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Copyright © 2023 by Walter Isaacson

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Elon Musk


João Sette Câmara


Eduardo Carneiro
eo Araújo

 
ássius Veloso

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Ilustrarte Design e Produção Editorial

  
Frente: Art Streiber / AUGUST
Quarta capa: cortesia da @SpaceX

  -
Victor Huguet

-
978-65-5560-646-1

Edição digital: 2023

Todos os direitos desta edição reservados à


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editoraintrinseca
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intrinsecaeditora
SUMÁRIO

[Avançar para o início do texto]

Capa
Folha de rosto
Créditos
Mídias sociais
Epígrafe

: Musa de fogo


 : Aventureiros
 : Uma mente livre — Pretória, anos 1970
 : A vida com o pai — Pretória, anos 1980
 : A busca — Pretória, anos 1980
 : Velocidade de escape — Deixando a África do Sul, 1989
 : Canadá — 1989
 : Queen’s — Kingston, Ontário, 1990-1991
 : Penn — Filadélfia, 1992-1994
 : Rumo a oeste — Vale do Silício, 1994-1995
 : Zip2 — Palo Alto, 1995-1999
 : Justine — Palo Alto, anos 1990
 : X.com — Palo Alto, 1999-2000
 : O golpe — PayPal, setembro de 2000
 : Marte — SpaceX, 2001
 : Homem-foguete — SpaceX, 2002
 : Pais e filhos — Los Angeles, 2002
 : Acelerando — SpaceX, 2002
 : As regras de Musk para construir foguetes — SpaceX, 2002-
2003
 : O sr. Musk vai a Washington — SpaceX, 2002-2003
 : Fundadores — Tesla, 2003-2004
 : O Roadster — Tesla, 2004-2006
 : Kwaj — SpaceX, 2005-2006
 : Duas falhas — Kwaj, 2006-2007
 : A Equipe da SWAT — Tesla, 2006-2008
 : Assumindo a direção — Tesla, 2007-2008
 : Divórcio
 : Talulah
 : Terceira falha
 : No limite
 : O quarto lançamento — Kwaj, agosto a setembro de 2008
 : Salvando a Tesla — Dezembro de 2008
 : Model S — Tesla, 2009
 : Espaço privado — SpaceX, 2009-2010
 : O lançamento do Falcon 9 — Cabo Canaveral, 2010
 : Casando-se com Talulah — Setembro de 2010
 : Produção — Tesla, 2010-2013
 : Musk e Bezos — SpaceX, 2013-2014
 : O falcão escuta o falcoeiro — SpaceX, 2014-2015
 : A montanha-russa Talulah
 : Inteligência artificial
 : O lançamento do Autopilot — Tesla, 2014-2016
 : Solar — Tesla Energy, 2004-2016
 : e Boring Company
 : Relações complicadas — 2016-2017
 : Descida para a escuridão — 2017
 : O inferno da fábrica de Fremont — Tesla, 2018
 : Aviso de malha aberta — 2018
 : Radioatividade — 2018
 : Grimes — 2018
 : Xangai — Tesla, 2015-2019
 : Cybertruck — Tesla, 2018-2019
 : Starlink — SpaceX, 2015-2018
 : Starship — SpaceX, 2018-2019
 : Dia da Autonomia — Tesla, abril de 2019
 : Giga Texas — Tesla, 2020-2021
 : Vida familiar — 2020
 : A pleno vapor — SpaceX, 2020

 : Bezos versus Musk, 2o round — SpaceX, 2021


 : A onda da Starship — SpaceX, julho de 2021
 : Onda solar — Verão de 2021
 : Luzes apagadas — Verão de 2021
 : Inspiration4 — SpaceX, setembro de 2021
 : Mudanças no Raptor — SpaceX, 2021
 : Nasce o Optimus — Tesla, agosto de 2021
 : Neuralink — 2017-2020
 : Pura visão — Tesla, janeiro de 2021
 : Dinheiro — 2021-2022
 : Pai do ano — 2021
 : Política — 2020-2022
 : Ucrânia — 2022
 : Bill Gates — 2022
 : Investidor ativo — Twitter, janeiro a abril de 2022
 : “Fiz uma oferta” — Twitter, abril de 2022
 : Quente e frio — Twitter, abril a junho de 2022
 : Dia dos Pais — Junho de 2022
 : Sacudida na Starbase — SpaceX, 2022
 : Optimus Prime — Tesla, 2021-2022
 : Incerteza — Twitter, julho a setembro de 2022
 : Apresentação do Optimus — Tesla, setembro de 2022
 : Robotáxi — Tesla, 2022
 : “Vocês vão ter que aceitar” — Twitter, 26 e 27 de outubro de
2022
 : Tomando posse — Twitter, quinta-feira, 27 de outubro de 2022
 : Os três mosqueteiros — Twitter, 26 a 30 de outubro de 2022
 : Moderação de conteúdo — Twitter, 27 a 30 de outubro de
2022
 : Halloween — Twitter, outubro de 2022
 : Contas verificadas — Twitter, 2 a 10 de novembro de 2022
 : Apostando tudo — Twitter, 10 a 18 de novembro de 2022
 : Hardcore — Twitter, 18 a 30 de novembro de 2022
 : Milagres — Neuralink, novembro de 2022
 : Twitter Files — Twitter, dezembro de 2022
 : Caminhos perigosos — Twitter, dezembro de 2022
 : Travessuras natalinas — Dezembro de 2022
 : IA para carros — Tesla, 2022-2023
 : IA para humanos — X. AI, 2023
 : O lançamento da Starship — SpaceX, abril de 2023

Agradecimentos
Fontes
Notas
Créditos das fotos
Sobre o autor
“A quem quer que eu tenha ofendido, só quero dizer que
reinventei os carros elétricos e estou enviando pessoas a
Marte num foguete espacial. Você acha que eu seria um cara
tranquilo, normal?”
— Elon Musk, Saturday Night Live, 8 de maio de 2021

“As pessoas que são loucas o suficiente para achar que podem
mudar o mundo são as que de fato o mudam.”
— Steve Jobs
prólogo
Musa de fogo
O parquinho
Em sua infância na África do Sul, Elon Musk conheceu a dor e aprendeu a
resistir a ela.
Aos 12 anos, foi levado de ônibus para um acampamento de
sobrevivência na selva conhecido como veldskool. “Era um Senhor das Moscas
paramilitar”, relembra ele. Cada criança recebia pequenas rações de comida
e água, e todas tinham permissão para lutar por elas — na verdade, eram até
incentivadas a isso. “O bullying era considerado uma virtude”, diz o irmão
mais novo de Elon, Kimbal. Os meninos maiores logo aprenderam a socar
os menores no rosto e pegar as coisas deles. Elon, que era pequeno e inábil
emocionalmente, foi espancado duas vezes. Acabaria perdendo cinco quilos.
Perto do fim da primeira semana, os meninos foram divididos em dois
grupos e receberam ordens de se atacar. “Foi insano, inimaginável”, lembra
Musk. De tempos em tempos, algum dos meninos morria. Os monitores
usavam essas histórias como alertas. “Não seja imbecil como o que morreu
ano passado”, diziam. “Não seja um imbecil fracote.”
Na segunda vez que Elon foi para o veldskool, estava prestes a fazer 16
anos. Ele tinha crescido muito, espichara para quase 1,80 metro de altura,
com o corpo feito o de um urso, e aprendera um pouco de judô. Dessa vez, o
veldskool não foi tão ruim. “Percebi então que, se alguém me enchesse o
saco, eu podia dar um soco forte no nariz do cara, e aí não me incomodavam
mais. Eles podiam me encher de pancada, mas, se eu acertasse um soco
forte neles, não viriam mais atrás de mim.”

***

A África do Sul dos anos 1980 era um lugar violento, onde ataques com
metralhadoras e esfaqueamentos eram comuns. Certa vez, Elon e Kimbal
saíram de um trem a caminho de um show contra o apartheid e tiveram que
desviar de uma poça de sangue ao lado de um cadáver com uma faca enfiada
na cabeça. Pelo resto da noite, o sangue seco na sola dos tênis deles fez
barulho sempre que pisavam no chão.
A família Musk tinha pastores-alemães treinados para atacar qualquer
um que passasse perto da casa. Aos 6 anos, Elon estava correndo pela
entrada de carros e seu cachorro favorito o atacou, dando uma enorme
mordida em suas costas. No pronto-socorro, quando estavam se preparando
para dar os pontos, ele recusou o tratamento até que prometessem que o
cachorro não seria castigado. “Vocês não vão matar o cachorro, vão?”,
perguntou Elon. Eles juraram que não matariam. Ao relembrar a história,
Musk se detém e olha para o nada por muito tempo. “Mas eles acabaram
matando o cachorro a tiros.”
As experiências mais marcantes da vida dele aconteceram na escola. Por
muito tempo, Elon foi o menor e o mais novo da turma. Ele tinha
dificuldade em entender sinais sociais. A empatia não era algo natural, e ele
não tinha o desejo, nem o instinto, de tentar agradar. Como resultado, era
regularmente acossado por valentões, que se aproximavam e davam socos no
rosto dele. “Se você nunca levou um soco no nariz, não tem ideia de como
isso te afeta pelo resto da vida”, diz.
Certa manhã, quando todos os alunos estavam reunidos, um garoto que
brincava com um grupo de amigos esbarrou nele. Elon reagiu empurrando o
sujeito. Houve uma discussão. O menino e os amigos dele foram atrás de
Elon no intervalo e o encontraram comendo um sanduíche. Eles se
aproximaram por trás, deram-lhe um chute na cabeça e o derrubaram
escada abaixo. “Eles sentaram em cima do Elon e simplesmente
continuaram batendo e chutando a cabeça dele”, diz Kimbal, que estava
sentado junto ao irmão. “Quando terminaram, não dava para reconhecê-lo.
O rosto era uma bola de carne tão inchada que quase não dava para ver os
olhos.” Ele foi levado para o hospital e ficou uma semana sem ir à escola.
Décadas depois desse episódio, ele ainda se submeteria a cirurgias corretivas
para tentar consertar o nariz.
Aquelas cicatrizes, contudo, eram pequenas comparadas às cicatrizes
emocionais deixadas pelo pai, Errol Musk, um engenheiro carismático,
sonhador e trapaceiro que até hoje atormenta Elon. Depois da briga na
escola, Errol deu razão ao menino que acabou com o rosto do filho. “O
menino tinha acabado de perder o pai, que se suicidara, e Elon chamou o
garoto de burro”, diz Errol. “Elon tinha o hábito de chamar as pessoas de
burras. Como eu podia culpar aquela criança?”
Quando Elon finalmente recebeu alta e foi para casa, o pai o repreendeu.
“Tive que ficar em pé por uma hora enquanto ele gritava comigo, me
chamava de idiota e dizia que eu era um inútil”, recorda Elon. Kimbal, que
testemunhou a bronca, diz que é a pior lembrança de sua vida. “Meu pai
simplesmente perdeu o controle, surtou, como frequentemente fazia. Ele
não tinha compaixão.”
Tanto Elon quanto Kimbal, que não fala mais com o pai, dizem que a
alegação de Errol de que Elon teve culpa na agressão é absurda, e que o
agressor acabou sendo enviado para um centro de detenção juvenil por
aquilo. Eles dizem que o pai é um mentiroso instável, que frequentemente
conta histórias fantasiosas, às vezes mentiras calculadas e outras, delirantes.
Uma natureza meio O Médico e o Monstro, segundo os dois. Em dado
momento, era simpático; no instante seguinte, começava uma série
interminável de insultos. Errol encerrava todas as agressões dizendo que
Elon era patético. Elon tinha que ficar parado ouvindo, sem permissão para
sair. “Era tortura psicológica”, diz Elon, que fica em silêncio por muito
tempo e se emociona um pouco. “Ele sabia perfeitamente como tornar tudo
terrível.”
No dia em que liguei para Errol, ele conversou comigo por quase três
horas. Depois passou a ligar para mim com frequência e a mandar
mensagens de texto pelos dois anos seguintes. Estava ansioso para descrever
— com direito a fotos — as coisas boas que dera aos filhos, pelo menos na
época em que os negócios envolvendo engenharia iam bem. Houve uma
época em que ele dirigiu um Rolls-Royce, construiu uma cabana na mata
para os meninos e comprou esmeraldas brutas do proprietário de uma mina
na Zâmbia, até que o negócio faliu.
No entanto, Errol admite que incentivava uma dureza física e emocional.
“A vida deles comigo fazia o veldskool parecer bem tranquilo”, diz ele,
acrescentando que aquela violência era parte da experiência educativa na
África do Sul. “Dois seguravam você no chão enquanto outro batia na sua
cara, esse tipo de coisa. Quando trocavam de escola, os meninos novos eram
forçados a brigar com o valentão no primeiro dia de aula.” Ele admite com
orgulho que impunha “uma autocracia urbana extremamente severa” aos
meninos. Em seguida, faz questão de acrescentar que “anos depois Elon iria
aplicar a mesma autocracia consigo mesmo e com os outros”.
“A adversidade me moldou”
“Alguém disse que todo homem tenta dar conta das expectativas do pai ou
corrigir os erros dele”, escreveu Barack Obama em seu livro de memórias, “e
acho que isso pode explicar o que eu vivi”. No caso de Elon Musk, o
impacto do pai na psique dele ia durar muito tempo, apesar das muitas
tentativas de expulsá-lo, tanto física quanto psicologicamente. Seus humores
alternavam ciclos que incluíam bons e maus momentos, passando pelo
modo intenso e engraçado, distante e emotivo, com mergulhos ocasionais
naquilo que os mais próximos temiam e chamavam de “modo demoníaco”.
Diferentemente do pai, Elon era atencioso com os filhos, mas, em outros
aspectos, seu comportamento flertava com um perigo que precisava ser
constantemente combatido: o fantasma de que, como resume sua mãe, “ele
poderia se tornar igual ao pai”. Esse é um dos temas mais recorrentes na
mitologia. Até que ponto a saga do herói de Star Wars exige que se
exorcizem demônios legados por Darth Vader e se lute contra o lado
sombrio da Força?
“Com uma infância como a que ele teve na África do Sul, acho que é
preciso se fechar emocionalmente um pouco”, diz a primeira esposa, Justine,
mãe de cinco dos dez filhos vivos de Elon. “Se seu pai está sempre te
chamando de débil mental e idiota, talvez a única resposta seja desligar
dentro de si tudo que possa abrir uma dimensão emocional com a qual não
se tem capacidade de lidar.” Essa válvula interruptora de emoções podia
torná-lo insensível, mas também fez dele um inovador sem medo de riscos.
“Ele aprendeu a calar o medo”, diz ela. “Se você cala o medo, talvez tenha
que calar outras coisas também, como a alegria e a empatia.”
O transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) da infância também
inculcou em Elon uma aversão ao contentamento. “Acho que ele não sabe
desfrutar o sucesso e sentir o perfume das flores”, comenta Claire Boucher, a
artista conhecida como Grimes, mãe de três dos outros filhos dele. “Acho
que ele aprendeu na infância que a vida é dor.” Musk concorda. “A
adversidade me moldou”, diz. “Minha resistência à dor é bem alta.”
Durante um período particularmente infernal de sua vida, em 2008,
depois que os três primeiros lançamentos dos foguetes SpaceX explodiram e
a Tesla estava prestes a falir, Musk acordava se debatendo e contava a
Talulah Riley, que se tornou sua segunda esposa, as coisas horríveis que o
pai lhe dissera. “Eu o ouvia pronunciar aquelas frases”, conta ela. “Isso teve
um efeito profundo no modo como Elon vive.” Quando ele recordava esses
momentos, desligava-se e desaparecia por trás dos olhos cor de aço. “Acho
que ele não tinha consciência de quanto isso ainda o afetava, porque pensava
que era algo que ficara na infância”, diz Riley. “Mas ele manteve um lado
infantil, quase intocado. No âmago, ele ainda é uma criança, uma criança
diante do pai.”
Desse caldeirão, Musk desenvolveu uma aura que às vezes o faz parecer
um alienígena, como se sua missão de chegar a Marte fosse um desejo de
voltar para casa e sua aspiração de construir robôs humanoides fosse uma
busca por pertencimento. Não seria surpresa para ninguém se ele tirasse a
camiseta e mostrasse que não tem umbigo e não é terráqueo. Contudo, a
infância dele também o fez humano demais, um menino bravo mas
vulnerável que decide embarcar em aventuras épicas.
Musk desenvolveu um fervor que disfarça o jeito pateta e um jeito pateta
que disfarça o fervor. Pouco à vontade no próprio corpo, como um homem
grande e forte que nunca foi atleta, ele anda com os passos largos de um
urso obstinado e dança com movimentos que parecem ensinados por um
robô. Com a convicção de um profeta, ele fala sobre a necessidade de nutrir
a chama da consciência humana, sondar o Universo e salvar nosso planeta.
A princípio, achei que fosse só encenação, discursos motivadores para a
equipe e fantasias de podcast de uma criança crescida que já leu O guia do
mochileiro das galáxias mais vezes do que deveria. Entretanto, quanto mais
eu o conhecia, mais acreditava que o sentimento de missão que ele tem é
parte daquilo que o motiva. Enquanto outros empreendedores lutam para
desenvolver uma visão de mundo, Musk procurou desenvolver uma visão do
cosmos.
A ascendência e a origem, assim como a maneira de ele pensar,
tornaram-no uma pessoa por vezes insensível e impulsiva. Também
incutiram nele uma alta tolerância ao perigo. Ele calcula riscos friamente e
os aceita de modo febril. “Elon gosta do risco pelo risco”, diz Peter iel,
que se tornou sócio dele no início da PayPal. “Ele parece curtir, às vezes até
parece viciado.”
Elon se tornou uma dessas pessoas que se sentem mais vivas quando um
furacão está chegando. “Nasci para a tempestade, e tempo bom não
combina comigo”, dizia Andrew Jackson. O mesmo vale para Musk, que
desenvolveu uma mentalidade paranoica a qual incluía uma atração, às vezes
um desejo, pela tempestade e pelo drama, tanto no trabalho quanto nos
relacionamentos amorosos que lutava para manter, sem sucesso. Musk se
sobressai quando há crises, prazos e sobrecargas intensas no trabalho.
Quando enfrentava desafios complexos, o esforço frequentemente o
mantinha acordado à noite e o fazia vomitar. Isso, contudo, também o
energizava. “Ele atrai drama”, diz Kimbal. “É a compulsão dele, o tema da
vida dele.”

***

Quando eu estava escrevendo sobre Steve Jobs, seu sócio, Steve Wozniak,
disse que a grande pergunta era: “Ele de fato tinha que ser tão mau assim?
Tão duro e insensível? Tão viciado em drama?” Quando fiz a mesma
pergunta para Woz no fim da minha pesquisa, ele disse que, se comandasse
a Apple, teria sido mais gentil. Teria tratado todo mundo como uma família
e não demitiria sumariamente as pessoas. Em seguida, parou e acrescentou:
“Mas, se eu comandasse a Apple, talvez a gente nunca tivesse feito o
Macintosh.” Portanto, a pergunta sobre Elon Musk é: poderia ele ser mais
tranquilo e ainda ser a pessoa que está nos levando a Marte e a um futuro
com veículos elétricos?
No início de 2022 — depois de um ano marcado pelo 31o lançamento
bem-sucedido de foguetes da SpaceX, com a Tesla vendendo quase 1
milhão de carros e ele se tornando o homem mais rico do planeta —, Musk
falou pesarosamente sobre sua compulsão por drama. “Preciso mudar minha
mentalidade e sair do modo crise”, disse ele, “no qual estou há pelo menos
catorze anos, ou por quase a maior parte da minha vida”.
Era um comentário melancólico, não uma resolução de Ano-Novo.
Mesmo enquanto fazia essa promessa, Musk estava secretamente
comprando ações do Twitter, o principal parquinho do mundo. Naquele
mês de abril, viajou discretamente para o Havaí, onde ficou na casa de seu
mentor, Larry Ellison, fundador da Oracle, acompanhado pela atriz
Natasha Bassett, uma namorada da época. Ofereceram a Musk um assento
no conselho do Twitter, mas durante o fim de semana ele concluiu que não

É
bastava. É da natureza dele querer ter controle total. Então, decidiu que iria
fazer uma oferta agressiva de compra direta da empresa. Ele voou até
Vancouver para se encontrar com Grimes. Lá, ficou acordado com ela até as
cinco da manhã jogando Elden Ring, um jogo de guerra e império. Logo
após terminar, pôs o plano em ação e entrou no Twitter. “Fiz uma oferta”,
anunciou.
Durante anos, sempre que estava em um momento difícil ou se sentia
ameaçado, Musk relembrava os horrores do bullying que sofreu na infância.
Agora ele tinha a oportunidade de se tornar o dono do parquinho.
capítulo 1
Aventureiros

Winnifred e Joshua Haldeman (no alto, à esquerda); Errol, Maye, Elon, Tosca e
Kimbal Musk (abaixo, à esquerda); Cora e Walter Musk (à direita)
Joshua e Winnifred Haldeman
A atração de Elon Musk por risco é um traço de família. Nesse sentido, ele
puxou ao avô materno, Joshua Haldeman, um aventureiro audacioso e
genioso criado numa fazenda nas planícies estéreis do Canadá central.
Haldeman estudou técnicas de quiroprática no Iowa e depois voltou para a
sua cidade natal, perto de Moose Jaw, onde domava cavalos e fazia sessões
de quiroprática em troca de comida e alojamento.
Mais tarde, Haldeman conseguiu comprar uma fazenda, mas a perdeu
durante a Depressão, nos anos 1930. Ao longo dos anos seguintes, ele
trabalhou como caubói, peão de rodeio e peão de obra. A única coisa
constante em sua vida era o amor pela aventura. Ele se casou e se divorciou,
e viajou clandestinamente em trens de carga e num transatlântico.
A perda da fazenda instigou em Haldeman um certo populismo, e ele
passou a participar de um movimento conhecido como Partido do Crédito
Social, que defendia dar aos cidadãos cartas de crédito gratuitas que
poderiam ser usadas como dinheiro. O movimento tinha uma base
conservadora e fundamentalista, com toques de antissemitismo. O primeiro
líder da organização no Canadá denunciava uma “perversão de ideais
culturais”, porque “um número desproporcional de judeus ocupava posições
de autoridade”. Haldeman chegou a ser presidente do conselho nacional do
partido.
Ele também se filiou a um movimento chamado de Tecnocracia, o qual
acreditava que o governo deveria ser comandado por tecnocratas em vez de
políticos. O movimento foi temporariamente banido no Canadá por causa
da oposição que fazia à entrada do país na Segunda Guerra Mundial.
Haldeman desafiou a proibição ao publicar no jornal um anúncio de apoio
ao movimento.
A certa altura, ele quis aprender dança de salão, e foi assim que conheceu
Winnifred Fletcher, cujo ímpeto aventureiro era semelhante ao dele. Aos 16
anos, ela conseguiu um emprego no Times Herald de Moose Jaw, mas
sonhava em ser dançarina e atriz. Por isso, foi de trem para Chicago e
depois para Nova York. Ao voltar, abriu uma escola de dança em Moose
Jaw, onde Haldeman apareceu para ter aulas. Quando ele a convidou para
jantar, Winnifred disse: “Não saio com meus clientes.” Então, ele desistiu
da aula e a convidou novamente. Alguns meses depois, ele perguntou:
“Quando você vai casar comigo?” Ela respondeu: “Amanhã.”
Eles tiveram quatro filhos, entre os quais meninas gêmeas, Maye e Kaye,
nascidas em 1948. Certo dia, os dois estavam em viagem quando ele viu
uma placa de - em um avião monomotor Luscombe que estava no
campo de um agricultor. Ele não tinha dinheiro, mas convenceu o
fazendeiro a aceitar o carro como pagamento. Foi uma decisão muito
impetuosa, uma vez que Haldeman não sabia pilotar avião. Ele contratou
alguém para levá-lo de avião para casa e ensiná-lo a pilotar.
A família passou a ser conhecida como os Haldeman Voadores, e ele foi
descrito por um jornal de quiroprática como “talvez o personagem mais
famoso na história dos quiropráticos voadores”, um elogio muito tacanho,
mas preciso. Eles compraram um avião monomotor maior, um Bellanca,
quando Maye e Kaye tinham 3 meses, e as crianças ficaram conhecidas
como as “gêmeas voadoras”.
Com opiniões estranhas, conservadoras e populistas, Haldeman passou a
acreditar que o governo canadense estava controlando demais a vida dos
indivíduos e que o país se acovardara. Em 1950, ele decidiu se mudar para a
África do Sul, que ainda vivia sob o regime do apartheid. Eles desmontaram
o Bellanca, guardaram-no em caixas e embarcaram em um cargueiro rumo à
Cidade do Cabo. Haldeman decidiu que queria viver no interior, de modo
que eles seguiram para Joanesburgo, onde a maioria dos cidadãos brancos
falava inglês em vez de africâner. Entretanto, enquanto sobrevoavam uma
região próxima a Pretória [atual Tshwane], as flores lilás dos jacarandás
haviam desabrochado, e Haldeman anunciou: “Vamos ficar aqui.”
Quando Joshua e Winnifred eram jovens, um charlatão chamado
William Hunt, conhecido (segundo o próprio dizia) como “Grande Farini”,
apareceu em Moose Jaw e contou histórias sobre uma “cidade perdida”
antiga que tinha visto quando cruzou o deserto do Kalahari, na África do
Sul. “Esse mentiroso mostrou fotos que eram obviamente falsas, mas meu
avô acreditou e decidiu que era missão dele descobrir a cidade”, diz Musk.
Depois que chegaram à África, os Haldeman faziam anualmente uma
expedição de um mês pelo deserto do Kalahari para procurar essa cidade
lendária. Eles caçavam a própria comida e dormiam armados para se
defender dos leões.
A família adotou um lema: “Viva perigosamente... com cautela.” Eles
embarcavam em voos de longa distância para lugares como a Noruega,
empataram em primeiro lugar num rali de 20 mil quilômetros da Cidade do
Cabo até Argel e se tornaram os primeiros a voar com um monomotor da
África para a Austrália. “Eles tiveram que tirar os bancos para colocar os
tanques de combustível”, relembra Maye.
A vida de riscos de Joshua Haldeman por fim cobrou um preço. Ele
morreu quando uma pessoa a quem estava ensinando a voar acertou um fio
de alta-tensão, o que fez com que o avião se desgovernasse e caísse. O neto
Elon tinha 3 anos na época. “Ele sabia que aventuras reais têm riscos”, diz.
“O risco o motivava.”
Haldeman instigou esse espírito em uma das filhas gêmeas, a mãe de
Elon, Maye. “Sei que posso assumir um risco desde que esteja preparada”,
afirma ela. Quando estudante, Maye se saía bem em ciências e matemática.
Também era linda. Alta e de olhos azuis, com maçãs do rosto salientes e o
queixo esculpido, ela começou a trabalhar aos 15 anos como modelo,
fazendo desfiles de moda em lojas de departamentos nas manhãs de sábado.
Nessa época, Maye conheceu um menino na vizinhança que também era
muito bonito, embora agisse de maneira ardilosa e bruta.

Errol Musk
Errol Musk era um aventureiro e negociante, sempre em busca da próxima
oportunidade. A mãe, Cora, era inglesa, havia concluído a escola aos 14
anos, trabalhara em uma fábrica na qual fazia revestimentos para
bombardeiros e, passado um tempo, resolvera embarcar num navio de
refugiados para a África do Sul. Lá, conheceu Walter Musk, um criptógrafo
e oficial da inteligência militar que trabalhava no Egito em planos para
enganar os alemães usando armas falsas e canhões de luz. Depois da guerra,
ele praticamente não fazia nada além de ficar sentado em silêncio numa
poltrona, bebendo e usando suas habilidades de criptografia para completar
palavras cruzadas. Então, Cora o deixou, voltou para a Inglaterra com os
dois filhos, comprou um Buick e retornou a Pretória. “Era a pessoa mais
forte que já conheci”, diz Errol.
Errol se formou em engenharia e trabalhou na construção de hotéis,
shopping centers e fábricas. No tempo livre, gostava de restaurar carros
antigos e aviões. Também se envolveu em política, derrotou um membro
africâner do Partido Nacional, pró-apartheid, e se tornou um dos poucos
membros anglófonos da Câmara de Pretória. O Pretoria News de 9 de
março de 1972 noticiou a eleição com a seguinte manchete: “Reação ao
status quo.”
Assim como os Haldeman, ele amava voar. Comprou um bimotor
Cessna Golden Eagle, que usava para levar equipes de televisão até um
chalé que construiu na selva. Em uma viagem em 1986, quando estava
tentando vender o avião, pousou numa pista na Zâmbia, onde um
empreendedor ítalo-panamenho quis comprá-lo. Eles acertaram um preço,
e, em vez de um pagamento em espécie, Errol recebeu uma parte das
esmeraldas extraídas de três minas pequenas que o empreendedor tinha na
Zâmbia.
À época, a Zâmbia tinha um governo negro pós-colonial, mas não havia
uma burocracia em funcionamento, então a mina não fora legalizada. “Se
você legalizasse, acabaria sem nada, porque os negros tomariam tudo de
você”, fala Errol. Ele critica a família de Maye por ser racista, e insiste que
ele próprio não é. “Não tenho nada contra os negros; eles são diferentes de
mim, nada mais”, diz de modo desconexo pelo telefone.
Errol, que nunca foi dono de nenhuma parte da mina, expandiu os
negócios ao importar mais esmeraldas brutas e lapidá-las em Joanesburgo.
“Muita gente me procurava com produtos roubados”, afirma ele. “Em
viagens ao exterior, eu vendia as esmeraldas para joalheiros. Era um negócio
clandestino, porque nada disso era legal.” Depois de obter lucros de cerca de
210 mil dólares, o negócio de esmeraldas faliu nos anos 1980, quando os
russos criaram em laboratório uma esmeralda artificial. Ele perdeu todos os
lucros que teve com as pedras.

O casamento
Errol Musk e Maye Haldeman começaram a namorar quando eram
adolescentes. Desde o início, o relacionamento era cheio de drama. Errol a
pediu em casamento diversas vezes, mas Maye não confiava nele. Quando
descobriu que estava sendo traída, ficou tão chateada que chorou por uma
semana e não conseguia comer. “Por causa do sofrimento, perdi cinco
quilos”, relembra ela, e isso a ajudou a vencer um concurso de beleza local.
Maye ganhou um prêmio de 150 dólares em dinheiro vivo e dez ingressos
para um boliche, além de ter se tornado finalista do Miss África do Sul.
Quando se formou na universidade, Maye se mudou para a Cidade do
Cabo com a finalidade de dar aulas de nutrição. Errol foi visitá-la, comprou
um anel de noivado e a pediu em casamento. Ele prometeu que mudaria e
seria fiel quando se casassem. Maye havia acabado de terminar um
relacionamento com outro namorado infiel, engordara bastante e começara
a recear que nunca se casaria, de modo que aceitou o pedido.
Na noite do casamento, Errol e Maye pegaram um voo barato até a
Europa para passar a lua de mel. Na França, ele comprou exemplares da
Playboy, que era proibida na África do Sul, e se deitou na pequena cama do
hotel para ver as revistas, o que irritou Maye. As brigas deles se tornaram
amargas. Quando voltaram para Pretória, ela pensou em dar fim ao
casamento. No entanto, começou a sentir enjoos matinais. Ela havia
engravidado na segunda noite da lua de mel, na cidade de Nice. “Estava
evidente que me casar com ele tinha sido um erro”, relembra Maye, “mas
àquela altura era impossível voltar atrás”.
capítulo 2
Uma mente livre
Pretória, anos 1970

Elon e Maye Musk (no alto, à esquerda); Elon, Kimbal e Tosca (abaixo, à
esquerda); Elon arrumado para a escola (à direita)
Sozinha e determinada
Às sete e meia da manhã do dia 28 de junho de 1971, Maye Musk deu à luz
um menino de 3,8 quilos com uma cabeça muito grande.
Ela e Errol a princípio queriam chamá-lo de Nice, em homenagem à
cidade na França onde ele fora concebido. A história poderia ter sido
diferente, ou pelo menos engraçada, se o menino tivesse que viver com o
nome Nice Musk. Em vez disso, na esperança de deixar os Haldeman
felizes, Errol concordou que os dois nomes do menino viriam daquele lado
da família: Elon, em homenagem ao avô de Maye, J. Elon Haldeman, e
Reeve, o nome de solteira da avó materna de Maye.
Errol gostava do nome Elon porque era bíblico, e ele mais tarde alegaria
ter previsto o futuro. Quando criança, diz que ouviu falar do livro de ficção
científica do cientista espacial Wernher von Braun chamado Projeto Marte,
que descrevia uma colônia no planeta comandada por um executivo
conhecido como Elon.
Elon chorava muito, comia muito e dormia pouco. Em dado momento,
Maye decidiu que ia deixar o menino chorar até dormir, mas desistiu depois
que os vizinhos chamaram a polícia. Os humores dele mudavam
rapidamente — quando não estava chorando, diz a mãe, era muito meigo.
Nos dois anos seguintes, Maye teve outros dois filhos, Kimbal e Tosca.
Ela não os mimava. Eles foram criados soltos. Não havia babá, só uma
empregada que prestava pouca atenção, mesmo quando Elon começou a
fazer experiências com foguetes e explosivos. Ele se diz surpreso por ter
chegado ao fim da infância com todos os dedos ilesos.
Quando ele tinha 3 anos, a mãe decidiu que alguém tão intelectualmente
curioso deveria ir para a pré-escola. O diretor tentou dissuadi-la, explicando
que ele era mais novo que os demais e teria dificuldades para se socializar.
Ele teria que esperar mais um ano. “Não posso fazer isso”, falou Maye.
“Elon precisa de alguém além de mim para conversar. Eu realmente tenho
um filho gênio.” Ela conseguiu.
Foi um erro. Elon não tinha amigos, e quando chegou ao segundo ano
passou a se desligar. “A professora se aproximava e gritava comigo, mas eu
não a via ou ouvia de fato”, conta ele. Os pais foram chamados pelo diretor,
que disse: “Achamos que o Elon é retardado.” Segundo explicou uma das
professoras, ele passava a maior parte do tempo num transe, sem ouvir nada.
“Ele fica olhando pela janela, e, quando digo para prestar atenção, ele diz:
‘As folhas estão ficando marrons.’” Errol respondeu que Elon estava certo, as
folhas estavam ficando marrons.
O impasse acabou quando os pais concordaram que era preciso testar a
audição de Elon, como se esse pudesse ser o problema. “Eles concluíram
que o problema era a minha audição, de modo que tiraram a minha
adenoide”, conta ele. Isso acalmou os diretores da escola, mas não mudou a
tendência de Elon de se desligar e se fechar num mundo próprio quando
estava pensando. “Desde criança, se eu começo a me concentrar muito em
alguma coisa, todos os meus sentidos se desligam”, diz. “Não consigo ver,
ouvir, fazer mais nada. Estou usando meu cérebro para computar, não para
receber informações externas.” As outras crianças pulavam e balançavam os
braços na cara dele, para ver se conseguiam fazer o menino voltar a prestar
atenção. Mas não funcionava. “Era melhor não interromper quando ele
estava com o olhar perdido”, afirma a mãe.
Somando-se aos problemas sociais do menino, havia o desinteresse em
tratar com educação as pessoas que ele considerava tolas. Ele usava a palavra
“burro” com frequência. “Quando começou a ir para a escola, Elon se
tornou muito solitário e triste”, conta a mãe. “Kimbal e Tosca faziam
amigos no primeiro dia e os traziam para casa, mas Elon nunca trouxe
ninguém. Ele queria ter amigos, mas não sabia como.”
Consequentemente, Elon era solitário, muito solitário, e aquela dor
permanece marcada em sua alma. “Quando eu era criança, tinha uma coisa
que eu dizia”, relembrou ele em uma entrevista para a Rolling Stone durante
um período tumultuado de sua vida amorosa em 2017. “‘Eu nunca quero
ficar sozinho.’ Era isso que eu dizia. ‘Não quero ficar sozinho.’”
Certo dia, quando tinha 5 anos, um de seus primos fez uma festa de
aniversário, mas Elon estava de castigo por ter se envolvido numa briga e
ficou em casa. Ele era uma criança muito determinada, e decidiu andar
sozinho até a casa do primo. O problema era que a casa ficava do outro lado
de Pretória, uma caminhada de quase duas horas. Além disso, ele era jovem
demais para ler as placas de trânsito. “Eu meio que sabia o caminho porque
tinha visto do carro, e estava decidido a ir até lá, então comecei a andar.” Ele
chegou quase no fim da festa. Quando a mãe o viu descendo a rua, se
apavorou. Temendo ficar de castigo de novo, Elon subiu numa árvore e se
recusou a descer. Kimbal se lembra de ter ficado embaixo, olhando com
perplexidade para o irmão. “Ele tinha essa determinação feroz que espanta e
às vezes assusta, e ainda tem.”
Aos 8 anos, Elon cismou que queria ter uma moto. Sim, aos 8 anos. Ele
ficava ao lado da poltrona do pai defendendo a ideia repetidamente.
Quando o pai pegava o jornal e o mandava ficar quieto, Elon apenas
permanecia ali. “Era extraordinário de assistir”, diz Kimbal. “Ele ficava em
pé ali em silêncio, depois recomeçava a defender a ideia, então se calava de
novo.” Isso aconteceu todas as noites por semanas. O pai finalmente cedeu e
deu a Elon uma Yamaha azul e dourada de 50 cilindradas.
Além disso, Elon tinha uma tendência a se distrair e sair andando
sozinho, completamente indiferente ao que os outros estavam fazendo. Em
uma viagem da família a Liverpool para visitar parentes, quando ele tinha 8
anos, os pais o deixaram, com o irmão, em um parque brincando sozinhos.
Não era da natureza de Elon ficar parado, então ele começou a andar pelas
ruas. “Algum menino me encontrou chorando e me levou até a mãe, que me
deu leite e biscoitos e chamou a polícia”, lembra Elon. Quando reencontrou
os pais na delegacia, ele não sabia o que havia de errado.
“Era uma loucura deixar a mim e meu irmão sozinhos no parque naquela
idade”, afirma ele, “mas meus pais não eram superprotetores como os pais de
hoje em dia”. Anos depois, eu o vi num canteiro de obras da construção de
um telhado solar com o filho de 2 anos, conhecido como X. Eram dez da
noite, e havia guindastes e outras máquinas em movimento iluminados por
apenas dois holofotes que formavam grandes sombras. Musk colocou X no
chão para que explorasse o local sozinho, algo que o menino fez sem medo.
Enquanto o filho brincava entre fios e cabos, Musk às vezes olhava para ele,
mas não tentava interferir. Finalmente, depois que X começou a escalar um
holofote móvel, ele se aproximou e pegou o garoto. X se contorceu e
reclamou, chateado por ter sido tolhido.

***

Tempos depois, Musk iria dizer — e até brincaria com isso — que tem
Asperger, nome popular de um tipo de transtorno do espectro autista que
pode afetar as habilidades sociais, os relacionamentos, os laços emocionais e
a autorregulação. “Ele nunca foi diagnosticado quando criança”, declara a
mãe, “mas diz que tem Asperger, e tenho certeza de que tem razão”. O
transtorno foi exacerbado pelos traumas de infância. Mais tarde, sempre que
ele se sentia acossado ou ameaçado, diz seu amigo íntimo Antonio Gracias,
o TEPT da infância tomava de assalto o sistema límbico dele, a parte do
cérebro que controla as reações emocionais.
Como resultado, ele tem dificuldade em compreender sinais sociais. “Eu
entendia as pessoas de forma literal quando elas estavam tentando dizer
algo”, fala, “e só depois que comecei a ler livros aprendi que as pessoas nem
sempre diziam o que realmente sentiam”. Ele tinha uma preferência por
coisas mais precisas, como engenharia, física e programação.
Assim como todas as características psicológicas, as de Musk são
complexas e individuais. Ele podia ser muito emotivo, especialmente em
relação aos filhos, e experimentara o tipo de ansiedade que acompanha a
solidão. Mas não tinha os receptores emocionais responsáveis pela gentileza
diária, pela cordialidade e pelo desejo de ser querido. A empatia não era algo
natural para ele, ou, para dizer em termos menos técnicos, ele podia ser um
babaca.

O divórcio
Maye e Errol Musk estavam numa edição da Oktoberfest com outros três
casais, bebendo cerveja e se divertindo, quando um homem de outra mesa
assobiou para Maye e disse que ela era sexy. Errol perdeu a cabeça, mas não
com o sujeito. Maye lembra que ele estava prestes a bater nela, e um amigo
teve que o segurar. Ela fugiu para a casa da mãe. “Com o passar do tempo,
ele foi ficando ainda mais maluco”, disse Maye depois. “Ele me batia na
frente das crianças. Lembro que Elon, que tinha 5 anos, batia na parte de
trás dos joelhos do pai para tentar fazer com que ele parasse.
Errol chama essas acusações de “mentira deslavada”. Ele alega que
adorava Maye e, no decorrer dos anos, tentou reconquistá-la. “Nunca bati
em uma mulher na vida, e certamente nunca bati em nenhuma das minhas
esposas”, afirma. “Uma das armas das mulheres é chorar acusando o homem
de abusar delas, chorar e mentir. E as armas do homem são comprar e
assinar.”
Na manhã depois da confusão na Oktoberfest, Errol foi até a casa da mãe
de Maye, se desculpou e pediu a Maye que voltasse. “Não se atreva a
encostar nela de novo”, asseverou Winnifred Haldeman. “Se você bater
nela, ela vai vir morar comigo.” Maye disse que ele nunca mais bateu nela
depois daquilo, mas os insultos continuaram. Ele dizia que ela era “chata,
burra e feia”. O casamento nunca se restabeleceu. Errol depois admitiu que
foi culpa dele. “Eu tinha uma esposa muito bonita, mas havia moças mais
jovens e mais bonitas”, disse. “Eu realmente amava Maye, porém estraguei
tudo.” Eles se divorciaram quando Elon estava com 8 anos.
Maye e as crianças se mudaram para uma casa na costa perto de Durban,
cerca de seiscentos quilômetros ao sul da área de Pretória-Joanesburgo, onde
ela se dividia entre os trabalhos de modelo e nutricionista. Ela ganhava
pouco dinheiro, e comprava para os filhos livros e uniformes de segunda
mão. Em alguns fins de semana e feriados, os meninos (geralmente não
Tosca) pegavam o trem para visitar o pai em Pretória. “Ele os mandava de
volta sem roupas, sem mochilas, de modo que eu tinha sempre que comprar
roupas novas para eles”, fala ela. “Errol dizia que uma hora eu voltaria para
ele, porque ficaria tão pobre que não seria capaz de dar de comer às
crianças.”
Maye com frequência viajava para trabalhos de modelo, ou tinha que dar
uma aula de nutrição e deixar as crianças em casa. “Nunca me senti culpada
por trabalhar em tempo integral, porque não tinha escolha”, diz. “Meus
filhos precisavam tomar conta de si mesmos.” A liberdade os ensinou a
serem autossuficientes. Quando se deparavam com um problema, ela dava
uma resposta pronta: “Você vai descobrir como resolvê-lo.” Como Kimbal
recorda: “Nossa mãe não era delicada ou carinhosa, e estava sempre
trabalhando, mas isso foi um presente para nós.”
Elon se transformou numa pessoa notívaga, que virava a noite lendo. Ao
ver a luz do quarto da mãe se acender às seis da manhã, ia para a cama e
dormia. Isso significava que ela encontrava dificuldade para acordá-lo a
tempo da escola, e, quando ela estava fora, às vezes Elon não chegava na
aula antes das dez da manhã. Depois de receber ligações da escola, Errol
começou uma batalha pela guarda dos filhos, e mandou intimar as
professoras de Elon, o agente de Maye e os vizinhos. Pouco antes do
julgamento, Errol desistiu do processo. De tempos em tempos, ele abria
outro processo e então desistia. Quando Tosca relembra essas histórias,
começa a chorar. “Me lembro da minha mãe sentada, chorando no sofá.
Não sabia o que fazer. Eu só podia dar um abraço nela.”
Maye e Errol eram mais atraídos pela intensidade dramática do que pela
paz doméstica, um traço que os filhos herdariam. Depois do divórcio, Maye
começou a sair com outro homem abusivo. As crianças o odiavam e, às
vezes, colocavam nos cigarros dele bombinhas que explodiam quando ele os
acendia. Logo depois que o homem a pediu em casamento, engravidou
outra mulher. “Era uma amiga minha”, diz Maye. “Tinha trabalhado
comigo como modelo.”

Elon com um dente quebrado e uma cicatriz


capítulo 3
A vida com o pai
Pretória, anos 1980

Elon cutuca um cágado e Errol observa (alto, à esquerda); Kimbal e Elon com
Peter e Russ Rive (alto, à direita); a cabana na Reserva Timbavati Game (abaixo)
A mudança
Aos 10 anos, Musk tomou uma decisão fatídica, da qual depois se
arrependeria. Ele decidiu morar com o pai. Pegou o perigoso trem noturno
de Durban para Joanesburgo sozinho. Quando avistou o pai esperando na
estação, começou “a sorrir de felicidade, como o sol”, diz Errol. “Oi, pai,
vamos comer um sanduíche”, gritou Elon. Naquela noite, ele dormiu na
cama do pai.
Por que ele decidiu morar com o pai? Elon suspira e fica em silêncio por
quase um minuto quando pergunto isso. “Meu pai estava solitário, muito
sozinho, e eu achei que devia fazer companhia a ele”, acaba dizendo. “Ele
usava artimanhas psicológicas comigo.” Elon também adorava a avó, a mãe
de Errol, Cora, conhecida como Nana. Ela o convenceu de que era injusto
que a mãe ficasse com as três crianças e o pai, com nenhuma.
De certa maneira, a mudança não foi uma surpresa. Elon estava com 10
anos, e não tinha traquejo social nem amigos. A mãe era carinhosa, mas
estava sobrecarregada, distraída e vulnerável. O pai, por sua vez, era
arrogante e viril. Era um homem grande, com mãos enormes e uma
presença fascinante. Teve muitos altos e baixos na carreira, mas na época
Errol estava se sentindo o máximo. Tinha um Rolls-Royce Corniche
dourado e, mais importante, duas coleções de enciclopédias, muitos livros e
uma coleção de ferramentas de engenharia.
Então Elon, ainda menino, escolheu morar com ele. “Acabou se
provando uma ideia muito ruim”, diz. “Eu ainda não sabia quão ruim ele
era.” Quatro anos depois, Kimbal fez o mesmo. “Eu não queria deixar meu
irmão sozinho com ele”, diz Kimbal. “Meu pai persuadiu meu irmão a ir
morar com ele. E depois fez a mesma coisa comigo.”
“Por que ele escolheu morar com alguém que magoava todo mundo?”,
perguntou Maye Musk quarenta anos depois. “Por que ele não preferiu uma
casa feliz?” Depois, ela fez uma pausa antes de dizer: “Talvez esse seja o
jeito dele.”

***
Após terem ido morar com o pai, os meninos ajudaram Errol a construir
uma cabana que ele alugaria para turistas na Reserva Timbavati Game, um
trecho intocado de selva 480 quilômetros a leste de Pretória. Durante a
construção, eles dormiam ao redor de uma fogueira, com fuzis Browning ao
lado para se proteger dos leões. Os tijolos eram feitos de areia do rio e o
telhado, de sapê. Por ser engenheiro, Errol gostava de estudar as
propriedades de diversos materiais, e utilizou mica para fazer o piso da casa,
porque era um bom isolante térmico. Elefantes em busca de água com
frequência desenterravam os canos e macacos volta e meia invadiam os
quartos e faziam cocô, de modo que havia muito trabalho a ser feito pelos
meninos.
Elon frequentemente acompanhava os visitantes em caçadas. Apesar de
ter apenas um fuzil de calibre .22, sua mira era boa, e ele se tornou um bom
atirador. Até ganhou um concurso local de tiro ao alvo, embora fosse novo
demais para receber o prêmio, que era uma caixa de uísque.
Quando Elon tinha 9 anos, o pai levou Kimbal, Tosca e ele numa viagem
aos Estados Unidos, onde dirigiram de Nova York, passando pelo Meio-
Oeste, até a Flórida. Elon ficou viciado nos jogos de fliperama da recepção
dos hotéis de beira de estrada. “Era de longe a coisa mais empolgante”, disse
ele. “Não existia isso na África do Sul.” Errol demonstrou sua mistura de
extravagância e frugalidade. Alugou um underbird e eles se hospedavam
em hotéis baratos. “Quando chegamos a Orlando, meu pai se recusou a nos
levar à Disneylândia porque era caro demais”, lembra Musk. “Acho que
fomos a algum parque aquático em vez disso.” Como em tantos outros
casos, Errol conta uma história diferente, e insiste que eles foram tanto à
Disneylândia, onde Elon gostou da casa assombrada, quanto ao Six Flags,
na Geórgia. “Eu disse para eles mais de uma vez na viagem: ‘Um dia vocês
vão morar nos Estados Unidos.’”
Dois anos depois, Errol levou os três filhos a Hong Kong. “Meu pai
misturava negócios legais e clandestinos”, relembra Musk. “Ele deixou a
gente no hotel, que era bem sujo, com 50 dólares ou algo assim, e então
ficamos sem saber dele por dois dias.” Eles viram filmes de samurai na TV
do hotel. Elon e Kimbal deixaram Tosca no quarto e passearam pelas ruas
de Hong Kong, entrando nas lojas de eletrônicos em que podiam jogar
videogame de graça. “Hoje em dia chamariam o Conselho Tutelar se
alguém fizesse o que o meu pai fez”, conta Musk, “mas para nós, na época,
foi uma experiência maravilhosa”.

Uma confederação de primos


Após Elon e Kimbal terem ido morar com o pai na região metropolitana de
Pretória, Maye se mudou para perto de Joanesburgo, onde estava a família.
Nas sextas-feiras, ela ia até a casa de Errol para pegar os meninos e depois
iam visitar a avó, a indomável Winnifred Haldeman, que fazia um frango
ensopado que as crianças odiavam, a ponto de Maye levar os filhos para
comer pizza depois.

***

Elon e Kimbal geralmente passavam a noite na casa ao lado da residência da


avó, na qual a irmã de Maye, Kaye Rive, morava com os três filhos. Os cinco
primos — Elon e Kimbal Musk e Peter, Lyndon e Russ Rive — se
tornaram um grupo aventureiro e, às vezes, briguento. Maye era mais
indulgente e menos protetora do que a irmã, de modo que os meninos
conspiravam com ela quando preparavam uma aventura. “Se a gente
quisesse ir a um show em Joanesburgo, por exemplo, ela dizia para a irmã:
‘Vou levar os meninos à igreja hoje de tarde’”, diz Kimbal. “Depois que ela
nos deixava, podíamos seguir com a nossa travessura.”
Essas viagens podiam ser perigosas. “Lembro uma vez que o trem parou,
houve uma grande briga e vimos um cara ser esfaqueado na cabeça”, diz
Peter Rive. “A gente estava escondido no vagão, então as portas se fecharam
e seguimos em frente.” Às vezes uma gangue embarcava no trem para caçar
rivais, e invadia os vagões atirando com metralhadoras. Alguns shows eram
protestos contra o apartheid, como um em 1985 em Joanesburgo que reuniu
100 mil pessoas. Frequentemente aconteciam brigas. “Ninguém tentava se
esconder da violência, viramos sobreviventes dela”, diz Kimbal. “Isso nos
ensinou a não ter medo, mas também a não cometer loucuras.”
Elon ganhou fama de ser o mais corajoso. Quando os primos iam ao
cinema e as pessoas estavam fazendo barulho, era ele quem dizia para todo
É
mundo ficar quieto, mesmo que fossem muito maiores que ele. “É
importante para Elon que suas decisões nunca sejam guiadas pelo medo”,
lembra Peter. “Isso era um traço dele desde a infância.”
Elon também era o primo mais competitivo. Certa vez, quando
pedalavam de Pretória para Joanesburgo, ele estava bem na frente,
pedalando rápido. Os primos pararam e pegaram carona em uma
caminhonete. Quando se encontraram, Elon estava tão bravo que começou
a bater neles. Era uma corrida, e eles tinham roubado.
Essas brigas eram comuns. Os desentendimentos com frequência
aconteciam em público, com os meninos indiferentes ao entorno. Uma das
muitas brigas de Elon e Kimbal foi numa quermesse. “Eles estavam lutando
e trocando socos no chão”, lembra Peter. “As pessoas se assustaram, e tive
que dizer para a multidão: ‘Está tudo bem. Eles são irmãos.’” Apesar de as
brigas serem geralmente referentes a coisas sem importância, podiam se
tornar violentas. “Para ganhar precisava ser o primeiro a bater ou chutar o
saco do outro”, diz Kimbal. “Isso encerrava a briga porque não dá para
continuar se alguém acertar seus testículos.”

O aluno
Musk era um bom aluno, mas não era excelente. Quando tinha entre 9 e 10
anos, tirava A em inglês e matemática. “Ele entendia conceitos matemáticos
com facilidade”, reparou o professor. Entretanto, havia uma observação
constante no boletim: “Ele raramente termina as coisas, seja por estar
sonhando acordado, seja porque faz o que não devia.” “Ele raramente
termina as coisas. No ano que vem, tem que se concentrar mais no trabalho
e não se distrair durante as aulas.” “Seus textos mostram uma imaginação
viva, mas ele nem sempre os termina a tempo.” A média dele antes de entrar
no ensino médio era 83 de 100.
Depois de Elon ter sido acossado e agredido na escola pública, o pai o
transferiu para uma escola particular, a Pretoria Boys High School.
Inspirado no modelo de educação inglês, o colégio tinha regras rígidas,
castigos físicos, missas obrigatórias e uniformes. Lá ele tirou notas
excelentes em tudo, menos em duas disciplinas: africâner (tirou 61 de 100
no último ano) e religião (“ele não entende a si mesmo”, destacou o
professor). “Eu não me esforçava muito em coisas que achava que não
tinham sentido”, afirma Elon. “Preferia ler ou jogar videogame.” Ele tirou A
em física nas provas finais do ensino médio, mas surpreendentemente tirou
só B em matemática.
Em seu tempo livre, Elon gostava de fazer pequenos foguetes e
experimentar diferentes misturas — como cloro de piscina e fluido de freio
— para ver quais produziam uma explosão maior. Ele também aprendeu
truques de mágica e a hipnotizar as pessoas, e chegou a convencer Tosca de
que ela era um cachorro e devia comer bacon cru.
Como fariam depois nos Estados Unidos, os primos tentaram várias
ideias empreendedoras. Certa Páscoa, eles prepararam ovos de chocolate,
enrolaram em papel-alumínio e venderam de porta em porta. Kimbal
elaborou um esquema genial. Em vez de vendê-los mais barato do que nas
lojas, eles venderam mais caro. “Algumas pessoas desistiam por causa do
preço”, diz, “mas nós dizíamos: ‘Vocês estão apoiando futuros capitalistas’”.
A leitura continuou a ser o retiro psicológico de Musk. Às vezes, ele se
afundava em livros a tarde toda e na maior parte da noite, por nove horas
seguidas. Quando a família ia na casa de alguém, ele desaparecia na
biblioteca do anfitrião. Quando iam para a cidade, ele se afastava e em dado
momento o encontravam numa livraria, sentado no chão, num mundo
próprio. Ele também era fã de quadrinhos. A paixão obstinada dos super-
heróis o impressionava. “Eles estavam sempre tentando salvar o mundo,
com a cueca por cima da roupa ou roupas justas de ferro, o que é muito
estranho se você parar para pensar”, diz Elon. “Mas eles estão tentando
salvar o mundo.”

***

Musk leu as duas enciclopédias do pai e se tornou, para a mãe e a irmã


corujas, um “geniozinho”. Para as outras crianças, no entanto, ele era um
nerd irritante. “Olhe aquela lua, deve estar a milhões de quilômetros de
distância!”, exclamou certa vez um primo. Elon respondeu: “Não, está a
cerca de 380 mil quilômetros, dependendo da órbita.”
Elon encontrou no escritório do pai um livro que descrevia grandes
invenções que seriam criadas no futuro. “Eu voltava da escola, ia para uma
sala ao lado do escritório do meu pai e lia aquilo várias e várias vezes.” Entre
as ideias estava um foguete movido por um propulsor de íons, que usaria
partículas em vez de combustível. Tarde da noite na sala de controle de sua
base de lançamento de foguetes no sul do Texas, Musk descreveu o livro em
detalhes para mim, incluindo a parte que trata de como um propulsor de
íons poderia funcionar no vácuo. “Aquele livro foi o que me fez pensar pela
primeira vez em ir a outros planetas”, afirmou ele.

Russ Rive, Elon, Kimbal e Peter Rive


capítulo 4
A busca
Pretória, anos 1980
Crise existencial
Quando Musk era jovem, a mãe começou a levá-lo à escola dominical na
igreja anglicana local, onde ela era professora. Não deu certo. Ela contava
para a turma histórias da Bíblia e ele ficava questionando. “Como assim, as
águas se abriram?”, perguntava. “Isso não é possível.” Quando ela contou a
história de Jesus alimentando a multidão com pães e peixes, ele retrucou
dizendo que as coisas não surgem do nada. Como fora batizado, a
expectativa era a de que fosse fazer a primeira comunhão, mas Elon
começou a questionar isso também. “Tomei o sangue e o corpo de Cristo, o
que é estranho quando você é criança”, afirmou. “Eu disse: ‘O que é isso?
Uma metáfora estranha para canibalismo?’” Maye decidiu deixar Elon lendo
em casa nas manhãs de domingo.
O pai, que era mais religioso, explicou a Elon que havia coisas que não
poderiam ser percebidas por nossos sentidos e nossas mentes limitadas.
“Não há pilotos ateus”, dizia ele, e Elon acrescentava: “Não há ateus na
época de provas.” Contudo, ele logo cedo começou a acreditar que a ciência
poderia explicar as coisas e que não era necessário evocar um Criador ou
uma divindade que interviria em nossa vida.
Já adolescente, Elon começou a ficar incomodado, pois achava que faltava
algo. Tanto as explicações religiosas quanto as científicas acerca da
existência, diz ele, não dão conta das perguntas importantes, como qual é a
origem do Universo e por que ele existe. A física nos ensina tudo sobre o
Universo, menos o porquê. Isso levou ao que Elon chama de crise
existencial adolescente. “Comecei a tentar entender qual era o sentido da
vida e do Universo”, fala ele. “E fiquei muito deprimido com isso, como se a
vida não tivesse sentido.”
Como um bom rato de biblioteca, ele tentou responder a essas perguntas
lendo. Primeiro, cometeu o erro clássico dos adolescentes angustiados e leu
filósofos existenciais, como Nietzsche, Heidegger e Schopenhauer. Isso
acabou transformando a confusão em desespero. “Não recomendo ler
Nietzsche na adolescência”, diz ele.
Felizmente, Elon foi salvo pela ficção científica, essa fonte de sabedoria
para crianças com intelecto hiperativo que jogam videogame. Ele passou por
toda a seção de ficção científica da escola e das bibliotecas locais, e depois
fez os bibliotecários comprarem mais livros.

***

Um dos livros favoritos dele era Revolta na Lua, de Robert Heinlein, um


romance sobre uma colônia penal na Lua. A colônia era administrada por
um supercomputador chamado Mike, capaz de desenvolver autoconsciência
e um senso de humor. O computador sacrifica a própria vida durante uma
rebelião na colônia penal. O livro explora um problema que se tornaria
central na vida de Musk: a inteligência artificial vai se desenvolver de
maneira a beneficiar e proteger a humanidade, ou as máquinas terão
intenções próprias e se tornarão uma ameaça para os humanos?
Esse assunto está profundamente relacionado com o que se tornou uma
das leituras favoritas de Elon, as histórias de robôs de Isaac Asimov. Os
contos formulam leis da robótica cujo objetivo é garantir que os robôs não
vão sair de controle. No fim do livro Os robôs e o império, de 1985, Asimov
apresenta a mais fundamental dessas regras, chamada de Lei Zero: “Um
robô não pode fazer mal à humanidade, ou, por inação, permitir que a
humanidade seja prejudicada.” Os heróis da série de livros Fundação, de
Asimov, criam um plano com a finalidade de enviar colonos para regiões
distantes da galáxia de forma a preservar a consciência humana diante de
uma iminente Idade das Trevas.
Mais de trinta anos depois, Musk postou um tuíte aleatório sobre como
essas ideias motivaram sua busca por tornar os humanos uma espécie
viajante do espaço e sua intenção de colocar a inteligência artificial a serviço
dos humanos. “A série Fundação e a Lei Zero foram fundamentais para a
criação da SpaceX”, disse.

O guia do mochileiro das galáxias


O livro de ficção científica que mais influenciou os anos maravilhosos de
Elon foi O guia do mochileiro das galáxias, de Douglas Adams. A história
divertida e irônica ajudou a moldar a filosofia de Musk e acrescentou uma
dose de comicidade a seu semblante sério. “O guia do mochileiro das galáxias”,
afirma ele, “me ajudou a sair da depressão existencial, e logo percebi que o
livro era incrivelmente engraçado de várias maneiras sutis”.
A história começa com um humano chamado Arthur Dent, que é
resgatado por uma espaçonave de passagem pela Terra segundos antes de o
planeta ser destruído por uma civilização alienígena que está construindo
uma via expressa no hiperespaço. Junto com esse salvador alienígena, Dent
explora vários cantos e recantos da galáxia, que é comandada por um
presidente com duas cabeças que “transformou o insondável em uma forma
de arte”. Os habitantes da galáxia estão tentando descobrir a “Resposta para
a Pergunta Fundamental sobre a Vida, o Universo e Tudo o Mais”. Eles
constroem um supercomputador que depois de 7 milhões de anos oferece
uma resposta: 42. Quando isso provoca um uivo confuso dos presentes, o
computador responde: “Esta é a resposta definitiva. Acho que o problema,
para ser honesto, é que vocês nunca souberam qual era a pergunta.” Musk
guardou essa lição. “O que aprendi com o livro é que precisamos expandir o
escopo da consciência para que sejamos mais capazes de fazer perguntas que
levam à resposta, que é o Universo”, diz ele.
O livro, combinado com o envolvimento posterior de Musk com
videogames e jogos de tabuleiro de simulação, levou a um fascínio vitalício
pela ideia assustadora de que podemos ser meros peões numa simulação
criada por seres superiores. Como Douglas Adams escreve: “Segundo uma
teoria, se alguém descobrir exatamente para que o Universo existe e por que
está aqui, essa pessoa vai desaparecer instantaneamente e ser substituída por
algo ainda mais estranho e inexplicável. Há outra teoria que diz que isso já
aconteceu.”

Blastar
No fim dos anos 1970, o jogo de RPG Dungeons & Dragons se tornou uma
obsessão popular entre os geeks mundo afora. Elon, Kimbal e os primos
Rive mergulharam de cabeça no jogo, em que todos ficam sentados em volta
de uma mesa e, guiados por tabelas de personagens e lances de dados,
embarcam em aventuras de fantasia. Um dos jogadores serve de mestre e
arbitra a ação.
Elon em geral jogava como mestre e, surpreendentemente,
desempenhava o papel com gentileza. “Mesmo quando criança, Elon tinha
uma gama de comportamentos e humores”, diz o primo Peter Rive. “Como
mestre, ele era inacreditavelmente paciente, o que não é, na minha
experiência, aquilo que se espera da personalidade dele, se é que você me
entende. Mas acontece às vezes, e é muito lindo.” Em vez de pressionar o
irmão e os primos, ele era muito analítico ao descrever as opções que os
jogadores tinham em cada situação.
Juntos eles entraram em um torneio em Joanesburgo, no qual eram os
jogadores mais jovens. O mestre do torneio determinou qual seria a missão
deles: vocês precisam salvar esta mulher ao descobrir e matar o vilão do jogo.
Elon olhou para o mestre e disse: “Acho que você é o vilão.” E então eles o
mataram. Elon estava certo, e o jogo, que deveria durar horas, acabou. Os
organizadores os acusaram de trapacear e a princípio tentaram negar a eles o
prêmio. Musk, porém, conseguiu o que queria. “Aqueles caras eram uns
idiotas”, diz. “Era muito óbvio.”
Musk viu um computador pela primeira vez mais ou menos na época em
que completou 11 anos. Ele estava num shopping em Joanesburgo e ficou
apenas parado, olhando fixamente. “Eu lia revistas sobre computadores”,
diz, “mas nunca tinha visto um antes”. Assim como no caso da moto,
atormentou o pai para que ganhasse um. Errol era estranhamente avesso a
computadores, dizia que aquilo só servia para jogos e era um desperdício de
tempo, não servia para engenharia. Então, Elon fez pequenos trabalhos,
juntou dinheiro e comprou um Commodore VIC-20, um dos primeiros
computadores pessoais, capaz de rodar jogos como Galaxian e Alpha Blaster,
no qual cada jogador tenta proteger a Terra contra invasores alienígenas.
O computador veio com um curso de programação em BASIC que
compreendia sessenta horas de aulas. “Fiz em três dias, quase sem dormir.”
Meses depois, Elon recortou um anúncio para uma conferência sobre
computadores pessoais na Universidade de Joanesburgo e disse ao pai que
queria participar. De novo, o pai resistiu. Era um seminário caro, de cerca
de 400 dólares, e não era para crianças. Elon respondeu que era “essencial”,
e ficou em pé ao lado do pai, encarando-o. Nos dias seguintes, Elon tirava o
anúncio do bolso e repetia o pedido. Finalmente, o pai cedeu e pediu à
universidade um desconto para Elon ficar no fundo da sala. Quando Errol
chegou para pegá-lo no fim do evento, encontrou o filho conversando com
três professores. “Esse menino precisa de um computador novo”, declarou
um deles.
Depois que tirou 10 num teste de habilidades de programação na escola,
Elon ganhou um IBM PC/XT e aprendeu, sozinho, a programar usando
Pascal e Turbo C++. Aos 13 anos, desenvolveu um videogame, que chamou
de Blastar, usando 123 linhas de BASIC e uma linguagem de montagem
simples para que os gráficos pudessem funcionar. Ele o enviou para a revista
PC and Office Technology, e o jogo apareceu na edição de dezembro de 1984,
com uma introdução curta que dizia: “Neste jogo você tem que destruir um
cargueiro espacial alienígena cheio de bombas de hidrogênio mortais e
metralhadoras de feixes de luz.” Apesar de não estar claro o que são
metralhadoras de feixes de luz, o conceito parece interessante. A revista
pagou 500 dólares para ele, que seguiu escrevendo e vendeu para o periódico
outros dois jogos, um semelhante ao Donkey Kong e o outro, uma simulação
de roleta e 21.
Começou, assim, um vício em videogames que dura até hoje. “Se você
estiver jogando com Elon, perde a noção do tempo e só para quando precisa
comer”, diz Peter Rive. Em uma viagem para Durban, Elon descobriu como
hackear jogos em um shopping. Ele conseguiu alterar o sistema para que
pudessem jogar por horas sem gastar sequer uma moeda.
Então, Elon teve uma ideia ainda mais grandiosa: os primos poderiam
abrir um fliperama. “Sabíamos exatamente quais jogos eram mais populares,
então parecia uma boa ideia”, diz Elon. Ele descobriu como o fluxo de caixa
poderia financiar o aluguel das máquinas. No entanto, quando os meninos
tentaram obter o alvará, foram informados de que era preciso alguém com
mais de 18 anos para assinar o pedido. Kimbal, que tinha acabado de
preencher trinta páginas de formulários, decidiu que não iam pedir a Errol.
“Ele era muito severo”, diz Kimbal. “Então, fomos até o pai de Russ e Pete,
e ele surtou. Isso acabou com a história toda.”
capítulo 5
Velocidade de escape
Deixando a África do Sul, 1989
Médico e Monstro
Aos 17 anos, depois de sete anos morando com o pai, Elon percebeu que
teria que fugir. A vida com ele estava cada vez mais enervante.
Havia momentos em que Errol era jovial e divertido, mas às vezes ele se
tornava sombrio, verbalmente abusivo e dominado por fantasias e
conspirações. “O humor dele podia mudar rápido”, diz Tosca. “Tudo estava
bem, então em um segundo ele se mostrava perverso e começava com os
insultos.” Era quase como se Errol tivesse dupla personalidade. “Uma hora
ele era supersimpático”, diz Kimbal, “e no minuto seguinte estava gritando,
dando sermões por horas — literalmente duas ou três horas, durante as
quais você era obrigado a ficar em pé —, te chamando de inútil, patético,
fazendo comentários grosseiros e maldosos, sem permitir que você saísse”.
Os primos de Elon passaram a relutar em visitá-los. “A gente nunca sabia
o que nos esperava”, afirma Peter Rive. “Às vezes Errol dizia: ‘Acabei de
comprar motos novas, vamos andar nelas.’ Em outras ocasiões, ficava
nervoso e ameaçador e, ai, meu Deus, nos obrigava a limpar os banheiros
com uma escova de dentes.” Enquanto Peter me conta isso, para por um
momento e então, um pouco hesitante, diz que Elon de vez em quando tem
oscilações de humor parecidas. “Se Elon está de bom humor, é a coisa mais
legal e divertida do mundo. Mas, se está de mau humor, fica muito soturno,
e você tem que pisar em ovos.”
Um dia Peter chegou e encontrou Errol sentado só de cueca diante da
mesa da cozinha com uma roleta de plástico. Ele estava tentando ver se as
micro-ondas podiam afetá-la. Ele girava a roleta, anotava o resultado e
então a girava de novo, colocava num forno de micro-ondas e anotava o
resultado. “Era uma loucura”, diz Peter. Errol estava convencido de que
podia encontrar um sistema para ganhar o jogo. Muitas vezes, ele arrastou
Elon para o cassino em Pretória, ocasião em que vestia o filho de modo a
parecer que tinha mais de 16 anos, e fazia o menino anotar os números
enquanto ele próprio usava uma calculadora escondida sob um cartão de
apostas.
Elon foi à biblioteca, leu livros sobre roleta e até escreveu um programa
de simulação de roleta no computador. Depois, tentou convencer o pai de
que nenhum dos esquemas dele iria funcionar. Mas Errol acreditava ter
encontrado uma verdade profunda sobre a probabilidade e, como mais tarde
descreveu para mim, uma “solução quase total sobre o que é chamado de
aleatoriedade”. Quando peço que explique, ele diz: “Não há ‘eventos
aleatórios’ ou ‘acaso’. Todos os acontecimentos seguem a sequência de
Fibonacci, como o conjunto de Mandelbrot. Eu descobri a relação entre o
‘acaso’ e a sequência de Fibonacci. É um tema para um artigo científico. Se
eu compartilhar, todas as atividades que dependem do ‘acaso’ serão
arruinadas; então, não sei se vou fazer isso.”
Não sei o que tudo isso significa. Nem Elon. “Não sei como ele começou
sendo um bom engenheiro e passou a acreditar em bruxaria”, diz. “Mas ele
de alguma forma fez essa evolução.” Errol pode ser muito insistente e, às
vezes, convincente. “Ele muda a realidade em torno dele”, diz Kimbal.
“Literalmente inventa coisas, mas de fato acredita em sua falsa realidade.”
Às vezes Errol fazia para os filhos afirmações absurdas, que não tinham
relação com os fatos, como quando insistia que nos Estados Unidos o
presidente era considerado um deus e não podia ser criticado. Em certas
ocasiões, criava histórias fantasiosas que o pintavam ou como herói ou como
vítima. Tudo era apresentado com tanta convicção que Elon e Kimbal se
pegavam questionando a própria realidade. “Dá para imaginar como é
crescer assim?”, diz Kimbal. “Era tortura psicológica, e isso te contagia.
Você acaba se perguntando o que é real.”
Eu me vi preso na rede de Errol da mesma maneira. Em uma série de
ligações e e-mails trocados durante dois anos, ele fez relatos diferentes
acerca da relação familiar e dos sentimentos por seus filhos, Maye e sua filha
adotiva, com quem ele teria dois outros filhos depois (falarei mais sobre isso
adiante). “Elon e Kimbal criaram uma história sobre como eu era, e não é
baseada em fatos”, diz. As histórias que os filhos contam sobre ele ser
psicologicamente abusivo, insiste Errol, são contadas para agradar à mãe.
Contudo, quando o pressiono, ele me fala para usar a versão deles. “Não me
importo que tenham escolhido uma narrativa diferente, desde que estejam
felizes. Não desejo que coloquem minha palavra contra a deles. Deixem os
holofotes para eles.”
***

Ao falar sobre o pai, Elon às vezes solta uma risada meio dura e amarga. É
parecida com a risada de Errol. Algumas das palavras que Elon usa, a
maneira como olha fixamente, as mudanças repentinas, fazem a família se
lembrar do Errol que habita dentro dele. “Eu via resquícios dessas histórias
terríveis que o Elon me contou surgirem no próprio comportamento dele”,
diz Justine, sua primeira esposa. “Isso me fez perceber como é difícil não se
deixar moldar por aquilo com que crescemos, mesmo quando não é o que
queremos.” Volta e meia, ela se permitia dizer algo como: “Você está
virando seu pai.” Ela me explica: “Era nossa senha para alertar que ele estava
adentrando as trevas.”
No entanto, Justine diz que Elon, que sempre esteve emocionalmente
envolvido com os filhos, é diferente do pai em algo fundamental. “Com
Errol havia a sensação de que coisas realmente ruins poderiam acontecer
perto dele”, relata ela. “Mas se o apocalipse zumbi acontecesse, você ia
querer Elon no seu time, porque ele descobriria uma maneira de colocar os
zumbis na linha. Ele pode ser muito duro, mas, no fim das contas, você
pode confiar que ele encontrará uma maneira de sobreviver.”
Para que isso acontecesse, ele tinha que seguir em frente. Era hora de
deixar a África do Sul.

Passagem só de ida
Musk começou a pressionar tanto a mãe quanto o pai, tentando convencê-
los a se mudarem para os Estados Unidos e levá-lo juntamente com os
irmãos. Nenhum dos dois estava interessado. “Então pensei: Bem, vou ter
que ir sozinho.”
Primeiro ele tentou obter a cidadania norte-americana com a alegação de
que o avô materno nascera em Minnesota, mas não conseguiu porque a mãe
dele nasceu no Canadá e nunca pediu a cidadania do país vizinho. Então,
ele chegou à conclusão de que ir para o Canadá podia ser um primeiro passo
mais fácil. Elon foi ao consulado canadense sozinho, pegou os formulários
para o passaporte e preencheu não só os dados dele, como também os da
mãe, do irmão e da irmã (mas não os do pai). As autorizações saíram no fim
de maio de 1989.
“Eu teria partido no dia seguinte, mas na época as passagens aéreas eram
mais baratas se você comprasse com catorze dias de antecedência”, diz ele,
“então tive que esperar duas semanas”. Em 11 de junho de 1989, cerca de
duas semanas antes do aniversário de 18 anos, Elon jantou no melhor
restaurante de Pretória, o Cynthia’s, com o pai e os irmãos, que depois o
levaram ao aeroporto de Joanesburgo.
“Você vai voltar em alguns meses”, conta Elon o que o pai lhe disse com
desdém. “Você nunca vai ser bem-sucedido.”
Como sempre, Errol tem sua própria versão da história, na qual ele é o
herói. De acordo com ele, Elon ficou seriamente deprimido durante o
último ano do ensino médio. O desespero chegou ao extremo no Dia da
República, 31 de maio de 1989. A família estava se preparando para ver o
desfile, mas Elon se recusou a sair da cama. O pai se encostou na grande
escrivaninha no quarto de Elon, sobre ela o computador usado, e disse:
“Quer estudar nos Estados Unidos?” Elon se animou: “Sim.” Errol alega o
seguinte: “Foi ideia minha. Até aquele momento, ele nunca tinha dito que
queria ir para os Estados Unidos. Então eu disse: ‘Bem, amanhã você tem
que encontrar o adido cultural americano’, que era meu amigo do Rotary.”
A versão do pai, segundo Elon, era outra das elaboradas fantasias de
Errol que o colocam como herói. Nesse caso, provavelmente era mentira.
No Dia da República de 1989, ele já tinha um passaporte canadense e estava
com a passagem aérea comprada.
capítulo 6
Canadá
1989

No celeiro de seu primo em Saskatchewan e na própria cama, em Toronto


Imigrante
Há um mito crescente de que Musk, por causa dos períodos de sucesso do
pai, chegou à América do Norte em 1989 com muito dinheiro, talvez com
os bolsos cheios de esmeraldas. Errol às vezes incentivava essa percepção.
Na realidade, porém, o que Errol tinha conseguido na mina de esmeralda na
Zâmbia perdera o valor anos antes. Quando Elon deixou a África do Sul, o
pai deu a ele 2 mil dólares em traveler’s checks e a mãe forneceu outros 2
mil dólares que sacou de uma conta de investimentos que abrira com o
dinheiro ganho em um concurso de beleza na adolescência. Caso contrário,
só o que Elon teria ao chegar a Montreal seria uma lista de parentes da mãe
que ele não conhecia.
Elon planejava ligar para o tio da mãe, mas descobriu que ele havia se
mudado de Montreal. Então, Elon foi para um albergue, onde
compartilhava o quarto com outras cinco pessoas. “Eu estava acostumado
com a África do Sul, onde as pessoas te roubavam e matavam”, diz. “Então,
dormi abraçado com minha mochila até constatar que nem todo mundo era
assassino.” Ele andava pela cidade, maravilhado de ver que não havia grades
nas janelas.
Depois de uma semana, ele comprou um Greyhound Discovery Pass de
100 dólares que permitia a ele viajar de ônibus para qualquer lugar no
Canadá por seis meses. Elon tinha um primo de segundo grau da mesma
idade, Mark Teulon, que vivia numa fazenda na província de Saskatchewan,
não muito longe de Moose Jaw, onde os avós tinham vivido, então foi para
lá. Ficava a quase 3 mil quilômetros de Montreal.
O ônibus, que parava em cada vilarejo, levou dias para cruzar o Canadá.
Em uma das paradas, Elon saltou para comer e, bem quando o ônibus
estava saindo, entrou de volta correndo. Infelizmente, porém, o motorista
havia desembarcado a mala dele com os traveler’s checks e as roupas. Tudo
que ele tinha era uma mochila com livros que carregava para todo lado. A
dificuldade para substituir os traveler’s checks (demorou semanas) foi uma
primeira experiência de como os sistemas de pagamento precisavam de
mudanças.
Quando chegou à cidade perto da fazenda do primo, Elon gastou parte
do dinheiro que tinha no bolso para telefonar. “Ei, aqui é o Elon, seu primo
da África do Sul”, disse. “Estou na rodoviária.” O primo apareceu com o
pai, levou Elon a uma churrascaria Sizzler e o convidou para ficar na
fazenda de trigo, onde fizeram-no limpar silos de grãos e ajudar na
construção de um celeiro. Lá ele comemorou o aniversário de 18 anos e teve
direito a um bolo caseiro em que se lia “Feliz Aniversário, Elon” escrito com
cobertura de chocolate.
Depois de seis semanas, embarcou no ônibus e seguiu para Vancouver, a
mais de 1.600 quilômetros dali, para ficar na casa do meio-irmão da mãe.
Quando foi a uma agência de emprego, Elon percebeu que a maioria dos
trabalhos pagava 5 dólares a hora. Entretanto, havia um que pagava 18
dólares a hora: limpar as caldeiras de uma serraria. Para isso era preciso
vestir um traje de proteção e passar por um pequeno túnel que levava à
câmara onde a polpa de madeira estava sendo fervida enquanto retirava a cal
que havia endurecido nas paredes. “Se a pessoa no fim do túnel não
removesse a gosma rápido o suficiente, ficaria presa enquanto se
desmanchava em suor”, relembra. “Era como um pesadelo dickensiano
steampunk, cheio de canos pretos e som de britadeiras.”

