um dos membros da
equipe da Daimler. Musk explicou que haviam criado um modelo
funcional.
Eles foram até o estacionamento, e os executivos da Daimler fizeram
um test drive. O carro disparou em um instante e atingiu cem
quilômetros por hora em cerca de quatro segundos. Isso impressionou os
executivos. “O smart car tinha uma potência incrível”, diz Musk. “Dava
para dar cavalo de pau com aquele carro.” Como resultado, a Daimler
contratou a Tesla para fornecer baterias e trens de força para os smart
cars, uma ideia não muito diferente da que Salzman havia sugerido.
Musk pediu à Daimler que considerasse investir na empresa. Em maio
de 2009, antes mesmo de os empréstimos do Departamento de Energia
serem aprovados, a Daimler concordou em comprar 50 milhões de
dólares em ações da Tesla. “Se a Daimler não tivesse investido na Tesla
naquela época, teríamos fechado as portas”, relata Musk.
capítulo 32
Model S
Tesla, 2009

Drew Baglino e Musk com Franz von Holzhausen


Henrik Fisker
A rodada de investimentos do Natal de 2008, o investimento da
Daimler e o empréstimo do governo permitiram que Musk tocasse um
projeto que, se bem-sucedido, iria transformar a Tesla em uma empresa
automotiva de verdade, capaz de liderar a era dos carros elétricos: um
sedã de quatro portas que custasse cerca de 60 mil dólares, que seria
produzido em massa. Ele ficou conhecido como Model S.
Musk havia levado muito tempo para fazer o design do Roadster, mas
foi muito mais difícil ajudar a criar um sedã de quatro portas. “Em um
carro esporte, as linhas e as proporções são as de um supermodelo, e é
relativamente fácil deixá-lo lindo”, diz Musk. “No entanto, as
proporções de um sedã deixam mais complicado torná-lo agradável.”
A princípio, a Tesla tinha contratado Henrik Fisker, um designer
nascido na Dinamarca que morava no sul da Califórnia e havia criado o
estilo sensual da BMW Z8 e do Aston Martin DB9. Musk não se
impressionou com as ideias dele. O carro “parece um ovo com rodas”,
comentou ele a respeito de um dos esboços de Fisker. “Rebaixe o teto.”
Fisker tentou explicar o problema para Musk. Como as baterias
levantariam o chão do carro, o teto teria que inchar a fim de fornecer
espaço suficiente para a cabeça. Fisker foi até um quadro-branco para
desenhar o Aston Martin de que Musk gostava. Era baixo e amplo. O
Model S, contudo, não podia ter as mesmas proporções elegantes, por
causa da localização da bateria. “Imagine que você está em um desfile de
moda com Giorgio Armani”, explicou Fisker. “Uma modelo que tem
1,80 metro de altura e pesa 45 quilos entra usando um vestido. Você está
com sua esposa, que tem 1,50 metro de altura e pesa 68 quilos, e diz
para o Armani: ‘Faça esse vestido para a minha esposa.’ Não vai ficar
igual.”
Musk pediu dezenas de mudanças, entre as quais o formato dos faróis
e as linhas do capô. Fisker, que se considerava um artista, disse a Musk
que não queria fazer algumas das mudanças. “Não me importo com o
que você quer”, respondeu Musk em dado momento. “Estou mandando
você fazer.”
Fisker se lembra da intensidade caótica de Musk com um tom de
divertimento e cansaço. “Não sou muito o tipo de pessoa compatível
com Musk”, diz ele. “Sou bastante tranquilo.” Depois de nove meses,
Musk rescindiu o contrato dele.

Franz von Holzhausen


Franz von Holzhausen nasceu em Connecticut e vivia no sul da
Califórnia, mas, fiel ao nome, tinha uma aura euro-cool. Ele veste
jaquetas de couro ecológico e calças jeans apertadas, e está sempre
esboçando um sorriso, o que demonstra tanto autoconfiança quanto
humildade polida. Depois de se formar na faculdade de desenho
industrial, ele se tornou trabalhador assalariado com passagem pela
Volkswagen, pela GM e depois pela Mazda, na Califórnia, onde se viu
preso àquilo que chama de “ciclo de lavar e secar”, trabalhando em
projetos pouco inspiradores.
Uma das paixões de Von Holzhausen eram corridas de kart, e um
colega piloto, que estava trabalhando na abertura do primeiro showroom
da Tesla no Santa Monica Boulevard, indicou-o para Musk no verão
brutal de 2008. Depois de rescindir o contrato de Fisker, Musk estava
procurando alguém que montasse um estúdio de design interno na
Tesla. Quando ligou para Von Holzhausen, marcaram de conversar
naquela tarde. Musk fez um tour pela SpaceX com ele, o que o
surpreendeu. “Cara, ele está lançando foguetes no espaço”, disse Von
Holzhausen, maravilhado. “Carros são fáceis comparados a isso.”
Eles continuaram a conversa na festa de inauguração do showroom
em Santa Bárbara. Em uma sala de reuniões longe dos convidados,
Musk mostrou a Von Holzhausen fotos do trabalho de Fisker no Model
S. “Isso realmente não está bom”, opinou Von Holzhausen. “Posso fazer
algo maravilhoso.” Musk começou a rir. “Sim, vamos fazer”, disse, e o
contratou na mesma hora. Eles acabariam se transformando em uma
dupla, como Steve Jobs e Jony Ive, um dos poucos relacionamentos
calmos e sem drama que Musk teria, profissional e pessoalmente.
Musk queria que o estúdio de design fosse próximo à baia dele na
fábrica da SpaceX em Los Angeles, não no escritório da Tesla no Vale
do Silício, mas não tinha dinheiro para construir. Então, cedeu para Von
Holzhausen um canto nos fundos da fábrica de foguetes, perto de onde
as ogivas eram montadas, e construiu uma tenda para dar à equipe dele
um pouco de privacidade.
Um dia depois de chegar, Von Holzhausen ficou lado a lado com
Gwynne Shotwell perto do refeitório, e assistiu nos monitores enquanto
a empresa fazia a terceira tentativa de lançamento em Kwaj. Esse foi o
lançamento que deu errado, quando o foguete auxiliar, logo após a
separação, deu um salto para a frente e bateu no estágio dois. Ele
percebeu que havia largado um emprego seguro na Mazda em troca de
trabalhar para um gênio maníaco viciado em risco e drama. Tanto a
SpaceX quanto a Tesla pareciam a caminho da falência. “O Apocalipse
era iminente”, diz Von Holzhausen, “e havia dias em que eu pensava:
Cara, talvez a gente não sobreviva para mostrar esse carro legal com o qual
estamos sonhando.”
Von Holzhausen queria um assistente, de modo que procurou um
amigo da indústria automobilística que conhecia havia anos, Dave
Morris, um modelador de argila e engenheiro com um alegre sotaque
britânico resultante da infância no norte de Londres. “Dave, você não
faz ideia de como essa empresa é iniciante”, falou Von Holzhausen. “É
tipo uma banda de garagem. Talvez a gente vá à falência.” Contudo,
quando Von Holzhausen o conduziu pela fábrica de foguetes até a área
do estúdio, Morris foi conquistado. Morris conta que pensou: Se ele é tão
comprometido assim com foguetes e quer fazer carros, então eu quero ser parte
disso.
Mais tarde, Musk comprou um velho hangar de aeronaves ao lado da
fábrica da SpaceX para abrigar Von Holzhausen e seu estúdio. Ele
passava por lá quase todos os dias, e gastava uma ou duas horas todas as
sextas-feiras numa reunião intensa de avaliação de design.
Gradualmente, a nova versão do Model S foi tomando forma. Depois de
alguns meses mostrando rascunhos e tabelas de especificações, Von
Holzhausen percebeu que Musk ficava mais à vontade com modelos
tridimensionais. Então, ele e Morris trabalharam com escultores para
fazer um modelo em tamanho real, que atualizavam continuamente. Nas
tardes de sexta, quando Musk ia visitá-los, eles tiravam o modelo do
estúdio e o empurravam até o estacionamento ensolarado para ver a
reação do chefe.

O conjunto de bateria
Para evitar que o Model S parecesse uma bola, Musk teve que fazer o
conjunto de bateria o mais fino possível. Isso porque ele queria que a
bateria ficasse sob o assoalho do carro, diferentemente do Roadster, que
tinha um conjunto de bateria em caixa atrás dos dois assentos. Colocar a
bateria embaixo tornava o carro mais fácil de ser manobrado e quase
impossível de capotar. “Gastamos muito tempo tirando milímetros do
conjunto de bateria para garantir que teríamos espaço interno suficiente
sem transformar o carro numa bolha”, conta Musk.
A pessoa que ele tornou responsável pela bateria era um recém-
graduado de Stanford chamado Drew Baglino. Mais simpático do que a
maioria dos engenheiros, dono de uma boa risada, Baglino iria escalar
até o topo da hierarquia da Tesla no decorrer dos anos, mas a carreira
dele quase teve um fim na primeira reunião com Musk. “De quantas
células de bateria precisamos para atingir nosso objetivo?”, perguntou
Musk a ele. Baglino e o restante da equipe do trem de força tinham
passado semanas analisando a questão. “Nós rodamos dezenas de
modelos: como a aerodinâmica poderia ser, como faríamos o trem de
força eficiente e a densidade de cada célula”, conta Baglino. E a resposta
era que o conjunto precisaria de 8.400 células.
“Não”, replicou Musk. “Faça com 7.200 células.”
Baglino achava que era impossível, mas não disse isso em voz alta. Já
tinha ouvido histórias sobre a raiva de Musk quando desafiado. Mesmo
assim, seria alvo da explosão dele diversas vezes. “Elon era muito duro”,
lembra Baglino. “Gosta de desafiar o mensageiro, o que nem sempre é a
melhor estratégia. Ele começou a me atacar.”
Baglino disse para JB Straubel, chefe dele e um dos cofundadores da
Tesla, que estava nervoso. “Nunca mais quero participar de uma reunião
com Elon.” Straubel, que havia passado por muitas dessas sessões, o
surpreendeu ao declarar que havia sido uma “ótima” reunião. “É desse
tipo de retorno que precisamos”, disse Straubel. “Você só tem que
aprender a lidar com as demandas do Elon. Descubra qual o objetivo
dele e continue dando informações. É assim que ele obtém os melhores
resultados.”
No caso das células de bateria, Baglino acabou se surpreendendo. “O
mais doido sobre a meta dele de 7.200 células é que, de fato, acabamos
usando 7.200 células”, diz. “Foi um cálculo instintivo, mas ele acertou.”

***

Depois de reduzir o número de células, Musk se concentrou em


diminuir a altura do conjunto de bateria. Colocá-lo no chão do carro
significava ter que protegê-lo contra avarias por pedras ou quaisquer
destroços. Isso levou a muitas discussões com os membros mais
cuidadosos da equipe, que queriam uma placa fina sob a bateria. Às
vezes as reuniões se transformavam em gritaria. “Elon levava para o lado
pessoal, e os engenheiros perdiam a cabeça”, diz Straubel. “Eles achavam
que era algo arriscado a se fazer.” Quando fincavam pé, era como sacudir
um pano vermelho em frente a um touro. “Elon é um cara
hipercompetitivo, e desafiá-lo significa que a reunião pode acabar mal.”
Para o posto de engenheiro-chefe do Model S, Musk contratou Peter
Rawlinson, um britânico gentil que havia trabalhado com carroceria na
Lotus e na Land Rover. Juntos, eles criaram uma maneira de fazer mais
do que simplesmente colocar o conjunto de bateria sob o chão do carro.
Eles o projetaram de modo que o conjunto se tornasse parte da estrutura
do carro.
Era um exemplo da política de Musk que os designers que pensavam
na forma do carro trabalhassem junto com os engenheiros que
determinavam como o carro deveria ser construído. “Em outros lugares
em que trabalhei”, conta Von Holzhausen, “havia uma mentalidade de
troca de e-mails, na qual o designer tinha uma ideia e então a enviava
para um engenheiro, que estava em outro prédio ou até em outro país”.
Musk colocou os engenheiros e os designers na mesma sala. “A visão era
a de que iríamos criar designers que pensavam como engenheiros e
engenheiros que pensassem como designers”, fala Von Holzhausen.
Isso seguia o princípio que Steve Jobs e Jony Ive haviam incentivado
na Apple: design não envolve apenas estética, o design industrial
verdadeiro deve ligar a aparência de um produto à sua engenharia. “No
vocabulário da maioria das pessoas, design significa o superficial”,
explicou certa vez Jobs. “Nada está mais longe do significado de design.
O design é a alma fundamental da criação humana que acaba se
expressando em camadas sucessivas sobrepostas.”

Design amigável
Havia outro princípio que vinha do estúdio de design da Apple. Quando
Jony Ive concebeu o iMac colorido, amigável, incluiu uma alça
embutida. Não era muito funcional, porque o iMac era um computador
de mesa que não servia para ser carregado. Mas era um sinal de
simpatia. “Se tem essa alça, torna o relacionamento possível”, explicou
Ive. “É acessível. Isso permite que você toque na máquina.”
Da mesma forma, Von Holzhausen desenhou maçanetas que ficavam
embutidas no carro e apareciam e acendiam como um aperto de mão
feliz quando o motorista se aproximava com a chave. Isso não
acrescentava nenhuma grande funcionalidade. Uma maçaneta externa
funcionaria igualmente bem. Musk, contudo, adotou a ideia de
imediato. Ela iria emitir um alegre sinal de amizade. “A maçaneta sente
sua chegada, acende e aparece para te cumprimentar, isso é mágico”, diz
ele.
Os engenheiros e as equipes de produção lutaram contra a ideia.
Havia pouco espaço dentro da porta para o mecanismo, que teria que
funcionar milhares de vezes em várias condições climáticas. Um dos
engenheiros disse a Musk uma de suas palavras favoritas: “imbecil”. Mas
Musk persistiu. “Parem de se opor a isso”, ordenou ele. Acabou sendo
uma característica marcante dos carros, que criava uma ligação
emocional com o dono.
Musk tinha certa resistência a regulamentos. Ele não gostava de jogar
sob as regras dos outros. À medida que o Model S ficava quase
completo, ele um dia entrou no carro e abaixou o quebra-sol do
passageiro. “Que merda é essa?”, perguntou, apontando para a etiqueta
de alerta obrigatória do governo sobre airbags e como desabilitá-los
quando uma criança está no assento do passageiro. Dave Morris
explicou que o governo exigia aquilo. “Se livre disso”, mandou Musk.
“As pessoas não são idiotas. Essas etiquetas são idiotas.”
Para poder burlar as exigências, a Tesla desenhou um sistema que
evitava que o airbag funcionasse quando detectava que uma criança
estava no assento do passageiro. Isso não satisfez o governo, e Musk não
cedeu. No decorrer dos anos, a Tesla iria se envolver em uma queda de
braço com a National Highway Transportation Safety Board, que
esporadicamente emitia chamadas de recall para carros da Tesla sem o
adesivo de aviso.

***

Musk queria que o Model S tivesse uma grande tela touch ao alcance do
motorista. Ele e Von Holzhausen passaram horas discutindo ideias de
tamanho, formato e posicionamento da tela. Acabou sendo um marco
para a indústria automobilística. O equipamento dava ao motorista um
controle mais fácil sobre as luzes, a temperatura, a posição dos assentos,
os níveis de suspensão e quase tudo no carro, exceto abrir o porta-luvas
(que, por alguma razão, o governo exigia que tivesse um botão físico).
Também permitia mais diversão, como jogos eletrônicos, sons de pum
nos bancos dos passageiros, diferentes sons para a buzina e surpresas
escondidas nas interfaces.
Mais importante ainda: pensar no carro como um software, e não só
como um hardware, permitiu que ele fosse continuamente atualizado.
Novos recursos podiam ser entregues pelo ar. “Estávamos encantados em
ver como podíamos acrescentar funcionalidades no decorrer dos anos,
inclusive mais aceleração”, diz Musk. “Isso permitia que o carro se
tornasse melhor do que era quando foi comprado.”
capítulo 33
Espaço privado
SpaceX, 2009-2010

Em Cabo Canaveral com o presidente Obama, em 2010


Falcon 9, Dragon e Pad 40
A concorrência da NASA que a SpaceX ganhou para enviar carga com
destino à Estação Espacial Internacional veio com um desafio: exigiria
um foguete muito mais potente do que o Falcon 1.
A princípio, Musk planejou que o próximo foguete teria que ter cinco
motores em vez de um, e dessa forma seria chamado de Falcon 5. Ele
também precisaria de um motor mais potente. Tom Mueller, no entanto,
estava preocupado, uma vez que iria demorar muito para construir um
motor novo, e convenceu Musk a aceitar uma outra ideia: um foguete
com nove motores originais Merlin. Assim nasceu o Falcon 9, um
foguete que se tornaria o cavalo de tração da SpaceX por mais de uma
década. Com 48 metros, era quase duas vezes mais alto que o Falcon 1,
dez vezes mais potente e doze vezes mais pesado.
Além do novo foguete, eles precisavam de uma cápsula espacial, o
módulo que é lançado no topo do foguete e que leva a carga (ou os
astronautas) até a órbita e pode se conectar à estação espacial e voltar à
Terra. Musk trabalhou com seus engenheiros em uma série de reuniões
nas manhãs de sábado para desenhar uma cápsula do zero, que ele
chamou de Dragon, em homenagem à música “Puff, the Magic
Dragon”.
E, por fim, eles precisavam de um lugar (Kwaj não!) de onde
poderiam lançar com regularidade o novo foguete. Seria difícil atravessar
metade do mundo para levar o grande Falcon 9 até o Pacífico. Em vez
disso, a SpaceX fechou um acordo para usar parte do Kennedy Space
Center, em Cabo Canaveral, que tem quase setecentos prédios,
plataformas e complexos de lançamento espalhados por 580 quilômetros
quadrados na costa do Atlântico, na Flórida. A SpaceX alugou a
plataforma de lançamento 40, que desde os anos 1960 era usada para o
lançamento dos foguetes Titan, da Força Aérea.
Para reconstruir o complexo, Musk contratou um engenheiro
chamado Brian Mosdell, que trabalhava para uma joint-venture da
Lockheed-Boeing, a United Launch Alliance. As entrevistas de
emprego de Musk podem ser desconcertantes, porque ele faz várias
coisas ao mesmo tempo, encara a pessoa fixamente e às vezes fica em
silêncio por um minuto ou mais. (Candidatos são avisados com
antecedência para apenas ficarem quietos, sentados, e não tentar quebrar
o silêncio.) Entretanto, quando está envolvido e realmente quer extrair
alguma informação do candidato, Musk mergulha em discussões
técnicas detalhadas. Quais eram as razões científicas para usar hélio em
vez de nitrogênio? Quais os melhores métodos para vedar o eixo da
bomba e o labirinto? “Eu tenho uma boa rede neural para avaliar a
capacidade de trabalho de alguém a partir de poucas perguntas”, diz
Musk. Mosdell conseguiu o emprego.
Provocado por Musk com frequência, Mosdell reconstruiu a área no
típico modo desconexo da SpaceX, literalmente. Ele e o chefe, Tim
Buzza, procuraram componentes que pudessem ser reaproveitados de
maneira barata. Buzza estava dirigindo por uma estrada em Cabo
Canaveral e viu um velho tanque de oxigênio líquido. “Perguntei ao
general se podíamos comprá-lo”, lembra-se ele, “e conseguimos um vaso
de pressão de 1,5 milhão de dólares por quase nada. Ele ainda está no
Pad 40”.
Musk também economizou dinheiro ao questionar exigências.
Quando perguntou à equipe por que custaria 2 milhões de dólares para
construir guindastes que levantassem o Falcon 9, mostraram a ele todas
as normas de segurança impostas pela Força Aérea. A maioria era
obsoleta, e Mosdell conseguiu convencer os militares a revisá-las. Os
guindastes acabaram custando 300 mil dólares.
Décadas de contratos com compensação haviam tornado a indústria
aeroespacial frouxa. Uma válvula em um foguete custava mais de trinta
vezes o preço de uma válvula parecida em um carro, por isso Musk
pressionava de maneira constante a equipe para procurar componentes
em empresas que não faziam parte do setor aeroespacial. As travas
usadas pela NASA na estação espacial custavam 1.500 dólares cada uma,
por exemplo. Um engenheiro da SpaceX conseguiu modificar uma trava
usada em uma porta de banheiro e criar um mecanismo de trava que
custava 30 dólares. Quando um engenheiro foi à baia de Musk e disse a
ele que o sistema de resfriamento de ar para o compartimento de carga
útil da Falcon 9 ia custar mais de 3 milhões de dólares, ele gritou o
nome de Gwynne Shotwell na baia adjacente para que perguntasse
quanto custava um sistema de ar condicionado para uma casa. Cerca de
6 mil dólares, disse ela. A equipe da SpaceX comprou algumas unidades
de ar-condicionado comercial e modificou as bombas para que pudessem
funcionar no topo do foguete.
Quando trabalhou para a Lockheed e a Boeing, Mosdell reconstruiu
um complexo de lançamento em Cabo Canaveral para o foguete Delta
IV. O complexo parecido que ele construiu para o Falcon 9 custou um
décimo do preço. A SpaceX não estava só privatizando o espaço; estava
virando de cabeça para baixo sua estrutura de custo.

Obama na SpaceX
“Me disseram que devemos estender o programa do ônibus espacial. É
isso mesmo?”, perguntou Barack Obama para sua conselheira sobre
questões do espaço, Lori Garver, no início de setembro de 2008.
“Não”, respondeu ela. “O setor privado deve fazer isso.” Era um
conselho arriscado. A SpaceX havia fracassado três vezes na tentativa de
colocar um satélite em órbita, e estava prestes a fazer aquela que poderia
ser sua última tentativa.
Garver, uma veterana da NASA, tentava convencer o candidato do
Partido Democrata à presidência de que a abordagem dos Estados
Unidos para a construção de foguetes precisava mudar. A NASA
planejava acabar com o ônibus espacial, e esperava substituí-lo por um
novo programa de foguetes chamado Constellation. O novo programa
seria realizado da maneira tradicional: a NASA fechara contratos com
compensação com a United Launch Alliance, da Lockheed-Boeing,
para construir a maioria dos componentes. Entretanto, o custo projetado
do programa mais do que dobrou, e ele não estava nem perto de ser
concluído. Garver recomendou que Obama o deixasse de lado e, em vez
disso, permitisse que empresas privadas como a SpaceX desenvolvessem
foguetes que poderiam levar astronautas ao espaço.
Eis por que ela, assim como Musk, tinha muito em jogo na quarta
tentativa de lançamento do Falcon 1 em Kwaj, em setembro. Quando
deu certo, Garver recebeu ligações de parabéns dos principais
funcionários de Obama que a indicou para o cargo de vice-
administradora da NASA.
Infelizmente para Garver, Obama escolheu como chefe dela Charlie
Bolden, um ex-piloto dos fuzileiros navais e astronauta da NASA, que
não compartilhava o entusiasmo dela em se associar ao setor privado.
“Eu não era um ideólogo como muitos à minha volta, que achavam que
bastava pegar o orçamento da NASA, pegar tudo que estivesse
destinado para voo espacial humano, e dar para Elon Musk e a SpaceX”,
diz Bolden.
Garver também teve que brigar com os congressistas que tinham
fábricas da Boeing em seus estados e que, apesar de serem republicanos,
se opunham à ideia de empreendedores privados assumirem aquilo que
eles achavam que deveria ser feito pela burocracia governamental. “As
principais autoridades da indústria e do governo tinham prazer em
ridicularizar a SpaceX e Elon”, lembra Garver. “Não ajudava o fato de
Elon ser mais jovem e rico do que eles, com uma mentalidade disruptiva
do Vale do Silício e sem demonstrar qualquer deferência à indústria
tradicional.”
Garver venceu a discussão no fim de 2009. Obama cancelou o
programa Constellation, da NASA, depois que o conselheiro de ciência
e diretor de orçamento da Casa Branca disse que ele estava “estourando
o orçamento, atrasado, fora de curso e era inexecutável”. Os
tradicionalistas, entre eles o reverenciado astronauta Neil Armstrong,
contestaram a decisão. “O orçamento proposto pelo presidente para a
NASA é o início da marcha de morte dos voos espaciais humanos nos
Estados Unidos”, disse o senador Richard Shelby, do Alabama. Ex-
administrador da NASA, Michael Griffin, que havia viajado com Musk
para a Rússia sete anos antes, acusou: “Em suma, os Estados Unidos
decidiram que não vão ser participantes significativos nos voos espaciais
humanos.” Eles estavam errados. Durante a década seguinte, graças
principalmente à SpaceX, os Estados Unidos mandaram mais
astronautas, satélites e cargas para o espaço do que qualquer outro país.

***
Obama decidiu viajar a Cabo Canaveral em abril de 2010 para afirmar
que depender de empresas privadas como a SpaceX não significava que
os Estados Unidos estavam abandonando a exploração espacial. “Alguns
disseram que era inviável ou imprudente trabalhar com o setor privado
dessa forma”, disse em um discurso. “Eu discordo. Ao comprar os
serviços de transporte espacial — em vez dos próprios veículos —,
podemos continuar a garantir padrões rigorosos de segurança. Mas
também vamos acelerar o ritmo de inovação enquanto as empresas — de
jovens startups a líderes estabelecidas — competem para projetar,
construir e lançar novas maneiras de transportar pessoas e materiais para
fora de nossa atmosfera.”
A equipe do presidente havia decidido que ele iria a uma das
plataformas de lançamento depois do discurso e faria uma sessão de
fotos na frente de um foguete. Segundo as reportagens, o presidente
queria ir a uma plataforma usada pela United Launch Alliance, mas eles
estavam se preparando para lançar um satélite de inteligência secreto,
então a ideia foi descartada. Lori Garver diz que a verdade era outra.
“Todos nós na Casa Branca concordamos que queríamos ir à plataforma
da SpaceX.”
A imagem televisionada foi inestimável tanto para Obama quanto
para Musk: o jovem presidente, nascido no ano em que John Kennedy
prometeu mandar um norte-americano à Lua, caminhando ao lado do
empreendedor que aceita riscos, conversando casualmente enquanto
andavam em volta do brilhante Falcon 9. Musk gostou de Obama.
“Achei ele moderado, mas também disposto a forçar mudanças”, diz
Musk. “Acho que ele queria entender se eu era confiável ou meio doido.”
capítulo 34
O lançamento do Falcon 9
Cabo Canaveral, 2010

Mark Juncosa, ao centro, fazendo um brinde ao lançamento do Falcon 9


Em órbita...
A chance de Musk provar que não era “meio doido”, ou pelo menos que
era confiável, surgiu dois meses depois, em junho de 2010, quando o
Falcon 9 fez o primeiro teste de viagem até a órbita. O Falcon 1 havia
fracassado três vezes antes de ser bem-sucedido, e esse foguete era muito
maior e mais complexo. Musk achava improvável que desse certo na
primeira tentativa, mas havia muita pressão agora que o presidente
anunciara que a política dos Estados Unidos dependeria de lançamentos
comerciais. Como escreveu o The Wall Street Journal: “Uma falha
dramática de lançamento poderia minar uma campanha já hesitante da
Casa Branca de convencer o Congresso a gastar bilhões para ajudar a
SpaceX e talvez outros dois rivais a desenvolver substitutos comerciais
para a frota aposentada de ônibus espaciais da NASA.”
A probabilidade de sucesso diminuiu quando uma tempestade
molhou o foguete. “Nossa antena molhou”, lembra Buzza, “e não
estávamos conseguindo um bom sinal de telemetria”. Eles baixaram o
foguete da plataforma de lançamento e Musk saiu com Buzza para
inspecionar a avaria. Blent Altan, o herói do goulash de Kwaj, subiu a
escada, olhou para as antenas e confirmou que estavam molhadas demais
para funcionar. Um conserto típico da SpaceX foi improvisado: eles
pegaram um secador de cabelo e Altan o passou sobre as antenas até que
a umidade secasse. “Você acha que está bom o suficiente para voar
amanhã?”, perguntou Musk a ele. Altan respondeu: “Deve funcionar.”
Musk o encarou em silêncio por um tempo, avaliando o interlocutor e a
resposta, e depois disse: “Ok, vamos nessa.”
Na manhã seguinte, a checagem de frequência de rádio ainda não
estava perfeita. “Não era o tipo certo de padrão”, diz Buzza. Então, ele
avisou a Musk que poderia haver outro atraso. Musk checou os dados.
Como sempre, ele estava disposto a tolerar mais riscos do que outras
pessoas. “Está bom o suficiente. Vamos lançar.” Buzza concordou. “O
importante com o Elon”, diz ele, “é você lhe dizer quais são os riscos e
mostrar os dados de engenharia, que então ele faz uma avaliação rápida
e assume a responsabilidade”.
O lançamento foi perfeito. Musk, que se juntou à sua equipe jubilosa
em uma festa que durou a noite toda no píer de Cocoa Beach, disse que
foi “um aval para o que o presidente havia proposto”. Era também um
aval para a SpaceX. Menos de oito anos depois da fundação e dois anos
depois de quase falir, a SpaceX era a empresa privada de foguetes mais
bem-sucedida do mundo.

... E a volta
O próximo grande teste, programado para o fim de 2010, era mostrar
que a SpaceX não só era capaz de lançar uma cápsula não tripulada em
órbita, como também podia fazê-la voltar à Terra em segurança.
Nenhuma empresa privada havia conseguido isso. Na realidade, apenas
três países conseguiram: Estados Unidos, Rússia e China.
Mais uma vez, Musk mostrou uma disposição em assumir riscos que
beirava a negligência, o que distinguia os programas dele dos que eram
comandados pela NASA. No dia anterior ao lançamento de dezembro,
uma inspeção final da plataforma revelou duas pequenas fissuras na saia
do motor do segundo estágio do foguete. “Todo mundo na NASA
presumiu que iríamos adiar o lançamento por algumas semanas”, diz
Garver. “O plano tradicional seria substituir o motor inteiro.”
“E se a gente cortar a saia?”, perguntou Musk à equipe. “Tipo,
literalmente cortar em volta dela?” Em outras palavras, por que não
retirar um pequeno pedaço do fundo que tinha as duas fissuras? A saia
mais curta significaria que o motor teria um pouco menos de impulso,
alertou um engenheiro, mas Musk calculou que ainda seria o suficiente
para cumprir a missão. Levou menos de uma hora para tomar a decisão.
Usando um par grande de tesouras, a saia foi encurtada e o foguete,
lançado para a missão crítica no dia seguinte, conforme planejado. “Os
caras da NASA não podiam fazer nada a não ser aceitar as decisões da
SpaceX e assistir, incrédulos”, lembra Garver.
O foguete foi capaz, como previu Musk, de levar a cápsula Dragon
até a órbita. Em seguida, fez as manobras designadas e ativou os
foguetes de propulsão para que pudesse retornar à Terra, descendo de
paraquedas suavemente até o mar na costa da Califórnia.
Por mais incrível que fosse tudo isso, Musk chegou a uma conclusão
sensata. O programa Mercury havia conseguido realizar ações
semelhantes cinquenta anos antes, antes de ele e Obama nascerem. Os
Estados Unidos estavam apenas retomando o caminho já percorrido.

***

A SpaceX repetidamente provou que podia ser mais ágil do que a


NASA. Um exemplo aconteceu durante uma missão até a estação
espacial em março de 2013, quando uma das válvulas do motor da
cápsula Dragon emperrou e não abria. A equipe da SpaceX começou a
correr para tentar descobrir como abortar a missão e trazer a cápsula de
volta antes que ela caísse. Então, eles bolaram um plano arriscado.
Talvez pudessem aumentar a pressão na frente da válvula para fazê-la
abrir. “Era uma espécie de versão espacial da manobra de Heimlich”,
declarou Musk posteriormente a Christian Davenport, do The
Washington Post.
As duas principais autoridades da NASA na sala de controle ficaram
apenas observando enquanto os jovens engenheiros da SpaceX
elaboravam um plano. Um dos engenheiros de software da SpaceX
escreveu o código que iria instruir a cápsula a aumentar a pressão, e eles
o transmitiram como se fosse uma atualização de software em um carro
Tesla.
A válvula se abriu. A Dragon se conectou à estação espacial e voltou
para casa em segurança.
Isso acabou pavimentando o caminho para o próximo grande desafio
da SpaceX, maior e mais arriscado. Provocado por Garver, o governo
Obama decidiu que, quando o ônibus espacial fosse aposentado, os
Estados Unidos iriam depender só de empresas privadas, mais
notavelmente da SpaceX, para levar não apenas cargas, como também
humanos, até a órbita. Musk estava preparado para isso. Ele já havia
dito aos engenheiros da SpaceX que construíssem na cápsula Dragon
um elemento que não era necessário para o transporte de cargas: uma
janela.
capítulo 35
Casando-se com Talulah
Setembro de 2010

Com Talulah na Kentucky Derby


“Posso seguir por um caminho difícil”
Musk havia pedido Talulah Riley em casamento semanas depois de eles
se conhecerem, no verão de 2008, mas ambos concordaram que
deveriam esperar dois anos antes de realmente se casarem.
A amplitude emocional de Musk ia de insensível a carente até
exuberante, sendo este último modo mais perceptível quando ele estava
apaixonado. Riley voltou para a Inglaterra em julho de 2009 para estrelar
Escola para garotas bonitas e piradas 2, uma sequência da comédia sobre
garotas num internato que havia feito dois anos antes, e, no primeiro dia
de filmagem, em uma mansão perto da casa de infância dela no norte de
Londres, recebeu quinhentas rosas de Musk. “Quando ele está nervoso,
está nervoso, e quando está feliz, está feliz, e é quase uma criança em seu
entusiasmo”, diz. “Ele pode ser muito frio, mas sente as coisas de uma
maneira muito pura, com uma profundidade que a maioria das pessoas
não entende.”
O que mais marcou Riley era o que ela chamava de “a criança dentro
do homem”. Quando Musk está feliz, o eu interior infantil pode se
manifestar de forma maníaca. “Nas vezes que íamos ao cinema, ele
ficava tão envolvido em um filme bobo que encarava em êxtase a tela
com a boca meio aberta rindo; depois, chegava a rolar no chão,
apertando a barriga.”
No entanto, ela também notou que a criança dentro do homem podia
se expressar de maneiras mais sombrias. No início do relacionamento,
Musk ficava acordado até tarde e contava sobre o pai. “Eu me lembro de
uma dessas noites: Elon começou a chorar, e era realmente horrível para
ele”, diz.
Durante essas conversas, Musk às vezes entrava num estado de transe
e contava as coisas que o pai costumava dizer. “Ele parecia quase
inconsciente, como se não estivesse no quarto comigo, quando me
contava essas coisas”, lembra-se ela. Ouvir as frases que Errol usava ao
implicar com Elon era chocante, não só porque eram coisas brutais, mas
também porque ela já tinha ouvido Elon usar algumas das mesmas
frases quando estava irritado.
Sendo uma garota educada e calma do interior da Inglaterra, Riley
sabia que um casamento com Musk seria desafiador. Ele era
emocionante e fascinante, mas também chocante e muito complexo.
“Estar comigo pode ser difícil”, lhe disse ele. “É um caminho difícil.”
Riley decidiu seguir em frente. “Ok”, respondeu ela a Musk. “Posso
seguir por um caminho difícil.”
Eles se casaram em setembro de 2010 na Dornoch Cathedral, uma
igreja do século XIII nas Terras Altas da Escócia. “Sou cristã e Elon não
é, mas muito generosamente ele concordou em se casar numa catedral”,
conta Riley. Ela usou um “vestido de princesa da Vera Wang”, e deu a
Musk uma cartola e uma bengala para que ele pudesse dançar como
Fred Astaire, de cujos filmes ele aprendeu com ela a gostar. Os cinco
filhos dele, vestidos com smokings feitos sob medida, deveriam
compartilhar as funções de pajem e padrinhos, mas Saxon, filho de
Musk que tem autismo, desistiu e os outros começaram a brigar — por
fim —, somente Griffin chegou ao altar. Mas o drama aumentou a
diversão, lembra-se Riley.
A festa foi no Castelo Skibo, perto da catedral, também construído
no século XIII. Quando Riley perguntou a Musk o que ele queria, ele
respondeu: “Haverá aerodeslizadores e enguias.” Era uma referência a
um esquete de Monty Python no qual John Cleese representa um
húngaro que tenta falar inglês usando um livro de frases muito ruim e
diz a um lojista, “meu aerodeslizador está cheio de enguias”. (Na
verdade, é mais engraçado do que fiz parecer.) “Isso era bastante difícil”,
diz Riley, “porque você precisava de autorização para transportar enguias
entre a Inglaterra e a Escócia, mas no fim tínhamos de fato uma
embarcação anfíbia e enguias”. Também havia um veículo militar de
transporte de tropas que Musk e seus amigos usaram para amassar três
carros velhos. “Todos pudemos ser crianças novamente”, lembra Navaid
Farooq.

O Expresso do Oriente
Riley gostava de dar festas criativas, e Musk, apesar de meio desajeitado
no trato social (ou talvez por causa disso), sentia um estranho
entusiasmo por elas. Esse tipo de evento permitia que ele se soltasse,
especialmente durante momentos de tensão, o que no caso dele era
quase o tempo todo. “Eu dava festas superteatrais só para mantê-lo
entretido”, diz ela.
A mais luxuosa foi para comemorar o aniversário de 40 anos de
Musk, em junho de 2011, menos de um ano depois do casamento deles.
Junto com três dezenas de amigos, ele e Talulah alugaram vagões no
Expresso do Oriente de Paris até Veneza.
Eles se encontraram no hotel Costes, um lugar opulento próximo à
Place Vendôme. Alguns deles, liderados por Elon e Kimbal, foram a um
restaurante chique, e enquanto estavam voltando para o hotel decidiram
alugar bicicletas e passear pela cidade. Eles andaram de bicicleta até as
duas da manhã e depois subornaram o hotel para que o bar ficasse aberto
e os recebesse. Após uma hora bebendo, voltaram para as bicicletas e
acabaram em um salão subterrâneo chamado Le Magnifique, onde
ficaram até as cinco horas.
Eles acordaram às três da tarde no dia seguinte, bem no momento de
pegar o trem. Vestidos com smokings, tiveram um jantar formal no
Expresso do Oriente, com caviar e champanhe, seguido de uma
apresentação particular do Lucent Dossier Experience, uma trupe de
performance steampunk que misturava música de vanguarda, artes aéreas e
fogo, mais ou menos como o Cirque du Soleil, só que mais erótico. “As
pessoas estavam penduradas no teto”, diz Kimbal, “o que era uma cena
bizarra no tradicional Expresso do Oriente”. Riley às vezes cantava para
Elon em particular uma música chamada “My Name Is Tallulah”, do
filme Bugsy. Ele disse que tinha apenas um desejo de aniversário: o de
que ela se apresentasse para todos na festa. “Eu não sei cantar, então foi
traumático para mim, mas fiz por ele”, diz Riley.
Musk não teve muitos relacionamentos sólidos, nem teve muitos
períodos estáveis e tranquilos na vida. E essas duas coisas estavam
relacionadas, sem dúvida. Entre os poucos relacionamentos desse tipo
está o que ele teve com Riley, e os anos que passou com ela — desde
quando os dois se conheceram, em 2008, até o divórcio, em 2016 —
acabaram sendo o maior período de relativa estabilidade na vida dele. Se
Musk gostasse de estabilidade mais do que de tempestade e drama, ela
seria perfeita para ele.
capítulo 36
Produção
Tesla, 2010-2013

Com Griffin, Talulah e Jenna, celebrando o sino de abertura da NASDAQ em


junho de 2010; com Marques Brownlee na fábrica da Tesla de Fremont
Fremont
Com a teologia da globalização nos anos 1980, CEOs de empresas
norte-americanas focados em redução de custos e seus investidores
ativistas começaram a promover incessantemente a ideia de fechar
indústrias domésticas e passar a produzir no exterior. A tendência
acelerou no início dos anos 2000, quando a Tesla estava dando os
primeiros passos. Entre 2000 e 2010, os Estados Unidos perderam um
terço dos empregos industriais. Ao enviar as fábricas para fora, as
empresas norte-americanas economizaram em custos de produção, mas
perderam a percepção diária de como melhorar seus produtos.
Musk não seguiu a tendência, principalmente porque queria ter um
rígido controle do processo de fabricação. Ele acreditava que projetar
uma fábrica para construir um carro — “a máquina que produz a
máquina” — era tão importante quanto o próprio carro. O loop de
feedback de design para manufatura da Tesla é uma vantagem
competitiva, que permite a inovação diária.
O fundador da Oracle, Larry Ellison, entrou para apenas dois
conselhos corporativos, da Apple e da Tesla, e se tornou amigo próximo
de Jobs e Musk. Ele disse que ambos sofriam de transtorno obsessivo-
compulsivo, mas que se beneficiavam disso. “O TOC é uma das razões
do sucesso deles, porque ficam obcecados em resolver um problema até
conseguir”, diz Ellison. O que os distingue é que Musk, diferentemente
de Jobs, aplica essa obsessão não só ao design de um produto, mas
também à ciência, à engenharia e à produção subjacentes. “Steve só
tinha que acertar a concepção e o software, mas a produção era
terceirizada”, diz Ellison. “Elon assumia a produção, os materiais, as
grandes fábricas.” Jobs amava andar pelo estúdio de design diariamente,
mas nunca visitava suas fábricas na China. Musk, ao contrário, passa
mais tempo caminhando pelas linhas de produção do que pelo estúdio
de design. “O esforço mental para projetar um carro é ínfimo comparado
com o esforço mental necessário para projetar uma fábrica”, afirma ele.
A abordagem de Musk se deu em maio de 2010, quando a Toyota
estava querendo vender uma fábrica que havia compartilhado com a
GM em Fremont, na Califórnia, nos limites do Vale do Silício, a meia
hora de carro da sede da Tesla, em Palo Alto. Musk convidou o
presidente da Toyota, Akio Toyoda, para uma visita à casa dele em Los
Angeles e o levou para passear num Roadster. Ele conseguiu adquirir a
fábrica desativada, que já havia chegado a valer 1 bilhão de dólares, por
42 milhões de dólares. Além disso, a Toyota concordou em investir 50
milhões de dólares na Tesla.
Quando redesenhou a fábrica, Musk colocou as baias dos engenheiros
bem na ponta das linhas de montagem, para que eles pudessem ver as
luzes piscando e ouvir as reclamações sempre que um dos elementos de
design que tivessem projetado causasse atraso no ritmo de trabalho.
Musk frequentemente fazia os engenheiros andarem pelas linhas de
produção com ele. A mesa dele ficava bem no centro de tudo, sem
paredes, e havia um travesseiro guardado ali para que pudesse passar a
noite lá quando quisesse.
No mês que se seguiu à compra da unidade pela Tesla, Musk
conseguiu abrir o capital da empresa, o primeiro IPO de um fabricante
de carros desde a Ford, em 1956. Ele viajou com Talulah e dois dos
filhos dele para tocar o sino de abertura da NASDAQ, a bolsa de valores
na Times Square. No fim do dia, o mercado de ações havia caído, mas as
ações da Tesla subiram mais de 40%, fornecendo 266 milhões de dólares
em financiamento para a empresa. Naquela noite, Musk voou até o
Oeste, para a fábrica em Fremont, onde fez um brinde enérgico. “O
petróleo que se foda”, disse ele. A Tesla estava quase morta no fim de
2008. Mas então, apenas dezoito meses depois, havia se tornado a
empresa mais atraente dos Estados Unidos.

Qualidade de produção
Quando os primeiros carros Model S saíram da linha de montagem de
Fremont, em junho de 2012, centenas de pessoas, entre elas o
governador da Califórnia, Jerry Brown, apareceram para a celebração.
Muitos dos trabalhadores agitavam bandeiras dos Estados Unidos.
Alguns choravam. O que um dia fora uma fábrica falida que demitira
todos os funcionários agora empregava 2 mil pessoas e liderava o
caminho para o carro elétrico do futuro.
No entanto, alguns dias depois, quando Musk recebeu seu próprio
Model S direto da linha de montagem, não ficou feliz. Mais
precisamente, ele disse que o carro era uma merda. Pediu que Von
Holzhausen fosse à casa dele, e os dois passaram duas horas analisando o
veículo. “Meu Deus, isso é o melhor que podemos fazer?”, perguntou
Musk. “O acabamento do painel é uma porcaria. A qualidade da pintura
é horrível. Por que não temos a mesma qualidade de produção que a
Mercedes e a BMW?”
Quando fica irritado, Musk toma atitudes drásticas. Ele rapidamente
demitiu três chefes de qualidade de produção. Um dia naquele mês de
agosto, Von Holzhausen estava com Musk no avião dele e perguntou
como podia ajudar. Ele deveria ter sido cuidadoso em fazer tal oferta.
Musk pediu que Von Holzhausen se mudasse para Fremont, por um
ano, e passasse a ser o novo chefe de qualidade de produção.
Von Holzhausen e seu vice, Dave Morris, que o acompanhou a
Fremont, às vezes andavam pelas linhas de produção até as duas da
madrugada. Era uma experiência interessante para um designer. “Isso
me ensinou como tudo que você cria na prancheta tem um efeito na
outra ponta, na linha de produção”, diz Von Holzhausen. Musk se
juntava a eles duas ou três noites por semana. O foco dele era na raiz do
problema. Qual parte do design fora responsável pelo problema na linha
de produção?
Uma das palavras — e dos conceitos — preferidas de Musk era
“hardcore”. Ele a usava para descrever a cultura do local de trabalho que
queria quando fundou a Zip2 e a usaria quase trinta anos depois,
quando colocou de cabeça para baixo a cultura estimulante do Twitter. À
medida que a produção do Model S era incrementada, Musk explicou
detalhadamente qual era a convicção que o guiava em um e-mail para os
funcionários cujo título era “Ultra-hardcore”, a essência do que ele
pensava. A mensagem dizia: “Por favor, prepare-se para um nível de
intensidade que você nunca experimentou. Revolucionar indústrias não
é para os fracos de coração.”
A validação veio no fim de 2012, quando a Motor Trend Magazine
escolheu o Model S como carro do ano. A manchete dizia: “Tesla
Model S, vencedor chocante: prova positiva de que os Estados Unidos
ainda são capazes de fazer coisas (ótimas).” A resenha era de tirar o
fôlego, a ponto de surpreender até Musk. “Dá para dirigi-lo como um
carro esportivo, ávido e ágil, de resposta rápida. Mas também é fácil e
suave de dirigir como um Rolls-Royce, pode carregar quase tanta coisa
quanto um Chevy Equinox e é mais eficiente que um Toyota Prius. Ah,
sem falar que vê-lo desfilar no valet de um hotel de luxo é como ver uma
supermodelo em uma passarela de Paris.” O texto terminava
mencionando “o impressionante ponto de inflexão que o Model S
representa”: era a primeira vez que se concedia o prêmio a um carro
elétrico.

A gigafábrica de baterias em Nevada


A ideia que Musk propôs em 2013 era audaciosa: construir uma fábrica
de baterias gigantesca nos Estados Unidos, com uma produção maior
que a de todas as outras fábricas de baterias no mundo somadas. “Era
uma ideia completamente doida”, diz JB Straubel, o mago das baterias e
um dos cofundadores da Tesla. “Parecia ficção científica maluca.”
Para Musk, era uma questão de princípio. O Model S estava usando
cerca de 10% das baterias do mundo. Os novos modelos que a Tesla
estava desenhando — um SUV chamado Model X e um sedã popular
que se tornaria o Model 3 — iriam exigir uma quantidade de baterias
dez vezes maior. “O que começou como um problema de parar o
trânsito”, diz Straubel, “tornou-se uma oportunidade inovadora de
brainstorming realmente divertida e maluca de dizer ‘Uau, essa é de fato
uma chance de fazer algo único’”.
“Mas havia um problema”, lembra-se Straubel. “Não tínhamos a
menor ideia de como construir uma fábrica de baterias.”
Então Musk e Straubel decidiram ir atrás de uma parceria com o
fornecedor de baterias deles, a Panasonic. Juntos eles iriam construir
uma fábrica em que a Panasonic faria células de bateria e, depois, a Tesla
as transformaria em conjuntos de baterias para carros. A fábrica, de 1
milhão de metros quadrados, custaria 5 bilhões de dólares, dos quais a
Panasonic financiaria 2 bilhões. No entanto, os principais executivos da
Panasonic estavam hesitantes. Eles nunca haviam feito esse tipo de
parceria, e Musk (compreensivelmente) não parecia um cara fácil de
lidar.
Para incitar a Panasonic, Musk e Straubel bolaram uma encenação.
Em um lugar perto de Reno, Nevada, eles instalaram luzes e enviaram
escavadeiras para começar a preparação para a construção. Então
Straubel convidou seu equivalente da Panasonic para se juntar a ele em
uma plataforma de observação com a finalidade de ver o trabalho. A
mensagem era clara: a Tesla estava seguindo em frente com a fábrica. A
Panasonic queria ficar para trás?
Funcionou. Musk e Straubel foram convidados para viajar até o Japão
pelo novo e jovem presidente da Panasonic, Kazuhiro Tsuga. “Era uma
reunião definitiva na qual tínhamos que fazer com que ele realmente se
comprometesse em construir uma gigafábrica com a gente”, diz
Straubel.
O jantar foi formal, com diversos pratos, em um tradicional
restaurante japonês de mesa baixa. Straubel estava temeroso com o
comportamento de Musk. “Elon sabe ser infernal e muito difícil em
reuniões, simplesmente imprevisível”, diz. “Mas também o vi virar a
chave quando precisa e de repente se mostrar um homem de negócios
inacreditavelmente efetivo, carismático, de grande inteligência
emocional.” No jantar da Panasonic, o Musk charmoso apareceu. Ele
descreveu sua visão de levar o mundo na direção de veículos elétricos e
disse por que as duas empresas deveriam fazer isso juntas. “Fiquei meio
chocado e impressionado, porque, puxa, não era assim que Elon agia
normalmente”, diz Straubel. “Ele é uma pessoa muito diversificada e
você nunca sabe o que vai dizer ou fazer. E então, de repente, ele reúne
tudo.”
No jantar, Tsuga concordou em ser sócio em 40% da gigafábrica.
Quando perguntaram por que a Panasonic decidiu aceitar o acordo, ele
respondeu: “Somos muito conservadores. Somos uma empresa de 95
anos. Temos que mudar. Temos que adotar um pouco do pensamento de
Elon.”
capítulo 37
Musk e Bezos
SpaceX, 2013-2014

Em um jantar em 2004
Jeff Bezos
Jeff Bezos, o superacelerado bilionário da Amazon, dono de uma risada
escandalosa e de um entusiasmo pueril, persegue suas paixões com um
talento para ser, ao mesmo tempo, exuberante e metódico. Como Musk,
ele era viciado em ficção científica na infância, lendo todas as obras de
Isaac Asimov e Robert Heinlein da biblioteca pública local.
Quando tinha 5 anos, em julho de 1969, assistiu pela televisão à
cobertura da missão da Apollo 11, que culminou com Neil Armstrong
andando na Lua. Esse foi um “momento seminal” para ele, de acordo
com Bezos. Tempos depois, ele financiaria uma série de missões que
recuperaram do oceano Atlântico um motor da Apollo 11, o qual
instalou em um nicho na sala de estar de sua casa em Washington, D.C.
A empolgação com o espaço transformou Bezos num daqueles
fanáticos por Star Trek que conhecem todos os episódios. Como orador
da turma do ensino médio, o discurso dele foi sobre como colonizar
planetas, construir hotéis no espaço e salvar a Terra ao encontrar outros
lugares para fábricas. “Espaço, a fronteira final, encontrem-me lá!”,
concluiu ele.
Em 2000, depois de tornar a Amazon a empresa de vendas on-line
dominante no mundo, Bezos silenciosamente lançou uma empresa
chamada Blue Origin, nome inspirado no planeta azul-claro onde os
humanos surgiram. Como Musk, ele se concentrou em construir
foguetes reutilizáveis. “Em que aspectos a situação no ano 2000 é
diferente da situação nos anos 1960?”, pergunta Bezos. “A diferença está
nos sensores eletrônicos, nas câmeras, nos softwares. Ser capaz de
pousar verticalmente é o tipo de problema que pode ser enfrentado pelas
tecnologias que não existiam em 1960.”
Tal qual Musk, ele embarcou em empreendimentos espaciais mais
como um missionário do que como um mercenário. Há maneiras mais
fáceis de ganhar dinheiro. A civilização humana, Bezos acreditava, logo
acabará com os recursos de nosso pequeno planeta. Isso nos levará a uma
escolha: aceitar parar de crescer ou se expandir para lugares além da
Terra. “Não acho a estática compatível com a liberdade”, diz. “Podemos
resolver esse problema, e há uma solução: nos mudar para o sistema
solar.”
Os dois se conheceram em 2004, quando Bezos aceitou o convite de
Musk para fazer um passeio na SpaceX. Em seguida, Bezos ficou
surpreso ao receber um e-mail seco de Musk, que expressava irritação
por Bezos não ter retribuído o convite para que Musk conhecesse a
fábrica da Blue Origin em Seattle, o que ele prontamente fez, então.
Musk foi de avião com Justine, visitou a Blue Origin, depois eles
jantaram com Bezos e a esposa, MacKenzie. Musk estava cheio de
conselhos, expressados com a intensidade usual. Avisou a Bezos que ele
estava indo pelo caminho errado: “Cara, nós tentamos isso e acabou
sendo muito idiota, então me escute, não faça a mesma bobagem que
fizemos.” Bezos se lembra de pensar que Musk era um pouco confiante
demais, dado que ainda não tinha lançado com sucesso um foguete. No
ano seguinte, Musk pediu a Bezos que a Amazon fizesse uma avaliação
do novo livro de Justine, um thriller de horror urbano sobre seres metade
demônio, metade humano. Bezos explicou que não dizia para a Amazon
quais livros avaliar, mas falou que iria pessoalmente publicar uma
avaliação de cliente. Musk enviou uma resposta áspera, mas mesmo
assim Bezos publicou uma elogiosa resenha pessoal.

Pad 39 A
No início de 2011, a SpaceX ganhou uma série de contratos da NASA
para desenvolver foguetes que poderiam levar humanos até a Estação
Espacial Internacional, uma tarefa crucial desde a aposentadoria do
ônibus espacial. Para cumprir essa missão, ela precisava aumentar as
instalações no Pad 40, em Cabo Canaveral, e Musk decidiu alugar as
instalações mais históricas do lugar, o Pad 39 A.
O Pad 39 A havia sido palco central da Era Espacial Norte-
Americana, gravado na memória de toda uma geração que viu pela
televisão e prendeu a respiração quando a contagem regressiva começou:
“Dez, nove, oito...” A missão de Neil Armstrong na Lua a que Bezos
assistiu quando criança fora lançada do Pad 39, em 1969, assim como a
última missão tripulada para a Lua, em 1972. E também a primeira
missão do ônibus espacial, em 1981, e a última, em 2011.
Em 2013, porém, com o programa do ônibus espacial encerrado e
meio século de aspirações espaciais norte-americanas tendo terminado
com estrondos e choramingos, o Pad 39 estava enferrujando e ervas
daninhas cresciam no fosso de chamas. A NASA ansiava por alugá-lo.
O cliente óbvio era Musk, cujos foguetes Falcon 9 já haviam sido
lançados em missões de carga do Pad 40, que ficava próximo e Obama
tinha visitado. No entanto, quando a locação foi aberta para lances, Jeff
Bezos, tanto por razões sentimentais quanto práticas, decidiu competir
pelo lugar.
Quando a NASA decidiu locar o espaço para a SpaceX, Bezos entrou
com uma ação judicial. Musk ficou furioso, declarou que era ridículo que
a Blue Origin contestasse o aluguel “quando eles não conseguiram
colocar nem um palito em órbita”. Ele ridicularizou os foguetes de
Bezos, apontando que só eram capazes de chegar ao limite do espaço e
então caíam; eles não tinham o impulso necessário para romper a
gravidade da Terra e entrar em órbita. “Se eles de alguma forma
conseguirem apresentar nos próximos cinco anos um veículo nos padrões
de qualificação humana da NASA que possa se acoplar à estação
espacial, que é a finalidade do Pad 39 A, vamos acomodar com alegria as
necessidades deles”, disse Musk. “Francamente, acho mais provável
descobrir unicórnios dançando no duto de chamas.”
A batalha dos barões sci-fi havia começado. Um funcionário da
SpaceX comprou dezenas de unicórnios infláveis e os fotografou no duto
de chamas da plataforma.
Bezos acabou conseguindo alugar um complexo de lançamento
próximo de Cabo Canaveral, o Pad 36, que havia sido o local de
lançamento das missões para Marte e Vênus. A competição dos
bilionários infantis estava pronta para continuar. A transferência dessas
plataformas sagradas representava, tanto simbolicamente quanto na
prática, que a tocha da exploração espacial iniciada por John Kennedy
estava passando das mãos do governo para o setor privado — da outrora
gloriosa e hoje esclerosada NASA para um novo tipo de pioneiros com
sentido de missão.
Foguetes reutilizáveis
Tanto Musk quanto Bezos tinham uma visão sobre o que iria tornar as
viagens espaciais mais viáveis: foguetes que pudessem ser reutilizados. O
foco de Bezos era criar os sensores e o software que guiassem o foguete
para um pouso seguro na Terra. Mas isso era apenas parte do desafio. A
maior dificuldade seria colocar todos esses atributos em um foguete que
permanecesse leve o bastante e cujos motores teriam impulso suficiente
para chegar à órbita. Musk se concentrava obsessivamente nesse
problema de física. Ele gostava de meditar, meio brincando, que nós,
terráqueos, vivemos em uma simulação de videogame criada por
senhores inteligentes com senso de humor. Eles fizeram a gravidade em
Marte e na Lua fraca o suficiente para que se lançar em órbita fosse
fácil. Na Terra, porém, a gravidade parece perversamente calibrada para
tornar quase impossível chegar à órbita.
Como um alpinista organizando o conteúdo da mochila, Musk estava
obcecado em reduzir o peso de seus foguetes. Isso tinha um efeito
multiplicador: remover um pouco de peso — excluindo uma parte,
usando um material mais leve, fazendo soldas mais simples — resulta
em menos combustível necessário, o que reduz ainda mais a massa que
os motores precisam impulsionar. Quando andava pelas linhas de
produção da SpaceX, Musk parava em cada estação, observava em
silêncio e desafiava a equipe a descartar alguma parte. Quase todas as
vezes, ele, de forma maníaca, batia em uma só tecla: “Um foguete
completamente reutilizável é a diferença entre ser uma civilização de um
único planeta e ser uma de múltiplos planetas.”
Musk levou essa mensagem para o jantar anual de 2014 do centenário
Explorers Club, na cidade de Nova York, onde recebeu o President’s
Award. Ele compartilhou o palco com Bezos, que aceitou um prêmio
pelo trabalho que a equipe dele fizera quando da recuperação do motor
da espaçonave Apollo 11, comandada por Neil Armstrong. No jantar
formal, foram servidos pratos destinados a atrair os superaventureiros,
como escorpiões, morangos cobertos com larvas, pênis de boi agridoce,
martínis com olho de cabra e jacarés inteiros estavam entalhados nas
laterais da mesa.
Um vídeo mostrando os bem-sucedidos lançamentos de foguetes da
SpaceX apresentava Musk. “Vocês foram gentis em não mostrar nossos
primeiros três lançamentos”, disse ele. “Vamos ter que mostrar um vídeo
de erros de gravação em algum momento.” Então ele fez um sermão
sobre a necessidade de um foguete completamente reutilizável. “É isso
que nos permitirá estabelecer vida em Marte”, explicou. “Nosso próximo
lançamento terá pernas no foguete para pouso pela primeira vez.”
Foguetes reutilizáveis poderão, algum dia, reduzir o custo de levar uma
pessoa a Marte para 500 mil dólares. A maioria das pessoas não vai
poder viajar, admitiu, “mas suspeito que algumas pessoas nesta sala
iriam”.
Bezos aplaudiu, mas naquele momento estava preparando um ataque
inesperado. Ele e a Blue Origin haviam pedido o registro de uma
patente nos Estados Unidos intitulada “Pouso em mar de veículos
espaciais”, e poucas semanas depois do jantar a obtiveram. O registro de
dez páginas descrevia “métodos para pouso e recuperação de um foguete
auxiliar e/ou outras porções dele em uma plataforma no mar”. Musk
ficou furioso. A ideia de pousar em navios no mar “é algo que tem sido
discutido por, tipo, meio século”, disse ele. “Está em filmes de ficção;
está em inúmeras propostas; há tantos antecedentes da invenção, é uma
loucura. Então, tentar patentear algo que as pessoas têm discutido por
meio século é, obviamente, ridículo.”
No ano seguinte, depois que a SpaceX entrou com um processo,
Bezos concordou em cancelar a patente. A disputa, no entanto,
aumentou a rivalidade entre os dois empreendedores espaciais.
capítulo 38
O falcão escuta o falcoeiro
SpaceX, 2014-2015

Observando um foguete auxiliar após o pouso


Grasshopper
A busca de Musk por construir um foguete reutilizável levou ao
desenvolvimento de um protótipo experimental do Falcon 9 chamado de
Grasshopper. Ele tinha pernas para pouso, aletas de grade dirigíveis e
podia dar saltos lentos para cima e para baixo a cerca de novecentos
metros nas instalações de teste da SpaceX em McGregor, no Texas.
Empolgado com o progresso que estavam fazendo, Musk convidou o
conselho da SpaceX para ir até lá em agosto de 2014 e ver o futuro em
ação.
Era o segundo dia de Sam Teller no emprego, um formando de
Harvard ligado em 220 volts e em busca de empreendimentos que havia
sido contratado para ser o chefe de equipe de Musk. Com a barba bem
aparada, que acentuava seu amplo sorriso e os olhos alertas, Teller tinha
os receptores emocionais e a ansiedade para agradar que faltavam ao
chefe. Por ter sido gerenciador de negócios da revista The Harvard
Lampoon, sabia como lidar com o humor e a intensidade maníaca de
Musk (e até o levou a uma festa no Lampoon Castle logo depois de
começar a trabalhar para ele).
Na reunião no campo de testes em McGregor, o conselho da SpaceX
discutiu designs para os trajes espaciais que a empresa estava
desenvolvendo, apesar de estar a anos de distância de realizar voos com
humanos. “Eles estavam sentados discutindo a sério planos para
construir uma cidade em Marte e o que as pessoas vestiriam lá”, contou
Teller anos depois, impressionado, “e todo mundo agia como se fosse
uma conversa totalmente normal”.
O principal evento para o conselho era assistir ao teste de pouso do
Falcon 9. Era um domingo de agosto ensolarado no deserto do Texas,
com grilos gigantes pululando e os membros do conselho amontoados
sob uma pequena tenda. O foguete deveria subir novecentos metros,
ativar os foguetes de reentrada, voar sobre a plataforma e então pousar
em pé. Mas não conseguiu. Logo depois da decolagem, um dos três
motores falhou e o foguete explodiu.
Após alguns momentos de silêncio, Musk ativou o modo menino
aventureiro. Disse ao administrador do local que buscasse uma van para
que eles pudessem dirigir até os destroços em chamas. “Você não pode
ir”, falou o administrador. “É perigoso demais.”
“Nós vamos”, afirmou Musk. “Se vai explodir, podemos muito bem
caminhar através dos escombros em chamas. Quando você tem a chance
de fazer isso?”
Todo mundo riu de nervoso e o acompanhou. Parecia o cenário de
um filme de Ridley Scott, com crateras no chão, o mato em chamas e
pedaços de metal chamuscados. Steve Jurvetson perguntou a Musk se
eles podiam pegar alguns pedaços como lembrancinhas. “Claro”,
respondeu Musk, enquanto ele mesmo coletava alguns. Antonio Gracias
tentou animar a todos dizendo que as melhores lições da vida vêm de
fracassos. “Se puder escolher”, falou Musk, “prefiro aprender com o
sucesso”.
Foi o começo de um período ruim não apenas para a SpaceX, mas
também para todo o setor. Um foguete feito pela Orbital Sciences
explodiu em uma missão para entregar carga na estação espacial. Depois
uma missão de carga russa falhou. Os astronautas na estação espacial
corriam o risco de ficar sem comida e suprimentos. Então, muita coisa
dependia da missão de carga do Falcon 9, da SpaceX, programada para
28 de junho de 2015, aniversário de 44 anos de Musk.
No entanto, dois minutos após o lançamento, um suporte no segundo
estágio que segurava um tanque de hélio cedeu e o foguete explodiu.
Depois de sete anos de lançamentos bem-sucedidos, foi a primeira vez
que o Falcon 9 falhou.

***

Enquanto isso, Bezos fazia alguns progressos. Em novembro de 2015,


ele lançou um foguete em uma trajetória de onze minutos,
verticalmente, a cem quilômetros de altitude, o que é considerado o
início do espaço sideral. Guiado por um sistema GPS e aletas de
direção, o foguete retornou para a Terra e o motor auxiliar foi religado
para reduzir a velocidade na descida. Com as pernas de pouso ativadas, o
foguete pairou pouco acima do chão, ajustou as coordenadas e pousou
elegantemente.
Bezos anunciou o sucesso em uma entrevista coletiva no dia seguinte.
“O total reaproveitamento muda o jogo”, disse. Então, publicou seu
primeiro tuíte: “A mais rara das criaturas — um foguete usado. Pouso
controlado não é fácil, mas feito corretamente parece fácil.”
Musk ficou incomodado. Na opinião dele, tinha sido apenas um salto
suborbital, não o que ele considerava o verdadeiro santo graal de lançar
uma carga em órbita. Então, soltou uma réplica no Twitter: “@JeffBezos
Não exatamente ‘rara’. O Grasshopper da SpaceX fez seis voos
suborbitais há três anos & ainda está por aí.”
Na verdade, o Grasshopper havia voado apenas cerca de novecentos
metros para o alto, o que era um centésimo do que fez o foguete da Blue
Origin. Musk estava certo, porém, na distinção que fez. Foguetes
capazes de subir até o limite do espaço e descer podem ser divertidos
para turistas espaciais, mas seriam necessários foguetes com o poder do
Falcon 9 para realizar missões tais como lançar satélites e alcançar a
Estação Espacial Internacional. Pousar e reutilizar um foguete desses
seria uma façanha de outra magnitude.

“O Falcon pousou”
A oportunidade para Musk fazer o mesmo aconteceu em 21 de
dezembro de 2015, só quatro semanas após o voo suborbital de Bezos.
Na busca incessante para superar a gravidade, Musk havia
redesenhado o Falcon 9. A nova versão carregava mais combustível de
oxigênio líquido no foguete ao resfriá-lo a -200ºC, o que o deixava
muito mais denso. Como sempre, ele estava procurando todas as
maneiras possíveis de abarrotar mais poder em um foguete sem
aumentar significativamente o tamanho ou a massa dele. “Elon insistia
para que nós perseguíssemos uma pequena porcentagem a mais de
eficiência, resfriando o combustível cada vez mais”, diz Mark Juncosa.
“Era genial, mas estava nos causando dor de cabeça.” Algumas vezes
Juncosa resistia, alegando que aquilo iria causar problemas com as
válvulas ou vazamentos, mas Musk era inflexível. “Não há razões nos
princípios básicos para que isso não funcione”, dizia. “É
extraordinariamente difícil, eu sei, mas você tem que insistir.”
“Eu estava apavorado durante a contagem regressiva”, diz Juncosa. De
repente, ele notou algo preocupante na transmissão de vídeo na cavidade
entre o primeiro e o segundo estágios. Havia algumas gotas, e ele não
sabia se eram de nitrogênio líquido, o que seria razoável, ou de oxigênio
líquido do tanque super-resfriado, o que poderia ser um problema.
“Fiquei em pânico”, lembra Juncosa. “Se a empresa fosse minha, eu teria
parado tudo.”
“Você precisa interromper isso”, disse Juncosa a Musk enquanto a
contagem regressiva chegava ao último minuto.
Musk parou por alguns segundos. Qual o tamanho do risco de ter um
pouco de oxigênio líquido entre os estágios? Arriscado, mas um risco
pequeno. “Dane-se”, disse. “Vamos nessa.”
Anos depois, Juncosa assistiu a imagens do momento em que Musk
tomou essa decisão. “Achei que ele tinha feito alguns cálculos complexos
rapidamente para decidir o que fazer, mas a verdade é que ele só deu de
ombros e proferiu a ordem. Ele tinha uma intuição do que era a física.”
Musk estava certo. O lançamento aconteceu sem problemas.

***

Então veio a espera de dez minutos para ver se o foguete auxiliar iria
voltar e pousar em segurança na plataforma de pouso que a SpaceX
havia construído a cerca de 1,5 quilômetro do Pad 39 A. Logo depois
que o segundo estágio se separou, o foguete auxiliar ligou seus
propulsores para fazer a volta e retornar para Cabo, apontar a base para
baixo e reduzir a velocidade na descida. Com o GPS e os sensores dele
próprio guiando-o e as aletas de grade o ajudando a manobrar, ele
desceu tranquilamente em direção à plataforma de pouso. (Pare um
momento e pense em quão incrível é isso.)
Musk correu para fora da sala de controle e saiu pela estrada
encarando a escuridão, para ver o foguete reaparecer. “Desça, desça
devagar”, sussurrou em pé na rodovia, as mãos na cintura. Então houve
um som de explosão. “Ah, merda”, disse ele, virando-se e andando
desanimado pela estrada.
Dentro da sala de controle, entretanto, havia gritos de comemoração.
Os monitores mostravam o foguete em pé na plataforma, e o narrador
do lançamento ecoou as palavras que haviam sido usadas por Neil
Armstrong na Lua: “O Falcon pousou.” O som alto, no fim das contas,
era o estouro sônico da reentrada do foguete na atmosfera.
Uma das engenheiras de voo correu para fora da sala de controle com
a notícia. “Está em pé na plataforma!”, gritou. Musk deu meia-volta e se
arrastou rapidamente em direção à plataforma, dizendo “Puta merda”
para si mesmo. “Puta merda.”
Naquela noite, todos foram a um bar na orla chamado Fishlips para
festejar. Musk ergueu um copo de cerveja e gritou para os cerca de cem
funcionários e outros observadores impressionados: “Nós acabamos de
lançar e pousar o maior foguete do mundo!” Enquanto isso, a multidão
bradava o nome do país, e ele pulava e dava socos no ar.

***

“Parabéns à @SpaceX por pousar o foguete auxiliar suborbital do


Falcon”, escreveu Bezos em um tuíte. “Bem-vindos ao clube!” Envolto
na aura de graciosidade havia uma alfinetada: a alegação de que o
foguete auxiliar que a SpaceX havia pousado era “suborbital”,
colocando-o no mesmo clube do pousado pela Blue Origin.
Tecnicamente Bezos estava certo. O foguete auxiliar da SpaceX não
chegou a entrar ele próprio em órbita, apenas impulsionou uma carga
que o fez. Mas Musk ficou furioso. A capacidade de enviar uma carga
até a órbita colocava o foguete da SpaceX, acreditava ele, em uma
categoria diferente.
capítulo 39
A montanha-russa Talulah

Enfrentando um lutador de sumô (acima, à esquerda); com Talulah (acima, à


direita); com Navaid Farooq (abaixo)
2012-2015
Quando casou-se com Musk, em 2010, Talulah Riley se mudou para a
Califórnia e basicamente desistiu da carreira de atriz. Filha única, ela
sonhava em ter muitos filhos, e nos desenhos que fazia havia sempre
meninos gêmeos loiros. “Quando conheci Elon, ele tinha cinco filhos, e
os mais velhos eram lindos gêmeos loiros que pareciam ter saído da
minha imaginação.” Cautelosa com a relação, porém, Talulah decidiu
não ter filhos com Musk.
Ela continuou a coreografar festas para Musk, como havia feito na
Escócia, por ocasião do casamento deles, e no Expresso do Oriente, para
o aniversário de 40 anos do marido. No aniversário de 41, Talulah
alugou uma casa senhorial de campo inglesa e escolheu como tema
Voando para o Rio, baseado no filme de 1933 que pela primeira vez
juntou Fred Astaire e Ginger Rogers e culmina com uma sequência de
dança nas asas de um avião. Talulah contratou os Breitling
Wingwalkers, e os convidados foram ensinados a andar nas asas de um
avião biplano.
Entretanto, Musk perdeu a maior parte da festa porque ficou no
quarto ao telefone, lidando com vários problemas da Tesla e da SpaceX.
Ele gostava de se concentrar no trabalho, e às vezes tratava o resto da
vida como uma distração desagradável. “A quantidade de tempo que
passo no trabalho é tão extrema que fica difícil manter algum
relacionamento”, admite. “A SpaceX e a Tesla eram difíceis
individualmente. Tocar ambas ao mesmo tempo era impossível. Então
era só trabalho o tempo todo.”
Maye Musk se solidarizava com Talulah. “Ela me convidava para
jantar e o Elon não aparecia porque estava trabalhando até tarde”, diz.
“Ela o amava muito, mas, compreensivelmente, cansou de ser tratada
daquele jeito.”
Quando a mente do marido estava no trabalho, o que acontecia na
maior parte do tempo, Talulah não sabia como chamar a atenção dele.
Musk sempre parecia estar lutando pela sobrevivência em razão de
algum problema, algo muito contrastante com o estilo de vida na vila
natal dela, na Inglaterra, onde todo mundo no pub e na igreja era muito
amigável. “Eu sentia que essa não era a vida que eu deveria viver”, diz
ela. “Eu odiava Los Angeles e tinha muita saudade da Inglaterra.”
Então, em 2012, ela pediu o divórcio e se mudou para um
apartamento em Santa Mônica, enquanto os advogados trabalhavam
num acordo. Contudo, quando se encontraram no tribunal quatro meses
depois para assinar o acordo, a história ganhou uma reviravolta
cinematográfica. “Eu vi o Elon ali, em pé na frente do juiz, e ele meio
que perguntou ‘O que nós estamos fazendo?’, e nós começamos a nos
beijar”, conta Talulah. “Acho que o juiz pensou que nós dois estávamos
doidos.” Musk pediu que ela voltasse para casa e visse os meninos. “Eles
querem saber onde você está.” E ela voltou.
Eles seguiram em frente com o divórcio, mas Talulah voltou a morar
com Musk. Para celebrar, fizeram uma viagem de carro no novo Model
S com os cinco filhos. Ele também a levou a um almoço com o repórter
da Esquire Tom Junod. O principal trabalho dela, segundo disse a
Junod, era evitar que Musk virasse um rei louco. “Você nunca ouviu esse
termo?”, perguntou Talulah. “Significa que as pessoas se tornam reis e
depois enlouquecem.”
Para o aniversário de 42 anos de Musk, em junho de 2013, Talulah
alugou uma imitação de castelo em Tarrytown, no estado de Nova York,
ao norte da cidade de Nova York, e convidou quarenta amigos. O tema
dessa vez foi steampunk japonês, e Musk e outros homens estavam
vestidos de guerreiros samurais. Houve uma apresentação de “The
Mikado”, de Gilbert e Sullivan, ligeiramente reescrito para apresentar
Musk como imperador japonês, além de uma demonstração de um
atirador de facas. Musk, que nunca evitava riscos, mesmo os
desnecessários, colocou um balão rosa logo abaixo da virilha para que o
atirador de facas o acertasse vendado.
O auge foi uma demonstração de sumô. No fim, o campeão de 160
quilos convidou Musk para subir no dohyo. “Fui com força total contra
ele para tentar um golpe de judô, porque achei que ele estava pegando
leve comigo”, diz Musk. “Decidi ver se podia derrubar o cara, e
consegui. Mas também estourei um disco na base do pescoço.”
Desde então, Musk sofre de crises graves de dor na coluna e no
pescoço: ele acabaria passando por três operações para tentar reparar os
discos intervertebrais C5-C6. Durante reuniões nas fábricas da Tesla ou
na SpaceX, ele às vezes se deitava no chão com gelo na base do pescoço.
Em julho de 2013, poucas semanas depois da festa de Tarrytown, ele
e Talulah decidiram se casar novamente. Dessa vez, foi um evento
discreto na sala de jantar deles. Nem todos os contos de fadas, no
entanto, terminam em “felizes para sempre”. A obsessão de Musk com o
trabalho continuou a atrapalhar o relacionamento. “A mesma coisa
voltou a acontecer e eu quis voltar para casa”, diz Talulah. Ela
recomeçou a carreira cinematográfica escrevendo, dirigindo e estrelando
uma comédia chamada Scottish Mussel, sobre um criminoso infeliz que
decide roubar pérolas de mexilhões-de-rio. Quando Musk e os meninos
foram visitá-la durante as filmagens, Talulah disse que queria ficar na
Inglaterra e se divorciar dele novamente.
Depois de algumas hesitações e reconciliações, Talulah tomou a
decisão definitiva no aniversário dela de 30 anos, em setembro de 2015.
Ela terminou de filmar a série da HBO Westworld, em Los Angeles, e
em seguida se mudou de volta para a Inglaterra. Entretanto, fez uma
promessa a Musk: “Você é o meu sr. Rochester”, disse, referindo-se ao
marido taciturno no romance Jane Eyre, de Charlotte Brontë, “e, se
Thornfield Hall queimar e você ficar cego, eu volto e cuido de você.”
capítulo 40
Inteligência artificial

Com Sam Altman


OpenAi, 2012-2015
Peter Thiel, o cofundador da PayPal que havia investido na SpaceX,
realiza uma conferência todos os anos com os líderes das empresas
financiadas pelo seu Fundo dos Fundadores. Na reunião de 2012, Musk
conheceu Demis Hassabis, um neurocientista, designer de videogames e
pesquisador de inteligência artificial (IA) com um jeito cortês que
esconde uma mente competitiva. Um prodígio do xadrez aos 4 anos, ele
foi cinco vezes campeão das Olimpíadas Internacionais Mind Sports,
que incluem competições de xadrez, pôquer, Mastermind e gamão.
Em seu moderno escritório em Londres há uma edição original do
artigo seminal de 1950 de Alan Turing, “Computing Machinery and
Intelligence” [Máquinas de computação e inteligência], que propunha
um “jogo de imitação” o qual iria colocar um humano contra uma
máquina como o ChatGPT. Se fosse impossível distinguir a resposta de
cada um, ele escreveu, seria razoável dizer que as máquinas poderiam
“pensar”. Influenciado pelo argumento de Turing, Hassabis cofundou
uma empresa chamada DeepMind, que procurava desenhar redes
neurais baseadas em computadores que pudessem chegar à inteligência
artificial geral. Em outras palavras, ele tentava produzir máquinas
capazes de aprender a pensar como humanos.
“Elon e eu nos demos bem logo de cara, e fui visitá-lo na fábrica de
foguetes dele”, diz Hassabis. Sentado no refeitório, olhando as linhas de
montagem, Musk explicou que seu motivo para construir foguetes que
pudessem ir até Marte era buscar uma maneira de preservar a
consciência humana no caso de uma guerra mundial, um impacto de
asteroide ou do colapso da civilização. Hassabis acrescentou outra
ameaça potencial: a inteligência artificial. Máquinas podem se tornar
superinteligentes e nos superar, meros mortais, talvez até decidir se livrar
de nós. Musk ficou em silêncio por quase um minuto enquanto analisava
a possibilidade. Durante esses períodos de transe, Musk diz que faz
simulações mentais das maneiras como múltiplos fatores podem se
desenvolver no decorrer dos anos. Ele concluiu que Hassabis podia ter
razão sobre o risco da IA, por isso investiu 5 milhões de dólares na
DeepMind como um jeito de monitorar o que estavam fazendo.
Semanas depois das conversas com Hassabis, Musk descreveu o que a
DeepMind estava fazendo para Larry Page, do Google. Eles se
conheciam havia mais de uma década e Musk frequentemente ficava na
casa de Page em Palo Alto. Os perigos potenciais da inteligência
artificial se tornaram um tema que Musk abordava, quase
obsessivamente, durante suas conversas tarde da noite. Page desdenhou.
Na festa de aniversário de Musk em 2013 em Napa Valley, eles foram
protagonistas de um debate acalorado na frente de outros convidados,
como Luke Nosek e Reid Hoffman. Musk argumentou que a menos que
a humanidade estabelecesse regulações para os sistemas de inteligência
artificial, eles poderiam substituir os humanos, tornando nossa espécie
irrelevante ou até mesmo extinta.
Page rebateu: por que importaria se algum dia as máquinas
superassem os humanos em inteligência, até mesmo em consciência?
Seria simplesmente o próximo estágio da evolução.
A consciência humana, Musk replicou, era uma preciosa centelha de
luz no Universo, e não devemos deixar que ela se apague. Page
considerava isso uma tolice sentimental. Se a consciência pudesse ser
replicada em uma máquina, por que isso não poderia ser tão valioso
quanto? Talvez um dia possamos até mesmo ser capazes de gravar nossa
consciência em uma máquina. Ele acusou Musk de ser um “especista”,
alguém que é parcial a favor da própria espécie. “Bem, sim, sou pró-
humano”, respondeu Musk. “Eu gosto da humanidade, cara.”
Musk ficou, portanto, consternado quando ouviu, no fim de 2013,
que Page e o Google planejavam comprar a DeepMind. Musk e o amigo
Luke Nosek tentaram reunir financiamento para impedir o acordo.
Numa festa em Los Angeles, eles se dirigiram a um closet no andar de
cima para uma ligação via Skype de uma hora com Hassabis. “O futuro
da IA não deveria ser controlado pelo Larry”, disse Musk a ele.
O esforço falhou e a compra da DeepMind pelo Google foi
anunciada em janeiro de 2014. Page inicialmente concordou em criar
um “conselho de segurança”, do qual Musk seria membro. A primeira e
única reunião aconteceu na SpaceX. Page, Hassabis e o presidente do
Google, Eric Schmidt, estavam presentes, junto com Reid Hoffman e
alguns outros. “A análise de Elon foi a de que o conselho era
basicamente bobagem”, diz Sam Teller, o chefe de equipe na época.
“Esses caras do Google não têm a intenção de focar na segurança da IA
ou de fazer qualquer coisa que limite seu poder.”
Musk começou a fazer alertas públicos sobre o perigo. “A maior
ameaça à nossa existência”, disse ele em um simpósio de 2014 no MIT,
“provavelmente é a inteligência artificial”. Quando a Amazon anunciou
seu assistente virtual em formato de chatbot, Alexa, naquele ano,
seguido por um produto parecido do Google, Musk começou a alertar
sobre o que poderia acontecer quando esses sistemas se tornassem mais
inteligentes que os humanos. Eles poderiam nos superar e começar a nos
tratar como pets. “Eu não gosto da ideia de ser um gato doméstico”,
disse. A melhor maneira de prevenir que se tornasse um problema era
garantir que a IA permanecesse firmemente alinhada e associada aos
humanos. “O perigo surge quando a inteligência artificial é desconectada
do desejo humano.”
Musk, então, começou a promover uma série de jantares, e entre os
convidados figuravam membros da sua velha máfia da PayPal, como
Thiel e Hoffman, cujo intuito era abordar maneiras de se opor ao
Google e promover a segurança da IA. Ele chegou até a procurar o
presidente Obama, que concordou com uma reunião pessoal em maio de
2015. Musk explicou o risco e sugeriu que a Inteligência Artificial fosse
regulamentada. “Obama entendeu”, diz Musk. “Mas percebi que não
considerava importante o suficiente para que ele fizesse algo a respeito.”
Em seguida, Musk se voltou para Sam Altman, um empreendedor de
software, entusiasta de carros esportivos e sobrevivencialista que, por trás
do verniz polido, tinha uma intensidade semelhante à de Musk. Altman
havia se encontrado com ele alguns anos antes e os dois tinham
conversado por três horas enquanto visitavam a fábrica da SpaceX. “Era
engraçado como alguns engenheiros se afastavam ou desviavam o olhar
quando viam Elon se aproximando”, diz Altman. “Sentiam medo dele.
Mas fiquei impressionado com a compreensão detalhada que ele tinha
de cada pedacinho do foguete.”
Em um jantar íntimo em Palo Alto, Altman e Musk decidiram
fundar em conjunto um laboratório de pesquisa de inteligência artificial
sem fins lucrativos, que chamaram de OpenAI. O software seria de
código aberto e o laboratório tentaria se opor ao domínio crescente do
Google nesse campo. Thiel e Hoffman se juntaram a Musk para
financiar o projeto. “Queríamos ter algo como uma versão Linux da IA
que não fosse controlada por nenhuma pessoa ou corporação”, explica
Musk. “O objetivo era aumentar a probabilidade de que a IA fosse
desenvolvida de maneira segura para que pudesse ser benéfica para a
humanidade.”
Uma questão discutida no jantar foi o que seria mais seguro: um
pequeno número de sistemas de IA controlados por grandes corporações
ou um grande número de sistemas independentes? Eles concluíram que
um grande número de sistemas concorrentes, criando freios e
contrapesos um ao outro, seria melhor. Assim como humanos trabalham
coletivamente para deter vilões, uma grande coleção de robôs de IA
independentes trabalham para deter os robôs ruins. Na visão de Musk,
essa era a razão para tornar a OpenAI realmente aberto, de modo que
muitas pessoas pudessem construir sistemas baseados em seu código-
fonte. “Acho que a melhor defesa contra o mau uso da IA é empoderar
tantas pessoas quanto possível para terem IA”, disse ele na época a
Steven Levy, da Wired.
Um objetivo que Musk e Altman discutiram longamente na ocasião
— e se tornou um assunto quente em 2023, depois que a OpenAI
lançou um chatbot chamado ChatGPT — era conhecido como
“Alinhamento IA”. Tratava-se de alinhar os sistemas IA com objetivos e
valores humanos, assim como Isaac Asimov determinou regras para
evitar que os robôs nos livros dele prejudicassem a humanidade. Pense
no computador Hal, que enlouquece e luta contra seus criadores
humanos em 2001: Uma odisseia no espaço. Quais barreiras ou botões de
emergência nós, humanos, podemos colocar em sistemas de IA para que
eles possam continuar alinhados aos nossos interesses? E quem entre nós
deveria determinar quais são esses interesses?
Uma maneira de garantir o alinhamento da IA, acreditava Musk, era
deixar os robôs bem próximos aos humanos. Eles deveriam ser extensões
do desejo dos indivíduos, em vez de sistemas que possam se rebelar e
desenvolver objetivos e intenções próprios. Esse se tornaria um dos
raciocínios que levaria a Neuralink, a empresa que Musk iria fundar, a
criar chips que possam conectar cérebros humanos diretamente a
computadores.
Musk também percebeu que o sucesso no campo da inteligência
artificial viria do acesso a grandes quantidades de dados reais a partir dos
quais os robôs pudessem aprender. Uma dessas minas de ouro, percebeu
ele na época, era a Tesla, que coletava, todos os dias, milhões de frames
de vídeo de motoristas lidando com diferentes situações.
“Provavelmente, a Tesla terá muito mais dados reais que qualquer outra
empresa no mundo”, disse Musk. Outra mina de dados, perceberia ele
tempos depois, era o Twitter, que em 2023 estava processando 500
milhões de posts de humanos por dia.

***

Entre os que participaram dos jantares com Musk e Altman estava um


engenheiro pesquisador do Google, Ilya Sutskever. Eles conseguiram
atraí-lo, com um salário de 1,9 milhão de dólares e um bônus de
contratação, para ser o cientista-chefe do novo laboratório. Page ficou
furioso. O amigo de velha data e hóspede frequente não estava apenas
fundando um laboratório rival: estava roubando os principais cientistas
do Google. Depois do lançamento da OpenAI, no fim de 2015, eles mal
se falaram. “Larry se sentiu traído, ficou muito bravo comigo por
recrutar pessoalmente Ilya e se recusou a me encontrar”, relata Musk.
“Eu disse: ‘Larry, se você não tivesse sido tão desdenhoso com a
segurança da IA, não teria sido necessário ter uma força
compensatória.’”
O interesse de Musk pela inteligência artificial o levaria a lançar uma
sequência de projetos relacionados. Entre eles, a Neuralink, que objetiva
implantar microchips em cérebros humanos; o Optimus, um robô
humanoide; e o Dojo, um supercomputador que pode usar milhões de
vídeos para treinar uma rede neural artificial para que simule um cérebro
humano. Isso também o tornou obcecado com a ideia de criar um carro
Tesla autônomo. De início, esses empreendimentos eram bastante
independentes, porém mais tarde Musk iria reuni-los, junto com a nova
empresa de chatbot que ele fundou, chamada X.AI, para produzir uma
inteligência artificial geral.
A determinação de Musk em desenvolver habilidades de inteligência
artificial em suas empresas resultou em um rompimento com a OpenAI
em 2018. Ele tentou convencer Altman de que a OpenAI, a qual Musk
achava estar ficando atrasada em relação ao Google, deveria ser
absorvida pela Tesla. A equipe da OpenAI rejeitou essa ideia, e Altman
assumiu a presidência do laboratório, iniciando um braço empresarial
que conseguiu captar financiamento de capital acionário.
Sendo assim, Musk decidiu levar adiante a construção de uma equipe
de IA rival para trabalhar no Tesla Autopilot. Mesmo enquanto se
debatia na onda infernal de produção em Nevada e Fremont, ele
recrutou Andrej Karpathy, da OpenAI, um especialista em
aprendizagem profunda [deep learning] e visão computacional.
“Percebemos que a Tesla se tornaria uma empresa de IA e competiria
pelos mesmos talentos que a OpenAI”, diz Altman. “Isso irritou
algumas pessoas da nossa equipe, mas eu entendi completamente o que
estava acontecendo.” Altman viraria o jogo em 2023, ao contratar
Karpathy de volta depois que ele cansou de trabalhar para Musk.
capítulo 41
O lançamento do Autopilot
Tesla, 2014-2016

Franz von Holzhausen com um “Robotáxi” primitivo


Radar
Musk havia discutido com Larry Page a possibilidade de a Tesla e o
Google trabalharem juntos para construir um sistema de piloto
automático, o qual viesse a permitir que os carros fossem autônomos. No
entanto, o rompimento deles por conta da inteligência artificial
incentivou Musk a acelerar os planos da Tesla de construir um sistema
próprio.
O programa de carros autônomos do Google, que acabaria sendo
chamado de Waymo, usava um dispositivo radar a laser conhecido como
LiDAR, um acrônimo em inglês para “detecção de luz e alcance”. Musk
resistiu em usar o LiDAR e outros instrumentos semelhantes a radares,
insistindo que um sistema autônomo deveria apenas usar dados visuais
das câmeras. Era um caso de princípios básicos: humanos dirigiam
usando apenas dados visuais, portanto as máquinas deveriam ser capazes
de fazer o mesmo. Era também uma questão de custo. Como sempre,
Musk se concentrava não apenas no design do produto, mas também em
como o produto poderia ser fabricado em grande quantidade. “O
problema com a proposta do Google é que o sistema de sensor é muito
caro”, disse ele em 2013. “É melhor ter um sistema óptico, basicamente
câmeras com um software capaz de descobrir o que está acontecendo
apenas olhando as coisas.”
Ao longo da década seguinte, Musk entraria num cabo de guerra com
seus engenheiros, muitos dos quais queriam algum tipo de radar nos
carros autônomos da Tesla. Dhaval Shroff, um jovem e animado
engenheiro de Mumbai que entrou para a equipe do Autopilot da Tesla
em 2014, depois de se formar em Carnegie Mellon, lembra-se de uma
das primeiras reuniões com Musk. “Naquela época tínhamos um
equipamento de radar no carro e dissemos a Elon que era melhor e mais
seguro usá-lo”, diz Shroff. “Ele concordou que mantivéssemos o radar,
mas, evidentemente, achava que em alguns momentos deveríamos
depender apenas da câmera.”
Em 2015, toda semana Musk passava horas trabalhando com a
equipe do Autopilot. Ele dirigia de casa, na região de Bel Air, em Los
Angeles, até a sede da SpaceX, próxima ao aeroporto, onde discutiam os
problemas que o sistema Autopilot estava encontrando. “Toda reunião
começava com Elon perguntando ‘Por que o carro não pode dirigir
sozinho da minha casa até o trabalho?’”, conta Drew Baglino, um dos
vice-presidentes seniores da Tesla.
Isso às vezes levava a equipe da Tesla a se comportar como os
atabalhoados guardas da antiga série humorística Keystone Kops. Havia
uma curva na Interstate 405 que sempre causava problemas para Musk,
porque as marcações na pista estavam apagadas. O Autopilot virava
abruptamente e saía da pista, quase batendo em carros que vinham em
direção contrária. Musk entrava no escritório furioso. “Façam alguma
coisa para arrumar isso”, exigia continuamente. Isso aconteceu por meses
enquanto a equipe tentava melhorar o software do Autopilot.
Desesperado, Sam Teller e outros chegaram a uma solução simples:
pedir ao Departamento de Transportes que repintasse as pistas naquele
trecho da estrada. Quando não obtiveram uma resposta, elaboraram um
plano mais audacioso. Decidiram alugar por conta própria uma máquina
de pintar, sair às três da madrugada, fechar a rodovia por uma hora e
refazer as marcações. Eles chegaram a encontrar uma máquina para
pintar a pista, mas então alguém, por fim, conseguiu contatar uma
pessoa no Departamento de Transporte que era fã de Musk e concordou
em repintar a pista se pudesse fazer um passeio, junto com alguns outros
colegas, na SpaceX. Teller os levou para a visita, eles tiraram uma foto e
a estrada foi repintada. Depois disso, o Autopilot de Musk conseguiu
fazer bem a curva.
Baglino estava entre os engenheiros da Tesla que queriam continuar a
usar o radar para complementar a visão da câmera. “Havia um abismo
entre o objetivo de Elon e o que era possível”, diz Baglino. “Ele não
estava plenamente consciente dos desafios.” Em certo momento, a
equipe de Baglino fez uma análise de qual percepção de distância o
sistema Autopilot precisaria ter diante de situações como uma placa de
pare. Até que ponto o carro precisava enxergar à esquerda e à direita
para saber quando seria seguro virar? “Estávamos tentando ter essas
conversas com Elon para estabelecer o que os sensores precisariam
fazer”, explica Baglino. “E eram conversas muito difíceis, porque ele
continuava insistindo que as pessoas só têm dois olhos e conseguem
dirigir o carro. Acontece que os dois olhos são ligados ao pescoço, que
pode se mover, e as pessoas olham em todas as direções.”
Musk cedeu temporariamente. Ele aceitou que cada novo Model S
fosse equipado não apenas com oito câmeras, mas também com doze
sensores ultrassônicos e um radar dianteiro capaz de ver através da chuva
e da neblina. “Com tudo isso somado, esse sistema fornece uma visão de
mundo à qual o motorista sozinho não tem acesso, olhando em todas as
direções simultaneamente e em comprimentos de onda que vão muito
além dos sentidos humanos”, assim anunciava o site da Tesla em 2016.
Contudo, mesmo que Musk tivesse feito essa concessão, estava evidente
que ele não desistiria de um sistema só de câmeras.

Acidentes
Enquanto corria atrás de seus planos para carros autônomos, Musk, de
um jeito teimoso e repetitivo, exagerava as habilidades do Autopilot dos
carros da Tesla. Isso se tornou perigoso, porque levou alguns motoristas
a pensar que podiam usar um Tesla sem prestar muita atenção ao
trânsito. Mesmo enquanto Musk fazia suas grandes promessas em 2016,
a empresa estava sendo abandonada por um de seus fornecedores de
câmeras, a Mobileye, cujo presidente afirmou que a Tesla estava
“forçando os limites em termos de segurança”.
Era inevitável que houvesse acidentes fatais envolvendo o Autopilot,
assim como havia sem o Autopilot. Musk insistia que o sistema deveria
ser julgado não pela capacidade de evitar acidentes, mas pela capacidade
de reduzir o número de acidentes. Era uma posição lógica, porém
ignorava a realidade emocional de que uma pessoa morta por um
sistema Autopilot iria provocar muito mais horror que uma centena de
mortes causadas por erros humanos.
O primeiro caso registrado de acidente fatal envolvendo o Autopilot
nos Estados Unidos aconteceu em maio de 2016. Um motorista morreu
na Flórida quando uma carreta virou à esquerda em frente ao Tesla que
ele dirigia. “Nem o Autopilot nem o motorista notaram a lateral branca
da carreta em contraste com o céu claro, e o freio não foi ativado”,
declarou a Tesla em um comunicado. Os investigadores encontraram
provas de que, no momento do acidente, o motorista estava assistindo a
um filme da série Harry Potter em um computador apoiado no painel. O
Conselho Nacional de Segurança nos Transportes concluiu que “o
motorista descuidou do controle total do Tesla, o que levou à colisão”. A
Tesla havia enaltecido demais as habilidades de seu Autopilot, e o
motorista provavelmente presumiu que não precisava prestar muita
atenção ao trânsito. Houve relatos de outro acidente fatal envolvendo
um Tesla que devia estar no modo Autopilot, esse ocorrido no início
daquele ano.
As notícias sobre o acidente na Flórida estouraram quando Musk
estava em uma visita à África do Sul, a primeira vez em dezesseis anos.
Ele voou imediatamente de volta aos Estados Unidos, mas não fez
nenhuma declaração pública. Por ter a mente de um engenheiro, ele
mostrava pouco tato para emoções humanas, e não entendia como uma
ou duas mortes causadas pelo Autopilot da Tesla provocaram um clamor
quando havia mais de 1,3 milhão de mortes no trânsito todos os anos.
Ninguém estava falando sobre os acidentes evitados e as vidas salvas pelo
Autopilot. Nem estavam analisando se dirigir com o Autopilot era mais
seguro que dirigir sem ele.
Musk participou de uma teleconferência com repórteres em outubro
de 2016 e ficou irritado quando as primeiras perguntas foram sobre as
duas mortes. Se eles escrevessem matérias que fizessem as pessoas
desistirem de usar sistemas de direção autônoma ou os reguladores
desistirem de os aprovar, “vocês vão estar matando pessoas”. Musk parou
e disse, irritado: “Próxima pergunta.”

Promessas, promessas
A visão grandiosa de Musk — às vezes similar a uma miragem que
parece estar se distanciando no horizonte — era de que a Tesla iria
construir um carro totalmente autônomo que se autoconduziria sem
nenhuma intervenção humana. Ele acreditava que isso transformaria
nossa vida diária e tornaria a Tesla a empresa mais valiosa do mundo. “A
autonomia completa”, como a Tesla começou a chamá-la, seria capaz de
funcionar, prometeu Musk, não apenas em rodovias, mas também nas
ruas das cidades com pedestres, ciclistas e interseções complexas.
Assim como ocorrera em outras missões obsessivas, incluída a viagem
a Marte, ele fez previsões temporais que se mostrariam absurdas. Em
sua coletiva em outubro de 2016, declarou que no fim do ano seguinte
um Tesla seria capaz de dirigir de Los Angeles a Nova York “sem a
necessidade de nenhum toque” no volante. “Quando você quiser que seu
carro volte, clicará em summon no seu celular”, disse. “Ele vai te
encontrar, mesmo que você esteja do outro lado do país.”
Isso poderia ser considerada uma fantasia divertida, exceto pelo fato
de que Musk começou a pressionar os engenheiros que trabalhavam no
Model 3 e no Model Y da Tesla para que projetassem versões sem
volante nem pedais de aceleração e freio. Von Holzhausen fingiu
concordar. A partir do fim de 2016, havia sempre imagens e modelos
físicos de “Robotáxis” para Musk ver quando andava pelo estúdio de
design. “Ele estava convencido de que, quando colocássemos o Model Y
em produção, seria um Robotáxi, totalmente autônomo”, diz Von
Holzhausen.
Quase todo ano, Musk fazia outra previsão de que faltava apenas um
ou dois anos para o carro completamente autônomo. “Quando será
possível comprar um dos seus carros e literalmente tirar as mãos do
volante, dormir e acordar no destino?”, perguntou Chris Anderson a ele
no TED Talk em maio de 2017. “Daqui a uns dois anos”, respondeu
Musk. Em uma entrevista com Kara Swisher na Code Conference no
fim de 2018, ele afirmou que a Tesla “estava a caminho de conseguir
fazer isso no ano que vem”. No início de 2019, ele dobrou a aposta.
“Acho que vamos apresentar um carro com autonomia completa este
ano”, declarou em um podcast com Ark Invest. “Eu diria que tenho
certeza disso. Não é uma dúvida.”
“Se ele pegar leve e admitir que vai demorar muito”, disse Von
Halzhausen no fim de 2022, “ninguém vai se unir em torno disso e não
vamos projetar veículos que exijam autonomia”. Em uma reunião de
resultados com analistas naquele ano, Musk admitiu que o processo
estava sendo mais difícil do que ele esperara em 2016. “No fim das
contas, isso se resume”, disse ele, “ao fato de que, para resolver a questão
do carro totalmente autônomo, é preciso resolver a inteligência artificial
no mundo real”.
capítulo 42
Solar
Tesla Energy, 2004-2016

Lyndon e Peter Rive


Burning Man
“Quero fundar uma empresa”, disse Lyndon Rive, primo de Musk,
enquanto os dois estavam dirigindo um motorhome rumo ao Burning
Man, a rave anual de arte e tecnologia no deserto de Nevada, no fim do
verão de 2004. “Uma empresa que possa ajudar a humanidade a lidar
com as mudanças climáticas.”
“Entre na indústria da energia solar”, sugeriu Musk.
Lyndon lembra que a sugestão pareceu uma ordem. Com o irmão
Peter, ele começou a trabalhar na criação de uma empresa que se
tornaria a SolarCity. “Elon forneceu a maior parte do financiamento
inicial”, recorda Peter. “Ele nos deu um conselho claro: produzam em
massa, para que isso tenha impacto o mais rápido possível.”
Os três primos de Musk, Lyndon, Peter e Russ, eram filhos da irmã
gêmea de Maye Musk e cresceram com Elon e Kimbal, andando de
bicicleta, brigando e elaborando maneiras de ganhar dinheiro. Tal qual
Elon, assim que conseguiram deixar a África do Sul, eles foram para os
Estados Unidos em busca dos sonhos empreendedores. O clã todo, diz
Peter, seguia a mesma máxima: “O risco é um tipo de combustível.”
Lyndon, o mais novo, era especialmente tenaz. A paixão dele era
jogar hóquei subaquático, que pode ser o esporte principal para testar a
tenacidade, e fora aos Estados Unidos como membro da seleção
nacional da África do Sul. Ele ficou no apartamento de Elon, gostou do
ambiente do Vale do Silício e liderou a criação, com os irmãos, de uma
empresa de assistência técnica de computadores. Eles circulavam por
Santa Cruz de skate para atender a pedidos de assistência técnica. Em
determinado momento, acabaram criando um software próprio para
automatizar muitas das tarefas, o que os ajudou a vender a empresa para
a Dell Computers.
Depois que Elon sugeriu que os primos entrassem para o negócio de
painéis de energia solar, Lyndon e Peter tentaram descobrir por que tão
poucas pessoas os compravam. A resposta era fácil. “Percebemos que a
experiência do consumidor era horrível e o alto valor do investimento
inicial, uma grande barreira”, diz Peter. Então eles bolaram um plano
para simplificar o processo. Quando um cliente ligasse para um número
gratuito, uma equipe de vendas usaria imagens de satélite para
determinar o tamanho do telhado e quanta luz do sol recebia, e a partir
daí a empresa ofereceria um contrato em que estariam especificados o
custo, a economia com serviços e os termos de financiamento. Se o
cliente concordasse, a empresa enviaria uma equipe com uniforme verde
para instalar os painéis e inscrevê-lo para subsídios governamentais. O
objetivo era criar uma marca nacional de consumo. Musk investiu 10
milhões de dólares para a empresa começar a operar. Em 4 de julho de
2006, bem quando a Tesla estava prestes a divulgar o Roadster, foi
lançada a SolarCity, tendo Musk como presidente do conselho.

Comprando a SolarCity
Por um tempo, a SolarCity se saiu muito bem. Em 2015, ela detinha um
quarto de todas as instalações que não haviam sido feitas por uma
companhia de serviço. Apesar disso, ela lutava para encontrar um
modelo de negócio. No começo, eles alugavam os painéis solares para os
clientes sem custo inicial, mas isso resultou em um endividamento da
empresa, cujas ações caíram de uma alta de 85 dólares por ação, em
2014, para cerca de 20 dólares por ação, em meados de 2016.
Musk ficou cada vez mais frustrado com as práticas da empresa,
especialmente com quanto dependia de uma equipe de vendas agressiva
que recebia por comissão. “As táticas de vendas deles se tornaram um
daqueles esquemas de ir de porta em porta vendendo caixas de facas ou
alguma porcaria assim”, diz Musk. Os instintos dele indicavam o oposto.
Ele nunca concentrou muito esforço em vendas e marketing — pelo
contrário: acreditava que se você fizesse um produto ótimo, as vendas
aconteceriam.
Musk começou a atormentar os primos. “Vocês são uma empresa de
vendas ou de produto?”, perguntava diversas vezes. Os primos não
conseguiam entender a fixação dele no produto. “Nós estávamos
botando pra quebrar na participação no mercado”, diz Peter, “e Elon
ficava questionando questões estéticas, apontando coisas como o aspecto
dos clipes, e se irritava, dizendo que eram feios”. Musk ficou tão
frustrado, que uma hora ameaçou deixar a presidência do conselho.
Kimbal o convenceu a não fazer isso. Em vez disso, em fevereiro de
2016, ele telefonou para os primos e disse que queria que a Tesla
comprasse a SolarCity.

***

Depois de abrir a fábrica de baterias em Nevada, a Tesla começou a


fabricar uma bateria do tamanho de uma geladeira para casas, chamada
Powerwall. Ela poderia ser ligada a painéis solares, como os instalados
pela SolarCity. O conceito ajudou Musk a evitar um erro cometido por
muitos líderes corporativos de definir os negócios de maneira muito
restrita. “A Tesla não é só uma empresa automobilística”, declarou ele
quando a Powerwall foi anunciada, em abril de 2015. “É uma empresa
de inovação energética.”
Com um telhado solar ligado a uma bateria doméstica e um Tesla na
garagem, as pessoas poderiam se libertar da dependência das grandes
companhias de serviço e combustíveis. Somados, os produtos oferecidos
permitiriam à Tesla fazer mais no combate à mudança climática do que
qualquer outra empresa — talvez mais do que qualquer outra entidade
no mundo. Havia, no entanto, um problema com o conceito de Musk de
energia integrada: o negócio solar dos primos dele não era parte da
Tesla. Fazer a Tesla comprar a SolarCity permitiria duas coisas: que ele
incorporasse o negócio de energia doméstica e ainda salvasse o negócio
dos primos. A princípio, o conselho da Tesla não aceitou a ideia, o que
era incomum. Geralmente, os conselheiros eram muito deferentes com
Musk. O acordo proposto parecia um resgate para os primos de Musk e
o investimento do próprio na SolarCity, numa época em que a Tesla
estava sofrendo com problemas de produção. No entanto, o conselho
aprovou a ideia quatro meses depois, após as condições financeiras da
SolarCity piorarem. A Tesla iria oferecer um prêmio bastante alto, de
25%, pela compra das ações da SolarCity, a maior parte das quais eram
de Musk. Ele se absteve de algumas votações do conselho, mas
participou de muitas discussões privadas com os primos na SolarCity.
Quando anunciou o acordo, em junho de 2016, Musk chamou de
“escolha óbvia”, que era “legal e moralmente correta”. A aquisição se
encaixava no “plano mestre” original elaborado para a Tesla, que ele
havia escrito em 2006: “O objetivo principal da Tesla Motors é ajudar a
acelerar a mudança de uma economia de exploração e queima de
hidrocarbonetos para uma economia de energia solar.”
Ela também se adequava ao instinto de Musk de ter um controle de
ponta a ponta de todos os seus empreendimentos. “Elon nos fez
perceber que é preciso ter a energia solar e a bateria combinadas”, diz
um dos primos, Peter. “Nós realmente queríamos oferecer um produto
integrado, mas era difícil quando os engenheiros estavam em duas
empresas diferentes.”
O acordo recebeu a aprovação de 85% dos acionistas “não
interessados” (o que significa que Musk não pôde votar com as ações
dele) tanto da Tesla quanto da SolarCity. Apesar disso, alguns acionistas
da Tesla entraram na Justiça. “Elon fez o conselho servil da Tesla
aprovar a aquisição de uma insolvente SolarCity a um preço claramente
injusto, de maneira a salvar o investimento dele — e de outros membros
da família — na fundação”, acusaram. Em 2022, um tribunal de
Delaware decidiu a favor de Musk: “A aquisição marcou um passo vital
na evolução de uma empresa que por anos deixou evidente para o
mercado e seus acionistas que tinha a intenção de expandir da fabricação
de carros elétricos para uma empresa de energia alternativa.”

“Isso está uma merda”


Em uma conferência remota com investidores da SolarCity em agosto
de 2016, pouco antes da votação dos acionistas que finalizaria a fusão
com a Tesla, Musk sugeriu um novo produto que iria transformar o
setor. “E se pudéssemos oferecer um telhado com aparência muito
melhor que a de um telhado comum? E que durasse mais que um
telhado comum? Isso mudaria tudo.”
A ideia na qual ele e os primos Rive estavam trabalhando era um
“telhado solar”, em oposição aos painéis solares instalados em cima de
telhados tradicionais. Ele seria feito de telhas que teriam células solares
embutidas. As telhas solares poderiam substituir os telhados existentes
ou serem assentadas acima deles. De qualquer uma das formas,
ofereceria uma estética melhor que um monte de painéis solares
montados sobre o telhado.
O projeto do telhado solar causou uma tensão enorme entre Musk e
os primos. Em agosto de 2016, na época em que estava insistindo no
novo produto, Peter Rive convidou Musk para inspecionar uma versão
que a empresa havia instalado no telhado de um cliente. Era um telhado
de metal de costura permanente, o que significa que as células solares
foram embutidas nas folhas de metal em vez de nas telhas.
Quando Musk chegou ao local, Peter e outras quinze pessoas estavam
em pé diante da casa. “Mas, como frequentemente acontecia”, lembrou
Peter, “Elon chegou atrasado e ficou sentado no carro, olhando o celular,
enquanto todos nós esperávamos, nervosos, que ele aparecesse”. No
momento em que ele saiu do carro, ficou evidente que estava furioso.
“Isso está uma merda”, disse Musk. “Uma grande merda. Horrível. O
que vocês estavam pensando?” Peter explicou que foi o melhor que eles
haviam podido fazer em pouco tempo para criar uma versão que fosse
instalável. Isso significou que haviam renunciado à estética. Musk
mandou os primos focarem em telhas solares e não em um telhado
metálico.
Trabalhando sem parar, os Rive e a equipe da SolarCity foram
capazes de criar um protótipo das telhas solares, e Musk agendou uma
apresentação pública para outubro. Ela aconteceu em um terreno de
filmagens do Universal Studios Hollywood: as opções de telhados
solares foram montadas em um conjunto de casas usadas na série
Desperate Housewives. Havia quatro versões, incluindo as que pareciam
telhas de ardósia francesas e telhas coloniais toscanas, junto com uma
casa que dispunha do telhado de metal que Musk odiava. Quando Musk
visitou o lugar, dois dias antes do evento, e viu a versão metálica,
explodiu: “Qual parte de ‘eu odeio este produto’ vocês não entenderam?”
Um dos engenheiros reagiu, e disse que o achava ok e que aquela versão
era mais fácil de instalar. Musk puxou Peter de lado e disse: “Acho que
esse cara não deveria estar na equipe.” Peter demitiu o engenheiro e
removeu o telhado de metal antes do evento público.
Duzentas pessoas apareceram no Universal Studios para a exibição.
Musk discursou sobre o aumento dos níveis de dióxido de carbono e a
ameaça da mudança climática. “Salve a gente, Elon!”, gritou alguém.
Nesse momento, Musk apontou para trás. “Essas casas ao redor de vocês
são todas casas solares”, disse. “Vocês notaram?”
Dentro de cada garagem havia uma versão atualizada da Powerwall da
Tesla junto com um carro Tesla. As telhas solares gerariam eletricidade
que poderia ser armazenada na Powerwall e na bateria do carro. “Este é
o futuro integrado”, afirmou Musk. “Podemos resolver toda essa equação
energética.”
Era uma visão grandiosa, mas vinha com um custo pessoal. Em um
ano, tanto Peter quanto Lyndon Rive deixariam a empresa.
capítulo 43
The Boring Company

2016
Durante uma viagem que fizera a Hong Kong no fim de 2016, Musk
estava com o dia cheio de reuniões, e, como acontecia com frequência,
precisava de alguns minutos de tranquilidade para recarregar a energia,
conferir o celular e ficar simplesmente olhando para o nada. Ele estava
fazendo isso quando Jon McNeill, o presidente de vendas e marketing
da Tesla, chegou para tirá-lo do transe. “Você já notou que as cidades
são construídas em 3-D, mas as rodovias são construídas em 2-D?”,
disse Musk. McNeill pareceu confuso. “Daria para construir rodovias
em 3-D fazendo túneis debaixo das cidades”, explicou Musk, e então
ligou para Steve Davis, um engenheiro de confiança da SpaceX. Eram
duas da manhã na Califórnia, mas Davis concordou em estudar
rapidamente maneiras de construir túneis a custo baixo.
“Ok”, disse Musk, “vou te ligar de volta em três horas”.
Quando Musk retornou a ligação, Davis tinha elaborado algumas
ideias que consistiam em usar uma máquina de tunelamento padrão para
perfurar um buraco redondo simples de doze metros de diâmetro e não
ter que reforçá-lo com concreto. “Quanto custam estas máquinas?”,
perguntou Musk. Davis disse que 5 milhões de dólares. Musk ordenou
que ele comprasse duas delas e estivesse de posse das máquinas em seu
regresso.
Ao voltar para Los Angeles dias depois, Musk se viu preso em um
congestionamento, então começou a tuitar. “O trânsito está me deixando
louco”, postou. “Vou construir uma máquina de tunelamento e começar
a perfurar.” Ele brincou com vários nomes para uma nova empresa,
como Tunnels R Us e American Tubes & Tunnels, mas chegou a um
que combinava com seu senso de humor à la Monty Python. Como
tuitou uma hora depois: “Ela vai se chamar The Boring Company.*
Abrir caminho, é o que fazemos.”
Musk havia tido uma ideia ainda mais audaciosa alguns anos antes,
que era construir um tubo do tipo pneumático com cápsulas aceleradas
eletromagneticamente que transportariam as pessoas entre cidades a
uma velocidade quase supersônica. Ele chamou o projeto de Hyperloop.
Em uma demonstração incomum de comedimento, porém, repensou e,
em vez de tentar construir um, organizou uma competição de design
para estudantes. Musk construiu um tubo de câmara a vácuo de 1.600
quilômetros na sede da SpaceX para que pudessem testar as ideias. A
primeira competição estudantil do Hyperloop foi programada para
acontecer num domingo de janeiro de 2017, e grupos de estudantes de
lugares distantes como Holanda e Alemanha planejavam ir e mostrar as
cápsulas experimentais.
O prefeito, Eric Garcetti, e outras autoridades estariam lá, então
Musk decidiu que seria uma boa oportunidade para anunciar a ideia de
cavar túneis. Em uma reunião naquela sexta de manhã, ele perguntou
quanto tempo levaria para começar a cavar um túnel no terreno ao lado
do tubo experimental do Hyperloop. Umas duas semanas, disseram a
ele. “Comecem hoje”, mandou. “Quero o maior buraco possível até
domingo.” Elissa Butterfield, assistente de Musk, correu para conseguir
que os funcionários da Tesla tirassem os carros do local, e, em três horas,
as duas máquinas de tunelamento que Davis havia comprado estavam
cavando. No domingo, um buraco de quinze metros de largura estava
aberto, o qual levava até o início do túnel.
Musk investiu 100 milhões de dólares do próprio bolso para fundar a
The Boring Company, e nos dois anos seguintes frequentemente sairia
da SpaceX e atravessaria a rua para conferir o progresso feito. Como
podemos ir mais rápido? Quais os empecilhos? “Ele passou muito tempo nos
dando lições sobre a importância de eliminar etapas e simplificar”, diz
Joe Kuhn, um jovem engenheiro de Chicago que projetou a maneira
como os veículos iriam atravessar o túnel. Por exemplo, eles estavam
cavando um poço vertical no início do túnel para colocar a máquina de
tunelamento. “O esquilo no meu quintal não faz isso”, falou Musk. Eles
acabaram redesenhando a máquina de tunelamento, para que ela
pudesse simplesmente direcionar a ponta para baixo e começar a cavar o
chão.
Quando o túnel protótipo de 1.600 quilômetros estava quase pronto,
no fim de dezembro de 2018, Musk apareceu tarde da noite, certa vez,
com dois dos filhos e a namorada, Claire Boucher, conhecida como
Grimes. Eles se amontoaram em um Tesla com rodas personalizadas e
um elevador os baixou doze metros até o túnel. “Vamos o mais rápido
que pudermos!”, disse a Kuhn, que estava dirigindo. Grimes protestou
um pouco, pediu que fossem com calma. Musk entrou no modo
engenheiro e explicou por que “a probabilidade de um impacto
longitudinal era muito pequena”. E Kuhn acelerou. “Isso é sensacional!”,
exclamou Musk. “Isso vai mudar tudo.”
Aquilo não mudou tudo. Na realidade, se tornou um exemplo de uma
ideia exagerada de Musk. A The Boring Company completou um túnel
de três quilômetros em Las Vegas, em 2021, que transportava
passageiros em Teslas do aeroporto e através do centro de convenções, e
começou a negociar projetos em outras cidades. Mas, até 2023, nenhum
deles estava em andamento.