Maye e Tosca
Enquanto Elon estava em Vancouver, Maye Musk voou da África do Sul
para lá, depois de decidir que também ia se mudar. Ela mandava relatos de
campo para Tosca. Vancouver era fria demais e chuvosa, escreveu ela.
Montreal era empolgante, mas as pessoas lá falavam francês. Toronto,
concluiu, era o lugar para onde deveriam ir. Tosca prontamente vendeu a
casa e os móveis deles na África do Sul e em seguida se juntou à mãe em
Toronto, para onde Elon também se mudara. Kimbal ficou em Pretória para
terminar o último ano do ensino médio.
A princípio, todos moraram num apartamento de um quarto em
Toronto, com Tosca e a mãe compartilhando a cama enquanto Elon dormia
no sofá. Eles tinham pouco dinheiro. Maye se lembra de ter chorado certa
vez ao derramar um pouco de leite, porque não havia dinheiro para comprar
mais.
Tosca conseguiu um emprego numa lanchonete, Elon, um estágio no
escritório da Microsoft em Toronto, e Maye começou a trabalhar na
universidade, numa agência de modelos e como nutricionista. “Eu
trabalhava todos os dias e quatro noites por semana”, diz Maye. “Saí uma
tarde de domingo para lavar roupa e comprar comida. Não tinha a menor
ideia do que meus filhos estavam fazendo, porque nunca estava em casa.”
Depois de alguns meses, eles estavam ganhando dinheiro suficiente para
pagar o aluguel de um apartamento de três quartos regulamentado pelo
governo. O lugar tinha papel de parede de feltro, o qual Maye teimou para
que Elon arrancasse, e um carpete horrível. Eles pretendiam comprar um
carpete novo de 200 dólares, mas Tosca insistiu em um de 300 dólares, mais
grosso, porque Kimbal e o primo Peter Rive estavam chegando para ficar
com eles e poderiam dormir no chão. A segunda grande compra foi um
computador para Elon.
Ele não tinha amigos nem vida social em Toronto, e passava a maior
parte do tempo lendo ou trabalhando no computador. Tosca, por sua vez,
era uma adolescente insolente, que ansiava ir para a rua. “Vou com você”,
declarava Elon, por não querer ficar sozinho. “Não, não vai”, respondia ela.
E, quando o irmão insistia, ela decretava: “Você tem que ficar a três metros
de distância o tempo todo.” Ele ficava. Andava atrás de Tosca e dos amigos
dela, carregando um livro para ler sempre que eles entravam numa boate ou
numa festa.
Dançando com Kimbal em Toronto
capítulo 7
Queen’s
Kingston, Ontário, 1990-1991

Com Navaid Farooq na Queen’s e vestido com seu novo terno


Relações industriais
As notas de Musk nas provas de admissão para a faculdade não eram
particularmente extraordinárias. Em uma segunda rodada dos testes SAT —
exame educacional padronizado usado como critério de admissão —, ele
tirou 670 de 800 no exame verbal e 730 em matemática. Elon limitou as
escolhas a duas universidades que ficavam perto de Toronto: Waterloo e
Queen’s. “Waterloo era definitivamente melhor em engenharia, mas não
parecia boa do ponto de vista social”, diz. “Havia poucas garotas lá.” Ele
sentia que conhecia ciência da computação e engenharia tão bem quanto
qualquer professor em qualquer uma dessas instituições, mas desejava
desesperadamente uma vida social. “Eu não queria passar meus anos na
universidade com um monte de caras.” Então, no outono de 1990, ele se
matriculou na Queen’s.
Musk foi colocado no “andar internacional” de um dos alojamentos e no
primeiro dia conheceu um estudante chamado Navaid Farooq, que se
tornou o primeiro e duradouro amigo fora da família. O pai de Farooq era
paquistanês e a mãe, canadense, e ele fora criado na Nigéria e na Suíça,
onde os pais trabalhavam para organizações das Nações Unidas. Como
Elon, ele não tinha amigos próximos no ensino médio. Na Queen’s, ele e
Musk rapidamente se tornaram amigos por conta dos mútuos interesses em
jogos de computador e de tabuleiro, histórias sombrias e ficção científica.
“Para mim e Elon”, diz Farooq, “foi talvez o primeiro lugar em que fomos
aceitos socialmente e onde podíamos ser nós mesmos”.
Durante o primeiro ano, Musk tirou A em administração, economia,
cálculo e programação de computadores, mas tirou B em contabilidade,
espanhol e relações industriais. No ano seguinte, fez outro curso de relações
industriais, que estuda as relações entre trabalhadores e gestores. De novo,
tirou B. Tempos depois, disse para a revista de ex-alunos da Queen’s que o
que aprendeu de mais importante durante seus dois anos lá foi “como
trabalhar colaborativamente com pessoas inteligentes e usar o método
socrático para conquistar um objetivo em comum”, uma habilidade, assim
como as das relações industriais, que os futuros colegas perceberiam ter sido
apenas parcialmente aperfeiçoada.
Ele estava mais interessado nas discussões filosóficas sobre o significado
da vida que aconteciam tarde da noite. “Eu estava ávido por isso”, diz,
“porque até ali eu não tinha amigos com quem pudesse conversar sobre essas
coisas”. Acima de tudo, ele se envolveu, com Farooq a seu lado, no mundo
de jogos de computador e de tabuleiro.

Jogos de estratégia
“O que você vai fazer não é racional”, explicou Musk em sua voz monótona.
“Você está realmente se machucando.” Ele e Navaid Farooq estavam
jogando Diplomacia — um jogo de estratégia de tabuleiro — com amigos no
dormitório, e um dos jogadores estava se aliando com outros contra Musk.
“Se você fizer isso, vou botar seus aliados contra você e te causar dor.” Musk
costumava ganhar, diz Farooq, por ser convincente em suas negociações e
ameaças.
Musk gostava de todo tipo de videogame quando era adolescente na
África do Sul, incluídos jogos de tiro em primeira pessoa e jogos de
aventura, mas na universidade ele se dedicou mais a um gênero conhecido
como jogos de estratégia — em que dois ou mais jogadores competem para
construir um império usando estratégia de alto nível, gerenciamento de
recursos, logística de cadeia produtiva e pensamento tático.
Jogos de estratégia — primeiro os de tabuleiro e depois os de
computador — iriam se tornar centrais na vida de Musk. Desde e Ancient
Art of War, que ele jogava quando adolescente, ao vício em e Battle of
Polytopia três décadas depois, ele saboreava os preparativos complexos e o
gerenciamento competitivo dos recursos que são necessários para vencer.
Dedicar-se a esses jogos por horas a fio se tornou o modo de ele relaxar, de
escapar do estresse e de aprimorar as habilidades táticas e o pensamento
estratégico para os negócios.
Enquanto estavam na Queen’s, o primeiro grande jogo de estratégia para
computador foi lançado: Civilization. Nele, os jogadores competem para
construir uma sociedade da pré-história até o presente mediante a escolha
de quais tecnologias desenvolver e quais indústrias construir. Musk mudou
sua escrivaninha de lugar para poder se sentar na cama e jogar com Farooq,
numa cadeira de frente para ele. “Entramos completamente no jogo por
horas, até ficarmos exaustos”, diz Farooq. Eles passaram para Warcraft: Orcs
and Humans, em que a parte principal da estratégia é desenvolver fontes
sustentáveis de recursos, tais como metais de minas. Depois de horas
jogando, eles paravam para comer e Elon descrevia o momento em que
sabia que ia ganhar. “Sou programado para a guerra”, dizia ele a Farooq.
Uma das disciplinas na Queen’s usava um jogo de estratégia no qual as
equipes competiam em uma simulação de desenvolvimento de um negócio.
Os jogadores podiam decidir os preços dos produtos, a quantidade gasta em
publicidade, quanto do lucro investir em pesquisa e outras variáveis. Musk
descobriu como fazer engenharia reversa da lógica que controlava a
simulação, e vencia todas as vezes.

Trainee de banco
Quando Kimbal se mudou para o Canadá e se juntou a Elon como aluno na
Queen’s, os irmãos criaram uma rotina. Eles liam o jornal e escolhiam a
pessoa que achavam mais interessante. Elon não era um dos entusiastas que
gostavam de atrair e encantar mentores, por isso Kimbal, mais gregário,
assumiu o papel de telefonar para eles. “Se conseguíssemos falar com a
pessoa, geralmente ela almoçava conosco”, diz.
Uma pessoa que eles contataram foi Peter Nicholson, o executivo
responsável pelo planejamento estratégico no Scotiabank. Nicholson era
engenheiro com mestrado em física e doutorado em matemática. Quando
Kimbal conseguiu falar com ele, Nicholson concordou em almoçar com os
irmãos. A mãe deles os levou a uma loja de departamentos no shopping em
Eaton, onde por 99 dólares você comprava um terno e ganhava uma camisa
e uma gravata de brinde. No almoço, eles discutiram filosofia e física e a
natureza do Universo. Nicholson ofereceu a eles estágios de verão, e Elon
foi convidado para trabalhar diretamente com o executivo em sua equipe de
planejamento estratégico de três pessoas.
Nicholson, que tinha 49 anos na época, e Elon se divertiam juntos
resolvendo quebra-cabeças e equações estranhas. “Eu estava interessado no
lado filosófico da física e no modo como aquilo se relacionava com a
realidade”, diz Nicholson. “Não havia muitas pessoas com quem conversar
sobre isso.” Eles também discutiam a respeito do que se tornara a paixão de
Musk: viagens espaciais.
Certa noite, quando Elon acompanhou a filha de Nicholson, Christie, a
uma festa, a primeira pergunta que fez foi: “Você já pensou em carros
elétricos?” Como ele admitiria tempos depois, não era a melhor cantada do
mundo.

***

Um assunto que Musk pesquisou para Nicholson era a dívida da América


Latina. Os bancos tinham bilhões em empréstimos para países como o
Brasil e o México que não podiam ser quitados, e em 1989 o secretário do
Tesouro norte-americano, Nicholas Brady, reuniu essas obrigações de dívida
em títulos negociáveis conhecidos como “títulos Brady”. Como esses títulos
eram garantidos pelo governo dos Estados Unidos, Musk acreditava que
eles sempre valeriam 50 centavos por dólar. No entanto, alguns estavam à
venda por até 20 centavos.
Musk imaginou que o Scotiabank poderia ganhar bilhões se comprasse
os títulos por esse preço, e ligou para a mesa de negociação do Goldman
Sachs em Nova York para ter certeza de que estavam disponíveis. “Sim,
quanto você quer?”, respondeu o vendedor grosseiramente pelo telefone.
“Seria possível comprar 5 milhões de dólares?”, perguntou Musk, num tom
de voz sério e grave. Quando o vendedor disse que não seria problema,
Musk desligou rapidamente. “Eu pensei: Pronto, não tem erro”, diz. “Corri
para contar ao Peter, e achei que me dariam algum dinheiro para fazer isso.”
Mas o banco rejeitou a ideia. O CEO disse que já tinha muitos títulos da
dívida latino-americana. “Uau, isso é uma loucura”, disse Musk para si
mesmo. “É assim que os bancos pensam?”
Nicholson diz que o Scotiabank estava tratando a situação da dívida da
América Latina usando os próprios métodos, que funcionavam melhor. “Ele
ficou com a impressão de que o banco era mais burro do que realmente era”,
diz Nicholson. “Mas foi positivo, porque deu a ele um desrespeito saudável
pela indústria financeira e a audácia para mais tarde começar o que se
tornou a PayPal.”
Musk também aprendeu outra lição em seu tempo no Scotiabank: ele
não gostava de trabalhar para outras pessoas, não se saía bem nisso. Não era
da natureza dele mostrar deferência ou presumir que os outros pudessem
saber mais do que ele.
capítulo 8
Penn
Filadélfia, 1992-1994

Com Robin Reb na Penn; com o primo Peter Rive e Kimbal em Boston
Física
Musk ficou entediado na Queen’s. O lugar era lindo, mas não era
academicamente desafiador. Então, quando um dos colegas se transferiu
para a Universidade da Pensilvânia, ele decidiu tentar o mesmo.
Dinheiro era um problema. O pai não estava ajudando e a mãe tinha três
empregos para conseguir pagar as contas. Entretanto, a Penn ofereceu a ele
uma bolsa de estudos de 14 mil dólares mais um empréstimo estudantil, de
modo que em 1992 ele se transferiu para lá a fim de cursar o terceiro ano.
Elon decidiu se formar em física porque, assim como o pai, ele sentia
atração pela engenharia. A essência de ser um engenheiro, para ele, era
enfrentar qualquer problema reduzindo-o aos princípios básicos da física.
Elon também decidiu se formar em administração. “Eu receava que, se não
estudasse administração, seria forçado a trabalhar para alguém que estudou”,
diz. “Meu objetivo era projetar produtos tendo uma noção da física, e nunca
precisar trabalhar para um chefe com um diploma de administração.”
Apesar de não ser nem político nem gregário, ele se candidatou para o
centro acadêmico. Uma das promessas de campanha provocava aqueles que
tentavam se eleger para abrilhantar seus currículos. A promessa final da
plataforma de campanha dele era: “Se este cargo um dia aparecer no meu
currículo, prometo ficar de cabeça para baixo e comer cinquenta cópias do
documento em um lugar público.” Felizmente Elon perdeu, o que o salvou
de entrar para a política estudantil, um mundo no qual não se encaixava.
Em vez disso, ele se encaixou perfeitamente na multidão de geeks que
gostava de fazer piadas inteligentes que envolviam forças científicas, jogar
Dungeons & Dragons, videogames e escrever código de computador.
O amigo mais próximo dele nesse grupo era Robin Ren, que venceu uma
olimpíada de física no seu país natal, a China, antes de ir para a Penn. “Ele
era a única pessoa melhor do que eu em física”, confessa Musk. Eles se
tornaram parceiros no laboratório de física, onde estudaram como as
propriedades de diversos materiais mudavam quando submetidas a altas
temperaturas. No fim de um conjunto de experimentos, Musk tirou as
borrachas dos lápis, jogou-as numa jarra de líquido superfrio e estilhaçou
tudo ao jogar no chão. Ele queria conhecer as propriedades dos materiais e
das ligas em diferentes temperaturas e ser capaz de vê-las.
Ren lembra que Musk estava concentrado em três áreas que iriam definir
sua carreira. Quer estivesse calibrando a força da gravidade ou analisando as
propriedades dos materiais, ele discutia com Ren como as leis da física se
aplicavam à construção de foguetes. “Elon sempre falava sobre fazer um
foguete que pudesse viajar até Marte”, relembra Ren. “É óbvio que eu não
prestei muita atenção, porque achei que ele estava fantasiando.”
Musk também se concentrou em carros elétricos. Ele e Ren compravam
o almoço de um dos food trucks e se sentavam no gramado do campus, onde
Musk revisava trabalhos acadêmicos sobre baterias. A Califórnia tinha
acabado de aprovar um requerimento que exigia que 10% dos veículos
fossem elétricos até 2003. “Eu queria fazer acontecer”, disse Musk.
Musk também se convenceu de que a energia solar, que em 1994 estava
começando a evoluir, era o melhor caminho em direção à energia
sustentável. Seu trabalho de conclusão de curso era intitulado “A
importância de ser solar”. Ele era motivado não só pelo perigo da mudança
climática, mas também pelo fato de que as reservas de combustíveis fósseis
iriam começar a declinar. “A sociedade em breve não teria outra opção além
de buscar fontes de energia renováveis”, escreveu ele. A última página
mostrava uma “estação de energia do futuro” que tinha um satélite com
espelhos capazes de concentrar a luz solar em painéis e enviar a energia
resultante de volta para a Terra por meio de um raio de micro-ondas. O
professor deu a ele nota 98 e disse que era um “artigo muito interessante e
bem escrito, exceto pela última imagem, que surge do nada”.

Festeiro
Durante a vida, Musk encontrou três maneiras de escapar do drama
emocional que tendia a criar. A primeira foi a que ele compartilhou com
Navaid Farooq na Queen’s: a capacidade de se concentrar em jogos de
estratégia e construção de impérios, como Civilization e Polytopia. Robin
Ren refletiu sobre outra faceta de Musk: o leitor de enciclopédia que gostava
de mergulhar na “vida, no Universo e em tudo mais”, como define O guia do
mochileiro das galáxias.
Na Penn, Musk desenvolveu uma terceira forma de relaxamento: um
gosto pelas festas, que o tirou da concha solitária que o cercara na infância.
Seu parceiro e facilitador, Adeo Ressi, era um sujeito sociável que gostava de
diversão. Alto, de cabeça grande, risada expansiva e personalidade forte,
Ressi era um ítalo-americano de Manhattan que amava casas noturnas.
Excêntrico, ele fundou um jornal sobre meio ambiente, o Green Times, e
tentou criar sua própria disciplina na faculdade, chamada revolução, usando
exemplares do jornal como trabalho de conclusão de curso.
Assim como Musk, Ressi veio transferido de outra faculdade, por isso os
dois foram colocados no dormitório dos calouros, em que havia regras
proibindo festas e visitantes depois das dez horas. Nenhum deles gostava de
seguir regras, de modo que alugaram uma casa numa parte pobre no oeste
da cidade.
Ressi elaborou um esquema para dar uma grande festa mensalmente.
Eles cobriam as janelas e decoravam a casa com luzes negras e pôsteres
fluorescentes. Certa vez, Musk descobriu que sua mesa tinha sido pintada
com tinta que brilha no escuro e pregada na parede por Ressi, que chamou
aquilo de instalação artística. Musk a tirou da parede e declarou que não, era
uma mesa. Eles encontraram uma escultura de metal da cabeça de um
cavalo num ferro-velho e colocaram uma luz vermelha dentro, para que
saíssem raios pelos olhos. Havia uma banda em um andar, um DJ em outro,
mesas com cerveja e shots de vodca com gelatina, e alguém na porta cobrava
5 dólares a entrada. Em algumas noites apareciam quinhentas pessoas, o que
dava de sobra para pagar o aluguel mensal.
Quando Maye o visitou, ficou chocada. “Enchi oito sacos de lixo e varri o
lugar, e achei que eles ficariam agradecidos”, diz ela. “Mas eles nem
repararam.” Na noite da festa, eles colocaram Maye no quarto de Elon,
perto da entrada, para guardar casacos e o dinheiro. Ela ficou com uma
tesoura na mão, pois achou que poderia usá-la contra qualquer um que
tentasse roubar o caixa, e colocou o colchão de Elon encostado numa das
paredes externas. “A casa tremia e sacudia tanto com a música que achei que
o teto fosse cair, então cheguei à conclusão de que, se eu ficasse na
extremidade da casa, estaria mais segura.”
Apesar de Elon amar a atmosfera das festas, nunca se deixou levar
totalmente por elas. “Eu não bebia na época”, diz. “Adeo ficava
completamente bêbado. Eu batia na porta dele e falava: ‘Cara, você precisa
vir cuidar da festa.’ Acabei sendo o cara que tinha que ficar de olho nas
coisas.”
Ressi mais tarde se diria maravilhado por ver que Musk geralmente
parecia indiferente. “Ele gostava de estar perto de uma festa, mas não muito
dentro. A única coisa para a qual ele se entregava eram videogames.” Apesar
de todas as festas, ele entendeu que Musk era fundamentalmente alienado e
indiferente, como um observador de outro planeta que tenta aprender as
jogadas da sociabilidade. “Eu gostaria que o Elon soubesse como ser um
pouco mais feliz”, diz Ressi.
capítulo 9
Rumo a oeste
Vale do Silício, 1994-1995

Julho de 1994
Estágio de verão
Nas universidades da Ivy League nos anos 1990, alunos ambiciosos eram
atraídos ou para o leste, o reino dourado das finanças em Wall Street, ou
para o oeste, rumo à utopia tecnológica e ao fervor empreendedor do Vale
do Silício. Na Penn, Musk recebeu algumas ofertas de estágio de Wall
Street, todas lucrativas, mas o mercado financeiro não o interessava. Ele
achava que banqueiros e advogados não contribuíam muito para a sociedade.
Além disso, não gostava dos alunos que conhecera nas aulas de
administração. Em vez disso, se sentia atraído pelo Vale do Silício. Era a
década de exuberância racional, quando bastava que alguém colocasse um
.com em qualquer fantasia e esperasse pelo rugido dos Porsches se
aproximando pela Sand Hill Road com investidores acenando com cheques.
Musk conseguiu essa oportunidade no verão de 1994, entre seu primeiro
e segundo anos na Penn, quando fez dois estágios que permitiam que ele
saciasse suas paixões por veículos elétricos, espaço e videogames.
Durante o dia, ele trabalhava no Pinnacle Research Institute,
basicamente um grupo de vinte pessoas que tinha um contrato modesto
com o Departamento de Defesa para estudar um “ultracapacitor”
desenvolvido pelo seu fundador. Um capacitor é um dispositivo que pode
manter brevemente uma carga elétrica e liberá-la rápido, e a Pinnacle
pensou que podia construir um modelo potente o suficiente para fornecer
energia a carros elétricos e armas espaciais. Em um artigo que escreveu no
fim do verão, Musk declarou: “É importante perceber que o ultracapacitor
não é uma simples melhoria, mas uma tecnologia radicalmente nova.”
À noite, Musk trabalhava para uma pequena empresa chamada Rocket
Science, que criava videogames. Quando ele apareceu no prédio certa vez e
pediu um estágio de verão, lhe deram um problema que não tinham
conseguido resolver: como fazer o computador realizar multitarefas lendo
gráficos gravados num CD-ROM enquanto simultaneamente move um
avatar na tela. Ele entrou em um fórum de discussão para perguntar a outros
hackers como evitar o BIOS e o leitor de joystick usando o DOS. “Nenhum
dos engenheiros seniores tinha conseguido resolver esse problema, e eu
resolvi em duas semanas”, conta.
Eles ficaram impressionados e queriam que Musk trabalhasse em tempo
integral, mas ele precisava se formar para conseguir um visto de trabalho nos
Estados Unidos. Além disso, Elon chegou a uma conclusão: era apaixonado
por videogame e tinha as habilidades para ganhar dinheiro criando jogos,
mas essa não era a melhor maneira de levar a vida. “Eu queria causar um
impacto maior”, diz.

Rei da estrada
Uma tendência infeliz dos anos 1980 foi a de tornar carros e computadores
máquinas hermeticamente vedadas. Era possível abrir e brincar com as
peças de um Apple II que Steve Wozniak desenvolveu no fim dos anos
1970, mas não dava para fazer isso com o Macintosh, que Steve Jobs tornou
quase impossível de abrir em 1984. Do mesmo modo, as crianças até os
anos 1970 ficavam fuçando na mecânica dos carros, mexendo nos
carburadores, mudando velas e turbinando os motores. Elas sabiam avaliar
válvulas e Valvoline usando a ponta dos dedos. Esse imperativo de colocar a
mão na massa e a tradição dos kits de montar se aplicavam até mesmo a
aparelhos de rádio e televisão; se quisesse, você podia mudar os tubos e
também os transistores e ter certa noção do funcionamento de um circuito.
Essa tendência de se fabricarem dispositivos fechados e selados
significava que a maioria dos técnicos que cresceu nos anos 1990 se dedicou
mais ao software do que ao hardware. Eles não sentiram o doce cheiro do
ferro de solda, mas programavam de maneira a fazer os circuitos cantarem.
Musk era diferente. Ele gostava tanto do hardware quanto do software. Ele
programava, mas também tinha um talento para componentes físicos, como
células de baterias e capacitores, válvulas e câmaras de combustão, bombas
de combustível e correia do alternador.
Musk tinha uma paixão especial por mexer em carros. Na época, ele
tinha uma BMW 300i de 21 anos, e passava os sábados vasculhando ferros-
velhos na Filadélfia à procura das peças de que precisava para turbinar o
carro. Ele tinha uma transmissão de quatro velocidades, mas decidiu
aprimorá-la quando a BMW começou a fabricar uma de cinco velocidades.
Pegando emprestado um macaco em uma oficina local, Musk conseguiu,
com alguns calços e um pouco de retificação, enfiar uma transmissão de
cinco marchas no que antes era um carro de quatro marchas. “Aquilo podia
arrastar um trem”, lembra ele.
No fim dos estágios de verão em 1994, ele e Kimbal dirigiram o carro de
Palo Alto até a Filadélfia. “Nós dois achávamos a universidade um saco, e
não tínhamos pressa para voltar”, lembra Kimbal, “então, fizemos uma
viagem de carro de três semanas”. O carro vivia quebrando. Uma vez, eles
conseguiram levá-lo até uma concessionária em Colorado Springs, mas
depois o carro acabou pifando de novo. Os dois empurraram a BMW até
uma parada de caminhões, onde Elon conseguiu refazer tudo que o
mecânico profissional tinha feito.
Musk também viajou na BMW com a garota que namorava na época,
Jennifer Gwyne. Durante o feriado de Natal em 1994, eles foram da
Filadélfia até a Queen’s University, onde Kimbal ainda estudava, e depois até
Toronto para ver Maye. Lá Musk deu a Jennifer um colar de ouro com uma
pequena esmeralda. “A mãe dele tinha vários desses colares numa caixa no
quarto, e Elon me disse que eram da mina de esmeralda do pai na África do
Sul... Ele tirou um da caixa”, destacou Jennifer 25 anos depois, quando o
leiloou pela internet. Na realidade, a mina, havia muito falida, não ficava na
África do Sul e não era do pai dele, mas na época ele não se importava em
passar essa impressão.
Quando se formou, na primavera de 1995, Musk decidiu fazer outra
viagem pelo país até o Vale do Silício. Ele levou junto Robin Ren, depois de
ensiná-lo a dirigir usando câmbio manual. Eles pararam no recém-
inaugurado Aeroporto de Denver, porque Musk queria ver o sistema de
manuseio de bagagem. “Ele estava fascinado com os robôs desenvolvidos
para lidar com as bagagens sem intervenção humana”, relata Ren. Mas o
sistema era uma bagunça. Musk aprendeu uma lição que iria ter que
reaprender quando construísse as altamente robóticas fábricas da Tesla. “Era
automatizado demais, e eles subestimaram a complexidade do que estavam
construindo”, diz ele.
A onda da internet
Musk planejava se matricular em Stanford no fim do verão para estudar
ciência dos materiais na graduação. Ainda fascinado por capacitores, ele
queria pesquisar como alimentar carros elétricos com eles. “A ideia era
aproveitar equipamentos de produção de chips para fazer ultracapacitores de
estado sólido com densidade de energia suficiente para dar longo alcance a
um carro”, diz. Contudo, quando a hora de se matricular foi se
aproximando, ele começou a se preocupar. “Percebi que poderia passar
muitos anos em Stanford, terminar o doutorado, e chegar à conclusão de
que os capacitores não eram viáveis”, comenta ele. “A maioria das pessoas
com doutorado é irrelevante. Quase nenhuma promove alguma mudança de
fato.”
À época, ele tinha concebido uma visão que iria repetir como um mantra.
“Pensei sobre coisas que afetariam de verdade a humanidade”, relata ele.
“Cheguei a três: internet, energia sustentável e viagem espacial.” No verão
de 1995, ficou evidente para Musk que a primeira dessas coisas, a internet,
não iria esperar que ele terminasse a faculdade. A web havia acabado de ser
aberta para uso comercial, e naquele agosto a startup do navegador Netscape
abriu o capital e chegou, em apenas um dia, ao valor de mercado de 2,9
bilhões de dólares.
No seu último ano na Penn, Musk teve uma ideia para uma empresa de
internet, quando um executivo da NYNEX deu uma palestra sobre os
planos da empresa de telefonia de lançar uma versão on-line das Páginas
amarelas. Chamada de Big Yellow, ela teria itens interativos para que os
usuários adaptassem as informações às necessidades pessoais, disse o
executivo. Musk pensou (e acertou, no fim das contas) que a NYNEX não
tinha ideia de como torná-la realmente interativa. “Por que não fazemos nós
mesmos?”, sugeriu ele a Kimbal, e começou a programar de forma a
combinar as informações dos negócios com dados geográficos. Ele chamou
aquilo de Virtual City Navigator.
Pouco antes do prazo final para se matricular em Stanford, Musk foi a
Toronto a fim de se aconselhar com Peter Nicholson, do Scotiabank. Ele
deveria prosseguir com a ideia do Virtual City Navigator ou começar o
doutorado? Nicholson, que era doutor por Stanford, foi categórico. “A
revolução da internet só vai acontecer uma vez na vida; então, vá nessa
enquanto a forja está quente”, disse ele a Musk enquanto os dois
caminhavam às margens do rio Ontário. “Você vai ter muito tempo para se
formar na faculdade depois, caso ainda esteja interessado.” Quando Musk
voltou para Palo Alto, contou a Robin Ren que tinha se decidido. “Preciso
deixar todo o resto de lado”, disse. “Tenho que pegar a onda da internet.”
Elon foi precavido em sua aposta. Ele se matriculou em Stanford e
imediatamente trancou o curso. “Escrevi um programa usando os primeiros
mapas da internet e as Páginas amarelas”, disse ele a Bill Nix, o professor de
ciência dos materiais. “Provavelmente vai dar errado, e, se for o caso,
gostaria de poder voltar.” Nix disse que não via problema em Musk adiar os
estudos, mas previu que ele nunca voltaria.

Maio de 1995
capítulo 10
Zip2
Palo Alto, 1995-1999

Celebrando a venda da Zip2 com Maye e Kimbal; recebendo o McLaren, com


Justine
Buscas em mapas
Algumas das melhores inovações nascem da combinação de duas inovações
anteriores. A ideia que Elon e Kimbal tiveram no início de 1995, bem
quando a web começava a crescer exponencialmente, era simples: colocar
um diretório de negócios pesquisável on-line e combiná-lo com um
programa de mapas que mostrasse o caminho para chegar até eles. Nem
todo mundo enxergou o potencial disso. Quando Kimbal teve uma reunião
com o Toronto Star, que publicava as Páginas amarelas na cidade, o
presidente pegou uma edição grossa da lista telefônica e jogou nele. “Você
realmente acha que vai substituir isso um dia?”, perguntou.
Os irmãos alugaram um pequeno escritório em Palo Alto, com espaço
para duas mesas e futons. Nos primeiros seis meses, eles dormiram no
escritório e tomaram banho na Associação Cristã de Moços. Kimbal, que
depois se tornaria chef e restauranteur, comprou um fogão elétrico, e de vez
em quando os irmãos cozinhavam. Na maior parte do tempo, porém, os
dois comiam em uma lanchonete da rede Jack in the Box, porque era barata,
ficava aberta 24 horas e estava a uma quadra de distância. “Ainda lembro
cada item do cardápio”, diz Kimbal. “Está gravado no meu cérebro.” Elon
virou fã de um prato com molho teriyaki.
Após alguns meses, eles alugaram um apartamento não mobiliado
próximo ao escritório. “Só tinha dois colchões e muitas caixas de cereal
matinal Cocoa Puffs”, diz Tosca. Mesmo depois que os dois se mudaram,
Elon passava muitas noites no escritório, e dormia embaixo da mesa de
trabalho quando se cansava de programar. “Ele não tinha travesseiro nem
saco de dormir. Não sei como conseguia”, diz Jim Ambras, o primeiro
funcionário. “Volta e meia, quando tínhamos uma reunião com um cliente
de manhã, eu precisava mandar que ele fosse para casa tomar um banho.”
Navaid Farooq veio de Toronto para trabalhar com eles, mas logo estava
brigando com Musk. “Se você quer que a amizade dure”, aconselhou a
esposa dele, Nyame, “abandone esse trabalho”. Ele pediu demissão depois
de seis semanas. “Eu sabia que podia ou trabalhar com ele ou ser amigo
dele, mas não dava para ser as duas coisas, e a amizade parecia mais
agradável.”
Errol Musk, que ainda não tinha se afastado dos filhos, veio da África do
Sul e deu para eles 28 mil dólares mais um carro velho, que comprara por
500 dólares. Maye vinha de Toronto com mais frequência e levava comida e
roupas. Ela deu a eles 10 mil dólares e deixou que usassem seu cartão de
crédito, porque o banco não aprovou a emissão de um cartão para Elon e
Kimbal.
A primeira vitória veio quando eles visitaram a Navteq, uma empresa que
tinha um banco de dados de mapas. A empresa concordou em licenciá-lo
para os Musk gratuitamente até que eles começassem a ter lucros. Elon
escreveu um programa que mesclava os mapas com a lista de empresas de
uma determinada área. “Você podia usar o cursor, se aproximar e se mover
no mapa”, diz Kimbal. “Isso é comum hoje, mas era impressionante na
época. Acho que Elon e eu fomos os primeiros humanos a ver isso
funcionando na internet.” Eles chamaram a empresa de Zip2, uma
brincadeira com “zip”, verbo em inglês que significa ir rápido para onde
quiser.
Elon conseguiu uma patente para a “rede interativa de listas de empresas”
que havia criado. “A invenção fornece uma rede acessível de serviços que
integra uma relação de empresas de negócios a um banco de mapas”, declara
a patente.
Para a primeira reunião com possíveis investidores, eles tiveram que
pegar um ônibus de Sand Hill Road, porque o carro que o pai lhes dera
tinha quebrado. No entanto, depois que as notícias sobre a empresa se
espalharam, os fundos de investimentos começaram a pedir para falar com
eles. Os irmãos compraram uma enorme torre de computador, vazia, e
colocaram o pequeno computador deles dentro, para que os visitantes
imaginassem que eles tinham um servidor potente. O nome que eles deram
foi “A Máquina que Faz Ping”, em homenagem a um esquete do programa
Monty Python. “Toda vez que um investidor aparecia, eles mostravam a
torre”, diz Kimbal, “e a gente ria porque as pessoas achavam que estávamos
fazendo coisas complexas”.
Maye Musk foi de Toronto até lá para ajudar os dois nos preparativos
para as reuniões com os investidores, e várias vezes passou a noite em claro
em lojas da rede varejista Kinko’s para imprimir as apresentações. “Custava
1 dólar por página, e a gente mal podia pagar”, lembra ela. “Todo mundo
estava exausto, menos o Elon. Ele sempre ficava acordado até tarde
programando.” Quando os irmãos receberam as primeiras propostas de
investidores, no início de 1996, Maye levou os meninos a um bom
restaurante para comemorar. “É a última vez que vamos precisar do meu
cartão de crédito”, falou ela quando pagou a conta.
E de fato foi. Elon e Kimbal foram surpreendidos por uma oferta da
Mohr Davidow Ventures para investir 3 milhões de dólares na empresa. A
apresentação final para a firma estava agendada para uma manhã de
segunda-feira, e naquele fim de semana Kimbal decidiu fazer uma viagem
rápida até Toronto para consertar o computador da mãe, que tinha
quebrado. “Nós amamos nossa mãe”, explica ele. No domingo, na volta para
São Francisco, ele foi parado pela alfândega no aeroporto, e, ao revistarem a
bagagem, os funcionários viram a proposta de investimento, os cartões de
visita e outros documentos da empresa. Como Kimbal não tinha visto de
trabalho nos Estados Unidos, não o deixaram embarcar. Ele pediu a um
amigo que fosse buscá-lo no aeroporto e atravessou a fronteira de carro,
onde disse a um patrulheiro menos atento que eles estavam viajando para
ver o programa do David Letterman. Kimbal conseguiu pegar um avião
depois, de Buffalo para São Francisco, e chegou a tempo da apresentação.
Mohr Davidow amou a apresentação e confirmou o investimento. A
empresa também contratou um advogado especializado em imigração para
ajudar os dois a conseguirem os vistos de trabalho e deu a cada um deles 30
mil dólares para comprar carros. Elon comprou um Jaguar E-type 1967.
Ainda criança na África do Sul, ele tinha visto uma foto do veículo em um
livro sobre os melhores carros conversíveis de todos os tempos e jurou
comprar um se ficasse rico. “Era o carro mais bonito que você pode
imaginar”, diz ele, “mas enguiçava pelo menos uma vez por semana”.
Os investidores logo fizeram aquilo que fazem frequentemente:
colocaram supervisores adultos para assumir no lugar dos jovens fundadores.
Aconteceu com Steve Jobs na Apple e com Larry Page e Sergey Brin no
Google. Rich Sorkin, que havia comandado uma empresa de equipamento
de áudio, se tornou CEO da Zip2. Elon passou a exercer o cargo de diretor
de tecnologia. Inicialmente, achou que a mudança seria boa para ele, pois
poderia se concentrar no desenvolvimento do produto. Contudo, ele
aprendeu uma lição. “Eu nunca quis ser CEO”, afirma ele, “mas entendi que
não se pode realmente ser chefe de tecnologia ou de produto se você não for
o CEO”.
Com as mudanças veio uma nova estratégia. Em vez de vender o produto
diretamente para as empresas e seus clientes, a Zip2 se concentrou em
vender o programa para os grandes jornais, a fim de que eles pudessem criar
diretórios locais próprios. Fazia sentido, uma vez que os jornais já tinham
equipes de vendas que batiam de porta em porta para vender espaços
publicitários e anúncios nos classificados. O Knight-Ridder, o e New York
Times, o Pulitzer e os jornais do grupo Hearst fecharam contratos. Os
executivos dos dois primeiros entraram para o conselho da Zip2. A revista
Editor & Publisher publicou uma reportagem de capa chamada “O novo
super-herói do jornalismo: Zip2”, a qual dizia que a empresa tinha
desenvolvido “um conjunto de estruturas de software que vai permitir que
jornais possam criar rapidamente grandes guias de suas cidades”.
Até 1997, a Zip2 tinha sido contratada por 140 jornais por licenças que
variavam entre mil dólares e 10 mil dólares. O presidente do Toronto Star,
que tinha jogado a lista telefônica em Kimbal, ligou para se desculpar e
perguntar se a Zip2 poderia ser parceira deles. Kimbal disse que sim.

Hardcore
Desde o início da carreira, Musk foi um gestor exigente, avesso ao conceito
de equilíbrio entre trabalho e vida pessoal. Na Zip2 e em todas as empresas
seguintes, ele trabalhava todos os dias e durante boa parte da noite, sem
tirar férias, e esperava que os outros agissem da mesma maneira. A única
indulgência era permitir pausas para maratonas intensas de videogame. A
equipe da Zip2 ficou em segundo lugar na competição nacional de Quake.
Eles iam ficar em primeiro, diz Elon, mas um dos jogadores do time travou
o computador ao forçá-lo demais.
Quando os outros engenheiros iam para casa, Musk às vezes pegava o
programa no qual estavam trabalhando e o reescrevia. Com sua pouca
empatia, ele não percebia (ou não se importava) que corrigir alguém em
público — ou, como ele costumava dizer, “consertar a porcaria do código
deles” — não era um modo exatamente bom de se fazer amigos. Musk
nunca tinha sido capitão de uma equipe esportiva ou líder de um grupo de
amigos, e camaradagem não era algo instintivo para ele. Assim como Steve
Jobs, Musk sinceramente não se importava de ter ofendido ou intimidado as
pessoas com quem trabalhava, contanto que as fizesse realizar coisas que
julgavam impossíveis. “Não é nosso papel fazer com que os funcionários nos
amem”, diria ele em uma reunião de executivos da SpaceX anos depois. “Na
verdade, isso é contraproducente.”
Ele era mais duro com Kimbal. “Eu amo, amo, amo muito meu irmão,
mas trabalhar com ele era difícil”, diz Kimbal. Os desentendimentos
frequentemente levavam a brigas físicas no escritório. Eles brigaram sobre
estratégias importantes, pequenos detalhes e sobre o nome Zip2 (Kimbal e
uma empresa de marketing criaram o nome, Elon o detestou). “Lutar era
normal para quem foi criado na África do Sul”, diz Elon. “Fazia parte da
cultura.” Eles não tinham escritórios privados, só baias, de modo que todo
mundo podia ver e ouvir tudo. Numa das piores brigas, chegaram a rolar no
chão, e Elon parecia prestes a socar Kimbal no rosto, mas Kimbal mordeu a
mão dele e arrancou um naco de carne. Elon teve que ir ao pronto-socorro
para levar pontos e tomar vacina antitetânica. “Quando tínhamos esses
estresses intensos, não víamos ninguém mais à nossa volta”, diz Kimbal. Ele
depois admitiu que Elon tinha razão sobre o nome Zip2. “Era ruim.”

***

Gente que trabalha com produto tem compulsão por vender diretamente
aos consumidores, sem intermediários atrapalhando as coisas. Musk era
assim. Ele ficou frustrado com a nova estratégia da Zip2 de se contentar em
ser uma fornecedora sem marca para a indústria jornalística. “Acabamos em
dívida com os jornais”, diz Musk. Ele queria comprar o domínio “city.com”
e voltar a tratar direto com os consumidores, competindo com o Yahoo! e o
AOL.
Os investidores também tinham dúvidas sobre a estratégia. Guias de
cidades e diretórios da internet estavam proliferando no outono de 1998, e
nenhum estava tendo lucro. Então, o CEO Rich Sorkin decidiu se fundir
com um deles, o CitySearch, na esperança de que, juntos, os dois pudessem
ser bem-sucedidos. Entretanto, quando Musk conheceu o CEO da
CitySearch, ficou apreensivo. Com a ajuda de Kimbal e de alguns dos
engenheiros, Elon liderou uma rebelião que naufragou a fusão. Ele também
exigiu voltar a ser CEO. Em vez disso, o conselho o tirou da presidência e
reduziu seu papel na empresa.
“Grandes coisas nunca acontecerão com fundos de capital e gestores
profissionais”, declarou Musk para a revista Inc. “Eles não têm nem a
criatividade nem a compreensão.” Um dos sócios da Mohr Davidow, Derek
Proudian, assumiu o cargo de CEO interino, com a tarefa de vender a
empresa. “Essa é sua primeira empresa”, disse ele a Musk. “Vamos encontrar
um comprador e ganhar dinheiro para que você possa criar uma segunda,
terceira e quarta empresas.”

O milionário
Em janeiro de 1999, menos de quatro anos depois que Elon e Kimbal
lançaram a Zip2, Proudian os chamou no escritório e disse que a Compaq
Computer, que estava tentando aprimorar seu serviço de busca AltaVista,
havia oferecido 307 milhões de dólares em dinheiro. Os irmãos haviam
dividido seus 12% em 60% para Elon e 40% para Kimbal, de modo que
Elon, aos 27 anos, saiu com 22 milhões de dólares e Kimbal, com 15
milhões. Elon ficou atônito quando recebeu o cheque. “Minha conta
bancária foi de 5 mil dólares para 22.005.000 de dólares”, lembra ele.
Os Musk deram 300 mil dólares do lucro para o pai e 1 milhão de
dólares para a mãe. Elon comprou um apartamento de 167 metros
quadrados e esbanjou no que para ele era a indulgência máxima: um carro
esporte McLaren F1 de 1 milhão de dólares, o mais rápido da época.
Permitiu que a CNN filmasse a chegada do veículo. “Há apenas três anos eu
estava tomando banho num albergue e dormindo no chão do escritório, e
agora tenho um carro de 1 milhão de dólares”, disse ele, pulando de alegria
na rua enquanto o McLaren era descarregado de um caminhão.
Depois do surto impulsivo, ele percebeu que não era bom ficar dando
demonstrações frívolas de deslumbre com a riqueza. “Alguém podia
interpretar a compra do carro como um comportamento característico de
um pirralho imperialista”, admitiu ele. “Pode ser que meus valores tenham
mudado, mas eu não estava ciente disso.”
No entanto, os valores dele tinham de fato mudado? A riqueza permitia
realizar desejos e impulsos sem muitas restrições, o que nem sempre é
bonito de se ver. Mas a intensidade honesta e focada permaneceu intacta.
O jornalista Michael Gross estava no Vale do Silício apurando uma
matéria para a elegante revista Talk, de Tina Brown, sobre os pirralhos do
mundo da tecnologia que estavam enriquecendo. “Eu estava procurando um
personagem principal que gostasse de ostentação e valesse uma alfinetada”,
lembraria Gross anos depois. “Mas o Musk que conheci em 2000 era um
sujeito cheio de joie de vivre, agradável demais, quase impossível de alfinetar.
Ele tinha a mesma despreocupação e indiferença a expectativas que tem
hoje, mas era descontraído, aberto, charmoso e engraçado.”
Ser celebridade era atraente para um menino que cresceu sem amigos.
“Eu queria sair na capa da Rolling Stone”, declarou Musk para a CNN.
Contudo, ele acabaria tendo uma relação conflituosa com a riqueza. “Eu
podia comprar uma ilha nas Bahamas e transformá-la num feudo pessoal,
mas estou muito mais interessado em tentar construir e criar uma empresa
nova”, afirmou ele. “Não gastei meu dinheiro, vou investir quase tudo em
um jogo novo.”
capítulo 11
Justine
Palo Alto, anos 1990

Justine, Elon e Maye (acima); a família, com Errol e Maye, o segundo e a terceira a
partir da direita (abaixo)
Romance dramático
Quando Musk se acomodou no banco do motorista de sua nova McLaren
de 1 milhão de dólares, disse para o repórter da CNN que registrava a cena:
“O verdadeiro ganho é o sentimento de satisfação de ter criado uma
empresa.” Nesse momento, uma jovem linda, esbelta, que vinha a ser a
namorada de Elon, colocou os braços em volta dele. “Sim, sim, sim, mas o
carro também”, arrulhou ela. “O carro. Vamos ser honestos.” Musk pareceu
um pouco constrangido e olhou para baixo, conferindo as mensagens no
celular.
O nome dela era Justine Wilson, embora, no momento em que os dois se
conheceram na Queen’s University, ela ainda usasse o prosaico nome de
Jennifer. Como Musk, ela foi um rato de biblioteca quando criança, embora
preferisse romances de fantasia sombrios a ficção científica. Criada numa
cidadezinha à beira de um rio a nordeste de Toronto, ela achava que ia se
tornar escritora. Com cabelos soltos e um sorriso misterioso, Justine
conseguia ser radiante e opressora ao mesmo tempo, como um personagem
de um dos romances que esperava um dia escrever.
Ela conheceu Musk quando era caloura e ele estava no segundo ano na
Queen’s. Depois de vê-la numa festa, Musk a convidou para tomar sorvete.
Ela aceitou o convite na terça-feira seguinte, mas, quando ele foi buscá-la,
descobriu que ela não estava em casa. “De qual sorvete ela mais gosta?”,
perguntou Elon para um amigo de Justine. Flocos, foi a resposta. Então, ele
comprou uma casquinha e andou pelo campus, até que a encontrou
estudando um texto em espanhol num centro estudantil. “Acho que esse é o
seu favorito”, disse ele, entregando-lhe a casquinha derretida.
“Ele não é o tipo de cara que aceita não como resposta”, diz ela.
Justine na época estava terminando o relacionamento com alguém que
parecia mais legal, um escritor com uma barbicha embaixo do lábio inferior,
também chamada de mosca. “Achei que aquela mosca era um sinal certeiro
de que ele era um idiota”, comenta Musk. “Então, convenci Justine a sair
comigo.” Ele disse a ela: “Você tem um fogo na alma. Eu me vejo em você.”
Ela ficou impressionada com as ambições de Musk. “Diferentemente de
outras pessoas ambiciosas, ele nunca falava em ganhar dinheiro”, diz Justine.
“Ele deduziu que ou ia ficar rico ou ia falir, sem meio-termo. O que
interessava eram os problemas que ele queria resolver.” A vontade indomável
dele — seja por fazê-la sair com ele, seja por construir carros elétricos —
impressionou Justine. “Até mesmo quando parecia conversa de maluco, você
acreditava, porque ele acreditava.”
Eles tiveram apenas alguns encontros antes de Musk trocar a Queen’s
pela Penn, mas mantiveram contato, e às vezes ele mandava rosas. Ela
passou um ano dando aulas no Japão e deixou de lado o nome Jennifer
“porque era muito comum e parecia nome de chefe de torcida”. Quando
voltou para o Canadá, Justine disse para a irmã: “Se o Elon me ligar de
novo, acho que vou nessa. Acho que perdi uma chance.” A ligação veio
quando ele foi a Nova York para falar com o Times sobre a Zip2. Elon a
convidou para sair. O fim de semana foi tão bom que ele pediu que
voltassem juntos para a Califórnia. Ela foi.
Musk ainda não tinha vendido a Zip2, e eles estavam morando no
apartamento dele em Palo Alto com dois colegas e um Dachshund não
adestrado chamado Bowie, em homenagem a David Bowie. Ela passava a
maior parte do tempo no quarto escrevendo e sendo antissocial. “Os amigos
não queriam ficar lá em casa porque a Justine era muito mal-humorada”,
lembra ele. Kimbal também não se dava com ela, e diz: “Pessoas inseguras
podem ser muito maldosas.” Quando Musk perguntou à mãe o que ela
achava de Justine, Maye foi, como sempre, sincera. “Não tem nada nela que
compense o lado ruim.”
Musk, que gostava de intensidade nos relacionamentos, estava
encantado. Certa noite durante o jantar, lembra Justine, ele perguntou
quantos filhos ela queria ter. “Um ou dois”, respondeu ela, “mas, se eu
pudesse pagar babás, teria quatro”.
“Essa é a diferença entre mim e você”, retrucou ele. “Eu já presumi que a
gente vai ter babás.” Então ele embalou algo imaginário nos braços e disse
“bebê”. Àquela altura, ele já queria muito ter filhos.
Logo depois, ele vendeu a Zip2 e comprou a McLaren. De repente,
havia dinheiro para babás. Ela brincou, constrangida, que talvez ele fosse
trocá-la por uma modelo linda. Em vez disso, Musk se ajoelhou na calçada
em frente à casa deles, pegou uma aliança e pediu Justine em casamento,
bem como num desses livros românticos.
Ambos gostavam de drama e as brigas eram um combustível para a
relação. “Para alguém que era tão amoroso assim comigo, ele nunca hesitou
em dizer quando eu estava errada a respeito de algo”, confessa ela. “E eu
reagia. Percebi que podia dizer qualquer coisa para ele e que isso não o
derrubava.” Um dia eles estavam num McDonald’s com um amigo e
começaram a discutir em voz alta. “Meu amigo ficou constrangido, mas o
Elon e eu estávamos acostumados a discutir em público. Tem algo de
combativo nele. Não acho que dá para estar num relacionamento com o
Elon e não brigar.”
Em uma viagem a Paris, eles foram ver as tapeçarias A Dama e o
Unicórnio no Musée de Cluny. Justine começou a descrever o que a comovia,
e fez uma interpretação espiritual do unicórnio como uma espécie de Cristo.
Musk chamou isso de “imbecilidade”. Eles começaram a discutir
intensamente sobre simbolismo cristão. “Ele estava simplesmente inflexível
e furioso, e dizia que eu não sabia do que estava falando, que eu era burra e
doida”, relata ela. “Era bem o jeito como o pai falava com ele, pelo que ele
me contava.”

O casamento
“Quando Elon falou que ia se casar com ela, eu intervim”, lembra Kimbal.
“Falei: ‘Não se case, você não pode se casar, ela é a pessoa errada para você.’”
Navaid Farooq, que estava com Musk na festa em que ele conheceu Justine,
também tentou impedir o casamento. Mas Musk gostava tanto de Justine
quanto da confusão. O casamento foi marcado para um fim de semana em
janeiro de 2000 na ilha caribenha de Saint-Martin.
Musk voou para lá um dia antes com um acordo pré-nupcial redigido por
seus advogados. Ele e Justine rodaram a ilha procurando um tabelião que
pudesse ser testemunha na noite de sexta-feira, mas não conseguiram
encontrar ninguém. Ela prometeu que assinaria quando eles voltassem
(acabou assinando duas semanas depois), mas a conversa causou muita
tensão. “Acho que ele estava supernervoso por estar se casando sem o acordo
assinado”, diz Justine. Isso provocou uma briga, ela saiu do carro e foi ver os
amigos. Mais tarde, os dois se encontraram na casa em que estavam e
continuaram a brigar. “A casa tinha muitos espaços abertos, então todo
mundo ouviu a discussão”, diz Farooq, “e ninguém sabia o que fazer”. De
repente, Musk saiu e disse para a mãe que o casamento estava cancelado.
Ela ficou aliviada. “Agora você não vai ser um sujeito infeliz”, decretou
Maye. Mas aí ele mudou de ideia e voltou para Justine.
A tensão continuou no dia seguinte. Kimbal e Farooq tentaram
convencer Musk a ir embora. Quanto mais os dois insistiam, mais
intransigente ele ficava. “Não, eu vou me casar com ela”, garantiu.
À primeira vista, a cerimônia ao lado da piscina do hotel pareceu feliz.
Justine estava radiante em um vestido branco sem mangas e com uma tiara
de flores brancas, e Musk estava elegante num smoking feito sob medida.
Tanto Maye quanto Errol estavam lá, e os dois até posaram para fotos
juntos. Depois do jantar, todos dançaram conga, e Elon e Justine
apresentaram sua primeira dança. Ele colocou ambos os braços na cintura
dela. Ela pôs os braços em volta do pescoço dele. Eles sorriram e se
beijaram. Então, enquanto dançavam, ele sussurrou um lembrete para ela:
“Neste relacionamento, eu sou o alfa.”
capítulo 12
X.com
Palo Alto, 1999-2000

Com Peter iel, cofundador da PayPal


Um banco tudo em um
Quando Peter Rive visitou o primo no início de 1999, encontrou Musk
estudando o sistema bancário. “Estou pensando no que vou fazer da vida
agora”, explicou Musk. A experiência no Scotiabank o convencera de que
esse setor estava pronto para uma transformação. Por isso, em março de
1999, fundou a X.com com um amigo do banco, Harris Fricker.
Musk estava diante da escolha que descreveu para a CNN: sacar os
ganhos e viver como um multimilionário ou deixar as fichas na mesa para
financiar um novo empreendimento. O equilíbrio que ele encontrou foi
investir 12 milhões de dólares na X.com e deixar cerca de 4 milhões de
dólares, já descontados os impostos, para gastar.
O conceito da X.com era grandioso. Seria um balcão único para todas as
necessidades financeiras: serviços bancários, compras digitais, cheques,
cartões de crédito, investimentos e empréstimos. As transações seriam
instantâneas, sem espera para que os pagamentos fossem confirmados. A
ideia de Musk era a de que o dinheiro não passava de uma informação em
um banco de dados, e ele queria descobrir uma maneira de registrar todas as
transações com segurança em tempo real. “Se você ajustar todos os
problemas que levam o consumidor a tirar seu dinheiro do sistema”, diz ele,
“você vai criar um lugar onde todo o dinheiro vai estar e terá uma empresa
multitrilionária”.
Alguns amigos dele não acreditavam que um banco on-line fosse capaz
de inspirar confiança com um nome que soa como um site pornográfico.
Mas Musk adorava o nome X.com. Em vez de ser inventivo demais, como
Zip2, o nome era simples, fácil de lembrar e de digitar. Também permitia
que Musk tivesse um dos endereços de e-mail mais legais da época:
e@x.com. O X se tornaria sua letra preferida para batizar coisas, fossem
empresas ou crianças.

***
Musk administrava a empresa do mesmo modo que fazia na Zip2, e isso
nunca ia mudar. Suas maratonas de programação tarde da noite seguidas de
uma mistura de grosseria e indiferença durante o dia levaram o cofundador,
Harris, e os poucos funcionários a exigir que Musk renunciasse ao cargo de
CEO. A certa altura, Musk respondeu com um e-mail em que demonstrava
muito autoconhecimento. “Sou por natureza obsessivo-compulsivo”,
escreveu ele para Fricker. “O que importa para mim é vencer, e isso não é
pouco. Sabe lá Deus por quê... A raiz disso deve estar em alguma
profundidade psicanalítica muito perturbadora ou num curto-circuito
neural.”
Como era o sócio majoritário, Musk triunfou e Fricker se demitiu, junto
com a maioria dos funcionários. Apesar da confusão, Musk conseguiu
convencer o influente presidente da Sequoia Capital, Michael Moritz, a
fazer um grande investimento na X.com. Depois, Moritz intermediou um
acordo para que o Barclays Bank e um banco comunitário no Colorado se
tornassem sócios, de modo que a X.com pudesse oferecer fundos mútuos de
investimentos, ter uma carta patente e cobertura do fundo garantidor de
crédito dos Estados Unidos, o FDIC. Aos 28 anos, Musk era uma
celebridade das startups. Em uma matéria chamada “Elon Musk está prestes
a se tornar o próximo grande sucesso do Vale do Silício”, a Salon o chamou
de “O cara de TI no Vale do Silício”.
Uma das táticas de gestão de Musk, tanto na época quanto depois, era
estabelecer um prazo insano e motivar os colegas a cumpri-lo. Ele fez isso
no outono de 1999 ao anunciar, num gesto que um engenheiro chamou de
“babaquice”, que a X.com seria lançada para o público no fim de semana de
Ação de Graças. Nas semanas anteriores, Musk rondava o escritório todos
os dias, inclusive no Dia de Ação de Graças, em um frenesi que
contaminava os outros com seu nervosismo, e dormia debaixo da mesa na
maioria das noites. Um dos engenheiros que foi para casa às duas da
madrugada no Dia de Ação de Graças recebeu uma ligação de Musk às
onze da manhã pedindo que ele voltasse, porque outro engenheiro tinha
trabalhado a noite toda e “não está mais funcionando a pleno vapor”. Tal
comportamento causava discussões e ressentimentos, mas também resultava
em sucesso. Quando o produto entrou no ar naquele fim de semana, todos
os funcionários andaram até um caixa eletrônico ali perto, no qual Musk
inseriu um cartão de débito da X.com. O dinheiro saiu e a equipe
comemorou.
Na crença de que Musk precisava da supervisão de adultos, Moritz o
convenceu a sair no mês seguinte e permitir que Bill Harris, o ex-presidente
da Intuit, se tornasse CEO. Em uma reprise do que aconteceu na Zip2,
Musk permaneceu como diretor de produto e presidente do conselho, e
manteve a intensidade frenética. Depois de uma reunião com os
investidores, ele foi até a lanchonete onde havia instalado alguns fliperamas.
“Vários de nós estávamos jogando Street Fighter com Elon”, diz Roelof
Botha, o diretor financeiro. “Ele estava suando, e dava para ver que era uma
mistura de energia e intensidade.”
Musk desenvolveu técnicas de marketing virais, as quais incluíam
recompensas para usuários que conseguissem convencer amigos a se
tornarem clientes, e imaginou que seria capaz de fazer da X.com ao mesmo
tempo um serviço bancário e uma rede social. Assim como Steve Jobs,
Musk era apaixonado por desenhar interfaces simples. “Aprimorei a
interface do usuário para que a pessoa precisasse apertar o menor número de
teclas para abrir uma conta”, diz ele. A princípio era preciso preencher
formulários longos, com campos que pediam o número do seguro social e o
endereço residencial, por exemplo. “Por que a gente precisa disso?”,
perguntava Musk insistentemente. “Delete!” Uma descoberta pequena e
importante foi a de que os clientes não precisavam ter nome de usuário,
uma vez que o e-mail já era suficiente.
Um fator que impulsionou o crescimento foi um recurso para o qual eles
a princípio não deram bola: a capacidade de mandar dinheiro por e-mail.
Esse recurso se tornou muito popular, especialmente no site de leilões eBay,
em que os usuários estavam procurando uma maneira fácil de pagar a
desconhecidos por suas compras.

Max Levchin e Peter Thiel


Enquanto Musk monitorava os nomes dos novos usuários, um chamou a
atenção: Peter iel. Ele fora um dos fundadores de uma empresa chamada
Confinity, que havia funcionado no mesmo prédio da X.com e estava agora
na mesma rua. iel e o cofundador da empresa, Max Levchin, eram tão
intensos quanto Musk, porém mais disciplinados. Assim como a X.com, a
empresa deles oferecia um serviço de pagamento de pessoa para pessoa. A
versão da Confinity se chamava PayPal.
No início de 2000, num dos primeiros sinais de que a bolha da internet
poderia estourar, a X.com e a PayPal estavam numa corrida para conseguir
novos clientes. “Era uma competição maluca em que as duas empresas
ofereciam prêmios em dinheiro para quem trouxesse novos clientes e
indicasse amigos”, diz iel. Como Musk definiu depois, “era uma corrida
para ver quem ficava sem dinheiro por último”.
Musk lutava com a intensidade de um gamer. iel, por sua vez, gostava
de calcular os riscos friamente e mitigá-los. Logo ficou evidente para ambos
que o efeito de rede — quem crescesse primeiro cresceria ainda mais
rapidamente — significava que só uma empresa sobreviveria. Então, fazia
sentido unir as empresas em vez de transformar a competição numa partida
de Mortal Kombat.
Musk e seu novo CEO, Bill Harris, agendaram um encontro com iel e
Levchin no salão dos fundos do Evia, um restaurante grego em Palo Alto.
Os dois lados trocaram informações sobre número de usuários, e Musk
exagerou, como sempre. iel perguntou como ele imaginava os termos de
uma possível fusão. “Nós vamos ter 90% da empresa depois da fusão, e vocês
ficariam com 10%”, respondeu Musk. Levchin não sabia o que pensar sobre
Musk. Ele estava falando sério? As bases de usuários deles eram quase
iguais. “Musk estava com uma cara extremamente séria, de quem não estava
brincando, mas no fundo parecia ser ironia”, diz Levchin. Como Musk
admitiu depois, “estávamos jogando”.
Depois que a equipe da PayPal foi embora, Levchin disse a iel: “Isso
nunca vai dar certo, vamos partir para outra.” iel, no entanto, interpretava
melhor as pessoas e as situações. “Isso é só o começo”, falou. “Com um cara
como o Elon, basta ter paciência.”
O namoro continuou durante janeiro de 2000, o que levou Musk a adiar
a lua de mel com Justine. Michael Moritz, o principal investidor, organizou
uma reunião com os dois grupos no escritório dele, na Sand Hill Road.
iel pegou carona com Musk na McLaren.
“Então, qual é a potência desse carro?”, perguntou iel.
“Olha só isso”, respondeu Musk, passando para a faixa rápida e pisando
fundo.
O eixo da roda traseira quebrou e o carro girou, bateu numa barragem e
levantou voo como um disco voador. Partes da carroceria ficaram em
pedaços. iel, um libertário praticante, não estava com cinto de segurança,
mas saiu ileso. Ele conseguiu pegar uma carona até o escritório da Sequoia.
Musk, também ileso, ficou para trás por meia hora, enquanto o carro era
rebocado. Ao chegar à reunião, não contou a Harris o que havia acontecido.
Mais tarde, Musk conseguiu rir e dizer: “Pelo menos mostrei ao Peter que
eu não tenho medo de riscos.” iel comenta: “É, percebi que ele é meio
doido.”

***

Musk continuou resistindo à fusão. Apesar de ambas as empresas terem


cerca de 200 mil clientes cadastrados para fazer pagamentos eletrônicos no
eBay, Musk acreditava que a X.com era uma empresa mais valiosa porque
oferecia uma gama mais ampla de serviços bancários. Isso o colocava em
conflito com Harris, que certa vez ameaçou pedir demissão caso Musk
tentasse atrapalhar as negociações de fusão. “Caso ele se demitisse, seria um
desastre”, diz Musk, “porque estávamos tentando levantar mais dinheiro
justo quando o mercado da internet enfraquecia”.
Uma oportunidade surgiu quando Musk teve um momento de conexão
com iel e Levchin em outro almoço, dessa vez no Il Fornaio, um
sofisticado restaurante italiano em Palo Alto. A comida estava demorando
muito para ser servida, e Harris decidiu invadir a cozinha para ver quais
pratos já podiam ser retirados. Musk, iel e Levchin trocaram um olhar de
compreensão. “Lá estava um homem de negócios extremamente
extrovertido, que agia como se tivesse um S no peito e nós três fôssemos
muito nerds”, diz Levchin. “O fato de nós três sermos o tipo de pessoa que
nunca faria o que Bill fez nos unia.”
Eles concordaram com uma fusão em que a X.com ficaria com 55% da
nova empresa, mas Musk quase estragou as coisas logo depois, ao dizer para
Levchin que aquilo era um roubo. Furioso, Levchin ameaçou desistir. Harris
foi até a casa dele e o ajudou a dobrar roupas enquanto ele se acalmava. Os
termos foram revisados mais uma vez, e mudaram para uma fusão 50-50,
mas com a X.com como a empresa sobrevivente. Em março de 2000 um
acordo foi confirmado, e Musk, o maior acionista, se tornou presidente.
Semanas depois, ele se juntou a Levchin para forçar Harris a sair e
reassumiu também o papel de CEO. A supervisão de adultos não era mais
bem-vinda.

PayPal
Os sistemas de pagamento eletrônico de ambas as empresas foram reunidos
e promovidos sob a marca PayPal. Esta se tornou a principal oferta da
empresa, e continuou a crescer rapidamente. No entanto, não era da
natureza de Musk desenvolver produtos para nichos de mercado. Ele queria
refazer setores inteiros. Então, voltou a se concentrar em seu objetivo
original de criar uma rede social que pudesse mudar todo o setor bancário.
“Temos que decidir se nosso objetivo será grande”, disse ele a seus soldados.
Para alguns, a visão de Musk era falha. “Estávamos deslanchando com o
eBay”, diz Reid Hoffman, um dos primeiros funcionários, que depois foi
cofundador do LinkedIn. “Max e Peter achavam que devíamos nos
concentrar totalmente nisso e virar um serviço comercial dominante.”
Musk insistia que o nome da empresa deveria ser X.com e que PayPal
seria somente uma das marcas subsidiárias. Ele até tentou renomear o
sistema de pagamento para X-PayPal. Houve muita resistência,
especialmente de Levchin. A PayPal tinha se tornado uma marca de
confiança do público, como um bom amigo que ajuda você a receber seu
dinheiro. Entrevistas com grupos focais indicaram que o nome X.com, pelo
contrário, passava a impressão de se tratar de um site estranho que nem valia
a pena mencionar numa conversa educada. Mas Musk não queria ceder, e
continua assim até hoje. “Se você quer ser apenas um sistema de pagamento
de nicho, PayPal é melhor”, diz ele. “Mas, se quer tomar conta do sistema
financeiro mundial, então X é um nome melhor.”
Musk e Michael Moritz foram a Nova York para ver se era possível
recrutar Rudy Giuliani, que estava quase terminando o mandato de prefeito,
como lobista e para ajudar a achar os caminhos em meio às complexidades
políticas envolvidas na criação de um banco. Assim que entraram no
escritório dele, Musk e Moritz souberam que não iria dar certo. “Foi como
entrar num escritório da máfia”, revela Moritz. “Ele estava cercado de
capangas de confiança. Não sabia nada sobre o Vale do Silício, mas ele e os
capangas estavam ansiosos para ganhar dinheiro.” Eles pediram 10% da
empresa, e isso encerrou a conversa. “Esse cara mora em um planeta
diferente”, disse Musk a Moritz.
Musk reestruturou a empresa para que o departamento de engenharia
não fosse um departamento separado. Em vez disso, os engenheiros
trabalhariam com os gerentes de produto. Era uma filosofia que ele levaria
para a Tesla, a SpaceX e, posteriormente, para o Twitter. Separar o design
de um produto da engenharia era uma receita para problemas. Os designers
tinham que perceber imediatamente a dificuldade caso alguma coisa que
tivessem concebido fosse difícil de ser concretizada. Musk também tinha
um corolário que funcionou bem para foguetes, mas nem tanto para o
Twitter: os engenheiros é que deveriam liderar a equipe.

Queda de braço com Levchin


Peter iel se afastou do envolvimento ativo com a empresa e deixou o
cofundador da Confinity, Max Levchin, um mago ucraniano do software,
discreto e muito inteligente, como diretor de tecnologia e um contrapeso a
Musk. Levchin e Musk logo entraram em conflito a respeito de um assunto
que parecia técnico, mas também teológico: se eles deviam usar Microsoft
Windows ou Unix como principal sistema operacional. Musk admirava Bill
Gates, amava o Windows NT e achava que a Microsoft seria um parceiro
mais confiável. Levchin e sua equipe ficaram chocados, pois achavam que o
Windows NT não era seguro, era cheio de bugs e sem graça. Eles preferiam
usar várias versões de sistemas operacionais Unix, incluídos o Solaris e o
Linux, de código aberto.
Certa noite, já bem de madrugada, Levchin estava trabalhando sozinho
numa sala de reuniões quando Musk entrou pronto para continuar a
discussão. “Uma hora você vai entender meu ponto de vista”, esbravejou
Musk. “Eu sei como esse filme termina.”
“Não, você está errado”, retrucou Levchin sem se exaltar. “Simplesmente
não vai dar certo com a Microsoft.”
“Sabe o que mais?”, disse Musk. “Vamos decidir isso na queda de braço.”
Levchin achou, com razão, que era a maneira mais estúpida possível de se
decidir um desentendimento sobre software e programação. Além disso,
Musk tinha quase o dobro do tamanho dele. Contudo, por estar zonzo após
várias horas de trabalho, concordou com a queda de braço. Levchin colocou
todo o peso no braço e perdeu imediatamente. “Só para deixar claro”, disse
Levchin a Musk, “não vou usar seu peso físico como forma de critério para
uma decisão técnica”.
Musk riu e disse: “É, eu entendo.” Mas ele se saiu melhor. Musk passou
um ano fazendo sua equipe de engenheiros reescrever o código Unix que
Levchin tinha escrito para a Confinity. “Perdemos um ano fazendo essas
dancinhas técnicas em vez de desenvolver novos recursos”, afirma Levchin.
O esforço de reescrever o código também impediu que a empresa se
concentrasse na quantidade crescente de fraudes que afetavam o serviço.
“Nós só éramos bem-sucedidos ainda porque não havia outras empresas
sendo financiadas naquele período.”

***

Levchin tinha dificuldade em entender Musk. O truque da queda de braço


era sério? As explosões de intensidade maníaca pontuadas por um humor
meio infantil e jogos eram coisas calculadas ou maluquices? “Há ironia em
tudo que ele faz”, diz Levchin. “Ele opera numa escala de ironia que vai até
onze, mas nunca fica abaixo de quatro.” Um dos poderes de Musk era atrair
outras pessoas para seu círculo de ironia, para que elas pudessem
compartilhar a piada interna. “Ele liga esse lança-chamas de ironia e cria um
sentimento de que você faz parte do exclusivíssimo clube do Elon.”
Isso não dava certo com Levchin, que usava a sinceridade como escudo
contra o lança-chamas de ironia. Ele tinha um bom radar para detectar os
exageros de Musk. Durante a fusão, Musk insistia que a X.com tinha quase
o dobro de usuários, e Levchin conferiu isso com seus engenheiros e
conseguiu o número real. “Elon não estava só exagerando, ele inventava”,
conta Levchin. Era o tipo de coisa que o pai dele teria feito.
E, ainda assim, Levchin começou a se maravilhar com os
contraexemplos, como quando Musk o surpreendia ao demonstrar que sabia
de certas coisas. Certa vez, Levchin e seus engenheiros estavam lidando com
um problema complicado que envolvia o banco de dados Oracle. Musk
colocou a cabeça para dentro da sala e, apesar de ele ser versado em
Windows, não em Oracle, imediatamente descobriu o contexto da conversa,
deu uma resposta técnica precisa e saiu sem esperar a confirmação. Levchin
e a equipe voltaram para seus manuais Oracle e procuraram o que Musk
havia descrito. “Um a um, todos disseram ‘Merda, ele tem razão’”, lembra
Levchin. “Elon dizia coisas loucas, mas de vez em quando te surpreendia ao
saber muito mais do que você sobre a sua especialidade. Acho que, em
grande parte, ele motiva as pessoas por essas demonstrações de acuidade,
que as pessoas não esperam dele, porque acham que ele é um mentiroso ou
um brincalhão.”
capítulo 13
O golpe
PayPal, setembro de 2000

A má a da PayPal (acima, da esquerda para a direita): Loke Nosek, Ken Howery,


David Sacks, Peter iel, Keith Rope, Reid Hoffman, Max Levchin, Roelof Botha;
Max Levchin (abaixo, à esquerda); Michael Moritz (abaixo, à direita)
Briga de rua
No fim do verão de 2000, Levchin estava achando muito difícil lidar com
Musk. Ele escrevia para Musk longos memorandos em que detalhava como
as fraudes ameaçavam quebrar a empresa (o título incongruente de um deles
era “Fraude é amor”), mas a única resposta que obtinha eram rejeições
concisas. Quando Levchin desenvolveu o primeiro uso comercial da
tecnologia CAPTCHA para evitar a automatização de fraudes, Musk
demonstrou pouco interesse. “Aquilo me deixou extremamente deprimido”,
relata Levchin. Ele ligou para a namorada e disse: “Acho que acabou.”
Sentado no saguão de um hotel em Palo Alto, onde participava de uma
conferência, Levchin contou para alguns colegas seu plano de sair. Eles o
incentivaram a lutar. Outros tinham frustrações semelhantes. Seus amigos
próximos, Peter iel e Luke Nosek, haviam secretamente encomendado
um estudo que indicava que a PayPal era uma marca muito mais valiosa do
que a X.com. Musk ficou furioso, e exigiu que a marca PayPal fosse retirada
da maior parte do site da empresa. No início de setembro, os três, junto com
Reid Hoffman e David Sacks, haviam decidido que era hora de destronar
Musk.
Musk havia se casado com Justine oito meses antes, mas não tinha
encontrado tempo para desfrutar uma lua de mel. Numa decisão fatídica,
decidiu viajar naquele mês de setembro, bem quando os colegas estavam se
unindo contra ele. Musk foi para a Austrália a fim de assistir às Olimpíadas,
com paradas para conhecer potenciais investidores em Londres e
Cingapura.
Assim que ele partiu, Levchin telefonou para iel e perguntou se ele
não gostaria de voltar a ser o CEO, pelo menos temporariamente. Quando
iel disse que sim, o grupo de rebeldes concordou em se unir e enfrentar o
conselho, e arregimentou outros funcionários para assinar uma petição em
apoio à causa deles.
Sentindo que tinham armas e forças suficientes, iel, Levchin e seus
aliados subiram a Sand Hill Road e foram até o escritório da Sequoia
Capital para defender seus argumentos diante de Michael Moritz. Este
folheou a pasta com a petição; em seguida, fez algumas perguntas
específicas sobre o software e os problemas com fraudes. Moritz concordou
que uma mudança era necessária, mas disse que só apoiaria iel como
CEO se fosse em caráter temporário, portanto a empresa precisava começar
o processo de recrutar um executivo experiente. Os conspiradores
concordaram e foram comemorar em um bar local, o Antonio’s Nut House.
Em uma de suas ligações da Austrália, Musk começou a perceber que
havia algum problema. Como sempre, ele dava ordens, mas seus
normalmente cordatos subalternos começaram a resistir. Ele descobriu o
porquê no quarto dia da viagem, ao ser copiado em um e-mail enviado para
o conselho por um funcionário que exaltou a liderança de Musk e
denunciou os golpistas. Musk se sentiu enganado. “Essa história está me
deixando tão triste que estou sem palavras”, respondeu ele em um e-mail.
“Eu fiz todo o esforço possível, investi quase todo o meu dinheiro da Zip2 e
coloquei meu casamento em risco, e mesmo assim sou alvo de acusações de
malfeitos aos quais eu ainda nem tive a oportunidade de responder.”
Musk ligou para Moritz para tentar reverter a decisão. “Ele descreveu o
golpe como ‘hediondo’”, diz Moritz, que tinha uma sensibilidade literária
refinada. “Lembro disso porque a maioria das pessoas não usa essa palavra.
Ele chamou de crime hediondo.” Quando Moritz se recusou a voltar atrás
na decisão, Musk rapidamente comprou passagens de avião — os únicos
assentos que ele e Justine conseguiram eram na classe econômica — e voltou
para casa. Ao chegar ao escritório da X.com, se reuniu com alguns
companheiros leais para tentar descobrir como resistir ao golpe. Depois de
uma sessão que foi até tarde da noite, ele se refugiou nos consoles de
videogame que havia no escritório e jogou rodada atrás de rodada de Street
Fighter sozinho.
iel alertou os executivos para não atenderem às ligações de Musk. Ele
podia ser muito persuasivo e intimidador. No entanto, Reid Hoffman, o
diretor de operações, sentia que devia a Musk uma conversa. Empreendedor
com um jeito de urso e uma personalidade jovial, Hoffman conhecia as
artimanhas de Musk. “Elon tem poderes de alterar a realidade e abduzir as
pessoas para dentro da visão dele”, afirma Hoffman. Mesmo assim, decidiu
almoçar com Musk.
Durante as três horas de almoço, Musk tentou persuadir e adular
Hoffman. “Peguei todo o meu dinheiro e pus nessa empresa”, disse. “Tenho
o direito de comandar esse negócio.” Ele também argumentou contra a
estratégia de centralizar a operação apenas em pagamentos eletrônicos. “Isso
devia ser só o primeiro ato na criação de um banco digital.” Ele tinha lido o
livro O dilema da inovação, de Clayton Christensen, e tentou convencer
Hoffman de que o sisudo setor bancário poderia ser mudado. Hoffman
discordou. “Eu disse que acreditava que a visão dele de um superbanco era
tóxica, porque precisávamos concentrar no nosso serviço de pagamento no
eBay”, conta ele. Musk então mudou de tática. Tentou convencer Hoffman
a ser CEO. Ansioso para encerrar o almoço, Hoffman concordou em pensar
no assunto, mas rapidamente decidiu que não estava interessado. Ele era leal
a iel.
Quando o conselho votou para tirar Musk do cargo de CEO, ele
respondeu com uma calma e uma leveza surpreendente para todos que
haviam assistido à luta febril travada para se sair vitorioso. “Decidi que era
hora de trazer um CEO experiente para levar a X.com ao próximo nível”,
escreveu ele num e-mail aos colegas de trabalho. “Depois que a busca
acabar, meu plano é tirar um período sabático de três ou quatro meses, focar
em algumas ideias e depois fundar uma nova empresa.”
Embora fosse um lutador, Musk tinha uma capacidade inesperada de ser
realista na derrota. Quando Jeremy Stoppelman, um acólito de Musk que
depois se tornaria um dos fundadores do Yelp, perguntou se ele próprio e
outros deveriam se demitir em protesto, Musk disse que não. “A empresa
era o meu bebê, e, como a mãe no Livro de Reis, eu estava disposto a
desistir para que ela pudesse sobreviver”, diz Musk. “Decidi trabalhar duro
para consertar o relacionamento com Peter e Max.”
A única fonte restante de tensão era o desejo de Musk, como ele disse no
e-mail, de “fazer um pouco de relações públicas”. Ele tinha sido mordido
pela mosca azul da fama, e queria ser o rosto da empresa. “Eu realmente sou
o melhor porta-voz”, disse ele a iel durante uma reunião tensa no
escritório de Moritz. Quando iel rejeitou a ideia, Musk explodiu. “Não
quero ter minha honra contestada”, gritou. “Minha honra vale mais para
mim do que essa empresa.” iel ficou perplexo que aquilo fosse uma
questão de honra. “Ele era muito dramático”, lembra iel. “As pessoas
normalmente não falam com esse tom super-heroico, quase homérico, no
Vale do Silício.” Musk continuou a ser o maior acionista e membro do
conselho, mas iel o impediu de falar em nome da empresa.
Em busca de risco
Pela segunda vez em três anos, Musk tinha sido expulso de uma empresa.
Ele era um visionário que não trabalhava bem em equipe.
O que chocou os colegas na PayPal, além do estilo incansável e duro, foi
sua disposição em assumir riscos, quase como se ansiasse por isso.
“Empreendedores não são, na verdade, inclinados a correr riscos”, diz
Roelof Botha. “Eles são mitigadores de risco. Não prosperam no risco,
nunca buscam aumentá-lo; pelo contrário, tentam descobrir as variáveis
controláveis para minimizá-lo.” Musk, não. “Ele queria ampliar o risco e
queimar as pontes para que nunca pudesse voltar atrás.” Para Botha, o
acidente de McLaren de Musk era como uma metáfora: afunde o pé no
acelerador e veja quão rápido você vai.
Isso tornava Musk fundamentalmente diferente de Peter iel, que
sempre estava concentrado em limitar os riscos. Ele e Reid Hoffman certa
vez planejaram escrever um livro sobre a experiência na PayPal. O capítulo
sobre Musk seria chamado de “O homem que não entendia o significado da
palavra risco”. O vício no risco pode ser útil quando se trata de levar as
pessoas a fazerem algo que pareça impossível. “Ele é incrivelmente bem-
sucedido em fazer as pessoas atravessarem o deserto”, diz Hoffman. “Ele
tem um grau de certeza tão alto que o leva a colocar todas as fichas na
mesa.”
Isso era mais do que uma metáfora. Muitos anos depois, Levchin estava
no apartamento de um amigo com Musk. Algumas pessoas estavam
jogando pôquer no estilo Texas Hold’em, com apostas altas. Apesar de não
ser um jogador de cartas, Musk se sentou à mesa. “Havia todos aqueles
nerds e franco-atiradores que eram bons em memorizar as cartas e calcular
probabilidades”, conta Levchin. “Elon simplesmente seguiu apostando tudo
em todas as rodadas e perdendo. Aí ele comprava mais fichas e dobrava a
aposta. Uma hora, depois de perder muitas rodadas, ele apostou tudo e
ganhou. Então falou: ‘Certo, deu pra mim.’” Isso era recorrente na vida dele:
evitar tirar as fichas da mesa, continuar arriscando.
Essa se mostraria uma boa estratégia. “Veja as duas empresas que ele
acabou criando, a SpaceX e a Tesla”, diz iel. “As pessoas no Vale do
Silício diriam que eram apostas muito arriscadas. Mas se duas empresas
malucas dão certo quando todo mundo achava que isso seria impossível,
você precisa parar e dizer: ‘Acho que o Elon entende alguma coisa sobre
risco que os outros não entendem.’”