* Um trocadilho com a palavra “boring”, que em inglês significa tanto “perfuração” quanto
“entediante”. [N. da E.]
capítulo 44
Relações complicadas
2016-2017

Com Amber Heard, que lhe deixou uma marquinha de beijo na bochecha;
com Donald Trump; Errol Musk
Trump
Musk nunca foi muito político. Como muitos especialistas em
tecnologia, ele era progressista em assuntos sociais, mas com uma
grande resistência libertária a regulamentações e ao politicamente
correto. Ele fez doações para as campanhas de Barack Obama e depois
de Hillary Clinton, e foi um crítico de Donald Trump nas eleições de
2016. “Trump não parece ter o tipo de caráter que reflete bem nos
Estados Unidos”, disse à CNBC.
Entretanto, depois que Trump venceu, Musk ficou cautelosamente
otimista de que ele poderia governar como um renegado independente,
em vez de um ressentido direitista. “Achei que talvez algumas das coisas
mais loucas que ele tivesse dito durante a campanha fossem só uma
atuação e que ele acabaria sendo mais sensato”, diz Musk. Então, a
pedido do amigo Peter Thiel, um apoiador de Trump, Musk concordou
em se juntar a um grupo de CEOs de tecnologia que iam se encontrar
com o presidente eleito em Nova York em dezembro de 2016.
Na manhã do encontro, Musk visitou os conselhos editoriais do The
New York Times e do The Wall Street Journal e depois, como o trânsito
parecia ruim, pegou o metrô na Lexington Avenue para chegar à Trump
Tower. Além de Thiel, entre os vinte CEOs de tecnologia na reunião
estavam Larry Page, do Google; Satya Nadella, da Microsoft; Jeff
Bezos, da Amazon; e Tim Cook, da Apple.
Depois do encontro, Musk ficou para uma reunião privada com
Trump. O presidente lhe disse que ganhara de um amigo um Tesla, mas
ele nunca dirigira. Musk ficou perplexo, mas não falou nada. Em
seguida, Trump afirmou que “queria muito botar a NASA em operação
de novo”. Isso deixou Musk ainda mais perplexo. Ele incitou Trump a
estabelecer objetivos maiores — principalmente enviar humanos a
Marte — e a deixar as empresas realizá-los. Trump pareceu
impressionado com a ideia de mandar pessoas a Marte, mas reiterou que
queria “botar a NASA em operação de novo”. Musk achou a reunião
estranha, mas Trump amigável. “Ele parece meio louco”, disse depois,
“mas pode acabar se revelando ok”.
Posteriormente, Trump disse a Joe Kernen, da CNBC, que ficou
impressionado com Musk. “Ele gosta de foguetes e se sai bem com os
foguetes, a propósito”, comentou Trump, e depois entrou no modo
trumpiano confuso. “Nunca vi onde essas máquinas descem sem asas,
sem nada, e elas estão pousando, e eu falei ‘Nunca vi isso antes’, e fiquei
preocupado com ele, porque é um dos nossos maiores gênios e temos
que proteger nossos gênios, você sabe que temos que proteger Thomas
Edison e temos que proteger todas essas pessoas que criaram
originalmente a lâmpada e a roda e todas essas coisas.”
Juleanna Glover, uma bem relacionada consultora de assuntos
governamentais, ajudou a organizar outras reuniões enquanto eles
estavam na Trump Tower, inclusive um encontro com o vice-presidente
eleito, Mike Pence, e os assessores de segurança nacional Michael Flynn
e K. T. McFarland. O único que impressionou Musk foi Newt
Gingrich, que era um fã do espaço e compartilhava o entusiasmo por
deixar empresas privadas licitarem para missões.
No primeiro dia de Trump como presidente, Musk foi à Casa Branca
participar de um conselho dos principais CEOs, e duas semanas depois
voltou para uma sessão parecida. Ele concluiu que o Trump presidente
não era diferente do Trump candidato. A bufonaria não era só teatro.
“Trump talvez seja um dos melhores falastrões do mundo”, diz. “Como
o meu pai. A baboseira pode, às vezes, confundir o cérebro. Se você
pensar em Trump apenas como um tipo de vigarista, então o
comportamento dele faz sentido.” Quando o presidente tirou os Estados
Unidos do Acordo de Paris, um acordo internacional para combater a
mudança climática, Musk se retirou dos conselhos presidenciais.

Amber Heard
Musk não foi criado para a tranquilidade doméstica. A maioria dos
relacionamentos amorosos dele envolve turbulência emocional. O mais
angustiante deles foi com a atriz Amber Heard, que o arrastou em um
vórtice sombrio por mais de um ano e causou uma dor profunda que
perdura até hoje. “Foi brutal”, diz ele.
O relacionamento começou depois que ela participou de um filme de
ação, em 2012, chamado Machete mata, longa que apresenta um inventor
que quer criar uma sociedade em uma estação espacial em órbita. Musk
concordou em servir de consultor porque queria conhecê-la, mas isso só
ocorreu um ano depois, quando ela perguntou se podia visitar a SpaceX.
“Acho que, para alguém que é chamada de gostosa, eu até que posso ser
considerada geek”, disse ela brincando. Musk levou Amber para um
passeio num Tesla, e ela pensou que, para um engenheiro de foguetes,
até que ele era atraente.
A vez seguinte que ela o viu foi na fila do tapete vermelho no jantar
de gala do Metropolitan Museum, em Nova York, em maio de 2016.
Heard, na época com 30 anos, estava na iminência de um divórcio
explosivo de Johnny Depp. Ela e Musk conversaram no jantar e na festa
que se seguiu. Após o relacionamento conturbado com Depp, ela achou
que Musk era uma lufada de ar fresco.
Poucas semanas depois, Amber estava trabalhando em Miami, e
Musk foi visitá-la. Eles ficaram à beira da piscina em uma villa que ele
alugou no Delano Hotel, em Miami Beach, e então Musk a levou, junto
com a irmã dela, de avião até Cabo Canaveral, onde um lançamento do
Falcon 9 estava programado. Ela achou que aquele era o encontro mais
interessante que já tivera.
Para o aniversário de Musk, em junho, Amber decidiu surpreendê-lo,
e viajou da Itália, onde estava trabalhando, até a fábrica da Tesla em
Fremont. Quando estava perto, ela parou no acostamento e colheu
algumas flores silvestres. Com a ajuda da equipe de segurança dele,
escondeu-se na traseira de um Tesla e saltou para fora com as flores
quando Musk se aproximou.
O relacionamento ficou mais sério em abril de 2017, época em que
Musk voou para ficar com Amber na Austrália, onde ela estava filmando
Aquaman, no qual interpretava a princesa guerreira e par romântico de
um super-herói que tentava salvar o mundo. Eles andaram de mãos
dadas por um santuário de vida selvagem e fizeram um curso de
arvorismo, depois do qual Heard deixou uma marquinha de beijo na
bochecha dele. Musk lhe disse que ela o fazia se lembrar de Mercy, a
personagem favorita dele no jogo de videogame Overwatch, e então ela
passou dois meses desenhando e encomendando uma fantasia completa
a fim de poder encenar para ele.
O lado divertido de Amber, no entanto, era acompanhado pelo tipo
de turbulência que atraía Musk. O irmão e os amigos dele a odiavam
tanto, que a aversão que sentiam por Justine parecia até esmorecer. “Ela
era simplesmente muito tóxica”, diz Kimbal, “um pesadelo”. O chefe de
equipe de Musk, Sam Teller, a compara com um vilão dos quadrinhos.
“Ela parecia o Coringa, do Batman”, comenta. “O único objetivo dela
era o caos. Ela acha ótimo quando desestabiliza tudo.” Amber e Musk
ficavam acordados a noite toda brigando, e ele só conseguia se levantar à
tarde.
Eles romperam em julho de 2017, mas em seguida reataram e ficaram
juntos por mais cinco turbulentos meses. O fim finalmente aconteceu
depois de uma viagem insana para o Rio de Janeiro em dezembro com
Kimbal, a esposa dele e alguns dos filhos. Quando chegaram ao hotel,
Elon e Amber tiveram outra das brigas incendiárias. Ela se trancou no
quarto e começou a gritar que tinha medo de ser atacada e que Elon
havia pegado o passaporte dela. Os seguranças e a esposa de Kimbal
tentaram convencê-la de que estava segura, o passaporte encontrava-se
na mala dela e Amber podia — e devia — partir quando quisesse. “Ela
realmente é uma ótima atriz, então diz coisas que fazem você pensar
Uau, talvez seja verdade, mas não é”, fala Kimbal. “A maneira como ela é
capaz de criar uma realidade própria me faz lembrar do meu pai.” (Pense
nisso por um minuto.)
Amber concorda que eles brigaram e ela foi meio dramática.
Entretanto, diz que fizeram as pazes naquela noite, que era o Ano-
Novo. Eles foram a uma festa e celebraram o início do novo ano em pé
numa sacada com vista para a praia de Copacabana, ela em um vestido
de linho branco decotado, ele com uma camisa de linho branca meio
desabotoada. Kimbal e a esposa estavam lá, junto com o primo Russ
Rive e a esposa dele. Para mostrar que haviam se acertado, Amber me
enviou fotos e vídeos da noite. Em um deles, Elon deseja a ela um feliz
Ano-Novo e a beija apaixonadamente nos lábios.
Ela chegou à conclusão de que Musk cultivava o drama porque
precisava de muito estímulo para mantê-lo revigorado. Mesmo depois
que eles romperam definitivamente, a chama permaneceu. “Eu o amo
muito”, diz Amber. Ela também o entende bem. “Elon ama o fogo”,
comenta ela, “e às vezes acaba se queimando”.
O fato é que a atração de Musk por Amber era parte de um padrão.
“É muito triste que o Elon se apaixone por pessoas que fazem muito mal
a ele”, diz Kimbal. “Elas são lindas, sem dúvida, mas têm um lado
sombrio e o Elon sabe que são tóxicas.”
Então por que ele faz isso? Quando pergunto a Elon, ele dá uma
risada. “Porque sou um tolo apaixonado”, responde. “Muitas vezes sou
um tolo, mas especialmente quando estou apaixonado.”

Errol e Jana
Elon não via o pai desde o fim de 2002, quando Errol e a família
fizeram uma visita depois da morte do bebê Nevada. Durante a estadia,
Elon havia ficado desconfortável com o carinho do pai pela enteada
Jana, então com 15 anos, e o pressionado a voltar para a África do Sul.
No entanto, em 2016, Elon e Kimbal planejaram uma viagem com as
respectivas famílias à África do Sul e decidiram que deveriam ver Errol,
que estava divorciado e havia tido problemas cardíacos. Elon
compartilha algumas coisas com o pai, provavelmente mais do que
gostaria de admitir, inclusive o dia do aniversário: 28 de junho. Então,
eles marcaram um almoço para tentar se reconciliar, pelo menos por um
momento, no aniversário deles — Elon estava completando 45 anos e
Errol, 70.
Encontraram-se em um restaurante na Cidade do Cabo, onde Errol
morava. Estavam presentes Kimbal e a nova esposa, Christiana, e Elon e
a atriz Natasha Bassett, com quem ele saía de vez em quando. Justine
havia pedido que os filhos, que foram na viagem, não tivessem contato
com Errol, portanto as crianças deixaram o restaurante pouco antes de o
avô chegar. Antonio Gracias também estava presente e perguntou se
podia ir embora. “Elon pôs a mão na minha perna e pediu: ‘Fica, por
favor’”, recorda-se Gracias. “Foi a única vez que vi as mãos do Elon
tremendo.” Quando entrou no restaurante, Errol elogiou Elon em voz
alta pela beleza de Natasha, o que deixou todos desconfortáveis. “Elon e
Kimbal se fecharam, ficaram silenciosos”, diz Christiana. Após uma
hora, disseram que era hora de ir.
Elon tinha planejado levar Kimbal, Christiana, Natasha e as crianças
a Pretória, para verem onde os dois haviam crescido. Contudo, depois do
encontro com o pai, não havia mais clima. Elon interrompeu a viagem
abruptamente e voou de volta para os Estados Unidos, dizendo aos
demais e a si mesmo que precisava retornar para lidar com a situação do
motorista que havia morrido na Flórida enquanto usava o Autopilot da
Tesla.

***

A visita, apesar de breve, parecia anunciar uma détente com o pai, que
poderia, talvez, ter ajudado Elon a domar alguns dos demônios que
ainda o assombravam. Mas isso não aconteceu. Naquele mesmo ano,
não muito depois que Elon partiu da África do Sul, Errol engravidou
Jana, que estava então com 30 anos. “Éramos pessoas solitárias,
perdidas”, disse Errol depois. “Uma coisa levou a outra. Você pode
chamar isso de plano divino ou plano da natureza.”
Quando Elon e os irmãos descobriram, ficaram assustados e furiosos.
“Eu estava, na realidade, gradativamente fazendo as pazes com meu
pai”, diz Kimbal, “mas aí ele teve um filho com a Jana e eu decretei:
‘Acabou, estou fora. Nunca mais quero falar com você.’ E não falei mais
com ele desde então”.
Logo depois de saber da notícia, no verão de 2017, Elon tinha uma
entrevista agendada com Neil Strauss para uma matéria de capa da
Rolling Stone. Strauss começou a entrevista com uma pergunta sobre o
Model 3 da Tesla. Como acontecia com frequência, Musk simplesmente
ficou em silêncio. Ele estava processando ambas as situações, a com
Amber Heard e a com o pai dele. Sem dar muita explicação, Musk se
levantou e saiu.
Depois de mais de cinco minutos, Teller foi buscá-lo. Quando Musk
voltou, ele explicou para Strauss: “Acabei de terminar com minha
namorada. Estava realmente apaixonado, e dói muito.” Mais adiante na
entrevista, ele falou sobre o pai, mas sem mencionar o filho que Errol
havia acabado de ter com Jana. “Ele é um ser humano tão terrível”, disse
Musk, começando a chorar. “Meu pai sempre vai ter um plano maléfico
cuidadosamente urdido. Ele planeja o mal. Quase todo crime no qual
você possa pensar, ele já cometeu.” No perfil que publicou, Strauss
destacou que Musk não entrou em detalhes. “Nitidamente, existe algo
que Musk quer compartilhar, mas não consegue expressar com palavras.”
capítulo 45
Descida para a escuridão
2017

Analisando um conjunto de baterias com Omead Afshar (no canto esquerdo)


Você é bipolar?
Devastado pelo rompimento com Amber Heard e pela notícia de que o
pai havia tido um filho com a mulher que criou como enteada, Musk
passou por períodos em que oscilava entre depressão, estupor, vertigem e
energia maníaca. Ele ficava num péssimo humor, que o levava a transes
catatônicos e a uma paralisia depressiva. Então, como se um interruptor
tivesse sido ligado, ele ficava tonto e repetia esquetes antigos de Monty
Python que incluíam jeitos esquisitos de andar e debates malucos, e aí
explodia numa risada vacilante. Profissional e emocionalmente, o
período entre o verão de 2017 e o outono de 2018 seria o mais infernal
da vida dele, pior até que as crises de 2008. “Foi o período de dor mais
concentrada que já senti”, diz. “Dezoito meses de insanidade implacável.
Foi incrivelmente doloroso.”
Em certo momento no fim de 2017, Musk devia participar de uma
reunião de resultados da Tesla com analistas de Wall Street. Jon
McNeill, que na época era o presidente da Tesla, o encontrou no chão
da sala de conferências com as luzes apagadas. McNeill foi até lá e se
deitou ao lado dele. “Ei, cara”, disse McNeill, “temos uma reunião de
resultados para fazer”.
“Não consigo”, falou Musk.
“Você precisa fazer.”
McNeill levou meia hora para conseguir fazê-lo ir. “Ele saiu de um
estado letárgico para um em que podíamos sentá-lo na cadeira, chamar
as demais pessoas para a sala e ajudá-lo a passar pela declaração inicial, e
então o substituir”, lembra McNeill. Quando a reunião acabou, Musk
disse: “Eu precisava me deitar, desligar as luzes. Precisava só de um
tempo sozinho.” McNeill conta que a mesma cena se repetiu em cinco
ou seis ocasiões, inclusive uma vez que ele teve que se deitar no chão da
sala de conferências ao lado de Musk para conseguir que ele aprovasse
um novo design do site.
Mais ou menos nessa época, um usuário do Twitter perguntou se
Musk era bipolar. “Sim”, respondeu ele, mas acrescentou que não havia
sido diagnosticado por um médico. “Sentimentos ruins vêm de
acontecimentos ruins, então talvez o problema real seja eu me deixar
levar pelo que me proponho a fazer.” Um dia, quando estavam sentados
na sala de conferências da Tesla depois de um dos momentos difíceis de
Musk, McNeill perguntou diretamente se ele era bipolar. Quando Musk
disse que provavelmente sim, McNeill empurrou a cadeira para longe da
mesa e se virou para falar com Musk olho no olho. “Olha, eu tenho um
parente que é bipolar”, disse McNeill. “Tive uma experiência próxima
com isso. Se você fizer um bom tratamento e tomar os medicamentos
certos, pode voltar a ser quem você é. O mundo precisa de você.”
McNeill conta que foi uma conversa saudável, e Musk pareceu ter um
desejo claro de sair daquele estado mental confuso.
No entanto, aquilo não aconteceu. Quando pergunto, ele diz que sua
maneira de lidar com os problemas mentais “é só aceitar a dor e ter
certeza de que você realmente se importa com o que está fazendo”.

“Bem-vindos ao inferno da produção!”


Quando o Model 3 começou a sair da linha de produção em julho de
2017, miraculosamente dentro do prazo insano que Musk havia
determinado, a Tesla fez um evento ostentoso na fábrica de Fremont
para celebrar. A programação dizia que, antes de subir ao palco, Musk
estaria em uma sala para responder a perguntas de alguns jornalistas.
Contudo, algo estava errado. Ele havia passado o dia todo com um
humor mórbido — tomou de uma só vez algumas latas de Red Bull para
seguir em frente, depois tentou meditar, algo que nunca tinha feito para
valer antes.
Franz von Holzhausen e JB Straubel tentaram tirá-lo do estupor com
um discurso motivacional. Mas Musk não reagia, o rosto inexpressivo,
deprimido. “Eu tinha passado por um sofrimento emocional severo nas
semanas anteriores”, diria ele depois. “Severo. Precisei reunir cada pingo
de vontade em mim para ser capaz de fazer o evento do Model 3 e não
parecer o cara mais deprimido do lugar.” Finalmente, Musk conseguiu se
aprumar e foi à entrevista coletiva. Parecia irritado e depois distraído.
“Me desculpem por parecer um pouco frio”, falou para os repórteres.
“Estou com muita coisa na cabeça.”
Então chegou o momento de aparecer na frente de duzentos fãs
barulhentos e funcionários. Ele tentou fazer um bom show, pelo menos
inicialmente. Dirigiu um novo Model 3 vermelho no palco, pulou para
fora e ergueu os braços. “O objetivo desta empresa era fazer um carro
elétrico realmente excelente e acessível”, disse, “e finalmente
conseguimos”.
A fala de Musk, porém, logo assumiu um tom estranho. Mesmo as
pessoas na plateia podiam ver que, apesar da tentativa de parecer
animado, ele estava num momento sombrio. Em vez de celebrar, alertou
para os tempos difíceis que vinham pela frente. “O maior desafio para
nós nos próximos seis a nove meses é descobrir como construir uma
enorme quantidade de carros”, falou, hesitante. “Francamente, vamos
estar numa produção infernal.” Em seguida, Musk começou a rir de
uma forma um pouco maníaca. “Bem-vindos! Bem-vindos! Bem-vindos
ao inferno da produção! É onde estaremos por pelo menos seis meses.”
Essa perspectiva, como todos os dramas infernais, parecia preenchê-
lo com uma energia sombria. “Estou ansioso para trabalhar com vocês
nessa jornada pelo inferno!”, exclamou ele para uma plateia assustada.
“Como diz o ditado, se você está passando pelo inferno, siga em frente.”
Ele estava. E seguiu em frente.

Inferno em Giga Nevada


Em épocas de turbulência emocional, Musk se enterra no trabalho feito
um maníaco. E foi o que fez depois do evento em julho de 2017, que
marcou o início da produção do Model 3.
Musk tinha um objetivo principal: aumentar a produção para que a
Tesla entregasse 5 mil Models 3 por semana. Ele havia feito os cálculos
dos custos da empresa, das despesas gerais e do fluxo de caixa. Se
chegassem a esse nível de produção, a Tesla sobreviveria. Se não, ficaria
sem dinheiro. Ele repetia isso como um mantra para cada executivo, e
instalou monitores na fábrica que mostravam em tempo real a produção
de carros e componentes.
Chegar a 5 mil carros por semana seria um enorme desafio. No fim de
2017, a Tesla estava produzindo carros na metade desse ritmo. Musk
decidiu que tinha que se mudar, literalmente, para o chão de fábrica e
liderar o aumento da produção. Era uma tática — assumir pessoalmente
o posto 24 horas por dia, 7 dias por semana, em uma força-tarefa com
colegas fanáticos — que passou a definir a intensidade maníaca que ele
exigia nas empresas.
Ele começou com a gigafábrica em Nevada, onde a Tesla produzia
suas baterias. A pessoa que desenhou a linha de produção disse a Musk
que fazer 5 mil conjuntos de bateria por semana era insano. No máximo
seria possível fazer 1.800. “Se você estiver certo, a Tesla está acabada”,
falou Musk. “Ou temos 5 mil carros por semana ou não vamos cobrir
nossos custos.” Construir mais linhas de produção levaria mais um ano,
disse o executivo. Musk o demitiu e trouxe um novo capitão, Brian
Dow, que tinha a mentalidade entusiasmada de que Musk gostava.
Musk assumiu o controle do chão de fábrica, executando o papel de
um marechal descontrolado. “Era um frenesi de insanidade”, diz ele.
“Estávamos dormindo apenas quatro ou cinco horas, muitas vezes no
chão. Eu me lembro de pensar: Estou no limite da sanidade.” Os colegas
dele concordavam.
Musk chamou reforços, entre eles seus mais leais assessores: Mark
Juncosa, o engenheiro que era seu fiel escudeiro na SpaceX, e Steve
Davis, que liderava a The Boring Company. Ele convocou até seu jovem
primo James Musk, filho do irmão mais novo de Errol, que havia
acabado de se formar em Berkeley e se juntou à equipe do Tesla
Autopilot como programador. “Recebi uma ligação do Elon, que me
disse para estar no aeroporto de Van Nuys em uma hora”, conta James.
“Voamos para Reno e acabei ficando lá por quatro meses.”
“Havia um bilhão de problemas”, diz Juncosa. “Um terço das células
estava ferrada, assim como um terço das estações de trabalho.” Eles se
distribuíram para trabalhar em diferentes seções da linha de produção de
baterias, indo de estação em estação e solucionando problemas de
qualquer processo que estivesse atrasando as coisas. “Quando estávamos
muito exaustos, íamos dormir no hotel por quatro horas e voltávamos”,
diz Juncosa.
Omead Afshar, um engenheiro biomédico com formação secundária
em poesia, tinha acabado de ser contratado para trabalhar com Sam
Teller como ajudante de campo de Musk. Ele cresceu em Los Angeles,
e, quando estava no ensino fundamental, levava uma pasta para a escola
porque queria parecer com o pai, um engenheiro nascido no Irã. Omead
trabalhou por alguns anos montando instalações para fabricantes de
equipamentos médicos, e rapidamente se deu bem com Musk depois de
entrar para a Tesla. Ambos falavam com uma leve gagueira, que
mascarava a mentalidade de engenharia. No primeiro dia no trabalho,
depois de alugar um apartamento perto da sede da Tesla no Vale do
Silício, Omead foi arrastado pela onda de trabalho e passou os três
meses seguintes atuando na gigafábrica de baterias de Nevada e
dormindo em um hotelzinho de 20 dólares por noite ali perto. Sete dias
por semana, ele acordava às cinco da manhã, tomava uma xícara de café
com o guru da produção, Tim Watkins, trabalhava na fábrica até as dez
da noite e depois tomava uma taça de vinho com Watkins antes de
dormir.
Certo dia, Musk notou que a linha de montagem estava sendo
atrasada por uma estação em que as tiras de fibra de vidro eram grudadas
nos conjuntos de bateria por um robô que era caro, mas lento. As
ventosas do robô derrubavam as tiras e aplicavam cola demais. “Percebi
que o primeiro erro foi tentar automatizar o processo, o que era culpa
minha por pressionar por muita automação”, diz ele.
Depois de muita frustração, Musk finalmente fez a pergunta básica:
“Para que servem essas malditas tiras?” Ele estava tentando visualizar
por que as tiras de fibra de vidro eram necessárias entre a bateria e o piso
do carro. A equipe de engenharia disse que a especificação veio da
equipe de redução de ruído, para diminuir a vibração. Então ele chamou
a equipe de redução de ruído, a qual disse que a especificação veio da
equipe de engenharia, para reduzir o risco de incêndio. “Parecia que eu
estava em uma tirinha do Dilbert”, comenta Musk. Então ele mandou
que gravassem todos os sons dentro do carro com e sem a fibra de vidro.
“Vejam se conseguem perceber alguma diferença”, orientou. Ninguém
conseguiu.
“O primeiro passo deveria ser questionar as especificações”, explica
ele. “Deixá-las menos erradas e burras, porque todas as especificações
são um pouco erradas e burras. E então eliminar, eliminar, eliminar.”
A mesma abordagem funcionava mesmo no menor dos detalhes. Por
exemplo, quando os conjuntos de baterias eram concluídos em Nevada,
pequenos protetores de plástico, como tampas, eram colocados nas
pontas que seriam ligadas ao carro. No momento em que a bateria ia
para a montagem de carros da fábrica de Fremont, as tampas plásticas
eram removidas e descartadas. Às vezes acabavam as tampas em Nevada
e eles tinham que segurar um carregamento de baterias. Quando Musk
perguntou por que as tampas existiam, disseram que fora uma
especificação recebida para garantir que os pinos não dobrassem. “Quem
especificou esse requisito?”, perguntou ele. A equipe da fábrica penou
para descobrir a origem da especificação, mas não chegou a um nome.
“Então eliminem as tampas”, disse Musk. Assim fizeram, e no fim das
contas nunca tiveram problemas.
Apesar de haver um espírito de união no pelotão de Musk, ele sabia
ser frio e grosseiro. Certo sábado, às dez horas da noite, ficou irritado
com um braço robótico que instalava um tubo resfriador em uma
bateria. O alinhamento do robô estava errado, o que causava atrasos no
processo. Um jovem engenheiro de produção chamado Gage Coffin foi
convocado. Ele se animou com a chance de conhecer Musk. Estava
trabalhando na Tesla havia dois anos e passara os onze meses anteriores
vivendo apenas com uma mala e trabalhando sete dias por semana na
fábrica. Era o primeiro trabalho dele em tempo integral, e ele o amava.
Quando chegou, Musk gritou: “Ei, isso aqui não está alinhado. Você
que fez isso?” Hesitante, Coffin perguntou a Musk sobre o que ele
estava falando. A programação? O design? A ferramenta? Musk
continuou indagando: “Você que fez essa porra?” Coffin, confuso e
assustado, continuou se atrapalhando para responder. Isso fez Musk ficar
ainda mais combativo. “Você é um idiota”, disse ele. “Caia fora daqui e
não volte mais.” O gerente de projeto de Coffin o chamou alguns
minutos depois e informou que Musk mandou demiti-lo. Coffin recebeu
os papéis da demissão naquela segunda. “Meu gerente foi demitido na
semana seguinte e o gerente dele, uma semana depois”, diz ele. “Pelo
menos Elon sabia o nome deles.”
“Quando Elon se irrita, ele desconta nos outros, frequentemente nos
funcionários iniciantes”, diz Jon McNeill. “A história de Gage era típica
do comportamento dele, que simplesmente não conseguia processar a
frustração de maneira produtiva.” JB Straubel, o cofundador mais
amável e mais gentil da Tesla, constrangia-se com o comportamento de
Musk. “Olhando em retrospecto, podem parecer boas histórias de
guerra”, comenta Straubel, “mas na hora era absolutamente horrível. Ele
estava nos fazendo demitir pessoas que eram amigas pessoais havia
muito tempo, o que era muito doloroso”.
Musk responde afirmando que pessoas como Straubel e McNeill
eram relutantes demais em proceder com demissões. Naquela área da
fábrica, as coisas não estavam funcionando bem. Peças se acumulavam
nas estações de trabalho e a linha de produção não andava. “Ao tentar
ser agradável com algumas pessoas”, diz Musk, “na realidade você não
está sendo agradável com as dezenas de outras pessoas que estão fazendo
bem o trabalho e vão ser prejudicadas se eu não consertar os problemas”.
Ele passou aquele Dia de Ação de Graças na fábrica, junto com
alguns dos filhos, porque havia exigido que os funcionários
trabalhassem. Qualquer dia em que a fábrica não estivesse fazendo
baterias atrapalharia o número de carros que a Tesla podia produzir.

Desautomação
Desde o desenvolvimento das linhas de montagem, no início dos anos
1900, a maioria das fábricas tem sido projetada em dois estágios.
Primeiro, a linha é organizada com trabalhadores que fazem tarefas
específicas em cada estação. Depois, quando os problemas são
resolvidos, robôs e outras máquinas são gradualmente inseridos para
assumir parte do trabalho. Musk fez o inverso. Em sua visão de uma
fábrica moderna do tipo “encouraçado alienígena”, ele começou
automatizando todas as tarefas possíveis. “Tínhamos uma linha de
produção muito automatizada que usava toneladas de robôs”, diz
Straubel. “Só que havia um problema. Não funcionava.”
Certa noite, Musk andava pela fábrica de conjuntos de bateria em
Nevada com seu pelotão — Omead Afshar, Antonio Gracias e Tim
Watkins —, e eles notaram um atraso em uma estação de trabalho na
qual um braço robótico colava células em um tubo. A máquina tinha um
problema para segurar o material e deixá-lo alinhado. Watkins e Gracias
foram até uma mesa e tentaram fazer o processo manualmente. Eles
conseguiam fazer de forma mais confiável. Então chamaram Musk e
calcularam quantos humanos seriam necessários para se livrar da
máquina. Foram contratados trabalhadores para substituir o robô, e a
linha de montagem passou a andar mais rápido.
Musk passou de apóstolo da automação para uma nova missão que
assumiu com zelo similar: encontrar qualquer parte da linha onde
houvesse um atraso e ver se a desautomação poderia torná-la mais
rápida. “Começamos a limar os robôs da linha de produção e a jogá-los
no estacionamento”, conta Straubel. Em um fim de semana, eles
marcharam pela fábrica pintando marcas no maquinário que seria
descartado. “Fizemos um buraco na lateral do prédio só para remover
todo o equipamento”, diz Musk.
O experimento foi uma lição que se tornaria parte do algoritmo de
produção de Musk. Sempre espere até o fim do processo de
desenvolvimento — depois que você questionou todas as especificações e
eliminou as partes desnecessárias — antes de automatizar.
Em abril de 2018, a fábrica de Nevada estava funcionando melhor. O
clima havia esquentado um pouco, então Musk decidiu que ia dormir na
laje da fábrica em vez de dirigir até um hotel de beira de estrada. O
assistente dele comprou barracas e os amigos Bill Lee e Sam Teller se
juntaram a ele. Certa noite, depois de inspecionar as linhas de
montagem do módulo e dos conjuntos até quase a uma da manhã, eles
foram para a laje, acenderam uma pequena fogueira portátil e
conversaram sobre o próximo desafio. Musk estava pronto para dar
atenção a Fremont.
Na sala de conferências Júpiter, em Fremont, em 2008, assistindo a um
lançamento e observando os números de produção da Tesla
capítulo 46
O inferno da fábrica de
Fremont
Tesla, 2018

Na linha de montagem, e descansando debaixo da mesa dele na fábrica de


Fremont
Vendas a descoberto
À medida que os gargalos na fábrica de baterias de Nevada se resolviam,
na primavera de 2018, Musk voltou a atenção para a montadora de
carros de Fremont, localizada na periferia industrial deteriorada do Vale
do Silício, do outro lado da baía de São Francisco em relação a Palo
Alto. No início de abril, a fábrica estava produzindo apenas 2 mil
Models 3 por semana. Não parecia existir um jeito de as leis da física
permitirem que Musk fizesse as linhas de montagem da fábrica
produzirem o número mágico de 5 mil carros por semana, o que ele
estava prometendo a Wall Street que aconteceria no fim daquele mês de
junho.
Musk deu um basta na situação e disse a todos os gerentes que
encomendassem peças e materiais suficientes para produzir aquele total.
Teriam que pagar por isso, mas, se tudo aquilo não fosse transformado
em carros prontos, a Tesla teria problemas de fluxo de caixa que a
levariam à espiral da morte. O resultado foi mais um daqueles exercícios
frenéticos de treinamento contra incêndios que Musk chamava de onda.
No início de 2018, as ações da Tesla estavam variando em torno de
seu maior valor, tornando-a mais valiosa que a General Motors, apesar
de a GM ter vendido 10 milhões de carros com um lucro de 12 bilhões
de dólares no ano anterior, enquanto a Tesla vendera 100 mil carros e
perdera 2,2 bilhões de dólares. Esses números e o ceticismo a respeito da
promessa de Musk de 5 mil carros por semana transformaram as ações
da Tesla em um ímã para operações de vendas a descoberto, que geram
lucro se o preço da ação cair. Em 2018, a Tesla havia se tornado a ação
mais vendida a descoberto da história.
Isso enfureceu Musk. Ele acreditava que as pessoas que apostavam na
queda das ações não eram apenas céticas, mas também cruéis: “São
sanguessugas no pescoço do negócio.” Os vendedores a descoberto
atacaram publicamente a Tesla e o próprio Musk. Ele rolava o feed do
Twitter fervilhando de raiva com as informações falsas. Ainda piores
eram as informações verdadeiras. “Eles tinham fontes na empresa e
drones que sobrevoavam nossa fábrica dando a eles dados atualizados e
números em tempo real”, diz. “Eles se organizavam em uma força
terrestre e aérea mercenária. A quantidade de informação interna que
tinham era insana.”
Mais tarde isso seria a perdição deles. Os operadores que apostavam
na queda das ações tinham números brutos sobre quantos carros
poderiam ser produzidos pelas duas linhas de montagem em Fremont, e
isso os levou a concluir que não havia maneira de a Tesla atingir os 5 mil
carros por semana em meados de 2018. “Achamos que a decepção está
prestes a atingir a TSLA”, escreveu um dos operadores, David Einhorn.
“O comportamento errático de Elon Musk dá a entender que ele pensa
o mesmo.” E o mais famoso operador de vendas a descoberto, Jim
Chanos, declarou publicamente que as ações da Tesla eram, em suma,
inúteis.
Mais ou menos nessa época, Musk fez a aposta contrária. O conselho
da Tesla lhe concedeu o mais ousado pacote de remuneração na história
norte-americana, um modelo que não pagaria nada a ele se as ações não
aumentassem drasticamente, mas que tinha o potencial de pagar 100
bilhões de dólares, ou mais, se a empresa atingisse um conjunto de
objetivos extraordinariamente agressivos, inclusive um salto nos números
de produção, receita bruta e preço de ações. Havia um ceticismo
disseminado de que ele pudesse bater as metas. “O sr. Musk só será pago
se atingir uma série de metas impressionantes baseadas no valor de
mercado da empresa e em suas operações”, escreveu Andrew Ross
Sorkin no The New York Times. “Caso contrário, ele não receberá nada.”
O pagamento máximo só aconteceria se “o sr. Musk conseguisse, de
alguma forma, aumentar o valor da Tesla para 650 bilhões de dólares —
um valor que muitos especialistas acham risível de tão impossível”.

Andar até o vermelho


No centro da fábrica de Fremont está a principal sala de conferências,
conhecida como Júpiter. Musk a usava como escritório, local de reunião,
refúgio para tormentos mentais e às vezes lugar para dormir. Uma série
de telas, que piscavam e atualizavam como os displays de ações,
acompanhava em tempo real a saída de produção da fábrica e de cada
estação de trabalho.
Musk havia percebido que projetar uma boa fábrica era como
desenhar um microchip. Era importante criar, a cada fragmento, a
densidade, o escoamento e os processos certos. Então ele deu mais
atenção ao monitor que mostrava cada estação da linha de montagem
com uma luz verde ou vermelha que indicava se estava fluindo
adequadamente. Havia também luzes verdes e vermelhas nas próprias
estações, de modo que Musk era capaz de andar pelo chão de fábrica e ir
até os pontos problemáticos. A equipe dele chamava isso de “andar até o
vermelho”.
A onda em Fremont começou na primeira semana de abril de 2018.
Naquela segunda-feira, ele começou a andar pela fábrica com seu
característico passo rápido de urso, indo até cada luz vermelha que visse.
Qual o problema? Uma peça estava faltando. Quem é o responsável por essa
peça? Traga-o aqui. Um sensor fica disparando. Quem o calibrou?
Encontre alguém que possa abrir o console. Podemos ajustar as configurações?
Por que sequer precisamos da porra do sensor?
O processo foi interrompido naquela tarde porque a SpaceX estava
lançando uma missão importante de carga e suprimentos para a estação
espacial. Então, Musk voltou para a sala de conferências Júpiter com o
intuito de assistir em um dos monitores. Mesmo assim, os olhos dele
ficavam se voltando para as telas que mostravam os números de
produção e os gargalos na linha de montagem da Tesla. Sam Teller
pediu comida tailandesa, e Musk retomou a procissão pela fábrica,
procurando por luzes vermelhas. Às duas e meia da manhã, ele estava
junto ao pessoal do turno da noite sob um carro movido em um rack
vendo parafusos sendo instalados. Por que tem quatro parafusos aqui?
Quem especificou isso? Podemos fazer com dois? Tente.
Durante a primavera e o começo do verão de 2018, Musk circulou
pelo chão de fábrica como tinha feito em Nevada, tomando decisões de
pronto. “Elon estava enlouquecendo, marchando de uma estação a
outra”, diz Juncosa. Musk calculou que em um dia bom tomava cem
decisões enquanto andava pelo chão de fábrica. “Pelo menos 20% se
mostrarão erradas e terão que ser alteradas depois”, fala. “Mas, se eu não
tomar decisões, nós morremos.”

***

Um dia, Lars Moravy, um valioso executivo de alto escalão, estava


trabalhando na sede executiva da Tesla, a alguns quilômetros de
distância, em Palo Alto, quando recebeu uma ligação urgente de Omead
Afshar pedindo que fosse até a fábrica. Ao chegar, encontrou Musk
sentado de pernas cruzadas sob o transporte rolante elevado que levava
as carrocerias dos carros pela linha. De novo, Musk estava
impressionado com o número de parafusos que haviam sido
especificados. “Por que temos seis aqui?”, perguntou ele, apontando.
“Para deixá-lo estável numa colisão”, respondeu Moravy.
“Não, o impacto principal numa colisão viria por este anteparo aqui”,
explicou Musk. Ele havia visualizado todos os pontos de pressão e
começou a recitar os números de tolerância em cada ponto. Moravy
devolveu aos engenheiros para que fosse redesenhado e testado.
Em outra estação de trabalho, as carrocerias parcialmente finalizadas
do carro eram presas a uma sapata que as movia através do processo final
de montagem. Os braços robóticos que apertavam os parafusos estavam,
Musk achava, movendo-se muito devagar. “Até eu faria mais rápido”,
disse ele. Então ordenou que os trabalhadores vissem as configurações
das chaves de parafuso, mas ninguém sabia abrir o console de controle.
“Ok, vou simplesmente ficar em pé aqui até que a gente encontre
alguém que consiga abrir o console.” Finalmente, um técnico que
conseguia acessar os controles do robô foi encontrado. Musk descobriu
que o robô estava configurado para 20% da velocidade máxima e que a
configuração-padrão instruía o braço a virar o parafuso duas vezes para
trás antes de apertá-lo. “As configurações de fábrica sempre são idiotas”,
disse Musk. Então ele rapidamente reescreveu o código para eliminar as
voltas para trás. Depois definiu a velocidade para 100% da capacidade.
Isso começou a espanar a rosca, então ele reduziu para 70%. Funcionou
direito e reduziu o tempo que levava para prender os carros nas sapatas
para menos da metade.
Uma parte do processo de pintura, uma pintura por eletrodeposição,
envolvia mergulhar a carroceria do carro em um tanque. Áreas da
carroceria têm pequenos buracos para que as cavidades drenem depois
do mergulho na tinta. Esses buracos são então cobertos com remendos
de borracha, conhecidos como remendos butílicos. “Por que estão
aplicando isso?”, perguntou Musk a um dos gerentes da linha, que
respondeu ter sido especificado pelo departamento de estrutura veicular.
Então Musk convocou o chefe do departamento. “Para que diabos serve
isso?”, questionou. “Está atrasando a linha de montagem toda.” Ele foi
informado de que, numa inundação, se a água ficar acima do nível do
assoalho, os remendos butílicos ajudam a evitar que o chão fique
encharcado. “Isso é insano”, respondeu Musk. “Uma inundação desse
tipo acontece uma vez a cada dez anos. Quando acontecer, os tapetes
podem molhar.” Os remendos foram eliminados.
As linhas de produção frequentemente paravam quando os sensores
de segurança eram disparados. Musk chegou à conclusão de que os
sensores eram sensíveis demais, disparando quando não havia um
problema real. Ele testou alguns para ver se algo pequeno, como um
pedaço de papel caindo próximo ao sensor, poderia provocar uma
parada. Isso levou a uma cruzada para eliminar sensores tanto em carros
da Tesla quanto em foguetes da SpaceX. “A menos que um sensor seja
absolutamente necessário para ligar um motor ou pará-lo sem danos
antes que exploda, deve ser eliminado”, escreveu Musk em um e-mail
para os engenheiros da SpaceX. “Daqui para a frente, qualquer um que
colocar um sensor (ou qualquer coisa) em um motor que não seja
obviamente indispensável será demitido.”
Alguns dos gerentes apresentaram objeções. Eles achavam que Musk
estava comprometendo a segurança e a qualidade para apressar a
produção. O diretor sênior de qualidade de produção foi embora. Um
grupo de atuais e ex-funcionários disse para a CNBC que eles estavam
sendo “pressionados a cortar caminho para atingir as metas de produção
agressivas do Model 3”. Também disseram que estavam sendo
pressionados a fazer consertos improvisados, como arrumar um suporte
de plástico rachado com fita isolante. O The New York Times noticiou
que os funcionários se sentiam forçados a trabalhar dez horas por dia. “É
um constante ‘Quantos carros fizemos até agora?’, uma pressão
incessante para produzir”, declarou um funcionário ao jornal. Havia um
pouco de verdade nas reclamações. O índice de acidentes de trabalho da
Tesla era 30% superior ao das outras empresas automotivas.

Remoção de robô
Durante o esforço para aumentar a produção na fábrica de baterias de
Nevada, Musk tinha aprendido que certas tarefas, às vezes muito
simples, são desempenhadas melhor por humanos do que por robôs.
Com os olhos, podemos procurar em volta e encontrar a ferramenta
certa de que precisamos. Depois podemos ir até ela, pegá-la com os
dedos, ver o lugar certo para usá-la e guiá-la com nosso braço. Fácil,
certo? Não para um robô, não importa quão boas sejam as câmeras que
ele tenha. Em Fremont, onde cada linha de montagem tinha 1.200
dispositivos robóticos, Musk chegou à mesma conclusão que chegara em
Nevada sobre os riscos de uma automatização tão implacável.
Perto do fim da linha de montagem havia braços robóticos tentando
ajustar as borrachas vedantes em torno das janelas. Eles estavam tendo
dificuldades. Certo dia, depois de ficar de pé em silêncio na frente dos
robôs obstinados por alguns minutos, Musk tentou fazer a tarefa com as
próprias mãos. Era fácil para um humano. Então deu uma ordem,
parecida com a que dera em Nevada: “Vocês têm 72 horas para remover
todas as máquinas desnecessárias.”
A remoção dos robôs começou mal. As pessoas haviam investido
muito nas máquinas. Mas então virou um tipo de jogo. Musk começou a
andar pela linha, sacudindo uma lata de tinta spray laranja. “Fica ou
vai?”, perguntava ele para Nick Kalayjian, o vice-presidente de
engenharia, ou para outras pessoas. Se a resposta fosse “vai”, a peça era
marcada com um X laranja e os funcionários a tiravam da linha. “Logo
ele estava rindo, como uma criança”, diz Kalayjian.
Musk assumiu a responsabilidade pela automatização excessiva, e
chegou até a anunciar isso publicamente. “A automatização excessiva na
Tesla foi um erro”, tuitou. “Para ser preciso, erro meu. Os humanos são
subestimados.”
Depois da desautomação e de outras melhorias, a fábrica aprimorada
de Fremont estava produzindo 3.500 sedãs Model 3 por semana no fim
de maio de 2018. Era um número impressionante, mas ainda muito
abaixo dos 5 mil por semana que Musk tinha prometido para o fim de
junho. Os operadores que apostavam na baixa das ações, com seus
espiões e drones, determinaram que não havia como a fábrica, com suas
duas linhas de montagem, alcançar essa meta. Eles também sabiam que
não havia como a Tesla construir outra fábrica, ou mesmo conseguir
autorização para tal, pelo menos dentro de um ano. “Os operadores
achavam que tinham a informação perfeita”, diz Musk, “e estavam se
gabando on-line, dizendo ‘É, a Tesla está ferrada’”.

A tenda
Musk gosta de história militar, especialmente das histórias sobre o
desenvolvimento de aviões de guerra. Em uma reunião na fábrica de
Fremont no dia 22 de maio, ele recontou uma história sobre a Segunda
Guerra Mundial. Quando o governo precisou acelerar a produção de
bombardeiros, montou linhas de produção nos estacionamentos das
companhias aéreas na Califórnia. Musk discutiu a ideia com Jerome
Guillen, que em breve seria promovido a presidente de automotivos da
Tesla, e ambos decidiram que podiam fazer algo parecido.
Havia uma cláusula no código de zoneamento de Fremont para algo
chamado “instalação temporária de conserto de veículos”, a qual previa
que postos de combustível tivessem permissão de instalar tendas onde
pudessem trocar pneus ou silenciadores. Entretanto, o regulamento não
especificava um tamanho máximo para essas tendas. “Consiga uma
dessas autorizações e comece a construir uma tenda enorme”, disse
Musk para Guillen. “Vamos ter que pagar uma multa depois.”
Naquela tarde, os funcionários da Tesla começaram a limpar os
entulhos que cobriam um velho estacionamento atrás da fábrica. Não
havia tempo para pavimentar o concreto rachado, então eles
simplesmente cobriram uma longa faixa e começaram a construir a
tenda em torno dela. Um dos ases de Musk na construção de fábricas,
Rodney Westmoreland, viajou para lá a fim de coordenar a construção, e
Teller reuniu caminhões de sorvete para entregar as iguarias doces aos
que estavam trabalhando ao sol. Em duas semanas, conseguiram
completar uma instalação dentro da tenda que tinha trezentos metros de
comprimento por 45 metros de largura, grande o suficiente para
acomodar uma linha de montagem improvisada. Em vez de robôs, havia
humanos em cada estação de trabalho.
O problema era que eles não tinham uma esteira transportadora para
mover os carros incompletos pela tenda. Só tinham um sistema antigo
para movimentar partes, mas não era poderoso o suficiente para mover
as carrocerias. “Então instalamos com uma ligeira inclinação, e a
gravidade impulsionava os carros a se moverem na velocidade certa”, diz
Musk.
Pouco depois das quatro horas da tarde do dia 16 de junho, apenas
três semanas depois de Musk ter a ideia, a nova linha de montagem já
estava produzindo sedãs Model 3 na tenda improvisada. Neal Boudette,
do The New York Times, tinha ido a Fremont para observar Musk em
ação e escrever sobre isso, e pôde ver a tenda sendo construída no
estacionamento. “Se o pensamento convencional torna uma missão
impossível”, disse Musk a ele, “então o pensamento não convencional é
necessário”.

Celebração de aniversário
O aniversário de 47 anos de Musk, em 28 de junho de 2018, aconteceu
pouco antes do prazo prometido para atingir a meta de 5 mil carros por
semana. Ele passou a maior parte do dia na estação de pintura da fábrica
principal. “Por que está atrasado?”, perguntava a cada imprevisto e
andava até o ponto de gargalo, onde ficava em pé até um dos
engenheiros resolver a situação.
Amber Heard ligou para desejar feliz aniversário, e depois disso ele
derrubou o telefone, que se quebrou, portanto Musk não estava de bom
humor. Contudo, logo depois das duas da tarde, Teller conseguiu fazê-lo
dar uma pausa e levá-lo para uma rápida celebração na sala de
conferências. “Aproveite o ano 48 da simulação!”, estava escrito com
glacê no bolo de sorvete que Teller tinha comprado. Não havia facas ou
garfos, então eles comeram com as mãos.
Doze horas depois, pouco após as duas e meia da manhã, Musk
finalmente deixou o chão de fábrica e voltou para a sala de conferências.
No entanto, ainda levaria mais uma hora para que conseguisse dormir.
Em vez disso, ele assistiu em um dos monitores ao lançamento de um
foguete da SpaceX em Cabo Canaveral. O foguete estava carregando
um assistente robótico junto com suprimentos que incluíam sessenta
pacotes de café supercafeinado Death Wish Coffee para os astronautas
na Estação Espacial Internacional. O lançamento aconteceu com
perfeição, tornando-se a 15a missão de carga bem-sucedida que a
SpaceX fazia para a NASA.
O dia 30 de junho, o prazo estabelecido por Musk para chegar à meta
de 5 mil carros por semana, era um sábado, e, quando ele acordou no
sofá da sala de conferências naquela manhã e olhou os monitores,
percebeu que iam conseguir. Musk trabalhou por algumas horas na linha
de pintura, depois saiu correndo da fábrica, ainda usando luvas
protetoras, e entrou em seu avião, rumo à Espanha, para chegar a tempo
de ser padrinho de casamento de Kimbal em uma vila catalã medieval.
À 1h53 da manhã no domingo, dia 1o de julho, um Model 3 preto foi
expelido da fábrica com uma faixa no para-brisa em que se lia “5.000”.
Quando Musk recebeu uma fotografia desse carro no iPhone, enviou
uma mensagem para todos os funcionários da Tesla: “Conseguimos! (...)
Criamos soluções totalmente novas que diziam ser impossíveis. Foi
intenso, em tendas.* Não importa. Funcionou... Acho que acabamos de
nos tornar uma empresa automotiva de verdade.”

O algoritmo
Em qualquer reunião de produção, seja na Tesla, seja na SpaceX, há uma
chance nada trivial de Musk entoar, como um mantra, o que ele chama
de “o algoritmo” — elaborado a partir das lições que aprendeu durante
as ondas infernais de produção nas fábricas de Nevada e Fremont. Seus
executivos às vezes movem os lábios e repetem as palavras, como se
entoassem a liturgia junto com o padre. “Eu me tornei um disco
arranhado falando do algoritmo”, diz Musk. “Mas acho que é útil dizer
até incomodar.” Eram cinco mandamentos:

1. Questione todas as especificações. Cada uma deve vir


acompanhada do nome da pessoa que a estabeleceu. Você nunca
deve aceitar que uma especificação veio de um departamento,
como “departamento jurídico” ou “departamento de segurança”. É
preciso saber o nome da pessoa real que criou tal exigência. Em
seguida você deve questioná-la, não importa quão inteligente a
pessoa seja. Especificações de pessoas inteligentes são as mais
perigosas, porque é menos provável que sejam questionadas.
Sempre questione, mesmo se a especificação tiver vindo de mim.
Depois deixe as especificações menos idiotas.
2. Elimine qualquer parte ou processo que puder. Talvez você precise
readicionar a etapa mais adiante. Na realidade, se você não
readicionar pelo menos 10%, você não eliminou o suficiente.
3. Simplifique e otimize. Isso deve acontecer depois do passo 2. Um
erro comum é simplificar e otimizar uma parte ou um processo
que não deveria existir.
4. Acelere o tempo do ciclo. Todo processo pode ser acelerado. Mas
só faça isso depois dos três primeiros passos. Na fábrica da Tesla,
eu erroneamente passei muito tempo acelerando processos que
depois percebi que deveriam ter sido eliminados.
5. Automatize. Esse é o último passo. Um grande erro em Nevada e
Fremont foi que comecei tentando automatizar todos as etapas.
Nós deveríamos ter esperado até que todas as especificações
fossem questionadas, partes e processos fossem eliminados e os
problemas, resolvidos.

O algoritmo às vezes era acompanhado por alguns corolários, entre


eles:

Todos os gerentes técnicos devem ter experiência prática. Por


exemplo, gerentes de equipes de software devem passar pelo menos
20% do tempo programando. Gerentes de telhados solares devem
passar um tempo nos telhados fazendo instalações. Caso contrário,
são como líderes da cavalaria que não sabem andar a cavalo ou
generais que não sabem usar uma espada.

Camaradagem é perigoso. Torna difícil para as pessoas desafiar o


trabalho umas das outras. Há uma tendência a não querer ferrar o
colega. Isso precisa ser evitado.

Tudo bem estar errado. Só não seja confiante estando errado.

Nunca peça à sua tropa para fazer algo que você não quer fazer.

Sempre que houver problemas a resolver, não se reúna só com seus


gerentes. Pule um nível e se reúna com quem está logo abaixo dos
gerentes.

Em contratações, escolha pessoas com a atitude certa. Habilidades


podem ser ensinadas. Mudanças de atitude exigem um transplante de
cérebro.

Um sentimento maníaco de urgência é nosso princípio operacional.

As únicas regras são as que são ditadas pelas leis da física. Tudo o
mais é uma recomendação.
Na linha de montagem

* Em inglês, “intense in tents”, um famoso trocadilho com as palavras “intense” [intenso] e “in
tents” [em tendas], que brinca com a dificuldade de acampar e é usado para se referir a algo
complicado. [N. da E.]
capítulo 47
Aviso de malha aberta
2018

Com o primeiro-ministro da Tailândia, inspecionando o minissubmarino;


preparando-se para entrar na caverna onde os meninos estavam
Pedo
Enquanto Kimbal Musk estava em lua de mel no início de julho de
2018, ele recebeu um e-mail de Antonio Gracias, amigo de longa data
de Elon e membro do conselho. “Desculpa, cara, sei que você quer ficar
com sua esposa, mas preciso que volte imediatamente”, escreveu
Gracias. “Elon está tendo um colapso.”
O sucesso da onda de produção deveria ter deixado Musk feliz. A
Tesla havia atingido a meta de produzir 5 mil carros Model 3 por
semana e estava diante de um trimestre lucrativo. A SpaceX havia
completado 56 lançamentos bem-sucedidos, com apenas uma falha em
voo, e estava conseguindo pousar regularmente os impulsores para que
pudessem ser reutilizados. A empresa estava colocando mais cargas em
órbita do que qualquer outra companhia ou país, incluídos a China e os
Estados Unidos. Se Musk fosse o tipo de pessoa capaz de parar e
saborear o sucesso, teria notado que havia acabado de levar o mundo a
uma era de carros elétricos, voos espaciais comerciais e foguetes
reutilizáveis. Cada uma dessas realizações era um grande feito.
Contudo, para Musk, bons tempos eram inquietantes. Ele começou a
explodir sobre questões menores, como um funcionário na fábrica de
baterias de Nevada que vazou a informação de quanto material estava
sendo descartado. Era o começo de uma crise psicológica que durou de
julho até outubro de 2018, na qual Musk foi fustigado pelos impulsos
impetuosos e por um desejo incontrolável por comoções que o
caracterizavam. “Era outro exemplo de como ele é um ímã para drama”,
diz Kimbal.

***

Os novos dramas começaram logo depois que a Tesla atingiu o marco de


5 mil carros por semana. Musk estava navegando pelo Twitter e viu uma
mensagem de um usuário desconhecido, com poucos seguidores, que
dizia: “Olá, senhor, se possível, pode ajudar de alguma maneira a tirar os
doze meninos tailandeses e o técnico deles de uma caverna?” Ele estava
se referindo à dúzia de jogadores de futebol da Tailândia que havia
ficado presa por uma enchente enquanto explorava uma caverna.
“Imagino que o governo tailandês esteja com isso sob controle, mas
fico feliz em ajudar, se puder”, tuitou Musk.
Então o impulso de super-herói entrou em ação. Trabalhando com os
engenheiros da SpaceX e da The Boring Company, ele começou a
construir um minissubmarino parecido com uma cápsula, que, pensou,
poderia entrar na caverna inundada para resgatar os meninos. Sam
Teller conseguiu que um amigo os deixasse usar uma piscina escolar para
testar o dispositivo naquele fim de semana, e Musk começou a tuitar
fotos dele.
A saga se tornou uma notícia global, e algumas pessoas criticaram a
arrogância de Musk. No início da manhã de domingo, 8 de julho, ele
conversou com um líder da equipe de resgate na Tailândia para garantir
que o que estava construindo poderia ser útil. “Tenho uma das melhores
equipes de engenharia do mundo, que normalmente projetam
espaçonaves e roupas espaciais, trabalhando nisso 24 horas por dia”,
disse Musk por e-mail. “Se isso não é necessário ou não vai ajudar, seria
bom saber.” O líder da equipe de resgate respondeu: “Vale
absolutamente a pena continuar.”
Mais tarde naquele dia, Musk e sete engenheiros se amontoaram no
avião a jato dele junto com o minissubmarino e pilhas de equipamento.
Eles chegaram ao norte da Tailândia às onze e meia da noite e foram
recebidos pelo primeiro-ministro, que estava com um boné da SpaceX e
os levou através da floresta até a caverna. Logo depois das duas da
manhã, Musk e seus seguranças e engenheiros, portando lanternas de
cabeça, adentraram a caverna escura com a água na cintura.
Depois que o minissubmarino foi entregue no local da caverna, Musk
voou para Xangai, onde assinaria um acordo para abrir outra gigafábrica
da Tesla. Naquele momento, a operação de resgate com mergulhadores
estava em andamento, e o submarino de Musk não foi necessário. Os
meninos e o técnico foram salvos. A história deveria ter terminado ali,
exceto pelo fato de que um explorador de cavernas inglês de 63 anos
chamado Vernon Unsworth, que havia assessorado os socorristas no
local, deu uma entrevista para a CNN dizendo que os esforços de Musk
foram “só uma manobra de publicidade” que “não tinha nenhuma
chance de funcionar”. Unsworth sugeriu, com uma risada, que “ele podia
enfiar o submarino onde dói”.
Trolls e detratores atiravam insultos contra Musk a toda hora, e
ocasionalmente algum o mandava para o espaço. Ele respondeu com
uma sequência de tuítes nos quais atacava Unsworth e concluiu um deles
com “Desculpa, pedo, você realmente pediu isso”. Quando um usuário
perguntou a Musk se ele estava chamando Unsworth de pedófilo, ele
respondeu: “Aposto um dólar autografado que ele é.”
As ações da Tesla caíram 3,5%.
Musk não tinha provas das alegações. Teller, Gracias e o diretor
jurídico da Tesla correram para convencê-lo a se retratar, se desculpar e
sair do Twitter por um tempo. Depois que Teller enviou para ele um e-
mail com uma sugestão de declaração de desculpa, Musk devolveu: “Não
estou feliz com a abordagem sugerida... Precisamos parar de entrar em
pânico.” Contudo, algumas horas depois, Teller e outros o convenceram
a tuitar uma retratação. “Minhas palavras foram ditas com raiva, depois
que o sr. Unsworth falou várias inverdades & sugeriu que eu realizasse
um ato sexual com o minissubmarino, que havia sido construído como
um ato de bondade & de acordo com as especificações do líder da
equipe de mergulho... Apesar disso, as ações dele contra mim não
justificam minhas ações contra ele, por isso eu me desculpo com o sr.
Unsworth.”
Mais uma vez, se Musk não tivesse mexido novamente no vespeiro, as
coisas talvez tivessem parado ali. No entanto, em agosto ele respondeu a
um usuário do Twitter que o repreendeu por chamar Unsworth de
pedófilo. “Você não acha estranho ele não ter me processado?
Ofereceram a ele apoio jurídico de graça”, escreveu Musk. Mesmo um
dos maiores fãs dele no Twitter, Johnna Crider, o aconselhou: “Ei, Elon,
não alimente o drama, cara, é o que eles querem.”
Àquela altura, Unsworth havia contratado um advogado, Lin Wood
(que depois se tornaria um infame teórico da conspiração tentando
reverter o resultado das eleições de 2020). Wood enviou uma carta com
um alerta de que estava abrindo um processo em nome de Unsworth por
difamação. Quando Ryan Mac, do Buzzfeed, pediu a Musk um
comentário sobre o assunto, Musk respondeu com um e-mail que
começava com “em off ”. O BuzzFeed, porém, não havia concordado
com essa estipulação, e então publicou o bombardeio que vinha em
seguida. “Sugiro que ligue para pessoas que você conhece na Tailândia,
descubra o que está realmente acontecendo e pare de defender
estupradores de crianças, seu cretino idiota”, começava Musk. “Ele é um
velho homem branco inglês que tem viajado para a Tailândia ou morado
lá por trinta ou quarenta anos, principalmente em Pattaya Beach, até se
mudar para Chiang Rai atrás de uma noiva criança que tinha cerca de 12
anos na época. Existe apenas uma razão para as pessoas irem para
Pattaya Beach. Não se vai até lá para visitar cavernas, você vai lá para
outra coisa. Chiang Rai é reconhecida pelo tráfico sexual de crianças.” A
declaração sobre a esposa de Unsworth era falsa e a alegação de Musk
não ajudou a reforçar a defesa dele de que “pedófilo” era um insulto
aleatório e não uma acusação específica.*

***

Os maiores investidores da Tesla manifestaram preocupação. “Ele estava


perdendo o controle”, diz Joe Fath, da T. Rowe Price, que telefonou
depois dos tuítes sobre “pedo”. “Isso tem que acabar”, falou para Musk,
comparando o comportamento dele com o de Lindsay Lohan, uma atriz
que na época estava saindo de controle. “Você está causando um enorme
prejuízo à marca.” A conversa deles durou 45 minutos e Musk pareceu
escutá-lo. No entanto, o comportamento destrutivo continuou.
Kimbal acreditava que a turbulência de Musk era parcialmente
causada pela angústia que ele ainda sentia, depois de quase um ano,
devido ao rompimento com Amber Heard. “Definitivamente, acho que
a perda de controle em 2018 não foi só causada pela Tesla”, diz Kimbal.
“Foi um resultado da tristeza avassaladora por causa da Amber.”
Os amigos começaram a se referir às crises de Musk como se ele
estivesse operando em “malha aberta”. O termo é usado para um objeto,
como uma bala em contraste com um míssil guiado, que não tem
mecanismo de retorno para alimentá-lo com instruções de direção.
“Sempre que nossos amigos entram em malha aberta, quando não têm
retorno interativo e não parecem se importar com os resultados, nós
assumimos a responsabilidade de informar uns aos outros”, diz Kimbal.
Então, depois da repercussão daqueles tuítes, Kimbal falou para o irmão:
“Ok, alerta de malha aberta.” Era uma frase que ele repetiria quatro
anos depois, quando Musk estava lidando com a compra do Twitter.

Tornar privada
No fim de julho, na Júpiter, na fábrica de Fremont, Musk se encontrou
com líderes do fundo de investimento do governo da Arábia Saudita,
que disseram a ele terem discretamente acumulado quase 5% das ações
da Tesla. Assim como fizeram em reuniões anteriores, Musk e o líder do
fundo, Yasir al-Rumayyan, discutiram a possibilidade de fechar o capital
da Tesla. A ideia era atraente para Musk. Ele odiava ter o valor da
empresa determinado por especuladores e vendedores a descoberto e se
irritava com as regras que vinham atreladas ao fato de ter as ações
negociadas na bolsa. Al-Rumayyan deixou o assunto nas mãos de Musk,
dizendo que gostaria de “ouvir mais” e apoiaria um plano “razoável” para
tornar a empresa privada.
Dois dias depois, as ações da Tesla subiram 16% quando foram
anunciados os bons resultados do segundo trimestre, o que incluía ter
atingido a produção de 5 mil carros por semana. Musk se preocupava
com que, se as ações continuassem a subir, se tornassem caras demais
para tornar a empresa privada. Então, naquela noite, ele mandou ao
conselho de diretores um memorando: queria fechar o capital da
empresa o mais rápido possível, e ofereceu para isso o valor de 420
dólares por ação. O cálculo original dele determinou o preço de 419
dólares, mas ele gostava do número 420 porque era uma gíria para fumar
maconha. “Parecia um carma melhor com 420 do que com 419”, diz.
“Mas eu não fumava maconha, só para deixar claro. Maconha não ajuda
na produtividade. Há uma razão para a palavra ‘chapado’.” Depois ele
admitiu para a Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos
(SEC, na sigla em inglês) que escolher o preço a partir de um trocadilho
sobre drogas não foi inteligente.
O conselho não fez nenhuma declaração pública enquanto
considerava a sugestão de Musk. Entretanto, na manhã de 7 de agosto,
quando estava indo para o terminal aéreo privado em Los Angeles, ele
publicou um tuíte fatídico: “Estou analisando tornar a Tesla privada por
420 dólares. O financiamento está assegurado.”
As ações subiram 7% antes que os operadores da bolsa
interrompessem temporariamente as negociações. Uma regra para
empresas públicas é que os executivos devem alertar a bolsa dez minutos
antes de qualquer anúncio que possa causar volatilidade no mercado.
Musk não prestava atenção às regras. A SEC abriu imediatamente uma
investigação.
O conselho e os principais administradores da Tesla foram pegos de
surpresa. Quando o chefe de relações com investidores da empresa viu o
tuíte de Musk, mandou uma mensagem para Teller em que perguntava:
“Isso é legítimo?” Gracias ligou para Musk a fim de expressar
oficialmente a preocupação do conselho e pedir que ele parasse de tuitar
até que o assunto fosse discutido.
Musk permaneceu imperturbável após a confusão causada pelo tuíte.
Ele voou para a gigafábrica de Nevada, onde brincou com os gestores
sobre como “420” era uma referência a maconha e passou o restante do
dia trabalhando na linha de montagem de baterias. À noite, ele voou
para a fábrica de Fremont, onde realizou reuniões até tarde.
Àquela altura, os sauditas estavam expressando desconforto com o
fato de suas conversas sobre tornar a Tesla privada terem sido
inflacionadas em um tuíte sobre “financiamento garantido”. Al-
Rumayyan, o líder do fundo, disse à Bloomberg News que eles estavam
“conversando” com Musk. Quando Musk viu a notícia, ele enviou uma
mensagem para Al-Rumayyan: “Essa é uma declaração muito fraca e
não reflete a conversa que tivemos. Vocês disseram que estavam
definitivamente interessados em tornar a Tesla privada e queriam fazer
isso desde 2016. Vocês estão me jogando aos lobos.” Ele acrescentou
que, se Al-Rumayyan não desse uma declaração pública mais forte,
“nunca mais vamos conversar, nunca”.
“Quando um não quer, dois não brigam”, respondeu Al-Rumayyan.
“Não recebemos nada ainda... Não podemos aprovar algo sobre o qual
não temos informação suficiente.”
Musk ameaçou encerrar as discussões com os sauditas. “Desculpe,
mas não podemos trabalhar juntos”, disse ele a Al-Rumayyan.
Enfrentando resistência de investidores institucionais, em 23 de
agosto Musk rescindiu a proposta de tornar a empresa privada. “Dado o
retorno que recebi, está evidente que a maioria dos atuais acionistas da
Tesla acredita que estamos melhor como uma empresa pública”, disse ele
em uma declaração.
A reação foi brutal. “Isso é um comportamento clássico e extremo de
uma pessoa bipolar que põe tudo em risco”, falou Jim Cramer, da
CNBC, no ar. “Estou falando sobre um comportamento que
obviamente está sendo examinado por muitos psiquiatras, que dizem ser
uma tendência clássica de assumir riscos, algo que um CEO não deveria
fazer.” No The New York Times, o colunista James Stewart escreveu que o
tuíte sobre tornar a Tesla privada era “tão impulsivo, potencialmente
impreciso, mal escrito e mal elaborado, e com tantas possíveis
consequências terríveis para ele próprio, a Tesla e os acionistas, que o
conselho deve agora fazer uma pergunta sensível, mas vital: qual era o
estado mental do sr. Musk quando escreveu aquilo?”

***

Para evitar um processo federal por enganar os investidores, os


advogados de Musk trabalharam em um acordo com a SEC para
resolver as acusações. Ele permaneceria como CEO da Tesla, deixaria a
presidência, pagaria uma multa de 40 milhões de dólares e colocaria dois
diretores independentes no conselho. Outra condição era destinada a se
tornar um ponto de irritação: Musk não poderia fazer comentários
públicos ou tuitar sobre qualquer informação material sem receber
autorização de um monitor da empresa. Gracias e o CFO da Tesla,
Deepak Ahuja, pressionaram muito para que Musk aceitasse esses
termos e deixasse a controvérsia — e talvez os meses de colapso nervoso
— para trás. Musk, porém, os surpreendeu ao abruptamente rejeitar o
acordo proposto. Na noite de 26 de setembro, a SEC entrou com um
processo cuja finalidade era bani-lo para sempre da administração da
Tesla ou de qualquer outra empresa pública.
Sentado na sede da Tesla em Fremont no dia seguinte, Musk bebia de
uma garrafa de água e encarava um grande monitor ligado na CNBC.
Na tela, dizia: “SEC acusa fundador da Tesla e CEO Elon Musk de
fraude.” Um grande gráfico apareceu na tela, anunciando: “Ação da
Tesla cai.” As ações haviam tombado 17%. Os advogados de Musk,
junto com Antonio, Kimbal e Deepak, passaram o dia todo
pressionando-o a mudar de ideia e aceitar o acordo. Relutante, Musk
concordou com a decisão pragmática e aceitou o acordo com a SEC. As
ações subiram novamente.
Musk acreditava não ter feito nada de errado. Ele foi forçado a aceitar
um acordo, diz, pois do contrário a Tesla iria à falência. “É como ver
alguém apontando uma arma para a cabeça do seu filho. Fui forçado a
ceder à SEC ilegalmente. Aqueles cretinos.” Ele começou a brincar com
o significado de SEC, sugerindo que a palavra do meio era “Elon”.
Musk foi parcialmente vingado em 2023, quando ganhou um
processo contra um grupo de acionistas que alegava ter perdido dinheiro
por causa do tuíte dele. Um júri decidiu unanimemente que Musk não
era responsável pelas perdas. O advogado-estrela Alex Spiro alegou ao
júri: “Elon Musk é apenas um garoto impulsivo com um hábito terrível
de tuitar.” Era uma estratégia de defesa efetiva que tinha a vantagem
extra de ser verdade.

* O processo de difamação, que incluiu os e-mails para o BuzzFeed, foram a julgamento em Los
Angeles em 2019. Em seu depoimento, Musk se desculpou e disse não acreditar que o
explorador de cavernas fosse um pedófilo. O júri absolveu Musk.
capítulo 48
Radioatividade
2018

No programa de Joe Rogan (acima); Kimbal (abaixo)


“Está tudo bem?”
David Gelles, um repórter de negócios do The New York Times, era um
dos muitos jornalistas atrás da história sobre os dramas de Musk em
2018. “Ele precisa falar com a gente”, disse Gelles a uma pessoa que
trabalhava com Musk. No fim da tarde de 16 de agosto, uma quinta-
feira, Gelles recebeu uma ligação. “O que você quer saber?”, lhe
perguntou Musk.
“Você estava sob efeito de drogas quando publicou aquele tuíte?”
“Não”, respondeu Musk. Ele falou que tinha tomado Ambien, um
remédio para dormir para o qual tinha receita. Alguns dos membros do
conselho temiam que ele estivesse fazendo uso excessivo do
medicamento.
Gelles percebeu que Musk estava exausto. Em vez de enchê-lo de
perguntas difíceis, decidiu induzi-lo a falar. “Elon, como você está?”,
perguntou. “Está tudo bem?”
A conversa continuou por uma hora.
“Não muito bem, na verdade”, respondeu Musk. “Alguns amigos
vieram aqui, porque estão bastante preocupados.” Então ele fez uma
longa pausa, tomado pela emoção. “Houve períodos em que não saí da
fábrica durante três ou quatro dias, dias em que não pus o pé para fora”,
relatou. “Isso me impedia de ver meus filhos.”
O Times havia recebido a informação de que Musk trabalhara com o
financista Jeffrey Epstein, que tinha caído em desgraça e posteriormente
seria condenado por tráfico sexual de crianças. Musk negou. De fato, ele
não tinha nenhuma ligação com Epstein, exceto pelo fato de que
Ghislaine Maxwell, facilitadora de Epstein que Musk não conhecia,
havia “invadido” uma foto dele uma vez no Met Gala.
Gelles perguntou se as coisas estavam melhorando. Sim, para a Tesla,
disse Musk. “Mas, do ponto de vista da minha dor pessoal, o pior ainda
está por vir”, completou e começou a se emocionar. Havia longas pausas
na conversa, durante as quais Musk tentava se recompor. Gelles
destacaria depois: “Em todas as vezes que falei com grandes empresários
ao longo dos anos, nunca um executivo havia demonstrado tanta
vulnerabilidade quanto Musk demonstrou naquela conversa por
telefone.”
“Elon Musk detalha custo pessoal ‘excruciante’ da crise na Tesla”,
dizia a manchete. O texto mencionava como ele havia se emocionado
durante a entrevista. “O sr. Musk alternou risadas e lágrimas”,
escreveram Gelles e seus colegas. “Ele contou que em tempos recentes
trabalhou até 120 horas por semana... [e] que não tira mais de uma
semana de folga desde 2001, quando ficou de cama com malária.”
Outros veículos reproduziram a história. “Entrevista errática com NYT
dispara alarme sobre a saúde do chefe da Tesla”, essa foi a manchete na
Bloomberg.
Na manhã seguinte, as ações da Tesla despencaram 9%.

O programa de Joe Rogan


Na esteira das histórias sobre a precária condição psicológica, a
consultora de relações públicas de Musk, Juleanna Glover, recomendou
que ele resolvesse o assunto dando uma longa entrevista. “Precisamos
acabar com as especulações sem sentido sobre o seu estado mental”,
escreveu ela. Juleanna disse que ia sugerir “opções que apresentem você
numa perspectiva completa: liderando empresas, responsável, brincalhão
e autoconsciente”. Ela acrescentou um alerta: “Em hipótese alguma é
aceitável continuar a falar sobre as preferências sexuais de um
mergulhador tailandês que insultou você.”
O lugar que Musk escolheu para acabar com as especulações de que
ele havia enlouquecido foi o videocast de Joe Rogan, um apresentador
bem informado e perspicaz, comediante e (um pouco apropriado
demais) comentarista de UFC, que gosta de passar por terreno minado
com os convidados, desprezando o politicamente correto e flertando
com controvérsias. Rogan deixa seus convidados divagarem, e Musk
divagou por mais de duas horas e meia. Ele descreveu como criar um
exoesqueleto tipo de cobra quando construir túneis. Falou sobre a
ameaça da inteligência artificial, se os robôs poderiam se vingar de nós e
como a Neuralink seria capaz de criar uma ligação direta de alta
velocidade entre nossa mente e nossas máquinas. E eles discutiram sobre
como os humanos poderiam ser avatares involuntários em um jogo de
simulação criado por uma inteligência superior.
Essas divagações talvez não fossem a maneira perfeita de convencer
os investidores institucionais de que Musk tinha plena noção da
realidade, mas a entrevista pelo menos parecia inofensiva. Até que
Rogan acendeu um grande “cigarro de maconha com tabaco” e ofereceu
a Musk.
“Você provavelmente não pode por causa dos acionistas, certo?”, disse
Rogan, oferecendo a Musk uma saída.
“Bem, está dentro da lei, certo?”, replicou Musk.
Eles estavam na Califórnia.
“Totalmente dentro da lei”, falou Rogan, entregando o baseado.
Musk deu uma tragada hesitante, travesso.
Alguns minutos depois, quando estavam falando sobre o papel dos
gênios em promover a civilização, Musk se virou para olhar o celular.
“Está recebendo mensagens das gatas?”, perguntou Rogan.
Musk fez que não com a cabeça. “Estou recebendo mensagens de
amigos perguntando ‘Por que diabos você está fumando maconha?’.”
A primeira página do The Wall Street Journal no dia seguinte era
totalmente diferente de tudo que o jornal havia feito até então. Exibia
uma grande foto de Musk, com os olhos vidrados e um sorriso torto
forçado, segurando um baseado na mão esquerda e com uma nuvem de
fumaça pairando em torno da cabeça. “As ações da Tesla Inc.
despencaram para perto do menor valor no ano na sexta-feira depois que
a fabricante de carros elétricos perdeu mais executivos e o executivo-
chefe, Elon Musk, apareceu fumando maconha numa entrevista
transmitida na internet”, escreveu o repórter Tim Higgins.
Musk pode não ter desrespeitado a lei estadual, mas, além de irritar
ainda mais os investidores, ele pareceu ter desrespeitado
regulamentações federais, o que levou a uma investigação da NASA. “A
SpaceX era contratada da NASA, e eles são grandes defensores da lei”,
diz Musk. “Então eu tive que me submeter a exames toxicológicos
aleatórios por alguns anos. Felizmente, realmente não gosto de consumir
drogas ilegais.”
Lança-chamas
Musk havia ido ao estúdio de Joe Rogan com um presente para o
anfitrião do podcast: um lança-chamas de plástico com o logo da The
Boring Company. Eles brincaram juntos com o presente, alegremente
ativando a curta chama de propano, enquanto Sam Teller e a equipe do
estúdio desviavam e riam.
O lança-chamas era uma boa metáfora para o próprio Musk. Ele se
divertia em deixar escapar comentários dignos de chamuscar as
sobrancelhas. A ideia surgiu depois que a empresa licenciou bonés com
os dizeres the boring company e vendeu 15 mil unidades. “O que
podemos fazer agora?”, perguntou Musk. Alguém sugeriu um lança-
chamas de brinquedo, ao que ele respondeu: “Meu Deus, vamos fazer.”
Ele era fã de S.O.S.: Tem um louco solto no espaço, uma paródia de Mel
Brooks à saga Star Wars que tem uma cena na qual um personagem
parecido com Yoda anunciava os produtos do filme à venda, culminando
com a frase “Leve o lança-chamas para casa”. Os filhos de Musk
amavam aquela frase.
Steve Davis, que comandava a The Boring Company, encontrou um
protótipo relativamente seguro capaz de derreter neve e chamuscar
pequenos gravetos, mas que, em termos técnicos, não era quente o
suficiente para ser regulamentado como lança-chamas. Eles começaram
a anunciá-lo, ironicamente, como “não é um lança-chamas”, para evitar
problemas com a lei. Os termos e as condições declaravam:

Não vou usar dentro de casa, eu juro,


Não vou apontar isso para você
Não vou usar de um jeito inseguro
O melhor uso é para crème brûlée...
... e acabou nossa capacidade de rimar

Eles precificaram o brinquedo em 500 dólares (hoje é vendido pelo


dobro no eBay), e em quatro dias haviam vendido 20 mil lança-chamas,
faturando 10 milhões de dólares.
***

O jeito pateta de Musk é o outro lado do seu modo demoníaco. Quando


ele está nos momentos mais sombrios, frequentemente alterna entre
raiva e estrondosas gargalhadas.
O humor dele tem muitos níveis. O mais baixo é a afeição pueril por
emojis de cocô, sons de pum programados no Tesla e outras
demonstrações de humor escatológico. Dê a ordem “Abrir ânus” para o
console de um Tesla e o carro abre uma porta na traseira do veículo.
Musk também tem um humor mordaz, irônico, demonstrado por um
pôster na parede da baia dele na SpaceX. A imagem mostra um céu
azul-escuro estrelado onde se vê uma estrela cadente, e um texto diz:
“Quando você faz um pedido para uma estrela cadente, seus sonhos
podem se tornar realidade. A menos que seja um meteoro vindo em
direção à Terra que destruirá toda a vida no planeta. Nesse caso você
está ferrado, não importa o que desejou. A menos que seu desejo seja
morrer atingido por um meteorito.”
O tipo mais profundamente enraizado de humor de Musk é uma
esperteza divertida e metafísica da ciência geek que ele absorveu quando
leu e releu o livro de Douglas Adams, O guia do mochileiro das galáxias.
Em meio à sua crise em 2018, Musk decidiu lançar seu velho Tesla
Roadster vermelho-cereja no espaço sideral, em uma órbita que iria,
depois de quatro anos, levá-lo para perto de Marte. Ele fez isso no
primeiro lançamento do novo Falcon Heavy, um foguete de 27 motores
construído a partir da junção de três foguetes auxiliares Falcon 9. O
Tesla tinha um exemplar de O guia do mochileiro das galáxias no porta-
luvas e um cartaz no painel com não entre em pânico!, regra extraída
do livro.

Ruptura com Kimbal


Durante a infância difícil e enquanto parceiros no Zip2, Kimbal e Elon
costumavam brigar ferozmente um com o outro. Mas, acima de tudo
isso, Kimbal foi o mais próximo compatriota de Elon, aquele que o
entendia e ficava com ele, mesmo quando lhe dizia verdades
desconfortáveis.
Depois que Antonio Gracias o convocou a voltar da lua de mel em
julho, Kimbal trabalhou quase em tempo integral na Tesla, ignorando o
restaurante no estilo “do produtor direto para a mesa” que havia aberto
no Colorado. Durante a crise com a SEC, ele foi uma das vozes mais
ressoantes pressionando Elon a aceitar o acordo. E, quando Elon ficou
temeroso de que alguns membros do conselho pudessem estar se
organizando contra ele, Kimbal voou até Los Angeles para ficar com o
irmão. Durante uma tensa reunião de sábado na casa de Elon, Kimbal
fez o que havia feito depois do fracasso do lançamento do Falcon em
Kwaj e muitas outras vezes: aliviou a tensão cozinhando. Dessa vez, ele
preparou salmão com ervilhas e um cozido de batata com cebola.
Entretanto, a frustração de Kimbal com o irmão vinha crescendo,
especialmente quando pessoas de fora precisavam convencê-lo a aceitar
o acordo com a SEC. Em outubro, houve um ponto de ruptura. A rede
de restaurantes dele estava tendo problemas de financiamento e ele
precisava levantar capital. “Então liguei para o Elon e disse: ‘Olha,
preciso da sua ajuda para financiar meu negócio.’” A rodada deveria ser
de cerca de 40 milhões de dólares, e Kimbal precisava que Elon
emprestasse 10 milhões. Elon inicialmente concordou. “Eu me lembro”,
diz Kimbal, “de escrever no meu diário ‘amor incondicional pelo Elon’”.
Contudo, quando Kimbal o procurou para que ele transferisse o
dinheiro, Elon havia mudado de ideia. O gerente financeiro pessoal dele,
Jared Birchall, havia analisado os números e disse a Elon que o negócio
de Kimbal não era sustentável. “O dinheiro que Elon estava colocando
na empresa do irmão estava escorrendo pelo ralo”, me disse Birchall.
Então Elon deu a Kimbal a má notícia: “Fiz o cara das minhas finanças
dar uma olhada na situação, e os restaurantes estão indo mal. Acho que
eles deveriam morrer.”
“O que você disse?”, gritou Kimbal. “Vá se foder. Vá se foder. Não é
assim que funciona.” Ele lembrou a Elon, vigorosamente, que, quando
as finanças da Tesla estavam mal das pernas, ele tinha ido trabalhar ao
lado do irmão e fornecido financiamento. “Se você tivesse olhado para as
finanças da Tesla, ela deveria ter morrido também”, disse Kimbal.
“Então, não é assim que funciona.”
Elon acabou cedendo. “Eu basicamente o forcei a colocar 5 milhões”,
diz Kimbal. Os restaurantes sobreviveram, mas o incidente causou uma
ruptura. “Fiquei furioso com o Elon e não falei com ele”, relata Kimbal.
“Senti como se tivesse perdido meu irmão. Que a experiência na Tesla o
havia feito perder a cabeça. Naquele momento eu pensei: ‘Para mim já
deu.’”
Depois de seis semanas de silêncio, Kimbal tentou contato para
resolver o conflito. “Decidi voltar a ser o irmão do Elon porque não
queria perdê-lo”, diz ele. “Senti falta do meu irmão.” Perguntei como
Elon reagiu quando ele o procurou. “Reagiu como se nada tivesse
acontecido”, respondeu Kimbal. “Elon é assim.”

JB Straubel sai
Não foi surpresa que muitos dos principais executivos de Musk tenham
fugido durante o inferno da produção de 2018 e da tempestade que se
seguiu. Jon McNeill, o presidente da Tesla que supervisionava vendas e
marketing, havia assumido o papel de ajudar Musk durante as crises de
sofrimento mental que o acometiam, como fez quando ele estava
deitado no chão da sala de conferências. “Estava ficando absolutamente
exaustivo para mim”, diz McNeill. Ele foi até Musk em janeiro de 2018,
incentivou-o a procurar ajuda psicológica e disse: “Adoro você, mas não
consigo mais continuar assim.”
Doug Field, o vice-presidente sênior de engenharia, era cogitado
como futuro CEO da Tesla. Musk, contudo, perdeu a confiança nele no
início do inferno da onda e o tirou do papel de supervisor de produção.
Ele saiu para ir trabalhar na Apple e depois na Ford.
A saída mais importante, pelo menos dos pontos de vista simbólico e
emocional, foi a de JB Straubel, o animado cofundador que havia
acompanhado Musk por dezesseis anos, desde o jantar deles em 2003,
quando Straubel exaltou a possibilidade de usar baterias de íon de lítio
para fazer carros elétricos. No fim de 2018, ele tirou longas férias, as
primeiras férias de verdade em quinze anos. “Meu nível percentual de
felicidade estava baixo e tendendo a cair”, diz. Ele estava se divertindo
muito mais num empreendimento secundário que havia fundado, a
Redwood Materials, cujo objetivo era reciclar baterias de íon de lítio de
carros. Outro fator foi o comportamento de Musk na época. “Ele estava
sofrendo, e por isso se mostrava mais temperamental que de costume”,
explica Straubel. “Eu me senti terrível por ele e tentei ajudá-lo como
amigo, mas não consegui.”
Geralmente, Musk não é sentimental com a partida das pessoas. Ele
gosta de sangue novo. O que o preocupa mais é um fenômeno que
chama de “ricos preguiçosos”, ou seja, pessoas que trabalham por muito
tempo na empresa e, como já adquiriram dinheiro suficiente e casas de
veraneio, não têm mais o apetite para passar a noite toda no chão de
fábrica. Mas, no caso de Straubel, para além da confiança profissional,
Musk sentia uma afeição pessoal. “Fiquei um pouco surpreso com a
relutância de Elon em aceitar minha demissão”, diz Straubel.
Durante o início de 2019, eles tiveram várias conversas e Straubel foi
capaz de perceber as complexidades das oscilações emocionais de Musk.
“Ele pode mudar, normalmente sem aviso, de um humor muito emotivo
e humano para o exato oposto disso”, diz Straubel. “Às vezes ele pode
ser extremamente amável e carinhoso, de forma chocante até, e você
pensa Ah, meu Deus, é verdade, já passamos por grandes dificuldades juntos e
temos uma ligação profunda, e eu te amo, cara. Então isso se mistura àquele
olhar vazio, quando parece que ele está olhando através de você sem
emoção alguma.”
O plano que eles elaboraram era anunciar a saída de Straubel da Tesla
na reunião anual de junho de 2019, que seria realizada no Museu da
História do Computador, perto de Palo Alto. Considerando o local,
seria uma chance de andar pela história da Tesla, que em dezesseis anos
deixou de ser um sonho para se transformar na rentável pioneira da era
dos veículos elétricos. Em seguida, eles apresentariam o sucessor de
Straubel, Drew Baglino, um veterano que estava na empresa havia doze
anos. Straubel e Baglino tinham a mesma linguagem corporal e modos
esguios, além de uma profunda afeição.
Nos bastidores, antes do evento, Musk repensou se faria o anúncio da
saída de Straubel. “Estou com um mau pressentimento sobre isso”, disse.
“Não acho que a gente deva fazer o anúncio hoje.” Straubel ficou
aliviado, porque lidar com a própria saída estava sendo emocionalmente
difícil.
Musk fez a primeira parte da apresentação sozinho. “Foi um ano
infernal”, começou ele, uma frase que era verdadeira em muitos níveis.
O Model 3 estava, na época, vendendo mais que todos os concorrentes
juntos — a gasolina e elétricos — na categoria de carro de luxo e era o
carro mais vendido em receita nos Estados Unidos. “Há dez anos,
ninguém teria acreditado que isso poderia acontecer”, disse Musk. O
humor tolo dele veio à tona por um momento. Ele começou a rir com o
“aplicativo de pum”, o qual permitia que os motoristas do Tesla, ao
apertar um botão, fizessem o assento do passageiro emitir um som de
pum quando alguém se sentasse. “Talvez seja meu melhor trabalho”,
falou Musk.
Ele também, como sempre, prometeu que os Teslas autônomos
estavam próximos. “Esperamos apresentar a autonomia completa até o
fim deste ano”, declarou — mais um ano em que isso era prometido.
“Esse carro deve ser capaz de ir da garagem da sua casa até o
estacionamento do trabalho sem intervenção.” Uma pessoa da plateia foi
até o microfone e o desafiou, quando disse que as promessas anteriores
que ele fizera não haviam se concretizado. Musk riu, pois sabia que o
interlocutor estava certo. “Pois é, às vezes eu sou um pouquinho otimista
demais com relação a prazos”, disse ele. “Vocês já devem ter percebido,
não é? Mas será que eu estaria fazendo isso se não fosse otimista? Jesus!”
A plateia aplaudiu. Eles entendiam a piada.
Quando Musk convidou Straubel e Baglino ao palco, houve aplausos.
Entre os fãs da Tesla, eles eram astros queridos. Straubel disse com
afeição genuína: “Drew se juntou à minha equipe alguns anos depois da
fundação da empresa, quando meu time era pequeno, apenas cinco ou
dez pessoas, e desde então ele tem sido meu braço direito, fez parte de
todos os principais projetos que toquei.” Esse seria o momento em que
Straubel anunciaria a aposentadoria, assim havia planejado. Em vez
disso, Straubel e Musk aproveitaram a ocasião para relembrar o passado.
“Lembro da origem da Tesla, em 2003, quando JB e eu almoçamos com
Harold Rosen”, disse Musk. “É, aquela foi uma boa conversa.”
“Nós não previmos exatamente como as coisas aconteceriam”,
acrescentou Straubel.
“Eu tinha certeza absoluta de que não ia dar certo”, falou Musk. “Em
2003, as pessoas achavam que carros elétricos eram a coisa mais estúpida
do mundo, ruim em todos os sentidos, algo como um carrinho de golfe.”
“Mas era algo que precisava ser feito”, disse Straubel.
Durante uma reunião de resultados algumas semanas depois, Musk
anunciou casualmente a saída de Straubel. O respeito de Musk por ele,
entretanto, permaneceu. Em 2023, ele iria convidar Straubel para fazer
parte do conselho da Tesla.
capítulo 49
Grimes
2018

Claire Boucher, conhecida como Grimes, vestida para uma apresentação; com
Musk no Met Gala
em+cb
De vez em quando, frequentemente nos momentos mais complexos, os
Criadores da Nossa Simulação — os patifes que conjuram aquilo que
somos levados a acreditar ser realidade — apresentam um novo
elemento brilhante, que cria novas e caóticas subtramas. E foi
exatamente assim que, na primavera de 2018, em meio ao tsunami
emocional causado pelo rompimento com Amber Heard, surgiu na vida
de Musk uma franzina tecelã de sons: Claire Boucher, conhecida como
Grimes, uma artista performática inteligente e hipnótica, cujo
aparecimento acarretaria três novos filhos, intermitentes períodos de
vida doméstica e até mesmo uma batalha pública com uma rapper
instável.
Nascida em Vancouver, Grimes havia produzido quatro álbuns na
época em que começou a sair com Musk. Baseando-se em temas e
memes de ficção científica, ela combinava de forma hipnotizante textura
sonora com elementos de dream pop e música eletrônica. Uma intrépida
curiosidade intelectual a levou a se interessar por ideias ecléticas, como
um experimento mental conhecido como Basilisco de Roko, o qual
postula que a inteligência artificial poderia sair de controle e torturar
qualquer humano que não a tenha ajudado a ganhar poder. Esse é o tipo
de coisa com as quais ela e Musk se preocupam. Quando Musk quis
tuitar um trocadilho sobre o assunto, deu uma busca no Google para
encontrar uma imagem e então descobriu que Grimes havia
transformado isso em um elemento do videoclipe “Flesh Without
Blood”, de 2015. Ela e Musk deram início a uma conversa no Twitter,
que, à maneira moderna, acabou em trocas de mensagens privadas em
redes sociais e mensagens de celular.
Os dois já haviam se encontrado antes — ironicamente, quando
Musk estava em um elevador com Amber Heard. “Você se lembra
daquele encontro no elevador?”, perguntou Grimes durante uma
conversa que tive com ela e Musk tarde da noite. “Foi superestranho.”
“De tantos momentos em que a gente podia ter se encontrado...”,
concordou Musk. “Você estava me encarando muito intensamente.”
“Não”, corrigiu ela, “era você que estava me encarando com um olhar
estranho”.
Depois que se reencontraram na conversa sobre o Basilisco de Roko
no Twitter, Musk a convidou para voar até Fremont e visitar a fábrica
dele, sua ideia de um bom encontro. Era fim de março de 2018, durante
o frenesi enlouquecido para fazer 5 mil carros por semana. “Nós
simplesmente andamos pelo chão de fábrica a noite toda, e eu o vi tentar
consertar coisas”, conta Grimes. Na noite seguinte, enquanto a levava a
um restaurante, ele mostrou quão rápido o carro acelerava, depois tirou
as mãos do volante, cobriu os próprios olhos e a deixou experimentar o
Autopilot. “Fiquei, tipo, esse cara é muito louco”, diz ela. “O carro dava
a seta e mudava de pista sozinho. Parecia uma cena de filme da Marvel.”
No restaurante, ele escreveu em+cb na parede.
Quando ela comparou os poderes dele aos de Gandalf, Musk fez um
quiz com ela sobre O Senhor dos Anéis. Ele queria testar se ela era
realmente fã. Ela passou no teste. “Era importante para mim”, diz
Musk. Grimes deu de presente para ele uma caixa de ossos de animais
que havia colecionado. À noite, eles ouviam “Hardcore History”, de
Dan Carlin, e outros podcasts de história e audiolivros. “A única
maneira de eu estar em um relacionamento sério é se a pessoa com quem
estou também for capaz de ouvir, tipo, uma hora de história de guerra
antes de dormir”, diz ela. “Elon e eu passamos por muitos assuntos,
como Grécia Antiga, Napoleão e as estratégias militares da Primeira
Guerra Mundial.”
Tudo isso estava acontecendo enquanto Musk passava por suas crises
mentais e de trabalho em 2018. “Cara, você realmente parece estar com
a cabeça bem cheia”, disse Grimes para ele. “Quer que eu traga meu
material de música para cá e trabalhe na sua casa?” Musk respondeu que
gostaria disso. Não queria ficar sozinho. Ela achou que ficaria com ele
por algumas semanas, até que a turbulência emocional abrandasse. “Mas
a tempestade meio que nunca passou, e então você já está embarcado,
viajando, e eu simplesmente fui ficando ali.”
Ela foi com Musk à fábrica em algumas noites quando ele estava no
modo batalha. “Elon está sempre procurando pelo que está errado com o
motor, o que está errado com o mecanismo, o escudo térmico, a válvula
de oxigênio líquido”, diz ela. Certa noite, eles saíram para jantar e Musk
de repente ficou em silêncio, pensando. Depois de um minuto ou dois,
ele perguntou se ela tinha uma caneta. Ela tirou um delineador da bolsa.
Musk pegou e começou a desenhar em um guardanapo uma ideia para
modificar um escudo térmico do motor. “Percebi que, mesmo quando
estava com ele, havia momentos em que a mente dele ia para outro
lugar, geralmente para algum problema do trabalho”, comenta Grimes.
Em maio, Musk tirou uma breve folga do inferno de produção na
fábrica da Tesla e foi com ela a Nova York para participar do evento
anual de gala do Metropolitan Museum, uma extravagância cintilante
em que as pessoas exibem uma moda fora do comum e fantasias. Musk
sugeriu ideias para o traje dela, um conjunto punk medieval em preto e
branco com espartilho de vidro rígido e um colar feito de pontas que
lembravam o logotipo da Tesla. Ele até conseguiu alguém da equipe de
design da Tesla para ajudar Grimes a produzi-la. Ele usou uma camisa
branca com um colarinho clerical e um smoking branco puro com uma
discreta inscrição novus ordo seclorum, uma frase em latim que anuncia
uma nova ordem dos tempos.

Batalha de rap
Embora quisesse ajudar Musk durante a crise, Grimes não era uma
influência tranquila. A intensidade que a tornava uma artista ousada
trazia junto um estilo de vida confuso. Ela ficava acordada boa parte da
noite e dormia durante o dia. Grimes era exigente e não confiava na
equipe que cuidava dos afazeres domésticos de Musk, bem como tinha
um relacionamento difícil com Maye.
Musk era viciado em drama e Grimes tinha uma característica que
intensificava isso: era um ímã para drama. Ela atraía situações
dramáticas, fosse de propósito ou não. Bem quando o incidente da
caverna tailandesa e a confusão sobre tornar a Tesla uma empresa
privada estavam saindo de controle, em agosto de 2018, Grimes
convidou a rapper Azealia Banks para ficar com ela na casa de Musk e
colaborar em algumas músicas. Ela havia esquecido que tinha feito
planos com Musk de visitar Kimbal em Boulder. Grimes disse a Banks
que ela poderia ficar na casa de hóspedes no fim de semana. Naquela
manhã de sexta, três dias depois do tuíte sobre tornar a Tesla uma
empresa privada, Musk se levantou, se exercitou, fez algumas ligações e
viu de relance Banks na casa. Quando está concentrado em outras
coisas, ele não presta muita atenção no que acontece ao redor. Musk não
sabia ao certo quem vinha a ser ela, apenas que era amiga de Grimes.
Chateada por Grimes ter cancelado a sessão de gravação delas para
ficar com Musk, Banks soltou uma sequência de ofensas em seu perfil
do Instagram, que tinha muitos seguidores. “Esperei o fim de semana
todo enquanto grimes mimava o namorado por ser estúpido demais para
saber que não se entra no twitter sob efeito de ácido”, postou. Isso era
mentira (Musk nunca usou ácido), mas compreensivelmente instigou
não apenas a imprensa, como também a SEC. Os posts de Banks sobre
Grimes e Musk se tornaram progressivamente mais insanos:

LOL, Elon musk se daria melhor contratando uma acompanhante.


Pelo menos uma acompanhante teria ficado de boca fechada sobre as
coisas dele. Ele tem uma viciada em metanfetamina suja, traiçoeira,
saída da floresta, tipo aquela gata da cerveja Pabst, correndo pela
cidade contando TUDO SOBRE ELE PRA TODO MUNDO. Só
porque ele precisava de uma companhia para o Met Gala para
esconder da Amber Heard o pau encolhido LOL... Ele está no
espectro da síndrome de Down. Tem alguma coisa errada com aquele
cara. Não acho que ele mereça ser chamado de alienígena. Ele é um
mutante... Branquelos do cacete. Última vez que tento trabalhar com
uma cadela branca.

Quando a Business Insider fez uma entrevista por telefone com Banks,
ela ligou a situação ao compromisso de Musk de tornar a Tesla uma
empresa privada, o que deixou as coisas legalmente piores. “Eu o vi na
cozinha com o rabinho entre as pernas, pedindo que investidores
salvassem o traseiro dele depois daquele tuíte”, disse ela. “Ele estava
estressado e com o rosto vermelho.”
Até então, histórias malucas envolvendo Musk tinham uma vida útil
curta. Essa história foi sensação nos tabloides por cerca de uma semana,
depois começou a sumir quando Banks postou um pedido de desculpa.
Grimes conseguiu transformar a situação em munição para uma música.
Em 2021, lançou uma faixa chamada “100% Tragedy”, que era sobre “ter
que derrotar Azealia Banks quando ela tentou destruir minha vida”.

Muitos tons de Musk


Apesar de dramas desse tipo, Grimes era uma boa companheira para
Musk. Como Amber Heard (e o próprio Musk), também era atraída
pelo caos, mas, diferentemente da ex de Musk, o caos de Grimes era
fortalecido pela bondade e até pela doçura. “Meu alinhamento no
Dungeons and Dragons era caoticamente bom”, diz, “enquanto o da
Amber deve ser caoticamente mau”. Ela percebeu que era isso que
tornava Amber atraente para Musk. “Ele é atraído pelo caos ruim. É por
causa do pai dele e da infância que teve, e ele logo se deixa ser
maltratado. Associa amor a ser mau ou abusivo. Há uma ligação entre
Errol e Amber.”
Grimes gostava da intensidade dele. Certa noite foram assistir ao
filme Alita: Anjo de combate, em 3-D, mas quando chegaram não havia
mais óculos. Musk insistiu que ficassem e assistissem de qualquer
maneira, mesmo que a tela fosse parecer completamente desfocada.
Quando Grimes estava fazendo as gravações de vozes para a ciborgue
popstar a quem ela dava vida no jogo Cyberpunk 2077, ele apareceu no
estúdio sacudindo uma arma de 200 anos e insistiu que o deixassem
fazer uma ponta. “Os caras do estúdio começaram a suar”, conta
Grimes. Musk acrescenta: “Eu disse a eles que estava armado, mas que
não era perigoso.” Eles cederam. Os implantes cibernéticos no jogo
eram uma versão de ficção científica do que Musk estava fazendo na
Neuralink. “Isso me chamou a atenção”, diz.
A percepção básica dela quanto a Musk era a de ele ser diferente dos
outros. “A síndrome de Asperger torna você uma pessoa muito difícil”,
comenta Grimes. “Ele não é bom em sentir o clima. A compreensão
emocional dele é bastante diferente da que as pessoas comuns têm.” As
pessoas deveriam ter em mente a constituição psicológica de Musk
quando o julgam, argumenta ela. “Se alguém tem depressão ou
ansiedade, nós somos empáticos; se tem Asperger, dizemos que é um
babaca.”
Grimes aprendeu a lidar com as muitas personalidades de Musk. “Ele
tem diversas mentes e muitas personalidades bem distintas”, diz, “e
transita entre elas em alta velocidade. Você simplesmente sente o clima
mudar na sala e de repente toda a situação simplesmente passa para o
outro estado dele.” Ela notou que as personalidades diferentes têm
diferentes gostos, mesmo com relação a música e decoração. “A minha
versão favorita do E é a que gosta do Burning Man, dorme no sofá,
come sopa enlatada e é relaxado.” A bête noire é o Elon que ela chama de
modo demoníaco. “O modo demoníaco é quando ele fica sombrio e se
esconde dentro da tempestade no próprio cérebro.”
Certa noite, enquanto jantavam com um grupo, eu percebi o
momento em que o clima pesou e o humor dele mudou. Grimes se
afastou. “Quando ficamos juntos, eu me asseguro que estou com o Elon
certo”, explicou ela depois. “Há alguns caras naquela mente que não
gostam de mim, e eu não gosto deles.”
Às vezes, uma das versões de Elon vai parecer não se lembrar do que
a outra fez. “Você vai dizer coisas para ele e depois ele simplesmente não
vai se recordar de nada, porque estava em um espaço cerebral”, diz
Grimes. “Se ele estiver concentrado em algo em particular, não vai
receber estímulo, não vai absorver nenhuma informação do mundo
externo. As coisas podem estar bem na frente dos olhos dele, mas Elon
não vai ver.” Igual a como acontecia na época da escola.
Durante a turbulência emocional de 2018 na Tesla, ela tentou fazê-lo
relaxar. “Nem tudo precisa ser ruim”, disse para Musk certa noite. “Você
não precisa ficar eufórico com tudo o tempo todo.” Grimes também
entendia, de maneiras que outras pessoas não entendem, que a
inquietação de Musk era um dos motores do sucesso dele. Assim como
o modo demoníaco, embora ela tenha demorado mais a valorizar esse
aspecto. “O modo demoníaco causa muito caos”, diz Grimes, “mas
também faz as coisas acontecerem”.
capítulo 50
Xangai
Tesla, 2015-2019

Com Robin Ren em Xangai


Robin Ren, o campeão da Olimpíada de Física nascido em Xangai que
havia sido parceiro de laboratório de Musk na Penn, não entendia muito
de carros. Na realidade, quase tudo que ele sabia aprendera quando
atravessou o país de carro com Musk, após se formarem, em 1995.
Musk ensinara Ren a lidar com uma BMW enguiçada e a dirigir com
câmbio manual, habilidades das quais ele não precisou depois de se
tornar chefe de tecnologia na subsidiária de flash drives da Dell
Computers. Foi por isso que Ren ficou surpreso com o convite de Musk,
vinte anos depois, para almoçar em Palo Alto.
Vender carros na China era fundamental para as ambições globais da
Tesla, mas as coisas não estavam indo bem. Musk havia demitido
sucessivamente dois gerentes na China e, depois de a empresa ter
vendido só 120 carros no país em um mês, ele se preparava para demitir
toda a equipe principal baseada lá. “Como eu acerto o negócio da Tesla
na China?”, perguntou a Ren no almoço. Ren expressou sua ignorância
sobre a indústria automobilística e simplesmente fez algumas
considerações de alto nível sobre como fazer negócios no país. “Vou à
China na semana que vem para me encontrar com o vice-primeiro-
ministro”, disse Musk quando estavam prestes a ir embora. “Você pode
ir comigo?”
Ren hesitou. Ele havia acabado de voltar de uma viagem de negócios
na China. Contudo, sentiu a atração irresistível de ser parte da missão de
Musk, então enviou um e-mail na manhã seguinte para dizer que estava
pronto para ir. Eles tiveram uma reunião cordial com o vice-primeiro-
ministro. Depois, se encontraram com um ex-integrante do governo e
outros consultores, os quais disseram que, para ter sucesso vendendo
carros na China, a Tesla teria que fabricar carros lá. De acordo com a lei
chinesa, isso exigia criar uma joint-venture com uma empresa nacional.
Musk era alérgico a joint-ventures. Ele não era bom em compartilhar
o controle. Então enfatizou, lançando mão de seu modo brincalhão, que
a Tesla não queria se casar. “A Tesla é jovem demais”, disse. “Somos
quase um bebê, como vocês querem casar?” Ele se levantou e imitou
duas crianças pequenas andando até o altar, e deu sua típica risada. Todo
mundo na sala riu, os chineses de maneira um pouco hesitante.
No voo de volta no jato de Musk, ele e Ren ficaram se lembrando da
faculdade e compartilharam fatos curiosos sobre física. Foi só depois que
o jato pousou, enquanto estavam descendo as escadas, que Musk fez a
pergunta: “Você entraria para a Tesla?” Ren disse que sim.

***

O grande desafio de Ren era encontrar uma forma de fabricar na China.


Ele podia ou insistir até dissuadir a resistência de Musk e fazer a Tesla
criar uma joint-venture, que era o que todas as outras empresas
automotivas tinham feito, ou convencer os principais líderes chineses a
mudar a lei que havia definido o crescimento industrial chinês por três
décadas. Descobriu que esta última opção era mais fácil. Mês após mês,
Ren fez lobby junto ao governo chinês. O próprio Musk voltou para lá
em abril de 2017 a fim de se encontrar com os líderes chineses
novamente. “Nós continuávamos a explicar por que seria bom para a
China deixar a Tesla construir uma fábrica automotiva, mesmo que não
fosse uma joint-venture”, diz Ren.
Como parte dos planos do presidente Xi Jinping de fazer do país um
centro da inovação na energia limpa, a China finalmente concordou, no
início de 2018, em deixar a Tesla construir uma fábrica sem ter que
entrar numa joint-venture. Ren e sua equipe conseguiram negociar um
acordo por mais de oitenta hectares perto de Xangai com empréstimos a
juros baixos.
Ren voltou para os Estados Unidos com o propósito de discutir o
acordo com Musk em fevereiro de 2018. Infelizmente, Musk
encontrava-se em meio ao inferno de produção na fábrica de baterias em
Nevada, e estava em tal frenesi andando pelo chão de fábrica que Ren
não foi capaz de conseguir encurralá-lo para uma conversa. Os dois
foram para Los Angeles juntos naquela noite, mas só depois de
pousarem Ren conseguiu conversar com ele. Ren começou a mostrar
uma sequência de slides com mapas, condições de financiamento e
termos do acordo, mas Musk não olhou para aquilo. Em vez disso, ficou
olhando para fora da janela do avião dele por quase um minuto. Então
encarou Ren e disse: “Você acredita que é a coisa certa a se fazer?” Ren
ficou tão desconcertado que parou por alguns segundos antes de
responder que sim. “Ok, vamos nessa”, decretou Musk e saiu do avião.
A cerimônia formal de assinatura com os líderes chineses aconteceu
em 10 de julho de 2018. Musk foi a Xangai saído direto da caverna na
Tailândia, onde esteve com água até a cintura para entregar o
minissubmarino que havia construído para resgatar os jovens jogadores
de futebol. Ele trocou de roupa e vestiu um terno escuro, então ficou de
pé rigidamente no salão de banquetes vermelho enquanto todos
trocavam brindes. Os primeiros modelos Tesla começaram a sair da
fábrica em outubro de 2019. Em dois anos, a China estaria fabricando
mais da metade dos veículos da empresa.
capítulo 51
Cybertruck
Tesla, 2018-2019

Com Franz von Holzhausen, discutindo o design do Cybertruck, em 2018


Aço
Quase toda sexta-feira à tarde, desde que criara o estúdio de design da
Tesla, em 2008, Musk fazia uma reunião de avaliação de produto com o
chefe da equipe de design, Franz von Holzhausen. Essas reuniões,
geralmente realizadas no silencioso showroom de piso branco do estúdio
de design nos fundos da sede da SpaceX, em Los Angeles, eram um
respiro, sobretudo quando a semana fora tumultuada. Musk e Von
Holzhausen vagavam pela sala, que parecia um hangar, tocando em
protótipos e modelos de argila dos veículos que eles vislumbravam para o
futuro da Tesla.
No começo de 2017, eles principiaram a discutir ideias para uma
caminhonete da Tesla. Von Holzhausen começou com os designs
tradicionais, usando como modelo uma Chevrolet Silverado, que foi
colocada no centro do estúdio para que eles estudassem as proporções e
os componentes do veículo. Musk disse que queria algo mais
empolgante, talvez até mesmo surpreendente. Então pesquisaram
veículos históricos com um ar arrojado, principalmente a El Camino,
um cupê retrofuturista feito pela Chevrolet na década de 1960. Von
Holzhausen projetou uma caminhonete com um ar semelhante, mas, ao
andar em torno do modelo, eles concordaram que o veículo não parecia
“durão” o suficiente. “Tinha curvas demais”, diz Von Holzhausen. “Não
transmitia a autoridade de uma caminhonete.”
Musk então acrescentou mais uma referência de design que o
inspirou: a Lotus Esprit do fim da década de 1970, um veículo esportivo
britânico anguloso e com a frente em forma de cunha. Especificamente,
ele estava apaixonado por uma versão que aparecia no filme 007: O espião
que me amava, de James Bond, de 1977. Por cerca de 1 milhão de
dólares, Musk comprou o carro usado no filme e o expôs no estúdio de
design da Tesla.
As sessões de brainstorming eram divertidas, mas mesmo assim não
culminaram em um conceito que empolgasse os dois. Para se inspirarem,
eles visitaram o Museu Automotivo Petersen, onde repararam em algo
surpreendente. “Percebemos”, diz Von Holzhausen, “que as
caminhonetes não haviam mudado de forma e o processo de fabricação
ainda era o mesmo nos últimos oitenta anos”.
Com isso em mente, Musk mudou o foco para algo mais básico: qual
material eles deveriam usar para a carroceria da caminhonete? Ao
repensar os materiais e até mesmo a física da estrutura do veículo, talvez
vislumbrassem designs tremendamente inovadores.
“Originalmente, pensamos em alumínio”, relata Von Holzhausen.
“Também cogitamos titânio, porque a durabilidade era realmente
importante.” Contudo, mais ou menos nessa época, Musk se encantou
com a possibilidade de produzir um foguete usando aço inoxidável
brilhante. E ele percebeu que isso talvez funcionasse também para a
picape. Uma carroceria de aço inoxidável não precisaria de pintura e
poderia suportar parte da carga estrutural do veículo. Era uma ideia de
fato inovadora, um modo de repensar o que um veículo podia ser. Numa
sexta à tarde, depois de algumas semanas de discussão, Musk entrou e
simplesmente anunciou: “Vamos fazer essa coisa toda de aço inoxidável.”
Charles Kuehmann era o vice-presidente de engenharia de materiais
tanto da Tesla quanto da SpaceX. Uma das vantagens de que Musk
usufruía era que as empresas dele podiam compartilhar conhecimento de
engenharia. Kuehmann desenvolveu um aço inoxidável ultrarresistente
que era “laminado a frio” em vez de exigir tratamentos a quente — e que
foi patenteado pela Tesla. O material era forte e barato o bastante para
ser usado tanto em caminhonetes quanto em foguetes.
A decisão de usar aço inoxidável na fabricação da Cybertruck teve
uma grande consequência para a engenharia do veículo. Uma carroceria
de aço podia servir como estrutura para suportar a carga do veículo, em
vez de exigir que o chassi desempenhasse esse papel. “Vamos colocar a
resistência na parte externa, usar como um exoesqueleto, e fixar todo o
restante pelo lado de dentro”, sugeriu Musk.
O uso de aço inoxidável também abriu novas possibilidades para a
aparência da caminhonete. No lugar de usar máquinas que esculpiriam a
fibra de carbono para fazer painéis com curvas e formas sutis, o aço
inoxidável favoreceria superfícies planas e ângulos afilados. Isso
permitiria — e de certa maneira forçaria — que a equipe de design
explorasse ideias mais futuristas, ousadas, até mesmo chocantes.
“Não resista a mim”
No segundo semestre de 2018, Musk estava saindo do inferno de
produção das fábricas de Nevada e de Fremont, dos tuítes sobre
pedofilia e acerca de tornar a Tesla uma empresa privada e do turbilhão
mental daquele que ele chamou de o ano mais aflitivo que já tivera na
vida. Em momentos desafiadores, um dos refúgios de Musk era se
concentrar em algum projeto futuro. E foi isso que ele fez no tranquilo
porto seguro do estúdio de design naquele 5 de outubro, quando
transformou a visita regular das sextas-feiras em uma sessão de
brainstorming sobre a caminhonete.
O Chevrolet Silverado continuava no showroom como referência.
Diante dela havia três grandes quadros com imagens de uma ampla
gama de veículos, alguns extraídos de videogames e de filmes de ficção
científica. Eles iam dos modelos retrô aos futuristas, dos mais
aerodinâmicos aos mais angulosos, dos curvilíneos aos chocantes. Com
as mãos casualmente nos bolsos, Von Holzhausen tinha a postura
tranquila de um surfista à espera da onda certa. Musk, com as mãos na
cintura, parecia um urso encolhido à procura de uma presa. Depois de
um tempo, Dave Morris e, mais tarde, alguns outros designers também
começaram a participar.
Enquanto olhava para as fotos nos quadros, Musk gravitava na
direção dos modelos com um visual futurista, cibernético. Pouco tempo
antes, eles haviam decidido o design do Model Y, uma versão crossover
do Model 3, e Musk tinha sido dissuadido de parte de suas sugestões
mais radicais e anticonvencionais. Depois de não ter arriscado no Model
Y, ele não queria que isso acontecesse com o projeto da picape. “Vamos
ser ousados”, disse. “Vamos surpreender as pessoas.”
Toda vez que alguém apontava para uma imagem mais convencional,
Musk rechaçava e apontava para o carro do videogame Halo, para o que
aparecia no trailer do jogo Cyberpunk 2077, que ainda seria lançado, ou
para o do filme Blade Runner, de Ridley Scott. Seu filho Saxon, que é
autista, tinha feito recentemente uma pergunta fora do comum que
ficava retumbando na mente de Musk: “Por que o futuro não tem cara
de futuro?” Musk citava repetidas vezes a pergunta de Saxon. E assim
ele disse para a equipe de design naquela sexta-feira: “Eu quero que o
futuro tenha cara de futuro.”
Havia umas poucas vozes dissonantes, as quais acreditavam que algo
futurista demais não venderia. Afinal, era uma caminhonete. “Não me
importo se ninguém comprar”, falou Musk no fim de uma reunião. “Não
vamos fazer uma caminhonete tradicional e chata. Podemos fazer isso
depois. Quero fazer uma coisa maneira. Tipo, não resistam a mim.”

***

Em julho de 2019, Von Holzhausen e Morris tinham construído um


mock-up em tamanho real de um desenho futurista, ousado, cibernético,
cheio de ângulos e faces como um diamante. Certa sexta-feira, eles
surpreenderam Musk, que ainda não tinha visto o modelo, colocando-o
no centro do showroom, perto do modelo mais tradicional que vinham
cogitando. Quando Musk entrou pela porta principal da fábrica da
SpaceX, sua reação foi instantânea: “É isso!”, exclamou. “Adorei. Vamos
fazer isso. Sim, é isso que a gente vai fazer. Isso, ok, fechado.”
O modelo ficou conhecido como Cybertruck.
“A maioria das pessoas do estúdio odiou o carro”, diz Von
Holzhausen. “Eles diziam algo assim: ‘Você não está falando sério.’ Não
queriam ter nada a ver com aquilo. Era esquisito demais.” Alguns
engenheiros começaram a trabalhar em segredo numa versão alternativa.
Von Holzhausen, que é tão gentil quanto Musk é brusco, dedicava um
tempo a escutar com atenção as preocupações deles. “Se as pessoas à sua
volta não compram a ideia, é difícil fazer com que as coisas aconteçam”,
explica ele. Musk era menos paciente. Diante da insistência de alguns
designers para que ele fizesse pelo menos algum tipo de teste de
mercado, Musk respondia: “Eu não faço grupos focais.”
Quando o projeto da caminhonete ficou pronto, em agosto de 2019,
Musk disse à equipe que queria exibir publicamente o protótipo em
novembro — em três meses, em vez dos habituais nove meses que se
leva para produzir um protótipo funcional. “Até novembro não vamos
ter um carro que as pessoas possam dirigir”, afirmou Von Holzhausen.
Musk respondeu: “Vamos ter, sim.” Os prazos irreais dele geralmente
não funcionam, mas em alguns casos dava certo. “Isso forçava a equipe a
trabalhar unida, 24 horas por dia, sete dias por semana, focada naquela
data”, diz Von Holzhausen.
Em 21 de novembro de 2019, a caminhonete foi levada até um palco
no estúdio de design para uma apresentação à imprensa e também a
convidados. Houve suspiros. “Muita gente na plateia claramente não
acreditava que aquele era o veículo que tinham ido ver”, noticiou a
CNN. “O Cybertruck parece um grande trapezoide de metal sobre
rodas, lembra mais uma obra de arte do que uma caminhonete.”
Também houve uma grande surpresa quando Von Holzhausen tentou
demonstrar a resistência do veículo. Ele bateu com uma marreta na
carroceria, que não ficou com nenhum amassado. Depois, jogou uma
bola de metal numa das janelas de “vidro blindado”, para mostrar que
não ia quebrar. Para surpresa dele, houve uma rachadura. “Ai, meu
Deus!”, exclamou Musk. “Bem, vai ver que foi um pouco forte demais.”
No geral, a apresentação não foi um grande sucesso. As ações da
Tesla caíram 6% no dia seguinte, mas Musk estava satisfeito. “As
caminhonetes têm sido feitas do mesmo modo há muito tempo, há uns
cem anos”, disse ele para a plateia. “Queremos tentar algo diferente.”
Mais tarde, Musk levou Grimes para passear no protótipo e foram até
o restaurante Nobu, onde os manobristas ficaram apenas olhando a
caminhonete, sem tocar. Na saída, perseguido por paparazzi, ele dirigiu
até um cone no estacionamento onde havia uma placa com os dizeres
proibido virar à esquerda, e virou à esquerda.
capítulo 52
Starlink
SpaceX, 2015-2018

Uma internet em órbita terrestre baixa


Quando lançou a SpaceX, em 2002, Musk concebeu a empresa como
um esforço para levar a humanidade a Marte. Toda semana, em meio a
todas as reuniões técnicas sobre motores e design de foguetes, ele fazia
uma reunião esotérica chamada “Colonizador de Marte”. Nela,
imaginava como seria uma colônia em Marte e de que forma seria
governada. “A gente sempre tentava não faltar ao Colonizador de Marte,
porque era a reunião mais divertida para o Musk e sempre o deixava de
bom humor”, diz a ex-assistente Elissa Butterfield.
Ir a Marte custava muito dinheiro. Por isso Musk combinou, como
muitas vezes fazia, uma missão ambiciosa com um plano de negócios
prático. Havia muitas oportunidades de rendimento que ele podia tentar,
entre as quais o turismo espacial (como Bezos e Branson) e lançamentos
de satélites para os Estados Unidos e outros países e empresas. No fim
de 2014, ele voltou a atenção para uma mina de ouro muito maior:
oferecer serviço de internet para consumidores pagantes. A SpaceX faria
e lançaria satélites de comunicação próprios, na prática reconstruindo a
internet no espaço sideral.
“A receita da internet é de cerca de 1 trilhão de dólares por ano”, diz
Musk. “Se pudermos atender a 3% disso, serão 30 bilhões de dólares, o
que é mais do que o orçamento da NASA. Essa foi a inspiração para a
Starlink financiar a viagem a Marte.” Ele faz uma pausa e em seguida
enfatiza: “A perspectiva de chegar a Marte motivou todas as decisões da
SpaceX.”
Mirando nessa missão, em janeiro de 2015 Musk anunciou a criação
de uma divisão da SpaceX, com base perto de Seattle, chamada Starlink.
O plano era enviar satélites para a baixa órbita terrestre, a mais ou
menos 550 quilômetros de altitude, para que a latência dos sinais não
fosse tão ruim quanto a dos sistemas que dependiam de satélites
geoestacionários, que orbitam a 36 mil quilômetros acima da Terra. De
sua baixa altitude, os satélites da Starlink não conseguem cobrir uma
área tão grande, por isso seriam necessários muitos. A meta da Starlink
era que no fim do processo houvesse uma megaconstelação de 40 mil
satélites.

Mark Juncosa
Em meio ao infernal verão de 2018, o sentido-aranha de Musk o estava
alertando para algo errado na Starlink. Os satélites eram grandes
demais, caros e difíceis de fabricar. Para conseguir uma escala lucrativa,
eles teriam que ser fabricados por um décimo do custo e dez vezes mais
rápido. A equipe da Starlink, porém, não parecia sentir essa urgência, o
que para Musk é um pecado capital.
Por isso, numa noite de domingo, em junho, sem muito alarde, ele
voou até Seattle para demitir toda a equipe de chefes da Starlink. Musk
levou consigo oito de seus mais experientes engenheiros de foguetes da
SpaceX. Nenhum deles sabia muito sobre satélites, mas todos sabiam
como resolver problemas de engenharia e aplicar o algoritmo de Musk.
O engenheiro que ele escolheu para assumir o comando foi Mark
Juncosa, que já era encarregado da engenharia estrutural na SpaceX. Isso
tinha como vantagem a integração do design e da produção de todos os
produtos da empresa, desde foguetes auxiliares até satélites, sob o
controle de um único gestor. O fato de esse gestor ser Juncosa era outra
vantagem, porque ele é um engenheiro febrilmente brilhante, capaz de
fundir a mente com a de Musk.
Juncosa cresceu como um surfista magricela no sul da Califórnia,
profundamente apaixonado pelo clima, pela cultura e pela atmosfera do
local, mas sem se deixar influenciar por aquela languidez despreocupada.
Ele usa o iPhone como fidget spinner, girando-o entre o polegar e o
indicador com a mágica de um equilibrista circense, e fala como uma
metralhadora de exclamações, cheias de “sabe”, “tipo” e “uau, cara”.
Juncosa estudou em Cornell, onde participou da equipe de Fórmula 1
da faculdade. Em seu primeiro emprego, fabricava carrocerias de carros,
aproveitando as habilidades de construir pranchas, e depois foi integrado
à equipe de engenharia. “Eu, tipo, me apaixonei por aquilo, sabe, e
fiquei, tipo assim, sério, eu nasci para isso, cara”, diz ele.
Em uma visita a Cornell em 2004, Musk enviou um bilhete para
alguns professores de engenharia convidando-os a levar um ou dois
alunos prediletos para um almoço. “Foi, tipo, sabe, você quer comer de
graça com esse ricaço?”, conta Juncosa. “Superquero, estou dentro,
claro.” Quando Musk descreveu o que estava fazendo na SpaceX,
Juncosa pensou: Cara, esse sujeito é muito doido, e acho que vai perder todo o
dinheiro, mas ele parece superesperto e motivado, e eu gosto do estilo dele. No
momento em que Musk lhe ofereceu um emprego, ele aceitou na hora.
Juncosa impressionou Musk com seu jeito de correr riscos e quebrar
regras. Quando estava supervisionando o desenvolvimento da cápsula
Dragon, que leva carga do Falcon 9 até a órbita, ele foi repreendido
várias vezes pelo gerente de garantia de qualidade da SpaceX por não
preencher a papelada adequadamente. A equipe de Juncosa projetava a
cápsula durante o dia e passava a maior parte da noite construindo-a.
“Eu disse para o cara que a gente não tinha tempo pra documentar
nossas ordens de serviço e checagens de qualidade, a gente simplesmente
ia construir e testar no final”, diz ele. “O cara da qualidade ficou bem
irritado, e com razão, e aí a gente foi parar na baia do Musk, discutindo
isso.” Musk ficou agitado e começou a dar uma bronca no gerente de
qualidade. “Foi muito tenso, mas ele e eu estávamos superdecididos a
fazer essa cápsula porque existia o risco de o dinheiro acabar”, explica
Juncosa.
Starlinks aprimorados
Quando assumiu a Starlink, Juncosa jogou fora o design existente e
recomeçou desde os princípios básicos, questionando todas as
especificações com base na física elementar. O objetivo era construir o
satélite de comunicação da forma mais simples possível e depois
acrescentar os penduricalhos. “Tínhamos reuniões que pareciam
maratonas, e Elon insistia em cada detalhe”, diz Juncosa.
Por exemplo, as antenas do satélite ficavam em uma estrutura à parte
do computador de voo. Os engenheiros haviam decretado que essas
partes ficassem termicamente isoladas umas das outras. Juncosa
perguntara a razão disso. Quando disseram que as antenas podiam
superaquecer, ele pediu para ver os dados dos testes. “Ao perguntar ‘por
quê’ pela quinta vez, as pessoas estavam tipo: ‘Caramba, talvez a gente
devesse fazer um componente integrado.’”
No fim do processo de design, Juncosa tinha transformado um ninho
de ratos em um satélite simples e plano. Esse satélite tinha o potencial
de ser muito mais barato. Era possível carregar uma quantidade duas
vezes maior na ogiva do Falcon 9, o que duplicava o número de satélites
que cada voo era capaz de colocar em órbita. “Eu fiquei, tipo, bem feliz
com isso”, diz Juncosa. “Fiquei ali pensando como eu tinha sido
esperto.”
Musk, porém, continuava esquadrinhando todos os detalhes. Quando
os satélites foram lançados em um Falcon 9, havia conexões ligando cada
satélite ao solo para que eles fossem lançados um por vez e não
esbarrassem uns nos outros. “Por que não lançar todos de uma vez?”,
perguntou ele. De início, Juncosa e os outros engenheiros acharam que
isso era maluquice. Eles tinham medo de colisões. No entanto, Musk
disse que o movimento da espaçonave faria com que os satélites se
separassem naturalmente. Se por acaso eles se chocassem, seria algo
lento e inofensivo. Então, eles se livraram dos conectores, o que
significou uma pequena economia de custo, complexidade e massa. “A
vida ficou muito mais fácil por termos reunido essas partes”, diz Juncosa.
“Eu fui bundão demais para sugerir isso, mas o Elon fez a gente tentar.”
Em maio de 2019, o design do Starlink simplificado estava completo,
e o foguete Falcon 9 começou a lançá-los em órbita. Quatro meses
depois, quando entraram em operação, Musk estava em sua casa no sul
do Texas e postou no Twitter: “Publicando este tuíte por meio de um
satélite da Starlink no espaço.” Agora ele podia tuitar usando sua própria
internet.
capítulo 53
Starship
SpaceX, 2018-2019

A sala de estar e o quintal de Musk em Boca Chica; Bill Riley e Mark Juncosa
Grande foguete
Se o objetivo de Musk fosse criar uma empresa lucrativa de foguetes, ele
poderia ter se permitido reunir suas conquistas e relaxar depois de ter
sobrevivido a 2018. O Falcon 9 reutilizável havia se tornado o foguete
mais eficiente e confiável do mundo, e ele tinha desenvolvido os próprios
satélites de comunicação, que posteriormente proporcionariam uma
receita abundante.
O objetivo dele, porém, não era meramente se tornar um
empreendedor espacial. Era levar a humanidade a Marte. E não seria
possível fazer isso em um Falcon 9 nem em seu irmão mais reforçado, o
Falcon Heavy. Os Falcons só eram capazes de voar até uma certa altura.
“Eu podia ganhar muito dinheiro, mas não teria como tornar a vida
multiplanetária”, diz ele.
Foi por isso que em setembro de 2017 ele anunciou que a SpaceX iria
desenvolver um foguete reutilizável muito maior, o mais alto e mais
poderoso já construído. Musk deu ao grande foguete o codinome de
BFR. Um ano depois, ele tuitou: “Rebatizando o BFR como Starship.”
O sistema Starship teria um foguete auxiliar no primeiro estágio e
uma espaçonave no segundo estágio que, juntos, somariam quase 120
metros de altura, 50% mais alto do que o Falcon 9 e dez metros mais
alto do que o foguete Saturno V usado pela NASA no programa Apollo,
na década de 1970. Com 33 motores auxiliares, seria capaz de lançar
mais de cem toneladas de carga em órbita, quatro vezes mais do que o
Falcon 9. E, em algum momento, conseguiria transportar cem
passageiros para Marte. Embora estivesse assoberbado com as fábricas
da Tesla de Nevada e de Fremont, Musk encontrava tempo toda semana
para dar uma olhada nas renderizações dos serviços e das comodidades
que a Starship ofereceria aos passageiros durante uma viagem de nove
meses a Marte.
Aço inoxidável, de novo
Em razão da infância, quando perambulava pelo escritório de design do
pai, em Pretória, Musk tinha uma boa noção das propriedades dos
materiais de construção. Nas reuniões da Tesla e da SpaceX, ele se
concentrava nas várias opções de cátodos e ânodos de baterias, válvulas
de motor, chassis, estruturas de foguetes e de carroceria de caminhonete.
Ele podia (e com frequência o fazia) discorrer longamente sobre lítio,
ferro, cobalto, inconel e outras ligas de níquel e cromo, compostos
plásticos, graus de alumínio e ligas de aço. Em 2018, Musk estava se
apaixonando por uma liga bastante comum, que, ele percebeu,
funcionaria igualmente bem num foguete e no Cybertruck: o aço
inoxidável. “O aço inoxidável e eu temos uma história de amor”,
brincava com a equipe dele.
Havia um alegre e humilde engenheiro chamado Bill Riley
trabalhando com Musk na Starship. Ele tinha sido membro da lendária
equipe de corrida de Cornell e ajudado a treinar Mark Juncosa, que mais
tarde o convenceu a entrar para a SpaceX. Riley e Musk tinham um
amor em comum pela história militar — especialmente pelos conflitos
aéreos da Primeira e da Segunda Guerra Mundiais — e por ciência de
materiais.
Um dia, no fim de 2018, eles estavam visitando a unidade de
produção da Starship, que ficava perto do porto de Los Angeles, mais
ou menos 25 quilômetros ao sul da fábrica e da sede da SpaceX. Riley
explicou que estavam tendo problemas com a fibra de carbono. As placas
estavam enrugando. Além disso, o processo era lento e caro. “Se
continuarmos com a fibra de carbono, vamos nos ferrar”, disse Musk.
“Extrapolando isso, morrer é o nosso fim. Eu nunca vou conseguir
chegar a Marte.” Fabricantes que trabalham com custo mais margem
não pensam assim.
Musk sabia que os primeiros foguetes Atlas, que no início dos anos
1960 impulsionaram os primeiros quatro norte-americanos até a órbita,
foram feitos de aço inoxidável, e ele havia decidido usar esse material na
carroceria do Cybertruck. No fim de uma caminhada pela unidade, ele
ficou muito quieto e olhou para os navios que chegavam ao porto.
“Pessoal, a gente precisa mudar de rumo”, disse Musk. “Nunca vamos
construir foguetes rápido o suficiente com esse processo. Que tal aço
inoxidável?”
De início houve resistência, até certa incredulidade. Quando se
reuniu com seu time de executivos na sala de conferências da SpaceX
poucos dias depois, eles argumentaram que um foguete de aço
inoxidável provavelmente seria mais pesado do que um construído com
fibra de carbono ou com a liga de alumínio-lítio usada no Falcon 9. Os
instintos de Musk diziam outra coisa. “Façam as contas”, falou para os
executivos. “Façam as contas.” Quando fizeram, eles determinaram que
o aço poderia, na verdade, ser mais leve nas condições que a Starship
enfrentaria. Em temperaturas muito frias, a resistência do aço inoxidável
aumenta em 50%, o que significa que ele seria mais forte quando
estivesse carregado com o combustível de oxigênio líquido super-
resfriado.
Além disso, o alto ponto de fusão do aço inoxidável eliminaria a
necessidade de um escudo contra o calor na lateral da Starship voltada
para o espaço, o que reduziria o peso total do foguete. Uma última
vantagem era a simplicidade de soldar juntas as peças de aço inoxidável.
A liga de alumínio-lítio do Falcon 9 exigia um processo chamado
soldagem por fricção, que precisava ser feito num ambiente imaculado.
O aço inoxidável, entretanto, podia ser soldado em grandes tendas ou
mesmo ao ar livre, o que tornava mais fácil realizar o processo no Texas
ou na Flórida, perto dos locais de lançamento. “Com o aço inoxidável,
você pode fumar um charuto enquanto solda”, diz Musk.

***

A mudança para o aço inoxidável permitiu que a SpaceX contratasse


construtores sem o conhecimento especializado necessário para a
fabricação da fibra de carbono. No local de teste de motores em
McGregor, no Texas, a SpaceX contratou uma empresa que fazia torres
de caixa-d’água de aço inoxidável. Musk disse a Riley que pedisse ajuda
a eles. Uma questão era determinar a espessura das paredes da Starship.
Musk falou com alguns dos operários, quem realmente fazia a solda, e
não com os executivos da empresa, e perguntou a eles se achavam que
seria seguro. “Uma das regras de Elon é: ‘Chegue o mais perto possível
da fonte para obter informação’”, diz Riley. Os operários responderam
que as paredes do tanque poderiam, talvez, ter apenas 4,8 milímetros.
“Que tal quatro?”, perguntou Musk.
“Isso ia deixar a gente bem nervoso”, respondeu um dos operários.
“Certo”, disse Musk, “vamos fazer com quatro milímetros. Vamos
tentar”.
Funcionou.
Em poucos meses, eles tinham um protótipo, conhecido como
Starhopper, pronto para ser testado em saltos de baixa altitude. O
protótipo contava com três pernas projetadas para testar como a Starship
seria capaz de aterrissar em segurança depois de um voo e ser
reutilizada. Em julho de 2019, o foguete foi testado em um salto de 25
metros de altitude.
Musk estava tão feliz com o conceito da Starship que, certa tarde,
durante uma reunião da SpaceX na sala de conferências, impulsivamente
decidiu botar em ação a estratégia dele de tomar uma atitude
irreversível. “Cancelem o Falcon Heavy”, determinou. Os executivos na
sala mandaram uma mensagem de texto para Gwynne Shotwell
contando o que estava acontecendo. Shotwell saiu às pressas da baia,
desabou numa cadeira e disse a Musk que ele não podia fazer aquilo. O
Falcon Heavy, com três núcleos de foguetes auxiliares, era decisivo para
cumprir os contratos com as Forças Armadas de lançar grandes satélites
de inteligência. Shotwell tinha moral para poder fazer esse tipo de
questionamento. “Quando contextualizei a situação para Elon, ele
concordou que nós não podíamos fazer o que ele queria”, diz ela. O fato
de a maioria das pessoas próximas a Musk ter medo de fazer isso era um
problema para ele.

Starbase
Boca Chica, no extremo sul do Texas, é uma versão do paraíso pouco
desenvolvida. Suas dunas de areia e as praias não têm o mesmo encanto
de Padre Island, uma área de resorts subindo a costa, mas as áreas de
preservação ambiental no entorno tornam o ambiente seguro para o
lançamento de foguetes. Em 2014, a SpaceX construiu uma plataforma
de lançamento rudimentar ali como plano B para Cabo Canaveral e
Vandenberg, mas o lugar ficou basicamente às moscas até 2018, quando
Musk decidiu que iria transformá-lo numa base dedicada à Starship.
Como a Starship era imensa, não fazia sentido construir em Los
Angeles e depois transportar para Boca Chica. Por isso, Musk decidiu
que eles deveriam construir uma unidade de fabricação de foguetes a
cerca de três quilômetros da plataforma de lançamento, em meio às áreas
ensolaradas e úmidas de Boca Chica, tomadas por vegetação rasteira e
infestadas de mosquitos. A equipe da SpaceX ergueu três imensas tendas
parecidas com hangares para abrigar as linhas de montagem e três
galpões altos de metal corrugado capazes de acomodar as Starships em
posição vertical. Uma velha construção que ficava no terreno foi dividida
em baias, uma sala de conferências e uma cantina com comida aceitável
e café de primeira. No início de 2020, havia quinhentos engenheiros e
operários, cerca de metade moradores da região, trabalhando 24 horas
por dia, em turnos.
“Você precisa vir para Boca Chica e fazer o que for preciso para deixar
este lugar perfeito”, disse Musk para Elissa Butterfield, assistente dele na
época. “O futuro do progresso da humanidade no espaço depende
disso.” Os hotéis mais próximos ficavam em Brownsville, cerca de
cinquenta quilômetros para o interior, por isso Butterfield criou um
parque de trailers Airstream para servir de acomodação, com palmeiras
compradas na Home Depot, um bar tiki e um deque com lareira ao ar
livre. Sam Patel, o jovem e ansioso chefe de instalações, alugou drones e
pulverizadores para tentar controlar os mosquitos. “Não dá para chegar
em Marte se os mosquitos nos comerem antes”, disse Musk.
Musk se concentrou no projeto e no funcionamento das tendas que
serviam de fábrica, discutindo como as linhas de montagem deveriam
ser organizadas. Em uma visita no fim de 2019, ele ficou frustrado com
o ritmo lento. A equipe ainda não tinha produzido sequer uma ogiva
que encaixasse perfeitamente na Starship. Parado em frente a uma das
tendas, lançou um desafio: construir uma ogiva até o nascer do sol. Isso
não era viável, lhe disseram, porque eles não tinham o equipamento para
calibrar o tamanho preciso. “Nós vamos fazer uma ogiva até o nascer do
sol nem que a gente morra”, insistiu Musk. Ordenou que cortassem fora
a parte de cima do corpo do foguete e usassem isso para fazer as
medições. Eles fizeram isso, e ele ficou acordado com a equipe de quatro
engenheiros e soldadores até a ogiva ficar pronta. “Na verdade, a gente
não tinha uma ogiva pronta quando o dia raiou”, admite um dos
membros da equipe, Jim Vo. “Só ficou pronta lá para umas nove da
manhã.”

***

A mais ou menos 1,5 quilômetro da unidade da SpaceX, havia um


loteamento dos anos 1960 com 31 casas em estado precário, algumas
pré-fabricadas, espalhadas por apenas duas ruas. A SpaceX tinha
oferecido três vezes o valor estimado de mercado e conseguido comprar
a maioria delas, mas uns poucos donos haviam se recusado a vender, ou
por teimosia ou pela empolgação de morar perto de uma plataforma de
lançamento de foguetes.
Musk escolheu uma casa com dois quartos para ele. A casa tem um
cômodo principal de conceito aberto, com paredes brancas e um piso de
tábuas ligeiramente manchado, que serve como sala de estar, sala de
jantar e cozinha. Uma pequena mesa de madeira faz as vezes de mesa de
trabalho. Debaixo dela fica um roteador wi-fi conectado a uma antena
da Starlink. Os balcões da cozinha são de fórmica branca, e a única coisa
que se destaca é uma geladeira de tamanho industrial, cheia de Coca-
Cola Diet descafeinada. Os objetos são semelhantes aos de um
dormitório de universidade, com direito a pôsteres das capas da revista
Amazing Stories. Na mesinha de centro estão o volume 3 da história da
Segunda Guerra Mundial, de Winston Churchill, Our Dumb Century,
do The Onion, e a série Fundação, de Isaac Asimov, além de um álbum
de fotos preparado pelo Saturday Night Live como registro da
participação dele no programa em maio de 2021. Um pequeno quarto
contíguo tem uma esteira ergométrica, que ele não usa muito.
O quintal tem grama rala e duas palmeiras que, apesar de serem
tropicais, murcham com o calor de agosto. A parede de tijolos caiados
nos fundos está coberta de grafites feitos por Grimes, que incluem
corações vermelhos e nuvens que parecem emojis de bolhas azuis. O
telhado de painéis solares está conectado a duas grandes Powerwalls da
Tesla. Um galpão no quintal às vezes é usado por Grimes como estúdio
ou por Maye Musk como quarto.
Dizer que o lugar é humilde para servir de residência principal de um
bilionário é pouco. Entretanto, Musk encontrou ali um refúgio. Depois
de longas reuniões na Starbase ou de tensas rondas de inspeção pelas
linhas de montagem, ele dirigia até lá e deixava o corpo relaxar enquanto
andava pela casa, assobiando como um pai do subúrbio.
capítulo 54
Dia da Autonomia
Tesla, abril de 2019

Noite após noite, Musk se sentava empertigado na beira da cama ao


lado de Grimes, sem conseguir dormir. Havia noites em que ele não se
mexia até o sol raiar. A Tesla tinha sobrevivido às ondas e tempestades
de 2018, mas precisava de mais uma rodada de financiamento para
continuar operando, e os investidores que apostavam na baixa das ações
continuavam rondando-a como abutres. Em março de 2019, Musk
voltou a entrar no modo crise e drama. “Precisamos de dinheiro, ou
estamos ferrados”, disse para Grimes certo dia, ao nascer do sol. Ele
precisava ter uma ideia grandiosa que mudasse a narrativa e convencesse
os investidores de que a Tesla se tornaria a empresa automotiva mais
valiosa do mundo.
Uma noite, Musk deixou a luz acesa e ficou olhando para o cômodo
em silêncio. “Eu acordava de vez em quando e ele continuava sentado
ali, na pose da estátua do Pensador, em completo silêncio, na beirada da
cama”, diz Grimes. Quando ela acordou pela manhã, ele falou: “Achei a
solução.” A solução, segundo ele, era que a Tesla promovesse um Dia da
Autonomia, em que os investidores teriam uma demonstração de como
a Tesla estava fabricando um carro que poderia se guiar sozinho.
Desde 2016, Musk vinha impondo sua visão de um carro
completamente autônomo, um carro capaz de ser chamado e de dirigir
sozinho sem que ninguém mexesse no volante. Na verdade, naquele ano
ele tentou se livrar de vez do volante. Por insistência de Musk, Von
Holzhausen e os designers da equipe vinham produzindo modelos de
um Robotáxi sem freios, pedais ou volante. Musk ia ao estúdio de
design às sextas-feiras e tirava fotos com o celular dos vários mock-ups.
“É nessa direção que o mundo está indo”, disse ele numa sessão. “Vamos
trabalhar para chegar lá.” Todos os anos, ele previa em público que um
carro totalmente autônomo chegaria dentro de mais ou menos um ano.
No entanto, não chegava. A autonomia completa continuava sendo
uma miragem fugidia, sempre a mais ou menos um ano de distância.
Mesmo assim, Musk chegou à conclusão de que o melhor modo de
conseguir mais financiamento era fazer uma demonstração impactante
comprovando que os veículos autônomos eram o caminho que levaria a
empresa a ser fenomenalmente lucrativa. Ele estava convencido de que
sua equipe conseguiria realizar uma demonstração — inclusive exibindo
um protótipo crível — de como seria esse futuro.
Musk marcou uma data para dali a quatro semanas: em 22 de abril de
2019, eles fariam uma demonstração de uma versão de carro
parcialmente autônomo naquele que seria o primeiro Dia da Autonomia
da Tesla. “Precisamos mostrar para as pessoas que isso é real”, disse ele,
embora ainda não fosse. O resultado foi mais uma das maratonas de
trabalho que eram a marca registrada de Musk: um frenesi com todos se
esforçando 24 horas por dia, sete dias por semana, para obter um
resultado até um prazo que era artificial e irrealista.
O trabalho alucinado no Autopilot de Musk não enlouqueceu só a
equipe dele, mas ele próprio também. “Elon precisava se dissociar da
realidade para sair de uma situação de merda em que ele achava que o
desastre era iminente”, diz Shivon Zilis, a amiga íntima que ele havia
recrutado para ajudar em projetos de inteligência artificial. “Teve uma
vez que Elon me pediu que o avisasse se ele pirasse. Foi a única vez que
eu entrei na sala, olhei para ele e disse a palavra ‘pirado’. Foi a primeira
vez que ele me viu chorar.”

***

Certa noite, James Musk, um primo jovem de Musk que era


programador da equipe do Autopilot, estava jantando com o chefe da
equipe, Milan Kovac, em um restaurante chique de São Francisco
quando o celular tocou. “Vi que era o Elon e pensei Ah, coisa boa não é”,
lembra-se James. Ele andou até o estacionamento, onde ouviu Musk
dizer em um tom sombrio que a Tesla iria quebrar se eles não fizessem
algo dramático. Por mais de uma hora, Musk perguntou a James quem
na equipe do Autopilot era realmente bom. Como acontecia muitas
vezes quando ele entrava no modo crise, Musk queria limpar a casa e
demitir gente, mesmo em meio a uma onda de trabalho.
Ele decidiu que precisava se livrar de todos os principais gestores da
equipe do Autopilot, mas Omead Afshar interveio e o convenceu a pelo
menos esperar o Dia da Autonomia. Shivon Zilis, que tinha a ingrata
tarefa de tentar servir de escudo entre Musk e a equipe, também tentou
adiar as demissões, assim como Sam Teller. Musk, não sem certa
relutância, concordou em esperar o Dia da Autonomia, mas não estava
feliz. Ele transferiu Zilis da Tesla para um cargo na Neuralink. Teller
também acabou saindo durante o turbilhão.
James Musk recebeu a tarefa de tentar integrar no software do
Autopilot a capacidade de ler sinais vermelhos e verdes em semáforos,
uma tarefa bastante básica que ainda não era parte do sistema. Ele
conseguiu, mas ficou evidente que a equipe não daria conta do desafio
de Musk de demonstrar um carro capaz de se autoconduzir por Palo
Alto. À medida que o Dia da Autonomia se aproximava, ele diminuiu a
exigência para uma tarefa que era apenas, como descreveria tempos
depois, “insanamente difícil”: o carro teria que andar pela sede da Tesla,
ir até a rodovia, fazer uma volta que abrangia sete curvas e voltar. “A
gente não acreditava que ia conseguir fazer o que Musk estava exigindo,
mas ele acreditava”, diz Anand Swaminathan, um membro da equipe do
Autopilot. “Em questão de semanas, conseguimos fazer o carro
contornar sete curvas difíceis.”
Na apresentação do Dia da Autonomia, Musk mesclou, como fazia
com frequência, visão e empolgação. Nem na cabeça dele havia mais
uma fronteira clara entre aquilo em que ele acreditava e aquilo em que
queria acreditar. A Tesla, voltou ele a dizer, estava a mais ou menos um
ano de criar um veículo completamente autônomo. Àquela altura, a
empresa colocaria nas ruas 1 milhão de Robotáxis que as pessoas
poderiam chamar para levá-las de um lugar a outro.
Em uma reportagem, a CNBC disse que Musk “fez promessas
ousadas e visionárias que só os seguidores mais leais dele acreditavam
que pudessem ser cumpridas”. Musk também não impressionou
plenamente grandes investidores. “Fizemos várias perguntas difíceis
quando falamos com ele em uma chamada mais tarde na presença de
analistas”, diz Joe Fath, gerente de investimentos da T. Rowe Price. “Ele
ficava dizendo: ‘Vocês simplesmente não entendem.’ E então ele
desligou na nossa cara.”
O ceticismo era justificado. Um ano depois — na verdade, nem
sequer quatro anos depois — não haveria 1 milhão de Robotáxis da
Tesla, ou pelo menos um único deles, andando de forma autônoma pelas
ruas das cidades. No entanto, por trás da empolgação e da fantasia,
Musk conservava, convicto, a visão de que, assim como foguetes
reutilizáveis, um dia transformaria nossa vida.
capítulo 55
Giga Texas
Tesla, 2020-2021

Omead Afshar
Austin
Quais são suas cidades favoritas? Esse se tornou um passatempo entre
Musk e outras pessoas na Tesla no início de 2020, e muitas vezes eles
pegavam os respectivos celulares, abriam o aplicativo de mapas e diziam
nomes. Chicago e Nova York? Claro, mas não funcionariam para esse
propósito. A área de Los Angeles e São Francisco? Não, era disso que
eles estavam tentando fugir. A Califórnia estava conturbada, cheia de
gente se opondo a qualquer novo empreendimento no local, entupida de
regulamentações e de comissões enxeridas, além de estar assustada
demais com a covid. Que tal Tulsa? Ninguém tinha pensado no
Oklahoma, mas as lideranças locais haviam feito uma campanha
animada que precisava ser levada em consideração. Nashville? Omead
Afshar disse que Nashville era um lugar que as pessoas queriam visitar,
mas não era um bom lugar para morar. Dallas? O Texas era sedutor, mas
Dallas, eles concordavam, era texana demais. Que tal Austin, uma cidade
universitária que tinha boa música e se orgulhava de proteger os bolsos
contra esquisitices?
A questão era onde construir uma nova fábrica da Tesla, uma que
fosse grande o suficiente para merecer o rótulo de gigafábrica. A unidade
de Fremont, na Califórnia, estava à beira de se tornar a fábrica de carros
mais produtiva dos Estados Unidos, entregando mais de 8 mil carros por
semana, mas já operava em plena capacidade e uma expansão seria
difícil.
Diferentemente de Jeff Bezos, que promoveu uma disputa entre as
cidades que estavam ávidas para receber uma segunda sede da Amazon,
Musk decidiu tomar a decisão de seu modo usual, por instinto,
confiando na própria intuição e na de seus executivos. Ele detestava a
ideia de desperdiçar meses sendo obrigado a ouvir discursos políticos e
vendo apresentações de PowerPoint de consultores.
No fim de maio de 2020, surgiu um consenso. Enquanto estava
sentado no centro de comando de Cabo Canaveral, quinze minutos
antes de a SpaceX fazer seu primeiro lançamento de astronautas
humanos, Musk mandou uma mensagem para Afshar. “Você ia preferir
morar em Tulsa ou Austin?” Quando Afshar, com todo o devido
respeito por Tulsa, deu a resposta esperada, Musk escreveu: “Ótimo.
Vamos construir a fábrica em Austin, e você vai ser o responsável pela
unidade.”
Um processo semelhante levou à escolha de Berlim para ser a sede de
uma gigafábrica europeia. As fábricas da Alemanha e de Austin seriam
construídas em menos de dois anos e, junto com as unidades de
Fremont e Xangai, se tornariam os pilares da fabricação de carros da
Tesla.
Em julho de 2021, um ano depois de a construção ter começado, a
estrutura básica da gigafábrica de Austin estava completa. Musk e
Afshar ficaram de pé diante de uma parede em um escritório temporário
da construção e analisaram fotos da obra em várias fases. “Estamos
construindo com o dobro da velocidade de Xangai por metro quadrado,
apesar das regulamentações que enfrentamos”, disse Afshar.
Com 930 mil metros quadrados de chão de fábrica, a Giga Texas,
como ficou conhecida, teria o dobro de área de chão de fábrica de
Fremont e 50% a mais que o Pentágono. Segundo alguns parâmetros,
explicou Afshar, seria a maior fábrica do mundo em área, depois que
fossem acrescentados alguns mezaninos. Havia um shopping center na
China com mais metros quadrados, e a Boeing, com vários hangares
imensos, talvez tivesse mais volume. “De quanto mais precisaríamos
para podermos dizer que essa é a maior construção do mundo?”,
perguntou Musk. Mesmo com a expansão de cerca de 45 mil metros
quadrados que eles cogitavam, Afshar respondeu: “Não vamos chegar
lá.” Musk assentiu. Houve uma pausa muito longa na conversa. Depois
ele deixou a ideia para lá.
Os construtores mostraram a Afshar planos para janelas que iam
quase do nível do piso de cada andar até o teto. “Será que não ia ser
melhor se elas fossem exatamente do piso ao teto?”, perguntou ele. Uma
proposta voltou com vidraças produzidas sob medida, cada uma com
quase dez metros de altura, e Afshar mostrou as fotos para Musk. Steve
Jobs, que tinha uma obsessão por vidro, não economizava para conseguir
vidraças imensas para lugares que serviriam de cartão de visitas da
Apple, como a loja na Quinta Avenida, em Nova York. Musk era mais
cauteloso. Ele perguntou se o vidro precisava ser tão espesso como o
sugerido e também de que forma aquilo afetaria o modo como o sol
aquecia o prédio. “Não podemos fazer coisas tolas do ponto de vista do
custo”, afirmou.
Enquanto caminhava pela fábrica quase pronta, Musk parava em cada
estação ao longo da linha de montagem. A certa altura ele começou a
interrogar o técnico que estava na estação em que o aço seria resfriado.
“Não dá para fazer o processo de resfriamento ser mais rápido?” O
sujeito explicou os limites da velocidade do processo de resfriamento.
Musk insistiu. Esses limites são baseados de fato na física do aço? Será
que o aço pode ser igual a um biscoito, que fica duro por fora e viscoso
por dentro? O técnico manteve o ponto de vista. Musk parou de fazer
perguntas, mas a intuição o levou a concluir que o processo deveria levar
menos de um minuto. Ele deixou a cargo do técnico descobrir um modo
de atingir essa meta. “Quero deixar claro: o tempo de resfriamento não
pode passar de 59 segundos, ou eu vou voltar aqui e resolver isso
pessoalmente”, disse Musk.

Gigapress
Um dia, no fim de 2018, Musk estava sentado diante da mesa dele na
sede da Tesla, em Palo Alto, brincando com uma versão em miniatura
do Model S. Parecia uma versão miniaturizada do carro de verdade, e ao
desmontar ele viu que havia inclusive uma suspensão ali dentro. No
entanto, todo o fundo do carro tinha sido fundido em uma peça única de
metal. Numa reunião com a equipe naquele dia, Musk pegou o
brinquedo e o colocou na mesa de reuniões branca. “Por que a gente não
pode fazer assim?”, perguntou.
Um dos engenheiros apontou o óbvio, que o fundo de um carro de
verdade é muito maior. Não havia máquinas de fundição grandes o
suficiente para fazer algo daquele tamanho. A resposta não satisfez
Musk. “Descubram como fazer”, disse ele. “Peçam uma máquina de
fundição maior. Isso não quebra as leis da física.”
Ele e seus executivos chamaram seis grandes empresas que
trabalhavam com fundição, e cinco delas desdenharam da ideia.
Contudo, uma empresa chamada Idra Presse, na Itália, especializada em
máquinas de fundição de alta pressão, topou o desafio de construir
máquinas muito grandes que seriam capazes de produzir em grande
escala o fundo inteiro do Model Y, tanto a parte de trás quanto a da
frente. “Fizemos a maior máquina de fundição do mundo”, diz Afshar.
“A máquina que produz o Model Y pesa 6 mil toneladas, e vamos usar
uma de 9 mil toneladas para o Cybertruck.”
As máquinas injetam rajadas de alumínio derretido num molde frio
de fundição, capaz de produzir em apenas oitenta segundos um chassi
completo que antes tinha mais de cem peças que precisavam ser
soldadas, rebitadas ou unidas. O processo antigo gerava falhas, tremores
e vazamentos. “Então passamos de um pesadelo horroroso para um
processo que é insanamente barato, fácil e rápido”, diz Musk.
O processo reforçou a admiração de Musk pela indústria de
brinquedos. “Eles precisam produzir as coisas muito rápido, barato e
sem falhas, e precisam fazer tudo a tempo do Natal, ou as crianças vão
ficar tristes.” Repetidas vezes, ele fez a equipe ter ideias a partir de
brinquedos, como robôs e Legos. Enquanto andava pelo chão de fábrica,
Musk falou com um grupo de mecânicos de usinagem sobre a precisão
da modelagem das peças de Lego. Elas são precisas e idênticas, com
uma diferença que não passa de mícrons, o que significa que cada parte
pode ser facilmente substituída por outra. Peças de carros precisavam ser
assim. “Precisão não é algo caro”, diz Musk. “Tem mais a ver com
cuidado. Você se preocupa em fazer as coisas com precisão? Então dá
para fazer com precisão.”
capítulo 56
Vida familiar
2020

Com Grimes e o bebê X, e com os filhos mais velhos


X Æ A-12
A vida pessoal de Musk foi transformada em maio de 2020 pelo
nascimento de um filho, que ficou conhecido como X. Primeiro dos três
filhos com Grimes, X tinha uma doçura sobrenatural que acalmava e
encantava Musk, que queria sempre ter o bebê por perto. Ele levava X
para todo lugar. O menino ficava no colo do pai durante longas
reuniões, nos ombros dele em andanças pelas fábricas da Tesla e da
SpaceX, vagava com seus passinhos incertos pelos lugares onde estavam
sendo instalados telhados solares, transformava áreas de descanso do
Twitter em seu parquinho de diversões e tagarelava no fundo de
conferências telefônicas tarde da noite. Ele e o pai viam várias vezes
lançamentos de foguetes, e o menino aprendeu a fazer contagem
regressiva de dez a um antes de contar de um a dez.
As interações de Musk e X também eram de uma natureza muskiana.
Eles tinham uma ligação íntima; no entanto, paradoxalmente,
mantinham certa distância e desfrutavam a presença um do outro
respeitando o espaço de cada um. Musk, assim como os pais dele
próprio, não era superprotetor nem vigiava os filhos. X nunca foi
grudento nem dependente. Havia muita interação, mas não muito
carinho.
Musk e Grimes, que conceberam o menino por meio de fertilização
in vitro, queriam ter uma menina, mas o óvulo fertilizado que foi
implantado enquanto os dois se preparavam para ir ao Burning Man em
2019 acabou sendo masculino. Eles já tinham se decidido por um nome
que era (mais ou menos) feminino, Exa, como em exaflops, um termo da
área de supercomputadores que designa a capacidade de se poder realizar
1 quintilhão de operações por segundo. Até o dia do nascimento, ainda
não haviam conseguido escolher nomes para um menino.
Acabaram optando por algo que parecia uma senha druídica
autogerada: X Æ A-12. O X, segundo Grimes, representava “a variável
desconhecida”. Æ, uma ligadura do latim e do inglês antigo pronunciada
como “ash”, era “minha grafia élfica para Ai (amor &/ou inteligência
artificial)”. O A-12, que precisou ser escrito como A-Xii na certidão de
nascimento porque a Califórnia não permite o uso de numerais em
nomes, foi a contribuição de Musk, uma referência a um lindo avião
espião conhecido como Arcanjo. “Combatendo com informações, não
com armas”, diz Grimes sobre o A-12. “O terceiro nome é sempre uma
guerra, porque o Elon quer apagar por achar ser demais. Eu ia gostar de
colocar cinco nomes, mas três é um meio-termo que deixou todo mundo
satisfeito.”
Quando X nasceu, Musk tirou uma foto de Grimes durante a
cesariana e mandou-a para amigos e parentes, inclusive o pai e os irmãos
dela. Como era de esperar, Grimes ficou horrorizada e fez o que pôde
para apagar a imagem. “Era o Asperger do Elon a todo o vapor”,
comenta ela. “Ele simplesmente não conseguia entender por que eu
estava chateada.”

Os adolescentes
Uma semana depois, os filhos mais velhos de Musk foram ver o pai e X.
Saxon, o filho com autismo, ficou particularmente empolgado porque
adorava bebês. Musk tinha começado a colecionar as observações
simples e sábias feitas por Saxon, e às vezes as compartilhava com
Justine. “Saxon tem uma percepção realmente interessante”, opina ela,
“porque dá para ver que ele está se debatendo com conceitos abstratos,
como o tempo e o sentido da vida. Ele pensa em termos bastante literais
que te fazem perceber o universo de modo diferente”.
Saxon é um trigêmeo, concebido por fertilização in vitro, e os dois
gêmeos dele eram idênticos: Kai e Damian. No começo, eles eram tão
parecidos que mesmo Justine dizia ter dificuldade em saber quem era
quem. Entretanto, eles se tornaram um estudo interessante sobre o papel
da genética, do ambiente e do acaso. “Eles moravam na mesma casa e no
mesmo quarto, e tinham as mesmas experiências e tiravam notas
parecidas nas provas”, afirma Musk. “Mas o Damian se achava
inteligente e o Kai, não, por algum motivo. Muito estranho.”
As personalidades deles eram muito diferentes. Damian era
introvertido, comia pouco, e aos 8 anos de idade anunciou que era
vegetariano. Quando perguntei a Justine por que ele havia tomado essa
decisão, ela passou o telefone para que Damian respondesse. “Para
diminuir minha pegada de carbono”, explicou. Ele se tornou um
prodígio da música clássica, compôs sonatas soturnas e praticava piano
por horas, sem parar. Musk mostrava vídeos, que ele gravava no iPhone,
de Damian tocando. Ele também era um mago da matemática e da
física. “Acho que o Damian é mais brilhante do que você”, disse Maye
Musk certa vez para o filho, que assentiu com a cabeça.
Kai, mais alto e de uma beleza impressionante, é extrovertido e adora
resolver problemas práticos pondo a mão na massa. “Ele é maior e mais
atlético do que o Damian, e protege muito o irmão”, conta Justine. Dos
filhos, ele é quem mais se interessa pelos aspectos técnicos dos trabalhos
do pai, e era ele quem tinha maior probabilidade de acompanhar Elon
nas idas a Cabo Canaveral para lançamentos de foguetes. Isso era um
prazer para Musk, que diz que sua grande tristeza se dá quando os filhos
dizem que não querem ficar com ele.
O irmão mais velho deles, Griffin, tinha a mesma visão ética e a
mesma doçura. Ele também entendia bem o pai. Certa noite no Texas,
em um evento na fábrica da Tesla, Griffin estava com alguns amigos
quando o pai perguntou se ele podia acompanhá-lo até a sala de espera
nos bastidores. Griffin hesitou e disse que queria ficar com os amigos;
depois, olhou para eles, deu de ombros e foi com o pai. Brilhante em
ciências e matemática, o garoto tinha uma ternura que faltava ao pai,
além de ser a pessoa mais sociável da família, pelo menos até a chegada
de X.
E havia ainda o gêmeo não idêntico de Griffin. Xavier, cujo nome era
parcialmente em homenagem ao personagem favorito de Musk na série
dos X-Men, da Marvel, tinha muita determinação e desenvolveu um
profundo ódio ao capitalismo e à riqueza. Ocorriam longas e amargas
discussões, pessoalmente e por mensagens de texto, em que Xavier dizia
várias vezes: “Eu odeio você e tudo que você representa.” Esse foi um
dos fatores que levou Musk a vender suas casas e viver de modo menos
luxuoso, mas isso teve pouco efeito na relação. Em 2020, a situação já
era irreparável. Xavier não foi com os outros irmãos visitar o meio-irmão
recém-nascido.
Por isso, Xavier e Elon estavam afastados quando Xavier, então com
16 anos, fez a transição de gênero, mais ou menos na época em que X
nasceu. “Oi, eu sou trans e meu nome agora é Jenna”, comunicou ela a
Christiana, esposa de Kimbal, por mensagem de texto. “Não conte para
o meu pai.” Jenna também mandou uma mensagem para Grimes, e
igualmente pediu que ela guardasse segredo. Tempos depois, Musk
acabou sabendo por um de seus seguranças.

***

Musk acabaria combatendo, muitas vezes publicamente, questões


relativas a pessoas trans. Poucos meses depois da transição de Jenna, mas
antes que isso fosse a público, Musk tuitou um cartum que mostrava um
soldado sofrendo e a seguinte legenda: “Quando você coloca ele/dele em
sua bio.” Ao ser criticado, Musk deletou o tuíte e tentou se explicar. “Eu
apoio 100% os trans, mas todos esses pronomes são um pesadelo
estético.” Ele passaria a falar cada vez mais sobre questões ligadas a
pessoas trans, e em 2023 estava apoiando a reação conservadora contra a
permissão para que médicos dessem apoio a adolescentes menores de
idade que desejavam fazer a transição.
Christiana insiste que Elon não tem preconceito contra pessoas gays
ou trans. A briga com Jenna, segundo ela, foi causada mais pelo
marxismo radical da filha do que pela identidade de gênero. Christiana
fala com base em certa experiência. Ela por vezes se afastou do pai
bilionário e, antes de se casar com Kimbal, foi casada com uma mulher
negra, a estrela do rock Deborah Anne Dyer, conhecida como Skin.
“Quando eu ainda estava com minha ex-mulher, Elon tentou convencer
a gente a ter filhos”, diz Christiana. “Ele não tem preconceito contra
gays ou transgêneros nem preconceito racial.”
As divergências com Jenna, diz Musk, “ficaram mais intensas quando
ela passou de socialista a comunista e também a achar que todo mundo
que é rico é ruim”. Em parte, ele culpa aquilo que chama de doutrinação
progressista woke,* que ocorria na escola particular de Los Angeles que
Jenna frequentou, a Crossroads. Quando os filhos eram menores, Musk
os matriculou em uma escola que ele tinha criado para a família e os
amigos, chamada Ad Astra. “Eles ficaram lá até os 14 anos, mas aí eu
achei que precisavam ser colocados no mundo real no ensino médio”,
conta Musk. “Eu devia ter ampliado a Ad Astra até o ensino médio.”
A briga com Jenna, segundo Musk, foi o que mais lhe causou dor
desde a morte do bebê primogênito, Nevada. “Eu fiz muitas tentativas”,
lembra ele, “mas ela não quer conviver comigo”.

Casas
A fúria de Jenna tornou Musk sensível ao ódio contra bilionários. Ele
acreditava que não havia nada de errado em ficar rico por meio de
empresas bem-sucedidas e de manter o dinheiro investido nelas. No
entanto, em 2020, ele tinha passado a perceber que ficar com essas
riquezas e gastá-las generosamente com consumo pessoal era
improdutivo e indecente.
Até então, Musk vivera no luxo. Sua casa principal, na área de Los
Angeles conhecida como Bel Air, que ele havia comprado por 17
milhões de dólares em 2002, era um falso palácio de 1.400 metros
quadrados com sete quartos e uma suíte de hóspedes, onze banheiros,
academia de ginástica, quadra de tênis, piscina, uma biblioteca de dois
andares, sala de cinema e um pomar. Era um castelo para os cinco filhos
dele, que ficavam com o pai quatro dias por semana e tinham uma rotina
que incluía aulas de tênis, artes marciais e outras atividades na casa.
Quando a casa do ator Gene Wilder, do outro lado da rua, foi posta à
venda, Musk comprou-a para preservá-la. Depois, adquiriu três casas no
entorno e cogitou demolir algumas para construir sua casa dos sonhos.
Ele também era dono de uma propriedade de dezenove hectares, com
treze quartos, em estilo mediterrâneo, no Vale do Silício, avaliada em 32
milhões de dólares.
No início de 2020, Musk decidiu se livrar de todas elas. “Estou
vendendo quase todos os meus bens materiais”, tuitou três dias depois
do nascimento de X. “Não vou ter mais casa.” Ele explicou para Joe
Rogan o sentimento que o levou a tomar essa decisão. “Acho que ter
posses é meio que um peso, e se transformou num motivo para ataques”,
declarou Musk. “Nos últimos anos, a palavra ‘bilionário’ virou um termo
pejorativo, como se fosse algo ruim. Eles dizem: ‘Ei, bilionário, você tem
todas essas coisas.’ Bem, agora eu não tenho coisas, e então, o que você
vai fazer?”

***

Depois de concluir a venda das casas na Califórnia, Musk se mudou


para o Texas e Grimes foi logo em seguida. A casinha no condomínio de
Boca Chica, que ele alugou da SpaceX, se tornou a residência principal.
Ele passava a maior parte do tempo em Austin, onde ficava na casa de
um amigo da PayPal, Ken Howery, que fora embaixador na Suécia e
depois tirara um tempo para viajar pelo mundo. A casa de setecentos
metros quadrados em um lago formado pelo rio Colorado era parte de
um condomínio fechado onde muitos outros bilionários de Austin
moravam. Era um lugar perfeito para Musk reunir os filhos em datas
especiais, até o The Wall Street Journal contar que ele estava morando ali.
“Parei de ficar na casa do Ken depois que o Journal me dedurou”, diz.
“As pessoas ficavam indo lá, e alguém conseguiu passar pelo portão e
entrar na casa quando eu não estava.”
Depois de procurar sem muita vontade, Musk encontrou uma casa ali
perto que era grande o bastante e, em suas palavras, era “uma casa
bacana, mas não ia aparecer na Architectural Digest”. Os vendedores
estavam pedindo 70 milhões de dólares, e ele ofereceu 60 milhões, o
valor que recebeu quando vendeu as casas na Califórnia. Àquela altura,
porém, os vendedores, que estavam lidando com a pessoa mais rica do
mundo em um mercado imobiliário superaquecido, queriam ainda mais
do que tinham pedido inicialmente. Musk recuou. Ele preferiu optar
entre ficar no apartamento de um amigo em Austin ou ficar na casa que
Grimes alugara numa rua sem saída e isolada.

Elon e Kimbal juntos outra vez


Depois de uma viagem a Estocolmo para a festa de aniversário de Ken
Howery em novembro de 2020, Musk testou positivo para covid. Ele
ligou para Kimbal, que tinha sido infectado mais ou menos na mesma
época. A relação deles não estava tão boa, especialmente depois das
tensões de 2018. Contudo, eles reataram quando Elon viajou para
Boulder com o propósito de que os dois se curassem juntos de seus casos
leves de covid.
Kimbal, que acreditava em cura pela mente usando alucinógenos
legalizados, tinha planejado uma cerimônia com ayahuasca, que envolve
beber chás alucinógenos sob a orientação de um xamã. Tentou
convencer Elon a participar da experiência, a qual achou que poderia
ajudar a domar os demônios do irmão. “A cerimônia da ayahuasca
envolve a morte do ego”, explica Kimbal. “Toda a bagagem que você
carrega morre. Você se torna um ser humano diferente depois disso.”
Elon recusou a oferta. “Tenho emoções soterradas sob tantas camadas
de concreto que não estou pronto para expor isso”, confessou. Ele só
queria ficar perto de Kimbal. Depois de assistir a um lançamento da
SpaceX em seus computadores e de ficar fazendo bobagens em Boulder,
os dois ficaram entediados e pegaram o avião de Elon rumo a Austin.
Lá, jogaram o videogame que era a nova obsessão de Elon, Polytopia, e
fizeram uma maratona de Cobra Kai, uma série da Netflix baseada no
filme Karatê Kid.
Na série, os personagens do filme original estavam agora na casa dos
50 anos, assim como Elon e Kimbal, com filhos que tinham a idade dos
filhos de Elon. “Nós dois nos vimos representados, porque tem uma
pessoa cheia de empatia, que é o personagem do Ralph Macchio, e outra
que com zero empatia”, diz Kimbal. “Os dois estão enfrentando desafios
com a figura paterna, e agora também têm que descobrir como ser essa
figura paterna para os próprios filhos.” A experiência foi catártica,
mesmo sem a cerimônia com a ayahuasca. “Éramos dois meninos de
novo”, lembra Kimbal. “Foi bonito, o melhor dos tempos. Nunca
imaginamos que viveríamos outra semana assim de novo.”

* O termo woke refere-se a um conceito muito difundido nos Estados Unidos e significa algo
como “despertar”, o aumento da conscientização sobre questões sociais, raciais e políticas. [N. da
E.]
capítulo 57
A pleno vapor
SpaceX, 2020

Com Kiko Dontchev, e na torre de lançamento de Cabo Canaveral


Civis em órbita
Desde a aposentadoria do ônibus espacial, em 2011, os Estados Unidos
passaram por um lapso de habilidade, determinação e imaginação que
era impressionante para um país que, duas gerações antes, tinha enviado
nove missões à Lua. Ao longo de quase toda a década seguinte à última
missão do ônibus espacial, o país não foi capaz de mandar humanos ao
espaço. Os Estados Unidos passaram a depender de foguetes russos para
levar seus astronautas até a estação espacial. Em 2020, a SpaceX mudou
isso.
Em maio daquele ano, o foguete Falcon 9, que tinha no topo uma
cápsula Crew Dragon, estava pronto para transportar dois astronautas da
NASA até a Estação Espacial Internacional, no primeiro lançamento de
humanos em órbita na história feito por uma empresa privada. O então
presidente, Trump, e o vice-presidente, Pence, foram a Cabo Canaveral
e ficaram nos lugares reservados à plateia, perto do Pad 39 A, para
assistir ao lançamento. Musk, com fones de ouvido e o filho Kai ao lado,
ficou na sala de controle. Dez milhões de pessoas assistiram ao vivo na
TV e em várias plataformas de streaming. “Não sou uma pessoa
religiosa”, declarou Musk posteriormente para o podcaster Lex Fridman,
“mesmo assim, fiquei de joelhos e rezei por aquela missão”.
Quando o foguete começou a subir, gritos de comemoração
irromperam na sala de controle. Trump e outros políticos entraram para
dar parabéns. “Essa é a primeira grande mensagem espacial em
cinquenta anos, pense nisso”, falou Trump. “E é uma honra estar
fazendo isso.” Musk não fazia muita ideia do que o presidente estava
falando, e manteve uma certa distância. No momento em que Trump foi
até Musk e sua equipe e perguntou “Vocês estão prontos para mais
quatro anos?”, Musk se afastou e deu-lhe as costas.
Ao fechar com a SpaceX o contrato para construir um foguete que
levaria astronautas rumo à estação espacial, a NASA fechou também, no
mesmo dia de 2014, um contrato concorrente, com 40% a mais de
financiamento, com a Boeing. No entanto, enquanto a SpaceX obtinha
sucesso, em 2020, a Boeing nem sequer havia conseguido fazer um voo
de teste sem tripulação para acoplar na estação.
Para comemorar o lançamento bem-sucedido da SpaceX, Musk foi
com Kimbal, Grimes, Luke Nosek e mais umas poucas pessoas para um
resort nos Everglades, duas horas ao sul de Cabo Canaveral. Nosek
lembra que eles começaram a se dar conta da “importância histórica do
momento”. Eles dançaram a noite toda, e Kimbal em certo momento
saltou e gritou: “Meu irmão acaba de mandar astronautas ao espaço.”

Kiko Dontchev
Depois de lançar astronautas rumo à estação espacial em maio de 2020,
a SpaceX fez, num período de cinco meses, uma série impressionante de
onze lançamentos de satélite não tripulado bem-sucedidos. Mas Musk,
como sempre, temia a complacência. A não ser que mantivesse um senso
maníaco de urgência, ele receava que a SpaceX pudesse acabar sem vigor
e lenta, como a Boeing.
Depois de um dos lançamentos em outubro daquele ano, Musk fez
uma visita tarde da noite ao Pad 39 A. Havia apenas duas pessoas
trabalhando. Visões como essa eram um gatilho para ele. Em todas as
empresas que lhe pertenciam, como os empregados do Twitter
descobririam, ele esperava que todo mundo trabalhasse com uma
intensidade inclemente. “Nós temos 783 funcionários em Cabo
Canaveral”, disse ele com uma raiva fria para o vice-presidente de
lançamentos. “Por que só dois deles estão trabalhando agora?” Musk deu
ao executivo 48 horas para preparar um relatório sobre o que todos
deveriam estar fazendo.
Quando não conseguiu as respostas que queria, Musk decidiu
descobrir por conta própria. Ele entrou no modo hardcore. Assim como
tinha feito nas fábricas da Tesla em Nevada e Fremont, e como faria
mais tarde no Twitter, mudou-se para o prédio — nesse caso, o hangar
em Cabo Canaveral — e começou a trabalhar sem parar. A presença
dele durante toda a noite era ao mesmo tempo uma performance e algo
real. Na segunda noite, ele não conseguiu encontrar o vice-presidente de
lançamentos, que tinha mulher e filhos, e, na visão de Musk, se
ausentara sem permissão, então pediu para falar com um dos
engenheiros que vinha trabalhando com ele no hangar, Kiko Dontchev.
Dontchev nasceu na Bulgária e migrou para os Estados Unidos ainda
criança, quando o pai, um matemático, aceitou um emprego na
Universidade do Michigan. Dontchev fez graduação e pós-graduação
em engenharia aeroespacial, o que o levou àquela que ele imaginou ser a
oportunidade dos sonhos: um estágio na Boeing. Contudo, ele
rapidamente se desencantou e decidiu visitar um amigo que estava
trabalhando na SpaceX. “Nunca vou esquecer aquele dia, quando andei
pela SpaceX”, disse. “Todos aqueles engenheiros jovens trabalhando
duro, vestindo camisetas, exibindo tatuagens e sendo exigentes pra
cacete para fazer as coisas acontecerem. Pensei: Esse é o meu pessoal. Eu
não tinha nada a ver com o clima engomadinho e terrível da Boeing.”
No verão daquele ano, ele fez uma apresentação para um dos vice-
presidentes da Boeing em que contava como a SpaceX estava dando
espaço para que jovens engenheiros inovassem. “Se a Boeing não
mudar”, disse, “vocês vão perder os maiores talentos”. O vice-presidente
respondeu que não estava em busca de revolucionários. “Talvez a gente
não queira os melhores, mas aqueles que vão ficar por aqui mais tempo.”
Dontchev se demitiu.
Em uma conferência em Utah, ele foi a uma festa dada pela SpaceX
e, depois de alguns drinques, tomou coragem para falar com Gwynne
Shotwell. Dontchev tirou do bolso um currículo amassado e mostrou a
ela uma foto do hardware de satélite em que vinha trabalhando. “Eu
consigo fazer as coisas acontecerem”, disparou para ela.
Shotwell achou divertido. “Qualquer um que tenha coragem de me
trazer um currículo amassado pode ser um bom candidato”, disse. Ela o
convidou para fazer uma entrevista na SpaceX. Ele tinha hora marcada,
às três da tarde, para falar com Musk, que continuava entrevistando
todos os engenheiros que desejavam ser contratados. Como sempre,
Musk estava irritado, e disseram a Dontchev que ele teria que voltar
outro dia. Em vez disso, Dontchev ficou sentado do lado de fora da baia
de Musk por cinco horas. Quando finalmente conseguiu se encontrar
com ele, às oito, Dontchev aproveitou a oportunidade para falar de
como seu entusiasmo não era valorizado na Boeing.
Sempre que estava contratando ou promovendo, Musk fazia questão
de priorizar a atitude, não as habilidades descritas no currículo. E a
definição dele de boa atitude era um desejo maníaco de trabalhar. Musk
contratou Dontchev na hora.

***

Naquela noite de outubro, durante a maratona de trabalho em Cabo


Canaveral, quando Musk pediu para falar com Dontchev, o engenheiro
tinha acabado de chegar em casa depois de três dias de trabalho
consecutivos e aberto uma garrafa de vinho. A princípio, ele ignorou o
número desconhecido no celular, mas então um dos colegas ligou para a
esposa dele. Mande o Kiko voltar para o hangar imediatamente,
disseram, porque Musk o quer aqui. “Eu estava exausto, meio bêbado,
não dormia fazia dias. Então, entrei no carro, comprei um maço de
cigarros para ficar acordado e voltei para o hangar”, conta ele. “Tive
medo de ser parado por dirigir bêbado, mas esse parecia um risco menor
se comparado a ignorar Elon.”
Quando Dontchev chegou ao hangar, Musk mandou que ele
organizasse uma série de encontros em que se “pularia um nível” para
falar com os engenheiros que estavam um nível abaixo dos altos gestores.
Disso veio uma mudança radical. Dontchev foi promovido a
engenheiro-chefe em Cabo Canaveral e seu mentor, Rich Morris, um
gestor calmo e experiente, foi colocado como novo chefe de operações.
Dontchev fez um pedido inteligente. Ele disse que queria responder a
Morris, não diretamente a Musk. O resultado foi uma equipe que
funcionava bem, liderada por um gestor que sabia ser um mentor à la
Yoda e por um engenheiro que estava ansioso para atingir a intensidade
de Musk.

Desafio
A pressão de Musk para ir mais rápido, correr mais riscos, quebrar
regras e questionar exigências permitiu, por um lado, que ele realizasse
grandes façanhas, como colocar humanos em órbita, vender grandes
quantidades de carros elétricos e tirar proprietários de casas da rede
elétrica. Por outro, isso significava que ele fazia coisas — como ignorar
as regras da Comissão de Valores Mobiliários ou desafiar as restrições
impostas pela Califórnia durante a pandemia de covid — que lhe
criavam problemas.
Hans Koenigsmann era um dos engenheiros originais recrutados por
Musk para a SpaceX em 2002. Ele tinha sido parte do intrépido grupo
em Kwaj durante os três primeiros voos fracassados e depois da primeira
missão bem-sucedida do Falcon 1. Musk o promoveu a vice-presidente
encarregado da confiabilidade de voo, para ter certeza de que os voos
eram seguros e seguiam as regulamentações. Não era um trabalho fácil
quando o chefe era Musk.
No fim de 2020, a SpaceX se preparava para lançar como teste não
tripulado o foguete auxiliar Super Heavy. Todos os voos precisam seguir
as exigências impostas pela Administração Federal de Aviação (FAA, na
sigla em inglês), o que incluía as orientações relativas ao clima. Naquela
manhã, o inspetor da FAA que estava monitorando o lançamento
remotamente determinou que os ventos em altitude tornavam o
procedimento inseguro. Caso houvesse uma explosão no lançamento, as
casas por perto poderiam ser impactadas. A SpaceX apresentou o
modelo dela de previsão climática, o qual afirmava que as condições
eram seguras, e pediu permissão para seguir em frente, mas a FAA
recusou.
Ninguém da FAA estava na sala de controle, e havia uma leve dúvida
(não muito séria) sobre quais eram as regras, de modo que o diretor de
lançamento se virou para Elon e inclinou a cabeça, sem falar nada, como
se perguntasse se deveria prosseguir. Musk silenciosamente fez que sim.
O foguete decolou. “Foi tudo muito sutil”, diz Koenigsmann. “É típico
do Elon. Uma decisão de correr um risco comunicada por um
movimento com a cabeça.”
O lançamento do foguete foi perfeito, e o clima não atrapalhou,
embora o foguete de fato tenha apresentado problemas quando tentou
pousar a dez quilômetros dali. A FAA abriu uma investigação para saber
por que a determinação dela quanto ao clima havia sido ignorada, e
decidiu suspender todos os testes da SpaceX por dois meses, mas acabou
não impondo penas mais severas.
Como parte de seu trabalho, Koenigsmann escreveu um relatório
sobre o incidente, e não tentou disfarçar o que a SpaceX tinha feito. “A
FAA é incompetente e conservadora, uma combinação ruim; mesmo
assim, eu precisava de uma autorização deles antes da decolagem, o que
nós não tínhamos”, disse. “Elon ordenou o lançamento quando a FAA
disse que nós não podíamos prosseguir. Então, escrevi um relatório
sincero que dizia isso.” Ele queria que a SpaceX e Musk assumissem a
culpa.
Essa não era a atitude que Musk valorizava. “Ele não via as coisas
assim, e ficou irritado, muito irritado”, lembra Koenigsmann.
Koenigsmann estava na SpaceX desde os primeiros e difíceis dias, e
Musk não quis demiti-lo na hora. No entanto, retirou de Koenigsmann
a atribuição de supervisionar os voos e acabou demitindo-o meses
depois. “Você fez um trabalho incrível durante muitos anos, mas a hora
da aposentadoria chega para todo mundo”, escreveu Musk para ele num
e-mail. “A sua chegou agora.”
capítulo 58
Bezos versus Musk, 2o round
SpaceX, 2021

Jeff Bezos logo após sua viagem; Richard Branson logo antes da dele
Provocação mútua
A partir de 2013, Jeff Bezos e Elon Musk começaram a disputar para
saber quem alugaria o célebre Pad 39 A em Cabo Canaveral (Musk
ganhou), quem seria o primeiro a pousar um foguete que houvesse
chegado ao limite do espaço sideral (Bezos), a pousar um foguete que
pusesse carga em órbita (Musk) e a colocar humanos em órbita (Musk).
O espaço era uma paixão pessoal dos dois, e a competição entre eles,
assim como a que havia ocorrido entre os barões das ferrovias um século
antes, serviria para tornar os avanços no campo mais rápidos. Apesar das
reclamações sobre o espaço ter se tornado um hobby de meninos
bilionários, a visão deles de privatizar os lançamentos foi o que
impulsionou os Estados Unidos, que haviam ficado atrás da China e até
mesmo da Rússia, a voltar à liderança da exploração espacial.
A rivalidade voltou em abril de 2021, quando a SpaceX venceu a Blue
Origin de Bezos na disputa por um contrato para levar astronautas da
NASA na parte final de uma viagem à Lua. A Blue Origin recorreu da
decisão, mas não teve sucesso. O site da empresa exibiu um gráfico que
criticava o plano da SpaceX, afirmando em letras garrafais que se tratava
de algo “imensamente complexo” e de “alto risco”. A SpaceX respondeu
ressaltando que a Blue Origin nem sequer havia conseguido produzir
um só foguete ou uma espaçonave capaz de atingir a órbita. Os fãs de
Musk no Twitter fizeram um flash mob para ridicularizar a Blue Origin,
e Musk participou. “Não consegue subir (para a órbita) rsrsrs”, tuitou
ele.

***

Bezos e Musk têm semelhanças em alguns aspectos. Os dois


transformaram indústrias por meio da paixão, da inovação e da força de
vontade. Ambos são bruscos com os funcionários, rápidos para dizer que
algo é imbecil e ficam furiosos com quem duvida ou diz não para eles.
Os dois se concentram em pensar no futuro, em vez de buscar lucros no
curto prazo. Quando perguntado se ao menos sabia como soletrar a
palavra “lucro” (em inglês, “profit”), Bezos respondeu: “P-r-o-f-e-t-a”
(em inglês, “prophet”).
No entanto, quando o assunto é engenharia, os dois diferem. Bezos é
metódico. O lema dele é gradatim ferociter, ou “gradualmente,
ferozmente”. Os instintos de Musk o fazem pressionar, intensificar e
forçar as pessoas a cumprir prazos insanos, ainda que isso signifique
assumir riscos.
Bezos é cético, até mesmo desdenhoso, em relação às práticas de
Musk de passar horas em encontros de engenharia propondo sugestões
para os técnicos e dando ordens abruptas. Bezos comenta que ex-
funcionários da SpaceX e da Tesla diziam para ele que Musk raramente
sabia tanto quanto alegava e que em geral as intervenções que fazia eram
inúteis ou problemáticas.
Musk, por sua vez, acha que Bezos é um diletante cuja falta de foco
na engenharia é a razão para que a Blue Origin faça menos progresso do
que a SpaceX. Em uma entrevista no fim de 2021, ele elogiou Bezos de
má vontade por ter uma “atitude razoavelmente boa na engenharia”,
porém em seguida acrescentou: “Mas ele parece não ter disposição de
gastar energia mental nos detalhes da engenharia. O diabo mora nos
detalhes.”
Uma vez que Musk vendera todas as casas que possuía e estava
morando de aluguel no Texas, também começou a desdenhar de Bezos
pelo estilo de vida luxuoso, com múltiplas mansões. “Em certo sentido,
estou tentando provocá-lo a passar mais tempo na Blue Origin para que
eles façam mais progresso”, diz Musk. “Ele devia passar mais tempo na
Blue Origin e menos tempo na hidromassagem.”

***

Outra disputa irrompeu em função das empresas rivais dos dois na área
de satélites de comunicação. No verão de 2021, a SpaceX tinha colocado
quase 2 mil satélites da Starlink em órbita. Sua internet com base no
espaço estava disponível em catorze países. Em 2019, Bezos dera início
a planos para que a Amazon criasse uma constelação semelhante de
satélites e uma internet própria, chamada Projeto Kuiper, mas, até o
momento, nenhum satélite havia sido lançado.
Musk acreditava que a inovação era guiada pelo estabelecimento de
métricas claras, como o custo por tonelada colocada em órbita ou o
número médio de quilômetros dirigidos no Autopilot sem intervenção
humana. No caso da Starlink, ele surpreendeu Juncosa ao perguntar
quantos fótons eram coletados pelos painéis solares dos satélites em
comparação com o que eles eram capazes de mandar de forma útil para a
Terra. Era uma proporção enorme — talvez 10 mil para 1 —, e Juncosa
jamais havia pensado naquilo. “Eu certamente nunca tinha pensado
nisso como uma métrica”, conta ele. “Isso me forçou a testar ideias
criativas sobre como podíamos aumentar a eficiência.”
Como resultado, a SpaceX desenvolveu uma segunda versão da
Starlink, e a empresa decidiu solicitar a aprovação da Comissão Federal
de Comunicações (FCC, na sigla em inglês). A solicitação previa uma
altitude orbital mais baixa no caso de futuros satélites da Starlinks, o que
reduziria a latência da rede.
Isso deixaria a empresa mais perto das órbitas planejadas pela
constelação da Kuiper, a concorrente de propriedade de Bezos, de modo
que este protocolou uma objeção. Mais uma vez, Musk o atacou no
Twitter, e escreveu seu nome errado de propósito, para que ficasse igual
à palavra em espanhol para “beijos”: “Na verdade, Besos se aposentou e
agora tem um emprego em tempo integral: se dedica a processar a
SpaceX.” A FCC determinou que Musk podia prosseguir com os
planos.

Passeios de bilionários
Um dos sonhos de Bezos era ir ele mesmo ao espaço. Por isso, no verão
de 2020, em meio às brigas com Musk, anunciou que ele e o irmão
Mark iriam voar até o limite do espaço sideral (embora sem chegar a
entrar em órbita) em um salto de onze minutos em um foguete da Blue
Origin. Ele seria o primeiro bilionário no espaço.
Sir Richard Branson, o sorridente bilionário britânico que fundou a
Virgin Airlines e a Virgin Music, também tinha esse sonho. Ele havia
criado uma empresa de voos espaciais, a Virgin Galactic, com um
modelo de negócios em grande medida dependente de levar ricos em
busca de novas experiências a viajar nos foguetes da empresa dele. O
talento para o marketing o fez incluir a si mesmo como o rosto e o
espírito da empresa. Ele sabia que não havia maneira melhor de
promover a empresa de turismo espacial, e de se divertir muito (algo que
ele adorava fazer), do que entrar em um dos foguetes dele próprio. Por
isso, depois que ficou impossível para Bezos mudar a data de lançamento
de seu foguete, Branson anunciou que voaria no dia 11 de julho, nove
dias antes. Sempre interessado em transformar tudo em espetáculo, ele
convidou o apresentador Stephen Colbert para narrar a transmissão e o
cantor Khalid para apresentar uma música nova na ocasião.
Quando acordou pouco antes da uma da manhã, no dia do
lançamento, Branson foi à cozinha da casa em que estava e viu Musk ali
com o bebê X. “Elon foi supergentil de ir com o bebê ver nosso voo”,
conta Branson. Musk estava descalço e vestia uma camiseta preta
estampada com a frase cinco décadas do apollo, em comemoração
aos 50 anos da missão à Lua. Eles se sentaram e conversaram por
algumas horas. “Parece que ele não dorme muito”, comenta Branson.
O voo, em um foguete suborbital com asas que foi alçado até a
altitude de lançamento por um cargueiro, correu bem. Branson e cinco
funcionários da Virgin Galactic chegaram à altitude de 89 quilômetros,
o que criou uma pequena discussão sobre eles terem ou não chegado ao
“espaço” de fato — que, pela definição da NASA, começa oitenta
quilômetros acima da Terra, mas outras nações dizem que começa na
linha de Kármán, a cem quilômetros.
A missão de Bezos, nove dias depois, também foi bem-sucedida.
Musk, obviamente, não esteve presente no lançamento. Bezos, o irmão e
a equipe atingiram uma altitude de 106 quilômetros, bem acima da linha
de Kármán, o que deu a ele mais motivos para se gabar. A cápsula
espacial deles pousou delicadamente de paraquedas no deserto do Texas,
onde a mãe de Bezos, muito ansiosa, e o pai, calmo, estavam à espera.
Musk fez elogios superficiais a Bezos e a Branson. “Eu achava bacana
que eles estivessem gastando dinheiro no avanço da exploração espacial”,
disse para Kara Swisher na Conferência Code em setembro. Apesar
disso, ele apontou que saltar a pouco mais de cem quilômetros era um
passo pequeno. “Para colocar as coisas em perspectiva, entrar em órbita
exige mais ou menos cem vezes a quantidade de energia necessária para
um voo suborbital”, explicou. “E depois, para voltar de órbita, você
precisa queimar essa energia, e para isso precisa de um escudo pesado
para se proteger do calor. Entrar em órbita é mais ou menos duas ordens
de magnitude mais difícil do que fazer um voo suborbital.”
Musk era amaldiçoado com uma mentalidade conspiratória, o que o
levava a crer que grande parte dos comentários negativos sobre si mesmo
na imprensa se deviam a interesses secretos ou inconfessáveis das pessoas
que eram donas dos veículos de comunicação. Isso se acentuou bastante
quando Bezos comprou o The Washington Post. Ao ser contatado pelo
jornal em 2021 para uma reportagem, Musk enviou um e-mail que dizia
simplesmente: “Mande um abraço para o sujeito que está manipulando
você.” Na verdade, Bezos sempre manteve uma atitude admirável de não
se meter na cobertura do Post, e o respeitado repórter de assuntos
espaciais Christian Davenport publicava matérias sobre os êxitos de
Musk, incluído um texto sobre a rivalidade com Bezos. “Por ora, Musk
está bem à frente em quase todas as áreas”, escreveu Davenport. “A
SpaceX enviou três grupos de astronautas para a Estação Espacial
Internacional, e na terça-feira deve enviar uma equipe de astronautas
civis em uma viagem de três dias orbitando a Terra. A Blue Origin
realizou apenas uma missão suborbital ao espaço, que durou somente
cerca de dez minutos.”
capítulo 59
A onda da Starship
SpaceX, julho de 2021

Andy Krebs (acima), Lucas Hughes (abaixo), e os braços Mechazilla sendo


instalados na Starship
Mechazilla
X, de 10 meses de idade, engatinhava em cima da mesa de reunião
branca da Starbase em Boca Chica e abria e fechava os bracinhos. Ele
estava imitando a animação que via na tela, a qual mostrava os braços da
torre de lançamento em Boca Chica. As primeiras três palavras que ele
aprendeu a falar foram “foguete”, “carro” e “papai”. Naquele momento,
ele estava praticando mais uma, “pauzinhos”, em referência ao talher
usado em parte dos países do Oriente. O pai prestava pouca atenção, e
os outros cinco engenheiros presentes na sala naquela noite estavam
acostumados a fingir que aquilo não os distraía.
A história dos pauzinhos tinha começado oito meses antes, no fim de
2020, quando a equipe da SpaceX estava discutindo o trem de pouso
que seria instalado na Starship. O princípio que orientava Musk era a
possibilidade de reutilização rápida, que, segundo ele afirmava com
frequência, era “o santo graal para fazer dos humanos uma civilização
capaz de viajar pelo espaço”. Em outras palavras, os foguetes deveriam
ser como aviões. Deveriam decolar, aterrissar e depois decolar de novo o
mais rápido possível.
O Falcon 9 havia se tornado o único foguete no mundo rapidamente
reutilizável. Durante o ano de 2020, os foguetes auxiliares do Falcon
tinham pousado em segurança 23 vezes, descendo verticalmente sobre o
trem de pouso. Os vídeos das aterrissagens ferozes e ao mesmo tempo
suaves ainda faziam Musk saltar da cadeira. No entanto, ele não estava
exatamente apaixonado pelo trem de pouso planejado para os foguetes
auxiliares da Starship. Eles aumentavam o peso, o que reduzia o
tamanho da carga que os foguetes podiam levar.
“Por que a gente não tenta usar a torre para pegar os foguetes?”,
perguntou. Ele estava se referindo à torre que segura o foguete na base
de lançamento. Musk já tinha sugerido usar aquela torre para montar o
foguete; o equipamento possuía braços capazes de pegar o foguete
auxiliar do primeiro estágio, colocá-lo sobre a base e, depois, pegar a
espaçonave do segundo estágio e colocá-la sobre o foguete auxiliar.
Naquele momento, ele estava sugerindo que esses braços também
fossem usados para pegar o foguete auxiliar quando ele voltasse para a
Terra.
Era uma ideia ousada, e houve grande consternação na sala. “Se o
foguete auxiliar voltar para a torre e sofrer um acidente, você vai levar
muito tempo para lançar o próximo”, diz Bill Riley. “Mas concordamos
em estudar meios diferentes de fazer isso.”
Poucas semanas depois, logo após o Natal de 2020, a equipe se reuniu
para discutir ideias. A maior parte dos engenheiros era contra tentar usar
a torre para pegar o foguete auxiliar. Os braços usados para empilhar o
foguete já eram perigosamente complexos. Depois de mais de uma hora
de discussão, estava se formando um consenso de que a melhor coisa a se
fazer era manter a ideia de colocar um trem de pouso no foguete
auxiliar. Contudo, Stephen Harlow, o diretor de engenharia de veículos,
continuava defendendo a abordagem mais ousada. “Nós temos a torre,
por que não tentamos usá-la?”
Após mais uma hora de debate, Musk entrou na discussão. “Harlow,
você concorda com esse plano”, falou. “Então, por que você não fica
responsável por ele?”
Assim que tomou a decisão, o humor de Musk entrou no modo
“comédia-pastelão”. Ele começou a rir da cena de Karatê Kid em que o
mestre do caratê, sr. Miyagi, usa um par de pauzinhos para pegar uma
mosca. Os braços da torre, disse Musk, iam ser chamados de pauzinhos,
e ele chamou a torre toda de “Mechazilla”. Ele celebrou com um tuíte:
“Vamos tentar pegar o foguete auxiliar com o braço da torre de
lançamento!” Quando foi questionado por um seguidor sobre o motivo
de não usar um trem de pouso, Musk respondeu: “Um trem de pouso
certamente funcionaria, mas a melhor peça é a ausência de peças.”
Numa tarde quente de quarta-feira, no fim de julho de 2021, a parte
final da Mechazilla com os braços móveis foi colocada em seu lugar no
ponto de lançamento em Boca Chica. Quando a equipe lhe mostrou
uma animação do equipamento, Musk se empolgou: “Legal pra cacete!”,
exclamou. “O número de visualizações dessa vez vai ser imenso.” Ele
encontrou um clipe de dois minutos de Karatê Kid e tuitou pelo iPhone.
“A SpaceX vai tentar agarrar o maior objeto voador de todos os tempos
com braços robóticos”, disse. “Não há como garantir o sucesso, mas a
empolgação está garantida!”

A onda
“Precisamos empilhar a nave sobre o foguete auxiliar”, disse Musk ao
agrupamento improvisado de centenas de trabalhadores reunidos num
semicírculo em uma das três tendas em formato de hangar em Boca
Chica. Era um dia de sol brutal em julho de 2021, e ele estava
concentrado em obter a aprovação da FAA para que a Starship voasse.
O melhor modo, decidiu ele, era empilhar o foguete auxiliar e a
espaçonave do segundo estágio na torre de lançamento para mostrar que
estavam prontos. “Isso vai forçar a agência reguladora a tirar a bunda da
cadeira”, disse ele. “Vai haver pressão da opinião pública para que eles
aprovem.”
Aquilo não tinha muito sentido, mas era típico de Musk. A Starship,
na verdade, só ficaria pronta em abril de 2023, 21 meses depois.
Contudo, ele esperava que criar um senso maníaco de urgência fizesse
com que todos trabalhassem mais rápido, o que incluía os reguladores,
os funcionários e até ele mesmo.
Durante as horas seguintes, Musk andou em meio às linhas de
montagem, balançando os braços sem pelos, inclinando levemente o
pescoço e parando de vez em quando para olhar algo em silêncio.
Gradualmente, o rosto dele foi ficando cada vez mais fechado, e as
pausas passaram a dar uma impressão sinistra. Perto das nove da noite,
uma lua cheia havia surgido sobre o oceano, e parecia que ia transformá-
lo num homem possuído.
Eu já tinha visto Musk entrar em seu modo demoníaco, e sabia o que
vinha pela frente. Como acontece com frequência — pelo menos duas
ou três vezes por ano com grande intensidade —, uma grande
compulsão vai crescendo dentro dele, até que Musk determine uma
“onda”, uma atividade frenética 24 horas por dia, como ele havia feito na
fábrica de baterias de Nevada, na montadora de Fremont e nos
escritórios responsáveis pelo sistema de direção autônoma, e como faria
posteriormente no mês insano que se seguiu à compra do Twitter. O
objetivo era sacudir tudo e “expulsar a merda do sistema”, segundo ele.
As nuvens de tempestade que vinham se formando sobre Musk
estouraram quando ele e um grupo de altos gestores foram até o ponto
de lançamento e não viram ninguém trabalhando. Isso talvez não
parecesse incomum para a maior parte das pessoas no fim de noite de
uma sexta-feira, mas Musk surtou. O alvo imediato foi um engenheiro
civil alto, de jeito tranquilo, chamado Andy Krebs, que estava
encarregado de construir a infraestrutura na Starbase. “Por que não tem
ninguém trabalhando?”, perguntou Musk.
Infelizmente para Krebs, era a primeira vez em três semanas que ele
não passava todo o turno da noite trabalhando na torre e no ponto de
lançamento. De fala suave e ligeiramente gago, o engenheiro hesitou ao
responder, o que não ajudou. “Qual é o problema?”, exigiu saber Musk.
“Quero ver gente trabalhando.”
Foi aí que ele determinou uma onda de produção. O foguete auxiliar
da Starship e o segundo estágio deveriam ser retirados das áreas de
fabricação e empilhados na torre de lançamento dentro de dez dias. Ele
queria que quinhentos trabalhadores de toda a SpaceX — Cabo
Canaveral, Los Angeles e Seattle — fossem enviados imediatamente
para Boca Chica e colocados em ação. “Isso aqui não é uma organização
de trabalho voluntário”, reclamou Musk. “Não estamos vendendo
biscoitos de bandeirantes. Ponham todo mundo aqui.” Quando ligou
para Gwynne Shotwell, que estava em Los Angeles, dormindo, para
descobrir quais trabalhadores e supervisores iriam para Boca Chica, ela
se queixou e disse que os engenheiros de Cabo Canaveral ainda
precisavam preparar os lançamentos do Falcon 9. Musk determinou que
isso fosse atrasado. A onda era a prioridade dele.
Pouco depois da uma da manhã, Musk enviou um e-mail intitulado
“Onda da Starship” para todos os empregados da SpaceX. “Qualquer
um que não esteja trabalhando em outros projetos que sejam obviamente
decisivos para a SpaceX deve se transferir de imediato para trabalhar na
primeira órbita da Starship”, escreveu. “Por favor, venham de avião, de
carro, ou cheguem aqui por qualquer meio possível.”
Em Cabo Canaveral, Kiki Dontchev, que ganhou o cargo de chefia
quando Musk deflagrou um frenesi semelhante depois de não ver
ninguém trabalhando no Pad 39 A certa noite, começou a acordar seus
melhores funcionários com o objetivo de ir para o Texas. A assistente de
Musk, Jehn Balajadia, tentou reservar quartos de hotel em Brownsville,
perto de Boca Chica, mas a maioria já estava reservada para uma
convenção de controle de fronteiras, de modo que ela teve dificuldades
em fazer os preparativos para que os funcionários dormissem em
colchões de ar. Sam Patel trabalhou a noite toda imaginando as
estruturas de hierarquia e supervisão que seriam criadas, e também como
levar comida suficiente para alimentar todos em Boca Chica.
Quando Musk voltou da torre de lançamento para o prédio principal
da Starbase, o monitor de vídeo da porta dianteira tinha sido
reprogramado. O texto dizia “Nave + Foguete Empilhados T -196h
44m 23s” e estava numa contagem regressiva segundo a segundo.
Balajadia explicou que Musk não deixou que eles arredondassem dias
nem horas. Todo segundo contava. “Nós precisamos chegar a Marte
antes que eu morra”, disse ele. “A única força que nos impele a chegar a
Marte somos nós, e às vezes isso se resume a mim.”
A onda de trabalho foi bem-sucedida. Em pouco mais de dez dias, o
foguete auxiliar e a espaçonave Starship foram empilhados na torre.
Também foi meio sem sentido, uma vez que o foguete ainda não tinha
capacidade para voar, e a montagem do conjunto não forçou a FAA a
apressar a aprovação. A crise inventada, contudo, forçou a equipe a
continuar trabalhando freneticamente, e deu a Musk uma dose do
drama que a personalidade dele exige. “Sinto minha fé no futuro da
humanidade renovada”, comentou ele naquela noite. Mais uma
tempestade havia passado.

Custos do Raptor
Poucas semanas depois desse surto, Musk voltou a atenção para o
Raptor, o motor que impulsionaria a Starship. Movido a metano líquido
super-resfriado e a oxigênio líquido, o Raptor tinha mais do que o dobro
do empuxo do motor Merlin do Falcon 9. Isso significava que a Starship
teria mais empuxo do que qualquer outro foguete na história.
Todavia, o motor Raptor não iria levar a humanidade a Marte
simplesmente por ser potente. Ele também precisaria ser fabricado às
centenas a um custo razoável. Cada Starship precisaria de cerca de
quarenta deles, e Musk vislumbrou uma frota de dezenas de Starships.
O Raptor era complexo demais para ser fabricado em massa. Ele parecia
um emaranhado de espaguete. Por isso, em agosto de 2021, Musk
demitiu a pessoa encarregada do design e assumiu pessoalmente o título
de vice-presidente de propulsão. O objetivo era reduzir o custo de cada
propulsor em cerca de 200 mil dólares, um décimo do custo na época.
Certa tarde, Gwynne Shotwell e o CFO da SpaceX, Bret Johnsen,
organizaram um pequeno encontro com a pessoa do departamento
financeiro encarregada de supervisionar os custos do Raptor. Entra em
cena um jovem analista financeiro com aparência de estudioso chamado
Lucas Hughes, cujo visual ligeiramente elitista era mitigado por um
rabo de cavalo. Ele jamais havia interagido diretamente com Musk, e
não tinha certeza se o patrão sabia seu nome. Portanto, estava nervoso.
Musk começou um sermão sobre coleguismo. “Quero ser superclaro”,
começou. “Você não é amigo dos engenheiros. Você é o juiz. Se você for
popular entre os engenheiros, isso é mau sinal. Se você não pisar no calo
de ninguém, eu vou te demitir. Está claro?” Hughes gaguejou um pouco
enquanto dizia que sim.
Desde que tinha voltado da Rússia e calculado os custos para produzir
seus foguetes, Musk havia usado algo que ele apelidou de “índice de
idiotice”. Essa era a proporção entre o custo total de um componente e o
custo das matérias-primas utilizadas. Algo com um alto índice de
idiotice — digamos, um componente que custa mil dólares quando o
alumínio usado em sua fabricação custa apenas cem — tinha alta
probabilidade de ter um design complexo demais ou um processo de
manufatura ineficiente. Nas palavras de Musk, “se a proporção for alta,
você é um idiota”.
“Quais são as melhores peças do Raptor segundo o índice de
idiotice?”, perguntou Musk.
“Não tenho certeza”, respondeu Hughes. “Vou descobrir.” Isso não
era bom. O rosto de Musk se fechou e Shotwell me olhou preocupada.
“No futuro, é melhor você ter certeza de que saiba essas coisas de
cor”, disse Musk. “Se chegar numa reunião e não souber quais são as
peças idiotas, sua demissão vai ser aceita imediatamente”, falou sem
alterar a voz nem demonstrar qualquer emoção. “Como você pode não
saber quais são as melhores e piores peças?”
“Eu conheço a planilha de custo nos mínimos detalhes”, comentou
Hughes em voz baixa. “Só não sei o custo das matérias-primas dessas
peças.”
“Quais são as cinco piores peças?”, perguntou Musk. Hughes olhou
para o computador para ver se conseguia calcular uma resposta. “NÃO!
Não olhe para a sua tela”, esbravejou Musk. “Diga só uma. Você deveria
saber quais são as peças problemáticas.”
“Tem a tampa da injeção”, disse Hughes hesitante. “Acho que custa
13 mil dólares.”
“É feita de apenas uma peça de aço”, retrucou Musk, passando a
interrogar o funcionário. “Quanto custa essa matéria-prima?”
“Acho que na casa dos milhares de dólares”, respondeu Hughes.
Musk sabia a resposta. “Não. É só aço. São uns 200 dólares. Você
errou feio. Se você não melhorar, sua demissão será aceita. Esta reunião
acabou. Chega.”

***

Quando Hughes entrou na sala de conferências no dia seguinte para


uma apresentação que continuaria a conversa, Musk não demonstrou
que se lembrava dele. “O que estamos vendo aqui são as vinte piores
peças pelo ‘índice de idiotice’”, falou Hughes enquanto mostrava um
slide. “Mas sem dúvida há alguns temas.” Fora o fato de ter ficado
mexendo num lápis, ele conseguiu esconder o nervosismo. Musk
escutou em silêncio e assentiu com a cabeça. “São basicamente as partes
que precisam de maquinário de alta precisão, como bombas e
carenagem”, prosseguiu Hughes. “Temos que cortar o máximo de
maquinário possível.” Musk começou a sorrir. Esse era um dos objetivos
dele. Musk fez algumas perguntas específicas sobre o uso de cobre e o
melhor jeito de selar e fazer furos. Já não era um interrogatório ou um
confronto. Musk estava interessado em saber as respostas.
“Estamos investigando algumas técnicas que as fábricas de
automóveis usam para manter esses custos baixos”, prosseguiu Hughes.
Ele também tinha montado um slide que mostrava como eles estavam
aplicando o algoritmo de Musk a cada uma das peças. Colunas exibiam
quais especificações haviam sido questionadas, quais peças tinham sido
deletadas e o nome da pessoa encarregada de cada componente.
“Devíamos perguntar a cada um para ver se eles podem reduzir o
custo da peça pela qual são responsáveis em 80%”, sugeriu Musk, “e, se
eles não conseguirem, devíamos pensar em pedir que saiam caso exista
outra pessoa capaz de fazer isso”.
No fim da reunião, eles tinham um mapa que mostrava como fazer
com que o custo de cada propulsor baixasse de 2 milhões para 200 mil
dólares dentro de doze meses.
Depois dessas reuniões, falei à parte com Shotwell e pedi que ela
avaliasse como Musk tinha tratado Hughes. Ela se importa com a
dimensão humana que Musk ignora. “Ouvi dizer que o Lucas perdeu o
primeiro filho faz umas sete semanas”, disse ela, com a voz mais baixa.
“O bebê teve problemas no parto e nunca chegou a sair do hospital.” A
impressão de Shotwell era a de que aquele fora o motivo para Hughes
estar confuso e menos preparado do que o normal. Considerando que
Musk teve um problema semelhante quando seu primeiro bebê morreu,
deixando-o de luto por meses, sugeri a Shotwell que ele devia conseguir
entender a dor. “Eu ainda não contei para o Elon”, falou ela.
Não mencionei isso a Musk quando conversamos mais tarde naquele
dia, porque Shotwell tinha me dito que era confidencial, mas perguntei
se ele achava ter sido duro demais com Hughes. Musk me olhou meio
sem expressão, como se não tivesse certeza sobre o que eu estava falando.
Depois de algum silêncio, ele me deu uma resposta vaga. “Eu dou um
feedback duro para as pessoas, basicamente correto, e tento não fazer
isso de maneira ad hominem”, diz ele. “Tento criticar a ação, não a
pessoa. Todo mundo comete erros. O que importa é se a pessoa evolui
com o feedback, se é capaz de pedir críticas a outros colegas e se pode
melhorar. A física não se importa com sentimentos feridos. Ela quer
saber se você fez o foguete direito.”

A lição de Lucas
Um ano depois, decidi ver o que tinha acontecido com as duas pessoas
que Musk tinha criticado no verão de 2021, Lucas Hughes e Andy
Krebs.
Hughes se lembrava nitidamente de cada momento. “Musk ficava
insistindo comigo sobre os custos da tampa da injeção”, diz. “Ele estava
certo sobre o custo da matéria-prima, e na hora eu não consegui explicar
direito os outros custos.” Quando Musk continuou interrompendo o que
ele dizia, Hughes recorreu ao treinamento como ginasta.
Ele fora criado em Golden, no Colorado, e era apaixonado por
ginástica. Desde os 8 anos, treinava trinta horas por semana. A ginástica
ajudou Hughes a ter um alto rendimento acadêmico. “Eu era
superatento aos detalhes, supercompetitivo, dedicado e disciplinado”,
comenta. Em Stanford, ele competiu em todas as seis modalidades
masculinas, o que exigiu treinamento ao longo do ano todo, ao mesmo
tempo que cursava engenharia e finanças. A aula favorita dele se
chamava construindo o futuro com materiais de engenharia. Quando se
formou, em 2010, ele foi trabalhar na Goldman Sachs, mas queria fazer
algo mais próximo da engenharia de verdade. “Eu era um nerd que
adorava coisas espaciais quando criança”, diz, de modo que ele se
candidatou quando soube que a SpaceX tinha anunciado uma vaga de
analista financeiro. Hughes foi trabalhar lá em dezembro de 2013.
“Quando o Elon estava me dando aquela bronca, eu me concentrei
muito em tentar manter a compostura”, revela ele. “A ginástica te ensina
a manter a calma em situações de muita pressão. Eu só estava tentando
manter a calma e não desabar.”
Após a segunda reunião, quando já tinha todas as informações sobre o
“índice de idiotice” na ponta da língua, ele nunca mais teve problemas
com Musk. Sempre que surgiam questões relativas a custos em reuniões
posteriores sobre o Raptor, Musk costumava perguntar o que Hughes
achava, e o chamava pelo nome. Por acaso, Musk reconhecia que tinha
passado por cima dele como um trator? “Essa é uma boa pergunta”,
responde Hughes. “Não faço ideia. Não sei se ele internaliza essas
reuniões ou se lembra delas. Só sei que, depois disso, ele ao menos sabia
o meu nome.”
Pergunto se Hughes estava distraído na primeira reunião em função
da morte da filha. Ele faz uma pausa, talvez surpreso por eu saber disso,
e depois pede que eu não mencione isso no livro. Uma semana depois,
porém, ele me mandou um e-mail. “Conversei com a minha esposa, e
não tem problema se você contar a história.” Apesar da crença de Musk
de que todo feedback deve ser impessoal, às vezes as coisas são, na
verdade, pessoais. Shotwell entende isso. “Gwynne definitivamente se
importa com as pessoas, e acho que é importante que ela exerça esse
papel na empresa”, opina Hughes. “Elon se importa muito com a
humanidade, mas com a humanidade num sentido bem mais amplo.”
Tendo passado doze anos compenetrado em treinos de ginástica,
Hughes gostava da mentalidade superdedicada de Musk. “Ele está
disposto a simplesmente se jogar por completo nessa missão, e é isso o
que ele espera dos outros”, fala. “Isso tem um lado bom e um lado ruim.
Você certamente percebe que está sendo usado como ferramenta para
atingir esse objetivo maior, e isso é ótimo. As ferramentas, porém, ficam
gastas, e ele acha que pode simplesmente substituí-las.” Na verdade,
como ele demonstrou ao comprar o Twitter, Musk não vê as coisas
assim. Ele acha que quando as pessoas querem priorizar o conforto e o
lazer, elas devem sair.
Foi o que Hughes fez em maio de 2022. “Trabalhar para o Elon é
uma das coisas mais empolgantes que você pode fazer, mas não sobra
tempo para mais nada na vida”, confessa ele. “Às vezes isso compensa.
Se o Raptor se tornar o propulsor mais acessível já criado e nos levar a
Marte, os danos colaterais vão ter valido a pena. Foi nisso que eu
acreditei por mais de oito anos. Mas agora, principalmente depois da
morte de nosso bebê, é hora de eu me concentrar em outras coisas na
vida.”

A lição de Andy
Andy Krebs lidou de outra forma, pelo menos no começo. Assim como
Hughes, ele fala com tranquilidade e é naturalmente gentil, com uma
covinha no queixo e um sorriso largo, mas não fica tão à vontade quanto
Mark Juncosa e Kiko Dontchev quando vira alvo durante uma conversa
com Musk. Num encontro preparatório para uma reunião em que a
equipe discutia quem iria apresentar certos dados desagradáveis sobre
vazamento de metano, Krebs disse que não estaria presente, então
Juncosa começou a balançar os cotovelos e a cacarejar, querendo dizer
que ele era covarde. No entanto, Krebs tem moral com Juncosa e outras
pessoas na Starbase, pois acham que ele se saiu bem quando Musk o
usou como alvo no incidente da torre de lançamento que deu início à
onda de trabalho.
Musk frequentemente se repete em reuniões. Em parte, o objetivo é
dar ênfase; em parte, é só uma invocação de um mantra, como num
transe. Krebs aprendeu que um modo de tranquilizá-lo era repetir o que
ele dizia. “Musk quer ter certeza de que você escutou”, comenta ele.
“Então, aprendi a repetir o feedback dele. Se ele diz que as paredes
deviam ser amarelas, eu digo: ‘Entendi, isso não deu certo, vamos pintar
as paredes de amarelo.’”
O método funcionou naquela noite na torre de lançamento. Embora
Musk às vezes pareça não perceber como as pessoas estão reagindo, ele
pode ser bom em determinar quem é capaz de lidar com situações
difíceis. “Eu acho, na verdade, que o Krebs sabia que tinha feito
besteira”, diz Musk. “A reação dele ao feedback foi boa. Consigo
trabalhar com as pessoas se elas têm uma reação boa a feedbacks
importantes.”
Como resultado, perto da meia-noite de uma sexta-feira, poucas
semanas depois da onda, Musk ligou para Krebs e deu a ele novas
atribuições em Boca Chica, entre as quais a tarefa importantíssima de
colocar os propelentes nos motores. “Ele vai reportar diretamente a
mim”, escreveu Musk num e-mail para a equipe. “Por favor, deem a ele
todo o apoio possível.”
Certo domingo, poucos meses depois, quando a Starship estava
novamente sendo montada na torre de lançamento, o vento aumentou e
alguns dos funcionários não quiseram subir até o topo da torre, onde
havia trabalho a ser feito, como a remoção do revestimento e a feitura
das conexões necessárias. Por isso, o próprio Krebs subiu e começou a
fazer o trabalho. “Eu precisava garantir que todos os funcionários
continuassem motivados”, fala ele. Perguntei se ele tinha feito isso por
ter sido inspirado por Musk, que gostava de ser um general na frente de

É
batalha, ou se fora por medo. “É como Maquiavel ensinava”, respondeu
Krebs. “Você precisa sentir medo e amor pelo líder. As duas coisas.”
Essa atitude sustentou Krebs por mais dois anos. Contudo, no início
de 2023, ele se tornou mais um refugiado da estratégia superintensa de
Musk. Depois de se casar e ter um filho, decidiu que era hora de seguir
em frente e encontrar um equilíbrio melhor entre trabalho e vida
pessoal.
capítulo 60
Onda solar
Verão de 2021

Inspecionando uma instalação de telhado solar juntamente com Brian Dow na


ponta direita
Os surtos de Musk são sequenciais. Depois da onda de trabalho na
montagem da Starship no verão de 2021, o próximo grupo na linha de
fogo dele era a equipe dos telhados solares.
Musk havia ajudado os primos Peter e Lyndon Rive a lançar a
SolarCity em 2006, e salvou a empresa dez anos depois ao fazer a Tesla
comprá-la por 2,6 bilhões de dólares. Isso provocou uma ação judicial
coletiva dos acionistas da Tesla, o que fez Musk ficar obcecado em tirar
o máximo do negócio para poder justificar a aquisição na Justiça. Ele
demitiu os primos, que haviam se concentrado na venda de porta em
porta em vez de fazer um bom produto. “Eu odeio meus primos”, disse a
Kunal Girotra, um dos quatro chefes da Tesla Energy que ele contratou
e demitiu ao longo dos cinco anos seguintes. “Não acho que eu vá falar
com eles de novo.”
Musk contratava chefes, exigia uma taxa de crescimento milagrosa na
instalação dos telhados, dava prazos insanos para que isso fosse feito e
demitia os chefes quando fracassavam.
Girotra foi substituído por um capitão reformado do Exército norte-
americano de queixo quadrado chamado RJ Johnson, que contratou
supervisores sem frescura para gerir as equipes de instalação. No início
de 2021, quando o número de instalações não estava crescendo rápido o
suficiente, Musk chamou Johnson e deu o ultimato de costume. “Você
tem duas semanas para consertar isso. Demiti meus primos e vou
demitir você se não conseguir fazer as instalações dez vezes mais rápido.”
Johnson não conseguiu.
Depois veio Brian Dow, um guerreiro feliz com um entusiasmo de
quem achava que conseguiria fazer tudo e que havia trabalhado ao lado
de Musk durante a onda de produção na fábrica de baterias de Nevada
em 2017. Ele começou bem. Musk, sentado diante da pequena mesa na
sua sala de estar em Boca Chica, telefonou para Dow na Califórnia para
falar sobre o que queria. “Não se preocupe com as táticas de vendas, que
foram um erro dos meus primos”, disse. “Produtos incríveis crescem no
boca a boca.” O objetivo principal era fazer um excelente telhado solar
que fosse fácil de instalar.
Como sempre, ele invocou para Dow os passos do algoritmo e
procedeu mostrando como deveriam ser aplicados ao telhado solar.
“Questione todas as especificações.” Eles deveriam questionar sobretudo
a exigência de que os instaladores devem desviar de cada tubo de
ventilação e chaminé da casa. Os tubos para secadoras e ventiladores
deveriam ser simplesmente cortados fora e as telhas, colocadas em cima
deles, sugeriu. O ar ainda conseguiria passar sob as telhas. “Delete.” O
sistema de telhado tinha 240 peças diferentes, de parafusos a braçadeiras
para trilhos. Mais da metade deveria ser eliminada. “Simplifique.” O site
deveria oferecer só três tipos de telhado: pequeno, médio e grande.
Depois disso, a meta era “acelerar”. Instalar o máximo de telhados
possível por semana.
Musk decidiu que precisava descobrir com os instaladores o que
poderia ser feito para acelerar as coisas. Então, certo dia em agosto de
2021, ele disse a Dow que fosse a Boca Chica com uma equipe que
pudesse instalar um telhado em uma das 31 casas do conjunto
habitacional na subdivisão vizinha à Starbase, onde ele morava.
Enquanto os trabalhadores de Dow corriam para ver se podiam
instalar um telhado em um dia, Musk passou a tarde na sala de
conferências revisando os desenhos para futuros foguetes e motores.
Como sempre, as reuniões duraram mais do que o previsto, com Musk
propondo novas ideias e permitindo que as conversas saíssem pela
tangente. Dow esperava que Musk chegasse ao local antes do pôr do sol,
mas já eram quase nove da noite quando ele finalmente entrou no Tesla,
dirigiu até a casa dele para pegar X e então o levou nos ombros por uma
quadra até onde os instaladores estavam trabalhando.
Mesmo àquela hora, fazia 34ºC e a noite estava abafada. Oito
trabalhadores suados espantavam mosquitos enquanto tentavam manter
o equilíbrio em cima do telhado da casa, que estava sendo iluminada por
holofotes. Enquanto X brincava entre os fios e equipamentos embaixo,
Musk subiu por uma escada até o topo do telhado, onde ficou em pé
precariamente. Ele não estava feliz. Disse que havia prendedores demais.
Cada um precisava ser pregado, o que aumentaria o tempo de instalação.
Musk insistiu que metade deveria ser eliminada. “Em vez de dois pregos
em cada pé, tente com um só”, mandou. “Se passar um furacão, a
vizinhança toda está ferrada, então quem se importa? Um prego só está
bom.” Alguém reclamou e argumentou que isso poderia causar
infiltrações. “Não precisa ser tão impermeável quanto um submarino”,
falou ele. “Minha casa na Califórnia tinha infiltrações. Algo que fique
entre uma peneira e um submarino deve funcionar.” Por um instante,
Musk riu antes de voltar à intensidade sombria que lhe era própria.
Nada era um mero detalhe. As telhas e as grades eram enviadas para
os locais em embalagens de papelão. Isso era desperdício. Levava tempo
para empacotar e depois desembalar as coisas. Livrem-se do papelão,
decretou ele, até mesmo nos armazéns. Os funcionários deveriam enviar
fotos das fábricas, dos armazéns e dos locais de instalação para ele a cada
semana, para mostrar que não estavam mais usando papelão.
O rosto de Musk ficou cada vez mais fechado e sombrio, como os
céus que prenunciam uma tempestade vinda do golfo. “Precisamos trazer
os engenheiros que projetaram esse sistema aqui para que vejam como é
difícil de instalá-lo”, disse com raiva. Depois, explodiu: “Quero ver os
próprios engenheiros instalando isso aqui. E não apenas por cinco
minutos. Quero vê-los em pé em cima do telhado por dias, dias!” Ele
decretou que, no futuro, todo mundo em uma equipe de instalação, até
mesmo os engenheiros e gerentes, tinham que passar tempo furando e
pregando e suando como os outros trabalhadores.
Quando finalmente voltamos para o chão, Brian Dow e seu assessor,
Marcus Mueller, reuniram uma dezena de engenheiros e instaladores ao
lado do jardim para ouvir as ideias de Musk. Não foi agradável. Ele quis
saber por que levava oito vezes mais tempo para instalar um telhado
solar do que um com telhas normais. Um dos engenheiros, chamado
Tony, começou a mostrar para Musk os fios e as partes eletrônicas.
Musk já conhecia o funcionamento de cada componente, e Tony
cometeu o erro de parecer confiante e condescendente. “Quantos
telhados você instalou?”, perguntou Musk para ele.
“Tenho vinte anos de experiência no ramo de telhados”, respondeu
Tony.
“Mas quantos telhados solares você já instalou?”, insistiu Musk.
Tony explicou que era um engenheiro, por isso não tinha estado em
um telhado fazendo a instalação. “Então você não sabe do que está
É
falando”, disse Musk. “É por isso que os seus telhados são uma merda e
levam tanto tempo para serem instalados.”
Por mais de uma hora, a raiva de Musk fluiu e refluiu, mas
principalmente refluiu. Se eles não descobrissem maneiras de instalar os
telhados mais rápido, a divisão Tesla Energy continuaria perdendo
dinheiro e ele iria fechá-la. Isso seria um revés não só para a Tesla, mas
também para o planeta, segundo ele. “Se fracassarmos”, disse Musk,
“não vamos ter um futuro de energia sustentável”.
Dow, ansioso por agradar, concordou fervorosamente com cada
declaração. Eles haviam estabelecido um recorde na semana anterior ao
instalar 74 telhados em todo o país. “Não é o suficiente”, declarou
Musk. “Precisamos multiplicar isso por dez.” Depois, caminhou uma
quadra de volta para a sua pequena casa, e parecia irritado. Quando
chegou à porta da frente, se virou e disse: “Reuniões de telhados solares
são como facas nos meus olhos.”
No dia seguinte, ao meio-dia, a temperatura chegou a 36ºC na
sombra — e não havia sombra. Dow e os instaladores estavam em cima
de uma casa que ficava ao lado daquela em que eles tinham feito uma
instalação no dia anterior. Dois dos instaladores sucumbiram ao calor e
começaram a vomitar, de modo que Dow os mandou para casa. Alguns
dos que ficaram colocaram ventiladores nos coletes de segurança. Por
instrução de Musk, eles estavam usando apenas um prego para cada
telha, mas sem sucesso. As telhas saíam do lugar e se viravam. Então, a
equipe voltou a usar dois pregos. Perguntei a Musk se aquilo o irritaria,
e ele me assegurou de que, se lhe mostrassem evidências físicas, ele
mudaria de opinião.
Eles tinham razão. Quando Musk chegou, às nove da noite,
mostraram a ele por que precisavam do segundo prego, e ele concordou.
Fazia parte do algoritmo: se não tiver que recolocar 10% das peças que
eliminou, então você não eliminou o bastante. Ele estava mais de bom
humor na segunda noite, em parte porque o processo de instalação
melhorou e em parte porque o humor dele muda muito. Depois da
tempestade vem a bonança. “Bom trabalho, pessoal”, elogiou Musk.
“Vocês deveriam cronometrar cada passo. Isso vai tornar tudo mais
divertido, como um jogo.”
Perguntei sobre a raiva dele na noite anterior. “Não é minha maneira
favorita de resolver as coisas, mas funciona”, comentou. “As melhorias
de ontem para hoje foram gigantescas. A grande diferença é que hoje os
engenheiros estão realmente no telhado instalando em vez de ficarem
apenas diante do teclado.”