***

A PayPal abriu o capital no início de 2002 e foi comprada pelo eBay em


julho por 1,5 bilhão de dólares. O ganho de Musk foi de cerca de 250
milhões de dólares. Posteriormente, ele ligou para seu arqui-inimigo, Max
Levchin, e sugeriu que os dois se encontrassem no estacionamento da
empresa. Levchin, um cara pequeno e magro que às vezes tinha um vago
temor de ser espancado por Musk, respondeu meio brincando: “Quer brigar
atrás da escola?” Mas Musk estava sendo sincero. Sentado no meio-fio, com
um semblante triste, perguntou a Levchin: “Por que você se voltou contra
mim?”
“Para ser sincero, eu acreditei que era a coisa certa a ser feita”, respondeu
Levchin. “Você estava completamente errado, a empresa ia morrer, e eu vi
que não tinha outra opção.” Musk assentiu. Meses depois, eles jantaram em
Palo Alto. “A vida é muito curta”, disse Musk a Levchin. “Vamos deixar isso
para lá.” Ele fez a mesma coisa com Peter iel, David Sacks e com outros
líderes do golpe.
“Fiquei muito irritado na hora”, disse Musk a mim no verão de 2022.
“Cheguei a pensar em matar alguém. Mas uma hora vi que foi bom ter
sofrido um golpe. Caso contrário, eu ainda estaria me matando de trabalhar
na PayPal.” Depois, parou por um momento e riu, então falou: “Se eu
tivesse ficado, a PayPal seria uma empresa de 1 trilhão de dólares, óbvio.”
Houve um arremate: na época em que conversamos, Musk estava em
meio à compra do Twitter. Enquanto andávamos em frente à baía elevada
em que seu foguete Starship estava sendo preparado para um teste, ele
voltou a falar de qual era a visão que tinha da X.com. “É isso o que o
Twitter poderia se tornar”, disse. “Se você combinasse uma rede social com
uma plataforma de pagamento, poderia criar o que eu queria que a X.com
tivesse sido.”
Malária
A remoção de Musk do cargo de CEO da PayPal permitiu que ele tivesse
férias de verdade, a primeira vez que ele tirou uma folga de uma semana do
trabalho. Seria também a última. Ele não foi criado para sair de férias.
Junto com Justine e Kimbal, foi ao Rio de Janeiro para ver o primo Russ
Rive, que tinha se mudado para lá depois de se casar com uma brasileira. De
lá, eles foram para a África do Sul, ao casamento de outro parente. Era a
primeira vez que Musk voltava depois de ter deixado o país onze anos antes,
aos 17 anos.
Justine teve dificuldades para lidar com o pai de Elon e com a avó,
conhecida como Nana. No Rio de Janeiro, havia feito uma tatuagem de
hena de lagartixa, que ainda estava aparente. Nana disse a Elon que Justine
era uma “Jezebel”, referindo-se à personagem bíblica cujo nome foi
associado à promiscuidade sexual ou a mulheres controladoras. “Foi a
primeira vez que ouvi uma mulher se referir a outra como Jezebel”, diz
Justine. “Acho que a tatuagem de lagartixa não ajudou.” Eles escaparam de
Pretória assim que puderam e foram fazer um safári em uma reserva de
luxo.
Depois de voltar a Palo Alto, em janeiro de 2001, Musk começou a se
sentir tonto. Ele sentia zumbidos no ouvido e tremia. Então, foi ao pronto-
socorro do Stanford Hospital, onde começou a vomitar. Uma punção
lombar mostrou que ele tinha uma contagem alta de glóbulos brancos, o que
levou os médicos a diagnosticar uma meningite viral. Em geral, não é uma
doença grave, de modo que os médicos hidrataram Musk e lhe deram alta.
Nos dias seguintes, ele se sentiu cada vez pior, até que ficou tão fraco que
mal conseguia manter-se em pé. Musk chamou um táxi e foi a uma médica.
Quando ela tentou sentir o pulso dele, estava quase imperceptível. Ela
chamou uma ambulância, que levou Musk para o hospital Sequoia, em
Redwood City. Por acaso, um médico especialista em doenças infecciosas
passou pela cama de Musk e percebeu que ele tinha malária, não meningite.
Era a forma mais perigosa da doença, provocada pelo protozoário parasita
Plasmodium falciparum, e eles diagnosticaram bem na hora. Com o aumento
da gravidade dos sintomas, como aconteceu no caso de Musk, muitas vezes
resta aos pacientes apenas um ou dois dias antes de o parasita ficar
incontrolável. Musk foi internado na UTI, onde os médicos enfiaram uma
agulha no peito dele para fazer infusões intravenosas seguidas de doses
cavalares de doxiciclina.

***

O chefe de recursos humanos da X.com foi visitar Musk no hospital e


acertar o plano de saúde dele. “Mais algumas horas e ele estaria morto”,
escreveu o executivo num e-mail para iel e Levchin. “O médico dele
tinha tratado dois outros casos desse tipo de malária antes de tratar Elon, e
os dois pacientes morreram.” iel lembra que teve uma conversa mórbida
com o diretor de RH depois de descobrir que Musk tinha feito, em nome da
empresa, um “seguro de pessoa-chave” de 100 milhões de dólares. “Se ele
tivesse morrido”, diz iel, “todos os nossos problemas financeiros estariam
resolvidos”. Era típico da personalidade inflada de Musk fazer um seguro
tão vultoso assim. “Ficamos felizes por ele ter sobrevivido e por tudo ter
gradualmente entrado nos trilhos na empresa, de modo que nem precisamos
da apólice de 100 milhões de dólares.”
Musk ficou na UTI por dez dias, e só se recuperou totalmente depois de
cinco meses. Ele tirou duas lições da experiência de quase morte. “Férias
matam”, diz ele. “E a África do Sul também. Aquele lugar ainda está
tentando me destruir.”
capítulo 14
Marte
SpaceX, 2001

Aprendendo a pilotar (acima); Adeo Ressi (abaixo)


Voar
Depois da expulsão da PayPal, Musk comprou um monomotor turbo-hélice
e decidiu aprender a voar, assim como o pai e os avós haviam feito. Para
conseguir o brevê, ele precisava de cinquenta horas de voo como
treinamento, o que concluiu em duas semanas. “Tenho a tendência de fazer
as coisas muito intensamente”, conta. Ele achou a prova de regras de voo
visual fácil, mas foi reprovado na primeira vez que fez a prova de
instrumentos de voo. “Eles cobrem as janelas, então não dá para ver nada lá
fora, e metade dos instrumentos fica coberta”, revela ele. “Então, desligam
um motor e você tem que pousar o avião. Eu pousei, mas o instrutor disse:
‘Não foi bom o bastante. Reprovado.’” Na segunda tentativa, ele passou.
Isso o inspirou a cometer a loucura de comprar um jato soviético
construído na Tchecoslováquia chamado Aero L-39 Albatros. “Era o avião
que usavam para treinar pilotos de caça, então é inacreditavelmente
acrobático”, diz. “Mas foi um pouco arriscado, até mesmo para mim.” Certa
vez, ele e o instrutor levaram o avião para um voo de baixa altitude sobre
Nevada. “Foi bem estilo Top Gun. Você fica a uns cem metros do chão,
seguindo o contorno das montanhas. Fizemos uma escalada vertical ao lado
de uma montanha e depois ficamos de ponta-cabeça.”
Voar instigava o lado audacioso de Musk. Também ajudava a visualizar
melhor a aerodinâmica. “Não é apenas um simples princípio de Bernoulli”,
diz ele enquanto começa uma explicação sobre como as asas levantam um
avião em movimento. Depois de cerca de quinhentas horas voando no L-39
e em outros aviões, ele ficou um pouco entediado, mas a atração pelo voo
não acabou.

Planeta vermelho
No fim de semana do Dia do Trabalhador* de 2001, logo depois de se
recuperar da malária, Musk foi visitar seu amigo de festas na Penn, Adeo
Ressi, nos Hamptons. Durante a viagem de carro de volta para Manhattan,
na Long Island Expressway, eles conversaram sobre o que Musk faria em
seguida. “Sempre quis fazer algo no espaço”, confessou ele a Ressi, “mas
acho que um indivíduo, sozinho, não pode fazer nada com relação a isso”.
Era caro demais, óbvio, construir um foguete.
Será que era mesmo? Quais eram os requisitos físicos básicos,
exatamente? Musk descobriu que tudo de que precisava era metal e
combustível. E isso não custava tanto assim. “Quando chegamos no
Midtown Tunnel”, diz Ressi, “concluímos que era viável”.
Ao chegar ao hotel naquela noite, Musk entrou no site da NASA para ler
sobre os planos da agência de ir a Marte. “Imaginei que deveria ser em
breve, porque nós fomos à Lua em 1969, então deveríamos estar prestes a ir
a Marte.” Sem encontrar um cronograma, ele fuçou no site, até que
percebeu que a NASA não tinha planos para isso. Ficou chocado.
Em suas buscas no Google por mais informações, Musk acabou vendo
um anúncio de um jantar no Vale do Silício oferecido por uma organização
chamada Mars Society. Isso parece legal, comentou com Justine, e comprou
dois ingressos de 500 dólares. Na realidade, ele acabou enviando um cheque
de 5 mil dólares, o que chamou a atenção de Robert Zubrin, o presidente da
sociedade. Zubrin colocou Elon e Justine à mesa dele, junto com o diretor
de cinema James Cameron, que havia dirigido o thriller de guerra espacial
Aliens, o resgate, assim como O exterminador do futuro e Titanic. Justine se
sentou ao lado de Cameron. “Foi uma grande emoção para mim, porque sou
superfã, mas ele falou principalmente com Elon sobre Marte e sobre por
que os humanos estariam condenados se não colonizassem outros planetas.”
Musk tinha então uma nova missão, muito mais grandiosa do que lançar
um banco na internet ou Páginas amarelas digitais. Ele foi até a biblioteca
pública de Palo Alto para ler sobre engenharia de foguetes e começou a ligar
para especialistas, a fim de pedir emprestados velhos manuais de motores.
Em uma reunião de ex-integrantes da PayPal em Las Vegas, Musk se
sentou em uma cabana perto da piscina para ler um manual esfarrapado de
um motor de foguete russo. Quando um deles, Mark Woolway, perguntou o
que Musk planejava fazer em seguida, ele respondeu: “Vou colonizar Marte.
Minha missão de vida é tornar a raça humana uma civilização
multiplanetária.” A reação de Woolway não foi surpreendente: “Cara, você
enlouqueceu.”
Reid Hoffman, outro veterano da PayPal, teve uma reação parecida.
Depois de ouvir Musk descrever seu plano de enviar foguetes para Marte,
Hoffman ficou confuso. “Qual é o plano de negócios?”, perguntou. Depois,
Hoffman percebeu que Musk não pensava dessa forma. “O que não percebi
era que o Elon começa com uma missão e depois encontra uma forma de
dar certo financeiramente”, diz ele. “É isso o que o torna uma força da
natureza.”

Por quê?
É bom fazer uma pausa por um momento e perceber a loucura que era um
empreendedor de 30 anos, que tinha sido expulso de duas startups
tecnológicas, decidir construir foguetes que pudessem ir a Marte. O que
motivava Musk, além de uma aversão a férias e um amor de criança por
foguetes, por ficção científica e pelo Guia do mochileiro das galáxias? Ele deu
três explicações para os amigos que ficaram confusos na época e em
conversas nos anos seguintes.
Musk achava surpreendente — e assustadora — a ideia de que o
progresso tecnológico não era inevitável. O progresso poderia estancar.
Poderia até haver uma regressão. Os Estados Unidos tinham ido à Lua.
Entretanto, as missões do ônibus espacial foram suspensas e o progresso
estancou. “Queremos dizer para nossos filhos que ir à Lua foi o melhor que
pudemos fazer, e que depois desistimos?”, pergunta ele. Os egípcios antigos
aprenderam a construir pirâmides, mas esse conhecimento foi perdido. A
mesma coisa aconteceu com Roma, que construiu aquedutos e outras
maravilhas que foram perdidas durante a Idade Média. Estaria isso se
repetindo nos Estados Unidos? “As pessoas estão equivocadas quando
pensam que a tecnologia se aprimora automaticamente”, disse ele em um
TED Talks alguns anos depois. “Só melhora se um monte de gente
trabalhar duro para isso.”
A segunda motivação era a ideia de que colonizar outros planetas ajudava
a garantir a sobrevivência da civilização e da consciência humanas no caso
de algo acontecer com nosso frágil planeta. A Terra pode um dia ser
destruída por um asteroide ou pela mudança climática ou ainda por uma
guerra nuclear. Ele tinha ficado fascinado pelo paradoxo de Fermi, batizado
em homenagem ao físico ítalo-americano Enrico Fermi, que, em uma
discussão sobre vida alienígena no Universo, disse: “Mas onde está todo
mundo?” Matematicamente, parecia lógico que houvesse outras civilizações,
mas a falta de qualquer prova levantava a possibilidade incômoda de que a
espécie humana da Terra pudesse ser o único exemplo de consciência.
“Temos esta chama delicada de consciência brilhando aqui, e pode ser o
único caso de consciência, então é essencial que isso seja preservado”, diz
Musk. “Se formos capazes de ir a outros planetas, a expectativa de vida
provável da consciência humana será muito maior do que se estivermos
presos em um planeta que pode ser atingido por um asteroide ou destruir
sua civilização.”
A terceira motivação era mais inspiradora. Vinha do legado da família
dele de aventureiros e da decisão que ele tomara quando adolescente de se
mudar para um país em cuja essência jazia o espírito dos pioneiros. “Os
Estados Unidos são, literalmente, a essência do espírito humano de
exploração”, diz ele. “Esta é uma terra de aventureiros.” Musk achava que
esse espírito precisava ser reavivado nos Estados Unidos, e a melhor maneira
de se fazer isso seria embarcar numa missão para colonizar Marte. “Ter uma
base em Marte será inacreditavelmente difícil, e é provável que algumas
pessoas morram nesse processo, assim como aconteceu durante a
colonização dos Estados Unidos. Mas será incrivelmente inspirador, e temos
que ter coisas inspiradoras no mundo.” Ele achava que a vida não pode se
resumir a resolver problemas. Também tínhamos que correr atrás de grandes
sonhos. “É isso o que nos tira da cama de manhã.”
Musk acreditava que viajar para outros planetas seria um dos avanços
significativos na história da humanidade. “Há poucos marcos significativos:
vida unicelular, vida multicelular, diferenciação de plantas e animais, vida
estendendo-se dos oceanos para a terra, mamíferos, consciência”, diz ele.
“Nessa escala, o próximo passo importante é óbvio: tornar a vida
multiplanetária.” Havia algo emocionante, além de um pouco irritante, na
capacidade de Musk de enxergar significados grandiosos em seus
empreendimentos. Como Max Levchin resume secamente: “Uma das
maiores habilidades de Elon é a capacidade de apresentar sua visão como
uma mensagem do paraíso.”
Los Angeles
Musk decidiu que, se queria começar uma empresa de foguetes, era melhor
se mudar para Los Angeles, cidade que sediava a maioria das empresas
aeroespaciais, entre elas, a Lockheed e a Boeing. “A probabilidade de
sucesso de uma empresa de foguetes era bastante baixa, e seria ainda menor
se eu não me mudasse para o sul da Califórnia, onde estava a massa crítica
do talento na engenharia aeroespacial”, conta ele. Musk não explicou a
mudança para Justine, que pensou que ele tivesse sido atraído pelo glamour
das celebridades da cidade. Por causa do casamento, ele podia requerer a
cidadania norte-americana, que foi obtida no início de 2002 numa
cerimônia de juramento com outros 3.500 imigrantes no Los Angeles
County Fairgrounds.
Musk começou a fazer reuniões com engenheiros espaciais em um hotel
próximo ao aeroporto de Los Angeles. “Minha ideia inicial não era criar
uma empresa de foguetes, mas montar uma missão filantrópica que iria
inspirar o público e conseguir mais financiamento para a NASA.”

***

O primeiro plano dele foi construir um pequeno foguete e enviar ratos para
Marte. “Mas eu fiquei preocupado, pois podíamos acabar com um vídeo
tragicômico de ratos morrendo lentamente numa pequena espaçonave.” Isso
não seria bom. “Então, tudo se resumia a ‘Vamos enviar uma pequena estufa
para Marte’.” A estufa iria pousar em Marte e enviar de volta fotografias de
plantas verdes crescendo lá. Em tese, o público ficaria tão empolgado que
iria clamar por mais missões. A proposta era chamada Oásis Marte, e Musk
estimava que poderia fazer isso por menos de 30 milhões de dólares.
Ele tinha o dinheiro. O maior desafio era conseguir um foguete acessível
que pudesse levar a estufa até Marte. No fim das contas, havia um lugar
onde ele poderia conseguir um barato, ou pelo menos era o que ele achava.
Na Mars Society, Musk ouviu falar de um engenheiro de foguetes chamado
Jim Cantrell, que trabalhou em um programa russo-americano para
desmontar mísseis. Um mês depois da viagem pela Long Island Expressway
com Adeo Ressi, Musk ligou para Cantrell.
Cantrell estava dirigindo em Utah com a capota do conversível aberta.
“Só consegui ouvir que um cara chamado Ian Musk estava dizendo que era
um milionário da internet e precisava falar comigo”, disse ele depois para a
Esquire. Quando Cantrell chegou em casa e conseguiu retornar a ligação,
Musk explicou sua visão. “Quero mudar o modo como a humanidade pensa
na ideia de ser uma espécie multiplanetária”, falou. “Podemos nos encontrar
neste fim de semana?” Cantrell estava vivendo uma vida meio clandestina
por causa do envolvimento com as autoridades russas, e por isso queria
encontrar esse interlocutor misterioso num lugar seguro, sem armas. Ele
sugeriu que os dois se encontrassem em um clube da Delta Air Lines no
aeroporto de Salt Lake City. Musk levou Adeo Ressi, e eles elaboraram um
plano para ir à Rússia com o propósito de ver se conseguiam comprar
algumas plataformas de lançamento ou alguns foguetes.

* Feriado nacional norte-americano celebrado na primeira segunda-feira de setembro. [N. da E.]


capítulo 15
Homem-foguete
SpaceX, 2002

Com Adeo Ressi em um programa de foguete e em um jantar com russos em


Moscou
Rússia
O almoço no salão dos fundos de um restaurante pouco atraente de Moscou
consistia em pequenas porções de comida intercaladas de grandes doses de
vodca. Musk havia chegado naquela manhã com Adeo Ressi e Jim Cantrell
com o intuito de tentar comprar para sua missão a Marte um foguete russo
usado, e ele estava acabado depois de uma longa noite de festa durante uma
parada em Paris. Além disso, Musk não costumava beber muito, e não
ficava bem quando bebia. “Calculei o peso da comida e o peso da vodca, e
eles eram quase iguais”, lembra-se ele. Depois de muitos brindes à amizade,
os russos deram aos norte-americanos garrafas de vodca de presente com
rótulos que exibiam a cabeça de cada pessoa sobre uma imagem de Marte.
Musk, que só estava mantendo a cabeça na vertical com auxílio da mão,
desmaiou e bateu a cabeça contra a mesa. “Acho que isso não impressionou
os russos”, diz ele.
Naquela noite, mais ou menos recuperado, Musk e seus companheiros
foram se encontrar com outro grupo em Moscou que supostamente vendia
mísseis desativados. O novo encontro acabou sendo igualmente estranho. O
russo responsável não tinha um dente da frente, e, sempre que falava alto, o
que era frequente, voavam perdigotos na direção de Musk. Em algum
momento, quando Musk começou a falar sobre a necessidade de tornar os
humanos multiplanetários, o russo ficou visivelmente chateado. “Esse
foguete não foi feito para capitalistas usarem para ir a Marte numa missão
tola”, disse ele. “Quem é o seu engenheiro-chefe?” Musk confessou que era
ele mesmo. Nesse momento, Cantrell se lembra, o russo cuspiu neles.
“Ele cuspiu na gente?”, perguntou Musk.
“Cuspiu”, respondeu Cantrell. “Acho que é um sinal de desrespeito.”
Apesar do circo, Musk e Cantrell decidiram voltar à Rússia no início de
2002. Ressi não foi, mas Justine, sim. Também havia um novo membro no
grupo: Mike Griffin, um engenheiro aeroespacial que mais tarde se tornaria
administrador da NASA.
Dessa vez, Musk estava concentrado em comprar dois foguetes Dnepr,
que eram velhos mísseis. Quanto mais ele negociava, mais alto o preço
ficava. Ele finalmente achou que tinha fechado um acordo para pagar 18
milhões de dólares pelos dois Dneprs, mas aí os russos disseram que não,
eram 18 milhões de dólares cada. “Eu falei: ‘Cara, isso é loucura’”, conta
Musk. Os russos então sugeriram que talvez devessem cobrar 21 milhões de
dólares cada foguete. “Eles zombaram do Elon”, lembra Cantrell. “Eles
disseram: ‘Ah, que pena, garotinho, é muito caro pra você?’”
Foi bom que as reuniões não tenham corrido bem. Isso levou Musk a
pensar de modo ainda mais grandioso. Em vez de simplesmente usar um
foguete de segunda mão para montar uma demonstração da estufa em
Marte, ele iria conceber um empreendimento muito mais audacioso, um dos
mais audaciosos da nossa era: construir, por iniciativa privada, foguetes
capazes de colocar satélites e posteriormente humanos em órbita e um dia
mandá-los a Marte e além. “Fiquei muito irritado, e, quando fico irritado,
tento repensar o problema.”

Princípios básicos
Enquanto se preocupava com o preço absurdo que os russos queriam cobrar,
Musk empregou alguns princípios básicos de pensamento, aprofundando-se
na física elementar da situação e raciocinando a partir daí. Isso levou Musk
a desenvolver aquilo que chamou de “índice de idiotice”, que calculava quão
mais caro um produto final era do que o custo de seus materiais básicos. Se
um produto tivesse um alto índice de idiotice, o custo poderia ser reduzido
significativamente se fossem elaboradas técnicas produtivas mais eficientes.
Foguetes tinham um índice de idiotice extremamente alto. Musk
começou a calcular o custo da fibra de carbono, do metal, do combustível e
de outros materiais que entravam na composição. O produto final, se usados
os métodos de fabricação em voga, custava pelo menos cinquenta vezes mais
do que isso.
Para que a humanidade chegasse a Marte, a tecnologia de foguetes
precisava ser melhorada de maneira radical. E confiar em foguetes usados,
especialmente em foguetes velhos da Rússia, não iria trazer avanços
tecnológicos.
Sendo assim, no voo de volta para casa, Musk pegou seu computador e
começou a fazer uma tabela que detalhava todos os materiais e custos para
construir um foguete de tamanho médio. Jim Cantrell e Mike Griffin,
sentados uma fileira atrás, pediram drinques e riram. “O que você acha que
esse idiota-prodígio está fazendo?”, perguntou Griffin a Cantrell.
Musk se virou e respondeu: “Ei”, disse, mostrando a planilha, “acho que
nós mesmos podemos construir esse foguete”. Quando olhou os números,
Cantrell conta que pensou: Droga... É por isso que ele estava pedindo
emprestado os meus livros. Em seguida, pediu mais um drinque para a
comissária de bordo.

SpaceX
Quando Musk decidiu que iria fundar sua própria empresa de foguetes, os
amigos fizeram aquilo que amigos de verdade fazem numa situação como
essa: tentaram impedi-lo.
“Espere um pouco, cara. ‘Os russos me ferraram’ não é igual a ‘Crie uma
empresa de lançamento de foguetes’”, disse Adeo Ressi. Ressi compilou em
um vídeo dezenas de explosões de foguetes e forçou amigos a ir para Los
Angeles e a se reunir com Musk para convencê-lo a desistir. “Eles me
fizeram ver uma sequência de foguetes explodindo, porque queriam me
convencer de que eu ia perder todo o meu dinheiro”, diz Musk.
Os argumentos sobre o risco serviram para reforçar a decisão de Musk.
Ele gostava de riscos. “Se você está tentando me convencer de que o risco de
fracasso é alto, eu já sei disso”, disse ele a Ressi. “O resultado mais provável
é que eu perca todo o meu dinheiro. Mas qual é a alternativa? Que não
exista progresso na exploração espacial? Precisamos arriscar, ou ficaremos
presos na Terra para sempre.”
Era uma declaração muito grandiosa de como ele era indispensável para
o progresso da humanidade. Contudo, como em muitas das afirmações
risíveis de Musk, havia nela um pouco de verdade. “Eu queria manter a
esperança de que os humanos pudessem ser uma civilização exploradora do
espaço e estar entre as estrelas”, diz, “e não havia nenhuma chance de isso
acontecer, a menos que uma nova empresa começasse a criar foguetes
revolucionários”.
A aventura espacial de Musk começou como um empreendimento sem
fins lucrativos para inspirar interesse numa missão a Marte. Naquele
momento, porém, ele tinha uma combinação de motivações que iriam
marcar sua carreira. Ele poderia fazer algo audacioso motivado por uma
ideia grandiosa, mas também queria ser prático e lucrativo, para que o
empreendimento se sustentasse. Isso significava usar foguetes para lançar
satélites comerciais e governamentais.
Musk decidiu começar com um foguete menor, que teria um custo mais
baixo. “Vamos fazer coisas idiotas, mas vamos evitar fazer coisas idiotas em
larga escala”, falou ele para Cantrell. Em vez de lançar grandes cargas como
a Lockheed e a Boeing, Musk iria criar um foguete mais barato para
pequenos satélites que estavam sendo viabilizados por avanços nos
microprocessadores. Ele estava centrado numa medida principal: quanto
custaria colocar cada quilo em órbita. O objetivo de maximizar cada dólar
guiaria a obsessão que ele tinha por aumentar o impulso dos motores ao
reduzir a massa dos foguetes e torná-los reutilizáveis.
Musk tentou recrutar dois engenheiros que foram com ele a Moscou.
Mike Griffin, porém, não queria se mudar para Los Angeles. Ele estava
trabalhando para a In-Q-Tel, uma empresa de capital de risco patrocinada
pela CIA com sede na área de Washington, D.C., e vislumbrava um futuro
promissor nas políticas públicas relativas a ciência. De fato, o presidente
George W. Bush o indicou para ser administrador da NASA em 2005. Jim
Cantrell pensou em aceitar a proposta de Musk, mas pediu muitas garantias
de emprego que este não queria atender. Então, Musk acabou sendo, por
W.O., o engenheiro-chefe da empresa.
Musk criou a Space Exploration Technologies em maio de 2002. A
princípio, chamou a empresa pelas iniciais, SET. Meses depois, deu
destaque à sua letra preferida, ao trocar o nome para algo mais memorável,
SpaceX. O objetivo, revelou ele numa apresentação inicial, era lançar o
primeiro foguete em setembro de 2003 e enviar uma missão não tripulada a
Marte até 2010. Dessa forma, Musk continuou uma tradição que começou
na PayPal: estabelecer prazos irreais que faziam suas noções completamente
insanas serem vistas como muito atrasadas com relação a esses prazos.
capítulo 16
Pais e filhos
Los Angeles, 2002

Errol, Kimbal e Elon


Bebê Nevada
Bem quando Elon estava lançando a SpaceX, em maio de 2002, Justine deu
à luz o primeiro filho do casal, um menino que recebeu o nome de Nevada,
por ter sido concebido no festival anual Burning Man, que acontece naquele
estado. Quando o garoto tinha 10 semanas, a família toda foi a Laguna
Beach, ao sul de Los Angeles, para o casamento de um primo. Durante a
recepção, o gerente do hotel apareceu à procura dos Musk. Algo havia
acontecido com o bebê deles, disse.
Quando voltaram para o quarto, paramédicos estavam intubando Nevada
e dando-lhe oxigênio. A babá explicou que ele estava dormindo no berço, de
costas, e de repente parou de respirar. A causa provavelmente era a síndrome
da morte súbita, um mal inexplicado que é a principal causa de mortalidade
infantil em países em desenvolvimento. “Quando a equipe de paramédicos
conseguiu ressuscitar Nevada, ele tinha ficado tanto tempo sem oxigênio
que já havia sofrido morte cerebral”, contou Justine depois.
Kimbal foi para o hospital com Elon, Justine e o bebê. Apesar de a morte
cerebral ter sido declarada, Nevada foi mantido conectado a aparelhos por
três dias. Quando finalmente decidiram desligar o respirador, Elon sentiu a
última batida do coração do filho, e Justine o segurou no colo e sentiu
quando ele morreu. Musk chorou incontrolavelmente. “Ele chorou como
um lobo”, diz Maye. “Chorou como um lobo.”
Como Elon disse que não suportaria voltar para casa, Kimbal organizou
para eles uma estadia no Beverly Wilshire Hotel. O gerente deu a eles a
suíte presidencial, e Musk pediu que se livrasse das roupas e dos brinquedos
de Nevada, que haviam sido levados para o hotel. Musk demorou três
semanas para conseguir ir para casa e ver aquele que tinha sido o quarto do
filho.
Musk processou o luto em silêncio. Navaiq Farooq, seu amigo da Queen’s
University, voou para Los Angeles e ficou com ele logo depois da volta para
casa. “Justine e eu tentamos fazer Elon falar a respeito do que aconteceu,
mas ele não queria conversar sobre o assunto”, comenta Farooq. Em vez
disso, eles assistiam a filmes e jogavam videogame. Em determinado
momento, depois de um longo silêncio, Farooq perguntou: “Como você está
se sentindo? Como está lidando com isso?” Musk encerrou completamente
a conversa. “Eu o conhecia o suficiente para ler seu rosto”, diz Farooq.
“Dava para ver que estava determinado a não tocar no assunto.”

***

Justine, pelo contrário, era muito aberta quanto às suas emoções. “Ele ficava
um tanto incomodado com o fato de eu expressar meus sentimentos sobre a
morte de Nevada”, conta ela. “Ele me disse que eu estava sendo
emocionalmente manipuladora, que estava deixando meus sentimentos à
mostra.” Ela atribui a repressão emocional de Musk a um mecanismo de
defesa que Elon desenvolveu na infância. “Ele se fecha quando está numa
situação ruim”, diz Justine. “Acho que é uma questão de sobrevivência para
ele.”

Errol aparece
Quando Nevada nasceu, Elon convidou o pai, Errol, que estava na África
do Sul, para conhecer o neto. Era a chance, treze anos depois de deixar a
África do Sul, de se reconciliar com Errol, ou pelo menos de exorcizar
alguns demônios. “Elon era o primeiro filho do nosso pai, e talvez tivesse
algo a provar para ele”, opina Kimbal.
Errol levou a nova esposa, os dois filhos mais novos e os três enteados.
Elon pagou as sete passagens. Quando eles chegaram a Raleigh, na Carolina
do Norte, depois do primeiro trecho do voo de Joanesburgo, Errol recebeu
uma mensagem de um representante da Delta Air Lines. “Temos uma má
notícia”, disseram a ele. “Seu filho nos pediu que informássemos que
Nevada, seu neto, morreu.” Elon queria ter certeza de que o representante
da companhia aérea contaria a notícia, porque ele não conseguia pronunciar
as palavras.
Quando Errol pegou o telefone, Kimbal explicou a situação e disse: “Pai,
você não deveria vir.” Ele tentou convencer Errol a voar de volta para a

Á
África do Sul. Errol se recusou. “Não, já estamos nos Estados Unidos, então
vamos para Los Angeles.”
Errol se lembra de ter ficado impressionado com o tamanho da cobertura
no Beverly Wilshire, “provavelmente a coisa mais incrível que já vi”. Elon
parecia estar em transe, mas também muito carente, de uma maneira
complexa. Ele estava incomodado por seu pai tempestuoso vê-lo em um
estado tão vulnerável quanto aquele. Contudo, ele também não queria
deixá-lo ir embora. E acabou pedindo ao pai e à nova família dele que
ficassem em Los Angeles. “Não quero que você volte”, disse. “Vou comprar
uma casa para você aqui.”
Kimbal ficou chocado. “Não, não, não, essa não é uma boa ideia”, falou
para Elon. “Você está se esquecendo de que ele é um ser humano cruel. Não
faça isso, não faça isso com você mesmo.” No entanto, quanto mais ele
tentava fazer o irmão desistir, mais triste Elon ficava. Anos depois, Kimbal
ainda tinha dificuldade de entender o que motivara o irmão. “Ver o filho
morrer, acho que foi por isso que ele quis o pai por perto”, disse ele para
mim.
Elon comprou uma casa em Malibu para Errol e sua prole, assim como o
maior Land Rover que encontrou, e conseguiu que as crianças fossem
matriculadas em boas escolas e transportadas até elas todos os dias. Mas as
coisas ficaram estranhas rapidamente. Elon começou a se preocupar porque
Errol, na época com 56 anos, estava se interessando, de uma maneira
constrangedora, por uma das enteadas — Jana, de 15 anos.
Elon ficou furioso com o pai por ver um comportamento que considerava
inapropriado, uma vez que ele tinha criado profunda empatia — e intensa
afinidade — pelos enteados de Errol. Elon sabia o que eles tinham que
aguentar. Por isso, se ofereceu para dar a Errol um iate que ficaria ancorado
a 45 minutos de Malibu. Se ele concordasse em morar sozinho, poderia ver
a família nos fins de semana. A ideia não era só estranha, era também ruim.
Tornava toda a situação estranha. A esposa de Errol, que era dezenove anos
mais jovem que ele, começou a obedecer a Elon. “Ela via Elon como
provedor, não eu”, reclama Errol, “e isso virou um problema”.
Certo dia, quando estava no iate, Errol recebeu uma mensagem de Elon.
“Esta situação não está dando certo”, disse ele, e pediu que Errol voltasse
para a África do Sul. Errol voltou. Meses depois, a esposa e a família
também voltaram. “Eu usei de ameaças, recompensas e argumentos para
melhorar meu pai”, diz Elon. “E ele...” Musk faz um longo silêncio. “De
forma alguma, só piorou.” Redes pessoais são mais complexas do que as
digitais.
capítulo 17
Acelerando
SpaceX, 2002

Tom Mueller
Tom Mueller
Em sua infância, na zona rural de Idaho, Tom Mueller adorava brincar com
pequenos foguetes. “Montei dezenas. Não duravam muito, óbvio, porque eu
sempre quebrava ou explodia os foguetes.”
Sua cidade natal, Saint Maries (com 2.500 habitantes), era um vilarejo de
exploração madeireira 160 quilômetros ao sul da fronteira com o Canadá. O
pai trabalhava como lenhador. “Quando criança, eu sempre ajudava meu pai
com sua caminhonete de trabalho, usando solda e outras ferramentas”,
lembra Mueller. “Colocar a mão na massa me deu uma noção do que
funciona e do que não funciona.”
Esguio e musculoso, com uma covinha no queixo e cabelos escuros como
azeviche, Mueller tinha a aparência bruta de um futuro lenhador. Por
dentro, porém, era estudioso como Musk. Mueller mergulhava na biblioteca
local e devorava a seção de ficção científica. Para um trabalho no ensino
fundamental, ele colocou gafanhotos dentro de um foguete em miniatura e
lançou o engenho no quintal para ver o efeito que a aceleração teria neles.
Ele aprendeu outra lição. O paraquedas falhou, o foguete caiu e os
gafanhotos morreram.
No começo, ele comprava kits de foguetes pelo correio, mas depois
começou a fazer seus próprios esboços. Quando tinha 14 anos, converteu o
maçarico do pai em um motor. “Injetei água nele para ver que efeito isso
teria no desempenho”, conta. “É uma coisa louca... Colocar água dá mais
impulso.”
O projeto ficou em segundo lugar na Feira de Ciências regional, o que o
classificou para as finais internacionais em Los Angeles. Foi a primeira vez
que ele esteve em um avião. “Não cheguei nem perto de vencer”, diz. “Havia
robôs e coisas que os pais de outras crianças tinham construído. Pelo menos
eu havia feito o meu projeto sozinho.”
Ele trabalhou como lenhador durante as férias de verão e nos fins de
semana com o propósito de ir para a Universidade de Idaho. Quando se
formou, se mudou para Los Angeles para procurar emprego no setor
aeroespacial. As notas de Mueller não eram boas, mas o entusiasmo era
contagiante e ajudou-o a conseguir um emprego na TRW, que construíra o
motor do foguete que permitiu que astronautas chegassem à Lua. Nos fins
de semana, ele ia ao deserto de Mojave para testar seus grandes foguetes
caseiros com colegas da Reaction Research Society, um clube de entusiastas
de foguetes fundado em 1943. Lá, se juntou ao colega John Garvey para
construir o que se tornou o motor de foguete amador mais poderoso do
mundo, com 36 quilos.
Certo domingo em janeiro de 2002, enquanto os dois estavam
trabalhando no motor amador deles num armazém alugado, Garvey
mencionou para Mueller que um milionário da internet chamado Elon
Musk queria conhecê-lo. Quando Musk chegou acompanhado de Justine,
Mueller estava soldando o motor de 36 quilos suspenso enquanto tentava
parafusá-lo a um suporte. Musk começou a enchê-lo de perguntas. Quanto
de impulso? Vinte mil quilos, respondeu Mueller. Você já fez algo maior?
Mueller explicou que na TRW estava trabalhando no TR-106, que tinha
970 mil quilos de impulso. Musk, então, perguntou quais eram os
combustíveis de propulsão. Mueller por fim desistiu de parafusar o motor
para se concentrar no interrogatório de Musk.
Musk perguntou a Mueller se ele podia construir um motor tão grande
quanto o TR-106 da TRW sozinho. Mueller reconheceu que havia
projetado o injetor e a ignição, conhecia bem o sistema de bomba e, com
uma equipe, poderia descobrir o resto. Musk queria saber quanto iria custar.
“Meu Deus, essa é difícil”, respondeu Mueller, que estava surpreso com a
rapidez com que a conversa havia evoluído para questões específicas.
Em dado momento, Justine, que vestia um casaco de couro comprido,
cutucou Musk e disse que era hora de ir. Ele perguntou a Mueller se os dois
poderiam se encontrar no domingo seguinte. Mueller estava relutante. “Era
o domingo do Super Bowl, e eu tinha acabado de comprar uma TV de tela
panorâmica e queria assistir ao jogo com uns amigos.” Contudo, sentiu que
era inútil resistir, e então concordou em receber Musk.
“Talvez a gente tenha visto, sei lá, uma jogada, porque estávamos
entretidos conversando sobre construir um veículo de lançamento”, lembra-
se Mueller. Junto com alguns outros engenheiros que estavam presentes, eles
desenharam planos para aquele que se tornaria o primeiro foguete da
SpaceX. O primeiro estágio, decidiram, seria impulsionado por motores
movidos a oxigênio líquido e querosene. “Eu sei como fazer isso funcionar
facilmente”, disse Mueller. Musk sugeriu peróxido de hidrogênio para o
estágio superior, mas Mueller imaginou que seria difícil de manusear. Ele
sugeriu em resposta tetróxido de nitrogênio, que Musk considerou caro
demais. Acabaram concordando em usar oxigênio líquido e querosene no
segundo estágio também. O jogo de futebol foi esquecido. O foguete era
mais interessante.
Musk ofereceu a Mueller o emprego de diretor de propulsão, responsável
por projetar os motores do foguete. Mueller, que vinha reclamando da
cultura avessa a riscos da TRW, consultou a esposa. “Você vai se arrepender
se não fizer isso”, opinou ela. Mueller se tornou, assim, a primeira
contratação da SpaceX.
Algo em que Mueller insistiu foi que Musk depositasse dois anos de
salário como garantia. Ele não era um milionário da internet, portanto não
queria correr o risco de ficar sem pagamento se o empreendimento falhasse.
Musk concordou. No entanto, isso o levou a considerar Mueller um
empregado, não um cofundador da SpaceX. Foi uma briga que ele teve na
PayPal e teria novamente na Tesla. Se você não está disposto a investir em
uma empresa, achava ele, não deveria ser visto como fundador. “Você não
pode pedir dois anos de salário em depósito e se considerar cofundador”,
comenta Musk. “Tem que existir alguma combinação de inspiração,
transpiração e risco para ser cofundador.”

Ignição
Depois de conseguir arregimentar Tom Mueller e alguns outros
engenheiros, Musk precisava de uma sede e de uma fábrica. “Estávamos nos
encontrando em salas de reunião em hotéis”, diz Musk, “então, comecei a
percorrer bairros onde ficam a maioria das empresas aeroespaciais, e
encontrei um armazém antigo bem perto do aeroporto de Los Angeles”. (A
sede da SpaceX e o vizinho estúdio de design da Tesla ficam tecnicamente
em Hawthorne, uma cidade no condado de Los Angeles, ao lado do
aeroporto, mas vou me referir ao local como Los Angeles.)
Ao projetar a fábrica, Musk seguiu sua filosofia de que as equipes de
design, engenharia e produção deveriam ficar todas juntas. “As pessoas na
linha de montagem deveriam ser capazes de chamar imediatamente um
designer ou um engenheiro e dizer: ‘Por que você fez isso assim?’”, explicou
ele para Mueller. “Se sua mão está no fogão e queima, você tira, mas, se é a
mão de outra pessoa, vai demorar mais para você agir.”
Enquanto a equipe crescia, Musk foi infundindo em todos sua tolerância
ao risco e sua disposição para deturpar a realidade. “Se você fosse negativo
ou pensasse que algo não podia ser feito, não seria convidado para a próxima
reunião”, lembra-se Mueller. “Ele só queria gente capaz de realizar as
coisas.” Era uma boa maneira de estimular as pessoas a fazer aquilo que
achavam ser impossível. Entretanto, também era uma boa maneira de se
cercar de pessoas temerosas de dar más notícias ou de questionar uma
decisão.
Musk e os demais jovens engenheiros trabalhavam até tarde da noite e
depois começavam um jogo de tiro com vários jogadores simultâneos, como
Quake III Arena, nos desktops, conectavam seus celulares e mergulhavam
em partidas frenéticas que podiam ir até as três da manhã. O nome de
usuário de Musk era Random9, e ele era o mais agressivo (óbvio). “Nós
ficávamos gritando e berrando uns com os outros, como um bando de
lunáticos”, disse um funcionário. “E Elon estava bem ali, no meio de tudo,
com a gente.” Ele costumava ganhar. “Elon era alarmantemente bom nesses
jogos”, falou outro. “Ele tem reações loucamente rápidas, e sabia todos os
truques e como surpreender as pessoas.”
Musk chamou o foguete que eles estavam construindo de Falcon 1, em
homenagem à espaçonave de Star Wars. Ele deixou que Mueller batizasse
seus motores, pois queria nomes legais, não só letras e números. Uma
funcionária de um dos fornecedores era falcoeira, e listou as diferentes
espécies daquela ave. Mueller escolheu “Merlin” para os motores do
primeiro estágio e “Kestrel” para os do segundo.
capítulo 18
As regras de Musk para construir
foguetes
SpaceX, 2002-2003

Estande para teste em McGregor, Texas


Questione cada custo
Musk estava muito determinado em manter os custos baixos, não só porque
o dinheiro dele mesmo estava em risco, apesar de isso ser um fator. Era
também porque o custo-benefício era crítico para o objetivo final, que era o
de colonizar Marte. Ele questionava os preços que os fornecedores do setor
aeroespacial cobravam para os componentes, geralmente dez vezes maiores
do que peças semelhantes na indústria automotiva.
O foco no custo, assim como ter uma natureza controladora, levou Musk
a querer fabricar a maior quantidade de componentes possível na empresa,
em vez de comprá-los de fornecedores, que era a prática-padrão nos setores
de foguete e de carro. Certa vez, a SpaceX precisava de uma válvula,
lembra-se Mueller, e o fornecedor disse que custaria 250 mil dólares. Musk
falou que era loucura, e disse a Mueller que eles mesmos deveriam fabricá-
la. Eles levaram alguns meses para fazer isso, e por um valor muito mais
baixo. Outro fornecedor pediu 120 mil dólares por um acionador que giraria
o bocal dos motores do estágio superior. Musk disse que não seria mais
complicado do que um controle para abrir uma garagem, e mandou um dos
engenheiros fazer um por 5 mil dólares. Jeremy Hollman, um dos jovens
engenheiros que trabalhavam com Mueller, descobriu que uma válvula
usada para misturar líquidos num sistema de lavagem de carros poderia ser
modificada de modo a funcionar com combustível para foguete.
Depois que um fornecedor entregou alguns domos de alumínio, que
ficam no topo dos tanques de combustível, reajustou o preço para a entrega
seguinte. “Imagine que um pintor pinte a metade da sua casa por um preço
e depois decida cobrar três vezes aquele valor pelo restante”, diz Mark
Juncosa, que se tornou o colega mais próximo de Musk na SpaceX. “Isso
não deixou Musk muito entusiasmado.” Musk se referia à situação como
“dar uma de russo” para cima dele, como os mascates de foguetes em
Moscou fizeram. “Nós mesmos vamos fazer isso”, disse ele a Juncosa.
Então, uma nova parte da fábrica foi construída para fazer domos. Depois
de alguns anos, a SpaceX estava fazendo 70% dos componentes dos seus
foguetes.
Quando a SpaceX começou a produzir os primeiros motores Merlin,
Musk perguntou a Mueller quanto eles pesavam. Cerca de 450 quilos,
respondeu Mueller. O motor Tesla Model S, disse Musk, pesa duas
toneladas e custa cerca de 30 mil dólares para ser fabricado. “Se o motor
Tesla é quatro vezes mais pesado que o seu, por que o seu custa tanto?”
Uma razão era que os componentes do foguete estavam sujeitos a
centenas de especificações e exigências feitas pelos militares e pela NASA.
Em grandes empresas aeronáuticas, os engenheiros seguiam isso
religiosamente. Musk fez o oposto. Ele mandou seus engenheiros
questionarem todas as especificações. Depois, isso se tornaria o primeiro de
uma lista de cinco passos chamada “o algoritmo”, que se tornou o mantra
repetido por ele com frequência ao desenvolver produtos. Sempre que um
engenheiro citava “uma exigência” como razão para fazer algo, Musk
questionava: quem fez essa exigência? E não aceitava como resposta “os
militares” ou “o departamento jurídico”. Musk insistia que eles soubessem o
nome da pessoa que havia determinado a exigência. “Nós conversávamos
sobre como conseguir qualificar um motor ou certificar um tanque de
combustível, e ele perguntava: ‘Por que temos que fazer isso?’”, diz Tim
Buzza, um egresso da Boeing que se tornaria vice-presidente de
lançamentos e testes da SpaceX. “E nós respondíamos: ‘Há uma
especificação que diz que isso é obrigatório.’ E ele respondia: ‘Quem
escreveu isso? Por que isso faz sentido?’” Todas as exigências deviam ser
tratadas como recomendações, instruía ele repetidas vezes. As únicas regras
imutáveis eram as decretadas pelas leis da física.

Tenha um senso de urgência maníaco


Quando estava trabalhando nos motores Merlin, Mueller apresentou um
cronograma agressivo para concluir uma das versões. Mas não era agressivo
o suficiente para Musk. “Como isso pode demorar tanto?”, perguntou ele.
“Isso é burrice. Reduza à metade.”
Mueller resistiu: “Não dá para pegar um cronograma que já é apertado e
diminuir pela metade.” Musk olhou para ele friamente e mandou que
permanecesse após o fim da reunião. Quando estavam sozinhos, perguntou
se Mueller queria continuar a ser o encarregado dos motores. Quando
Mueller disse que queria, Musk respondeu: “Então, quando eu pedir algo,
faça.”
Mueller concordou e cortou o cronograma pela metade de modo
arbitrário. “E adivinha só?”, diz ele. “Acabamos desenvolvendo no mesmo
tempo previsto no cronograma original.” Às vezes os prazos insanos
produziam o impossível; outras vezes, não. “Aprendi a nunca dizer não para
Musk”, confessa Mueller. “Basta dizer que você vai tentar; se não der certo,
você explica depois.”
Musk insistia em determinar prazos pouco realistas até mesmo quando
não eram necessários, como na ocasião em que mandou construir em
semanas os estandes de teste para motores de foguetes que ainda não
haviam sido construídos. “Um senso de urgência maníaco era nosso
princípio operacional”, declarou ele repetidas vezes. O sentimento de
urgência era bom por si mesmo. Fazia os engenheiros se envolverem nos
primeiros princípios do pensamento. No entanto, como Mueller indica,
também era corrosivo. “Se você determina um cronograma que as pessoas
pensam que podem cumprir, elas se esforçam para tal”, opina ele. “Mas, se
você apresentar a eles um prazo que é fisicamente impossível, os
engenheiros não são burros. Vocês os desmotiva. É a maior fraqueza do
Elon.”
Steve Jobs fazia algo parecido. Os colegas dele chamavam isso de campo
de distorção da realidade. Jobs estipulava prazos pouco realistas e, quando as
pessoas se recusavam, ele as encarava sem piscar e dizia: “Não tenha medo,
você consegue.” Apesar de a prática desmotivar as pessoas, elas acabavam
conseguindo fazer coisas que outras empresas não conseguiam. “Embora a
gente não conseguisse cumprir a maior parte dos prazos ou dos custos que o
Elon estipulava, nós ainda vencíamos todos os nossos concorrentes”,
reconhece Mueller. “Desenvolvemos o menor custo, os foguetes mais
incríveis da história, e acabávamos nos sentindo muito bem com isso,
mesmo que Papai não estivesse sempre feliz conosco.”

Aprenda com o erro


Musk adotou uma abordagem iterativa no design. Foguetes e motores
seriam rapidamente prototipados, testados, explodidos, revisados e testados
novamente, até que, por fim, algo funcionasse. Mova-se rápido, exploda
coisas, repita. “Não se tratava de evitar problemas”, revela Mueller. “O que
importava era a velocidade com que você descobria qual era o problema e o
consertava.”
Por exemplo: havia um conjunto de especificações militares sobre quantas
horas cada nova versão de um motor precisava ser testada sob uma longa
lista de condições diferentes. “Era uma abordagem entediante e muito cara”,
explica Tim Buzza. “Elon disse para construir só um motor e ligá-lo nos
estandes de teste; se funcionar, coloque em um foguete e faça-o voar.”
Como a SpaceX era uma empresa privada e como Musk estava disposto a
desrespeitar as regras, podia correr os riscos que quisesse. Buzza e Mueller
forçavam os motores até que falhassem, e então diziam: “Ok, agora sabemos
quais são os limites.”
Essa crença no design iterativo significava que a SpaceX precisava de um
espaço aberto para testes. Inicialmente, eles consideraram o Porto Espacial e
Aéreo de Mojave, mas, no fim de 2002, a Câmara de Vereadores ficou
adiando a decisão sobre o pedido da SpaceX. “Precisamos cair fora de
Mojave”, falou Mueller para Musk. “A Califórnia é difícil.”
Em dezembro daquele ano, Musk deu uma palestra na Purdue, que tinha
um programa reconhecido de testes com foguetes, e levou com ele Mueller e
Buzza. Lá, conheceram um engenheiro que trabalhara para a Beal
Aerospace, uma das muitas empresas privadas de foguetes que haviam
falido. Ele descreveu o campo de testes abandonado da Beal na região de
McGregor, no Texas, cerca de quarenta quilômetros a leste de Waco, e lhes
deu um número de celular de um ex-funcionário que ainda morava na área.
Musk decidiu que eles deveriam voar até lá naquele mesmo dia. No
caminho, ligaram para o ex-funcionário, Joe Allen, e o encontraram na
Texas State Technical College, onde estava estudando programação de
computadores, depois de perder o emprego na Beal. Allen nunca tinha
ouvido falar em Musk nem na SpaceX, mas concordou em encontrá-los sob
um tripé no antigo campo de testes. Após o avião de Musk ter pousado, eles
não tiveram dificuldade para encontrar o tripé no deserto — tinha 33
metros de altura. Na base estava Allen, em pé ao lado de sua velha picape
Chevrolet.
“Deus do céu”, sussurrou Mueller para Buzza enquanto andavam pelo
local. “Aqui tem quase tudo de que precisamos.” Havia estandes de testes e
sistemas de água e um posto de observação em meio à grama rala. Buzza
começou a se entusiasmar com o lugar, pensando no quão bem poderia
funcionar. Musk o puxou para um canto. “Pare de dizer como tudo isso é
bom”, disse. “Você está tornando tudo mais caro.” Musk acabou
contratando Allen imediatamente, e conseguiu alugar o campo de
McGregor e os equipamentos por apenas 45 mil dólares anuais.
Dessa forma, começou uma ação entre amigos na qual um pelotão de
engenheiros de foguete durões, liderados por Mueller e Buzza, com visitas
ocasionais de Musk, ligavam motores e causavam explosões, que eles
chamavam de “desmontagens rápidas não previstas”, em um trecho
miserável e repleto de concreto e cascavéis no deserto do Texas.
O primeiro teste de um Merlin aconteceu na noite do aniversário de
Mueller, 11 de março de 2003. O querosene e o oxigênio líquidos foram
injetados em uma câmara de pressão e queimaram somente por meio
segundo, que era o tempo necessário para se assegurar de que o mecanismo
funcionava. Eles comemoraram com uma garrafa de mil dólares de
conhaque Rémy Martin, dada de presente a Musk pela participação em uma
conferência espacial. A assistente dele, Mary Beth Brown, dera a garrafa a
Mueller para ser consumida em uma ocasião especial. Eles tomaram em
copos de papel.

Improviso
Mueller e a equipe passavam doze horas por dia testando motores em
McGregor, jantavam num Outback Steakhouse e depois, tarde da noite,
faziam uma reunião por telefone com Musk, que os enchia de perguntas
técnicas. Quando um engenheiro não sabia uma resposta, Musk com
frequência entrava em combustão com a fúria controlada de um motor de
foguete. Com sua tolerância para risco, ele os incentivava a encontrar
soluções improvisadas. Usando ferramentas que Mueller havia levado para o
Texas, eles tentavam consertar as coisas ali mesmo.
Certa noite, um raio atingiu um estande de testes e derrubou o sistema
de pressurização de um tanque de combustível. Isso criou uma
protuberância e um rompimento numa das membranas dos tanques. O
procedimento, em se tratando de uma empresa aeroespacial normal, seria
substituir os tanques, o que levaria meses. No entanto, a ordem de Musk
foi: “Não, só conserte. Vá lá com uns martelos e martele até que volte ao
lugar, solde e vamos em frente.” Buzza achou isso uma loucura, mas havia
aprendido a seguir as ordens do chefe. Eles foram até o estande de testes e
martelaram a protuberância. Musk embarcou no avião para o voo de três
horas até lá a fim de supervisionar tudo pessoalmente. “Quando ele
apareceu, começamos a testar o tanque com combustível dentro, e
funcionou”, lembra Buzza. “Elon acredita que toda situação é salvável. Isso
nos ensinou muito. E de fato era divertido.” Isso também fez com que a
SpaceX demorasse muito menos tempo até testar seu primeiro foguete.
Nem sempre dava certo, é óbvio. Musk tentou uma abordagem
igualmente pouco convencional no fim de 2003, quando apareceram
rachaduras no material de difusão de calor dentro da câmara de pressão dos
motores. “Primeiro, uma; depois, duas, três das nossas primeiras câmaras
racharam”, recorda Mueller. “Foi um desastre.”
Quando Musk recebeu a má notícia, mandou Mueller encontrar uma
forma de consertá-las. “Não podemos jogar tudo fora”, disse.
“Não tem como consertar”, replicou Mueller.
Era o tipo de afirmação que enfurecia Musk. Ele disse aos engenheiros
que colocassem as três câmaras no avião dele e voassem até a fábrica da
SpaceX, em Los Angeles. Sua ideia era aplicar uma camada de cola epóxi
para preencher as rachaduras e resolver o problema. Quando Mueller falou a
ele que a ideia era louca, Musk e ele começaram a gritar um com o outro.
Por fim, Mueller cedeu. “Ele é o chefe”, disse para a equipe.
Quando as câmaras chegaram à fábrica, Musk estava vestido com botas
chiques de couro para uma festa de Natal à qual pretendia ir. Ele nunca
chegou à festa. Passou a noite toda ajudando a aplicar o epóxi e destruindo
as botas.
A aposta deu errado. Quando a pressão era aplicada, o epóxi se soltava.
As câmaras tiveram que ser redesenhadas, e o prazo para o lançamento
atrasou em quatro meses. No entanto, a disposição de Musk em trabalhar a
noite toda na fábrica em uma ideia inovadora inspirou seus engenheiros a
não ter medo de tentar soluções inusitadas.
Um padrão foi estabelecido: tentar novas ideias e estar disposto a
explodir coisas. Os moradores da área se acostumaram com as explosões. As
vacas, no entanto, não. Como desbravadores protegendo-se, elas corriam em
círculos com as crias mais jovens no centro, resguardadas, quando uma
grande explosão acontecia. Os engenheiros em McGregor instalaram uma
“câmera das vacas”, para poderem assistir.
capítulo 19
O sr. Musk vai a Washington
SpaceX, 2002-2003

Gwynne Shotwell
Gwynne Shotwell
Musk não se alia de modo natural a pessoas, seja social, seja
profissionalmente. Na Zip2 e na PayPal, ele mostrou que podia inspirar,
assustar e, às vezes, assediar colegas. Coleguismo, porém, não fazia parte das
habilidades dele, e deferência não lhe era natural. Ele não gosta de
compartilhar o poder.
Uma das poucas exceções era o relacionamento mantido com Gwynne
Shotwell, que entrou para a SpaceX em 2002 e acabou se tornando sua
presidente. Ela vem trabalhando com Musk, sentada em uma baia bem ao
lado da dele na sede da SpaceX, em Los Angeles, por mais de vinte anos,
mais do que qualquer um.
Direta, de língua afiada e corajosa, ela se orgulha de ser “bocuda” sem
chegar a ser desrespeitosa, e mantém a confiança agradável de quando foi
jogadora de basquete e líder de torcida no ensino médio. A assertividade
descontraída permite que ela fale com Musk com franqueza, sem que isso o
incomode, e reaja aos excessos dele sem bancar a babá. Shotwell é capaz de
tratá-lo quase de igual para igual e, ainda assim, mostrar deferência, sem
nunca esquecer que ele é o fundador e o chefe.
Nascida Gwynne Rowley, ela foi criada numa cidadezinha ao norte da
região metropolitana de Chicago. Quando era caloura no ensino médio, foi
com a mãe a um painel da Sociedade das Mulheres Engenheiras, no qual
ficou fascinada com uma engenheira mecânica bem-vestida que tinha um
negócio próprio de construção. “Quero ser como ela”, falou, e decidiu se
matricular na Escola de Engenharia na vizinha Universidade Northwestern.
“Eu me matriculei por causa da riqueza da Northwestern em outros
campos”, diria ela mais tarde para os alunos daquela faculdade. “Estava com
medo de ser chamada de nerd. Hoje, tenho muito orgulho de ser nerd.”
Enquanto se encaminhava para uma entrevista de emprego no escritório
da IBM na região de Chicago, em 1986, ela parou para assistir pela televisão
na vitrine de uma loja ao lançamento do ônibus espacial Challenger com a
professora Christa McAuliffe a bordo. O que deveria ter sido um momento
inspirador se tornou um pesadelo quando o Challenger explodiu um minuto
após o lançamento. Shotwell ficou tão abalada que não conseguiu o
emprego. “Devo ter errado o tom na entrevista”, cogita ela. Tempos depois,
foi contratada pela Chrysler em Detroit, e posteriormente se mudou para a
Califórnia, onde se tornou chefe de vendas de sistemas espaciais para a
Microcosm Inc., uma startup de consultoria no mesmo bairro da SpaceX.
Na Microcosm, ela trabalhava com o engenheiro alemão, aventureiro e
cara de pau Hans Koenigsmann, que conheceu Musk em um dos encontros
de fim de semana de aficionados por lançamento de foguetes no deserto de
Mojave. Logo em seguida, Musk foi à casa de Keonigsmann para recrutá-
lo, e ele se tornou o quarto empregado da SpaceX, em maio de 2002.
Para ajudá-lo a comemorar, Shotwell levou Koenigsmann a um
restaurante australiano chamado Chef Hannes, o favorito dele na região.
Depois, lhe deu carona por algumas quadras para deixá-lo na SpaceX.
“Entre”, disse ele. “Você pode conhecer o Elon.”
Shotwell se impressionou com as ideias de Musk para reduzir custos de
foguetes e fabricar peças internamente. “Ele sabia detalhes”, lembra. Mas
achou que a equipe não tinha a menor ideia de como vender os serviços. “O
cara que você tem para conversar com potenciais clientes é um fracasso”,
disse ela sem rodeios.
No dia seguinte, Shotwell recebeu uma ligação da assistente de Musk, a
qual disse que ele tinha uma proposta para lhe fazer: se tornar vice-
presidente de desenvolvimento de negócios. Shotwell era mãe de dois filhos,
estava se divorciando e prestes a completar 40 anos. A ideia de entrar para
uma startup arriscada comandada por um milionário temperamental não a
atraía muito. Ela passou três semanas pensando antes de chegar à conclusão
de que a SpaceX tinha o potencial de transformar uma indústria de foguetes
esclerosada em algo inovador. “Estou sendo uma idiota”, disse a Musk. “Vou
aceitar o emprego.” Shotwell se tornou a sétima funcionária da empresa.
Ela tem uma percepção especial que ajuda a lidar com Musk. O marido
dela tem o transtorno do espectro autista popularmente conhecido como
Asperger. “Pessoas como o Elon, com Asperger, não compreendem bem
sinais sociais e não pensam naturalmente no impacto que suas palavras
causam nas outras pessoas”, opina ela. “Elon entende personalidades muito
bem, mas como objeto de estudo, não como uma emoção.”
O Asperger pode fazer com que uma pessoa pareça não ter empatia.
“Elon não é um babaca, mas às vezes diz coisas que são cretinas”, comenta
Shotwell. “Ele apenas não pensa no impacto pessoal do que está falando, só
quer cumprir a missão.” Ela não tenta mudar Elon, apenas salva quem sai
ferido. “Parte do meu trabalho é atender os feridos”, revela.
Também ajuda o fato de Shotwell ser engenheira. “Não estou no nível
dele, mas não sou idiota. Entendo o que ele está falando”, afirma ela. “Ouço
com cuidado, levo o Elon a sério, leio suas intenções e procuro fazer o que
ele quer, mesmo que a princípio pareça loucura.” Quando Shotwell insiste
comigo que “ele tende a ter razão”, pode parecer que se trata de uma
bajuladora, mas não. Ela fala com ele de forma franca e se irrita com quem
não faz a mesma coisa. Ela cita alguns nomes e diz: “Eles trabalham muito,
mas são medrosos perto do Elon.”

Paquerando a NASA
Alguns meses depois de ela entrar para a SpaceX, em 2003, Shotwell e
Musk viajaram a Washington. O objetivo era conseguir um contrato com o
Departamento de Defesa para lançar um novo tipo de pequenos satélites
táticos de comunicação, conhecidos como TacSat, que iriam fornecer aos
comandantes de forças terrestres imagens e outros dados rapidamente.
Eles foram a um restaurante chinês perto do Pentágono, e Musk quebrou
um dente. Constrangido, ele ficava colocando a mão sobre a boca, até que
Shotwell riu dele. “Era muito engraçado vê-lo tentando esconder”, lembra
ela. Eles conseguiram encontrar um dentista de plantão, que fez uma coroa
dentária provisória para que Musk chegasse apresentável ao Pentágono na
manhã seguinte. Eles fecharam o contrato, o primeiro da SpaceX, por 3,5
milhões de dólares.
Para tornar a SpaceX mais conhecida do público em geral, em dezembro
de 2003 Musk levou um foguete Falcon 1 para Washington por ocasião de
um evento público na área externa do National Air and Space Museum. A
SpaceX construiu um trailer especial com um suporte de cor azul berrante
para carregar o foguete de sete andares desde Los Angeles, e Musk
determinou um cronograma curto com um prazo insano para deixar o
protótipo do foguete pronto para a viagem. Na opinião de muitos dos
engenheiros da empresa, aquilo parecia uma distração gigantesca, mas,
quando o foguete desfilou pela Independence Avenue com uma escolta
policial, Sean O’Keefe, o administrador da NASA, ficou impressionado. Ele
despachou um de seus subalternos, Liam Sarsfield, para a Califórnia com a
finalidade de avaliar a corajosa startup. “A SpaceX apresenta bons produtos
e um potencial sólido”, relatou Sarsfield na volta. “O investimento da
NASA neste empreendimento está bem protegido.”
Sarsfield admirava o apetite de Musk por informações extremamente
técnicas, desde o sistema de acoplagem da Estação Espacial Internacional
até as maneiras como os motores podem superaquecer. Eles trocaram longos
e-mails sobre esses e outros assuntos. Em fevereiro de 2004, porém, a
conversa por e-mail ficou mais tensa quando a NASA fechou um contrato
de 227 milhões de dólares, sem licitação, com uma empresa privada de
foguetes concorrente, a Kistler Aerospace. O contrato era para foguetes que
pudessem reabastecer a Estação Espacial Internacional, algo que Musk
achava que a SpaceX seria capaz de fazer (e estava certo, no fim das contas).
Sarsfield cometeu o erro de dar a Musk uma explicação sincera. A Kistler
havia fechado um contrato sem licitação, escreveu ele, porque sua “situação
financeira era temerosa”, e a NASA não queria que a empresa falisse.
Haveria outros contratos para a SpaceX disputar, garantiu Sarsfield a Musk.
Isso irritou Elon, que argumentou que a NASA deveria ter como objetivo
promover inovação, não ajudar empresas.
Musk se encontrou com autoridades na sede da NASA em maio de 2004
e, ignorando o conselho de Shotwell, decidiu processá-los por causa do
contrato da Kistler. “Todo mundo me disse que isso significaria que nunca
poderíamos trabalhar com a NASA”, diz Musk. “Mas o que eles fizeram era
errado e corrupto; então, eu os processei.” Ele até mesmo jogou Sarsfield,
seu maior defensor na NASA, na fogueira ao incluir no processo o e-mail
amigável dele com a explicação de que o contrato deveria salvar a Kistler.
A SpaceX acabou ganhando o processo, e a NASA foi obrigada a abrir
uma licitação para o projeto — da qual a SpaceX conseguiu vencer uma
parte importante. “Isso foi uma grande surpresa: imagine que venceu o
azarão com uma chance em dez”, declarou Musk a Christian Davenport, do
e Washington Post. “Isso surpreendeu a todos.”
Contratos de preço fixo
A vitória foi crucial não apenas para a SpaceX, como também para o
programa espacial norte-americano. Ela promoveu uma alternativa aos
contratos “com compensação” que a NASA e o Departamento de Defesa
geralmente usavam. Sob esses contratos, o governo mantinha o controle de
um projeto — tal como construir um novo foguete, motor ou satélite — e
emitia especificações detalhadas do que queria que fosse feito. Então,
fechava o contrato com empresas grandes como Boeing ou Lockheed
Martin, que tinham todos os custos pagos e lucro garantido. Essa
abordagem se tornou padrão durante a Segunda Guerra Mundial, para dar
ao governo controle completo sobre o desenvolvimento de armas e evitar a
percepção de que as empresas estavam lucrando com a guerra.
Durante a viagem a Washington, Musk depôs perante um comitê do
Senado e insistiu em fazer uma abordagem diferente. O problema com o
sistema de compensação, argumentou, é que ele impedia a inovação. Se o
projeto superasse o orçamento previsto, o contratado recebia mais dinheiro.
Havia pouco incentivo para que o pequeno clube das empresas com
contratos de compensação assumisse riscos, fosse criativo, trabalhasse rápido
e reduzisse custos. “A Boeing e a Lockheed só queriam saber de se manter
no trem da compensação”, reclama ele. “Não dá para chegar a Marte com
esse sistema. Eles têm um incentivo para nunca terminar. Se você nunca
termina um contrato de compensação, você mama nas tetas do governo para
sempre.”

***

A SpaceX foi pioneira em uma alternativa na qual empresas privadas


podiam concorrer para desempenhar uma tarefa ou uma missão específicas,
como colocar carregamentos do governo em órbita. A empresa arriscaria o
próprio capital, e seria paga apenas se e quando cumprisse determinados
objetivos. Essa contratação baseada em resultado, com preço fixo, permitia a
uma empresa privada controlar, com amplos parâmetros, como seus foguetes
eram projetados e construídos. Havia muito dinheiro a ser ganho com a
construção de um foguete de baixo custo que funcionasse, e também muito
dinheiro a perder se não funcionasse. “Isso recompensa o resultado, não o
desperdício”, opina Musk.
capítulo 20
Fundadores
Tesla, 2003-2004

JB Straubel, com sua cicatriz; Martin Eberhard e Marc Tarpenning


JB Straubel
Jeffrey Brian Straubel — conhecido como JB — era um garoto de
Wisconsin criado à base de milho, bem-apessoado e com um sorriso de
esquilo. Nerd aficionado por carros, aos 13 anos reconstruiu o motor de um
carrinho de golfe e se apaixonou por veículos elétricos. Ele também gostava
de química. No ensino médio, fez uma experiência com peróxido de
hidrogênio que explodiu o porão da casa da família e o deixou com uma
cicatriz permanente no rosto angelical.
Enquanto estudava sistemas de energia em Stanford, ele estagiou com
um empresário alto-astral e travesso nascido em Nova Orleans, Harold
Rosen, que desenvolveu o satélite geoestacionário Syncom para a Hughes
Aircraft. Rosen e o irmão, Ben, estavam tentando construir um carro
híbrido com uma roda inercial que poderia gerar energia. Straubel tentou
algo mais simples. Converteu um velho Porsche num veículo totalmente
elétrico alimentado por tradicionais baterias de carro de chumbo-ácido.
Tinha uma aceleração estonteante, mas o alcance era de apenas cinquenta
quilômetros.
Depois que a empresa de carros elétricos de Rosen faliu, Straubel se
mudou para Los Angeles. Uma noite, no fim do verão de 2003, ele foi
anfitrião de seis estudantes exaustos e fedidos da equipe de carro solar de
Stanford que haviam acabado de terminar uma corrida de Chicago a Los
Angeles em um veículo movido por painéis solares.
Eles acabaram conversando durante a maior parte da noite, e o papo se
voltou para baterias de íon de lítio, que eram usadas em notebooks. Elas
armazenavam bastante energia e podiam ser colocadas juntas em grandes
números. “E se pudéssemos colocar mil ou 10 mil juntas?”, perguntou
Straubel. Eles chegaram à conclusão de que um carro leve com meia
tonelada de baterias seria capaz de viajar de um lado a outro dos Estados
Unidos. Quando amanheceu, foram para o quintal com algumas pilhas de
íon de lítio para martelar e ver se elas explodiam. Era uma celebração do
futuro, e eles fizeram um pacto. “Temos que fazer isso”, disse Straubel.
Infelizmente, ninguém estava interessado em financiar o projeto. Até que
ele conheceu Elon Musk.
Em outubro de 2003, Straubel esteve em um seminário em Stanford, no
qual Musk, que havia fundado a SpaceX no ano anterior, era um dos
palestrantes. A palestra era sobre a necessidade de atividades espaciais
empreendedoras “movidas pelo espírito da livre-iniciativa”. Isso levou
Straubel a se apresentar no fim da fala e se oferecer para organizar uma
reunião com Harold Rosen. “Harold era uma lenda da indústria
aeroespacial, de modo que eu o convidei para ir visitar a fábrica da SpaceX”,
lembra Musk.
A visita na fábrica não correu muito bem. Rosen, então com 77 anos,
parecia jovial e seguro enquanto apontava para as partes do projeto de Musk
que iriam fracassar. Quando foram almoçar em um restaurante de frutos do
mar chamado McCormick e Schmick, Musk devolveu, dizendo que a
última ideia de Rosen, que era a de construir drones elétricos para fornecer
serviços de internet, era imbecil. “Elon formava opiniões rapidamente”,
comenta Straubel. Musk lembra com carinho do bate-boca intelectual. “Foi
uma grande conversa, porque Harold e JB eram pessoas muito interessantes,
apesar de a ideia ser idiota.”
Ansioso em manter a conversa, Straubel mudou de assunto e passou a
falar sobre a ideia dele de construir um carro elétrico movido a baterias de
íon de lítio. “Eu estava atrás de financiamento e sendo bastante
desavergonhado”, confessa. Musk se mostrou surpreso quando Straubel
explicou quão boas as baterias se tornaram. “Eu ia trabalhar com
armazenamento de energia de alta intensidade em Stanford”, disse Musk a
ele. “Eu estava tentando descobrir o que teria maior impacto no mundo, e
armazenamento de energia e carros elétricos figuravam no topo da lista.” Os
olhos dele brilharam enquanto processava os cálculos de Straubel. “Conte
comigo”, disse, comprometendo-se a contribuir com 10 mil dólares de
financiamento.
Straubel sugeriu que Musk conversasse com Tom Gage e Alan Cocconi,
que haviam cofundado uma pequena empresa, a AC Propulsion, que estava
investindo na mesma ideia. Eles haviam construído um protótipo em fibra
de vidro, que chamaram de tzero, e Straubel ligou para instigá-los a levar
Musk para dar uma volta. Então, em janeiro de 2004, Gage enviou um e-
mail para Musk. “Tanto Sergey Brin quanto JB Straubel sugeriram que você
pode estar interessado em dirigir nosso carro esporte tzero”, escreveu. “Nós
corremos contra um Viper na segunda passada e o nosso carro venceu
quatro das cinco baterias na pista de duzentos metros. Perdemos uma
bateria porque estava carregando uma câmera de 130 quilos. Você tem um
horário para eu levá-lo até você?”
“Claro”, respondeu Musk. “Eu realmente vou gostar de vê-lo. Mas não
acho que você ganhe da minha McLaren (ainda).”
“Hum, uma McLaren… Cara, isso seria como um prêmio para mim”,
escreveu Gage em resposta. “Posso levá-lo até aí dia 4 de fevereiro.”
Musk ficou impressionado com o tzero, apesar de ser um protótipo bruto,
sem portas nem teto. “Você precisa transformá-lo num produto de verdade”,
disse ele a Gage. “Isso de fato pode mudar o mundo.” Mas Gage queria
começar a construir um carro mais barato, quadrado, mais lento. Aquilo não
fazia sentido para Musk. Qualquer versão inicial de um carro elétrico seria
cara de construir, pelo menos 70 mil dólares a unidade. “Ninguém vai pagar
essa quantia por uma coisa feia”, argumentou. A maneira de começar uma
empresa automobilística era construir a versão luxuosa do carro primeiro e
depois passar para o modelo popular. “Gage e Cocconi eram inventores
malucos”, diz ele, rindo. “Senso comum não era o forte deles.”
Durante semanas, Musk os importunou para que eles fizessem uma
versão sofisticada de um roadster, como são chamados os carros esporte
conversíveis de dois assentos. “Todo mundo acha que os carros elétricos são
uma droga, mas vocês podem provar que isso não é verdade”, implorou ele.
Gage, porém, resistiu. “Pois bem. Se vocês não querem comercializar o
tzero, se importam que eu faça isso?”, perguntou Musk.
Gage concordou. Ele também fez uma sugestão profética: Musk deveria
fechar uma parceria com dois entusiastas por carros que trabalhavam ali
perto e tinham uma ideia parecida. E foi assim que Musk acabou
conhecendo duas pessoas que haviam tido uma experiência comparável com
a AC Propulsion e decidiram abrir uma empresa automobilística própria,
que eles tinham registrado com o nome de Tesla Motors.