***

A disposição de Brian Dow nunca diminuiu. “Sou a pessoa que vai


literalmente varrer o chão se isso for ajudar a empresa”, disse ele para
Musk. Apesar disso, ele tinha uma tarefa impossível. O negócio de
instalar telhados solares exige muito trabalho, e não dá para ser feito em
escala. Musk era um mestre em desenhar fábricas que poderiam reduzir
o custo dos produtos físicos ao produzi-los em quantidades cada vez
maiores, mas o custo de cada instalação de telhado não se altera se você
instalar dez ou cem por mês. Musk não tinha paciência para esse tipo de
empreendimento.
Apenas três meses depois de contratá-lo para dirigir o negócio de
telhados solares da Tesla, Musk convocou Dow de volta a Boca Chica.
Era aniversário de Dow, e ele tinha planejado ficar com a família, mas
correu para ir até lá. Quando perdeu a conexão em Houston, alugou um
carro, dirigiu seis horas pela costa do Texas e chegou às onze da noite.
Uma equipe estava refazendo o telhado na mesma casa em que havíamos
estado em agosto, dessa vez com novos métodos e componentes.
Quando Dow chegou, Musk estava em pé no topo do telhado, e as
coisas pareciam estar correndo bem o bastante. “A equipe está indo bem
usando nossos novos métodos”, diz Dow. “Estavam terminando a
instalação em apenas um dia.”
No entanto, quando Dow subiu e se juntou a ele no topo, Musk
começou a questioná-lo sobre valores. Dow é um homem grande, maior
do que Musk, e eles estavam com dificuldade para se manter em pé no
telhado, escorregadio devido à maresia. Então, eles se sentaram no topo
enquanto Dow revisava as cifras em seu iPhone. O queixo de Musk
endureceu quando ele viu quanto dinheiro estavam perdendo em cada
telhado instalado. “Você precisa cortar custos”, falou. “Tem que me
mostrar um plano na semana que vem para reduzir os custos pela
metade.” Assim como antes, Dow demonstrou entusiasmo. “Ok, vamos
nessa”, falou. “Vamos arrasar e reduzir custos.”
Ele passou todo o fim de semana trabalhando em um plano de corte
de custos para apresentar para Musk na segunda. Contudo, assim que a
reunião começou, Musk mudou de assunto e questionou Dow sobre
quantas instalações haviam sido concluídas na semana anterior e pediu
detalhes sobre a redistribuição de pessoal. Dow não tinha algumas das
respostas, e reclamou que estava trabalhando desde o aniversário dele no
plano para reduzir custos, não nos detalhes sobre os quais Musk o
questionava agora. “Obrigado por tentar”, disse Musk finalmente, “mas
não está dando certo”.
Dow levou um minuto para perceber que estava sendo demitido. “Foi
a demissão mais estranha que você pode imaginar”, comentou Dow
depois. “Já tínhamos passado por muitas coisas juntos, e no fundo Elon
sabe que tenho algo de especial. Ele sabe que dou conta do recado,
porque já fizemos isso no passado, na fábrica de baterias de Nevada.
Mas ele achava que eu estava perdendo o jeito, apesar de eu ter perdido
meu aniversário com minha família para estar em cima daquele telhado
com ele.”
Após a saída de Dow, Musk ainda não havia conseguido acertar os
números. Um ano depois, a Tesla Energy estava instalando cerca de
trinta telhados por semana, muito longe dos mil telhados que Musk
ficava insistindo que fizessem. Todavia, o fervor em resolver o problema
cedeu em abril de 2022, quando um tribunal em Delaware decidiu a
favor de Musk em um processo pela compra da SolarCity pela Tesla.
Com aquela ameaça encerrada, ele não se sentia mais tão desesperado
assim para mostrar que a aquisição fazia sentido do ponto de vista das
finanças.
capítulo 61
Luzes apagadas
Verão de 2021

Com Maye, no palco do Saturday Night Live, e com Grimes em uma festa
Saturday Night Live
“A quem quer que eu tenha ofendido, só quero dizer que reinventei os
carros elétricos e estou enviando pessoas a Marte num foguete espacial.
Você acha que eu seria um cara tranquilo, normal?” Musk sorriu
timidamente enquanto fazia o monólogo de abertura como apresentador
convidado do Saturday Night Live. Alternando o peso de uma perna
para outra, ele estava fazendo um trabalho passável ao tentar
transformar estranheza em charme.
Este era o objetivo dele: mostrar-se que estava consciente das próprias
limitações emocionais. Com a ajuda da capacidade infalível do produtor
Lorne Michaels de fazer um convidado se sair bem, Musk usou a
participação como anfitrião em maio de 2021 para suavizar sua imagem.
“Na verdade, estou entrando para a história esta noite como a primeira
pessoa com Asperger a apresentar o SNL — ou pelo menos a primeira a
admitir isso”, disse. “Não vou fazer muito contato visual com o elenco
aqui hoje, mas não se preocupem, sei fazer o modo ‘humano’ do meu
emulador funcionar muito bem.”
Era Dia das Mães, então Maye teve a chance de subir ao palco. No
ensaio, na sexta-feira, ela leu os cartazes com as falas e disse: “Isso não é
engraçado.” Então recebeu permissão para improvisar algumas falas, e
fez isso. “Deixamos mais real e engraçado”, opina ela. Grimes também
apareceu, em um quadro inspirado no jogo Super Mario Bros. Uma ideia
que eles ensaiaram, em que a piada era com alguns dos tuítes antiwoke
de Musk, envolvia-o representando um James Bond totalmente woke,
mas não funcionou, e essa parte foi cortada do programa.
A festa pós-programa aconteceu na badalada casa de shows de Ian
Schrager, o Public Hotel, que estava fechada por causa da covid, mas
reabriu só para o evento. Chris Rock, Alexander Skarsgård e Colin Jost
estavam lá junto com Grimes, Kimbal, Tosca e Maye. Elon foi embora
por volta das seis da manhã e rumou, com Kimbal e algumas outras
pessoas, para a casa de Tim Urban, o blogueiro, onde ficou acordado por
mais algumas horas conversando. “Ele é um cara tão nerd que na
infância não sabia cair na farra”, diz Maye, “mas agora já compensou
isso”.

Aniversário de 50 anos
Musk costumava comemorar seus aniversários com festas à fantasia
elaboradas. Principalmente as que Talulah Riley coreografava.
Entretanto, quando chegou ao marco de 50 anos, em 28 de junho de
2021, ele havia acabado de se submeter à terceira cirurgia no pescoço
para aliviar a dor da lesão que sofrera ao tentar derrubar um lutador de
sumô na festa de aniversário de 42 anos. Então, decidiu fazer só uma
reunião tranquila com amigos próximos em Boca Chica.
No trajeto de saída do aeroporto de Brownsville, Kimbal comprou a
maioria dos fogos de artifício em uma banca de beira de estrada, os quais
disparou com os filhos mais velhos de Elon, Griffin, Kai, Damian e
Saxon. Eram fogos de artifício de verdade, não pequenos e fracos
foguetes de garrafa, porque, como Kimbal explica, “no Texas você pode
fazer o que quiser”.
Além da dor no pescoço, Musk estava exausto do trabalho. Ele havia
passado o dia andando pelas tendas de produção em Boca Chica, onde
se irritou com a complexidade da seção que ligava o foguete auxiliar da
Starship com a espaçonave de segundo estágio. “Há tantas aberturas na
cobertura que parece um queijo suíço!”, reclamou ele em um e-mail para
Mark Juncosa. “O tamanho dos buracos para antenas deveria ser
mínimo — só o suficiente para passar o fio. Todas as cargas e outras
exigências de design devem ter um nome individual atribuído a elas.
Nada de design coletivo.”
Durante boa parte do fim de semana de aniversário, os amigos dele o
deixaram sozinho para que pudesse dormir. Quando finalmente
acordou, reuniu todo mundo para um jantar no Flaps, o restaurante para
funcionários que a SpaceX havia construído perto da base de
lançamento. Depois, todos foram para a pequena casa dele e se reuniram
no estúdio ainda menor, que ficava na cabana no quintal em que Grimes
trabalhava. Havia apenas almofadões no chão, e eles simplesmente
ficaram ali, Musk deitado no chão com uma almofada sob o pescoço, e
conversaram até o dia raiar.

Burning Man 2021


Para Elon e Kimbal, ir ao Burning Man — o imenso festival de arte e
autoexpressão que acontece no fim do verão no deserto de Nevada —
era, desde o fim dos anos 1990, um ritual espiritual importante e uma
chance para criar vínculos, dançar e festejar em um acampamento com
Antonio Gracias, Mark Juncosa e outros amigos. Depois que o evento
foi cancelado em 2020 por causa da covid, Kimbal assumiu o papel de
captar recursos para garantir que ele voltaria no fim do verão de 2021.
Elon concordou em colaborar com 5 milhões de dólares, com a condição
de que Kimbal entrasse para o conselho.
Na primeira reunião, em abril de 2021, Kimbal ficou chocado ao ver
que o conselho tinha decidido cancelar o evento daquele verão também.
“Vocês estão brincando?”, perguntava repetidas vezes. Ele e alguns dos
outros baluartes do Burning Man organizaram um “Renegade Burn”
não autorizado no mesmo local. Cerca de 20 mil participantes, em vez
dos tradicionais 80 mil, apareceram, mas isso conferiu ao evento um
clima intimista e rebelde, igual ao que o festival tinha nos primórdios.
Como o festival não tinha alvará, eles não podiam fazer a enorme
fogueira ritual em que se queimava uma efígie de madeira que dá nome
ao festival, de modo que Kimbal trabalhou com um amigo para
reproduzir o visual do homem em chamas usando luzes de drones. “Esta
é uma experiência religiosa para uma comunidade leal”, disse Kimbal.
“O homem deve ser queimado! E queimou.”
Elon foi apenas para a noite de sábado e ficou no acampamento de
Kimbal, situado em volta de uma tenda em formato de lótus que tinha
espaço para quarenta pessoas dançarem ou apenas ficarem por lá. Como
costumava ser o caso, desencadeou-se uma crise — dessa vez, reuniões
sobre problemas na cadeia de suprimentos da Tesla —, o que servia de
desculpa para ele não tirar muito tempo de folga.
Grimes foi com Elon, mas o relacionamento não andava bem. Os
romances dele frequentemente envolviam uma quantidade enorme e
nada saudável de mesquinhez mútua, e com Grimes não foi diferente.
Às vezes ele parecia prosperar na tensão, e exigia que Grimes fizesse
coisas como constrangê-lo por estar gordo. Quando chegaram ao
Burning Man, os dois entraram no trailer deles e não saíram por horas.
“Eu te amo, mas não te amo”, disse Musk a ela. Grimes respondeu que
se sentia da mesma forma. Eles estavam esperando outro filho via
barriga de aluguel para o fim do ano, e concordaram que seria mais fácil
para ambos ser pai e mãe se não estivessem envolvidos romanticamente,
de modo que terminaram.
Grimes depois expressou seus sentimentos em uma música na qual
estava trabalhando, “Player of Games”... Um título adequado em muitos
níveis para o maior de todos em jogos de estratégia:

If I loved him any less


I’d make him stay
But he has to be the best
Player of games...
I’m in love with the greatest gamer
But he’ll always love the game
More than he loves me
Sail away
To the cold expanse of espace
Even love
Couldn’t keep you in your place*

Met Gala, setembro de 2021


O término com Grimes não durou muito, ou pelo menos não
totalmente. Em vez de terminar, o relacionamento deles se tornou uma
montanha-russa de companheirismo, criação conjunta de filhos, fuga da
solidão, estabelecimento de limites, afastamento, bloqueios, mensagens
sem respostas e reencontros.
Algumas semanas depois do Burning Man, eles foram do sul do
Texas para Nova York com a finalidade de participar do Met Gala, o
espetáculo extravagante de fantasias que Grimes adorava. Eles ficaram
com Maye no pequeno apartamento dela em Greenwich Village. Musk
havia acabado de enviar seu avião para buscar um recém-comprado
cachorro shiba inu — raça que é o rosto da criptomoeda Dogecoin —
chamado Floki. Ele também levou seu outro cachorro, Marvin, que não
se dava bem com Floki. Nenhum dos dois era adestrado. O apartamento
de dois quartos de Maye virou uma arena.
A roupa que Grimes preparou para o baile era uma homenagem a
Duna, o livro de ficção científica adaptado em filme: um vestido
transparente com capa preta, uma máscara prateada e uma espada. Musk
não deixara claro se iria ou não, e, numa decisão nada surpreendente,
encontrou uma desculpa de trabalho para evitar chegar no início da
festa. Um foguete Falcon 9 estava sendo lançado naquela noite, e uma
confusão burocrática causara um atraso na obtenção de permissão para a
espaçonave reentrar no espaço aéreo indiano. Isso foi resolvido de pronto
e provavelmente não exigia a atenção dele, mas Musk amava se jogar nos
dramas do trabalho, grandes ou pequenos.
Depois do baile, ele e Grimes deram uma festa no badalado clube
Zero Bond, no bairro de NoHo, em Manhattan. Leonardo DiCaprio e
Chris Rock estavam entre as celebridades presentes. Contudo, durante a
maior parte da festa, Musk ficou na sala dos fundos, fascinado pelos
truques de um mágico. “Fui chamar o Elon para ir lá na frente
cumprimentar as pessoas, mas ele queria ficar vendo o mágico”, disse
Maye.
Tendo alcançado o auge da fama no verão de 2021, Musk achou a
situação empolgante, mas estranha. No dia seguinte, eles foram ver uma
instalação que Grimes havia feito como parte de uma badalada
exposição audiovisual no Brooklyn, que apresentava uma animação na
qual ela representava uma ninfa guerreira que vivia em um futuro
distópico. De lá, rumaram direto para o jato de Musk e voaram até
Cabo Canaveral para acompanhar a tentativa da SpaceX de ser a
primeira empresa privada a lançar civis no espaço. A realidade dele era
capaz de superar a fantasia.
* “Se eu o amasse menos/ Faria com que ele ficasse/ Mas ele tem que ser o melhor/ Jogador/
Estou apaixonada pelo maior jogador/ Mas ele sempre vai amar o jogo/ Mais do que me ama/
Navegue para longe/ Para a fria imensidão do espaço/ Nem mesmo o amor/ Conseguiu te
segurar aqui.” [N. da T.]
capítulo 62
Inspiration4
SpaceX, setembro de 2021

Jared Isaacman, e Musk com Hans Koenigsmann


Os voos de julho de 2021 de Branson e Bezos haviam levantado uma
questão. Musk iria seguir esse caminho e se tornar o terceiro bilionário a
se lançar no espaço? Apesar de ter um apetite voraz por atenção e
aventuras arriscadas, ele nunca cogitou a ideia. Musk insistia que a
missão dele tinha a ver com a humanidade, não consigo mesmo, o que
soava grandioso, mas não era bem verdade. A ideia de que foguetes eram
brinquedos de meninos bilionários ameaçava deixar as pessoas com má
impressão acerca das viagens de cidadãos comuns ao espaço.
Em vez disso, para o primeiro voo civil da SpaceX, ele escolheu Jared
Isaacman, um empreendedor da área de tecnologia e piloto de avião
discreto, que aparentava a humildade calma de um aventureiro de queixo
quadrado respeitado em tantos campos que não precisava mais ser
imprudente. Isaacman havia largado a escola no ensino médio, aos 16
anos, para trabalhar em uma empresa de processamento de pagamentos,
e depois fundou uma empresa, a Shift4 Payments, que movimentava
mais de 200 bilhões de dólares em pagamentos todos os anos para
restaurantes e redes hoteleiras. Ele se tornou um piloto bem-sucedido,
que fazia shows aéreos e conquistara um recorde mundial ao dar a volta
ao mundo num jato leve em 62 horas. Depois, cofundou uma empresa
que tinha 150 jatos e realizava treinamentos para empreiteiras militares e
de defesa.
Isaacman comprou da SpaceX o direito de comandar um voo de três
dias — chamado Inspiration4 — que se tornaria a primeira missão
orbital privada da história. O propósito dele era arrecadar dinheiro para
o St. Jude Children’s Research Hospital em Memphis, e ele convidou
uma sobrevivente de câncer nos ossos de 29 anos, Hayley Arceneaux,
para se juntar à equipe, junto com outros dois civis.
Uma semana antes da data programada para o lançamento, Musk fez
uma reunião por telefone com a equipe da SpaceX para se prepararem.
Como era comum em missões tripuladas, ele fez o discurso-padrão sobre
segurança. “Quero que qualquer um com preocupações ou qualquer
sugestão escreva diretamente para mim”, disse.
No entanto, ele sabia que grandes aventuras envolviam riscos, e sabia
também — assim como Isaacman — que para aventureiros era
importante correr riscos. No início da ligação, eles abordaram um risco
que havia se tornado público. “Há um risco sobre o qual queremos
informá-lo”, falou um dos gerentes de voo para Musk. “Estamos
planejando voar mais alto do que uma missão típica até a estação
espacial e do que a maioria das outras experiências em voo espacial
tripulado.” De fato, a cápsula Dragon, da SpaceX, iria orbitar a uma
altitude de 364 milhas (585 quilômetros). Essa era a órbita mais alta
para qualquer equipe humana desde a missão que o ônibus espacial fez
para atender ao telescópio espacial Hubble em 1999. “O risco de colidir
com detrito orbital é realmente grande”, afirmou o gerente.
Detrito orbital é o lixo que flutua pelo espaço, oriundo de naves
espaciais e satélites desativados e outros objetos feitos por humanos. Na
época do lançamento da Inspiration4, havia 129 milhões de objetos no
espaço que eram pequenos demais para serem rastreados. Muitas
espaçonaves haviam sido danificadas por eles. A enorme altitude da
missão piorava a situação: o lixo e os detritos persistem por mais tempo
em altitudes maiores, nas quais há menos arrasto para queimá-los ou
derrubá-los na Terra. “Receamos que a penetração de algum detrito na
cabine ou alguma avaria nos escudos térmicos possa comprometer o
veículo durante a reentrada”, declarou o responsável.
Hans Koenigsmann, que Musk queria que se aposentasse, havia sido
substituído como vice-presidente de segurança de voo por Bill
Gerstenmaier, um ex-oficial casca-grossa da NASA conhecido como
Gerst. Ele descreveu para Musk a recomendação da equipe de segurança
para reduzir o risco: mudar a maneira como a cápsula Dragon fica
posicionada enquanto orbita a Terra, o que diminuiria a exposição aos
detritos. Uma mudança excessiva faria os radiadores esfriarem demais,
mas eles haviam chegado a um consenso sobre como equilibrar os dois
riscos. Com a posição original, o risco de colisão com detritos era de 1
em 700. A nova posição reduziria o risco para 1 em 2 mil. Nesse quesito,
porém, ele mostrou um slide com um alerta grave: “Há uma incerteza
significativa quanto ao risco previsto.” Musk aprovou o plano.
Gerstenmaier prosseguiu observando que havia uma abordagem ainda
mais segura: voar mais baixo. “Há órbitas potenciais em altitudes mais
baixas”, disse, “incluindo descer para 190 quilômetros”. Eles já haviam
determinado como atingir essa altura reduzida e chegar ao local de
pouso como planejado.
“Por que não vamos fazer isso?”, perguntou Musk.
“O cliente quer ir mais alto do que a Estação Espacial Internacional”,
explicou Gerstenmaier, referindo-se a Isaacman. “Ele realmente quer ir
o mais alto que puder. Nós o informamos a respeito dos detritos
orbitais. Ele e a equipe entendem o risco e o aceitam.”
“Certo, ótimo”, respondeu Musk, que respeitava pessoas dispostas a
correr riscos. “Acho que é justo, desde que ele esteja informado de tudo.”
Depois, quando perguntei por que ele não havia optado pela altitude
mais baixa, Isaacman disse: “Se vamos voltar à Lua e ir a Marte, temos
que sair um pouco de nossa zona de conforto.”

***

A última vez que civis haviam sido lançados em órbita fora em 1986, na
missão do ônibus espacial Challenger, que levava a professora Christie
McAuliffe e explodiu um minuto após a decolagem. Grimes achava que
essa era uma ferida que os Estados Unidos precisavam curar, e a
Inspiration4 faria isso. Por isso, ela assumiu o papel de “feiticeira
mestra”, e lançou feitiços de boa sorte no foguete antes do lançamento.
Como sempre ocorria durante momentos de tensão, Musk distraía a
mente pensando no futuro. Sentado na sala de controle ao lado de Kiko
Dontchev, que estava tentando se concentrar na contagem regressiva, ele
ficou fazendo perguntas sobre o sistema da Starship que estava sendo
construído em Boca Chica e sobre como convencer os engenheiros a sair
da Flórida e se mudar para lá.
Hans Koenigsmann estava participando de seu último lançamento.
Depois de trabalhar por vinte anos na SpaceX, desde o grupo destemido
que lançou os voos originais da Falcon 1 em Kwaj, Musk foi
empurrando o ex-parceiro para fora após o relatório que ele escreveu
sobre a desobediência às ordens meteorológicas da FAA. Depois que o
foguete Inspiration4 decolou, ele se aproximou e abraçou
desajeitadamente Musk para se despedir. “Fiquei preocupado com a
possibilidade de eu acabar ficando um pouco chateado ou emotivo”,
confessa Koenigsmann. “Trabalhei lá mais tempo do que todos os
outros.”
Eles conversaram por alguns minutos sobre quão importante era essa
missão civil para a história da exploração do espaço. Quando
Koenigsmann estava saindo, Musk voltou a atenção para o telefone a
fim de checar seu feed no Twitter. Grimes deu um cutucão nele: “É a
última missão dele”, disse ela.
“Eu sei”, replicou Musk, olhando para Koenigsmann e acenando.
“Não fiquei ofendido”, diz Koenigsmann. “Musk se importa muito,
mas não é emocionalmente carinhoso.”

***

“Parabéns a @elonmusk e à equipe da @SpaceX pelo lançamento bem-


sucedido da Inspiration4 na noite passada”, tuitou Bezos. “Mais um
passo em direção a um futuro no qual o espaço é acessível a todos nós.”
Musk respondeu educadamente, mas de modo sucinto: “Obrigado.”
Isaacman estava tão empolgado que ofereceu 500 milhões de dólares
por três voos futuros, em que iria tentar alcançar uma órbita ainda mais
alta e fazer uma caminhada espacial usando um novo traje desenhado
pela SpaceX. Ele também pediu o direito de ser o primeiro cliente
privado da Starship quando ela estivesse pronta.
Outros clientes potenciais também tentaram reservar voos. Um deles,
um promotor de lutas de MMA, queria realizar uma luta em gravidade
zero no espaço. Musk falou aos risos sobre a ideia certa noite enquanto
tomava drinques em Boca Chica. “Não queremos fazer isso”, disse Bill
Riley.
“Por que não?”, perguntou Musk. “Gwynne disse que pagariam meio
bilhão de dólares.”
“Vamos perder o equivalente em reputação”, respondeu Sam Patel, o
engenheiro responsável por construir a Starbase.
“É, não deve ser algo que devemos fazer tão cedo”, concordou Musk.
“Só depois que entrar em órbita talvez passe a ser uma coisa banal.”

***
A missão Inspiration4, lançada por uma empresa privada para cidadãos
privados, foi o prenúncio de uma nova economia orbital, cheia de
empreendimentos empresariais, satélites comerciais e grandes aventuras.
“A SpaceX e Elon são uma história de sucesso incrível”, comentou o
administrador da NASA, Bill Nelson, na manhã seguinte. “Existe uma
sinergia entre o setor público e o setor privado, e tudo isso em prol da
humanidade.”
Processando o significado do lançamento, Musk se tornou filosófico
ao seu modo O guia do mochileiro das galáxias. “Construir carros elétricos
em massa era inevitável”, disse. “Isso teria acontecido sem a minha
intervenção. Mas se tornar uma civilização que viaja pelo espaço não é
inevitável.” Cinquenta anos antes, os Estados Unidos haviam enviado
um homem à Lua, mas desde então não houve mais progresso — muito
pelo contrário. O ônibus espacial só voava em órbitas baixas, e depois
que foi aposentado os Estados Unidos não tinham nem mais como fazer
isso. “A tecnologia não progride automaticamente”, disse Musk. “Esse
voo é um grande exemplo de como o progresso exige ação humana.”
capítulo 63
Mudanças no Raptor
SpaceX, 2021

Jake McKenzie no alto de um galpão; a construção de tendas e galpões em


Boca Chica
Modo engenheiro
“Minha rede neural está acesa feito os fogos de artifício em um 4 de
Julho”, exultou Musk. “Isso é o que eu mais gosto de fazer: iterar com
engenheiros incríveis!” Ele estava sentado na sala de conferências da
Starbase em Boca Chica, no início de setembro de 2021, com um corte
de cabelo em dégradé que parecia ter sido feito pelo barbeiro de um líder
norte-coreano prestes a ser executado. “Eu mesmo corto”, disse ele aos
engenheiros. “Fiz outra pessoa cortar atrás.”
Nas semanas anteriores, Musk vinha alternando períodos de
desespero e fúria com o motor da Starship, o Raptor, que tinha se
tornado complexo, caro e difícil de fabricar. “Quando vejo um cano que
custa 20 mil dólares, me dá vontade de enfiar um garfo no olho”,
comentou ele. Musk anunciou que, no futuro, realizaria reuniões em sua
sala de conferências da SpaceX com a equipe do Raptor às oito da noite,
todas as noites, inclusive nos fins de semana.
Musk tinha um interesse especial pela massa de materiais usados. A
espessura do cilindro do motor era igual à do domo, ressaltou ele,
mesmo que os dois sofressem pressões diferentes. “O que está
acontecendo?”, perguntou. “Tem uma tonelada de metal lá que não faz
nenhum sentido.” Cada grama a mais de massa reduziria a quantidade
de carga que o foguete poderia lançar.
Uma grande decisão — tomada em uma reunião que havia sido
remarcada para a meia-noite porque os astronautas da Inspiration4
estavam pousando — era fazer a maior parte possível do motor com o
material favorito dele, aço inoxidável. Depois de ver uma série de slides
sobre maneiras de minimizar o uso de ligas caras, Musk interrompeu:
“Vocês estão sofrendo de paralisia da análise. Vamos mudar cada peça
possível para aço de baixo custo.”
De início, as únicas exceções que ele permitiu eram para partes
expostas a combustão de gás rico em oxigênio quente. Alguns dos
engenheiros resistiram e sugeriram que cobre, com maior capacidade de
absorver calor, era necessário para a placa frontal. Musk, porém,
argumentou que cobre tinha um ponto de fusão pior. “Estou convencido
de que dá para fazer uma placa frontal de aço”, disse. “Por favor, façam
isso. Acho que fui muito claro: façam de aço.” Ele admitiu que havia
uma probabilidade razoável de que aquilo não funcionasse, mas era
melhor tentar e fracassar do que ficar analisando o assunto por meses.
“Se fizerem isso rápido, podem descobrir rápido. E consertar rápido.”
Ele acabou conseguindo trocar a matéria-prima da maior parte das peças
para aço inoxidável.

Jake McKenzie
Enquanto comandava reuniões na sala de conferências todas as noites,
Musk estava procurando alguém que pudesse supervisionar o design do
Raptor. “Há algum líder em ascensão?”, perguntou Shotwell a ele depois
de uma das sessões de Musk com engenheiros menos graduados.
“Minha rede neural para avaliar capacidade de engenharia é boa, mas
é difícil quando eles estão camuflados”, reclamou Musk. Então, ele
começou a fazer também sessões individuais, nas quais enchia de
perguntas os engenheiros de nível médio.
Depois de algumas semanas, um jovem engenheiro chamado Jacob
McKenzie começou a se destacar. A combinação de um sorriso angelical
com dreadlocks na altura dos ombros o deixava com uma aparência
descolada mas discreta. Musk gosta de dois tipos de assistente: os Red
Bulls, como Mark Juncosa, altamente cafeinados, loquazes e que
vomitam ideias, e os Spocks, cuja fala comedida lhes dá a típica aura de
competência de um vulcano. McKenzie fazia parte desta última
categoria.
Ele havia sido criado na Jamaica e depois se mudou para o norte da
Califórnia, onde se interessou por carros, foguetes e “qualquer coisa com
muita engenharia pesada”. A família dele era pobre, e ele trabalhou num
armazém para ganhar algum dinheiro durante o ensino médio.
McKenzie economizou com o objetivo de ir para a Santa Rosa Junior
College, onde estudou engenharia, e se saiu bem o suficiente a ponto de
conseguir se transferir para Berkeley e depois para a graduação no MIT,
onde fez um doutorado em engenharia mecânica.
Na SpaceX, onde começou a trabalhar em 2015, ele geria uma equipe
que produzia as válvulas para o motor Raptor. É uma função
importantíssima. Muitas vezes quando a contagem regressiva é
interrompida, a causa é um vazamento em uma válvula. McKenzie tinha
interagido com Musk poucas vezes, e ficou surpreso quando o patrão
começou a falar sobre a possibilidade de ele comandar o programa
Raptor. “Eu achava que Musk nem sabia o meu nome”, confessa
McKenzie. Talvez fosse o caso, mas Musk sabia que o trabalho dele era
bom. A equipe de McKenzie havia melhorado os atuadores da Starship,
um dos muitos projetos nos quais Musk mergulhou pessoalmente.
Certa noite em setembro de 2021, pouco depois da meia-noite, Musk
enviou uma mensagem para McKenzie: “Está acordado?” De modo
nada surpreendente, McKenzie respondeu: “Sim, acordado, vou ficar no
escritório pelo menos mais algumas horas.” Musk ligou e disse que ia
promovê-lo. Às quatro e meia da manhã, ele enviou um e-mail. “Jake
McKenzie vai responder diretamente a mim daqui em diante”, escreveu.
Musk disse que um dos seus objetivos era “trocar a maioria dos flanges e
das peças feitas de liga Inconel por ligas de aço soldáveis, bem como
excluir qualquer peça que seja *potencialmente* desnecessária. Se nós
não tivermos que recolocar algumas peças, significa que não eliminamos
o suficiente”.
McKenzie começou a aplicar soluções no estilo da indústria
automotiva, o que em alguns casos resultava em peças 90% mais baratas.
Ele pediu a Lars Moravy, um dos principais executivos na Tesla, para
caminhar com ele pela linha de produção da SpaceX e sugerir técnicas
automotivas que poderiam simplificar as coisas. Às vezes, Moravy ficava
tão chocado com as complexidades desnecessárias na linha de motores
de foguetes que cobria os olhos. “Ok, dá para tirar as mãos do rosto?”,
perguntou McKenzie. “Porque isso está me magoando demais.”
A maior mudança que Musk fez foi colocar engenheiros de projeto
no comando da produção, como havia feito por um tempo na Tesla.
“Criei grupos de design e produção separados há muito tempo, e foi um
erro idiota”, disse em uma das primeiras reuniões que McKenzie liderou.
“Você é responsável pelo processo de produção. Não pode repassar essa
tarefa para ninguém. Se o design custa caro para produzir, mude o
design.” McKenzie e toda a equipe dele de engenharia deslocaram as 75
mesas para que ficassem ao lado das linhas de montagem.

O motor 1337
Um método que Musk usava quando um problema se tornava
complicado era voltar a atenção para o projeto de uma versão futura do
produto. Foi isso que ele fez com o Raptor algumas semanas depois que
McKenzie assumiu: declarou que passariam a se dedicar a fazer um
motor completamente novo. Seria algo tão diferente que ele não queria
batizá-lo com o nome em inglês de alguma espécie de falcão, como
Merlin ou Kestrel. Em vez disso, decidiu usar um meme do mundo da
programação e chamá-lo de 1337, que se pronunciava “LEET” (os
números se assemelham ligeiramente a essas letras). O objetivo era fazer
um motor que custasse menos de mil dólares por tonelada de impulso, e
que dessa forma seria, disse ele, “o desenvolvimento fundamental
necessário para tornar a vida multiplanetária”.
O objetivo de desenhar um motor novo era fazer todo mundo pensar
de modo ousado. “Nosso objetivo é o grande motor da aventura”, disse
Musk em um discurso motivacional para a equipe. “Existe uma chance
de êxito maior que zero? Caso sim, inclua no projeto! Se descobrirmos
que as mudanças que fizemos são ousadas demais, voltamos atrás.” O
objetivo principal era fazer um motor reduzido às características mais
essenciais. “Há muitas maneiras de se esfolar um gato”, disse. “Mas é
importante saber como é o gato sem pele. A resposta é: musculoso e
cheio de saliências.”
Ainda naquela noite, ele mandou uma sequência de mensagens para
enfatizar como estava falando sério sobre esse novo plano. “Não estamos
mirando na Lua”, escreveu. “Estamos mirando em Marte. Um
sentimento maníaco de urgência é o nosso princípio operacional.” Em
uma mensagem que mandou diretamente para McKenzie, ele
acrescentou: “O motor SpaceX 1337 é o último grande avanço crítico
necessário para levar a humanidade a Marte!!! Nenhuma palavra basta
para captar quão importante isso é para o futuro da civilização.”
Ele sugeriu pessoalmente algumas ideias extremas, como excluir todo
o coletor de gás combustível quente e fundir a bomba turbomolecular de
combustível com o injetor da câmara principal. “Pode resultar em uma
má distribuição de gás combustível, ou não. Vamos descobrir.” Ele
reforçou a cruzada com e-mails quase toda a noite. “Estamos numa
*fúria* de exclusão!!”, escreveu em um deles. “Nada é sagrado. Todo
tubo, sensor, peça etc. levemente questionável será eliminado esta noite.
Por favor, sejam ultrafirmes na eliminação e na simplificação.”
Ao longo de outubro de 2021, as reuniões noturnas sempre
atrasavam, e a maioria começava por volta das onze horas. Mesmo
assim, geralmente havia dezenas de pessoas na sala de conferências e
mais de cinquenta participando remotamente. Em cada sessão
costumava surgir uma nova ideia para simplificação ou eliminação. Certa
noite, por exemplo, Musk se concentrou em se livrar de toda a saia do
propulsor, que é a parte aberta não pressurizada situada bem embaixo.
“Isso não ajuda a conter uma parte significativa do propelente”,
comentou ele. “É como mijar numa piscina. Não afeta muito a piscina.”
Depois de um mês, tão abruptamente quanto havia forçado a equipe a
se concentrar em um motor futurista 1337, Musk voltou a atenção de
todos novamente para a revisão do Raptor, a fim de transformá-lo em
um Raptor 2 mais elegante e potente. “Estou mudando o foco da
propulsão da SpaceX de volta para o Raptor”, anunciou ele em uma
mensagem às duas da manhã. “Precisamos de ritmo de produção de
motor de um por dia para manter uma cadência decente de lançamento.
Atualmente, é de um a cada três dias.” Perguntei se isso reduziria a
velocidade do desenvolvimento do 1337. “Sim”, respondeu ele. “Não
podemos tornar a vida multiplanetária com o Raptor, porque é muito
caro, mas o Raptor é necessário para nos levar adiante até que o 1337
esteja pronto.”
O surto envolvendo o 1337 e o recuo posterior foram uma estratégia
cuidadosamente elaborada por Musk para fazer a equipe pensar de
modo mais ousado, ou tudo não passou de um ato impulsivo em que ele
acabou voltando atrás? Como lhe é comum, foi uma mistura das duas
coisas. Isso serviu ao propósito de incitar o surgimento de ideias novas,
inclusive a de se livrar de várias capas e saias, que seriam incorporadas
aos objetivos dele para um Raptor aprimorado. “O exercício ajudou a
definir como seria um motor ideal”, afirma McKenzie. “Mas não estava
nos permitindo progredir em coisas que eram imediatamente necessárias
para avançar no programa Starship.” Ao longo do ano seguinte,
McKenzie e sua equipe foram capazes de produzir Raptors quase como
se fossem carros em uma linha de montagem. No feriado de Ação de
Graças de 2022, eles estavam fabricando mais de um por dia, e fizeram
um estoque para futuros lançamentos da Starship.
capítulo 64
Nasce o Optimus
Tesla, agosto de 2021

Uma atriz vestida para a apresentação do robô Optimus


O robô amigável
O interesse de Musk em criar um robô humanoide remontava ao
fascínio e ao medo que ele sentia da inteligência artificial. A
possibilidade de que alguém pudesse criar, intencionalmente ou não,
uma IA que poderia ser perigosa para os seres humanos levou-o a fundar
a OpenAI em 2014. Também o levou a tocar adiante empreendimentos
relacionados, incluídos carros autônomos, um computador de
treinamento de rede neural conhecido como Dojo e os chips Neuralink,
que poderiam ser implantados em cérebros para criar um relacionamento
profundamente simbiótico entre humanos e máquinas.
A expressão definitiva de uma IA segura, especialmente para alguém
que devorava ficção científica quando criança, seria criar um robô
humanoide que pudesse processar inputs visuais e aprender a realizar
tarefas sem violar a lei de Asimov, que diz que um robô não pode
prejudicar a humanidade ou qualquer ser humano. “Se você é capaz de
criar um carro autônomo, que é um robô sobre rodas, então pode fazer
um robô com pernas também”, disse Musk.
No início de 2021, ele começou a mencionar nas reuniões com
executivos que a Tesla deveria pensar seriamente em desenvolver um
robô, e em determinado momento mostrou um vídeo de alguns robôs
impressionantes que a Boston Dynamics estava criando. “Robôs
humanoides vão surgir, quer você queira, quer não”, disse, “e devemos
fazer isso para que possamos colocá-los num bom caminho”. Quanto
mais ele falava sobre esse assunto, mais empolgado ficava. “Isso pode ser
a maior coisa que faremos, até mesmo maior do que um carro
autônomo”, afirmou ao chefe de design, Franz von Holzhausen.
“Quando algo se torna um tema recorrente para o Elon, começamos a
trabalhar nele”, declara Von Holzhausen. Eles começaram a se reunir no
estúdio de design da Tesla em Los Angeles, onde os modelos do
Cybertruck e do Robotáxi estavam em exposição. Musk deu as
especificações: o robô deveria ter 1,7 metro de altura, com um visual
élfico e andrógino, para que não “parecesse que pudesse ou quisesse
machucar alguém”. Dessa forma nasceu o Optimus, um robô humanoide
a ser feito pelas equipes da Tesla que trabalhavam no carro autônomo.
Musk então decidiu: o fato deveria ser anunciado num evento chamado
Dia da IA, que ele marcou para 19 de agosto de 2021 na sede da Tesla,
em Palo Alto.

Dia da IA
Quarenta e oito horas antes do Dia da IA, Musk fez virtualmente uma
reunião de preparação com a equipe da Tesla de Boca Chica. O dia
também incluiu uma reunião com o Escritório de Conservação de Peixes
e Vida Selvagem do Texas com o propósito de conseguir apoio para os
lançamentos da Starship, uma reunião financeira da Tesla, uma
discussão sobre as finanças dos telhados solares, uma reunião sobre os
lançamentos futuros de civis, uma caminhada controversa pelas tendas
em que a Starship estava sendo montada, uma entrevista para um
documentário da Netflix e a segunda visita de Musk, tarde da noite, ao
loteamento residencial onde a equipe de Brian Dow estava instalando
telhados solares. Depois da meia-noite, ele entrou no avião e seguiu para
Palo Alto.
“É exaustivo ter que transitar entre tantas questões”, disse ele quando
finalmente relaxou no avião. “Mas há muitos problemas, e tenho que
resolver tudo.” Então, por que ele estava agora saltando para o mundo da
IA e dos robôs? “Porque estou preocupado com Larry Page”, respondeu.
“Tive conversas longas com ele sobre os perigos da IA, mas ele não
entende. Agora, mal nos falamos.”
Quando pousamos, às quatro da manhã, ele foi para a casa de um
amigo para dormir por algumas horas e em seguida dirigiu-se à sede da
Tesla em Palo Alto para um encontro com a equipe que se preparava
para o anúncio do robô. O plano era que uma atriz se vestisse como o
robô e subisse no palco. Musk ficou empolgado. “Ela vai fazer
acrobacias!”, declarou, como se fosse um esquete de Monty Python.
“Podemos pedir que ela faça coisas legais que parecem impossíveis?
Como sapatear com um chapéu e uma bengala?”
Musk tinha uma meta séria: o robô deveria parecer mais divertido do
que ameaçador. Como se tivesse sido combinado, X começou a dançar
na mesa da sala de conferências. “O menino tem baterias boas”, disse o
pai. “Ele recebe atualizações de software andando, olhando e ouvindo.”
Era este o objetivo: um robô que pudesse aprender a fazer coisas ao ver e
imitar humanos.
Depois de mais algumas piadas sobre danças com chapéu e bengala,
Musk começou a mergulhar nas especificações finais. “Vamos fazer o
robô andar a oito quilômetros por hora, não seis, e dar potência para
levantar um pouco mais de peso”, afirmou ele. “Nós exageramos na
tentativa de fazê-lo parecer dócil.” Quando os engenheiros disseram que
estavam planejando ter baterias que pudessem ser trocadas quando se
exaurissem, Musk vetou a ideia. “Muitos tolos foram pelo caminho da
bateria substituível, e geralmente isso se deu porque a bateria deles era
ruim”, declarou ele. “Nós originalmente fizemos isso com a Tesla. Sem
conjunto de bateria substituível. Basta fazer o conjunto maior para que
possa operar por dezesseis horas.”
Depois da reunião, ele continuou na sala de conferências. O pescoço
dele estava doendo por causa do antigo acidente com o lutador de sumô,
e ele se deitou no chão com uma bolsa de gelo na cabeça. “Se
conseguirmos produzir um robô de uso geral que pode te observar e
aprender a fazer uma tarefa, isso vai turbinar a economia a um grau que
é uma loucura”, disse. “Aí então podemos instituir um salário mínimo
universal. Trabalhar se tornaria uma escolha.” Sim, e alguns ainda
seriam levados a trabalhar de modo maníaco.

***

No dia seguinte, Musk estava de mau humor no ensaio para as


apresentações do Dia da IA, que incluíam não só a revelação do
Optimus, como também os avanços da Tesla com carros autônomos.
“Isso é chato”, ficava repetindo ele enquanto Milan Kovac, o sensível
engenheiro belga que comandava as equipes do Autopilot e do Optimus,
apresentava slides muito técnicos. “Tem muita coisa aqui que não é
legal. Este é um evento de recrutamento, e ninguém vai querer se juntar
a nós depois desses slides de merda.”
Kovac, que ainda não havia dominado a arte de se esquivar das
explosões de Musk, voltou para o escritório e se demitiu, o que
transformou os planos para as apresentações daquela noite em confusão.
Lars Moravy e Pete Bannon, supervisores mais experientes e já
calejados, pararam Kovac quando ele estava prestes a deixar o prédio.
“Vamos dar uma olhada nos seus slides e ver como podemos arrumá-
los”, falou Moravy. Kovac mencionou que aceitava um uísque, e Bannon
achou alguém na oficina do Autopilot que tinha uma garrafa. Eles
beberam duas doses e Kovac se acalmou. “Vou ficar durante todo o
evento”, prometeu ele. “Não vou decepcionar minha equipe.”
Com a ajuda de Moravy e Bannon, Kovac reduziu pela metade os
slides e ensaiou um discurso novo. “Engoli a raiva e levei os novos slides
para Elon”, lembra ele. Musk olhou e disse: “Sim, com certeza. Ok.”
Kovac ficou com a impressão de que Musk nem se lembrava de que
tinha explodido com ele.
A interrupção fez a apresentação daquela noite atrasar uma hora. Não
foi um evento muito organizado. Os dezesseis apresentadores eram
todos homens. A única mulher era a atriz que estava vestida de robô, e
ela não fez nenhuma dança engraçada com chapéu e bengala. Não houve
acrobacias. Apesar disso, num discurso levemente marcado pela
gagueira, Musk associou o Optimus com os planos da Tesla para carros
autônomos e o supercomputador Dojo. O Optimus, disse ele, aprenderia
a realizar tarefas sem a necessidade de instruções linha por linha. Como
um ser humano, ele aprenderia observando. Isso transformará não só
nossa economia, afirmou ele, como também a forma como viveremos.
capítulo 65
Neuralink
2017-2020

Um macaco jogando Pong apenas com suas ondas cerebrais


Interfaces homem-máquina
Alguns dos saltos mais importantes de tecnologia na era digital
envolviam avanços na maneira como seres humanos e máquinas se
comunicam, algo conhecido como “interfaces homem-máquina”. O
psicólogo e engenheiro J. C. R. Licklider, que trabalhou em sistemas de
defesa aérea que rastreiam aviões em um monitor, escreveu um artigo
seminal em 1960 intitulado “Simbiose homem-máquina
computacional”, o qual mostrava como monitores de vídeo poderiam
“levar um computador e uma pessoa a pensar juntos”. Ele acrescentou:
“A esperança é a de que, em pouco tempo, o cérebro humano e a
máquina possam se acoplar muito bem.”
Os hackers do MIT usaram esses monitores de vídeo para criar um
jogo chamado Spacewar, o que ajudou no desenvolvimento de jogos
comerciais que, para que até um universitário chapado fosse capaz de
jogar, tinham interfaces intuitivas a ponto de não precisarem de quase
nenhuma instrução (“1. Insira a moeda; 2. Escape dos Klingons” eram
as únicas instruções no primeiro jogo Jornada nas Estrelas, da Atari).
Doug Engelbart combinou esses monitores com um mouse para
permitir que os usuários interagissem com um computador ao apontar e
clicar, e Alan Kay, no Xerox Palo Alto Research Center (PARC), ajudou
a desenvolver uma interface gráfica fácil de usar que imitava o tampo de
uma escrivaninha (ou desktop, em inglês). Steve Jobs adotou isso no
computador Macintosh da Apple e, em sua última reunião de conselho,
quando estava à beira da morte, em 2011, testou outro grande salto nas
interfaces humano-computador: um aplicativo chamado Siri, que
permitia a pessoas e computadores a interação por voz.
Apesar de todos esses avanços, a troca de informações entre humanos
e máquinas continuou muito lenta. Em uma viagem em 2016, Musk
estava digitando em seu iPhone com os dedões e começou a reclamar da
demora. Digitar permite que a informação flua de nosso cérebro para
nossos dispositivos a uma taxa de apenas cem bits por segundo.
“Imagine se você pudesse pensar na máquina”, disse, “como uma conexão
de alta velocidade diretamente entre a sua mente e a sua máquina”. Ele
se inclinou na direção de Sam Teller, que estava no carro com ele.
“Podemos conseguir um neurocientista que possa me ajudar a entender a
interface computador-cérebro?”, perguntou Musk.
Ele percebeu que a interface humano-computador definitiva seria um
dispositivo que conectasse nossos computadores diretamente ao nosso
cérebro, tal qual um chip dentro de nosso crânio capaz de enviar nossos
sinais cerebrais para um computador e receber de volta outros sinais. Isso
ia permitir que a informação fluísse de um lado para outro 1 milhão de
vezes mais rápido. “Aí você teria uma simbiose verdadeira entre
humanos e máquinas”, afirma Musk. Em outras palavras, isso garantiria
que humanos e máquinas trabalhassem juntos, como parceiros. Para isso
acontecer, no fim de 2016 ele fundou uma empresa que chamou de
Neuralink, a qual implantaria pequenos chips no cérebro e permitir aos
humanos uma fusão mental com computadores.
Como no caso do Optimus, a ideia para a Neuralink fora inspirada
pela ficção científica, principalmente pela série de livros de viagem
espacial A cultura, de Iain Banks, que apresentavam uma tecnologia de
interface homem-máquina chamada “laço neural”, implantada nas
pessoas e capaz de ligar todos os seus pensamentos a um computador.
“Quando li Banks pela primeira vez”, diz Musk, “isso me fez pensar que
essa ideia poderia nos proteger no front da inteligência artificial”.
Os objetivos grandiosos de Musk geralmente são acompanhados de
modelos de negócios práticos. Ele havia desenvolvido satélites da
Starlink, por exemplo, como uma maneira de financiar a missão para
Marte da SpaceX. Da mesma forma, planejava que os chips cerebrais da
Neuralink fossem usados para ajudar pessoas com problemas
neurológicos, tais como esclerose lateral amiotrófica (ELA), a interagir
com computadores. “Se pudermos encontrar bons usos comerciais para
financiar a Neuralink”, afirma, “em algumas décadas vamos alcançar
nosso objetivo final de nos proteger contra a IA perversa ao unir o
mundo humano com nosso maquinário digital”.
Entre os cofundadores havia seis neurocientistas e engenheiros
importantes, liderados pelo pesquisador de interface cérebro-máquina
Max Hodak. O único membro do grupo de fundadores que sobreviveu à
pressão e à confusão que é trabalhar com Musk foi DJ Seo, que havia se
mudado da Coreia para a Louisiana aos 4 anos. Como ele não falava
inglês tão bem quando pequeno, ficou muito frustrado por não
conseguir expressar alguns pensamentos. “Como posso botar para fora
esse negócio que está na minha cabeça da maneira mais eficiente
possível?”, começou a se perguntar Seo. “Teria que ser algo pequeno
colocado na minha cabeça.” Na Caltech, e depois em Berkeley, ele
desenvolveu o que chamou de “poeira neural”, pequenos implantes que
podiam ser colocados no cérebro e enviar sinais.
Musk também recrutou uma investidora em tecnologia com um
brilho no olhar e mente afiada chamada Shivon Zilis. Na época de
estudante, criada perto de Toronto, ela se destacou no hóquei, mas
também virou uma geek em tecnologia depois de ler o livro de 1999 A
era das máquinas espirituais, de Ray Kurzweil. Depois de estudar em
Yale, Zilis trabalhou em algumas incubadoras de startups ajudando
novos negócios em IA, e se tornou uma consultora de meio período na
OpenAI.
Quando Musk fundou a Neuralink, ele a levou para um café e a
convidou para se juntar a eles. “A Neuralink não é só para pesquisa”,
garantiu Musk a ela. “É para construir dispositivos reais.” Zilis
rapidamente decidiu que seria mais divertido e útil do que continuar a
ser uma investidora de risco. “Notei que aprendia mais lições singulares
com Elon por minuto do que com qualquer outro humano que já
conheci”, afirma. “Seria burrice não passar mais tempo de nossa vida
com uma pessoa assim.” A princípio, ela trabalhou em projetos de
inteligência artificial em todas as três empresas dele — Neuralink, Tesla
e SpaceX —, mas acabou se tornando a principal gerente na Neuralink,
além de ser uma íntima companheira pessoal de Musk (mais sobre isso
em breve).

O chip
A tecnologia subjacente para o chip Neuralink se baseou no Utah Array,
inventado na Universidade de Utah em 1992, que é um microchip
cravejado com cem agulhas que podem ser enfiadas no cérebro. Cada
agulha detecta a atividade de um único neurônio e envia os dados por
um fio para uma caixa presa no crânio de alguém. Como o cérebro tem
cerca de 86 bilhões de neurônios, esse era apenas um nanopasso em
direção à interface humano-computador.
Em agosto de 2019, Musk publicou um artigo científico em que
descrevia como a Neuralink iria melhorar o Utah Array para criar o que
chamou de “uma plataforma integrada cérebro-máquina com milhares
de canais”. Os chips da Neuralink tinham mais de 3 mil eletrodos em 96
fios. Como sempre, Musk se concentrou não apenas no produto, mas
também em como ele seria fabricado e utilizado. Robôs trabalhando em
alta velocidade iriam cortar um pequeno buraco no crânio humano,
inserir o chip e introduzir os fios no cérebro.
Ele revelou uma versão inicial do dispositivo em uma apresentação
pública em agosto de 2020 na Neuralink, na qual mostrou uma porca
chamada Gertrude que tinha um chip no cérebro. Um vídeo dela
andando em uma esteira mostrava como o chip poderia detectar sinais
no cérebro do animal e enviar para um computador. Musk segurou o
chip, que tinha o tamanho de uma moeda de 25 centavos de dólar.
Quando colocado sob o crânio, ele poderia transmitir dados sem precisar
de fios, o que garantia que o usuário não ficasse parecendo um ciborgue
de um filme de horror. “Eu posso ter um Neuralink implantado agora e
vocês não saberiam”, disse Musk. “Talvez eu tenha.”
Alguns meses depois, Musk foi ao laboratório da Neuralink em
Fremont, perto da fábrica da Tesla, onde os engenheiros mostraram para
ele a última versão. Ela combinava quatro chips separados, cada um com
cerca de mil fios. Eles seriam implantados em diferentes partes do crânio
com fios conectados a um roteador preso atrás da orelha. Musk ficou
parado em silêncio por quase dois minutos, enquanto Zilis e os colegas
dela assistiam. Então, ele deu o veredito: havia odiado. Era complexo
demais, com muitos fios e conexões.
Ele estava no processo de eliminar conexões nos motores Raptor da
SpaceX. Cada uma era um possível ponto de falha. “Isso tem que ser um
único dispositivo”, disse ele aos desanimados engenheiros da Neuralink.
“Um só pacote elegante sem fios, sem conexões e sem roteador.” Não
havia nenhuma lei da física — nenhum princípio básico — que
impedisse toda a funcionalidade poder estar contida em um único
dispositivo. Quando os engenheiros tentaram explicar por que
precisavam do roteador, a expressão de Musk enrijeceu. “Eliminem”,
decretou ele. “Deletem, deletem, deletem.”
Depois que deixaram a reunião, os engenheiros passaram pelos
estágios típicos do transtorno de estresse pós-Musk: perplexidade, raiva
e ansiedade. Apesar disso, em uma semana ficaram intrigados, porque
perceberam que a nova abordagem poderia funcionar.
Quando Musk voltou ao laboratório semanas depois, eles mostraram
um só chip que poderia lidar com o processamento dos dados de todos
os fios e transmiti-los por Bluetooth para um computador. Sem
conexões, sem roteador, sem fios. “Achávamos que era impossível”,
comentou um dos engenheiros, “mas agora estamos muito empolgados
com isso”.
Um problema que os engenheiros enfrentavam era causado pela
exigência de que o chip fosse muito pequeno. Isso tornava desafiador ter
uma bateria de vida longa e suporte a muitos fios. “Por que tem que ser
tão pequeno assim?”, perguntou Musk. Alguém cometeu o erro de dizer
que era um dos pré-requisitos que eles receberam. Isso fez com que
Musk entoasse seu algoritmo, a começar pelo questionamento de todas
as especificações. Depois ele falou da ciência básica do tamanho do chip.
Nosso crânio é redondo; o chip não pode ser um pouco abaulado? E o
diâmetro não poderia ser maior? Eles chegaram à conclusão de que o
crânio humano acomodaria facilmente um chip maior.
Quando o dispositivo estava pronto, eles o implantaram em um dos
macacos, chamado Pager, que estava hospedado no laboratório.
Ensinaram-no a jogar Pong no videogame e lhe davam como
recompensa uma vitamina de fruta quando ele se saía bem. O
dispositivo da Neuralink gravava quais neurônios estavam funcionando
cada vez que ele mexia o controle de uma certa maneira. Posteriormente
o controle foi desativado, e os sinais do cérebro do macaco passaram a
controlar o jogo. Era um grande passo em direção ao objetivo de Musk
de criar uma conexão direta entre o cérebro e a máquina. A Neuralink
publicou um vídeo disso no YouTube que foi visto 6 milhões de vezes no
período de um ano.
capítulo 66
Pura visão
Tesla, janeiro de 2021

Um slide exibindo o progresso dos carros autônomos


Elimine o radar
A questão de usar ou não radar no sistema Autopilot de carros
autônomos — em vez de depender apenas de dados visuais de câmeras
— permaneceu controversa na Tesla. Também se tornou um estudo de
caso sobre o estilo de tomada de decisão de Musk, algo que oscila entre
ousado, teimoso, descuidado, visionário e orientado pelos princípios
básicos da física, mas, às vezes, surpreendentemente flexível.
A princípio, Musk mantivera a mente aberta quanto a esse assunto.
Quando o Model S da Tesla foi atualizado em 2016, ele permitiu
relutantemente que a equipe do Autopilot usasse um radar dianteiro
além das oito câmeras do carro. E autorizou os engenheiros a ter um
programa para construir esse radar, conhecido como Phoenix.
Entretanto, no início de 2021, o uso de radares estava causando
problemas. A escassez de chips, ocasionada pela covid, significava que os
fornecedores da Tesla não estavam entregando a quantidade necessária.
Além disso, o sistema Phoenix que a Tesla estava construindo
internamente não funcionava direito. “Temos uma escolha”, declarou
Musk em uma reunião fatídica no início de janeiro. “Podemos parar a
produção do carro. Podemos fazer o Phoenix funcionar imediatamente.
Ou podemos eliminar completamente o radar.”
Não havia dúvida de qual opção ele preferia. “Deveríamos acabar com
isso com uma solução de pura visão”, disse. “Não precisar de um radar e
da visão para identificar o mesmo objeto é uma grande vantagem
competitiva.”
Alguns dos principais funcionários, especialmente o presidente de
automotivos, Jerome Guillen, resistiram. Ele argumentou que não seria
seguro eliminar o radar. O radar podia detectar objetos não tão
facilmente visíveis para uma câmera ou o olho humano. Uma reunião
estava programada para a equipe inteira debater o assunto e tomar uma
decisão. Depois que todos os argumentos foram apresentados, Musk se
deteve por cerca de quarenta segundos. “Estou acabando com isso”, disse
ele por fim. “Eliminem o radar.” Guillen continuou a resistir, e Musk
ficou friamente zangado. “Se você não fizer isso”, ameaçou ele, “vou
arrumar alguém que faça”.
Em 22 de janeiro de 2021, Musk mandou um e-mail que dizia:
“Daqui para a frente, desliguem o radar.” E continuava: “É uma muleta
terrível. Estou falando sério. Além do mais, já está claro que a direção
somente com o auxílio de câmeras está funcionando bem.” Logo depois,
Guillen pediu demissão da empresa.

Controvérsia
A decisão de Musk de eliminar o radar causou um debate público. Uma
reportagem investigativa minuciosa do The New York Times feita por
Cade Metz e Neal Boudette revelou que muitos engenheiros da Tesla
estavam bastante apreensivos. “Diferentemente dos tecnólogos em quase
todas as outras empresas que estão trabalhando em carros autônomos, o
sr. Musk insiste que a autonomia pode ser atingida só com câmeras”,
escreveram. “Mas muitos dos engenheiros da Tesla questionavam se era
seguro o bastante confiar em câmeras sem o benefício de outros
dispositivos sensores, e se o sr. Musk não estava exagerando em suas
promessas aos motoristas sobre as capacidades do Autopilot.”
Edward Niedermeyer, que havia escrito um livro crítico sobre a Tesla
chamado Ludicrous [Ridículo], publicou uma sequência de tuítes.
“Melhorias nos sistemas comuns de assistência ao motorista estão
levando o setor a usar mais radares, além de modalidades ainda mais
inovadoras, como o LiDAR e imagens térmicas”, escreveu ele. “A Tesla,
ao contrário, está dando um passo para trás.” E Don O’Dowd, um
empreendedor de segurança de software, comprou um anúncio de
página inteira no The New York Times em que chamava o sistema de
direção autônoma da Tesla de “o pior software já vendido por uma
empresa incluída na lista Fortune 500”.
A Tesla foi por muito tempo alvo de investigações da National
Highway Traffic Safety Administration, que ganharam impulso depois
da eliminação do radar em 2021. Em um estudo, a agência
governamental registrou 273 acidentes com motoristas de carros da
Tesla que estavam usando algum nível de direção assistida, cinco dos
quais resultaram em mortes. Também foi aberta uma investigação sobre
onze colisões de Teslas com veículos de emergência.
Musk estava convencido de que motoristas ruins, não um software
ruim, eram a principal razão por trás da maioria dos acidentes. Em uma
reunião, ele sugeriu usar os dados coletados das câmeras dos carros —
uma das quais fica dentro do veículo e está direcionada ao motorista —
para provar quando havia erro do motorista. Uma das mulheres na mesa
reagiu. “Já discutimos isso com a equipe de privacidade”, disse ela. “Não
podemos associar as transmissões de selfies a nenhum veículo específico,
nem mesmo quando há uma colisão; pelo menos é essa a orientação dos
nossos advogados.”
Musk não ficou feliz. O conceito de “equipe de privacidade” não o
comovia. “Sou eu o tomador de decisões nesta empresa, não a equipe de
privacidade”, disse. “Nem sei quem são. Eles são tão privados que nunca
sabemos quem são.” Ouviram-se algumas risadas nervosas. “Talvez a
gente possa fazer um anúncio pop-up para dizer às pessoas que se elas
usarem a FSD [direção totalmente autônoma] vamos coletar dados para
o caso de haver uma colisão”, sugeriu ele. “Haveria algum problema
quanto a isso?”
A mulher pensou por um instante e depois assentiu. “Contanto que
isso seja comunicado aos clientes, acho que está tudo bem.”

O Phoenix se levanta
Apesar de teimoso, provas podem fazer Musk mudar de ideia. Ele estava
decidido a eliminar radares em 2021 porque a qualidade técnica desse
dispositivo na época não permitia resolução suficiente para acrescentar
informação significativa ao sistema de visão. No entanto, ele concordou
em permitir que os engenheiros continuassem o programa Phoenix para
ver se conseguiam desenvolver uma tecnologia de radar melhor.
Lars Moravy, o chefe de engenharia automotiva de Musk, colocou
um engenheiro nascido na Dinamarca chamado Pete Scheutzow como
encarregado. “Elon não é contra o radar”, diz Moravy, “ele é contra um
radar ruim”. A equipe de Scheutzow desenvolveu um sistema de radar
que se concentrava nos casos em que o motorista humano não fosse
capaz de ver algo. “Você talvez tenha razão”, disse Musk, e secretamente
autorizou testes do novo sistema no Model S e no Model Y, que são
mais caros.
“É um radar muito mais sofisticado do que o radar automotivo
comum”, afirma Musk. “É o que se vê em sistemas de armas. Cria uma
imagem do que está acontecendo, em vez de receber só um sinal de
retorno.” Ele de fato planejava colocá-lo nos carros de luxo da Tesla?
“Vale a pena experimentar. Estou sempre aberto a receber provas de
experimentos físicos.”
capítulo 67
Dinheiro
2021-2022

A pessoa mais rica do mundo


O preço das ações da Tesla, que haviam caído para 25 dólares quando a
covid-19 começou a se espalhar no início de 2020, se recuperou e subiu
para dez vezes esse valor no começo de 2021. Em 7 de janeiro, o preço
chegou a 260 dólares. Naquele dia, Musk se tornou a pessoa mais rica
do mundo, com 190 bilhões de dólares, e ultrapassou Jeff Bezos.
Em função da aposta extremamente ousada que fez com o conselho
da Tesla em fevereiro de 2018, quando a empresa passava por problemas
de produção, Musk não tinha nenhum salário garantido. Em vez disso,
sua compensação dependeria de atingir metas muito agressivas de
receita, lucro e valor de mercado, o que incluía aumentar o valor de
mercado da Tesla dez vezes, para 650 bilhões de dólares. Na época, os
jornais previam que a maior parte das metas era inatingível. Mas, em
outubro de 2021, a Tesla se tornou a sexta empresa na história dos
Estados Unidos a valer mais de 1 trilhão de dólares. O valor de mercado
da empresa era maior do que o das cinco maiores concorrentes —
Toyota, Volkswagen, Daimler, Ford e GM — somado. E em abril de
2022, a empresa declarou um lucro de 5 bilhões de dólares sobre uma
receita de 19 bilhões, um aumento de 81% em relação ao ano anterior. O
resultado foi que o pagamento de Musk, pelo acordo de compensação de
2018, equivalia a cerca de 56 bilhões de dólares, e o valor do patrimônio
dele no início de 2022 aumentou para 304 bilhões de dólares.
Musk ficou irritado com os ataques públicos contra ele por ser
bilionário, uma sensibilidade exacerbada pelo fato de que a filha Jenna,
uma fervorosa anticapitalista, que recentemente terminara o processo de
transição de gênero, não queria mais falar com ele. Musk vendeu todas
as casas que tinha porque acreditava que não deveria ser criticado se
mantivesse a riqueza aplicada nas empresas, em vez de gastá-la com seu
estilo de vida. Mas Musk continuava a ser criticado porque, ao não
receber salário e deixar o dinheiro investido na empresa, ele não tinha
nenhum ganho de capital e pagava poucos impostos. Em novembro de
2021, ele realizou uma enquete no Twitter para ver se deveria vender
algumas ações da Tesla de forma a embolsar alguns dos ganhos de
capital e pagar impostos sobre isso. Houve 3,5 milhões de votos, e 58%
votaram “sim”. Como já estava planejando fazer, ele exerceu as opções
que recebeu em 2012 e estavam prestes a expirar, o que o obrigou a
pagar a maior cobrança de impostos da história: 11 bilhões de dólares, o
suficiente para bancar todo o orçamento de seus antagonistas na
Comissão de Valores Mobiliários por cinco anos.
“Vamos mudar o código fiscal fraudulento para que a Pessoa do Ano
realmente pague impostos e pare de se aproveitar dos demais
contribuintes”, tuitou a senadora Elizabeth Warren no fim de 2021.
Musk devolveu: “Se você abrisse os olhos por dois segundos, perceberia
que este ano vou pagar mais impostos do que qualquer outro americano
na história. Não gaste tudo de uma vez... Ah, espere, você já gastou.”

O que o dinheiro não pode comprar


Se é verdade que dinheiro não compra felicidade, um dado que confirma
isso é o humor de Musk quando ele se tornou a pessoa com mais
dinheiro no mundo. Ele não estava feliz no outono de 2021.
Quando voou até Cabo San Lucas, no México, para uma festa de
aniversário que Kimbal havia organizado para a esposa, Christiana, em
outubro, onde Grimes se apresentou como DJ, Elon se fechou num
quarto e jogou Polytopia durante a maior parte do tempo. “Estávamos
sob uma obra de arte com luzes interativas e dançando a linda música de
Claire [Grimes]”, diz Christiana. “Pensei em como devíamos nossa sorte
a Elon, mas ele simplesmente não conseguia se permitir curtir o
momento.”
Como acontecia com frequência, as mudanças de humor dele e a
depressão se manifestavam na forma de dores no estômago. Ele estava
vomitando e tinha uma azia intensa. “Algum bom médico para me
recomendar?”, me perguntou ele por mensagem quando voltou mais
cedo de sua visita a Cabo San Lucas. “Não precisa ser famoso nem ter
consultório chique.” Perguntei se ele estava bem. “Para ser sincero, não
estou lá muito bem”, respondeu. “Há bastante tempo venho trabalhando
sem parar. Isso tem um preço. Passei bem mal este fim de semana.”
Algumas semanas depois, ele revelou mais. Conversamos por mais de
duas horas, em grande parte sobre as cicatrizes mentais e físicas que ele
ainda tinha em 2021:

Desde 2007, talvez até o ano passado, a dor tem sido ininterrupta.
Tem uma arma apontada para a sua cabeça, você tem que fazer a
Tesla dar certo, tirar um coelho da cartola e, depois, tirar mais um
coelho da cartola. Uma sequência de coelhos voando pelos ares. Se o
próximo coelho não sair, você estará morto. Isso tem um preço. Não
dá para viver em uma luta constante por sobrevivência, sempre com a
adrenalina altíssima, e não se machucar.
Mas tem outra coisa que descobri este ano: lutar para sobreviver
estimula por um tempo. Quando você não está mais no modo
sobrevivência, não é fácil se motivar todos os dias.

Esse foi um lampejo essencial que Musk teve sobre si mesmo.


Quanto mais terrível a situação, mais energizado ele ficava. No entanto,
quando não estava no modo sobrevivência, sentia-se incomodado. Os
momentos que deveriam ser bons eram enervantes. Isso o levava a armar
ondas insanas de trabalho, promover dramas, se jogar em batalhas que
poderia evitar e assumir novos empreendimentos.
Naquele feriado de Ação de Graças, a mãe dele e a irmã voaram até
Austin a fim de comemorar com ele, os quatro filhos mais velhos, X e
Grimes. Dois dos primos de Elon e as duas meias-irmãs do segundo
casamento do pai também estavam lá. “Precisávamos estar com Elon
porque ele se sente sozinho”, diz Maye. “Ele ama ter a família por perto,
e temos que fazer isso por ele, sabe, porque ele está sob muito estresse.”
No dia seguinte, Damian cozinhou massa para todos e tocou música
clássica no piano. Mas Musk decidiu se concentrar nos motores Raptor,
da Starship. Depois de andar algum tempo pela sala de jantar, parecendo
estressado, ele passou a maior parte do dia em reuniões por telefone.
Depois, abruptamente, anunciou que tinha que voar de volta a Los
Angeles para lidar com a crise do Raptor. Era uma crise que existia
principalmente na cabeça dele. Era fim de semana de Ação de Graças, e
o Raptor não seria necessário por pelo menos um ano.
“Semana passada foi uma boa semana”, comentou ele comigo por
mensagem de texto. “A bem da verdade, passei a noite toda de sexta e
sábado na fábrica de foguetes trabalhando nos problemas do Raptor;
ainda assim, foi uma boa semana. É muito doloroso, mas temos que nos
esforçar para construir o Raptor, mesmo que ele de fato precise de um
redesenho completo.”
capítulo 68
Pai do ano
2021

Com Shivon, Strider e Azure; com X na Tesla


Os gêmeos de Shivon
Algo que pode ter distraído Musk no feriado de Ação de Graças de
2021 — ou o levado a escolher manter-se distraído pelos bicos e válvulas
do motor Raptor — foi que, na semana anterior, ele havia se tornado pai
de mais duas crianças, um menino e uma menina gêmeos. A mãe era
Shivon Zilis, a investidora de IA com um brilho no olhar que ele
recrutou em 2015 para trabalhar na OpenAI e veio a se tornar a
principal gerente de operações da Neuralink. Ela havia se tornado uma
amiga muito próxima, companhia intelectual e ocasional parceira de
jogos. “Tem sido uma das amizades mais significativas da minha vida,
disparado”, diz ela. “Logo depois que conheci o Elon, falei: ‘Espero que
sejamos amigos para sempre.’”
Zilis morava no Vale do Silício e trabalhava no escritório da
Neuralink em Fremont, mas se mudou para Austin logo depois de
Musk, e era parte do pequeno e íntimo círculo social dele. Grimes a
considerava uma amiga e ocasionalmente tentava marcar encontros para
ela — uma vez, com o assessor enérgico de Musk na SpaceX, Mark
Juncosa. Na pequena festa que Musk e Grimes deram no Halloween,
um feriado de que eles gostavam muito, Zilis estava lá com Juncosa.
Grimes e Zilis se ligavam a facetas opostas da personalidade de
Musk. Grimes era mal-humorada de uma maneira divertida, além de
impetuosa, pois costumava se envolver em brigas com Musk e
compartilhava a atração dele pelo tumulto. Zilis, pelo contrário, diz que:
“Em seis anos, Elon e eu nunca, nunca brigamos, nunca discutimos.”
Isso é algo que pouca gente pode dizer. Eles conversam de uma maneira
discreta, intelectualizada.
Zilis, por escolha própria, decidiu não se casar. Ela, contudo, dizia ter
“o supervírus da maternidade”. Os impulsos maternais dela ficaram
ainda mais atiçados com a evangelização de Musk sobre a importância
de as pessoas terem muitos filhos. Ele temia que a queda nos índices de
natalidade fosse uma ameaça à sobrevivência da consciência humana no
longo prazo. “As pessoas vão ter que reviver a ideia de que ter filhos é
uma espécie de dever social”, declarou ele em uma entrevista em 2014.
“Ou a civilização simplesmente vai perecer.” A irmã leal de Musk,
Tosca, que havia se tornado uma produtora bem-sucedida de filmes
românticos e morava em Atlanta, nunca se casou. Elon a incentivou a
ter filhos e, quando ela concordou, a ajudou a encontrar uma clínica, a
escolher um doador de esperma anônimo e pagou pelo procedimento.
“Ele realmente quer que pessoas inteligentes tenham filhos, de modo
que me incentivou a tê-los”, afirma Zilis. Quando ela decidiu que havia
chegado a hora, Musk sugeriu ser o doador de esperma para que as
crianças fossem geneticamente filhas dele. Essa ideia a agradava. “Se a
escolha estava entre um doador de esperma anônimo ou fazer isso com a
pessoa que você mais admira no mundo, então para mim era uma
decisão muito fácil”, confessa Zilis. “Não consigo pensar em outros
genes que iria preferir para meus filhos.” Havia outra vantagem: “Parecia
algo que o faria muito feliz.”
Os gêmeos deles foram concebidos por fertilização in vitro. Como a
Neuralink é uma empresa privada, não está nítido como as regras sobre
relacionamentos no local de trabalho se aplicavam a isso. Na época, esse
assunto não foi comentado, porque Zilis não contou às pessoas quem era
o pai biológico.
Certo dia de outubro, ela levou Musk e outros dos principais
executivos da Neuralink para um passeio pelas novas instalações que a
empresa estava construindo em Austin. Elas incluíam um escritório e
um laboratório num centro comercial próximo à gigafábrica da Tesla no
Texas e um conjunto de celeiros próximos para abrigar os porcos e
ovelhas usados nos experimentos de implantação dos chips. Zilis estava
visivelmente grávida de gêmeos, apesar de ninguém ali saber que o pai
era Musk. Depois, perguntei se isso fazia com que ela se sentisse
estranha. “Não”, respondeu, “eu estava empolgada por me tornar mãe”.
Zilis teve uma complicação no fim da gravidez e foi para o hospital.
Os gêmeos nasceram prematuros, sete semanas antes do tempo, mas
saudáveis. Musk consta nas certidões de nascimento como pai, mas as
crianças — um menino chamado Strider Seldon Sekhar e uma menina
chamada Azure Astra Alice — receberam o sobrenome de Zilis. Ela
presumiu que ele não iria se envolver muito na criação. “Achei que Elon
faria o papel de um padrinho”, afirma ela, “porque o cara tem muita
coisa com que se preocupar”.
Em vez disso, Musk acabou passando muito tempo com os gêmeos e
criou laços afetivos com eles, mesmo que a seu modo emocionalmente
distraído. Pelo menos uma vez por semana ele ficava na casa de Zilis,
dava de comer às crianças e se sentava no chão com elas enquanto fazia
suas reuniões noturnas virtuais sobre o Raptor, a Starship e o Tesla
Autopilot. Ele não era, dada a sua natureza, tão carinhoso quanto os
pais comuns. “Tem coisas que ele não faz porque é emocionalmente
programado de uma forma um pouco diferente”, diz Zilis. “Mas,
quando vem, as crianças se animam e só têm olhos para ele, o que o
anima também.”

Bebê Y
Apesar de estarem num momento difícil do relacionamento, Grimes e
Musk se divertiam tanto sendo pais de X que decidiram ter outro bebê.
“Eu realmente queria muito que ele tivesse uma filha”, diz ela. Como a
primeira gravidez havia sido difícil e o corpo de Grimes, muito esguio, a
tornava propensa a ter complicações, eles decidiram por uma barriga de
aluguel.
Isso levou a uma improvável situação esquisita e potencialmente
estranha, digna de uma farsa francesa new age. Quando Zilis estava
internada no hospital de Austin por complicações da gravidez, a mãe
que gestava a filha que Musk e Grimes haviam concebido in vitro em
segredo estava no mesmo hospital. Como a mãe de aluguel estava tendo
uma gravidez difícil, Grimes lhe fez companhia. Ela não sabia que Zilis
encontrava-se em um quarto ali perto, nem que estava grávida de Musk.
Talvez não seja surpresa que Musk tenha decidido voar para a Costa
Oeste naquele fim de semana de Ação de Graças para lidar com os
problemas mais simples de engenharia de foguetes.
Quando a filha deles nasceu, em dezembro, apenas algumas semanas
depois dos meios-irmãos gêmeos, Musk e Grimes começaram o
demorado processo de escolha de nomes. A princípio, eles a chamaram
de Sailor Mars, em homenagem a uma das heroínas do mangá Sailor
Moon, que apresenta guerreiras que protegem o sistema solar contra o
mal. Parecia um nome adequado, muito embora pouco convencional,
para uma criança que poderia estar destinada a ir a Marte. Em abril, eles
decidiram que precisavam dar a ela um nome menos sério (isso mesmo),
porque “ela é toda brilhante e muito mais pateta”, disse Grimes. Eles
concordaram em Exa Dark Sideræl, mas no início de 2023 brincaram
com a ideia de mudar o nome dela para Andromeda Synthesis Story
Musk. Para simplificar, eles a chamavam de Y ou, às vezes, “Why?”,
com um ponto de interrogação como parte do nome dela. “Elon sempre
diz que precisamos descobrir qual a pergunta antes de saber as respostas
do Universo”, explica Grimes, se referindo ao que aprendeu com O guia
do mochileiro das galáxias.
Quando Musk e Grimes levaram Y para casa, apresentaram-na a X.
Christiana Musk e outros familiares estavam lá, e todos brincaram no
chão como se fossem uma família comum. Musk nunca disse nada sobre
ter tido gêmeos com Shivon. Depois de uma hora de brincadeiras e um
jantar rápido, ele pegou X e o levou no seu avião para Nova York, onde o
menino ficou sentado no colo dele na cerimônia da revista Time que o
coroou como Pessoa do Ano.
O título concedido pela revista foi o auge no tocante à popularidade
de Musk. Em 2021, ele passou a ser a pessoa mais rica do mundo, a
SpaceX se tornou a primeira empresa privada a colocar uma equipe civil
em órbita e a Tesla chegou ao valor de mercado de 1 trilhão de dólares
ao encabeçar uma mudança histórica na indústria automobilística
mundial, com a era dos veículos elétricos. “Poucos indivíduos tiveram
mais influência do que Musk na vida na Terra e potencialmente na vida
fora da Terra também”, escreveu Ed Felsenthal, editor da Time. O
Financial Times também o declarou Pessoa do Ano: “Musk está
apostando em ser o empreendedor mais inegavelmente inovador de sua
geração.” Na entrevista para o jornal, Musk destacou as missões que
moviam as empresas dele. “Estou apenas tentando levar as pessoas a
Marte, promover a liberdade da informação com a Starlink, acelerar a
tecnologia sustentável com a Tesla e libertar as pessoas da labuta de
dirigir”, afirmou. “É bem possível que a estrada para o inferno seja em
parte pavimentada com boas intenções — mas a estrada para o inferno
é, principalmente, pavimentada com más intenções.”
capítulo 69
Política
2020-2022

“Tome a pílula vermelha”


“O pânico com o coronavírus é idiota”, tuitou Musk. Era 6 de março de
2020, e a covid-19 havia acabado de fechar a fábrica nova dele em
Xangai e começava a se espalhar pelos Estados Unidos. Isso estava
fazendo o preço das ações da Tesla cair, mas não era só o prejuízo
financeiro que chateava Musk. As determinações governamentais, na
China e depois na Califórnia, inflamaram-lhe a tendência
antiautoridade.
Quando a Califórnia emitiu uma ordem para que as pessoas ficassem
em casa no fim de março, bem quando a fábrica de Fremont estava
começando a produzir o Model Y, Musk decidiu desafiar o governo. A
fábrica iria permanecer aberta. Ele escreveu num e-mail para a empresa
inteira: “Gostaria de deixar bem claro que se você se sentir um pouco
doente ou até mesmo indisposto, por favor, não se sinta obrigado a vir
trabalhar.” Mas depois acrescentou: “Eu, pessoalmente, vou trabalhar.
Sustento minha opinião sincera de que o estrago provocado pelo pânico
do coronavírus excede, e muito, o estrago causado pelo próprio vírus.”
Depois que as autoridades da comarca ameaçaram forçar a fábrica a
fechar, Musk entrou com um processo contra as ordens. “Se alguém
quiser ficar em casa, ótimo”, disse Musk. “Mas dizer que as pessoas não
podem sair de casa e vão ser presas se saírem, isso é fascismo. Não é
democrático. Não é liberdade. Devolvam a liberdade das pessoas.” Ele
manteve a fábrica aberta e desafiou o xerife local a fazer prisões. “Estarei
na linha, como todos os demais”, tuitou. “Se alguém for preso, peço que
seja eu.”
Musk saiu triunfante. As autoridades locais chegaram a um acordo
com a Tesla para permitir que a fábrica de Fremont permanecesse aberta
contanto que certos protocolos de uso de máscara e medidas de
segurança fossem seguidos. Esses compromissos foram honrados em
termos, mas a disputa arrefeceu, a linha de montagem produziu carros e
a fábrica não teve nenhum surto grave de covid.
A controvérsia se tornou um fator na evolução política de Musk. Ele
havia sido fã e doador de Barack Obama, mas passou a discursar contra
democratas progressistas. Numa tarde de domingo em maio, no meio da
controvérsia, Musk publicou um tuíte críptico de quatro palavras:
“Tome a pílula vermelha.” Era uma referência ao filme Matrix, de 1999,
no qual um hacker descobre que esteve vivendo em uma simulação de
computador (um conceito que sempre intrigou Musk) e tem a chance de
tomar a pílula azul, que o fará esquecer tudo e voltar a uma vida
aprazível, ou a pílula vermelha, que o exporá à verdade real da Matrix. A
frase “Tome a pílula vermelha” foi adotada por muita gente, inclusive
por alguns ativistas dos direitos dos homens e teóricos da conspiração,
como um grito de guerra que significava a disposição de encarar a
verdade sobre as elites dissimuladas. Ivanka Trump entendeu a
referência. Ela retuitou com o comentário “Tomei!”.

O vírus da mentalidade woke


“traceroute woke_mentalidade_vírus”.
Esse foi um tuíte bastante obscuro de Musk postado em dezembro de
2021, mas refletia uma mudança em andamento em suas opiniões
políticas. “Traceroute” é um comando de rede para determinar o caminho
até o servidor fonte de alguma informação. Musk havia assumido a
causa de combater o que considerava o excesso de politicamente correto
e a cultura woke de ativistas progressistas de justiça social. Quando
perguntei a ele por quê, ele respondeu: “A menos que o vírus da
mentalidade woke, que é fundamentalmente anticiência, antimérito e
anti-humano em geral, seja detido, a civilização jamais se tornará
multiplanetária.”
A reação de Musk foi parcialmente provocada pela transição da filha
Jenna, a adoção por ela da política radical socialista e pela decisão de
cortar laços com ele. “Musk sente que perdeu um filho que mudou o
sobrenome e não vai mais falar com ele por causa do vírus da
mentalidade woke”, diz Jared Birchall, o gestor de seu escritório pessoal.
“Ele é testemunha ocular em um nível muito pessoal do efeito danoso de
ser doutrinado por essa religião da mentalidade woke.”
Em um nível mais mundano, Musk se convenceu de que a
mentalidade woke estava acabando com o humor. As piadas dele próprio
tendiam a ser cheias de referências maliciosas a 69, a outros atos sexuais,
fluidos corporais, cocô, pum, maconha e assuntos que arrancariam
risadas de um dormitório cheio de calouros chapados. Antigo fã do site
satírico de notícias The Onion, Musk passou a preferir o Babylon Bee, o
site conservador cristão, e concedeu uma entrevista a eles no fim de
2021. “A mentalidade woke quer tornar o humor ilegal, o que não é
nada maneiro”, contestou. “Tentar cancelar David Chappelle, qual é,
cara, é loucura. Queremos de fato uma sociedade sem humor que está
simplesmente repleta de condenação e ódio, e sem perdão? No cerne, a
mentalidade woke é divisiva, exclusivista e odiosa. Dá às pessoas um
escudo para serem más e cruéis, armadas de falsa virtude.”
Em maio de 2022, Musk recebeu uma ligação da Business Insider, que
estava prestes a publicar uma matéria sobre como ele teria aberto a calça
para uma comissária de bordo em seu jato particular e pedido que ela o
masturbasse. Em troca, dizia a matéria, ele iria dar um pônei para ela,
porque ela amava cavalos. Musk negou as alegações — e apontou que
não tinha comissárias de bordo no avião —, mas documentos
mostravam que a Tesla havia pagado 250 mil dólares em indenização à
mulher em 2018. Quando a matéria foi publicada, as ações da empresa
caíram 10%, e os ressentimentos políticos ficaram ainda mais
inflamados. Ele acreditava que a história havia sido vazada por um
amigo da mulher, que era, nas palavras dele, “um ativista, democrata de
extrema esquerda”.
Assim que ouviu que a matéria estava prestes a ser publicada, Musk
tentou se inocular com um tuíte falando dela em termos políticos. “No
passado, votei nos democratas, porque eram (na maioria) o partido da
gentileza”, escreveu. “Mas se tornaram o partido da divisão & do ódio,
de modo que não posso mais apoiá-los, e vou votar nos republicanos.
Agora, prestem atenção nos truques sujos deles contra mim que vão
aparecer.” Ele estava a caminho do Brasil para se encontrar com o
presidente populista de direita Jair Bolsonaro, outro exemplo da
mudança política de Musk, e enquanto o avião decolava postou outro
tuíte: “Os ataques contra mim deveriam ser vistos por uma ótica política
— este é o modo de agir (desprezível) padrão deles —, mas nada vai me
impedir de lutar por um bom futuro e pelo direito à liberdade de
expressão.”
No dia seguinte, quando a reportagem acabou não sendo tão
explosiva quanto ele temia, Musk voltou para um modo mais animado.
“Finalmente podemos usar a expressão ‘Elongate’ para dar nome a um
escândalo. É meio perfeito”, tuitou. E quando Chad Hurley, o
cofundador do YouTube, fez uma piada sobre as cavaladas dele, Musk
respondeu: “Oi, Chad... Tá bom, se você pegar no meu pinto eu te dou
um cavalo.”

Biden
À medida que Musk ficava mais preocupado com a mentalidade woke, a
lealdade partidária dele mudou. “Este vírus da mentalidade woke jaz
principalmente no Partido Democrata, apesar de a maioria dos
democratas não concordar com isso”, disse. A evolução era também uma
reação a ataques contra ele por alguns democratas. “Elizabeth Warren
realmente me chamou de vigarista aproveitador que não paga impostos,
quando estou literalmente pagando mais impostos do que qualquer
indivíduo na história”, diz. Ele ficou especialmente enfurecido com um
ataque de uma deputada progressista da Califórnia, Lorena Gonzalez.
“F*da-se Elon Musk”, tuitou ela. Isso se somava à frustração dele com a
Califórnia. “Eu vim para cá quando era a terra da oportunidade”,
comenta Musk. “Agora, é a terra do litígio, da regulamentação e dos
impostos.”
Ele havia desenvolvido um profundo desprezo por Donald Trump,
que considerava um vigarista, mas não ficou impressionado com Joe
Biden. “Quando Biden era vice-presidente, fui a um almoço com ele em
São Francisco em que falou por uma hora e foi chato pra caramba, como
um daqueles bonecos em que você puxa uma cordinha e ele fica
repetindo as mesmas frases bobas.” Mesmo assim, Musk diz que votaria
em Biden em 2020, mas decidiu que votar na Califórnia, onde estava
cadastrado o seu título de eleitor, era uma perda de tempo porque não
era um estado em que a disputa seria acirrada.
Seu desprezo por Biden aumentou em agosto de 2021, quando o
presidente realizou um evento na Casa Branca em homenagem aos
veículos elétricos. Os chefes da GM, da Ford e da Chrysler, junto com o
líder da United Auto Workers, foram convidados, mas não Musk, apesar
de a Tesla ter vendido mais carros elétricos nos Estados Unidos do que
todas as outras empresas somadas. A secretária de comunicação de
Biden, Jen Psaki, foi sincera quanto ao motivo. “Bem, estes são os três
maiores empregadores da United Auto Workers”, disse ela, “então vou
deixá-lo tirar suas próprias conclusões”. A UAW não tinha conseguido
sindicalizar a fábrica da Tesla em Fremont, em parte por causa do que o
Conselho Nacional de Relações Trabalhistas considerou ações
antissindicais ilegais da empresa, em parte porque seus trabalhadores
(como nas outras novas empresas de veículos elétricos, Lucid e Rivian)
obtiveram opções de ações, o que não costuma fazer parte dos contratos
sindicais.
Biden foi mais longe em novembro, quando visitou a fábrica da GM
em Detroit com a CEO Mary Barra e membros da liderança da UAW.
“Detroit está liderando o mundo em veículos elétricos”, disse Biden.
“Mary, eu me lembro de ter conversado com você em janeiro sobre a
necessidade de os Estados Unidos serem líderes no ramo dos carros
elétricos. Você mudou toda a história, Mary. Você tornou elétrica toda a
indústria automobilística. É sério. Você liderou, e isso é importante.”
De fato, a GM começara a liderar a mudança para veículos elétricos
nos anos 1990, mas havia desistido. Quando Biden fez essa declaração, a
GM tinha apenas um veículo elétrico, o Chevy Bolt, que havia sofrido
um recall e não estava sendo produzido na época. No último
quadrimestre de 2021, a GM vendeu um total de 26 veículos elétricos
nos Estados Unidos. Naquele ano, a Tesla vendeu cerca de 300 mil
carros elétricos nos Estados Unidos. “Biden é um fantoche murcho em
forma de gente”, retorquiu Musk. Dana Hull, uma repórter da
Bloomberg que costumava ser crítica de Musk (ele a bloqueou no
Twitter), escreveu: “Biden faria melhor em se ater aos fatos e reconhecer
— como o mercado fez — o papel da Tesla como líder na revolução dos
carros elétricos.”
Os assessores de Biden, muitos dos quais dirigiam Teslas, começaram
a se preocupar com a crescente briga, e, no início de fevereiro de 2022, o
chefe de gabinete, Ron Klain, e o principal assessor econômico de
Biden, Brian Deese, ligaram para Musk. Ele achou os dois
surpreendentemente razoáveis. Ansiosos por aplacar a raiva de Musk,
ambos prometeram que o presidente elogiaria a Tesla publicamente, e
inseriram uma frase num discurso que seria feito por ele no dia seguinte:
“Empresas anunciaram investimentos que somam mais de 200 bilhões
de dólares na fabricação doméstica aqui nos Estados Unidos — desde
empresas emblemáticas, como a GM e a Ford, que estão desenvolvendo
uma nova produção de veículos elétricos, até a Tesla, a maior fabricante
de veículos elétricos do país.” Não era um endosso completo, mas
apaziguou Musk, pelo menos por algum tempo.
A distensão com o governo Biden não estava fadada a durar. Musk
enviou um e-mail para os principais executivos na Tesla expressando seu
“sentimento super-ruim” com relação à economia e pedindo a eles que se
preparassem para uma recessão. Quando o e-mail vazou, Biden foi
questionado sobre o assunto. Ele soltou uma farpa sarcástica: “Então,
sabe, que ele tenha muita sorte na viagem à Lua.” Era como se Biden
pensasse que Musk era algum maluco tentando voar até a Lua. Na
realidade, o módulo de pouso lunar da SpaceX estava sendo construído
para os Estados Unidos, e havia sido contratado pela NASA. Alguns
minutos depois do comentário de Biden, Musk tirou sarro da falta de
noção do presidente: “Obrigado, sr. presidente!”, tuitou, e incluiu um
link para a nota da NASA à imprensa que dizia ter fechado um contrato
com a SpaceX para pousar astronautas norte-americanos na Lua.

***
Em uma ligação em abril, os assessores de Biden descreveram os
incentivos para carros elétricos que estavam num projeto de lei em
tramitação para reduzir a inflação. Musk ficou surpreso com quão bem
elaborados eram. Entretanto, foi contra os planos do governo de gastar 5
bilhões de dólares em três anos para criar uma rede de estações de
carregamento de carros elétricos. Embora isso pudesse ajudar a Tesla,
Musk achava que o governo não deveria se meter no negócio de
construir estações de carregamento, assim como não deveria construir
postos de combustível. Isso era feito melhor pelo setor privado, tanto
pelas empresas grandes quanto pelas pequenas. As empresas
encontrariam formas de atrair os clientes ao construir estações de
carregamento em restaurantes, atrações de beira de estrada, lojas de
conveniência e outros locais. No entanto, se o governo construir
estações, isso acabará com esses impulsos empreendedores. Musk
prometeu que os carregadores da Tesla estariam abertos para outros
carros. “Quero que vocês saibam que nossos mecanismos de
carregamento tanto no carro quanto nas nossas estações vão ser
interoperáveis”, prometeu ele na ligação telefônica.
Isso era um pouco mais complicado do que parecia. Os
supercarregadores da Tesla precisariam de adaptadores para os
conectores usados em outros carros, e ajustes financeiros teriam que ser
negociados. Mitch Landrieu, o czar de infraestrutura da Casa Branca,
foi até a fábrica de baterias da Tesla em Nevada e recebeu informações
sobre os detalhes tecnológicos. Depois, ele e John Podesta, o assessor de
Biden para inovação em energias limpas, tiveram uma rápida reunião
com Musk em Washington para acertar os detalhes. Isso levou a uma
rara troca de tuítes de apoio. “Elon Musk vai abrir uma pequena parte
da rede da Tesla para todos os motoristas”, dizia um tuíte que os
assessores escreveram para Biden postar. “É uma grande notícia, e vai
fazer uma diferença e tanto.” Musk respondeu: “Muito obrigado. A
Tesla está feliz em apoiar outros carros elétricos por meio de nossa rede
de supercarregadores.”

Um círculo libertário
Certo dia no início de 2022, Musk decidiu dar uma festa de última hora
na gigafábrica da Tesla no Texas, que estava quase pronta. O assistente
dele, Omead Afshar, encomendou um protótipo do Cybertruck e fez
com que o levantassem até um dos espaços abertos no segundo andar da
fábrica. Ele instalou um bar, usou os assentos dos carros em produção
para criar um enorme saguão e colocou alguns robôs da linha de
montagem ao redor só por diversão.
Musk convidou o amigo Luke Nosek, cofundador da PayPal e
investidor da SpaceX, que sugeriu convidar também Joe Rogan, o
podcaster morador de Austin e um politicamente incorreto orgulhoso,
em cujo programa Musk havia fumado um baseado em meio à confusão
de 2018. Nosek também chamou Jordan Peterson, o psicólogo
canadense e ocasional provocador antiwoke, que estava de visita.
Peterson chegou trajado de paletó de colarinho de veludo cinza com um
colete de veludo cinza combinando. Depois da festa, um pequeno grupo
que incluía Musk, Rogan, Peterson e Grimes foi à casa de Nosek, onde
ficaram conversando até as três da manhã.
Nosek, que nasceu na Polônia, havia sido um libertário dedicado
desde os tempos na Universidade do Illinois, onde teve longas discussões
com Max Levchin. Eles iriam se tornar cofundadores, juntamente com
Musk e o libertário ainda mais ardente Peter Thiel, da PayPal. Nosek
havia estado entre as poucas pessoas que comemoraram na casa de Thiel
a vitória de Trump em 2016.
O grupo de amigos de Musk em Austin também incluía o
cofundador da PayPal Ken Howery, que era embaixador de Trump na
Suécia, e o jovem empreendedor de tecnologia Joe Lonsdale, outro
pupilo de Thiel. Outro amigo dos dias da PayPal era o empreendedor de
São Francisco e investidor de risco David Sacks. As opiniões políticas de
David não eram rigidamente partidárias; ele havia apoiado tanto Mitt
Romney quanto Hillary Clinton. Contudo, desde o tempo de estudante,
preocupava-o o que ele chamou de correção política, e em 1995 ele
escreveu com Thiel o livro The Diversity Myth: Multiculturalism and
Political Intolerance on Campus [O mito da diversidade: multiculturalismo
e intolerância política na universidade], que denunciava, usando a alma
mater deles, Stanford, como exemplo, “o impacto debilitante do
‘multiculturalismo’ politicamente correto sobre o ensino superior e a
liberdade acadêmica”.
Nenhuma dessas pessoas determinava as visões políticas de Musk, e
seria errado pintá-las como influenciadoras sombrias dos bastidores.
Musk era obstinadamente cheio de opiniões, pela própria natureza e por
instinto. Mas elas tendiam a reforçar os sentimentos antiwoke dele.
O salto de Musk para a direita em 2022 desconcertou os amigos
progressistas, entre eles a primeira esposa, Justine, e a então namorada,
Grimes. “A chamada guerra contra a mentalidade woke é uma das coisas
mais idiotas da história”, tuitou Justine naquele ano. Quando ele
começou a enviar memes de direita e teorias da conspiração para
Grimes, ela respondeu: “Isto é do 4chan ou algo do tipo? Você está
começando a soar como alguém da extrema direita.”
Havia uma esquisitice no recém-descoberto fervor antiwoke de
Musk, bem como no ocasional apoio a teorias da conspiração da direita
radical. Elas vinham em ondas, assim como sua personalidade
demoníaca; não era o padrão de Musk. Na maior parte do tempo, ele
alegava ser de centro moderado, muito embora com uma tendência
libertária pela resistência natural a regulamentações e regras. Já havia
feito doações para a campanha de Obama, e certa vez ficou por seis
horas em uma fila para apertar a mão do então futuro presidente em um
evento. “Estou pensando em criar um ‘supercomitê de ação política
(CAP) supermoderado’ que apoia candidatos com visões centristas de
todos os partidos”, tuitou ele certa vez em 2022. E, mais tarde naquele
verão, quando voou para comparecer a um evento de arrecadação de
recursos para o CAP do líder republicano na Câmara, Kevin McCarthy,
inoculou-se com um tuíte para tentar tranquilizar os que achavam que
iria se tornar totalmente pró-Trump: “Para deixar claro, apoio a metade
à esquerda do Partido Republicano e a metade à direita do Partido
Democrata!”
Entretanto, as opiniões políticas de Musk, assim como os humores
dele, eram volúveis. Ao longo de 2022, ele se alternou entre elogios
animados por moderação e reclamações raivosas sobre como a
mentalidade woke e a censura perpetuadas pela elite da mídia eram uma
ameaça existencial à humanidade.
Polytopia
Uma chave para entender Musk — a intensidade, o foco, a
competitividade, as atitudes teimosas e o amor pela estratégia — é a
paixão dele por videogames. Horas de imersão se tornaram a maneira de
ele gastar energia (ou armazená-la) e melhorar as habilidades e o
pensamento estratégico para os negócios.
Aos 13 anos, na África do Sul, depois de aprender sozinho a
programar, Musk desenvolveu um jogo eletrônico chamado Blastar. Ele
descobriu maneiras de hackear jogos de fliperama para jogar de graça,
considerou abrir um fliperama e fez estágio em uma empresa produtora
de jogos. Como estudante de graduação, começou a se concentrar no
gênero conhecido como jogos de estratégia — a princípio com
Civilization e Warcraft: Orcs and Humans —, nos quais os jogadores se
revezam enquanto competem para ganhar uma campanha militar ou
econômica usando estratégias inteligentes, gestão de recursos e
pensamento tático de árvore de decisão.
Em 2021, Musk ficou obcecado com um novo jogo multiplayer de
estratégia no iPhone chamado Polytopia. Nele, os jogadores escolhiam
um entre dezesseis personagens, conhecidos como tribos, e competiam
para desenvolver tecnologias, monopolizar recursos e batalhar de forma
a construir um império. Ele se tornou tão bom que era capaz de vencer o
desenvolvedor sueco do jogo, Felix Ekenstam. O que a paixão pelo jogo
diz sobre ele? “Fui feito para a guerra, basicamente”, respondeu Musk.
Shivon Zilis instalou o app no celular para que eles pudessem jogar
juntos. “Fiquei viciada, e tem tantas lições de vida para aprender, tantas
coisas estranhas sobre você e seus oponentes”, diz. Um dia em Boca
Chica, depois de uma discussão tensa com alguns engenheiros sobre a
necessidade de usar correntes de segurança quando moviam o foguete
auxiliar da Starship, Musk se recolheu para se sentar em um
equipamento no canto do estacionamento e jogou duas intensas partidas
de Polytopia no telefone contra Zilis, que estava em Austin. “Ele
simplesmente acabou comigo nas duas”, conta ela.
Ele também convenceu Grimes a baixar o jogo. “Ele não tem hobbies
ou maneiras de relaxar que não sejam jogos eletrônicos”, diz ela, “e leva
isso tão a sério que acaba sendo muito intenso”. Durante uma partida
em que os dois haviam combinado que formariam uma frente unificada
contra outras tribos, ela o atacou de surpresa com uma bola de fogo. “Foi
uma das nossas maiores brigas”, lembra ela. “Ele interpretou isso como
um ato de profunda traição.” Grimes reclamou, e disse que aquilo era só
um jogo, uma coisa de pouca importância. “É muito importante”,
rebateu Musk. Ele ficou sem falar com Grimes pelo resto do dia.
Em uma visita à fábrica da Tesla em Berlim, ele ficou tão envolvido
em Polytopia que atrasou reuniões com gerentes locais. A mãe dele, que
também viajara, o criticou. “É verdade, eu errei”, admitiu Musk. “Mas é
o melhor jogo que existe.” Durante a viagem de volta em seu avião, ele
jogou a noite toda.
Alguns meses depois, em Cabo San Lucas, aonde fora para a festa de
aniversário de Christiana Musk, Elon passou horas sozinho no quarto
ou no canto jogando. “Por favor, você precisa vir ficar com a gente”,
implorou a cunhada, mas ele se recusou. Kimbal tinha aprendido o jogo
para se aproximar do irmão. “Ele disse que ia me ensinar a ser um CEO
assim como ele”, fala Kimbal. “Chamamos de Lições de Vida do
Polytopia.” Entre elas:

Empatia não é uma vantagem. “Ele sabe que tenho o gene da empatia,
diferentemente dele, e isso me prejudicou nos negócios”, diz Kimbal.
“Polytopia me ensinou como ele pensa quando se tira a empatia.
Quando você joga não há empatia, certo?”

Viva a vida como um jogo. “Tenho essa sensação”, comentou Zilis certa
vez para Musk, “de que, quando você era criança e estava jogando um
desses jogos de estratégia, sua mãe desligou o videogame e você nem
reparou, e continuou vivendo a vida como se fosse aquele jogo”.

Não tenha medo de perder. “Você vai perder”, afirma Musk. “Vai doer
nas primeiras cinquenta vezes. Quando se acostumar a perder, vai
jogar cada partida com menos emoção.” Você será mais ousado,
correrá mais riscos.
Seja proativo. “Sou um pouco pacifista e reativa à moda canadense”,
confessa Zilis. “Meu modo de jogo era 100% reativo ao que todo
mundo estava fazendo, em vez de pensar na minha melhor
estratégia.” Ela percebeu que, como muitas mulheres, isso mostrava a
maneira como ela se comportava no trabalho. Tanto Musk quanto
Mark Juncosa disseram que ela jamais ganharia, a menos que
assumisse o papel de determinar a estratégia.

Otimize cada jogada. Em Polytopia, você tem apenas trinta jogadas, de


modo que precisa otimizar cada uma. “Assim como em Polytopia,
você só tem um número determinado de chances na vida”, diz Musk.
“Se deixar algumas delas passarem, nunca vamos chegar a Marte.”

Dobre a aposta. “Elon joga sempre no limite do que é possível”, afirma


Zilis. “E ele sempre está dobrando a aposta e colocando tudo de volta
no jogo para crescer cada vez mais. Assim como tem agido a vida
toda.”

Escolha as batalhas. Em Polytopia, você pode se ver cercado por seis ou


mais tribos, sendo atacado por todas. Se você tentar atacar todas, vai
perder. Musk nunca dominou totalmente essa lição, e Zilis se viu
orientando-o sobre isso. “Cara, tipo, todo mundo está te atacando
agora, mas se você reagir a tudo vai ficar sem recursos”, falou para ele.
Ela chamou essa abordagem de “minimização de front”. Era uma
lição que ela tentou lhe ensinar sobre o comportamento dele no
Twitter — mas não conseguiu.

Às vezes desligue. “Tive que parar de jogar porque o jogo estava


destruindo o meu casamento”, diz Kimbal. Shivon Zilis apagou
Polytopia do celular. Assim como Grimes. E, por um tempo, Musk
também. “Tive que tirar Polytopia do meu celular porque estava
consumindo muitos ciclos mentais”, relata Musk. “Comecei a sonhar
com Polytopia.” No entanto, a lição sobre desligar era outra, que
Musk nunca dominou. Passados alguns meses, ele tornou a baixar o
jogo no celular e voltou a jogar.
capítulo 70
Ucrânia
2022

Starlink ao resgate
Uma hora antes de iniciar a invasão à Ucrânia, em 24 de fevereiro de
2022, a Rússia lançou um ataque gigantesco de malware para impedir o
funcionamento dos roteadores da empresa norte-americana de satélites
Viasat, que fornecia serviços de comunicação e internet para o país. O
sistema de comando das Forças Armadas ucranianas ficou prejudicado, o
que praticamente impossibilitou a organização de uma defesa. De modo
frenético, altos oficiais ucranianos pediram ajuda a Musk, e o vice-
primeiro-ministro, Mykhailo Fedorov, usou o Twitter para pedir que ele
fornecesse a conectividade. “Pedimos que você forneça estações da
Starlink para a Ucrânia”, escreveu.
Musk aceitou. Dois dias depois, quinhentos terminais chegaram à
Ucrânia. “As Forças Armadas dos Estados Unidos querem ajudar com o
transporte, e o Departamento de Estado ofereceu voos humanitários e
uma pequena compensação”, escreveu Gwynne Shotwell num e-mail a
Musk. “O pessoal está realmente empenhado!”
“Maravilha”, respondeu Musk. “Parece bom.” Ele entrou em uma
chamada por Zoom com o presidente Volodymyr Zelensky, discutiu a
logística de um sistema mais robusto e prometeu visitar a Ucrânia
quando a guerra acabasse.
Lauren Dreyer, diretora de operações corporativas da Starlink na
SpaceX, começou a mandar e-mails com atualizações para Musk duas
vezes por dia. “A Rússia derrubou boa parte da infraestrutura de
comunicações da Ucrânia hoje, e vários kits da Starlink já estão
permitindo que as Forças Armadas ucranianas continuem operando
centros de comando”, escreveu ela em 1o de março. “Esses kits podem
salvar vidas, já que o oponente agora está se concentrando intensamente
em infraestrutura de comunicações. Eles estão pedindo mais.”
No dia seguinte, a SpaceX enviou mais dois terminais pela Polônia.
Dreyer, contudo, disse que não havia eletricidade em algumas áreas, de
modo que muitos dos kits não iriam funcionar. “Vamos oferecer o envio
de kits de energia solar + baterias”, respondeu Musk. “Podemos mandar
Powerwalls da Tesla e Megapacks também.” As baterias e os painéis
solares logo estavam a caminho.
Durante todos os dias daquela semana, Musk fez reuniões regulares
com os engenheiros da Starlink. Ao contrário de todas as outras
empresas e até mesmo de setores das Forças Armadas norte-americanas,
eles conseguiram encontrar modos de derrotar o bloqueio de
comunicações imposto pela Rússia. No domingo, a empresa estava
oferecendo conexão de voz para uma brigada de operações especiais da
Ucrânia. Kits da Starlink também estavam sendo usados para conectar
as Forças Armadas ucranianas com o Comando de Operações Especiais
Conjuntas dos Estados Unidos e retomar as transmissões televisivas no
país. Em questão de dias, mais 6 mil terminais e antenas foram
enviados, e em julho havia 15 mil terminais da Starlink operando na
Ucrânia.
Não demorou para que a Starlink recebesse uma cobertura generosa
na imprensa. “O conflito na Ucrânia ofereceu à novata rede de satélites
de Musk e da SpaceX um teste de fogo que despertou o apetite de
muitas Forças Armadas no Ocidente”, escreveram os repórteres do
Politico depois de fazer um perfil de soldados ucranianos no front que
estavam usando o serviço. “Comandantes ficaram impressionados com a
capacidade da empresa de entregar, em poucos dias, milhares de estações
de satélite do tamanho de uma mochila para o país devastado pela
guerra e de mantê-los conectados à internet, apesar dos ataques cada vez
mais sofisticados de hackers russos.” O The Wall Street Journal também
publicou uma reportagem. “Sem a Starlink estaríamos perdendo a
guerra”, declarou um comandante de pelotão ucraniano ao jornal.
A Starlink contribuiu com metade do custo das antenas e dos serviços
oferecidos. “O que doamos até agora?”, escreveu Musk para Dreyer em
12 de março. Ela respondeu: “Dois mil Starlinks gratuitos e serviço
mensal. Além disso, trezentos outros com desconto significativo para a
associação de TI de Lviv, e demos isenção da taxa mensal de serviço
para aproximadamente 5.500.” Pouco depois, a empresa doou mais 1,6
mil terminais, e Musk estimou a contribuição total em cerca de 80
milhões de dólares.
Outra fonte de financiamento veio de agências governamentais dos
Estados Unidos, da Grã-Bretanha, da Polônia e da República Tcheca.
Também houve contribuições de pessoas físicas. O historiador Niall
Ferguson enviou um e-mail para amigos com o propósito de tentar
arrecadar 5 milhões de dólares para a compra e o transporte de mais 5
mil kits da Starlink. “Se você quiser contribuir, por favor, me informe o
quanto antes”, escreveu. “Eu não tenho como exagerar a importância do
papel que a Starlink tem desempenhado na manutenção das
comunicações do governo ucraniano, impedindo que elas sejam
derrubadas pela Rússia.” Três horas depois, ele recebeu uma resposta de
Marc Benioff, o bilionário cofundador da Salesforce: “Vou doar 1
milhão de dólares. Elon é demais.”