Martin Eberhard
Quando Martin Eberhard, um esguio empreendedor do Vale do Silício com
rosto comprido e personalidade enérgica, estava superando um divórcio
conturbado em 2001, decidiu que devia, como ele mesmo descreve, “fazer
como todos os outros caras que estão passando por uma crise de meia-idade
e comprar um carro esporte”. Ele podia comprar um carro muito bom,
porque havia fundado e vendido uma empresa que fez o primeiro
predecessor do Kindle, o Rocket eBook. Ele, contudo, não queria um carro
movido a gasolina. “A mudança climática havia se tornado uma realidade
para mim”, confessa. “Além disso, acho que só continuamos a travar guerras
no Oriente Médio por causa da nossa necessidade de petróleo.”
Metódico, ele criou uma planilha que calculava a eficiência energética de
tipos diferentes de carro, a começar pela fonte bruta de combustão. Ele
comparou gasolina, diesel, gás natural, hidrogênio e eletricidade de várias
fontes. “Fiz cálculos exatos a cada passo, desde quando o combustível sai do
ambiente até quando alimenta o carro.”
Ele descobriu que carros elétricos, até mesmo em locais nos quais a
eletricidade é produzida a partir do carvão, eram melhores para o meio
ambiente. Então, decidiu comprar um. A Califórnia havia acabado de
revogar a legislação que obrigava as concessionárias a oferecer um
determinado número de carros com emissão zero, e a General Motors havia
desistido de fazer seu EV1. “Isso realmente me abalou”, confessa ele.
Então, ele leu sobre o protótipo tzero feito por Tom Gage e pela AC
Propulsion. Depois de vê-lo, disse a Gage que investiria 150 mil dólares na
empresa se eles mudassem das baterias de chumbo-ácido para as de íon de
lítio. O resultado foi que, em setembro de 2003, Gage tinha um protótipo
que podia acelerar de zero a cem quilômetros em 3,6 segundos, além de uma
autonomia de quinhentos quilômetros.
Eberhard tentou convencer Gage e a equipe da AC Propulsion a começar
a fabricar o carro, ou pelo menos fazer um para ele. Mas eles não quiseram.
“Tratava-se de pessoas inteligentes, mas logo percebi que eram realmente
incapazes de fazer carros”, diz Eberhard. “Foi quando decidi que tinha que
fundar uma empresa de carros própria.” Ele fechou um acordo para licenciar
os motores elétricos e o trem de força da AC Propulsion.
Eberhard convocou um amigo, Marc Tarpenning, um engenheiro de
software que havia sido sócio dele na Rocket eBook. Os dois desenvolveram
um plano para começar com um roadster luxuoso e depois construir carros
para o mercado popular. “Eu queria fazer um roadster que mudasse
completamente a maneira como as pessoas pensavam em carros elétricos”,
revelou Eberhard, “e usá-lo para construir uma marca”.
Como deveria ser essa marca? Certa noite, enquanto estava em um
encontro na Disneylândia, Eberhard ficou obcecado, de maneira pouco
romântica, pensando no nome da empresa. Como o carro ia usar motor de
indução, ele teve a ideia de homenagear o inventor do dispositivo, Nikola
Tesla. No dia seguinte, tomou um café com Tarpenning e perguntou a
opinião dele. Tarpenning abriu o notebook, entrou na internet e registrou o
nome. Em julho de 2003, eles formalizaram a empresa.

Presidente Musk
Eberhard estava com um problema. Ele tinha uma ideia e um nome, mas
nenhum financiamento. Então, em março de 2004, recebeu uma ligação de
Tom Gage. Os dois tinham um acordo de não competir pelo financiamento
dos mesmos investidores. Quando se tornou evidente que Musk não iria
investir na AC Propulsion, Gage o ofereceu a Eberhard. “Estou desistindo
do Elon”, disse. “Você deveria ligar para ele.”
Eberhard e Tarpenning já conheciam Musk, de quem tinham ouvido
falar em uma reunião da Mars Society em 2001. “Eu o cerquei depois só
para dizer oi, como um fã”, relembra Eberhard.
Ele mencionou aquele encontro em um e-mail para Musk no qual pediu
para encontrá-lo. “Adoraríamos conversar com você sobre a Tesla Motors,
particularmente se estiver interessado em investir”, escreveu. “Acredito que
você tenha dirigido o carro tzero da AC Propulsion. Caso sim, já sabe que
um carro elétrico de alto desempenho pode ser feito. Gostaríamos de
convencê-lo de que podemos fazer isso de forma lucrativa.”
Naquela noite, Musk respondeu: “Claro.”
Eberhard foi de Palo Alto a Los Angeles naquela semana, acompanhado
de um colega, Ian Wright. A reunião, na baia de Musk na SpaceX, deveria
durar meia hora, mas Musk fazia perguntas e ocasionalmente gritava para a
assistente cancelar a próxima reunião. Por duas horas eles compartilharam
visões para um carro elétrico potente e discutiram detalhes sobre todo o
sistema, incluídos trem de força, motor e plano de negócios. No fim da
reunião, Musk disse que gostaria de investir. Quando saíram do prédio da
SpaceX, Eberhard e Wright comemoraram. Depois de uma nova reunião,
que incluiu Tarpenning, eles concordaram que Musk lideraria o
investimento inicial com um aporte de 6,4 milhões de dólares e se tornaria
presidente do conselho.
O que chamou a atenção de Tarpenning foi o fato de que Musk estava
centrado na importância da missão, não no potencial do negócio. “Ele
claramente já havia concluído que, para que tivéssemos um futuro
sustentável, eram necessários carros elétricos”, diz Tarpenning.
Musk tinha alguns pedidos. O primeiro era que a papelada devia ser
concluída rapidamente, porque Justine estava grávida de gêmeos e uma
cesariana estava marcada para dali a uma semana. Ele também pediu que
Eberhard entrasse em contato com JB Straubel. Tendo investido tanto no
negócio de Straubel quanto no de Eberhard, Musk achava que eles
deveriam trabalhar juntos.
Straubel, que nunca tinha ouvido falar em Eberhard ou em seu novo
empreendimento, apareceu de bicicleta e foi embora cético. Musk, contudo,
ligou para ele depois e o incentivou a unirem forças. “Por favor, você precisa
fazer isso”, pediu Musk a ele. “Vai ser perfeito.”
Dessa forma, as peças se encaixaram e propiciaram o surgimento da que
iria se tornar a empresa automobilística mais valiosa e transformadora do
mundo: Eberhard como CEO, Tarpenning como presidente, Straubel como
chefe de tecnologia, Wright como chefe de operações e Musk como
presidente do conselho e principal fundador. Anos depois, após muitas
disputas amargas e um processo, eles concordaram que os cinco fossem
considerados cofundadores.
capítulo 21
O Roadster
Tesla, 2004-2006

Straubel levando o então governador Arnold Schwarzenegger para um test drive


no Roadster
Juntando as peças
Uma das decisões mais importantes que Elon Musk tomou no tocante à
Tesla — a marca definitiva que levou-a ao sucesso e ao impacto na indústria
automotiva — era a de que ela deveria fabricar seus principais componentes,
em vez de montar um carro com centenas de componentes de fornecedores
independentes. A Tesla iria controlar seu destino — e a qualidade, os custos
e a cadeia de fornecedores — ao ser integrada verticalmente. Criar um carro
bom era importante. Ainda mais importante era criar processos de
fabricação e fábricas que pudessem produzi-los em massa, das baterias à
carroceria.
Contudo, não foi dessa forma que a empresa começou. Muito pelo
contrário.
Quando produziram o Rocket eBook, Martin Eberhard e Marc
Tarpenning terceirizaram o processo de fabricação. Da mesma forma,
quando chegou a hora de a Tesla fazer seu primeiro carro, o Roadster, eles
decidiram montá-lo a partir de componentes de fornecedores externos. Em
uma decisão que assombraria a Tesla, Eberhard decidiu que a empresa
compraria baterias na Ásia, a carroceria dos carros, na Inglaterra, os trens de
força, da AC Propulsion, e uma transmissão, em Detroit ou na Alemanha.
Isso estava em consonância com as tendências prevalentes na indústria
automobilística. No início, Henry Ford e outros pioneiros, os fabricantes de
carros, faziam quase tudo internamente. A partir dos anos 1970, porém, as
empresas demitiram seus operários e aumentaram a dependência de
fornecedores. De 1970 a 2010, a porcentagem da propriedade intelectual
dos veículos produzidos por essas empresas passou de 90% para cerca de
50%. Isso as deixou dependentes de cadeias de suprimentos muito longas.
Depois que Eberhard e Tarpenning decidiram terceirizar a produção da
carroceria e do chassi, foram ao Auto Show em Los Angeles, se convidaram
para o estande da pequena fabricante de carros britânica Lotus e cercaram
um dos executivos. “Ele era um britânico educado e não sabia como se livrar
da gente”, diz Eberhard. “Quando terminamos de falar, ele estava tão
intrigado que nos convidou para uma viagem à Inglaterra.” Eles fecharam
um acordo para que a Lotus fornecesse uma versão um pouco diferente da
carroceria do roadster Elise, fabricado por eles, e a Tesla, a partir daí, iria
equipá-lo com um motor elétrico e um trem de força da AC Propulsion.
Em janeiro de 2005, os dezoito engenheiros e mecânicos da Tesla haviam
montado manualmente o que é conhecido como veículo de teste, um carro
que podia ser mostrado e testado antes de entrar em produção. “Fazer o
protótipo exigia muito improviso e estratégias para fazer nossas baterias e o
trem de força da AC Propulsion caberem num Lotus Elise”, diz Musk.
“Mas pelo menos tínhamos algo que parecia um carro de verdade, com
portas e um teto, diferentemente do tzero.”
Straubel fez o primeiro teste de direção. Quando ele pisou no acelerador,
o carro saltou para a frente como um cavalo assustado, o que surpreendeu
até os engenheiros. Eberhard foi o próximo, e as lágrimas escorreram-lhe
pelo rosto enquanto ele segurava o volante. Depois que Musk teve sua
chance de dirigir e se impressionar com a aceleração rápida e muito
silenciosa do carro, ele concordou em investir mais 9 milhões de dólares na
empresa.

Empresa de quem?
Um problema das startups, especialmente aquelas com muitos fundadores e
financiadores, é o de quem deve ficar no comando. Às vezes o macho alfa
vence, como quando Steve Jobs deixou Steve Wozniak à margem, ou
quando Bill Gates fez a mesma coisa com Paul Allen. Em outros casos, a
situação é mais complicada, especialmente quando pessoas diferentes
sentem que são fundadoras de uma empresa.
Tanto Eberhard quanto Musk se consideravam o principal fundador da
Tesla. Na mente de Eberhard, ele havia bolado a ideia, convocado seu
amigo Tarpenning, registrado a empresa, escolhido o nome e corrido atrás e
encontrado financiadores. “Elon se diz o arquiteto principal e todo tipo de
coisa, mas isso não é verdade”, afirma Eberhard. “Ele era apenas membro do
conselho e investidor.” Contudo, na mente de Musk, foi ele quem promoveu
o encontro entre Eberhard e Straubel e forneceu o dinheiro necessário para
dar início à empresa. “Quando conheci Eberhard, Wright e Tarpenning,
eles não tinham nenhuma propriedade intelectual, nenhum funcionário,
nada. Apenas a casca de uma empresa.”
No começo, essas perspectivas diferentes não foram um problema. “Eu
estava comandando a SpaceX”, diz Musk, “e não queria comandar também
a Tesla”. Ele estava feliz, pelo menos inicialmente, em ser presidente do
conselho e deixar Eberhard ser o CEO. No entanto, sendo dono de quase
toda a empresa, Musk era a principal autoridade, e não era de seu feitio
abrir mão disso. Ele começou a se envolver cada vez mais, sobretudo nas
decisões de engenharia. A liderança da Tesla, dessa forma, se tornou uma
molécula inerentemente instável.
Durante cerca de um ano, Musk e Eberhard se deram bem. Eberhard
lidava com o gerenciamento no dia a dia na sede, no Vale do Silício,
enquanto Musk passava a maior parte do tempo em Los Angeles e fazia
visitas cerca de uma vez por mês para participar de reuniões do conselho e
fazer avaliações importantes de design. As perguntas de Musk tendiam a ser
técnicas, para saber os detalhes da bateria, do motor e dos materiais. Ele
não era conhecido por mandar e-mails elogiosos, mas certa noite, no início
da relação deles, depois de trabalharem num problema juntos, enviou um e-
mail para Eberhard que dizia: “O número de pessoas boas em produto no
mundo é pequeno, e acho que você é uma delas.” Eles conversavam quase
todo dia, trocavam e-mails à noite e, de vez em quando, se encontravam
socialmente. “Nunca fui colega de bar dele”, conta Eberhard, “mas íamos à
casa um do outro às vezes e saíamos para jantar”.
Infelizmente, eles eram parecidos demais para a amizade durar. Ambos
eram engenheiros obstinados, tensos e detalhistas, capazes de desprezar
brutalmente aqueles que consideravam tolos. Os problemas começaram
quando Eberhard teve uma briga com Ian Wright, que fizera parte do grupo
de fundadores. Os desentendimentos se tornaram tão intensos que cada um
dos dois tentou convencer Musk a demitir o outro. Era um reconhecimento
tácito da parte de Eberhard de que Musk tinha a palavra final. “Martin e
Ian estavam me dizendo por que o outro era um demônio e precisava ser
expulso”, revela Musk. “Estavam me dizendo: ‘Elon, você precisa escolher
um.’”
Musk pediu conselhos para Straubel. “Ok, quem devemos escolher
aqui?”, perguntou, ao que Straubel respondeu que nenhuma escolha era boa.
Quando pressionado a opinar, disse: “Talvez Martin seja o menor de dois
males.” Musk acabou demitindo Wright, mas a situação aprofundou suas
dúvidas sobre Eberhard. E levou-o a se envolver mais na administração da
Tesla.

Decisões de design
À medida que Musk começou a se dedicar mais à Tesla, ele não tinha como
evitar se envolver nas decisões de design e engenharia. Voava para lá de Los
Angeles a cada duas semanas, comandava uma avaliação de design,
inspecionava modelos e sugeria melhorias. Sendo Musk como é, ele não
considerava suas ideias meras sugestões; irritava-se quando elas não eram
executadas. Isso era um problema, porque o plano de negócios da empresa
dependia de montar uma carroceria da Lotus com outros fornecedores sem
fazer muitas mudanças. “Nós planejamos fazer o mínimo possível de
modificações”, afirma Tarpenning, “pelo menos até Elon se envolver”.
Eberhard tentou resistir à maioria das sugestões de Musk, até mesmo as
que melhorariam o carro, porque sabia que isso podia aumentar os custos e
causar atrasos. Musk, entretanto, argumentou que a única maneira de lançar
a Tesla era apresentar um roadster que impressionasse os clientes. “Nós só
vamos poder lançar nosso primeiro carro uma vez, então temos que fazer
isso da melhor maneira possível”, disse ele a Eberhard. Em uma das
reuniões de análise, o rosto de Musk se fechou, a expressão endureceu e ele
declarou que o carro parecia barato e feio. “Não dá para vendermos um
carro feio por 100 mil dólares”, falaria ele depois.
Muito embora ele fosse versado em software, não em desenho industrial,
Musk começou a investir bastante tempo na estética do Roadster. “Eu
nunca tinha projetado um carro antes, então estava estudando todos os
melhores carros e tentando entender o que os tornava especiais”, comenta.
“Eu sofria com cada detalhe.” Depois, ele destacaria com orgulho que foi
homenageado pelo Art Center College of Design de Pasadena pelo trabalho
no Roadster.
Uma grande mudança de design que Musk fez foi insistir que a porta do
Roadster fosse aumentada. “Para entrar no carro, você tinha que ser um
alpinista nanico ou um mestre contorcionista”, reclama ele. “Era uma
loucura, era ridículo.” Musk, com 1,80 metro de altura, descobriu que tinha
que encaixar a bunda grande no assento, ficar quase em posição fetal e
depois tentar colocar as pernas para dentro. “Se você está indo a um
encontro, como uma mulher vai entrar no carro?”, perguntou. Sendo assim,
ele mandou que a parte de baixo da moldura da porta fosse abaixada oito
centímetros. A mudança resultante significava que a Tesla não podia usar a
certificação de crash-test que a Lotus tinha, o que aumentava em 2 milhões
de dólares os custos de produção. Como muitas das revisões feitas por
Musk, essa era ao mesmo tempo correta e cara.
Musk exigiu também que os assentos fossem mais largos. “Minha ideia
original era usar as estruturas de assento iguais às da Lotus”, diz Eberhard,
“ou teríamos que refazer todos os testes. Mas Elon achava que os assentos
eram estreitos demais para a esposa dele, ou algo assim. Eu tenho bunda
pequena, e sinto falta dos assentos estreitos”.
Musk também decidiu que os faróis originais da Lotus eram feios porque
não contavam com cobertura ou protetor. “Parecia que o carro tinha olhos
esbugalhados”, diz. “Os faróis são como os olhos do carro, e é preciso ter
olhos lindos.” Essa mudança iria adicionar 500 mil dólares aos custos de
produção, disseram para Musk. Mas ele foi irredutível. “Se você está
comprando um carro esporte, está comprando porque é lindo”, afirmou para
a equipe. “Então, não se trata de um detalhe menor.”
Em vez do material composto de fibra de vidro que a Lotus usava, Musk
decidiu que a carroceria do Roadster deveria ser feita de fibra de carbono,
mais resistente. Isso encareceu a pintura, mas também deixou o carro mais
leve e mais sólido. No decorrer dos anos, Musk foi capaz de usar as técnicas
que aprendeu na SpaceX e aplicá-las na Tesla, e vice-versa. Quando
Eberhard tentou resistir ao custo da fibra de carbono, Musk lhe enviou um
e-mail. “Cara, você poderia fazer os painéis da carroceria para pelo menos
quinhentos carros por ano se comprasse o forno que temos na SpaceX!”,
escreveu. “Se alguém está dizendo que isso é difícil, está falando besteira.
Você pode fazer compostos de alta qualidade no forno da sua casa.”
Nenhum detalhe era pequeno demais para escapar da interferência de
Musk. O Roadster originalmente tinha maçanetas comuns, do tipo que se
abre com um clique. Musk insistiu em maçanetas elétricas, que seriam
operadas com um simples toque. “Alguém que esteja comprando um Tesla
Roadster vai comprar, seja com maçanetas comuns, seja com elétricas”,
argumentou Eberhard. “Isso não vai resultar num aumento das vendas.” Era
um argumento que ele havia usado para a maioria das mudanças de Musk.
Musk saiu vitorioso, e as maçanetas elétricas se tornaram uma característica
interessante que ajudou a definir a mágica da Tesla. Todavia, como
Eberhard alertou, acrescentou mais um custo.
Eberhard finalmente entrou em desespero quando, perto do fim do
processo de design, Musk decidiu que o painel era feio. “Esse é um grande
problema, e me preocupa muito o fato de que você não o reconheça como
tal”, escreveu Musk. Eberhard tentou mudar de assunto, e implorou para
que eles lidassem com o problema depois. “Não consigo ver um caminho,
qualquer que seja, para consertar isso antes do início da produção sem um
grande prejuízo no custo e no cronograma”, disse ele. “Fico acordado à noite
preocupado em simplesmente conseguir colocar o carro em produção em
algum momento de 2007... Para a minha própria sanidade e para a sanidade
da minha equipe, não estou gastando muito tempo pensando no painel.”
Muitas pessoas no decorrer dos anos fariam o mesmo tipo de pedido a
Musk, poucas com sucesso. Nesse caso, Musk cedeu. A melhora do painel
poderia ficar para depois que os primeiros carros já tivessem entrado em
produção. Contudo, isso não ajudou no relacionamento de Musk e
Eberhard.
Ao modificar tantos elementos, a Tesla perdeu a maior parte das
vantagens que vinham de simplesmente usar a carroceria já testada para
impactos do Lotus Elise. Isso também aumentou a complexidade da cadeia
de suprimentos. Em vez de poder confiar nos fornecedores da Lotus, a Tesla
se tornou responsável por encontrar novas fontes para centenas de
componentes, dos painéis de fibra de carbono aos faróis. “Isso estava
deixando o pessoal da Lotus louco”, diz Musk. “Eles me perguntavam por
que eu estava sendo tão duro assim com relação a cada curva desse carro. E
o que eu disse a eles foi: ‘Porque tem que ficar lindo.’”

Conseguindo mais capital


As modificações de Musk podem ter deixado o carro mais bonito, mas
também torraram as reservas da empresa. Além disso, ele insistiu que
Eberhard contratasse mais pessoas para que a empresa pudesse crescer mais
depressa. Em maio de 2006, ela contava com setenta funcionários e
precisava de mais uma rodada de financiamento dos investidores.
Tarpenning estava agindo como diretor financeiro da empresa, apesar de
ser versado em software, não em finanças. Coube a ele a tarefa nada
invejável de dizer a Musk em uma reunião do conselho que eles estavam
ficando sem dinheiro. “Isso aconteceu antes do planejado, principalmente
porque fizemos todas essas contratações em que o Musk insistiu”, relembra
Tarpenning. “Elon perdeu completamente a compostura.”
Durante o chilique de Elon, Kimbal, que integrava o conselho, pegou
uma pasta e olhou as apresentações de orçamento das cinco reuniões
anteriores. “Elon”, interferiu ele calmamente, “se você tirar o custo de seis
novas contratações que insistiu em fazer, eles estão dentro do planejado”.
Musk parou, olhou para as planilhas e concordou. “Ok”, disse, “acho que
temos que ver como conseguimos levantar mais investimentos”. Tarpenning
conta que sentiu vontade de abraçar Kimbal.
Naquela época, havia no Vale do Silício um grupo muito unido e festeiro
de jovens empreendedores e programadores que tinham ficado milionários
com startups, e Musk havia se tornado uma das estrelas desse grupo. Ele
tinha chamado alguns amigos para investir, entre os quais Antonio Gracias,
Sergey Brin, Larry Page, Jeff Skoll, Nick Pritzker e Steve Jurvetson. No
entanto, os membros do conselho incentivaram-no a ampliar a rede e tentar
pedir financiamento em uma grande empresa de capital de risco, do tipo que
adornava a Sand Hill Road, em Palo Alto. Além de dinheiro, isso também
daria legitimidade à Tesla.
Primeiro ele abordou a Sequoia Capital, que havia se tornado a rainha do
Vale do Silício por estar entre os primeiros investidores de Atari, Apple e
Google. A empresa era comandada por Michael Moritz, o irônico e literato
ex-jornalista galês que ajudou a orientar Musk e iel no processo
tumultuado da PayPal. Musk o levou para passear em um protótipo
simulado da Lotus. “Foi um passeio absolutamente assustador com Elon ao
volante neste carro minúsculo sem suspensão, que ia de zero a cem em
menos tempo do que você leva para piscar”, diz Moritz. “Dá para ser mais
assustador?” Depois que se recuperou, Moritz ligou para Musk e disse que
não iria investir. “Eu realmente gostei do passeio, mas não vamos competir

É
com a Toyota”, disse. “É uma missão impossível.” Anos depois, Moritz
admitiu: “Eu não levei em consideração a determinação do Elon.”
Em vez disso, Musk se voltou para a VantagePoint Capital, comandada
por Alan Salzman e Jim Marver. Eles se tornaram os principais investidores,
com uma rodada de financiamento de 40 milhões de dólares que terminou
em maio de 2006. “A dualidade na gestão com Eberhard e Musk me
preocupava”, lembra Salzman, “mas percebi que era essa a natureza dessa
criatura”.
A dualidade não estava evidente na nota para a imprensa que anunciou a
rodada de financiamento, que Musk só viu depois de publicada. O texto não
listava Musk como um dos fundadores da empresa. “A Tesla Motors foi
fundada em junho de 2003 por Martin Eberhard e Marc Tarpenning”,
dizia. Havia uma citação de Eberhard na qual ele agradecia educadamente a
Musk pelo investimento. “Estamos orgulhosos pela confiança contínua do
sr. Musk na Tesla Motors, expressa por sua participação intensa em todas as
rodadas de financiamento e sua liderança no conselho diretor.”

Reconhecimento de mérito
Musk, que havia insistido para permanecer como porta-voz da PayPal
mesmo depois de ser removido do cargo de CEO, tinha uma atração pela
publicidade. Ele nunca se tornaria garoto-propaganda de seus produtos,
como um Lee Iacocca ou um Richard Branson, nem era uma mariposa
atraída para entrevistas de televisão. Ele aparecia ocasionalmente em
conferências e posava para fotos em revistas, mas se sentia mais cômodo
descarregando posts no Twitter ou participando de um podcast. Mestre dos
memes, ele tinha um bom instinto para atrair publicidade gratuita ao flertar
com controvérsias e brigar nas redes sociais, embora remoesse ofensas por
anos.
Algo constante era a sua sensibilidade com relação ao reconhecimento de
seus méritos. O sangue dele fervia se alguém insinuasse que ele havia se
dado bem porque herdara riqueza ou alegasse que ele não merecia ser
chamado de fundador de uma das empresas que ajudara a fundar. Foi o que
aconteceu com a PayPal e estava acontecendo naquele momento com a
Tesla, e em ambos os casos isso levaria a processos judiciais.
Em 2006, Eberhard havia se tornado uma espécie de celebridade, o que o
agradava. Nas frequentes entrevistas para a televisão e nas participações em
conferências, ele era apresentado como fundador da Tesla, e naquele ano
apareceu em uma propaganda para o assistente digital pessoal chamado
BlackBerry (um precursor do smartphone), a qual dizia que ele “criou o
primeiro carro esporte elétrico”.
Depois da nota para a imprensa sobre a rodada de investimentos na Tesla
em maio, que citava apenas Eberhard e Tarpenning como fundadores da
empresa, Musk atuou vigorosamente para garantir que seu papel nunca mais
fosse minimizado. Sem avisar a chefe de relações públicas da empresa,
Jessica Switzer, contratada por Eberhard, ele começou a conceder
entrevistas. Ela achava problemático que Musk estivesse dando declarações
sobre a estratégia da empresa. “Por que Elon está dando essas entrevistas?”,
perguntou Switzer um dia a Eberhard quando estavam andando de carro.
“Você é o CEO.”
“Ele quer dar as entrevistas”, respondeu Eberhard, “e eu não quero
discutir com ele”.

A revelação
O problema chegou a um ponto crítico em julho de 2006, quando a Tesla
estava pronta para revelar um protótipo do Roadster. A equipe havia feito
manualmente um preto e um vermelho, cada um com capacidade de acelerar
de zero a cem em quatro segundos. Eles ainda não tinham substituído os
assentos estreitos e o painel feio que Musk odiava, mas, fora isso, estavam
muito perto daquilo que a Tesla planejava colocar em produção.
Um elemento importante no lançamento de um novo produto, como
mostrou Steve Jobs com seus dramáticos eventos de anúncios, é criar um
ambiente que o transforma em objeto de desejo. Isso era especialmente
verdadeiro no caso dos carros elétricos, que precisavam superar a imagem de
carrinho de golfe. Switzer elaborou planos para fazer uma festa cheia de
celebridades no aeroporto de Santa Mônica, na qual os convidados
poderiam passear em um protótipo.
Eberhard e Switzer voaram a Los Angeles para mostrar a Musk os
planos. “Foi horrível”, lembra-se ela. “Ele questionou cada detalhe, inclusive
quanto planejávamos gastar com comida. Quando reagi, o corpo inteiro dele
se retraiu, ele se levantou e saiu da sala.” Como Eberhard resume: “Ele
detonou todas as ideias dela e me disse para demiti-la.”
Musk assumiu o planejamento do evento. Supervisionou a lista de
convidados, escolheu o cardápio e até mesmo aprovou o custo e o design dos
guardanapos. Um punhado de celebridades apareceu, entre elas o
governador da Califórnia, Arnold Schwarzenegger, que foi levado para um
test drive com Straubel.
Tanto Eberhard quanto Musk falaram. “Existem carros rápidos e existem
carros elétricos, mas ter um carro que seja ambas as coisas é o modo de
tornar o carro elétrico popular”, declarou Eberhard em seu tom confiante e
educado. Musk estava estranho, e mostrou a tendência que tinha de repetir
palavras de modo inseguro ou gaguejar um pouco. Contudo, essa falta de
jeito encantou os repórteres. “Até hoje todos os carros elétricos eram ruins”,
disse ele. Comprar um Roadster, afirmou, iria ajudar a financiar a Tesla para
que ela pudesse produzir carros elétricos e lançá-los no mercado de massa.
“Os executivos da Tesla não recebem salários altos e não estamos
distribuindo dividendos. O dinheiro vai totalmente para o desenvolvimento
de uma tecnologia cuja finalidade será a de reduzir custos e tornar os carros
mais acessíveis.”
O evento recebeu uma cobertura positiva. “Este não é o carro elétrico do
seu pai”, elogiou o e Washington Post. “O carro de 100 mil dólares, com
seu visual de carro esporte, é mais uma Ferrari do que um Prius — e mais
testosterona do que natureba.”
No entanto, havia um problema. Eberhard levou quase todo o crédito.
“Ele se propôs a criar uma máquina elegante, alimentada por baterias”, disse
a Wired, desmanchando-se em elogios a ele numa matéria luxuosamente
ilustrada. “Depois de ler as biografias de John DeLorean e Preston Tucker e
de dizer para si mesmo que lançar uma empresa automotiva era loucura, ele
fez exatamente isso.” Musk era citado como um simples investidor que
Eberhard havia conseguido atrair.
Musk enviou um e-mail incisivo para o vice-presidente da Tesla, que
havia tido a infelicidade de assumir o setor de publicidade depois da
demissão de Switzer. “A maneira como meu papel tem sido retratado até
hoje, sendo citado apenas como ‘um investidor inicial’, é inaceitável”,
escreveu ele. “Seria como chamar Martin de ‘um dos primeiros
funcionários’. Minha influência no carro vai dos faróis ao design da soleira
do porta-malas, e meu intenso interesse no transporte elétrico antecede a
Tesla em mais de uma década. Martin deveria ser certamente o homem
principal, mas a descrição do meu papel até agora tem sido
inacreditavelmente ofensiva.” Ele acrescentou que “gostaria de conversar
com todas as principais publicações em breve”.
No dia seguinte, o e New York Times escreveu um hino à Tesla
chamado “Zero a cem em quatro segundos”, em que Musk nem era
mencionado. Pior ainda: Eberhard era descrito como presidente da Tesla, e
a única foto era a dele com Tarpenning. “Fiquei inacreditavelmente
ofendido e constrangido pelo artigo do NY Times”, escreveu Musk a
Eberhard e à empresa de relações públicas, PCGC, que eles haviam
contratado. “Se algo assim acontecer novamente, por favor considere a
relação da PCGC com a Tesla encerrada imediatamente.”
Em um esforço para reforçar seu papel central, Musk publicou no site da
Tesla um pequeno ensaio que detalhava a estratégia da empresa.
Atrevidamente intitulado “O plano secreto da Tesla Motors (só entre nós)”,
o texto declarava:

O propósito abrangente da Tesla Motors (e a razão pela qual estou


financiando a empresa) é ajudar a acelerar a mudança de uma economia
de exploração e queima de hidrocarbonetos para uma economia solar...
Para que isso seja possível, é fundamental que exista um carro elétrico em
que não foram feitas quaisquer concessões, razão pela qual o Tesla
Roadster foi desenvolvido para vencer carros esporte a gasolina, como o
Porsche ou a Ferrari, num confronto tête-à-tête... Alguns podem
questionar se isso realmente faz bem ao mundo. Precisamos de verdade
de outro carro esporte de alto desempenho? Vai realmente fazer a
diferença para as emissões de carbono globais? Bem, as respostas são não
e não muito. No entanto, não é isso o que importa, a menos que você
entenda o plano secreto ao qual aludimos. Quase toda nova tecnologia
inicialmente tem um custo alto por unidade antes de ser otimizada, e isso
vale para os carros elétricos. A estratégia da Tesla é entrar no nicho de
alta qualidade do mercado, no qual os clientes estão dispostos a pagar por
um produto premium, e, em seguida, ampliar o mercado o mais rápido
possível para aumentar o volume unitário e abaixar os preços com cada
modelo sucessivo.

Musk também chegou mais perto da fama ao fazer um tour pela fábrica
da SpaceX com o ator Robert Downey Jr. e o diretor Jon Favreau, que
estavam filmando Homem de Ferro. Musk se tornou um modelo para o
personagem principal, Tony Stark, um industrial célebre e engenheiro capaz
de se transformar em um homem de ferro com uma armadura mecanizada
desenvolvida por ele mesmo. “Minha mente não se impressiona facilmente,
mas esse lugar e esse cara são incríveis”, disse Downey posteriormente. Ele
pediu que um Tesla Roadster fosse colocado no cenário do filme que
mostrava a oficina de Stark. Musk depois fez uma aparição como ele mesmo
em Homem de Ferro 2.

***

O protótipo do Roadster revelado em 2006 atingiu o primeiro objetivo que


Musk havia resumido: acabar com a ilusão de que carros elétricos eram
destinados a serem versões quadradas de um carrinho de golfe. O
governador Schwarzenegger fez um depósito de 100 mil dólares para
comprar um, assim como o ator George Clooney. O vizinho de Musk em
Los Angeles, Joe Francis, que produzia a série de televisão Girls Gone Wild,
mandou um carro-forte com um depósito de 100 mil dólares em espécie.
Steve Jobs, que amava carros, mostrou uma foto de um Roadster para um
membro do seu conselho, Mickey Drexler, então CEO da J. Crew. “A
beleza jaz em criar uma obra de engenharia boa assim”, disse Jobs.
A GM havia recentemente encerrado sua versão ruim de um carro
elétrico, o EV1, e o cineasta Chris Paine havia lançado um documentário
contundente chamado Quem matou o carro elétrico?. Naquele momento,
Musk, Eberhard e a equipe destemida da Tesla estavam prontos para reviver
o futuro.
Certa noite, Eberhard estava dirigindo seu Roadster pelo Vale do Silício
quando um rapaz em um Audi superequipado parou ao lado dele em um
sinal e acelerou o carro a fim de desafiá-lo para uma corrida. Quando as
luzes ficaram verdes, Eberhard o deixou comendo poeira. A mesma coisa
aconteceu nos dois sinais seguintes. O rapaz, por fim, abaixou o vidro do
carro e perguntou a Eberhard o que ele estava dirigindo. “É elétrico”, falou
Eberhard. “Não tem como você ganhar.”
capítulo 22
Kwaj
SpaceX, 2005-2006

Hans Koenigsmann e a ilha Omelek no atol Kwajalein


Ardil-22
Musk havia planejado lançar os foguetes da SpaceX de um dos locais mais
convenientes possíveis: a Base Aérea Vandenberg, uma instalação de
quatrocentos quilômetros quadrados na costa da Califórnia, perto de Santa
Bárbara. Os foguetes e equipamentos poderiam ser facilmente transportados
para lá da sede da SpaceX e da fábrica em Los Angeles, cerca de 260
quilômetros ao sul.
O problema é que a base era administrada pela Força Aérea, que tratava
regras e exigências como coisas sagradas. Isso não caía bem com Musk, que
estava incentivando uma cultura baseada em questionar cada regra e
presumir que cada exigência era idiota até que se provasse o contrário. “A
Força Aérea e nós formávamos uma péssima dupla”, diz Hans
Koenigsmann, na época engenheiro-chefe de lançamento da SpaceX. “Eles
tinham algumas exigências das quais Elon e eu ríamos a ponto de perder o
fôlego.” Depois de um momento de reflexão, acrescenta: “Eles
provavelmente também riam da gente do mesmo jeito.”
Para piorar as coisas, Vandenberg estava reservada para o lançamento de
um satélite espião supersecreto de 1 bilhão de dólares. Na primavera de
2005, bem quando o Falcon 1, da SpaceX, estava quase pronto, a Força
Aérea decretou que a SpaceX não poderia usar a plataforma até que o
satélite fosse lançado em segurança, e eles não tinham como informar —
nem fazer uma previsão — quando isso iria acontecer.
Não havia ninguém cobrindo as despesas da SpaceX. Não havia um
contrato com compensação, e ela só era paga quando lançava foguetes ou
entregava certas partes de um projeto. A Lockheed, por sua vez, lucrava
sempre que havia um atraso. Depois de uma conferência com os burocratas
da Força Aérea em maio de 2005, durante a qual Musk percebeu que a
SpaceX não teria permissão para lançar o foguete tão cedo, Musk ligou para
Tim Buzza e disse a ele que começasse a fazer as malas. Eles iriam
transportar o foguete para outro lugar.
Felizmente, eles tinham um lugar disponível. Infelizmente, era tão
inconveniente quanto Vandenberg era conveniente.
***

Gwynne Shotwell havia fechado para a SpaceX, em 2004, por 6 milhões de


dólares, um acordo para lançar um satélite de comunicação para a Malásia.
O problema era que o satélite era tão pesado que tinha que ser lançado perto
da linha do equador, onde a rotação mais rápida da superfície da Terra
poderia dar o impulso adicional necessário.
Shotwell convidou Koenigsmann para a baia dela na SpaceX, abriu um
mapa-múndi e passou o dedo ao longo da linha do equador. Até o meio do
Pacífico, não havia nada: as Ilhas Marshall ficavam a cerca de 7 mil
quilômetros de Los Angeles. Era quase na Linha Internacional de Data,
mas não era perto de mais nada. As Ilhas Marshall, que haviam sido
território norte-americano usado como área de testes para armas nucleares e
mísseis, se tornaram uma república independente, mas continuaram
alinhadas com os Estados Unidos, que mantinham bases militares lá. Uma
delas ficava numa cadeia de ilhotas de coral e areia conhecidas como atol
Kwajalein.
A ilha Kwajalein, conhecida como Kwaj, é a maior do atol. É sede de
uma base militar com instalações hoteleiras em decadência que parecem
dormitórios e uma pista que tenta se apresentar como aeroporto. Três dias
por semana, há um voo vindo de Honolulu. Considerando as conexões, leva
quase vinte horas para ir de Los Angeles até Kwaj.
Quando Shotwell pesquisou Kwaj, descobriu que as instalações eram
administradas pelo Comando de Espaço e Mísseis de Defesa do Exército,
com sede em Huntsville, no Alabama. A pessoa responsável se chamava
major Tim Mango, um nome que fez Musk rir. “Parece algo saído de Ardil-
22”, diz. “Uma pessoa no Pentágono decide escolher alguém chamado major
Mango para comandar uma base numa ilha tropical.”
Musk ligou do nada para Mango e explicou que era um dos fundadores
da PayPal e tinha entrado no negócio de lançamento de foguetes. Mango
ouviu por alguns minutos e desligou. “Achei que fosse um maluco”, contou
Mango para Eric Berger, do site Ars Technica. Mango então pesquisou
Musk no Google, viu uma foto dele ao lado da McLaren de 1 milhão de
dólares, leu que ele havia fundado uma empresa chamada SpaceX e
percebeu que não se tratava de um doido. Navegando pelo site da SpaceX
Mango encontrou o número de telefone da empresa e ligou. A mesma
pessoa com um fraco sotaque sul-africano atendeu. “Ei, você não acabou de
desligar o telefone na minha cara?”, perguntou Musk.
Mango concordou em visitar Musk em Los Angeles. Depois de
conversarem por um tempo na baia dele, Musk convidou Mango para jantar
num bom restaurante. Mango consultou o escritório de ética do governo, o
qual disse que ele teria que pagar sua parte da conta, de modo que eles
foram jantar no Applebee’s. Musk e algumas pessoas de sua equipe
retribuíram a visita voando um mês depois até Huntsville para se encontrar
com Mango e a equipe dele. Dessa vez comeram melhor, num restaurante
local de beira de estrada que servia bagre frito inteiro, inclusive a cabeça.
Musk comeu um, junto com bolinhos hush puppy. Ele queria fechar negócio.
O major Mango também. Sua base na Kwaj, como muitas instalações do
gênero, tinha que fechar contratos comerciais para cobrir metade dos custos.
“Então o major Mango estava estendendo o tapete vermelho para nós, ao
passo que a Força Aérea nos ignorava em Vandenberg”, diz Musk. No voo
de Huntsville, Musk disse para a equipe: “Vamos para Kwaj.” Semanas
depois, eles foram no avião de Musk até o atol remoto, fizeram uma visita
em um helicóptero sem portas Huey e decidiram mudar a base de
lançamento para lá.

Este lado do paraíso


Anos depois, Musk admitiria que se mudar para Kwaj foi um erro. Ele
deveria ter esperado até que Vandenberg vagasse. Mas isso teria exigido
paciência, uma virtude que ele desconhece. “Eu não percebi o tamanho da
encrenca com a qual teríamos que lidar, que envolvia a logística e a maresia”,
diz. “De vez em quando a gente dá um tiro no próprio pé. Se você quisesse
escolher um caminho que reduzisse a probabilidade de sucesso, lançar de
uma ilha tropical inacessível seria a escolha ideal.” Em seguida, ele ri. Uma
vez que as feridas sararam, ele consegue ver que Kwaj foi uma aventura
memorável. Como explica seu engenheiro-chefe de lançamento,
Koenigsmann: “Aqueles quatro anos em Kwaj foram formadores, nos
uniram e nos ensinaram a trabalhar em equipe.”
Um grupo essencial de engenheiros da SpaceX se mudou para as
instalações na ilha Kwajalein. A estação de lançamento em si ficava a trinta
quilômetros de distância, numa ilha ainda menor no atol, conhecida como
Omelek. Com duzentos metros de largura e inabitada, ela era acessível
apenas por catamarã cuja viagem durava 45 minutos e podia causar
queimaduras de pele mesmo que fosse bem cedo e a pessoa estivesse de
camiseta. Lá a equipe da SpaceX instalou um trailer enorme que fazia as
vezes de escritório e concretou a base de lançamento.
Depois de poucos meses, algumas pessoas da equipe decidiram que era
mais fácil dormir em Omelek do que atravessar a lagoa toda manhã e toda
noite. O trailer foi mobiliado com colchões, um pequeno refrigerador e uma
grelha na qual um engenheiro turco jovial e de cavanhaque da SpaceX
chamado Blent Altan aprimorou uma maneira de cozinhar goulash de carne
moída e iogurte. A atmosfera era uma mistura de A ilha dos birutas e
Survivor, mas com uma estação de foguete. Cada vez que um novato
passava a noite ali, recebia uma camiseta estampada com o mantra ,
, .
Por insistência de Musk, os membros da equipe encontraram maneiras
de economizar dinheiro. Em vez de pavimentar o caminho de 140 metros
entre o hangar e a plataforma de lançamento, montaram um suporte sobre
rodas para transportar o foguete e colocaram pedaços de madeira
compensada no chão. Feito isso, rolavam o foguete alguns metros, e moviam
a madeira para facilitar o caminho nos próximos metros.
Quão mambembe e diferente era a equipe de Kwaj em comparação com
a da Boeing? No início de 2006, eles planejaram realizar um teste de fogo
estático, em que os motores são acionados brevemente enquanto o foguete
permanece preso à plataforma de lançamento. Entretanto, quando
começaram o teste, descobriram que o segundo estágio não estava
recebendo energia elétrica suficiente. No fim das contas, as caixas de força
desenvolvidas por Altan, o engenheiro que cozinhava goulash, tinham
capacitores que não conseguiam lidar com a voltagem aumentada que a
equipe de lançamento havia decidido usar. Altan ficou apavorado porque o
período que o Exército dera para eles terminarem o teste estático ia se
encerrar dali a quatro dias. Ele correu para bolar uma solução.
Os capacitores estavam à disposição no armazém em Minnesota. Um
estagiário no Texas foi enviado para lá. Enquanto isso, Altan removeu as
caixas de força do foguete em Omelek e entrou num barco rumo a Kwaj,
dormiu num pedaço de concreto do lado de fora do aeroporto esperando por
um voo logo cedo para Honolulu e em seguida pegou a conexão para Los
Angeles, onde foi recebido pela esposa, que o levou à sede da SpaceX. Lá,
ele encontrou o estagiário que havia chegado de Minnesota com os novos
capacitores. Ele os substituiu nas caixas de força defeituosas e correu até em
casa para mudar de roupa durante as duas horas que duraram os testes das
caixas. Então, ele e Musk entraram no avião do próprio Musk para voar de
volta até Kwaj, e levaram o estagiário junto como recompensa. Altan
esperava conseguir dormir no avião — ele passara a maior parte das últimas
quarenta horas acordado —, mas Musk o encheu de perguntas sobre cada
detalhe do circuito. Um helicóptero os levou da pista de pouso em Kwaj
para Omelek, onde Altan colocou as caixas consertadas no foguete. Elas
funcionaram. O teste de três segundos de fogo estático foi um sucesso, e a
primeira tentativa completa de lançamento do Falcon 1 ficou agendada para
algumas semanas depois.
capítulo 23
Duas falhas
Kwaj, 2006-2007

Bülent Altan preparando goulash; Hans Koenigsmann, Chris ompson e Anne


Chinnery no Kwajalein
A primeira tentativa de lançamento
“Quer andar de bicicleta?”, perguntou Kimbal ao irmão quando eles
acordaram às seis da manhã. Eles haviam chegado a Kwaj para o dia do
lançamento — 24 de março de 2006 —, quando Elon esperava que o
foguete Falcon 1, com o qual havia sonhado anos antes, entrasse para a
história.
“Não, preciso ir ao centro de controle”, respondeu Elon.
Kimbal insistiu. “O lançamento é só mais tarde. Vamos dar um passeio.
Vai aliviar o estresse.”
Elon cedeu, e eles pedalaram num ritmo intenso até uma ribanceira de
onde podiam ver o nascer do sol. Lá, Elon ficou em silêncio por muito
tempo, olhando ao longe, antes de seguir para a sala de controle. Vestindo
short e uma camiseta preta, ele andava entre as mesas de madeira padrão
governamental. Quando fica estressado, Musk frequentemente se abriga no
futuro. Ele surpreende seus engenheiros, que estão concentrados em algum
acontecimento imediato, e os enche de perguntas sobre os detalhes de coisas
que estão a anos-luz de distância: planos para pousar em Marte, táxis
robóticos sem volantes, chips implantados no cérebro que podem se
conectar a computadores. Na Tesla, durante as crises enfrentadas na
produção do Roadster, ele começava a questionar a equipe sobre a situação
de peças para o próximo carro que estava planejando.
Naquele momento, em Kwaj, quando a contagem regressiva para o
primeiro lançamento do Falcon 1 chegou à hora final, Musk começou a
perguntar a seus engenheiros sobre componentes necessários para o Falcon
5, o próximo foguete que teria cinco motores Merlin. Ele perguntou a Chris
ompson, que estava sentado junto ao console supervisionando a
contagem regressiva, atribulado, se eles tinham encomendado um novo tipo
de liga de alumínio para os tanques de combustível. Quando ompson, um
dos primeiros engenheiros da SpaceX, disse que não, Musk ficou irritado.
“Estávamos bem no meio de uma contagem regressiva e ele queria ter essa
conversa profunda, agressiva, sobre materiais”, disse ompson para Eric
Berger depois. “Fiquei absolutamente estupefato porque ele parecia não
perceber que estávamos tentando lançar um foguete e o chefe de
lançamento era eu, que estava basicamente encarregado de acionar cada
comando a ser executado. Isso me surpreendeu.”
Somente no momento do lançamento Musk pareceu se concentrar de
novo no presente. Enquanto o Falcon 1 saía da plataforma e os engenheiros
na sala de controle comemoravam, Musk olhava fixamente para a
transmissão de vídeo de uma câmera do segundo estágio do foguete que
apontava para baixo. Vinte segundos depois, ela mostrava uma praia
intocada e a água turquesa de Omelek a distância. “Lançou!”, comemorou
Kimbal. “Lançou de verdade!”
Então, após mais cinco segundos, Tom Mueller, que acompanhava os
dados que chegavam, notou um problema. “Merda”, falou. “Estamos
perdendo impulso.” Koenigsmann viu chamas saindo da parte de fora do
motor. “Merda”, esbravejou, ecoando Mueller. “Tem um incêndio, um
vazamento.”
Por um momento, Musk teve a esperança de que o foguete fosse subir o
suficiente para que a falta de oxigênio na atmosfera apagasse as chamas. Em
vez disso, ele começou a cair. Na transmissão de vídeo, Omelek começou a
se aproximar. Então, o vídeo ficou em branco. Destroços em chamas caíram
no oceano. “Meu estômago se contorceu”, diz Musk. Uma hora depois, ele e
a equipe principal — Mueller, Koenigsmann, Buzza e ompson — se
apertaram em um helicóptero do Exército para inspecionar os escombros.
Naquela noite, toda a equipe se reuniu em um bar ao ar livre em Kwaj e
bebeu cerveja em silêncio. Alguns engenheiros choraram. Musk meditou em
silêncio, o rosto duro como pedra e o olhar distante. Então ele falou, muito
calmamente. “Quando começamos, todos sabíamos que poderíamos
fracassar na primeira missão”, relembrou. “Mas vamos construir outro
foguete e tentar de novo.”
Musk e o restante da equipe da SpaceX se juntaram a voluntários da
região no dia seguinte enquanto andavam pela praia em Omelek e partiam
em pequenos barcos para coletar fragmentos. “Colocamos os pedaços num
hangar e montamos para tentar descobrir o que tinha dado errado”, conta
Koenigsmann. Kimbal, um apaixonado por gastronomia que estudou para
ser chef depois que a Zip2 foi vendida, tentou animar todo mundo naquela
noite cozinhando uma refeição ao ar livre que incluía um cozido de carne,
feijão-branco enlatado e tomate, com salada e pão, tomate, alho e anchovas.
Enquanto Musk e seus principais engenheiros voavam no avião dele de
volta a Los Angeles, eles estudaram o vídeo. Mueller indicou o momento
em que as chamas surgiram no motor Merlin. A causa claramente fora um
vazamento de combustível. Musk então explodiu com Mueller. “Sabe
quanta gente me disse para te demitir?”
“Por que você não me demite?”, rebateu Mueller.
“Eu não demiti, não é, caralho?”, retrucou Musk. “Você ainda está aqui,
porra.” Depois, para aliviar a tensão, Musk pôs um excêntrico filme de ação
satírica, Team America: Detonando o mundo. Como frequentemente
acontecia com ele, as trevas davam lugar à comédia-pastelão.
Mais tarde, Musk postou uma declaração. “A SpaceX está nessa até o
fim”, escreveu. “Independentemente dos desafios, vamos fazer isso dar
certo.”

***

Musk tinha uma regra sobre responsabilidade: cada peça, cada processo e
cada especificação precisam vir atrelados a um nome. Ele pode ser rápido
em encontrar um culpado quando algo dá errado. No caso do fracasso no
lançamento, ficou evidente que o vazamento viera de uma porca que
segurava o tubo de combustível. Musk apontou o dedo para um engenheiro
chamado Jeremy Hollman, uma das primeiras contratações de Tom
Mueller, que, na noite anterior ao lançamento, havia removido e recolocado
a porca para ter acesso a uma válvula. Em um simpósio público dias depois,
Musk descreveu o erro de “um dos nossos mais experientes técnicos”, e os
que estavam a par sabiam que ele estava se referindo a Hollman.
Hollman tinha ficado duas semanas a mais em Kwaj para avaliar os
destroços. No voo de Honolulu para Los Angeles, ele estava lendo
reportagens sobre o lançamento fracassado e ficou chocado ao saber que
Musk colocara a culpa nele. Assim que aterrissou, dirigiu por três
quilômetros até a sede da SpaceX e invadiu a baia de Musk. Os dois
começaram a gritar, e Shotwell e Mueller foram acalmar os ânimos.
Hollman queria que a empresa fizesse uma retratação pela declaração de
Musk, e Mueller fez pressão para ser autorizado a fazer isso. “Eu sou o
CEO”, falou Musk. “Sou eu que lido com a imprensa; fique fora disso.”
Hollman disse a Mueller que só ficaria na empresa se nunca mais tivesse
que lidar diretamente com Musk. Ele deixou a SpaceX um ano depois.
Musk diz que não se lembra da situação, mas acrescenta que Hollman não
era um bom engenheiro. Mueller discorda. “Perdemos um cara bom.”
No fim das contas, não foi culpa de Hollman. Quando o tubo de
combustível foi encontrado, parte da porca ainda estava conectada, mas
havia sido corroída e se quebrado ao meio. A culpa era da maresia em Kwaj.

A segunda tentativa
Depois do fracasso do primeiro lançamento, a SpaceX ficou mais cautelosa.
A equipe começou a testar com cuidado e a registrar os detalhes de cada
uma das centenas de componentes do foguete. Pela primeira vez, Musk não
pressionou todo mundo para fazer as coisas em alta velocidade e deixar de
lado o cuidado.
Mesmo assim, ele não tentou eliminar todos os riscos possíveis. Isso
tornaria os foguetes da SpaceX tão caros e demorados quanto os construídos
por empreiteiros com contratos de compensação do governo. Então, Musk
exigiu um gráfico que mostrasse cada componente, o custo dos materiais
brutos, o custo que a SpaceX estava pagando aos fornecedores e o nome do
engenheiro responsável por diminuir esse custo. Em reuniões, ele às vezes
mostrava que sabia esses números melhor do que os engenheiros que faziam
a apresentação, o que não era agradável. As reuniões de revisão podiam ser
brutais, mas os custos caíram.
Tudo isso significava correr riscos calculados. Por exemplo: foi Musk
quem aprovou o uso de alumínio barato e leve para a porca que havia sido
corroída e condenou o primeiro voo do Falcon 1.
Outro exemplo envolvia o que era conhecido como estabilizadores de
combustível. Enquanto o foguete ascende, o combustível remanescente nos
tanques pode balançar. Para evitar isso, anéis rígidos de metal podem ser
colocados na parte de dentro da parede do tanque. Os engenheiros fizeram
isso no primeiro estágio do Falcon 1, mas adicionar massa ao segundo
estágio era mais problemático, porque ele tinha que ser propulsionado até a
órbita.
A equipe de Koenigsmann fez várias simulações de computador para
testar os riscos de o combustível se mover de modo errático. Em apenas uma
pequena porcentagem dos modelos isso parecia ser um problema. Na lista
dos quinze maiores riscos, o número 1 era a possibilidade de que o material
fino que estavam usando na carcaça do foguete dobrasse durante o voo. A
movimentação errática de combustível no segundo estágio ocupou o 11o
lugar. Quando Musk repassou a lista com Koenigsmann e seus engenheiros,
decidiu que aceitaria alguns dos riscos, incluído o da movimentação do
combustível. A probabilidade da maioria desses riscos não podia ser
determinada com simulações. O risco de o combustível se mover teria que
ser testado num voo real.
O teste aconteceu em março de 2017. Como aconteceu um ano antes, o
lançamento começou bem. A contagem chegou a zero, o motor Merlin foi
acionado e o Falcon 1 foi arrastado para o espaço. Dessa vez, Musk estava
assistindo da sala de controle na sede da SpaceX, em Los Angeles. “Sim,
sim! Conseguimos”, gritou Mueller, abraçando-o. À medida que o segundo
estágio se separava como planejado, Musk mordeu o lábio e depois começou
a sorrir.
“Parabéns”, disse Musk. “Vou assistir a esse vídeo por muito tempo.”
Durante cinco minutos inteiros, tempo suficiente para abrir algumas
garrafas de champanhe, houve alegria. Então, Mueller notou algo no vídeo.
O segundo estágio estava começando a balançar. Os dados recebidos
confirmaram seus temores. “Soube na hora que era o combustível se
movendo”, revela.
No vídeo, parecia que a Terra estava girando numa secadora de roupas,
mas era, na realidade, o segundo estágio girando. “Pega! Pega!”, gritou um
engenheiro. Já não havia salvação. Aos onze minutos a transmissão foi
interrompida. O segundo estágio e sua carga estavam caindo de volta na
Terra de uma altura de trezentos quilômetros. O foguete havia atingido o
espaço sideral, mas não conseguiu entrar em órbita. A decisão de aceitar o
11o item na lista de riscos — não ter estabilizadores de combustível — havia
se voltado contra eles. “De agora em diante”, disse Musk para
Koenigsmann, “vamos ter uma lista de riscos de onze itens, nunca só de
dez”.
capítulo 24
A Equipe da SWAT
Tesla, 2006-2008

Antonio Gracias e Tim Watkins


Custos do Roadster
Musk sempre dizia que desenhar um carro é fácil. A parte difícil é fabricá-
lo. Depois que o protótipo do Roadster foi revelado, em julho de 2006, a
parte difícil começou.
A princípio, a meta de custo do Roadster era de cerca de 50 mil dólares.
Contudo, vieram as mudanças de projeto de Musk, além de muitos
problemas para encontrar o sistema de transmissão certo. Em novembro de
2006, o custo havia subido para 83 mil dólares.
Com isso, Musk acabou fazendo algo incomum para um membro do
conselho: viajou à Inglaterra para visitar a Lotus, fornecedora do chassi, sem
contar a Martin Eberhard, o CEO. “Acho essa uma situação bastante
estranha, Elon ter perguntado como a Lotus vê o cronograma de produção”,
escreveu para Eberhard um dos executivos da Lotus.
Musk levou uma bronca na Inglaterra. A equipe da Lotus, que estava
lidando com as rápidas mudanças nas especificações de design da Tesla,
disse que não seria possível começar a produção das carrocerias do Roadster
antes do fim de 2007, ou seja, pelo menos oito meses depois do prazo.
Apresentaram para ele uma lista com mais de oitocentos problemas que
haviam surgido.
Por exemplo: havia um problema com a empresa britânica que a Tesla
contratara para fornecer os painéis de fibra de carbono personalizados, os
para-lamas e as portas. Era sexta-feira, e Musk, impulsivamente, decidiu
visitar o fornecedor. “Caminhei na lama até o prédio, onde vi que os caras
da Lotus estavam certos: a produção das peças não estava funcionando”, diz.
“Era um fracasso total.”
No fim de julho de 2007, a situação financeira piorou. O custo dos
materiais para a primeira rodada de produção estava estimado em 110 mil
dólares por carro, e a previsão era de que a empresa ficaria sem dinheiro em
algumas semanas. Foi quando Musk decidiu chamar a Equipe da SWAT.

Antonio Gracias
Quando Antonio Gracias tinha 12 anos, pediu de Natal um presente que
tinha relação com a Apple. Não era um computador; ele já tinha um dos
primeiros Apple II. Gracias queria ações da empresa. A mãe, que tinha uma
pequena loja de lingerie em Grand Rapids, Michigan, só falava espanhol,
mas conseguiu comprar para ele dez ações por 300 dólares. Ele ainda as
tem. E hoje elas valem cerca de 490 mil dólares.
Um de seus primeiros empreendimentos enquanto era estudante na
Georgetown University foi comprar camisinhas em lotes e enviá-las para
um amigo na Rússia vender. Isso acabou não dando muito certo, e Gracias
ficou com um estoque enorme de camisinhas no quarto. Ele então as
colocou em caixas de fósforos, vendeu anúncios nas caixas e as distribuiu em
bares e fraternidades.
Ele conseguiu um emprego na Goldman Sachs, em Nova York, mas
pediu demissão para ir estudar direito na Universidade de Chicago. A
maioria dos estudantes de direito, especialmente em um lugar como
Chicago, achava a carga de trabalho pesada, mas Gracias estava entediado.
Em seu tempo livre, ele abriu um fundo de investimentos que comprava
pequenas empresas. Uma delas parecia particularmente promissora: uma
empresa da Califórnia que fazia galvanoplastia. No entanto, acabou virando
uma bagunça. Gracias se viu viajando para a Califórnia para tentar consertar
as coisas na fábrica, enquanto um amigo na faculdade de direito chamado
David Sacks fazia anotações para ele nas aulas. (Lembre-se desses nomes,
Antonio Gracias e David Sacks, porque eles vão ressurgir na saga do
Twitter.)
Como Gracias falava espanhol, assim como a maioria dos trabalhadores
da fábrica, foi capaz de aprender com eles quais eram os problemas. “Percebi
que, se você investe numa empresa, deve passar todo o tempo no chão de
fábrica”, afirma. Quando Gracias perguntou como podiam acelerar a
produção, um dos funcionários explicou que ter cubas menores para os
banhos de níquel faria o chapeamento ser mais rápido. Essa e outras ideias
dos trabalhadores deram tão certo que a fábrica começou a lucrar e Gracias,
a comprar mais empresas problemáticas.
Ele aprendeu uma grande lição com esses empreendimentos: “Não é o
produto que leva ao sucesso. É a capacidade de fazer o produto de maneira
eficiente. Trata-se de construir uma máquina que constrói máquinas. Em
outras palavras, como você desenha uma fábrica?” Era um princípio
norteador que Musk adotaria.
Depois da faculdade de direito, David Sacks, juntamente com Musk, se
tornaria um dos cofundadores da PayPal. Gracias era um investidor, e ele e
Musk estavam entre os novos milionários que foram a Las Vegas
comemorar o aniversário de 30 anos de Sacks em maio de 2002.
Seis dos convidados estavam em uma limusine, e um deles, um amigo de
Stanford, vomitou no banco de trás. Quando o motorista deixou-os no
hotel, a maioria resolveu não ficar para ajudá-lo. “Elon e eu olhamos um
para o outro e dissemos: não podemos deixar o coitado do motorista com
vômito no carro”, lembra Gracias. Então, foram com ele até uma loja de
conveniência 7-Eleven, compraram toalhas de papel e produtos de limpeza
e limparam o carro. “Elon tem Asperger”, diz Gracias, “então, às vezes
parece não ter emoções, mas ele realmente se importa”.
Gracias e sua empresa de capital de risco, a Valor Management,
participaram das quatro rodadas de investimentos da Tesla, e em maio de
2007 ele entrou para o conselho. Foi justamente quando Musk estava
descobrindo a profundidade dos problemas de produção com o Roadster, e
então pediu a Gracias que descobrisse o que estava errado. Para ajudá-lo,
Gracias chamou um parceiro excêntrico, um sujeito conhecido como o
mago das fábricas.

Tim Watkins
Depois de colocar nos eixos sua empresa de galvanoplastia, Gracias
comprou algumas empresas parecidas, inclusive uma que tinha uma pequena
fábrica na Suíça. Quando ele voou até lá para inspecioná-la, foi recebido no
aeroporto por um engenheiro robótico britânico chamado Tim Watkins, de
rabo de cavalo, camiseta preta, calça jeans preta e uma pochete preta.
Sempre que era mandado para algum lugar novo, ele ia até uma loja de
departamentos local e comprava dez camisetas e calças, as quais ia
descartando como pele de lagarto durante sua estadia.
Depois de um jantar descontraído, Watkins sugeriu que fossem visitar a
fábrica. Gracias sabia que eles não tinham autorização para ter um turno
noturno, então ficou preocupado quando Watkins e o gerente da fábrica o
levaram até um beco num bairro industrial. “Achei por um momento que
iam me assaltar”, confessa Gracias. Watkins, que gostava de certo drama,
abriu a porta dos fundos. As luzes estavam apagadas, tudo às escuras, mas
havia sons de máquinas de estampar de alta velocidade funcionando.
Quando Watkins acendeu as luzes, Gracias percebeu que estavam
zumbindo por conta própria, sem funcionários por perto.
As leis suíças determinavam que os funcionários não trabalhassem mais
de dezesseis horas por dia. Então, Watkins instituiu uma escala de dois
turnos de oito horas separados por períodos de quatro horas, momentos em
que as máquinas funcionariam sozinhas. Ele havia elaborado uma fórmula
que previa quando cada parte do processo precisaria de intervenção humana.
“Podíamos conseguir 24 horas de produção por dezesseis horas de trabalho
por dia”, afirma ele. Gracias tornou Watkins sócio da sua empresa; eles se
tornaram almas gêmeas, e até ficaram no mesmo quarto enquanto
desenvolviam uma visão compartilhada de como investir em novas empresas
e torná-las mais eficientes. E foi isso que foram fazer na Tesla em 2007, a
pedido de Musk.

O problema da cadeia de suprimentos


A primeira tarefa era lidar com o problema que envolvia o fornecedor
britânico dos painéis de fibra de carbono, para-lamas e portas. Após Musk
visitar a empresa, houve discussões acaloradas com os gestores. Meses
depois, eles ligaram e avisaram que iam desistir. Não conseguiam lidar com
as exigências de Musk, e por isso estavam cancelando o contrato.
Assim que recebeu a notícia, Musk ligou para Watkins em Chicago.
“Estou entrando no meu avião, vou te buscar em Chicago e vamos arrumar
isso”, disse. Na Inglaterra, eles colocaram parte do maquinário no avião e
voaram para a França, onde outra empresa, a Sotira Composites, havia
concordado em assumir o contrato. Musk estava preocupado que os
trabalhadores na França não fossem tão dedicados quanto ele, então fez um
discurso para os funcionários da empresa. “Por favor, não façam greve ou
saiam de férias agora, ou a Tesla vai morrer”, implorou. Depois de um jantar
num castelo no Vale do Loire, foi embora deixando Watkins com a
incumbência de ensinar os franceses a trabalhar com fibra de carbono e a
tornar as linhas de produção mais eficientes.
O problema com os painéis levou Musk a se preocupar com outras partes
da cadeia de suprimentos, e ele pediu a Watkins que trabalhasse em todo o
sistema. O que ele encontrou era um pesadelo. O processo começava no
Japão, onde as células para as baterias de íon de lítio eram fabricadas.
Setenta dessas células eram unidas para formar tijolos, que eram enviados
para uma fábrica improvisada na selva da Tailândia que já havia fabricado
churrasqueiras. Lá, elas eram montadas em baterias com uma rede de tubos
como mecanismo de resfriamento. Essas baterias não podiam ser levadas de
avião, de modo que eram despachadas de barco para a Inglaterra e levadas
até a fábrica da Lotus, onde eram montadas nos chassis do Roadster. Os
painéis da carroceria vinham do novo fornecedor na França. As carrocerias
com as baterias eram enviadas através do Atlântico e do canal do Panamá
para a montadora da Tesla, perto de Palo Alto. Lá, uma equipe era
responsável pela montagem final, incluindo o motor da AC Propulsion e o
trem de força. Quando as células de bateria chegavam aos carros dos
consumidores, haviam viajado por todo o mundo.
Isso não era apenas um pesadelo logístico, era também um problema de
fluxo de caixa. Cada célula começava a jornada custando 1,50 dólar. Com
mão de obra, um conjunto completo de bateria de 9 mil células custava 15
mil dólares. A Tesla tinha que pagar adiantado por elas, mas se passariam
nove meses antes que esses conjuntos dessem a volta ao mundo e pudessem
ser vendidos em forma de carro para consumidores. Outras peças na longa
cadeia de suprimentos queimavam dinheiro da mesma forma. Terceirizar
podia ser uma forma de economizar dinheiro, mas atrapalhava o fluxo de
caixa.
Para agravar o problema, o design do carro, em parte por causa da
intervenção de Musk, havia se tornado complexo demais. “Era um incêndio
em uma lixeira de burrice”, admitiu Musk depois. Os chassis haviam ficado
40% mais pesados, e tiveram que ser redesenhados para receber o conjunto
de baterias, o que invalidou o teste de colisão que a Lotus havia feito. “Em
retrospecto, teria sido muito melhor começar com um design do zero e não
tentar modificar o Lotus Elise”, afirma ele. Quanto ao trem de força, quase
nada da tecnologia da AC Propulsion se mostrou viável para a produção do
carro. “A gente se ferrou muito”, diz Musk.

***

Quando Watkins chegou à sede da Tesla, na Califórnia, para resolver a


confusão com Martin Eberhard, ficou chocado ao descobrir que não havia
lista de materiais para a produção do Roadster. Em outras palavras, não
havia um registro integral de cada parte que compunha o carro e de quanto
a Tesla pagava por cada uma. Eberhard explicou que estava tentando passar
para um sistema SAP a fim de gerenciar tais informações, mas não tinha um
diretor-financeiro para organizar a transição. “Você não pode fabricar um
produto sem uma lista de materiais”, disse Watkins a ele. “Há dezenas de
milhares de componentes em um veículo, e você pode ser comido vivo.”
Ao descobrir os custos reais, Watkins percebeu que as coisas estavam
piores do que as projeções mais pessimistas. Os primeiros Roadsters a sair
da linha de montagem, incluídas as despesas gerais, iriam custar pelo menos
140 mil dólares, e o custo não cairia para menos de 120 mil dólares mesmo
depois que a produção aumentasse. Ainda que eles vendessem o carro a 100
mil dólares, estariam perdendo dinheiro.
Watkins e Gracias apresentaram os resultados ruins para Musk. A cadeia
de fornecedores sugadora de dinheiro e o custo do carro acabariam com
todo o dinheiro da empresa — incluindo os depósitos que haviam sido
feitos por clientes para reservar um Roadster — antes mesmo que eles
começassem a vender o carro em grande escala. “Foi um daqueles
momentos em que a gente pensa Que merda”, diz Watkins.
Gracias chamou Musk de lado depois. “Isso não vai dar certo”, disse.
“Eberhard não está sendo sincero com relação aos números.”
capítulo 25
Assumindo a direção
Tesla, 2007-2008

Martin Eberhard e o Roadster


A destituição de Eberhard
Logo depois que ouviu falar da viagem secreta de Musk à Inglaterra,
Eberhard convidou-o para jantar em Palo Alto. “Vamos começar a procurar
alguém que possa me substituir”, disse. Mais tarde, Musk seria brutal ao
falar sobre ele, mas naquela noite foi compreensivo. “Ninguém pode tirar de
você a importância do que você fez como fundador desta empresa”, disse.
Numa reunião do conselho no dia seguinte, Eberhard descreveu o plano que
traçara para deixar o cargo, e todo mundo o aprovou.
A busca por um sucessor foi lenta, principalmente porque Musk não
estava satisfeito com nenhum dos candidatos. “A quantidade de problemas
da Tesla era tão alta que parecia quase impossível encontrar um CEO
decente”, diz Musk. “É difícil encontrar um comprador para uma casa que
está em chamas.” Em julho de 2007, eles não estavam nem perto de
encontrar um. Foi quando Gracias e Watkins apresentaram o relatório deles,
e o humor de Musk mudou.
Musk convocou uma reunião do conselho da Tesla no início de agosto de
2007. “Qual é a sua melhor estimativa para o custo do carro?”, perguntou
ele a Eberhard. Quando Musk começa o interrogatório dessa maneira, é
provável que não termine bem. Eberhard teve dificuldade para dar uma
resposta precisa, e Musk ficou convencido de que ele estava mentindo. É
uma palavra que ele usa muito, frequentemente com excesso de liberdade.
“Ele mentiu para mim e disse que o custo não seria um problema”, alega
Musk
“Isso é calúnia”, retruca Eberhard quando cito as acusações de Musk. “Eu
não minto para ninguém. Por que eu faria isso? O custo real ia ser revelado
mais tarde.” O tom de voz dele sobe com a raiva, mas há um quê de dor e
tristeza. Ele não consegue entender por que Musk, depois de quinze anos,
insiste tanto em atacá-lo. “Esse é o homem mais rico do mundo batendo em
alguém que não tem como revidar.” Seu parceiro original, Tarpenning,
admite que eles erraram feio o preço, mas defende Eberhard contra a
alegação de Musk de que ele mentiu. “Certamente não foi de propósito”,
afirma Tarpenning. “Estávamos lidando com a informação de preço que
tínhamos. Não estávamos mentindo.”
Alguns dias após a reunião do conselho, Eberhard estava a caminho de
uma conferência em Los Angeles quando o celular tocou. Era Musk, que o
informou de que naquele exato momento ele estava sendo destituído do
cargo de CEO. “Foi como levar uma tijolada na cabeça, uma coisa que eu
jamais teria previsto”, comenta Eberhard, que deveria ter antevisto isso.
Apesar de a busca por um novo CEO ter sido sugestão dele, Eberhard não
esperava ser demitido abruptamente antes que um fosse encontrado. “Eles
tinham se reunido sem mim e votado pela minha saída.”
Ele tentou falar com alguns membros do conselho, mas nenhum atendeu
às ligações. “Era uma decisão unânime do conselho que Martin tinha que
sair, incluídos os membros que Martin havia colocado no conselho”, diz
Musk. Tarpenning saiu logo depois.
Eberhard lançou um pequeno site chamado Tesla Founders Blog, no qual
descarregava suas frustrações com relação a Musk e acusava a empresa de
“tentar arrancar e destruir o que quer que ainda reste do meu coração”.
Membros do conselho pediram que ele abaixasse o tom, o que não
funcionou, então o advogado da Tesla ameaçou retirar dele as ações, e isso
deu certo. Há certas pessoas que parecem demônios na mente de Musk, que
o provocam, desequilibram e estimulam uma raiva fria. O pai dele era o
número 1. Entretanto, de alguma forma estranha, Martin Eberhard, que
não é um nome conhecido, é o segundo. “Me envolver com Eberhard foi o
pior erro que cometi na minha carreira”, assevera Musk.
Musk disparou uma série de ataques contra Eberhard no verão de 2008,
enquanto os problemas de produção da Tesla se acumulavam, e Eberhard
respondeu ameaçando processá-lo por difamação. “Musk decidiu reescrever
a história”, assim começava o processo. Eberhard ainda se irrita com as
acusações de Musk de que mentiu. “Qual é a dele?!”, esbraveja Eberhard. “A
empresa que Marc e eu fundamos o transformou no homem mais rico do
mundo. Isso não é o suficiente?”
Em 2009, eles finalmente chegaram a um acordo difícil no qual
concordavam em não agredir um ao outro, e dali em diante ambos seriam
chamados de cofundadores da Tesla, junto com JB Straubel, Marc
Tarpenning e Ian Wright. Além disso, Eberhard ganhou um Roadster, que
lhe fora prometido. Ambos deram falsas declarações simpáticas um sobre o
outro.
Apesar da cláusula de não agressão, Musk não conseguia se segurar e
explodia de tempos em tempos. Em 2019, ele tuitou: “A Tesla está viva
apesar de Eberhard, mas ele quer créditos constantes e os tolos concedem.”
No ano seguinte, declarou: “Ele é literalmente a pior pessoa com quem já
trabalhei.” E no fim de 2021: “A história de fundação da Tesla como
contada por Eberhard é falsa. Queria nunca tê-lo conhecido.”

Michael Marks e a pergunta cretina


Àquela altura, Musk já deveria ter aprendido que compartilhar poder com
um CEO não era o forte dele. Contudo, ele ainda resistia em se tornar
CEO da Tesla. Dezesseis anos depois, ele seria CEO autoindicado de cinco
grandes empresas, mas em 2007 achava que deveria ser como quase todo
CEO e ficar em uma só empresa — no caso dele, a SpaceX. Então,
procurou um dos investidores da Tesla, Michael Marks, para ser CEO
interino.
Marks havia sido o CEO da Flextronics, uma empresa de serviços de
produção eletrônica que ele transformou numa indústria líder altamente
lucrativa ao usar uma estratégia de que Musk gostava: integração vertical. A
empresa dele tinha controle de ponta a ponta das várias etapas do processo.
A princípio, Musk e Marks se davam bem. Musk, que tinha o hábito
estranho de ser o homem mais rico do mundo a dormir nos sofás alheios,
ficava na casa de Marks quando visitava o Vale do Silício. “Nós tomávamos
um pouco de vinho e ficávamos jogando conversa fora”, diz Marks. Então
Marks cometeu o erro de acreditar que podia arrumar a empresa em vez de
simplesmente atender aos desejos de Musk.
O primeiro confronto aconteceu quando Marks concluiu que a fixação de
Musk por cronogramas sem base na realidade significava que os
suprimentos tinham que ser encomendados e pagos, mesmo que não
houvesse chance de eles serem usados para construir um carro num futuro
próximo. “Por que estamos trazendo todos esses materiais?”, perguntou
Marks em uma de suas primeiras reuniões. O gestor respondeu: “Porque
Elon insiste que vamos começar a entregar carros em janeiro.” O fluxo de
caixa para esses componentes estava esvaziando o caixa da Tesla, então
Marks cancelou a maioria das encomendas.
Marks também resistiu à maneira grosseira como Musk tratava as
pessoas. Naturalmente amigável, Marks era conhecido por seus modos
educados e respeitosos com os colegas, do zelador aos executivos. “Elon não
é uma pessoa agradável e não trata as pessoas bem”, diz Marks, que ficou
chocado por Musk não ter lido a maioria dos romances da esposa, Justine.
Não era só uma questão de delicadeza, pois isso afetava a capacidade de
Musk de detectar os problemas. “Eu disse a ele que as pessoas não dizem a
verdade porque ele as intimida”, conta Marks. “Ele podia ser tirânico e
brutal.”
Marks ainda se questiona se a forma como o cérebro de Musk funciona
— o que ele diz ser Asperger e os traços arraigados de sua personalidade —
pode explicar ou até mesmo justificar parte do comportamento dele. Será
que isso pode até mesmo ser benéfico de certa maneira, quando se trata de
comandar empresas cuja missão é mais importante do que as sensibilidades
individuais? “Musk está no espectro, então acho que ele não tem mesmo
qualquer conexão com as pessoas”, diz Marks.
Musk responde que estar no outro extremo pode ser debilitante para um
líder. Querer ser amigo de todo mundo, disse ele a Marks, faz com que você
se importe mais com as emoções das pessoas na sua frente do que com o
sucesso do empreendimento como um todo — uma abordagem que pode
levar a um número muito maior de pessoas magoadas. “Michael Marks não
demitia ninguém”, afirma Musk. “Eu dizia para ele: ‘Michael, você não
consegue dizer para as pessoas que elas precisam dar conta das coisas’; e aí,
quando as pessoas não conseguiam dar conta das coisas, nada acontecia com
elas.”
Uma diferença de estratégia também surgiu. Marks decidiu que a Tesla
deveria fechar uma parceria com um fabricante de carros experiente para
conseguir dar conta da montagem do Roadster. Isso ia contra um dos
instintos fundamentais de Musk. Ele aspirava a construir fábricas
gigantescas em que a matéria-prima entraria de um lado e carros sairiam do
outro.
Durante as discussões sobre a proposta de Marks de terceirizar a
montagem do Tesla, Musk foi ficando cada vez mais irritado, e ele não tinha
nenhum filtro natural para limitar as respostas. “Essa é a coisa mais imbecil
que já ouvi”, disse em algumas reuniões. Essa era uma frase que Steve Jobs
usava com frequência. Assim como Bill Gates e Jeff Bezos. A honestidade
brutal deles podia ser irritante, até ofensiva. Podia restringir em vez de
instigar um diálogo franco. Mas também era eficaz às vezes, pois criava o
que Jobs chamava de jogadores de primeiro nível, que não queriam estar
cercados de gente sem ideias claras.
Marks era bem-sucedido e orgulhoso demais para tolerar o
comportamento de Musk. “Ele me tratava como uma criança, o que eu não
sou”, reclama Marks. “Sou mais velho que ele. E já comandei uma empresa
de 25 bilhões de dólares.” Ele não durou muito tempo.
Marks admite que Musk tinha razão quanto aos benefícios de se
controlar todos os aspectos do processo de fabricação. De uma maneira mais
conflituosa, ele também se faz a principal pergunta sobre Musk: se o
comportamento ruim dele pode ser separado do ímpeto que o torna bem-
sucedido. “Eu passei a colocá-lo na mesma categoria de Steve Jobs, de
pessoas que são simplesmente grosseiras, mas que conseguem tanta coisa
que sou obrigado a observar e dizer: ‘Parece que isso faz parte de um
pacote.’” Eu me pergunto: será que isso justifica o comportamento de
Musk? “Se o preço que o mundo paga por esse tipo de realização é ter um
imbecil completo por trás disso, bem, provavelmente é um preço que vale a
pena pagar. Foi assim que passei a pensar.” Então, depois de uma pausa, ele
acrescenta: “Mas eu não gostaria que fosse assim.”

***

Quando Marks saiu, Musk recrutou um CEO que achou que seria mais
duro: Ze’ev Drori, um oficial paraquedista israelense testado em combate
que havia se tornado um empreendedor bem-sucedido no ramo de
semicondutores. “A única pessoa que concordaria em ser CEO da Tesla
seria alguém que não tivesse medo de nada, porque havia muito o que
temer”, diz Musk. Mas Drori não sabia nada sobre fazer carros. Depois de
alguns meses, uma delegação sênior de executivos liderados por JB Straubel
disse que eles teriam problema se continuassem a trabalhar com ele, e Ira
Ehrenpreis, um membro do conselho, ajudou a convencer Musk a assumir.
“Tenho que pôr as duas mãos no volante”, disse Musk a Drori. “Não
podemos ser dois na direção.” Drori saiu graciosamente, e Musk se tornou o
CEO oficial da Tesla (e o quarto a ter o título no período de um ano) em
outubro de 2008.
capítulo 26
Divórcio

Justine
2008
Depois da morte do filho, Nevada, Justine e Elon decidiram engravidar de
novo assim que possível. Eles foram a uma clínica de fertilização in vitro, e
em 2004 ela deu à luz gêmeos, Griffin e Xavier. Dois anos depois, de novo
por fertilização in vitro, eles tiveram trigêmeos chamados Kai, Saxon e
Damian.
No início do casamento, eles moravam juntos em um pequeno
apartamento no Vale do Silício que compartilhavam com três colegas de
quarto e um pequeno Dachshund que não havia sido adestrado, lembra
Justine, e naquele momento moravam em uma mansão de 560 metros
quadrados nas colinas de Bel Air, em Los Angeles, com cinco crianças
excêntricas, uma equipe de cinco babás e empregadas domésticas, além de
um Dachshund, que ainda não havia sido adestrado.
Apesar da natureza agitada dos dois, havia momentos em que o
relacionamento era afetuoso. Eles caminhavam até a Kepler’s Books, perto
de Palo Alto, um abraçado à cintura do outro, levavam as compras até um
café e liam enquanto bebiam. “Fico emocionada ao falar sobre isso”, diz
Justine. “Havia momentos de plena felicidade, plena mesmo.”
Musk era desajeitado no trato social, mas gostava de ir a festas cheias de
celebridades e ficar até de madrugada. “Nós íamos a jantares beneficentes e
conseguíamos as melhores mesas nas boates de Hollywood, com Paris
Hilton e Leonardo DiCaprio se divertindo ao nosso lado”, conta Justine.
“Quando o fundador do Google, Larry Page, se casou na ilha caribenha
particular de Richard Branson, estávamos lá nos divertindo em um solar
com John Cusack e vendo Bono posar com várias fãs encantadas.”
Contudo, eles brigavam o tempo todo. Ele era viciado em tempestades e
estresse e ela era sugada pela turbulência. Durante as piores discussões,
Justine expressava quanto odiava o marido e ele respondia dizendo coisas
como: “Se você trabalhasse para mim, eu te demitiria.” Às vezes ele a
chamava de “imbecil” e “idiota”, numa repetição assustadora do próprio pai.
“Quando passei um tempo com Errol”, diz Justine, “percebi que foi com o
pai que ele aprendeu o vocabulário”.
Kimbal, que brigava fisicamente com o irmão, achava duro vê-lo brigar
verbalmente com Justine. “Elon briga com muita intensidade”, conta
Kimbal. “E Justine também podia ser intensa. Eu ficava vendo, e pensava:
Meu Deus, que coisa brutal. Acabei me afastando dele durante anos por causa
da Justine. Eu simplesmente não conseguia ficar por perto.”
O estilo de vida instável levou a uma queda em espiral. “Era basicamente
um enorme aglomerado de coisas perturbadoras”, fala Justine. Ela percebeu
que estava se transformando, ou sendo transformada, em uma “esposa
troféu”, e “era péssima nisso”, diz. Musk insistia que ela deixasse o cabelo
mais loiro. “Deixe platinado”, pedia ele. Ela resistia, e começou a se retrair.
“Eu o conheci quando ele não tinha muita coisa”, lembra ela. “O acúmulo
de riqueza e fama mudou a dinâmica.”
Como fazia com os colegas no trabalho, Musk podia ir da luz à escuridão
e de volta à luz em instantes. Ele disparava alguns insultos, fazia uma pausa,
e então o rosto se desmanchava em um sorriso divertido e ele fazia umas
piadas estranhas. “Ele é determinado e poderoso, como um urso”, disse
Justine a Tom Junod, da Esquire. “Ele pode ser brincalhão e divertido e lhe
contar piadas, mas no fim das contas você ainda está lidando com um urso.”
Quando Musk estava concentrado em um problema do trabalho, entrava
num transe, como na época de escola, e ficava completamente absorto.
Tempos depois, quando contei a Justine todas as calamidades na SpaceX e
na Tesla que estavam afetando Musk, ela começou a chorar. “Ele não
compartilhava essas coisas comigo”, revela. “Acho que não ocorreu a ele que
talvez eu pudesse ajudar. Ele tinha uma relação muito combativa com o
mundo. Mas era só compartilhar isso comigo.”
O que Justine mais sentia falta nele era a empatia. “Ele é um grande
homem em muitos sentidos”, opina ela, “mas é a falta de empatia que me
incomoda”. Certo dia, durante um passeio de carro, ela tentou explicar a ele
o conceito de empatia verdadeira. Musk ficava transformando aquilo num
conceito intelectual, e explicava como, em razão do Asperger, havia
ensinado a si mesmo a ser mais psicologicamente astuto. “Não, não tem
nada a ver com pensar ou analisar ou interpretar a outra pessoa”, conta ela.
“Trata-se de sentimento. Você sente o que a outra pessoa sente.” Ele admitiu
que isso era importante em relacionamentos, mas sugeriu que a forma como
o cérebro dele era organizado era vantajosa para comandar uma empresa de
alto desempenho. “A determinação e a distância emocional que faziam dele
um marido difícil”, admite Justine, “podem ser a razão do sucesso que
obteve nos negócios”.
Elon ficava incomodado quando Justine o pressionava a experimentar a
psicoterapia. Ela havia começado a se consultar com um terapeuta depois da
morte de Nevada e desenvolveu um profundo interesse pela área. Isso a
levou, segundo ela, à descoberta de que a infância difícil de Elon e a forma
como o cérebro dele funciona permitiam que ele deixasse de lado as
emoções. A intimidade era difícil. “Quando você vem de um passado
disfuncional ou tem um cérebro assim”, diz ela, “a intensidade assume o
lugar da intimidade”.
Não é bem assim. Especialmente com os filhos, Musk pode se sentir
forte e emocionalmente carente. Ele sente falta de ter alguém por perto, até
mesmo ex-namoradas. No entanto, é verdade que o que lhe falta no tocante
à intimidade do dia a dia ele compensa com intensidade.
A insatisfação de Justine com o casamento aprofundou sua depressão e
deixou-a com raiva. “Ela deixou de ter altos e baixos para simplesmente se
sentir irritada todos os dias”, diz Elon. Ele culpava o Adderall, um
intensificador cognitivo que o psiquiatra dela havia prescrito, e saía pela casa
jogando fora as pílulas. Justine concorda que estava depressiva e dependia do
Adderall. “Fui diagnosticada com transtorno de déficit de atenção, e o
Adderall era uma ajuda maravilhosa para mim”, conta ela. “Mas essa não era
a razão pela qual eu estava com raiva. Eu estava com raiva porque o Elon
me ignorava.”
Na primavera de 2008, entre as explosões de foguetes e a confusão na
Tesla, Justine sofreu um acidente de carro. Depois disso, ficou sentada na
cama deles com os joelhos contra o peito e lágrimas nos olhos. Ela disse a
Elon que o relacionamento deles tinha que mudar. “Eu não queria ficar na
arquibancada assistindo ao espetáculo multimilionário da vida do meu
marido”, reclama ela. “Queria amar e ser amada, da maneira como éramos
antes desses milhões.”
Elon concordou em fazer terapia de casal, mas, depois de um mês e três
sessões, o casamento acabou. Segundo a versão de Justine, Elon deu um
ultimato: ou ela aceitava o casamento do jeito que era ou ele ia pedir o
divórcio. A versão dele é a de que ela dizia repetidas vezes que queria se
divorciar, até que ele por fim disse: “Estou disposto a ficar casado, mas você
tem que prometer não ser tão cruel assim comigo o tempo todo.” Quando
Justine deixou claro que a situação não era aceitável, ele pediu o divórcio.
“Eu me senti anestesiada”, lembra-se ela, “mas também estranhamente
aliviada”.
capítulo 27
Talulah

Com Talulah Riley no Hyde Park, em Londres


2008
Em julho de 2008, depois de romper com Justine, Musk tinha sido
chamado para dar uma palestra na Royal Aeronautical Society, em Londres.
Não era um momento propício para falar sobre foguetes. Dois deles haviam
explodido e, supostamente, previa-se que a terceira tentativa seria lançada
em três semanas. A cadeia de produção complicada da Tesla estava sugando
dinheiro, e os primeiros sinais da crise econômica tornavam difícil obter
financiamento. Além disso, o divórcio ameaçava a capacidade de Musk de
controlar suas ações na Tesla. Mesmo assim, ele foi.
No discurso, ele argumentou que empreendimentos espaciais comerciais,
como a SpaceX, eram mais inovadores do que os programas do governo,
além de necessários se os humanos quisessem colonizar outros planetas.
Depois, foi visitar o CEO da Aston Martin, que criticou todo o movimento
relacionado ao carro elétrico e desdenhou das preocupações com mudanças
climáticas.
No dia seguinte, Musk acordou com dores no estômago, o que não era
incomum. Ele pode fingir gostar do estresse, mas o estômago dele, não. Ele
estava viajando com o amigo Bill Lee, um empreendedor de sucesso, que o
levou a uma clínica. Quando o médico determinou que não havia
apendicite, ou algo pior, Lee insistiu que eles fossem extravasar um pouco, e
ligou para um amigo, Nick House, que era dono da boate Whisky Mist.
“Eu estava tentando tirar Elon do péssimo humor em que ele estava”, diz
Lee. Musk insistia em ir embora, mas House o convenceu a ir à sala VIP, no
porão. Pouco depois, uma atriz que usava um vestido de festa chamativo
entrou.
Talulah Riley, então com 22 anos, foi criada em um vilarejo inglês em
Hertfordshire que parecia saído de um livro, e, quando conheceu Musk,
havia ganhado certa fama pela boa atuação em alguns papéis pequenos,
principalmente o da irmã do meio da família Bennet, Mary, em uma
adaptação de Orgulho e preconceito, de Jane Austen. Alta e linda, com um
cabelo comprido e esvoaçante e uma mente e personalidade afiadas, ela era
exatamente o tipo de Musk.
Apresentada por Nick House e outro amigo, James Fabricant, ela acabou
se sentando com Musk. “Ele parecia muito tímido e um pouco estranho”,
conta Riley. “Ele estava falando sobre foguetes, e a princípio eu não percebi
que os foguetes eram dele.” Em determinado momento, Musk perguntou:
“Posso colocar a mão no seu joelho?” Ela achou um pouco estranho, mas
concordou. No fim, ele disse a ela: “Sou péssimo nisso, mas queria pegar seu
número de telefone porque gostaria muito de ver você de novo.”
Riley tinha acabado de sair da casa dos pais, e ligou para eles no dia
seguinte para contar sobre o homem que tinha conhecido. Enquanto eles
estavam conversando, o pai dela fez uma busca no Google. “Esse cara é
casado e tem cinco filhos”, revelou ele. “Você foi enganada por um playboy.”
Furiosa, ela ligou para o amigo Fabricant, que a acalmou e garantiu que
Musk tinha se separado da esposa.
“Acabamos tomando café juntos”, diz Riley, “e no final ele disse: ‘Eu
realmente queria te ver no almoço.’ Então, depois do almoço, ele falou:
‘Bom, foi maravilhoso. Agora queria jantar com você’”. Nos três dias
seguintes, eles fizeram quase todas as refeições juntos, e foram à loja de
brinquedos Hamleys a fim de comprar presentes para os cinco filhos dele.
“Eles estavam apaixonados, de mãos dadas o tempo todo”, diz Lee. No fim
da viagem, Musk a convidou para ir a Los Angeles com ele. Ela não podia
porque tinha que fazer um ensaio fotográfico na Sicília para uma
reportagem da Tatler sobre um filme que tinha acabado de gravar, Escola
para garotas bonitas e piradas. De lá, assim que pôde, ela voou para Los
Angeles.
Em vez de se mudar para a casa de Musk — o que ela achava indecoroso
—, Riley alugou um quarto por uma semana no Peninsula Hotel. No fim da
visita, ele a pediu em casamento. “Lamento não ter um anel”, falou ele. Ela
sugeriu que eles apertassem as mãos, e foi o que fizeram. “Lembro-me de
nadar em volta dele na piscina da cobertura, nós dois muito felizes,
conversando sobre como era estranho a gente ter se conhecido só duas
semanas antes e já estarmos noivos.” Riley achava que a relação daria certo.
“Qual é a pior coisa que pode acontecer com a gente?”, brincou. Musk, de
repente num tom sincero, respondeu: “Um de nós pode morrer.” Sabe-se lá
como, mas no momento ela achou aquilo muito romântico.
Quando os pais dela viajaram de Londres para conhecer Musk semanas
depois, ele perguntou ao sogro se podia se casar com ela. “Conheço minha
filha muito bem e confio na decisão dela; então, vá em frente”, respondeu
ele. Maye voou para Los Angeles e, pela primeira vez, aprovou uma parceira
do filho. “Ela era adorável, divertida, amável e bem-sucedida”, diz. “E os
pais dela eram muito agradáveis, um casal inglês muito bacana.” Entretanto,
por conselho do irmão, Musk decidiu — e Talulah concordou — que os
dois deveriam esperar alguns anos antes de se casarem.
capítulo 28
Terceira falha

Hans Koenigsmann com um Falcon 1


Kwaj, 3 de agosto de 2008
Depois de dois lançamentos fracassados do atol remoto de Kwajalein, a
terceira tentativa do Falcon 1 era decisiva para a SpaceX, ou pelo menos era
o que todo mundo, inclusive Musk, pensava. Ele disse à equipe que só tinha
dinheiro para três tentativas. “Eu acreditava que se não pudéssemos fazer
em três tentativas”, diz, “merecíamos morrer”.
No segundo voo, a SpaceX não havia colocado um satélite real no topo
do foguete, porque não queria perder uma carga preciosa caso houvesse uma
queda. Na terceira tentativa, porém, Musk resolveu apostar tudo no sucesso.
O foguete ia carregar um caríssimo satélite de oitenta quilos da Força Aérea,
dois satélites menores da NASA e as cinzas de James Doohan, o ator que
fazia o papel de Scotty em Star Trek.
A decolagem foi perfeita, e a sala de controle em Los Angeles, de onde
Musk estava assistindo, irrompeu em aplausos quando o foguete subiu.
Depois de dois minutos e vinte segundos, o segundo estágio se soltou do
foguete auxiliar, como previsto. A carga parecia estar a caminho da órbita.
“A terceira vez é a que vale!”, gritou um engenheiro.
Então, mais uma vez, houve um suspiro de Mueller, que estava sentado
no lugar de sempre, ao lado de Musk. Um segundo depois de começar a
descer para a Terra, como previsto, o foguete auxiliar subiu brevemente e
bateu contra o estágio dois. A transmissão de vídeo foi interrompida, e
Musk e sua equipe souberam, instantaneamente, que ambos os estágios,
junto com os restos mortais de Scotty, estavam em queda.
O problema era que eles haviam redesenhado o sistema de resfriamento
do motor Merlin, e isso o levou a ter um pouco de impulso mesmo depois
de desligado. A equipe de Mueller havia testado o novo sistema em terra, e
funcionou bem ao nível do mar. No vácuo do espaço, porém, o restinho de
combustível empurrou o foguete auxiliar por uns trinta centímetros.

***
Musk havia ficado sem dinheiro, a Tesla estava numa sangria financeira, e a
SpaceX explodira três foguetes em sequência. Mas ele não estava pronto
para desistir. Em vez disso, iria falir, literalmente. “A SpaceX seguirá em
frente, sem hesitar”, anunciou ele algumas horas depois do fracasso. “Não
deve haver dúvidas de que a SpaceX vai conseguir entrar em órbita. Nunca
vou desistir, e falo muito sério.”
Na sala de conferências da SpaceX, no dia seguinte, Musk conversou por
telefone com Koenigsmann, Buzza e a equipe de lançamento em Kwaj. Eles
revisaram os dados e descobriram maneiras de dar mais tempo de separação
para que a colisão não acontecesse novamente. Musk estava taciturno. “Foi o
pior período da minha vida, pelo que estava acontecendo com meu
casamento, a SpaceX e a Tesla”, conta. “Eu não tinha nem casa. Justine
ficou com a nossa.” A equipe temia que ele fosse, como frequentemente
fazia, tentar culpar alguém. Eles se prepararam para uma explosão.
Em vez disso, Musk disse que havia componentes para um quarto
foguete na fábrica em Los Angeles. Construam-no, mandou ele, e o
transportem para Kwaj assim que possível. Ele definiu um prazo que quase
não era realista: lançá-lo em seis semanas. “Ele nos disse para seguir em
frente”, diz Koenigsmann, “e me surpreendeu”.
Uma onda de otimismo percorreu a sede. “Depois disso, acho que a
maioria de nós seguiria Elon até as portas do inferno, levando óleo
bronzeador”, fala Dolly Singh, a diretora de recursos humanos. “Em pouco
tempo, a atmosfera no prédio passou do desespero e da derrota para um
clima de muita determinação.”
Carl Hoffman, um repórter da Wired que havia assistido ao fracasso do
segundo lançamento com Musk, o procurou para perguntar como ele
mantinha o otimismo. “Otimismo, pessimismo, dane-se”, respondeu Musk.
“Nós vamos fazer isso funcionar. Juro por Deus, estou determinado a fazer
dar certo.”
capítulo 29
No limite

Na sala de controle da SpaceX


Tesla e SpaceX, 2008
Em 1o de fevereiro de 2008, um e-mail foi enviado para os funcionários na
sede da Tesla. “P1 chegando!”, anunciava o texto. “P1” era o codinome do
primeiro Roadster a sair do processo de fabricação. Musk fez um discurso
curto e levou o Roadster para uma volta olímpica em Palo Alto.
Esse lançamento de alguns veículos, montados manualmente, era apenas
um pequeno triunfo. Muitas empresas automotivas, falidas e esquecidas
havia muito tempo, conseguiram a mesma coisa. O próximo desafio era
chegar a um processo de fabricação em que a produção de carros fosse
lucrativa. No último século, só uma empresa automotiva norte-americana (a
Ford) conseguiu fazer isso sem falir.
Naquele momento, não estava claro que a Tesla se tornaria a segunda. A
crise do subprime hipotecário havia começado, o que levaria à mais severa
recessão global desde a Grande Depressão. A cadeia de fornecedores da
Tesla era confusa, e a empresa estava ficando sem dinheiro. Além disso, a
SpaceX ainda precisava colocar um foguete em órbita. “Apesar de saber que
eu tinha um Roadster”, diz Musk, “foi o começo do ano mais doloroso da
minha vida”.
Musk frequentemente andava nos limites da legalidade. Ele manteve a
Tesla em funcionamento na primeira metade de 2008 por meio do uso dos
depósitos feitos pelos clientes que haviam comprado Roadsters ainda não
fabricados. Alguns executivos da Tesla e membros do conselho achavam que
os depósitos deveriam ser mantidos em caução, em vez de serem usados com
despesas operacionais, mas Musk insistiu. “Ou fazemos isso ou morremos.”
À medida que a situação ficava mais desesperadora, no outono de 2008,
Musk implorou por dinheiro a amigos e familiares para conseguir quitar a
folha de pagamento da Tesla. Kimbal havia perdido a maior parte do
dinheiro dele, e, assim como o irmão, estava prestes a declarar falência. Ele
ainda tinha os 375 mil dólares em ações da Apple, e dizia que precisava
disso para cobrir os empréstimos que fizera no banco. “Preciso que você
coloque isso na Tesla”, pediu Elon. Kimbal, sempre solidário, vendeu as
ações e fez o que Elon havia pedido. Ele recebeu uma ligação de um irritado
banqueiro da Colorado Capital, o qual alertou-o para o fato de que ele
estava acabando com o próprio crédito. “Desculpe, mas tive que fazer isso”,
respondeu Kimbal. Quando o banqueiro ligou novamente semanas mais
tarde, Kimbal se preparou para uma discussão. Contudo, o banqueiro o
interrompeu com a notícia de que a Colorado Capital tinha acabado de falir.
“Isso mostra quão ruim foi 2008”, diz Kimbal.
Bill Lee, amigo de Musk, investiu 2 milhões de dólares; Sergey Brin, do
Google, investiu 500 mil dólares; e até mesmo funcionários comuns da
Tesla fizeram cheques. Musk pegou empréstimos para cobrir as despesas, o
que incluía pagar 170 mil dólares por mês aos advogados dele que tratavam
do divórcio e (como a lei da Califórnia exige de cônjuges ricos) também aos
de Justine. “Deus abençoe Jeff Skoll, que deu a Elon o dinheiro para que ele
conseguisse”, diz Talulah sobre o amigo de Musk, que foi o primeiro
presidente do eBay. Antonio Gracias também se voluntariou, e emprestou a
ele 1 milhão de dólares. Até mesmo os pais de Talulah se ofereceram para
ajudar. “Eu estava muito chateada e liguei para papai e mamãe, e eles
disseram que iam refinanciar a casa e tentar ajudar”, lembra ela. Essa oferta,
Musk rejeitou. “Seus pais não devem perder a casa só porque eu apostei
tudo o que tinha”, falou.
Talulah assistia horrorizada enquanto, noite após noite, Musk falava
sozinho, às vezes balançando os próprios braços e gritando. “Eu achava que
ele ia acabar tendo um infarto”, conta ela. “Ele estava tendo terrores
noturnos e gritava dormindo e me arranhava. Era horrível. Fiquei realmente
assustada, e ele estava desesperado.” Às vezes Musk ia ao banheiro e
começava a vomitar. “Afetava o estômago dele, e ele ficava gritando e
vomitando”, diz Talulah. “Eu ficava do lado do vaso segurando a cabeça
dele.”
A tolerância de Musk ao estresse é alta, mas 2008 quase fez com que ele
perdesse a cabeça. “Eu estava trabalhando todo dia, o dia todo, de manhã e
de noite, em uma situação que exigia que eu tirasse coelhos da cartola
repetidamente”, lembra. Ele ganhou muito peso e depois perdeu tudo que
tinha engordado, talvez até um pouco mais. Passou a andar curvado, e os
dedos endureciam quando ele caminhava. Mas Musk estava cheio de
energia e muito compenetrado. A ameaça da forca fez com que a mente dele
se concentrasse.
***

Todos ao redor de Musk achavam que ele teria que tomar uma decisão.
Com o fim de 2008, parecia que ele precisaria escolher entre a SpaceX e a
Tesla. Se concentrasse seus escassos recursos em uma das empresas, Musk
poderia com certeza garantir a sobrevivência da escolhida. Se tentasse
dividir os recursos, talvez as duas falissem. Um dia, Mark Juncosa, o amigo
que era uma espécie de alma gêmea mais animada, entrou na baia de Musk
na SpaceX. “Cara, por que você não desiste logo de uma delas?”, perguntou.
“Se a SpaceX toca seu coração, descarte a Tesla.”
“Não”, respondeu Musk, “isso ia servir como mais um argumento para o
pessoal que diz que ‘carros elétricos não funcionam’, e nunca vamos ter
energia sustentável”. Ele também não podia abandonar a SpaceX.
“Corremos o risco de nunca virmos a ser uma espécie multiplanetária.”
Quanto mais as pessoas o pressionavam a escolher, mais Musk resistia.
“Para mim, emocionalmente falando, era como se eu tivesse dois filhos e
estivesse ficando sem comida”, revela ele. “Você pode dar metade para cada
um, mas os dois vão morrer, ou dar toda a comida para um filho e aumentar
a chance de um deles sobreviver. Eu não conseguia escolher qual ia morrer,
então decidi que faria de tudo para salvar os dois.”
capítulo 30
O quarto lançamento
Kwaj, agosto a setembro de 2008

Musk na sala de controle e com engenheiros; Koenigsmann servindo champanhe


em Kwaj
Fundadores ao resgate
Musk havia orçado três tentativas de lançamento do Falcon 1, e os três
foguetes explodiram antes de entrar em órbita. Diante da possibilidade de
ter que declarar falência e com a Tesla numa crise financeira, era difícil
enxergar de que maneira ele ia levantar dinheiro para uma quarta tentativa.
Então, um grupo inesperado veio ao resgate: os colegas cofundadores da
PayPal, que o haviam tirado do cargo de CEO oito anos antes.
Musk tinha encarado a destituição com uma calma incomum, de modo
que ficou em bons termos com os líderes do golpe, incluídos Peter iel e
Max Levchin. A antiga máfia da PayPal, como eles chamavam a si mesmos,
era um grupo unido. Eles ajudaram a financiar o antigo colega David Sacks
— o amigo que fazia anotações para Antonio Gracias na faculdade de
direito — enquanto ele produzia o filme satírico Obrigado por fumar. iel
se juntou a outros fundadores da PayPal, Ken Howery e Luke Nosek, para
criar o Fundo dos Fundadores, que investia principalmente em startups da
internet.
iel era, segundo ele mesmo, “categoricamente cético com relação à
tecnologia limpa”, portanto o fundo não investira na Tesla. Nosek, que
havia se tornado próximo de Musk, sugeriu que eles investissem na SpaceX.
iel concordou em fazer uma reunião por telefone com Musk para discutir
a ideia. “Em certo momento, eu perguntei a Elon se poderíamos falar com o
chefe dos engenheiros de foguete da empresa”, diz iel, “e Elon respondeu:
‘Você já está falando com ele.’” Isso não tranquilizou iel, mas Nosek
insistiu muito no investimento. “Argumentei que o que Elon estava
tentando realizar era incrível, e nós deveríamos fazer parte daquilo”, lembra
ele.
iel acabou cedendo e concordou que o fundo investisse 20 milhões de
dólares. “Parte do meu pensamento era que isso seria uma forma de
compensação pela saga do PayPal”, conta ele. O investimento foi anunciado
em 3 de agosto de 2008, logo depois que a terceira tentativa fracassou. Isso
serviu como uma fonte de recursos que permitia a Musk declarar que
financiaria um quarto lançamento.
“Era um exercício interessante de carma”, diz Musk. “Depois que fui
assassinado pelos líderes do golpe na PayPal, como César esfaqueado no
Senado, podia ter dito ‘Cara, vocês são horríveis’. Mas eu não disse. Se
tivesse feito isso, o Fundo dos Fundadores não teria aparecido em 2008 e a
SpaceX estaria morta. Não acredito em astrologia ou coisas do tipo, mas o
carma talvez seja real.”

Hora da verdade
Em agosto de 2008, logo após o terceiro voo fracassar, Musk havia animado
sua equipe com o prazo para conseguir um novo foguete em Kwaj em seis
semanas. Isso parecia um esquema de distorção da realidade de Musk.
Haviam se passado doze meses entre o primeiro e o segundo lançamentos
fracassados, e mais dezessete meses entre o segundo e o terceiro. Entretanto,
como o foguete não precisava de nenhuma mudança significativa de design
para que fossem corrigidos os problemas que causaram a terceira falha, ele
calculou que o prazo de seis semanas era viável e iria animar a equipe. Além
disso, tendo em vista que eles estavam queimando dinheiro rapidamente,
Musk não tinha escolha.
A SpaceX possuía os componentes para um quarto foguete na fábrica em
Los Angeles, mas enviar tudo para Kwaj por mar levaria quatro semanas.
Tim Buzza, o diretor de lançamento da SpaceX, disse a Musk que a única
maneira de cumprir o prazo seria alugar um avião de carga C-17 da Força
Aérea. “Bom, então vamos fazer isso”, respondeu Musk. Foi aí que Buzza
entendeu que Musk estava disposto a colocar todas as fichas na mesa.
Vinte funcionários da SpaceX viajaram com o foguete no compartimento
de carga do C-17, afivelados nos assentos na parede. O clima era festivo. Os
membros da equipe, enlouquecidos de trabalho, imaginavam estar prestes a
realizar um milagre radical.
Enquanto eles sobrevoavam o Pacífico, um jovem engenheiro chamado
Trip Harriss pegou um violão e começou a tocar. Os pais dele eram
professores de música no Tennessee, e ele havia estudado para se tornar
músico clássico. Certo Natal, porém, ele assistiu a Star Trek e decidiu que
queria ser cientista aeronáutico. “Descobri como reconfigurar meu cérebro e,
em vez de fazer música, fui fazer engenharia”, algo que não foi uma
mudança tão grande quanto imaginou. Depois de um ano na Purdue,
Harriss estava procurando um estágio de verão, mas sempre se dava mal nas
entrevistas. Ele já tinha se resignado a trabalhar na filial da Ace Hardware
na cidade quando um professor dele recebeu uma ligação de um amigo na
SpaceX, o qual informava que a empresa precisava de estagiários. Sem
esperar pela documentação, Harriss entrou no carro na manhã seguinte,
abandonou a namorada e dirigiu de Indiana até Los Angeles.
Quando o avião começou a descer para reabastecer no Havaí, ouviu-se
um estrondo. E depois outro. “Nós nos encaramos e pensamos que aquilo
era estranho”, diz Harriss. “E aí ouvimos outro estrondo e vimos o lado do
tanque do foguete amassando como uma lata de Coca.” A descida rápida do
avião havia feito a pressão no compartimento aumentar, e as válvulas do
tanque não estavam deixando o ar entrar rápido o suficiente para equalizar a
pressão interna.
Houve uma movimentação enlouquecida enquanto os engenheiros
tiravam facas do bolso e começavam a cortar a embalagem e tentavam abrir
as válvulas. Blent Altan correu até a cabine para tentar parar a descida. “A
situação era a seguinte: um turco enorme gritando com os pilotos da Força
Aérea, que eram os norte-americanos mais brancos que você já viu, para
voltar a subir”, diz Harris. Por sorte eles não jogaram nem o foguete nem
Altan no oceano. Em vez disso, concordaram em subir de novo, mas
alertaram Altan que só restavam trinta minutos de combustível. Isso
significava que em dez minutos teriam que começar a descer novamente.
Um dos engenheiros entrou na área escura entre os estágios um e dois do
foguete, encontrou a grande tubulação de pressurização e conseguiu abri-la,
o que permitiu a entrada do ar e a equalização da pressão enquanto o avião
começava a descer novamente. O metal começou a voltar à forma original.
Mas a avaria estava feita. A parte externa ficara amassada e um dos
paralamas havia se deslocado.
Eles ligaram para Musk em Los Angeles com o objetivo de contar o que
aconteceu e sugerir que levassem o foguete de volta. “Todos nós reunidos
ali, em pé, ouvimos a pausa”, diz Harriss. “Ele ficou em silêncio por um
minuto. Depois, disse: ‘Não, vocês vão levar o foguete para Kwaj e consertá-
lo lá.’” Harriss lembra que, quando chegaram a Kwaj, a primeira reação foi:
“Estamos ferrados.” Contudo, no dia seguinte, a empolgação tomou conta.
“Dizíamos: ‘Vamos fazer isso funcionar.’”
Buzza e o chefe de estruturas de foguetes, Chris ompson, juntaram o
equipamento de que precisavam na sede da SpaceX, incluindo defletores
novos para impedir que o combustível se movesse nos tanques, e colocaram
no avião de Musk para a viagem de Los Angeles a Kwaj. Lá, encontraram
um monte de engenheiros correndo no meio da noite, trabalhando
freneticamente no foguete desmontado, como se fossem médicos em um
pronto-socorro tentando salvar um paciente.
Depois dos primeiros três fracassos, Musk havia imposto mais controles
de qualidade e procedimentos para reduzir riscos. “Portanto, já tínhamos
nos acostumado a nos mover um pouco mais devagar com documentação e
inspeções”, diz Buzza. Ele disse a Musk que, se seguissem todas as novas
exigências, levariam cinco semanas para consertar o foguete. Se
abandonassem essas exigências, poderiam terminar em cinco dias. Musk
tomou a decisão esperada. “Ok, vão o mais rápido possível.”
A decisão de revogar as ordens sobre controle de qualidade ensinou a
Buzza duas coisas: Musk pode mudar se a situação mudar, e ele estava
disposto a assumir riscos mais do que qualquer um. “Isso era algo que
tínhamos que aprender: Elon fazia uma declaração, mas depois de um
tempo ele percebia que podia ser de outra forma”, diz Buzza.
Enquanto trabalhavam sob o sol brutal de Kwaj, os engenheiros eram
observados por um caranguejo-dos-coqueiros excepcionalmente grande,
com quase noventa centímetros. Eles o chamaram de Elon, e sob o olhar
dele conseguiram completar o conserto nos cinco dias previstos. “Era
diferente de tudo que as empresas inchadas da indústria aeroespacial
poderiam imaginar”, diz Buzza. “Às vezes esses prazos loucos faziam
sentido.”

Da quarta vez dá certo!


A menos que a quarta tentativa de lançamento desse certo, aquele seria o
fim da SpaceX e provavelmente da ideia maluca de que o pioneirismo
espacial poderia ser liderado por empreendedores privados. Poderia também
ser o fim da Tesla. “Não conseguiríamos nenhum novo financiamento para a
Tesla”, comenta Musk. “As pessoas diriam: ‘Aquele cara da empresa de
foguetes que faliu, ele é um fracassado.’”
O lançamento estava marcado para 28 de setembro de 2008, e Musk
planejava assisti-lo do trailer de comando na sede da SpaceX, em Los
Angeles. Para aliviar a tensão, Kimbal sugeriu que eles levassem os filhos à
Disneylândia naquela manhã. Era um domingo e o parque estava lotado, e
eles não haviam comprado o acesso VIP, mas esperar nas longas filas foi
uma bênção, porque isso tinha um efeito calmante em Elon. Eles andaram
na montanha-russa Space Mountain, que era uma metáfora tão óbvia que
pareceria trivial se não fosse verdade.
De camisa polo bege e calça jeans desbotada, a roupa que tinha usado na
Disneylândia, Musk chegou ao trailer de comando bem quando a janela de
lançamento estava se abrindo, às quatro da tarde. Em um dos monitores, ele
via o Falcon 1 na plataforma de lançamento. A sala de controle estava em
silêncio quando a voz de uma mulher começou a fazer a contagem
regressiva.
No momento em que o foguete deixou a torre, houve comemoração, mas
Musk ficou encarando em silêncio os dados recebidos no computador dele e
o monitor na parede que mostrava as imagens das câmeras do foguete.
Depois de sessenta segundos, a tela mostrou a pluma do motor escurecendo.
Estava tudo bem. Era porque o foguete havia chegado a uma altura com ar
mais rarefeito e menos oxigênio. As ilhas do atol Kwajalein se afastavam,
parecendo um colar de pérolas no mar turquesa.
Após dois minutos, era hora de os estágios se separarem. O motor
auxiliar foi desligado, e dessa vez houve um atraso de cinco segundos antes
de o segundo estágio se soltar, para evitar o choque que havia condenado o
terceiro lançamento. Quando o segundo estágio começou lentamente a se
afastar, Musk enfim se permitiu dar um grito de alegria.
O motor Kestrel, no segundo estágio, funcionou perfeitamente. O bico
soltava um brilho vermelho fosco devido ao calor, mas Musk sabia que o
material poderia ficar branco de calor e sobreviver. Finalmente, nove
minutos depois do lançamento, o motor Kestrel foi desligado, conforme
previsto, e a carga, posta em órbita. Naquele momento, a comemoração foi
ensurdecedora, e Musk deu socos no ar. Kimbal, em pé ao lado dele,
começou a chorar.
O Falcon 1 havia entrado para a história como o primeiro foguete
construído por uma empresa privada a alcançar a órbita partindo do solo.
Musk e sua pequena equipe de quinhentos funcionários (a divisão
equivalente da Boeing tinha 50 mil) haviam desenhado um sistema do zero,
e fizeram toda a construção por conta própria. Pouco havia sido
terceirizado. E o financiamento também foi privado, a maior parte do
próprio bolso de Musk. A SpaceX tinha contratos com a NASA e outros
clientes para realizar missões, mas só seriam pagos se e quando fossem bem-
sucedidos. Não havia subsídios nem contratos com compensação.
“Isso foi incrível”, gritou Musk enquanto andava pelo chão de fábrica.
Ele fez uma dancinha na frente dos funcionários que comemoravam
reunidos perto do refeitório. “Da quarta vez dá certo!” Enquanto os aplausos
se intensificavam novamente, ele começou a gaguejar mais do que o normal.
“Minha mente está esgotada, então é difícil para mim dizer alguma coisa”,
murmurou. Apesar disso, falou da visão dele quanto ao futuro. “Este é
apenas o primeiro passo de muitos. Vamos colocar o Falcon 9 em órbita ano
que vem, fazer a espaçonave Dragon funcionar e continuar do ponto em que
o ônibus espacial parou. Vamos fazer muita coisa, inclusive chegar a Marte.”
Apesar de parecer durão, o estômago de Musk se revirou durante o
lançamento e ele quase vomitou. Mesmo depois do sucesso, ele não
conseguiu ficar alegre. “Meus níveis de cortisol, meus hormônios de
estresse, a adrenalina, estavam tão altos que era difícil para mim me sentir
feliz”, conta. “Havia uma sensação de alívio, como se eu tivesse sido
poupado da morte, mas não de alegria. Eu estava estressado demais para
isso.”

“ilovenasa”
O lançamento bem-sucedido garantiu o futuro dos empreendimentos
espaciais. “Assim como Roger Bannister quando correu pouco mais de 1,5
quilômetro em quatro minutos, a SpaceX fez as pessoas recalibrarem a
percepção delas quanto aos limites possíveis no que dizia respeito a ir ao
espaço”, escreveu o autor Ashlee Vance.
Isso levou a uma grande mudança de rumo na NASA. Com o fim
iminente do programa do ônibus espacial, os Estados Unidos não teriam
mais a capacidade de enviar equipes ou carga para a Estação Espacial
Internacional. Então, a agência anunciou uma concorrência para realizar
missões de carga até lá. O sucesso do quarto voo do Falcon 1 permitiu que
Musk e Gwynne Shotwell fossem a Houston no fim de 2008 com o intuito
de comparecer a uma reunião na NASA para defender a empresa.
Quando desembarcaram do jato dele, Musk puxou Shotwell para uma
conversa na pista de pouso. “A NASA está preocupada por eu ter que dividir
meu tempo entre a SpaceX e a Tesla”, disse. “Eu meio que preciso de uma
parceira.” Não era uma ideia que ocorresse facilmente a ele: Musk era
melhor comandando do que fazendo parcerias. Então, fez a ela uma oferta:
“Quer ser presidente da SpaceX?” Ele permaneceria como CEO e ambos
dividiriam as responsabilidades. “Vou me concentrar na engenharia e no
desenvolvimento de produto”, falou, “e quero que você se concentre no
gerenciamento de clientes, nos recursos humanos, nas relações com o
governo e em grande parte do financeiro”. Ela aceitou na mesma hora.
“Amo trabalhar com pessoas e ele ama trabalhar com equipamentos e
designs”, explica Shotwell.
Em 22 de dezembro, como que para encerrar o terrível ano de 2008,
Musk recebeu uma ligação. O chefe de voos espaciais da NASA, Bill
Gerstenmaier, que mais tarde iria trabalhar na SpaceX, deu a ele a notícia: a
SpaceX receberia um contrato de 1,6 bilhão de dólares para fazer doze
viagens à estação espacial. “Eu amo a NASA”, respondeu Musk. “Vocês são
incríveis.” Ele mudou a senha no computador para “ilovenasa”.
capítulo 31
Salvando a Tesla
Dezembro de 2008

Um amor quase estranho pelo perigo: desa ando um atirador de facas vendado
em uma de suas festas de aniversário
Financiando a Tesla, dezembro de 2008
Musk só pôde curtir o contrato da NASA por alguns minutos. De fato, o
nível de estresse dele não diminuiu. A SpaceX até podia ter conseguido um
indulto de Natal, mas a Tesla ainda estava caminhando rumo à falência no
fim de 2008. O dinheiro iria acabar na véspera de Natal. Nem a empresa
nem o próprio Musk tinham dinheiro suficiente no banco para quitar a
próxima folha de pagamento.
Musk convocou seus financiadores na época para uma nova rodada de
meros 20 milhões de dólares. Seria o bastante para permitir que a Tesla
seguisse em frente por mais alguns meses. No entanto, quando achou que o
plano estava pronto, ele descobriu que um dos investidores estava
desistindo: a VantagePoint Capital, liderada por Alan Salzman. Para que o
novo capital fosse liberado, todos os investidores tinham que aprovar.
Salzman e Musk haviam passado os meses anteriores discordando em
relação à estratégia. Certa vez, na sede da Tesla, eles tiveram uma discussão
aos berros que pôde ser ouvida pelos funcionários. Salzman queria que a
Tesla se tornasse fornecedora de baterias para outras empresas automotivas,
como a Chrysler. “Isso ajudaria a financiar o crescimento da Tesla”, disse
Salzman. Musk achava maluquice. “Salzman estava insistindo que a gente
amarrasse nossa carroça à das empresas automotivas tradicionais”, conta ele,
“e eu dizia: ‘Este navio está literalmente afundando’”. Salzman chateava-se
por a Tesla estar gastando os depósitos feitos pelos clientes do Roadster
antes mesmo de os carros estarem prontos. “As pessoas achavam que tinham
feito um depósito, não um empréstimo sem garantia para a empresa. Era
moralmente errado.” Musk conseguiu um consultor externo que deu um
parecer afirmando que isso era legal. Salzman também foi repelido pelo
comportamento de Musk: “Ele era duro com as pessoas e
desnecessariamente insensível. Apenas fazia parte do DNA dele. Eu não
gostava disso.”
Em uma conferência por telefone não oficial com Kimbal na linha,
Salzman tentou preparar o terreno para remover Musk do cargo de CEO.
“Fiquei furioso com o que todos esses tolos do mal estavam tentando fazer
com Elon”, diz Kimbal. “Comecei a gritar: ‘Nem pensar, vocês não vão fazer
isso. Vocês são uns tolos.’” Antonio Gracias também estava na ligação.
“Não, estamos com Elon”, falou. Kimbal ligou para o irmão, que conseguiu
barrar a votação no conselho. Ele estava tão compenetrado que nem ficou
com raiva.
Salzman e seus parceiros insistiram que Musk fosse até o escritório deles
e detalhasse as necessidades financeiras futuras da Tesla. “Ele estava
tentando fazer uma cirurgia cardíaca, e nós estávamos tentando garantir que
ele não ia usar o tipo errado de sangue”, diz Salzman. “Quando você está
lidando com uma pessoa com controle excessivo e essa pessoa está sob
grande estresse, é uma situação arriscada.”
Musk se irritou. “Temos que fazer isso rápido, ou não vamos quitar a
folha de pagamento”, falou para Salzman. Mesmo assim, Salzman insistiu
que eles se encontrassem na semana seguinte, e marcou a conversa para as
sete da manhã, o que enfureceu Musk ainda mais. “Sou um sujeito notívago,
então achei aquilo horrível”, diz. “Salzman estava fazendo isso comigo
porque é um idiota.” Musk achava que Salzman estava feliz em dizer não na
cara dele, e foi o que aconteceu.
Musk é capaz de perdoar, como mostrou na reconciliação com os sócios
na PayPal. Contudo, há algumas pessoas que o fazem explodir, quase
irracionalmente. Martin Eberhart é uma. E Alan Salzman se tornou outra.
Musk achava que ele estava intencionalmente empurrando a Tesla para a
falência. “Ele é um babaca”, xinga Musk. “Quando digo que é um babaca, é
uma descrição, não algo pejorativo.”
Salzman calmamente nega as alegações de Musk, e parece não se
importar com os insultos. “Não tínhamos nenhum plano de assumir a
empresa ou de forçá-la a falir”, conta. “Isso é um absurdo. Nosso papel
simplesmente era o de apoiar a empresa e garantir que o capital fosse gasto
com bom senso.” Apesar dos ataques pessoais de Musk contra ele, Salzman
realmente expressa alguma admiração. “Ele tem sido uma força particular
por trás da empresa, e reconheço que funcionou. Tiro o chapéu para ele.”
De forma a contornar o veto de Salzman na nova rodada de
investimentos, Musk mexeu na estrutura de financiamento para que não
envolvesse a emissão de mais ações, transformando tudo em dívida. O
telefonema final aconteceu na véspera de Natal, dois dias depois que a
SpaceX fechou o contrato com a NASA. Musk estava na casa de Kimbal
em Boulder, no Colorado, junto com Talulah Riley. “Eu estava no chão
embrulhando presentes para as crianças e Elon estava na cama, ao telefone,
freneticamente tentando fazer as coisas darem certo”, lembra-se ela. “O
Natal é muito importante para mim, então minha prioridade era proteger as
crianças da situação. Eu repetia: ‘É Natal, vai acontecer algum milagre.’”
E aconteceu. A VantagePoint acabou apoiando o plano, assim como os
outros investidores que estavam na ligação. Musk caiu no choro. “Se tivesse
acontecido de outra forma, a Tesla estaria acabada”, diz, “e talvez o sonho
do carro elétrico fosse esquecido por muitos anos”. Na época, todas as
grandes empresas automotivas dos Estados Unidos haviam desistido de
produzir carros elétricos.

Empréstimos governamentais e o
investimento da Daimler
No decorrer dos anos, uma crítica feita à Tesla era a de que a empresa havia
sido “salva” ou “subsidiada” pelo governo em 2009. Na realidade, a Tesla não
recebeu dinheiro do Programa de Preservação de Ativos em Risco (TARP),
do Departamento do Tesouro, conhecido popularmente como “o resgate”.
Com o programa, o governo emprestou 18,4 bilhões de dólares para a
General Motors e para a Chrysler enquanto elas passavam por uma
reestruturação de concordata. A Tesla não se inscreveu para receber
nenhuma verba do TARP ou qualquer outro incentivo.
O que a Tesla realmente recebeu em junho de 2009 foram 465 milhões
de dólares em empréstimos a juros baixos de um programa do
Departamento de Energia. O Programa de Empréstimos para Tecnologias
Avançadas de Produção de Veículos concedia crédito para empresas fazerem
carros elétricos, ou carros mais eficientes quanto ao consumo de
combustível. A Ford, a Nissan e a Fisker Automotive também receberam
empréstimos.
O empréstimo do Departamento de Energia não era uma injeção
imediata de dinheiro. Ao contrário do dinheiro de resgate da GM e da
Chrysler, o empréstimo estava ligado a despesas reais. “Tínhamos que gastar
o dinheiro e prestar contas ao governo”, explica Musk. Sendo assim, o
primeiro cheque só chegou no início de 2010. Três anos depois, a Tesla
devolveu o empréstimo com 12 milhões de dólares em juros. A Nissan
pagou em 2017, a Fisker faliu e, em 2023, a Ford ainda devia dinheiro para
o programa.
Uma injeção mais significativa de dinheiro veio da Daimler. Em outubro
de 2008, em meio à crise da Tesla e aos fracassos nos lançamentos da
SpaceX, Musk foi até a sede da empresa alemã, em Stuttgart. Os executivos
da Daimler disseram estar interessados em criar um carro elétrico, e tinham
uma equipe que planejava visitar os Estados Unidos em janeiro de 2009.
Eles convidaram a Tesla a apresentar uma proposta de uma versão elétrica
do smart car da Daimler.
Assim que voltou, Musk disse a JB Straubel que eles deveriam correr
para montar um protótipo de um smart car elétrico para quando a equipe da
Daimler chegasse. Eles mandaram um funcionário ao México, onde havia
smart cars movidos a gasolina, para comprar um e levá-lo até a Califórnia.
Depois, colocaram o motor elétrico e as baterias do Roadster nele.
Quando os executivos da Daimler chegaram à Tesla em janeiro de 2009,
pareciam irritados por terem que ir a uma reunião com uma empresa
pequena e quase sem dinheiro, sobre a qual mal tinham ouvido falar.
“Lembro que eles estavam de muito mau humor e torcendo para sair dali o
mais rápido possível”, conta Musk. “Eles estavam esperando alguma
apresentação ruim de PowerPoint.” Então, Musk perguntou se queriam
dirigir o carro. “Como assim?”, indagou um dos membros da equipe da
Daimler. Musk explicou que haviam criado um modelo funcional.
Eles foram até o estacionamento, e os executivos da Daimler fizeram um
test drive. O carro disparou em um instante e atingiu cem quilômetros por
hora em cerca de quatro segundos. Isso impressionou os executivos. “O
smart car tinha uma potência incrível”, diz Musk. “Dava para dar cavalo de
pau com aquele carro.” Como resultado, a Daimler contratou a Tesla para
fornecer baterias e trens de força para os smart cars, uma ideia não muito
diferente da que Salzman havia sugerido. Musk pediu à Daimler que
considerasse investir na empresa. Em maio de 2009, antes mesmo de os
empréstimos do Departamento de Energia serem aprovados, a Daimler
concordou em comprar 50 milhões de dólares em ações da Tesla. “Se a
Daimler não tivesse investido na Tesla naquela época, teríamos fechado as
portas”, relata Musk.
capítulo 32
Model S
Tesla, 2009

Drew Baglino e Musk com Franz von Holzhausen


Henrik Fisker
A rodada de investimentos do Natal de 2008, o investimento da Daimler e
o empréstimo do governo permitiram que Musk tocasse um projeto que, se
bem-sucedido, iria transformar a Tesla em uma empresa automotiva de
verdade, capaz de liderar a era dos carros elétricos: um sedã de quatro portas
que custasse cerca de 60 mil dólares, que seria produzido em massa. Ele
ficou conhecido como Model S.
Musk havia levado muito tempo para fazer o design do Roadster, mas foi
muito mais difícil ajudar a criar um sedã de quatro portas. “Em um carro
esporte, as linhas e as proporções são as de um supermodelo, e é
relativamente fácil deixá-lo lindo”, diz Musk. “No entanto, as proporções de
um sedã deixam mais complicado torná-lo agradável.”
A princípio, a Tesla tinha contratado Henrik Fisker, um designer nascido
na Dinamarca que morava no sul da Califórnia e havia criado o estilo
sensual da BMW Z8 e do Aston Martin DB9. Musk não se impressionou
com as ideias dele. O carro “parece um ovo com rodas”, comentou ele a
respeito de um dos esboços de Fisker. “Rebaixe o teto.”
Fisker tentou explicar o problema para Musk. Como as baterias
levantariam o chão do carro, o teto teria que inchar a fim de fornecer espaço
suficiente para a cabeça. Fisker foi até um quadro-branco para desenhar o
Aston Martin de que Musk gostava. Era baixo e amplo. O Model S,
contudo, não podia ter as mesmas proporções elegantes, por causa da
localização da bateria. “Imagine que você está em um desfile de moda com
Giorgio Armani”, explicou Fisker. “Uma modelo que tem 1,80 metro de
altura e pesa 45 quilos entra usando um vestido. Você está com sua esposa,
que tem 1,50 metro de altura e pesa 68 quilos, e diz para o Armani: ‘Faça
esse vestido para a minha esposa.’ Não vai ficar igual.”
Musk pediu dezenas de mudanças, entre as quais o formato dos faróis e
as linhas do capô. Fisker, que se considerava um artista, disse a Musk que
não queria fazer algumas das mudanças. “Não me importo com o que você
quer”, respondeu Musk em dado momento. “Estou mandando você fazer.”
Fisker se lembra da intensidade caótica de Musk com um tom de
divertimento e cansaço. “Não sou muito o tipo de pessoa compatível com
Musk”, diz ele. “Sou bastante tranquilo.” Depois de nove meses, Musk
rescindiu o contrato dele.

Franz von Holzhausen


Franz von Holzhausen nasceu em Connecticut e vivia no sul da Califórnia,
mas, fiel ao nome, tinha uma aura euro-cool. Ele veste jaquetas de couro
ecológico e calças jeans apertadas, e está sempre esboçando um sorriso, o
que demonstra tanto autoconfiança quanto humildade polida. Depois de se
formar na faculdade de desenho industrial, ele se tornou trabalhador
assalariado com passagem pela Volkswagen, pela GM e depois pela Mazda,
na Califórnia, onde se viu preso àquilo que chama de “ciclo de lavar e secar”,
trabalhando em projetos pouco inspiradores.
Uma das paixões de Von Holzhausen eram corridas de kart, e um colega
piloto, que estava trabalhando na abertura do primeiro showroom da Tesla
no Santa Monica Boulevard, indicou-o para Musk no verão brutal de 2008.
Depois de rescindir o contrato de Fisker, Musk estava procurando alguém
que montasse um estúdio de design interno na Tesla. Quando ligou para
Von Holzhausen, marcaram de conversar naquela tarde. Musk fez um tour
pela SpaceX com ele, o que o surpreendeu. “Cara, ele está lançando foguetes
no espaço”, disse Von Holzhausen, maravilhado. “Carros são fáceis
comparados a isso.”
Eles continuaram a conversa na festa de inauguração do showroom em
Santa Bárbara. Em uma sala de reuniões longe dos convidados, Musk
mostrou a Von Holzhausen fotos do trabalho de Fisker no Model S. “Isso
realmente não está bom”, opinou Von Holzhausen. “Posso fazer algo
maravilhoso.” Musk começou a rir. “Sim, vamos fazer”, disse, e o contratou
na mesma hora. Eles acabariam se transformando em uma dupla, como
Steve Jobs e Jony Ive, um dos poucos relacionamentos calmos e sem drama
que Musk teria, profissional e pessoalmente.
Musk queria que o estúdio de design fosse próximo à baia dele na fábrica
da SpaceX em Los Angeles, não no escritório da Tesla no Vale do Silício,
mas não tinha dinheiro para construir. Então, cedeu para Von Holzhausen
um canto nos fundos da fábrica de foguetes, perto de onde as ogivas eram
montadas, e construiu uma tenda para dar à equipe dele um pouco de
privacidade.
Um dia depois de chegar, Von Holzhausen ficou lado a lado com
Gwynne Shotwell perto do refeitório, e assistiu nos monitores enquanto a
empresa fazia a terceira tentativa de lançamento em Kwaj. Esse foi o
lançamento que deu errado, quando o foguete auxiliar, logo após a
separação, deu um salto para a frente e bateu no estágio dois. Ele percebeu
que havia largado um emprego seguro na Mazda em troca de trabalhar para
um gênio maníaco viciado em risco e drama. Tanto a SpaceX quanto a Tesla
pareciam a caminho da falência. “O Apocalipse era iminente”, diz Von
Holzhausen, “e havia dias em que eu pensava: Cara, talvez a gente não
sobreviva para mostrar esse carro legal com o qual estamos sonhando.”
Von Holzhausen queria um assistente, de modo que procurou um amigo
da indústria automobilística que conhecia havia anos, Dave Morris, um
modelador de argila e engenheiro com um alegre sotaque britânico
resultante da infância no norte de Londres. “Dave, você não faz ideia de
como essa empresa é iniciante”, falou Von Holzhausen. “É tipo uma banda
de garagem. Talvez a gente vá à falência.” Contudo, quando Von
Holzhausen o conduziu pela fábrica de foguetes até a área do estúdio,
Morris foi conquistado. Morris conta que pensou: Se ele é tão comprometido
assim com foguetes e quer fazer carros, então eu quero ser parte disso.
Mais tarde, Musk comprou um velho hangar de aeronaves ao lado da
fábrica da SpaceX para abrigar Von Holzhausen e seu estúdio. Ele passava
por lá quase todos os dias, e gastava uma ou duas horas todas as sextas-feiras
numa reunião intensa de avaliação de design. Gradualmente, a nova versão
do Model S foi tomando forma. Depois de alguns meses mostrando
rascunhos e tabelas de especificações, Von Holzhausen percebeu que Musk
ficava mais à vontade com modelos tridimensionais. Então, ele e Morris
trabalharam com escultores para fazer um modelo em tamanho real, que
atualizavam continuamente. Nas tardes de sexta, quando Musk ia visitá-los,
eles tiravam o modelo do estúdio e o empurravam até o estacionamento
ensolarado para ver a reação do chefe.
O conjunto de bateria
Para evitar que o Model S parecesse uma bola, Musk teve que fazer o
conjunto de bateria o mais fino possível. Isso porque ele queria que a bateria
ficasse sob o assoalho do carro, diferentemente do Roadster, que tinha um
conjunto de bateria em caixa atrás dos dois assentos. Colocar a bateria
embaixo tornava o carro mais fácil de ser manobrado e quase impossível de
capotar. “Gastamos muito tempo tirando milímetros do conjunto de bateria
para garantir que teríamos espaço interno suficiente sem transformar o carro
numa bolha”, conta Musk.
A pessoa que ele tornou responsável pela bateria era um recém-graduado
de Stanford chamado Drew Baglino. Mais simpático do que a maioria dos
engenheiros, dono de uma boa risada, Baglino iria escalar até o topo da
hierarquia da Tesla no decorrer dos anos, mas a carreira dele quase teve um
fim na primeira reunião com Musk. “De quantas células de bateria
precisamos para atingir nosso objetivo?”, perguntou Musk a ele. Baglino e o
restante da equipe do trem de força tinham passado semanas analisando a
questão. “Nós rodamos dezenas de modelos: como a aerodinâmica poderia
ser, como faríamos o trem de força eficiente e a densidade de cada célula”,
conta Baglino. E a resposta era que o conjunto precisaria de 8.400 células.
“Não”, replicou Musk. “Faça com 7.200 células.”
Baglino achava que era impossível, mas não disse isso em voz alta. Já
tinha ouvido histórias sobre a raiva de Musk quando desafiado. Mesmo
assim, seria alvo da explosão dele diversas vezes. “Elon era muito duro”,
lembra Baglino. “Gosta de desafiar o mensageiro, o que nem sempre é a
melhor estratégia. Ele começou a me atacar.”
Baglino disse para JB Straubel, chefe dele e um dos cofundadores da
Tesla, que estava nervoso. “Nunca mais quero participar de uma reunião
com Elon.” Straubel, que havia passado por muitas dessas sessões, o
surpreendeu ao declarar que havia sido uma “ótima” reunião. “É desse tipo
de retorno que precisamos”, disse Straubel. “Você só tem que aprender a
lidar com as demandas do Elon. Descubra qual o objetivo dele e continue
dando informações. É assim que ele obtém os melhores resultados.”
No caso das células de bateria, Baglino acabou se surpreendendo. “O
mais doido sobre a meta dele de 7.200 células é que, de fato, acabamos
usando 7.200 células”, diz. “Foi um cálculo instintivo, mas ele acertou.”

***

Depois de reduzir o número de células, Musk se concentrou em diminuir a


altura do conjunto de bateria. Colocá-lo no chão do carro significava ter que
protegê-lo contra avarias por pedras ou quaisquer destroços. Isso levou a
muitas discussões com os membros mais cuidadosos da equipe, que queriam
uma placa fina sob a bateria. Às vezes as reuniões se transformavam em
gritaria. “Elon levava para o lado pessoal, e os engenheiros perdiam a
cabeça”, diz Straubel. “Eles achavam que era algo arriscado a se fazer.”
Quando fincavam pé, era como sacudir um pano vermelho em frente a um
touro. “Elon é um cara hipercompetitivo, e desafiá-lo significa que a reunião
pode acabar mal.”
Para o posto de engenheiro-chefe do Model S, Musk contratou Peter
Rawlinson, um britânico gentil que havia trabalhado com carroceria na
Lotus e na Land Rover. Juntos, eles criaram uma maneira de fazer mais do
que simplesmente colocar o conjunto de bateria sob o chão do carro. Eles o
projetaram de modo que o conjunto se tornasse parte da estrutura do carro.
Era um exemplo da política de Musk que os designers que pensavam na
forma do carro trabalhassem junto com os engenheiros que determinavam
como o carro deveria ser construído. “Em outros lugares em que trabalhei”,
conta Von Holzhausen, “havia uma mentalidade de troca de e-mails, na
qual o designer tinha uma ideia e então a enviava para um engenheiro, que
estava em outro prédio ou até em outro país”. Musk colocou os engenheiros
e os designers na mesma sala. “A visão era a de que iríamos criar designers
que pensavam como engenheiros e engenheiros que pensassem como
designers”, fala Von Holzhausen.
Isso seguia o princípio que Steve Jobs e Jony Ive haviam incentivado na
Apple: design não envolve apenas estética, o design industrial verdadeiro
deve ligar a aparência de um produto à sua engenharia. “No vocabulário da
maioria das pessoas, design significa o superficial”, explicou certa vez Jobs.
“Nada está mais longe do significado de design. O design é a alma
fundamental da criação humana que acaba se expressando em camadas
sucessivas sobrepostas.”
Design amigável
Havia outro princípio que vinha do estúdio de design da Apple. Quando
Jony Ive concebeu o iMac colorido, amigável, incluiu uma alça embutida.
Não era muito funcional, porque o iMac era um computador de mesa que
não servia para ser carregado. Mas era um sinal de simpatia. “Se tem essa
alça, torna o relacionamento possível”, explicou Ive. “É acessível. Isso
permite que você toque na máquina.”
Da mesma forma, Von Holzhausen desenhou maçanetas que ficavam
embutidas no carro e apareciam e acendiam como um aperto de mão feliz
quando o motorista se aproximava com a chave. Isso não acrescentava
nenhuma grande funcionalidade. Uma maçaneta externa funcionaria
igualmente bem. Musk, contudo, adotou a ideia de imediato. Ela iria emitir
um alegre sinal de amizade. “A maçaneta sente sua chegada, acende e
aparece para te cumprimentar, isso é mágico”, diz ele.
Os engenheiros e as equipes de produção lutaram contra a ideia. Havia
pouco espaço dentro da porta para o mecanismo, que teria que funcionar
milhares de vezes em várias condições climáticas. Um dos engenheiros disse
a Musk uma de suas palavras favoritas: “imbecil”. Mas Musk persistiu.
“Parem de se opor a isso”, ordenou ele. Acabou sendo uma característica
marcante dos carros, que criava uma ligação emocional com o dono.
Musk tinha certa resistência a regulamentos. Ele não gostava de jogar sob
as regras dos outros. À medida que o Model S ficava quase completo, ele
um dia entrou no carro e abaixou o quebra-sol do passageiro. “Que merda é
essa?”, perguntou, apontando para a etiqueta de alerta obrigatória do
governo sobre airbags e como desabilitá-los quando uma criança está no
assento do passageiro. Dave Morris explicou que o governo exigia aquilo.
“Se livre disso”, mandou Musk. “As pessoas não são idiotas. Essas etiquetas
são idiotas.”
Para poder burlar as exigências, a Tesla desenhou um sistema que evitava
que o airbag funcionasse quando detectava que uma criança estava no
assento do passageiro. Isso não satisfez o governo, e Musk não cedeu. No
decorrer dos anos, a Tesla iria se envolver em uma queda de braço com a
National Highway Transportation Safety Board, que esporadicamente
emitia chamadas de recall para carros da Tesla sem o adesivo de aviso.
***

Musk queria que o Model S tivesse uma grande tela touch ao alcance do
motorista. Ele e Von Holzhausen passaram horas discutindo ideias de
tamanho, formato e posicionamento da tela. Acabou sendo um marco para a
indústria automobilística. O equipamento dava ao motorista um controle
mais fácil sobre as luzes, a temperatura, a posição dos assentos, os níveis de
suspensão e quase tudo no carro, exceto abrir o porta-luvas (que, por alguma
razão, o governo exigia que tivesse um botão físico). Também permitia mais
diversão, como jogos eletrônicos, sons de pum nos bancos dos passageiros,
diferentes sons para a buzina e surpresas escondidas nas interfaces.
Mais importante ainda: pensar no carro como um software, e não só
como um hardware, permitiu que ele fosse continuamente atualizado.
Novos recursos podiam ser entregues pelo ar. “Estávamos encantados em ver
como podíamos acrescentar funcionalidades no decorrer dos anos, inclusive
mais aceleração”, diz Musk. “Isso permitia que o carro se tornasse melhor
do que era quando foi comprado.”
capítulo 33
Espaço privado
SpaceX, 2009-2010

Em Cabo Canaveral com o presidente Obama, em 2010


Falcon 9, Dragon e Pad 40
A concorrência da NASA que a SpaceX ganhou para enviar carga com
destino à Estação Espacial Internacional veio com um desafio: exigiria um
foguete muito mais potente do que o Falcon 1.
A princípio, Musk planejou que o próximo foguete teria que ter cinco
motores em vez de um, e dessa forma seria chamado de Falcon 5. Ele
também precisaria de um motor mais potente. Tom Mueller, no entanto,
estava preocupado, uma vez que iria demorar muito para construir um
motor novo, e convenceu Musk a aceitar uma outra ideia: um foguete com
nove motores originais Merlin. Assim nasceu o Falcon 9, um foguete que se
tornaria o cavalo de tração da SpaceX por mais de uma década. Com 48
metros, era quase duas vezes mais alto que o Falcon 1, dez vezes mais
potente e doze vezes mais pesado.
Além do novo foguete, eles precisavam de uma cápsula espacial, o
módulo que é lançado no topo do foguete e que leva a carga (ou os
astronautas) até a órbita e pode se conectar à estação espacial e voltar à
Terra. Musk trabalhou com seus engenheiros em uma série de reuniões nas
manhãs de sábado para desenhar uma cápsula do zero, que ele chamou de
Dragon, em homenagem à música “Puff, the Magic Dragon”.
E, por fim, eles precisavam de um lugar (Kwaj não!) de onde poderiam
lançar com regularidade o novo foguete. Seria difícil atravessar metade do
mundo para levar o grande Falcon 9 até o Pacífico. Em vez disso, a SpaceX
fechou um acordo para usar parte do Kennedy Space Center, em Cabo
Canaveral, que tem quase setecentos prédios, plataformas e complexos de
lançamento espalhados por 580 quilômetros quadrados na costa do
Atlântico, na Flórida. A SpaceX alugou a plataforma de lançamento 40, que
desde os anos 1960 era usada para o lançamento dos foguetes Titan, da
Força Aérea.
Para reconstruir o complexo, Musk contratou um engenheiro chamado
Brian Mosdell, que trabalhava para uma joint-venture da Lockheed-Boeing,
a United Launch Alliance. As entrevistas de emprego de Musk podem ser
desconcertantes, porque ele faz várias coisas ao mesmo tempo, encara a
pessoa fixamente e às vezes fica em silêncio por um minuto ou mais.
(Candidatos são avisados com antecedência para apenas ficarem quietos,
sentados, e não tentar quebrar o silêncio.) Entretanto, quando está
envolvido e realmente quer extrair alguma informação do candidato, Musk
mergulha em discussões técnicas detalhadas. Quais eram as razões
científicas para usar hélio em vez de nitrogênio? Quais os melhores métodos
para vedar o eixo da bomba e o labirinto? “Eu tenho uma boa rede neural
para avaliar a capacidade de trabalho de alguém a partir de poucas
perguntas”, diz Musk. Mosdell conseguiu o emprego.
Provocado por Musk com frequência, Mosdell reconstruiu a área no
típico modo desconexo da SpaceX, literalmente. Ele e o chefe, Tim Buzza,
procuraram componentes que pudessem ser reaproveitados de maneira
barata. Buzza estava dirigindo por uma estrada em Cabo Canaveral e viu
um velho tanque de oxigênio líquido. “Perguntei ao general se podíamos
comprá-lo”, lembra-se ele, “e conseguimos um vaso de pressão de 1,5
milhão de dólares por quase nada. Ele ainda está no Pad 40”.
Musk também economizou dinheiro ao questionar exigências. Quando
perguntou à equipe por que custaria 2 milhões de dólares para construir
guindastes que levantassem o Falcon 9, mostraram a ele todas as normas de
segurança impostas pela Força Aérea. A maioria era obsoleta, e Mosdell
conseguiu convencer os militares a revisá-las. Os guindastes acabaram
custando 300 mil dólares.
Décadas de contratos com compensação haviam tornado a indústria
aeroespacial frouxa. Uma válvula em um foguete custava mais de trinta
vezes o preço de uma válvula parecida em um carro, por isso Musk
pressionava de maneira constante a equipe para procurar componentes em
empresas que não faziam parte do setor aeroespacial. As travas usadas pela
NASA na estação espacial custavam 1.500 dólares cada uma, por exemplo.
Um engenheiro da SpaceX conseguiu modificar uma trava usada em uma
porta de banheiro e criar um mecanismo de trava que custava 30 dólares.
Quando um engenheiro foi à baia de Musk e disse a ele que o sistema de
resfriamento de ar para o compartimento de carga útil da Falcon 9 ia custar
mais de 3 milhões de dólares, ele gritou o nome de Gwynne Shotwell na
baia adjacente para que perguntasse quanto custava um sistema de ar
condicionado para uma casa. Cerca de 6 mil dólares, disse ela. A equipe da
SpaceX comprou algumas unidades de ar-condicionado comercial e
modificou as bombas para que pudessem funcionar no topo do foguete.
Quando trabalhou para a Lockheed e a Boeing, Mosdell reconstruiu um
complexo de lançamento em Cabo Canaveral para o foguete Delta IV. O
complexo parecido que ele construiu para o Falcon 9 custou um décimo do
preço. A SpaceX não estava só privatizando o espaço; estava virando de
cabeça para baixo sua estrutura de custo.

Obama na SpaceX
“Me disseram que devemos estender o programa do ônibus espacial. É isso
mesmo?”, perguntou Barack Obama para sua conselheira sobre questões do
espaço, Lori Garver, no início de setembro de 2008.
“Não”, respondeu ela. “O setor privado deve fazer isso.” Era um conselho
arriscado. A SpaceX havia fracassado três vezes na tentativa de colocar um
satélite em órbita, e estava prestes a fazer aquela que poderia ser sua última
tentativa.
Garver, uma veterana da NASA, tentava convencer o candidato do
Partido Democrata à presidência de que a abordagem dos Estados Unidos
para a construção de foguetes precisava mudar. A NASA planejava acabar
com o ônibus espacial, e esperava substituí-lo por um novo programa de
foguetes chamado Constellation. O novo programa seria realizado da
maneira tradicional: a NASA fechara contratos com compensação com a
United Launch Alliance, da Lockheed-Boeing, para construir a maioria dos
componentes. Entretanto, o custo projetado do programa mais do que
dobrou, e ele não estava nem perto de ser concluído. Garver recomendou
que Obama o deixasse de lado e, em vez disso, permitisse que empresas
privadas como a SpaceX desenvolvessem foguetes que poderiam levar
astronautas ao espaço.
Eis por que ela, assim como Musk, tinha muito em jogo na quarta
tentativa de lançamento do Falcon 1 em Kwaj, em setembro. Quando deu
certo, Garver recebeu ligações de parabéns dos principais funcionários de
Obama que a indicou para o cargo de vice-administradora da NASA.
Infelizmente para Garver, Obama escolheu como chefe dela Charlie
Bolden, um ex-piloto dos fuzileiros navais e astronauta da NASA, que não
compartilhava o entusiasmo dela em se associar ao setor privado. “Eu não
era um ideólogo como muitos à minha volta, que achavam que bastava
pegar o orçamento da NASA, pegar tudo que estivesse destinado para voo
espacial humano, e dar para Elon Musk e a SpaceX”, diz Bolden.
Garver também teve que brigar com os congressistas que tinham fábricas
da Boeing em seus estados e que, apesar de serem republicanos, se opunham
à ideia de empreendedores privados assumirem aquilo que eles achavam que
deveria ser feito pela burocracia governamental. “As principais autoridades
da indústria e do governo tinham prazer em ridicularizar a SpaceX e Elon”,
lembra Garver. “Não ajudava o fato de Elon ser mais jovem e rico do que
eles, com uma mentalidade disruptiva do Vale do Silício e sem demonstrar
qualquer deferência à indústria tradicional.”
Garver venceu a discussão no fim de 2009. Obama cancelou o programa
Constellation, da NASA, depois que o conselheiro de ciência e diretor de
orçamento da Casa Branca disse que ele estava “estourando o orçamento,
atrasado, fora de curso e era inexecutável”. Os tradicionalistas, entre eles o
reverenciado astronauta Neil Armstrong, contestaram a decisão. “O
orçamento proposto pelo presidente para a NASA é o início da marcha de
morte dos voos espaciais humanos nos Estados Unidos”, disse o senador
Richard Shelby, do Alabama. Ex-administrador da NASA, Michael Griffin,
que havia viajado com Musk para a Rússia sete anos antes, acusou: “Em
suma, os Estados Unidos decidiram que não vão ser participantes
significativos nos voos espaciais humanos.” Eles estavam errados. Durante a
década seguinte, graças principalmente à SpaceX, os Estados Unidos
mandaram mais astronautas, satélites e cargas para o espaço do que qualquer
outro país.

***

Obama decidiu viajar a Cabo Canaveral em abril de 2010 para afirmar que
depender de empresas privadas como a SpaceX não significava que os
Estados Unidos estavam abandonando a exploração espacial. “Alguns
disseram que era inviável ou imprudente trabalhar com o setor privado dessa
forma”, disse em um discurso. “Eu discordo. Ao comprar os serviços de
transporte espacial — em vez dos próprios veículos —, podemos continuar a
garantir padrões rigorosos de segurança. Mas também vamos acelerar o
ritmo de inovação enquanto as empresas — de jovens startups a líderes
estabelecidas — competem para projetar, construir e lançar novas maneiras
de transportar pessoas e materiais para fora de nossa atmosfera.”
A equipe do presidente havia decidido que ele iria a uma das plataformas
de lançamento depois do discurso e faria uma sessão de fotos na frente de
um foguete. Segundo as reportagens, o presidente queria ir a uma
plataforma usada pela United Launch Alliance, mas eles estavam se
preparando para lançar um satélite de inteligência secreto, então a ideia foi
descartada. Lori Garver diz que a verdade era outra. “Todos nós na Casa
Branca concordamos que queríamos ir à plataforma da SpaceX.”
A imagem televisionada foi inestimável tanto para Obama quanto para
Musk: o jovem presidente, nascido no ano em que John Kennedy prometeu
mandar um norte-americano à Lua, caminhando ao lado do empreendedor
que aceita riscos, conversando casualmente enquanto andavam em volta do
brilhante Falcon 9. Musk gostou de Obama. “Achei ele moderado, mas
também disposto a forçar mudanças”, diz Musk. “Acho que ele queria
entender se eu era confiável ou meio doido.”
capítulo 34
O lançamento do Falcon 9
Cabo Canaveral, 2010

Mark Juncosa, ao centro, fazendo um brinde ao lançamento do Falcon 9


Em órbita...
A chance de Musk provar que não era “meio doido”, ou pelo menos que era
confiável, surgiu dois meses depois, em junho de 2010, quando o Falcon 9
fez o primeiro teste de viagem até a órbita. O Falcon 1 havia fracassado três
vezes antes de ser bem-sucedido, e esse foguete era muito maior e mais
complexo. Musk achava improvável que desse certo na primeira tentativa,
mas havia muita pressão agora que o presidente anunciara que a política dos
Estados Unidos dependeria de lançamentos comerciais. Como escreveu o
e Wall Street Journal: “Uma falha dramática de lançamento poderia minar
uma campanha já hesitante da Casa Branca de convencer o Congresso a
gastar bilhões para ajudar a SpaceX e talvez outros dois rivais a desenvolver
substitutos comerciais para a frota aposentada de ônibus espaciais da
NASA.”
A probabilidade de sucesso diminuiu quando uma tempestade molhou o
foguete. “Nossa antena molhou”, lembra Buzza, “e não estávamos
conseguindo um bom sinal de telemetria”. Eles baixaram o foguete da
plataforma de lançamento e Musk saiu com Buzza para inspecionar a avaria.
Blent Altan, o herói do goulash de Kwaj, subiu a escada, olhou para as
antenas e confirmou que estavam molhadas demais para funcionar. Um
conserto típico da SpaceX foi improvisado: eles pegaram um secador de
cabelo e Altan o passou sobre as antenas até que a umidade secasse. “Você
acha que está bom o suficiente para voar amanhã?”, perguntou Musk a ele.
Altan respondeu: “Deve funcionar.” Musk o encarou em silêncio por um
tempo, avaliando o interlocutor e a resposta, e depois disse: “Ok, vamos
nessa.”
Na manhã seguinte, a checagem de frequência de rádio ainda não estava
perfeita. “Não era o tipo certo de padrão”, diz Buzza. Então, ele avisou a
Musk que poderia haver outro atraso. Musk checou os dados. Como
sempre, ele estava disposto a tolerar mais riscos do que outras pessoas. “Está
bom o suficiente. Vamos lançar.” Buzza concordou. “O importante com o
Elon”, diz ele, “é você lhe dizer quais são os riscos e mostrar os dados de
engenharia, que então ele faz uma avaliação rápida e assume a
responsabilidade”.
O lançamento foi perfeito. Musk, que se juntou à sua equipe jubilosa em
uma festa que durou a noite toda no píer de Cocoa Beach, disse que foi “um
aval para o que o presidente havia proposto”. Era também um aval para a
SpaceX. Menos de oito anos depois da fundação e dois anos depois de quase
falir, a SpaceX era a empresa privada de foguetes mais bem-sucedida do
mundo.