Nenhuma boa ação…


“Podia ter sido um desastre gigantesco”, escreveu Musk para mim. Era
uma noite de sexta-feira de setembro de 2022, e ele tinha entrado no seu
modo crise e drama, dessa vez com razão. Uma questão perigosa e
complicada surgira, e ele acreditava haver “uma possibilidade não
desprezível”, nas palavras dele, de que isso pudesse levar a uma guerra
nuclear, com a Starlink sendo parcialmente responsável. As Forças
Armadas da Ucrânia estavam tentando um ataque furtivo à frota naval
russa baseada em Sebastopol, na Crimeia: enviaram seis pequenos
drones submarinos com cargas explosivas, e estavam usando a Starlink
para guiá-los até os alvos.
Embora Musk tivesse prontamente apoiado a Ucrânia, os instintos
dele com relação à política internacional eram os de alguém realista que
havia estudado a história militar europeia. Ele acreditava que seria
imprudente da parte da Ucrânia lançar um ataque na Crimeia, anexada
pela Rússia em 2014. O embaixador da Rússia havia alertado Musk, em
uma conversa poucas semanas antes, que atacar a Crimeia poderia
equivaler a ultrapassar uma linha capaz de levar a uma resposta nuclear.
Musk me explicou os detalhes da lei e da doutrina russas que
determinavam essa resposta.
Ao longo daquela noite, Musk se encarregou pessoalmente da
situação e concluiu que permitir o uso do Starlink para o ataque seria
um desastre para o mundo. Portanto, ele reafirmou uma política secreta
que havia implementado, da qual os ucranianos não tinham
conhecimento, para desativar a cobertura num raio de cem quilômetros
em volta da costa da Crimeia. Como resultado, quando os drones
submarinos se aproximaram da frota russa em Sebastopol, perderam a
conectividade e foram parar na praia, sem causar danos.
Quando as Forças Armadas ucranianas perceberam, no meio da
missão, que a Starlink estava desabilitada na Crimeia e em seu entorno,
Musk recebeu telefonemas frenéticos e mensagens de texto com pedidos
para que ele ativasse novamente a cobertura. Mykhailo Fedorov, o vice-
primeiro-ministro que antes havia pedido a ajuda dele, compartilhou em
sigilo com ele os detalhes de como os drones submarinos eram cruciais
para a luta pela liberdade. “Nós mesmos construímos os drones
submarinos, eles são capazes de destruir qualquer cruzador ou
submarino”, escreveu Fedorov usando um aplicativo criptografado. “Eu
não compartilhei essa informação com ninguém. Eu só quero que você,
a pessoa que está transformando o mundo por meio da tecnologia, fique
sabendo disso.”
Musk respondeu que o projeto dos drones era impressionante, mas se
recusou a ligar novamente a cobertura em volta da costa da Crimeia, e
argumentou que a Ucrânia “agora está indo longe demais e atraindo uma
derrota estratégica”. Ele discutiu a situação com o assessor de segurança
nacional de Biden, Jake Sullivan, e com o chefe do Estado-Maior
Conjunto, general Mark Milley, e explicou que a SpaceX não desejava
que a Starlink fosse usada em ofensivas militares. Musk também ligou
para o embaixador russo para garantir que a Starlink estava sendo usada
apenas para propósitos defensivos. “Acho que se os ataques da Ucrânia
tivessem conseguido afundar a frota russa, isso teria sido uma espécie de
mini-Pearl Harbor, e levaria a uma grande escalada da guerra”, opina
Musk. “Nós não queríamos fazer parte disso.”

***

A mentalidade de estado de sítio de Musk era muitas vezes apocalíptica.


Tanto nos negócios quanto na política, ele tinha tendência a perceber
ameaças terríveis e de usá-las como motivação. Em 2022, ficou
alarmado, pois achava que havia uma série de acontecimentos
catastróficos por acontecer no cenário internacional. Passou, então, a
acreditar na probabilidade de que pudesse haver, dentro de um ano, um
grande confronto com a China por causa de Taiwan, algo que poderia
arrasar a economia mundial. Musk também estava convencido de que o
prolongamento da guerra na Ucrânia poderia levar a desastres militares e
econômicos.
Musk assumiu para si a tarefa de encontrar uma solução para a guerra
na Ucrânia, e propôs um plano de paz que incluía novos referendos em
Donbass e em outras regiões controladas pela Rússia, aceitar que a
Crimeia era parte da Rússia e garantir que a Ucrânia permanecesse uma
nação “neutra”, sem se filiar à Otan. A proposta causou reações
enfurecidas. “Vá se foder, essa é a resposta mais diplomática que eu
posso te dar”, tuitou o embaixador da Ucrânia na Alemanha. O
presidente Zelensky foi um pouco mais cauteloso. Ele postou uma
enquete no Twitter em que perguntava: “De qual Elon Musk você gosta
mais? Do que apoia a Ucrânia ou do que apoia a Rússia?”
Musk recuou um pouco nos tuítes posteriores. “O custo arcado pela
SpaceX para entregar o Starlink à Ucrânia e dar suporte é de cerca de 80
milhões de dólares até agora”, escreveu em resposta à pergunta de
Zelensky. “Nosso apoio à Rússia é de zero dólar. Obviamente, somos
pró-Ucrânia.” E em seguida acrescentou: “Tentar retomar a Crimeia vai
causar um número gigantesco de mortes, provavelmente não dará certo,
e pode provocar uma guerra nuclear. Isso seria terrível para a Ucrânia e
para o planeta.”
***

No início de outubro, Musk estendeu as restrições do uso da rede da


Starlink para operações ofensivas ao desabilitar parte de sua cobertura
nas regiões do sul e do leste da Ucrânia, controladas pela Rússia. Isso
levou a mais uma enxurrada de ligações e ressaltou o tamanho do papel
que a Starlink vinha desempenhando. Nem a Ucrânia nem os Estados
Unidos tinham sido capazes de encontrar outros provedores de satélites
ou de sistemas de comunicação que pudessem se equiparar ao Starlink,
ou de resistir aos ataques de hackers russos. Sentindo que seu esforço
não estava sendo reconhecido, Musk sugeriu que a SpaceX não
pretendia mais arcar com parte dos custos financeiros.
Shotwell também achava que a SpaceX deveria parar de subsidiar a
operação militar ucraniana. Oferecer ajuda humanitária era uma boa
ideia, mas empresas privadas não deveriam financiar a guerra de um país
estrangeiro. Isso devia ser deixado nas mãos do governo, e é por isso que
os Estados Unidos têm um programa de Vendas Militares para o
Exterior, que oferece uma camada de proteção entre as empresas
privadas e governos de outros países. Outras empresas, incluindo
grandes e lucrativas empresas da área de defesa, estavam cobrando
bilhões para fornecer armas à Ucrânia; sendo assim, não parecia justo
que a Starlink, que ainda não era lucrativa, devesse fazer isso
gratuitamente. “A princípio, oferecemos serviço gratuito para os
ucranianos com fins humanitários e de defesa, como manter os hospitais
e o sistema bancário deles funcionando”, diz ela. “Mas aí eles
começaram a colocar o equipamento naquelas merdas de drones para
tentar explodir navios russos. Fico feliz em doar serviços para
ambulâncias, hospitais e mães. É isso que empresas e pessoas deviam
fazer. Mas é errado pagar por ataques militares com drones.”
Shotwell começou a negociar um contrato com o Pentágono. A
SpaceX continuaria a oferecer serviços gratuitos por mais seis meses para
os terminais que estavam sendo utilizados com propósitos humanitários,
mas deixaria de oferecer serviço gratuito para aqueles usados pelas
Forças Armadas; por esses, o Pentágono deveria pagar. O acordo obtido
determinava que o Pentágono pagaria 145 milhões de dólares à SpaceX
para cobrir o serviço.
Então a história vazou, e gerou uma reação contra Musk na imprensa
e no Twitter. Ele decidiu retirar o pedido de financiamento. A SpaceX
proveria serviços gratuitos indefinidamente para os terminais que já
estavam na Ucrânia. “Dane-se”, tuitou. “Mesmo que a Starlink continue
perdendo dinheiro e outras empresas estejam recebendo bilhões do
dinheiro dos contribuintes, vamos continuar financiando o governo
ucraniano de graça.”
Shotwell achava isso ridículo. “O Pentágono tinha um cheque de 145
milhões de dólares pronto para me entregar, literalmente. Aí o Elon
sucumbiu à besteirada no Twitter e aos haters no Pentágono que
vazaram a história.”
“Nenhuma boa ação passa impune”, tuitou o amigo David Sacks.
“Mesmo assim, devemos praticar boas ações”, respondeu Musk.

***

O vice-primeiro-ministro Fedorov tentou aparar as arestas ao enviar


para Musk mensagens de texto criptografadas com uma torrente de
agradecimentos. “Nem todo mundo entende a contribuição que você
está dando à Ucrânia. Estou convicto de que sem os Starlinks não
conseguiríamos manter as coisas funcionando. Muito obrigado de novo.”
Fedorov disse que entendia a posição de Musk de não permitir o uso
do serviço da Starlink para ataques na Crimeia. No entanto, insistiu que
Musk permitisse à Ucrânia utilizar o serviço para combater no Sul e no
Leste, regiões controladas pela Rússia. Isso levou a uma conversa
criptografada de uma franqueza impressionante.

Fedorov: A exclusão desses territórios é absolutamente injusta. Eu sou


de uma vila chamada Vasylivka, na região de Zaporizhzhia, meus pais e
amigos moram lá. Hoje essa cidadezinha está ocupada por tropas russas
e a situação é de completo caos e ultraje — os moradores esperam
impacientemente para serem libertados… No fim de setembro,
percebemos que a Starlink não funciona nas cidades liberadas, o que
impossibilita a restauração de infraestrutura essencial para esses
territórios. Para nós é uma questão de vida ou morte.
Musk: Se a Rússia estiver plenamente mobilizada, eles vão destruir toda
a infraestrutura em toda a Ucrânia e ir muito além dos territórios atuais.
A Otan terá que intervir para impedir que a Ucrânia inteira caia nas
mãos da Rússia. Nesse ponto, o risco de uma Terceira Guerra Mundial
se torna muito alto.

Fedorov: A mobilização não afeta tanto o curso da guerra quanto a


tecnologia; esta é uma guerra de tecnologia… A mobilização na Rússia
pode levar à queda de Putin. Esta não é uma guerra do povo russo, e eles
não querem ir para a Ucrânia.

Musk: Nada, nada vai impedir a Rússia de tentar manter a Crimeia.


Isso cria um risco catastrófico para o mundo… Busquem a paz enquanto
vocês estão em boas condições de negociar… Vamos discutir isso. [Musk
incluiu o número de seu novo celular particular.] Vou dar meu apoio a
qualquer caminho pragmático para a paz que vise ao bem maior para a
humanidade.

Fedorov: Entendo. Nós vemos as coisas pelos olhos dos ucranianos e


você vê da posição de alguém que quer salvar a humanidade. E não só
quer, como faz mais por isso do que qualquer outra pessoa.

***

Depois dessa conversa com Fedorov, Musk se sentiu frustrado. “Como


eu fui parar nessa guerra?”, perguntou durante uma conversa telefônica
de fim de noite. “A Starlink não foi feita para se envolver em guerras.
Era para que as pessoas pudessem assistir à Netflix, relaxar e usar a
internet para trabalhos escolares e fazer coisas boas e pacíficas, não
ataques de drones.”
No fim, com ajuda de Shotwell, a SpaceX fez acordos com vários
departamentos governamentais para pagar por novos serviços da
Starlink na Ucrânia, com as Forças Armadas definindo os termos do
serviço. Mais de 100 mil novas antenas foram enviadas para a Ucrânia
no início de 2023. Além disso, a Starlink lançou um serviço chamado
Starshield, especificamente projetado para uso militar. A SpaceX vendeu
ou licenciou satélites e serviços Starshield para as Forças Armadas dos
Estados Unidos e outros órgãos do governo, o que permitia ao governo
determinar como eles poderiam — e deveriam — ser usados na Ucrânia
e em outros lugares.
capítulo 71
Bill Gates
2022

Com Gates no Fórum de Boao para a Ásia em Qionghai, na China, em 2015


A visita
“Olha só, eu iria adorar me encontrar com você e falar sobre filantropia e
clima”, disse Bill Gates a Musk quando, por acaso, se depararam um
com o outro em um evento no início de 2022. As vendas das ações de
Musk o haviam levado, por razões fiscais, a investir 5,7 bilhões de
dólares em um fundo de caridade criado por ele. Gates, que na época
gastava a maior parte do tempo fazendo filantropia, gostaria de dar
muitas sugestões.
Eles tinham se encontrado antes, e a interação fora amistosa, incluída
a ocasião em que Bill Gates levou o filho Rory à SpaceX. Musk, que
sempre gostou mais do sistema operacional da Microsoft do que a
maioria dos tecnólogos, se identificava com um sujeito que havia criado
uma empresa com uma atitude intensa e incansável. Eles concordaram
em marcar uma visita, e Gates, que tem uma equipe de assistentes e
pessoas responsáveis por sua agenda, disse que ia incumbir seu escritório
de ligar para a pessoa que cuida da agenda de Musk.
“Não tenho ninguém cuidando da minha agenda”, respondeu Musk.
Ele tinha decidido se livrar de seu assistente pessoal por querer controle
completo do próprio calendário. “Peça à sua secretária que ligue
diretamente para mim.” Gates, que considerou “bizarro” o fato de Musk
não ter alguém para cuidar da agenda, achou estranho que seus
assistentes ligassem para Musk, de modo que ligou pessoalmente e
marcou uma hora em que os dois pudessem se encontrar em Austin.
“Acabei de pousar”, disse Gates por mensagem de texto na tarde de 9
de março de 2022.
“Boa”, respondeu Musk, que mandou Omead Afshar se dirigir à
entrada da gigafábrica para recebê-lo.

***

Com relação ao seleto grupo daqueles que já receberam o título de


pessoa mais rica do mundo, Musk e Gates apresentam algumas
semelhanças. Os dois têm mentes analíticas, uma capacidade de
concentração imensa e uma confiança intelectual que beira a arrogância.
Nenhum dos dois tem paciência com gente tola. Todas essas
características tornavam provável que eles entrassem em rota de colisão,
o que aconteceu a partir do momento em que Musk começou a fazer um
passeio guiado pela fábrica.
Gates afirmou que baterias nunca seriam capazes de prover energia
para grandes carretas, e também que a energia solar não teria um papel
importante para resolver o problema do clima. “Mostrei os números a
ele”, diz Gates. “Trata-se de uma área em que eu claramente sabia algo
que ele não sabia.” Gates também jogou duro com Musk sobre Marte.
“Não me empolgo com Marte”, me disse Gates depois. “Ele está
superentusiasmado com Marte. Deixei que ele explicasse a sua opinião
sobre isso, e é uma coisa meio estranha. É uma coisa maluca que talvez
ocorra uma guerra nuclear na Terra, e aí o pessoal em Marte está lá e vai
voltar para cá e, sabe, sobreviver depois que a gente se matar.”
Apesar disso, Gates se impressionou com a fábrica que Musk tinha
construído e com o conhecimento minucioso que ele mostrara ter de
cada máquina e do processo. Ele também admirava a SpaceX por ela ter
lançado uma grande constelação de satélites da Starlink para oferecer
internet a partir do espaço. “A Starlink é a realização de algo que eu
tentei com a Teledesic vinte anos atrás”, afirma Gates.
No fim da visita guiada, a conversa passou para a filantropia. Musk
expressou seu ponto de vista de que a maior parte do trabalho de
filantropia era “bobagem”. Ele estimava que cada dólar tinha um
impacto de apenas 20 centavos, e que podia fazer muito mais pela
mudança climática investindo na Tesla.
“Olha só, vou mostrar para você cinco projetos, cada um de 100
milhões”, respondeu Gates. Ele listou dinheiro para refugiados, escolas
norte-americanas, uma cura para a aids, erradicação de tipos de
mosquito por meio da genética e sementes geneticamente modificadas
que resistirão aos efeitos da mudança climática. Gates é muito diligente
quando se trata de filantropia, e prometeu escrever para Musk e enviar
uma “descrição extensa das ideias”.

***
Havia uma questão controversa que eles precisavam abordar. Gates
vendera ações da Tesla a descoberto, apostando alto que elas iam
desvalorizar. Ele estava errado. Quando chegou a Austin, tinha perdido
1,5 bilhão de dólares. Musk ficara sabendo disso e estava furioso.
Pessoas que apostam na baixa das ações estavam nos círculos centrais do
inferno de Musk. Gates disse que lamentava o fato, mas isso não
aplacou Musk. “Eu pedi desculpa”, relatou Gates. “Quando ficou
sabendo que eu tinha feito venda a descoberto, ele foi supergrosseiro
comigo, mas ele é supergrosseiro com muita gente, então não dá para
levar muito para o lado pessoal.”
A disputa era reflexo de mentalidades diferentes. Quando perguntei a
Gates por que ele havia apostado na baixa da Tesla, ele explicou que
tinha calculado que a oferta de carros elétricos seria maior do que a
demanda, o que levaria os preços a cair. Assenti com a cabeça, mas
insisti na mesma pergunta: por que ele tinha vendido as ações a
descoberto? Gates me olhou como se eu não tivesse entendido o que ele
tinha acabado de explicar e respondeu como se a resposta fosse óbvia: ele
achou que ao vender as ações da Tesla a descoberto podia ganhar
dinheiro.
Esse modo de pensar não fazia sentido para Musk. Ele acreditava na
missão de levar o mundo a passar a usar carros elétricos, e investiu todo
o dinheiro de que dispunha nesse objetivo, ainda que não parecesse um
investimento seguro. “Como alguém pode dizer que é apaixonado pela
luta contra as mudanças climáticas e aí fazer algo que reduzia o
investimento total na empresa que mais estava fazendo algo nessa
direção?”, me perguntou Musk poucos dias depois da visita de Gates. “É
pura hipocrisia. Por que ganhar dinheiro com o fracasso de uma
empresa automotiva de energia sustentável?”
Grimes acrescentou a interpretação dela: “Acho que é meio que uma
competição para ver quem tem o pinto maior.”

***

Gates retomou a conversa em meados de abril, e enviou para Musk o


documento que havia prometido sobre filantropia com opções que ele
havia escrito pessoalmente. Musk respondeu por texto com uma única
pergunta: “Você continua apostando meio bilhão de dólares contra a
Tesla?”
Gates estava sentado no salão de jantar do hotel Four Seasons em
Washington, D.C., com o filho Rory, que estava começando a pós-
graduação. Ele riu, mostrou a mensagem para Rory e pediu um conselho
sobre como responder.
“Diga que sim e depois mude de assunto rápido”, sugeriu Rory.
Gates tentou essa abordagem. “Lamento dizer que isso ainda não foi
resolvido”, respondeu ele. “Eu queria discutir possibilidades de
filantropia.”
Não funcionou. “Lamento”, respondeu Musk imediatamente. “Não
posso levar a sério a sua filantropia sobre clima se você está apostando
tão alto assim contra a Tesla, a empresa que mais trabalha para resolver a
questão climática.”
Quando irritado, Musk pode ser brutal, especialmente no Twitter.
Ele tuitou uma foto de Gates com uma camisa polo que realçava uma
barriga saliente que quase dava a impressão de que ele estava grávido.
“Caso você precise acabar rapidinho com uma ereção”, dizia o
comentário de Musk.
Gates estava de fato intrigado com o motivo que levou Musk a ficar
incomodado por ele vender as ações a descoberto. E Musk estava
igualmente intrigado por Gates achar isso intrigante. “A essa altura,
estou convencido de que ele é categoricamente louco (e um cretino de
verdade)”, me escreveu Musk depois da conversa que tivera com Gates.
“Eu realmente queria gostar dele (suspiros).”
De sua parte, Gates foi bem mais gracioso. Ainda naquele ano, ele
compareceu a um jantar em Washington no qual as pessoas estavam
criticando Musk. “Vocês podem achar o que quiserem sobre o
comportamento do Elon”, disse Gates, “mas não existe ninguém em
nossa época que tenha feito mais do que ele para ampliar as fronteiras da
ciência e da inovação”.

Filantropia
Musk demonstrou pouco interesse por filantropia ao longo dos anos,
pois tinha a impressão de que poderia fazer mais bem à humanidade
mantendo dinheiro investido nas empresas dele que trabalhavam em
prol da energia sustentável, da exploração espacial e da segurança da
inteligência artificial.
Poucos dias depois de Bill Gates visitá-lo com sugestões de
filantropia, Musk se sentou a uma mesa no mezanino que dava vista
para as linhas de montagem da nova gigafábrica da Tesla, no Texas, com
Birchall e quatro conselheiros de planejamento patrimonial. Embora
não tivesse sido convencido por Gates a mergulhar na filantropia, ele
queria ideias para financiar algo que fosse mais operacional do que uma
fundação tradicional.
A opção proposta por Birchall era criar uma holding sem fins
lucrativos, que é mais ou menos uma empresa que orienta e financia
múltiplas organizações sem fins lucrativos que estão sob a proteção dela
própria. Como Birchall explicou, a estrutura seria similar à do Howard
Hughes Medical Institute. “Vamos fazer isso aos poucos”, me disse
Birchall, “mas em última instância isso pode se tornar algo bem grande,
quem sabe, um verdadeiro instituto de ensino superior”.
Embora o conceito tivesse agradado a Musk, ele não estava pronto
para se comprometer. “Tenho muita coisa em que pensar agora”, disse
ele ao sair da mesa.
Verdade, ele tinha mesmo. Naquele dia, 6 de abril de 2022, estava se
preparando para a abertura da Giga Texas, e passou a manhã numa
intensa caminhada de inspeção na linha de montagem do Model Y e
aprovando os detalhes da festa que estava sendo planejada, batizada de
Giga Rodeio. Também era o dia da conversa remota com autoridades da
Casa Branca sobre comércio internacional, China e subsídios para
baterias. E ainda havia a questão que estava ocupando mais espaço na
cabeça de Musk, uma oferta que havia acabado de aceitar, mas sobre a
qual tinha dúvidas: entrar para o conselho de uma empresa cujas ações
ele vinha acumulando em segredo desde janeiro.
capítulo 72
Investidor ativo
Twitter, janeiro a abril de 2022

Parag Agrawal, e Jack Dorsey


Antes da tempestade
Em abril de 2022, as coisas estavam indo surpreendentemente bem para
Musk. As vendas da Tesla tinham aumentado 71% nos doze meses
anteriores, sem que se tivesse gastado um único centavo em anúncios.
As ações multiplicaram seu valor por quinze num período de cinco anos,
e agora a empresa valia mais do que a soma das outras nove companhias
automotivas que vinham abaixo dela. O jogo pesado que Musk fazia
com os fornecedores de microchips resultou no fato de que a Tesla, ao
contrário de outras empresas do ramo, havia sobrevivido aos
deslocamentos da cadeia de fornecimento causado pela pandemia, o que
permitiu que a empresa batesse um recorde de vendas no primeiro
trimestre de 2022.
Já a SpaceX, no primeiro trimestre de 2022, havia lançado em órbita
uma massa duas vezes maior do que a de todas as outras empresas e
todos os países somados. Em abril, a empresa enviou sua quarta missão
tripulada para a Estação Espacial Internacional e transportou três
astronautas para a NASA (que ainda não conseguia fazer lançamentos
próprios) e um para a Agência Espacial Europeia. A empresa também
tinha colocado em órbita naquele mês mais uma carga de satélites de
comunicação Starlink, o que elevou para 2.100 a constelação da SpaceX
que estava fornecendo conexão de internet para 500 mil assinantes em
quarenta países, a Ucrânia entre eles. Nenhuma outra empresa, ou país,
tinha sido capaz de aterrissar foguetes orbitais em segurança e reutilizá-
los. “A coisa mais esquisita é que o Falcon 9 continua sendo o único
foguete orbital a pousar ou voltar a voar depois de todos esses anos!”
O resultado foi que o valor das quatro empresas que ele fundou e
construiu mostrava:

Tesla: 1 trilhão de dólares


SpaceX: 100 bilhões de dólares
The Boring Company: 5,6 bilhões de dólares
Neuralink: 1 bilhão de dólares
Prometia ser um ano glorioso, caso Musk conseguisse deixar as coisas
quietas. No entanto, isso não era da natureza dele.
Shivon Zilis percebeu que no início de abril ele estava com a
comichão de um jogador de videogame que tinha vencido o jogo, mas
era incapaz de desligar. “Você não precisa estar em estado de guerra o
tempo todo”, disse ela para Musk naquele mês. “Ou será que você se
sente mais tranquilo quando está em períodos de guerra?”
“Faz parte da minha configuração”, respondeu ele.
“Era como se ele estivesse vencendo a simulação e agora sentisse falta
do que fazer”, opina Zilis. “Períodos prolongados de calmaria são
irritantes para ele.”
Durante uma conversa naquele mês sobre os marcos que as empresas
dele haviam atingido, Musk me explicou por que achava que a Tesla
estava a caminho de se tornar a empresa mais valiosa do mundo, capaz
de ter lucros anuais de 1 trilhão de dólares. No entanto, o tom de voz
dele não demonstrava nenhum toque de celebração, nem mesmo de
satisfação. “Acho que eu sempre quis colocar minhas fichas de volta na
mesa, ou jogar a próxima fase do jogo”, admitiu ele. “Não sou bom em
ficar parado.”
Geralmente, em momentos de sucesso irritante como esse, Musk
fabrica um drama. Ele dá início a um surto de trabalho, manda os caças
decolarem, anuncia um prazo irrealista e desnecessário. O Dia da
Autonomia, a montagem da Starship, as instalações de telhados solares,
o inferno da produção automotiva... Ele soa o alarme e dá início a uma
simulação de incêndio. “Normalmente, ele vai para uma de suas
empresas e encontra alguma coisa para transformar em crise”, diz
Kimbal. Dessa vez, porém, Musk não fez isso. Ele decidiu, sem pensar
direito no assunto, que iria comprar o Twitter.

Lança-chamas de dedos
O período de calma irritante para Musk no início de 2022 coincidiu,
fatidicamente, com um momento em que ele se viu de súbito com muito
dinheiro no bolso. As vendas de ações tinham lhe rendido mais ou
menos 10 bilhões de dólares. “Eu não queria deixar aquilo parado no
banco”, fala ele, “então, me perguntei de qual produto eu gostava, e a
resposta era fácil: o Twitter”. Em janeiro, Musk pediu em segredo a seu
gerente pessoal, Jared Birchall, que começasse a comprar ações.
O Twitter é um parque de diversões ideal — quase ideal demais —
para Musk. A plataforma recompensa atores impulsivos, irreverentes e
que não têm filtro, uma espécie de lança-chamas de dedos. Tem vários
dos atributos de um pátio de escola, o que inclui provocações e bullying.
No caso do Twitter, entretanto, os garotos espertos conquistam
seguidores, em vez de serem empurrados dos degraus de concreto. E se
você for o mais rico e mais esperto de todos, pode inclusive decidir, ao
contrário do que acontecia na infância, ser o rei do pátio da escola.
Musk usou o Twitter pela primeira vez logo depois do lançamento da
rede, em 2006, mas abandonou a conta depois de se “entediar com tuítes
sobre qual tipo de latte alguém tomou no Starbucks”. O amigo Bill Lee
o convenceu a voltar para ter um método de comunicação sem filtros
com o público, e ele abriu a torneira em dezembro de 2011. Entre os
primeiros tuítes de Musk estavam uma foto tirada em uma festa de
Natal em que ele usava uma peruca de cabelos arrepiados e fingia ser Art
Garfunkel e outra que se tornou o início de uma amizade estressante.
“Kanye West me ligou do nada hoje e despejou suas ideias em mim,
desde sapatos até Moisés”, escreveu Musk. “Ele foi educado, mas difícil
de entender.”
Ao longo da década seguinte, Musk escreveu 1.900 tuítes. “Meus
tuítes às vezes são como as cataratas do Niágara, e vêm rápido demais”,
diz. “Basta mergulhar um copo ali e tentar evitar alguma bosta
aleatória.” Os tuítes dele em 2018 sobre “pedofilia” e “financiamento
garantido” mostraram que o Twitter podia ser perigoso em seus dedos
inquietos, especialmente no fim de noites agitadas movidas a Red Bull e
Zolpidem. Quando perguntam por que ele não se contém, Musk admite
com alegria que muitas vezes “dá tiros no próprio pé” ou “cava a própria
cova”. Contudo, ele afirma que a vida precisa ser interessante e arriscada,
e depois cita sua frase predileta do filme Gladiador, de 2000: “Vocês
estão se divertindo? Não é para isso que vocês estão aqui?”
No início de 2022, um novo ingrediente havia sido acrescentado a
esse caldeirão inflamável: a preocupação crescente com os perigos do
“vírus da mentalidade woke”, que ele acreditava estar infectando os
Estados Unidos. Musk desdenhava de Donald Trump, mas achava
absurdo banir permanentemente um ex-presidente, e se irritou cada vez
mais com as queixas das pessoas de direita que estavam sendo tiradas do
Twitter. “Ele viu a direção que o Twitter estava tomando, que era a de
censurar quem estava na ponta errada do espectro”, diz Birchall.
Os amigos libertários de Musk da área de tecnologia incentivavam a
ideia. Quando Musk sugeriu, em março, que o Twitter devia tornar
públicos os algoritmos usados para impulsionar ou limitar conteúdos,
seu jovem amigo Joe Lonsdale manifestou apoio. “Nossa praça pública
não pode ter censura arbitrária e regras pouco claras”, escreveu.
“Amanhã vou falar com mais de cem congressistas em um retiro do
Partido Republicano sobre políticas públicas, e essa é uma das ideias que
vou defender.”
“Com certeza”, respondeu Musk. “O que nós temos hoje é corrupção
oculta!”
Joe Rogan, amigo deles de Austin, também palpitou. “Você vai
libertar o Twitter do pessoal que adora uma censura?”, escreveu para
Musk.
“Vou aconselhar, e eles podem ou não decidir seguir meus conselhos”,
respondeu Musk.
Na visão dele, quanto mais liberdade de expressão, melhor para a
democracia. Em certo momento de março, Musk fez uma enquete no
Twitter: “A liberdade de expressão é essencial para uma democracia
funcional. Você acredita que o Twitter adere rigorosamente a esse
princípio?” Quando mais de 70% das pessoas disseram que não, Musk
fez outra pergunta: “Será que precisamos de uma nova plataforma?”
Cofundador do Twitter, Jack Dorsey, que na época ainda estava no
conselho da empresa, respondeu em privado para Musk: “Sim.”
Musk lhe escreveu: “Gostaria de ajudar, se puder.”

Assento no conselho
Naquele momento, Musk estava pensando se devia ou não fundar outra
plataforma. Contudo, no fim de março, ele tinha conversado em
particular com alguns membros do conselho do Twitter, que o incitaram
a se envolver mais com a empresa. Certa noite, logo depois de encerrar a
reunião das nove horas com o pessoal do Autopilot da Tesla, ele ligou
para Parag Agrawal, o engenheiro de software que tinha assumido o
lugar de Dorsey como CEO. Os dois decidiram jantar em sigilo em 31
de março, junto com o presidente do conselho do Twitter, Bret Taylor.
A equipe do Twitter conseguiu que eles usassem a sede de uma
fazenda alugada no Airbnb perto do aeroporto de San Jose. Quando
Taylor chegou, mandou uma mensagem avisando Musk. “Este é o lugar
mais esquisito em que eu fiz uma reunião nos últimos tempos”,
comentou. “Tem tratores e mulas.”
Musk respondeu: “Vai ver o algoritmo do Airbnb acha que você adora
tratores e mulas (quem não ama?).”
Na reunião, Musk gostou de Agrawal. “É um cara bacana”, diz ele.
Entretanto, esse era o problema. Se você perguntar a Musk quais são as
características necessárias para um CEO, ele não incluiria “ser um cara
bacana”. Uma das máximas que ele adota é que gestores não devem
querer que os funcionários gostem dele. “O que o Twitter precisa é de
um dragão que cuspa fogo”, afirmou depois daquela reunião, “e o Parag
não é assim”.
Dragão cuspidor de fogo. Essa é uma descrição concisa de Musk.
Mas ele ainda não tinha pensado em assumir o Twitter. Na reunião,
Agrawal disse que Dorsey havia proposto fazia algum tempo que Musk
entrasse para o conselho. Agrawal pediu que Musk aceitasse.
Musk estava na Alemanha quando, dois dias depois, o conselho do
Twitter mandou uma oferta inicial para que ele participasse. E, para
surpresa de Musk, não era um acordo amistoso. O acordo se baseava em
outro que o Twitter havia utilizado dois anos antes, quando concordou
em colocar dois investidores ativistas hostis no conselho. O documento
tinha sete páginas e incluía cláusulas que o impedia de dar declarações
públicas (e presumivelmente tuítes) em que criticasse a empresa. Do
ponto de vista do conselho do Twitter, isso era compreensível. A história
demonstrou, e o futuro faria a mesma coisa, o estrago que Musk podia
fazer quando não era obrigado a deixar seu lança-chamas no coldre. A
batalha travada com a Comissão de Valores Mobiliários também havia
demonstrado como era difícil impor a ele esse tipo de restrição.
Musk mandou Birchall rejeitar o acordo. Era “a ironia máxima”, disse
ele, que uma companhia que supostamente deveria ser “a praça pública”
tentasse restringir a liberdade de expressão dele. Em questão de horas, o
conselho do Twitter recuou. Eles enviaram um acordo revisado, bastante
amistoso, que tinha apenas três parágrafos. A única grande restrição era
que ele não poderia comprar mais do que 14,9% das ações do Twitter.
“Bem, se eles vão estender o tapete vermelho, eu aceito”, disse ele para
Birchall.
Depois que Musk revelou à Comissão de Valores Mobiliários
tardiamente que era dono de cerca de 9% das ações do Twitter, ele e
Agrawal trocaram tuítes celebratórios. “Estou feliz de contar que
estamos indicando @elonmusk para nosso conselho!” Agrawal fez seu
post no início da manhã de 5 de abril. “Ele é ao mesmo tempo um fã e
um intenso crítico do serviço, e é exatamente disso que nós precisamos.”
Musk respondeu sete minutos depois com um tuíte cuidadosamente
planejado. “Muito feliz de trabalhar com Parag e com o conselho do
Twitter para fazer melhorias significativas na rede nos próximos meses!”
Por alguns dias, parecia que haveria paz no vale. Musk gostava do
fato de Agrawal ser engenheiro, e não um típico CEO. “Eu interajo
muito melhor com engenheiros capazes de fazer programação pesada do
que com o típico gestor de programa/MBA”, escreveu ele. “Adoro nossas
conversas!”
“Na nossa próxima conversa me trate como engenheiro, não como
CEO, e vamos ver aonde isso vai dar”, respondeu Agrawal.

Brainstorming
Luke Nosek e Ken Howery, amigo íntimo de Musk e um dos
cofundadores da PayPal, estava andando de um lado para outro no
mezanino da Giga Texas na tarde de 6 de abril, esperando que ele
encerrasse uma discussão sobre filantropia com Birchall e depois, um
telefonema com as autoridades do governo Biden sobre as tarifas
chinesas. Musk estava morando na casa de Howery, e também chegou a
ficar na casa de Nosek. “Meus dois senhorios!”, declarou quando
finalmente terminou e começou a andar pela fábrica.
Era o dia seguinte ao anúncio de que ele ia entrar para o conselho do
Twitter, e Nosek e Howery estavam céticos quanto à decisão. “Parece
uma receita para dar encrenca”, admitiu Musk alegremente enquanto se
sentava à mesa de reuniões, de onde se viam as linhas de montagem da
Tesla. “Eu estava com um monte de dinheiro parado!” Howery e Nosek
deram uma risadinha, e esperaram que ele falasse mais. “Acho que é
importante haver um fórum em que as pessoas confiem, ou pelo menos
que não seja muito desacreditado”, acrescentou. Ele reclamou que os
membros do conselho do Twitter tinham pouco envolvimento pessoal
no serviço, fosse como acionistas, fosse como usuários. “Parag é um cara
da tecnologia e tem uma ideia razoável do que está acontecendo, mas é
óbvio que os loucos estão comandando o hospício.”
Musk repetiu sua visão simplória de que seria bom para a democracia
que o Twitter parasse de restringir o que os usuários podiam dizer. “O
Twitter tem que ir mais na direção da liberdade de expressão, pelo
menos pela definição legal”, disse ele. “Neste momento, o Twitter
reprime a liberdade de expressão muito mais do que a lei exige.”
Embora compartilhasse a visão libertária de Musk sobre liberdade de
expressão, Howery expressou pensamentos sofisticados na forma de
perguntas educadas. “Será que devia ser como um sistema de telefonia,
no qual as palavras que entram de um lado saem exatamente iguais do
outro lado?”, perguntou ele. “Ou você acha que é mais uma espécie de
sistema que está governando o discurso no mundo, e talvez deva haver
alguma inteligência no algoritmo que priorize ou tire prioridade das
coisas?”
“É verdade, é uma questão espinhosa”, respondeu Musk. “Existe a
capacidade de dizer algo, e também existe a questão de até que ponto ela
é promovida ou rebaixada ou amplificada.” Talvez a fórmula para
promover tuítes devesse ser mais aberta. “Podia ser um algoritmo de
código aberto publicado no GitHub para que as pessoas pudessem ver.”
Era uma ideia que agradava aos conservadores, que tinham a impressão
de que havia um viés progressista secretamente embutido no algoritmo,
mas não resolvia a questão sobre ser dever do Twitter ou não tentar
impedir a disseminação de conteúdo perigoso, falso ou danoso.
Musk jogou no ar algumas outras ideias. “E se a gente cobrasse das
pessoas uma pequena quantia, tipo 2 dólares por mês, para receber a
verificação?”, perguntou. Essa se tornaria uma das ideias principais dele
para o Twitter: fazer com que as pessoas se inscrevessem por meio do
uso do cartão de crédito e do número do celular seria uma forma de
verificar e autenticar a identidade de cada uma delas. O algoritmo
poderia favorecer esses usuários, que provavelmente teriam risco menor
de participar de farsas, bullying e disseminação de informações que eles
soubessem ser falsas. Isso talvez reduzisse a velocidade com que qualquer
discussão descambava para alguém comparando o outro a nazistas.
Ele afirmou, ainda, que obter o cartão de crédito do usuário traria
uma vantagem adicional: facilitaria a transformação do Twitter em uma
plataforma de pagamentos por meio da qual as pessoas pudessem enviar
dinheiro, dar gorjetas e pagar para ler reportagens, ouvir música e assistir
a vídeos. Como Howery e Nosek tinham estado com Musk na PayPal,
eles gostaram da ideia. “Isso podia realizar minha visão original para a
X.com e a PayPal”, disse Musk com uma risada feliz. Desde o começo,
ele via o potencial para que o Twitter se tornasse aquilo que ele tinha
visualizado para a X.com: uma rede social que permitisse transações
financeiras.
A conversa continuou enquanto eles jantavam no Pershing, um clube
elegante porém despretensioso em Austin, onde Nosek havia feito
reservas no andar superior. Também se encontravam lá Griffin e Saxon;
Chris Anderson, do TED, que estava na cidade com o propósito de
gravar uma entrevista para a próxima conferência que faria; Maye, que
tinha acabado de chegar de Praga, onde havia aparecido na Vogue; e,
mais tarde, Grimes.
Griffin e Saxon admitiram usar o Twitter raramente, mas Maye disse
que usava sempre, o que talvez devesse ter servido como um alerta sobre
a demografia dos usuários do serviço. “Talvez eu passe tempo demais no
Twitter”, disse Elon. “É um bom lugar para você cavar a própria cova.
Você já está enterrado até o ombro e continua cavando.”
Giga Rodeio
A grandiosa abertura da fábrica Giga Texas estava marcada para a noite
seguinte, 7 de abril. Omead Afshar tinha planejado aquilo que ele
apelidou de Giga Rodeio, com 15 mil convidados. Em vez de
supervisionar os preparativos e ensaiar sua parte no show, Musk voou até
Colorado Springs para uma visita de três horas à Academia da Força
Aérea dos Estados Unidos, onde ele tinha aceitado fazer uma palestra.
Foi uma pausa bem-vinda. Enquanto estava ocupado com outra coisa,
ele podia processar seus pensamentos sobre o Twitter.
Musk incitou os cadetes a não se tornarem presas da mentalidade
cautelosa da burocracia que ele acreditava estar prejudicando o
andamento dos programas governamentais. “Se nós não estivermos
explodindo motores, não estamos nos empenhando o bastante”, disse.
Ele parecia não estar com pressa, apesar de tudo que estava acontecendo.
Depois da palestra, Musk se encontrou com um pequeno grupo de
alunos para discutir a pesquisa deles sobre inteligência artificial e o
desenvolvimento de drones autônomos.
Quando voltou, no fim da tarde, a Giga Texas tinha sido
transformada. A área de estacionamento estava decorada com
instalações de arte como as que havia no Burning Man, fliperamas,
coretos, um touro mecânico, um pato de borracha gigante e duas
bobinas gigantes da Tesla. Do lado de dentro, partes da fábrica tinham
sido decoradas para parecer uma boate. Kimbal ajudou a montar o show
de drones, que contava com imagens de Nikola Tesla, do cachorro
mascote Dogecoin e de um Cybertruck no céu noturno. Entre as
celebridades convidadas estavam Harrison Ford, Spike Lee e o artista
Beeple, que tinha criado uma instalação.
Musk subiu no palco ao som de uma música altíssima de Dr. Dre,
dirigindo o Tesla Roadster preto que fora o primeiro carro produzido na
história da empresa. Ele citou muitas estatísticas referentes à
enormidade de uma fábrica de mais de 900 mil metros quadrados, e
depois colocou isso em perspectiva ao dizer que ali dentro caberiam 194
bilhões de hamsters. Depois de listar muitos marcos atingidos pela
Tesla, enfatizou o que, segundo ele, seria o objetivo final: “A Direção
Totalmente Autônoma”, prometeu, “vai revolucionar o mundo”.
A inauguração da Giga Texas deveria ser um momento de triunfo.
Musk tinha aberto o caminho para uma era de veículos elétricos, e então
mostrava que a indústria podia prosperar nos Estados Unidos. Contudo,
o burburinho na festa de abertura da fábrica e na festa que se seguiu não
tinha a ver com os milagres da indústria. Especialmente entre os amigos
íntimos de Musk e sua família — Kimbal, Antonio, Luke, e até mesmo
Maye —, a conversa era sobre o Twitter. Por que ele estava se atirando
nesse pântano infestado de cobras? Seria essa a Batalha de Wilderness
dele? Deveríamos tentar convencê-lo a sair disso?
capítulo 73
“Fiz uma oferta”
Twitter, abril de 2022

Pausa
No dia seguinte ao Giga Rodeio, sexta-feira, 8 de abril de 2022, Musk
se encontrou com Kimbal para um brunch. Ele estava frustrado com as
conversas que tivera com os membros do conselho do Twitter. “Eles são
simpáticos, mas nenhum deles usa o Twitter”, afirmou. “Acho que não
vai acontecer nada.”
Kimbal não foi muito encorajador: “Cara, você nunca participou de
um conselho, então você não tem ideia de quanto isso vai te sugar”,
disse. “Você diz o que pensa, aí as pessoas sorriem e fazem que sim com
a cabeça e te ignoram.”
Kimbal achava que seria melhor para o irmão fundar sua própria
plataforma de mídias sociais baseada em blockchain. Elon especulou que
talvez desse até para incluir um sistema de pagamento com a utilização
de Dogecoin. Depois do brunch, ele mandou mensagens para Kimbal
imaginando um “sistema de mídia social de blockchain que faz
pagamentos e publica mensagens curtas de texto como o Twitter”.
Como não teria um servidor central, “não haveria garganta para
engasgar, e a liberdade de expressão estaria garantida”.
Elon disse, ainda, que a outra opção era comprar o Twitter, em vez de
simplesmente entrar para o conselho. “Passei a acreditar que o Twitter
estava indo na direção do precipício, e que eu não teria como salvar a
empresa apenas participando do conselho”, afirma. “Então pensei:
Talvez eu devesse comprar o Twitter, fechar o capital e consertar tudo.”
Ele já tinha aceitado, tanto por mensagem de texto quanto num tuíte
público, o convite amigável para fazer parte do conselho do Twitter.
Mas, depois do brunch com Kimbal, telefonou para Birchall e disse a ele
que não concluísse nada, pois ainda precisava pensar.

Havaí
Naquela noite, Musk voou até a ilha de Larry Ellison no Havaí, Lanai.
O fundador da Oracle construíra para si mesmo um pacato condomínio
numa colina no centro da ilha, e cedeu a Musk sua antiga casa perto da
praia. Musk tinha planejado a viagem como um encontro tranquilo com
uma das mulheres com quem ele saía de vez em quando, a atriz
australiana Natasha Basset. Mas, em vez de ser um período sossegado de
miniférias, Musk passou a maior parte daqueles quatro dias pensando no
que fazer com o Twitter.
Na primeira noite, quase não dormiu, remoendo os problemas da
empresa. Quando olhou para uma lista com as pessoas com mais
seguidores, como Barack Obama, Justin Bieber e Katy Perry, Musk
percebeu que essas contas já não estavam ativas. Então, às 3h32 da
manhã, pelo fuso do Havaí, ele postou um tuíte: “A maioria dessas
contas com mais seguidores tuíta raramente e posta pouquíssimo
conteúdo. Será que o Twitter está morrendo?”
Em São Francisco, onde estava o CEO do Twitter, Agrawal, eram
seis e meia da manhã. Cerca de noventa minutos depois, ele mandou
uma mensagem para Musk: “Você tem liberdade para tuitar ‘Será que o
Twitter está morrendo?’ ou qualquer outra coisa que queira, mas é
minha responsabilidade dizer que isso não me ajuda a melhorar o
Twitter no contexto atual.” Era uma mensagem contida, escrita com
cuidado para evitar insinuar que Musk não tinha mais o direito de falar
mal da empresa. Agrawal acrescentou que eles deveriam tratar em breve
de como evitar “distrações” que estavam “prejudicando nossa capacidade
de fazer as coisas”.
Quando Musk recebeu a mensagem, eram pouco mais de cinco da
manhã no Havaí, mas ele continuava alerta, talvez alerta demais para
aquela hora e aquela situação. Um minuto depois, enviou uma resposta
contundente: “O que você conseguiu realizar nesta semana?” Era a típica
tentativa de Musk de humilhar as pessoas.
Depois, enviou uma fatídica série de três frases: “Não vou participar
do conselho. É uma perda de tempo. Vou fazer uma oferta para fechar o
capital do Twitter.”
Agrawal ficou chocado. Eles já tinham anunciado que Musk iria
participar do conselho. Não houve indícios de que em vez disso ele
tentaria uma aquisição hostil. “Podemos conversar?”, perguntou ele,
queixoso.
Três minutos depois, Bret Taylor, presidente do conselho do Twitter,
enviou uma mensagem para Musk com um pedido semelhante para
conversar. A manhã de sábado deles não estava começando bem.
Justo naquele momento, em meio ao diálogo dele com Taylor e
Agrawal, Elon recebeu uma resposta de Kimbal para as mensagens que
ele tinha mandado mais cedo sobre a possibilidade de criar uma rede
social baseada em blockchain. “Adoraria saber mais”, disse Kimbal. “Fucei
bastante sobre Web3 (não é exatamente cripto), e a distribuição do
direito a voto é impressionante e verificada. O blockchain impede que as
pessoas deletem tuítes. Prós e contras, mas que comecem os jogos!”
“Acho necessária uma nova empresa de mídia social que seja baseada
em blockchain que inclua pagamentos”, respondeu Elon.
No entanto, ao mesmo tempo que estava falando com Kimbal sobre
criar uma rede social, ele repetiu para Agrawal e Taylor que queria
comprar o Twitter. “Podem esperar uma oferta para fechar o capital”,
escreveu.
“Você me dá cinco minutos para eu entender o contexto?”, pediu
Taylor.
“Acertar o Twitter conversando com o Parag não vai funcionar”,
respondeu Musk. “É preciso tomar uma ação drástica.”
“Faz 24 horas que você entrou para o conselho”, respondeu Taylor.
“Entendo o seu argumento, mas só quero entender a mudança
repentina.”
Musk esperou quase duas horas para responder, passavam das sete da
manhã no Havaí, e ele ainda não tinha ido dormir. “Logo vou entrar
num avião, mas posso conversar amanhã”, escreveu.
***

Musk relata que ao chegar no Havaí ficou claro que ele não ia acertar o
Twitter sendo parte do conselho. “Eu estava basicamente caindo numa
armadilha”, diz. “Eles escutavam, concordavam e não faziam nada.
Decidi que eu não queria ser cooptado e ser uma espécie de traidor no
conselho.” Em retrospecto, isso soa como um motivo bem estudado. Na
época, porém, havia outro fator. Musk estava em seu modo maníaco e,
como costuma acontecer, agindo por impulso.
Naquela tarde de sábado, 9 de abril, ele escreveu para Birchall para
dizer que tinha decidido comprar o Twitter. “É pra valer”, garantiu ele.
“Não tem como consertar a empresa com 9% das ações, e os mercados
de ações não são bons em pensar além do trimestre seguinte. O Twitter
precisa eliminar os bots e os enganadores, o que vai dar a impressão de
uma queda gigantesca no número de usuários por dia.”
Birchall escreveu para um banqueiro no Morgan Stanley: “Ligue para
mim assim que tiver um minuto.” Naquela noite, eles começaram a
trabalhar num plano para chegar a um preço razoável pelo Twitter e em
como Musk poderia financiar isso.
Em paralelo, Musk continuou disparando contra o Twitter. Ele
postou uma enquete sobre a sede da empresa em São Francisco. “Que tal
converter a sede do Twitter em SF num abrigo para sem-teto, já que
ninguém aparece para trabalhar mesmo?”, tuitou. Um dia depois, havia
1,5 milhão de votos, mais de 91% a favor.
“Ei, você consegue conversar hoje no fim da tarde?”, escreveu Taylor
para ele. “Vi seus tuítes e preciso urgentemente entender sua posição.”
Musk não respondeu.
No domingo, Taylor desistiu. Ele disse a Musk que o Twitter
anunciaria que ele havia mudado de ideia e não participaria mais do
conselho. “Acho ótimo”, respondeu Musk. “Na minha opinião, o melhor
é fechar o capital do Twitter, reestruturar e voltar à bolsa quando isso
estiver feito.”
Agrawal oficializou em um tuíte tarde da noite: “A nomeação de Elon
para o conselho seria efetivada em 9 de abril, mas ele avisou na manhã
daquele dia que não vai mais entrar para o conselho. Acho que é melhor
assim. Nós sempre valorizamos e continuaremos valorizando a opinião
de nossos acionistas, estejam eles no conselho ou não.”
Musk fez uma reunião remota com Birchall e os banqueiros do
Morgan Stanley na tarde de segunda-feira, no fuso do Havaí. Eles
tinham chegado a uma proposta de qual seria o preço a ser ofertado por
ação: 54,20 dólares. Musk e Birchall riram porque mais uma vez
apareceu a gíria de internet para maconha, assim como no preço para
“fechar o capital” da Tesla, de 420 dólares. “Essa piada nunca perde a
graça”, disse Musk. Empolgado com a perspectiva de comprar o Twitter,
ele começou a se referir à ideia de criar uma alternativa baseada em
blockchain como “plano B”.

Vancouver
Grimes vinha insistindo com Musk que fossem a Vancouver, cidade
natal dela, para que pudessem apresentar X aos pais e aos avós idosos.
“Meu avô é engenheiro, e faz muito tempo que ele queria um bisneto”,
afirma Grimes, “e minha avó está bem velhinha, e a gente não sabe
quanto tempo ela vai aguentar”.
Eles decidiram que uma boa data seria quinta-feira, 14 de abril,
quando Chris Anderson estaria fazendo a conferência anual do TED em
Vancouver. Anderson havia gravado uma entrevista com Musk uma
semana antes na Giga Texas, mas estava ansioso — especialmente tendo
em vista a saga do Twitter, que não parava de ter mudanças rápidas —
para entrevistá-lo também ao vivo na conferência.
Eles chegaram a Vancouver na quarta, 13 de abril, após Grimes ter
saído de Austin e Musk, do Havaí. Musk foi a uma loja da Nordstrom
para comprar um terno preto, pois não havia levado um na viagem ao
Havaí. À tarde, Grimes viajou com X 120 quilômetros até a cidadezinha
de Agassiz, onde os avós dela moravam, e deixou Musk no hotel. “Dava
para ver que ele estava estressado e que a história do Twitter ia se
concretizar”, diz ela.
Ia mesmo. Ainda naquela tarde, de seu quarto de hotel em
Vancouver, Musk enviou uma mensagem para Bret Taylor com a decisão
oficial. “Depois de vários dias de deliberação — esta, obviamente, é uma
decisão importante —, decidi tocar a ideia de fechar o capital do
Twitter”, declarou ele. “Vou mandar uma carta esta noite com uma
oferta.” A carta dizia:

Investi no Twitter por acreditar em seu potencial para ser uma


plataforma de liberdade de expressão no mundo todo, e acredito que a
liberdade de expressão seja um imperativo social para uma democracia
funcional.
No entanto, desde que fiz meu investimento, percebo que a
empresa não vai nem prosperar nem servir a esse imperativo social do
jeito que está. O Twitter precisa ser transformado em empresa
privada.
Como resultado, estou fazendo uma oferta para comprar 100% do
Twitter por 54,20 dólares por ação em dinheiro vivo, um ágio de 54%
sobre o dia em que comecei a investir no Twitter e de 38% sobre o dia
anterior ao meu investimento ser publicamente anunciado. Essa é
minha melhor oferta e é minha oferta final, e, caso ela não seja aceita,
eu precisaria reconsiderar minha posição como acionista.
O Twitter tem um potencial extraordinário. Eu vou liberar esse
potencial.

Naquela noite, Musk compareceu a um pequeno jantar para


palestrantes do TED em um restaurante local. Em vez de falar sobre o
Twitter, ele perguntou aos convidados quais eram as suas visões sobre o
sentido da vida. Depois, ele e Grimes voltaram para o hotel, onde Musk
relaxou mergulhando em um novo jogo eletrônico, Elden Ring, que ele
tinha baixado no laptop.
O jogo faz com que você tenha que avançar em meio a um mundo de
fantasia repleto de animais esquisitos que querem lhe destruir.
Sofisticado, cheio de pistas crípticas e com estranhas mudanças na
trama, o jogo exige intensa concentração e muita atenção a detalhes,
especialmente para definir quando atacar. “Joguei por umas horas,
depois respondi a algumas mensagens e e-mails e joguei mais um
pouco”, disse ele. Musk passou muito tempo nas regiões mais perigosas
do jogo, um cenário demoníaco horrível, de tom vermelho intenso,
conhecido como Caelid. “Em vez de dormir”, contou Grimes, “ele ficou
jogando até as cinco e meia da manhã”.
Momentos depois de parar de jogar, ele postou um tuíte: “Fiz uma
oferta.”
Desde a vez que bateu a McLaren acelerando até o limite a pedido de
Peter Thiel, Musk não dava uma demonstração tão cara assim de sua
impulsividade.

Navaid visita
Quando Musk voltou a Austin, recebeu a visita de seu amigo da Queen’s
University, Navaid Farooq, que morava em Londres. Mais de trinta anos
depois de terem criado um vínculo como geeks sem habilidades sociais
que gostavam de jogos de estratégia e liam livros de ficção científica,
Farooq era um dos verdadeiros amigos de Musk, um dos poucos que
podiam lhe fazer perguntas pessoais, falar sobre o pai e a família dele e
conversar sobre crises ocasionais de solidão. No sábado, quando foram a
Boca Chica para ver a Starbase, Farooq fez a pergunta que muitos
amigos de Musk queriam fazer sobre o Twitter: “Por que você está
fazendo isso?”
Musk não estava mais pensando apenas em questões ligadas à
liberdade de expressão. Ele respondeu a Farooq que esperava fazer do
Twitter uma excelente plataforma para conteúdos gerados pelos
usuários, incluídos músicas, vídeos e stories. Celebridades, jornalistas
profissionais e pessoas comuns poderiam postar suas criações, como
faziam no Substack ou no WeChat, e receber por isso se quisessem.
Quando eles chegaram à Starbase, Musk fez sua caminhada pelas
tendas de montagem da Starship. Como acontecia com frequência, ficou
irritado ao ver quanto certas coisas estavam demorando. Isso criou uma
brecha para que Farooq, quando eles voltaram a Austin no domingo de
Páscoa, fizesse mais uma das perguntas que estavam incomodando os
amigos de Musk. “E quanto ao seu tempo e à sua sanidade?”, perguntou.
“A Tesla e a SpaceX ainda precisam da sua ajuda. Quanto tempo levaria
para pôr o Twitter no rumo certo?”
“Pelo menos cinco anos”, respondeu Musk. “E eu teria que me livrar
da maior parte da equipe. Eles não dão duro, ou sequer aparecem para
trabalhar.”
“Você quer passar por tudo isso?”, perguntou Farooq. “Você dormia
no chão de fábrica da Tesla, saía de lá para a SpaceX. Você realmente
quer viver tudo isso de novo?”
Musk fez uma de suas pausas muito longas. “Na verdade, quero”,
disse por fim. “Não ia me importar.”

Uma visão
Musk já tinha formulado o argumento financeiro para explicar por que
queria comprar o Twitter. Ele acreditava que seria capaz de quintuplicar
a receita da empresa, elevando-a para 26 bilhões de dólares em 2028,
mesmo reduzindo a participação das receitas de propaganda de 90% para
45%. A nova receita viria de assinaturas de usuários e licenciamento de
dados. Ele também projetou receitas vindas de processamento de
pagamentos, incluindo pequenas quantias pagas por textos de jornal e
outros conteúdos via Twitter, assim como acontecia no WeChat.
“Precisamos equiparar nossa funcionalidade à do WeChat”, me disse
ele depois de uma conversa com banqueiros em abril. “Uma das coisas
mais importantes vai ser dar condições para que as pessoas criem
conteúdo remunerado no Twitter.” Um sistema de pagamentos on-line
teria o benefício adicional de autenticar os usuários. O Twitter seria
capaz de verificar quais usuários eram realmente humanos ao pedir a eles
que pagassem uma pequena quantia mensal e requisitar informações de
cartão de crédito. Caso desse certo, isso poderia ter um impacto real na
internet como um todo. O Twitter poderia ser usado como a plataforma
que verificava a identidade das pessoas e também oferecer aos criadores
de conteúdo, de grandes empresas de mídia a indivíduos, novos modos
de ganhar dinheiro com o que produziam.
Ele também explicou por que queria “ampliar o limite” de quais
discursos eram permitidos no Twitter e evitar banimentos permanentes
de pessoas, até mesmo daquelas com ideias pouco convencionais. No
rádio e na TV a cabo havia fontes de informações separadas para
progressistas e conservadores. Ao expulsar as pessoas de direita, os
moderadores de conteúdo do Twitter, dos quais mais de 90% ele
imaginava serem democratas progressistas, poderiam estar criando o
mesmo tipo de balcanização na mídia social. “Queremos evitar um
mundo em que as pessoas se separam e ficam nas suas câmaras de eco
nas mídias sociais, indo, por exemplo, ao Parler ou ao Truth Social”,
disse Musk. “Queremos ter um lugar onde pessoas com diferentes
pontos de vista possam interagir. Isso seria bom para a civilização.” Era
um sentimento nobre, mas ele acabaria minando essa importante missão
com declarações e tuítes que acabaram levando progressistas e pessoas da
mídia convencional para outras redes sociais.
Eu insisti na pergunta que Farooq e outros amigos tinham feito: será
que tudo aquilo não seria extremamente difícil, não exigiria muito
tempo e seria controverso demais, o que acabaria prejudicando as
missões dele na Tesla e na SpaceX? “Eu acho que, de um ponto de vista
cognitivo, não é nem de longe tão difícil quanto a SpaceX ou a Tesla”,
falou ele para mim. “Não é como chegar a Marte. Não é tão difícil
quanto mudar toda a base industrial do planeta para energia
sustentável.”

Sim, mas por quê?


Musk gostava de dizer que tinha criado a SpaceX para aumentar as
chances de sobrevivência da consciência humana ao nos tornar uma
espécie multiplanetária. O grande motivo para a existência da Tesla e da
SolarCity era abrir caminho para um futuro com energia sustentável. A
Optimus e a Neuralink foram lançadas para criar interfaces entre
humanos e máquinas que nos protegeriam dos males da inteligência
artificial.
E o Twitter? “No começo, eu achei que isso não se encaixava nas
minhas missões maiores e mais importantes”, me disse ele em abril.
“Mas passei a acreditar que pode ser parte da missão de preservar a
civilização, dar mais tempo para que nossa sociedade se torne
multiplanetária.” Como assim? Em parte, tinha a ver com liberdade de
expressão.
“Parece que cada vez mais a mídia tem um pensamento de grupo,
testando os limites, e se você fizer diferente vai ser cancelado ou sua voz
vai ser silenciada.” Para que a democracia sobreviva, ele pensava que era
importante expurgar o Twitter da cultura woke e extirpar seus vieses,
para que as pessoas tivessem a percepção de que aquele era um espaço
aberto a todas as opiniões.
No entanto, acredito, havia dois outros motivos para Musk querer ser
dono do Twitter. O primeiro era simples. Era divertido, como um
parquinho. Ali era possível ter confrontos políticos, fazer disputas
intelectuais, publicar memes bobos, fazer importantes anúncios
públicos; era uma ferramenta de marketing valiosa, dava para publicar
trocadilhos ruins e opiniões sem filtro. Vocês não estão entretidos?
Em segundo lugar, acredito que havia um desejo psicológico, pessoal.
O Twitter era um grande parquinho. Quando menino, ele apanhava e
sofria bullying, e nunca teve a destreza emocional necessária para se dar
bem em terreno difícil. Isso causava uma enorme dor e por vezes o
levava a reagir a qualquer desrespeito de forma emocional demais, mas
isso também foi o que o tornou capaz de encarar o mundo e enfrentar
todas as batalhas com ferocidade. Sempre que ele se via numa situação
difícil, encurralado, atacado, fosse on-line ou pessoalmente, isso o
transportava de volta a um período muito doloroso, quando ele era
insultado pelo pai e sofria bullying dos colegas de turma. Agora Musk
podia ser o dono do parquinho.
capítulo 74
Quente e frio
Twitter, abril a junho de 2022

O acordo
O conselho do Twitter e os advogados de Musk terminaram de trabalhar
nos detalhes do plano de compra num domingo, 24 de abril. Quando
Musk me mandou uma mensagem às dez da manhã, disse que tinha
passado a noite em claro. Perguntei se era por estar trabalhando nos
últimos detalhes ou se ele estava preocupado com a compra do Twitter.
“Não, é que eu fui a uma festa com amigos e bebi Red Bull demais”,
respondeu.
Quem sabe ele devesse diminuir o tanto de Red Bull que tomava?
“Mas me dá asas”, retrucou.
Musk passou o dia tentando encontrar investidores externos que o
ajudassem a financiar a compra. Ele falou com Kimbal, que não quis. A
conversa com Larry Ellison foi mais bem-sucedida. “Sim, claro”,
respondeu Ellison quando Musk perguntara naquela semana se ele tinha
interesse em investir no negócio.
“Mais ou menos quanto?”, indagou Musk. “Não vou comprometer
você com esse valor, mas tem muita gente interessada, então eu preciso
reduzir ou tirar alguns dos participantes.”
“Um bilhão”, disse Ellison, “ou o que você recomendar”.
Ellison não publicava um tuíte havia uma década. Na verdade, ele
nem se lembrava da senha da sua conta do Twitter, de modo que Musk
teve que resetar pessoalmente a conta para ele. Contudo, Larry achava
que o Twitter era importante. “É um serviço de notícias em tempo real,
e não existe nada igual”, me disse ele. “Se você concorda que é
importante para a democracia, então acho que vale a pena fazer um
investimento.”
Uma pessoa que realmente queria participar do negócio era Sam
Bankman-Fried, o fundador da corretora de criptomoedas FTX — a
qual pouco depois cairia em desgraça —, que acreditava que o Twitter
podia ser reconstruído com base em blockchain. Ele dizia ser um defensor
do altruísmo eficaz, e o fundador daquele movimento, William
MacAskill, mandou uma mensagem para Musk com o intuito de tentar
marcar uma reunião, assim como Michael Grimes, principal banqueiro
de Musk no Morgan Stanley, que estava trabalhando para viabilizar o
financiamento. “Estou atolado de trabalho”, escreveu Musk para o
banqueiro. “É urgente?”
Michael Grimes respondeu que Bankman-Fried “faria a engenharia
para a integração entre mídia social e blockchain, e colocaria 5 bilhões de
dólares no negócio”. Ele poderia voar para Austin no dia seguinte, caso
Musk estivesse disposto a conversar.
Musk havia falado com Kimbal e outras pessoas sobre a possibilidade
de usar blockchain como espinha dorsal do Twitter. Embora estivesse se
divertindo com a Dogecoin e outras criptomoedas, ele não era um
fanático do blockchain, e achou que não seria rápido o suficiente para as
postagens apressadas do Twitter. Portanto, Musk não tinha interesse em
se encontrar com Bankman-Fried. Quando Michael Grimes insistiu,
dizendo que Bankman-Fried “poderia colocar 5 bilhões de dólares se
toda a visão batesse”, Musk respondeu com um emoji de polegar para
baixo. “Um Twitter blockchain não é possível, as exigências de banda e de
latência não podem ser suportadas por uma rede ponto a ponto.” Ele
disse que poderia se encontrar com Bankman-Fried em outro momento,
“desde que não precisemos fazer um debate cansativo sobre blockchain”.
Bankman-Fried então mandou uma mensagem diretamente para
Musk, dizendo que estava “realmente empolgado com o que você vai
fazer com o TWTR”. Ele disse que tinha 100 milhões de dólares em
ações do Twitter que pretendia “rolar”, querendo dizer que as ações
seriam convertidas em participação na nova empresa caso Musk fechasse
o capital. “Desculpe, quem está mandando essa mensagem?”, respondeu
Musk. Quando Bankman-Fried pediu desculpa e se apresentou, Musk
disse laconicamente: “Fique à vontade para fazer isso.”
Isso levou Bankman-Fried a ligar para Musk em maio. “Meu detector
de besteiras disparou como um alerta vermelho num contador Geiger”,
afirma Musk. Bankman-Fried começou a falar rápido, sempre sobre si
mesmo. “Ele estava falando como se tivesse tomado metanfetamina ou
Aderall, dois quilômetros por minuto”, conta Musk. “Achei que ele fosse
me fazer perguntas sobre a compra, mas ficou me falando de coisas que
estava fazendo. E eu pensando: Rapaz, se acalme.” A sensação foi mútua;
Bankman-Fried achou que Musk parecia maluco. A ligação durou meia
hora, e Bankman-Fried acabou não fazendo investimentos nem
mantendo suas ações do Twitter.
Os principais investidores que Musk reuniu incluíam Ellison, a
Sequoia Capital, de Mike Moritz, a corretora de criptomoedas Binance,
Andressen Horowitz, um fundo de Dubai e um fundo do Qatar. (Parte
do acordo com os investidores do Qatar era a promessa de ir ao país para
a final da Copa do Mundo.) O príncipe Alwaleed bin Talal, da Arábia
Saudita, concordou em manter o investimento que já tinha no Twitter.
Na tarde de segunda-feira, 25 de abril, o conselho do Twitter aceitou
o plano. Presumindo que os acionistas o aprovassem, a compra seria
fechada no outono. “Esse é o caminho certo”, escreveu para Musk o
cofundador da empresa, Jack Dorsey. “Vou continuar fazendo o que for
preciso para que tudo dê certo.”
Em vez de comemorar, Musk foi de Austin para a Starbase, no sul do
Texas. De lá, participou da reunião noturna regular sobre o redesenho
do motor Raptor, e por mais de uma hora se debateu para saber como
lidar com inexplicados vazamentos de metano que estavam acontecendo.
As notícias sobre o Twitter eram o assunto mais comentado da internet
e no mundo todo, mas não na reunião sobre o Raptor. Os engenheiros
sabiam que ele gostava de ficar concentrado na tarefa que tinha diante
de si, e ninguém mencionou o Twitter. Depois, Elon encontrou Kimbal
num café de beira de estrada em Brownsville que apresentava shows ao
vivo de músicos locais. Ficaram lá até as duas da manhã, sentados a uma
mesa bem de frente para o palco, só ouvindo a música.
Sinais de alerta
Na sexta-feira, depois de o conselho do Twitter aceitar a oferta de
Musk, ele foi a Los Angeles jantar com os quatro filhos mais velhos
num restaurante no alto de um prédio no Soho Club, em West
Hollywood. Eles não usavam muito o Twitter, e estavam intrigados. Por
que o pai ia comprar a empresa? Só pelo questionamento, já dava para
ver que eles não achavam aquilo uma boa ideia.
“Acho que é importante ter uma arena pública inclusiva e na qual as
pessoas confiem”, respondeu Musk. Depois de uma pausa, ele
perguntou: “Se não for assim, como a gente vai conseguir eleger o
Trump em 2024?”
Era uma piada. Mas, no caso de Musk, às vezes era difícil saber, até
mesmo para os filhos dele. Talvez até para ele mesmo. Os filhos ficaram
horrorizados. Musk tranquilizou os meninos dizendo que era só
brincadeira.
No fim do jantar, eles tinham aceitado a maior parte das razões do pai
para a compra do Twitter, mas continuavam um tanto incomodados.
“Eles achavam que eu estava procurando sarna para me coçar”, revela
Musk. Claro, os meninos tinham razão. Eles também sabiam que o pai
na verdade gostava de ir atrás de problemas.

***

Os problemas começaram uma semana depois, em 6 de maio, quando


Musk entrou na sede do Twitter em São Francisco para se encontrar
com os gestores. Apesar dos tuítes dele que falavam mal do trabalho
remoto, a sede luxuosa em art déco estava praticamente vazia quando ele
chegou. Nem Agrawal estava lá — como havia testado positivo para
covid, ele participou da reunião remotamente.
A reunião foi conduzida pelo CFO do Twitter, Ned Segal, que irritou
Musk. Em declarações públicas, o Twitter estimava que os bots e as
contas falsas equivalessem a 5% dos usuários. A experiência do próprio
Musk o convenceu de que isso era superestimar muito o tamanho do
problema. O Twitter permitia — na verdade incentivava — que os
usuários criassem contas sob nomes diferentes e pseudônimos. Algumas
fazendas de trolls tinham centenas de identidades. Essas contas não
apenas poluíam o serviço, como também não eram monetizáveis.
Ele pediu a Segal que explicasse o processo usado pela empresa para
determinar o número de contas falsas. Os executivos do Twitter
suspeitavam que Musk estava preparando o caminho para revisar ou
retirar sua operação de compra, de modo que foram cautelosos na
resposta. “Eles disseram que não sabiam o número exato”, disse Musk
logo depois. “Eu falei: ‘Como assim? Vocês não sabem?’ A conversa toda
foi tão maluca que, se fosse uma cena do seriado Silicon Valley, ia parecer
ridícula demais. Meu queixo chegou a doer de tantas vezes que caiu no
chão.”
Quando irritado, Musk muitas vezes desafia as pessoas com perguntas
muito específicas. Com os executivos do Twitter, foi uma verdadeira
saraivada. Quantas linhas por dia, em média, os programadores deles
escreviam? A equipe do Autopilot da Tesla tinha duzentos engenheiros
de software, então por que o Twitter tinha 2.500? O Twitter gastava 1
bilhão de dólares por ano com servidores. Quais são as funções que
exigem mais tempo e armazenamento desses computadores, e em que
ordem? Musk teve dificuldades em obter respostas diretas. Na Tesla, ele
demitia pessoas por não conhecer esse tipo de detalhe. “Foi a pior
reunião de diligência que eu vi na vida”, reclamou ele. “Eu não
condicionei o fechamento do acordo a uma diligência prévia completa,
mas acredito que eles tinham como justificar as informações que haviam
divulgado. Caso contrário, era fraude.”

Pensando melhor
As perguntas contundentes e as provocações irritadas de Musk refletiam
o fato de que ele não tinha certeza se queria ir adiante com a compra.
Na maioria dos dias, ele queria. Mais ou menos. Mas a vontade dele
mudava, e com isso as emoções entravam em conflito.
Ele estava convicto de que tinha pagado caro demais, o que era
verdade. O gasto com publicidade estava em baixa no verão de 2022, em
função das incertezas na economia, e o preço das ações de empresas de
mídia social estava caindo. O Facebook tinha caído 40% até então
naquele ano e o Snap, 70%. O Twitter agora estava negociando 30%
abaixo dos 54,20 dólares que Musk tinha oferecido, um sinal de que
Wall Street não tinha certeza de que o negócio seria realmente fechado.
Como o pai havia ensinado a ele quando os dois iam a parques de
diversões na Flórida, o gosto de uma Coca-Cola que custa caro demais
não é tão bom assim. Por isso, no fundo, quando foi para a reunião no
Twitter, Musk sentia um desejo de preparar o terreno para sair do
negócio ou renegociar o preço.
“Não tem como irmos em frente depois do que eles disseram”, me
falou ele depois da reunião no Twitter. “O preço de 44 bilhões de dólares
requer a contração de muitas dívidas, tanto para a empresa quanto para
mim pessoalmente. Acho que o Twitter pode sair dos trilhos. O acordo
talvez até aconteça, mas a um preço muito mais baixo, e digo
literalmente a metade, ou algo assim.”
Ele também estava tendo dúvidas maiores quanto ao fato de assumir
um desafio tão complicado assim. “Eu tenho o mau hábito de ter o olho
maior do que a boca”, admitiu. “Acho que preciso pensar menos no
Twitter. Nem mesmo esta conversa é tempo bem gasto.”
Na semana seguinte, no dia 13 de maio, mais ou menos às quatro da
manhã, pelo fuso do Texas, ele publicou um tuíte: “A compra do Twitter
está temporariamente paralisada, dependendo de detalhes que embasem
o cálculo de que as contas spam/fake realmente representam menos de
5% dos usuários.” As ações do Twitter caíram 20% nas negociações antes
da abertura dos mercados. Jared Birchall, gestor dos negócios dele, e
Alex Spiro, seu advogado, incitaram-no desesperadamente a voltar atrás
na declaração. Eles disseram que era possível sair do negócio, mas
anunciar o desejo de fazer isso podia ser perigoso para ele. Duas horas
depois, Musk postou um adendo de cinco palavras: “Ainda
comprometido com a aquisição.”
Foi uma das poucas vezes que vi Musk inseguro quanto ao que estava
fazendo. Ao longo dos cinco meses seguintes, até o fechamento da
compra, em outubro, ele por vezes expressava grande empolgação com a
possibilidade de transformar o Twitter num “aplicativo para tudo”, com
serviços financeiros e conteúdo de qualidade, ao mesmo tempo que
ajudava a salvar a democracia. Em outros momentos, ficava irritado e
frio, ameaçava processar o conselho e a gestão do Twitter, e insistia que
queria desistir de vez do acordo.

Reunião com funcionários


Sem consultar os advogados, Musk concordou em participar de uma
reunião virtual com funcionários em 16 de junho. “Foi uma daquelas
situações em que o Elon fez as coisas do jeito dele, e aceitou um convite
sem falar com nenhum de nós para que a gente pudesse se preparar”,
comenta Birchall. Ele participou de uma sala de estar em Austin, e no
começo teve problemas para entrar na chamada porque ela foi realizada
no Google Meet, e Musk não tinha uma conta do Google no laptop.
Finalmente conseguiu entrar pelo iPhone. Enquanto esperávamos, um
dos organizadores do evento perguntou: “Alguém sabe quem é Jared
Birchall?” Tinham barrado a entrada dele.
Eu fiquei imaginando se Musk tinha algum esquema em mente.
Talvez ele fosse jogar uma pequena bomba ao provocar uma revolta dos
funcionários do Twitter. Talvez dissesse, por cálculo ou devido à
compulsão que tinha por ser brutalmente honesto, aquilo que realmente
pensava: que eles tinham errado em expulsar Trump, que a política de
moderação de conteúdo do Twitter extrapolava para uma censura
injustificável, que a equipe havia sido infectada pelo vírus da
mentalidade woke e que a empresa tinha funcionários demais. A
explosão que se seguiria talvez não acabasse com o negócio, mas seria
capaz de mexer com as peças no tabuleiro.
Musk não fez isso. Pelo contrário: foi bastante conciliador ao tratar
das questões controversas. Leslie Berland, a diretora de marketing do
Twitter, começou falando sobre a questão da moderação de conteúdo.
Em vez de simplesmente invocar o mantra sobre a virtude da liberdade
de expressão, Musk foi mais fundo e fez uma distinção entre o que as
pessoas deveriam ter permissão para postar e o que o Twitter deveria
amplificar e disseminar. “Acho que existe uma distinção entre liberdade
de expressão e liberdade de alcance”, disse ele. “Qualquer pessoa pode
simplesmente ir até o meio da Times Square e dizer qualquer coisa,
inclusive negar o Holocausto, o que não significa que isso deva ser
divulgado para milhões de pessoas.”
Ele também explicou por que alguns limites sobre discurso de ódio
eram importantes: “Nós queremos a maior quantidade de pessoas
possível no Twitter. Para que isso aconteça, as pessoas precisam gostar
de estar no Twitter. Se elas estiverem sendo assediadas ou se sentirem
pouco à vontade, não vão usar o Twitter. Precisamos encontrar esse
equilíbrio entre permitir que as pessoas digam aquilo que querem dizer,
mas ao mesmo tempo fazer com que elas se sintam confortáveis.”
Quando foi questionado sobre diversidade, igualdade e inclusão,
Musk recuou um pouco. “Eu acredito na meritocracia pura”, respondeu
ele. “Quem estiver se saindo bem deve receber mais responsabilidade. E
ponto final.” Ele também insistiu que não tinha se tornado um
conservador em termos ideológicos. “Minhas visões políticas, eu acho,
são moderadas, próximas do centro.” Ele não agradou a muita gente na
conversa, mas evitou causar explosões.
capítulo 75
Dia dos Pais
Junho de 2022

Dando de comer a Tau (acima, à esquerda); X assistindo a um vídeo de


lançamento de foguete no avião de Musk (acima, à direita); com lorde
Norman Foster em Austin, pensando numa casa (abaixo)
Todos os meus filhos
“Feliz Dia dos Pais. Amo muito todos os meus filhos.”
À primeira vista, o tuíte de Musk às duas da manhã do Dia dos Pais,
19 de junho de 2022, parecia inócuo, até fofinho. Mas a palavra todos
escondia um drama. A filha Jenna, que é uma garota trans, tinha
acabado de completar 18 anos e ido a um tribunal em Los Angeles,
onde morava com a mãe, para mudar oficialmente o nome de Xavier
Musk para Vivian Jenna Wilson. Ela usava o nome Jenna, parecido com
o que a mãe, Justine, usava, Jennifer Wilson, antes de conhecer Musk e
se casar com ele. “Eu não desejo mais morar com meu pai biológico nem
estar associada a ele de forma nenhuma”, declarou ela à Justiça.
Musk havia por fim aceitado a transição de Jenna, ainda que não
tivesse adotado os protocolos de listar os pronomes de cada pessoa. Ele
acreditava que estava sendo rejeitado pela filha em função da ideologia
política dela. “É o comunismo consumado, e um sentimento geral de
que se você for rico, você é uma pessoa ruim”, disse ele.
Era tudo muito confuso para Musk. “Estão ao mesmo tempo nos
dizendo que as diferenças de gênero não existem e que os gêneros são
tão profundamente diferentes que a única opção é uma cirurgia
irreversível”, tuitou ele naquela semana. “Talvez alguém mais sábio do
que eu possa me explicar essa dicotomia.” Depois, quase como se num
recado para si mesmo, e também como declaração pública, acrescentou:
“O mundo fica melhor se nós julgarmos menos.”
A rejeição de Jenna levou a um Dia dos Pais doloroso. “Ele ama
demais a Jenna e realmente a aceita”, diz Grimes, que continuou em
termos amistosos com a jovem. “Eu nunca vi o Elon de coração partido
por nada. Sei que ele faria qualquer coisa para poder ver a filha, ou
conseguir que ela pelo menos voltasse a aceitá-lo.”
Para piorar as coisas, o segredo sobre os gêmeos que ele teve com
Shivon Zilis veio à tona. Quando nasceram, as crianças foram
registradas com o sobrenome da mãe. No entanto, o afastamento da
filha fez Musk desejar mudar isso. “Quando a Jenna tirou o ‘Musk’ do
nome dela, ele ficou triste de verdade”, revela Zilis. “E me perguntou:
‘Ei, você toparia se os nossos gêmeos tivessem o meu nome?’” A petição
que eles levaram à Justiça logo vazou.
Foi aí que Grimes descobriu que Zilis, que ela considerava uma
amiga, havia tido gêmeos com Musk. Quando Grimes confrontou
Musk, ele simplesmente disse que Zilis tinha o direito de fazer o que
quisesse. Grimes ficou chocada. No Dia dos Pais, eles vinham todos
tendo discussões sérias sobre questões como saber se Zilis e os gêmeos
dela podiam passar um tempo com X e Y, filhos de Grimes. Uma
confusão.
Musk e Zilis continuaram comparecendo juntos toda semana às
reuniões da Neuralink sem comentar sobre os filhos que tiveram. Musk
achava que a maneira de aliviar uma situação esquisita era brincar com
isso no Twitter: “Dando o melhor de mim para ajudar na crise de
subpopulação. Uma taxa de nascimentos em declínio é de longe o maior
perigo que a civilização enfrenta.”

Techno Mechanicus Musk


Como se fosse um jogo no estilo multiplayer, o Dia dos Pais de 2022
tinha mais uma subtrama. Em segredo, Musk e Grimes haviam tido um
terceiro filho naquela semana, chamado Techno Mechanicus Musk. O
bebê, que nasceu de uma barriga de aluguel, recebeu o apelido de Tau,
uma referência à letra grega que representa o número irracional que
equivale a duas vezes pi. Arredondado para 6,28, isso refletia o
aniversário do próprio Musk, 28 de junho.
Eles mantiveram a existência desse terceiro filho em sigilo. Musk,
porém, logo se apegou ao bebê. Em uma visita à casa de Grimes quando
Tau tinha 2 meses, ele se sentou no chão para dar de comer ao bebê, que
ficava estendendo a mão para mexer na barba do pai. “Tau é incrível”,
diz Grimes. “Ele nasceu com olhinhos que podiam ver lá no fundo da
sua alma, cheios de sabedoria. Parece um pequeno Spock. Ele sem
dúvida é vulcano.”
Semanas depois, Musk estava sentado em silêncio, durante o
intervalo entre duas reuniões na Giga Texas, vendo notícias no iPhone,
quando se deparou com o relatório sobre o trimestre terrível que a Lucid
Motors tinha tido. Ele riu por alguns minutos, e depois publicou um
tuíte: “Eu tive mais filhos no segundo trimestre do que eles produziram
carros!” Depois, continuou rindo sozinho. “Adoro o meu senso de
humor, mesmo que os outros não gostem”, disse. “Eu morro de rir de
mim mesmo.”
Mais ou menos nessa época, o The Wall Street Journal começou a
apurar uma matéria sobre um suposto relacionamento de uma noite que
Musk teria tido alguns meses antes com a esposa do cofundador do
Google, Sergey Brin, que estava afastada do marido. A justificativa para
a matéria era que isso teria afetado as relações entre os dois homens.
Logo depois de a história vir à tona, eles posaram juntos para uma foto,
e Musk se esforçou para ficar em uma posição de onde podia tirar uma
selfie com Brin, algo que Brin tentou evitar. Musk mandou a foto para o
New York Post com o intuito de rebater a alegação de que os dois tinham
se estranhado. “A quantidade de atenção voltada para mim virou uma
supernova, o que é uma droga”, tuitou ele. “Infelizmente, até mesmo
histórias banais sobre mim geram muitos cliques (vou me esforçar para
ficar na minha e fazer coisas úteis pela civilização).”
Mas ficar na dele não fazia parte da natureza de Musk.

Pecados do pai
A fase 5 do Dia dos Pais talvez tenha sido a mais sinistra de todas. Por
infelicidade, envolvia o pai do próprio Musk, com quem ele não falava
mais.
Em um e-mail para Elon com o assunto “Dia dos Pais”, Errol
escreveu: “Estou sentado aqui num frio congelante enrolado em cobertas
e jornais. Não tem eletricidade. Se estou me dando o trabalho de
escrever isso, você pode se dar o trabalho de ler.” O que vinha depois
disso era uma divagação desconexa em que ele chamava Biden de “um
presidente que era uma aberração, um criminoso, um pedófilo” que
queria destruir tudo que os Estados Unidos representavam, “incluindo
você”. Ele dizia que os líderes negros na África do Sul estavam sendo
racistas contra os brancos. “Sem brancos aqui, os negros vão voltar para
as árvores.” Vladimir Putin era “o único líder mundial com voz”. Ele
mandou outro e-mail em seguida com a foto de um placar de um estádio
em que se lia: trump ganhou — f***-se joe biden, e acrescentou o
comentário “Isso é irrefutável”.
A carta de Errol era chocante em vários níveis, principalmente pelo
racismo. Contudo, um outro aspecto se tornaria mais inquietante
naquele ano: a crença dele em teorias da conspiração. O pai de Elon
tinha passado a acreditar no discurso da extrema direita, e rotulava
Biden de pedófilo e elogiava Putin. Em outros posts e e-mails, ele disse
que a covid era “uma mentira”, atacou o especialista em covid Anthony
Fauci e alegou que as vacinas eram mortais, opiniões que Elon repetiria
algum tempo depois.
As descrições sobre o frio e a pobreza tinham como intenção censurar
o filho por ter parado de oferecer ajuda financeira a ele. Fazia não muito
tempo, Elon mandava, de modo intermitente, quantias variáveis de
dinheiro por mês. Isso começou em 2010, com pagamentos mensais de
2 mil dólares para ajudar Errol a sustentar os filhos mais novos depois
do segundo divórcio. Ao longo dos anos, Elon ocasionalmente
aumentava o valor, depois voltava a reduzi-lo quando Errol dava
entrevistas exagerando a sua contribuição para o sucesso do filho.
Quando Errol passou por uma cirurgia cardíaca, o apoio dado por Elon
subiu temporariamente para 5 mil dólares mensais. Mas ele cortou a
ajuda depois de saber que Errol havia engravidado Jana, a enteada que
ele criara desde os 4 anos de idade e a qual Elon e Kimbal viam como
uma meia-irmã.
No fim de março de 2022, Errol escreveu pedindo que sua mesada
fosse restabelecida. “Aos 76 anos, não é fácil para mim gerar renda”,
escreveu ele. “A alternativa está entre a fome e a humilhação
insuportável ou a morte por suicídio. A morte por suicídio não me
preocupa, mas deveria preocupar você. A verdade é conhecida demais.
Você estará arruinado, não se engane, e as pessoas vão saber quem você
realmente é, ou quem se tornou.” Ele dizia que a culpa pela atitude de
Elon era da natureza “nacional-socialista, cruel, egoísta e covarde” da
família da mãe dele, e acrescentou: “A maldade dos Haldeman
triunfou?”
Mais ou menos na época do Dia dos Pais, Elon retomou os
pagamentos mensais de 2 mil dólares. Entretanto, o gerente das finanças
dele, Jared Birchall, pediu a Errol que parasse de fazer uma série de
vídeos no YouTube, intitulados “Pai de um gênio”, que ele havia
produzido com um psicólogo clínico. Errol reagiu com raiva. “Meu
silêncio para deixar que essa merda diabólica continue fermentando não
vale 2 mil dólares”, respondeu ele. “Além disso, me calar é um erro. Eu
tenho muito a ensinar às pessoas.”
Como se estivesse seguindo um roteiro perverso, o Dia dos Pais de
2022 trouxe mais uma complicação para essa situação. Errol revelou que
tinha tido mais um bebê com Jana, uma filha. “O único motivo para
estarmos neste planeta é nos reproduzirmos”, disse ele. “Se pudesse ser
pai de mais um filho, eu seria. Não consigo ver por que não.”

Tentativas de criar laços


Enquanto passava por todo tipo de tumulto na vida, Musk tinha uma
adorável influência estabilizadora: Talulah Riley, a atriz inglesa que se
casou com ele em 2010 e, depois de um divórcio e de um novo
casamento, finalmente o deixou para voltar à tranquilidade de uma
cidadezinha na Inglaterra em 2015. Ela continuava a querê-lo bem, e
Musk sentia a mesma afeição por ela, embora preferisse o calor e o frio
extremos a relacionamentos afetuosos.
Quando um amigo próximo de Talulah morreu, em 2021, Musk foi à
Inglaterra e passou um dia na casa dela. “Ficamos só vendo programas
bobos na TV, rindo e conversando, e ele me fez rir em vez de chorar”,
conta ela. Durante os tumultos pessoais dele e a crise da compra do
Twitter, no início do verão de 2022, ela foi a Los Angeles e jantou com
ele no Beverly Hills Hotel.
Ela viajou com o novo namorado, o jovem ator Thomas Brodie-
Sangster, para divulgar uma minissérie televisiva da qual ele havia
participado, Pistol, sobre a banda pioneira do punk-rock Sex Pistols.
Mas Brodie-Sangster não foi ao jantar. Em vez disso, Musk e Riley
tiveram a companhia dos quatro filhos mais velhos dele, que tinham
criado laços afetivos com ela ao longo dos anos. “Eu mal acredito como
eles todos são lindos”, me disse ela por mensagem. “Griffin é lindo,
hilário e supercharmoso; Damian virou uma alma incrivelmente
sofisticada e bela; Kai ainda é um sujeito totalmente decente e agora
lindamente geek; e o desenvolvimento da linguagem do Saxon é mais do
que eu poderia ter imaginado: tivemos conversas completas e detalhadas,
exceto pelo fato de que a certa altura ele disse: ‘O que é interessante
sobre você e o Elon é que vocês têm uma diferença significativa de
idade… Mas quase não se nota.’ .”
O reencontro foi bastante emotivo. Havia uma parte de Riley que
ainda amava Elon. Quando ela voltou para o quarto de hotel naquela
noite, Brodie-Sangster teve que lidar com a namorada aos prantos.

***

Musk reagiu ao turbilhão na família em meados de 2022 dando início a


mais um surto, mas dessa vez um surto paterno. Ele levou os quatro
filhos mais velhos, além de Grimes e X, para um passeio pela Espanha
junto com James e Elisabeth Murdoch e os filhos deles. James, que faz
parte do conselho da Tesla, é o membro progressista da família de
Rupert Murdoch, e Elisabeth é ainda mais progressista do que ele. Eles
transmitem a Musk uma influência pessoal tranquilizadora, além de
fazer um contrapeso político.
Poucas semanas depois, ele e os meninos viajaram a Roma, onde
foram recebidos pelo papa Francisco em uma audiência. Musk tuitou
uma foto do encontro, que o mostrava num traje inadequado, com
Saxon se contorcendo de nervoso, e os irmãos vestidos com camisas
pretas e parecendo sombrios. “Meu terno é trágico”, admitiu Musk.
Quando os meninos acordaram no dia seguinte, ficaram chateados
porque o pai tinha tuitado a foto. Um deles chegou a chorar. No grupo
de mensagens on-line deles com o pai, que usam mesmo quando viajam
juntos, um dos garotos pediu que Musk não publicasse mais fotos sem
permissão. Musk ficou deprimido, saiu do grupo e minutos depois
avisou que eles estavam voltando para os Estados Unidos.

Uma casa, não um lar


Musk se deu conta de que era difícil ter uma vida familiar estável sem
ter uma casa para a família. Por isso, em meio aos dramas domésticos do
verão de 2022, ele começou a sonhar com uma casa própria em Austin.
Considerou, então, algumas casas que estavam à venda, mas achou todas
muito caras. Em vez de comprar, decidiu construir uma casa numa
grande fazenda de criação de cavalos, com um lago tranquilo, que ele
tinha comprado perto da Giga Texas, mas do outro lado do rio
Colorado. Ele achou que poderia usar outras partes da propriedade para
a Neuralink e suas outras empresas.
Musk caminhou pela fazenda numa noite de sábado com Grimes e
Omead Afshar, que estava encarregado de construir a Giga Texas, e eles
bolaram diversas ideias, entre elas a possibilidade de que a The Boring
Company cavasse um túnel sob o rio para ligar a casa à fábrica. Ele
também caminhou pela propriedade alguns dias depois com Shivon
Zilis. “Uma coisa sobre a qual eu vinha atazanando ele, de um jeito
carinhoso, era que ele tinha que encontrar um lugar que pudesse chamar
de lar”, conta ela. “Elon precisa de um lugar onde a alma dele more, e é
isso que a fazenda de criação de cavalos vai ser para ele.”
Numa tarde quente no verão de 2022, Musk se sentou debaixo de um
toldo de armar na propriedade junto com lorde Norman Foster, o
arquiteto que projetou, entre outras coisas, a sede circular de aparência
espacial da Apple para Steve Jobs. Foster tinha saído de Londres, com
seu bloquinho de desenho, para discutir ideias com Musk. Sentado
diante de uma mesa de carteado, Musk olhou alguns desenhos de Foster
e em seguida começou a fazer uma associação livre de ideias. “Devia ser
algo que tivesse caído do espaço, como uma estrutura de outra galáxia
que pousou no lago”, disse Musk.
Birchall, que estava com eles, procurou no Google imagens de prédios
futuristas, enquanto Foster fazia mais esboços em seu caderno. Musk
sugeriu: “Quem sabe, um caco de vidro saindo do lago?” O andar de
baixo poderia ficar parcialmente submerso na água, acessível por meio de
um túnel que partia de outra estrutura na margem do lago.
Comentei posteriormente que aquela, na verdade, não parecia uma
casa de família. Musk concordou. “É mais um projeto artístico do que
uma casa”, explicou. Ele adiou a construção.
capítulo 76
Sacudida na Starbase
SpaceX, 2022

Inspecionando os motores Raptor embaixo de um foguete auxiliar da Starship


Exibindo a Starship
Sempre alerta contra a complacência, no início de 2022 Musk decidiu
que era hora de outra onda em Boca Chica. Seis meses haviam se
passado desde que ele havia pressionado Andy Krebs e a equipe no sul
do Texas para colocar a Starship na plataforma de lançamento. Agora
ele queria fazer uma apresentação pública do foguete. Dessa vez, os dois
estágios seriam empilhados pelos braços de hashi da Mechazilla.
Bill Riley alertou que seria difícil concluir isso antes do fim de
fevereiro, de modo que Musk usou o Twitter como mecanismo de
pressão. Ele tuitou que haveria uma demonstração pública da Starship às
oito horas da noite de quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022.
Na noite da apresentação ele jantou no Flaps, o restaurante casual e
estiloso para funcionários da SpaceX. Junto com ele estavam três das
principais diretoras da NASA: Janet Petro, do Kennedy Space Center,
em Cabo Canaveral; Lisa Watson-Morgan, do Programa do Sistema de
Pouso Humano; e Vanessa Wyche, do Johnson Space Center, em
Houston.
X subiu na mesa e começou a comer molho de gorgonzola com um
garfo. Musk brincou que X servia de “adereço de fofura”. Petro sussurrou
para mim: “Estou contendo meus instintos maternos.” Até que
finalmente sucumbiu: tirou o garfo dele e trocou-o por uma colher.
“Ele é destemido”, diz Musk. “Provavelmente uma dose um pouco
maior de instinto de medo seria útil. É genético.” Sim, mas também era
resultado da maneira livre como Musk o criava. Não é da natureza dele
ser protetor.
“Falcon 9”, falou X, apontando para algo distante.
“Não”, corrigiu o pai. “Starship.”
“Dez, nove, oito...”, contou X.
“As pessoas dizem que é um sinal de inteligência que ele saiba contar
de trás para a frente”, fala Musk. “Mas não sei se ele sabe contar em
ordem crescente.”
Musk perguntou se as convidadas da NASA tinham filhos, e a
resposta delas o levou a discursar mais uma vez sobre como a redução
nas taxas de natalidade é uma ameaça ao futuro da consciência humana.
“Meus amigos têm, em média, só um filho”, afirmou ele. “Alguns não
têm filho algum. Eu tento dar um bom exemplo.” Ele não mencionou
que tinha acabado de ser pai de mais três filhos.
A conversa passou a ser a China, que era a única entidade que estava
lançando tantas missões orbitais quanto a SpaceX. A própria NASA
nem estava mais no jogo. “Se a China chegar à Lua antes de nós
voltarmos para lá, esse momento será uma repetição do episódio do
Sputnik”, disse ele para as diretoras da NASA. “Vai ser um choque
quando acordarmos e descobrirmos que eles chegaram à Lua enquanto
estávamos processando judicialmente uns aos outros.” Musk disse que,
quando visita a China, com frequência lhe perguntam como aquele país
pode ser mais inovador. “A resposta que dou é que eles devem desafiar a
autoridade.”
Naquela noite, centenas de trabalhadores, repórteres, autoridades do
governo e moradores locais se reuniram em frente à Starship montada,
iluminada por holofotes. “É preciso que haja coisas que lhe inspiram,
que mexam com o seu coração”, disse Musk no discurso. “Ser uma
civilização exploradora do espaço, fazer a ficção científica deixar de ser
ficção é uma dessas coisas.” Durante a apresentação, eu me sentei ao
lado de Krebs, que ainda não tinha decidido deixar a SpaceX, e
conversamos sobre como ele havia sobrevivido tendo estado na linha de
fogo de Musk naquele mesmo lugar sete meses antes. Quando perguntei
se valia a pena, Krebs acenou na direção da Mechazilla. “Toda vez que
vejo a torre meu coração dispara”, disse.
Depois da apresentação, Musk foi até um grupo reunido num bar de
comida indonésia atrás do prédio principal da Starbase. Depois de
alguns minutos, o astronauta Jared Isaacman, da Inspiration4, que havia
voado no próprio caça de alto desempenho para a apresentação, se
juntou ao grupo.
Isaacman tinha uma confiança tranquila e humilde, que relaxava
Musk. Ele comentou que achou bom Musk ter decidido não ir para o
espaço depois de Branson e Bezos. “Teria sido a gota d’água”, opinou.
Pareceria uma coisa narcisista de meninos bilionários. “Basta mais um
erro desses para que os americanos digam: ‘Dane-se o espaço.’”
“Sim”, concordou Musk com uma risada triste, “era melhor mandar
quatro pessoas de fora do elenco principal”.

Sacudindo a equipe
Os satélites da Starlink que estavam sendo construídos em Seattle
começavam a se acumular em julho de 2022. Os foguetes Falcon 9
estavam sendo lançados de Cabo Canaveral pelo menos uma vez por
semana, e cada voo punha em órbita cerca de cinquenta satélites. Musk,
entretanto, vinha contando com o fato de que a gigantesca Starship
estaria fazendo lançamentos regulares da plataforma em Boca Chica.
Como sempre, ele estava sendo pouco realista com relação a
cronogramas.
“Quer que eu mande algumas pessoas para Boca?”, perguntou Mark
Juncosa, que havia se mudado para Seattle a fim de supervisionar a
produção da Starlink.
“Sim”, respondeu Musk. “Você deveria ir para lá também.” Era o
momento de sacudir os gestores. No início de agosto, Juncosa estava
circulando pelas tendas da linha de montagem em Boca Chica feito um
redemoinho, levantando poeira.
Juncosa é abençoado com uma boa dose da loucura de Musk. Com
cabelos desgrenhados e olhos enormes, ele salta de um lado para outro e
gira o celular de uma maneira que cria um campo de alta energia em
volta dele. “Juncosa é muito carismático de um jeito pateta e durão”, diz
Musk. “Ele consegue dizer para as pessoas que elas estão errando e que a
ideia é um lixo, mas de um jeito que não deixa ninguém com raiva. Ele é
o meu Marco Antônio.”
Musk e Juncosa gostavam da equipe em Boca Chica, especialmente
de Riley e Patel, mas achavam que eles não eram duros o suficiente. “Bill
é um grande cara, mas tem dificuldade em dar feedbacks negativos e
simplesmente não consegue demitir ninguém”, me falou Musk. A
presidente da SpaceX, Gwynne Shotwell, tinha a mesma opinião sobre
Patel, que havia supervisionado a construção das instalações. “Sam
trabalha muito”, disse, “mas não sabe como dar más notícias ao Elon.
Sam e Bill são covardes”.
Musk fez uma videochamada com a equipe da Starship em 4 de
agosto da sala de conferências na Giga Texas, onde estava se preparando
para a reunião anual com os acionistas da Tesla naquela tarde. Enquanto
eles explicavam os slides, ele foi ficando cada vez mais bravo. “Esses
cronogramas são bobagem, um grande erro”, explicou. “Não tem chance
de isso levar tanto tempo assim.” Musk decretou que começaria a ter
reuniões sobre a Starship todas as noites, sete vezes por semana. “Vamos
revisar os princípios básicos do algoritmo todas as noites, questionar as
especificações e eliminar”, decretou ele. “Foi isso que fizemos para dar
um jeito na merda que era o Raptor.”
Ele perguntou quanto tempo demoraria para colocar o foguete
auxiliar na plataforma de lançamento a fim de testar os motores. Dez
dias foi a resposta. “É muito”, retrucou ele. “Isso é crucial para o destino
da humanidade. Dá trabalho mudar o destino. Não dá para fazer isso só
em horário comercial.”
Então, Musk encerrou a reunião abruptamente. “Vejo vocês à noite”,
falou ele para a equipe de Boca Chica. “Tenho uma reunião de acionistas
da Tesla à tarde, e nem vi os slides ainda.”

A invasão do Bar Tiki


Quando Musk chegou a Boca Chica vindo de Austin naquela noite,
depois de comandar a reunião de acionistas da Tesla, que mais parecia
uma convenção de fãs, foi direto para a sala de conferências da Starbase,
onde a equipe havia se reunido. Parecia uma cena de Star Wars. Musk
levou X, que apesar do horário estava cheio de energia e correu em volta
da mesa gritando “Foguetes!”. Grimes também estava lá, com o cabelo
pintado de verde e rosa. Juncosa deixara a barba crescer ainda mais.
Shotwell havia voado de Los Angeles para ajudar a gerenciar a sacudida
no pessoal — sendo do tipo que faz questão de acordar cedo, ela
comentou que já havia passado do horário de ela dormir. A única outra
mulher à mesa, que contava com umas doze pessoas, era Shana Diez,
uma engenheira aeronáutica do MIT que trabalhava na SpaceX havia
catorze anos e, tendo impressionado Musk pela competência franca,
fora promovida a diretora de engenharia da Starship. Completando a
mesa havia os outros membros da equipe — Bill Riley, Joe Petrzelka,
Andy Krebs, Jake McKenzie —, todos usando o uniforme-padrão,
composto de jeans e camiseta preta.
Musk pressionou de novo para que colocassem o foguete auxiliar na
plataforma, de modo que os motores pudessem ser testados o mais
rápido possível. Dez dias era tempo demais. Ele estava particularmente
interessado em determinar o grau de importância dos escudos térmicos
em volta dos motores. Vivia procurando maneiras de eliminar peças, em
especial as que acrescentavam massa ao foguete auxiliar. “Não parece que
precisamos de escudos em todos aqueles pontos”, disse. “Fui até lá com
uma lanterna e vi que os escudos térmicos estão bloqueando coisas, não
dá para ver nada.”
A reunião foi se arrastando, como costuma acontecer com ele, e, antes
que pudessem concordar com um cronograma para os testes, entraram
em uma discussão sobre o filme Amor à queima-roupa, escrito por
Quentin Tarantino. Depois de mais de uma hora, Shotwell tentou
encaminhar a reunião para o fim. “O que decidimos?”, perguntou ela.
A resposta não foi exatamente clara. Musk estava olhando ao longe,
pensativo. Todo mundo já tinha visto aquele transe antes. Em algum
momento, depois de processar a informação sozinho, ele faria um
pronunciamento. Mas já passava da uma da manhã, e aos poucos os
engenheiros foram saindo, e deixaram Musk pensando sozinho.

***

Após sair da sala de conferências e seguir para o estacionamento, os


participantes se reuniram em volta de Juncosa, que estava girando o
celular, entretendo o pessoal, e claramente ainda não estava pronto para
se retirar e descansar em seu trailer Airstream. Além de estar animado,
ele sabia que as tropas estavam nervosas com a mexida de pessoal que
viria, e que um reagrupamento poderia ser útil. Como um capitão do
time estudantil que sabia exatamente qual nível de transgressão era
apropriado, Juncosa propôs que eles invadissem o bar tiki ali perto e
fizessem uma festa. Usando um cartão de crédito para arrombar a porta,
ele levou uma dezena de seguidores para o bar e escalou um deles para
servir cerveja, uísque escocês Macallan e bourbon Elijah Craig Small
Batch. “Se a gente se encrencar, podemos botar a culpa em você, Jake”,
disse ele apontando para McKenzie, o mais jovem, tímido e que, entre
eles, era quem menos chance tinha de arrombar um bar.
Sem Musk por perto, Juncosa conseguiu deixar todo mundo relaxado,
mas também conseguiu transmitir algumas lições. Ele tirou sarro de um
deles por ter hesitado em dizer a Musk que uma instalação de testes não
ficaria pronta a tempo, e depois dançou em volta da vítima batendo os
cotovelos e cacarejando, querendo dizer que a pessoa fora covarde.
Quando um jovem engenheiro tentou impressioná-lo ao descrever suas
aventuras como esquiador radical, Juncosa pegou o celular e mostrou um
vídeo dele esquiando descontroladamente no Alasca à frente de uma
avalanche.
“É você mesmo?”, perguntou o engenheiro.
“Sim”, respondeu Juncosa. “É preciso correr riscos. É preciso amar
correr riscos.”
Por volta daquela hora — 3h24 da manhã, para ser preciso —, meu
celular tocou com uma mensagem de Musk, que ainda estava acordado
na sua pequena casa a um 1,5 quilômetro dali. “O cronograma anterior
do foguete auxiliar era de dez dias para a plataforma”, dizia o texto.
“Mas tenho 90% de certeza de que vamos descobrir nosso próximo
problema de desenvolvimento sem precisar que o B7 esteja completo.”
Mostrei para McKenzie decifrar, e ele mostrou para Juncosa. Eles
ficaram em silêncio por um momento. Isso significava que Musk havia
processado o que ouvira na reunião e decidira que não iriam esperar dez
dias para mover o foguete auxiliar, conhecido como B7, até a plataforma
para teste. Eles iriam fazer isso antes de instalar todos os 33 motores.
Musk prosseguiu logo depois, e deu mais detalhes: “De uma forma ou
de outra, vamos colocar o B7 de volta na estrutura de lançamento à
meia-noite de hoje ou antes.” Em outras palavras, eles iriam fazer aquilo
em um dia, não em dez dias. Ele havia determinado mais uma onda de
trabalho.
Pé-direito alto
Naquela manhã, depois de algumas horas de sono, Musk foi até um dos
galpões de montagem de pé-direito alto, vestido com uma camiseta
preta com a estampa ocupe marte, para ver o B7 ser equipado com os
motores Raptor. Depois de subir uma escada industrial, ele escalou uma
plataforma sob o propulsor. Estava cheia de cabos, peças de motores,
ferramentas, correntes balançando e, pelo menos, quarenta pessoas
trabalhando lado a lado enquanto prendiam os motores e soldavam a
blindagem. Musk era o único sem capacete.
“Por que esta peça é necessária?”, perguntou ele a um dos engenheiros
veteranos, Kale Odhner, que encarou a presença do patrão com
normalidade e deu respostas diretas enquanto continuava a trabalhar. As
visitas de inspeção de Musk às áreas de montagem eram tão frequentes
que os trabalhadores quase nem prestavam atenção a ele, a menos que
desse ordens ou fizesse alguma pergunta. “Por que aquilo não pode ser
feito mais rápido?” é uma das favoritas. Às vezes ele só fica de pé e olha
fixamente, em silêncio, por quatro ou cinco minutos.
Depois de mais de uma hora, Musk desceu da plataforma e correu,
mancando, os 180 metros do estacionamento até a cantina. “Acho que
ele faz isso para todo mundo ver como está com pressa”, disse Andy
Krebs. Perguntei mais tarde para Musk se era essa a razão. “Não”, riu.
“Fiz porque esqueci de passar protetor solar e não queria uma
queimadura.” E acrescentou: “É verdade que as tropas ficam mais
motivadas se virem o general no campo de batalha. Na presença de
Napoleão, fosse onde fosse, as tropas atuavam melhor. Mesmo que eu
não faça nada e só apareça, eles vão me ver e dizer que pelo menos não
passei a noite toda na farra.” Parecia que ele ficara sabendo da escapada
para o bar tiki.

***

Pouco depois da meia-noite, o prazo que Musk havia determinado, um


caminhão com o foguete auxiliar em pé começou a percorrer os
oitocentos metros da área de montagem até a área de lançamento em
Boca Chica. Grimes foi de carro da pequena casa deles para
testemunhar o espetáculo com X, que dançou em volta do foguete, que
se movia lentamente. Foi impressionante a visão do foguete auxiliar
chegando à área de lançamento e sendo colocado de pé na plataforma,
brilhando sob uma lua quase cheia.
Estava tudo indo bem até que uma tubulação se soltou e fluido
hidráulico, uma mistura de óleo e água, começou a cobrir a área. Todos
ficaram encharcados, inclusive Grimes e X. A princípio, ela se assustou,
pois achou que se tratava de algum produto químico tóxico, mas Musk a
tranquilizou. “Amo o cheiro de fluido hidráulico de manhã”, disse, em
alusão a uma fala de Apocalypse Now. X também não desanimou, nem
mesmo quando Grimes o levou de volta para casa para tomar banho.
“Acho que ele está desenvolvendo uma tolerância ao perigo acima da
média”, disse Musk. Demonstrando uma migalha de autoconsciência,
acrescentou: “A tolerância dele ao perigo é quase problemática, para ser
sincero.”
capítulo 77
Optimus Prime
Tesla, 2021-2022

Slide que mostra os componentes da mão do Optimus (acima); o robô


fazendo um coração, o logotipo do Dia da IA 2 (abaixo)
Toque humano
Quando Musk anunciou seus planos de construir o Optimus em agosto
de 2021, uma atriz vestida de macacão branco cambaleou pelo palco
imitando um robô. Alguns dias depois, o chefe de design da Tesla, Franz
von Holzhausen, reuniu um grupo para começar a construir o
equipamento real: um robô capaz de emular um ser humano.
Musk deu uma diretiva: tinha que ser um robô humanoide. Em outras
palavras, deveria se parecer com uma pessoa, não com uma engenhoca
mecânica com rodas ou quatro patas, como a Boston Dynamics e outros
estavam construindo. A maioria dos locais de trabalho e ferramentas é
projetada para se adequar à maneira como os humanos fazem as coisas,
por isso Musk acreditava que um robô deveria se aproximar da forma
humana para operar de modo natural. “Queremos deixá-lo o mais
humano possível”, disse Von Holzhausen aos dez engenheiros e
designers sentados em volta de sua mesa de reuniões. “Mas também
podemos aprimorar o que os humanos fazem.”
Eles começaram pela mão. Von Holzhausen pegou uma furadeira, e
estudaram como os dedos e a palma interagiam com ela. A princípio,
parecia sensato tentar fazer a mão com quatro dedos, uma vez que o
dedo mindinho não parecia ser necessário. Contudo, além de parecer
repugnante, isso acabou não se mostrando muito funcional. Em vez
disso, decidiram alongar o dedinho, para que pudesse ser mais útil.
Entretanto, também fizeram uma simplificação: iriam fazer cada dedo
com duas articulações, não três.
Outra melhoria era fazer a palma da mão mais longa, para que
pudesse envolver uma ferramenta, reduzindo a carga sobre o dedão. Isso
tornaria a mão do Optimus mais forte do que a humana. Eles também
cogitaram uma tática biônica ainda mais inovadora, como instalar ímãs
potentes na ponta de cada dedo. Essa ideia foi rejeitada; muitos
dispositivos poderiam sofrer influência negativa de ímãs.
Quem sabe os dedos não pudessem também se virar para as costas da
mão, não apenas em direção à palma? E se o pulso fosse capaz de se
dobrar para trás, assim como se dobra para a frente? Todo mundo à
mesa começou a mexer as mãos e os pulsos para ver o que isso
significava. “Isso poderia ser útil se o robô precisasse pressionar algo
contra a parede”, disse Von Holzhausen. “Ele poderia fazer isso sem
colocar pressão nos dedos.” Alguém sugeriu que a mão pudesse ir para
trás a ponto de os dedos poderem tocar o braço. Isso permitiria que o
braço aplicasse pressão a algo sem que a mão estivesse envolvida. “Uau”,
disse Von Holzhausen, “mas as pessoas iriam se assustar um pouco. Não
vamos tão longe assim”.
“Agora vem a parte desafiadora”, falou Von Holzhausen perto do fim
da reunião de duas horas. “Como fazemos essa salsicha ficar bonita?” Ele
distribuiu tarefas para o que iriam mostrar a Musk nas reuniões
semanais de revisão. “Comecem descobrindo como os dedos irão ficar e
como vão afinar, especialmente agora que vamos alongar o dedinho.
Elon quer um afinamento feminino para os dedos.”