... E a volta
O próximo grande teste, programado para o fim de 2010, era mostrar que a
SpaceX não só era capaz de lançar uma cápsula não tripulada em órbita,
como também podia fazê-la voltar à Terra em segurança. Nenhuma empresa
privada havia conseguido isso. Na realidade, apenas três países conseguiram:
Estados Unidos, Rússia e China.
Mais uma vez, Musk mostrou uma disposição em assumir riscos que
beirava a negligência, o que distinguia os programas dele dos que eram
comandados pela NASA. No dia anterior ao lançamento de dezembro, uma
inspeção final da plataforma revelou duas pequenas fissuras na saia do motor
do segundo estágio do foguete. “Todo mundo na NASA presumiu que
iríamos adiar o lançamento por algumas semanas”, diz Garver. “O plano
tradicional seria substituir o motor inteiro.”
“E se a gente cortar a saia?”, perguntou Musk à equipe. “Tipo,
literalmente cortar em volta dela?” Em outras palavras, por que não retirar
um pequeno pedaço do fundo que tinha as duas fissuras? A saia mais curta
significaria que o motor teria um pouco menos de impulso, alertou um
engenheiro, mas Musk calculou que ainda seria o suficiente para cumprir a
missão. Levou menos de uma hora para tomar a decisão. Usando um par
grande de tesouras, a saia foi encurtada e o foguete, lançado para a missão
crítica no dia seguinte, conforme planejado. “Os caras da NASA não
podiam fazer nada a não ser aceitar as decisões da SpaceX e assistir,
incrédulos”, lembra Garver.
O foguete foi capaz, como previu Musk, de levar a cápsula Dragon até a
órbita. Em seguida, fez as manobras designadas e ativou os foguetes de
propulsão para que pudesse retornar à Terra, descendo de paraquedas
suavemente até o mar na costa da Califórnia.
Por mais incrível que fosse tudo isso, Musk chegou a uma conclusão
sensata. O programa Mercury havia conseguido realizar ações semelhantes
cinquenta anos antes, antes de ele e Obama nascerem. Os Estados Unidos
estavam apenas retomando o caminho já percorrido.

***

A SpaceX repetidamente provou que podia ser mais ágil do que a NASA.
Um exemplo aconteceu durante uma missão até a estação espacial em março
de 2013, quando uma das válvulas do motor da cápsula Dragon emperrou e
não abria. A equipe da SpaceX começou a correr para tentar descobrir como
abortar a missão e trazer a cápsula de volta antes que ela caísse. Então, eles
bolaram um plano arriscado. Talvez pudessem aumentar a pressão na frente
da válvula para fazê-la abrir. “Era uma espécie de versão espacial da
manobra de Heimlich”, declarou Musk posteriormente a Christian
Davenport, do e Washington Post.
As duas principais autoridades da NASA na sala de controle ficaram
apenas observando enquanto os jovens engenheiros da SpaceX elaboravam
um plano. Um dos engenheiros de software da SpaceX escreveu o código
que iria instruir a cápsula a aumentar a pressão, e eles o transmitiram como
se fosse uma atualização de software em um carro Tesla.
A válvula se abriu. A Dragon se conectou à estação espacial e voltou para
casa em segurança.
Isso acabou pavimentando o caminho para o próximo grande desafio da
SpaceX, maior e mais arriscado. Provocado por Garver, o governo Obama
decidiu que, quando o ônibus espacial fosse aposentado, os Estados Unidos
iriam depender só de empresas privadas, mais notavelmente da SpaceX,
para levar não apenas cargas, como também humanos, até a órbita. Musk
estava preparado para isso. Ele já havia dito aos engenheiros da SpaceX que
construíssem na cápsula Dragon um elemento que não era necessário para o
transporte de cargas: uma janela.
capítulo 35
Casando-se com Talulah
Setembro de 2010

Com Talulah na Kentucky Derby


“Posso seguir por um caminho difícil”
Musk havia pedido Talulah Riley em casamento semanas depois de eles se
conhecerem, no verão de 2008, mas ambos concordaram que deveriam
esperar dois anos antes de realmente se casarem.
A amplitude emocional de Musk ia de insensível a carente até
exuberante, sendo este último modo mais perceptível quando ele estava
apaixonado. Riley voltou para a Inglaterra em julho de 2009 para estrelar
Escola para garotas bonitas e piradas 2, uma sequência da comédia sobre
garotas num internato que havia feito dois anos antes, e, no primeiro dia de
filmagem, em uma mansão perto da casa de infância dela no norte de
Londres, recebeu quinhentas rosas de Musk. “Quando ele está nervoso, está
nervoso, e quando está feliz, está feliz, e é quase uma criança em seu
entusiasmo”, diz. “Ele pode ser muito frio, mas sente as coisas de uma
maneira muito pura, com uma profundidade que a maioria das pessoas não
entende.”
O que mais marcou Riley era o que ela chamava de “a criança dentro do
homem”. Quando Musk está feliz, o eu interior infantil pode se manifestar
de forma maníaca. “Nas vezes que íamos ao cinema, ele ficava tão envolvido
em um filme bobo que encarava em êxtase a tela com a boca meio aberta
rindo; depois, chegava a rolar no chão, apertando a barriga.”
No entanto, ela também notou que a criança dentro do homem podia se
expressar de maneiras mais sombrias. No início do relacionamento, Musk
ficava acordado até tarde e contava sobre o pai. “Eu me lembro de uma
dessas noites: Elon começou a chorar, e era realmente horrível para ele”, diz.
Durante essas conversas, Musk às vezes entrava num estado de transe e
contava as coisas que o pai costumava dizer. “Ele parecia quase inconsciente,
como se não estivesse no quarto comigo, quando me contava essas coisas”,
lembra-se ela. Ouvir as frases que Errol usava ao implicar com Elon era
chocante, não só porque eram coisas brutais, mas também porque ela já
tinha ouvido Elon usar algumas das mesmas frases quando estava irritado.
Sendo uma garota educada e calma do interior da Inglaterra, Riley sabia
que um casamento com Musk seria desafiador. Ele era emocionante e
fascinante, mas também chocante e muito complexo. “Estar comigo pode
ser difícil”, lhe disse ele. “É um caminho difícil.”
Riley decidiu seguir em frente. “Ok”, respondeu ela a Musk. “Posso
seguir por um caminho difícil.”
Eles se casaram em setembro de 2010 na Dornoch Cathedral, uma igreja
do século XIII nas Terras Altas da Escócia. “Sou cristã e Elon não é, mas
muito generosamente ele concordou em se casar numa catedral”, conta
Riley. Ela usou um “vestido de princesa da Vera Wang”, e deu a Musk uma
cartola e uma bengala para que ele pudesse dançar como Fred Astaire, de
cujos filmes ele aprendeu com ela a gostar. Os cinco filhos dele, vestidos
com smokings feitos sob medida, deveriam compartilhar as funções de
pajem e padrinhos, mas Saxon, filho de Musk que tem autismo, desistiu e os
outros começaram a brigar — por fim —, somente Griffin chegou ao altar.
Mas o drama aumentou a diversão, lembra-se Riley.
A festa foi no Castelo Skibo, perto da catedral, também construído no
século XIII. Quando Riley perguntou a Musk o que ele queria, ele
respondeu: “Haverá aerodeslizadores e enguias.” Era uma referência a um
esquete de Monty Python no qual John Cleese representa um húngaro que
tenta falar inglês usando um livro de frases muito ruim e diz a um lojista,
“meu aerodeslizador está cheio de enguias”. (Na verdade, é mais engraçado
do que fiz parecer.) “Isso era bastante difícil”, diz Riley, “porque você
precisava de autorização para transportar enguias entre a Inglaterra e a
Escócia, mas no fim tínhamos de fato uma embarcação anfíbia e enguias”.
Também havia um veículo militar de transporte de tropas que Musk e seus
amigos usaram para amassar três carros velhos. “Todos pudemos ser crianças
novamente”, lembra Navaid Farooq.

O Expresso do Oriente
Riley gostava de dar festas criativas, e Musk, apesar de meio desajeitado no
trato social (ou talvez por causa disso), sentia um estranho entusiasmo por
elas. Esse tipo de evento permitia que ele se soltasse, especialmente durante
momentos de tensão, o que no caso dele era quase o tempo todo. “Eu dava
festas superteatrais só para mantê-lo entretido”, diz ela.
A mais luxuosa foi para comemorar o aniversário de 40 anos de Musk,
em junho de 2011, menos de um ano depois do casamento deles. Junto com
três dezenas de amigos, ele e Talulah alugaram vagões no Expresso do
Oriente de Paris até Veneza.
Eles se encontraram no hotel Costes, um lugar opulento próximo à Place
Vendôme. Alguns deles, liderados por Elon e Kimbal, foram a um
restaurante chique, e enquanto estavam voltando para o hotel decidiram
alugar bicicletas e passear pela cidade. Eles andaram de bicicleta até as duas
da manhã e depois subornaram o hotel para que o bar ficasse aberto e os
recebesse. Após uma hora bebendo, voltaram para as bicicletas e acabaram
em um salão subterrâneo chamado Le Magnifique, onde ficaram até as
cinco horas.
Eles acordaram às três da tarde no dia seguinte, bem no momento de
pegar o trem. Vestidos com smokings, tiveram um jantar formal no
Expresso do Oriente, com caviar e champanhe, seguido de uma
apresentação particular do Lucent Dossier Experience, uma trupe de
performance steampunk que misturava música de vanguarda, artes aéreas e
fogo, mais ou menos como o Cirque du Soleil, só que mais erótico. “As
pessoas estavam penduradas no teto”, diz Kimbal, “o que era uma cena
bizarra no tradicional Expresso do Oriente”. Riley às vezes cantava para
Elon em particular uma música chamada “My Name Is Tallulah”, do filme
Bugsy. Ele disse que tinha apenas um desejo de aniversário: o de que ela se
apresentasse para todos na festa. “Eu não sei cantar, então foi traumático
para mim, mas fiz por ele”, diz Riley.
Musk não teve muitos relacionamentos sólidos, nem teve muitos
períodos estáveis e tranquilos na vida. E essas duas coisas estavam
relacionadas, sem dúvida. Entre os poucos relacionamentos desse tipo está o
que ele teve com Riley, e os anos que passou com ela — desde quando os
dois se conheceram, em 2008, até o divórcio, em 2016 — acabaram sendo o
maior período de relativa estabilidade na vida dele. Se Musk gostasse de
estabilidade mais do que de tempestade e drama, ela seria perfeita para ele.
capítulo 36
Produção
Tesla, 2010-2013

Com Griffin, Talulah e Jenna, celebrando o sino de abertura da NASDAQ em


junho de 2010; com Marques Brownlee na fábrica da Tesla de Fremont
Fremont
Com a teologia da globalização nos anos 1980, CEOs de empresas norte-
americanas focados em redução de custos e seus investidores ativistas
começaram a promover incessantemente a ideia de fechar indústrias
domésticas e passar a produzir no exterior. A tendência acelerou no início
dos anos 2000, quando a Tesla estava dando os primeiros passos. Entre
2000 e 2010, os Estados Unidos perderam um terço dos empregos
industriais. Ao enviar as fábricas para fora, as empresas norte-americanas
economizaram em custos de produção, mas perderam a percepção diária de
como melhorar seus produtos.
Musk não seguiu a tendência, principalmente porque queria ter um
rígido controle do processo de fabricação. Ele acreditava que projetar uma
fábrica para construir um carro — “a máquina que produz a máquina” — era
tão importante quanto o próprio carro. O loop de feedback de design para
manufatura da Tesla é uma vantagem competitiva, que permite a inovação
diária.
O fundador da Oracle, Larry Ellison, entrou para apenas dois conselhos
corporativos, da Apple e da Tesla, e se tornou amigo próximo de Jobs e
Musk. Ele disse que ambos sofriam de transtorno obsessivo-compulsivo,
mas que se beneficiavam disso. “O TOC é uma das razões do sucesso deles,
porque ficam obcecados em resolver um problema até conseguir”, diz
Ellison. O que os distingue é que Musk, diferentemente de Jobs, aplica essa
obsessão não só ao design de um produto, mas também à ciência, à
engenharia e à produção subjacentes. “Steve só tinha que acertar a
concepção e o software, mas a produção era terceirizada”, diz Ellison. “Elon
assumia a produção, os materiais, as grandes fábricas.” Jobs amava andar
pelo estúdio de design diariamente, mas nunca visitava suas fábricas na
China. Musk, ao contrário, passa mais tempo caminhando pelas linhas de
produção do que pelo estúdio de design. “O esforço mental para projetar um
carro é ínfimo comparado com o esforço mental necessário para projetar
uma fábrica”, afirma ele.
A abordagem de Musk se deu em maio de 2010, quando a Toyota estava
querendo vender uma fábrica que havia compartilhado com a GM em
Fremont, na Califórnia, nos limites do Vale do Silício, a meia hora de carro
da sede da Tesla, em Palo Alto. Musk convidou o presidente da Toyota,
Akio Toyoda, para uma visita à casa dele em Los Angeles e o levou para
passear num Roadster. Ele conseguiu adquirir a fábrica desativada, que já
havia chegado a valer 1 bilhão de dólares, por 42 milhões de dólares. Além
disso, a Toyota concordou em investir 50 milhões de dólares na Tesla.
Quando redesenhou a fábrica, Musk colocou as baias dos engenheiros
bem na ponta das linhas de montagem, para que eles pudessem ver as luzes
piscando e ouvir as reclamações sempre que um dos elementos de design
que tivessem projetado causasse atraso no ritmo de trabalho. Musk
frequentemente fazia os engenheiros andarem pelas linhas de produção com
ele. A mesa dele ficava bem no centro de tudo, sem paredes, e havia um
travesseiro guardado ali para que pudesse passar a noite lá quando quisesse.
No mês que se seguiu à compra da unidade pela Tesla, Musk conseguiu
abrir o capital da empresa, o primeiro IPO de um fabricante de carros desde
a Ford, em 1956. Ele viajou com Talulah e dois dos filhos dele para tocar o
sino de abertura da NASDAQ, a bolsa de valores na Times Square. No fim
do dia, o mercado de ações havia caído, mas as ações da Tesla subiram mais
de 40%, fornecendo 266 milhões de dólares em financiamento para a
empresa. Naquela noite, Musk voou até o Oeste, para a fábrica em
Fremont, onde fez um brinde enérgico. “O petróleo que se foda”, disse ele.
A Tesla estava quase morta no fim de 2008. Mas então, apenas dezoito
meses depois, havia se tornado a empresa mais atraente dos Estados Unidos.

Qualidade de produção
Quando os primeiros carros Model S saíram da linha de montagem de
Fremont, em junho de 2012, centenas de pessoas, entre elas o governador da
Califórnia, Jerry Brown, apareceram para a celebração. Muitos dos
trabalhadores agitavam bandeiras dos Estados Unidos. Alguns choravam. O
que um dia fora uma fábrica falida que demitira todos os funcionários agora
empregava 2 mil pessoas e liderava o caminho para o carro elétrico do
futuro.
No entanto, alguns dias depois, quando Musk recebeu seu próprio Model
S direto da linha de montagem, não ficou feliz. Mais precisamente, ele disse
que o carro era uma merda. Pediu que Von Holzhausen fosse à casa dele, e
os dois passaram duas horas analisando o veículo. “Meu Deus, isso é o
melhor que podemos fazer?”, perguntou Musk. “O acabamento do painel é
uma porcaria. A qualidade da pintura é horrível. Por que não temos a
mesma qualidade de produção que a Mercedes e a BMW?”
Quando fica irritado, Musk toma atitudes drásticas. Ele rapidamente
demitiu três chefes de qualidade de produção. Um dia naquele mês de
agosto, Von Holzhausen estava com Musk no avião dele e perguntou como
podia ajudar. Ele deveria ter sido cuidadoso em fazer tal oferta. Musk pediu
que Von Holzhausen se mudasse para Fremont, por um ano, e passasse a ser
o novo chefe de qualidade de produção.
Von Holzhausen e seu vice, Dave Morris, que o acompanhou a Fremont,
às vezes andavam pelas linhas de produção até as duas da madrugada. Era
uma experiência interessante para um designer. “Isso me ensinou como tudo
que você cria na prancheta tem um efeito na outra ponta, na linha de
produção”, diz Von Holzhausen. Musk se juntava a eles duas ou três noites
por semana. O foco dele era na raiz do problema. Qual parte do design fora
responsável pelo problema na linha de produção?
Uma das palavras — e dos conceitos — preferidas de Musk era
“hardcore”. Ele a usava para descrever a cultura do local de trabalho que
queria quando fundou a Zip2 e a usaria quase trinta anos depois, quando
colocou de cabeça para baixo a cultura estimulante do Twitter. À medida
que a produção do Model S era incrementada, Musk explicou
detalhadamente qual era a convicção que o guiava em um e-mail para os
funcionários cujo título era “Ultra-hardcore”, a essência do que ele pensava.
A mensagem dizia: “Por favor, prepare-se para um nível de intensidade que
você nunca experimentou. Revolucionar indústrias não é para os fracos de
coração.”
A validação veio no fim de 2012, quando a Motor Trend Magazine
escolheu o Model S como carro do ano. A manchete dizia: “Tesla Model S,
vencedor chocante: prova positiva de que os Estados Unidos ainda são
capazes de fazer coisas (ótimas).” A resenha era de tirar o fôlego, a ponto de
surpreender até Musk. “Dá para dirigi-lo como um carro esportivo, ávido e
ágil, de resposta rápida. Mas também é fácil e suave de dirigir como um
Rolls-Royce, pode carregar quase tanta coisa quanto um Chevy Equinox e é
mais eficiente que um Toyota Prius. Ah, sem falar que vê-lo desfilar no valet
de um hotel de luxo é como ver uma supermodelo em uma passarela de
Paris.” O texto terminava mencionando “o impressionante ponto de inflexão
que o Model S representa”: era a primeira vez que se concedia o prêmio a
um carro elétrico.

A gigafábrica de baterias em Nevada


A ideia que Musk propôs em 2013 era audaciosa: construir uma fábrica de
baterias gigantesca nos Estados Unidos, com uma produção maior que a de
todas as outras fábricas de baterias no mundo somadas. “Era uma ideia
completamente doida”, diz JB Straubel, o mago das baterias e um dos
cofundadores da Tesla. “Parecia ficção científica maluca.”
Para Musk, era uma questão de princípio. O Model S estava usando
cerca de 10% das baterias do mundo. Os novos modelos que a Tesla estava
desenhando — um SUV chamado Model X e um sedã popular que se
tornaria o Model 3 — iriam exigir uma quantidade de baterias dez vezes
maior. “O que começou como um problema de parar o trânsito”, diz
Straubel, “tornou-se uma oportunidade inovadora de brainstorming
realmente divertida e maluca de dizer ‘Uau, essa é de fato uma chance de
fazer algo único’”.
“Mas havia um problema”, lembra-se Straubel. “Não tínhamos a menor
ideia de como construir uma fábrica de baterias.”
Então Musk e Straubel decidiram ir atrás de uma parceria com o
fornecedor de baterias deles, a Panasonic. Juntos eles iriam construir uma
fábrica em que a Panasonic faria células de bateria e, depois, a Tesla as
transformaria em conjuntos de baterias para carros. A fábrica, de 1 milhão
de metros quadrados, custaria 5 bilhões de dólares, dos quais a Panasonic
financiaria 2 bilhões. No entanto, os principais executivos da Panasonic
estavam hesitantes. Eles nunca haviam feito esse tipo de parceria, e Musk
(compreensivelmente) não parecia um cara fácil de lidar.
Para incitar a Panasonic, Musk e Straubel bolaram uma encenação. Em
um lugar perto de Reno, Nevada, eles instalaram luzes e enviaram
escavadeiras para começar a preparação para a construção. Então Straubel
convidou seu equivalente da Panasonic para se juntar a ele em uma
plataforma de observação com a finalidade de ver o trabalho. A mensagem
era clara: a Tesla estava seguindo em frente com a fábrica. A Panasonic
queria ficar para trás?
Funcionou. Musk e Straubel foram convidados para viajar até o Japão
pelo novo e jovem presidente da Panasonic, Kazuhiro Tsuga. “Era uma
reunião definitiva na qual tínhamos que fazer com que ele realmente se
comprometesse em construir uma gigafábrica com a gente”, diz Straubel.
O jantar foi formal, com diversos pratos, em um tradicional restaurante
japonês de mesa baixa. Straubel estava temeroso com o comportamento de
Musk. “Elon sabe ser infernal e muito difícil em reuniões, simplesmente
imprevisível”, diz. “Mas também o vi virar a chave quando precisa e de
repente se mostrar um homem de negócios inacreditavelmente efetivo,
carismático, de grande inteligência emocional.” No jantar da Panasonic, o
Musk charmoso apareceu. Ele descreveu sua visão de levar o mundo na
direção de veículos elétricos e disse por que as duas empresas deveriam fazer
isso juntas. “Fiquei meio chocado e impressionado, porque, puxa, não era
assim que Elon agia normalmente”, diz Straubel. “Ele é uma pessoa muito
diversificada e você nunca sabe o que vai dizer ou fazer. E então, de repente,
ele reúne tudo.”
No jantar, Tsuga concordou em ser sócio em 40% da gigafábrica.
Quando perguntaram por que a Panasonic decidiu aceitar o acordo, ele
respondeu: “Somos muito conservadores. Somos uma empresa de 95 anos.
Temos que mudar. Temos que adotar um pouco do pensamento de Elon.”
capítulo 37
Musk e Bezos
SpaceX, 2013-2014

Em um jantar em 2004
Jeff Bezos
Jeff Bezos, o superacelerado bilionário da Amazon, dono de uma risada
escandalosa e de um entusiasmo pueril, persegue suas paixões com um
talento para ser, ao mesmo tempo, exuberante e metódico. Como Musk, ele
era viciado em ficção científica na infância, lendo todas as obras de Isaac
Asimov e Robert Heinlein da biblioteca pública local.
Quando tinha 5 anos, em julho de 1969, assistiu pela televisão à
cobertura da missão da Apollo 11, que culminou com Neil Armstrong
andando na Lua. Esse foi um “momento seminal” para ele, de acordo com
Bezos. Tempos depois, ele financiaria uma série de missões que recuperaram
do oceano Atlântico um motor da Apollo 11, o qual instalou em um nicho
na sala de estar de sua casa em Washington, D.C.
A empolgação com o espaço transformou Bezos num daqueles fanáticos
por Star Trek que conhecem todos os episódios. Como orador da turma do
ensino médio, o discurso dele foi sobre como colonizar planetas, construir
hotéis no espaço e salvar a Terra ao encontrar outros lugares para fábricas.
“Espaço, a fronteira final, encontrem-me lá!”, concluiu ele.
Em 2000, depois de tornar a Amazon a empresa de vendas on-line
dominante no mundo, Bezos silenciosamente lançou uma empresa chamada
Blue Origin, nome inspirado no planeta azul-claro onde os humanos
surgiram. Como Musk, ele se concentrou em construir foguetes
reutilizáveis. “Em que aspectos a situação no ano 2000 é diferente da
situação nos anos 1960?”, pergunta Bezos. “A diferença está nos sensores
eletrônicos, nas câmeras, nos softwares. Ser capaz de pousar verticalmente é
o tipo de problema que pode ser enfrentado pelas tecnologias que não
existiam em 1960.”
Tal qual Musk, ele embarcou em empreendimentos espaciais mais como
um missionário do que como um mercenário. Há maneiras mais fáceis de
ganhar dinheiro. A civilização humana, Bezos acreditava, logo acabará com
os recursos de nosso pequeno planeta. Isso nos levará a uma escolha: aceitar
parar de crescer ou se expandir para lugares além da Terra. “Não acho a
estática compatível com a liberdade”, diz. “Podemos resolver esse problema,
e há uma solução: nos mudar para o sistema solar.”
Os dois se conheceram em 2004, quando Bezos aceitou o convite de
Musk para fazer um passeio na SpaceX. Em seguida, Bezos ficou surpreso
ao receber um e-mail seco de Musk, que expressava irritação por Bezos não
ter retribuído o convite para que Musk conhecesse a fábrica da Blue Origin
em Seattle, o que ele prontamente fez, então. Musk foi de avião com
Justine, visitou a Blue Origin, depois eles jantaram com Bezos e a esposa,
MacKenzie. Musk estava cheio de conselhos, expressados com a intensidade
usual. Avisou a Bezos que ele estava indo pelo caminho errado: “Cara, nós
tentamos isso e acabou sendo muito idiota, então me escute, não faça a
mesma bobagem que fizemos.” Bezos se lembra de pensar que Musk era um
pouco confiante demais, dado que ainda não tinha lançado com sucesso um
foguete. No ano seguinte, Musk pediu a Bezos que a Amazon fizesse uma
avaliação do novo livro de Justine, um thriller de horror urbano sobre seres
metade demônio, metade humano. Bezos explicou que não dizia para a
Amazon quais livros avaliar, mas falou que iria pessoalmente publicar uma
avaliação de cliente. Musk enviou uma resposta áspera, mas mesmo assim
Bezos publicou uma elogiosa resenha pessoal.

Pad 39 A
No início de 2011, a SpaceX ganhou uma série de contratos da NASA para
desenvolver foguetes que poderiam levar humanos até a Estação Espacial
Internacional, uma tarefa crucial desde a aposentadoria do ônibus espacial.
Para cumprir essa missão, ela precisava aumentar as instalações no Pad 40,
em Cabo Canaveral, e Musk decidiu alugar as instalações mais históricas do
lugar, o Pad 39 A.
O Pad 39 A havia sido palco central da Era Espacial Norte-Americana,
gravado na memória de toda uma geração que viu pela televisão e prendeu a
respiração quando a contagem regressiva começou: “Dez, nove, oito...” A
missão de Neil Armstrong na Lua a que Bezos assistiu quando criança fora
lançada do Pad 39, em 1969, assim como a última missão tripulada para a
Lua, em 1972. E também a primeira missão do ônibus espacial, em 1981, e
a última, em 2011.
Em 2013, porém, com o programa do ônibus espacial encerrado e meio
século de aspirações espaciais norte-americanas tendo terminado com
estrondos e choramingos, o Pad 39 estava enferrujando e ervas daninhas
cresciam no fosso de chamas. A NASA ansiava por alugá-lo. O cliente
óbvio era Musk, cujos foguetes Falcon 9 já haviam sido lançados em missões
de carga do Pad 40, que ficava próximo e Obama tinha visitado. No
entanto, quando a locação foi aberta para lances, Jeff Bezos, tanto por
razões sentimentais quanto práticas, decidiu competir pelo lugar.
Quando a NASA decidiu locar o espaço para a SpaceX, Bezos entrou
com uma ação judicial. Musk ficou furioso, declarou que era ridículo que a
Blue Origin contestasse o aluguel “quando eles não conseguiram colocar
nem um palito em órbita”. Ele ridicularizou os foguetes de Bezos,
apontando que só eram capazes de chegar ao limite do espaço e então
caíam; eles não tinham o impulso necessário para romper a gravidade da
Terra e entrar em órbita. “Se eles de alguma forma conseguirem apresentar
nos próximos cinco anos um veículo nos padrões de qualificação humana da
NASA que possa se acoplar à estação espacial, que é a finalidade do Pad 39
A, vamos acomodar com alegria as necessidades deles”, disse Musk.
“Francamente, acho mais provável descobrir unicórnios dançando no duto
de chamas.”
A batalha dos barões sci-fi havia começado. Um funcionário da SpaceX
comprou dezenas de unicórnios infláveis e os fotografou no duto de chamas
da plataforma.
Bezos acabou conseguindo alugar um complexo de lançamento próximo
de Cabo Canaveral, o Pad 36, que havia sido o local de lançamento das
missões para Marte e Vênus. A competição dos bilionários infantis estava
pronta para continuar. A transferência dessas plataformas sagradas
representava, tanto simbolicamente quanto na prática, que a tocha da
exploração espacial iniciada por John Kennedy estava passando das mãos do
governo para o setor privado — da outrora gloriosa e hoje esclerosada
NASA para um novo tipo de pioneiros com sentido de missão.
Foguetes reutilizáveis
Tanto Musk quanto Bezos tinham uma visão sobre o que iria tornar as
viagens espaciais mais viáveis: foguetes que pudessem ser reutilizados. O
foco de Bezos era criar os sensores e o software que guiassem o foguete para
um pouso seguro na Terra. Mas isso era apenas parte do desafio. A maior
dificuldade seria colocar todos esses atributos em um foguete que
permanecesse leve o bastante e cujos motores teriam impulso suficiente para
chegar à órbita. Musk se concentrava obsessivamente nesse problema de
física. Ele gostava de meditar, meio brincando, que nós, terráqueos, vivemos
em uma simulação de videogame criada por senhores inteligentes com senso
de humor. Eles fizeram a gravidade em Marte e na Lua fraca o suficiente
para que se lançar em órbita fosse fácil. Na Terra, porém, a gravidade parece
perversamente calibrada para tornar quase impossível chegar à órbita.
Como um alpinista organizando o conteúdo da mochila, Musk estava
obcecado em reduzir o peso de seus foguetes. Isso tinha um efeito
multiplicador: remover um pouco de peso — excluindo uma parte, usando
um material mais leve, fazendo soldas mais simples — resulta em menos
combustível necessário, o que reduz ainda mais a massa que os motores
precisam impulsionar. Quando andava pelas linhas de produção da SpaceX,
Musk parava em cada estação, observava em silêncio e desafiava a equipe a
descartar alguma parte. Quase todas as vezes, ele, de forma maníaca, batia
em uma só tecla: “Um foguete completamente reutilizável é a diferença
entre ser uma civilização de um único planeta e ser uma de múltiplos
planetas.”
Musk levou essa mensagem para o jantar anual de 2014 do centenário
Explorers Club, na cidade de Nova York, onde recebeu o President’s Award.
Ele compartilhou o palco com Bezos, que aceitou um prêmio pelo trabalho
que a equipe dele fizera quando da recuperação do motor da espaçonave
Apollo 11, comandada por Neil Armstrong. No jantar formal, foram
servidos pratos destinados a atrair os superaventureiros, como escorpiões,
morangos cobertos com larvas, pênis de boi agridoce, martínis com olho de
cabra e jacarés inteiros estavam entalhados nas laterais da mesa.
Um vídeo mostrando os bem-sucedidos lançamentos de foguetes da
SpaceX apresentava Musk. “Vocês foram gentis em não mostrar nossos
primeiros três lançamentos”, disse ele. “Vamos ter que mostrar um vídeo de
erros de gravação em algum momento.” Então ele fez um sermão sobre a
necessidade de um foguete completamente reutilizável. “É isso que nos
permitirá estabelecer vida em Marte”, explicou. “Nosso próximo lançamento
terá pernas no foguete para pouso pela primeira vez.” Foguetes reutilizáveis
poderão, algum dia, reduzir o custo de levar uma pessoa a Marte para 500
mil dólares. A maioria das pessoas não vai poder viajar, admitiu, “mas
suspeito que algumas pessoas nesta sala iriam”.
Bezos aplaudiu, mas naquele momento estava preparando um ataque
inesperado. Ele e a Blue Origin haviam pedido o registro de uma patente
nos Estados Unidos intitulada “Pouso em mar de veículos espaciais”, e
poucas semanas depois do jantar a obtiveram. O registro de dez páginas
descrevia “métodos para pouso e recuperação de um foguete auxiliar e/ou
outras porções dele em uma plataforma no mar”. Musk ficou furioso. A
ideia de pousar em navios no mar “é algo que tem sido discutido por, tipo,
meio século”, disse ele. “Está em filmes de ficção; está em inúmeras
propostas; há tantos antecedentes da invenção, é uma loucura. Então, tentar
patentear algo que as pessoas têm discutido por meio século é, obviamente,
ridículo.”
No ano seguinte, depois que a SpaceX entrou com um processo, Bezos
concordou em cancelar a patente. A disputa, no entanto, aumentou a
rivalidade entre os dois empreendedores espaciais.
capítulo 38
O falcão escuta o falcoeiro
SpaceX, 2014-2015

Observando um foguete auxiliar após o pouso


Grasshopper
A busca de Musk por construir um foguete reutilizável levou ao
desenvolvimento de um protótipo experimental do Falcon 9 chamado de
Grasshopper. Ele tinha pernas para pouso, aletas de grade dirigíveis e podia
dar saltos lentos para cima e para baixo a cerca de novecentos metros nas
instalações de teste da SpaceX em McGregor, no Texas. Empolgado com o
progresso que estavam fazendo, Musk convidou o conselho da SpaceX para
ir até lá em agosto de 2014 e ver o futuro em ação.
Era o segundo dia de Sam Teller no emprego, um formando de Harvard
ligado em 220 volts e em busca de empreendimentos que havia sido
contratado para ser o chefe de equipe de Musk. Com a barba bem aparada,
que acentuava seu amplo sorriso e os olhos alertas, Teller tinha os receptores
emocionais e a ansiedade para agradar que faltavam ao chefe. Por ter sido
gerenciador de negócios da revista e Harvard Lampoon, sabia como lidar
com o humor e a intensidade maníaca de Musk (e até o levou a uma festa
no Lampoon Castle logo depois de começar a trabalhar para ele).
Na reunião no campo de testes em McGregor, o conselho da SpaceX
discutiu designs para os trajes espaciais que a empresa estava desenvolvendo,
apesar de estar a anos de distância de realizar voos com humanos. “Eles
estavam sentados discutindo a sério planos para construir uma cidade em
Marte e o que as pessoas vestiriam lá”, contou Teller anos depois,
impressionado, “e todo mundo agia como se fosse uma conversa totalmente
normal”.
O principal evento para o conselho era assistir ao teste de pouso do
Falcon 9. Era um domingo de agosto ensolarado no deserto do Texas, com
grilos gigantes pululando e os membros do conselho amontoados sob uma
pequena tenda. O foguete deveria subir novecentos metros, ativar os
foguetes de reentrada, voar sobre a plataforma e então pousar em pé. Mas
não conseguiu. Logo depois da decolagem, um dos três motores falhou e o
foguete explodiu.
Após alguns momentos de silêncio, Musk ativou o modo menino
aventureiro. Disse ao administrador do local que buscasse uma van para que
eles pudessem dirigir até os destroços em chamas. “Você não pode ir”, falou
o administrador. “É perigoso demais.”
“Nós vamos”, afirmou Musk. “Se vai explodir, podemos muito bem
caminhar através dos escombros em chamas. Quando você tem a chance de
fazer isso?”
Todo mundo riu de nervoso e o acompanhou. Parecia o cenário de um
filme de Ridley Scott, com crateras no chão, o mato em chamas e pedaços
de metal chamuscados. Steve Jurvetson perguntou a Musk se eles podiam
pegar alguns pedaços como lembrancinhas. “Claro”, respondeu Musk,
enquanto ele mesmo coletava alguns. Antonio Gracias tentou animar a
todos dizendo que as melhores lições da vida vêm de fracassos. “Se puder
escolher”, falou Musk, “prefiro aprender com o sucesso”.
Foi o começo de um período ruim não apenas para a SpaceX, mas
também para todo o setor. Um foguete feito pela Orbital Sciences explodiu
em uma missão para entregar carga na estação espacial. Depois uma missão
de carga russa falhou. Os astronautas na estação espacial corriam o risco de
ficar sem comida e suprimentos. Então, muita coisa dependia da missão de
carga do Falcon 9, da SpaceX, programada para 28 de junho de 2015,
aniversário de 44 anos de Musk.
No entanto, dois minutos após o lançamento, um suporte no segundo
estágio que segurava um tanque de hélio cedeu e o foguete explodiu. Depois
de sete anos de lançamentos bem-sucedidos, foi a primeira vez que o Falcon
9 falhou.

***

Enquanto isso, Bezos fazia alguns progressos. Em novembro de 2015, ele


lançou um foguete em uma trajetória de onze minutos, verticalmente, a cem
quilômetros de altitude, o que é considerado o início do espaço sideral.
Guiado por um sistema GPS e aletas de direção, o foguete retornou para a
Terra e o motor auxiliar foi religado para reduzir a velocidade na descida.
Com as pernas de pouso ativadas, o foguete pairou pouco acima do chão,
ajustou as coordenadas e pousou elegantemente.
Bezos anunciou o sucesso em uma entrevista coletiva no dia seguinte. “O
total reaproveitamento muda o jogo”, disse. Então, publicou seu primeiro
tuíte: “A mais rara das criaturas — um foguete usado. Pouso controlado não
é fácil, mas feito corretamente parece fácil.”
Musk ficou incomodado. Na opinião dele, tinha sido apenas um salto
suborbital, não o que ele considerava o verdadeiro santo graal de lançar uma
carga em órbita. Então, soltou uma réplica no Twitter: “@JeffBezos Não
exatamente ‘rara’. O Grasshopper da SpaceX fez seis voos suborbitais há três
anos & ainda está por aí.”
Na verdade, o Grasshopper havia voado apenas cerca de novecentos
metros para o alto, o que era um centésimo do que fez o foguete da Blue
Origin. Musk estava certo, porém, na distinção que fez. Foguetes capazes
de subir até o limite do espaço e descer podem ser divertidos para turistas
espaciais, mas seriam necessários foguetes com o poder do Falcon 9 para
realizar missões tais como lançar satélites e alcançar a Estação Espacial
Internacional. Pousar e reutilizar um foguete desses seria uma façanha de
outra magnitude.

“O Falcon pousou”
A oportunidade para Musk fazer o mesmo aconteceu em 21 de dezembro
de 2015, só quatro semanas após o voo suborbital de Bezos.
Na busca incessante para superar a gravidade, Musk havia redesenhado o
Falcon 9. A nova versão carregava mais combustível de oxigênio líquido no
foguete ao resfriá-lo a -200ºC, o que o deixava muito mais denso. Como
sempre, ele estava procurando todas as maneiras possíveis de abarrotar mais
poder em um foguete sem aumentar significativamente o tamanho ou a
massa dele. “Elon insistia para que nós perseguíssemos uma pequena
porcentagem a mais de eficiência, resfriando o combustível cada vez mais”,
diz Mark Juncosa. “Era genial, mas estava nos causando dor de cabeça.”
Algumas vezes Juncosa resistia, alegando que aquilo iria causar problemas
com as válvulas ou vazamentos, mas Musk era inflexível. “Não há razões nos
princípios básicos para que isso não funcione”, dizia. “É
extraordinariamente difícil, eu sei, mas você tem que insistir.”
“Eu estava apavorado durante a contagem regressiva”, diz Juncosa. De
repente, ele notou algo preocupante na transmissão de vídeo na cavidade
entre o primeiro e o segundo estágios. Havia algumas gotas, e ele não sabia
se eram de nitrogênio líquido, o que seria razoável, ou de oxigênio líquido
do tanque super-resfriado, o que poderia ser um problema. “Fiquei em
pânico”, lembra Juncosa. “Se a empresa fosse minha, eu teria parado tudo.”
“Você precisa interromper isso”, disse Juncosa a Musk enquanto a
contagem regressiva chegava ao último minuto.
Musk parou por alguns segundos. Qual o tamanho do risco de ter um
pouco de oxigênio líquido entre os estágios? Arriscado, mas um risco
pequeno. “Dane-se”, disse. “Vamos nessa.”
Anos depois, Juncosa assistiu a imagens do momento em que Musk
tomou essa decisão. “Achei que ele tinha feito alguns cálculos complexos
rapidamente para decidir o que fazer, mas a verdade é que ele só deu de
ombros e proferiu a ordem. Ele tinha uma intuição do que era a física.”
Musk estava certo. O lançamento aconteceu sem problemas.

***

Então veio a espera de dez minutos para ver se o foguete auxiliar iria voltar e
pousar em segurança na plataforma de pouso que a SpaceX havia construído
a cerca de 1,5 quilômetro do Pad 39 A. Logo depois que o segundo estágio
se separou, o foguete auxiliar ligou seus propulsores para fazer a volta e
retornar para Cabo, apontar a base para baixo e reduzir a velocidade na
descida. Com o GPS e os sensores dele próprio guiando-o e as aletas de
grade o ajudando a manobrar, ele desceu tranquilamente em direção à
plataforma de pouso. (Pare um momento e pense em quão incrível é isso.)
Musk correu para fora da sala de controle e saiu pela estrada encarando a
escuridão, para ver o foguete reaparecer. “Desça, desça devagar”, sussurrou
em pé na rodovia, as mãos na cintura. Então houve um som de explosão.
“Ah, merda”, disse ele, virando-se e andando desanimado pela estrada.
Dentro da sala de controle, entretanto, havia gritos de comemoração. Os
monitores mostravam o foguete em pé na plataforma, e o narrador do
lançamento ecoou as palavras que haviam sido usadas por Neil Armstrong
na Lua: “O Falcon pousou.” O som alto, no fim das contas, era o estouro
sônico da reentrada do foguete na atmosfera.
Uma das engenheiras de voo correu para fora da sala de controle com a
notícia. “Está em pé na plataforma!”, gritou. Musk deu meia-volta e se
arrastou rapidamente em direção à plataforma, dizendo “Puta merda” para
si mesmo. “Puta merda.”
Naquela noite, todos foram a um bar na orla chamado Fishlips para
festejar. Musk ergueu um copo de cerveja e gritou para os cerca de cem
funcionários e outros observadores impressionados: “Nós acabamos de
lançar e pousar o maior foguete do mundo!” Enquanto isso, a multidão
bradava o nome do país, e ele pulava e dava socos no ar.

***

“Parabéns à @SpaceX por pousar o foguete auxiliar suborbital do Falcon”,


escreveu Bezos em um tuíte. “Bem-vindos ao clube!” Envolto na aura de
graciosidade havia uma alfinetada: a alegação de que o foguete auxiliar que a
SpaceX havia pousado era “suborbital”, colocando-o no mesmo clube do
pousado pela Blue Origin. Tecnicamente Bezos estava certo. O foguete
auxiliar da SpaceX não chegou a entrar ele próprio em órbita, apenas
impulsionou uma carga que o fez. Mas Musk ficou furioso. A capacidade de
enviar uma carga até a órbita colocava o foguete da SpaceX, acreditava ele,
em uma categoria diferente.
capítulo 39
A montanha-russa Talulah

Enfrentando um lutador de sumô (acima, à esquerda); com Talulah (acima, à


direita); com Navaid Farooq (abaixo)
2012-2015
Quando casou-se com Musk, em 2010, Talulah Riley se mudou para a
Califórnia e basicamente desistiu da carreira de atriz. Filha única, ela
sonhava em ter muitos filhos, e nos desenhos que fazia havia sempre
meninos gêmeos loiros. “Quando conheci Elon, ele tinha cinco filhos, e os
mais velhos eram lindos gêmeos loiros que pareciam ter saído da minha
imaginação.” Cautelosa com a relação, porém, Talulah decidiu não ter filhos
com Musk.
Ela continuou a coreografar festas para Musk, como havia feito na
Escócia, por ocasião do casamento deles, e no Expresso do Oriente, para o
aniversário de 40 anos do marido. No aniversário de 41, Talulah alugou uma
casa senhorial de campo inglesa e escolheu como tema Voando para o Rio,
baseado no filme de 1933 que pela primeira vez juntou Fred Astaire e
Ginger Rogers e culmina com uma sequência de dança nas asas de um
avião. Talulah contratou os Breitling Wingwalkers, e os convidados foram
ensinados a andar nas asas de um avião biplano.
Entretanto, Musk perdeu a maior parte da festa porque ficou no quarto
ao telefone, lidando com vários problemas da Tesla e da SpaceX. Ele
gostava de se concentrar no trabalho, e às vezes tratava o resto da vida como
uma distração desagradável. “A quantidade de tempo que passo no trabalho
é tão extrema que fica difícil manter algum relacionamento”, admite. “A
SpaceX e a Tesla eram difíceis individualmente. Tocar ambas ao mesmo
tempo era impossível. Então era só trabalho o tempo todo.”
Maye Musk se solidarizava com Talulah. “Ela me convidava para jantar e
o Elon não aparecia porque estava trabalhando até tarde”, diz. “Ela o amava
muito, mas, compreensivelmente, cansou de ser tratada daquele jeito.”
Quando a mente do marido estava no trabalho, o que acontecia na maior
parte do tempo, Talulah não sabia como chamar a atenção dele. Musk
sempre parecia estar lutando pela sobrevivência em razão de algum
problema, algo muito contrastante com o estilo de vida na vila natal dela, na
Inglaterra, onde todo mundo no pub e na igreja era muito amigável. “Eu
sentia que essa não era a vida que eu deveria viver”, diz ela. “Eu odiava Los
Angeles e tinha muita saudade da Inglaterra.”
Então, em 2012, ela pediu o divórcio e se mudou para um apartamento
em Santa Mônica, enquanto os advogados trabalhavam num acordo.
Contudo, quando se encontraram no tribunal quatro meses depois para
assinar o acordo, a história ganhou uma reviravolta cinematográfica. “Eu vi
o Elon ali, em pé na frente do juiz, e ele meio que perguntou ‘O que nós
estamos fazendo?’, e nós começamos a nos beijar”, conta Talulah. “Acho que
o juiz pensou que nós dois estávamos doidos.” Musk pediu que ela voltasse
para casa e visse os meninos. “Eles querem saber onde você está.” E ela
voltou.
Eles seguiram em frente com o divórcio, mas Talulah voltou a morar com
Musk. Para celebrar, fizeram uma viagem de carro no novo Model S com os
cinco filhos. Ele também a levou a um almoço com o repórter da Esquire
Tom Junod. O principal trabalho dela, segundo disse a Junod, era evitar que
Musk virasse um rei louco. “Você nunca ouviu esse termo?”, perguntou
Talulah. “Significa que as pessoas se tornam reis e depois enlouquecem.”
Para o aniversário de 42 anos de Musk, em junho de 2013, Talulah
alugou uma imitação de castelo em Tarrytown, no estado de Nova York, ao
norte da cidade de Nova York, e convidou quarenta amigos. O tema dessa
vez foi steampunk japonês, e Musk e outros homens estavam vestidos de
guerreiros samurais. Houve uma apresentação de “e Mikado”, de Gilbert
e Sullivan, ligeiramente reescrito para apresentar Musk como imperador
japonês, além de uma demonstração de um atirador de facas. Musk, que
nunca evitava riscos, mesmo os desnecessários, colocou um balão rosa logo
abaixo da virilha para que o atirador de facas o acertasse vendado.
O auge foi uma demonstração de sumô. No fim, o campeão de 160
quilos convidou Musk para subir no dohyo. “Fui com força total contra ele
para tentar um golpe de judô, porque achei que ele estava pegando leve
comigo”, diz Musk. “Decidi ver se podia derrubar o cara, e consegui. Mas
também estourei um disco na base do pescoço.”
Desde então, Musk sofre de crises graves de dor na coluna e no pescoço:
ele acabaria passando por três operações para tentar reparar os discos
intervertebrais C5-C6. Durante reuniões nas fábricas da Tesla ou na
SpaceX, ele às vezes se deitava no chão com gelo na base do pescoço.
Em julho de 2013, poucas semanas depois da festa de Tarrytown, ele e
Talulah decidiram se casar novamente. Dessa vez, foi um evento discreto na
sala de jantar deles. Nem todos os contos de fadas, no entanto, terminam
em “felizes para sempre”. A obsessão de Musk com o trabalho continuou a
atrapalhar o relacionamento. “A mesma coisa voltou a acontecer e eu quis
voltar para casa”, diz Talulah. Ela recomeçou a carreira cinematográfica
escrevendo, dirigindo e estrelando uma comédia chamada Scottish Mussel,
sobre um criminoso infeliz que decide roubar pérolas de mexilhões-de-rio.
Quando Musk e os meninos foram visitá-la durante as filmagens, Talulah
disse que queria ficar na Inglaterra e se divorciar dele novamente.
Depois de algumas hesitações e reconciliações, Talulah tomou a decisão
definitiva no aniversário dela de 30 anos, em setembro de 2015. Ela
terminou de filmar a série da HBO Westworld, em Los Angeles, e em
seguida se mudou de volta para a Inglaterra. Entretanto, fez uma promessa a
Musk: “Você é o meu sr. Rochester”, disse, referindo-se ao marido taciturno
no romance Jane Eyre, de Charlotte Brontë, “e, se ornfield Hall queimar
e você ficar cego, eu volto e cuido de você.”
capítulo 40
Inteligência artificial

Com Sam Altman


OpenAi, 2012-2015
Peter iel, o cofundador da PayPal que havia investido na SpaceX, realiza
uma conferência todos os anos com os líderes das empresas financiadas pelo
seu Fundo dos Fundadores. Na reunião de 2012, Musk conheceu Demis
Hassabis, um neurocientista, designer de videogames e pesquisador de
inteligência artificial (IA) com um jeito cortês que esconde uma mente
competitiva. Um prodígio do xadrez aos 4 anos, ele foi cinco vezes campeão
das Olimpíadas Internacionais Mind Sports, que incluem competições de
xadrez, pôquer, Mastermind e gamão.
Em seu moderno escritório em Londres há uma edição original do artigo
seminal de 1950 de Alan Turing, “Computing Machinery and Intelligence”
[Máquinas de computação e inteligência], que propunha um “jogo de
imitação” o qual iria colocar um humano contra uma máquina como o
ChatGPT. Se fosse impossível distinguir a resposta de cada um, ele
escreveu, seria razoável dizer que as máquinas poderiam “pensar”.
Influenciado pelo argumento de Turing, Hassabis cofundou uma empresa
chamada DeepMind, que procurava desenhar redes neurais baseadas em
computadores que pudessem chegar à inteligência artificial geral. Em outras
palavras, ele tentava produzir máquinas capazes de aprender a pensar como
humanos.
“Elon e eu nos demos bem logo de cara, e fui visitá-lo na fábrica de
foguetes dele”, diz Hassabis. Sentado no refeitório, olhando as linhas de
montagem, Musk explicou que seu motivo para construir foguetes que
pudessem ir até Marte era buscar uma maneira de preservar a consciência
humana no caso de uma guerra mundial, um impacto de asteroide ou do
colapso da civilização. Hassabis acrescentou outra ameaça potencial: a
inteligência artificial. Máquinas podem se tornar superinteligentes e nos
superar, meros mortais, talvez até decidir se livrar de nós. Musk ficou em
silêncio por quase um minuto enquanto analisava a possibilidade. Durante
esses períodos de transe, Musk diz que faz simulações mentais das maneiras
como múltiplos fatores podem se desenvolver no decorrer dos anos. Ele
concluiu que Hassabis podia ter razão sobre o risco da IA, por isso investiu
5 milhões de dólares na DeepMind como um jeito de monitorar o que
estavam fazendo.
Semanas depois das conversas com Hassabis, Musk descreveu o que a
DeepMind estava fazendo para Larry Page, do Google. Eles se conheciam
havia mais de uma década e Musk frequentemente ficava na casa de Page
em Palo Alto. Os perigos potenciais da inteligência artificial se tornaram
um tema que Musk abordava, quase obsessivamente, durante suas conversas
tarde da noite. Page desdenhou.
Na festa de aniversário de Musk em 2013 em Napa Valley, eles foram
protagonistas de um debate acalorado na frente de outros convidados, como
Luke Nosek e Reid Hoffman. Musk argumentou que a menos que a
humanidade estabelecesse regulações para os sistemas de inteligência
artificial, eles poderiam substituir os humanos, tornando nossa espécie
irrelevante ou até mesmo extinta.
Page rebateu: por que importaria se algum dia as máquinas superassem os
humanos em inteligência, até mesmo em consciência? Seria simplesmente o
próximo estágio da evolução.
A consciência humana, Musk replicou, era uma preciosa centelha de luz
no Universo, e não devemos deixar que ela se apague. Page considerava isso
uma tolice sentimental. Se a consciência pudesse ser replicada em uma
máquina, por que isso não poderia ser tão valioso quanto? Talvez um dia
possamos até mesmo ser capazes de gravar nossa consciência em uma
máquina. Ele acusou Musk de ser um “especista”, alguém que é parcial a
favor da própria espécie. “Bem, sim, sou pró-humano”, respondeu Musk.
“Eu gosto da humanidade, cara.”
Musk ficou, portanto, consternado quando ouviu, no fim de 2013, que
Page e o Google planejavam comprar a DeepMind. Musk e o amigo Luke
Nosek tentaram reunir financiamento para impedir o acordo. Numa festa
em Los Angeles, eles se dirigiram a um closet no andar de cima para uma
ligação via Skype de uma hora com Hassabis. “O futuro da IA não deveria
ser controlado pelo Larry”, disse Musk a ele.
O esforço falhou e a compra da DeepMind pelo Google foi anunciada
em janeiro de 2014. Page inicialmente concordou em criar um “conselho de
segurança”, do qual Musk seria membro. A primeira e única reunião
aconteceu na SpaceX. Page, Hassabis e o presidente do Google, Eric
Schmidt, estavam presentes, junto com Reid Hoffman e alguns outros. “A
análise de Elon foi a de que o conselho era basicamente bobagem”, diz Sam
Teller, o chefe de equipe na época. “Esses caras do Google não têm a
intenção de focar na segurança da IA ou de fazer qualquer coisa que limite
seu poder.”
Musk começou a fazer alertas públicos sobre o perigo. “A maior ameaça à
nossa existência”, disse ele em um simpósio de 2014 no MIT,
“provavelmente é a inteligência artificial”. Quando a Amazon anunciou seu
assistente virtual em formato de chatbot, Alexa, naquele ano, seguido por
um produto parecido do Google, Musk começou a alertar sobre o que
poderia acontecer quando esses sistemas se tornassem mais inteligentes que
os humanos. Eles poderiam nos superar e começar a nos tratar como pets.
“Eu não gosto da ideia de ser um gato doméstico”, disse. A melhor maneira
de prevenir que se tornasse um problema era garantir que a IA
permanecesse firmemente alinhada e associada aos humanos. “O perigo
surge quando a inteligência artificial é desconectada do desejo humano.”
Musk, então, começou a promover uma série de jantares, e entre os
convidados figuravam membros da sua velha máfia da PayPal, como iel e
Hoffman, cujo intuito era abordar maneiras de se opor ao Google e
promover a segurança da IA. Ele chegou até a procurar o presidente
Obama, que concordou com uma reunião pessoal em maio de 2015. Musk
explicou o risco e sugeriu que a Inteligência Artificial fosse regulamentada.
“Obama entendeu”, diz Musk. “Mas percebi que não considerava
importante o suficiente para que ele fizesse algo a respeito.”
Em seguida, Musk se voltou para Sam Altman, um empreendedor de
software, entusiasta de carros esportivos e sobrevivencialista que, por trás do
verniz polido, tinha uma intensidade semelhante à de Musk. Altman havia
se encontrado com ele alguns anos antes e os dois tinham conversado por
três horas enquanto visitavam a fábrica da SpaceX. “Era engraçado como
alguns engenheiros se afastavam ou desviavam o olhar quando viam Elon se
aproximando”, diz Altman. “Sentiam medo dele. Mas fiquei impressionado
com a compreensão detalhada que ele tinha de cada pedacinho do foguete.”
Em um jantar íntimo em Palo Alto, Altman e Musk decidiram fundar
em conjunto um laboratório de pesquisa de inteligência artificial sem fins
lucrativos, que chamaram de OpenAI. O software seria de código aberto e o
laboratório tentaria se opor ao domínio crescente do Google nesse campo.
iel e Hoffman se juntaram a Musk para financiar o projeto. “Queríamos
ter algo como uma versão Linux da IA que não fosse controlada por
nenhuma pessoa ou corporação”, explica Musk. “O objetivo era aumentar a
probabilidade de que a IA fosse desenvolvida de maneira segura para que
pudesse ser benéfica para a humanidade.”
Uma questão discutida no jantar foi o que seria mais seguro: um pequeno
número de sistemas de IA controlados por grandes corporações ou um
grande número de sistemas independentes? Eles concluíram que um grande
número de sistemas concorrentes, criando freios e contrapesos um ao outro,
seria melhor. Assim como humanos trabalham coletivamente para deter
vilões, uma grande coleção de robôs de IA independentes trabalham para
deter os robôs ruins. Na visão de Musk, essa era a razão para tornar a
OpenAI realmente aberto, de modo que muitas pessoas pudessem construir
sistemas baseados em seu código-fonte. “Acho que a melhor defesa contra o
mau uso da IA é empoderar tantas pessoas quanto possível para terem IA”,
disse ele na época a Steven Levy, da Wired.
Um objetivo que Musk e Altman discutiram longamente na ocasião — e
se tornou um assunto quente em 2023, depois que a OpenAI lançou um
chatbot chamado ChatGPT — era conhecido como “Alinhamento IA”.
Tratava-se de alinhar os sistemas IA com objetivos e valores humanos, assim
como Isaac Asimov determinou regras para evitar que os robôs nos livros
dele prejudicassem a humanidade. Pense no computador Hal, que
enlouquece e luta contra seus criadores humanos em 2001: Uma odisseia no
espaço. Quais barreiras ou botões de emergência nós, humanos, podemos
colocar em sistemas de IA para que eles possam continuar alinhados aos
nossos interesses? E quem entre nós deveria determinar quais são esses
interesses?
Uma maneira de garantir o alinhamento da IA, acreditava Musk, era
deixar os robôs bem próximos aos humanos. Eles deveriam ser extensões do
desejo dos indivíduos, em vez de sistemas que possam se rebelar e
desenvolver objetivos e intenções próprios. Esse se tornaria um dos
raciocínios que levaria a Neuralink, a empresa que Musk iria fundar, a criar
chips que possam conectar cérebros humanos diretamente a computadores.
Musk também percebeu que o sucesso no campo da inteligência artificial
viria do acesso a grandes quantidades de dados reais a partir dos quais os
robôs pudessem aprender. Uma dessas minas de ouro, percebeu ele na
época, era a Tesla, que coletava, todos os dias, milhões de frames de vídeo
de motoristas lidando com diferentes situações. “Provavelmente, a Tesla terá
muito mais dados reais que qualquer outra empresa no mundo”, disse Musk.
Outra mina de dados, perceberia ele tempos depois, era o Twitter, que em
2023 estava processando 500 milhões de posts de humanos por dia.

***

Entre os que participaram dos jantares com Musk e Altman estava um


engenheiro pesquisador do Google, Ilya Sutskever. Eles conseguiram atraí-
lo, com um salário de 1,9 milhão de dólares e um bônus de contratação, para
ser o cientista-chefe do novo laboratório. Page ficou furioso. O amigo de
velha data e hóspede frequente não estava apenas fundando um laboratório
rival: estava roubando os principais cientistas do Google. Depois do
lançamento da OpenAI, no fim de 2015, eles mal se falaram. “Larry se
sentiu traído, ficou muito bravo comigo por recrutar pessoalmente Ilya e se
recusou a me encontrar”, relata Musk. “Eu disse: ‘Larry, se você não tivesse
sido tão desdenhoso com a segurança da IA, não teria sido necessário ter
uma força compensatória.’”
O interesse de Musk pela inteligência artificial o levaria a lançar uma
sequência de projetos relacionados. Entre eles, a Neuralink, que objetiva
implantar microchips em cérebros humanos; o Optimus, um robô
humanoide; e o Dojo, um supercomputador que pode usar milhões de
vídeos para treinar uma rede neural artificial para que simule um cérebro
humano. Isso também o tornou obcecado com a ideia de criar um carro
Tesla autônomo. De início, esses empreendimentos eram bastante
independentes, porém mais tarde Musk iria reuni-los, junto com a nova
empresa de chatbot que ele fundou, chamada X.AI, para produzir uma
inteligência artificial geral.
A determinação de Musk em desenvolver habilidades de inteligência
artificial em suas empresas resultou em um rompimento com a OpenAI em
2018. Ele tentou convencer Altman de que a OpenAI, a qual Musk achava
estar ficando atrasada em relação ao Google, deveria ser absorvida pela
Tesla. A equipe da OpenAI rejeitou essa ideia, e Altman assumiu a
presidência do laboratório, iniciando um braço empresarial que conseguiu
captar financiamento de capital acionário.
Sendo assim, Musk decidiu levar adiante a construção de uma equipe de
IA rival para trabalhar no Tesla Autopilot. Mesmo enquanto se debatia na
onda infernal de produção em Nevada e Fremont, ele recrutou Andrej
Karpathy, da OpenAI, um especialista em aprendizagem profunda [deep
learning] e visão computacional. “Percebemos que a Tesla se tornaria uma
empresa de IA e competiria pelos mesmos talentos que a OpenAI”, diz
Altman. “Isso irritou algumas pessoas da nossa equipe, mas eu entendi
completamente o que estava acontecendo.” Altman viraria o jogo em 2023,
ao contratar Karpathy de volta depois que ele cansou de trabalhar para
Musk.
capítulo 41
O lançamento do Autopilot
Tesla, 2014-2016

Franz von Holzhausen com um “Robotáxi” primitivo


Radar
Musk havia discutido com Larry Page a possibilidade de a Tesla e o Google
trabalharem juntos para construir um sistema de piloto automático, o qual
viesse a permitir que os carros fossem autônomos. No entanto, o
rompimento deles por conta da inteligência artificial incentivou Musk a
acelerar os planos da Tesla de construir um sistema próprio.
O programa de carros autônomos do Google, que acabaria sendo
chamado de Waymo, usava um dispositivo radar a laser conhecido como
LiDAR, um acrônimo em inglês para “detecção de luz e alcance”. Musk
resistiu em usar o LiDAR e outros instrumentos semelhantes a radares,
insistindo que um sistema autônomo deveria apenas usar dados visuais das
câmeras. Era um caso de princípios básicos: humanos dirigiam usando
apenas dados visuais, portanto as máquinas deveriam ser capazes de fazer o
mesmo. Era também uma questão de custo. Como sempre, Musk se
concentrava não apenas no design do produto, mas também em como o
produto poderia ser fabricado em grande quantidade. “O problema com a
proposta do Google é que o sistema de sensor é muito caro”, disse ele em
2013. “É melhor ter um sistema óptico, basicamente câmeras com um
software capaz de descobrir o que está acontecendo apenas olhando as
coisas.”
Ao longo da década seguinte, Musk entraria num cabo de guerra com
seus engenheiros, muitos dos quais queriam algum tipo de radar nos carros
autônomos da Tesla. Dhaval Shroff, um jovem e animado engenheiro de
Mumbai que entrou para a equipe do Autopilot da Tesla em 2014, depois
de se formar em Carnegie Mellon, lembra-se de uma das primeiras reuniões
com Musk. “Naquela época tínhamos um equipamento de radar no carro e
dissemos a Elon que era melhor e mais seguro usá-lo”, diz Shroff. “Ele
concordou que mantivéssemos o radar, mas, evidentemente, achava que em
alguns momentos deveríamos depender apenas da câmera.”
Em 2015, toda semana Musk passava horas trabalhando com a equipe do
Autopilot. Ele dirigia de casa, na região de Bel Air, em Los Angeles, até a
sede da SpaceX, próxima ao aeroporto, onde discutiam os problemas que o
sistema Autopilot estava encontrando. “Toda reunião começava com Elon
perguntando ‘Por que o carro não pode dirigir sozinho da minha casa até o
trabalho?’”, conta Drew Baglino, um dos vice-presidentes seniores da Tesla.
Isso às vezes levava a equipe da Tesla a se comportar como os
atabalhoados guardas da antiga série humorística Keystone Kops. Havia uma
curva na Interstate 405 que sempre causava problemas para Musk, porque as
marcações na pista estavam apagadas. O Autopilot virava abruptamente e
saía da pista, quase batendo em carros que vinham em direção contrária.
Musk entrava no escritório furioso. “Façam alguma coisa para arrumar isso”,
exigia continuamente. Isso aconteceu por meses enquanto a equipe tentava
melhorar o software do Autopilot.
Desesperado, Sam Teller e outros chegaram a uma solução simples: pedir
ao Departamento de Transportes que repintasse as pistas naquele trecho da
estrada. Quando não obtiveram uma resposta, elaboraram um plano mais
audacioso. Decidiram alugar por conta própria uma máquina de pintar, sair
às três da madrugada, fechar a rodovia por uma hora e refazer as marcações.
Eles chegaram a encontrar uma máquina para pintar a pista, mas então
alguém, por fim, conseguiu contatar uma pessoa no Departamento de
Transporte que era fã de Musk e concordou em repintar a pista se pudesse
fazer um passeio, junto com alguns outros colegas, na SpaceX. Teller os
levou para a visita, eles tiraram uma foto e a estrada foi repintada. Depois
disso, o Autopilot de Musk conseguiu fazer bem a curva.
Baglino estava entre os engenheiros da Tesla que queriam continuar a
usar o radar para complementar a visão da câmera. “Havia um abismo entre
o objetivo de Elon e o que era possível”, diz Baglino. “Ele não estava
plenamente consciente dos desafios.” Em certo momento, a equipe de
Baglino fez uma análise de qual percepção de distância o sistema Autopilot
precisaria ter diante de situações como uma placa de . Até que ponto o
carro precisava enxergar à esquerda e à direita para saber quando seria
seguro virar? “Estávamos tentando ter essas conversas com Elon para
estabelecer o que os sensores precisariam fazer”, explica Baglino. “E eram
conversas muito difíceis, porque ele continuava insistindo que as pessoas só
têm dois olhos e conseguem dirigir o carro. Acontece que os dois olhos são
ligados ao pescoço, que pode se mover, e as pessoas olham em todas as
direções.”
Musk cedeu temporariamente. Ele aceitou que cada novo Model S fosse
equipado não apenas com oito câmeras, mas também com doze sensores
ultrassônicos e um radar dianteiro capaz de ver através da chuva e da
neblina. “Com tudo isso somado, esse sistema fornece uma visão de mundo
à qual o motorista sozinho não tem acesso, olhando em todas as direções
simultaneamente e em comprimentos de onda que vão muito além dos
sentidos humanos”, assim anunciava o site da Tesla em 2016. Contudo,
mesmo que Musk tivesse feito essa concessão, estava evidente que ele não
desistiria de um sistema só de câmeras.

Acidentes
Enquanto corria atrás de seus planos para carros autônomos, Musk, de um
jeito teimoso e repetitivo, exagerava as habilidades do Autopilot dos carros
da Tesla. Isso se tornou perigoso, porque levou alguns motoristas a pensar
que podiam usar um Tesla sem prestar muita atenção ao trânsito. Mesmo
enquanto Musk fazia suas grandes promessas em 2016, a empresa estava
sendo abandonada por um de seus fornecedores de câmeras, a Mobileye,
cujo presidente afirmou que a Tesla estava “forçando os limites em termos
de segurança”.
Era inevitável que houvesse acidentes fatais envolvendo o Autopilot,
assim como havia sem o Autopilot. Musk insistia que o sistema deveria ser
julgado não pela capacidade de evitar acidentes, mas pela capacidade de
reduzir o número de acidentes. Era uma posição lógica, porém ignorava a
realidade emocional de que uma pessoa morta por um sistema Autopilot iria
provocar muito mais horror que uma centena de mortes causadas por erros
humanos.
O primeiro caso registrado de acidente fatal envolvendo o Autopilot nos
Estados Unidos aconteceu em maio de 2016. Um motorista morreu na
Flórida quando uma carreta virou à esquerda em frente ao Tesla que ele
dirigia. “Nem o Autopilot nem o motorista notaram a lateral branca da
carreta em contraste com o céu claro, e o freio não foi ativado”, declarou a
Tesla em um comunicado. Os investigadores encontraram provas de que, no
momento do acidente, o motorista estava assistindo a um filme da série
Harry Potter em um computador apoiado no painel. O Conselho Nacional
de Segurança nos Transportes concluiu que “o motorista descuidou do
controle total do Tesla, o que levou à colisão”. A Tesla havia enaltecido
demais as habilidades de seu Autopilot, e o motorista provavelmente
presumiu que não precisava prestar muita atenção ao trânsito. Houve relatos
de outro acidente fatal envolvendo um Tesla que devia estar no modo
Autopilot, esse ocorrido no início daquele ano.
As notícias sobre o acidente na Flórida estouraram quando Musk estava
em uma visita à África do Sul, a primeira vez em dezesseis anos. Ele voou
imediatamente de volta aos Estados Unidos, mas não fez nenhuma
declaração pública. Por ter a mente de um engenheiro, ele mostrava pouco
tato para emoções humanas, e não entendia como uma ou duas mortes
causadas pelo Autopilot da Tesla provocaram um clamor quando havia mais
de 1,3 milhão de mortes no trânsito todos os anos. Ninguém estava falando
sobre os acidentes evitados e as vidas salvas pelo Autopilot. Nem estavam
analisando se dirigir com o Autopilot era mais seguro que dirigir sem ele.
Musk participou de uma teleconferência com repórteres em outubro de
2016 e ficou irritado quando as primeiras perguntas foram sobre as duas
mortes. Se eles escrevessem matérias que fizessem as pessoas desistirem de
usar sistemas de direção autônoma ou os reguladores desistirem de os
aprovar, “vocês vão estar matando pessoas”. Musk parou e disse, irritado:
“Próxima pergunta.”

Promessas, promessas
A visão grandiosa de Musk — às vezes similar a uma miragem que parece
estar se distanciando no horizonte — era de que a Tesla iria construir um
carro totalmente autônomo que se autoconduziria sem nenhuma
intervenção humana. Ele acreditava que isso transformaria nossa vida diária
e tornaria a Tesla a empresa mais valiosa do mundo. “A autonomia
completa”, como a Tesla começou a chamá-la, seria capaz de funcionar,
prometeu Musk, não apenas em rodovias, mas também nas ruas das cidades
com pedestres, ciclistas e interseções complexas.
Assim como ocorrera em outras missões obsessivas, incluída a viagem a
Marte, ele fez previsões temporais que se mostrariam absurdas. Em sua
coletiva em outubro de 2016, declarou que no fim do ano seguinte um Tesla
seria capaz de dirigir de Los Angeles a Nova York “sem a necessidade de
nenhum toque” no volante. “Quando você quiser que seu carro volte, clicará
em  no seu celular”, disse. “Ele vai te encontrar, mesmo que você
esteja do outro lado do país.”
Isso poderia ser considerada uma fantasia divertida, exceto pelo fato de
que Musk começou a pressionar os engenheiros que trabalhavam no Model
3 e no Model Y da Tesla para que projetassem versões sem volante nem
pedais de aceleração e freio. Von Holzhausen fingiu concordar. A partir do
fim de 2016, havia sempre imagens e modelos físicos de “Robotáxis” para
Musk ver quando andava pelo estúdio de design. “Ele estava convencido de
que, quando colocássemos o Model Y em produção, seria um Robotáxi,
totalmente autônomo”, diz Von Holzhausen.
Quase todo ano, Musk fazia outra previsão de que faltava apenas um ou
dois anos para o carro completamente autônomo. “Quando será possível
comprar um dos seus carros e literalmente tirar as mãos do volante, dormir e
acordar no destino?”, perguntou Chris Anderson a ele no TED Talk em
maio de 2017. “Daqui a uns dois anos”, respondeu Musk. Em uma
entrevista com Kara Swisher na Code Conference no fim de 2018, ele
afirmou que a Tesla “estava a caminho de conseguir fazer isso no ano que
vem”. No início de 2019, ele dobrou a aposta. “Acho que vamos apresentar
um carro com autonomia completa este ano”, declarou em um podcast com
Ark Invest. “Eu diria que tenho certeza disso. Não é uma dúvida.”
“Se ele pegar leve e admitir que vai demorar muito”, disse Von
Halzhausen no fim de 2022, “ninguém vai se unir em torno disso e não
vamos projetar veículos que exijam autonomia”. Em uma reunião de
resultados com analistas naquele ano, Musk admitiu que o processo estava
sendo mais difícil do que ele esperara em 2016. “No fim das contas, isso se
resume”, disse ele, “ao fato de que, para resolver a questão do carro
totalmente autônomo, é preciso resolver a inteligência artificial no mundo
real”.
capítulo 42
Solar
Tesla Energy, 2004-2016

Lyndon e Peter Rive


Burning Man
“Quero fundar uma empresa”, disse Lyndon Rive, primo de Musk,
enquanto os dois estavam dirigindo um motorhome rumo ao Burning Man, a
rave anual de arte e tecnologia no deserto de Nevada, no fim do verão de
2004. “Uma empresa que possa ajudar a humanidade a lidar com as
mudanças climáticas.”
“Entre na indústria da energia solar”, sugeriu Musk.
Lyndon lembra que a sugestão pareceu uma ordem. Com o irmão Peter,
ele começou a trabalhar na criação de uma empresa que se tornaria a
SolarCity. “Elon forneceu a maior parte do financiamento inicial”, recorda
Peter. “Ele nos deu um conselho claro: produzam em massa, para que isso
tenha impacto o mais rápido possível.”
Os três primos de Musk, Lyndon, Peter e Russ, eram filhos da irmã
gêmea de Maye Musk e cresceram com Elon e Kimbal, andando de
bicicleta, brigando e elaborando maneiras de ganhar dinheiro. Tal qual
Elon, assim que conseguiram deixar a África do Sul, eles foram para os
Estados Unidos em busca dos sonhos empreendedores. O clã todo, diz
Peter, seguia a mesma máxima: “O risco é um tipo de combustível.”
Lyndon, o mais novo, era especialmente tenaz. A paixão dele era jogar
hóquei subaquático, que pode ser o esporte principal para testar a
tenacidade, e fora aos Estados Unidos como membro da seleção nacional da
África do Sul. Ele ficou no apartamento de Elon, gostou do ambiente do
Vale do Silício e liderou a criação, com os irmãos, de uma empresa de
assistência técnica de computadores. Eles circulavam por Santa Cruz de
skate para atender a pedidos de assistência técnica. Em determinado
momento, acabaram criando um software próprio para automatizar muitas
das tarefas, o que os ajudou a vender a empresa para a Dell Computers.
Depois que Elon sugeriu que os primos entrassem para o negócio de
painéis de energia solar, Lyndon e Peter tentaram descobrir por que tão
poucas pessoas os compravam. A resposta era fácil. “Percebemos que a
experiência do consumidor era horrível e o alto valor do investimento
inicial, uma grande barreira”, diz Peter. Então eles bolaram um plano para
simplificar o processo. Quando um cliente ligasse para um número gratuito,
uma equipe de vendas usaria imagens de satélite para determinar o tamanho
do telhado e quanta luz do sol recebia, e a partir daí a empresa ofereceria um
contrato em que estariam especificados o custo, a economia com serviços e
os termos de financiamento. Se o cliente concordasse, a empresa enviaria
uma equipe com uniforme verde para instalar os painéis e inscrevê-lo para
subsídios governamentais. O objetivo era criar uma marca nacional de
consumo. Musk investiu 10 milhões de dólares para a empresa começar a
operar. Em 4 de julho de 2006, bem quando a Tesla estava prestes a divulgar
o Roadster, foi lançada a SolarCity, tendo Musk como presidente do
conselho.

Comprando a SolarCity
Por um tempo, a SolarCity se saiu muito bem. Em 2015, ela detinha um
quarto de todas as instalações que não haviam sido feitas por uma
companhia de serviço. Apesar disso, ela lutava para encontrar um modelo de
negócio. No começo, eles alugavam os painéis solares para os clientes sem
custo inicial, mas isso resultou em um endividamento da empresa, cujas
ações caíram de uma alta de 85 dólares por ação, em 2014, para cerca de 20
dólares por ação, em meados de 2016.
Musk ficou cada vez mais frustrado com as práticas da empresa,
especialmente com quanto dependia de uma equipe de vendas agressiva que
recebia por comissão. “As táticas de vendas deles se tornaram um daqueles
esquemas de ir de porta em porta vendendo caixas de facas ou alguma
porcaria assim”, diz Musk. Os instintos dele indicavam o oposto. Ele nunca
concentrou muito esforço em vendas e marketing — pelo contrário:
acreditava que se você fizesse um produto ótimo, as vendas aconteceriam.
Musk começou a atormentar os primos. “Vocês são uma empresa de
vendas ou de produto?”, perguntava diversas vezes. Os primos não
conseguiam entender a fixação dele no produto. “Nós estávamos botando
pra quebrar na participação no mercado”, diz Peter, “e Elon ficava
questionando questões estéticas, apontando coisas como o aspecto dos
clipes, e se irritava, dizendo que eram feios”. Musk ficou tão frustrado, que
uma hora ameaçou deixar a presidência do conselho. Kimbal o convenceu a
não fazer isso. Em vez disso, em fevereiro de 2016, ele telefonou para os
primos e disse que queria que a Tesla comprasse a SolarCity.