O jovem Frankenstein
Musk e seus engenheiros descobriram que corpos humanos são incríveis.
Em uma das reuniões semanais, por exemplo, eles discutiram como
nossos dedos não apenas aplicam pressão às coisas, como também
podem sentir pressão. Qual era o melhor jeito de fazer os dedos do
Optimus avaliarem a pressão? “Poderíamos olhar para a corrente no
atuador da articulação, que vai se correlacionar com a pressão aplicada na
ponta”, sugeriu um engenheiro. Outro pensou em colocar capacitores na
ponta dos dedos, como em uma tela sensível ao toque, ou talvez um
sensor barométrico de pressão ou um chip envolto em borracha, ou
mesmo uma pequena câmera dentro de uma ponta de dedo feita em gel.
“Quais são as diferenças quanto aos custos?”, perguntou Von
Holzhausen. Eles decidiram que medir a pressão usando a corrente no
atuador da articulação seria mais eficiente porque não acrescentaria
peças.
Não importa quão conturbada estivesse sua rotina, Musk tentava
participar das reuniões semanais de design do Optimus. Em uma delas,
em fevereiro, ele estava na sala VIP do estádio do Miami Marlins
participando de uma festa de audição promovida por Kanye West,
conhecido como Ye, para um novo álbum, Donda 2. Ele estava em pé
com os rappers French Montana e Rick Ross, comendo tacos e
conversando sobre criptomoedas, quando recebeu uma mensagem de
Omead Afshar lembrando-o da reunião do Optimus às nove da noite.
Musk entrou na conferência, mas esqueceu a câmera do telefone ligada
e, sem perceber, deixou que a equipe do Optimus assistisse à festa ao
fundo. Membros da comitiva VIP de Ye olhavam com curiosidade
enquanto ele andava pela sala sacudindo os dedos e discutindo o número
de atuadores que seriam necessários para dar às mãos do Optimus
destreza suficiente. “Elas precisam ser capazes de pegar um lápis de
qualquer ângulo”, disse Musk. Um rapper ao fundo acenou e começou a
sacudir os dedos.
Às vezes as reuniões a respeito do Optimus se arrastavam por mais de
duas horas enquanto Musk considerava ideias grandes e triviais. “Talvez
os robôs pudessem trocar os braços por ferramentas distintas”, sugeriu
alguém. Musk rejeitou isso. Em outra reunião, ele perguntou se deveria
existir uma tela no lugar do rosto. “Pode ser só um monitor”, falou ele.
“Não precisa ser sensível ao toque. Mas precisamos saber o que ele está
fazendo a distância.” Eles decidiram que era uma boa ideia, mas não
havia necessidade para uma primeira iteração do Optimus.
As discussões frequentemente evocavam as fantasias futurísticas de
Musk. A equipe preparou uma simulação em vídeo do Optimus
trabalhando em uma colônia em Marte, o que levou a uma longa
discussão sobre se os robôs em Marte poderiam trabalhar por conta
própria ou se deveriam trabalhar sob a orientação de supervisores
humanos. Von Holzhausen tentou levar as coisas de volta à Terra. “Acho
que a simulação de Marte é divertida”, interveio ele por fim, “mas
deveríamos fazer uma que mostre os robôs trabalhando em uma de
nossas fábricas, quem sabe realizando tarefas repetitivas que ninguém
quer fazer”. Em outra reunião, eles discutiram se deveriam colocar um
Optimus no assento do motorista em um Robotáxi para cumprir a
obrigação legal de o carro ter um motorista. “Lembra que no Blade
Runner original fizeram algo assim?”, disse Musk. “Assim como no jogo
Cyberpunk mais recente.” Ele gostava de fazer a ficção científica deixar
de ser ficção.
Outras ideias pareciam mais influenciadas pelo lado bobo do sistema
límbico de Musk. “Talvez devêssemos ter um cabo de carregamento que
saia da bunda”, brincou ele certa vez. Depois de algumas risadas altas,
ele rejeitou a ideia. “O fator de riso seria alto demais”, zombou. “Para os
humanos, os orifícios são importantes.”
“Isso me lembra do filme O jovem Frankenstein”, disse Musk certa
vez, referindo-se à paródia dirigida por Mel Brooks. “É um filme
emblemático.” Isso, entretanto, levou a uma discussão mais séria sobre
como garantir que os robôs não virem monstros, que fora o impulso
original que levara Musk a se dedicar aos campos da inteligência
artificial e da robótica. Em uma reunião, ele revisou o “caminho para o
comando de parada”, que daria a um ser humano o poder final para
desativar o robô. “Não pode existir um cenário no qual alguém possa ter
acesso à nave-mãe e assuma o controle dos robôs de maneira maliciosa”,
disse ele, descartando o uso de quaisquer sinais eletrônicos que possam
ser hackeados. Citando as leis da robótica de Asimov, ele planejou
estratégias de jogo que permitiriam aos humanos triunfar sobre
“exércitos de robôs mortais”.

***

Mesmo enquanto vislumbrava cenários futurísticos, Musk estava


concentrado em transformar o Optimus em um negócio. Em junho de
2022, a equipe havia terminado a simulação dos robôs carregando caixas
pela fábrica. Ele gostava do fato de que, como dizia, “nossos robôs vão
trabalhar mais duro do que os humanos”. Passou a acreditar que o
Optimus se tornaria a principal fonte de lucro da Tesla. “O robô
humanoide Optimus”, declarou aos analistas, “tem o potencial de ser
mais significativo do que o ramo de veículos”.
Com os lucros em mente, Musk pressionou a equipe do Optimus a
criar um gráfico detalhado de qualquer funcionalidade que quisessem e
do custo de fabricá-la em massa. Por exemplo: uma tabela analisava três
maneiras de o pulso humano se mover: pode mover a mão para cima e
para baixo, da direita para a esquerda, e pode também fazê-la girar. Para
alcançar dois desses “graus de liberdade”, os engenheiros calcularam que
cada pulso iria custar 712 dólares. Acrescentar atuadores extras para
realizar os três graus de liberdade aumentaria o custo para 1.103 dólares.
Musk ficou fascinado ao estudar as maneiras como o pulso dele poderia
se mover e quais músculos estavam envolvidos em cada movimento. Ele
então disse que o robô deveria ter as mesmas habilidades humanas. “A
resposta é que queremos os três graus de liberdade, de modo que temos
que descobrir como chegar lá de maneira mais eficiente”, falou. “Este é
um design horrível. Eu olho e acho terrível. Usem os atuadores de porta
elevatória de nossos carros, que sabemos fazer de forma barata.”
Toda semana Musk analisava os cronogramas mais recentes e
expressava, muitas vezes de modo enfático, a insatisfação que sentia.
“Finjam que somos uma startup prestes a ficar sem dinheiro”, disse em
uma dessas sessões. “Rápido. Mais rápido! Por favor, marquem sempre
que uma data for adiada. Todas as más notícias deveriam ser dadas em
voz alta e repetidamente. Boas notícias podem ser ditas com discrição e
de uma só vez.”

Andando
Um dos maiores desafios era fazer o Optimus andar. X tinha quase 2
anos e também estava aprendendo a andar, e Musk continuava a
comparar o modo que seres humanos e máquinas aprendem as coisas. “A
princípio, as crianças andam com os pés chatos; depois, começam a
andar se apoiando nos dedos dos pés, mas ainda andam como um
macaco”, falou. “Leva bastante tempo até que consigam andar como um
adulto. A marcha é bastante complicada.”
Em março, a equipe deu início à reunião semanal com um vídeo em
comemoração a um marco: “Primeiros passos no chão!” Em abril, eles
haviam conquistado o nível seguinte: fazer o Optimus andar enquanto
carregava uma caixa. “Mas não conseguimos coordenar os braços e as
pernas para manter o equilíbrio”, disse um engenheiro. Um problema
era que a cabeça tinha que se mover para o robô ver o entorno. “Se
colocarmos várias câmeras”, sugeriu Musk, “não precisamos virar a
cabeça”.
Musk levou alguns brinquedos, entre eles um robô que seguia uma
pessoa com os olhos e outro que dançava break, para uma das reuniões
de avaliação de design em meados de julho. Ele acreditava que os
brinquedos podiam oferecer lições; certo protótipo de carro já o havia
inspirado a fazer carros de verdade usando grandes prensas de fundição,
por exemplo, e Legos o ajudavam a entender a importância da precisão
na fabricação. O Optimus estava em pé no meio da oficina sustentado
por um guindaste de pórtico. O robô andou lentamente em volta de
Musk e depositou a caixa que estava carregando. Musk então pegou o
controle e guiou o Optimus a pegar a caixa e entregá-la para Von
Holzhausen. Depois que o Optimus terminou, Musk o empurrou de
leve no peito para ver se ele cairia. Os estabilizadores funcionaram, e o
robô permaneceu de pé. Musk assentiu com a cabeça em aprovação e fez
um vídeo do Optimus. “Sempre que o Elon pega o celular para filmar,
sabemos que ele ficou impressionado”, diz Lars Moravy.
Depois, Musk anunciou que faria uma demonstração pública na qual
iria apresentar o Optimus, o carro totalmente autônomo e o Dojo. “Em
todos esses projetos”, disse ele, “estamos lidando com a enorme tarefa de
criar uma inteligência artificial geral”. O evento aconteceria na sede da
Tesla, em Palo Alto, no dia 30 de dezembro de 2022, e ele o chamou de
Dia da IA 2. A equipe de design criou uma logo que mostrava os lindos
dedos longos do Optimus unidos formando um coração.
capítulo 78
Incerteza
Twitter, julho a setembro de 2022

Ari Emanuel esguichando água em Musk com uma mangueira em Mykonos;


Alex Spiro
O exterminador
Sem saber o que queria fazer com relação ao Twitter, Musk pediu três
opções em junho de 2022. O Plano A era seguir com o acordo de
compra de 44 bilhões de dólares. Os planos B e C envolviam tentar
alterar o valor do acordo ou desistir totalmente, de alguma forma. Para
ajudar no modelo financeiro dessas opções, ele chamou Bob Swan, um
ex-CEO do eBay e da Intel e sócio na empresa de capital de risco
Andreessen Horowitz, que estava financiando a oferta de Musk.
O problema era que Swan, um homem direto, estava comprometido
com o Plano A. Achava que não havia justificativa concreta para desistir
do acordo. Ele aceitou a maioria dos números apresentados no relatório
aos acionistas do Twitter, aplicou um pequeno desconto e apontou um
modelo financeiro um tanto otimista. Musk, convencido de que o
mundo iria entrar em recessão e de que o Twitter estava distorcendo seus
problemas com robôs, questionou Swan raivosamente. “Se você
consegue me apresentar isso de cara lavada, então não é provável que
seja a pessoa certa para o trabalho”, esbravejou.
Swan era bem-sucedido demais para ser tratado assim. “Já que eu lhe
apresentei isso de cara lavada, você tem razão”, respondeu,
“provavelmente não sou a pessoa certa para o trabalho”. E se demitiu.
Mais uma vez, Musk ligou para o amigo íntimo e um dos primeiros
investidores da Tesla, Antonio Gracias, cuja equipe à la SWAT havia
descoberto problemas na Tesla em 2007. Gracias estava de férias na
Europa com alguns dos filhos quando recebeu a ligação. “No dia em que
você saiu do conselho da Tesla, disse que eu podia ligar se precisasse de
ajuda”, lembrou Musk. Gracias concordou em montar uma equipe para
fazer uma análise minuciosa das finanças do Twitter.
Gracias achava que precisava encontrar um banco de investimentos
independente para ajudar a determinar a avaliação adequada e a
estrutura de capital. Ele conversou com o amigo Robert Steel, da Perella
Weinberg Partners, que de maneira franca perguntou diretamente a
Musk qual era o objetivo dele: desistir de comprar o Twitter ou comprar
o Twitter a um preço mais baixo? Musk disse que queria a segunda
opção. Isso era verdade, pelo menos na maior parte do tempo, mas ele
estava impedido, tanto legal quanto psicologicamente, de dizer algo
ainda mais verdadeiro, ou seja, que havia algumas manhãs e noites em
que achava que talvez estivesse diante de uma missão infrutífera e ficaria
feliz se tudo acabasse. Steel tinha uma visão interessante sobre Musk.
Quando são dadas três ou quatro opções aos clientes, a maioria pergunta
qual delas o banqueiro recomenda. Musk, em vez disso, fez perguntas
detalhadas sobre cada opção, mas não solicitou uma recomendação. Ele
preferia tomar a decisão por conta própria.

***

Quando Musk exigiu os dados brutos e a metodologia para determinar


quantos usuários reais havia, o Twitter forneceu enxurradas de dados em
formatos que a equipe dele considerava quase inúteis. Musk usou isso
como pretexto para tentar invalidar o acordo. “Por quase dois meses, o
sr. Musk buscou dados e informações necessários para fazer uma
avaliação independente da prevalência de contas falsas ou de spam”,
escreveram os advogados dele. A resistência do Twitter liberou Musk
para que ele pudesse exercer o “direito a encerrar o Acordo de Fusão”.
A resposta da equipe de gestão do Twitter foi processar Musk no
Tribunal de Equidade de Delaware, acusando-o de “se recusar a honrar
as obrigações com o Twitter e os acionistas porque o acordo que ele
assinou já não lhe serve aos interesses pessoais”. A chanceler Kathaleen
McCormick marcou o julgamento para outubro.
O gerente de negócios de Musk, Jared Birchall, e o advogado Alex
Spiro tentaram impedi-lo de enviar mensagens de texto e publicar tuítes
que pudessem prejudicar o caso, ao sugerir que a razão pela qual ele
queria desistir do acordo era porque a receita com publicidade estava
caindo e a economia, desacelerando. “Estou ligando agora para dizer que
ele não tuíte mais”, disse Spiro a Birchall certo dia. Spiro, porém, era um
domador que não tinha como enfrentar aquele leão. Em dez minutos,
Musk publicou uma sequência de tuítes que parecia quase pensada para
irritar a equipe jurídica. “Lá se foi a conversa sobre tuitar”, lamentou-se
Birchall com Spiro.
Até mesmo os tuítes sem noção de Musk que não tinham relação
com o assunto se tornaram um problema. “Vou comprar o Manchester
United, de nada”, postou ele em agosto. Birchall ligou para Spiro com o
intuito de perguntar se a SEC poderia ver isso como uma divulgação
imprópria. “Ele realmente vai comprar?”, perguntou Spiro. Acabou que
Musk estava só brincando com um meme sobre como os fãs do
Manchester United viviam implorando para as pessoas comprarem o
time. Spiro o fez publicar um tuíte em seguida: “Não, esta é uma piada
recorrente no Twitter. Não vou comprar time nenhum.”

Chega Ari Emanuel


Ari Emanuel é chamado com frequência de superagente de Hollywood,
mas em 2022 ele havia se tornado mais do que isso. Ele era CEO da
Endeavor, uma empresa de entretenimento em expansão, e era tão
enérgico que nunca parava. Com a habilidade penetrante e rápida de
conectar pessoas e dizer foda-se, talentos que compartilhava com os
irmãos Rahm e Zeke, ele ficava exultante quando punha as mãos em
algo que parecesse interessante.
Depois dos ataques terroristas do 11 de Setembro de 2001, Emanuel
decidiu que não queria dar aos sauditas mais dinheiro advindo de
petróleo, de modo que trocou sua Ferrari por um Prius. No entanto, ele
odiava o carro. Era muito pouco potente. Ele estava procurando alguém
que de fato pudesse fazer um carro elétrico sensacional, e foi quando leu
sobre Musk. “Fiz o que faço normalmente, que é criar momentos
promissores”, diz Emanuel. “Liguei para Musk e disse: ‘Quero te
conhecer.’ Éramos apenas dois novatos que tentavam entender as coisas,
e nos tornamos amigos.” Emanuel encomendou um Tesla Roadster,
“porque queria me livrar do maldito Prius”, e acabou recebendo em 2008
o 11o deles. Ainda tem o carro.
Em maio de 2022, Musk voou até Saint-Tropez, na França, para o
casamento cheio de celebridades — Sean ‘Diddy’ Combs, Emily
Ratajkowski, Tyler Perry — de Emanuel com a estilista Sarah
Staudinger. Por conta do Festival de Cinema de Cannes, aquela era uma
ocasião empolgante para se estar na Riviera Francesa. Musk almoçou
com Natasha Bassett, a atriz australiana que estivera com ele no Havaí
um mês antes, quando ele decidiu partir para uma aquisição hostil do
Twitter.
O comediante Larry David, de Curb Your Enthusiasm, que iria
celebrar a cerimônia, compartilhava a mesa com Musk e, quando eles se
sentaram, parecia estar fervendo de raiva. “Por acaso você quer matar
crianças nas escolas?”, perguntou ele a Musk.
“Não, não”, gaguejou Musk, tanto chocado quanto incomodado. “Sou
contra o assassinato de crianças.”
“Então, por que você votou nos republicanos?”, perguntou David.
David confirma que confrontou Musk: “Os tuítes dele sobre votar nos
republicanos porque os democratas eram o partido da divisão e do ódio
estavam entalados na garganta. Mesmo se [o tiroteio na escola em]
Uvalde nunca tivesse acontecido, eu provavelmente iria falar disso,
porque estava com raiva e ofendido.”
Joe Scarborough, da MSNBC, estava à mesma mesa, e David
descreveu o encontro para ele. Scarborough achou tudo muito divertido.
“Eu disse a Ari que não era muito fã de Elon, então ele nos colocou na
mesma mesa”, diz, rindo. “Elon ficou muito quieto.” De sua parte,
Emanuel diz que não estava tentando causar confusão. “Eu realmente
achei que seria uma mesa ótima.” Acabou sendo um microcosmo do
Twitter.
Houve outro problema no casamento. Entre os convidados estava
Egon Durban, um investidor de capital de risco que era um grande
acionista do Twitter e fazia parte do conselho da empresa. Musk estava
com raiva porque, segundo ele, Durban havia falado mal dele para o
CEO do Morgan Stanley, James Gorman. Emanuel tentou apaziguar a
situação no casamento. “Você está sendo idiota”, falou ele para Durban.
“Vá lá e converse com ele.” Eles tiveram uma conversa de uns vinte
minutos, durante a qual, de acordo com Musk, “ele tentou beijar minha
mão”, mas a tensão não sumiu.
Fechador de negócios por natureza, Emanuel se ofereceu para facilitar
as negociações de bastidores entre Musk e o conselho do Twitter. Ele
perguntou quanto Musk estaria disposto a pagar pela empresa. Talvez
houvesse um desconto a ser negociado, um valor mais baixo do que os
44 bilhões de dólares com os quais o conselho havia concordado. Musk
sugeriu metade do preço. Nem Durban nem os demais membros do
conselho do Twitter achavam que essa proposta era digna de resposta.
Emanuel tentou reiniciar as negociações de novo em julho, quando
convidou Musk para ir à casa de férias que tinha em Mykonos, na
Grécia. Musk voou de Austin até a ilha e passou dois dias lá, que se
tornaram memoráveis porque ele foi fotografado, pálido e gordo, em um
iate ao lado de Emanuel, que parecia extraordinariamente em forma e
bronzeado.
Musk disse a Emanuel que talvez estivesse disposto a fechar o
negócio com o Twitter em vez de seguir com o julgamento em outubro
em Delaware. Emanuel ligou de novo para Durban, que não concordava
com a tentativa de negociar um preço mais baixo. No entanto, alguns
membros do conselho estavam ansiosos para tentar evitar a batalha
sangrenta, então deixaram as conversas informais sobre o acordo
começarem.

Indo em frente
As negociações de Musk com o Twitter para abaixar o preço do acordo
não foram longe. A empresa fez algumas propostas que poderiam
reduzir o preço de 44 bilhões de dólares em cerca de 4%, mas Musk
insistiu que a redução tinha que ser de mais de 10% para que ele ao
menos a considerasse. Em alguns momentos, as chances de conseguir
uma aproximação dos dois lados pareciam factíveis, mas havia um
problema adicional. Se o acordo fosse reestruturado, ou tivesse o preço
alterado, isso permitiria que os bancos comprometidos a emprestar o
dinheiro renegociassem os termos. Os compromissos haviam sido
firmados quando os juros estavam baixos, de modo que as novas taxas
cobradas iriam acabar com quaisquer economias.
Existia também um obstáculo mais emocional. Os executivos do
Twitter e os membros do conselho insistiam que qualquer acordo
renegociado deveria garantir a eles proteção contra futuros processos de
Musk. “Nunca vamos dar a eles isenção legal”, disse Musk. “Vamos
caçar cada um até o dia da morte deles.”
Durante o mês de setembro, Musk falava ao telefone com seus
advogados Alex Spiro e Mike Ringler três ou quatro vezes por dia.
Alguns dias ele estava num humor agressivo, e insistia que podiam lutar
e vencer o caso em Delaware. Revelações de um denunciante e outros
fatores haviam aumentado a convicção de Musk de que o Twitter estava
mentindo sobre o número de bots. “Eles estão dando um tiro no pé”,
comentou ele referindo-se ao conselho do Twitter. “Não acredito que o
juiz vá garantir o acordo. Não passaria despercebido ao público.” Outras
vezes, Musk achava que deveria seguir com o acordo e em seguida
processar o conselho do Twitter e os gestores por fraude. Talvez até
fosse possível recuperar parte do preço da compra depois. “O problema”,
disse ele com raiva, “é que os membros do conselho têm tão poucas
ações que recuperar o dinheiro deles vai ser difícil”.
Finalmente, no fim de setembro, os advogados convenceram Musk de
que ele perderia se o caso fosse a julgamento. Era melhor fechar o
acordo nos termos originais, de 54,20 dólares por ação, 44 bilhões de
dólares no total. Naquele momento, Musk havia recuperado um pouco
do entusiasmo com a ideia de passar a comandar a empresa. “Há
controvérsias, mas eu deveria simplesmente pagar o preço total, porque
essas pessoas que comandam o Twitter são muito burras e idiotas”, disse
ele para mim no fim de setembro. “As ações estavam em 70 no ano
passado, apesar desse bando de imbecis. O potencial é enorme. Tem
muita coisa que eu posso consertar.” Ele concordou com a confirmação
oficial do acordo em outubro.

***

Quando ficou claro que o acordo iria ser concluído, Ari Emanuel voltou
a falar com Musk. Enviou-lhe uma mensagem de três parágrafos, pelo
serviço de mensagens de texto criptografadas Signal, com uma proposta:
deixar que ele e a agência Endeavor, da qual era CEO, comandassem o
Twitter. Emanuel propôs que, por uma taxa de 100 milhões de dólares,
se encarregaria de cortar os custos, criar uma cultura melhor e gerir as
relações com anunciantes e marqueteiros. “A ideia era a de que nós
iríamos gerir a operação, mas Musk nos diria o que queria e ficaria
responsável por toda a engenharia e a parte técnica”, diz Emanuel.
“Fazemos muitos negócios com anunciantes, e temos experiência no
assunto, sabe?”
Birchall chamou a mensagem de “ofensiva, humilhante, insana”.
Musk foi mais otimista e educado. Ele valorizava a amizade com
Emanuel. “Olha, agradeço a oferta”, respondeu, “mas o Twitter é uma
empresa de tecnologia, uma empresa de programação”. Emanuel rebateu
que contrataria os técnicos, mas Musk o respondeu com um não firme.
Ele tinha uma crença fundamental de que não dá para separar a
engenharia do design do produto. Na realidade, o design do produto
deveria ficar a cargo dos engenheiros. A empresa, assim como a Tesla e a
SpaceX, deveria ser liderada pela engenharia em todos os níveis.
Havia mais uma coisa que Emanuel não entendia. Musk queria
comandar pessoalmente o Twitter, assim como estava fazendo com a
Tesla, a SpaceX, a The Boring Company e a Neuralink.
capítulo 79
Apresentação do Optimus
Tesla, setembro de 2022

X aperta a mão do Optimus enquanto Milan Kovac e Anand Swaminathan


assistem
Cabelos em chamas
“Minha saúde psicológica oscila muito”, disse Musk enquanto voava de
Austin até o Vale do Silício na terça, 27 de setembro, a fim de se
preparar para o Dia da IA 2, a grande apresentação pública que ele havia
prometido para exibir o trabalho de inteligência artificial da Tesla, os
carros autônomos e lançar o robô Optimus. “É péssimo quando há
pressão extrema. Mas, quando muitas coisas começam a dar certo,
também não é bom para a minha saúde psicológica.”
Muita coisa estava afetando Musk naquela semana. Ele ia depor na
corte de Delaware no caso que pretendia forçá-lo a fechar o acordo com
o Twitter, havia uma investigação da SEC e também um processo que
contestava a remuneração dele na Tesla. Ele também estava preocupado
com as controvérsias sobre o uso de satélites da Starlink na Ucrânia, com
as dificuldades de reduzir a dependência da cadeia de suprimentos da
Tesla em relação à China, com o lançamento de um Falcon 9 tripulado
por quatro astronautas (entre os quais uma cosmonauta russa) para a
Estação Espacial Internacional, com um lançamento na Costa Oeste, no
mesmo dia, de um Falcon 9, que carregaria 52 satélites da Starlink, além
de estar preocupado com diversos problemas pessoais de filhos,
namoradas e ex-mulheres.
Musk sublima o estresse de várias formas, e ser meio pateta é uma
delas. No voo para o Oeste, ele ficou animado com sua mais recente
ideia de produto para vender: um perfume com o cheiro de cabelo
queimado. Quando pousou, ligou para Steve Davis, o CEO da The
Boring Company, que havia antes executado a ideia de Musk de vender
um lança-chamas de brinquedo. “Perfume de cabelo queimado!”, disse
Musk, imaginando o discurso de marketing. “Gostou do cheiro que
sentiu depois de usar o lança-chamas? Temos um perfume para você!”
Davis estava sempre ansioso para satisfazer Musk. Ele enviou um
pedido para laboratórios de fragrâncias, o qual dizia que o primeiro a
encontrar o cheiro levaria o contrato. Quando a The Boring Company o
expôs no próprio site, Musk tuitou: “Por favor, compre o meu perfume,
para que eu possa comprar o Twitter.” Em uma semana, eles venderam
todo o lote de 30 mil encomendas por 100 dólares cada.
Ao chegar à sede da Tesla, Musk foi para um palco improvisado em
um showroom cavernoso que estava sendo preparado para aquela sexta-
feira, que seria o Dia da IA 2. Uma versão quase pronta do Optimus
estava pendurada em um guindaste, pronta para o treinamento. Ao grito
de “Ativar!” de um engenheiro, outro apertou o botão vermelho que fazia
o Optimus andar. Ele caminhou até a frente do palco, parou e acenou
com a mão como um monarca sereno. Durante a hora seguinte, a equipe
fez o Optimus demonstrar suas habilidades mais vinte vezes. A visão
dele chegando à beira do palco, parando, olhando em volta e acenando
tornou-se hipnotizante. Depois do último circuito do dia, X andou até o
Optimus e tocou os dedos do robô.
O engenheiro que comandava as sessões de ensaio era Milan Kovac.
“Acho que desenvolvi Transtorno do Estresse Pós-Traumático”, disse
ele. “Depois do que aconteceu da última vez, é muito difícil manter a
compostura.” Eu me dei conta de que Kovac fora o engenheiro alvo da
fúria de Musk um ano antes, durante os ensaios para o Dia da IA 1,
quando os slides que ele havia apresentado foram considerados
entediantes demais. Após aquele incidente, ele cogitou por semanas a
ideia de se demitir. “Mas cheguei à conclusão de que a missão era muito
importante”, conta.
À medida que o Dia da IA 2 se aproximava, em setembro de 2022,
Kovac reuniu coragem para abordar com Musk a discussão deles de um
ano antes. Musk olhou para ele inexpressivamente ao ouvir a pergunta:
“Você se lembra de que odiou minha apresentação e ficou me dizendo
quanto era terrível?” Kovac continuou: “E que todo mundo ficou
preocupado achando que eu ia me demitir?” Musk ainda o encarava com
o olhar vazio. Ele não se lembrava.

O ensaio do Dia da IA
Depois de ter sido fotografado durante as férias de dois dias na Grécia
com Ari Emanuel e chamado de gordo, Musk decidiu começar a usar o
remédio Ozempic para fins de emagrecimento e seguir uma dieta de
jejum intermitente, fazendo só uma refeição por dia. No caso dele, a
única refeição era um café da manhã tardio, e a dieta permitia que ele se
empanturrasse à vontade. Às onze da manhã de uma quarta-feira, ele foi
ao Palo Alto Creamery, um pequeno restaurante retrô que estava na
moda, e pediu um cheeseburger com bacon ao barbecue acompanhado
de batata-doce frita e um milkshake de Oreo. X ajudou a comer parte da
porção de batatas.
Depois, Musk visitou o laboratório da Neuralink em um centro
comercial em Fremont, onde se concentrou na mecânica e nos sinais que
o ato de andar compreendia. Usando jalecos e protetores de sapato,
Shivon Zilis, DJ Seo e Jeremy Barenholtz o levaram até uma sala sem
janelas na qual um porco chamado Mint estava andando em uma esteira
ergométrica e ganhando pedaços de maçã cobertos de mel como
recompensa. De vez em quando, ele recebia um choque para fazer os
músculos se contraírem. Todos tentavam decodificar quais atuadores
estavam envolvidos no ato de andar.
Quando Musk chegou à sede da Tesla, os engenheiros de lá também
estavam focados no andar. Preparando-se para a apresentação do
Optimus marcada para a noite seguinte, eles haviam programado o robô
para dar passos um pouco mais curtos porque o palco da apresentação
era mais liso que o chão de concreto da oficina. No entanto, Musk
gostava da caminhada mais longa, e começou a imitar os passos largos
de John Cleese no esquete “O Ministério dos Passos Bobos”, de Monty
Python. “Parecia mais legal com a caminhada descolada”, disse Musk. Os
engenheiros começaram a fazer ajustes.
Em seguida, trinta engenheiros se reuniram em torno de Musk para
ouvir um discurso motivacional. “Robôs humanoides vão desatar a
economia em níveis quase infinitos”, declarou ele.
“Robôs operários resolveriam a falta de crescimento populacional”,
acrescentou Drew Baglino.
“Sim, mas as pessoas ainda deveriam ter filhos”, replicou Musk.
“Queremos que a consciência humana sobreviva.”
Mais tarde naquela noite, fizemos um passeio nostálgico pelo prédio
de três andares nos limites do centro de Palo Alto que outrora abrigara o
pequeno escritório do Zip2, a startup que ele e Kimbal haviam fundado
27 anos antes. Assobiando como se estivesse em um devaneio, Musk
andou em volta do prédio tentando entrar, mas todas as portas estavam
fechadas e havia uma placa de aluga-se na janela. Então ele atravessou
duas quadras, até o Jack in the Box, onde ele e Kimbal comiam todos os
dias. “Eu deveria estar em jejum agora, mas tenho que comer algo aqui”,
disse. No microfone do drive-thru, pediu: “Vocês ainda têm a porção de
teriyaki?” Ainda tinham. Musk pediu uma para ele e um hambúrguer
para X. “Será que isso ainda vai estar aqui daqui a 25 anos, para o X
trazer os filhos dele?”, comentou.

Dia da IA 2
Quando Musk chegou na tarde seguinte para a grande revelação do
Optimus no Dia da IA 2, dezenas de engenheiros corriam pelos
corredores parecendo preocupados. Uma ligação havia se soltado no
peito do Optimus, que não estava mais funcionando. “Não acredito que
isso está acontecendo”, disse Kovac, tendo flashbacks do trauma sofrido
no Dia da IA 1 um ano antes. No fim das contas, alguns dos
engenheiros conseguiram religar a conexão, e torceram para que ficasse
no lugar. Eles decidiram correr o risco. Com Musk rodeando, não
tinham muita escolha.
Os vinte engenheiros que iriam participar da apresentação se
reuniram nos bastidores para compartilhar histórias de momentos
complicados. Phil Duan, um jovem especialista em machine learning da
equipe do Autopilot, estudou ciência da informação óptica na cidade
natal dele, Wuhan, na China, e depois fez doutorado na Universidade
de Ohio. Ele começou a trabalhar na Tesla em 2017, bem na época das
ondas insanas de produção que culminaram com a pressão de Musk para
apresentar um carro autônomo no Dia da Autonomia, em 2019.
“Trabalhei por meses, sem nenhuma folga, e fiquei tão cansado que me
demiti da Tesla no dia seguinte ao Dia da Autonomia”, disse ele. “Eu
estava exausto. Mas, depois de nove meses, fiquei entediado e liguei para
o meu chefe, implorando para que me deixasse voltar. Decidi que
preferia estar exausto a entediado.”
Tim Zaman, que comandou a equipe de infraestrutura da inteligência
artificial, tinha uma história parecida. Nascido no norte da Holanda, ele
entrou para a Tesla em 2019. “Quando você trabalha na Tesla, tem
medo de ir para qualquer outro lugar, porque você vai se entediar.” A
esposa havia acabado de ter a primeira filha do casal, e ele sabe que a
empresa não é propícia a um estilo de vida equilibrado entre trabalho e
vida pessoal. Mesmo assim, planeja permanecer na Tesla. “Vou tirar os
próximos dias para ficar com minha esposa e minha filha”, diz Zaman,
“mas, se eu tirar uma semana inteira de folga, meu cérebro fica fritando”.
No Dia da IA anterior, nenhum dos vinte apresentadores era mulher.
Dessa vez, um dos mestres de cerimônia era uma engenheira de design
mecânico carismática chamada Lizzie Miskovetz. Enquanto o volume
da música ia baixando e o Optimus estava prestes a entrar, ela animou o
público com o anúncio: “Esta é a primeira vez que vamos mostrar este
robô sem nenhum apoio extra, guindastes ou mecanismos — sem cabos,
sem nada!”
As cortinas, estampadas com o logotipo das mãos do Optimus
formando um coração, se abriram. Optimus, sem suporte, estava em pé,
confiante, e começou a erguer os braços. “Ele se moveu, está
funcionando”, disse Duan nos bastidores. Em seguida, o robô sacudiu as
mãos, girou os braços e flexionou os pulsos. Os engenheiros prenderam
a respiração enquanto ele começava a dar o primeiro passo com a perna
direita. O robô marchou rigidamente, mas com confiança, até a frente
do palco e executou um cumprimento real. Triunfante, ele ergueu o
punho direito no ar, fez uma dancinha, depois se virou e andou de volta
para trás da cortina.
Até Musk parecia aliviado. “Nosso objetivo é criar um robô
humanoide útil o mais rápido possível”, disse para o público. Em algum
momento, prometeu, haveria milhões deles. “Isso significa um futuro de
abundância, um futuro sem pobreza. Vamos poder pagar uma renda
básica universal para as pessoas. É realmente uma transformação
fundamental da civilização.”
Milan Kovac
capítulo 80
Robotáxi
Tesla, 2022

Omead Afshar, Musk, Franz von Holzhausen, Drew Baglino, Lars Moravy e
Zach Kirkhorn; o conceito de Robotáxi
Vamos apostar tudo na autonomia
Carros autônomos, Musk acreditava, iriam fazer mais do que
simplesmente liberar a população da chatice de ter que dirigir. Em
grande medida, eliminariam a necessidade de as pessoas terem carros. O
futuro seria do Robotáxi: um veículo sem motorista que apareceria
quando chamado, levaria você até o destino desejado e depois seguiria
até o próximo passageiro. Algumas pessoas poderiam adquirir um para
uso próprio, mas a maioria dos Robotáxis seria de empresas de
transporte ou da Tesla.
Naquele mês de novembro, Musk reuniu seus seis principais
assessores em Austin para discutir esse futuro durante um jantar
informal na casa parcialmente mobiliada de Omead Afshar, que
contratou um chef particular para preparar bifes de costela maturada
supergrossos. Estavam presentes Franz von Holzhausen, Drew Baglino,
Lars Moravy e Zach Kirkhorn. Eles decidiram que o Robotáxi seria um
carro menor, mais barato e menos veloz que o Model 3. “Nosso
principal foco tem que ser em volume”, disse Musk. “Não há uma
quantidade que possamos fabricar que seja suficiente. Um dia vamos
querer chegar a 20 milhões por ano.”
O desafio central era descobrir como desenhar um carro sem volante
ou pedais que pudesse atender aos padrões de segurança do governo e
lidar com situações especiais. Semana após semana, Musk considerava
cada detalhe. “E se alguém esquecer de fechar a porta do Robotáxi
quando descer?”, perguntou. “Temos que garantir que ele possa fechar as
portas sozinho.” Como um Robotáxi poderia entrar em um condomínio
ou em um estacionamento? “Talvez precise de um braço para conseguir
apertar um botão ou pegar um tíquete”, disse. Isso parecia um pesadelo.
“Talvez possamos simplesmente excluir os lugares em que não dá para
entrar facilmente”, concluiu Musk. Às vezes, as conversas eram tão
sérias e detalhadas que contradiziam a ousadia do conceito.
No fim do verão de 2022, Musk e a equipe perceberam que tinham
que tomar uma decisão final sobre um assunto com o qual lidaram ao
longo de um ano. Eles deveriam optar pelo caminho seguro e incluir
volante, pedais, retrovisores e outros itens atualmente exigidos pela
legislação? Ou deveriam fazer carros de fato autônomos?
A maioria dos engenheiros ainda pressionava pela alternativa mais
segura. Eles tinham uma visão mais realista sobre quanto tempo levaria
para fazer a Direção Totalmente Autônoma (FSD, na sigla em inglês)
funcionar. Em uma reunião fatídica e dramática no dia 18 de agosto,
reuniram-se para resolver o problema.
“Queremos garantir que estamos avaliando o risco com você”, disse
Von Holzhausen a Musk. “Se optarmos por não ter volante e a Direção
Totalmente Autônoma não estiver em operação, não vamos poder
colocar os carros na rua.” Ele sugeriu que construíssem um carro que
tivesse volante e pedais, mas que fossem removíveis com facilidade.
“Basicamente, nossa proposta é incluí-los agora, mas tirá-los quando for
permitido.”
Musk fez que não com a cabeça. O futuro não chegaria rápido o
suficiente, a menos que eles o forçassem.
“Pequenos”, insistiu Von Holzhausen, “que possamos retirar
facilmente e projetar ao redor”.
“Não”, disse Musk. “Não. NÃO.” Houve uma longa pausa. “Sem
retrovisores, sem pedais, sem volante. Estou assumindo a
responsabilidade por esta decisão.”
Os executivos sentados em volta da mesa hesitaram. “Certo, vamos
voltar a falar disso com você”, disse um deles.
Musk mudou de humor e adotou um ar gélido. “Vou ser claro”, falou
devagar. “Esse veículo deve ser desenhado como um Robotáxi limpo.
Vamos assumir esse risco. É minha culpa se der merda. Mas não vamos
projetar um anfíbio, uma espécie meio sapo, meio carro. Vamos apostar
tudo na autonomia.”
Semanas depois, ele ainda estava animado com a decisão. Durante
um voo para levar Griffin até a universidade, participou da reunião
semanal do Robotáxi pelo telefone. Como sempre, tentou instigar um
senso de urgência. “Esse vai ser um produto historicamente
megarrevolucionário”, declarou Musk. “Vai transformar tudo. Esse é o
produto que fará da Tesla uma empresa de 10 trilhões. As pessoas vão
falar sobre este momento daqui a cem anos.”
O carro de 25 mil dólares
Como mostravam as discussões sobre o Robotáxi, Musk podia ser
ferozmente teimoso. Ele tinha uma obstinação que distorcia a realidade
e uma presteza para atropelar os pessimistas. Essa dureza pode ter sido
um dos superpoderes que levaram aos sucessos dele, assim como aos
fracassos.
Eis, porém, uma característica menos conhecida de Musk: ele podia
mudar de ideia. Era capaz de ouvir argumentos que parecia estar
rejeitando e recalibrar os cálculos de risco. E foi isso que aconteceu com
os volantes.
No fim do verão de 2022, depois que Musk se manifestou sobre estar
“apostando tudo” em um Robotáxi sem volante, Von Holzhausen e
Moravy decidiram persuadi-lo a cobrir a aposta. Eles sabiam como fazer
isso de uma maneira não desafiadora. “Apresentamos novas informações,
que talvez ele não tivesse digerido completamente antes”, diz Moravy.
Mesmo que carros autônomos fossem aprovados pelas agências
reguladoras dos Estados Unidos, argumentou ele, ainda levaria anos até
que fossem aprovados no exterior. Por isso, fazia sentido construir uma
versão do carro com volante e pedais.
Por anos eles conversaram sobre como deveria ser a próxima geração
de produtos da Tesla: um carro para o mercado de massa, pequeno e
barato, vendido por cerca de 25 mil dólares. O próprio Musk havia
aventado a possibilidade em 2020, mas suspendeu os planos e pelos dois
anos seguintes repetidamente vetou a ideia, quando disse que o Robotáxi
tornaria o outro carro desnecessário. Apesar disso, Von Holzhausen
manteve a ideia viva em sigilo e tocou um projeto secreto no estúdio de
design.
Numa quarta-feira tarde da noite, durante a viagem para apresentar o
Optimus em setembro de 2022, Musk se abrigou em um refúgio de
longa data: Júpiter, a sala de conferências sem janelas da fábrica de
Fremont. Moravy e Von Holzhausen levaram alguns dos principais
membros da equipe da Tesla até a sala para uma reunião reservada. Eles
apresentaram dados que mostravam o seguinte: para a Tesla crescer 50%
por ano, precisava de um carro pequeno e barato. O mercado global para
esse tipo de veículo era enorme. Em 2030, poderiam existir até 700
milhões deles, quase o dobro da categoria Model 3/Y. Então eles
mostraram que era possível usar a mesma plataforma e a mesma linha de
montagem para fazer o carro de 25 mil dólares e o Robotáxi. “Nós o
convencemos de que, se construíssemos fábricas e tivéssemos as
plataformas, daria para produzir tanto os Robotáxis quanto o carro de 25
mil dólares, usando a mesma arquitetura de veículo”, conta Von
Holzhausen.
Depois da reunião, Musk e eu nos sentamos a sós na sala de
conferências e ficou evidente que ele não estava entusiasmado com o
carro de 25 mil dólares. “Não é um produto muito empolgante”,
comentou. O que ele realmente queria era transformar os meios de
transporte com os Robotáxis. Contudo, ao longo dos meses, foi se
entusiasmando bastante. Em uma reunião de avaliação de design numa
tarde de fevereiro de 2023, Von Holzhausen colocou modelos do
Robotáxi e do carro de 25 mil dólares lado a lado no estúdio. Os dois
tinham o ar futurista do Cybertruck. Musk adorou os designs. “Quando
um desses contornar uma esquina”, disse ele, “as pessoas vão achar que
estão vendo algo que veio do futuro”.
O novo veículo para o mercado de massa — assim como o carro com
volante e o Robotáxi — tornou-se conhecido como “a plataforma da
nova geração”. A princípio, Musk decidiu que a Tesla construiria uma
nova fábrica no norte do México, cerca de 650 quilômetros ao sul de
Austin, toda projetada para produzir esses carros. A unidade iria usar
um método de produção completamente novo, com alta automatização.
Não demorou, porém, para que um problema surgisse na mente dele:
Musk sempre acreditou que os engenheiros de design da Tesla
precisavam estar bem ao lado da linha de montagem, e não em um local
distante da produção. Assim, os engenheiros podiam receber um
feedback instantâneo sobre como incluir inovações de projeto que não só
melhorariam o carro, como também tornariam a produção mais fácil.
Isso valia, principalmente, no caso de um carro e de um método de
produção novos. Contudo, ele percebeu que teria problemas em
conseguir que os engenheiros principais se mudassem para a nova
fábrica. “A engenharia da Tesla tem que estar junto da linha de produção
para que tudo dê certo, e nunca vamos conseguir mudar todo mundo
para o México”, me disse ele.
Por isso, em maio de 2023, decidiu mudar para Austin a localização
inicialmente pensada para a fábrica da nova geração de carros e de
Robotáxis, onde ele e seus principais engenheiros estariam trabalhando
bem ao lado da nova linha de montagem super-rápida e ultra-
automatizada. Ao longo do verão de 2023, Musk passou horas, todas as
semanas, trabalhando com a equipe a fim de projetar cada estação da
linha de montagem, buscando modos de reduzir em milissegundos cada
passo e cada processo.
capítulo 81
“Vocês vão ter que aceitar”
Twitter, 26 e 27 de outubro de 2022

Entrando na sede do Twitter e visitando a cafeteria no vigésimo andar


Conflito cultural
Nos dias que antecederam a aquisição do Twitter, no fim de outubro de
2022, o humor de Musk flutuou bastante. Certa madrugada, às três e
meia, ele me mandou uma mensagem de texto do nada: “Estou muito
animado em finalmente implementar a como deveria ser feito, usando o
Twitter como acelerador! E, se tudo der certo, ajudar a democracia e o
debate público desse modo.” Aquilo poderia se tornar a combinação de
plataforma financeira e rede social que Musk havia vislumbrado 24 anos
antes para a então decidiu reformular a marca e rebatizá-la com aquele
nome, que ele amava. Alguns dias depois, estava mais sóbrio. “Vou
precisar viver na sede do Twitter. É uma situação muito difícil. Está
realmente me chateando Dormir é complicado.”
Ele agendou uma visita à sede do Twitter, em São Francisco, para 26
de outubro, uma quarta-feira, com o intuito de bisbilhotar e se preparar
para a assinatura oficial do acordo no fim daquela semana. Parag
Agrawal, o moderado CEO do Twitter, estava na entrada da sala de
conferências no segundo andar, aprontando-se para recebê-lo. “Estou
muito otimista”, disse ele enquanto esperava Musk chegar. “Elon pode
inspirar as pessoas a fazer coisas maiores que elas mesmas.” Ele estava
sendo cauteloso, mas acho que acreditava mesmo nisso. O CFO, Ned
Segal, que em maio tivera uma reunião tensa com Musk que acabou
mal, estava ao lado de Agrawal e parecia mais cético.
Então Musk irrompeu carregando uma pia e rindo. Era uma espécie
de trocadilho visual, o tipo de coisa que o diverte. “Vocês vão ter que
aceitar!”,* exclamou. “Vamos nos divertir!” Agrawal e Segal sorriram.
Musk parecia impressionado enquanto passeava pela sede do Twitter,
que ficava em um prédio art déco de dez andares que já fora sede de um
mercado construído em 1937. O local tinha sido reformado no estilo
tecnológico moderno, com cafeterias, estúdios de ioga, sala de exercícios
e videogames. O cavernoso café do nono andar, com um pátio que dava
vista para a prefeitura de São Francisco, servia refeições gratuitas que
variavam de hambúrgueres artesanais a saladas veganas. As plaquinhas
nos banheiros diziam diversidade de gênero é bem-vinda aqui, e,
quando Musk mexeu nos armários cheios de produtos com o logo do
Twitter, ele se deparou com camisetas com os dizeres seja woke — seja
consciente, que saiu agitando conforme andava pelos corredores, como
exemplo do tipo de pensamento que ele acreditava ter infectado a
empresa. Numa das salas de conferências, no segundo andar, que Musk
transformou em seu acampamento base, havia grandes mesas de madeira
cheias de lanches orgânicos e com cinco tipos de água, incluídas garrafas
da Noruega e latas de Liquid Death. “Eu tomo água da torneira”, disse
ele quando lhe ofereceram uma dessas.
Era uma cena de abertura sinistra. Dava para sentir o conflito cultural
se formando, como se um caubói tosco tivesse entrado em uma
Starbucks.
O problema não era apenas as instalações. Entre a Twitterlândia e o
Muskverso existia uma divergência radical de perspectiva que se refletia
em duas mentalidades diferentes sobre um local de trabalho norte-
americano. O Twitter se orgulhava de ser um local de trabalho amigável
e considerava uma virtude ser acolhedor. “Éramos definitivamente muito
empáticos, muito preocupados com inclusão e diversidade; todo mundo
deveria se sentir seguro aqui”, diz Leslie Berland, que era diretora de
marketing e chefe de pessoal até ser demitida por Musk. A empresa
havia instituído uma opção de trabalho remoto e permitia um “dia de
descanso mental” todo mês. Uma das palavras-chave mais usadas na
empresa era “segurança psicológica”. Cuidados eram tomados para não
causar desconforto.
Musk deu uma risada mordaz quando ouviu as palavras “segurança
psicológica”. Isso o fez recuar. Na concepção dele, esse conceito era o
inimigo da urgência, do progresso, da velocidade orbital. A palavra-
chave preferida dele é “hardcore”. Desconforto, ele acreditava, era algo
bom. Era uma arma contra o flagelo da complacência. Férias, cheiro das
flores, equilíbrio entre vida pessoal e trabalho e dias de “descanso
mental” não eram a dele. E eles iam ter que aceitar.

Café muito quente


Naquela tarde de quarta-feira, apesar de não ter ainda fechado a compra,
Musk realizou reuniões de avaliação de produto. Tony Haile, um diretor
de produto britânico que havia sido cofundador de uma startup que
tentou vender assinaturas para pacotes de notícias on-line, perguntou
sobre como fazer os usuários pagarem por jornalismo. Musk disse que
gostava da ideia de que um usuário pudesse pagar pequenas quantias, de
um jeito fácil, para assistir a um vídeo ou ler uma matéria. “Queremos
bolar uma maneira de fazer os produtores de mídia serem pagos pelo
trabalho deles”, falou. Privadamente, ele havia chegado à conclusão de
que o maior competidor do Twitter seria o Substack, a plataforma on-
line que jornalistas e outros estavam usando para publicar conteúdo e
serem pagos pelos usuários.
Durante um intervalo entre as reuniões, Musk decidiu perambular
pelo prédio para conhecer os funcionários. A pessoa que o estava
guiando pelo Twitter pareceu nervosa e explicou que não havia muita
gente porque os funcionários gostavam de trabalhar de casa. Era meio
de tarde de uma quarta-feira, mas os escritórios estavam quase desertos.
Finalmente, quando chegou à cafeteria do décimo andar, Musk
encontrou algumas dezenas de funcionários, hesitantes e mantendo
distância. Após certo incentivo do guia, eles acabaram se aproximando.
“Você pode colocar no micro-ondas e deixar bem quente?”, pediu
Musk quando recebeu o café. “Se não estiver superquente, bebo rápido
demais.”
Esther Crawford, que liderava o desenvolvimento de produtos em
estágio inicial, estava ansiosa para descrever as ideias que tivera sobre
uma carteira no Twitter que pudesse ser usada para pequenos
pagamentos. Musk sugeriu que o dinheiro poderia estar em uma conta
de alto rendimento. “Precisamos transformar o Twitter no sistema de
pagamento número 1 do mundo, como eu queria fazer com a X.com”,
disse. “Se houver uma carteira ligada a uma conta do mercado
financeiro, essa é a peça-chave que faz o cristal brilhar.”
Outra pessoa que se manifestou, embora com certa reticência, foi um
jovem engenheiro de nível médio, nascido na França, chamado Ben San
Souci. “Posso apresentar uma ideia para você em dezenove segundos?”,
perguntou ele. Era sobre formas de moderação de discurso de ódio a
partir de crowdsourcing, uma espécie de colaboração coletiva. Musk
interveio com a ideia de dar a cada usuário um controle deslizante com o
qual poderiam determinar a intensidade dos tuítes que apareceriam.
“Alguns vão querer ursinhos fofos e filhotes, outros vão amar o combate
e dizer ‘mostre tudo’.” Não era exatamente a isso que San Souci estava se
referindo, mas, quando começou a reiterar, uma mulher tentou dizer
algo e ele fez uma coisa surpreendente para um cara de tecnologia: ele a
deixou falar. Ela fez a Musk a pergunta que pairava no ar: “Você vai
demitir 75% de nós?” Musk riu e disse: “Não, esse número não veio de
mim. Essa história de fontes anônimas tem que parar. Mas realmente
temos um desafio. Estamos diante de uma recessão e a receita está
abaixo do custo, então temos que encontrar maneiras de trazer mais
dinheiro ou reduzir os custos.”
Ele não negou exatamente. Em três semanas, a estimativa de 75% se
mostraria precisa.

***

Quando Musk voltou para o segundo andar, três das salas de


conferências estavam sendo tomadas pela força mercenária de
engenheiros leais da Tesla e da SpaceX, que, sob a direção de Musk,
estavam passando um pente-fino no código do Twitter e desenhando
diagramas nos quadros magnéticos para determinar quais funcionários
valia a pena manter. Outras duas salas foram ocupadas pelo batalhão de
banqueiros e advogados. Eles pareciam estar se preparando para a
batalha.
“Já conversou com Jack?”, perguntou Gracias a Musk. O cofundador
do Twitter e ex-CEO, Jack Dorsey, havia inicialmente apoiado a compra
da empresa por Musk, mas nas semanas anteriores ficara nervoso com a
polêmica e o drama envolvidos. Ele temia que Musk fosse estripar seu
bebê. E não tinha certeza se estava disposto a fazer vista grossa. Mais
significativamente, Dorsey estava hesitando em permitir que as ações
que ele tinha no Twitter fossem transformadas em patrimônio na nova
empresa privada controlada por Musk. Se não cedesse as ações, isso
poderia ser ruim para os planos de financiamento de Musk. Na semana
anterior, Musk havia ligado para ele quase todos os dias, reassegurando
que amava o Twitter de verdade e não o prejudicaria. Por fim, Musk fez
um acordo com Dorsey: se ele cedesse as ações, Musk se comprometeria
a pagar preço cheio por elas no futuro caso Dorsey precisasse do
dinheiro. “Ele concordou com a transferência completa”, disse Musk.
“Ainda somos amigos. Ele se preocupa com a liquidez no futuro, então
me comprometi com 54,20 dólares.”
No fim daquela tarde, Agrawal entrou discretamente no lounge do
segundo andar e encontrou Musk. Eles iam agir como gladiadores na
noite seguinte, mas, naquele momento, ambos fingiram coleguismo
casual.
“Oi”, disse Agrawal gentilmente. “Como foi seu dia?”
“Minha cabeça está cheia”, respondeu Musk. “Vou precisar de uma
noite de sono para transformar os dados em alguma coisa.”

* Em inglês, “Let that sink in”, uma expressão com sentido de que é preciso deixar a ficha cair,
digerir e aceitar a situação. O trocadilho se dá por causa de “sink”, que significa “pia”. [N. da E.]
capítulo 82
Tomando posse
Twitter, quinta-feira, 27 de outubro de 2022

Antonio Gracias, Kyle Corcoran, Kate Claassen e Musk com um bourbon;


Pappy Van Winkle; David Sacks e Gracias na sala de guerra
O sino anuncia a compra
A compra do Twitter seria fechada no dia 28 de outubro, uma sexta-
feira. Era o que os gestores do Twitter, o público e Wall Street
imaginavam. Uma transição tranquila tinha sido programada com
cuidado para a abertura do mercado de ações naquela manhã. O
dinheiro seria transferido, os documentos seriam assinados, as ações
sairiam do mercado e Musk estaria no controle. Isso ofereceria um
gatilho duplo — a saída da bolsa e a mudança de controle —,
permitindo a Parag Agrawal e a seus principais assessores no Twitter
receber rescisões e exercer as opções de ações.
Musk, porém, não queria isso, e em segredo arquitetou com a equipe
um plano para desarticular tudo. Ao longo da tarde de quinta-feira, ele
entrava e saía de uma sala de conferências abarrotada onde Antonio
Gracias, Alex Spiro, Jared Birchall e mais algumas poucas pessoas
planejavam metodicamente uma manobra de jiu-jítsu: eles iam forçar
um fechamento rápido na noite de quinta. Se fizessem tudo no
momento certo, Musk poderia demitir Agrawal e alguns dos principais
executivos do Twitter “por justa causa” antes que eles pudessem exercer
as opções de ações.
Era um tanto audacioso, e até cruel. Na cabeça de Musk, porém, isso
se justificava em função do preço que ele estava pagando e da convicção
de que a gestão do Twitter havia tentado enganá-lo. “Tem uma
diferença de 200 milhões em jogo entre fechar o negócio hoje à noite e
amanhã de manhã”, disse ele a mim no fim da tarde de quinta-feira na
sala de guerra enquanto o plano era executado.
Além de servir como vingança e poupar dinheiro, o plano tinha como
motor o gosto de Musk por manipular jogadas. No fim, a surpresa
ganharia um tom dramático, como um ataque no momento certo no
Polytopia.
O marechal de campo para o fechamento de surpresa na noite de
quinta era o advogado de longa data de Musk, Alex Spiro. Um atirador
de elite do mundo jurídico irritadiço e divertido, Spiro estava sempre
ansioso por uma batalha. Ele se tornou um conselheiro de confiança de
Musk durante as tempestades de 2018, quando o ajudou a se livrar dos
problemas causados pelos tuítes sobre “pedo” e “tornar a Tesla privada”.
Musk tinha como regra desconfiar de pessoas cuja confiança fosse maior
do que a competência. Spiro era extremamente confiante, mas também
extremamente competente, o que fez Musk valorizar o trabalho dele,
ainda que por vezes acompanhando tudo de perto.
“Só dá para demitir o Parag depois que ele assinar o certificado,
certo?”, perguntou Musk a certa altura.
“Eu preferiria demiti-los antes que a coisa esteja consumada”, disse
Spiro. Ele conferenciou com colegas e bolou opções enquanto
esperavam os números de referência do Banco Central norte-americano
que mostrassem que o dinheiro tinha sido transferido.
Às 16h12 pelo fuso do Pacífico, depois de receberem a confirmação
de que o dinheiro tinha sido transferido e os documentos necessários
haviam de fato sido assinados, Musk e sua equipe tomaram a decisão de
fechar o negócio. Jehn Balajadia, assistente de longa data de Musk que
tinha sido convocado de volta para ajudar na tomada do Twitter,
entregou exatamente naquele momento as cartas de demissão de
Agrawal, Ned Segal, Vijaya Gadde e do conselheiro-geral, Sean Edgett.
Seis minutos depois, o chefe da segurança de Musk entrou para dizer
que todos tinham sido “retirados” do prédio e o acesso deles ao e-mail
fora cortado.
O bloqueio imediato do e-mail era parte do plano. Agrawal estava
com a carta de demissão, na qual era citada a mudança de controle,
pronta para ser enviada. Contudo, quando teve a conta de e-mail do
Twitter bloqueada, ele levou alguns minutos na operação de
transferência do documento para uma mensagem de Gmail. Àquela
altura, já tinha sido demitido por Musk.
“Ele tentou se demitir”, disse Musk.
“Mas a gente ganhou dele”, replicou Spiro.

***
Numa outra área da sede do Twitter, a empresa estava dando uma festa
de Halloween, cheia de abraços de despedida, chamada Trick or Tweet.*
Birchall brincou com as outras pessoas que estavam na sala de guerra:
“Ned Segal veio com uma fantasia de CFO.” Nas salas de conferências
ao lado, alguns dos engenheiros da SpaceX estavam grudados em uma
transmissão de vídeo em seus computadores. Pouco depois das seis, um
foguete Falcon 9 decolou de Vandenberg carregando 52 satélites da
Starlink.
Michael Grimes, o principal executivo do banco Morgan Stanley,
pegou um voo em Los Angeles e chegou à sala de guerra com presentes.
O primeiro era uma montagem que mostrava defesas históricas da
liberdade de expressão — de John Milton, em 1644, à cena de Musk
entrando na sede do Twitter e dizendo “Vocês vão ter que aceitar!”. Ele
também levou uma garrafa de Pappy Van Winkle, o melhor bourbon do
mundo, que a esposa tinha ganhado de aniversário. Cada um na sala
tomou um pequeno gole e em seguida Musk assinou a garrafa pela
metade para ela.
Minutos depois, ele fez a primeira modificação de produto. Até
então, quando as pessoas entravam no site Twitter.com, a primeira tela
que viam as instruía a fazer login. Musk achou que em vez disso elas
deviam cair numa página de “Explorar”, que mostraria os assuntos mais
quentes e as tendências do momento. Uma mensagem foi enviada para a
pessoa encarregada da página “Explorar”, um jovem engenheiro
chamado Tejas Dharamsi, que estava num voo voltando ao país depois
de visitar a família na Índia. Ele respondeu dizendo que faria a mudança
assim que chegasse ao escritório na segunda-feira. Faça agora, foi a
ordem que recebeu. Assim, usando o wi-fi do voo da United, ele fez a
mudança naquela noite. “Tínhamos trabalhado em muitas possíveis
novas funcionalidades por anos, mas ninguém tomava decisões sobre
elas”, diria Dharamsi posteriormente. “De repente, esse cara chegou
tomando decisões rápidas.”
Musk estava hospedado na casa de David Sacks. Quando ele voltou
para lá, perto das nove da noite, Ro Khanna, o deputado democrata do
distrito, já estava presente. Khanna é um defensor da liberdade de
expressão que entende de tecnologia, mas a conversa não foi sobre o
Twitter. Na verdade, eles falaram sobre o papel da Tesla em atrair as
indústrias de volta para os Estados Unidos e o perigo de não encontrar
uma solução diplomática para a guerra na Ucrânia. Foi uma conversa
animada que durou quase duas horas. “Musk tinha acabado de fechar a
compra do Twitter, e eu fiquei surpreso por não termos falado disso”,
conta Khanna. “Ele parecia querer falar de outras coisas.”

* Um trocadilho, em inglês, com a brincadeira “Doce ou travessura?” (Trick or treat). [N. da E.]
capítulo 83
Os três mosqueteiros
Twitter, 26 a 30 de outubro de 2022

Com James Musk, Dhaval Shroff e Andrew Musk analisando o código (topo);
Ross Nordeen estudando a arquitetura do software do Twitter (abaixo, à
esquerda); James e Andrew Musk (abaixo, à direita)
James, Andrew e Ross
Quem comandava a jovem tropa da tecnologia nas salas de conferências
do segundo andar naquela quinta-feira era um rapaz de 29 anos
espantosamente parecido com Musk. James Musk, filho do irmão mais
novo de Errol, tinha o cabelo idêntico, o sorriso cheio de dentes, os
maneirismos de levar a mão ao pescoço e um sotaque sul-africano óbvio
como o do primo de primeiro grau. Havia uma dureza na mente e nos
olhos, mas ele compensava isso com um grande sorriso, um jeito sempre
emocionalmente alerta e uma disposição em agradar aos outros, coisas
que não faziam parte do repertório de Elon. Engenheiro de software,
James trabalhou duro na equipe do Autopilot da Tesla e então se tornou
o núcleo de um pequeno grupo de mosqueteiros leais que coordenaram
os mais de trinta engenheiros da empresa automotiva e da SpaceX que
aportaram na sede do Twitter como uma força expedicionária naquela
semana.
Desde os 12 anos, James acompanhava avidamente as aventuras de
Elon e escrevia cartas para ele com regularidade. Assim como Elon, ele
deixou a África do Sul por conta própria quando estava prestes a
completar 18 anos e passou um ano vagando pela Riviera, trabalhando
em iates e hospedando-se em albergues. Depois, foi para Berkeley e
entrou para a Tesla bem a tempo de ser convocado por Elon para a onda
insana de 2017 na fábrica de baterias de Nevada. Em seguida, tornou-se
parte da equipe do Autopilot, quando desenvolveu a rota de
planejamento da rede neural que analisa os dados em vídeo de
motoristas humanos para aprender como um carro autônomo deveria se
comportar.
Quando Elon o chamou no fim de outubro e o “convocou a se
voluntariar” para ajudar na iminente tomada do Twitter, James relutou
por um momento. O aniversário da garota que ele namorava era naquele
fim de semana e eles pretendiam viajar para ir ao casamento da melhor
amiga dela. No entanto, ela entendeu que James precisava ajudar o
primo. “Você tem que estar lá”, disse a ele.
O irmão ruivo e mais tímido, Andrew, engenheiro de software na
Neuralink, juntou-se a James na missão. Durante a infância na África
do Sul, eles eram jogadores da liga nacional de críquete, além de alunos
de engenharia de destaque. Meia geração mais jovens que Elon e
Kimbal, eles não faziam parte do grupinho dos irmãos Rive, primos de
Elon por parte de mãe. Elon colocou Andrew e James debaixo das asas
quando eles deixaram a África do Sul, pagando a mensalidade de ambos
na universidade e as despesas pessoais. Andrew foi para a UCLA, a
Universidade da Califórnia em Los Angeles, onde pesquisou a
tecnologia de blockchain com o teórico pioneiro da internet em
comutação de pacotes, Len Kleinrock. E, como se fosse uma herança
genética da família (o que pode até ser), James e Andrew ficaram
viciados no Polytopia. “Minha ex-namorada me odiava por isso”, diz
Andrew. “Talvez por isso seja minha ex-namorada.”

***

Na Riviera, quando James estava hospedado em um albergue em


Gênova, certa vez um rapaz o viu comendo manteiga de amendoim
direto do pote, com os dedos. “Cara, isso é nojento”, disse o rapaz,
rindo. Foi assim que James conheceu Ross Nordeen, um gênio do
computador magrelo e de cabelos desgrenhados, do Wisconsin, que era
andarilho. Depois de se formar na Michigan Tech, Ross se tornou um
programador itinerante, trabalhando remotamente enquanto satisfazia o
desejo de viajar. “Eu conhecia pessoas e dizia ‘Para onde devo ir agora?’,
e assim fui parar em Gênova.”
Em um exemplo dos acasos felizes que acontecem com pessoas que
viajam muito, especialmente em lugares rarefeitos, Ross disse que estava
se candidatando a um emprego na SpaceX. “Ah, é a empresa do meu
primo”, comentou James. Ross havia ficado sem dinheiro, então James o
convidou para se hospedar numa casa que ele e um amigo tinham
alugado perto de Antibes. Ross dormia em um colchonete do lado de
fora.
Uma noite eles foram a uma casa noturna em Juan-les-Pins, um
vilarejo elegante. James estava conversando com uma garota quando um
homem se aproximou e disse que ela era namorada dele. Eles foram para
a rua e começaram a brigar, então James, Ross e o amigo fugiram. No
entanto, eles tinham deixado as jaquetas para trás, e Ross ficou
encarregado de recuperá-las. “Eles me mandaram de volta porque eu era
o menor e de aparência mais mansa”, diz. No caminho para casa,
sofreram uma emboscada, foram ameaçados com uma garrafa quebrada
e perseguidos, até que pularam uma cerca e se esconderam atrás de
alguns arbustos.
Essa e outras fugas aproximaram Ross e James. Em uma conferência
um ano depois, Ross conheceu um executivo que lhe deu um emprego
na Palantir, a empresa meio secreta de análise de dados e inteligência
cofundada por Peter Thiel, e ajudou James a conseguir um estágio lá.
Tempos depois, Ross acabou trabalhando na equipe do Autopilot na
Tesla com James.
James, Andrew e Ross se tornaram os três mosqueteiros da tomada
do Twitter empreendida por Musk, o núcleo de um pelotão que incluía
três dúzias de engenheiros da Tesla e da SpaceX que se reuniram
naquela semana no segundo andar da empresa para executar a
transformação. A primeira missão dos mosqueteiros, que era ao mesmo
tempo audaciosa e meio embaraçosa, tendo em vista que eles só tinham
20 e poucos anos, foi formar uma unidade de análise que avaliaria as
habilidades de escrita de código, a produtividade e até as atitudes de
mais de 2 mil engenheiros do Twitter e decidir quais deles deveriam
sobreviver — ou nenhum.

Avaliadores de código
James e Andrew estavam sentados com os respectivos notebooks a uma
pequena mesa redonda no espaço aberto próximo à sala de conferências
da qual Musk comandava seu campo de batalha. X estava brincando no
chão com quatro grandes cubos mágicos. (Não, ele ainda não conseguia
resolver o quebra-cabeça, tinha só 2 anos e meio.) Era quinta-feira, 27
de outubro, o dia em que Musk estava correndo para executar o rápido
fechamento da aquisição do Twitter, mas deu uma escapada das reuniões
por uma hora para discutir com os primos como categorizar os
engenheiros do Twitter. Com eles, estava também outro jovem
engenheiro da equipe do Autopilot, Dhaval Shroff, que havia sido um
dos apresentadores no Dia da IA 2.
James, Andrew e Dhaval tinham acesso pelos notebooks deles a toda
a biblioteca de código escrita no Twitter ao longo do ano anterior.
“Pesquisem quem escreveu cem linhas de código ou mais no último
mês”, orientou Musk. “Quero que vocês revisem o diretório e vejam
quem está entregando código.”
O plano de Musk era demitir a maioria dos engenheiros, mas manter
os realmente bons. “Vamos descobrir quem fez uma quantidade
surpreendente de código, e dentro desse grupo descobrir quem são os
melhores programadores”, disse Musk. Era uma tarefa gigantesca, que
se tornava ainda mais difícil porque eles não tinham o código em um
formato que fosse fácil de determinar quem fizera cada inserção ou
exclusão.
James teve uma ideia. Ele e Dhaval haviam conhecido um jovem
engenheiro de software do Twitter em uma conferência em São
Francisco alguns dias antes. O nome dele era Ben. James ligou para ele,
o colocou no viva-voz e começou a enchê-lo de perguntas.
“Eu tenho a lista das inserções e exclusões de todo mundo”, disse
Ben.
“Pode me mandar?”, pediu James. Eles passaram um tempo tentando
descobrir como usar um script em Python e técnicas para tornar a
transferência mais rápida.
Então Musk interrompeu: “Obrigado por ajudar, cara.”
Houve uma longa pausa.
“Elon?”, perguntou Ben. Ele parecia um pouco admirado que o novo
chefe estivesse passando tempo vasculhando o código-fonte no dia de
fechar o negócio.
Ao ouvir o sotaque francês, percebi que era o mesmo Ben —– Ben
San Souci — que havia perguntado a Musk sobre a moderação de
conteúdo na visita à cafeteria. Um engenheiro na aparência, ele não era
muito bom em fazer conexões, mas de repente havia sido arrastado para
dentro do círculo interno. Era uma prova do valor do acaso — e de
aparecer pessoalmente no escritório.
***

Na manhã seguinte, com o Twitter então oficialmente nas mãos de


Musk, os mosqueteiros foram até o nono andar, onde a cafeteria estava
servindo café da manhã. Ben estava lá e, junto com alguns outros
engenheiros da Tesla, foi para o pátio ensolarado com vista para a
prefeitura. Havia uma dezena de mesas cercadas por mobília informal,
mas ninguém mais do Twitter por ali.
Quando James, Andrew e Ross descreveram como a lista de
demissões estava progredindo, Ben não teve medo de falar o que
pensava. “Pela minha experiência, indivíduos são importantes, mas as
equipes também são”, disse. “Em vez de simplesmente selecionar os
bons programadores, acho que seria útil descobrir quais equipes
trabalham muito bem juntas.”
Dhaval processou essa informação e concordou. “Eu e James e as
pessoas da nossa equipe no Autopilot estamos sempre juntos, e as ideias
fluem super-rápido, e o que fazemos como equipe é melhor do que
qualquer um de nós poderia fazer sozinho”, falou. Andrew destacou que
era por isso que Musk preferia o trabalho presencial no escritório ao
remoto.
De novo, Ben estava disposto a discordar. “Acredito que vir aqui seja
importante, e eu venho”, disse. “Mas sou um programador, e não dá para
ser bom se eu for interrompido a toda hora. Então às vezes não venho.
Talvez o melhor modelo seja o híbrido.”

No controle
Nos corredores do Twitter, assim como na Tesla, na SpaceX e em Wall
Street, as pessoas comentavam se Musk contrataria alguém para ajudá-lo
a administrar a empresa. Naquele primeiro dia como dono, ele se reuniu
em sigilo com um possível nome para isso, Kayvon Beykpour, o
cofundador do aplicativo de streaming de vídeo Periscope, que foi
comprado e depois encerrado pelo Twitter. Beykpour havia se tornado
chefe de desenvolvimento de produto do Twitter, mas foi demitido por
Agrawal no início de 2022 sem explicações.
A conversa deles na sala de conferências de Musk, que também
contou com a presença do investidor de tecnologia Scott Belsky,
mostrou uma verdadeira fusão mental. “Tenho uma ideia quanto aos
anúncios”, sugeriu Beykpour. “Pergunte para as pessoas que assinam
quais são os interesses que elas têm e ofereça-lhes uma experiência
personalizada. Você pode transformar isso em um benefício da
assinatura.”
“É, e os anunciantes vão amar”, disse Musk.
“Também coloque um botão de downvote para tuítes”, acrescentou
Beykpour. “Você precisa de um sinal negativo do usuário para alimentar
os rankings.”
“Só os usuários pagos e verificados deveriam poder dar votos
negativos”, ponderou Musk, “porque senão isso poderia estar sujeito a
ataques de bots”.
No fim da conversa, Musk fez a Beykpour uma oferta casual. “Por
que você não volta a trabalhar aqui?”, propôs. “Parece que você ama
isso.” E então apresentou toda a visão de como pretendia fazer do
Twitter uma plataforma financeira e de conteúdo, com todos os
elementos que havia vislumbrado para a.
“Bem, estou em dúvida”, disse Beykpour. “Eu admiro você. Comprei
todos os produtos que você já criou. Vou pensar sobre isso e te responder
depois.”
Ficou nítido, no entanto, que Musk não iria ceder muito controle,
assim como não havia cedido nas outras empresas. Um mês depois,
perguntei a Beykpour o que ele decidira. “Eu não vejo um papel para
mim”, me disse. “Elon é apaixonado por dirigir diretamente, ele mesmo,
a engenharia e o produto.”
Musk não tinha pressa em trazer alguém para comandar o Twitter,
mesmo depois de ter conduzido uma enquete on-line cujo resultado
apontou que ele deveria fazer isso. Ele até mesmo dispensou ter um
diretor financeiro. Queria fazer da empresa um parquinho de diversões
próprio. Na SpaceX, tinha pelo menos quinze pessoas que se reportavam
diretamente a ele; na Tesla, cerca de vinte. No Twitter, ele disse para a
equipe que estava disposto a ter mais de vinte. E decretou que eles e os
engenheiros mais dedicados deveriam trabalhar num enorme espaço
aberto no décimo andar, onde Musk iria lidar diretamente com todos
dia e noite.

Primeiro round
Musk havia encarregado seus jovens mosqueteiros de desenvolver uma
estratégia para fazer grandes cortes nas inchadas equipes de engenharia,
e eles estavam fuçando o código-base para avaliar quem era excelente e
dedicado. Às seis da noite da sexta-feira, 28 de outubro, 24 horas depois
da aquisição, Musk reuniu-os e mais três dúzias de mercenários de
confiança da Tesla e da SpaceX para começar a botar o plano em ação.
“O Twitter tem hoje 2.500 engenheiros de software”, disse Musk para
eles. “Se cada um escrevesse só três linhas de código por dia, um padrão
ridiculamente baixo, isso somaria 3 milhões de linhas de código por ano,
o que é o suficiente para todo um sistema operacional. Isso não está
acontecendo. Algo está profundamente errado. Parece até que estou
num programa de humor.”
“Gerentes de produto que não sabem nada sobre programação ficam
pedindo recursos que não sabem como criar”, falou James. “Como
líderes da cavalaria que não sabem andar a cavalo.” Era uma frase que
Musk usava com frequência.
“Vou estabelecer uma regra”, decretou Musk. “Temos 150
engenheiros fazendo o Autopilot. Quero reduzir a esse número no
Twitter.”
Mesmo concordando com a visão de Musk sobre a baixa
produtividade no Twitter, uma demissão em massa de mais de 90% dos
engenheiros fez a maioria dos que estavam à mesa titubear. Milan
Kovac, então menos intimidado por Musk do que estivera no dia da
apresentação do Optimus, explicou por que eram necessários mais. Alex
Spiro, o advogado, também pediu cautela. Ele achava que alguns
trabalhos no Twitter não exigiam habilidades computacionais geniais.
“Não entendo por que todas as pessoas que trabalham em uma empresa
de rede social têm que ter um QI de 160 e trabalhar 24 horas por dia”,
argumentou. Algumas pessoas precisam ser boas em vendas, outras
precisam da habilidade emocional de bons gestores e outras, ainda,
apenas sobem vídeos de usuários e não precisam ser estrelas. Além disso,
cortar tanto assim colocaria o sistema em risco de falhar se alguém
ficasse doente ou ficasse de saco cheio.
Musk não concordou. Ele queria cortes profundos não apenas por
motivos financeiros, mas também porque queria implementar uma
cultura de trabalho hardcore, fanática. Ele estava disposto a assumir
riscos e voar sem rede de proteção; mais que isso, estava ansioso.
James, Andrew, Ross e Dhaval começaram se reunindo com os
gestores e pedindo a eles que cumprissem as metas de Musk de demitir
mais de 90% dos funcionários. “Eles ficaram bem tristes”, diz Dhaval.
“Argumentaram que a empresa ia simplesmente quebrar.” Ele e os
outros mosqueteiros tinham uma resposta-padrão: “Elon pediu isso, e é
assim que ele funciona, então temos que elaborar um plano.”
Na noite daquele domingo, 30 de outubro, James enviou para Musk a
lista oficial que ele e os outros mosqueteiros haviam compilado dos
melhores engenheiros, que deveriam ser mantidos. Os demais poderiam
ser dispensados. Musk estava pronto para fazer as demissões
imediatamente. Se ocorressem antes de 1o de novembro, a empresa não
teria que pagar os bônus desses funcionários nem opções de ações que
deveriam vencer nessa data. Contudo, os gestores de recursos humanos
do Twitter resistiam. Eles queriam examinar a lista para garantir que
houvesse diversidade. Musk descartou essa sugestão. Outro alerta deles,
no entanto, o fez repensar. As demissões, se feitas sumariamente, iriam
desencadear multas por quebra de contrato e violações das leis
trabalhistas da Califórnia. Isso iria custar milhões de dólares, mais do
que esperar até depois dos bônus contratados.
Com relutância, Musk concordou em adiar as demissões em massa
até o dia 3 de novembro. Elas foram anunciadas naquela noite em um e-
mail sem assinatura: “Em um esforço para colocar o Twitter em um
caminho saudável, vamos passar pelo difícil processo de reduzir nossa
força de trabalho global.” Cerca de metade dos funcionários em todo o
mundo e quase 90% de algumas das equipes de infraestrutura foram
demitidos e o acesso deles aos computadores e e-mails da empresa,
imediatamente bloqueado. Musk também demitiu a maior parte dos
gestores de recursos humanos.
E esse foi apenas o primeiro round do que seria um banho de sangue
em três rounds.
capítulo 84
Moderação de conteúdo
Twitter, 27 a 30 de outubro de 2022

Em sentido horário, começando do alto à esquerda: com Kanye West, na


SpaceX; Yoel Roth; Jason Calacanis; David Sacks
O conselho de um homem só
O músico e estilista Ye, antes conhecido como Kanye West, era amigo
de Musk, ou quase isso, daquele jeito estranho que a palavra por vezes é
usada para falar de celebridades que frequentam festas juntas e
compartilham a mesma energia e os holofotes, mas que não têm lá
grande intimidade. Em 2011, Musk levou Ye para uma visita pela
fábrica da SpaceX em Los Angeles. Uma década depois, Ye fez uma
visita à Starbase, no sul do Texas, e Musk foi à festa da apresentação de
Donda 2 em Miami. Os dois tinham traços em comum, como a ausência
de filtro e o fato de ambos serem vistos como meio malucos, embora no
caso de Ye essa descrição em certo momento passasse a ser vista como
parcialmente verdadeira. “A confiança que Kanye tem em si mesmo e
uma incrível tenacidade o levaram aonde ele está hoje”, disse Musk para
a Time em 2015. “Ele lutou para conquistar o lugar que ocupa no
panteão cultural por um propósito. Ele não tem medo de ser julgado ou
ridicularizado no processo.” Musk poderia estar falando de si próprio.
No começo de outubro, poucas semanas antes de Musk fechar a
compra do Twitter, Ye e seus modelos vestiram camisetas com os dizeres
vidas brancas importam em um desfile, o que causou uma tempestade
nas redes sociais que culminou com o seguinte tuíte de Ye: “Quando
acordar eu vou detonar os JUDEUS.” Ele foi banido do Twitter. Dias
depois, Musk tuitou: “Falei com Ye hoje & expressei minha preocupação
por seu tuíte recente, e acho que ele pensou muito sobre isso.” O músico,
porém, continuou banido.
A saga de Ye no Twitter acabaria ensinando a Musk uma série de
lições sobre a complexidade da liberdade de expressão e as desvantagens
de criar regras por impulso. Junto com as decisões sobre demissões, a
questão da moderação de conteúdo dominou a primeira semana de
Musk no Twitter.
Ele vinha sendo um defensor da liberdade de expressão, mas começou
a descobrir que tinha um ponto de vista simplista demais. Nas mídias
sociais, uma mentira pode viajar até o outro lado do mundo enquanto a
verdade ainda está calçando os sapatos. A desinformação era um
problema, assim como os golpes com criptomoedas, as fraudes e o
discurso de ódio. Também havia um problema financeiro: anunciantes
mais precavidos não queriam suas marcas em um ambiente cheio de
discurso tóxico.
No começo de outubro, poucas semanas antes da data em que ele
assumiria o Twitter, Musk tinha aventado em uma de nossas conversas a
ideia de criar um conselho de moderação de conteúdo que decidiria
sobre essas questões. Ele queria vozes diversas de várias partes do
mundo nesse conselho, e descreveu o tipo de membro que tinha em
mente: “Eu não vou tomar nenhuma decisão sobre quem pode voltar ao
Twitter antes de o conselho estar em operação”, me disse.
Ele tornou essa promessa pública no dia 28 de outubro, a sexta-feira
seguinte à compra do Twitter. “Nenhuma grande decisão sobre conteúdo
ou sobre permissão para a readmissão de contas acontecerá antes que o
conselho se reúna”, tuitou. Entretanto, ceder o controle não era da
natureza de Musk. A ideia já tinha começado a perder força. As
opiniões do conselho seriam puramente “consultivas”, segundo me disse.
“As decisões finais precisam ser minhas”, afirmou. À medida que andava
pelas salas de conferências naquela tarde, discutindo demissões e
características de produtos, ficou evidente que ele estava perdendo
interesse pela criação do conselho. Quando lhe perguntei se já tinha
decidido quem integraria o conselho, Musk respondeu: “Não, essa não é
uma prioridade agora.”

Yoel Roth
Quando Musk demitiu a chefe do departamento jurídico do Twitter,
Vijaya Gadde, a tarefa de lidar com a moderação de conteúdo, e a
igualmente difícil tarefa de lidar com Musk, passou para um sujeito um
tanto acadêmico, mas alegre e juvenil, chamado Yoel Roth, de 35 anos.
Era uma combinação improvável. Roth era um democrata que tendia
para a esquerda e tinha deixado um rastro de tuítes antirrepublicanos.
“Jamais doei para uma campanha presidencial antes, mas acabei de dar
100 dólares para Hillary, pelos Estados Unidos”, postou em 2016, o ano
em que ele entrou para a equipe de confiança e segurança da empresa.
“Não dá mais para brincar.” No dia da eleição de 2016, ele tirou sarro
dos eleitores de Trump tuitando: “Só o que eu estou dizendo é que
existe um motivo para que a gente passe voando por cima dos estados
que votaram numa tangerina racista.” Depois de Trump se tornar
presidente, ele tuitou “NAZISTAS DE VERDADE NA CASA
BRANCA” e chamou Mitch McConnel de “saco de peidos sem
personalidade”.
No entanto, Roth tinha uma combinação de otimismo e avidez que o
deixaram torcendo para trabalhar com Musk. A primeira vez que os dois
se encontraram foi na tarde de quinta-feira em que Musk estava
forçando o fechamento apressado da compra do Twitter. Às cinco da
tarde, o telefone de Roth tocou. “Oi, aqui é o Yoni”, disse a pessoa do
outro lado da linha. “Você pode vir ao segundo andar, por favor?
Precisamos conversar.” Roth não sabia quem Yoni era, mas ele passou
pela festa de Halloween e chegou ao grande espaço aberto das áreas de
conferências onde estavam Musk, seus banqueiros e os mosqueteiros.
Ali ele foi cumprimentado por Yoni Ramon, um engenheiro de
segurança da informação da Tesla baixinho, cheio de energia e de
cabelos longos que era originário de Israel. “Eu também sou israelense,
então eu sabia que ele era de lá”, diz Roth. “Mas, fora isso, eu não tinha
ideia de quem ele era.”
Musk tinha dado a Ramon a tarefa de impedir que qualquer
funcionário descontente do Twitter sabotasse o serviço. “Elon está
completamente paranoico, e com razão, com a ideia de que algum
funcionário irritado possa atrapalhar as coisas”, me disse Ramon pouco
antes de Roth chegar. “Ele me deu a atribuição de não deixar isso
acontecer.”
Quando eles se sentaram a uma mesa na área aberta, perto do bufê de
garrafinhas de água mineral, Ramon perguntou a Roth, sem explicações:
“Como eu consigo acesso às ferramentas do Twitter?”
Ainda não estava claro para Roth quem era aquele cara. “Existem
várias restrições sobre quem tem acesso às ferramentas do Twitter”,
respondeu Roth. “Existem várias considerações sobre privacidade.”
“Bem, houve uma transição de comando”, disse Ramon. “Eu trabalho
para o Elon e precisamos deixar as coisas protegidas. Pelo menos me
mostre como são as ferramentas.”
Roth achou que isso era razoável. Ele pegou o laptop e mostrou a
Ramon as ferramentas de moderação de conteúdo que o Twitter usava e
recomendou algumas medidas que poderiam servir como proteção para
ameaças internas.
“Posso confiar em você?”, perguntou Ramon de repente, olhando nos
olhos de Roth. Roth, assustado com a franqueza, disse que sim.
“Certo, vou chamar o Elon”, falou Ramon.
Um minuto depois, Musk saiu da sala de guerra onde a compra
acabara de ser concluída, sentou-se diante de uma das mesas redondas
da área e pediu que fosse demonstrado como as ferramentas de
segurança funcionavam. Roth abriu a conta do próprio Musk e mostrou
o que as ferramentas do Twitter poderiam fazer com ela.
“O acesso a essas ferramentas deveria ficar restrito a apenas uma
pessoa, por enquanto”, disse Musk.
“Eu fiz isso ontem”, replicou Roth. “Essa única pessoa sou eu.” Musk
assentiu em silêncio. Ele parecia gostar do modo como Roth estava
lidando com as coisas.
Musk então pediu que Roth dissesse os nomes de dez pessoas nas
quais “ele confiaria cegamente” e que poderiam ter acesso às ferramentas
mais avançadas. Roth falou que ia fazer uma lista. Musk o encarou e
frisou: “Estou falando de gente em que você confiaria a própria vida.
Porque, se eles fizerem alguma coisa errada, eles vão ser demitidos, e
você vai ser demitido, e toda a sua equipe vai ser demitida.” Roth pensou
consigo mesmo que estava familiarizado com o modo de lidar com esse
tipo de chefe. Ele fez que sim com a cabeça e voltou para seu escritório.

Banir ou não banir


O primeiro indício de problemas para Yoel Roth veio na manhã
seguinte, sexta-feira, quando ele recebeu uma mensagem de Yoni
Ramon dizendo que Musk queria a reintegração da conta do Babylon
Bee, um site de humor conservador de que Musk gostava. O site tinha
sido banido do Twitter por não obedecer às políticas de respeito a
questões de gênero, ao satiricamente dar a Rachel Levine, uma mulher
transgênero do governo Biden, o título de Homem do Ano.
Roth sabia que Musk tinha fama de temperamental, e por isso
esperava que em algum momento ele fosse tomar uma decisão
impulsiva. Imaginava que seria por causa de Trump, mas o pedido para
devolver a conta do Babylon Bee levantava as mesmas questões. O
objetivo de Roth era impedir que Musk promovesse a reintegração de
contas de modo unilateral e arbitrário. Em outras palavras, ele esperava
impedir que Musk fosse Musk.
Roth tinha se encontrado naquela manhã com o advogado de Musk,
Alex Spiro, que passara a cuidar das questões de política da rede. “Se um
dia você precisar de algo ou se surgir alguma doideira, ligue direto para
mim”, dissera Spiro. E foi o que Roth fez.
Depois de explicar as políticas do Twitter de respeito à identidade de
gênero e de contar que o Babylon Bee tinha se recusado a deletar o tuíte
ofensivo, Roth disse que havia três opções: manter o banimento do Bee,
acabar com a regra contra a deslegitimação de gênero ou simplesmente
reintegrar a conta do Bee arbitrariamente sem se preocupar com regras e
precedentes. Spiro, que sabia como Musk operava, escolheu a opção
número 3. “Por que ele não pode fazer isso?”, indagou.
“Poder, pode”, admitiu Roth. “Ele comprou a empresa e pode tomar a
decisão que quiser.” Mas aquilo poderia causar problemas. “O que a
gente vai fazer quando outro usuário fizer a mesma coisa e nós
aplicarmos a regra? Vamos ter um problema de consistência.”
“Certo, então a gente deveria mudar a regra?”, perguntou Spiro.
“Dá para fazer isso”, respondeu Roth. “Mas você precisa ter em
mente que essa é uma questão importante da guerra cultural.” Havia
muitos anunciantes preocupados em saber como Musk ia lidar com a
moderação de conteúdo. “Se a primeira atitude dele for acabar com a
política do Twitter sobre como lidar com comentários de ódio
relacionados a identidade de gênero, acho que a coisa não vai caminhar
bem.”
Spiro pensou sobre o assunto e então disse: “A gente precisa falar com
o Elon sobre isso.” Enquanto os dois saíam da sala, Roth recebeu outra
mensagem. “Elon quer devolver a conta do Jordan Peterson.” Peterson,
um psicólogo e escritor canadense, tinha sido suspenso do Twitter no
começo do ano por insistir em se referir a um famoso homem
transgênero como se ele fosse uma mulher.
Musk saiu de uma das salas de conferências uma hora depois para
falar com Roth e Spiro. Eles ficaram na área comum da lanchonete, e
havia gente passando para lá e para cá, o que deixou Roth
desconfortável, mas ele abordou a questão das reintegrações aleatórias de
contas. “Bom, e o conceito de perdão presidencial?”, questionou Musk.
“Isso está na Constituição, certo?”
Roth, que não sabia dizer se ele estava brincando, admitiu que Musk
tinha o direito de conceder perdões aleatórios, mas perguntou: “E se
outra pessoa fizer a mesma coisa?”
“Não estamos mudando a regra, estamos concedendo perdão”,
respondeu Musk.
“Mas nas mídias sociais não é bem assim que funciona”, replicou
Roth. “As pessoas testam as regras, especialmente nessa questão, e elas
vão querer saber se a política do Twitter mudou.”
Musk parou por um instante e decidiu recuar um pouco. Ele tinha
familiaridade com essa questão. A própria filha tinha transicionado.
“Olha só, quero deixar claro, eu não acho que desrespeitar o gênero das
pessoas seja legal. Mas não é algo como uma ameaça de morte.”
Mais uma vez, Roth se viu positivamente surpreso. “Na verdade, eu
concordo com ele”, diz Roth. “Embora tivesse a fama de ser a brigada da
censura, havia muito tempo eu achava que o Twitter removia discursos
demais, quando existiam outras opções menos invasivas à disposição.”
Roth pôs o laptop em um balcão para mostrar algumas ideias que estava
desenvolvendo para colocar mensagens de alerta em tuítes em vez de
deletá-los ou de banir usuários.
Musk assentiu, entusiasmado. “Parece que é exatamente o que a gente
deveria fazer”, disse. “Esses tuítes problemáticos não deveriam aparecer
na busca. Eles não deveriam aparecer na sua timeline, mas, bem, se você
navegar pelo perfil de alguém, talvez você veja isso.”
Por mais de um ano, Roth vinha trabalhando num plano como esse,
para reduzir o alcance de certos tuítes e usuários. Ele via isso como um
modo de evitar simplesmente banir usuários controversos. “Uma das
áreas mais importantes que eu adoraria pesquisar é a de políticas de
intervenção sem remoção, como diminuir o engajamento e filtros que
reduzissem a amplificação/visibilidade”, escreveu numa mensagem de
Slack para a própria equipe no Twitter no início de 2021. Ironicamente,
quando essa mensagem apareceu como parte dos “Twitter Files” em
dezembro de 2022, ocasião em que Musk revelou documentos internos
da empresa com a intenção de buscar transparência, foi vista como uma
confirmação cabal de que os conservadores vinham sendo sujeitados a
um “banimento por ocultação” por liberais no Twitter.
Musk aprovou a ideia de Roth de usar “filtros de visibilidade” para
reduzir a amplificação de tuítes e usuários problemáticos como
alternativa para banimentos permanentes. Ele também concordou em
não devolver imediatamente as contas do Babylon Bee e de Jordan
Peterson. “Em vez disso”, sugeriu Roth, “por que não tiramos uns dias
para fazer uma primeira versão desse sistema de redução de
amplificação?”. Musk concordou. “Posso fazer isso até segunda”,
prometeu Roth.
“Parece bom”, disse Musk.

Sacks e Calacanis
Yoel Roth estava almoçando com o marido no dia seguinte, um sábado,
quando recebeu uma ligação sendo chamado para ir até o escritório.
David Sacks e Jason Calacanis queriam fazer algumas perguntas a ele.
“Melhor você ir”, aconselhou um amigo do Twitter, sabendo da
importância dos dois. Então Roth foi de carro, saindo de Berkeley, onde
morava, e atravessou a baía para chegar à sede do Twitter.
Naquela semana, Musk estava hospedado na casa de cinco andares de
Sacks no Pacific Heights, em São Francisco. Eles se conheciam desde a
época da PayPal. Desde então, Sacks era um libertário declarado que
defendia a liberdade de expressão. O desprezo dele pelo movimento
woke o empurrou para a direita, mas com um viés populista-nacionalista
que o tornava cético quanto ao intervencionismo norte-americano.
Em 2021, no jantar de aniversário de 50 anos de Sky Dayton,
empresário do ramo da internet com viés libertário, na Toscana, Sacks e
Musk discutiram como as grandes empresas de tecnologia estavam em
conluio para restringir a liberdade de expressão on-line. Sacks tinha uma
visão populista, argumentava que um “cartel” das elites corporativas
estava usando a censura como arma para derrotar aqueles que pensavam
diferente. Grimes discordou, mas Musk geralmente concordava com
Sacks. Ele não tinha se concentrado muito na liberdade de expressão e
na censura até então, mas a ideia ecoava o crescente sentimento
antiwoke dele. Quando Musk assumiu o Twitter, Sacks se tornou uma
presença constante, ajudando a coordenar reuniões e dando conselhos.
O amigo e parceiro de pôquer Jason Calacanis, com quem ele
produzia um podcast semanal, era um sujeito nascido no Brooklyn que
tinha uma startup de internet e vinha a ser um amigo muito próximo e
dedicado de Musk. Ele tinha uma empolgação juvenil que contrastava
com a reticência rigorosa de Sacks e era mais moderado politicamente.
Quando Musk fez os primeiros movimentos para comprar o Twitter, em
abril, Calacanis lhe mandou uma mensagem dizendo quanto estava
empolgado para ajudar. “Conselheiro, consultor, seja lá o que for…
Conte com este soldado”, escreveu. “Me bota para jogar, treinador!
CEO do Twitter é meu emprego dos sonhos.” O afã dele às vezes fazia
Musk repreendê-lo, como na vez que Calacanis criou uma Sociedade de
Propósito Específico com o intuito de arrecadar investimentos para a
compra do Twitter por Musk. “Que ideia é essa de vender uma SPE
para pessoas aleatórias?”, disse Musk por mensagem. “Isso não está
certo.” Calacanis pediu desculpa e recuou. “Essa compra capturou a
imaginação do mundo de modo inimaginável. É uma loucura... Eu estou
com você para o que der e vier — eu pularia em cima de uma granada
por você.”

***

Quando Roth chegou à sede para se encontrar com Sacks e Calacanis,


havia uma crise em andamento. O Twitter estava sendo inundado por
postagens racistas e antissemitas. Musk tinha declarado ser contra a
censura, e agora enxurradas de trolls e provocadores estavam testando os
limites. O uso de termos agressivos contra negros cresceu 500% nas doze
primeiras horas depois de Musk assumir o controle. A liberdade de
expressão irrestrita, a nova equipe descobriu rapidamente, tinha um lado
negativo.
Roth sabia que Sacks havia lido as reportagens sobre as tendências
esquerdistas dele, e ficou surpreso por ver como ele estava sendo
educado e solícito. Eles falaram sobre os números da onda de discurso
de ódio e sobre quais ferramentas tinham à disposição para lidar com
isso. Roth explicou que a maior parte das postagens não era de usuários
expressando opiniões pessoais e individuais, mas, sim, de trolagem
organizada e de ataques feitos por bots. “Ficou nítido que era algo
coordenado”, diz Roth, “e não apenas pessoas reais sendo mais racistas”.
Depois de mais ou menos uma hora, Musk entrou na sala de
conferências. “Então, que negócio é esse de racismo que está rolando?”,
perguntou.
“É uma campanha de trolls”, respondeu Roth.
“Acabem já com isso”, disse Musk. “Força total.” Roth ficou
empolgado. Ele achou que Musk iria se opor a qualquer tentativa de
moderação. “Discurso de ódio não tem lugar no Twitter”, continuou
Musk, como se estivesse fazendo uma declaração oficial. “Não dá para
aceitar isso.”
Calacanis falou para Roth que ele tinha explicado a situação muito
bem. “Por que você não posta uns tuítes sobre isso?”, sugeriu Calacanis.
Então Roth postou um fio. “Estamos nos concentrando em endereçar o
crescimento de discurso de ódio no Twitter”, escreveu. “Mais de 50 mil
tuítes usando um xingamento em particular surgiram de apenas
trezentas contas. Quase todas essas contas são falsas. Tomamos medidas
para banir os usuários envolvidos nesse ataque.”
Musk retuitou os posts de Roth e acrescentou outro dele próprio, que
tinha como objetivo tranquilizar anunciantes que estavam começando a
fugir do Twitter. “Para ser superclaro”, tuitou, “não demos início ainda a
nenhuma mudança na política de moderação de conteúdo do Twitter”.
Como faz com pessoas que ele considera parte de seu círculo mais
íntimo, Musk começou a mandar mensagens para Roth regularmente
com perguntas e sugestões. Mesmo quando uma enxurrada de novas
reportagens surgiu requentando os tuítes esquerdistas de Roth de cinco
anos antes, Musk ficou do lado dele, tanto em particular quanto em
público. “Ele me disse que achava alguns dos meus tuítes antigos
engraçados, e ele realmente me apoiou mesmo quando muitos
conservadores estavam pedindo a minha cabeça”, disse Roth. Musk
chegou até a responder a um conservador no Twitter com uma defesa de
Roth. “Todos nós publicamos tuítes questionáveis, eu mais do que a
média, mas quero deixar claro que estou com Yoel”, escreveu. “Minha
opinião é de que ele tem uma grande integridade e todos nós temos
direito a nossas crenças políticas.”
Embora Musk não tivesse descoberto ainda como pronunciar o nome
dele (Yo-El), parecia que podia ser o início de uma bela amizade.
capítulo 85
Halloween
Twitter, outubro de 2022

Maye vestida para o Halloween de 2022, e assistindo a uma das apresentações


do filho
Visita a Nova York
Bem quando o relacionamento de Yoel Roth com Musk parecia estar
indo surpreendentemente bem, o marido dele se virou para ele no fim da
manhã de domingo, 30 de outubro, e perguntou: “O que diabos é isso?”
A pergunta lembrou Roth da época de Trump, quando toda manhã ele
acordava e se preparava para o que tinha sido tuitado. Dessa vez, tratava-
se de um tuíte de Musk sobre o ataque que Paul Pelosi, o marido de 82
anos da presidente da Câmara, havia sofrido por parte de um invasor
com um martelo. Hillary Clinton havia postado um tuíte que culpava
por essa violência as pessoas que “espalham o ódio e teorias da
conspiração insanas”. Musk respondeu com o link de um site de
conspirações da direita que sugeria falsamente, sem oferecer prova
alguma, que Pelosi pudesse ter se machucado “em uma briga com um
michê”. Musk comentou: “Existe uma pequena possibilidade de que
haja mais nessa história do que vemos a olho nu.”
O tuíte de Musk mostrava a tendência crescente (assim como
aconteceu com o pai dele) que ele tinha de ler sites de fake news malucos
que oferecem teorias da conspiração, um problema que o Twitter havia
estampado. Ele rapidamente apagou o tuíte, se desculpou e depois disse
em particular que fora um dos erros mais idiotas que cometera. Também
foi um erro que custou caro. “Isso sem dúvida vai causar problemas com
os anunciantes”, escreveu Roth em uma mensagem para Alex Spiro.
Musk tinha começado a entender que criar um bom espaço para
anunciantes entrava em conflito com os planos de permitir uma
liberdade de expressão mais estridente. Alguns dias antes, ele havia
escrito uma carta intitulada “Caros anunciantes do Twitter”, na qual
prometia que “o Twitter, obviamente, não deve se tornar um ambiente
hostil e sem regras, onde qualquer coisa pode ser dita sem
consequências!”. Mas o tuíte sobre Paul Pelosi minava essa promessa, ao
fornecer um exemplo daquilo de que os anunciantes não gostavam no
Twitter: a rede podia ser um mar de falsidades e desinformação que as
pessoas (inclusive Musk) espalham de maneira impulsiva e imprudente.
A publicidade correspondia a 90% da receita do Twitter. O valor já
estava diminuindo por causa de uma recessão no setor, mas depois que
Musk assumiu começou a cair ainda mais rápido. Nos seis meses
seguintes, mais da metade desse dinheiro desapareceria.

***

Naquela noite de domingo, Musk voou até Nova York para se encontrar
com a equipe de vendas de anúncios do Twitter e tentar tranquilizar os
anunciantes e as respectivas agências. Levou X junto, e eles chegaram
por volta das três da manhã no apartamento de Maye em Greenwich
Village. Musk não gostava de hotéis nem de ficar sozinho. Pela manhã,
tanto Maye quanto X foram com ele à sede do Twitter em Manhattan,
servindo a um só tempo de escudo e apoio emocional para reuniões que
seriam tensas.
Musk tem uma intuição para problemas de engenharia, mas as redes
neurais dele têm dificuldades para lidar com sentimentos humanos, por
isso a aquisição do Twitter tornou-se tão problemática. Ele pensava no
Twitter como uma empresa de tecnologia, quando, na realidade, era um
meio publicitário baseado em emoções humanas e relacionamentos. Ele
sabia que tinha que ser solícito na viagem a Nova York, mas estava com
raiva. “Existe uma campanha agressiva contra mim desde que o acordo
foi anunciado em abril”, me disse Musk. “Grupos ativistas têm
pressionado os anunciantes para que deixem de assinar acordos.”
As reuniões naquela segunda-feira não ajudaram muito a tranquilizar
os anunciantes. Enquanto Maye assistia e X brincava, Musk falou num
tom monocórdio, primeiro com a equipe de vendas e depois por meio de
telefonemas com a comunidade de publicidade. “Quero que o Twitter
seja interessante para um amplo número de pessoas, talvez 1 bilhão
algum dia”, disse ele em uma dessas conversas. “Isso anda de mãos dadas
com segurança. Se você deparar com uma avalanche de discurso de ódio
ou for atacado, vai embora.” A cada reunião ele era questionado a
respeito do tuíte sobre Paul Pelosi. “Eu sou quem eu sou”, disse uma
hora, o que não era muito tranquilizador para nenhum dos
interlocutores, que de alguma forma esperavam o contrário. “Minha
conta no Twitter é uma extensão do que eu sou pessoalmente, e, bem,
vou tuitar algumas coisas que vão se mostrar estúpidas, vou cometer
erros.” Ele disse isso não com uma humildade envergonhada, mas com
uma fria modéstia. Em uma das reuniões que fizera via Zoom, era
possível ver anunciantes cruzando os braços e saindo da ligação. “Que
merda é essa?”, murmurou um deles. O Twitter supostamente era um
negócio de bilhões de dólares, não uma extensão das falhas e
idiossincrasias de Elon Musk.
No dia seguinte, muitos dos principais executivos do Twitter que
tinham a confiança da comunidade publicitária se demitiram ou foram
demitidos, mais notavelmente Leslie Berland, Jean-Philippe Maheu e
Sarah Personette. Além disso, grandes marcas e agências de publicidade
anunciaram a intenção de pausar os anúncios no Twitter, ou fizeram isso
discretamente. As vendas caíram 80% naquele mês. As mensagens de
Musk passaram de tranquilizadoras para bajuladoras e então
ameaçadoras. “O Twitter teve uma queda massiva na receita, devido à
pressão de grupos ativistas aos anunciantes, apesar de nada ter mudado
na moderação de conteúdo e de tudo que fizemos para agradar aos
ativistas”, tuitou Musk depois das reuniões. “Estão tentando destruir a
liberdade de expressão nos Estados Unidos.”

Comandantes espaciais
O Halloween é um dos feriados favoritos de Musk, uma chance para
jogos reais de representação. Outro motivo para ele voar até Nova York,
além de tentar tranquilizar os anunciantes, era ter prometido
acompanhar a mãe à festa anual de Halloween da modelo Heidi Klum,
que contava com um desfile no tapete vermelho de fantasias exageradas
para o deleite dos paparazzi.
Musk só voltou das reuniões com os anunciantes para o apartamento
de Maye às nove da noite, quando ela e uma amiga o ajudaram a vestir a
armadura de couro vermelha e preta da fantasia de “Devil’s Champion”
— um guerreiro do diabo — que ela havia providenciado. Apesar de
terem sido levados para uma área VIP, eles odiaram a festa. Maye achou
o som alto demais e Elon ficou incomodado por todo mundo estar
tentando tirar selfies com ele. Por isso, ficaram apenas dez minutos e
foram embora. Musk, porém, mudou sua foto do perfil no Twitter para
uma dele vestido de Devil’s Champion. Ele achou que combinava com a
situação naquele momento.
Na manhã seguinte, ele acordou cedo para assistir com a mãe e o filho
à transmissão da decolagem do Falcon Heavy, a primeira vez em três
anos que o foguete de 27 motores da SpaceX era lançado. Depois, voou
até Washington para uma cerimônia que marcou a mudança dos
principais generais do Comando Espacial dos Estados Unidos. Apesar
das tensões que tinha com o governo Biden, Musk ainda foi bem
recebido pelo Pentágono, especialmente porque a SpaceX era a única
entidade norte-americana capaz de enviar grandes satélites militares e
tripulação para a órbita. Durante a cerimônia, ele foi destacado pelo
general Mark Milley, o chefe do Estado-Maior Conjunto. “O que ele
simboliza”, disse Milley, “é a combinação entre a cooperação civil e
militar e o trabalho em equipe que faz dos Estados Unidos o país mais
poderoso no espaço”.
capítulo 86
Contas verificadas
Twitter, 2 a 10 de novembro de 2022

Uma apresentação na sala de conferências; James Musk, Dhaval Shroff e


Andrew Musk avaliando engenheiros
Termonuclear
Yoel Roth e a maior parte da equipe de moderação de conteúdo
sobreviveram à primeira rodada de demissões. Tendo em vista a batalha
contra campanhas racistas coordenadas por trolls e a revolta entre os
anunciantes, parecia prudente não dizimar aquela equipe logo de cara.
“Cortei um número muito pequeno de funções que eu não considerava
essenciais, mas ninguém me pressionou a demitir ninguém”, diz Roth.
Naquele dia, ele tuitou uma mensagem para tranquilizar os anunciantes,
quando disse que as “capacidades centrais de moderação” da empresa
ainda eram as mesmas.
Ele terminou de elaborar a nova política de respeito à identidade de
gênero que tinha prometido a Musk. O plano era colocar um alerta em
todo tuíte ofensivo, baixar a visibilidade dele e não permitir que fosse
retuitado. Musk aprovou.
Musk então sugeriu uma ideia adicional para a moderação de
conteúdo. O Twitter tinha uma ferramenta pouco conhecida chamada
Birdwatch, a qual permitia que usuários inserissem correções ou
contextualizações em tuítes que considerassem falsos. Musk adorava a
ideia, mas detestava o nome. “A partir de agora, vamos chamar isso de
Notas da Comunidade”, disse. Parecia um modo de evitar censurar as
coisas e, em vez disso, nas palavras dele, “deixar que a coletividade
humana dialogue e negocie se aquilo é verdadeiro ou falso”.
Os anunciantes estavam se afastando havia uma semana, mas na
sexta-feira, 4 de novembro, o fluxo do êxodo estava mais rápido. Em
parte, o motivo era um boicote liderado por ativistas que estavam
incitando as empresas, como a Oreo, a retirar os anúncios. Musk
ameaçou ir atrás de anunciantes que tivessem cedido à pressão. “Vamos
dar nomes & envergonhar as empresas em nível termonuclear se isso
continuar”, tuitou.
Naquela noite, Musk entrou no modo demoníaco. A maior parte das
pessoas no Twitter, inclusive Roth, já o tinha visto agir de modo
arbitrário e insensível de vez em quando, mas eles ainda não haviam sido
expostos à fúria fria da persona mais sombria dele em um dos seus
transes nem sabiam como se proteger da tempestade. Ele chamou Roth
e deu ordem para que ele impedisse os usuários de pedir aos anunciantes
um boicote ao Twitter. Isso, evidentemente, não se alinhava com a
lealdade que ele professava ter pela liberdade de expressão, mas a fúria
de Musk faz com que ele assuma uma retidão moral capaz de se livrar de
inconsistências. “O Twitter é uma coisa boa”, disse Musk para Roth. “É
moralmente certo que ele exista. Essas pessoas estão fazendo algo
imoral.” Os usuários que estavam pressionando anunciantes a boicotar o
Twitter estavam fazendo chantagem, afirmou, e deveriam ser banidos.
Roth ficou chocado. Não havia regras no Twitter contra a defesa de
boicotes. Isso era feito o tempo todo. Na verdade, era o tipo de defesa,
na opinião de Roth, que tornava o Twitter importante. Além disso,
havia o efeito Barbra Streisand, batizado em homenagem à cantora que
processou um fotógrafo por postar uma foto da casa dela, o que levou a
foto a receber uma atenção milhares de vezes maior. Banir tuítes que
pediam por um boicote de anunciantes ia chamar a atenção para o
boicote. “Acho que hoje à noite vou ter que me demitir”, disse Roth para
o marido.
Depois de mandar algumas mensagens, Musk ligou para Roth. “É
injusto”, falou ele. “É chantagem.”
“Esses tuítes não violam nossas regras”, replicou Roth. “Se você os
remover, o tiro vai sair pela culatra.” A conversa durou quinze minutos e
não foi boa. Depois de Roth defender seu ponto de vista, Musk
começou a falar rápido, e ficou evidente que não queria objeções. Ele
não ergueu a voz, o que dava à raiva dele um aspecto ainda mais
ameaçador. O lado autoritário de Musk aborreceu Roth.
“Estou mudando as regras do Twitter neste instante”, declarou Musk.
“Chantagem passa a ser proibida neste momento. Acabe com isso.
Remova essas contas.”
“Vou ver o que eu consigo descobrir”, disse Roth a Musk. Roth estava
tentando ganhar tempo. “Eu estava, tipo, pensando que precisava
encerrar aquele telefonema”, lembra-se.
Roth ligou para Robin Wheeler, que tinha pedido demissão do cargo
de diretora comercial do Twitter e havia sido convencida por Musk e
Jared Birchall a voltar. “Você sabe como isso funciona”, disse Roth a ela.
“Proibir uma campanha de ativistas é o melhor jeito de divulgar a
campanha.”
Wheeler concordou. “Não faça nada”, recomendou a Roth. “Vou
mandar uma mensagem para o Elon também, para que ele ouça a
mesma coisa de várias pessoas.
A próxima mensagem que Roth recebeu de Musk foi uma pergunta
sobre um assunto bem diferente: o que estava acontecendo com as
eleições no Brasil? “De repente, ele e eu estávamos interagindo
normalmente de novo, ele me perguntando coisas e eu respondendo”,
conta Roth. Musk tinha saído do modo demoníaco. A cabeça dele tinha
passado para outros assuntos, e ele nunca mais mencionou o boicote de
anunciantes nem pediu para saber se as ordens que dera tinham sido
cumpridas.
Henry Kissinger certa vez citou um assessor que teria dito que o
escândalo de Watergate aconteceu “porque algum imbecil entrou no
Salão Oval e fez o que Nixon o mandou fazer”. As pessoas no entorno
de Musk sabiam como atravessar os períodos demoníacos de Musk.
Posteriormente, Roth descreveu o episódio numa conversa com Birchall.
“Sim, sim, sim”, disse Birchall a ele. “Isso acontece com o Elon. É só
ignorar e não fazer o que ele mandar. Depois, volte quando ele tiver
processado o que as pessoas disseram.”

Contas verificadas com selo azul


Assinaturas eram uma parte fundamental dos planos de Musk para o
Twitter. Ele chamou o projeto de Twitter Blue. Já existiam selos azuis
para indicar contas verificadas, selos estes disponibilizados para
celebridades e autoridades que passavam por um processo (ou mexiam os
pauzinhos) para fazer com que o Twitter os visse como significativos o
suficiente. A ideia de Musk era criar uma marca de verificação para
qualquer um disposto a pagar uma taxa mensal. Jason Calacanis e outras
pessoas comentaram que seria elitista ter verificações diferentes para os
considerados “notáveis” e os que pagassem, por isso Musk decidiu que
ambas as categorias receberiam o selo azul.
O Twitter Blue serviria a muitos propósitos. Primeiro, ajudaria a
acabar com as fábricas de trolls e os exércitos de bots, já que seria
permitida apenas uma conta verificada por número de cartão de crédito
e celular. Em segundo lugar, seria uma nova fonte de renda. Isso
também incluiria no sistema informações sobre o cartão de crédito do
usuário, possibilitando que o Twitter um dia se tornasse a plataforma de
serviços financeiros e pagamentos mais ampla que Musk vislumbrava.
Além disso, também poderia ajudar a resolver problemas de discurso de
ódio e fraudes.
Musk pediu que o novo sistema estivesse pronto no dia 7 de
novembro, segunda-feira. Eles conseguiram concluir a parte de
engenharia, mas antes mesmo do lançamento perceberam que havia um
problema humano: milhares de engraçadinhos, trapaceiros e
provocadores estariam em busca de meios para burlar o sistema de
verificação, conseguir um selo e depois modificar os respectivos perfis
para fingir ser outra pessoa. Roth apresentou um memorando de sete
páginas no qual descrevia os perigos. Ele pediu que a nova
funcionalidade fosse adiada para pelo menos depois das eleições
legislativas de 8 de novembro nos Estados Unidos.
Musk compreendeu a questão e concordou com um adiamento de
dois dias. Ele reuniu a gerente de produtos, Esther Crawford, e vinte
engenheiros em torno da mesa dele de reuniões ao meio-dia de 7 de
novembro para enfatizar a importância de impedir que as pessoas
manipulassem o Twitter Blue. “Vai haver um ataque gigantesco”, alertou
ele. “Vai haver uma enxurrada de gente ruim testando as defesas. Eles
vão tentar fingir que são Elon Musk e outras pessoas e depois procurar a
imprensa, que vai querer nos destruir. Vai ser a Terceira Guerra Mundial
por causa dos selos de verificação. Por isso, temos que fazer tudo que for
possível para que isso não dê merda.” Quando um dos engenheiros
tentou falar de outro assunto, foi silenciado por Musk. “Nem pensem
nisso agora”, disse Musk. “Só existe uma prioridade: impedir a
inundação de usuários tentando fingir ser outras pessoas.”
Um problema é que isso exigiria, além de linhas de código, atuação de
humanos. Musk tinha demitido 50% da equipe e 80% dos terceirizados
que verificavam os usuários. Antonio Gracias, que esperava reduzir o
orçamento, tinha mandado Roth diminuir drasticamente os gastos com
moderadores.
Quando o Twitter Blue entrou em funcionamento na manhã de
quarta-feira, 9 de novembro, o problema de usuários se passando por
outras pessoas foi tão grave quanto Musk e Roth tinham temido. Houve
um tsunami de contas falsas com selos de verificação fingindo ser
políticos famosos e, pior ainda, grandes anunciantes. Um deles, fingindo
ser a farmacêutica Eli Lilly, tuitou: “Estamos felizes em anunciar que a
partir de agora a insulina será gratuita.” O preço das ações da empresa
caiu mais de 4% em uma hora. Alguém fingindo ser a Coca-Cola disse:
“Se essa mensagem for retuitada mil vezes vamos colocar cocaína de
volta na Coca-Cola.” (Mais de mil pessoas retuitaram, mas a Coca-Cola
não mudou a fórmula.) Um impostor fingindo ser a Nintendo postou
uma imagem do Mario mostrando o dedo do meio. Nem a Tesla foi
poupada. “Nossos carros não respeitam o limite de velocidade perto das
escolas. Danem-se as crianças”, dizia o tuíte de uma conta verificada que
fingia ser a Tesla. Outra tuitou: “URGENTE: Um segundo Tesla
atingiu o World Trade Center.”
Por algumas horas, Musk continuou insistindo, criando novas regras e
fazendo ameaças aos impostores. Entretanto, no dia seguinte, ele
decidiu suspender todo o experimento do Twitter Blue por algumas
semanas.