***

Depois de abrir a fábrica de baterias em Nevada, a Tesla começou a fabricar


uma bateria do tamanho de uma geladeira para casas, chamada Powerwall.
Ela poderia ser ligada a painéis solares, como os instalados pela SolarCity.
O conceito ajudou Musk a evitar um erro cometido por muitos líderes
corporativos de definir os negócios de maneira muito restrita. “A Tesla não é
só uma empresa automobilística”, declarou ele quando a Powerwall foi
anunciada, em abril de 2015. “É uma empresa de inovação energética.”
Com um telhado solar ligado a uma bateria doméstica e um Tesla na
garagem, as pessoas poderiam se libertar da dependência das grandes
companhias de serviço e combustíveis. Somados, os produtos oferecidos
permitiriam à Tesla fazer mais no combate à mudança climática do que
qualquer outra empresa — talvez mais do que qualquer outra entidade no
mundo. Havia, no entanto, um problema com o conceito de Musk de
energia integrada: o negócio solar dos primos dele não era parte da Tesla.
Fazer a Tesla comprar a SolarCity permitiria duas coisas: que ele
incorporasse o negócio de energia doméstica e ainda salvasse o negócio dos
primos. A princípio, o conselho da Tesla não aceitou a ideia, o que era
incomum. Geralmente, os conselheiros eram muito deferentes com Musk.
O acordo proposto parecia um resgate para os primos de Musk e o
investimento do próprio na SolarCity, numa época em que a Tesla estava
sofrendo com problemas de produção. No entanto, o conselho aprovou a
ideia quatro meses depois, após as condições financeiras da SolarCity
piorarem. A Tesla iria oferecer um prêmio bastante alto, de 25%, pela
compra das ações da SolarCity, a maior parte das quais eram de Musk. Ele
se absteve de algumas votações do conselho, mas participou de muitas
discussões privadas com os primos na SolarCity.
Quando anunciou o acordo, em junho de 2016, Musk chamou de
“escolha óbvia”, que era “legal e moralmente correta”. A aquisição se
encaixava no “plano mestre” original elaborado para a Tesla, que ele havia
escrito em 2006: “O objetivo principal da Tesla Motors é ajudar a acelerar a
mudança de uma economia de exploração e queima de hidrocarbonetos para
uma economia de energia solar.”
Ela também se adequava ao instinto de Musk de ter um controle de
ponta a ponta de todos os seus empreendimentos. “Elon nos fez perceber
que é preciso ter a energia solar e a bateria combinadas”, diz um dos primos,
Peter. “Nós realmente queríamos oferecer um produto integrado, mas era
difícil quando os engenheiros estavam em duas empresas diferentes.”
O acordo recebeu a aprovação de 85% dos acionistas “não interessados”
(o que significa que Musk não pôde votar com as ações dele) tanto da Tesla
quanto da SolarCity. Apesar disso, alguns acionistas da Tesla entraram na
Justiça. “Elon fez o conselho servil da Tesla aprovar a aquisição de uma
insolvente SolarCity a um preço claramente injusto, de maneira a salvar o
investimento dele — e de outros membros da família — na fundação”,
acusaram. Em 2022, um tribunal de Delaware decidiu a favor de Musk: “A
aquisição marcou um passo vital na evolução de uma empresa que por anos
deixou evidente para o mercado e seus acionistas que tinha a intenção de
expandir da fabricação de carros elétricos para uma empresa de energia
alternativa.”

“Isso está uma merda”


Em uma conferência remota com investidores da SolarCity em agosto de
2016, pouco antes da votação dos acionistas que finalizaria a fusão com a
Tesla, Musk sugeriu um novo produto que iria transformar o setor. “E se
pudéssemos oferecer um telhado com aparência muito melhor que a de um
telhado comum? E que durasse mais que um telhado comum? Isso mudaria
tudo.”
A ideia na qual ele e os primos Rive estavam trabalhando era um
“telhado solar”, em oposição aos painéis solares instalados em cima de
telhados tradicionais. Ele seria feito de telhas que teriam células solares
embutidas. As telhas solares poderiam substituir os telhados existentes ou
serem assentadas acima deles. De qualquer uma das formas, ofereceria uma
estética melhor que um monte de painéis solares montados sobre o telhado.
O projeto do telhado solar causou uma tensão enorme entre Musk e os
primos. Em agosto de 2016, na época em que estava insistindo no novo
produto, Peter Rive convidou Musk para inspecionar uma versão que a
empresa havia instalado no telhado de um cliente. Era um telhado de metal
de costura permanente, o que significa que as células solares foram
embutidas nas folhas de metal em vez de nas telhas.
Quando Musk chegou ao local, Peter e outras quinze pessoas estavam em
pé diante da casa. “Mas, como frequentemente acontecia”, lembrou Peter,
“Elon chegou atrasado e ficou sentado no carro, olhando o celular, enquanto
todos nós esperávamos, nervosos, que ele aparecesse”. No momento em que
ele saiu do carro, ficou evidente que estava furioso. “Isso está uma merda”,
disse Musk. “Uma grande merda. Horrível. O que vocês estavam
pensando?” Peter explicou que foi o melhor que eles haviam podido fazer
em pouco tempo para criar uma versão que fosse instalável. Isso significou
que haviam renunciado à estética. Musk mandou os primos focarem em
telhas solares e não em um telhado metálico.
Trabalhando sem parar, os Rive e a equipe da SolarCity foram capazes de
criar um protótipo das telhas solares, e Musk agendou uma apresentação
pública para outubro. Ela aconteceu em um terreno de filmagens do
Universal Studios Hollywood: as opções de telhados solares foram
montadas em um conjunto de casas usadas na série Desperate Housewives.
Havia quatro versões, incluindo as que pareciam telhas de ardósia francesas
e telhas coloniais toscanas, junto com uma casa que dispunha do telhado de
metal que Musk odiava. Quando Musk visitou o lugar, dois dias antes do
evento, e viu a versão metálica, explodiu: “Qual parte de ‘eu odeio este
produto’ vocês não entenderam?” Um dos engenheiros reagiu, e disse que o
achava ok e que aquela versão era mais fácil de instalar. Musk puxou Peter
de lado e disse: “Acho que esse cara não deveria estar na equipe.” Peter
demitiu o engenheiro e removeu o telhado de metal antes do evento público.
Duzentas pessoas apareceram no Universal Studios para a exibição.
Musk discursou sobre o aumento dos níveis de dióxido de carbono e a
ameaça da mudança climática. “Salve a gente, Elon!”, gritou alguém. Nesse
momento, Musk apontou para trás. “Essas casas ao redor de vocês são todas
casas solares”, disse. “Vocês notaram?”
Dentro de cada garagem havia uma versão atualizada da Powerwall da
Tesla junto com um carro Tesla. As telhas solares gerariam eletricidade que
poderia ser armazenada na Powerwall e na bateria do carro. “Este é o futuro
integrado”, afirmou Musk. “Podemos resolver toda essa equação energética.”
Era uma visão grandiosa, mas vinha com um custo pessoal. Em um ano,
tanto Peter quanto Lyndon Rive deixariam a empresa.
capítulo 43
The Boring Company

2016
Durante uma viagem que fizera a Hong Kong no fim de 2016, Musk estava
com o dia cheio de reuniões, e, como acontecia com frequência, precisava de
alguns minutos de tranquilidade para recarregar a energia, conferir o celular
e ficar simplesmente olhando para o nada. Ele estava fazendo isso quando
Jon McNeill, o presidente de vendas e marketing da Tesla, chegou para tirá-
lo do transe. “Você já notou que as cidades são construídas em 3-D, mas as
rodovias são construídas em 2-D?”, disse Musk. McNeill pareceu confuso.
“Daria para construir rodovias em 3-D fazendo túneis debaixo das cidades”,
explicou Musk, e então ligou para Steve Davis, um engenheiro de confiança
da SpaceX. Eram duas da manhã na Califórnia, mas Davis concordou em
estudar rapidamente maneiras de construir túneis a custo baixo.
“Ok”, disse Musk, “vou te ligar de volta em três horas”.
Quando Musk retornou a ligação, Davis tinha elaborado algumas ideias
que consistiam em usar uma máquina de tunelamento padrão para perfurar
um buraco redondo simples de doze metros de diâmetro e não ter que
reforçá-lo com concreto. “Quanto custam estas máquinas?”, perguntou
Musk. Davis disse que 5 milhões de dólares. Musk ordenou que ele
comprasse duas delas e estivesse de posse das máquinas em seu regresso.
Ao voltar para Los Angeles dias depois, Musk se viu preso em um
congestionamento, então começou a tuitar. “O trânsito está me deixando
louco”, postou. “Vou construir uma máquina de tunelamento e começar a
perfurar.” Ele brincou com vários nomes para uma nova empresa, como
Tunnels R Us e American Tubes & Tunnels, mas chegou a um que
combinava com seu senso de humor à la Monty Python. Como tuitou uma
hora depois: “Ela vai se chamar e Boring Company.* Abrir caminho, é o
que fazemos.”
Musk havia tido uma ideia ainda mais audaciosa alguns anos antes, que
era construir um tubo do tipo pneumático com cápsulas aceleradas
eletromagneticamente que transportariam as pessoas entre cidades a uma
velocidade quase supersônica. Ele chamou o projeto de Hyperloop. Em uma
demonstração incomum de comedimento, porém, repensou e, em vez de
tentar construir um, organizou uma competição de design para estudantes.
Musk construiu um tubo de câmara a vácuo de 1.600 quilômetros na sede
da SpaceX para que pudessem testar as ideias. A primeira competição
estudantil do Hyperloop foi programada para acontecer num domingo de
janeiro de 2017, e grupos de estudantes de lugares distantes como Holanda
e Alemanha planejavam ir e mostrar as cápsulas experimentais.
O prefeito, Eric Garcetti, e outras autoridades estariam lá, então Musk
decidiu que seria uma boa oportunidade para anunciar a ideia de cavar
túneis. Em uma reunião naquela sexta de manhã, ele perguntou quanto
tempo levaria para começar a cavar um túnel no terreno ao lado do tubo
experimental do Hyperloop. Umas duas semanas, disseram a ele.
“Comecem hoje”, mandou. “Quero o maior buraco possível até domingo.”
Elissa Butterfield, assistente de Musk, correu para conseguir que os
funcionários da Tesla tirassem os carros do local, e, em três horas, as duas
máquinas de tunelamento que Davis havia comprado estavam cavando. No
domingo, um buraco de quinze metros de largura estava aberto, o qual
levava até o início do túnel.
Musk investiu 100 milhões de dólares do próprio bolso para fundar a e
Boring Company, e nos dois anos seguintes frequentemente sairia da
SpaceX e atravessaria a rua para conferir o progresso feito. Como podemos ir
mais rápido? Quais os empecilhos? “Ele passou muito tempo nos dando lições
sobre a importância de eliminar etapas e simplificar”, diz Joe Kuhn, um
jovem engenheiro de Chicago que projetou a maneira como os veículos
iriam atravessar o túnel. Por exemplo, eles estavam cavando um poço
vertical no início do túnel para colocar a máquina de tunelamento. “O
esquilo no meu quintal não faz isso”, falou Musk. Eles acabaram
redesenhando a máquina de tunelamento, para que ela pudesse
simplesmente direcionar a ponta para baixo e começar a cavar o chão.
Quando o túnel protótipo de 1.600 quilômetros estava quase pronto, no
fim de dezembro de 2018, Musk apareceu tarde da noite, certa vez, com
dois dos filhos e a namorada, Claire Boucher, conhecida como Grimes. Eles
se amontoaram em um Tesla com rodas personalizadas e um elevador os
baixou doze metros até o túnel. “Vamos o mais rápido que pudermos!”, disse
a Kuhn, que estava dirigindo. Grimes protestou um pouco, pediu que
fossem com calma. Musk entrou no modo engenheiro e explicou por que “a
probabilidade de um impacto longitudinal era muito pequena”. E Kuhn
acelerou. “Isso é sensacional!”, exclamou Musk. “Isso vai mudar tudo.”
Aquilo não mudou tudo. Na realidade, se tornou um exemplo de uma
ideia exagerada de Musk. A e Boring Company completou um túnel de
três quilômetros em Las Vegas, em 2021, que transportava passageiros em
Teslas do aeroporto e através do centro de convenções, e começou a
negociar projetos em outras cidades. Mas, até 2023, nenhum deles estava
em andamento.

* Um trocadilho com a palavra “boring”, que em inglês significa tanto “perfuração” quanto
“entediante”. [N. da E.]
capítulo 44
Relações complicadas
2016-2017

Com Amber Heard, que lhe deixou uma marquinha de beijo na bochecha; com
Donald Trump; Errol Musk
Trump
Musk nunca foi muito político. Como muitos especialistas em tecnologia,
ele era progressista em assuntos sociais, mas com uma grande resistência
libertária a regulamentações e ao politicamente correto. Ele fez doações para
as campanhas de Barack Obama e depois de Hillary Clinton, e foi um
crítico de Donald Trump nas eleições de 2016. “Trump não parece ter o
tipo de caráter que reflete bem nos Estados Unidos”, disse à CNBC.
Entretanto, depois que Trump venceu, Musk ficou cautelosamente
otimista de que ele poderia governar como um renegado independente, em
vez de um ressentido direitista. “Achei que talvez algumas das coisas mais
loucas que ele tivesse dito durante a campanha fossem só uma atuação e que
ele acabaria sendo mais sensato”, diz Musk. Então, a pedido do amigo Peter
iel, um apoiador de Trump, Musk concordou em se juntar a um grupo de
CEOs de tecnologia que iam se encontrar com o presidente eleito em Nova
York em dezembro de 2016.
Na manhã do encontro, Musk visitou os conselhos editoriais do e New
York Times e do e Wall Street Journal e depois, como o trânsito parecia
ruim, pegou o metrô na Lexington Avenue para chegar à Trump Tower.
Além de iel, entre os vinte CEOs de tecnologia na reunião estavam Larry
Page, do Google; Satya Nadella, da Microsoft; Jeff Bezos, da Amazon; e
Tim Cook, da Apple.
Depois do encontro, Musk ficou para uma reunião privada com Trump.
O presidente lhe disse que ganhara de um amigo um Tesla, mas ele nunca
dirigira. Musk ficou perplexo, mas não falou nada. Em seguida, Trump
afirmou que “queria muito botar a NASA em operação de novo”. Isso
deixou Musk ainda mais perplexo. Ele incitou Trump a estabelecer objetivos
maiores — principalmente enviar humanos a Marte — e a deixar as
empresas realizá-los. Trump pareceu impressionado com a ideia de mandar
pessoas a Marte, mas reiterou que queria “botar a NASA em operação de
novo”. Musk achou a reunião estranha, mas Trump amigável. “Ele parece
meio louco”, disse depois, “mas pode acabar se revelando ok”.
Posteriormente, Trump disse a Joe Kernen, da CNBC, que ficou
impressionado com Musk. “Ele gosta de foguetes e se sai bem com os
foguetes, a propósito”, comentou Trump, e depois entrou no modo
trumpiano confuso. “Nunca vi onde essas máquinas descem sem asas, sem
nada, e elas estão pousando, e eu falei ‘Nunca vi isso antes’, e fiquei
preocupado com ele, porque é um dos nossos maiores gênios e temos que
proteger nossos gênios, você sabe que temos que proteger omas Edison e
temos que proteger todas essas pessoas que criaram originalmente a
lâmpada e a roda e todas essas coisas.”
Juleanna Glover, uma bem relacionada consultora de assuntos
governamentais, ajudou a organizar outras reuniões enquanto eles estavam
na Trump Tower, inclusive um encontro com o vice-presidente eleito, Mike
Pence, e os assessores de segurança nacional Michael Flynn e K. T.
McFarland. O único que impressionou Musk foi Newt Gingrich, que era
um fã do espaço e compartilhava o entusiasmo por deixar empresas privadas
licitarem para missões.
No primeiro dia de Trump como presidente, Musk foi à Casa Branca
participar de um conselho dos principais CEOs, e duas semanas depois
voltou para uma sessão parecida. Ele concluiu que o Trump presidente não
era diferente do Trump candidato. A bufonaria não era só teatro. “Trump
talvez seja um dos melhores falastrões do mundo”, diz. “Como o meu pai. A
baboseira pode, às vezes, confundir o cérebro. Se você pensar em Trump
apenas como um tipo de vigarista, então o comportamento dele faz
sentido.” Quando o presidente tirou os Estados Unidos do Acordo de Paris,
um acordo internacional para combater a mudança climática, Musk se
retirou dos conselhos presidenciais.

Amber Heard
Musk não foi criado para a tranquilidade doméstica. A maioria dos
relacionamentos amorosos dele envolve turbulência emocional. O mais
angustiante deles foi com a atriz Amber Heard, que o arrastou em um
vórtice sombrio por mais de um ano e causou uma dor profunda que
perdura até hoje. “Foi brutal”, diz ele.
O relacionamento começou depois que ela participou de um filme de
ação, em 2012, chamado Machete mata, longa que apresenta um inventor
que quer criar uma sociedade em uma estação espacial em órbita. Musk
concordou em servir de consultor porque queria conhecê-la, mas isso só
ocorreu um ano depois, quando ela perguntou se podia visitar a SpaceX.
“Acho que, para alguém que é chamada de gostosa, eu até que posso ser
considerada geek”, disse ela brincando. Musk levou Amber para um passeio
num Tesla, e ela pensou que, para um engenheiro de foguetes, até que ele
era atraente.
A vez seguinte que ela o viu foi na fila do tapete vermelho no jantar de
gala do Metropolitan Museum, em Nova York, em maio de 2016. Heard,
na época com 30 anos, estava na iminência de um divórcio explosivo de
Johnny Depp. Ela e Musk conversaram no jantar e na festa que se seguiu.
Após o relacionamento conturbado com Depp, ela achou que Musk era uma
lufada de ar fresco.
Poucas semanas depois, Amber estava trabalhando em Miami, e Musk
foi visitá-la. Eles ficaram à beira da piscina em uma villa que ele alugou no
Delano Hotel, em Miami Beach, e então Musk a levou, junto com a irmã
dela, de avião até Cabo Canaveral, onde um lançamento do Falcon 9 estava
programado. Ela achou que aquele era o encontro mais interessante que já
tivera.
Para o aniversário de Musk, em junho, Amber decidiu surpreendê-lo, e
viajou da Itália, onde estava trabalhando, até a fábrica da Tesla em Fremont.
Quando estava perto, ela parou no acostamento e colheu algumas flores
silvestres. Com a ajuda da equipe de segurança dele, escondeu-se na traseira
de um Tesla e saltou para fora com as flores quando Musk se aproximou.
O relacionamento ficou mais sério em abril de 2017, época em que Musk
voou para ficar com Amber na Austrália, onde ela estava filmando
Aquaman, no qual interpretava a princesa guerreira e par romântico de um
super-herói que tentava salvar o mundo. Eles andaram de mãos dadas por
um santuário de vida selvagem e fizeram um curso de arvorismo, depois do
qual Heard deixou uma marquinha de beijo na bochecha dele. Musk lhe
disse que ela o fazia se lembrar de Mercy, a personagem favorita dele no
jogo de videogame Overwatch, e então ela passou dois meses desenhando e
encomendando uma fantasia completa a fim de poder encenar para ele.
O lado divertido de Amber, no entanto, era acompanhado pelo tipo de
turbulência que atraía Musk. O irmão e os amigos dele a odiavam tanto, que
a aversão que sentiam por Justine parecia até esmorecer. “Ela era
simplesmente muito tóxica”, diz Kimbal, “um pesadelo”. O chefe de equipe
de Musk, Sam Teller, a compara com um vilão dos quadrinhos. “Ela parecia
o Coringa, do Batman”, comenta. “O único objetivo dela era o caos. Ela
acha ótimo quando desestabiliza tudo.” Amber e Musk ficavam acordados a
noite toda brigando, e ele só conseguia se levantar à tarde.
Eles romperam em julho de 2017, mas em seguida reataram e ficaram
juntos por mais cinco turbulentos meses. O fim finalmente aconteceu depois
de uma viagem insana para o Rio de Janeiro em dezembro com Kimbal, a
esposa dele e alguns dos filhos. Quando chegaram ao hotel, Elon e Amber
tiveram outra das brigas incendiárias. Ela se trancou no quarto e começou a
gritar que tinha medo de ser atacada e que Elon havia pegado o passaporte
dela. Os seguranças e a esposa de Kimbal tentaram convencê-la de que
estava segura, o passaporte encontrava-se na mala dela e Amber podia — e
devia — partir quando quisesse. “Ela realmente é uma ótima atriz, então diz
coisas que fazem você pensar Uau, talvez seja verdade, mas não é”, fala
Kimbal. “A maneira como ela é capaz de criar uma realidade própria me faz
lembrar do meu pai.” (Pense nisso por um minuto.)
Amber concorda que eles brigaram e ela foi meio dramática. Entretanto,
diz que fizeram as pazes naquela noite, que era o Ano-Novo. Eles foram a
uma festa e celebraram o início do novo ano em pé numa sacada com vista
para a praia de Copacabana, ela em um vestido de linho branco decotado,
ele com uma camisa de linho branca meio desabotoada. Kimbal e a esposa
estavam lá, junto com o primo Russ Rive e a esposa dele. Para mostrar que
haviam se acertado, Amber me enviou fotos e vídeos da noite. Em um deles,
Elon deseja a ela um feliz Ano-Novo e a beija apaixonadamente nos lábios.
Ela chegou à conclusão de que Musk cultivava o drama porque precisava
de muito estímulo para mantê-lo revigorado. Mesmo depois que eles
romperam definitivamente, a chama permaneceu. “Eu o amo muito”, diz
Amber. Ela também o entende bem. “Elon ama o fogo”, comenta ela, “e às
vezes acaba se queimando”.
O fato é que a atração de Musk por Amber era parte de um padrão. “É
muito triste que o Elon se apaixone por pessoas que fazem muito mal a ele”,
diz Kimbal. “Elas são lindas, sem dúvida, mas têm um lado sombrio e o
Elon sabe que são tóxicas.”
Então por que ele faz isso? Quando pergunto a Elon, ele dá uma risada.
“Porque sou um tolo apaixonado”, responde. “Muitas vezes sou um tolo,
mas especialmente quando estou apaixonado.”

Errol e Jana
Elon não via o pai desde o fim de 2002, quando Errol e a família fizeram
uma visita depois da morte do bebê Nevada. Durante a estadia, Elon havia
ficado desconfortável com o carinho do pai pela enteada Jana, então com 15
anos, e o pressionado a voltar para a África do Sul.
No entanto, em 2016, Elon e Kimbal planejaram uma viagem com as
respectivas famílias à África do Sul e decidiram que deveriam ver Errol, que
estava divorciado e havia tido problemas cardíacos. Elon compartilha
algumas coisas com o pai, provavelmente mais do que gostaria de admitir,
inclusive o dia do aniversário: 28 de junho. Então, eles marcaram um
almoço para tentar se reconciliar, pelo menos por um momento, no
aniversário deles — Elon estava completando 45 anos e Errol, 70.
Encontraram-se em um restaurante na Cidade do Cabo, onde Errol
morava. Estavam presentes Kimbal e a nova esposa, Christiana, e Elon e a
atriz Natasha Bassett, com quem ele saía de vez em quando. Justine havia
pedido que os filhos, que foram na viagem, não tivessem contato com Errol,
portanto as crianças deixaram o restaurante pouco antes de o avô chegar.
Antonio Gracias também estava presente e perguntou se podia ir embora.
“Elon pôs a mão na minha perna e pediu: ‘Fica, por favor’”, recorda-se
Gracias. “Foi a única vez que vi as mãos do Elon tremendo.” Quando
entrou no restaurante, Errol elogiou Elon em voz alta pela beleza de
Natasha, o que deixou todos desconfortáveis. “Elon e Kimbal se fecharam,
ficaram silenciosos”, diz Christiana. Após uma hora, disseram que era hora
de ir.
Elon tinha planejado levar Kimbal, Christiana, Natasha e as crianças a
Pretória, para verem onde os dois haviam crescido. Contudo, depois do
encontro com o pai, não havia mais clima. Elon interrompeu a viagem
abruptamente e voou de volta para os Estados Unidos, dizendo aos demais e
a si mesmo que precisava retornar para lidar com a situação do motorista
que havia morrido na Flórida enquanto usava o Autopilot da Tesla.

***

A visita, apesar de breve, parecia anunciar uma détente com o pai, que
poderia, talvez, ter ajudado Elon a domar alguns dos demônios que ainda o
assombravam. Mas isso não aconteceu. Naquele mesmo ano, não muito
depois que Elon partiu da África do Sul, Errol engravidou Jana, que estava
então com 30 anos. “Éramos pessoas solitárias, perdidas”, disse Errol
depois. “Uma coisa levou a outra. Você pode chamar isso de plano divino ou
plano da natureza.”
Quando Elon e os irmãos descobriram, ficaram assustados e furiosos.
“Eu estava, na realidade, gradativamente fazendo as pazes com meu pai”,
diz Kimbal, “mas aí ele teve um filho com a Jana e eu decretei: ‘Acabou,
estou fora. Nunca mais quero falar com você.’ E não falei mais com ele
desde então”.
Logo depois de saber da notícia, no verão de 2017, Elon tinha uma
entrevista agendada com Neil Strauss para uma matéria de capa da Rolling
Stone. Strauss começou a entrevista com uma pergunta sobre o Model 3 da
Tesla. Como acontecia com frequência, Musk simplesmente ficou em
silêncio. Ele estava processando ambas as situações, a com Amber Heard e a
com o pai dele. Sem dar muita explicação, Musk se levantou e saiu.
Depois de mais de cinco minutos, Teller foi buscá-lo. Quando Musk
voltou, ele explicou para Strauss: “Acabei de terminar com minha
namorada. Estava realmente apaixonado, e dói muito.” Mais adiante na
entrevista, ele falou sobre o pai, mas sem mencionar o filho que Errol havia
acabado de ter com Jana. “Ele é um ser humano tão terrível”, disse Musk,
começando a chorar. “Meu pai sempre vai ter um plano maléfico
cuidadosamente urdido. Ele planeja o mal. Quase todo crime no qual você
possa pensar, ele já cometeu.” No perfil que publicou, Strauss destacou que
Musk não entrou em detalhes. “Nitidamente, existe algo que Musk quer
compartilhar, mas não consegue expressar com palavras.”
capítulo 45
Descida para a escuridão
2017

Analisando um conjunto de baterias com Omead Afshar (no canto esquerdo)


Você é bipolar?
Devastado pelo rompimento com Amber Heard e pela notícia de que o pai
havia tido um filho com a mulher que criou como enteada, Musk passou por
períodos em que oscilava entre depressão, estupor, vertigem e energia
maníaca. Ele ficava num péssimo humor, que o levava a transes catatônicos
e a uma paralisia depressiva. Então, como se um interruptor tivesse sido
ligado, ele ficava tonto e repetia esquetes antigos de Monty Python que
incluíam jeitos esquisitos de andar e debates malucos, e aí explodia numa
risada vacilante. Profissional e emocionalmente, o período entre o verão de
2017 e o outono de 2018 seria o mais infernal da vida dele, pior até que as
crises de 2008. “Foi o período de dor mais concentrada que já senti”, diz.
“Dezoito meses de insanidade implacável. Foi incrivelmente doloroso.”
Em certo momento no fim de 2017, Musk devia participar de uma
reunião de resultados da Tesla com analistas de Wall Street. Jon McNeill,
que na época era o presidente da Tesla, o encontrou no chão da sala de
conferências com as luzes apagadas. McNeill foi até lá e se deitou ao lado
dele. “Ei, cara”, disse McNeill, “temos uma reunião de resultados para
fazer”.
“Não consigo”, falou Musk.
“Você precisa fazer.”
McNeill levou meia hora para conseguir fazê-lo ir. “Ele saiu de um
estado letárgico para um em que podíamos sentá-lo na cadeira, chamar as
demais pessoas para a sala e ajudá-lo a passar pela declaração inicial, e então
o substituir”, lembra McNeill. Quando a reunião acabou, Musk disse: “Eu
precisava me deitar, desligar as luzes. Precisava só de um tempo sozinho.”
McNeill conta que a mesma cena se repetiu em cinco ou seis ocasiões,
inclusive uma vez que ele teve que se deitar no chão da sala de conferências
ao lado de Musk para conseguir que ele aprovasse um novo design do site.
Mais ou menos nessa época, um usuário do Twitter perguntou se Musk
era bipolar. “Sim”, respondeu ele, mas acrescentou que não havia sido
diagnosticado por um médico. “Sentimentos ruins vêm de acontecimentos
ruins, então talvez o problema real seja eu me deixar levar pelo que me
proponho a fazer.” Um dia, quando estavam sentados na sala de
conferências da Tesla depois de um dos momentos difíceis de Musk,
McNeill perguntou diretamente se ele era bipolar. Quando Musk disse que
provavelmente sim, McNeill empurrou a cadeira para longe da mesa e se
virou para falar com Musk olho no olho. “Olha, eu tenho um parente que é
bipolar”, disse McNeill. “Tive uma experiência próxima com isso. Se você
fizer um bom tratamento e tomar os medicamentos certos, pode voltar a ser
quem você é. O mundo precisa de você.” McNeill conta que foi uma
conversa saudável, e Musk pareceu ter um desejo claro de sair daquele
estado mental confuso.
No entanto, aquilo não aconteceu. Quando pergunto, ele diz que sua
maneira de lidar com os problemas mentais “é só aceitar a dor e ter certeza
de que você realmente se importa com o que está fazendo”.

“Bem-vindos ao inferno da produção!”


Quando o Model 3 começou a sair da linha de produção em julho de 2017,
miraculosamente dentro do prazo insano que Musk havia determinado, a
Tesla fez um evento ostentoso na fábrica de Fremont para celebrar. A
programação dizia que, antes de subir ao palco, Musk estaria em uma sala
para responder a perguntas de alguns jornalistas. Contudo, algo estava
errado. Ele havia passado o dia todo com um humor mórbido — tomou de
uma só vez algumas latas de Red Bull para seguir em frente, depois tentou
meditar, algo que nunca tinha feito para valer antes.
Franz von Holzhausen e JB Straubel tentaram tirá-lo do estupor com um
discurso motivacional. Mas Musk não reagia, o rosto inexpressivo,
deprimido. “Eu tinha passado por um sofrimento emocional severo nas
semanas anteriores”, diria ele depois. “Severo. Precisei reunir cada pingo de
vontade em mim para ser capaz de fazer o evento do Model 3 e não parecer
o cara mais deprimido do lugar.” Finalmente, Musk conseguiu se aprumar e
foi à entrevista coletiva. Parecia irritado e depois distraído. “Me desculpem
por parecer um pouco frio”, falou para os repórteres. “Estou com muita
coisa na cabeça.”
Então chegou o momento de aparecer na frente de duzentos fãs
barulhentos e funcionários. Ele tentou fazer um bom show, pelo menos
inicialmente. Dirigiu um novo Model 3 vermelho no palco, pulou para fora
e ergueu os braços. “O objetivo desta empresa era fazer um carro elétrico
realmente excelente e acessível”, disse, “e finalmente conseguimos”.
A fala de Musk, porém, logo assumiu um tom estranho. Mesmo as
pessoas na plateia podiam ver que, apesar da tentativa de parecer animado,
ele estava num momento sombrio. Em vez de celebrar, alertou para os
tempos difíceis que vinham pela frente. “O maior desafio para nós nos
próximos seis a nove meses é descobrir como construir uma enorme
quantidade de carros”, falou, hesitante. “Francamente, vamos estar numa
produção infernal.” Em seguida, Musk começou a rir de uma forma um
pouco maníaca. “Bem-vindos! Bem-vindos! Bem-vindos ao inferno da
produção! É onde estaremos por pelo menos seis meses.”
Essa perspectiva, como todos os dramas infernais, parecia preenchê-lo
com uma energia sombria. “Estou ansioso para trabalhar com vocês nessa
jornada pelo inferno!”, exclamou ele para uma plateia assustada. “Como diz
o ditado, se você está passando pelo inferno, siga em frente.”
Ele estava. E seguiu em frente.

Inferno em Giga Nevada


Em épocas de turbulência emocional, Musk se enterra no trabalho feito um
maníaco. E foi o que fez depois do evento em julho de 2017, que marcou o
início da produção do Model 3.
Musk tinha um objetivo principal: aumentar a produção para que a Tesla
entregasse 5 mil Models 3 por semana. Ele havia feito os cálculos dos custos
da empresa, das despesas gerais e do fluxo de caixa. Se chegassem a esse
nível de produção, a Tesla sobreviveria. Se não, ficaria sem dinheiro. Ele
repetia isso como um mantra para cada executivo, e instalou monitores na
fábrica que mostravam em tempo real a produção de carros e componentes.
Chegar a 5 mil carros por semana seria um enorme desafio. No fim de
2017, a Tesla estava produzindo carros na metade desse ritmo. Musk
decidiu que tinha que se mudar, literalmente, para o chão de fábrica e
liderar o aumento da produção. Era uma tática — assumir pessoalmente o
posto 24 horas por dia, 7 dias por semana, em uma força-tarefa com colegas
fanáticos — que passou a definir a intensidade maníaca que ele exigia nas
empresas.
Ele começou com a gigafábrica em Nevada, onde a Tesla produzia suas
baterias. A pessoa que desenhou a linha de produção disse a Musk que fazer
5 mil conjuntos de bateria por semana era insano. No máximo seria possível
fazer 1.800. “Se você estiver certo, a Tesla está acabada”, falou Musk. “Ou
temos 5 mil carros por semana ou não vamos cobrir nossos custos.”
Construir mais linhas de produção levaria mais um ano, disse o executivo.
Musk o demitiu e trouxe um novo capitão, Brian Dow, que tinha a
mentalidade entusiasmada de que Musk gostava.
Musk assumiu o controle do chão de fábrica, executando o papel de um
marechal descontrolado. “Era um frenesi de insanidade”, diz ele.
“Estávamos dormindo apenas quatro ou cinco horas, muitas vezes no chão.
Eu me lembro de pensar: Estou no limite da sanidade.” Os colegas dele
concordavam.
Musk chamou reforços, entre eles seus mais leais assessores: Mark
Juncosa, o engenheiro que era seu fiel escudeiro na SpaceX, e Steve Davis,
que liderava a e Boring Company. Ele convocou até seu jovem primo
James Musk, filho do irmão mais novo de Errol, que havia acabado de se
formar em Berkeley e se juntou à equipe do Tesla Autopilot como
programador. “Recebi uma ligação do Elon, que me disse para estar no
aeroporto de Van Nuys em uma hora”, conta James. “Voamos para Reno e
acabei ficando lá por quatro meses.”
“Havia um bilhão de problemas”, diz Juncosa. “Um terço das células
estava ferrada, assim como um terço das estações de trabalho.” Eles se
distribuíram para trabalhar em diferentes seções da linha de produção de
baterias, indo de estação em estação e solucionando problemas de qualquer
processo que estivesse atrasando as coisas. “Quando estávamos muito
exaustos, íamos dormir no hotel por quatro horas e voltávamos”, diz
Juncosa.
Omead Afshar, um engenheiro biomédico com formação secundária em
poesia, tinha acabado de ser contratado para trabalhar com Sam Teller como
ajudante de campo de Musk. Ele cresceu em Los Angeles, e, quando estava
no ensino fundamental, levava uma pasta para a escola porque queria
parecer com o pai, um engenheiro nascido no Irã. Omead trabalhou por
alguns anos montando instalações para fabricantes de equipamentos
médicos, e rapidamente se deu bem com Musk depois de entrar para a
Tesla. Ambos falavam com uma leve gagueira, que mascarava a mentalidade
de engenharia. No primeiro dia no trabalho, depois de alugar um
apartamento perto da sede da Tesla no Vale do Silício, Omead foi arrastado
pela onda de trabalho e passou os três meses seguintes atuando na
gigafábrica de baterias de Nevada e dormindo em um hotelzinho de 20
dólares por noite ali perto. Sete dias por semana, ele acordava às cinco da
manhã, tomava uma xícara de café com o guru da produção, Tim Watkins,
trabalhava na fábrica até as dez da noite e depois tomava uma taça de vinho
com Watkins antes de dormir.
Certo dia, Musk notou que a linha de montagem estava sendo atrasada
por uma estação em que as tiras de fibra de vidro eram grudadas nos
conjuntos de bateria por um robô que era caro, mas lento. As ventosas do
robô derrubavam as tiras e aplicavam cola demais. “Percebi que o primeiro
erro foi tentar automatizar o processo, o que era culpa minha por pressionar
por muita automação”, diz ele.
Depois de muita frustração, Musk finalmente fez a pergunta básica:
“Para que servem essas malditas tiras?” Ele estava tentando visualizar por
que as tiras de fibra de vidro eram necessárias entre a bateria e o piso do
carro. A equipe de engenharia disse que a especificação veio da equipe de
redução de ruído, para diminuir a vibração. Então ele chamou a equipe de
redução de ruído, a qual disse que a especificação veio da equipe de
engenharia, para reduzir o risco de incêndio. “Parecia que eu estava em uma
tirinha do Dilbert”, comenta Musk. Então ele mandou que gravassem todos
os sons dentro do carro com e sem a fibra de vidro. “Vejam se conseguem
perceber alguma diferença”, orientou. Ninguém conseguiu.
“O primeiro passo deveria ser questionar as especificações”, explica ele.
“Deixá-las menos erradas e burras, porque todas as especificações são um
pouco erradas e burras. E então eliminar, eliminar, eliminar.”
A mesma abordagem funcionava mesmo no menor dos detalhes. Por
exemplo, quando os conjuntos de baterias eram concluídos em Nevada,
pequenos protetores de plástico, como tampas, eram colocados nas pontas
que seriam ligadas ao carro. No momento em que a bateria ia para a
montagem de carros da fábrica de Fremont, as tampas plásticas eram
À
removidas e descartadas. Às vezes acabavam as tampas em Nevada e eles
tinham que segurar um carregamento de baterias. Quando Musk perguntou
por que as tampas existiam, disseram que fora uma especificação recebida
para garantir que os pinos não dobrassem. “Quem especificou esse
requisito?”, perguntou ele. A equipe da fábrica penou para descobrir a
origem da especificação, mas não chegou a um nome. “Então eliminem as
tampas”, disse Musk. Assim fizeram, e no fim das contas nunca tiveram
problemas.
Apesar de haver um espírito de união no pelotão de Musk, ele sabia ser
frio e grosseiro. Certo sábado, às dez horas da noite, ficou irritado com um
braço robótico que instalava um tubo resfriador em uma bateria. O
alinhamento do robô estava errado, o que causava atrasos no processo. Um
jovem engenheiro de produção chamado Gage Coffin foi convocado. Ele se
animou com a chance de conhecer Musk. Estava trabalhando na Tesla havia
dois anos e passara os onze meses anteriores vivendo apenas com uma mala
e trabalhando sete dias por semana na fábrica. Era o primeiro trabalho dele
em tempo integral, e ele o amava. Quando chegou, Musk gritou: “Ei, isso
aqui não está alinhado. Você que fez isso?” Hesitante, Coffin perguntou a
Musk sobre o que ele estava falando. A programação? O design? A
ferramenta? Musk continuou indagando: “Você que fez essa porra?” Coffin,
confuso e assustado, continuou se atrapalhando para responder. Isso fez
Musk ficar ainda mais combativo. “Você é um idiota”, disse ele. “Caia fora
daqui e não volte mais.” O gerente de projeto de Coffin o chamou alguns
minutos depois e informou que Musk mandou demiti-lo. Coffin recebeu os
papéis da demissão naquela segunda. “Meu gerente foi demitido na semana
seguinte e o gerente dele, uma semana depois”, diz ele. “Pelo menos Elon
sabia o nome deles.”
“Quando Elon se irrita, ele desconta nos outros, frequentemente nos
funcionários iniciantes”, diz Jon McNeill. “A história de Gage era típica do
comportamento dele, que simplesmente não conseguia processar a
frustração de maneira produtiva.” JB Straubel, o cofundador mais amável e
mais gentil da Tesla, constrangia-se com o comportamento de Musk.
“Olhando em retrospecto, podem parecer boas histórias de guerra”, comenta
Straubel, “mas na hora era absolutamente horrível. Ele estava nos fazendo
demitir pessoas que eram amigas pessoais havia muito tempo, o que era
muito doloroso”.
Musk responde afirmando que pessoas como Straubel e McNeill eram
relutantes demais em proceder com demissões. Naquela área da fábrica, as
coisas não estavam funcionando bem. Peças se acumulavam nas estações de
trabalho e a linha de produção não andava. “Ao tentar ser agradável com
algumas pessoas”, diz Musk, “na realidade você não está sendo agradável
com as dezenas de outras pessoas que estão fazendo bem o trabalho e vão
ser prejudicadas se eu não consertar os problemas”.
Ele passou aquele Dia de Ação de Graças na fábrica, junto com alguns
dos filhos, porque havia exigido que os funcionários trabalhassem. Qualquer
dia em que a fábrica não estivesse fazendo baterias atrapalharia o número de
carros que a Tesla podia produzir.

Desautomação
Desde o desenvolvimento das linhas de montagem, no início dos anos 1900,
a maioria das fábricas tem sido projetada em dois estágios. Primeiro, a linha
é organizada com trabalhadores que fazem tarefas específicas em cada
estação. Depois, quando os problemas são resolvidos, robôs e outras
máquinas são gradualmente inseridos para assumir parte do trabalho. Musk
fez o inverso. Em sua visão de uma fábrica moderna do tipo “encouraçado
alienígena”, ele começou automatizando todas as tarefas possíveis.
“Tínhamos uma linha de produção muito automatizada que usava toneladas
de robôs”, diz Straubel. “Só que havia um problema. Não funcionava.”
Certa noite, Musk andava pela fábrica de conjuntos de bateria em
Nevada com seu pelotão — Omead Afshar, Antonio Gracias e Tim
Watkins —, e eles notaram um atraso em uma estação de trabalho na qual
um braço robótico colava células em um tubo. A máquina tinha um
problema para segurar o material e deixá-lo alinhado. Watkins e Gracias
foram até uma mesa e tentaram fazer o processo manualmente. Eles
conseguiam fazer de forma mais confiável. Então chamaram Musk e
calcularam quantos humanos seriam necessários para se livrar da máquina.
Foram contratados trabalhadores para substituir o robô, e a linha de
montagem passou a andar mais rápido.
Musk passou de apóstolo da automação para uma nova missão que
assumiu com zelo similar: encontrar qualquer parte da linha onde houvesse
um atraso e ver se a desautomação poderia torná-la mais rápida.
“Começamos a limar os robôs da linha de produção e a jogá-los no
estacionamento”, conta Straubel. Em um fim de semana, eles marcharam
pela fábrica pintando marcas no maquinário que seria descartado. “Fizemos
um buraco na lateral do prédio só para remover todo o equipamento”, diz
Musk.
O experimento foi uma lição que se tornaria parte do algoritmo de
produção de Musk. Sempre espere até o fim do processo de
desenvolvimento — depois que você questionou todas as especificações e
eliminou as partes desnecessárias — antes de automatizar.
Em abril de 2018, a fábrica de Nevada estava funcionando melhor. O
clima havia esquentado um pouco, então Musk decidiu que ia dormir na laje
da fábrica em vez de dirigir até um hotel de beira de estrada. O assistente
dele comprou barracas e os amigos Bill Lee e Sam Teller se juntaram a ele.
Certa noite, depois de inspecionar as linhas de montagem do módulo e dos
conjuntos até quase a uma da manhã, eles foram para a laje, acenderam uma
pequena fogueira portátil e conversaram sobre o próximo desafio. Musk
estava pronto para dar atenção a Fremont.

Na sala de conferências Júpiter, em Fremont, em 2008, assistindo a um


lançamento e observando os números de produção da Tesla
capítulo 46
O inferno da fábrica de Fremont
Tesla, 2018

Na linha de montagem, e descansando debaixo da mesa dele na fábrica de


Fremont
Vendas a descoberto
À medida que os gargalos na fábrica de baterias de Nevada se resolviam, na
primavera de 2018, Musk voltou a atenção para a montadora de carros de
Fremont, localizada na periferia industrial deteriorada do Vale do Silício, do
outro lado da baía de São Francisco em relação a Palo Alto. No início de
abril, a fábrica estava produzindo apenas 2 mil Models 3 por semana. Não
parecia existir um jeito de as leis da física permitirem que Musk fizesse as
linhas de montagem da fábrica produzirem o número mágico de 5 mil
carros por semana, o que ele estava prometendo a Wall Street que
aconteceria no fim daquele mês de junho.
Musk deu um basta na situação e disse a todos os gerentes que
encomendassem peças e materiais suficientes para produzir aquele total.
Teriam que pagar por isso, mas, se tudo aquilo não fosse transformado em
carros prontos, a Tesla teria problemas de fluxo de caixa que a levariam à
espiral da morte. O resultado foi mais um daqueles exercícios frenéticos de
treinamento contra incêndios que Musk chamava de onda.
No início de 2018, as ações da Tesla estavam variando em torno de seu
maior valor, tornando-a mais valiosa que a General Motors, apesar de a
GM ter vendido 10 milhões de carros com um lucro de 12 bilhões de
dólares no ano anterior, enquanto a Tesla vendera 100 mil carros e perdera
2,2 bilhões de dólares. Esses números e o ceticismo a respeito da promessa
de Musk de 5 mil carros por semana transformaram as ações da Tesla em
um ímã para operações de vendas a descoberto, que geram lucro se o preço
da ação cair. Em 2018, a Tesla havia se tornado a ação mais vendida a
descoberto da história.
Isso enfureceu Musk. Ele acreditava que as pessoas que apostavam na
queda das ações não eram apenas céticas, mas também cruéis: “São
sanguessugas no pescoço do negócio.” Os vendedores a descoberto atacaram
publicamente a Tesla e o próprio Musk. Ele rolava o feed do Twitter
fervilhando de raiva com as informações falsas. Ainda piores eram as
informações verdadeiras. “Eles tinham fontes na empresa e drones que
sobrevoavam nossa fábrica dando a eles dados atualizados e números em
tempo real”, diz. “Eles se organizavam em uma força terrestre e aérea
mercenária. A quantidade de informação interna que tinham era insana.”
Mais tarde isso seria a perdição deles. Os operadores que apostavam na
queda das ações tinham números brutos sobre quantos carros poderiam ser
produzidos pelas duas linhas de montagem em Fremont, e isso os levou a
concluir que não havia maneira de a Tesla atingir os 5 mil carros por semana
em meados de 2018. “Achamos que a decepção está prestes a atingir a
TSLA”, escreveu um dos operadores, David Einhorn. “O comportamento
errático de Elon Musk dá a entender que ele pensa o mesmo.” E o mais
famoso operador de vendas a descoberto, Jim Chanos, declarou
publicamente que as ações da Tesla eram, em suma, inúteis.
Mais ou menos nessa época, Musk fez a aposta contrária. O conselho da
Tesla lhe concedeu o mais ousado pacote de remuneração na história norte-
americana, um modelo que não pagaria nada a ele se as ações não
aumentassem drasticamente, mas que tinha o potencial de pagar 100 bilhões
de dólares, ou mais, se a empresa atingisse um conjunto de objetivos
extraordinariamente agressivos, inclusive um salto nos números de
produção, receita bruta e preço de ações. Havia um ceticismo disseminado
de que ele pudesse bater as metas. “O sr. Musk só será pago se atingir uma
série de metas impressionantes baseadas no valor de mercado da empresa e
em suas operações”, escreveu Andrew Ross Sorkin no e New York Times.
“Caso contrário, ele não receberá nada.” O pagamento máximo só
aconteceria se “o sr. Musk conseguisse, de alguma forma, aumentar o valor
da Tesla para 650 bilhões de dólares — um valor que muitos especialistas
acham risível de tão impossível”.

Andar até o vermelho


No centro da fábrica de Fremont está a principal sala de conferências,
conhecida como Júpiter. Musk a usava como escritório, local de reunião,
refúgio para tormentos mentais e às vezes lugar para dormir. Uma série de
telas, que piscavam e atualizavam como os displays de ações, acompanhava
em tempo real a saída de produção da fábrica e de cada estação de trabalho.
Musk havia percebido que projetar uma boa fábrica era como desenhar
um microchip. Era importante criar, a cada fragmento, a densidade, o
escoamento e os processos certos. Então ele deu mais atenção ao monitor
que mostrava cada estação da linha de montagem com uma luz verde ou
vermelha que indicava se estava fluindo adequadamente. Havia também
luzes verdes e vermelhas nas próprias estações, de modo que Musk era capaz
de andar pelo chão de fábrica e ir até os pontos problemáticos. A equipe
dele chamava isso de “andar até o vermelho”.
A onda em Fremont começou na primeira semana de abril de 2018.
Naquela segunda-feira, ele começou a andar pela fábrica com seu
característico passo rápido de urso, indo até cada luz vermelha que visse.
Qual o problema? Uma peça estava faltando. Quem é o responsável por essa
peça? Traga-o aqui. Um sensor fica disparando. Quem o calibrou? Encontre
alguém que possa abrir o console. Podemos ajustar as configurações? Por que sequer
precisamos da porra do sensor?
O processo foi interrompido naquela tarde porque a SpaceX estava
lançando uma missão importante de carga e suprimentos para a estação
espacial. Então, Musk voltou para a sala de conferências Júpiter com o
intuito de assistir em um dos monitores. Mesmo assim, os olhos dele
ficavam se voltando para as telas que mostravam os números de produção e
os gargalos na linha de montagem da Tesla. Sam Teller pediu comida
tailandesa, e Musk retomou a procissão pela fábrica, procurando por luzes
vermelhas. Às duas e meia da manhã, ele estava junto ao pessoal do turno da
noite sob um carro movido em um rack vendo parafusos sendo instalados.
Por que tem quatro parafusos aqui? Quem especificou isso? Podemos fazer com
dois? Tente.
Durante a primavera e o começo do verão de 2018, Musk circulou pelo
chão de fábrica como tinha feito em Nevada, tomando decisões de pronto.
“Elon estava enlouquecendo, marchando de uma estação a outra”, diz
Juncosa. Musk calculou que em um dia bom tomava cem decisões enquanto
andava pelo chão de fábrica. “Pelo menos 20% se mostrarão erradas e terão
que ser alteradas depois”, fala. “Mas, se eu não tomar decisões, nós
morremos.”

***
Um dia, Lars Moravy, um valioso executivo de alto escalão, estava
trabalhando na sede executiva da Tesla, a alguns quilômetros de distância,
em Palo Alto, quando recebeu uma ligação urgente de Omead Afshar
pedindo que fosse até a fábrica. Ao chegar, encontrou Musk sentado de
pernas cruzadas sob o transporte rolante elevado que levava as carrocerias
dos carros pela linha. De novo, Musk estava impressionado com o número
de parafusos que haviam sido especificados. “Por que temos seis aqui?”,
perguntou ele, apontando.
“Para deixá-lo estável numa colisão”, respondeu Moravy.
“Não, o impacto principal numa colisão viria por este anteparo aqui”,
explicou Musk. Ele havia visualizado todos os pontos de pressão e começou
a recitar os números de tolerância em cada ponto. Moravy devolveu aos
engenheiros para que fosse redesenhado e testado.
Em outra estação de trabalho, as carrocerias parcialmente finalizadas do
carro eram presas a uma sapata que as movia através do processo final de
montagem. Os braços robóticos que apertavam os parafusos estavam, Musk
achava, movendo-se muito devagar. “Até eu faria mais rápido”, disse ele.
Então ordenou que os trabalhadores vissem as configurações das chaves de
parafuso, mas ninguém sabia abrir o console de controle. “Ok, vou
simplesmente ficar em pé aqui até que a gente encontre alguém que consiga
abrir o console.” Finalmente, um técnico que conseguia acessar os controles
do robô foi encontrado. Musk descobriu que o robô estava configurado para
20% da velocidade máxima e que a configuração-padrão instruía o braço a
virar o parafuso duas vezes para trás antes de apertá-lo. “As configurações de
fábrica sempre são idiotas”, disse Musk. Então ele rapidamente reescreveu o
código para eliminar as voltas para trás. Depois definiu a velocidade para
100% da capacidade. Isso começou a espanar a rosca, então ele reduziu para
70%. Funcionou direito e reduziu o tempo que levava para prender os carros
nas sapatas para menos da metade.
Uma parte do processo de pintura, uma pintura por eletrodeposição,
envolvia mergulhar a carroceria do carro em um tanque. Áreas da carroceria
têm pequenos buracos para que as cavidades drenem depois do mergulho na
tinta. Esses buracos são então cobertos com remendos de borracha,
conhecidos como remendos butílicos. “Por que estão aplicando isso?”,
perguntou Musk a um dos gerentes da linha, que respondeu ter sido
especificado pelo departamento de estrutura veicular. Então Musk convocou
o chefe do departamento. “Para que diabos serve isso?”, questionou. “Está
atrasando a linha de montagem toda.” Ele foi informado de que, numa
inundação, se a água ficar acima do nível do assoalho, os remendos butílicos
ajudam a evitar que o chão fique encharcado. “Isso é insano”, respondeu
Musk. “Uma inundação desse tipo acontece uma vez a cada dez anos.
Quando acontecer, os tapetes podem molhar.” Os remendos foram
eliminados.
As linhas de produção frequentemente paravam quando os sensores de
segurança eram disparados. Musk chegou à conclusão de que os sensores
eram sensíveis demais, disparando quando não havia um problema real. Ele
testou alguns para ver se algo pequeno, como um pedaço de papel caindo
próximo ao sensor, poderia provocar uma parada. Isso levou a uma cruzada
para eliminar sensores tanto em carros da Tesla quanto em foguetes da
SpaceX. “A menos que um sensor seja absolutamente necessário para ligar
um motor ou pará-lo sem danos antes que exploda, deve ser eliminado”,
escreveu Musk em um e-mail para os engenheiros da SpaceX. “Daqui para a
frente, qualquer um que colocar um sensor (ou qualquer coisa) em um
motor que não seja obviamente indispensável será demitido.”
Alguns dos gerentes apresentaram objeções. Eles achavam que Musk
estava comprometendo a segurança e a qualidade para apressar a produção.
O diretor sênior de qualidade de produção foi embora. Um grupo de atuais
e ex-funcionários disse para a CNBC que eles estavam sendo “pressionados
a cortar caminho para atingir as metas de produção agressivas do Model 3”.
Também disseram que estavam sendo pressionados a fazer consertos
improvisados, como arrumar um suporte de plástico rachado com fita
isolante. O e New York Times noticiou que os funcionários se sentiam
forçados a trabalhar dez horas por dia. “É um constante ‘Quantos carros
fizemos até agora?’, uma pressão incessante para produzir”, declarou um
funcionário ao jornal. Havia um pouco de verdade nas reclamações. O
índice de acidentes de trabalho da Tesla era 30% superior ao das outras
empresas automotivas.

Remoção de robô
Durante o esforço para aumentar a produção na fábrica de baterias de
Nevada, Musk tinha aprendido que certas tarefas, às vezes muito simples,
são desempenhadas melhor por humanos do que por robôs. Com os olhos,
podemos procurar em volta e encontrar a ferramenta certa de que
precisamos. Depois podemos ir até ela, pegá-la com os dedos, ver o lugar
certo para usá-la e guiá-la com nosso braço. Fácil, certo? Não para um robô,
não importa quão boas sejam as câmeras que ele tenha. Em Fremont, onde
cada linha de montagem tinha 1.200 dispositivos robóticos, Musk chegou à
mesma conclusão que chegara em Nevada sobre os riscos de uma
automatização tão implacável.
Perto do fim da linha de montagem havia braços robóticos tentando
ajustar as borrachas vedantes em torno das janelas. Eles estavam tendo
dificuldades. Certo dia, depois de ficar de pé em silêncio na frente dos robôs
obstinados por alguns minutos, Musk tentou fazer a tarefa com as próprias
mãos. Era fácil para um humano. Então deu uma ordem, parecida com a
que dera em Nevada: “Vocês têm 72 horas para remover todas as máquinas
desnecessárias.”
A remoção dos robôs começou mal. As pessoas haviam investido muito
nas máquinas. Mas então virou um tipo de jogo. Musk começou a andar
pela linha, sacudindo uma lata de tinta spray laranja. “Fica ou vai?”,
perguntava ele para Nick Kalayjian, o vice-presidente de engenharia, ou
para outras pessoas. Se a resposta fosse “vai”, a peça era marcada com um X
laranja e os funcionários a tiravam da linha. “Logo ele estava rindo, como
uma criança”, diz Kalayjian.
Musk assumiu a responsabilidade pela automatização excessiva, e chegou
até a anunciar isso publicamente. “A automatização excessiva na Tesla foi
um erro”, tuitou. “Para ser preciso, erro meu. Os humanos são
subestimados.”
Depois da desautomação e de outras melhorias, a fábrica aprimorada de
Fremont estava produzindo 3.500 sedãs Model 3 por semana no fim de
maio de 2018. Era um número impressionante, mas ainda muito abaixo dos
5 mil por semana que Musk tinha prometido para o fim de junho. Os
operadores que apostavam na baixa das ações, com seus espiões e drones,
determinaram que não havia como a fábrica, com suas duas linhas de
montagem, alcançar essa meta. Eles também sabiam que não havia como a
Tesla construir outra fábrica, ou mesmo conseguir autorização para tal, pelo
menos dentro de um ano. “Os operadores achavam que tinham a
informação perfeita”, diz Musk, “e estavam se gabando on-line, dizendo ‘É,
a Tesla está ferrada’”.

A tenda
Musk gosta de história militar, especialmente das histórias sobre o
desenvolvimento de aviões de guerra. Em uma reunião na fábrica de
Fremont no dia 22 de maio, ele recontou uma história sobre a Segunda
Guerra Mundial. Quando o governo precisou acelerar a produção de
bombardeiros, montou linhas de produção nos estacionamentos das
companhias aéreas na Califórnia. Musk discutiu a ideia com Jerome
Guillen, que em breve seria promovido a presidente de automotivos da
Tesla, e ambos decidiram que podiam fazer algo parecido.
Havia uma cláusula no código de zoneamento de Fremont para algo
chamado “instalação temporária de conserto de veículos”, a qual previa que
postos de combustível tivessem permissão de instalar tendas onde pudessem
trocar pneus ou silenciadores. Entretanto, o regulamento não especificava
um tamanho máximo para essas tendas. “Consiga uma dessas autorizações e
comece a construir uma tenda enorme”, disse Musk para Guillen. “Vamos
ter que pagar uma multa depois.”
Naquela tarde, os funcionários da Tesla começaram a limpar os entulhos
que cobriam um velho estacionamento atrás da fábrica. Não havia tempo
para pavimentar o concreto rachado, então eles simplesmente cobriram uma
longa faixa e começaram a construir a tenda em torno dela. Um dos ases de
Musk na construção de fábricas, Rodney Westmoreland, viajou para lá a fim
de coordenar a construção, e Teller reuniu caminhões de sorvete para
entregar as iguarias doces aos que estavam trabalhando ao sol. Em duas
semanas, conseguiram completar uma instalação dentro da tenda que tinha
trezentos metros de comprimento por 45 metros de largura, grande o
suficiente para acomodar uma linha de montagem improvisada. Em vez de
robôs, havia humanos em cada estação de trabalho.
O problema era que eles não tinham uma esteira transportadora para
mover os carros incompletos pela tenda. Só tinham um sistema antigo para
movimentar partes, mas não era poderoso o suficiente para mover as
carrocerias. “Então instalamos com uma ligeira inclinação, e a gravidade
impulsionava os carros a se moverem na velocidade certa”, diz Musk.
Pouco depois das quatro horas da tarde do dia 16 de junho, apenas três
semanas depois de Musk ter a ideia, a nova linha de montagem já estava
produzindo sedãs Model 3 na tenda improvisada. Neal Boudette, do e
New York Times, tinha ido a Fremont para observar Musk em ação e
escrever sobre isso, e pôde ver a tenda sendo construída no estacionamento.
“Se o pensamento convencional torna uma missão impossível”, disse Musk a
ele, “então o pensamento não convencional é necessário”.

Celebração de aniversário
O aniversário de 47 anos de Musk, em 28 de junho de 2018, aconteceu
pouco antes do prazo prometido para atingir a meta de 5 mil carros por
semana. Ele passou a maior parte do dia na estação de pintura da fábrica
principal. “Por que está atrasado?”, perguntava a cada imprevisto e andava
até o ponto de gargalo, onde ficava em pé até um dos engenheiros resolver a
situação.
Amber Heard ligou para desejar feliz aniversário, e depois disso ele
derrubou o telefone, que se quebrou, portanto Musk não estava de bom
humor. Contudo, logo depois das duas da tarde, Teller conseguiu fazê-lo dar
uma pausa e levá-lo para uma rápida celebração na sala de conferências.
“Aproveite o ano 48 da simulação!”, estava escrito com glacê no bolo de
sorvete que Teller tinha comprado. Não havia facas ou garfos, então eles
comeram com as mãos.
Doze horas depois, pouco após as duas e meia da manhã, Musk
finalmente deixou o chão de fábrica e voltou para a sala de conferências. No
entanto, ainda levaria mais uma hora para que conseguisse dormir. Em vez
disso, ele assistiu em um dos monitores ao lançamento de um foguete da
SpaceX em Cabo Canaveral. O foguete estava carregando um assistente
robótico junto com suprimentos que incluíam sessenta pacotes de café
supercafeinado Death Wish Coffee para os astronautas na Estação Espacial
Internacional. O lançamento aconteceu com perfeição, tornando-se a 15a
missão de carga bem-sucedida que a SpaceX fazia para a NASA.
O dia 30 de junho, o prazo estabelecido por Musk para chegar à meta de
5 mil carros por semana, era um sábado, e, quando ele acordou no sofá da
sala de conferências naquela manhã e olhou os monitores, percebeu que iam
conseguir. Musk trabalhou por algumas horas na linha de pintura, depois
saiu correndo da fábrica, ainda usando luvas protetoras, e entrou em seu
avião, rumo à Espanha, para chegar a tempo de ser padrinho de casamento
de Kimbal em uma vila catalã medieval.
À 1h53 da manhã no domingo, dia 1o de julho, um Model 3 preto foi
expelido da fábrica com uma faixa no para-brisa em que se lia “5.000”.
Quando Musk recebeu uma fotografia desse carro no iPhone, enviou uma
mensagem para todos os funcionários da Tesla: “Conseguimos! (...) Criamos
soluções totalmente novas que diziam ser impossíveis. Foi intenso, em
tendas.* Não importa. Funcionou... Acho que acabamos de nos tornar uma
empresa automotiva de verdade.”

O algoritmo
Em qualquer reunião de produção, seja na Tesla, seja na SpaceX, há uma
chance nada trivial de Musk entoar, como um mantra, o que ele chama de
“o algoritmo” — elaborado a partir das lições que aprendeu durante as ondas
infernais de produção nas fábricas de Nevada e Fremont. Seus executivos às
vezes movem os lábios e repetem as palavras, como se entoassem a liturgia
junto com o padre. “Eu me tornei um disco arranhado falando do
algoritmo”, diz Musk. “Mas acho que é útil dizer até incomodar.” Eram
cinco mandamentos:

1. Questione todas as especificações. Cada uma deve vir acompanhada


do nome da pessoa que a estabeleceu. Você nunca deve aceitar que
uma especificação veio de um departamento, como “departamento
jurídico” ou “departamento de segurança”. É preciso saber o nome da
pessoa real que criou tal exigência. Em seguida você deve questioná-
la, não importa quão inteligente a pessoa seja. Especificações de
pessoas inteligentes são as mais perigosas, porque é menos provável
que sejam questionadas. Sempre questione, mesmo se a especificação
tiver vindo de mim. Depois deixe as especificações menos idiotas.
2. Elimine qualquer parte ou processo que puder. Talvez você precise
readicionar a etapa mais adiante. Na realidade, se você não
readicionar pelo menos 10%, você não eliminou o suficiente.
3. Simplifique e otimize. Isso deve acontecer depois do passo 2. Um
erro comum é simplificar e otimizar uma parte ou um processo que
não deveria existir.
4. Acelere o tempo do ciclo. Todo processo pode ser acelerado. Mas só
faça isso depois dos três primeiros passos. Na fábrica da Tesla, eu
erroneamente passei muito tempo acelerando processos que depois
percebi que deveriam ter sido eliminados.
5. Automatize. Esse é o último passo. Um grande erro em Nevada e
Fremont foi que comecei tentando automatizar todos as etapas. Nós
deveríamos ter esperado até que todas as especificações fossem
questionadas, partes e processos fossem eliminados e os problemas,
resolvidos.

O algoritmo às vezes era acompanhado por alguns corolários, entre eles:

Todos os gerentes técnicos devem ter experiência prática. Por exemplo,


gerentes de equipes de software devem passar pelo menos 20% do tempo
programando. Gerentes de telhados solares devem passar um tempo nos
telhados fazendo instalações. Caso contrário, são como líderes da
cavalaria que não sabem andar a cavalo ou generais que não sabem usar
uma espada.

Camaradagem é perigoso. Torna difícil para as pessoas desafiar o


trabalho umas das outras. Há uma tendência a não querer ferrar o colega.
Isso precisa ser evitado.

Tudo bem estar errado. Só não seja confiante estando errado.

Nunca peça à sua tropa para fazer algo que você não quer fazer.
Sempre que houver problemas a resolver, não se reúna só com seus
gerentes. Pule um nível e se reúna com quem está logo abaixo dos
gerentes.

Em contratações, escolha pessoas com a atitude certa. Habilidades


podem ser ensinadas. Mudanças de atitude exigem um transplante de
cérebro.

Um sentimento maníaco de urgência é nosso princípio operacional.

As únicas regras são as que são ditadas pelas leis da física. Tudo o mais é
uma recomendação.

Na linha de montagem

* Em inglês, “intense in tents”, um famoso trocadilho com as palavras “intense” [intenso] e “in tents”
[em tendas], que brinca com a dificuldade de acampar e é usado para se referir a algo complicado. [N.
da E.]
capítulo 47
Aviso de malha aberta
2018

Com o primeiro-ministro da Tailândia, inspecionando o minissubmarino;


preparando-se para entrar na caverna onde os meninos estavam
Pedo
Enquanto Kimbal Musk estava em lua de mel no início de julho de 2018,
ele recebeu um e-mail de Antonio Gracias, amigo de longa data de Elon e
membro do conselho. “Desculpa, cara, sei que você quer ficar com sua
esposa, mas preciso que volte imediatamente”, escreveu Gracias. “Elon está
tendo um colapso.”
O sucesso da onda de produção deveria ter deixado Musk feliz. A Tesla
havia atingido a meta de produzir 5 mil carros Model 3 por semana e estava
diante de um trimestre lucrativo. A SpaceX havia completado 56
lançamentos bem-sucedidos, com apenas uma falha em voo, e estava
conseguindo pousar regularmente os impulsores para que pudessem ser
reutilizados. A empresa estava colocando mais cargas em órbita do que
qualquer outra companhia ou país, incluídos a China e os Estados Unidos.
Se Musk fosse o tipo de pessoa capaz de parar e saborear o sucesso, teria
notado que havia acabado de levar o mundo a uma era de carros elétricos,
voos espaciais comerciais e foguetes reutilizáveis. Cada uma dessas
realizações era um grande feito.
Contudo, para Musk, bons tempos eram inquietantes. Ele começou a
explodir sobre questões menores, como um funcionário na fábrica de
baterias de Nevada que vazou a informação de quanto material estava sendo
descartado. Era o começo de uma crise psicológica que durou de julho até
outubro de 2018, na qual Musk foi fustigado pelos impulsos impetuosos e
por um desejo incontrolável por comoções que o caracterizavam. “Era outro
exemplo de como ele é um ímã para drama”, diz Kimbal.

***

Os novos dramas começaram logo depois que a Tesla atingiu o marco de 5


mil carros por semana. Musk estava navegando pelo Twitter e viu uma
mensagem de um usuário desconhecido, com poucos seguidores, que dizia:
“Olá, senhor, se possível, pode ajudar de alguma maneira a tirar os doze
meninos tailandeses e o técnico deles de uma caverna?” Ele estava se
referindo à dúzia de jogadores de futebol da Tailândia que havia ficado presa
por uma enchente enquanto explorava uma caverna.
“Imagino que o governo tailandês esteja com isso sob controle, mas fico
feliz em ajudar, se puder”, tuitou Musk.
Então o impulso de super-herói entrou em ação. Trabalhando com os
engenheiros da SpaceX e da e Boring Company, ele começou a construir
um minissubmarino parecido com uma cápsula, que, pensou, poderia entrar
na caverna inundada para resgatar os meninos. Sam Teller conseguiu que
um amigo os deixasse usar uma piscina escolar para testar o dispositivo
naquele fim de semana, e Musk começou a tuitar fotos dele.
A saga se tornou uma notícia global, e algumas pessoas criticaram a
arrogância de Musk. No início da manhã de domingo, 8 de julho, ele
conversou com um líder da equipe de resgate na Tailândia para garantir que
o que estava construindo poderia ser útil. “Tenho uma das melhores equipes
de engenharia do mundo, que normalmente projetam espaçonaves e roupas
espaciais, trabalhando nisso 24 horas por dia”, disse Musk por e-mail. “Se
isso não é necessário ou não vai ajudar, seria bom saber.” O líder da equipe
de resgate respondeu: “Vale absolutamente a pena continuar.”
Mais tarde naquele dia, Musk e sete engenheiros se amontoaram no
avião a jato dele junto com o minissubmarino e pilhas de equipamento. Eles
chegaram ao norte da Tailândia às onze e meia da noite e foram recebidos
pelo primeiro-ministro, que estava com um boné da SpaceX e os levou
através da floresta até a caverna. Logo depois das duas da manhã, Musk e
seus seguranças e engenheiros, portando lanternas de cabeça, adentraram a
caverna escura com a água na cintura.
Depois que o minissubmarino foi entregue no local da caverna, Musk
voou para Xangai, onde assinaria um acordo para abrir outra gigafábrica da
Tesla. Naquele momento, a operação de resgate com mergulhadores estava
em andamento, e o submarino de Musk não foi necessário. Os meninos e o
técnico foram salvos. A história deveria ter terminado ali, exceto pelo fato
de que um explorador de cavernas inglês de 63 anos chamado Vernon
Unsworth, que havia assessorado os socorristas no local, deu uma entrevista
para a CNN dizendo que os esforços de Musk foram “só uma manobra de
publicidade” que “não tinha nenhuma chance de funcionar”. Unsworth
sugeriu, com uma risada, que “ele podia enfiar o submarino onde dói”.
Trolls e detratores atiravam insultos contra Musk a toda hora, e
ocasionalmente algum o mandava para o espaço. Ele respondeu com uma
sequência de tuítes nos quais atacava Unsworth e concluiu um deles com
“Desculpa, pedo, você realmente pediu isso”. Quando um usuário perguntou
a Musk se ele estava chamando Unsworth de pedófilo, ele respondeu:
“Aposto um dólar autografado que ele é.”
As ações da Tesla caíram 3,5%.
Musk não tinha provas das alegações. Teller, Gracias e o diretor jurídico
da Tesla correram para convencê-lo a se retratar, se desculpar e sair do
Twitter por um tempo. Depois que Teller enviou para ele um e-mail com
uma sugestão de declaração de desculpa, Musk devolveu: “Não estou feliz
com a abordagem sugerida... Precisamos parar de entrar em pânico.”
Contudo, algumas horas depois, Teller e outros o convenceram a tuitar uma
retratação. “Minhas palavras foram ditas com raiva, depois que o sr.
Unsworth falou várias inverdades & sugeriu que eu realizasse um ato sexual
com o minissubmarino, que havia sido construído como um ato de bondade
& de acordo com as especificações do líder da equipe de mergulho... Apesar
disso, as ações dele contra mim não justificam minhas ações contra ele, por
isso eu me desculpo com o sr. Unsworth.”
Mais uma vez, se Musk não tivesse mexido novamente no vespeiro, as
coisas talvez tivessem parado ali. No entanto, em agosto ele respondeu a um
usuário do Twitter que o repreendeu por chamar Unsworth de pedófilo.
“Você não acha estranho ele não ter me processado? Ofereceram a ele apoio
jurídico de graça”, escreveu Musk. Mesmo um dos maiores fãs dele no
Twitter, Johnna Crider, o aconselhou: “Ei, Elon, não alimente o drama,
cara, é o que eles querem.”
Àquela altura, Unsworth havia contratado um advogado, Lin Wood (que
depois se tornaria um infame teórico da conspiração tentando reverter o
resultado das eleições de 2020). Wood enviou uma carta com um alerta de
que estava abrindo um processo em nome de Unsworth por difamação.
Quando Ryan Mac, do Buzzfeed, pediu a Musk um comentário sobre o
assunto, Musk respondeu com um e-mail que começava com “em off ”. O
BuzzFeed, porém, não havia concordado com essa estipulação, e então
publicou o bombardeio que vinha em seguida. “Sugiro que ligue para
pessoas que você conhece na Tailândia, descubra o que está realmente
acontecendo e pare de defender estupradores de crianças, seu cretino idiota”,
começava Musk. “Ele é um velho homem branco inglês que tem viajado
para a Tailândia ou morado lá por trinta ou quarenta anos, principalmente
em Pattaya Beach, até se mudar para Chiang Rai atrás de uma noiva criança
que tinha cerca de 12 anos na época. Existe apenas uma razão para as
pessoas irem para Pattaya Beach. Não se vai até lá para visitar cavernas, você
vai lá para outra coisa. Chiang Rai é reconhecida pelo tráfico sexual de
crianças.” A declaração sobre a esposa de Unsworth era falsa e a alegação de
Musk não ajudou a reforçar a defesa dele de que “pedófilo” era um insulto
aleatório e não uma acusação específica.*

***

Os maiores investidores da Tesla manifestaram preocupação. “Ele estava


perdendo o controle”, diz Joe Fath, da T. Rowe Price, que telefonou depois
dos tuítes sobre “pedo”. “Isso tem que acabar”, falou para Musk,
comparando o comportamento dele com o de Lindsay Lohan, uma atriz
que na época estava saindo de controle. “Você está causando um enorme
prejuízo à marca.” A conversa deles durou 45 minutos e Musk pareceu
escutá-lo. No entanto, o comportamento destrutivo continuou.
Kimbal acreditava que a turbulência de Musk era parcialmente causada
pela angústia que ele ainda sentia, depois de quase um ano, devido ao
rompimento com Amber Heard. “Definitivamente, acho que a perda de
controle em 2018 não foi só causada pela Tesla”, diz Kimbal. “Foi um
resultado da tristeza avassaladora por causa da Amber.”
Os amigos começaram a se referir às crises de Musk como se ele estivesse
operando em “malha aberta”. O termo é usado para um objeto, como uma
bala em contraste com um míssil guiado, que não tem mecanismo de
retorno para alimentá-lo com instruções de direção. “Sempre que nossos
amigos entram em malha aberta, quando não têm retorno interativo e não
parecem se importar com os resultados, nós assumimos a responsabilidade
de informar uns aos outros”, diz Kimbal. Então, depois da repercussão
daqueles tuítes, Kimbal falou para o irmão: “Ok, alerta de malha aberta.”
Era uma frase que ele repetiria quatro anos depois, quando Musk estava
lidando com a compra do Twitter.
Tornar privada
No fim de julho, na Júpiter, na fábrica de Fremont, Musk se encontrou com
líderes do fundo de investimento do governo da Arábia Saudita, que
disseram a ele terem discretamente acumulado quase 5% das ações da Tesla.
Assim como fizeram em reuniões anteriores, Musk e o líder do fundo, Yasir
al-Rumayyan, discutiram a possibilidade de fechar o capital da Tesla. A
ideia era atraente para Musk. Ele odiava ter o valor da empresa determinado
por especuladores e vendedores a descoberto e se irritava com as regras que
vinham atreladas ao fato de ter as ações negociadas na bolsa. Al-Rumayyan
deixou o assunto nas mãos de Musk, dizendo que gostaria de “ouvir mais” e
apoiaria um plano “razoável” para tornar a empresa privada.
Dois dias depois, as ações da Tesla subiram 16% quando foram
anunciados os bons resultados do segundo trimestre, o que incluía ter
atingido a produção de 5 mil carros por semana. Musk se preocupava com
que, se as ações continuassem a subir, se tornassem caras demais para tornar
a empresa privada. Então, naquela noite, ele mandou ao conselho de
diretores um memorando: queria fechar o capital da empresa o mais rápido
possível, e ofereceu para isso o valor de 420 dólares por ação. O cálculo
original dele determinou o preço de 419 dólares, mas ele gostava do número
420 porque era uma gíria para fumar maconha. “Parecia um carma melhor
com 420 do que com 419”, diz. “Mas eu não fumava maconha, só para
deixar claro. Maconha não ajuda na produtividade. Há uma razão para a
palavra ‘chapado’.” Depois ele admitiu para a Comissão de Valores
Mobiliários dos Estados Unidos (SEC, na sigla em inglês) que escolher o
preço a partir de um trocadilho sobre drogas não foi inteligente.
O conselho não fez nenhuma declaração pública enquanto considerava a
sugestão de Musk. Entretanto, na manhã de 7 de agosto, quando estava
indo para o terminal aéreo privado em Los Angeles, ele publicou um tuíte
fatídico: “Estou analisando tornar a Tesla privada por 420 dólares. O
financiamento está assegurado.”
As ações subiram 7% antes que os operadores da bolsa interrompessem
temporariamente as negociações. Uma regra para empresas públicas é que os
executivos devem alertar a bolsa dez minutos antes de qualquer anúncio que
possa causar volatilidade no mercado. Musk não prestava atenção às regras.
A SEC abriu imediatamente uma investigação.
O conselho e os principais administradores da Tesla foram pegos de
surpresa. Quando o chefe de relações com investidores da empresa viu o
tuíte de Musk, mandou uma mensagem para Teller em que perguntava:
“Isso é legítimo?” Gracias ligou para Musk a fim de expressar oficialmente a
preocupação do conselho e pedir que ele parasse de tuitar até que o assunto
fosse discutido.
Musk permaneceu imperturbável após a confusão causada pelo tuíte. Ele
voou para a gigafábrica de Nevada, onde brincou com os gestores sobre
como “420” era uma referência a maconha e passou o restante do dia
trabalhando na linha de montagem de baterias. À noite, ele voou para a
fábrica de Fremont, onde realizou reuniões até tarde.
Àquela altura, os sauditas estavam expressando desconforto com o fato
de suas conversas sobre tornar a Tesla privada terem sido inflacionadas em
um tuíte sobre “financiamento garantido”. Al-Rumayyan, o líder do fundo,
disse à Bloomberg News que eles estavam “conversando” com Musk. Quando
Musk viu a notícia, ele enviou uma mensagem para Al-Rumayyan: “Essa é
uma declaração muito fraca e não reflete a conversa que tivemos. Vocês
disseram que estavam definitivamente interessados em tornar a Tesla
privada e queriam fazer isso desde 2016. Vocês estão me jogando aos lobos.”
Ele acrescentou que, se Al-Rumayyan não desse uma declaração pública
mais forte, “nunca mais vamos conversar, nunca”.
“Quando um não quer, dois não brigam”, respondeu Al-Rumayyan. “Não
recebemos nada ainda... Não podemos aprovar algo sobre o qual não temos
informação suficiente.”
Musk ameaçou encerrar as discussões com os sauditas. “Desculpe, mas
não podemos trabalhar juntos”, disse ele a Al-Rumayyan.
Enfrentando resistência de investidores institucionais, em 23 de agosto
Musk rescindiu a proposta de tornar a empresa privada. “Dado o retorno
que recebi, está evidente que a maioria dos atuais acionistas da Tesla
acredita que estamos melhor como uma empresa pública”, disse ele em uma
declaração.
A reação foi brutal. “Isso é um comportamento clássico e extremo de
uma pessoa bipolar que põe tudo em risco”, falou Jim Cramer, da CNBC,
no ar. “Estou falando sobre um comportamento que obviamente está sendo
examinado por muitos psiquiatras, que dizem ser uma tendência clássica de
assumir riscos, algo que um CEO não deveria fazer.” No e New York
Times, o colunista James Stewart escreveu que o tuíte sobre tornar a Tesla
privada era “tão impulsivo, potencialmente impreciso, mal escrito e mal
elaborado, e com tantas possíveis consequências terríveis para ele próprio, a
Tesla e os acionistas, que o conselho deve agora fazer uma pergunta sensível,
mas vital: qual era o estado mental do sr. Musk quando escreveu aquilo?”