Volta ao trabalho
À medida que o lançamento do Twitter Blue se transformava num
desastre nível Hindenburg, Musk entrou no modo crise. Às vezes crises
dão energia a ele. Deixam Musk feliz e empolgado — mas não daquela
vez. Na quarta e na quinta-feira ele ficou sombrio, irritado, ressentido e
grosseiro.
Parte disso era por causa da situação financeira — cada vez pior — do
Twitter. Quando Musk fez a oferta de compra em abril, o Twitter
basicamente empatava receitas e despesas. Ocorre, contudo, que no
momento, além da redução das receitas de publicidade, a empresa
precisava pagar os juros de uma dívida de mais de 12 bilhões de dólares.
“Esse é um dos quadros financeiros mais apavorantes que eu já vi”, disse
Musk. “Acho que podemos ter um déficit de mais de 2 bilhões de
dólares ano que vem.” Para poder virar o jogo no Twitter, ele vendeu
mais 4 bilhões de dólares em ações da Tesla.
Na noite daquela quarta-feira, Musk enviou um e-mail para o pessoal
do Twitter. “Não há como dourar a pílula”, começou. “Francamente, o
cenário econômico diante de nós é catastrófico.” Como já tinha feito
antes na Tesla e na SpaceX, e inclusive na Neuralink, ele ameaçou fechar
a empresa, até mesmo declarar falência, se as coisas não melhorassem.
Para ter sucesso seria necessária uma mudança completa na cultura
suave, tranquila e boazinha da empresa. “A estrada que temos pela frente
é árdua e vai exigir trabalho intenso.”
Acima de tudo, isso significava reverter a política do Twitter,
anunciada por Jack Dorsey no começo da pandemia e reafirmada por
Parag Agrawal em 2022, de que os funcionários poderiam trabalhar de
casa para sempre. “O trabalho remoto não é mais permitido”, declarou
Musk. “A partir de amanhã, todos precisam estar no escritório por pelo
menos quarenta horas por semana.”
A nova política era parcialmente motivada pela crença de Musk de
que, com todos juntos no escritório, o fluxo de ideias e de energia era
facilitado. “As pessoas são muito mais produtivas quando estão
pessoalmente no trabalho, porque a comunicação é muito melhor”, disse
ele numa reunião com funcionários convocada às pressas na cafeteria do
nono andar. Mas a política também resultava da ética de trabalho
pessoal de Musk. Quando um dos funcionários na reunião perguntou
por que era preciso ir ao escritório se a maior parte das pessoas com
quem eles interagiam estava em outras cidades, Musk se irritou. “Vou
ser absolutamente claro”, começou ele, falando devagar e sem alterar o
tom de voz. “Se as pessoas não voltam para o escritório quando elas
podem estar no escritório, elas não podem continuar na empresa. Ponto
final. Se você pode ir trabalhar no escritório e não aparece, sua demissão
foi aceita. Ponto final.”
A questão da Apple
Além dos problemas com os impostores, Yoel Roth percebeu que havia
outro problema com o Twitter Blue: a Apple. O plano de Musk era que
os usuários logassem em seus iPhones usando o aplicativo do Twitter. O
Twitter receberia os 8 dólares e de quebra ficaria com os dados que a
Apple solicitava para verificar o usuário, como o nome e outras
informações, incluído, Musk presumiu, o número de cartão de crédito.
“O problema é que ninguém se deu ao trabalho de perguntar para a
Apple se eles topavam compartilhar essa informação”, diz Roth.
A Apple tinha uma política rigorosa com aplicativos. Ela recebia uma
taxa de 30% de qualquer pagamento feito por um aplicativo ou por
compras feitas por meio de um app. O que era ainda mais oneroso: a
Apple não compartilhava dados de usuários. Qualquer serviço que
tentasse violar essas regras seria retirado da App Store da Apple. A
política tinha como justificativa questões de privacidade e segurança. Se
você fazia uma compra pelo seu iPhone, a Apple mantinha seus dados e
as informações de seu cartão de crédito em sigilo.
“Isso não vai funcionar”, disse Roth quando conseguiu falar com Elon
ao telefone. “A premissa fundamental do Twitter Blue não funciona com
o iPhone.”
Musk se irritou. Embora compreendesse as políticas da Apple, havia
presumido que o Twitter poderia trabalhar em parceria com eles. “Você
falou com alguém na Apple?”, perguntou. “Ligue para a Apple e mande
eles darem os dados de que você precisa.”
Roth ficou surpreso. Se um funcionário de nível intermediário como
ele ligasse para a Apple e pedisse que mudassem a política sobre
privacidade de informação, eles iriam, nas palavras de Roth, “mandar eu
me foder”.
Musk insistiu que o problema era contornável. “Se eu precisar ligar
para a Apple, eu ligo para a Apple”, disse. “Ligo para o Tim Cook, se
for o caso.”
Yoel Roth se demite
Essa conversa foi a gota d’água para Roth. O modelo de negócios do
Twitter Blue estava correndo riscos se levados em consideração os
limites impostos pela Apple. A questão dos impostores com selo azul de
verificação era algo impossível de controlar de imediato porque Musk
tinha demitido a maior parte dos moderadores humanos. As explosões
autoritárias dele continuavam a aborrecer Roth. E Musk estava exigindo
uma lista de mais pessoas para serem demitidas.
Roth havia dito para si mesmo que ficaria até as eleições de meio de
mandato, que aconteceriam no dia 8 de novembro, e elas tinham
transcorrido em paz. No fim do telefonema com Musk, decidiu que era
hora de partir. Por isso, enquanto Musk reunia-se com os funcionários
na cafeteria do nono andar, Roth estava no décimo andar escrevendo a
carta de demissão.
Ele fez uma breve videoconferência para informar parte de sua
equipe, apertou o botão de “enviar” e saiu às pressas do prédio porque
não queria ser expulso pela segurança. Assim que soube da notícia,
Musk ficou genuinamente decepcionado. “Uau, não achei que ele fosse
fazer isso com a gente”, disse.
Quando Roth estava atravessando a Bay Bridge em direção a
Berkeley, o celular começou a vibrar. A notícia tinha vazado. “Não
atendi enquanto dirigia, porque sou um motorista muito nervoso,
mesmo nos meus melhores dias”, diz ele. Ao chegar em casa e ver o
celular, havia uma mensagem de Yoni Ramon: “Podemos conversar?”
Outras mensagens semelhantes chegaram de Alex Spiro e Jared Birchall.
Ele ligou para Birchall, o qual disse que Musk estava muito
decepcionado e esperava que Roth reconsiderasse. “Tem alguma coisa
que a gente possa fazer para convencer você a voltar?”, perguntou
Birchall. Eles conversaram por meia hora, e Birchall explicou como lidar
com os momentos em que Musk entra no modo demoníaco. Roth disse
que já havia se decidido, mas estava disposto a ter uma conversa
amigável com Musk como uma entrevista demissional. Ele almoçou,
esboçou o que queria dizer e às cinco e meia mandou uma mensagem
para Musk: “Estou disponível para conversar.”
Musk ligou na mesma hora. Durante a maior parte da conversa, Roth
mencionou pontos que ele considerava mudanças imprescindíveis para o
Twitter. Musk então perguntou diretamente: “Você consideraria voltar?”
“Não, essa não é a decisão certa para mim”, respondeu Roth.
Os sentimentos que Roth nutria por Musk eram complexos. A
maioria das interações deles tinha sido boa. “Ele era uma pessoa
razoável, divertida, envolvente e falava sobre a visão dele de um modo
que era meio conversa fiada, mas que basicamente fazia você se sentir
inspirado”, comenta Roth. E então vinham os momentos em que Musk
mostrava um lado autoritário, cruel, sombrio. “Ele passava a ser o Elon
mau, e era esse Elon que eu não suportava.”
“As pessoas querem que eu diga que detesto Musk, mas é muito mais
complicado, e imagino que é isso que o torna tão interessante. Ele é
meio idealista, certo? Tem visões grandiosas, seja sobre a humanidade
multiplanetária, seja sobre energia renovável, e até mesmo a liberdade de
expressão. E ele construiu para si mesmo um universo moral e ético que
tem como foco alcançar essas grandes metas. Acho que isso torna difícil
fazer dele um vilão.”
Roth não pediu dinheiro nem benefícios na rescisão. “Eu só desejava
sair enquanto minha reputação estava intacta e eu ainda era
empregável”, diz, melancólico. Ele também queria estar em segurança.
Roth foi vítima de ameaças de morte assustadoras com viés antissemita e
homofóbico quando o New York Post e outros veículos escreveram sobre
os tuítes antigos postados por ele, os quais apoiavam os democratas e
criticavam Trump. “Eu tinha receio de que, caso Elon e eu acabássemos
brigando, ele pudesse tuitar coisas ruins sobre mim e me chamar de
esquerdalha, e então as centenas de milhões de seguidores dele, alguns
dos quais podem ser violentos, começassem a vir atrás de mim e da
minha família.” Roth assumiu um tom lamentoso enquanto falava de
suas preocupações. “O que o Elon não entende”, disse no fim da nossa
conversa, “é que as demais pessoas não têm uma equipe de seguranças
como ele tem”.

Desespero
Depois da demissão de Roth e da implosão do Twitter Blue, Musk fez
uma videoconferência num fim de noite com Franz von Holzhausen e os
demais integrantes da equipe que estava projetando o Robotáxi na Tesla.
Antes que eles tivessem a chance de começar a mostrar as novas versões
do carro, Musk desabafou sobre suas frustrações no Twitter. “Não sei
por que eu fiz isso”, disse, parecendo cansado e abatido. “O juiz
basicamente disse que eu tinha que comprar o Twitter, ou então... E
agora eu estou tipo, ok, merda.”
Fazia exatamente duas semanas que Musk tinha concluído a compra.
Desde então, estivera trabalhando em tempo integral na sede do Twitter
enquanto fazia malabarismo com o trabalho na Tesla, na SpaceX e na
Neuralink. A reputação dele estava sendo destruída, e a empolgação pelo
drama do Twitter tinha dado lugar à dor. “Espero em algum momento
sair desse inferno em que o Twitter me colocou”, disse ele, prometendo
tentar retornar a Los Angeles para fazer uma reunião presencial sobre o
Robotáxi.
Von Holzhausen tentou tratar do design superfuturista que eles
tinham desenvolvido para o Robotáxi, mas Musk voltou à situação do
Twitter. “Se vocês querem saber como é a cultura do Twitter, imaginem
a pior situação possível e depois multipliquem por dez”, falou Musk. “O
grau de preguiça e de indulgência aqui é uma coisa de doido.”
Mais tarde, Musk deu uma entrevista por vídeo para uma conferência
sobre negócios na Indonésia. O mediador perguntou que conselho ele
daria para alguém que quisesse ser o próximo Elon Musk. “Eu diria:
tome cuidado com o que você deseja”, respondeu Musk. “Não tenho
certeza se as pessoas realmente gostariam de ser quem eu sou. O grau de
tortura que eu imponho a mim mesmo é impressionante, para ser
franco.”
capítulo 87
Apostando tudo
Twitter, 10 a 18 de novembro de 2022

Christopher Stanley, à direita, tirando uma selfie com Musk e engenheiros


depois de um hackathon (acima); Ross Nordeen e James Musk (abaixo)
De mudança
O lançamento do Twitter Blue, o qual Musk achou que seria o elixir
para salvar a empresa, estava então suspenso e o colapso das vendas de
anúncios não dava sinais de diminuição. Novas rodadas de demissões
que reduziriam mais a equipe estavam sendo planejadas. Os que
permanecessem teriam que ser tão maníacos quanto os engenheiros da
Tesla e da SpaceX. “Acredito muito na ideia de que um pequeno número
de pessoas excepcionais muito motivadas pode se sair melhor que um
grande número de pessoas que são muito boas e moderadamente
motivadas”, disse Musk para mim no fim daquela dolorosa segunda
semana no Twitter.
Se queria que os sobreviventes do Twitter fossem hardcore, Musk
teria que mostrar quão hardcore ele podia ser. Ele havia dormido no
chão do primeiro escritório na Zip2 em 1995. Havia dormido no
telhado da fábrica de baterias da Tesla em Nevada em 2017. Havia
dormido debaixo da mesa dele na montadora de Fremont em 2018. Não
porque tivesse sido realmente necessário; fazia isso porque era da
natureza dele amar o drama, a urgência e o sentimento de que era um
general em guerra capaz de motivar suas tropas para a batalha. Agora
chegara o momento de dormir na sede do Twitter.
Quando voltou de uma viagem de fim de semana a Austin no fim da
noite de domingo, 13 de novembro, Musk foi direto para o escritório do
Twitter e tomou posse de um sofá na biblioteca do sétimo andar. Steve
Davis, seu principal faz-tudo, havia ido para o Twitter com o propósito
de supervisionar a redução de custos. Junto com a esposa, Nicole
Hollander, e o filho de 2 meses, Davis se mudou para a sala de
conferências próxima. A sede confortável do Twitter tinha chuveiros,
uma cozinha e uma sala de jogos. Eles brincavam que era tudo muito
luxuoso.
Segundo round
Enquanto voava até São Francisco naquele domingo à noite, Musk ligou
para o primo James e disse que ele e o irmão, Andrew, precisavam se
apresentar e encontrá-lo no Twitter quando ele, Musk, chegasse. Era
aniversário de Andrew e eles tinham saído com amigos para jantar. Mas
ambos foram. “As pessoas na empresa estavam postando merda sobre o
Elon, e ele disse que precisava de alguns de nós em quem pudesse
confiar”, diz James.
Ross Nordeen, o terceiro mosqueteiro, já estava lá. Ele tinha passado
o fim de semana todo na sede, revisando o código dos engenheiros do
Twitter para ver quem era bom e quem era ruim. Depois de sobreviver
basicamente à base de bolachas salgadas por duas semanas, o corpo
magro parecia esquelético. Naquele domingo, ele dormiu na sala de
jogos da empresa, no quinto andar. Quando acordou na segunda de
manhã e ouviu que Musk queria fazer mais cortes grandes, o estômago
dele se revirou. “Eu me senti um merda com a ideia de demitir mais
80% da empresa.” Ele foi ao banheiro e vomitou. “Só acordei e botei
tudo para fora”, diz. “Nunca tinha feito isso antes.”
Ross foi até o apartamento para tomar banho e pensar nas coisas. “Saí
e senti que não queria estar ali naquele momento”, conta. Ao meio-dia,
porém, ele decidiu que não iria abandonar o time, então voltou. “Eu não
queria deixar o James na mão.”

***

Os mosqueteiros, junto com Dhaval Shroff e outros jovens leais,


montaram uma sala de guerra, conhecida como “a estufa”, num recinto
sem janelas sufocante do décimo andar, perto da grande sala de
conferências que Musk estava então usando. Eles percebiam o
ressentimento de muitos dos funcionários do Twitter, que os haviam
apelidado de “esquadrão de capangas”. No entanto, um pequeno grupo
de engenheiros dedicados do Twitter, como Ben San Souci, queria ser
parte da nova tropa e se juntou ao grupo de mosqueteiros no espaço de
trabalho aberto do andar.
Musk se encontrou com os mosqueteiros no início da tarde. “Isso aqui
é um show de horrores”, disse. “Vai ser uma surpresa se houver trezentos
engenheiros excelentes nesta empresa.” Eles precisavam cortar na carne,
o que significava demitir mais quase 80%.
Houve alguma resistência. A Copa do Mundo estava próxima, assim
como o feriado de Ação de Graças e as principais datas de vendas. “Não
podemos correr o risco de cair”, disse Yoni Ramon. James concordou.
“Senti que aquilo poderia ser ruim”, relata ele. Musk se irritou. Estava
convencido de que cortes profundos ainda eram necessários.
Os engenheiros que ficaram, disse ele, tinham que atender aos três
critérios: ser excelentes, confiáveis e motivados. O primeiro round de
cortes, feito na semana anterior, havia sido planejado para tirar os que
não eram excelentes. Eles concordaram que a próxima prioridade era
identificar e demitir os que não eram confiáveis, ou, mais
especificamente, os que não pareciam leais por completo a Musk.
A equipe começou a examinar as mensagens no Slack e as postagens
em redes sociais de funcionários do Twitter, focando nos que
apresentavam alto acesso aos repositórios de código. “Ele nos disse para
encontrar pessoas que pudessem estar descontentes ou fossem uma
ameaça”, diz Dhaval. Eles procuraram por palavras-chave, entre elas,
“Elon”, no canal público do Slack. Musk ficou com eles na estufa,
brincando com as coisas que estavam vendo.
Havia momentos ocasionais de diversão. Eles depararam com uma
lista de palavras que eram automaticamente vetadas dos trending topics
do Twitter. Quando chegaram ao termo “hambúrguer de cocô”, Musk
começou a rir tanto que caiu no chão, sem fôlego. Entretanto, algumas
das mensagens que eles encontraram, incluídas ameaças de vingança,
viraram motivo de paranoia. “Um cara literalmente escreveu um
comando que poderia derrubar todo o data center. Ele disse: ‘O que será
que ia acontecer se eu rodasse isso?’”, conta James. “O cara postou isso.”
Eles cortaram o acesso da pessoa imediatamente e a demitiram.
As mensagens que eles leram eram principalmente as da parte pública
do Slack, mas isso ainda assim incomodou Ross, que estava se
recuperando do mal-estar matutino. “Parecia que estávamos violando a
privacidade e a liberdade de expressão e essas coisas todas”, disse ele
depois. “Eles tinham uma cultura de criticar os chefes.” Andrew, que
assim como James era muito sensível a preocupações com privacidade,
falou que eles não olharam mensagens privadas. “Você tem que
encontrar um equilíbrio em uma empresa”, diz. “Até onde você permite
a divergência?”
Musk não compartilhava esses escrúpulos. A liberdade de expressão
irrestrita não se estendia ao local de trabalho. Ele mandou erradicarem
as pessoas que estavam fazendo comentários muito sarcásticos. Musk
queria livrar a força de trabalho da negatividade. A equipe trabalhou até
depois da meia-noite e entregou uma lista de três dúzias de
descontentes. “Quer conversar com essas pessoas e mostrar o que elas
disseram?”, perguntou James. Musk respondeu que não. Elas seriam
demitidas. E foram.

Sim ou não?
A característica seguinte que Musk queria filtrar — depois de excelência
e confiabilidade — era motivação. Em sua vida inteira ele havia sido
hardcore e gostava de apostar tudo. Era uma questão de honra para ele.
Musk desprezava pessoas bem-sucedidas que gostavam de tirar férias.
James e Ross passaram a terça-feira pensando em maneiras de
determinar quais funcionários eram realmente motivados. Então eles
viram um post que alguém fez no Slack. “Por favor, me deixe sair com
indenização e eu saio”, dizia o texto. Eles perceberam que podiam
confiar na autosseleção. Algumas pessoas ficariam felizes em trabalhar
até tarde e nos fins de semana, mas outras, compreensivelmente, não
gostavam da ideia e não estavam constrangidas em admitir isso.
James e Ross perceberam que as pessoas estavam dispostas a declarar
de qual grupo faziam parte, e na verdade faziam isso com orgulho. Por
isso, sugeriram a Musk dar a oportunidade para que os funcionários
optassem por não fazer parte do novo Twitter hardcore. Ele gostou da
ideia, e Ross projetou um formulário simples com um botão em que os
funcionários poderiam clicar para assinalar que queriam sair em bons
termos e receber na rescisão o acréscimo de três meses de salário.
“Estávamos superanimados”, disse James. “Não teríamos que fazer todas
aquelas demissões extras.”
Algumas horas depois, Musk saiu de uma reunião e entrou na estufa
sorrindo. “Tive uma grande ideia”, falou. “Vamos inverter. Não faça o
botão para sair. Em vez disso, faça para ficar. Queremos que pareça a
expedição de Shackleton. Queremos pessoas que se declarem hardcore.”
Mais tarde naquela noite, Musk voou até Delaware para depor em
um processo dos acionistas que questionava o pacote de remuneração da
Tesla. Pouco antes das quatro da manhã, pelo fuso da Costa Leste, ele
testou o link de adesão no avião, tornando-se a primeira pessoa a dizer
sim para as novas expectativas do Twitter. Então ele mandou um e-mail
para todos os funcionários:

De: Elon Musk


Assunto: Uma bifurcação no caminho
Data: 16 de novembro de 2022

Daqui para a frente, para construir um Twitter 2.0 inovador e ter


sucesso em um mundo cada vez mais competitivo, precisaremos ser
extremamente hardcore. Isso significa trabalhar muito e em alta
intensidade...
Se você tem certeza de que quer ser parte do novo Twitter, clique,
por favor, em “Sim” no link abaixo. Qualquer um que não fizer isso
até as cinco da tarde de amanhã (quinta-feira) vai receber uma
rescisão com o acréscimo de três meses de salário.

James e Ross ficaram acordados a noite toda acompanhando os


resultados chegarem. Eles fizeram apostas. Quantos diriam sim? James
achava que seriam 2 mil dos aproximadamente 3.600 funcionários
restantes. Ross apostou que seriam 2.150. Musk fez uma aposta mais
baixa: 1.800 escolheriam ficar. No fim das contas, 2.492 disseram sim,
uma parcela surpreendentemente alta de 69% da força de trabalho. O
assistente de Musk Jehn Balajadia distribuiu Red Bulls batizados com
vodca para comemorar.
Revisões de código
Naquela quinta-feira à noite, uma mensagem meio alarmante foi
enviada para os funcionários do Twitter. No dia seguinte — sexta-feira,
18 de novembro —, os escritórios do Twitter seriam fechados e o acesso
via cartão ficaria suspenso até segunda-feira. O decreto surgiu por causa
da preocupação de segurança com a possibilidade de que as pessoas que
tinham acabado de ser demitidas ou escolhido sair pudessem tentar
sabotar as coisas. Musk, contudo, ignorou o e-mail. Depois de trabalhar
até a uma da manhã de sexta-feira, ele mandou uma mensagem
contraditória: “Qualquer um que realmente programe, por favor, se
apresente no décimo andar às duas da tarde de hoje.” Um pouco depois,
ele acrescentou: “Por favor, esteja preparado para fazer revisões breves de
código enquanto eu circulo pelo escritório.”
Era confuso. Um engenheiro de Boston era a única pessoa restante na
equipe responsável por armazenar dados importantes. Ele temia que, se
entrasse em um avião, o sistema pudesse cair enquanto ele estivesse
voando de um extremo a outro do país e ele não tivesse como consertar.
Também temia que, se não fosse até lá, pudesse ser demitido. Então
pegou um voo para São Francisco.
Às duas da tarde, quase trezentos engenheiros haviam conseguido
chegar à sede, alguns carregando malas, apesar de não saber se as viagens
seriam reembolsadas. Musk, porém, permaneceu em reunião a tarde
toda e os ignorou. Não havia comida, e às seis horas os engenheiros não
estavam só irritados, mas com fome, por isso Andrew e o diretor de
engenharia de segurança, Christopher Stanley, saíram e compraram
caixas de pizza. “O clima começou a ficar tenso, e acho que o Elon os
fez esperar de propósito”, diz Andrew. “A pizza acalmou a situação.”
Quando Musk finalmente apareceu, às oito da noite, deu início ao
que chamou de “ficar do lado da mesa”, parando em cada estação de
trabalho dos jovens engenheiros e revisando os códigos em que eles
trabalhavam. As sugestões, disseram depois, às vezes eram boas e outras
vezes, rasas. Frequentemente envolviam maneiras de simplificar o
processo. Musk também ficou ao lado deles no quadro magnético, onde
os engenheiros desenhavam a arquitetura do sistema do Twitter. Musk
os encheu de perguntas. Por que a busca é ruim? Por que os anúncios
são tão irrelevantes para os interesses do usuário? Já havia passado da
uma da manhã quando ele pegou X e foi embora.
capítulo 88
Hardcore
Twitter, 18 a 30 de novembro de 2022

James Musk e Ben San Souci


Reintegrações
“Kathy Griffin, Jordan Peterson & Babylon Bee foram reintegrados”,
tuitou Musk naquela tarde de sexta-feira, 18 de novembro. “A decisão
sobre Trump ainda não foi tomada.” Com Yoel Roth e outros guardiões
fora de cena, ele unilateralmente decidiu encerrar o veto não apenas ao
Bee e a Peterson, como também à comediante progressista Kathy
Griffin, que havia criado uma conta fingindo ser Musk e tuitado
declarações em que fazia paródia dele.
Ao fazer as reintegrações, Musk anunciou a política de “filtro de
visibilidade” que ele e Roth haviam criado. “A nova política do Twitter é
a liberdade de expressão, mas não liberdade de alcance”, escreveu.
“Tuítes negativos/de ódio vão ter o máximo de não impulsionamento e
serão desmonetizados, de modo que não haverá anúncios ou outras
receitas para o Twitter. Você só vai encontrar o tuíte se procurar
especificamente por ele.”
Ele definiu que o limite era Alex Jones, o teórico da conspiração que
alegou ter sido um “enorme boato” o tiroteio de 2012 na Escola de
Ensino Fundamental de Sandy Hook. Musk disse que Jones ia
permanecer banido. “Meu primeiro filho morreu nos meus braços”,
tuitou Musk. “Senti a última batida do coração dele. Não tenho pena de
ninguém que use a morte de crianças para obter vantagens financeiras,
por política ou por fama.”
Já Ye seguia dando a Musk lições sobre as complexidades da liberdade
de expressão. Ele apareceu no podcast de Alex Jones e declarou: “Amo
Hitler.” Depois, postou no Twitter uma foto de Musk de sunga
recebendo um banho de mangueira de Ari Emanuel, que deixava
implícita a mensagem de que Musk seria controlado pelos judeus, num
recado claramente antissemita. “Este ficará marcado para sempre como
o meu último tuíte”, escreveu Ye, postando em seguida uma suástica
dentro de uma estrela de Davi.
“Fiz o melhor que pude”, anunciou Musk. “Apesar disso, Ye violou de
novo nossa regra contra a incitação à violência. A conta será suspensa.”
Restava a dúvida sobre promover ou não a reintegração da conta de
Donald Trump. “Quero evitar as disputas idiotas sobre Trump”, disse
Musk para mim semanas antes, enfatizando que o princípio dele sempre
foi o de garantir a liberdade de expressão dentro dos limites da lei. “Se
ele está envolvido em atividade criminosa — e cada vez mais parece que
está —, isso não é aceitável”, comentou Musk. “Subverter a democracia
não é liberdade de expressão.”
Em 18 de novembro — a sexta-feira em que ele havia convocado os
programadores para revisões de código —, Musk estava mal-humorado
e pronto para voltar atrás em decisões que ele mesmo havia tomado.
James e seus mosqueteiros estavam tentando desesperadamente manter
o Twitter funcionando, apesar da partida repentina de centenas de
engenheiros e do aumento de tráfego causado por vídeos da Copa do
Mundo. A última coisa que eles queriam era outro golpe no sistema. Foi
quando Musk saiu de uma reunião em sua sala de paredes de vidro com
Robin Wheeler, o qual havia permanecido como chefe de vendas de
anúncios do Twitter, e mostrou para James e Ross o iPhone. “Olhem o
que acabei de tuitar”, falou Musk com um sorriso travesso.
Era a seguinte enquete: “Devo reintegrar o ex-presidente Trump?
Sim / Não.” Além da questão de suspender o veto a Trump e de permitir
que uma pesquisa on-line gratuita para todos tomasse a decisão, havia
um problema de engenharia. Fazer uma enquete com milhões de votos
que precisavam ser tabulados instantaneamente e povoar em tempo real
o feed dos usuários poderia provocar uma pane nos servidores
insuficientes do Twitter. No entanto, Musk adorava correr riscos. Ele
queria ver qual a velocidade máxima que um carro podia atingir, o que
acontecia quando você pisava no acelerador até o fim, quão perto do sol
era possível chegar. James e Ross disseram que estavam “se borrando de
medo”, mas Musk parecia alegre.
Quando a enquete acabou no dia seguinte, mais de 15 milhões de
usuários haviam votado. O resultado foi apertado: 51,8% a favor e 48,2%
contra reintegrar Trump. “O povo se manifestou”, declarou Musk.
“Trump será reintegrado. Vox populi, Vox dei.”
Perguntei, logo em seguida, se ele sabia de antemão qual seria o
resultado da enquete. Musk disse que não. E se o resultado fosse outro,
ele manteria Trump fora? Sim. “Não sou fã do Trump. Ele é disruptivo.
É o campeão mundial da mentira.”

Terceiro round
Em uma reunião com Musk naquela tarde de sexta-feira, a chefe de
vendas de anúncios, Robin Wheeler, disse que estava se demitindo. Ela
tentara fazer isso uma semana antes, ao mesmo tempo que Yoel Roth,
mas Musk e Jared Birchall a haviam convencido a ficar.
A maioria das pessoas, incluídos Ross e James, presumiu que a saída
dela era uma reação à decisão unilateral de Musk sobre as reintegrações
e ao lançamento da enquete para reintegrar Trump. Contudo, o que
realmente incomodou Wheeler era que Musk estava decidido a proceder
a mais uma rodada de demissões, e exigiu que ela fizesse uma lista de
quem devia ir embora. No início da semana, Wheeler havia
argumentado com a organização de vendas que eles deveriam dizer “sim”
para um novo e mais exigente Twitter. Agora ela teria que olhar algumas
dessas mesmas pessoas nos olhos, as que tinham dito sim, e dizer que
elas estavam sendo demitidas.
Os alvos de demissões e desligamentos viviam mudando, a depender
do humor de Musk. Em dado momento, ele disse aos mosqueteiros que
queria reduzir a equipe de engenheiros programadores para cinquenta.
Em outras ocasiões naquela semana, afirmou que não estava preocupado
com números absolutos: “Só façam uma lista dos engenheiros muito
bons e demitam os outros.”
Para facilitar o processo, Musk determinou que todos os engenheiros
de software do Twitter mandassem para ele exemplos de código que
tivessem escrito recentemente. Durante o fim de semana, Ross
trabalhou para que as respostas fossem transferidas da caixa de entrada
de Musk para a dele própria, de modo que ele, James e Dhaval
pudessem avaliar o trabalho. “Tenho quinhentas mensagens na minha
caixa de entrada”, disse Ross na noite de domingo, cansado. “Temos que
dar um jeito de revisar tudo hoje para ver quais engenheiros devem
ficar.”
Por que Musk estava fazendo isso? “Ele acredita que um pequeno
grupo de engenheiros generalistas muito bons pode fazer mais do que
um grupo regular centenas de vezes maior”, disse Ross. “Como um
pequeno batalhão de fuzileiros navais bem entrosados que é capaz de
fazer coisas incríveis. E acho que ele quer resolver isso logo, não quer
ficar enrolando.”
Ross, James e Andrew se encontraram com Musk na manhã de
segunda-feira e apresentaram o critério que usaram para avaliar as
respostas. Musk aprovou o plano e desceu as escadas com Alex Spiro até
o café, onde convocou de última hora outra reunião com todos os
funcionários. Enquanto as pessoas entravam, ele perguntou o que
deveria dizer se perguntassem sobre demissões adicionais. Spiro sugeriu
evitar o assunto, mas Musk decidiu dizer que “não haveria mais
demissões”. O raciocínio dele era o de que as demissões do novo round
seriam por “justa causa”, porque o trabalho daquelas pessoas
supostamente não era bom o suficiente, não uma demissão para reduzir
pessoal, o que daria a elas direito a um generoso pacote de compensação.
Ele estava fazendo uma distinção que a maioria das pessoas não
percebeu. “Não há mais reduções de equipe de trabalho previstas”,
declarou no início da reunião, e foi aplaudido.
Em seguida, ele se encontrou com uma dezena de jovens
programadores que haviam sido escolhidos por Ross e James pela
excelência. Falar sobre engenharia o relaxava, e ele os questionou sobre
as maneiras de tornar o upload de vídeos mais fácil, por exemplo. Musk
disse a eles que no futuro as equipes do Twitter seriam lideradas por
engenheiros como eles em vez de designers e gerentes de produto. Era
uma mudança sutil. Refletia a crença dele de que o Twitter deveria ser,
no âmago, uma empresa de engenharia de software, comandada por
pessoas que entendem de programação, não uma empresa de mídia e
consumo, comandada por pessoas com especialização em
relacionamentos e desejos humanos.

Por que tão exigente?


O round final de demissões aconteceu na véspera do Dia de Ação de
Graças. “Olá, com base no último exercício de revisão de código, a
conclusão foi a de que o seu trabalho não é satisfatório, e lamentamos
informar que seu contrato de trabalho com o Twitter será encerrado
imediatamente.” Cinquenta engenheiros foram demitidos, e os
respectivos senhas e acessos foram imediatamente revogados.
As três rodadas de demissões e dispensas haviam sido tão aleatórias e
espaçadas que era difícil calcular o número total. Quando a poeira
assentou, cerca de 75% dos funcionários do Twitter haviam sido
demitidos. No dia em que Musk assumiu a empresa, em 27 de outubro,
eram pouco menos de 8 mil funcionários. Em meados de dezembro,
restavam pouco mais de 2 mil.
Musk havia realizado uma das maiores mudanças de cultura
corporativa já feitas. O Twitter tinha deixado de ser um dos locais de
trabalho mais acolhedores, cheio de refeições orgânicas, estúdios de
ioga, dias de descanso remunerados e preocupação com “segurança
psicológica”, e se tornara o extremo oposto disso. Musk não fez isso só
por causa do custo; ele preferia um ambiente fragmentado e bruto, em
que guerreiros raivosos sentiam medo psicológico em vez de se sentirem
à vontade.
Às vezes isso significava que Musk quebrava coisas, e parecia que ele
podia acabar fazendo isso com o Twitter. A hashtag #twitterdeathwatch
começou a ganhar destaque. Especialistas em tecnologia e mídia
escreviam despedidas para o serviço, presumindo que ele iria desaparecer
a qualquer momento. Até mesmo Musk admitiu, rindo, ter achado que a
rede poderia entrar em colapso. Ele me mostrou um gif de uma lata de
lixo rolando ladeira abaixo em chamas e admitiu: “Há dias em que
acordo e abro o Twitter para ver se ainda está funcionando.” Contudo,
todas as manhãs, quando ele conferia, o Twitter estava funcionando. A
rede aguentou um tráfego recorde durante a Copa do Mundo. Mais do
que isso, com o núcleo de engenheiros motivados, começou a inovar e
acrescentar recursos mais rápido do que antes.
Zoë Schiffer, Casey Newton e Alex Heath, do The Verge e da New
York Magazine, haviam escrito reportagens bem apuradas, preocupantes,
sobre os bastidores da confusão no Twitter. Eles mostraram como Musk
tinha rompido “a cultura empresarial que transformou o Twitter em uma
das redes sociais mais influentes do mundo”, mas também destacaram
que as previsões mais catastróficas de muitos de seus colegas não se
concretizaram”, escreveram. “De certa maneira, as ideias de Musk foram
confirmadas.” O Twitter ficara menos estável, mas a plataforma
sobreviveu e funcionava mesmo com a maioria dos funcionários
demitida. Musk havia prometido encontrar o tamanho certo para uma
empresa inchada, e naquele momento operava com um número mínimo
de funcionários.”
Não era sempre agradável de se ver. O método de Musk, como havia
sido desde o foguete Falcon 1, era iterar rápido, assumir riscos, ser
brutal, aceitar algumas chamas e, depois, tentar de novo. “Estávamos
mudando os motores enquanto o avião estava fora de controle”, diz ele
sobre o Twitter. “É um milagre termos sobrevivido.”

Visita à Apple
“A Apple parou de anunciar no Twitter”, tuitou Musk no fim de
novembro. “Por acaso eles odeiam a liberdade de expressão nos Estados
Unidos?”
Naquela noite, Musk teve uma de suas conversas regulares com seu
mentor e investidor Larry Ellison, que morava a maior parte do ano em
Lanai, a ilha da qual era dono no Havaí. Ellison, que havia sido o
mentor de Steve Jobs, deu a Musk um conselho: não comece uma briga
com a Apple. Era a única empresa que o Twitter não tinha condições de
afastar. A Apple era um grande anunciante. Mais importante: o Twitter
só sobreviveria se continuasse disponível na App Store do iPhone.
De certa forma, Musk era como Steve Jobs, um capataz brilhante e
áspero, com um campo de distorção da realidade que podia levar os
funcionários à loucura, mas também a fazer coisas que achavam
impossível de ser feitas. Ele podia ser confrontador, tanto com colegas
quanto com concorrentes. Tim Cook, que assumiu a Apple em 2011,
era diferente: calmo, friamente disciplinado e desconcertantemente
educado. Embora pudesse ser duro quando havia justificativas para
tanto, evitava confrontos desnecessários. Enquanto Jobs e Musk
pareciam atrair drama, Cook tinha um instinto para desarmá-los. Ele
tinha um senso moral firme.
“Tim não quer nenhuma animosidade”, disse a Musk um amigo em
comum. Não era o tipo de informação que geralmente tiraria Musk do
modo guerreiro, mas ele percebeu que entrar em guerra com a Apple
não era uma boa ideia. “Pensei: Bem, também não quero nenhuma
animosidade”, afirma Musk. “Então, tive a ideia de ir visitá-lo na sede da
Apple.”
Havia outro incentivo. “Estava procurando uma desculpa para visitar
a sede da Apple porque ouvi dizer que era incrível”, comenta ele. O
enorme edifício circular, de vidro curvo feito sob medida, em volta de
um lago, fora projetado, sob a supervisão de Jobs, pelo arquiteto
britânico Norman Foster, o qual, na ocasião em que Musk manifestara o
desejo de construir uma casa, encontrara-se com ele em Austin para
discutir o assunto.
Musk enviou um e-mail diretamente para Cook, e eles concordaram
em se reunir naquela quarta-feira. Quando Musk chegou à sede em
Cupertino, a primeira impressão da equipe da Apple era a de que ele
parecia não dormir havia semanas. Eles se dirigiram à sala de reuniões
de Cook para um tête-à-tête que durou pouco mais de uma hora.
Começaram trocando histórias horríveis sobre cadeia de suprimentos.
Desde o fiasco com o processo de produção do Roadster, Musk passou a
ter uma compreensão profunda da dificuldade de gerenciar a cadeia, e
com razão considerava Cook um mestre. “Acho que poucos seriam
capazes de fazer um trabalho melhor do que Tim”, diz.
Ao tratarem de publicidade, eles conseguiram diminuir a tensão.
Cook explicou que proteger a confiança na marca Apple era a principal
prioridade. A empresa não queria os anúncios dela em um lamaçal
tóxico cheio de ódio, desinformação e conteúdo não seguro. Mas
prometeu que a Apple não iria deixar de anunciar no Twitter nem tinha
planos de tirar o Twitter de sua loja de aplicativos. Quando Musk
questionou os 30% que a Apple cobrava de qualquer venda de aplicativo
na App Store, Cook explicou como isso baixou para 15% no decorrer do
tempo.
Musk estava parcialmente tranquilizado, pelo menos naquele
momento, mas ainda havia a questão sobre a qual Yoel Roth o havia
alertado: a falta de disposição da Apple em compartilhar dados sobre
compras ou informação dos clientes. Isso dificultaria a visão de Musk de
acrescentar serviços financeiros da X.com ao Twitter. Era um assunto
que estava sendo discutido nos tribunais norte-americanos e pelos
reguladores na Europa, e Musk decidiu não forçar o assunto na reunião
com Cook. “Essa é uma batalha futura que teremos que enfrentar”, diz
ele, “ou pelo menos uma conversa que Tim e eu precisamos ter”.
Quando a reunião acabou, Cook levou Musk para os damasqueiros e
o lago sereno no meio do campus circular que Jobs havia vislumbrado.
Musk pegou o iPhone para gravar um vídeo. “Obrigado, @tim_cook,
por me mostrar a linda sede da Apple”, tuitou ele assim que voltou para
o carro. “Resolvemos o desentendimento sobre o Twitter poder ser
tirado da App Store. Tim afirmou claramente que a Apple nunca
cogitou isso.”
capítulo 89
Milagres
Neuralink, novembro de 2022

Um slide que mostra o objetivo, e Jeremy Barenholtz


Curas
Quando Musk se mudou para o Texas, e Shivon Zilis foi para lá em
seguida, ele decidiu abrir uma sede da Neuralink em Austin, além da
que já existia em Fremont, na Califórnia. Os escritórios e o laboratório
de Austin ficavam num prédio de um centro comercial com uma placa
na porta em que se lia hatchet alle. No passado, aquele lugar tinha
sido uma arena em que os clientes podiam brincar de arremessar
machados ou jogar boliche. Zilis remodelou o espaço para que houvesse
estações de trabalho sem divisórias, laboratórios, uma sala de
conferências envidraçada e um café com um longo balcão no centro. A
poucos quilômetros de distância ficava um galpão onde estavam os
porcos e as ovelhas usados nos experimentos.
Durante uma visita aos galpões dos porcos em 2021, Musk ficou
impaciente com o ritmo de trabalho na Neuralink. Eles tinham
implantado um chip no cérebro de um macaco e ensinado-o a jogar
Pong por telepatia, mas até aquele momento aquilo servira basicamente
para que a Neuralink conseguisse muitas visualizações no YouTube, não
para transformar a humanidade. “Pessoal, é meio difícil explicar isso
para as pessoas de um jeito que elas fiquem realmente entusiasmadas”,
disse Musk enquanto eles caminhavam pela unidade. “Uma pessoa com
paralisia um dia poderá usar o cérebro para mover um cursor em um
computador, e isso é bem bacana, especialmente para alguém como o
Stephen Hawking. Mas não basta. É difícil deixar muitas pessoas
empolgadas com isso.”
Foi aí que Musk começou a forçar a ideia de usar a Neuralink para
permitir que pessoas com paralisia pudessem de fato voltar a usar os
próprios membros. Um chip no cérebro poderia enviar sinais para os
músculos necessários, e assim contornaria qualquer bloqueio na medula
espinhal ou problema neurológico. Assim que voltou para Hatchet
Alley, depois da visita ao galpão dos porcos, Musk reuniu os principais
membros da equipe em Austin com os colegas de Fremont numa
conversa remota para anunciar essa missão adicional. “Se fizermos
alguém que está numa cadeira de rodas voltar a andar, as pessoas vão
entender de cara”, falou ele. “É uma ideia que é um soco no estômago,
uma coisa muito ousada. E uma coisa boa.”
Musk fazia visitas semanais aos laboratórios da Neuralink para
participar de reuniões de avaliação de projeto. Durante uma das visitas,
em agosto de 2022, o chefe de engenharia, Jeremy Barenholtz, esperava
no café o começo da reunião. Ele tinha se formado em ciência de
sistemas de informática em Stanford um ano antes, mas, com os cabelos
ruivos lambidos e a barba rala, ainda podia se passar por alguém que
estava participando de uma feira de ciências na escola. “Elon achou que
controlar um computador com a mente é bacana, mas que isso não tem
o mesmo impacto límbico que fazer uma pessoa com paraplegia voltar a
andar”, disse ele. “Portanto, estamos nos concentrando em um plano
para fazer isso.” Ele me falou dos diferentes métodos de estimulação
muscular e começou uma discussão sobre por que ele acredita que os
sinais no cérebro se propagam por meio da difusão química de moléculas
carregadas eletricamente, não por meio de ondas eletromagnéticas,
como prega a teoria convencional.
Quando Musk terminou de mandar e-mails e postar tuítes pelo
celular, uma dúzia de jovens engenheiros entrou na sala de conferências,
todos eles, inclusive Zilis, usando camisetas pretas, como ele sempre
fazia. Barenholtz passou para os colegas uma mostra de hidrogel que
parecia os tecidos moles do córtex cerebral, e mostrou um vídeo de dois
porcos do experimento, chamados Capitão e Tennille, movendo as
pernas em resposta a sinais elétricos. “Precisamos ser capazes de
distinguir entre reações a dor e ação muscular, senão vai ser
simplesmente ‘Você pode andar, mas vai sentir uma dor horrível’”, falou
Musk. “Mas isso mostra que não estamos indo contra as leis da física ao
tentar permitir que as pessoas voltem a andar, o que pode ser
superimpressionante, quase uma obra de Jesus.”
Quando Musk perguntou em quais outros milagres eles poderiam
mirar, Barenholtz sugeriu estimulação auditiva e visual, em outras
palavras, permitir que os surdos ouçam e os cegos enxerguem. “O mais
simples seria curar a surdez por meio da estimulação coclear”, comentou
ele. “A visão é superinteressante. Para obter uma visão de alta definição,
você precisa de muitos canais.”
“A gente podia dar visões malucas para as pessoas, sabe?”, acrescentou
Musk. “Quer ver infravermelho? Ultravioleta? Que tal ondas de rádio
ou radar? É, em termos de melhorias, essa é bem bacana.”
Depois, começou a rir: “Eu estava revendo A vida de Brian”, disse,
referindo-se ao filme do grupo Monty Python. Ele falou da cena em que
um morador em situação de rua reclama que depois que Jesus o curou da
lepra, viver de esmolas era difícil: “Eu estava mancando por aí, cuidando
da minha vida, e de repente Ele chega e me cura! Num instante eu era
um leproso que tinha um ganha-pão; em outro, havia perdido tudo. E
Ele nem pediu permissão, só disse ‘Você está curado, meu irmão’.
Benfeitor sacana.”

A apresentação
No fim de setembro, Musk voltou a ficar impaciente. Ele vinha forçando
Zilis e Barenholtz a fazer um evento público para exibir o progresso
deles, mas os dois diziam que não estavam prontos. Em uma das sessões
semanais de avaliação de projeto, o semblante dele se fechou. “Se não
acelerarmos, não vamos conseguir grandes coisas antes de morrermos”,
alertou. Então, Musk decretou uma data para a apresentação: quarta-
feira, 30 de novembro. Acabou coincidindo com o dia em que ele
visitara Tim Cook na Apple.
Quando Musk chegou naquela noite, havia duzentas cadeiras
colocadas à disposição para a apresentação na unidade da Neuralink em
Fremont. Um dos podcasters favoritos de Musk, Lex Fridman, fora
participar do evento, assim como Justin Roiland, do desenho animado
televisivo Rick and Morty. Os três mosqueteiros, James, Andrew e Ross,
não tinham sido convidados, mas deram um jeito de entrar.
Musk queria que a apresentação mostrasse tanto suas ambições
maiores quanto os objetivos mais imediatos. “Minha maior motivação
com a Neuralink”, disse para a plateia, “é criar um dispositivo geral de
entrada e saída de informações capaz de interagir com todos os aspectos
do seu cérebro”. Em outras palavras, isso seria a fusão mental definitiva
entre humanos e máquinas, o que nos protegeria contra a possibilidade
de a inteligência artificial sair do controle. “Ainda que a IA seja
benévola, como podemos garantir que vamos ser incluídos nisso?”
Então, Musk revelou as novas missões de curto prazo que tinha
estabelecido para a Neuralink. “A primeira é restaurar a visão”, falou.
“Ainda que uma pessoa tenha nascido cega, nós acreditamos que é
possível fazer com que ela enxergue.” Em seguida, ele falou da
paraplegia e da tetraplegia. “Por mais que pareça milagroso, estamos
confiantes de que é possível restaurar a funcionalidade do corpo inteiro
para pessoas que tenham sofrido uma lesão na medula espinhal.” A
apresentação durou três horas. Ele ficou na unidade até a uma da
manhã, numa comemoração com os engenheiros, e comentou que era
um descanso bom do “incêndio” no Twitter.
capítulo 90
Twitter Files
Twitter, dezembro de 2022

Matt Taibbi e Bari Weiss


Matt Taibbi
“Você quer que eu denuncie sua empresa?”, perguntou a Musk um tanto
incrédulo o jornalista Matt Taibbi.
“Vai fundo”, respondeu Musk. “Isso aqui não é uma visita guiada no
estilo norte-coreano. Você pode ir aonde bem entender.”
Ao longo dos anos, os moderadores de conteúdo do Twitter tinham
se tornado cada vez mais ativos no banimento de conteúdo considerado
danoso. Dependendo da visão de mundo de cada um, havia três modos
de se ver isso: 1) como um esforço louvável para impedir a disseminação
de informações falsas que traziam riscos para a saúde, minavam a
democracia, provocavam violência, instigavam o ódio ou eram parte de
um esquema fraudulento; 2) como um esforço a princípio bem-
intencionado, mas que tinha ido longe demais ao reprimir opiniões que
discordavam da ortodoxia médica e política, ou que ofendiam
funcionários do Twitter hipersensíveis, progressistas e woke; ou 3) como
um conluio nefasto entre agentes do governo que conspiravam com as
grandes empresas de tecnologia e a mídia convencional para preservar o
poder.
Musk, em geral, se encaixava na segunda categoria, mas passou a ter
suspeitas mais soturnas que o empurravam para a opção número 3.
“Parece ter muita coisa varrida para baixo do tapete”, disse um dia para
seu guerreiro antiwoke David Sacks. “Muita coisa nebulosa.”
Sacks sugeriu que ele falasse com Taibbi, um jornalista que havia
trabalhado para a Rolling Stone e outras publicações e de quem não era
fácil saber a posição ideológica. Ele tinha uma disposição por desafiar as
elites que beirava a avidez. Musk, que não o conhecia, pediu que ele
fosse à sede do Twitter no fim de novembro. “Ele parecia ser alguém que
não tem medo de ofender as pessoas”, fala Musk, o que, para ele, é um
elogio mais importante do que seria vindo de outras pessoas. Ele
convidou Taibbi a passar um tempo na sede do Twitter, remexendo nos
antigos arquivos, nos e-mails e nas mensagens de Slack aos funcionários
da empresa que tinham se debatido com as questões de moderação de
conteúdo.
Isso deu início ao que ficaria conhecido como “Twitter Files”, algo
que poderia — e deveria — ter sido um saudável exercício de arejamento
e transparência, capaz de levar a reflexões sensatas sobre vieses da mídia
e sobre as complexidades da moderação de conteúdo, não fosse pelo fato
de ter sido arrastado para o redemoinho que atualmente leva as pessoas a
sair correndo para seus bunkers tribais em programas de entrevista e nas
mídias sociais. Musk ajudou a atiçar a reação com uma atividade
frenética, ao anunciar os novos fios do Twitter com emojis de pipoca e
fogueiras. “Esta é uma batalha pelo futuro da civilização”, tuitou. “Se
perdermos a liberdade de expressão nos Estados Unidos, só nos restará a
tirania.”
Bem quando Taibbi estava pronto para publicar a primeira
reportagem, em 2 de dezembro, Musk fez uma rápida viagem a Nova
Orleans para ter um encontro sigiloso com o presidente francês
Emmanuel Macron, ironicamente, para discutir a necessidade de o
Twitter respeitar as regras europeias relativas a discurso de ódio. Ao
surgirem questões legais de última hora em relação àquilo que Taibbi
pretendia publicar, a veiculação precisou ser adiada até que Musk
terminasse o encontro com Macron e pudesse refutar os advogados.
O fio original de 37 tuítes de Taibbi mostrava como o Twitter tinha
criado sistemas especiais para que políticos, o FBI e agências de
inteligência sugerissem quais tuítes podiam estar sujeitos a ser deletados.
O que mais chamava a atenção eram mensagens de 2020 incluídas por
Taibbi, quando Yoel Roth e outras pessoas no Twitter estavam
debatendo se deviam bloquear links para uma reportagem do New York
Post sobre o que supostamente era (e mais tarde se comprovou de fato
ser) um laptop abandonado pelo filho de Joe Biden, Hunter. As
mensagens mostravam vários deles se esforçando para encontrar
justificativas que permitissem banir menções à reportagem, como alegar
que isso violava políticas contrárias ao uso de material hackeado, ou a
possibilidade de se tratar de uma trama de desinformação originada na
Rússia. Tratava-se de uma censura mal disfarçada à reportagem, e tanto
Roth quanto Jack Dorsey posteriormente admitiriam que isso foi um
erro.
Essas e outras revelações subsequentes de Taibbi receberam cobertura
de algumas grandes organizações de imprensa, como a Fox News, mas a
maior parte da mídia tradicional rotulou o caso, assim como uma
hashtag usada no Twitter, de “#nadademais”. Joe Biden não estava no
governo quando o caso do laptop virou notícia, de modo que os pedidos
não revelavam censura governamental direta nem uma violação flagrante
da Primeira Emenda da Constituição dos Estados Unidos. Muitos dos
pedidos da equipe de Biden, feitos por meio de canais estabelecidos do
Twitter, eram compreensíveis, como a remoção de um tuíte publicado
pelo ex-ator James Wood com uma selfie erótica que estava no laptop de
Hunter Biden. “Não, você não tem o direito constitucional de postar
fotos do pinto do Hunter Biden no Twitter”, dizia a manchete do The
Bulwark.
No entanto, havia um fato mais significativo revelado pelos fios de
Taibbi: o Twitter tinha se tornado um colaborador do FBI e de outros
órgãos do governo, e dera a eles o poder de selecionar grandes
quantidades de conteúdo cuja remoção era sugerida. “Uma longa lista de
órgãos do governo com poder de polícia basicamente passou a operar o
Twitter como uma terceirizada involuntária”, escreveu Taibbi.
Na verdade, acredito que a coisa era ligeiramente diferente: muitas
vezes o Twitter agia como uma terceirizada voluntária. Em vez de soar o
alarme quando sentiam que havia pressão governamental demais, os
gestores do Twitter pareciam ansiosos para serem conciliadores. As
revelações de Taibbi ilustravam o fato problemático, mas nada
surpreendente, de que os moderadores do Twitter tinham vieses a favor
de suprimir reportagens que fossem benéficas para Trump. Mais de 98%
das doações feitas por pessoas da empresa iam para os democratas. Um
caso envolvia as alegações de que o FBI tinha espionado a campanha de
Trump. A imprensa convencional escreveu que essas alegações haviam
sido turbinadas por bots e fábricas de trolls dos russos. Yoel Roth era,
nos bastidores, uma voz de honestidade no Twitter: “Eu só analisava as
contas”, escreveu em um memorando interno. “Nenhuma delas indicava
sinais de afiliação à Rússia.” Mesmo assim, executivos do Twitter se
recusaram a desafiar a narrativa do “Russiagate”, que passou a ser aceita.
Um parêntese sobre como as mídias sociais podem ser polarizadoras:
Taibbi é um iconoclasta politicamente independente, mas, quando eu o
segui no Twitter, percebi como os algoritmos da rede podem reforçar os
rótulos que mandam as pessoas para câmaras de ressonância de extrema
esquerda ou de extrema direita. A seção “Você pode gostar” na minha
página do Twitter imediatamente sugeriu que eu seguisse Roger Stone,
James Woods e Lauren Boebert.

Bari Weiss
Na noite de 2 de dezembro, Bari Weiss estava em casa, em Los Angeles,
com a esposa, Nellie Bowles, lendo os Twitter Files que estavam sendo
publicados por Taibbi. Ela ficou com ciúme: “Essa história seria perfeita
para a gente publicar”, lembra-se de ter pensado. Foi aí que Weiss
recebeu uma mensagem inesperada de Musk perguntando se ela aceitava
pegar um voo para São Francisco naquela noite.
Assim como Taibbi, Weiss era uma jornalista independente não fácil
de categorizar do ponto de vista ideológico. Os dois haviam aderido,
assim como Musk, à bandeira da liberdade de expressão em oposição
àquilo que viam como o “despertar” de uma crescente mentalidade woke
que produzia uma cultura de cancelamento censora, principalmente na
mídia tradicional e nas elites institucionais educacionais. Weiss se
classificava como uma “liberal sensata, receosa de que a extrema
esquerda sufoque a liberdade de expressão”. Depois de escrever editoriais
para o The Wall Street Journal e o The New York Times, ela reuniu um
grupo de jornalistas independentes para criar The Free Press, uma
newsletter por assinatura no Substack.
Musk teve um contato com ela rápido quando foi entrevistado por
Sam Altman, que fundou junto com ele a OpenAI, na conferência
Allen&Company, no Sun Valley, poucos meses antes. Ela foi aos
bastidores para dizer que estava feliz por ele estar tentando comprar o
Twitter, e os dois conversaram por alguns minutos. Quando Taibbi se
preparava para publicar seus Twitter Files, no início de dezembro, Musk
percebeu que havia material demais para ser digerido por um único
jornalista. Seu investidor e correligionário nas fileiras de liberdade de
expressão Marc Andreessen, um grande amigo do mundo da tecnologia,
sugeriu que ele chamasse Weiss; por isso, no voo de volta de uma rápida
viagem a Nova Orleans para conversar com o presidente Macron, Musk
mandou a mensagem inesperada que ela recebeu na noite de 2 de
dezembro.
Ela e Bowles, junto com o bebê de 3 meses, dirigiram-se às pressas
pegar um voo para São Francisco duas horas depois. Quando chegaram
ao décimo andar da sede do Twitter na noite daquela sexta-feira, às onze
horas, Musk estava de pé perto da máquina de café vestido com uma
jaqueta azul da Starship. Num de seus momentos de humor leviano, ele
andou com as duas pelo prédio mostrando as caixas de camisetas com
estampas progressistas e outros vestígios do antigo regime: “Os bárbaros
invadiram e estão saqueando a mercadoria!”, disse. Weiss ficou
maravilhada ao ver que ele era como um garoto que tinha acabado de
comprar uma loja de doces e ainda não acreditava que era o dono. Os
mosqueteiros Ross Nordeen e James Musk mostraram a Weiss e Bowles
parte das ferramentas computacionais para investigar os arquivos de
mensagens de Slack da empresa. Elas ficaram lá até as duas da manhã, e
depois James as levou até o lugar onde passariam a noite.
Quando Weiss e Bowles voltaram na manhã seguinte, um sábado,
encontraram Musk, que continuava passando as noites num sofá na
biblioteca do Twitter, novamente perto da máquina de café, comendo
cereal num copinho de papel. Durante duas horas elas ficaram sentadas
na sala de conferências dele e discutiram a visão que ele tinha para o
Twitter. Por que ele estava fazendo aquilo?, perguntaram elas. Primeiro,
ele respondeu que tinha sido forçado a comprar a empresa depois de ter
dúvidas sobre a oferta que fizera em abril. “Na verdade, eu não tinha
certeza se ainda queria fazer isso, mas os advogados me disseram que eu
tinha que engolir esse sapo, e então é isso o que estou fazendo”, falou.
Depois, Musk começou a falar a sério sobre o desejo de criar um
fórum público dedicado à liberdade de expressão. Ele disse que “o futuro
da civilização” estava em jogo. Achava que metade do país não confiava
no Twitter pelo fato de a plataforma ter suprimido determinados pontos
de vista. Para reverter isso, seria necessário ter uma transparência radical.
“Temos um objetivo aqui, que é o de eliminar erros passados e seguir em
frente começando do zero. Estou dormindo na sede do Twitter por um
motivo: esta é uma situação alarmante.”
“Você quase acaba acreditando nele”, me disse Weiss depois. Era um
comentário sincero, sem nenhuma ironia.
No entanto, embora estivesse impressionada, Weiss manteve parte do
ceticismo que fizera dela uma jornalista independente. A certa altura
durante a conversa de duas horas entre eles, ela perguntou como os
interesses comerciais da Tesla na China poderiam afetar o modo como
Musk administrava o Twitter. Ele se irritou. Não era para ser aquele o
tema da conversa. Weiss insistiu. Musk disse que o Twitter, na verdade,
precisaria ter cuidado com relação às palavras usadas sobre a China,
porque os negócios da Tesla podiam ser ameaçados. Ele disse que a
repressão chinesa aos uigures poderia ser encarada de duas perspectivas.
Weiss ficou incomodada. Por fim, Bowles entrou na conversa para
amenizar a situação com algumas piadas. Eles mudaram de assunto.
Para tornar a ironia, ou pelo menos a complexidade, ainda maior,
havia o fato de que Musk precisava encerrar a conversa para ir a
Washington. Ele tinha uma reunião marcada com altas autoridades
governamentais na capital sobre um assunto extremamente sigiloso, que
envolvia o lançamento de satélites da SpaceX.

***

Weiss e Bowles tinham saído correndo na noite de sexta-feira para


trabalhar nos Twitter Files, mas ficaram frustradas durante o fim de
semana porque ainda não tinham as ferramentas para entrar no arquivo
de mensagens de Slack do Twitter e nos e-mails. O departamento
jurídico, preocupado com questões de privacidade, estava impedindo que
elas tivessem acesso direto. Nordeen, o onipresente mosqueteiro, usou o
próprio laptop no sábado para ajudar as duas. Contudo, no dia seguinte,
ele estava exausto e faminto, e precisava lavar roupas, de modo que
decidiu não ir à sede. Afinal de contas, era domingo. Então, convidou
Weiss e Bowles para o apartamento, que dava vista para o distrito de
Castro, em São Francisco, onde elas usaram o laptop dele para olhar
mensagens do canal público do Slack do Twitter.
Enquanto pressionava o departamento jurídico para fazer mais buscas
para ela, Weiss recebeu uma ligação do vice-diretor daquele
departamento, que disse se chamar Jim. Quando ela perguntou seu
sobrenome, ele disse “Baker”. Weiss se lembra: “Meu queixo caiu.” Jim
Baker tinha sido procurador-geral do FBI, e parte do círculo
conservador não confiava nele pelas posições que tomara em diversos
pontos controversos. “Que merda é essa?”, disse ela em uma mensagem
para Musk. “Você está pedindo que o cara faça buscas sobre si mesmo?
Isso não faz sentido.”
Musk surtou. “É como pedir ao Al Capone que investigue a
declaração do imposto de renda dele próprio”, falou. Ele chamou Baker
para uma reunião, e os dois entraram em confronto em função das
garantias de privacidade determinadas por um termo de ajuste de
conduta entre o Twitter e a Comissão Federal de Comércio. “Você sabe
me dizer quais são os princípios mais importantes do ajuste de
conduta?”, disse Musk de modo desafiador. “Porque eu estou com o
documento aqui comigo. Você sabe dizer alguma coisa que consta dele?”
Não era uma discussão fadada a um final feliz. Baker entendia do
assunto, mas não havia como as respostas que ele desse pudessem
satisfazer Musk, que o demitiu na hora.

Filtro de visibilidade
Taibbi e Weiss chamaram uns poucos colegas para ajudar, e montaram
acampamento no bunker sem janelas do Twitter, que sempre tinha no ar
o cheiro derivado da falta de banho dos mosqueteiros e de comida
tailandesa. James e Ross, que ajudavam as duas a usar as ferramentas
digitais de busca, estavam trabalhando 24 horas por dia, e a impressão
era a de que os olhos deles iam saltar para fora do rosto. Em certas
noites, Musk ia até lá, comia restos de refeições e dava início a longos
discursos.
Enquanto estava fuçando e-mails antigos e comentários de
funcionários do Twitter no Slack, Weiss se perguntou o que ela ia achar
se alguém lesse as mensagens pessoais antigas dela. Isso fez com que ela
sentisse que estava fazendo algo errado. Ross sentia os mesmos
melindres. “Para ser franco, eu queria manter a maior distância possível
do que eles estavam fazendo”, comenta ele. “Eu estava meio que
tentando ajudar, mas não queria estar envolvido demais. Não sou uma
pessoa muito envolvida com política, e parecia que tinha todo tipo de
merda escrita ali.”

***

Uma reportagem que Weiss e sua equipe escreveram com base nos
Twitter Files descrevia o que era conhecido como “filtro de visibilidade”,
a prática de diminuir o acesso a certos tuítes ou usuários reduzindo a
exposição nos primeiros lugares das buscas e impedindo que
aparecessem nos trending topics. Em extremo, essa era uma prática
conhecida como shadow banning, em que os usuários podiam fazer os
posts e vê-los, mas eles jamais seriam informados de que esses tuítes
ficavam invisíveis para todos os demais usuários.
O Twitter não praticava shadow banning no sentido técnico, mas
usava filtros de visibilidade. Em discussões com Yoel Roth, o próprio
Musk tinha adotado a ideia como uma alternativa ao banimento puro e
simples de usuários, e ele tinha elogiado a política semanas antes:
“Tuítes negativos/de ódio terão a visibilidade reduzida e serão
desmonetizados; portanto, nada de anúncios ou de outras receitas no
Twitter. Você só vai encontrar esse tuíte se procurar.”
O problema surgiu quando o filtro de visibilidade foi usado com viés
político. Weiss concluiu que os moderadores do Twitter eram mais
agressivos na supressão de tuítes de direita. “O Twitter mantinha uma
lista secreta, com equipes de funcionários que tinham como tarefa
suprimir a visibilidade de contas ou indivíduos vistos como indesejáveis”,
escreveram Weiss e a equipe dele. Além disso, o Twitter, assim como
muitas instituições de mídia e educação, haviam tornado mais estritas as
definições do que era um discurso aceitável. “As pessoas encarregadas
dessas instituições aplicaram os novos parâmetros, e expandiram as
definições de palavras como ‘violência’, ‘dano’ e ‘segurança’.”
A covid era um caso interessante. Em um dos extremos havia
desinformações médicas claramente danosas, como o incentivo a falsas
curas e a práticas que podiam levar à morte de pessoas. Entretanto,
Weiss descobriu que o Twitter estava disposto a suprimir postagens que
não se adequavam aos pronunciamentos oficiais, incluídos assuntos
válidos, como a discussão sobre se as vacinas com base em RNA
mensageiro podiam causar problemas cardíacos, se o uso obrigatório de
máscaras funcionava e se o vírus tinha surgido de um teste de
laboratório na China que acabou vazando.
O Twitter colocou o professor Jay Bhattacharya, de Stanford, por
exemplo, na lista proibida dos Trends, o que significava que a
visibilidade dos posts fora reduzida. Ele tinha organizado um manifesto
de alguns cientistas o qual dizia que o confinamento e o fechamento de
escolas trariam mais prejuízos do que benefícios, um ponto de vista
controverso que depois se verificou ter certa validade. Quando Weiss
descobriu como Bhattacharya foi suprimido, Musk mandou uma
mensagem para ele. “Olá. Você pode vir à sede do Twitter esta semana
para que a gente mostre o que o Twitter 1.0 fez?” Musk, que tinha
visões semelhantes sobre o confinamento durante a covid, e
Bhattacharya conversaram por quase uma hora.

***

Os Twitter Files mostraram uma evolução do jornalismo convencional


ao longo dos últimos cinquenta anos. Durante o Watergate e a guerra no
Vietnã, os jornalistas em geral viam a CIA, as Forças Armadas e as
autoridades governamentais com desconfiança, ou pelo menos com um
saudável ceticismo. A maioria tinha escolhido a profissão inspirada pelo
trabalho de reportagem de David Halberstam e Neil Sheehan sobre o
Vietnã e pelas reportagens de Bob Woodward e Carl Bernstein sobre
Watergate.
Entretanto, a partir dos anos 1990, e ainda mais depois do 11 de
Setembro, jornalistas de carreira se sentiram cada vez mais à vontade
para compartilhar informações com pessoas em altos escalões do
governo e em comunidades de inteligência e para cooperar com eles. A
mentalidade foi replicada nas empresas de mídias sociais, como
demonstram todos os briefings que o Twitter e outras empresas de
tecnologia receberam. “Essas empresas pareciam não ter muita escolha
com relação a se tornar parte fundamental de uma vigilância global e do
aparato de controle informacional”, escreveu Taibbi, “embora os indícios
sugiram que os executivos traiçoeiros em geral estavam bastante
dispostos a aderir”. Acho que a segunda parte da frase dele é mais
verdadeira do que a primeira.
Os Twitter Files trouxeram certa transparência ao modo como o
Twitter tinha lidado com a moderação de conteúdo, e mostraram como
a tarefa pode ser difícil. O FBI, por exemplo, avisou ao Twitter que
certas contas que postavam comentários negativos sobre vacinas e sobre
a guerra na Ucrânia estavam sendo alimentadas em segredo por diretores
da inteligência russa. Se fosse realmente o caso, era válido que o Twitter
suprimisse essas contas? Como o próprio Taibbi escreveu: “É um dilema
difícil da liberdade de expressão.”
capítulo 91
Caminhos perigosos
Twitter, dezembro de 2022

@elonjet
Se tem uma coisa que certamente deixa Musk enlouquecido é uma
ameaça ao filho dele de 2 anos, X, seu companheiro de todas as horas e
alegre fonte de energia. Numa noite de quinta-feira em dezembro, em
meio ao escândalo dos Twitter Files, Musk percebeu que essa ameaça
tinha ocorrido, e os ecos dessa situação abalaram as fundações de sua
proclamada batalha pela liberdade de expressão.
Um sujeito que vinha stalkeando Grimes havia muito tempo ficou de
tocaia durante um dia todo na rua onde ficava a casa em que ela e Musk
estavam hospedados na região de Los Angeles, e, em certo momento,
dizem, ele seguiu um carro dirigido por um dos integrantes da segurança
de Musk, que levava X e a babá para um hotel ali perto. O segurança
parou em um posto de gasolina, confrontou o motorista e fez um vídeo
dele trajado como ninja, com luvas e máscara. O sujeito ou pulou sobre
o capô do carro ou tentou subir nele quando foi encurralado (os detalhes
não são claros), e, quando a polícia chegou, não prendeu ninguém. Por
meio do vídeo que Musk postou, o The Washington Post rastreou o
sujeito, que disse ao jornal acreditar que Grimes estava mandando
mensagens cifradas para ele em seus posts no Instagram. Musk tuitou:
“Ontem à noite, um carro levando o pequeno X em LA foi seguido por
um stalker maluco (achando que era eu), que depois bloqueou o carro
impedindo a passagem e subiu no capô.”
Musk achava que o stalker tinha conseguido encontrar o lugar onde
ele e Grimes estavam hospedados por causa de uma conta no Twitter
chamada @elonjet, alimentada por um aluno chamado Jack Sweeney,
que postava em tempo real decolagens e aterrissagens do jato de Musk,
com base em informações públicas de voos. A conexão era obscura:
Musk tinha pousado em Los Angeles um dia antes, mas Grimes disse
que foi aí que ela começou a perceber o carro montando tocaia do lado
de fora.
Havia muito tempo que Musk andava irritado com a conta @elonjet,
que ele considerava uma invasão de privacidade e algo que o colocava em
risco. Em abril, quando estava pensando em comprar o Twitter, ele
discutiu a situação em um jantar com amigos e a família em Austin, e
tanto Grimes quanto a mãe dele defenderam de modo enfático que ele
devia banir a conta. Musk concordou, mas não fez isso quando assumiu
o Twitter. “Meu compromisso com a liberdade de expressão se estende
inclusive a não banir a conta que segue o meu avião, embora isso seja um
risco de segurança pessoal”, tuitou no início de novembro.
Isso impressionou Bari Weiss, mas, quando estava montando seu
primeiro fio do Twitter Files, ela descobriu que Musk tinha feito com
@elonjet aquilo que o antigo regime do Twitter fizera com parte da
extrema direita: @elonjet estava passando por um rigoroso “filtro de
visibilidade” para que não aparecesse nas buscas. Ela ficou decepcionada,
pois parecia hipocrisia. Então, depois do incidente que envolveu X,
Musk tomou a decisão unilateral de suspender @elonjet de uma vez. Ele
justificou a ação dizendo que o Twitter passara a ter uma regra contra
apontar a localização de pessoas.
Pior ainda, especialmente do ponto de vista de tornar o site um porto
seguro para a liberdade de expressão, Musk suspendeu arbitrariamente
um punhado de jornalistas que escreveram sobre o que ele havia feito
com @elonjet. A justificativa que dera foi a de que as reportagens
tinham feito links para a conta @elonjet e, desse modo, também estavam
alavancando a exposição dela, mas na verdade a conta @elonjet não
estava disponível e os links só levavam a uma página que dizia “Conta
suspensa”. Por isso, parecia que Musk tinha agido em parte por
ressentimento, em retaliação a jornalistas cujas matérias eram críticas a
ele — nesse grupo estavam Ryan Mac, do The New York Times, Drew
Harwell e Taylor Lorenz, do The Washington Post, e pelo menos outros
oito.
Weiss, que continuava trabalhando no bunker para produzir mais
reportagens sobre os Twitter Files, se encontrou numa situação difícil.
“Ele estava fazendo exatamente as coisas que dizia desprezar nos antigos
donos do Twitter”, afirma ela. “Algumas pessoas que ele estava
expulsando eram meus maiores algozes no Twitter. Eu não gosto nem
um pouco de algumas dessas pessoas. Mas a minha impressão era a de
que ele estava traindo as coisas que dizia querer para o Twitter: que a
rede fosse uma praça pública sem qualquer viés. E, de um ponto de vista
puramente estratégico, ele estava transformando um bando de cretinos
em mártires.”
Weiss mandou uma mensagem privada para Musk no Signal: “Ei, o
que está acontecendo aqui?”
“Eles violaram a minha privacidade e revelaram a localização do meu
avião”, respondeu ele. “Eles atacaram meu filho.”
Weiss discutiu o assunto com alguns dos outros jornalistas no bunker,
mas em última instância ela era a única que estava disposta a falar do
assunto. “Não tem como você ser jornalista e ver jornalistas serem
expulsos do Twitter e não dizer nada”, comenta ela. “Eu ainda me
importo com princípios.” Ela sabia que isso podia significar perder
acesso para continuar as reportagens sobre os Twitter Files. E, como
disse brincando para Nellie Bowles: “Acho que o Elon nunca vai doar
esperma para a gente depois disso.”
“O antigo regime do Twitter era orientado por seus próprios
caprichos e vieses, e sem dúvida parece que o novo regime sofre do
mesmo problema”, tuitou Weiss na manhã de 16 de dezembro, um dia
depois de os jornalistas serem expulsos. “Eu me oponho em ambos os
casos.”
“Em vez de ir atrás da verdade com rigor”, respondeu Musk via
Twitter, “você está fingindo ser virtuosa para mostrar à elite da imprensa
que é ‘boazinha’, para manter um pé em cada barco”. Depois disso, ele
restringiu o acesso dela aos Twitter Files.
Twitter Spaces
“Isso é loucura”, disse por mensagem Jason Calacanis a David Sacks
sobre a decisão de Musk de suspender jornalistas. “Isso vai arruinar a
atenção dada aos Twitter Files. A gente tem que reverter isso.” Por isso,
os dois enviaram mensagens a Musk. “Você tem que deixar esse pessoal
voltar.” Musk foi evasivo.
Em meio às trocas de mensagens, Calacanis percebeu que no Twitter
Spaces, o lugar em que os usuários podem organizar discussões em
áudio, muitas pessoas estavam falando sobre o assunto. Dois dos
jornalistas suspensos, Drew Harwell, do Post, e Matt Binder, do
Mashable, estavam participando. Embora estivessem proibidos de postar,
o software do Twitter não tinha impedido que eles participassem da
conversa em áudio, contou Calacanis a Musk, que surpreendeu os
participantes ao ir ao Spaces (onde falou em tom muito defensivo e
ríspido) e entrar na conversa. A história logo se espalhou, e em questão
de minutos havia 30 mil usuários ouvindo.
Quando a organizadora, a repórter do BuzzFeed News Katie
Notopoulos, pediu que Musk explicasse as suspensões, ele disse que o
motivo eram os links para páginas que o haviam exposto. “Você está
sugerindo que nós dissemos a sua localização, e isso não é verdade”,
disse Harwell. “Eu nunca postei seu endereço.”
“Você postou um link para o endereço”, respondeu Musk.
“Nós postamos links para @elonjet, que não está mais on-line”, disse
Harwell. Ele acusou Musk de “usar exatamente a mesma técnica de
bloqueio de links que tinha criticado como parte da reportagem do New
York Post sobre Hunter Biden”.
Musk se irritou e desapareceu da sessão. Minutos depois, o Twitter
abruptamente encerrou a conversa. Na verdade, o Spaces foi fechado por
um dia para tornar impossível que usuários suspensos participassem das
conversas. “Estamos consertando um bug que herdamos”, tuitou Musk
sobre o fechamento do Spaces. “Deve estar funcionando amanhã.”
Musk logo percebeu que tinha ido longe demais, e procurou um
modo de reverter as próprias ordens. Ele postou uma enquete em que
perguntava aos usuários se jornalistas barrados do Twitter deviam ter as
contas restauradas. Mais de 58% dos 3,6 milhões de votos disseram que
sim. As contas foram reintegradas.

Processe/Fauci
À medida que a controvérsia se desenrolava, Musk se alternava entre a
irritação e o modo brincalhão. Numa noite, sentado na sala de
conferências do bunker com Weiss, parte dos colegas dela e James, ele
começou a brincar com a prática das pessoas de postar seus pronomes.
Alguém brincou que os de Musk deviam ser “Processe/Fauci”. Houve
uns poucos risos nervosos — Weiss admite que não queria desafiar
Musk naquele momento —, e Musk começou a rir. Ele repetiu a piada
três vezes. Então, lá pelas três da manhã, tuitou por impulso: “Meus
pronomes são Processe/Fauci.” Não fazia muito sentido, não era
engraçado, e conseguiu, com apenas cinco palavras, tirar sarro de pessoas
trans, conjurar conspirações sobre uma autoridade da área de saúde
pública que tinha 81 anos, Anthony Fauci, assustar mais anunciantes e
criar mais um punhado de novos inimigos que jamais iriam comprar
Teslas.
O irmão dele esteve entre os que se sentiram ultrajados. “Que merda
é essa, cara, você está falando de um senhorzinho que só estava tentando
descobrir o que fazer durante a covid”, disse Kimbal a ele. “Isso não é
legal.” Até Jay Bhattacharya, o professor de Stanford cujas críticas às
políticas de Fauci o levaram a ser filtrado pelo Twitter, criticou a
postagem: “Acho que Fauci cometeu erros graves. Mas acho que o certo
não é um processo contra ele, e sim que ele entre para a posteridade por
ter cometido esses erros.”
O tuíte sobre Fauci não era um mero exemplo em que Musk estava
expressando sentimentos antiwoke e ligados à direita. Em certos
momentos, ele parecia estar à beira de caminhos perigosos que levavam
a teorias da conspiração, as quais envolvem forças sinistras que agem na
elite global. Era o labo B das especulações espirituosas dele sobre
estarmos, na verdade, vivendo em uma simulação. Quando estava em
seus humores mais sombrios, ele imaginava que por trás de nossa
realidade havia forças conspiratórias nefastas, como em Matrix. Ele
retuitou comentários de Robert Kennedy Jr., por exemplo, um ardoroso
crítico das vacinas, o qual alegava que a CIA tinha assassinado o tio
dele, o presidente. Depois do tuíte de Musk sobre Fauci, Kennedy
postou: “Fauci comprou a omertà dos virologistas globalmente com um
total de 37 bilhões de dólares de pagamentos anuais em verbas para
pesquisas. Com o responsável por fazer os pagamentos fora de cena, as
ortodoxias irão se desfazer.”
“Precisamente”, respondeu Musk. Ele posteriormente seria anfitrião
de um Twitter Spaces com Kennedy quando ele decidiu concorrer à
presidência contra Biden.

***

Como sempre, havia ecos incômodos do pai dele. Errol vinha falando de
teorias da conspiração sobre a covid havia mais de dois anos. “Esse cara
precisa ser demitido!”, disse ele sobre Fauci no Facebook em abril de
2020. Naquele mesmo ano, alegou que Bill Gates soube da covid seis
meses antes de o vírus se espalhar, e negociou um contrato de 100
bilhões de dólares para rastrear a epidemia. Em 2021, ele se tornou um
negacionista completo das vacinas contra a covid, da derrota de Trump
nas eleições e dos ataques terroristas do 11 de Setembro. “Por todas as
informações a que estamos tendo acesso, parece que os ataques do 11 de
Setembro foram uma armação, e as provas são muito contundentes”,
alegou ele. Poucas semanas antes de Elon dar início aos Twitter Files,
Errol postou um ataque no Facebook em que dizia que a covid era “uma
mentira”. Ele disse sobre as vacinas: “Se você é burro o bastante para
tomar a injeção, e especialmente os reforços, você vai morrer em breve.”
Depois que os Twitter Files foram publicados, Errol mandou para o
filho mais uma mensagem não solicitada: “A Esquerda (ou gângsteres)
precisa ser detida. A civilização corre risco.” A eleição tinha sido
roubada de Trump, e era “essencial” deixar que ele voltasse ao Twitter.
“Ele é nosso único raio de luz.” Ele então aconselhou o filho a se
lembrar da lição que ele aprendera na infância nos parquinhos da África
do Sul. “Tentar apaziguar os bandidos é inútil. Quanto mais você tenta,
menos eles têm medo de você ou te respeitam. Bata com força neles, ou
bata com força em qualquer um, e eles vão te respeitar.”
Elon nunca viu as mensagens. Numa tentativa de expurgar os
demônios do pai, ele tinha mudado o endereço de e-mail, e nunca deu o
novo para Errol.

Queda
Quando Yoel Roth pediu demissão do Twitter, em novembro, tinha
como maior preocupação a possibilidade de que Musk jogasse contra ele
uma turba de usuários do Twitter que pudessem lhe colocar em risco a
segurança. No começo, parecia ter sido poupado. Depois, porém,
quando os e-mails e as mensagens de Slack foram divulgadas nos
Twitter Files em dezembro, Musk mirou em Roth seu lança-chamas.
Os Twitter Files mostraram Roth discutindo como lidar com
questões como a história do laptop de Hunter Biden. A maioria dos
comentários dele era bem pensada, mas isso não impediu que houvesse
reações furiosas no Twitter. A certa altura, um usuário postou uma
mensagem que dizia: “Acho que posso ter encontrado o problema.” A
mensagem apontava para um post que Roth fez em 2010 que continha
um link, sem nenhum comentário, para um artigo de jornal que
perguntava se era errado que um professor fizesse sexo com um aluno de
18 anos de idade. “Isso explica muita coisa”, respondeu Musk. A partir
daí, Musk assumiu o comando do ataque. Ele tuitou uma imagem que
exibia um parágrafo da tese de doutorado de Roth na Universidade da
Pensilvânia, intitulada “Dados sobre gays”, que falava sobre modos como
sites de encontros para gays, como o Grindr, podiam lidar com usuários
menores de 18 anos de idade. Musk comentou: “Parece que o Yoel está
defendendo que crianças possam ter acesso a serviços de internet para
adultos.”
Roth não tinha nada a ver com pedofilia, mas as insinuações de Musk
levaram ao surgimento de conspiradores no estilo Pizzagate, que ficavam
nos cantos escuros do Twitter disparando uma onda de ataques
homofóbicos e antissemitas. Em seguida, um tabloide publicou o
endereço de Roth, o que o levou a se esconder. “Musk tomou a decisão
de compartilhar uma alegação difamatória de que eu apoio a pedofilia ou
sou conivente com ela”, declararia Roth posteriormente. “Precisei sair da
minha casa e vendê-la. Essas são as consequências desse tipo de assédio
e de discurso na internet.”

***

No domingo em que Musk causou ultraje com o tuíte sobre Fauci, ele
apareceu no bunker no Twitter e ofereceu aos mosqueteiros e a outras
pessoas ingressos para um show de comédia de Dave Chapelle naquela
noite. Até mesmo em um show de um comediante notoriamente
antiwoke, ficou evidente que os tuítes de Musk lhe acrescentaram uma
nova camada de dano à reputação. “Senhoras e senhores, uma salva de
palmas para o homem mais rico do mundo”, disse Chapelle ao convidar
Musk para o palco. Houve aplausos, mas também um coro de vaias.
“Parece que tem gente que você demitiu na plateia”, falou Chapelle. Para
tranquilizar Musk, ele brincou ao dizer que as vaias eram principalmente
de gente que tinha ficado em “lugares horríveis no teatro”.
Os tuítes erráticos de Musk prejudicaram ainda mais a relação do
Twitter com os anunciantes. Ele pediu uma conversa com David Zaslav,
o CEO da Warner Bros. Discovery, e eles conversaram por mais de uma
hora. Zaslav disse que Musk estava agindo de modo autodestrutivo, o
que tornava difícil atrair novas marcas. Ele devia se concentrar em
melhorar o produto acrescentando a possibilidade de postar vídeos mais
longos e fazendo com que os anúncios fossem mais eficientes.
Essa situação chegou inclusive a afetar a Tesla. As ações da empresa
tinham caído para 156 dólares, sendo que estavam em 340 dólares
quando ele anunciou pela primeira vez seu interesse no Twitter. Na
reunião em Austin em 14 de dezembro, o conselho da Tesla,
normalmente muito solícito, disse a Musk que as controvérsias do
Twitter estavam prejudicando a marca da Tesla. Musk respondeu
dizendo que os números de vendas iam mal no mundo todo, inclusive
nos lugares em que as pessoas não estavam prestando atenção às
controvérsias, e isso se devia principalmente a fatores macroeconômicos.
Contudo, tanto Kimbal quanto o presidente do conselho, Robyn
Denholm, continuaram pressionando, dizendo que o comportamento
dele era um fator. “O elefante gigantesco na sala era ele agindo como um
idiota”, afirma Kimbal.
capítulo 92
Travessuras natalinas
Dezembro de 2022

Os mosqueteiros com a equipe de mudança em Sacramento; James ajudando a


empurrar um rack de servidor
“Este prazo parece algo remotamente aceitável para mim?”, perguntou
Musk. “Obviamente, não. Se um prazo é extenso, está errado.”
Era tarde da noite do dia 22 de dezembro, e a reunião na sala de
conferências de Musk, no décimo andar do Twitter, havia ficado tensa.
Ele estava falando com dois gerentes de infraestrutura que não tinham
muito contato com Musk até então, e certamente não quando ele estava
de mau humor.
Um deles tentou explicar o problema. A empresa de hospedagem de
dados que alojava uma das fazendas de servidores do Twitter, em
Sacramento, havia concordado em permitir extensões de curto prazo na
locação, para que eles pudessem começar a sair, de maneira ordenada,
durante 2023. “Mas, esta manhã”, disse o gerente nervoso a Musk, “eles
nos procuraram para informar que o plano não estava mais disponível
porque, e foram estas as palavras que usaram, eles acham que nós não
vamos ser financeiramente viáveis”.
As instalações custavam mais de 100 milhões de dólares por ano para
o Twitter. Musk queria economizar esse dinheiro ao mudar os servidores
para uma das outras instalações do Twitter, em Portland, Oregon. Outra
gerente presente na reunião disse que não era possível fazer isso
imediatamente. “Não podemos sair com segurança em menos de seis a
nove meses”, falou ela num tom de quem enuncia um fato. “Sacramento
precisa continuar disponível para suportar o tráfego.”
Por anos, Musk havia se deparado muitas vezes com escolher entre o
que julgava necessário e aquilo que os outros diziam ser possível. O
resultado era quase sempre o mesmo. Ele ficou em silêncio por alguns
momentos e anunciou em seguida: “Vocês têm noventa dias para fazer
isso. Se não conseguirem, estão demitidos.”
A gerente começou a explicar em detalhes alguns obstáculos para a
realocação dos servidores para Portland. “Lá há diferentes densidades
nos racks, diferentes densidades de alimentação”, enumerou. “Então as
salas precisam ser atualizadas.” Ela começou a detalhar ainda mais a
situação, porém Musk a interrompeu depois de um minuto.
“Isso está me dando dor de cabeça”, disse ele.
“Desculpe, não era minha intenção”, respondeu a gerente em um tom
cuidadoso.
“Sabe o emoji de explosão mental?”, perguntou Musk a ela. “É assim
que sinto minha cabeça agora. Quanta merda. Jesus Cristo. Portland
com certeza tem muito espaço. Mudar os servidores de um lugar para
outro é banal.”
Os gerentes tentaram novamente explicar as restrições. Musk os
interrompeu. “Você pode enviar alguém até nossos centros de servidores
e me mandar vídeos deles por dentro?”, perguntou. Faltavam três dias
para o Natal, e os gerentes prometeram o vídeo para dali a uma semana.
“Não, amanhã”, ordenou Musk. “Já construí data centers e consigo
discernir se posso colocar mais servidores lá ou não. É por isso que
perguntei se você tinha realmente visitado as instalações. Se não esteve
lá, está falando merda.”
Tanto a SpaceX quanto a Tesla eram um sucesso porque Musk havia
pressionado sem parar as equipes para que improvisassem mais, fossem
mais ágeis e trabalhassem incessantemente a fim de eliminar todos os
obstáculos. Foi assim que eles montaram uma linha de produção de
carros em uma tenda em Fremont e uma área de testes no deserto do
Texas, além de uma plataforma de lançamento em Cabo Canaveral feita
de itens usados. “É só mudar a porra dos servidores para Portland”, disse
ele. “Se demorar mais de trinta dias, vou ficar chocado.” Ele parou e
recalculou. “Só consiga uma empresa de mudança, e vai demorar uma
semana para levar os computadores e mais uma para ligar. Duas
semanas. É assim que tem que ser.” Todo mundo ficou em silêncio.
Musk, porém, estava só no aquecimento. “Se você alugar a porra de um
U-Haul, provavelmente consegue fazer por conta própria.” Os dois
gestores do Twitter olharam para ter certeza de que ele falava sério.
Steve Davis e Omead Afshar também compunham a mesa. Os dois já
haviam visto Musk assim muitas outras vezes, e sabiam que era provável
que sim.
A invasão de Sacramento
“Por que a gente não faz isso agora?”, perguntou James Musk.
Ele e o irmão Andrew iam voar com Elon de São Francisco para
Austin na noite de sexta, 23 de dezembro, no dia seguinte à reunião
frustrante de infraestrutura sobre quanto tempo levaria para tirar os
servidores das instalações de Sacramento. Esquiadores entusiasmados,
eles haviam planejado ir sozinhos para Tahoe no Natal, mas Elon os
convidou para ir a Austin naquele dia. James estava relutante.
Mentalmente exausto, ele não precisava de mais intensidade, mas
Andrew o convenceu, e assim foram parar no avião — com Musk,
Grimes e X, com Steve Davis e Nicole Hollander e o bebê deles —,
ouvindo Elon reclamar dos servidores.
Eles sobrevoavam algum lugar de Las Vegas quando James sugeriu
que podiam mudar os servidores imediatamente. Musk amava esse tipo
de ideia impulsiva, pouco prática e que surge do nada. Já era tarde da
noite, mas ele disse para o piloto alterar a rota e eles voltaram para
Sacramento.
O único carro alugado que encontraram quando pousaram foi um
Toyota Corolla. O chefe da segurança de Musk assumiu a direção,
Grimes se sentou no colo de Musk no assento do passageiro e os outros
se apertaram no banco de trás. Ele não tinha certeza se era possível
entrar no data center à noite, mas um funcionário muito surpreso do
Twitter, um cara chamado Alex, do Uzbequistão, ainda estava lá. Ele
ficou contente em deixá-los entrar e mostrar o lugar.
As instalações, que abrigavam salas de servidores para muitas outras
empresas também, eram bem seguras, com scanners de retina para
permitir a entrada em cada cofre. Alex, o uzbeque, conseguiu autorizar a
entrada deles no cofre do Twitter, que continha cerca de 5.200 racks
refrigerados com trinta computadores cada. “Isso não parece muito
difícil de carregar”, disse Elon. Era uma afirmação descolada da
realidade, já que cada rack pesava uma tonelada e tinha 2,5 metros de
altura.
“Você vai ter que contratar um empreiteiro para levantar os painéis do
chão”, disse Alex. “Eles precisam ser levantados com ventosas.” Outro
grupo de empreiteiros teria que entrar sob os painéis do chão e
desconectar os cabos elétricos e as hastes sísmicas.
Musk virou para o segurança e pediu emprestado o canivete dele.
Com o objeto, ele conseguiu levantar uma das saídas de ar do chão, o
que permitiu abrir os painéis do chão. Então Musk engatinhou sob o
chão do servidor, usou o canivete para abrir o armário de cabos, desligou
os servidores e esperou para ver o que acontecia. Nada explodiu. O
servidor estava pronto para ser movido. “Olha, isso não pareceu tão
difícil”, disse ele enquanto Alex, o uzbeque, e os demais o encaravam.
Musk estava totalmente empolgado. Ele disse, rindo alto, que era uma
espécie de remake de Missão Impossível, edição Sacramento.

***

No dia seguinte — véspera de Natal —, Musk pediu reforços. Ross


Nordeen saiu de São Francisco de carro. Ele parou na loja da Apple na
Union Square e gastou 2 mil dólares para comprar o estoque inteiro de
AirTags com a finalidade de que os servidores pudessem ser mapeados
durante a viagem, e em seguida foi à Home Depot, onde gastou 2.500
dólares em chaves, alicates, lâmpadas de cabeça e ferramentas
necessárias para soltar as hastes sísmicas. Steve Davis conseguiu alguém
da The Boring Company para alugar um caminhão e convocar furgões
de mudança. Outros convocados chegaram da SpaceX.
Os racks estavam sobre rodas, então a equipe conseguiu desconectar
quatro deles e levá-los até o caminhão. Isso mostrou que todos os 5.200
poderiam ser movidos em dias. “Os caras estão matando a pau!”, exultou
Musk.
Outros trabalhadores no data center acompanhavam a cena com uma
mistura de espanto e horror. Musk e seu time de renegados estavam
tirando os servidores sem encaixotá-los ou envolvê-los em material de
proteção, e depois usavam cordas comuns para prendê-los no caminhão.
“Nunca carreguei um caminhão antes”, admitiu James. Ross disse que
era “assustador”. Era como esvaziar um armário, “mas o conteúdo é
extremamente importante”.
Às três da madrugada, depois de conseguirem colocar quatro
servidores no caminhão, as notícias sobre a travessura chegaram aos
principais executivos da NTT, a empresa proprietária e responsável pela
gestão do data center. Eles mandaram que a equipe de Musk
interrompesse a mudança. Musk estampava a mistura de alegria e raiva
que frequentemente acompanham suas ondas maníacas. Ele ligou para o
CEO da empresa de armazenamento, o qual explicou para Musk que
era impossível mover os racks de servidores sem um grupo de
especialistas. “Bobagem”, retrucou Musk. “Já colocamos quatro deles no
caminhão.” O CEO disse a ele que alguns dos pisos não suportavam 250
quilos de pressão, então carregar um servidor de uma tonelada poderia
causar danos. Musk respondeu que os servidores tinham quatro rodas,
então a pressão em qualquer ponto era só de 250 quilos. “O cara não é
muito bom de matemática”, disse Musk para os mosqueteiros.
Como ele estragou a véspera de Natal dos gestores da NTT, além de
lhes causar uma perda potencial de receita de mais de 100 milhões de
dólares no próximo ano, Musk mostrou compaixão e disse que
suspenderia a mudança dos servidores por dois dias. Entretanto, eles
iriam voltar, avisou, no dia seguinte ao Natal.

Natal em família
Tarde da noite na véspera de Natal, com o cessar-fogo temporário no
data center de Sacramento, Musk convidou James e Andrew, cujos
planos de esquiar tinham ido por água abaixo, a ir a Boulder e passar o
Natal com Kimbal e a família. Christiana correu para comprar presentes
e brindes para as meias dos dois convidados inesperados. Kimbal
cozinhou rosbife e fez um pudim Yorkshire de trinta centímetros. O
filho de Elon, Damian, que também era um chef ávido, fez um prato
com batatas. X brincou com um foguete de pressão, fazendo a contagem
regressiva, e pisou no botão para lançá-lo. James e Andrew mergulharam
na banheira de hidromassagem para relaxar.
A visita era uma chance para Kimbal ter uma conversa séria com o
irmão sobre como, desde o acordo com o Twitter, ele estava
descontrolado. Um ano antes, ele havia sido escolhido a Personalidade
do Ano e o homem mais rico do mundo, e naquele momento não era
mais nenhum dos dois. Parecia uma situação semelhante à que
aconteceu em 2018, e era hora de mais um aviso de segurança. Você está
fazendo inimigos a uma velocidade perigosa e em níveis perigosos, disse
Kimbal. “É como na época do ensino médio, quando você apanhava o
tempo todo.”
Kimbal chegou a questionar se Elon queria permanecer como CEO
da Tesla. A empresa enfrentava problemas e ele não estava dando
atenção a isso. “Por que você não deixa de ser CEO?”, perguntou
Kimbal. Elon não estava pronto para responder a isso.
Havia também o problema de seus tuítes tarde da noite. Kimbal havia
parado de seguir Elon no Twitter porque era estressante demais. Elon
admitiu que o tuíte sobre Paul Pelosi foi um erro. Ele não havia
percebido que a história que viu on-line sobre o michê não era de um
site confiável. “Você é um idiota”, disse Kimbal. “Pare de cair nessas
coisas idiotas.” O mesmo valia para o tuíte dele sobre Fauci. “Não é
certo. Não é engraçado. Você não pode fazer essas merdas.” Kimbal
também criticou James e Andrew por incentivá-lo. “Isso não está certo,
gente. Não está certo.”
Um assunto que eles não discutiram foi o Twitter como empresa.
Quando Elon comentou, Kimbal se recusou a falar sobre isso. “Eu não
me importo com o Twitter”, disse ele. “É só uma espinha na bunda
comparado ao impacto que você deveria causar no mundo.” Elon
discordou, mas os dois não discutiram.
Uma tradição de Natal de Kimbal e Christiana era pedir a todos que
refletissem sobre uma pergunta. Naquele ano foi “Quais
arrependimentos você tem?”. “Meu principal arrependimento”,
respondeu Elon, “é a frequência com que eu enfio o garfo na minha
perna, atiro no meu meu pé e enfio a faca no meu olho”.

***

O Natal deu a Musk a oportunidade de se reconectar com os filhos


Griffin, Damian e Kai, que haviam se distanciado durante a confusão
causada pelo Twitter e pelos tuítes dele. Como James e Andrew, eles
foram abençoados com habilidades especiais em matemática e ciências,
mas não carregavam os demônios e a dureza do pai e do avô. Ser filho de
Elon Musk era difícil, mas eles eram “estoicos”, como Musk dizia.
Ele falou com Kai, então com 16 anos, sobre a possibilidade de o
rapaz sair do ensino médio e ir trabalhar no Twitter. “Ele é um
programador fenomenal, então podia escrever software e fazer o ensino
médio on-line, que foi o que Damian fez”, diz Musk. “Não estou
pressionando muito porque sei que tem um elemento social na escola,
mas ele é inteligente demais para o ensino médio. É meio ridículo.” Kai
disse que ia pensar no assunto.
Damian, gêmeo idêntico de Kai, tinha o mesmo brilhantismo, mas
interesses diferentes. Ele trabalhava havia mais de um ano com
computação quântica e criptografia no laboratório acadêmico de um
físico de partículas. Depois de concluir o ensino médio on-line, foi
aceito em uma das principais universidades dos Estados Unidos em
pesquisa, mas Musk achava que não seria intelectualmente desafiador o
suficiente para ele se matricular lá. “Ele já sabe matemática e física no
nível da graduação.”
Griffin era o mais tranquilo e extrovertido da família Musk. Como
calouro em uma universidade da Ivy League, estava lidando com a
animosidade direcionada ao pai. Ao falar sobre si mesmo, ele é muito
respeitoso e humilde, mas disse, quase se desculpando: “Não quero que
isso soe arrogante, mas sou o primeiro em minha turma de 450
estudantes de ciência da computação.” Ele passava muito tempo, assim
como o pai na adolescência, programando videogames. O que ele mais
gostava de jogar era Elden Ring.
Jenna não estava lá, claro. Christiana, porém, enviou uma mensagem
na qual dizia que a família toda sentia a ausência dela e que enviaria a
meia natalina que havia feito. “Obrigada”, respondeu Jenna. “Isso
significa muito para mim.”
Já Saxon, que é autista, mostrou novamente a sabedoria que tinha.
Uma hora a família estava discutindo como precisavam usar
pseudônimos quando fossem a um restaurante. “Ah, sim”, disse. “Se
alguém descobrir que sou filho do Elon Musk vai ficar irritado comigo
porque ele está estragando o Twitter.”
A invasão continua
Depois do Natal, Andrew e James voltaram a Sacramento para ver
quantos servidores mais conseguiam transferir. Como não haviam
levado roupas suficientes, foram ao Walmart para comprar calças jeans e
camisetas.
Os supervisores da NTT que comandavam as instalações
continuaram a criar obstáculos, alguns bastante compreensíveis. Em vez
de deixá-los abrir completamente a porta do cofre, por exemplo, eles
exigiam que os mosqueteiros e a equipe passassem pelo scanner de retina
toda vez que entravam. Uma das supervisoras os vigiava o tempo todo.
“Ela era a pessoa mais insuportável com quem já trabalhei”, diz James.
“Mas, para ser justo, consigo entender a situação, porque estávamos
estragando o fim de ano dela, né?”
As equipes de mudança que a NTT queria que eles usassem
cobravam 200 dólares por hora. Então James entrou no Yelp e encontrou
uma empresa chamada Extra Care Movers, que iria fazer o mesmo
trabalho por um décimo do custo. Era uma empresa mambembe que
elevava a ideia de improvisação a outro nível. O dono havia morado na
rua por um tempo, teve um filho e estava tentando mudar de vida. Ele
não tinha conta bancária, portanto James acabou usando o PayPal para
pagá-lo. No segundo dia, a equipe queria dinheiro, então James foi ao
banco e sacou 13 mil dólares de sua conta pessoal. Dois dos membros da
equipe não tinham documentos, o que dificultava a entrada deles nas
instalações. Entretanto, compensavam em trabalho. “Vocês ganham 1
dólar de gorjeta para cada servidor que conseguirmos transportar”,
anunciou James em determinado momento. Dali em diante, quando
chegava mais um ao caminhão, os trabalhadores perguntavam quanto já
haviam ganhado.
Os servidores continham dados de usuários, e James não havia
percebido inicialmente que, por questão de privacidade, eles deveriam
apagar tudo antes de transportá-los. “Quando descobrimos isso, os
servidores já haviam sido desligados e transportados, então não tinha
como levá-los de volta, ligar e apagar”, diz. Além disso, o software para
apagar não estava funcionando. “Merda, o que a gente faz?”, perguntou
ele. Elon recomendou que trancassem os caminhões e ficassem de olho.
Então James mandou alguém até a Home Depot para comprar grandes
cadeados, e eles enviaram os códigos em uma planilha para Portland a
fim de que os caminhões pudessem ser abertos lá. “Não acredito que
tenha funcionado”, diz James. “Todos chegaram em segurança a
Portland.”
No fim da semana, eles haviam usado todos os caminhões disponíveis
de Sacramento. Apesar de a área ter sido castigada com muita chuva,
foram movidos mais de setecentos racks em três dias. O recorde anterior
naquelas instalações havia sido trinta em um mês. Isso ainda deixava
muitos dos servidores no local, mas os mosqueteiros tinham provado
que era possível transportá-los rapidamente. O resto foi feito pela equipe
de infraestrutura do Twitter em janeiro.
Elon havia prometido a James um grande bônus, de até 1 milhão de
dólares, se ele conseguisse transportar os servidores até o fim do ano.
Nada foi registrado por escrito, mas James confiava no primo. Depois da
mudança, Jared Birchall disse que o acordo se aplicava apenas ao total de
servidores ligados e funcionando em Portland. Como eles precisavam de
novas conexões elétricas, o total era de zero. James escreveu para Elon,
que respondeu propondo mil dólares para cada servidor que chegasse em
segurança em Portland, ligado ou não. Isso somava um pouco mais de
700 mil dólares. Elon também ofereceu a ele um pacote de ações para se
juntar ao Twitter. James aceitou ambos.
James amava a família na África do Sul. Tendo perdido a chance de
passar o Natal com eles, planejava usar parte do bônus na compra de
passagens para que eles visitassem os Estados Unidos na primavera. Ele
também estava economizando para comprar uma casa e dá-la aos pais na
Califórnia. “Meu pai ama trabalhar com madeira, mas acabou de cortar
parte do dedo fora e está passando por dificuldades”, diz James. “Sou
muito ligado a ele.”

***

Tudo muito excitante e inspirador, certo? Um exemplo da abordagem


corajosa e improvisada de Musk! Como tudo na vida de Musk, porém,
infelizmente não era tão simples. Era também um exemplo da
imprudência, da impaciência com adversidades e da maneira como ele
intimidava as pessoas. Os engenheiros de infraestrutura do Twitter
haviam tentado explicar para ele, naquela reunião com o emoji de
explosão mental uma semana antes, por que uma interrupção rápida do
data center de Sacramento seria problemática, mas ele os silenciou. Ele
tinha um bom histórico de saber quando ignorar quem lhe negava algo.
Contudo, não era perfeito. Nos dois meses seguintes, o Twitter ficou
instável. A falta dos servidores causava colapsos, inclusive quando Musk
foi anfitrião de um Twitter Spaces para o candidato a presidente Ron
DeSantis. “Em retrospecto, o completo fechamento de Sacramento foi
um erro”, admitiria Musk em março de 2023. “Fui informado de que
tínhamos redundância em nossos data centers. O que não me disseram
era que tínhamos 70 mil referências codificadas de Sacramento. E ainda
há coisas que estão com problemas por causa disso.”
Os assessores mais valiosos de Musk na Tesla e na SpaceX haviam
desenvolvido vários formas de desviar das ideias ruins dele e alimentá-lo
aos poucos com informações indesejáveis, mas os funcionários do
Twitter não sabiam como lidar com o chefe. Dito isso, o Twitter
sobreviveu. E a travessura em Sacramento mostrou aos funcionários do
Twitter que Musk falava sério sobre a necessidade de um sentimento
maníaco de urgência.

Véspera de Ano-Novo
Musk precisava muito descomprimir. Ele não era bom em tirar férias,
mas algumas vezes fugia por dois ou três dias no ano para Lanai, no
Havaí, e ficava em uma das casas de seu mentor, Larry Ellison, como
havia feito em abril quando decidiu comprar o Twitter. No fim de
dezembro, foi para lá com Grimes e X.
Ellison havia construído recentemente na ilha um observatório
astronômico com domo e um telescópio de espelho de um metro que
pesava 1,4 tonelada. Musk pediu que ele fosse apontado para Marte.
Depois de olhar no visor por um tempo em silêncio, chamou X e o
levantou para ver. “Veja isso”, disse. “É aí que você um dia vai morar.”
Depois Musk, Grimes e X voaram até Cabo San Lucas, no México,
para celebrar um bem-vindo fim de um tumultuado 2022 com Kimbal e
família. Os quatro filhos mais velhos de Musk estavam lá, assim como
todos os filhos do irmão. “Fazia bem para nosso sistema nervoso
estarmos juntos”, diz Kimbal. “Somos uma família muito complexa e é
muito raro todo mundo estar feliz ao mesmo tempo.”
Desde a compra do Twitter, Musk estava no modo guerra, com a
mentalidade que havia lhe permeado a infância e criado ressentimentos
facilmente desencadeados — de quem está com a mente em estado de
sítio. Os pés dele estavam pesados, a linguagem corporal, feroz e a
postura, tensa, pronta para a batalha. Apesar disso, as reuniões de
família produziam alguns períodos de calma intermitente. Na primeira
noite em Cabo, ele foi jantar só com Kimbal, Kai e Antonio Gracias em
um restaurante muito tranquilo. No dia seguinte, jogaram jogos de
tabuleiro e assistiram a filmes. O que Musk escolheu era o drama de
ação de 1993 O Demolidor, no qual Sylvester Stallone é um policial
apaixonado por perigo que desempenha o papel com tanta intensidade
que causa enormes danos colaterais. Ele achou engraçado.
Houve uma festa comunitária para celebrar a véspera do Ano-Novo,
que culminou com a contagem regressiva tradicional à meia-noite.
Depois dos abraços e fogos de artifício, Musk ficou com o olhar vazio e
fixo em algo a distância. Os amigos sabiam que não deveriam
interromper quando ele estava nesses transes, mas Christiana colocou a
mão nas costas dele e perguntou se estava tudo bem. Ele ficou em
silêncio por mais um minuto. “Temos que colocar a Starship em órbita”,
disse ele finalmente. “Precisamos colocar a Starship em órbita.”
capítulo 93
IA para carros
Tesla, 2022-2023

Dhaval Shroff e a mesa dele na Tesla


Carros que aprendem com humanos
“É tipo o ChatGPT, só que pra carros”, disse Dhaval Shroff a Musk.
Ele estava comparando o projeto dele na Tesla com o chatbot de
inteligência artificial que acabara de ser lançado pela OpenAI, o
laboratório que Musk fundou com Sam Altman em 2015. Durante
quase uma década, Musk vinha trabalhando em várias formas de
inteligência artificial — entre elas, carros autônomos, o robô Optimus e
a interface cérebro-máquina da Neuralink. O projeto de Shroff envolvia
a mais nova fronteira do aprendizado de máquinas: a elaboração de um
sistema de direção autônoma de carros que aprendesse com o
comportamento humano. “Processamos uma quantidade de dados sobre
como humanos reais agiram em situações complexas de direção e, em
seguida, treinamos uma rede neural de computador para imitar isso.”
Musk tinha pedido para se reunir com Shroff — que às vezes atuava
como um quarto mosqueteiro com James, Andrew e Ross — porque
estava pensando em convencê-lo a sair da equipe do Autopilot da Tesla
para trabalhar no Twitter. Shroff esperava evitar isso convencendo Musk
da importância crucial, para a Tesla e para o mundo, do projeto em que
ele estava trabalhando, um componente “aprenda-com-os-humanos”
para o software de direção autônoma da Tesla que eles chamavam de
“planejador de rotas de rede neural”.
A reunião deles estava marcada para um dia que estava tão
absurdamente abarrotado de histórias se cruzando que chegaria a soar
artificial se fosse um roteiro: sexta-feira, 2 de dezembro de 2022, dia em
que os primeiros textos do Twitter Files de Matt Taibbi seriam
publicados. Shroff chegou à sede do Twitter naquela manhã, como
solicitado, porém Musk, que tinha acabado de voltar da revelação do
Cybertruck em Nevada, se desculpou. Ele tinha esquecido que deveria ir
a Nova Orleans para se encontrar com o então presidente francês
Macron e falar sobre as regras europeias de moderação de conteúdo. Ele
pediu que Shroff voltasse à noite. Enquanto esperava Macron, Musk
mandou mensagens para Shroff nas quais marcava a conversa deles para
mais tarde. “Vou atrasar umas quatro horas”, escreveu Musk a certa
altura. “Você se importa de esperar?” Foi nesse momento também que
ele escreveu para Bari Weiss e Nellie Bowles, do nada, e pediu que elas
fossem a São Francisco e se encontrassem com ele naquela noite para
ajudar nos Twitter Files.
Musk finalmente pôde se reunir com Shroff, assim que chegou de
volta a São Francisco tarde da noite. O convidado explicou os detalhes
do projeto de planejamento de rede neural em que ele estava
trabalhando. “Acho que é muito importante que eu continue fazendo o
que estou fazendo”, disse Shroff. Ao ouvir isso, Musk voltou a ficar
empolgado com o projeto e concordou. No futuro, ele percebeu, a Tesla
não seria apenas uma empresa automotiva nem apenas uma empresa de
energia limpa. Com a Direção Totalmente Autônoma, o robô Optimus
e o supercomputador Dojo voltado para o aprendizado de máquinas, a
Tesla seria uma empresa de inteligência artificial — uma empresa que
iria operar não apenas no mundo virtual dos chatbots, mas também no
mundo real das fábricas e ruas. Ele já estava pensando em contratar um
grupo de peritos em AI para competir com a OpenAI, e a equipe de
planejamento de rede neural da Tesla complementaria o trabalho deles.

***

Por anos, o sistema do Autopilot da Tesla funcionou com uma


abordagem baseada em regras. O sistema usava dados visuais das
câmeras de um carro e identificava sinalizações de pista, pedestres,
veículos, placas e tudo o que estivesse ao alcance das oito câmeras.
Depois o software aplicava um conjunto de regras, como Pare quando o
sinal estiver vermelho; Ande quando o sinal estiver verde; Fique entre as
faixas que marcam as pistas; Não cruze faixas duplas amarelas quando
houver trânsito; Atravesse a esquina apenas quando não houver carros vindo
rápido o suficiente para bater em você; e assim por diante. Os engenheiros
da Tesla escreviam e atualizavam manualmente centenas de milhares de
linhas de código C++ para aplicar essas regras a situações complexas.
O projeto de planejamento de rede neural em que Shroff trabalhava
acrescentaria uma nova camada. “Em vez de determinar o caminho
adequado do carro com base apenas em regras”, diz Shroff,
“determinamos o caminho adequado do carro também com base em
uma rede neural que aprende a partir de milhões de exemplos do que os
humanos fizeram”. Em outras palavras, trata-se de imitar humanos. Ao
se deparar com uma situação, a rede neural escolhe um caminho com
base no que humanos fizeram em milhares de situações semelhantes. É
parecido com o modo como humanos aprendem a falar, a dirigir, a jogar
xadrez, a comer espaguete e a fazer quase tudo o mais; podem nos dar
um conjunto de regras para seguir, mas basicamente nós adquirimos
habilidades ao observar o modo como outras pessoas fazem a mesma
coisa. Era o modo de aprendizado de máquinas vislumbrado por Alan
Turing em seu ensaio de 1950, “Computing Machinery and
Intelligence”.
A Tesla contava com um dos maiores supercomputadores para treinar
redes neurais. Ele tinha unidades de processamento gráfico (GPUs)
feitas pela Nvidia, uma empresa que produz chips. O objetivo de Musk
para 2023 era passar do uso do Dojo, o supercomputador que a Tesla
estava construindo do zero, para o uso de dados de vídeo com o objetivo
de treinar o sistema de IA. Com chips e infraestrutura projetados pela
equipe de IA da própria Tesla, o sistema tem uma capacidade de
processamento de quase oito exaflops (1018 operações por segundo), o
que faz dele o mais poderoso computador do mundo para esse propósito.
O computador seria usado tanto para o software de direção autônoma
quanto para o robô Optimus. “É interessante trabalhar com eles juntos”,
diz Musk. “Os dois estão tentando descobrir como agir no mundo.”
No início de 2023, o projeto de planejamento de rede neural tinha
analisado 10 milhões de frames de vídeo coletados de carros de clientes
da Tesla. Isso significa que o sistema seria no máximo tão bom quanto
os motoristas humanos médios? “Não, porque só usamos dados de
humanos quando eles lidam bem com uma situação”, explica Shroff.
Etiquetadores humanos, muitos deles trabalhando em Buffalo, Nova
York, analisavam os vídeos e davam notas para eles. Musk disse que eles
deveriam procurar por coisas que “um motorista de Uber cinco estrelas
faria”, e aqueles eram os vídeos usados para treinar o supercomputador.
Musk caminhava com frequência pelas instalações da Tesla em Palo
Alto, onde os engenheiros do Autopilot ficavam num espaço sem
divisórias, e se ajoelhava ao lado deles para discussões improvisadas.
Certo dia, Shroff mostrou para ele o progresso que a equipe estava
fazendo. Musk ficou impressionado, mas tinha uma pergunta: essa nova
abordagem era realmente necessária? Não era um certo exagero? Uma
das máximas dele era jamais usar um míssil para matar uma mosca; basta
usar um mata-moscas. Será que usar uma rede neural para planejar rotas
não era um modo desnecessariamente complexo para lidar com uns
poucos casos atípicos?
Shroff mostrou a Musk exemplos nos quais um planejador de rede
neural funcionaria melhor que uma abordagem baseada em regras. A
demonstração apresentava uma via cheia de latas de lixo, cones de
trânsito caídos e detritos aleatórios. Um carro guiado pelo planejador de
rede neural foi capaz de desviar dos obstáculos, atravessando as faixas
entre as pistas e quebrando algumas regras quando necessário. “Eis o que
acontece quando a gente passa da abordagem de regras para a
abordagem de rede neural”, disse Shroff para ele. “O carro jamais vai
bater se você ligar isso aqui, mesmo em ambientes desestruturados.” Era
o tipo de salto rumo ao futuro que empolgava Musk. “A gente devia
fazer uma demonstração no estilo James Bond”, disse ele, “com bombas
explodindo por todo lado e um disco voador caindo do céu enquanto o
carro passa acelerando por tudo sem bater em nada”.
Sistemas de aprendizado de máquinas em geral precisam de uma
meta ou de uma métrica que os oriente durante o treinamento. Musk,
que gostava de gerir definindo quais métricas deveriam servir de
parâmetro, deu um norte para eles: a quantidade de quilômetros que os
carros com o sistema de Direção Totalmente Autônoma da Tesla
podiam fazer sem precisar de intervenção humana. “Quero que um slide
com os dados mais recentes de quilômetros por intervenção seja
apresentado no início de cada reunião nossa”, decretou ele. “Se estamos
treinando uma IA, o que vamos otimizar? A resposta é a maior
quantidade de quilômetros entre intervenções.” Ele disse aos
engenheiros para fazer disso uma espécie de videogame em que eles
podiam ver a pontuação todos os dias. “Videogames sem pontuação são
chatos, então vai ser motivador ver todo dia o número de quilômetros
por intervenção subir.”
Alguns membros da equipe instalaram televisores gigantes de 85
polegadas no ambiente de trabalho que mostravam em tempo real a
quantidade de quilômetros que os carros com Direção Totalmente
Autônoma estavam fazendo, em média, sem intervenções. Sempre que
viam um tipo de intervenção recorrente — como pegar o volante
durante uma troca de pista ou numa junção de duas vias ou uma curva
numa interseção complexa —, trabalhavam tanto com as regras quanto
com o planejador de rede neural para resolver isso. Foi colocado um
gongo perto das mesas, que era soado sempre que resolviam com sucesso
um problema que causava intervenção.

Um test drive com IA


Em meados de abril de 2023, havia chegado a hora de Musk testar o
novo planejador de rede neural. Ele o levou para um passeio em Palo
Alto. Shroff e a equipe do Autopilot tinham configurado um carro para
se basear em software treinado pela rede neural para imitar motoristas
humanos. O software tinha o mínimo possível de código baseado nas
regras tradicionais.
Musk se sentou no banco ao lado de Ashok Elluswamy, diretor do
software de Autopilot da Tesla. Shroff se acomodou no banco de trás
com mais dois membros da equipe, Matt Bauch e Chris Payne. O trio
vinha trabalhando em mesas adjacentes na Tesla havia oito anos, e todos
eles moravam a poucas quadras uns dos outros em São Francisco. Nas
mesas, onde a maioria das pessoas tinha retratos das respectivas famílias,
todos eles tinham fotos idênticas dos três posando juntos em uma festa
de Halloween. James Musk tinha sido o quarto membro da equipe, até o
tio comprar o Twitter e levá-lo para lá, o mesmo destino que Shroff
conseguiu evitar.
Enquanto eles se preparavam para sair do estacionamento do
complexo da Tesla em Palo Alto, Musk escolheu uma localização no
mapa para servir de destino do carro, clicou em Direção Totalmente
Autônoma e tirou as mãos do volante. Quando o carro entrou na via
principal, surgiu o primeiro desafio assustador: um ciclista estava vindo
no caminho deles. “Todos nós seguramos a respiração, porque ciclistas
podem ser imprevisíveis”, diz Shroff. No entanto, Musk estava tranquilo
e não tentou pegar o volante. Por conta própria, o carro esperou.
“Pareceu exatamente o que um motorista humano faria”, diz Shroff.
Shroff e os dois integrantes de sua equipe explicaram em detalhes
como o software de Direção Totalmente Autônoma usado por eles tinha
sido treinado com milhões de trechos de vídeo coletados por câmeras de
carros de clientes. O resultado era um software com um conjunto de
soluções bem mais simples do que o tradicional baseado em milhares de
regras programadas por humanos. “Ele roda dez vezes mais rápido e em
última instância poderia permitir apagar 300 mil linhas de código”, disse
Shroff. Bauch disse que era como um robô de IA jogando um
videogame muito chato. Musk deixou escapar uma risada. Depois,
enquanto o carro se movia por conta própria em meio ao tráfego, ele
pegou o celular e começou a tuitar.
Durante vinte minutos, o carro dirigiu em vias rápidas e ruas menos
movimentadas, fazendo curvas complexas e evitando ciclistas, pedestres
e animais. Musk não tocou no volante sequer uma vez. Ele só interveio
umas poucas vezes pisando no acelerador ao achar que o carro estava
sendo cauteloso demais — por exemplo, quando o veículo foi
excessivamente respeitoso num cruzamento sem semáforo. A certa
altura, o carro realizou uma manobra que ele achou melhor do que ele
próprio teria feito. “Ah, uau”, disse Musk, “até a minha rede neural
humana falhou aqui, mas o carro fez a coisa certa”. Ele ficou tão feliz
que começou a assobiar a serenata em sol maior de Mozart, “Eine kleine
Nachtmusik”.
“Trabalho sensacional, pessoal”, disse Musk no final. “Realmente
impressionante.” Depois, todos foram para a reunião semanal da equipe
do Autopilot, na qual vinte engenheiros, quase todos com camisetas
pretas, estavam sentados em volta de uma mesa de reuniões para ouvir o
veredito. Muitos não tinham acreditado que o projeto da rede neural
funcionaria. Musk declarou que passara a levar fé no projeto e que eles
deveriam deslocar muitos recursos para acelerá-lo.
Durante a discussão, Musk se ateve a um fato fundamental
descoberto pela equipe: a rede neural só funcionava bem se treinada com
pelo menos 1 milhão de trechos de vídeo, e começava a ficar realmente
boa depois de 1,5 milhão de clipes. Isso dava à Tesla uma imensa
vantagem sobre outras empresas automotivas e de IA. A empresa tinha
uma frota de quase 2 milhões de Teslas rodando pelo mundo e
coletando bilhões de frames de vídeo por dia. “Estamos numa condição
única para fazer isso”, disse Elluswamy na reunião.
A capacidade de coletar e analisar imensos fluxos de dados em tempo
real seria crucial para todas as formas de IA, desde carros autônomos até
robôs Optimus, passando por robôs como o ChatGPT. E Musk passara
a ter duas fontes poderosas de dados em tempo real, os vídeos dos carros
autônomos e os bilhões de posts feitos toda semana no Twitter. Ele disse
na reunião do Autopilot que tinha acabado de fazer uma compra grande
de mais de 10 mil chips GPUs para processamento de dados, e anunciou
que faria reuniões mais frequentes sobre chips potencialmente mais
poderosos para o Dojo que estavam sendo projetados na Tesla. Musk
também admitiu, com remorso, que a travessura de eviscerar o data
center do Twitter em Sacramento no Natal fora um erro.
Um superastro da engenharia de IA estava ouvindo a reunião. Musk
tinha acabado de contratá-lo naquela semana para um novo projeto
secreto prestes a ser lançado.
capítulo 94
IA para humanos
X. AI, 2023

Em Austin com Shivon Zilis e os gêmeos, Strider e Azure


A grande corrida
Revoluções tecnológicas geralmente começam com pouco estardalhaço.
Em 1760, ninguém acordou certa manhã e gritou: “Meu Deus, começou
a Revolução Industrial!” Com a Revolução Digital também foi assim,
por muitos anos desenrolou-se em segundo plano, com pessoas que, por
hobby, montavam computadores pessoais para exibir em reuniões de
geeks como o Homebrew Computer Club, antes de todos se darem
conta de que o mundo estava passando por uma transformação
fundamental. Contudo, a Revolução da Inteligência Artificial foi
diferente. Em questão de poucas semanas no primeiro semestre de 2023,
milhões de pessoas antenadas em tecnologia, e em seguida os cidadãos
comuns, perceberam que havia uma transformação acontecendo a uma
velocidade atordoante, capaz de mudar a natureza do trabalho, do
aprendizado, da criatividade e das tarefas do cotidiano.
Por uma década, Musk vinha se preocupando com o perigo de um dia
a inteligência artificial sair de controle — desenvolver uma mente
própria, por assim dizer — e ameaçar a humanidade. Quando o
cofundador do Google Larry Page desdenhou das preocupações dele,
chamando Musk de “especista” por favorecer a prevalência da espécie
humana sobre outras formas de inteligência, a amizade deles acabou.
Musk tentou impedir que Page e o Google comprassem a DeepMind, a
empresa fundada pelo pioneiro da IA, Demis Hassabis. Após não ter
conseguido, Musk fundou um laboratório concorrente, uma organização
sem fins lucrativos chamada OpenAI, com Sam Altman em 2015.
Humanos podem ser mais difíceis de lidar do que máquinas, e,
quando Musk acabou rompendo com Altman, deixou o conselho da
OpenAI e levou consigo o renomado engenheiro Andrej Karpathy para
liderar a equipe do Autopilot na Tesla. Em seguida, Altman criou um
braço empresarial da OpenAI, conseguiu um investimento da Microsoft
de 13 bilhões de dólares e chamou Karpathy de volta.
Entre os produtos que a OpenAI desenvolveu estava um robô
chamado ChatGPT, que foi treinado com grandes conjuntos de dados
da internet para responder a perguntas feitas pelos usuários. Quando
Altman e a equipe dele mostraram uma versão preliminar do robô para
Bill Gates em junho de 2022, este disse que só se interessaria se a
máquina fosse capaz de algo como passar em um AP Test de biologia,
exames para estudantes que pretendem entrar numa universidade.
“Achei que eles fossem passar uns dois ou três anos longe”, diz Gates.
Na verdade, eles voltaram em três meses. Altman, o CEO da Microsoft,
Satya Nadella, e outros foram jantar na casa do cofundador da Microsoft
para mostrar uma nova versão, chamada ChatGPT-4, e ele bombardeou
o programa com perguntas de biologia. “Foi impressionante”, relata
Gates. Em seguida, Gates perguntou o que o robô diria a um pai com
um filho doente. “Ele deu uma resposta excelente, supercuidadosa,
talvez melhor do que qualquer um de nós naquela sala pudesse dar.”
Em março de 2023, a OpenAI lançou o ChatGPT-4 para o público.
O Google então lançou um chatbot rival chamado Bard. Dessa forma,
estava pronto o cenário para uma competição entre OpenAI-Microsoft
e DeepMind-Google para criar produtos que pudessem conversar com
humanos de uma maneira natural e desempenhar uma gama sem fim de
tarefas intelectuais baseadas em texto.
Musk tinha receio de que esses chatbots e sistemas de Inteligência
Artificial pudessem, especialmente nas mãos da Microsoft e do Google,
se tornar politicamente doutrinados, talvez até infectados por aquilo que
ele chamava de vírus da mentalidade woke. Ele também temia que
sistemas de IA de autoaprendizagem se tornassem hostis à espécie
humana. E, num nível mais imediato, preocupou-se com a possibilidade
de que chatbots fossem treinados para inundar o Twitter com
desinformação, reportagens tendenciosas e fraudes financeiras. Todas
essas coisas já estavam sendo feitas por humanos, é óbvio, mas a
capacidade de usar milhares de chatbots como armas pioraria o
problema em duas ou três ordens de magnitude.
A compulsão de Musk por resolver o problema entrou em cena. Ele
chegou à conclusão de que a competição bilateral entre a OpenAI e o
Google precisava de um terceiro gladiador, um que pensasse na
segurança da IA e na preservação da humanidade. Ele ficou ressentido
pelo fato de ter fundado e financiado a OpenAI, mas ter sido deixado de
fora. A IA era a maior tempestade no horizonte. E ninguém era mais
atraído por uma tempestade do que Musk.
Em fevereiro de 2023, convidou — talvez “convocou” seja uma
palavra mais adequada — Sam Altman para se encontrar com ele no
Twitter e pediu que levasse os documentos da fundação da OpenAI.
Musk desafiou-o a justificar como ele pôde transformar legalmente uma
organização sem fins lucrativos financiada por doações em uma empresa
com fins lucrativos que ganhava milhões. Altman tentou comprovar que
tudo estava dentro da lei, e insistiu que ele próprio não era acionista nem
estava tirando vantagem disso. Altman também ofereceu a Musk ações
na nova empresa, o que ele recusou.
Em vez disso, Musk desandou a atacar a OpenAI e Altman. “A
OpenAI foi criada como uma empresa de código aberto (foi por isso que
eu a batizei de ‘Open’AI), sem fins lucrativos, para servir como
contrapeso ao Google, mas então ela se tornou uma empresa de software
proprietário voltada para o lucro máximo e efetivamente controlada pela
Microsoft”, disse ele. “Ainda não entendi como uma empresa sem fins
lucrativos para a qual eu doei 100 milhões de dólares de algum modo
virou uma empresa com fins lucrativos cujo valor estimado é de 30
bilhões de dólares. Se é legal, por que todo mundo não faz isso?” Musk
chamou a IA de “a mais poderosa ferramenta que a humanidade já
criou” e lamentou que ela estivesse “agora nas mãos de um monopólio
corporativo implacável”.
Altman ficou chateado. Ao contrário de Musk, ele é um sujeito
sensível e não gosta de confrontos. Altman não estava ganhando
dinheiro com a OpenAI, e achou que Musk não tinha se aprofundado o
suficiente na complexidade da questão da segurança da IA. No entanto,
considerou que as críticas dele vinham de uma preocupação sincera. “Ele
é um cretino”, disse para Kara Swisher. “Ele tem um estilo que não é o
tipo de estilo que eu gostaria de ter. Mas acho que se importa de verdade
e está muito estressado com o futuro da humanidade.”

Os fluxos de dados de Musk


O combustível da IA são dados. Os novos chatbots estavam sendo
treinados com quantidades imensas de informação, como bilhões de
páginas na internet e outros documentos. O Google e a Microsoft, com
seus sistemas de busca, serviços de nuvem e acesso a e-mails, tinham
fontes gigantescas de dados para ajudar a treinar esses sistemas.
Com o que Musk podia contribuir? Um ativo era o feed do Twitter,
que incluía mais de 1 trilhão de tuítes postados ao longo dos anos, 500
milhões por dia. Era a consciência coletiva da humanidade, o conjunto
de dados mais atualizado da vida real, com conversas, notícias,
interesses, tendências, discussões e gírias. Além disso, era um ótimo
terreno para um chatbot testar como humanos de verdade reagiam às
respostas do programa. Musk não levou em consideração o valor desse
feed de dados quando comprou o Twitter. “Foi um benefício colateral,
na verdade, que eu só percebi depois da aquisição”, diz ele.
O Twitter tinha sido bastante permissivo em relação a outras
empresas usarem o fluxo de dados gerado por ela. Em janeiro, Musk
convocou uma série de reuniões de fim de noite em sua sala de
conferências do Twitter para descobrir modos de cobrar por isso. “É
uma oportunidade de monetização”, disse ele aos engenheiros. Era
também um jeito de restringir o acesso do Google e da Microsoft a esses
dados, que podiam ser usados para aprimorar os respectivos chatbots.
Musk tinha outro tesouro de dados: os 160 bilhões de frames diários
de vídeos que a Tesla recebia e processava das câmeras em seus carros.
Esses dados eram diferentes dos documentos baseados em texto que
informavam os chatbots. Eram provenientes de vídeos de humanos
agindo em situações do mundo real. Isso poderia ajudar a criar IA para
robôs físicos, não apenas chatbots capazes de gerar textos.
O santo graal da inteligência artificial geral era construir máquinas
capazes de operar como humanos em espaços físicos, como em fábricas,
escritórios e na superfície de Marte, e não que pudessem simplesmente
causar perplexidade ao conversar de forma virtual. A Tesla e o Twitter,
juntos, poderiam oferecer os conjuntos de dados e a capacidade de
processamento para ambas as propostas: ensinar máquinas a agir em
espaços físicos e a responder a perguntas em linguagem natural.
Os idos de março
“O que pode ser feito para tornar a IA segura?”, perguntou Musk.
“Continuo me debatendo com isso. O que podemos fazer para
minimizar os riscos da IA e garantir que a consciência humana
sobreviva?”
Ele estava em Austin, sentado de pernas cruzadas e pés descalços ao
lado da piscina da casa de Shivon Zilis, a executiva da Neuralink com
quem teve dois filhos e com quem conversava sobre inteligência artificial
desde a fundação da OpenAI, oito anos antes. Os gêmeos, Strider e
Azure, com 1 ano e 4 meses, estavam no colo deles. Musk continuava
fazendo a dieta de jejum intermitente; no brunch tardio, comeu donuts,
algo que tinha começado a ingerir regularmente. Zilis fez café e colocou
a xícara dele no micro-ondas para superaquecer, de modo que Musk não
tomasse rápido demais.
Uma semana antes, ele tinha me mandado uma mensagem: “Tem
algumas coisas importantes que eu queria conversar com você. Só dá
para ser pessoalmente.” Quando perguntei onde e quando ele queria me
encontrar, respondeu: “Nos idos de março, em Austin.”
Fiquei perplexo e, admito, um pouco preocupado. Eu deveria ter
cuidado? No fim das contas, Musk queria falar sobre questões que estava
prevendo para o futuro, e a principal era a IA. Tivemos que deixar os
celulares dentro da casa enquanto conversávamos do lado de fora,
porque, segundo ele, alguém podia usá-los para monitorar nosso papo.
Depois, porém, concordou que eu colocasse no livro o que ele disse
sobre IA.
Musk falou baixo e num tom monocórdio pontuado por acessos de
riso quase maníacos. A quantidade de inteligência humana, observou
ele, estava num platô, porque as pessoas não estavam tendo filhos o
bastante. Enquanto isso, a quantidade de inteligência computacional
crescia exponencialmente, como numa Lei de Moore anabolizada. Em
certo momento, a capacidade do cérebro biológico seria muito menor do
que a capacidade do cérebro digital.
Além disso, os novos sistemas de IA com aprendizagem automática
eram capazes de ingerir informações por conta própria e instruir-se
sozinhos a gerar resultados, inclusive a melhorar a programação e as
capacidades. O termo “singularidade” foi usado pelo matemático John
von Neumann e pelo escritor de ficção científica Vernor Vinge para
descrever o momento em que a inteligência artificial se tornaria capaz de
seguir em frente por conta própria em um ritmo incontrolável, deixando
os meros humanos para trás. “Isso pode acontecer antes do que a gente
esperava”, disse Musk num tom sinistro.
Por um momento, me vi chocado com a estranheza da cena. Nós
estávamos sentados no quintal de uma casa de subúrbio ao lado de uma
piscina tranquila num dia ensolarado de primavera, com dois gêmeos de
olhos cintilantes que estavam aprendendo a andar, enquanto Musk
soturnamente especulava sobre a janela de oportunidade para construir
uma colônia humana sustentável em Marte antes que a IA causasse um
apocalipse e destruísse a civilização terrestre. Isso me fez lembrar das
palavras de Sam Teller no segundo dia trabalhando para Musk, quando
ele participou de uma reunião de conselho da SpaceX: “Eles estavam
sentados discutindo a sério planos para construir uma cidade em Marte
e o que as pessoas vestiriam lá, e todo mundo agia como se fosse uma
conversa totalmente normal.”
Musk ficou absorto em um de seus longos silêncios. Segundo Shivon,
ele estava fazendo “processamento em lote”, uma referência ao modo
como computadores antigos enfileiravam várias tarefas e as executavam
em sequência quando havia poder de processamento necessário
disponível. “Eu não posso simplesmente ficar sentado sem fazer nada”,
disse ele depois de um tempo, com tranquilidade. “Com a IA chegando,
estou meio que refletindo se vale a pena passar tanto tempo pensando no
Twitter. Claro, é provável que eu pudesse transformar o Twitter na
maior instituição financeira do mundo. No entanto, tenho uma
quantidade limitada de atividade cerebral e de horas num dia. Quer
dizer, não preciso ficar mais rico nem nada.”
Comecei a falar, mas Musk sabia o que eu ia perguntar. “No que,
então, eu deveria gastar o meu tempo?”, disse ele. “Lançar a Starship.
Chegar a Marte agora é bem mais urgente.” Ele fez outra pausa e depois
acrescentou: “Além disso, preciso me concentrar em tornar a IA segura.
É por isso que estou fundando uma empresa de IA.”
X.AI
Musk batizou sua nova empresa de X.AI e recrutou pessoalmente Igor
Babuschkin, um pesquisador de ponta de IA na unidade DeepMind do
Google, para ser o chefe de engenharia. A X.AI inicialmente abrigaria
parte dos novos funcionários no Twitter. No entanto, Musk disse que
seria necessário transformá-la numa startup independente, como a
Neuralink. Ele estava tendo certo problema para recrutar cientistas de
IA porque o frenesi recente sobre o tema significava que qualquer um
com experiência podia exigir bônus iniciais de 1 milhão de dólares ou
mais. “Vai ser mais fácil contratar essas pessoas se elas puderem se tornar
fundadoras de uma nova empresa e receber participações dela”, explicou
ele.
Calculei que isso significava que ele dirigiria seis empresas: Tesla,
SpaceX e a unidade Starlink, Twitter, The Boring Company, Neuralink
e X.AI. Isso era três vezes mais do que Steve Jobs no ápice (Apple e
Pixar).
Musk admitiu que estava começando bem atrás da OpenAI na
criação de um chatbot capaz de oferecer respostas a perguntas em
linguagem natural. Contudo, o trabalho da Tesla com carros autônomos
e com o robô Optimus colocava a empresa bem adiantada no
desenvolvimento do tipo de IA necessário para agir no mundo físico.
Isso significava que os engenheiros que trabalhavam com Musk estavam,
na verdade, na frente da OpenAI para criar inteligência artificial geral
plena, o que exige ambas as habilidades. “A IA da vida real da Tesla é
subestimada”, disse Musk. “Imagine se a Tesla e a OpenAI tivessem que
trocar de tarefas. Eles teriam que fazer carros autônomos e nós teríamos
que fazer grandes chatbots com modelo de linguagem. Quem ganharia?
Nós.”
Em abril, Musk deu três metas principais a Babuschkin e à equipe
dele. A primeira era produzir um robô de IA que pudesse escrever
programação de computador. Um programador poderia começar a
escrever em qualquer linguagem de programação, e o robô de IA
autocompletaria a tarefa com a ação mais provável que eles estivessem
tentando realizar. A segunda meta seria um chatbot que concorresse
com a série GPT da OpenAI, um que usasse algoritmos e fosse treinado
com conjuntos de dados que assegurassem neutralidade política.
A terceira meta que Musk deu à equipe era ainda mais grandiosa. A
missão primordial dele sempre foi assegurar que a IA se desenvolvesse
de modo que ajudasse a garantir que a consciência humana perdurasse.
A melhor forma de alcançar isso, imaginou ele, era criando uma forma
de inteligência artificial geral que pudesse “raciocinar” e “pensar” e tentar
descobrir a “verdade” como princípio norteador. As pessoas deveriam
poder requisitar grandes tarefas à IA, como: “Construa um motor de
foguete melhor.”
Algum dia, Musk tinha esperanças, a IA poderia lidar com questões
ainda mais grandiosas e mais existenciais. Seria uma “IA de máxima
busca pela verdade. Ela se importaria em compreender o Universo, e isso
provavelmente a levaria a querer preservar a humanidade, porque nós
somos uma parte interessante do Universo”. Isso soava um pouco
familiar, e então percebi o porquê. Ele estava embarcando numa missão
semelhante àquela relatada na Bíblia que lhe influenciou a formação
(talvez demais?) na infância, o livro que o tirou da depressão existencial
na adolescência: O guia do mochileiro das galáxias, que falava de um
supercomputador projetado para descobrir “a resposta para a pergunta
definitiva sobre a vida, o Universo e tudo o mais”.
capítulo 95
O lançamento da Starship
SpaceX, abril de 2023

Musk, Juncosa e McKenzie na sacada de um galpão em Boca Chica (no alto, à


esquerda); observando o lançamento da Starship da sala de controle (no alto, à
direita); com Griffin e X na sala de controle (à esquerda, embaixo); com
Grimes e Tau do lado de fora da sala de controle (à direita, embaixo)
Negócio arriscado
“Meu estômago está embrulhado”, disse Musk para Mark Juncosa
enquanto os dois estavam na sacada do galpão de montagem de oitenta
metros de altura na Starbase. “Sempre fico assim antes de um
lançamento importante. Sofro do Transtorno do Estresse Pós-
Traumático por causa dos fracassos em Kwaj.”
Era abril de 2023, momento do lançamento experimental da
Starship. Quando chegou ao sul do Texas, Musk fez o que geralmente
fazia antes de um lançamento importante de foguete, desde o primeiro
deles, ocorrido dezessete anos antes: ele se fechou no futuro. Ficou
bombardeando Juncosa com ideias e éditos sobre substituir as tendas de
montagem da Starbase, que tinham o tamanho de quatro campos de
futebol, por uma fábrica gigantesca que pudesse fabricar mais de um
foguete por mês. Eles deveriam começar a construir a fábrica
imediatamente, junto com uma nova vila de casas com telhados solares
para os trabalhadores. Criar um foguete como a Starship era difícil, mas
Musk sabia que o passo mais importante era ser capaz de produzir em
escala. Um dia, seria necessário ter uma frota de mil foguetes para
sustentar uma colônia humana em Marte. “Minha maior preocupação é
com a nossa trajetória. Estamos na trajetória para chegar a Marte antes
que a civilização desmorone?”
Quando os demais engenheiros se encontraram com eles para uma
revisão de processo de três horas antes do lançamento na sala de
conferências no alto do galpão, Musk fez um discurso motivacional.
“Tenham em mente que, apesar de todas as tribulações, vocês estão
trabalhando na coisa mais legal da Terra. De longe. Qual é a segunda
coisa mais legal? Isso aqui é muito mais legal do que a segunda coisa
mais legal, seja lá o que for.”
A conversa então passou para os riscos envolvidos. As agências
reguladoras que precisavam aprovar o teste de voo, que vinham a ser,
mais ou menos, uma dúzia, não compartilhavam o amor que Musk
sentia. Os engenheiros deram a ele um resumo de todas as revisões de
segurança e exigências que precisaram enfrentar. “Conseguir a licença
foi absolutamente sacal”, disse Juncosa. Shana Diez e Jake McKenzie
deram detalhes. “Meu cérebro está doendo”, falou Musk, segurando a
cabeça. “Quero saber como é possível levar a humanidade a Marte com
toda essa besteirada.”
Ele processou as informações em silêncio por dois minutos e, quando
saiu do transe, estava filosófico. “É assim que uma civilização entra em
declínio. Ela deixa de correr riscos. E, ao deixar de correr riscos, as
artérias dela enrijecem. A cada ano há mais gente julgando e menos
gente executando. É por isso que os Estados Unidos não conseguiram
mais construir coisas como trens de alta velocidade ou foguetes para ir à
Lua. “Quando você tem sucesso por tempo demais, perde o desejo de
correr riscos.”

“Um dia fantástico”


A contagem regressiva naquela segunda-feira foi interrompida quando
restavam apenas quarenta segundos, por causa de um problema em uma
válvula, e o lançamento foi remarcado para dali a três dias: 20 de abril.
Seria a data intencional (4/20, na leitura de datas em inglês), mais uma
referência ao meme da maconha, assim como a oferta de Musk de 420
dólares para fechar o capital da Tesla e a de 54,20 dólares para comprar
o Twitter? Na verdade, os fatores que mais pesaram foram a previsão do
tempo e a rapidez, mas Musk, que vinha dizendo havia semanas que o
dia 20 de abril estava “fadado” a ser a data de lançamento, achou
divertido. O cineasta Jonah Nolan, que documentava a missão, tinha
uma máxima segundo a qual o resultado mais irônico é o mais provável.
Musk acrescentou seu corolário: “O resultado mais divertido é o mais
provável.”
Musk tinha ido para Miami depois que a primeira contagem
regressiva foi abortada, pois ia falar numa conferência de publicidade e
tranquilizar as pessoas do meio sobre os planos dele para o Twitter. Ele
voltou a Boca Chica pouco depois da meia-noite do dia 20 de abril,
dormiu por três horas, depois tomou um Red Bull e foi para a sala de
controle de lançamento às quatro e meia, faltando quatro horas para o
lançamento. Quarenta engenheiros e funcionários da operação de voos,
muitos deles com camisetas com os dizeres ocupe marte!, estavam
sentados em fileiras de painéis num edifício com proteção térmica que
dava visão para o ponto de lançamento, a dez quilômetros dali, depois de
uma área de pântano. Quando o dia raiou, Grimes chegou com X, Y e o
novo bebê do casal, Techno Mechanicus, conhecido como Tau.
Meia hora antes do horário previsto para o lançamento, Juncosa saiu
para o deque e informou a Musk sobre uma questão que um dos
sensores tinha detectado. Musk processou a informação por alguns
segundos e declarou: “Não acho que seja um risco.” Juncosa fez uma
dancinha rápida e disse “Perfeito!”, e então correu de volta para a sala de
controle. Musk foi atrás pouco depois e sentou-se diante de um painel
da primeira fileira, assobiando a “Ode à alegria”, de Beethoven.
Depois de uma breve pausa quarenta segundos antes do lançamento
para fazer as últimas avaliações, Musk fez um ligeiro sinal com a cabeça
e a contagem regressiva continuou. Na ignição, foi possível ver pela
janela da sala de controle e em uma dúzia de monitores as chamas dos
33 motores Raptor. O foguete levantou muito lentamente. “Puta que
pariu, está subindo!”, gritou Musk e, em seguida, saltou da cadeira e
correu para o deque a tempo de ouvir o ruído estrondoso da decolagem.
Por mais de três minutos, o foguete subiu no ar até sair de vista.
Entretanto, quando Musk entrou, estava nítido no monitor que o
foguete oscilava. Dois dos motores tinham sido desligados depois de
apresentarem problemas segundos antes da decolagem. Com isso,
ficaram 31 motores no propulsor, o que deveria ser suficiente para
completar a missão. No entanto, trinta segundos depois do lançamento,
mais dois motores no entorno do propulsor explodiram devido a
vazamento de combustível numa válvula aberta, e o fogo começou a se
espalhar para os nichos de motores adjacentes. O foguete continuou
subindo, mas estava evidente àquela altura que ele não entraria em
órbita. Os protocolos exigiam que eles intencionalmente explodissem o
foguete sobre o mar aberto, onde não representaria um perigo. Musk
acenou para o diretor de lançamento, que enviou um “sinal de
destruição” para o foguete três minutos e dez segundos depois do
lançamento. Após 48 segundos, o vídeo enviado pelo foguete ficou
preto, assim como aconteceu nos três primeiros lançamentos em Kwaj.
Mais uma vez, a equipe pôde usar a frase levemente irônica
“desmontagem rápida não programada” para descrever o que tinha
acontecido.
Ao rever os vídeos da decolagem, ficou nítido para eles que as
explosões dos motores Raptor tinham estilhaçado a base de lançamento,
fazendo com que pedaços imensos de concreto voassem pelos ares.
Alguns dos motores podem ter sido atingidos pelos detritos.
Musk, como sempre, tinha se mostrado disposto a correr alguns
riscos. Quando construiu a base de lançamento, em 2020, decidiu não
cavar um fosso para comportar as chamas embaixo da plataforma, como
acontece na maioria das bases, o que teria impedido que a explosão
prejudicasse os motores. “Isso pode ser um erro”, disse ele na época.
Além disso, no começo de 2023, a equipe da base de lançamento tinha
começado a construir uma grande placa de aço que ficaria sobre a
fundação da plataforma e seria resfriada por jatos de água. Entretanto, a
placa não ficou pronta a tempo do lançamento, e Musk calculou, com
base em dados dos testes de ignição estática, que o concreto de alta
densidade resistiria.
Assim como no caso da decisão de não incluir estabilizadores de
combustível no Falcon 1, assumir esses riscos acabou se revelando um
erro. É improvável que a NASA ou a Boeing, cujas abordagens
priorizam a segurança, tivessem tomado decisões como essas. No
entanto, Musk acreditava numa abordagem de construção de foguetes
em que era preferível falhar rápido. Correr riscos. Aprender explodindo
as coisas. Revisar. Repetir. “Não queremos fazer um projeto para
eliminar todos os riscos”, disse. “Senão, nunca vamos chegar a lugar
algum.”
Ele tinha declarado de antemão que consideraria o lançamento
experimental um sucesso caso o foguete saísse da plataforma, subisse o
suficiente para explodir fora do campo de visão e fornecesse muitas
informações e dados úteis. Essas metas foram atingidas. No entanto, o
foguete explodiu. A maior parte do público consideraria um tremendo
fracasso. E, por um momento, enquanto olhava o monitor, Musk
pareceu derrotado.
O resto da sala de controle, porém, começou a aplaudir. Eles estavam
em júbilo pelo que tinham conseguido fazer e aprender. Musk por fim se
levantou, colocou as mãos sobre a cabeça e se virou para a sala. “Bom
trabalho, pessoal”, disse. “Sucesso. Nosso objetivo era sair da plataforma
e explodir fora do campo de visão, e nós conseguimos isso. Tem muita
coisa que pode dar errado na tentativa de chegar à órbita na primeira
vez. Hoje é um dia fantástico.”

***

Naquela noite, mais ou menos cem funcionários da SpaceX e amigos se


reuniram no Tiki Bar da Starbase para uma festa semicomemorativa
com direito a leitão assado na brasa e dança. Atrás do palco havia
algumas Starships antigas, cujo aço inoxidável refletia as luzes da festa, e
Marte, brilhante e vermelho, surgiu no céu noturno acima deles como se
tivesse sido tudo combinado.
De um dos lados do gramado, Gwynne Shotwell conversava com
Hans Koenigsmann, o quarto funcionário da SpaceX, que a levara para
conversar com Musk 21 anos antes. Koenigsmann, um veterano dos
lançamentos em Kwaj, tinha ido ao sul do Texas por conta própria para
assistir a esse lançamento como espectador. Ele não via Musk desde o
lançamento do Inspiration4, em 2021, quando estava sendo afastado aos
poucos da empresa. Pensou em dizer um oi, mas acabou desistindo.
“Elon não é do tipo que fica olhando para trás e sendo sentimental”,
disse Koenigsmann. “Ele não tem muito essa empatia.”
Musk e Grimes se sentaram diante de uma das mesas de piquenique
com Maye, que tinha chegado tarde na véspera, depois de comemorar o
aniversário de 75 anos em Nova York. Ela se lembrou de quando era
criança e os pais levavam a família, todo ano, para explorar o deserto do
Kalahari, na África do Sul. Elon tinha puxado a eles, disse Maye, uma
geração de pessoas que gostam de correr riscos que passou a
característica para a geração seguinte.
X foi andando até uma das fogueiras, e, quando Musk, gentilmente,
tentou afastá-lo, ele esperneou e gritou, insatisfeito com limites. Então
Musk o deixou ir. “Um dia, quando eu era novo, meus pais me disseram
para não brincar com fogo”, lembrou ele. “Então eu peguei uma caixa de
fósforos atrás de uma árvore e comecei a acendê-los.”

“Moldado pelas falhas”


A explosão da Starship era emblemática de Musk, uma boa metáfora
para a compulsão que ele tem de mirar alto, agir por impulso, assumir
riscos imensos e realizar feitos impressionantes — mas também de
explodir as coisas e deixar detritos fumegantes no rastro enquanto dá
risadas maníacas. A vida dele havia muito tempo era uma mistura de
realizações historicamente transformadoras e fracassos terríveis,
promessas quebradas e impulsos arrogantes. Tanto as conquistas quanto
os fracassos dele eram épicos. Isso fazia Musk ser reverenciado por fãs e
insultado por críticos, cada lado exibindo o fervor ardoroso e
hiperpolarizado da Era do Twitter.
Movido desde a infância por demônios e compulsões heroicas, ele
atiçava as controvérsias ao fazer declarações políticas inflamadas e
escolher lutas desnecessárias. Por vezes completamente possuído, ele
com frequência se impelia rumo à linha de Kármán da loucura, a
fronteira não muito clara que separa uma visão de uma alucinação. A
vida de Musk tinha escassez de estruturas para conter as chamas.
Nesses aspectos, o lançamento foi parte de uma semana típica, cheia
de uma disposição para correr o tipo de risco que dificilmente é aceito
em indústrias maduras ou por CEOs maduros.

***

Em uma reunião de resultados da Tesla naquela semana, ele dobrou a


aposta na estratégia de reduzir preços para aumentar o volume de
vendas, e mais uma vez previu, como em todos os anos desde 2016, que
a Direção Totalmente Autônoma estaria pronta em um ano.
Na conferência de vendas publicitárias de que ele participou em
Miami naquela semana, a pessoa que o entrevistou no palco, a diretora
de publicidade da NBC Universal, Linda Yaccarino, fez uma sugestão
em privado surpreendente: talvez ela fosse a pessoa que ele estivesse
procurando para gerir o Twitter. Eles nunca haviam se encontrado antes,
mas, desde a aquisição do Twitter, ela o enchia de mensagens de texto e
telefonemas com o objetivo de convencê-lo a ir à conferência.
“Tínhamos uma visão parecida sobre o que o Twitter poderia se tornar, e
eu queria ajudá-lo, por isso fiquei atrás dele para que me deixasse fazer a
entrevista em Miami”, diz Yaccarino. Ela organizou um jantar para
Musk naquela noite com uma dúzia de grandes anunciantes, e ele ficou
no jantar durante quatro horas. Musk percebeu que ela talvez fosse uma
opção perfeita: era superinteligente, queria muito o trabalho, entendia
de publicidade e de receitas de assinaturas e, além do mais, tinha a
coragem e o pragmatismo que simplificam as relações, como Gwynne
Shotwell fez na SpaceX. Musk, porém, não queria ceder muito controle.
“Eu teria que continuar trabalhando no Twitter”, disse para Yaccarino, o
que era um jeito educado de dizer que ele continuaria no comando. Ela
disse para ele pensar nisso como uma corrida de revezamento. “Você
constrói o produto, passa o bastão para mim e eu executo e vendo.”
Musk acabaria oferecendo a ela o título de CEO do Twitter, enquanto
permaneceria como presidente executivo e responsável pela parte de
tecnologia.
Na manhã do lançamento, ele acelerou os planos no Twitter de
remover a verificação da identidade com os selos azuis que antes eram
dados para celebridades, jornalistas e outras pessoas notáveis. Só quem
assinasse e pagasse uma taxa, algo que pouca gente fazia, teria o selo. O
que o guiou foi mais um senso de justiça moral exacerbado do que
considerar o que tornaria o serviço melhor para os usuários, e isso foi o
gatilho para paroxismos de indignação entre os usuários mais ativos
sobre quem desejava ou não e merecia ou não os selos de verificação.
Naquela semana, uma rodada final de estudos com animais foi
concluída na Neuralink e a empresa começou a trabalhar com a Food
and Drug Administration (agência federal do Departamento de Saúde e
Serviços Humanos dos Estados Unidos) para permitir que chips fossem
implantados no cérebro de humanos em testes. A aprovação chegaria
quatro semanas depois. Musk insistiu que a empresa realizasse
demonstrações públicas do progresso. “Queremos que o público veja
tudo que estamos fazendo”, disse para a equipe. “Isso vai levar as pessoas
a nos apoiar. Foi por isso que transmitimos ao vivo o lançamento da
Starship, mesmo cientes da probabilidade de que em algum momento
ela viesse a explodir.”
Depois de mais um test drive na Tesla, ele declarou que estava então
convencido de que deviam apostar tudo na IA mediante o uso do
planejador de rotas de rede neural que estava sendo desenvolvido por
Dhaval Shroff e seus colegas de equipe, capaz de aprender, por meio de
vídeos, a imitar um bom motorista humano. Ele disse para a equipe criar
uma rede neural integrada para Direção Totalmente Autônoma. Assim
como o ChatGPT é capaz de prever as próximas palavras de uma
conversa, o sistema de IA do FDS pega imagens das câmeras de carros e
prevê as ações seguintes para o volante e os pedais.
Uma cápsula Dragon da SpaceX partiu da Estação Espacial
Internacional e aterrissou na água em segurança perto da costa da
Flórida. Continuava sendo o único veículo norte-americano capaz de
subir até a estação espacial e voltar, como tinha feito um mês antes com
quatro astronautas, entre os quais um da Rússia e um do Japão, e como
faria novamente quatro semanas depois.

***

Será que a ousadia e a insolência que movem Musk a tentar façanhas


épicas justificam o mau comportamento, a indiferença, a imprudência
dele? As vezes que ele age como um cretino? A resposta é não, óbvio que
não. É possível admirar as boas qualidades de uma pessoa e lamentar as
más. Contudo, também é importante compreender como os fios estão
entrelaçados, às vezes de maneira que se torna impossível separá-los.
Pode ser difícil retirar as características ruins sem desfazer a trama toda.
Como Shakespeare nos ensina, todo herói tem falhas, algumas trágicas,
algumas conquistadas, e aqueles que vemos como vilões podem ser
figuras complexas. Mesmo as melhores pessoas, escreveu ele, são
“moldadas por suas faltas”.
Durante a semana do lançamento, Antonio Gracias e outros amigos
falaram com Musk sobre a necessidade de ele conter os ímpetos e os
instintos destrutivos. Para que de fato liderasse uma nova era de
exploração espacial, disseram, Musk precisava ser mais nobre, pairar
acima das discussões políticas. Eles lembraram a ocasião em que Gracias
trancou o celular de Musk num cofre de hotel a noite toda e digitou a
senha, de modo que Musk não tivesse como retirá-lo de lá para tuitar de
madrugada — Musk acordou às três da manhã e chamou a segurança do
hotel para abrir o cofre. Depois do lançamento, ele demonstrou um
toque de autoconsciência. “Atirei tantas vezes no meu pé que eu devia
comprar botas Kevlar”, brincou Musk. Talvez, cogitou ele, o Twitter
devesse ter um botão de delay para controlar os impulsos.
Era um conceito agradável: um botão de controle de impulsos que
pudesse desarmar os tuítes de Musk e também todas as ações impulsivas
negativas e as eclosões do lado demoníaco dele que deixam um rastro de
destroços. Entretanto, será que um Musk cheio de limites conseguiria
fazer o mesmo que um Musk sem freios? Será que a ausência de filtros e
restrições eram parte essencial de quem ele é? Teria como colocar
foguetes em órbita ou fazer a transição para veículos elétricos sem
aceitar todos os aspectos de Musk, estivessem eles atrelados um ao outro
ou não? Às vezes, grandes inovadores são homens com jeito de criança,
que gostam de correr riscos e resistem ao peniquinho. Eles podem ser
imprudentes, causar vergonha alheia e até mesmo ser tóxicos. Podem ser
loucos também. Loucos o suficiente para achar que podem mudar o
mundo.

Com Grimes e Maye depois do lançamento


agradecimentos

Elon Musk permitiu que eu o seguisse por dois anos, me convidou para
participar de reuniões, concedeu dezenas de entrevistas e conversas tarde
da noite, me forneceu e-mails e mensagens de celular e incentivou os
colegas, a família, adversários e ex-esposas a falar comigo. Ele não me
pediu para ler, nem leu, o livro antes de ser publicado e não exerceu
nenhum tipo de controle sobre a obra.
Sou grato a todas as pessoas citadas nas fontes que me concederam
entrevistas. Gostaria de destacar algumas que me ajudaram em especial,
cederam fotos e me direcionaram: Maye Musk, Errol Musk, Kimbal
Musk, Justine Musk, Claire Boucher (Grimes), Talulah Riley, Shivon
Zilis, Sam Teller, Omead Afshar, James Musk, Andrew Musk, Ross
Nordeen, Dhaval Shroff, Bill Riley, Mark Juncosa, Kiko Dontchev, Jehn
Balajadia, Lars Moravy, Franz von Holzhausen, Jared Birchall e
Antonio Gracias.
Crary Pullen foi a intrépida editora de fotografia, papel que já exerceu
em muitos dos meus livros anteriores. Todos foram publicados pela
Simon & Schuster, que terá para sempre minha lealdade, por seus
valores e pela grande equipe: Priscilla Painton, Jonathan Karp, Hana
Park, Stephen Bedford, Julia Prosser, Marie Florio, Jackie Seow, Lisa
Rivlin, Kris Doyle, Jonathan Evans, Amanda Mulholland, Irene
Kheradi, Paul Dippolito, Beth Maglione e o espírito sempre presente da
falecida Alice Mayhew. Judith Hoover, mesmo aposentada, atendeu a
meu pedido para mais uma vez fazer o copidesque. Quero também
agradecer à minha agente, Amanda Urban, assim como a suas colegas
internacionais Helen Manders e Peppa Mignone, e à minha assistente
em Tulane, Lindsey Billips.
E, como sempre, a Cathy e Betsy.
fontes

entrevistas
Omead Afshar. Homem de confiança de Musk.
Parag Agrawal. Ex-CEO do Twitter.
Deepak Ahuja. Ex-CFO da Tesla.
Sam Altman. Cofundador da OpenAI com Musk.
Drew Baglino. Vice-presidente sênior da Tesla.
Jehn Balajadia. Assistente de Musk.
Jeremy Barenholtz. Chefe de software de interfaces com o cérebro da
Neuralink.
Melissa Barnes. Ex-vice-presidente do Twitter para a América Latina e
o Canadá.
Leslie Berland. Ex-diretora de marketing do Twitter.
Kayvon Beykpour. Ex-chefe de produto no Twitter.
Jeff Bezos. Fundador da Amazon.
Jared Birchall. Gestor dos negócios pessoais de Musk.
Roelof Botha. Ex-CFO da PayPal, sócio da Sequoia Capital.
Claire Boucher (Grimes). Artista performática, mãe de três dos filhos
de Musk.
Nellie Bowles. Jornalista do Common Sense, esposa de Bari Weiss.
Richard Branson. Fundador da Virgin Galactic.
Elissa Butterfield. Ex-assistente de Musk.
Tim Buzza. Ex-vice-presidente de lançamento da SpaceX.
Jason Calacanis. Empreendedor, amigo de Musk.
Gage Coffin. Ex-engenheiro de produção da Tesla.
Esther Crawford. Ex-diretora de gestão de produto do Twitter.
Larry David. Comediante e escritor.
Steve Davis. Presidente da The Boring Company.
Tejas Dharamsi. Engenheiro de software do Twitter.
Thomas Dmytryk. Engenheiro de software da Tesla.
John Doerr. Investidor de risco.
Kiko Dontchev. Vice-presidente de lançamento da SpaceX.
Brian Dow. Ex-diretor da Tesla Energy.
Mickey Drexler. Ex-CEO da J.Crew e The Gap.
Phil Duan. Engenheiro do Autopilot da Tesla.
Martin Eberhard. Confundador da Tesla.
Blair Efron. Banqueiro de investimentos.
Ira Ehrenpreis. Membro do conselho da Tesla.
Larry Ellison. Cofundador da Oracle.
Ashok Elluswamy. Diretor do software Autopilot da Tesla.
Ari Emanuel. CEO da Endeavor.
Navaid Farooq. Amigo de Musk na Queen’s University.
Nyame Farooq. Esposa de Navaid Farooq.
Joe Fath. Gerente de portfólio da T. Row Price.
Lori Garver. Ex-vice-administrador da NASA.
Bill Gates. Cofundador da Microsoft.
Rory Gates. Filho de Bill Gates.
David Gelles. Repórter do The New York Times.
Bill Gerstenmaier. Vice-presidente de confiabilidade de voo da SpaceX.
Kunal Girotra. Ex-diretor da Tesla Energy.
Juleanna Glover. Consultora de relações públicas, Washington, D.C.
Antonio Gracias. Amigo de Musk e investidor.
Michael Grimes. Diretor de gestão do Morgan Stanley.
Trip Harriss. Gestor de operações do ponto de lançamento da SpaceX.
Demis Hassabis. Cofundador da DeepMind.
Amber Heard. Atriz, ex-namorada de Musk.
Reid Hoffman. Cofundador do LinkedIn e da PayPal.
Ken Howery. Cofundador da PayPal e amigo de Musk.
Lucas Hughes. Ex-diretor financeiro da SpaceX.
Jared Isaacman. Empreendedor e comandante da Inspiration4.
RJ Johnson. Ex-diretor da Tesla Energy.
Mark Juncosa. Principal assistente de Musk na SpaceX.
Steve Jurvetson. Investidor e amigo de Musk.
Nick Kalayjian. Ex-vice-presidente de engenharia da Tesla.
Ro Khanna. Congressista pelo Partido Democrata na Califórnia.
Hans Koenigsmann. Engenheiro veterano da SpaceX.
Milan Kovac. Diretor de engenharia do software Autopilot da Tesla.
Andy Krebs. Ex-diretor de engenharia civil da Starship da SpaceX.
Joe Kuhn. Engenheiro mecânico da The Boring Company e Tesla.
Bill Lee. Investidor e amigo de Musk.
Max Levchin. Cofundador da PayPal.
Jacob McKenzie. Diretor sênior de engenharia do Raptor, SpaceX.
Jon McNeill. Ex-presidente da Tesla.
Lars Moravi. Vice-presidente de engenharia de veículos da Tesla.
Michael Moritz. Investidor.
Dave Morris. Diretor de design sênior da Tesla.
Rich Morris. Vice-presidente de produção e lançamento da SpaceX.
Marcus Mueller. Gestor sênior da Tesla Energy.
Tom Mueller. Funcionário fundador e projetista de motores da SpaceX.
Andrew Musk. Primo-irmão de Musk.
Christiana Musk. Esposa de Kimbal Musk.
Elon Musk.
Errol Musk. Pai de Musk.
Griffin Musk. Filho de Musk.
James Musk. Primo-irmão de Musk.
Justine Musk. Primeira esposa de Musk e mãe de cinco filhos dele.
Kimbal Musk. Irmão de Musk.
Maye Musk. Mãe de Musk.
Tosca Musk. Irmã de Musk.
Bill Nelson. Administrador da NASA.
Peter Nicholson. Ex-vice-presidente sênior do Scotiabank e mentor de
Musk
Ross Nordeen. Engenheiro de software na Tesla e mosqueteiro no
Twitter.
Luke Nosek. Investidor e amigo de Musk.
Sam Patel. Diretor de operações da Starship, SpaceX.
Chris Payne. Engenheiro de software do Autopilot da Tesla.
Janet Petro. Diretora do Kennedy Space Center, Cabo Canaveral.
Jow Petrzelka. Vice-presidente de engenharia da Starship, SpaceX.
Henrik Pfister. Designer automotivo.
Yoni Ramon. Diretor de segurança da Tesla.
Robin Ren. Amigo íntimo de Musk na Penn e ex-diretor da Tesla na
China.
Adeo Ressi. Amigo íntimo de Musk na Penn.
Bill Riley. Diretor sênior da SpaceX.
Talulah Riley. Atriz e segunda esposa de Musk.
Peter Rive. Primo-irmão de Musk.
Ben Rosen. Investidor.
Yoel Roth. Ex-diretor de segurança e moderação do Twitter.
David Sacks. Cofundador da PayPal, amigo íntimo de Musk e
investidor.
Alan Salzman. Um dos primeiros investidores da Tesla.
Ben San Souci. Engenheiro de software do Twitter.
Joe Scarborough. Âncora, MSNBC.
DJ Seo. Cofundador da Neuralink.
Brad Sheftel. Parceiro de Antonio Gracias.
Gwynne Shotwell. Presidente da SpaceX.
Dhaval Shroff. Engenheiro de software da Tesla e mosqueteiro no
Twitter.
Mark Soltys. Engenheiro de princípios de lançamento da SpaceX.
Alex Spiro. Advogado de Musk.
Christopher Stanley. Vice-presidente sênior de engenharia de segurança
da Tesla e da SpaceX.
Robert Steel. Banqueiro de investimentos.
JB Straubel. Cofundador da Tesla.
Anand Swaminathan. Engenheiro do Optimus, Tesla.
Jessica Switzer. Ex-conselheira de relações públicas da Tesla.
Feliz Sygulla. Engenheiro do Optimus, Tesla.
Marc Tarpenning. Cofundador da Tesla.
Sam Teller. Ex-conselheiro de Musk.
Peter Thiel. Cofundador da PayPal e investidor.
Jim Vo. Gerente de construção da Starship, SpaceX.
Franz von Holzhausen. Chefe de design da Tesla.
Tim Watkins. Parceiro de Antonio Gracias e líder da equipe da SWAT
da Tesla.
Bari Weiss. Jornalista do The Free Press.
Rodney Westmoreland. Diretor de infraestrutura da Tesla.
Linda Yaccarino. Ex-diretora comercial da NBC Universal; CEO do
Twitter.
Tim Zaman. Engenheiro de IA, Tesla Autopilot.
David Zaslav. CEO da Warner Bros. Discovery.
Shivon Zilis. Gestora da Neuralink e mãe de dois filhos de Musk.
livros
Eric Berger, Liftoff (William Morrow, 2021)
Max Chafkin, The Contrarian (Penguin, 2021)
Christian Davenport, The Space Barons (Public Affairs, 2018)
Tim Fernholz, Rocket Billionaires (Houghton Mifflin Harcourt, 2018)
Lori Garver, Space Pirates (Diversion, 2022
Tim Higgins, Power Play (Doubleday, 2021)
Hamish McKenzie, Insane Mode (Dutton, 2018)
Maye Musk, A Woman Makes a Plan (Penguin, 2019)
Edward Niedermeyer, Ludicrous (BenBella, 2019)
Jimmy Soni, The Founders (Simon&Schuster, 2022)
Ashlee Vance, Elon Musk (Intrínseca, 2015)
Ashlee Vance, When the Heavens Went on Sale (Ecco, 20223)
notas

Prólogo: Entrevistas do autor com Elon Musk, Kimbal Musk, Errol


Musk, Maye Musk, Tosca Musk, Justine Musk, Talulah Riley, Claire
Boucher (Grimes), Peter Thiel. Tom Junod, “Triumph of His Will”,
Esquire, dezembro de 2012 (inclui a piada sobre não ter umbigo).

Capítulo 1 — Aventureiros: Entrevistas do autor com Elon Musk,


Maye Musk, Kimbal Musk, Tosca Musk, Errol Musk, Jared Birchall.
Joseph Keating e Scott Haldeman, “Joshua N. Haldeman, DC: The
Canadian Years”, Journal of the Canadian Chiropractic Association, 1995;
“Before Elon Musk Was Thinking About Mars, He Was Doing Chores
on a Saskatchewan Farm”, Regina Leader-Post, 15 de maio de 2017;
Joseph Keating, “Flying Chiros”, Dynamic Chiropractic, 15 de dezembro
de 2003; Nick Murray, “Elon Musk’s Fascinating History with Moose
Jaw”, Moose Jaw Independent, 15 de setembro de 2018; Joshua
Haldeman, “We Fly Three Continents”, ICA International Review of
Chiropractic, dezembro de 1954; Phillip de Wet, “Elon Musk’s Family
Once Owned an Emerald Mine in Zambia”, Business Insider, 28 de
fevereiro de 2018; Phillip de Wet, “A Teenage Elon Musk Once
Casually Sold His Father’s Emeralds to Tiffany & Co.”, Business Insider,
22 de fevereiro de 2018; Jeremy Arnold, “Journalism and the Blood
Emeralds Story”, Save Journalism, Substack, 9 de março de 2021; Vance,
Elon Musk; Maye Musk, A Woman.

Capítulo 2 — Uma mente livre: Entrevistas do autor com Maye Musk,


Errol Musk, Elon Musk, Tosca Musk, Kimbal Musk. Neil Strauss, “The
Architect of Tomorrow”, Rolling Stone, 15 de novembro de 2017; Elon
Musk, TED Talk com Chris Anderson, 14 de abril de 2022; “Inter-
galactic Family Feud”, The Mail on Sunday, 17 de março de 2018; Vance,
Elon Musk; Maye Musk, A Woman.

Capítulo 3 — A vida com o pai: Entrevistas do autor com Maye Musk,


Errol Musk, Elon Musk, Tosca Musk, Kimbal Musk, Peter Rive.
Boletins escolares de Elon Musk na Waterkloof House Preparatory
School, Glenashley Senior Primary School, Bryanston High School e
Pretoria Boys High School; Neil Strauss, “The Architect of Tomorrow”;
Emily Lane Fox, “How Elon Musk’s Mom (and Her Twin Sister)
Raised the First Family of Tech”, Vanity Fair, 21 de outubro de 2015;
Andrew Smith, “Emissary of the Future”, The Telegraph, 8 de janeiro de
2014.

Capítulo 4 — A busca: Entrevistas do autor com Elon Musk, Kimbal


Musk, Maye Musk, Errol Musk, Peter Rive. Elon Musk, The Babylon
Bee podcast, 21 de dezembro de 2021; Tad Friend, “Plugged In”, The
New Yorker, 17 de agosto de 2009; Maureen Dowd, “Blasting Off in
Domestic Bliss”, The New York Times, 25 de julho de 2020; Neil Strauss,
“The Architect of Tomorrow”; Elon Musk, entrevista na Academia
Nacional de Ciências, Engenharia e Medicina, 15 de novembro de
2021.

Capítulo 5 — Velocidade de escape: Entrevistas do autor com Elon


Musk, Errol Musk, Kimbal Musk, Tosca Musk, Peter Rive.

Capítulo 6 — Canadá: Entrevistas do autor com Elon Musk, Maye


Musk, Tosca Musk. “Before Elon Musk Was Thinking About Mars, He
Was Doing Chores on a Saskatchewan Farm”, Regina Leader-Post, 15
de maio de 2017; Haley Steinberg, “The Education of Elon Musk”,
Toronto Life, janeiro de 2023; Raffaele Panizza, “Interview with Maye
Musk”, Vogue, 12 de outubro de 2017; Vance, Elon Musk.

Capítulo 7 — Queen’s: Entrevista do autor com Maye Musk, Tosca


Musk, Kimbal Musk, Elon Musk, Navaid Farooq, Peter Nicholson.
Robin Keats, “Rocket Man”, Queen’s Alumni Review, v. l. 1, 2013; Soni,
The Founders; Vance, Elon Musk. Soni me forneceu suas anotações e
outros materiais.

Capítulo 8 — Penn: Entrevistas do autor com Elon Musk, Adeo Rossi,


Robin Ren, Kimbal Musk, Maye Musk. Alaina Levine, “Entrepreuner
Elon Musk Talks about His Background in Physics”, APS News,
outubro de 2013; Soni, The Founders; Vance, Elon Musk.

Capítulo 9 — Rumo a oeste: Entrevistas do autor com Elon Musk,


Kimbal Musk, Robin Ren, Peter Nicholson. Phil Leggiere, “From Zip
to X”, University of Pennsylvania Gazette, novembro de 1999; Jennifer
Gwynne, notas sobre artigos de leilão, rrauction.com, agosto de 2022.

Capítulo 10 — Zip2: Entrevistas do autor com Elon Musk, Kimbal


Musk, Navaid Farooq, Nyame Farooq, Maye Mauk, Errol Musk. Amit
Katwala, “What’s Driving Elon Musk?”, Wired UK, 8 de setembro de
2018; Elon Musk e Maurice J. Fitzgerald, “Interactive Network
Directory Service with Integrated Maps and Directions”, Patent
US6148260A, protocolado em 29 de junho de 1999; Max Chafkin,
“Entrepreneur of the Year”, Inc., 1º de dezembro de 2007; Elon Musk,
palestra em 8 de outubro de 2003; Heidi Anderson, “Newspaperdom’s
New Superhero: Zip2”, Editor & Publisher, janeiro de 1996; Michael
Gross, “Elon Musk 1.0”, Air Mail, 11 de junho de 2022; Maye Musk, A
Woman; Vance, Elon Musk; Soni, The Founders.

Capítulo 11 — Justine: Entrevistas do autor com Justine Musk, Elon


Musk, Maye Musk, Kimbal Musk, Navaid Farooq. Justine Musk, “I
Was a Starter Wife”, Marie Claire, 10 de setembro de 2010.

Capítulo 12 — X.com: Entrevistas do autor com Elon Musk, Mike


Moritz, Peter Thiel, Roelof Botha, Max Levchin, Reid Hoffman, Luke
Nosek. Mark Gimein, “Elon Musk Is Poised to Become Silicon Valley’s
Next Big Thing”, Salon, 17 de agosto de 1999; Sarah Lacy, “Interview
with Elon Musk”, Pando, 15 de abril de 2009; Eric Jackson, The PayPal
Wars (World Ahead, 2003); Chafkin, The Contrarian.
Capítulo 13 — O golpe: Entrevistas do autor com Elon Musk, Mike
Moritz, Peter Thiel, Roelof Botha, Max Levchin, Reid Hoffman,
Justine Musk, Kimbal Musk, Luke Nosek. Soni, The Founders; Vance,
Elon Musk; Chafkin, The Contrarian.

Capítulo 14 — Marte: Entrevistas do autor com Elon Musk, Adeo


Rossi, Navaid Farooq, Reid Hoffman. Dave Mosher, “Elon Musk Used
to Fly a Russian Fighter Jet”, Business Insider, 19 de agosto de 2018;
Elon Musk, “My Idea of Fun”, Fortune, 6 de outubro de 2003; M.G.
Lord, “Rocket Man”, Los Angeles Magazine, 1o de outubro de 2007; Tom
Junod, “Triumph of His Will”, Esquire, 15 de novembro de 2012;
Richard Feloni, “Former SpaceX Exec Explains How Elon Musk
Taught Himself Rocket Science”, Business Insider, 23 de outubro de
2014; Chris Anderson, “Elon Musk’s Mission to Mars”, Wired, 21 de
outubro de 2012; Elon Musk, discurso, Mars Society, 3 de agosto de
2012; Elon Musk, “Risky Business”, IEEEE Spectrum, 30 de maio de
2009; Max Chafkin, “Entrepreuner of the Year”, Inc., dezembro de
2007; Elon Musk, TED Talk, abril de 2017; Davenport, Space Barons;
Berger, Liftoff.

Capítulo 15 —Homem-foguete: Entrevistas do autor com Elon Musk,


Adeo Rossi. Amit Katwala, “What’s Driving Elon Musk?”, Wired, 9 de
setembro de 2018; Anderson, “Elon Musk’s Mission to Mars”; Levine,
“Entrepreuner Elon Musk Talks about His Background in Physics”;
Junod, “Triumph of His Will”.

Capítulo 16 — Pais e filhos: Entrevistas do autor com Elon Musk,


Kimbal Musk, Justine Musk, Maye Musk. Justine Musk, “I Was a
Starter Wife”; Junod, “Triumph of His Will”; Strauss, “The Architect of
Tomorrow”.

Capítulo 17 — Acelerando: Entrevistas do autor com Tom Mueller,


Elon Musk, Tim Buzza, Mark Juncosa. Jeremy Rosenberg, entrevista
com Tom Mueller, KCET Public Radio, 3 de maio de 2012; Michael
Belfiores, “Behind the Scenes with the World’s Most Ambitious Rocket
Makers”, Popular Mechanics, 1o de setembro de 2009; Doug McInnis,
“Rocket Man”, Loyola Marymount Alumni Magazine, 31 de agosto de
2011; Katwala, “What’s Driving Elon Musk?”; Junod, “Triumph of His
Will”; Davenport, Space Barons; Berger, Liftoff; Vance, Elon Musk.

Capítulo 18 — As regras de Musk para construir foguetes: Entrevistas


do autor com Tim Buzza, Tom Mueller, Elon Musk. Davenport, Space
Barons; Berger, Liftoff; Vance, Elon Musk.

Capítulo 19 — O sr. Musk vai a Washington: Entrevistas do autor com


Gwynne Shotwell, Elon Musk, Tom Mueller, Hans Koenigsmann.
Gwynne Shotwell, discurso de formatura na Universidade
Northwestern, 14 de junho de 2021; Chris Anderson, “Rethinking
Public-Private Space Travel”, Space Policy, novembro de 2013.

Capítulo 20 — Fundadores: Entrevistas do autor com Martin


Eberhard, Marc Tarpenning, Elon Musk, JB Straubel, Ben Rosen.
Michael Copeland, “Tesla’s Wild Ride”, Fortune, 9 de julho de 2008;
Drake Baer, “The Making of Tesla”, Business Insider, 12 de novembro de
2014; Higgins, Power Play; Vance, Elon Musk.

Capítulo 21 — O Roadster: Entrevistas do autor com Elon Musk,


Martin Eberhard, Marc Tarpenning, JB Straubel, Kimbal Musk,
Michael Moritz, John Doerr, Alan Salzman, Jessica Switzer, Mickey
Drexler. Baer, “The Making of Tesla”; Joshua Davis, “Batteries
Included”, Wired, 1o de agosto de 2006; Matthew Wald, “Zero to 60 in
4 Seconds”, The New York Times, 19 de julho de 2006; Copeland,
“Tesla’s Wild Ride”; Elon Musk, “The Secret Tesla Motors Master
Plan”, Tesla Blog, 2 de agosto de 2006; entrevista com Martin
Eberhard, Watt It Takes podcast, setembro de 2021; Higgins, Power
Play; Vance, Elon Musk; Niedermeyer, Ludicrous.

Capítulo 22 — Kwaj: Entrevistas do autor com Elon Musk, Gwynne


Shotwell, Hans Koenigsmann, Tim Buzza. Berger, Liftoff. Berger
relatou a dificuldade para substituir os capacitores com problemas.
Capítulo 23 — Duas falhas: Entrevistas do autor com Elon Musk,
Kimbal Musk, Hans Koenigsmann, Tom Mueller, Tim Buzza. Kimbal
Musk, “Kwajalein Atoll and Rockets”, posts de blog de março de 2006,
http://kwajrockets.blogspot.com/; Carl Hoffman, “Elon Musk Is
Betting His Fortune on a Mission beyond Earth’s Orbit”, Wired, 22 de
maio de 2007; Brian Berger, “Pad Processing Error Doomed Falcon 1”,
SpaceNews, 10 de abril de 2006; Berger, Liftoff.

Capítulo 24 — A Equipe da SWAT: Entrevistas do autor com Elon


Musk, Martin Eberhard, JB Straubel, Antonio Gracias, Tim Watkins,
Deepak Ahuja. Zak Edson, “Tesla Motors Case Study: Sotira Carbon
Fiber Body Panel Ramp, May-Oct 2008”, arquivos da Valor Capital;
Steven N. Kaplan et al., “Valor and Tesla Motors”, estudo de caso da
Chicago Booth School of Business, 2017; Copeland, “Tesla’s Wild
Ride”; Baer, “The Making of Tesla”; entrevista com Elon Musk,
Financial Times, 10 de maio de 2022; Higgins, Power Play.

Capítulo 25 — Assumindo a direção: Entrevistas do autor com Elon


Musk, Antonio Gracias, Tim Watkins, Martin Eberhard, Marc
Tarpenning, Michael Marks, Ira Ehrenpreis. Copeland, “Tesla’s Wild
Ride”; Gene Bylinsky, “Heroes of U.S. Manufacturing: Michael Marks”,
Fortune, 20 de março de 2000; Higgins, Power Play.

Capítulo 26 — Divórcio: Entrevistas do autor com Justine Musk, Elon


Musk, Maye Musk, Kimbal Musk, Antonio Gracias. Justine Musk, “I
Was a Starter Wife”; Justine Musk, TEDx Talk, 26 de janeiro de 2016;
Justine Musk, “From the Head of Justine Musk”, blog,
justinemusk.com; Junod, “Triumph of His Will”.

Capítulo 27 — Talulah: Entrevistas do autor com Talulah Riley, Elon


Musk, Bill Lee.

Capítulo 28 — Terceira falha: Entrevistas do autor com Tim Buzza,


Hans Koenigsmann, Elon Musk, Tom Mueller. Berger, Liftoff; “SpaceX
Stories”, Elonx.net, 30 de abril de 2019; telefonema de Elon Musk com
a imprensa, 6 de agosto de 2008; Carl Hoffman, “Now 0-for-3”, Wired,
5 de agosto de 2008. O lançamento ocorreu em 3 de agosto de 2008
pelo fuso de Kwaj, 2 de agosto pela hora da Califórnia.

Capítulo 29 — No limite: Entrevistas do autor com Elon Musk,


Kimbal Musk, Maye Musk, Antonio Gracias, Tim Watkins, Talulah
Riley, Bill Lee, Mark Juncosa, Jason Calacanis. “P1 Arriving Now!”,
blog da Tesla, 6 de fevereiro de 2008; Scott Pelley, entrevista com Elon
Musk, 60 Minutes, CBS, 22 de maio de 2012.

Capítulo 30 — O quarto lançamento: Entrevistas do autor com Peter


Thiel, Luke Nosek, David Sacks, Tim Buzza, Tom Mueller, Kimbal
Musk, Trip Harriss, Gwynne Shotwell. Ashley Vance, When the Heavens
Went on Sale (Ecco, 2023); Berger, Liftoff; Davenport, Space Barons.

Capítulo 31 — Salvando a Tesla: Entrevistas do autor com Elon Musk,


Alan Salzman, Kimbal Musk, Ira Ehrenpreis, Deppak Ahuja, Ari
Emanuel.

Capítulo 32 — O Model S: Entrevistas do autor com Henrik Pfister,


Elon Musk, JB Straubel, Martin Eberhard, Nick Kalayjian, Franz von
Holzhausen, Dave Morris, Lars Moravy, Drew Baglino. John Markoff,
“Tesla Motors Files Suit against Competitor over Design Ideias”, The
New York Times, 15 de abril de 2008; Chris Anderson, “The Shared
Genius of Elon Musk and Steve Jobs”, Fortune, 27 de novembro de
2013; Charles Duhigg, “Dr. Elon & Mr. Musk”, Wired, 13 de dezembro
de 2018; Chuck Squatriglia, “First Look at Tesla’s Stunning Model S”,
Wired, 26 de março de 2009; Dan Neil, “Tesla S: A Model Citizen”, Los
Angeles Times, 29 de abril de 2009; Dan Nei, “To Elon Musk and the
Model S: Congratulations”, The Wall Street Journal, 29 de junho de
2012; Higgins, Power Play.

Capítulo 33 — Espaço privado: Entrevistas do autor com Elon Musk,


Tom Mueller, Gwynne Shotwell, Tim Buzza, Lori Garver, Bill Nelson.
Brian Mosdell, “Untold Stories from the Rocket Ranch”, arquivos do
Kennedy Space Center, 5 de março de 2015; Brian Mosdell, “SpaceX
Stories: How SpaceX Built SLC-40 on a Shoestring Budget”, ElonX,
15 de abril de 2019; Irene Klotz, “SpaceX Secret? Bash Bureaucracy,
Simplify Technology”, Aviation Week & Space Technology, 15 de junho
de 2009; Garver, Space Pirates; Berger, Liftoff; Davenport, Space Barons.

Capítulo 34 — O lançamento do Falcon 9: Entrevistas do autor com


Tim Buzza, Elon Musk, Lori Garver. Brian Vastag, “SpaceX’s Dragon
Capsule Docks with International Space Station”, The Washington Post,
25 de maio de 2012; Garver, Space Pirates; Berger, Liftoff; Davenport,
Space Barons.

Capítulo 35 — Casando-se com Talulah: Entrevistas do autor com


Talulah Riley, Elon Musk, Kimbal Musk, Bill Lee, Navaid Farooq.
Hermione Eyre, “How to Marry a Billionaire”, The Evening Standard,
10 de abril de 2012.

Capítulo 36 — Produção: Entrevistas do autor com Elon Musk, Larry


Ellison, Franz von Holzhausen, Dave Morris, JB Straubel. Angus
McKenzie, “Shocking Winner: Proof Positive That America Can Still
Make (Great) Things”, Motor Trend, 10 de dezembro de 2012; Peter
Elkind, “Panasonic’s Power Play”, Fortune, 6 de março de 2015; Vance,
Elon Musk; Higgins, Power Play.

Capítulo 37 — Musk e Bezos: Entrevistas do autor com Jeff Bezos,


Elon Musk, Bill Nelson, Tim Buzza. Dan Leone, “Musk Calls Out
Blue Origin”, SpaceNews, 25 de setembro de 2013; Walter Isaacson, “In
This Space Race, Elon Musk and Jeff Bezos Are Eager to Take You
There”, The New York Times, 24 de abril de 2018; Jeff Bezos, Invent and
Wander (Public Affairs/Harvard Business Review, 2021); vídeo do jantar
de 2014 do Explorers Club, https://vimeo.com/1193442003; Amanda
Gordon, “Scene Last Night: Jeff Bezos Eats Gator, Elon Musk Space”,
Bloomberg, 17 de março de 2014; Jeffrey P. Bezos, Gari Lay e Sean R.
Findlay, “Sea Landing of Space Launch Vehicles”, solicitação de patente
US8678321B2, 14 de junho de 2010; Trung Phan, fio do Twitter, 17 de
julho de 2021; Davenport, Space Barons; Berger, Liftoff; Fernholz, Rocket
Billionaires.
Capítulo 38 — O falcão escuta o falcoeiro: Entrevistas do autor com
Elon Musk, Sam Teller, Steve Jurvetson, Antonio Gracias, Mark
Juncosa, Jeff Bezos, Kiko Dontchev. Calia Cofield, “Blue Origin Makes
Historic Reusable Rocket Landing in Epic Test Flight”, Space.com, 24
de novembro de 2015; Davenport, Space Barons.

Capítulo 39 — A montanha-russa Talulah: Entrevistas do autor com


Talulah Riley, Elon Musk, Maye Musk, Kimbal Musk, Navaid Farooq,
Bill Lee. Junod, “Force of His Will”.

Capítulo 40 — Inteligência Artificial: Entrevistas do autor com Sam


Altman, Demis Hassabis, Elon Musk, Reid Hoffman, Luke Nosek,
Shivon Zilis. Steven Levy, “How Elon Musk and Y Combinator Plan to
Stop Computers from Taking Over”, Backchannel, 11 de dezembro de
2015; Cade Metz, “Inside OpenAI, Elon Musk’s Wild Plan to Set
Artificial Intelligence Free”, Wired, 27 de abril de 2016; Maureen
Dowd, “Elon Musk’s Billion-Dollar Crusade to Stop the A.I.
Apocalypse”, Vanity Fair, abril de 2017; palestra de Elon Musk,
Simpósio do Centenário do Departamento de Aeronáutica e
Astronáutica do MIT, 24 de outubro de 2014; entrevista de Chris
Anderson com Elon Musk, Conferência TED, 14 de abril de 2022.

Capítulo 41 — O lançamento do Autopilot: Entrevistas do autor com


Drew Baligno, Elon Musk, Omead Afshar, Sam Altman, Sam Teller.
Alan Ohnsman, “Tesla CEO Talking with Google about ‘Autopilot’
Systems”, Bloomberg, 7 de maio de 2013; Joseph B. White, “Tesla Aims
to Leapfrog Rivals”, The Wall Street Journal, 10 de outubro de 2014;
Jordan Golson e Dieter Bohn, “All New Tesla Cars Have Hardware for
‘Full Self-Driving Capabilities’ but Some Safety Features Will Be
Disabled Initially”, The Verge, 19 de outubro de 2016; National
Transportation Safety Board, “Collision Between a Car Operating with
Automated Vehicle Control Systems and a Tractor-Semitrailer Truck
Near Willinston, Florida, on May 7, 2017”, 12 de setembro de 2017;
Jack Stewart, “Elon Musk Says Every New Tesla Can Drive Itself ”,
Wired, 19 de outubro de 2016; Peter Valdes-Dapena, “You’ll Be Able to
Summon Your Driverless Tesla from Cross-country”, CNN, 20 de
outubro de 2016; Niedermeyer, Ludicrous.

Capítulo 42 — Solar: Entrevistas do autor com Peter Rive, Elon Musk,


Maye Musk, Errol Musk, Kimbal Musk, Drew Baligno, Sam Teller.
Emily Jane Fox, “How Elon Musk’s Mom (and Her Twin Sister) Raised
the First Family of Tech”, Vanity Fair, 21 de outubro de 2015; Burt
Helm, “Elon Musk, Lyndon Rive, and the Plan to Put Solar Panels on
Every Roof in America”, Men’s Journal, julho de 2016; Eric Johnson,
“From Santa Cruz to Solar City”, Hilltromper, 20 de novembro de 2015;
Ronald D. White, “SolarCity CEO Lyndon Rive Built on a Bright
Idea”, Los Angeles Times, 13 de setembro de 2013; Max Chafkin,
“Entrepreuner of the Year”; Delaware Chancery Court, “Memorandum
of opinion in re Tesla Motors stockholder litigation”, C.A. Nº 12711-
VCS, 27 de abril de 2022; Austin Carr, “The Real Story behind Elon
Musk’s $2.6 Billion Acquisition of SolarCity”, Fast Company, 7 de
junho de 2017; Austin Carr, “Inside Steel Pulse”, Fast Company, 9 de
junho de 2017; John Dzieza, “Why Tesla’s Battery for Your Home
Should Terrify Utilities”, The Verge, 13 de fevereiro de 2015; Ivan Penn e
Russ Mitchell, “Elon Musk Wants to Sell People Solar Roofs That
Look Great”, Los Angeles Times, 28 de outubro de 2016.

Capítulo 43 — The Boring Company: Entrevistas do autor com Sam


Teller, Steve Davis, Jon McNeil, Elon Musk, Joe Kuhn, Elissa
Butterfield. Elon Musk, “Hyperloop Alpha”, Tesla Blog, 2013; Max
Chafkin, “Tunnel Vision”, Bloomberg, 20 de fevereiro de 2017.

Capítulo 44 — Relações complicadas: Entrevistas do autor com Elon


Musk, Juleanna Glover, Sam Teller, Peter Thiel, Amber Heard, Kimbal
Musk, Tosca Musk, Maye Musk, Antonio Gracias, Jared Birchall. Joe
Kernen, entrevista com Donald Trump, CNBC, 22 de janeiro de 2020;
Barbara Jones, “Inter-galactic Family Feud”, Mail on Sunday, 17 de
março de 2018; Rob Crilly, “Elon Musk’s Estranged Father, 72, Calls
His Newborn Baby with Stepdaughter ‘God’s Plan’”, The National Post,
25 de março de 2018; Strauss, “The Architect of Tomorrow”.
Capítulo 45 — Descida para a escuridão: Entrevistas do autor com Jon
McNeill, Elon Musk, Kimbal Musk, Omead Afshar, Tim Watkins,
Antonio Gracias, JB Straubel, Sam Teller, James Musk, Mark Juncosa,
Jon McNeill, Gage Coffin. Duhigg, “Dr. Elon & Mr. Musk”.

Capítulo 46 — O inferno da fábrica de Fremont: Entrevistas do autor


com Elon Musk, Sam Teller, Omead Afshar, Nick Kalayjian, Tim
Watkins, Antonio Gracias, JB Straubel, Mark Juncosa, Jon McNeill,
Sam Teller, Lars Moravy, Kimbal Musk, Rodney Westmoreland. E-
mail de Musk para os funcionários de SpaceX, 18 de setembro de 2021;
Neal Boudette, “Inside Tesla’s Audacious Push to Reinvent the Way
Cars Are Made”, The New York Times, 30 de junho de 2018; Austin
Carr, “The Real Story”, Fast Company, 7 de junho de 2017; Strauss,
“The Architect of Tomorrow”; Lora Kolodny, “Tesla Employees Say
They Took Shortcuts”, CNBC, 15 de julho de 2019; Andrew Ross
Sorkin, “Tesla’s Elon Musk May Have Boldest Pay Plan in Corporate
History”, The New York Times, 23 de janeiro de 2018; Tesla Schedule
14A, protocolo na SEC, 21 de janeiro de 2018; Alex Adams, “Why
Elon Musk’s Compensation Plan Wouldn’t Work for Most Executives”,
Harvard Business Review, 24 de janeiro de 2018; Ryan Kottenstette,
“Elon Musk Wasn’t Wrong about Automating the Model 3 Assembly
Line, He Was Just Ahead of His Time”, TechCrunch, 5 de março de
2019; Elon Musk, TED Talk, 14 de abril de 2022; Alex Davies, “How
Tesla Is Building Cars in Its Parking Lot”, Wired, 22 de junho de 2018;
Boudette, “Inside Tesla’s Audacious Push”; Higgins, Power Play. Para
um vídeo em que Musk explica seu algoritmo, ver Tim Dodd, “Starbase
Tour”, Everyday Astronaut, agosto de 2021.

Capítulo 47 — Aviso de malha aberta: Entrevistas do autor com


Kimbal Musk, Deepak Ahuja, Antonio Gracias, Elon Musk, Sam
Teller, Joe Fath. Matt Robinson e Zeke Faux, “When Elon Musk Tried
to Destroy a Tesla Whistleblower”, Bloomberg, 13 de março de 2019; e-
mail de Elon Musk para Richard Stanton e resposta, 8 de junho de
2018; Vernon Unsworth v. Elon Musk, Tribunal Distrital dos Estados
Unidos, Distrito Central da Califórnia, caso 2:18 cv 8048, 17 de
setembro de 2018; Ryan Mac et al., “In a New Email, Elon Musk
Accused a Cave Rescuer of Being a ‘Child Rapist’”, BuzzFeed, 4 de
setembro de 2018; documentos apoiando julgamento sumário, In re
Tesla Inc. Securities Litigation, Tribunal Distrital dos Estados Unidos,
Distrito Norte da Califórnia, petição de 22 de abril de 2022; David
Gelles, James B. Stewart, Jessica Silver-Greenberg e Kate Kelly, “Elon
Musk Details ‘Excruciating’ Personal Toll of Tesla Turmoil”, The New
York Times, 16 de agosto de 2018; Dana Hull, “Weak Sauce”, Bloomberg,
24 de abril de 2022; Jim Cramer, Squawk on the Street, CNBC, 8 de
agosto de 2018; James B. Stewart, “A Question for Tesla’s Board: What
Was Elon Musk’s Mental State?”, The New York Times, 15 de agosto de
2018; entrevista de Elon Musk com Chris Anderson, TED, 14 de abril
de 2022; Higgins, Power Play; McKenzie, Insane Mode.

Capítulo 48 — Radioatividade: Entrevistas do autor com Elon Musk,


David Gelles, Juleanna Glover, Sam Teller, Gwynne Shotwell, Talulah
Riley, JB Straubel, Jon McNeill, Kimbal Musk, Jared Birchall. The Joe
Rogan Experience podcast, 7 de setembro de 2018; David Gelles,
“Interviewing Elon Musk”, The New York Times, 19 de agosto de 2018.

Capítulo 49 — Grimes: Entrevistas do autor com Claire Boucher


(Grimes), Elon Musk, Kimbal Musk, Maye Musk, Sam Teller. Azealia
Banks, carta para Elon Musk, 19 de agosto de 2018; Kate Taylor,
“Azealia Banks Claims to Be at Elon Musk’s House”, Business Insider, 13
de agosto de 2018; Maureen Dowd, “Elon Musk, Blasting Off in
Domestic Bliss”, The New York Times, 25 de julho de 2020.

Capítulo 50 — Xangai: Entrevistas do autor com Robin Ren e Elon


Musk.

Capítulo 51 — Cybertruck: Entrevistas do autor com Franz von


Holzhausen, Elon Musk, Dave Morris. Stephanie Mlot, “Elon Musk
Wants to Make Bond’s Lotus Submarine Car a Reality”, PC Magazine,
18 de outubro de 2013.

Capítulo 52 — Starlink: Entrevistas do autor com Elon Musk, Mark


Juncosa, Bill Riley, Sam Teller, Elissa Butterfield, Bill Gates.
Capítulo 53 — Starship: Entrevistas do autor com Elon Musk, Bill
Riley, Sam Patel, Joe Petrzelka, Peter Nicholson, Elissa Butterfield, Jim
Vo. Ryan D’Agostino, “Elon Musk: Why I’m Building the Starship out
of Stainless Steel”, Popular Mechanics, 22 de janeiro de 2019.

Capítulo 54 — Dia da Autonomia: Entrevistas do autor com Elon


Musk, James Musk, Sam Teller, Franz von Holzhausen, Claire Boucher
(Grimes), Omead Afshar, Shivon Zilis, Anand Swaminathan, Joe Fath.

Capítulo 55 — Giga Texas: Entrevistas do autor com Elon Musk,


Omead Afshar, Lars Moravy.

Capítulo 56 — Vida familiar: Entrevistas do autor com Elon Musk,


Claire Boucher (Grimes), Christiana Musk, Maye Musk, Kimbal Musk,
Justine Musk, Ken Howery, Luke Nosek. Entrevista de Joe Rogan com
Elon Musk, 7 de maio de 2020; Rob Copeland, “Elon Musk Says He
Lives in a $ 50.000 House”, The Wall Street Journal, 22 de dezembro de
2021.

Capítulo 57 — A pleno vapor: Entrevistas do autor com Elon Musk,


Kiko Dontchev, Kimbal Musk, Luke Nosek, Bill Riley, Rich Morris,
Hans Koenigsmann, Gwynne Shotwell. Lex Fridman, entrevista para
podcast com Elon Musk, 28 de dezembro de 2021; Joey Roulette,
“SpaceX Ignored Last Minute Warnings from FAA before December
Launch”, The Verge, 15 de junho de 2021.

Capítulo 58 — Bezos versus Musk, 2o round: Entrevistas do autor com


Jeff Bezos, Elon Musk, Richard Branson. Christian Davenport, “Elon
Musk Is Dominating the Space Race”, The Washington Post, 10 de
setembro de 2021; Richard Waters, “Interview with FT’s Person of the
Year”, Financial Times, 15 de dezembro de 2021; entrevista de Kara
Swisher com Elon Musk, Code Conference, 28 de setembro de 2021.

Capítulo 59 — A onda da Starship: Entrevistas do autor com Bill Riley,


Kiko Dontchev, Elon Musk, Sam Patel, Joe Petrzelka, Mark Juncosa,
Gwynne Shotwell, Lucas Hughes, Andy Krebs. Tim Dodd, “Starbase
Tour”, Everyday Astronaut, 30 de julho de 2021.

Capítulo 60 — Onda solar: Entrevistas do autor com Kunal Girotra, RJ


Johnson, Brian Dow, Marcus Mueller, Elon Musk, Omead Afshar.

Capítulo 61 — Luzes apagadas: Entrevistas do autor com Elon Musk,


Maye Musk, Kimbal Musk, Tosca Musk, Claire Boucher (Grimes), Bill
Lee, Antonio Gracias. Arden Fanning Andrews, “The Making of
Grimes’s ‘Dune-esque’ 2021 Met Gala Look”, Vogue, 16 de setembro de
2021.

Capítulo 62 — Inspiration4: Entrevistas do autor com Jared Isaacman,


Elon Musk, Jehn Balajadia, Kiko Dontchev, Claire Boucher (Grimes),
Bill Gerstenmaier, Hans Koenigsmann, Bill Nelson, Sam Patel.

Capítulo 63 — Mudanças no Raptor: Entrevistas do autor com Elon


Musk, Jacob McKenzie, Bill Riley, Joe Petrzelka, Lars Moravy, Jehn
Balajadia.

Capítulo 64 — Nasce o Optimus: Entrevistas do autor com Elon


Musk, Franz von Holzhausen, Lars Moravy, Drew Baligno, Omead
Afshar, Milan Kovac. Entrevista de Chris Anderson com Elon Musk,
TED, 14 de abril de 2022.

Capítulo 65 — Neuralink: Entrevistas do autor com Elon Musk, Jon


McNeill, Shivon Zilis, Sam Teller. Elon Musk, “An Integrated Brain-
Machine Interface Platform with Thousands of Channels”, bioRxiv, 2
de agosto de 2019; Jeremy Kah e Jonathan Vanian, “Inside Neuralink”,
Fortune, 29 de janeiro de 2022.

Capítulo 66 — Pura visão: Entrevistas do autor com Elon Musk, Lars


Moravy, Omead Afshar, Franz von Holzhausen, Drew Baligno, Phil
Duan, Dhaval Shroff. Cade Metz e Neal Boudette, “Inside Tesla as
Elon Musk Pushed an Inflinching Vision for Self-Driving Cars”, The
New York Times, 6 de dezembro de 2021; Emma Schwartz, Cade Metz
e Neal Boudette, “Elon Musk’s Crash Course”, documentário da FX/The
New York Times, 16 de maio de 2022; Niedermeyer, Ludicrous.

Capítulo 67 — Dinheiro: Entrevistas do autor com Elon Musk, Jared


Birchall, Kimbal Musk, Christiana Musk, Claire Boucher (Grimes).
Tesla Schedule protocolo 14A, Securities and Exchange Comission, 7
de fevereiro de 2018; Kenrick Cai e Sergei Klebnikov, “Elon Musk Is
Now the Richest Person in the World, Officially Surpassing Jeff Bezos”,
Forbes, 8 de janeiro de 2021. Uso preços das ações ajustados depois da
emissão de novos papéis.

Capítulo 68 — Pai do ano: Entrevistas do autor com Shivon Zilis,


Claire Boucher (Grimes), Tosca Musk, Elon Musk, Kimbal Musk,
Maye Musk, Christiana Musk. Entrevista de Elon Musk para a NPQ,
inverno de 2014; Devin Gordon, “Infamy Is Kind of Fun”, Vanity Fair,
10 de março de 2022; Ed Felsenthal, Molly Ball, Jeff Kluger, Alejandro
de la Garza e Walter Isaacson, “Person of the Year”, Time, 13 de
dezembro de 2021; Richard Waters, “Person of the Year”, Financial
Times, 15 de dezembro de 2021.

Capítulo 69 — Política: Entrevistas do autor com Elon Musk, Kimbal


Musk, Sam Teller, Jared Birchall, Claire Boucher (Grimes), Omead
Afshar, Ken Howery, Luke Nosek, David Sacks. Dowd, “Elon Musk,
Blasting Off in Domestic Bliss”; Strauss, “The Architect of Tomorrow”;
entrevista de Elon Musk para o Babylon Bee, 21 de dezembro de 2021;
Rich McHugh, “A SpaceX Flight Attendant Said Elon Musk Exposed
Himself and Propositioned Her for Sex”, Business Insider, 19 de maio de
2022; Dana Hull, “Biden’s Praise for GM Overlooks Tesla’s Actual EV
Leadership”, Bloomberg, 24 de novembro de 2021; Dana Hull e Jennifer
Jacobs, “Tesla, Who? Biden Can’t Bring Himself to Say It”, Bloomberg,
2 de fevereiro de 2022; Ari Natter, Gabrielle Coppola e Keith Laing,
“Biden Snubs Tesla”, Bloomberg, 5 de agosto de 2021; entrevista de Elon
Musk para Kara Swisher, Code Conference, 28 de setembro de 2021.

Capítulo 70 — Ucrânia: Entrevistas do autor com Elon Musk, Gwynne


Shotwell, Jared Birchall. E-mails de Lauren Dreyer e mensagens de
texto de Mykhailo Fedorov fornecidos por Elon Musk. Christopher
Miller, Mark Scott e Bryan Bender, “UkraineX: How Elon Musk’s
Space Satellites Changed the War on the Ground”, Politico, 8 de junho
de 2022; Cristiano Lima, “US Quietly Paying Millions to Send Starlink
Terminals to Ukraine”, The Washington Post, 8 de abril de 2022; Yaroslav
Trofimov, Micah Maidenberg e Drew Fitzgerald, “Ukraine Leans on
Elon Musk’s Starlink in Fight against Russia”, The Wall Street Journal,
16 de julho de 2022; Mehul Srivastava et al., “Ukranian Forces Report
Starlink Outages During Push Against Russia”, Financial Times, 7 de
outubro de 2022; Volodymyr Verbyany e Daryna Krasnolutska,
“Ukraine to Get Thousands More Starlink Antennas”, Bloomberg, 20 de
dezembro de 2022; Adam Satariano, “Elon Musk Doesn’t Want His
Satellites to Run Ukraine’s Drones”, The New York Times, 9 de fevereiro
de 2023; Joey Rolette, “SpaceX Curbed Ukraine’s Use of Starlink”,
Reuters, 9 de fevereiro de 2023.

Capítulo 71 — Bill Gates: Entrevistas do autor com Bill Gates, Rory


Gates, Elon Musk, Omead Afshar, Jared Birchall, Claire Boucher
(Grimes), Kimbal Musk. Rob Copeland, “Elon Musk’s Inner Circle
Rocked by Fight over His $230 Billion Fortune”, The Wall Street Journal,
16 de julho de 2022; Sophie Alexander, “Elon Musk Enlisted Poker
Star before Making $5.7 Billion Mystery Gift”, Bloomberg, 15 de
fevereiro de 2022; Nicholas Kulish, “How a Scottish Moral Philosopher
Got Elon Musk’s Number”, The New York Times, 8 de outubro de 2022;
Melody Y. Guan, “Elon Musk, Superintelligence, and Maximizing
Social Good”, The Huffington Post, 3 de agosto de 2015.

Capítulo 72 — Investidor ativo: Entrevistas do autor com Elon Musk,


Antonio Gracias, Omead Afshar, Kimbal Musk, Shivon Zilis, Bill Lee,
Griffin Musk, Jared Birchall, Ken Howery, Luke Nosek. Conferência
sobre os lucros da Tesla, 20 de abril de 2022; Matthew A. Winkler, “In
Defense of Elon Musk’s Managerial Excellence”, Bloomberg, 18 de abril
de 2022; mensagens de texto,
https://www.documentcloud.org/documents/23112929-elon-musk-
text-exhibits-twitter-v-musk; Lane Brown, “What Is Elon Musk?”,
New York Magazine, 8 de agosto de 2022; Devin Gordon, “A Close
Read of @elonmusk”, New York Magazine, 12 de agosto de 2022.

Capítulo 73 — “Fiz uma oferta”: Entrevistas do autor com Elon Musk,


Kimbal Musk, Larry Ellison, Navaid Farooq, Jared Birchall, Claire
Boucher (Grimes), Chris Anderson. Mensagens de texto,
https://www.documentcloud.org/documents/23112929-elon-musk-
text-exhibits-twitter-v-musk; Rob Copeland, Georgia Wells, Rebecca
Elliott e Liz Hoffman, “The Shadow Crew Who Encouraged Elon
Musk’s Twitter Takeover”, The Wall Street Journal, 29 de abril de 2022;
Mike Isaac, Lauren Hirsch e Anupreeta Das, “Inside Elon Musk’s Big
Plans for Twitter”, The New York Times, 6 de maio de 2022.

Capítulo 74 — Quente e frio: Entrevistas do autor com Elon Musk,


Larry Ellison, Kimbal Musk, Robert Steel, Leslie Berland, Jared
Birchall. Liz Hoffman, “Sam Bankman-Fried, Elon Musk, and a Secret
Text”, Semafor, 23 de novembro de 2022; reunião com funcionários do
Twitter, 16 de junho de 2022.

Capítulo 75 — Dia dos Pais: Entrevistas do autor com Elon Musk,


Maye Musk, Justine Musk, Kimbal Musk, Errol Musk, Jared Birchall,
Talulah Riley, Griffin Musk, Christiana Musk, Claire Boucher
(Grimes), Omead Afshar, Shivon Zilis. Roula Khalaf, “Aren’t You
Entertained?”, Financial Times, 7 de outubro de 2022; Julia Black, “Elon
Musk Had Secret Twins in 2022”, Business Insider, 6 de julho de 2022;
Emily Smith e Lee Brown, “Elon Musk Laughs Off Affair Rumors,
Insists He Hasn’t ‘Had Sex in Ages’”, New York Post, 25 de julho de
2022; Alex Diaz, “Musk Be Kidding”, The Sun, 13 de julho de 2022;
Errol Musk, “Dad of a Genius”, YouTube, 2022; Kirsten Grind e Emily
Glazer, “Elon Musk’s Friendship with Sergey Brin Ruptured by Alleged
Affair”, The Wall Street Journal, 24 de julho de 2022. Errol Musk muitas
vezes me copiava em seus e-mails para o filho.

Capítulo 76 — Sacudida na Starbase: Entrevistas do autor com Elon


Musk, Sam Patel, Bill Riley, Andy Krebs, Jonah Nolan, Mark Juncosa,
Omead Afshar, Jake McKenzie, Kiko Dontchev, Jared Isaacman, Sam
Patel, Andy Krebs, Claire Boucher (Grimes), Gwynne Shotwell. Jantar
com Janet Petro, Lisa Watson-Morgan, Vanessa Wyche.

Capítulo 77 — Optimus Prime: Entrevistas do autor com Elon Musk,


Franz von Holzhausen, Lars Moravy.

Capítulo 78 — Incerteza: Entrevistas do autor com Elon Musk, Jared


Birchall, Alex Spiro, Antonio Gracias, Robert Steel, Blair Efron, Ari
Emanuel, Larry David, Joe Scarborough.

Capítulo 79 — Apresentação do Optimus: Entrevistas do autor com


Franz von Holzhausen, Elon Musk, Steve Davis, Lars Moravy, Anand
Swaminathan, Milan Kovac, Phil Duan, Tim Zaman, Felix Sygulla, Ira
Ehrenpreis, Jason Calacanis.

Capítulo 80 — Robotáxi: Entrevistas com Elon Musk, Omead Afshar,


Franz von Holzhausen, Lars Moravy, Drew Baligno.

Capítulo 81 — “Vocês vão ter que aceitar”: Entrevistas do autor com


Elon Musk, Parag Agrawal, David Sacks, Ben San Souci, Yoni Ramon,
Esther Crawford, Leslie Berland.

Capítulo 82 — Tomando posse: Entrevistas do autor com Elon Musk,


Jared Birchall, Alex Spiro, Michael Grimes, Antonio Gracias, Brad
Sheftel, David Sacks, Parag Agrawal, Tejas Dharamsi, Ro Khanna.

Capítulo 83 — Os três mosqueteiros: Entrevistas do autor com Elon


Musk, James Musk, Andrew Musk, Dhaval Shroff, Ben San Souci,
Chris Payne, Thomas Dmytryk, Yoni Ramon, Ross Nordeen, Kayvon
Beykpour, Ben San Souci, Alex Spiro, Milan Kovac, Ashok Elluswamy,
Tim Zaman, Phil Duan. Kate Conger, Mike Isaac, Ryan Mac e Tiffany
Hsu, “Two Weeks of Chaos”, The New York Times, 11 de novembro de
2022.

Capítulo 84 — Moderação de conteúdo: Entrevistas do autor com Yoel


Roth, David Sacks, Jason Calacanis, Elon Musk, Jared Birchall, Yoni
Ramon. Cat Zakrzewski, Faiz Siddiqui e Joseph Menn, “Musk’s Free
Speech Agenda Dismantles Safety Work at Twitter”, The Washington
Post, 22 de novembro de 2022; Elon Musk, “Time 100: Kanye West”,
Time, 15 de abril de 2015; Steven Nelson e Natalie Musumeci, “Twitter
Fact-Checker Has History of Politically Charged Posts”, New York Post,
27 de maio de 2020; Bari Weiss, “The Twitter Files Part Two”, fio no
Twitter, 8 de dezembro de 2022.

Capítulo 85 — Halloween: Entrevistas do autor com Elon Musk,


Maye Musk, Leslie Berland, Jason Calacanis, Yoel Roth.

Capítulo 86 — Contas verificadas: Entrevistas do autor com Elon


Musk, Yoel Roth, Alex Spiro, David Sacks, Jason Calacanis, Jared
Birchall. Conger, Isaac, Mac e Hsu, “Two Weeks of Chaos”; Zöe
Schiffer, Casey Newton e Alex Heath, “Extremely Hardcore”, The Verge
e New York Magazine, 17 de janeiro de 2023; Casey Newton e Zöe
Schiffer, “Inside the Twitter Meltdown”, Platformer, 10 de novembro de
2022.

Capítulo 87 — Apostando tudo: Entrevistas do autor com Elon Musk,


Jared Birchall, Larry Ellison, Alex Spiro, James Musk, Andrew Musk,
Ross Nordeen, Dhaval Shroff, David Sacks, Yoni Ramon. Gergely
Orosz, “Twitter’s Ongoing Cruel Treatment of Software Engineers”,
Pragmatic Engineer, 20 de novembro de 2022; Alex Heath, “Elon Musk
Says Twitter Is Done with Layoffs and Ready to Hire Again”, The Verge,
21 de novembro de 2022; Casey Newton e Zöe Schiffer, “The Only
Constant at Elon Musk’s Twitter Is Chaos”, The Verge, 22 de novembro
de 2022; Schiffer, Newton e Heath, “Extremely Hardcore”.

Capítulo 88 — Hardcore: Entrevistas do autor com Elon Musk, Jared


Birchall, Alex Spiro, James Musk, Andrew Musk, Ross Nordeen,
Dhaval Shroff, David Sacks, Yoni Ramon, Larry Ellison, funcionários
da Apple. Schiffer, Newton e Heath, “Extremely Hardcore”.

Capítulo 89 — Milagres: Entrevistas do autor com Shivon Zilis,


Jeremy Barenholtz, Elon Musk, DJ Seo, Ross Nordeen. Ashlee Vance,
“Musk’s Neuralink Hopes to Implant Computer in Human Brain in Six
Months”, Bloomberg, 30 de novembro de 2022.

Capítulo 90 — Twitter Files: Entrevistas do autor com Elon Musk,


Bari Weiss, Nellie Bowles, Alex Spiro, Ross Nordeen. Matt Taibbi,
“Note from San Francisco”, TK News, Substack, 29 de dezembro de
2022; Matt Taibbi, fios do Twitter Files, TK News; Matt Taibbi,
“America Needs Truth and Reconciliation on Russiagate”, TK News, 12
de janeiro de 2023; Matt Taibbi, fios do Twitter, dezembro de 2022 a
janeiro de 2023; Cathy Young, “Are the Twitter Files a Nothingburger?”,
The Bulwark, 14 de dezembro de 2022; Tim Miller, “No, You Do Not
Have a Constitutional Right to Post Hunter Biden’s Dick Pic on
Twitter”, The Bulwark, 3 de dezembro de 2022; Bari Weiss, “Our
Reporting at Twitter”, The Free Press, 15 de dezembro de 2022; Bari
Weiss, Abigail Shrier, Michael Shellenberger e Nellie Bowles, “Twitter’s
Secret Blacklists”, The Free Press, 15 de dezembro de 2022; David
Zweig, “How Twitter Rigged the Covid Debate”, The Free Press, 26 de
dezembro de 2022; Freddie Sayers e Jay Bhattacharya, “What I
Discovered at Twitter HQ”, unherd.com, 26 de dezembro de 2022.

Capítulo 91 — Caminhos perigosos: Entrevistas do autor com Elon


Musk, Claire Boucher (Grimes), Kimbal Musk, James Musk, Ross
Nordeen, Bari Weiss, Nellie Bowle, Yoel Roth, Davis Zaslav. Drew
Harwell e Taylor Lorenza, “Musk Blamed a Twitter Account for an
Alleged Stalker”, The Washington Post, 18 de dezembro de 2022; Drew
Harwell, “QAnon, Adrift after Trump’s Defeat, Finds New Life in Elon
Musk’s Twitter”, The Washington Post, 14 de dezembro de 2022; Yoel
Roth, “Gay Data”, tese de doutorado, Universidade da Pensilvânia, 30
de novembro de 2016.

Capítulo 92 — Travessuras natalinas: Entrevistas do autor com Elon


Musk, James Musk, Ross Nordeen, Kimbal Musk, Christiana Musk,
Griffin Musk, David Agus.

Capítulo 93 — IA para carros: Entrevistas do autor com Dhaval Shroff,


James Musk, Elon Musk, Milan Kovac.
Capítulo 94 — IA para humanos: Entrevistas do autor com Elon
Musk, Shivon Zilis, Bill Gates, Jared Birchall, Sam Altman, Demis
Hassabis. Reed Albergotti, “The Secret History of Elon Musk, Sam
Altman, and OpenAI”, Semafor, 24 de março de 2023; Kara Swisher,
“Sam Altman on What Makes Him ‘Super Nervous’ about AI”, New
York, 23 de março de 2023; Matt Taibbi, “Meet the Censored: Me?”,
Racket, 12 de abril de 2023; Tucker Carlson, entrevista com Elon Musk,
Fox News, 17 e 18 de abril de 2023.

Capítulo 95 — O lançamento da Starship: Entrevistas do autor com


Elon Musk, Maye Musk, Claire Boucher (Grimes), Mark Juncosa, Bill
Riley, Shana Diez, Mark Soltys, Antonio Gracias, Jason Calacanis,
Gwynne Shotwell, Hans Koenigsmann, Linda Yaccarino. Tim Higgins,
“In 24 Hours, Elon Musk Reignited His Reputation for Risk”, The Wall
Street Journal, 22 de abril de 2023; Damon Beres, “Elon Musk’s
Disastrous Week”, The Atlantic, 20 de abril de 2023; George Packer, Our
Man (Knopf, 2019). De Medida por Medida, de William Shakespeare:
“Dizem que os melhores homens são moldados por seus erros / E, na
maioria dos casos, tornam-se muito melhores / Por serem um pouco
maus.”
créditos das fotos

Prólogo: Cortesia de Maye Musk


Capítulo 1: Em cima e embaixo à esquerda: cortesia de Maye Musk.
Embaixo à direita: cortesia de Elon Musk
Capítulo 2 início: Fotos cortesia de Maye Musk
Capítulo 2 fim: Cortesia de Maye Musk
Capítulo 3 início: Em cima à esquerda: cortesia de Maye Musk. Em
cima à direita: cortesia de Peter Rive. Embaixo: cortesia de Kimbal
Musk.
Capítulo 3 fim: Cortesia de Maye Musk
Capítulo 4: Fotos cortesia de Maye Musk
Capítulo 5: Cortesia de Maye Musk
Capítulo 6 início: Fotos cortesia de Maye Musk
Capítulo 6 fim: Cortesia de Maye Musk
Capítulo 7: Fotos cortesia de Maye Musk
Capítulo 8: Em cima: cortesia de Robin Ren. Embaixo: cortesia de
Maye Musk
Capítulo 9 início: Cortesia de Maye Musk
Capítulo 9 fim: Cortesia de Maye Musk
Capítulo 10: Em cima: cortesia de Maye Musk. Embaixo:
CNN/YouTube.com
Capítulo 11 início: Fotos cortesia de Maye Musk
Capítulo 11 fim: Cortesia de Maye Musk
Capítulo 12: Paul Sakuma/AP
Capítulo 13: Em cima: Robyn Twomey/Redux. Embaixo à esquerda:
David Paul Morris/Bloomberg via Getty Images. Embaixo à direita:
Simon Dawson/Bloomberg via Getty Images
Capítulo 14: Fotos cortesia de Adeo Ressi
Capítulo 15: Fotos cortesia de Adeo Ressi
Capítulo 16: Cortesia de Kimbal Musk
Capítulo 17: Gregg Segal
Capítulo 18: Cortesia da SpaceX
Capítulo 19: Cortesia de Gwynne Shotwell
Capítulo 20: Em cima: Steve Jurvetson/Wikimedia Commons.
Embaixo: Erin Lubin
Capítulo 21: Cortesia da Tesla
Capítulo 22: Fotos cortesia de Hans Koenigsmann
Capítulo 23: Fotos cortesia de Hans Koenigsmann
Capítulo 24: Cortesia de Tim Watkins
Capítulo 25: Nicki Dugan Pogue/Wikimedia Commons
Capítulo 26: Lauren Greenfield/Institute
Capítulo 27: Nick Harvey/WireImage/Getty Images
Capítulo 28: Fotos cortesia de Hans Koenigsmann
Capítulo 29: Fotos cortesia de Hans Koenigsmann
Capítulo 30: Fotos cortesia de Hans Koenigsmann
Capítulo 31: Cortesia de Navaid Farooq
Capítulo 32: Esquerda e direita: Steve Jurvetson/Wikipedia Dommons
Capítulo 33: Foto oficial da Casa Branca por Chuck Kennedy
Capítulo 34: Cortesia de Christopher Stanley
Capítulo 35: Cortesia de Talulah Riley
Capítulo 36: Em cima: cortesia de YouTube.com. Embaixo: cortesia de
Sam Teller
Capítulo 37: Cortesia de Trung Phan/Twitter
Capítulo 38: Cortesia de Jehn Balajadia
Capítulo 39: Fotos cortesia de Navaid Farooq
Capítulo 40: YouTube.com
Capítulo 44: Em cima à direita e à esquerda: cortesia de Amber Heard.
Embaixo à esquerda: Gianluigi Guercial/AFP via Getty Images.
Embaixo à direita: Brendan Smialowski/AFP via Getty Images
Capítulo 45 início: Cortesia de Omead Afshar
Capítulo 45 fim: Cortesia de Sam Teller
Capítulo 46 início: Em cima à esquerda: cortesia de Omead Afshar. Em
cima à direita e embaixo à esquerda: cortesia de Sam Teller. Embaixo
à direita: cortesia de Jehn Balajadia.
Capítulo 46 fim: Cortesia de Omead Afshar
Capítulo 47: Fotos cortesia de Sam Teller
Capítulo 48: Em cima: YouTube.com. Embaixo: Ryan David
Brown/The New York Times/Redux
Capítulo 49: Esquerda: cortesia de Grimes. Direita: Amy
Sussman/WWD/Penske Media/Getty Images
Capítulo 50: Cortesia de Robin Ren
Capítulo 51: Cortesia de Sam Teller
Capítulo 53: Direita: cortesia de Bill Riley
Capítulo 56: Em cima à esquerda: cortesia de Maye Musk. Embaixo:
Martin Schoeller/August
Capítulo 57: Em cima: cortesia da SpaceX. abaixo: cortesia de Jehn
Balajadia
Capítulo 58: Esquerda: cortesia da Blue Origin. Direita: cortesia de
Elon Musk
Capítulo 59: Em cima à esquerda: cortesia de Andy Krebs. Embaixo à
esquerda: cortesia de Lucas Hughes. Direita: Nic Ansuini
Capítulo 61: Esquerda: Will Heath/NBC/NBCU Photo Bank via
Getty Images. Direita: cortesia de Grimes
Capítulo 62: Em cima: cortesia da SpaceX. Embaixo: cortesia de Kim
Shiflett/NASA
Capítulo 63: Embaixo: Nic Ansuini
Capítulo 64: Cortesia da Tesla
Capítulo 65: Cortesia da Neuralink
Capítulo 71: Imagine China/AP
Capítulo 72: Esquerda: Kevin Dietsch/Getty Images. Direita: Andrew
Harrer/Bloomberg via Getty Images
Capítulo 75: Embaixo: cortesia de Jared Birchall
Capítulo 77: Fotos cortesia da Tesla
Capítulo 78: Em cima: The PhotOne/BACKGRID. Embaixo: Marlena
Sloss/Bloomberg via Getty Images
Capítulo 79 fim: Cortesia de Milan Kovac
Capítulo 80: Em cima: cortesia de Omead Afshar
Capítulo 81: Em cima: cortesia de Elon Musk/Twitter. Embaixo:
xortesia de Jehn Balajadia
Capítulo 82: À direita: cortesia de Jehn Balajadia
Capítulo 84: Acima à esquerda: Elon Musk/Twitter. Acima à direita:
cortesia do Twitter. Embaixo à esquerda: David Paul
Morris/Bloomberg via Getty Images. Embaixo à direita: Duffy-
Marie Arnoult/WireImage/Getty Images
Capítulo 85: Em cima: cortesia Elon Musk/Twitter. Embaixo: cortesia
de Maye Musk
Capítulo 87: Em cima: cortesia de Christopher Stanley
Capítulo 89: Em cima: cortesia da Neuralink. Embaixo: cortesia de
Jeremy Barenholtz
Capítulo 90: Em cima: Wikimedia Commons. Embaixo: Samantha
Bloom
Capítulo 92: Fotos cortesia de James Musk
Capítulo 93: Cortesia de Dhaval Shroff
sobre o autor

WALTER ISAACSON é um dos mais importantes biógrafos do nosso


tempo. Iniciou a carreira no jornalismo, foi editor da revista Time,
presidente do conselho de administração e CEO da CNN. Atualmente
é professor de história na Universidade de Tulane. É autor dos best-
sellers Steve Jobs, Leonardo da Vinci, A decodificadora, Os inovadores, entre
outros.

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