***

Para evitar um processo federal por enganar os investidores, os advogados de


Musk trabalharam em um acordo com a SEC para resolver as acusações.
Ele permaneceria como CEO da Tesla, deixaria a presidência, pagaria uma
multa de 40 milhões de dólares e colocaria dois diretores independentes no
conselho. Outra condição era destinada a se tornar um ponto de irritação:
Musk não poderia fazer comentários públicos ou tuitar sobre qualquer
informação material sem receber autorização de um monitor da empresa.
Gracias e o CFO da Tesla, Deepak Ahuja, pressionaram muito para que
Musk aceitasse esses termos e deixasse a controvérsia — e talvez os meses de
colapso nervoso — para trás. Musk, porém, os surpreendeu ao
abruptamente rejeitar o acordo proposto. Na noite de 26 de setembro, a
SEC entrou com um processo cuja finalidade era bani-lo para sempre da
administração da Tesla ou de qualquer outra empresa pública.
Sentado na sede da Tesla em Fremont no dia seguinte, Musk bebia de
uma garrafa de água e encarava um grande monitor ligado na CNBC. Na
tela, dizia: “SEC acusa fundador da Tesla e CEO Elon Musk de fraude.”
Um grande gráfico apareceu na tela, anunciando: “Ação da Tesla cai.” As
ações haviam tombado 17%. Os advogados de Musk, junto com Antonio,
Kimbal e Deepak, passaram o dia todo pressionando-o a mudar de ideia e
aceitar o acordo. Relutante, Musk concordou com a decisão pragmática e
aceitou o acordo com a SEC. As ações subiram novamente.
Musk acreditava não ter feito nada de errado. Ele foi forçado a aceitar
um acordo, diz, pois do contrário a Tesla iria à falência. “É como ver alguém
apontando uma arma para a cabeça do seu filho. Fui forçado a ceder à SEC
ilegalmente. Aqueles cretinos.” Ele começou a brincar com o significado de
SEC, sugerindo que a palavra do meio era “Elon”.
Musk foi parcialmente vingado em 2023, quando ganhou um processo
contra um grupo de acionistas que alegava ter perdido dinheiro por causa do
tuíte dele. Um júri decidiu unanimemente que Musk não era responsável
pelas perdas. O advogado-estrela Alex Spiro alegou ao júri: “Elon Musk é
apenas um garoto impulsivo com um hábito terrível de tuitar.” Era uma
estratégia de defesa efetiva que tinha a vantagem extra de ser verdade.

* O processo de difamação, que incluiu os e-mails para o BuzzFeed, foram a julgamento em Los
Angeles em 2019. Em seu depoimento, Musk se desculpou e disse não acreditar que o explorador de
cavernas fosse um pedófilo. O júri absolveu Musk.
capítulo 48
Radioatividade
2018

No programa de Joe Rogan (acima); Kimbal (abaixo)


“Está tudo bem?”
David Gelles, um repórter de negócios do e New York Times, era um dos
muitos jornalistas atrás da história sobre os dramas de Musk em 2018. “Ele
precisa falar com a gente”, disse Gelles a uma pessoa que trabalhava com
Musk. No fim da tarde de 16 de agosto, uma quinta-feira, Gelles recebeu
uma ligação. “O que você quer saber?”, lhe perguntou Musk.
“Você estava sob efeito de drogas quando publicou aquele tuíte?”
“Não”, respondeu Musk. Ele falou que tinha tomado Ambien, um
remédio para dormir para o qual tinha receita. Alguns dos membros do
conselho temiam que ele estivesse fazendo uso excessivo do medicamento.
Gelles percebeu que Musk estava exausto. Em vez de enchê-lo de
perguntas difíceis, decidiu induzi-lo a falar. “Elon, como você está?”,
perguntou. “Está tudo bem?”
A conversa continuou por uma hora.
“Não muito bem, na verdade”, respondeu Musk. “Alguns amigos vieram
aqui, porque estão bastante preocupados.” Então ele fez uma longa pausa,
tomado pela emoção. “Houve períodos em que não saí da fábrica durante
três ou quatro dias, dias em que não pus o pé para fora”, relatou. “Isso me
impedia de ver meus filhos.”
O Times havia recebido a informação de que Musk trabalhara com o
financista Jeffrey Epstein, que tinha caído em desgraça e posteriormente
seria condenado por tráfico sexual de crianças. Musk negou. De fato, ele
não tinha nenhuma ligação com Epstein, exceto pelo fato de que Ghislaine
Maxwell, facilitadora de Epstein que Musk não conhecia, havia “invadido”
uma foto dele uma vez no Met Gala.
Gelles perguntou se as coisas estavam melhorando. Sim, para a Tesla,
disse Musk. “Mas, do ponto de vista da minha dor pessoal, o pior ainda está
por vir”, completou e começou a se emocionar. Havia longas pausas na
conversa, durante as quais Musk tentava se recompor. Gelles destacaria
depois: “Em todas as vezes que falei com grandes empresários ao longo dos
anos, nunca um executivo havia demonstrado tanta vulnerabilidade quanto
Musk demonstrou naquela conversa por telefone.”
“Elon Musk detalha custo pessoal ‘excruciante’ da crise na Tesla”, dizia a
manchete. O texto mencionava como ele havia se emocionado durante a
entrevista. “O sr. Musk alternou risadas e lágrimas”, escreveram Gelles e
seus colegas. “Ele contou que em tempos recentes trabalhou até 120 horas
por semana... [e] que não tira mais de uma semana de folga desde 2001,
quando ficou de cama com malária.” Outros veículos reproduziram a
história. “Entrevista errática com NYT dispara alarme sobre a saúde do
chefe da Tesla”, essa foi a manchete na Bloomberg.
Na manhã seguinte, as ações da Tesla despencaram 9%.

O programa de Joe Rogan


Na esteira das histórias sobre a precária condição psicológica, a consultora
de relações públicas de Musk, Juleanna Glover, recomendou que ele
resolvesse o assunto dando uma longa entrevista. “Precisamos acabar com as
especulações sem sentido sobre o seu estado mental”, escreveu ela. Juleanna
disse que ia sugerir “opções que apresentem você numa perspectiva
completa: liderando empresas, responsável, brincalhão e autoconsciente”.
Ela acrescentou um alerta: “Em hipótese alguma é aceitável continuar a falar
sobre as preferências sexuais de um mergulhador tailandês que insultou
você.”
O lugar que Musk escolheu para acabar com as especulações de que ele
havia enlouquecido foi o videocast de Joe Rogan, um apresentador bem
informado e perspicaz, comediante e (um pouco apropriado demais)
comentarista de UFC, que gosta de passar por terreno minado com os
convidados, desprezando o politicamente correto e flertando com
controvérsias. Rogan deixa seus convidados divagarem, e Musk divagou por
mais de duas horas e meia. Ele descreveu como criar um exoesqueleto tipo
de cobra quando construir túneis. Falou sobre a ameaça da inteligência
artificial, se os robôs poderiam se vingar de nós e como a Neuralink seria
capaz de criar uma ligação direta de alta velocidade entre nossa mente e
nossas máquinas. E eles discutiram sobre como os humanos poderiam ser
avatares involuntários em um jogo de simulação criado por uma inteligência
superior.
Essas divagações talvez não fossem a maneira perfeita de convencer os
investidores institucionais de que Musk tinha plena noção da realidade, mas
a entrevista pelo menos parecia inofensiva. Até que Rogan acendeu um
grande “cigarro de maconha com tabaco” e ofereceu a Musk.
“Você provavelmente não pode por causa dos acionistas, certo?”, disse
Rogan, oferecendo a Musk uma saída.
“Bem, está dentro da lei, certo?”, replicou Musk.
Eles estavam na Califórnia.
“Totalmente dentro da lei”, falou Rogan, entregando o baseado.
Musk deu uma tragada hesitante, travesso.
Alguns minutos depois, quando estavam falando sobre o papel dos gênios
em promover a civilização, Musk se virou para olhar o celular. “Está
recebendo mensagens das gatas?”, perguntou Rogan.
Musk fez que não com a cabeça. “Estou recebendo mensagens de amigos
perguntando ‘Por que diabos você está fumando maconha?’.”
A primeira página do e Wall Street Journal no dia seguinte era
totalmente diferente de tudo que o jornal havia feito até então. Exibia uma
grande foto de Musk, com os olhos vidrados e um sorriso torto forçado,
segurando um baseado na mão esquerda e com uma nuvem de fumaça
pairando em torno da cabeça. “As ações da Tesla Inc. despencaram para
perto do menor valor no ano na sexta-feira depois que a fabricante de carros
elétricos perdeu mais executivos e o executivo-chefe, Elon Musk, apareceu
fumando maconha numa entrevista transmitida na internet”, escreveu o
repórter Tim Higgins.
Musk pode não ter desrespeitado a lei estadual, mas, além de irritar ainda
mais os investidores, ele pareceu ter desrespeitado regulamentações federais,
o que levou a uma investigação da NASA. “A SpaceX era contratada da
NASA, e eles são grandes defensores da lei”, diz Musk. “Então eu tive que
me submeter a exames toxicológicos aleatórios por alguns anos. Felizmente,
realmente não gosto de consumir drogas ilegais.”

Lança-chamas
Musk havia ido ao estúdio de Joe Rogan com um presente para o anfitrião
do podcast: um lança-chamas de plástico com o logo da e Boring
Company. Eles brincaram juntos com o presente, alegremente ativando a
curta chama de propano, enquanto Sam Teller e a equipe do estúdio
desviavam e riam.
O lança-chamas era uma boa metáfora para o próprio Musk. Ele se
divertia em deixar escapar comentários dignos de chamuscar as
sobrancelhas. A ideia surgiu depois que a empresa licenciou bonés com os
dizeres    e vendeu 15 mil unidades. “O que podemos
fazer agora?”, perguntou Musk. Alguém sugeriu um lança-chamas de
brinquedo, ao que ele respondeu: “Meu Deus, vamos fazer.” Ele era fã de
S.O.S.: Tem um louco solto no espaço, uma paródia de Mel Brooks à saga Star
Wars que tem uma cena na qual um personagem parecido com Yoda
anunciava os produtos do filme à venda, culminando com a frase “Leve o
lança-chamas para casa”. Os filhos de Musk amavam aquela frase.
Steve Davis, que comandava a e Boring Company, encontrou um
protótipo relativamente seguro capaz de derreter neve e chamuscar
pequenos gravetos, mas que, em termos técnicos, não era quente o suficiente
para ser regulamentado como lança-chamas. Eles começaram a anunciá-lo,
ironicamente, como “não é um lança-chamas”, para evitar problemas com a
lei. Os termos e as condições declaravam:

Não vou usar dentro de casa, eu juro,


Não vou apontar isso para você
Não vou usar de um jeito inseguro
O melhor uso é para crème brûlée...
... e acabou nossa capacidade de rimar

Eles precificaram o brinquedo em 500 dólares (hoje é vendido pelo dobro


no eBay), e em quatro dias haviam vendido 20 mil lança-chamas, faturando
10 milhões de dólares.

***

O jeito pateta de Musk é o outro lado do seu modo demoníaco. Quando ele
está nos momentos mais sombrios, frequentemente alterna entre raiva e
estrondosas gargalhadas.
O humor dele tem muitos níveis. O mais baixo é a afeição pueril por
emojis de cocô, sons de pum programados no Tesla e outras demonstrações
de humor escatológico. Dê a ordem “Abrir ânus” para o console de um Tesla
e o carro abre uma porta na traseira do veículo.
Musk também tem um humor mordaz, irônico, demonstrado por um
pôster na parede da baia dele na SpaceX. A imagem mostra um céu azul-
escuro estrelado onde se vê uma estrela cadente, e um texto diz: “Quando
você faz um pedido para uma estrela cadente, seus sonhos podem se tornar
realidade. A menos que seja um meteoro vindo em direção à Terra que
destruirá toda a vida no planeta. Nesse caso você está ferrado, não importa o
que desejou. A menos que seu desejo seja morrer atingido por um
meteorito.”
O tipo mais profundamente enraizado de humor de Musk é uma
esperteza divertida e metafísica da ciência geek que ele absorveu quando leu
e releu o livro de Douglas Adams, O guia do mochileiro das galáxias. Em
meio à sua crise em 2018, Musk decidiu lançar seu velho Tesla Roadster
vermelho-cereja no espaço sideral, em uma órbita que iria, depois de quatro
anos, levá-lo para perto de Marte. Ele fez isso no primeiro lançamento do
novo Falcon Heavy, um foguete de 27 motores construído a partir da junção
de três foguetes auxiliares Falcon 9. O Tesla tinha um exemplar de O guia do
mochileiro das galáxias no porta-luvas e um cartaz no painel com  
 !, regra extraída do livro.

Ruptura com Kimbal


Durante a infância difícil e enquanto parceiros no Zip2, Kimbal e Elon
costumavam brigar ferozmente um com o outro. Mas, acima de tudo isso,
Kimbal foi o mais próximo compatriota de Elon, aquele que o entendia e
ficava com ele, mesmo quando lhe dizia verdades desconfortáveis.
Depois que Antonio Gracias o convocou a voltar da lua de mel em julho,
Kimbal trabalhou quase em tempo integral na Tesla, ignorando o
restaurante no estilo “do produtor direto para a mesa” que havia aberto no
Colorado. Durante a crise com a SEC, ele foi uma das vozes mais
ressoantes pressionando Elon a aceitar o acordo. E, quando Elon ficou
temeroso de que alguns membros do conselho pudessem estar se
organizando contra ele, Kimbal voou até Los Angeles para ficar com o
irmão. Durante uma tensa reunião de sábado na casa de Elon, Kimbal fez o
que havia feito depois do fracasso do lançamento do Falcon em Kwaj e
muitas outras vezes: aliviou a tensão cozinhando. Dessa vez, ele preparou
salmão com ervilhas e um cozido de batata com cebola.
Entretanto, a frustração de Kimbal com o irmão vinha crescendo,
especialmente quando pessoas de fora precisavam convencê-lo a aceitar o
acordo com a SEC. Em outubro, houve um ponto de ruptura. A rede de
restaurantes dele estava tendo problemas de financiamento e ele precisava
levantar capital. “Então liguei para o Elon e disse: ‘Olha, preciso da sua
ajuda para financiar meu negócio.’” A rodada deveria ser de cerca de 40
milhões de dólares, e Kimbal precisava que Elon emprestasse 10 milhões.
Elon inicialmente concordou. “Eu me lembro”, diz Kimbal, “de escrever no
meu diário ‘amor incondicional pelo Elon’”. Contudo, quando Kimbal o
procurou para que ele transferisse o dinheiro, Elon havia mudado de ideia.
O gerente financeiro pessoal dele, Jared Birchall, havia analisado os
números e disse a Elon que o negócio de Kimbal não era sustentável. “O
dinheiro que Elon estava colocando na empresa do irmão estava escorrendo
pelo ralo”, me disse Birchall. Então Elon deu a Kimbal a má notícia: “Fiz o
cara das minhas finanças dar uma olhada na situação, e os restaurantes estão
indo mal. Acho que eles deveriam morrer.”
“O que você disse?”, gritou Kimbal. “Vá se foder. Vá se foder. Não é
assim que funciona.” Ele lembrou a Elon, vigorosamente, que, quando as
finanças da Tesla estavam mal das pernas, ele tinha ido trabalhar ao lado do
irmão e fornecido financiamento. “Se você tivesse olhado para as finanças da
Tesla, ela deveria ter morrido também”, disse Kimbal. “Então, não é assim
que funciona.”
Elon acabou cedendo. “Eu basicamente o forcei a colocar 5 milhões”, diz
Kimbal. Os restaurantes sobreviveram, mas o incidente causou uma ruptura.
“Fiquei furioso com o Elon e não falei com ele”, relata Kimbal. “Senti como
se tivesse perdido meu irmão. Que a experiência na Tesla o havia feito
perder a cabeça. Naquele momento eu pensei: ‘Para mim já deu.’”
Depois de seis semanas de silêncio, Kimbal tentou contato para resolver o
conflito. “Decidi voltar a ser o irmão do Elon porque não queria perdê-lo”,
diz ele. “Senti falta do meu irmão.” Perguntei como Elon reagiu quando ele
o procurou. “Reagiu como se nada tivesse acontecido”, respondeu Kimbal.
“Elon é assim.”

JB Straubel sai
Não foi surpresa que muitos dos principais executivos de Musk tenham
fugido durante o inferno da produção de 2018 e da tempestade que se
seguiu. Jon McNeill, o presidente da Tesla que supervisionava vendas e
marketing, havia assumido o papel de ajudar Musk durante as crises de
sofrimento mental que o acometiam, como fez quando ele estava deitado no
chão da sala de conferências. “Estava ficando absolutamente exaustivo para
mim”, diz McNeill. Ele foi até Musk em janeiro de 2018, incentivou-o a
procurar ajuda psicológica e disse: “Adoro você, mas não consigo mais
continuar assim.”
Doug Field, o vice-presidente sênior de engenharia, era cogitado como
futuro CEO da Tesla. Musk, contudo, perdeu a confiança nele no início do
inferno da onda e o tirou do papel de supervisor de produção. Ele saiu para
ir trabalhar na Apple e depois na Ford.
A saída mais importante, pelo menos dos pontos de vista simbólico e
emocional, foi a de JB Straubel, o animado cofundador que havia
acompanhado Musk por dezesseis anos, desde o jantar deles em 2003,
quando Straubel exaltou a possibilidade de usar baterias de íon de lítio para
fazer carros elétricos. No fim de 2018, ele tirou longas férias, as primeiras
férias de verdade em quinze anos. “Meu nível percentual de felicidade estava
baixo e tendendo a cair”, diz. Ele estava se divertindo muito mais num
empreendimento secundário que havia fundado, a Redwood Materials, cujo
objetivo era reciclar baterias de íon de lítio de carros. Outro fator foi o
comportamento de Musk na época. “Ele estava sofrendo, e por isso se
mostrava mais temperamental que de costume”, explica Straubel. “Eu me
senti terrível por ele e tentei ajudá-lo como amigo, mas não consegui.”
Geralmente, Musk não é sentimental com a partida das pessoas. Ele
gosta de sangue novo. O que o preocupa mais é um fenômeno que chama de
“ricos preguiçosos”, ou seja, pessoas que trabalham por muito tempo na
empresa e, como já adquiriram dinheiro suficiente e casas de veraneio, não
têm mais o apetite para passar a noite toda no chão de fábrica. Mas, no caso
de Straubel, para além da confiança profissional, Musk sentia uma afeição
pessoal. “Fiquei um pouco surpreso com a relutância de Elon em aceitar
minha demissão”, diz Straubel.
Durante o início de 2019, eles tiveram várias conversas e Straubel foi
capaz de perceber as complexidades das oscilações emocionais de Musk.
“Ele pode mudar, normalmente sem aviso, de um humor muito emotivo e
humano para o exato oposto disso”, diz Straubel. “Às vezes ele pode ser
extremamente amável e carinhoso, de forma chocante até, e você pensa Ah,
meu Deus, é verdade, já passamos por grandes dificuldades juntos e temos uma
ligação profunda, e eu te amo, cara. Então isso se mistura àquele olhar vazio,
quando parece que ele está olhando através de você sem emoção alguma.”
O plano que eles elaboraram era anunciar a saída de Straubel da Tesla na
reunião anual de junho de 2019, que seria realizada no Museu da História
do Computador, perto de Palo Alto. Considerando o local, seria uma
chance de andar pela história da Tesla, que em dezesseis anos deixou de ser
um sonho para se transformar na rentável pioneira da era dos veículos
elétricos. Em seguida, eles apresentariam o sucessor de Straubel, Drew
Baglino, um veterano que estava na empresa havia doze anos. Straubel e
Baglino tinham a mesma linguagem corporal e modos esguios, além de uma
profunda afeição.
Nos bastidores, antes do evento, Musk repensou se faria o anúncio da
saída de Straubel. “Estou com um mau pressentimento sobre isso”, disse.
“Não acho que a gente deva fazer o anúncio hoje.” Straubel ficou aliviado,
porque lidar com a própria saída estava sendo emocionalmente difícil.
Musk fez a primeira parte da apresentação sozinho. “Foi um ano
infernal”, começou ele, uma frase que era verdadeira em muitos níveis. O
Model 3 estava, na época, vendendo mais que todos os concorrentes juntos
— a gasolina e elétricos — na categoria de carro de luxo e era o carro mais
vendido em receita nos Estados Unidos. “Há dez anos, ninguém teria
acreditado que isso poderia acontecer”, disse Musk. O humor tolo dele veio
à tona por um momento. Ele começou a rir com o “aplicativo de pum”, o
qual permitia que os motoristas do Tesla, ao apertar um botão, fizessem o
assento do passageiro emitir um som de pum quando alguém se sentasse.
“Talvez seja meu melhor trabalho”, falou Musk.
Ele também, como sempre, prometeu que os Teslas autônomos estavam
próximos. “Esperamos apresentar a autonomia completa até o fim deste
ano”, declarou — mais um ano em que isso era prometido. “Esse carro deve
ser capaz de ir da garagem da sua casa até o estacionamento do trabalho sem
intervenção.” Uma pessoa da plateia foi até o microfone e o desafiou,
quando disse que as promessas anteriores que ele fizera não haviam se
concretizado. Musk riu, pois sabia que o interlocutor estava certo. “Pois é, às
vezes eu sou um pouquinho otimista demais com relação a prazos”, disse
ele. “Vocês já devem ter percebido, não é? Mas será que eu estaria fazendo
isso se não fosse otimista? Jesus!” A plateia aplaudiu. Eles entendiam a
piada.
Quando Musk convidou Straubel e Baglino ao palco, houve aplausos.
Entre os fãs da Tesla, eles eram astros queridos. Straubel disse com afeição
genuína: “Drew se juntou à minha equipe alguns anos depois da fundação
da empresa, quando meu time era pequeno, apenas cinco ou dez pessoas, e
desde então ele tem sido meu braço direito, fez parte de todos os principais
projetos que toquei.” Esse seria o momento em que Straubel anunciaria a
aposentadoria, assim havia planejado. Em vez disso, Straubel e Musk
aproveitaram a ocasião para relembrar o passado. “Lembro da origem da
Tesla, em 2003, quando JB e eu almoçamos com Harold Rosen”, disse
Musk. “É, aquela foi uma boa conversa.”
“Nós não previmos exatamente como as coisas aconteceriam”,
acrescentou Straubel.
“Eu tinha certeza absoluta de que não ia dar certo”, falou Musk. “Em
2003, as pessoas achavam que carros elétricos eram a coisa mais estúpida do
mundo, ruim em todos os sentidos, algo como um carrinho de golfe.”
“Mas era algo que precisava ser feito”, disse Straubel.
Durante uma reunião de resultados algumas semanas depois, Musk
anunciou casualmente a saída de Straubel. O respeito de Musk por ele,
entretanto, permaneceu. Em 2023, ele iria convidar Straubel para fazer
parte do conselho da Tesla.
capítulo 49
Grimes
2018

Claire Boucher, conhecida como Grimes, vestida para uma apresentação; com
Musk no Met Gala
em+cb
De vez em quando, frequentemente nos momentos mais complexos, os
Criadores da Nossa Simulação — os patifes que conjuram aquilo que somos
levados a acreditar ser realidade — apresentam um novo elemento brilhante,
que cria novas e caóticas subtramas. E foi exatamente assim que, na
primavera de 2018, em meio ao tsunami emocional causado pelo
rompimento com Amber Heard, surgiu na vida de Musk uma franzina
tecelã de sons: Claire Boucher, conhecida como Grimes, uma artista
performática inteligente e hipnótica, cujo aparecimento acarretaria três
novos filhos, intermitentes períodos de vida doméstica e até mesmo uma
batalha pública com uma rapper instável.
Nascida em Vancouver, Grimes havia produzido quatro álbuns na época
em que começou a sair com Musk. Baseando-se em temas e memes de
ficção científica, ela combinava de forma hipnotizante textura sonora com
elementos de dream pop e música eletrônica. Uma intrépida curiosidade
intelectual a levou a se interessar por ideias ecléticas, como um experimento
mental conhecido como Basilisco de Roko, o qual postula que a inteligência
artificial poderia sair de controle e torturar qualquer humano que não a
tenha ajudado a ganhar poder. Esse é o tipo de coisa com as quais ela e
Musk se preocupam. Quando Musk quis tuitar um trocadilho sobre o
assunto, deu uma busca no Google para encontrar uma imagem e então
descobriu que Grimes havia transformado isso em um elemento do
videoclipe “Flesh Without Blood”, de 2015. Ela e Musk deram início a
uma conversa no Twitter, que, à maneira moderna, acabou em trocas de
mensagens privadas em redes sociais e mensagens de celular.
Os dois já haviam se encontrado antes — ironicamente, quando Musk
estava em um elevador com Amber Heard. “Você se lembra daquele
encontro no elevador?”, perguntou Grimes durante uma conversa que tive
com ela e Musk tarde da noite. “Foi superestranho.”
“De tantos momentos em que a gente podia ter se encontrado...”,
concordou Musk. “Você estava me encarando muito intensamente.”
“Não”, corrigiu ela, “era você que estava me encarando com um olhar
estranho”.
Depois que se reencontraram na conversa sobre o Basilisco de Roko no
Twitter, Musk a convidou para voar até Fremont e visitar a fábrica dele, sua
ideia de um bom encontro. Era fim de março de 2018, durante o frenesi
enlouquecido para fazer 5 mil carros por semana. “Nós simplesmente
andamos pelo chão de fábrica a noite toda, e eu o vi tentar consertar coisas”,
conta Grimes. Na noite seguinte, enquanto a levava a um restaurante, ele
mostrou quão rápido o carro acelerava, depois tirou as mãos do volante,
cobriu os próprios olhos e a deixou experimentar o Autopilot. “Fiquei, tipo,
esse cara é muito louco”, diz ela. “O carro dava a seta e mudava de pista
sozinho. Parecia uma cena de filme da Marvel.” No restaurante, ele escreveu
+ na parede.
Quando ela comparou os poderes dele aos de Gandalf, Musk fez um quiz
com ela sobre O Senhor dos Anéis. Ele queria testar se ela era realmente fã.
Ela passou no teste. “Era importante para mim”, diz Musk. Grimes deu de
presente para ele uma caixa de ossos de animais que havia colecionado. À
noite, eles ouviam “Hardcore History”, de Dan Carlin, e outros podcasts de
história e audiolivros. “A única maneira de eu estar em um relacionamento
sério é se a pessoa com quem estou também for capaz de ouvir, tipo, uma
hora de história de guerra antes de dormir”, diz ela. “Elon e eu passamos
por muitos assuntos, como Grécia Antiga, Napoleão e as estratégias
militares da Primeira Guerra Mundial.”
Tudo isso estava acontecendo enquanto Musk passava por suas crises
mentais e de trabalho em 2018. “Cara, você realmente parece estar com a
cabeça bem cheia”, disse Grimes para ele. “Quer que eu traga meu material
de música para cá e trabalhe na sua casa?” Musk respondeu que gostaria
disso. Não queria ficar sozinho. Ela achou que ficaria com ele por algumas
semanas, até que a turbulência emocional abrandasse. “Mas a tempestade
meio que nunca passou, e então você já está embarcado, viajando, e eu
simplesmente fui ficando ali.”
Ela foi com Musk à fábrica em algumas noites quando ele estava no
modo batalha. “Elon está sempre procurando pelo que está errado com o
motor, o que está errado com o mecanismo, o escudo térmico, a válvula de
oxigênio líquido”, diz ela. Certa noite, eles saíram para jantar e Musk de
repente ficou em silêncio, pensando. Depois de um minuto ou dois, ele
perguntou se ela tinha uma caneta. Ela tirou um delineador da bolsa. Musk
pegou e começou a desenhar em um guardanapo uma ideia para modificar
um escudo térmico do motor. “Percebi que, mesmo quando estava com ele,
havia momentos em que a mente dele ia para outro lugar, geralmente para
algum problema do trabalho”, comenta Grimes.
Em maio, Musk tirou uma breve folga do inferno de produção na fábrica
da Tesla e foi com ela a Nova York para participar do evento anual de gala
do Metropolitan Museum, uma extravagância cintilante em que as pessoas
exibem uma moda fora do comum e fantasias. Musk sugeriu ideias para o
traje dela, um conjunto punk medieval em preto e branco com espartilho de
vidro rígido e um colar feito de pontas que lembravam o logotipo da Tesla.
Ele até conseguiu alguém da equipe de design da Tesla para ajudar Grimes a
produzi-la. Ele usou uma camisa branca com um colarinho clerical e um
smoking branco puro com uma discreta inscrição novus ordo seclorum, uma
frase em latim que anuncia uma nova ordem dos tempos.

Batalha de rap
Embora quisesse ajudar Musk durante a crise, Grimes não era uma
influência tranquila. A intensidade que a tornava uma artista ousada trazia
junto um estilo de vida confuso. Ela ficava acordada boa parte da noite e
dormia durante o dia. Grimes era exigente e não confiava na equipe que
cuidava dos afazeres domésticos de Musk, bem como tinha um
relacionamento difícil com Maye.
Musk era viciado em drama e Grimes tinha uma característica que
intensificava isso: era um ímã para drama. Ela atraía situações dramáticas,
fosse de propósito ou não. Bem quando o incidente da caverna tailandesa e a
confusão sobre tornar a Tesla uma empresa privada estavam saindo de
controle, em agosto de 2018, Grimes convidou a rapper Azealia Banks para
ficar com ela na casa de Musk e colaborar em algumas músicas. Ela havia
esquecido que tinha feito planos com Musk de visitar Kimbal em Boulder.
Grimes disse a Banks que ela poderia ficar na casa de hóspedes no fim de
semana. Naquela manhã de sexta, três dias depois do tuíte sobre tornar a
Tesla uma empresa privada, Musk se levantou, se exercitou, fez algumas
ligações e viu de relance Banks na casa. Quando está concentrado em outras
coisas, ele não presta muita atenção no que acontece ao redor. Musk não
sabia ao certo quem vinha a ser ela, apenas que era amiga de Grimes.
Chateada por Grimes ter cancelado a sessão de gravação delas para ficar
com Musk, Banks soltou uma sequência de ofensas em seu perfil do
Instagram, que tinha muitos seguidores. “Esperei o fim de semana todo
enquanto grimes mimava o namorado por ser estúpido demais para saber
que não se entra no twitter sob efeito de ácido”, postou. Isso era mentira
(Musk nunca usou ácido), mas compreensivelmente instigou não apenas a
imprensa, como também a SEC. Os posts de Banks sobre Grimes e Musk
se tornaram progressivamente mais insanos:

LOL, Elon musk se daria melhor contratando uma acompanhante. Pelo


menos uma acompanhante teria ficado de boca fechada sobre as coisas
dele. Ele tem uma viciada em metanfetamina suja, traiçoeira, saída da
floresta, tipo aquela gata da cerveja Pabst, correndo pela cidade contando
TUDO SOBRE ELE PRA TODO MUNDO. Só porque ele precisava
de uma companhia para o Met Gala para esconder da Amber Heard o
pau encolhido LOL... Ele está no espectro da síndrome de Down. Tem
alguma coisa errada com aquele cara. Não acho que ele mereça ser
chamado de alienígena. Ele é um mutante... Branquelos do cacete.
Última vez que tento trabalhar com uma cadela branca.

Quando a Business Insider fez uma entrevista por telefone com Banks, ela
ligou a situação ao compromisso de Musk de tornar a Tesla uma empresa
privada, o que deixou as coisas legalmente piores. “Eu o vi na cozinha com o
rabinho entre as pernas, pedindo que investidores salvassem o traseiro dele
depois daquele tuíte”, disse ela. “Ele estava estressado e com o rosto
vermelho.”
Até então, histórias malucas envolvendo Musk tinham uma vida útil
curta. Essa história foi sensação nos tabloides por cerca de uma semana,
depois começou a sumir quando Banks postou um pedido de desculpa.
Grimes conseguiu transformar a situação em munição para uma música.
Em 2021, lançou uma faixa chamada “100% Tragedy”, que era sobre “ter
que derrotar Azealia Banks quando ela tentou destruir minha vida”.
Muitos tons de Musk
Apesar de dramas desse tipo, Grimes era uma boa companheira para Musk.
Como Amber Heard (e o próprio Musk), também era atraída pelo caos,
mas, diferentemente da ex de Musk, o caos de Grimes era fortalecido pela
bondade e até pela doçura. “Meu alinhamento no Dungeons and Dragons era
caoticamente bom”, diz, “enquanto o da Amber deve ser caoticamente
mau”. Ela percebeu que era isso que tornava Amber atraente para Musk.
“Ele é atraído pelo caos ruim. É por causa do pai dele e da infância que teve,
e ele logo se deixa ser maltratado. Associa amor a ser mau ou abusivo. Há
uma ligação entre Errol e Amber.”
Grimes gostava da intensidade dele. Certa noite foram assistir ao filme
Alita: Anjo de combate, em 3-D, mas quando chegaram não havia mais
óculos. Musk insistiu que ficassem e assistissem de qualquer maneira,
mesmo que a tela fosse parecer completamente desfocada. Quando Grimes
estava fazendo as gravações de vozes para a ciborgue popstar a quem ela
dava vida no jogo Cyberpunk 2077, ele apareceu no estúdio sacudindo uma
arma de 200 anos e insistiu que o deixassem fazer uma ponta. “Os caras do
estúdio começaram a suar”, conta Grimes. Musk acrescenta: “Eu disse a eles
que estava armado, mas que não era perigoso.” Eles cederam. Os implantes
cibernéticos no jogo eram uma versão de ficção científica do que Musk
estava fazendo na Neuralink. “Isso me chamou a atenção”, diz.
A percepção básica dela quanto a Musk era a de ele ser diferente dos
outros. “A síndrome de Asperger torna você uma pessoa muito difícil”,
comenta Grimes. “Ele não é bom em sentir o clima. A compreensão
emocional dele é bastante diferente da que as pessoas comuns têm.” As
pessoas deveriam ter em mente a constituição psicológica de Musk quando
o julgam, argumenta ela. “Se alguém tem depressão ou ansiedade, nós
somos empáticos; se tem Asperger, dizemos que é um babaca.”
Grimes aprendeu a lidar com as muitas personalidades de Musk. “Ele
tem diversas mentes e muitas personalidades bem distintas”, diz, “e transita
entre elas em alta velocidade. Você simplesmente sente o clima mudar na
sala e de repente toda a situação simplesmente passa para o outro estado
dele.” Ela notou que as personalidades diferentes têm diferentes gostos,
mesmo com relação a música e decoração. “A minha versão favorita do E é a
que gosta do Burning Man, dorme no sofá, come sopa enlatada e é
relaxado.” A bête noire é o Elon que ela chama de modo demoníaco. “O
modo demoníaco é quando ele fica sombrio e se esconde dentro da
tempestade no próprio cérebro.”
Certa noite, enquanto jantavam com um grupo, eu percebi o momento
em que o clima pesou e o humor dele mudou. Grimes se afastou. “Quando
ficamos juntos, eu me asseguro que estou com o Elon certo”, explicou ela
depois. “Há alguns caras naquela mente que não gostam de mim, e eu não
gosto deles.”
Às vezes, uma das versões de Elon vai parecer não se lembrar do que a
outra fez. “Você vai dizer coisas para ele e depois ele simplesmente não vai
se recordar de nada, porque estava em um espaço cerebral”, diz Grimes. “Se
ele estiver concentrado em algo em particular, não vai receber estímulo, não
vai absorver nenhuma informação do mundo externo. As coisas podem estar
bem na frente dos olhos dele, mas Elon não vai ver.” Igual a como acontecia
na época da escola.
Durante a turbulência emocional de 2018 na Tesla, ela tentou fazê-lo
relaxar. “Nem tudo precisa ser ruim”, disse para Musk certa noite. “Você não
precisa ficar eufórico com tudo o tempo todo.” Grimes também entendia,
de maneiras que outras pessoas não entendem, que a inquietação de Musk
era um dos motores do sucesso dele. Assim como o modo demoníaco,
embora ela tenha demorado mais a valorizar esse aspecto. “O modo
demoníaco causa muito caos”, diz Grimes, “mas também faz as coisas
acontecerem”.
capítulo 50
Xangai
Tesla, 2015-2019

Com Robin Ren em Xangai


Robin Ren, o campeão da Olimpíada de Física nascido em Xangai que
havia sido parceiro de laboratório de Musk na Penn, não entendia muito de
carros. Na realidade, quase tudo que ele sabia aprendera quando atravessou
o país de carro com Musk, após se formarem, em 1995. Musk ensinara Ren
a lidar com uma BMW enguiçada e a dirigir com câmbio manual,
habilidades das quais ele não precisou depois de se tornar chefe de
tecnologia na subsidiária de flash drives da Dell Computers. Foi por isso que
Ren ficou surpreso com o convite de Musk, vinte anos depois, para almoçar
em Palo Alto.
Vender carros na China era fundamental para as ambições globais da
Tesla, mas as coisas não estavam indo bem. Musk havia demitido
sucessivamente dois gerentes na China e, depois de a empresa ter vendido
só 120 carros no país em um mês, ele se preparava para demitir toda a
equipe principal baseada lá. “Como eu acerto o negócio da Tesla na
China?”, perguntou a Ren no almoço. Ren expressou sua ignorância sobre a
indústria automobilística e simplesmente fez algumas considerações de alto
nível sobre como fazer negócios no país. “Vou à China na semana que vem
para me encontrar com o vice-primeiro-ministro”, disse Musk quando
estavam prestes a ir embora. “Você pode ir comigo?”
Ren hesitou. Ele havia acabado de voltar de uma viagem de negócios na
China. Contudo, sentiu a atração irresistível de ser parte da missão de
Musk, então enviou um e-mail na manhã seguinte para dizer que estava
pronto para ir. Eles tiveram uma reunião cordial com o vice-primeiro-
ministro. Depois, se encontraram com um ex-integrante do governo e
outros consultores, os quais disseram que, para ter sucesso vendendo carros
na China, a Tesla teria que fabricar carros lá. De acordo com a lei chinesa,
isso exigia criar uma joint-venture com uma empresa nacional.
Musk era alérgico a joint-ventures. Ele não era bom em compartilhar o
controle. Então enfatizou, lançando mão de seu modo brincalhão, que a
Tesla não queria se casar. “A Tesla é jovem demais”, disse. “Somos quase um
bebê, como vocês querem casar?” Ele se levantou e imitou duas crianças
pequenas andando até o altar, e deu sua típica risada. Todo mundo na sala
riu, os chineses de maneira um pouco hesitante.
No voo de volta no jato de Musk, ele e Ren ficaram se lembrando da
faculdade e compartilharam fatos curiosos sobre física. Foi só depois que o
jato pousou, enquanto estavam descendo as escadas, que Musk fez a
pergunta: “Você entraria para a Tesla?” Ren disse que sim.

***

O grande desafio de Ren era encontrar uma forma de fabricar na China. Ele
podia ou insistir até dissuadir a resistência de Musk e fazer a Tesla criar uma
joint-venture, que era o que todas as outras empresas automotivas tinham
feito, ou convencer os principais líderes chineses a mudar a lei que havia
definido o crescimento industrial chinês por três décadas. Descobriu que
esta última opção era mais fácil. Mês após mês, Ren fez lobby junto ao
governo chinês. O próprio Musk voltou para lá em abril de 2017 a fim de se
encontrar com os líderes chineses novamente. “Nós continuávamos a
explicar por que seria bom para a China deixar a Tesla construir uma fábrica
automotiva, mesmo que não fosse uma joint-venture”, diz Ren.
Como parte dos planos do presidente Xi Jinping de fazer do país um
centro da inovação na energia limpa, a China finalmente concordou, no
início de 2018, em deixar a Tesla construir uma fábrica sem ter que entrar
numa joint-venture. Ren e sua equipe conseguiram negociar um acordo por
mais de oitenta hectares perto de Xangai com empréstimos a juros baixos.
Ren voltou para os Estados Unidos com o propósito de discutir o acordo
com Musk em fevereiro de 2018. Infelizmente, Musk encontrava-se em
meio ao inferno de produção na fábrica de baterias em Nevada, e estava em
tal frenesi andando pelo chão de fábrica que Ren não foi capaz de conseguir
encurralá-lo para uma conversa. Os dois foram para Los Angeles juntos
naquela noite, mas só depois de pousarem Ren conseguiu conversar com ele.
Ren começou a mostrar uma sequência de slides com mapas, condições de
financiamento e termos do acordo, mas Musk não olhou para aquilo. Em
vez disso, ficou olhando para fora da janela do avião dele por quase um
minuto. Então encarou Ren e disse: “Você acredita que é a coisa certa a se
fazer?” Ren ficou tão desconcertado que parou por alguns segundos antes de
responder que sim. “Ok, vamos nessa”, decretou Musk e saiu do avião.
A cerimônia formal de assinatura com os líderes chineses aconteceu em
10 de julho de 2018. Musk foi a Xangai saído direto da caverna na
Tailândia, onde esteve com água até a cintura para entregar o
minissubmarino que havia construído para resgatar os jovens jogadores de
futebol. Ele trocou de roupa e vestiu um terno escuro, então ficou de pé
rigidamente no salão de banquetes vermelho enquanto todos trocavam
brindes. Os primeiros modelos Tesla começaram a sair da fábrica em
outubro de 2019. Em dois anos, a China estaria fabricando mais da metade
dos veículos da empresa.
capítulo 51
Cybertruck
Tesla, 2018-2019

Com Franz von Holzhausen, discutindo o design do Cybertruck, em 2018


Aço
Quase toda sexta-feira à tarde, desde que criara o estúdio de design da
Tesla, em 2008, Musk fazia uma reunião de avaliação de produto com o
chefe da equipe de design, Franz von Holzhausen. Essas reuniões,
geralmente realizadas no silencioso showroom de piso branco do estúdio de
design nos fundos da sede da SpaceX, em Los Angeles, eram um respiro,
sobretudo quando a semana fora tumultuada. Musk e Von Holzhausen
vagavam pela sala, que parecia um hangar, tocando em protótipos e modelos
de argila dos veículos que eles vislumbravam para o futuro da Tesla.
No começo de 2017, eles principiaram a discutir ideias para uma
caminhonete da Tesla. Von Holzhausen começou com os designs
tradicionais, usando como modelo uma Chevrolet Silverado, que foi
colocada no centro do estúdio para que eles estudassem as proporções e os
componentes do veículo. Musk disse que queria algo mais empolgante,
talvez até mesmo surpreendente. Então pesquisaram veículos históricos com
um ar arrojado, principalmente a El Camino, um cupê retrofuturista feito
pela Chevrolet na década de 1960. Von Holzhausen projetou uma
caminhonete com um ar semelhante, mas, ao andar em torno do modelo,
eles concordaram que o veículo não parecia “durão” o suficiente. “Tinha
curvas demais”, diz Von Holzhausen. “Não transmitia a autoridade de uma
caminhonete.”
Musk então acrescentou mais uma referência de design que o inspirou: a
Lotus Esprit do fim da década de 1970, um veículo esportivo britânico
anguloso e com a frente em forma de cunha. Especificamente, ele estava
apaixonado por uma versão que aparecia no filme 007: O espião que me
amava, de James Bond, de 1977. Por cerca de 1 milhão de dólares, Musk
comprou o carro usado no filme e o expôs no estúdio de design da Tesla.
As sessões de brainstorming eram divertidas, mas mesmo assim não
culminaram em um conceito que empolgasse os dois. Para se inspirarem,
eles visitaram o Museu Automotivo Petersen, onde repararam em algo
surpreendente. “Percebemos”, diz Von Holzhausen, “que as caminhonetes
não haviam mudado de forma e o processo de fabricação ainda era o mesmo
nos últimos oitenta anos”.
Com isso em mente, Musk mudou o foco para algo mais básico: qual
material eles deveriam usar para a carroceria da caminhonete? Ao repensar
os materiais e até mesmo a física da estrutura do veículo, talvez
vislumbrassem designs tremendamente inovadores.
“Originalmente, pensamos em alumínio”, relata Von Holzhausen.
“Também cogitamos titânio, porque a durabilidade era realmente
importante.” Contudo, mais ou menos nessa época, Musk se encantou com
a possibilidade de produzir um foguete usando aço inoxidável brilhante. E
ele percebeu que isso talvez funcionasse também para a picape. Uma
carroceria de aço inoxidável não precisaria de pintura e poderia suportar
parte da carga estrutural do veículo. Era uma ideia de fato inovadora, um
modo de repensar o que um veículo podia ser. Numa sexta à tarde, depois de
algumas semanas de discussão, Musk entrou e simplesmente anunciou:
“Vamos fazer essa coisa toda de aço inoxidável.”
Charles Kuehmann era o vice-presidente de engenharia de materiais
tanto da Tesla quanto da SpaceX. Uma das vantagens de que Musk usufruía
era que as empresas dele podiam compartilhar conhecimento de engenharia.
Kuehmann desenvolveu um aço inoxidável ultrarresistente que era
“laminado a frio” em vez de exigir tratamentos a quente — e que foi
patenteado pela Tesla. O material era forte e barato o bastante para ser
usado tanto em caminhonetes quanto em foguetes.
A decisão de usar aço inoxidável na fabricação da Cybertruck teve uma
grande consequência para a engenharia do veículo. Uma carroceria de aço
podia servir como estrutura para suportar a carga do veículo, em vez de
exigir que o chassi desempenhasse esse papel. “Vamos colocar a resistência
na parte externa, usar como um exoesqueleto, e fixar todo o restante pelo
lado de dentro”, sugeriu Musk.
O uso de aço inoxidável também abriu novas possibilidades para a
aparência da caminhonete. No lugar de usar máquinas que esculpiriam a
fibra de carbono para fazer painéis com curvas e formas sutis, o aço
inoxidável favoreceria superfícies planas e ângulos afilados. Isso permitiria
— e de certa maneira forçaria — que a equipe de design explorasse ideias
mais futuristas, ousadas, até mesmo chocantes.
“Não resista a mim”
No segundo semestre de 2018, Musk estava saindo do inferno de produção
das fábricas de Nevada e de Fremont, dos tuítes sobre pedofilia e acerca de
tornar a Tesla uma empresa privada e do turbilhão mental daquele que ele
chamou de o ano mais aflitivo que já tivera na vida. Em momentos
desafiadores, um dos refúgios de Musk era se concentrar em algum projeto
futuro. E foi isso que ele fez no tranquilo porto seguro do estúdio de design
naquele 5 de outubro, quando transformou a visita regular das sextas-feiras
em uma sessão de brainstorming sobre a caminhonete.
O Chevrolet Silverado continuava no showroom como referência. Diante
dela havia três grandes quadros com imagens de uma ampla gama de
veículos, alguns extraídos de videogames e de filmes de ficção científica.
Eles iam dos modelos retrô aos futuristas, dos mais aerodinâmicos aos mais
angulosos, dos curvilíneos aos chocantes. Com as mãos casualmente nos
bolsos, Von Holzhausen tinha a postura tranquila de um surfista à espera da
onda certa. Musk, com as mãos na cintura, parecia um urso encolhido à
procura de uma presa. Depois de um tempo, Dave Morris e, mais tarde,
alguns outros designers também começaram a participar.
Enquanto olhava para as fotos nos quadros, Musk gravitava na direção
dos modelos com um visual futurista, cibernético. Pouco tempo antes, eles
haviam decidido o design do Model Y, uma versão crossover do Model 3, e
Musk tinha sido dissuadido de parte de suas sugestões mais radicais e
anticonvencionais. Depois de não ter arriscado no Model Y, ele não queria
que isso acontecesse com o projeto da picape. “Vamos ser ousados”, disse.
“Vamos surpreender as pessoas.”
Toda vez que alguém apontava para uma imagem mais convencional,
Musk rechaçava e apontava para o carro do videogame Halo, para o que
aparecia no trailer do jogo Cyberpunk 2077, que ainda seria lançado, ou para
o do filme Blade Runner, de Ridley Scott. Seu filho Saxon, que é autista,
tinha feito recentemente uma pergunta fora do comum que ficava
retumbando na mente de Musk: “Por que o futuro não tem cara de futuro?”
Musk citava repetidas vezes a pergunta de Saxon. E assim ele disse para a
equipe de design naquela sexta-feira: “Eu quero que o futuro tenha cara de
futuro.”
Havia umas poucas vozes dissonantes, as quais acreditavam que algo
futurista demais não venderia. Afinal, era uma caminhonete. “Não me
importo se ninguém comprar”, falou Musk no fim de uma reunião. “Não
vamos fazer uma caminhonete tradicional e chata. Podemos fazer isso
depois. Quero fazer uma coisa maneira. Tipo, não resistam a mim.”

***

Em julho de 2019, Von Holzhausen e Morris tinham construído um mock-


up em tamanho real de um desenho futurista, ousado, cibernético, cheio de
ângulos e faces como um diamante. Certa sexta-feira, eles surpreenderam
Musk, que ainda não tinha visto o modelo, colocando-o no centro do
showroom, perto do modelo mais tradicional que vinham cogitando.
Quando Musk entrou pela porta principal da fábrica da SpaceX, sua reação
foi instantânea: “É isso!”, exclamou. “Adorei. Vamos fazer isso. Sim, é isso
que a gente vai fazer. Isso, ok, fechado.”
O modelo ficou conhecido como Cybertruck.
“A maioria das pessoas do estúdio odiou o carro”, diz Von Holzhausen.
“Eles diziam algo assim: ‘Você não está falando sério.’ Não queriam ter nada
a ver com aquilo. Era esquisito demais.” Alguns engenheiros começaram a
trabalhar em segredo numa versão alternativa. Von Holzhausen, que é tão
gentil quanto Musk é brusco, dedicava um tempo a escutar com atenção as
preocupações deles. “Se as pessoas à sua volta não compram a ideia, é difícil
fazer com que as coisas aconteçam”, explica ele. Musk era menos paciente.
Diante da insistência de alguns designers para que ele fizesse pelo menos
algum tipo de teste de mercado, Musk respondia: “Eu não faço grupos
focais.”
Quando o projeto da caminhonete ficou pronto, em agosto de 2019,
Musk disse à equipe que queria exibir publicamente o protótipo em
novembro — em três meses, em vez dos habituais nove meses que se leva
para produzir um protótipo funcional. “Até novembro não vamos ter um
carro que as pessoas possam dirigir”, afirmou Von Holzhausen. Musk
respondeu: “Vamos ter, sim.” Os prazos irreais dele geralmente não
funcionam, mas em alguns casos dava certo. “Isso forçava a equipe a
trabalhar unida, 24 horas por dia, sete dias por semana, focada naquela
data”, diz Von Holzhausen.
Em 21 de novembro de 2019, a caminhonete foi levada até um palco no
estúdio de design para uma apresentação à imprensa e também a
convidados. Houve suspiros. “Muita gente na plateia claramente não
acreditava que aquele era o veículo que tinham ido ver”, noticiou a CNN.
“O Cybertruck parece um grande trapezoide de metal sobre rodas, lembra
mais uma obra de arte do que uma caminhonete.” Também houve uma
grande surpresa quando Von Holzhausen tentou demonstrar a resistência do
veículo. Ele bateu com uma marreta na carroceria, que não ficou com
nenhum amassado. Depois, jogou uma bola de metal numa das janelas de
“vidro blindado”, para mostrar que não ia quebrar. Para surpresa dele, houve
uma rachadura. “Ai, meu Deus!”, exclamou Musk. “Bem, vai ver que foi um
pouco forte demais.”
No geral, a apresentação não foi um grande sucesso. As ações da Tesla
caíram 6% no dia seguinte, mas Musk estava satisfeito. “As caminhonetes
têm sido feitas do mesmo modo há muito tempo, há uns cem anos”, disse
ele para a plateia. “Queremos tentar algo diferente.”
Mais tarde, Musk levou Grimes para passear no protótipo e foram até o
restaurante Nobu, onde os manobristas ficaram apenas olhando a
caminhonete, sem tocar. Na saída, perseguido por paparazzi, ele dirigiu até
um cone no estacionamento onde havia uma placa com os dizeres 
  , e virou à esquerda.
capítulo 52
Starlink
SpaceX, 2015-2018

Uma internet em órbita terrestre baixa


Quando lançou a SpaceX, em 2002, Musk concebeu a empresa como um
esforço para levar a humanidade a Marte. Toda semana, em meio a todas as
reuniões técnicas sobre motores e design de foguetes, ele fazia uma reunião
esotérica chamada “Colonizador de Marte”. Nela, imaginava como seria
uma colônia em Marte e de que forma seria governada. “A gente sempre
tentava não faltar ao Colonizador de Marte, porque era a reunião mais
divertida para o Musk e sempre o deixava de bom humor”, diz a ex-
assistente Elissa Butterfield.
Ir a Marte custava muito dinheiro. Por isso Musk combinou, como
muitas vezes fazia, uma missão ambiciosa com um plano de negócios
prático. Havia muitas oportunidades de rendimento que ele podia tentar,
entre as quais o turismo espacial (como Bezos e Branson) e lançamentos de
satélites para os Estados Unidos e outros países e empresas. No fim de
2014, ele voltou a atenção para uma mina de ouro muito maior: oferecer
serviço de internet para consumidores pagantes. A SpaceX faria e lançaria
satélites de comunicação próprios, na prática reconstruindo a internet no
espaço sideral.
“A receita da internet é de cerca de 1 trilhão de dólares por ano”, diz
Musk. “Se pudermos atender a 3% disso, serão 30 bilhões de dólares, o que
é mais do que o orçamento da NASA. Essa foi a inspiração para a Starlink
financiar a viagem a Marte.” Ele faz uma pausa e em seguida enfatiza: “A
perspectiva de chegar a Marte motivou todas as decisões da SpaceX.”
Mirando nessa missão, em janeiro de 2015 Musk anunciou a criação de
uma divisão da SpaceX, com base perto de Seattle, chamada Starlink. O
plano era enviar satélites para a baixa órbita terrestre, a mais ou menos 550
quilômetros de altitude, para que a latência dos sinais não fosse tão ruim
quanto a dos sistemas que dependiam de satélites geoestacionários, que
orbitam a 36 mil quilômetros acima da Terra. De sua baixa altitude, os
satélites da Starlink não conseguem cobrir uma área tão grande, por isso
seriam necessários muitos. A meta da Starlink era que no fim do processo
houvesse uma megaconstelação de 40 mil satélites.

Mark Juncosa
Em meio ao infernal verão de 2018, o sentido-aranha de Musk o estava
alertando para algo errado na Starlink. Os satélites eram grandes demais,
caros e difíceis de fabricar. Para conseguir uma escala lucrativa, eles teriam
que ser fabricados por um décimo do custo e dez vezes mais rápido. A
equipe da Starlink, porém, não parecia sentir essa urgência, o que para
Musk é um pecado capital.
Por isso, numa noite de domingo, em junho, sem muito alarde, ele voou
até Seattle para demitir toda a equipe de chefes da Starlink. Musk levou
consigo oito de seus mais experientes engenheiros de foguetes da SpaceX.
Nenhum deles sabia muito sobre satélites, mas todos sabiam como resolver
problemas de engenharia e aplicar o algoritmo de Musk.
O engenheiro que ele escolheu para assumir o comando foi Mark
Juncosa, que já era encarregado da engenharia estrutural na SpaceX. Isso
tinha como vantagem a integração do design e da produção de todos os
produtos da empresa, desde foguetes auxiliares até satélites, sob o controle
de um único gestor. O fato de esse gestor ser Juncosa era outra vantagem,
porque ele é um engenheiro febrilmente brilhante, capaz de fundir a mente
com a de Musk.
Juncosa cresceu como um surfista magricela no sul da Califórnia,
profundamente apaixonado pelo clima, pela cultura e pela atmosfera do
local, mas sem se deixar influenciar por aquela languidez despreocupada.
Ele usa o iPhone como fidget spinner, girando-o entre o polegar e o
indicador com a mágica de um equilibrista circense, e fala como uma
metralhadora de exclamações, cheias de “sabe”, “tipo” e “uau, cara”.
Juncosa estudou em Cornell, onde participou da equipe de Fórmula 1 da
faculdade. Em seu primeiro emprego, fabricava carrocerias de carros,
aproveitando as habilidades de construir pranchas, e depois foi integrado à
equipe de engenharia. “Eu, tipo, me apaixonei por aquilo, sabe, e fiquei, tipo
assim, sério, eu nasci para isso, cara”, diz ele.
Em uma visita a Cornell em 2004, Musk enviou um bilhete para alguns
professores de engenharia convidando-os a levar um ou dois alunos
prediletos para um almoço. “Foi, tipo, sabe, você quer comer de graça com
esse ricaço?”, conta Juncosa. “Superquero, estou dentro, claro.” Quando
Musk descreveu o que estava fazendo na SpaceX, Juncosa pensou: Cara, esse
sujeito é muito doido, e acho que vai perder todo o dinheiro, mas ele parece
superesperto e motivado, e eu gosto do estilo dele. No momento em que Musk
lhe ofereceu um emprego, ele aceitou na hora.
Juncosa impressionou Musk com seu jeito de correr riscos e quebrar
regras. Quando estava supervisionando o desenvolvimento da cápsula
Dragon, que leva carga do Falcon 9 até a órbita, ele foi repreendido várias
vezes pelo gerente de garantia de qualidade da SpaceX por não preencher a
papelada adequadamente. A equipe de Juncosa projetava a cápsula durante o
dia e passava a maior parte da noite construindo-a. “Eu disse para o cara
que a gente não tinha tempo pra documentar nossas ordens de serviço e
checagens de qualidade, a gente simplesmente ia construir e testar no final”,
diz ele. “O cara da qualidade ficou bem irritado, e com razão, e aí a gente foi
parar na baia do Musk, discutindo isso.” Musk ficou agitado e começou a
dar uma bronca no gerente de qualidade. “Foi muito tenso, mas ele e eu
estávamos superdecididos a fazer essa cápsula porque existia o risco de o
dinheiro acabar”, explica Juncosa.

Starlinks aprimorados
Quando assumiu a Starlink, Juncosa jogou fora o design existente e
recomeçou desde os princípios básicos, questionando todas as especificações
com base na física elementar. O objetivo era construir o satélite de
comunicação da forma mais simples possível e depois acrescentar os
penduricalhos. “Tínhamos reuniões que pareciam maratonas, e Elon insistia
em cada detalhe”, diz Juncosa.
Por exemplo, as antenas do satélite ficavam em uma estrutura à parte do
computador de voo. Os engenheiros haviam decretado que essas partes
ficassem termicamente isoladas umas das outras. Juncosa perguntara a razão
disso. Quando disseram que as antenas podiam superaquecer, ele pediu para
ver os dados dos testes. “Ao perguntar ‘por quê’ pela quinta vez, as pessoas
estavam tipo: ‘Caramba, talvez a gente devesse fazer um componente
integrado.’”
No fim do processo de design, Juncosa tinha transformado um ninho de
ratos em um satélite simples e plano. Esse satélite tinha o potencial de ser
muito mais barato. Era possível carregar uma quantidade duas vezes maior
na ogiva do Falcon 9, o que duplicava o número de satélites que cada voo
era capaz de colocar em órbita. “Eu fiquei, tipo, bem feliz com isso”, diz
Juncosa. “Fiquei ali pensando como eu tinha sido esperto.”
Musk, porém, continuava esquadrinhando todos os detalhes. Quando os
satélites foram lançados em um Falcon 9, havia conexões ligando cada
satélite ao solo para que eles fossem lançados um por vez e não esbarrassem
uns nos outros. “Por que não lançar todos de uma vez?”, perguntou ele. De
início, Juncosa e os outros engenheiros acharam que isso era maluquice. Eles
tinham medo de colisões. No entanto, Musk disse que o movimento da
espaçonave faria com que os satélites se separassem naturalmente. Se por
acaso eles se chocassem, seria algo lento e inofensivo. Então, eles se livraram
dos conectores, o que significou uma pequena economia de custo,
complexidade e massa. “A vida ficou muito mais fácil por termos reunido
essas partes”, diz Juncosa. “Eu fui bundão demais para sugerir isso, mas o
Elon fez a gente tentar.”
Em maio de 2019, o design do Starlink simplificado estava completo, e o
foguete Falcon 9 começou a lançá-los em órbita. Quatro meses depois,
quando entraram em operação, Musk estava em sua casa no sul do Texas e
postou no Twitter: “Publicando este tuíte por meio de um satélite da
Starlink no espaço.” Agora ele podia tuitar usando sua própria internet.
capítulo 53
Starship
SpaceX, 2018-2019

A sala de estar e o quintal de Musk em Boca Chica; Bill Riley e Mark Juncosa
Grande foguete
Se o objetivo de Musk fosse criar uma empresa lucrativa de foguetes, ele
poderia ter se permitido reunir suas conquistas e relaxar depois de ter
sobrevivido a 2018. O Falcon 9 reutilizável havia se tornado o foguete mais
eficiente e confiável do mundo, e ele tinha desenvolvido os próprios satélites
de comunicação, que posteriormente proporcionariam uma receita
abundante.
O objetivo dele, porém, não era meramente se tornar um empreendedor
espacial. Era levar a humanidade a Marte. E não seria possível fazer isso em
um Falcon 9 nem em seu irmão mais reforçado, o Falcon Heavy. Os Falcons
só eram capazes de voar até uma certa altura. “Eu podia ganhar muito
dinheiro, mas não teria como tornar a vida multiplanetária”, diz ele.
Foi por isso que em setembro de 2017 ele anunciou que a SpaceX iria
desenvolver um foguete reutilizável muito maior, o mais alto e mais
poderoso já construído. Musk deu ao grande foguete o codinome de BFR.
Um ano depois, ele tuitou: “Rebatizando o BFR como Starship.”
O sistema Starship teria um foguete auxiliar no primeiro estágio e uma
espaçonave no segundo estágio que, juntos, somariam quase 120 metros de
altura, 50% mais alto do que o Falcon 9 e dez metros mais alto do que o
foguete Saturno V usado pela NASA no programa Apollo, na década de
1970. Com 33 motores auxiliares, seria capaz de lançar mais de cem
toneladas de carga em órbita, quatro vezes mais do que o Falcon 9. E, em
algum momento, conseguiria transportar cem passageiros para Marte.
Embora estivesse assoberbado com as fábricas da Tesla de Nevada e de
Fremont, Musk encontrava tempo toda semana para dar uma olhada nas
renderizações dos serviços e das comodidades que a Starship ofereceria aos
passageiros durante uma viagem de nove meses a Marte.

Aço inoxidável, de novo


Em razão da infância, quando perambulava pelo escritório de design do pai,
em Pretória, Musk tinha uma boa noção das propriedades dos materiais de
construção. Nas reuniões da Tesla e da SpaceX, ele se concentrava nas várias
opções de cátodos e ânodos de baterias, válvulas de motor, chassis,
estruturas de foguetes e de carroceria de caminhonete. Ele podia (e com
frequência o fazia) discorrer longamente sobre lítio, ferro, cobalto, inconel e
outras ligas de níquel e cromo, compostos plásticos, graus de alumínio e
ligas de aço. Em 2018, Musk estava se apaixonando por uma liga bastante
comum, que, ele percebeu, funcionaria igualmente bem num foguete e no
Cybertruck: o aço inoxidável. “O aço inoxidável e eu temos uma história de
amor”, brincava com a equipe dele.
Havia um alegre e humilde engenheiro chamado Bill Riley trabalhando
com Musk na Starship. Ele tinha sido membro da lendária equipe de
corrida de Cornell e ajudado a treinar Mark Juncosa, que mais tarde o
convenceu a entrar para a SpaceX. Riley e Musk tinham um amor em
comum pela história militar — especialmente pelos conflitos aéreos da
Primeira e da Segunda Guerra Mundiais — e por ciência de materiais.
Um dia, no fim de 2018, eles estavam visitando a unidade de produção
da Starship, que ficava perto do porto de Los Angeles, mais ou menos 25
quilômetros ao sul da fábrica e da sede da SpaceX. Riley explicou que
estavam tendo problemas com a fibra de carbono. As placas estavam
enrugando. Além disso, o processo era lento e caro. “Se continuarmos com a
fibra de carbono, vamos nos ferrar”, disse Musk. “Extrapolando isso, morrer
é o nosso fim. Eu nunca vou conseguir chegar a Marte.” Fabricantes que
trabalham com custo mais margem não pensam assim.
Musk sabia que os primeiros foguetes Atlas, que no início dos anos 1960
impulsionaram os primeiros quatro norte-americanos até a órbita, foram
feitos de aço inoxidável, e ele havia decidido usar esse material na carroceria
do Cybertruck. No fim de uma caminhada pela unidade, ele ficou muito
quieto e olhou para os navios que chegavam ao porto. “Pessoal, a gente
precisa mudar de rumo”, disse Musk. “Nunca vamos construir foguetes
rápido o suficiente com esse processo. Que tal aço inoxidável?”
De início houve resistência, até certa incredulidade. Quando se reuniu
com seu time de executivos na sala de conferências da SpaceX poucos dias
depois, eles argumentaram que um foguete de aço inoxidável provavelmente
seria mais pesado do que um construído com fibra de carbono ou com a liga
de alumínio-lítio usada no Falcon 9. Os instintos de Musk diziam outra
coisa. “Façam as contas”, falou para os executivos. “Façam as contas.”
Quando fizeram, eles determinaram que o aço poderia, na verdade, ser mais
leve nas condições que a Starship enfrentaria. Em temperaturas muito frias,
a resistência do aço inoxidável aumenta em 50%, o que significa que ele
seria mais forte quando estivesse carregado com o combustível de oxigênio
líquido super-resfriado.
Além disso, o alto ponto de fusão do aço inoxidável eliminaria a
necessidade de um escudo contra o calor na lateral da Starship voltada para
o espaço, o que reduziria o peso total do foguete. Uma última vantagem era
a simplicidade de soldar juntas as peças de aço inoxidável. A liga de
alumínio-lítio do Falcon 9 exigia um processo chamado soldagem por
fricção, que precisava ser feito num ambiente imaculado. O aço inoxidável,
entretanto, podia ser soldado em grandes tendas ou mesmo ao ar livre, o que
tornava mais fácil realizar o processo no Texas ou na Flórida, perto dos
locais de lançamento. “Com o aço inoxidável, você pode fumar um charuto
enquanto solda”, diz Musk.

***

A mudança para o aço inoxidável permitiu que a SpaceX contratasse


construtores sem o conhecimento especializado necessário para a fabricação
da fibra de carbono. No local de teste de motores em McGregor, no Texas, a
SpaceX contratou uma empresa que fazia torres de caixa-d’água de aço
inoxidável. Musk disse a Riley que pedisse ajuda a eles. Uma questão era
determinar a espessura das paredes da Starship. Musk falou com alguns dos
operários, quem realmente fazia a solda, e não com os executivos da
empresa, e perguntou a eles se achavam que seria seguro. “Uma das regras
de Elon é: ‘Chegue o mais perto possível da fonte para obter informação’”,
diz Riley. Os operários responderam que as paredes do tanque poderiam,
talvez, ter apenas 4,8 milímetros. “Que tal quatro?”, perguntou Musk.
“Isso ia deixar a gente bem nervoso”, respondeu um dos operários.
“Certo”, disse Musk, “vamos fazer com quatro milímetros. Vamos
tentar”.
Funcionou.
Em poucos meses, eles tinham um protótipo, conhecido como
Starhopper, pronto para ser testado em saltos de baixa altitude. O protótipo
contava com três pernas projetadas para testar como a Starship seria capaz
de aterrissar em segurança depois de um voo e ser reutilizada. Em julho de
2019, o foguete foi testado em um salto de 25 metros de altitude.
Musk estava tão feliz com o conceito da Starship que, certa tarde,
durante uma reunião da SpaceX na sala de conferências, impulsivamente
decidiu botar em ação a estratégia dele de tomar uma atitude irreversível.
“Cancelem o Falcon Heavy”, determinou. Os executivos na sala mandaram
uma mensagem de texto para Gwynne Shotwell contando o que estava
acontecendo. Shotwell saiu às pressas da baia, desabou numa cadeira e disse
a Musk que ele não podia fazer aquilo. O Falcon Heavy, com três núcleos de
foguetes auxiliares, era decisivo para cumprir os contratos com as Forças
Armadas de lançar grandes satélites de inteligência. Shotwell tinha moral
para poder fazer esse tipo de questionamento. “Quando contextualizei a
situação para Elon, ele concordou que nós não podíamos fazer o que ele
queria”, diz ela. O fato de a maioria das pessoas próximas a Musk ter medo
de fazer isso era um problema para ele.

Starbase
Boca Chica, no extremo sul do Texas, é uma versão do paraíso pouco
desenvolvida. Suas dunas de areia e as praias não têm o mesmo encanto de
Padre Island, uma área de resorts subindo a costa, mas as áreas de
preservação ambiental no entorno tornam o ambiente seguro para o
lançamento de foguetes. Em 2014, a SpaceX construiu uma plataforma de
lançamento rudimentar ali como plano B para Cabo Canaveral e
Vandenberg, mas o lugar ficou basicamente às moscas até 2018, quando
Musk decidiu que iria transformá-lo numa base dedicada à Starship.
Como a Starship era imensa, não fazia sentido construir em Los Angeles
e depois transportar para Boca Chica. Por isso, Musk decidiu que eles
deveriam construir uma unidade de fabricação de foguetes a cerca de três
quilômetros da plataforma de lançamento, em meio às áreas ensolaradas e
úmidas de Boca Chica, tomadas por vegetação rasteira e infestadas de
mosquitos. A equipe da SpaceX ergueu três imensas tendas parecidas com
hangares para abrigar as linhas de montagem e três galpões altos de metal
corrugado capazes de acomodar as Starships em posição vertical. Uma velha
construção que ficava no terreno foi dividida em baias, uma sala de
conferências e uma cantina com comida aceitável e café de primeira. No
início de 2020, havia quinhentos engenheiros e operários, cerca de metade
moradores da região, trabalhando 24 horas por dia, em turnos.
“Você precisa vir para Boca Chica e fazer o que for preciso para deixar
este lugar perfeito”, disse Musk para Elissa Butterfield, assistente dele na
época. “O futuro do progresso da humanidade no espaço depende disso.” Os
hotéis mais próximos ficavam em Brownsville, cerca de cinquenta
quilômetros para o interior, por isso Butterfield criou um parque de trailers
Airstream para servir de acomodação, com palmeiras compradas na Home
Depot, um bar tiki e um deque com lareira ao ar livre. Sam Patel, o jovem e
ansioso chefe de instalações, alugou drones e pulverizadores para tentar
controlar os mosquitos. “Não dá para chegar em Marte se os mosquitos nos
comerem antes”, disse Musk.
Musk se concentrou no projeto e no funcionamento das tendas que
serviam de fábrica, discutindo como as linhas de montagem deveriam ser
organizadas. Em uma visita no fim de 2019, ele ficou frustrado com o ritmo
lento. A equipe ainda não tinha produzido sequer uma ogiva que encaixasse
perfeitamente na Starship. Parado em frente a uma das tendas, lançou um
desafio: construir uma ogiva até o nascer do sol. Isso não era viável, lhe
disseram, porque eles não tinham o equipamento para calibrar o tamanho
preciso. “Nós vamos fazer uma ogiva até o nascer do sol nem que a gente
morra”, insistiu Musk. Ordenou que cortassem fora a parte de cima do
corpo do foguete e usassem isso para fazer as medições. Eles fizeram isso, e
ele ficou acordado com a equipe de quatro engenheiros e soldadores até a
ogiva ficar pronta. “Na verdade, a gente não tinha uma ogiva pronta quando
o dia raiou”, admite um dos membros da equipe, Jim Vo. “Só ficou pronta lá
para umas nove da manhã.”

***

A mais ou menos 1,5 quilômetro da unidade da SpaceX, havia um


loteamento dos anos 1960 com 31 casas em estado precário, algumas pré-
fabricadas, espalhadas por apenas duas ruas. A SpaceX tinha oferecido três
vezes o valor estimado de mercado e conseguido comprar a maioria delas,
mas uns poucos donos haviam se recusado a vender, ou por teimosia ou pela
empolgação de morar perto de uma plataforma de lançamento de foguetes.
Musk escolheu uma casa com dois quartos para ele. A casa tem um
cômodo principal de conceito aberto, com paredes brancas e um piso de
tábuas ligeiramente manchado, que serve como sala de estar, sala de jantar e
cozinha. Uma pequena mesa de madeira faz as vezes de mesa de trabalho.
Debaixo dela fica um roteador wi-fi conectado a uma antena da Starlink. Os
balcões da cozinha são de fórmica branca, e a única coisa que se destaca é
uma geladeira de tamanho industrial, cheia de Coca-Cola Diet
descafeinada. Os objetos são semelhantes aos de um dormitório de
universidade, com direito a pôsteres das capas da revista Amazing Stories. Na
mesinha de centro estão o volume 3 da história da Segunda Guerra
Mundial, de Winston Churchill, Our Dumb Century, do e Onion, e a
série Fundação, de Isaac Asimov, além de um álbum de fotos preparado pelo
Saturday Night Live como registro da participação dele no programa em
maio de 2021. Um pequeno quarto contíguo tem uma esteira ergométrica,
que ele não usa muito.
O quintal tem grama rala e duas palmeiras que, apesar de serem tropicais,
murcham com o calor de agosto. A parede de tijolos caiados nos fundos está
coberta de grafites feitos por Grimes, que incluem corações vermelhos e
nuvens que parecem emojis de bolhas azuis. O telhado de painéis solares
está conectado a duas grandes Powerwalls da Tesla. Um galpão no quintal às
vezes é usado por Grimes como estúdio ou por Maye Musk como quarto.
Dizer que o lugar é humilde para servir de residência principal de um
bilionário é pouco. Entretanto, Musk encontrou ali um refúgio. Depois de
longas reuniões na Starbase ou de tensas rondas de inspeção pelas linhas de
montagem, ele dirigia até lá e deixava o corpo relaxar enquanto andava pela
casa, assobiando como um pai do subúrbio.
capítulo 54
Dia da Autonomia
Tesla, abril de 2019

Noite após noite, Musk se sentava empertigado na beira da cama ao lado de


Grimes, sem conseguir dormir. Havia noites em que ele não se mexia até o
sol raiar. A Tesla tinha sobrevivido às ondas e tempestades de 2018, mas
precisava de mais uma rodada de financiamento para continuar operando, e
os investidores que apostavam na baixa das ações continuavam rondando-a
como abutres. Em março de 2019, Musk voltou a entrar no modo crise e
drama. “Precisamos de dinheiro, ou estamos ferrados”, disse para Grimes
certo dia, ao nascer do sol. Ele precisava ter uma ideia grandiosa que
mudasse a narrativa e convencesse os investidores de que a Tesla se tornaria
a empresa automotiva mais valiosa do mundo.
Uma noite, Musk deixou a luz acesa e ficou olhando para o cômodo em
silêncio. “Eu acordava de vez em quando e ele continuava sentado ali, na
pose da estátua do Pensador, em completo silêncio, na beirada da cama”, diz
Grimes. Quando ela acordou pela manhã, ele falou: “Achei a solução.” A
solução, segundo ele, era que a Tesla promovesse um Dia da Autonomia, em
que os investidores teriam uma demonstração de como a Tesla estava
fabricando um carro que poderia se guiar sozinho.
Desde 2016, Musk vinha impondo sua visão de um carro completamente
autônomo, um carro capaz de ser chamado e de dirigir sozinho sem que
ninguém mexesse no volante. Na verdade, naquele ano ele tentou se livrar
de vez do volante. Por insistência de Musk, Von Holzhausen e os designers
da equipe vinham produzindo modelos de um Robotáxi sem freios, pedais
ou volante. Musk ia ao estúdio de design às sextas-feiras e tirava fotos com
o celular dos vários mock-ups. “É nessa direção que o mundo está indo”,
disse ele numa sessão. “Vamos trabalhar para chegar lá.” Todos os anos, ele
previa em público que um carro totalmente autônomo chegaria dentro de
mais ou menos um ano.
No entanto, não chegava. A autonomia completa continuava sendo uma
miragem fugidia, sempre a mais ou menos um ano de distância.
Mesmo assim, Musk chegou à conclusão de que o melhor modo de
conseguir mais financiamento era fazer uma demonstração impactante
comprovando que os veículos autônomos eram o caminho que levaria a
empresa a ser fenomenalmente lucrativa. Ele estava convencido de que sua
equipe conseguiria realizar uma demonstração — inclusive exibindo um
protótipo crível — de como seria esse futuro.
Musk marcou uma data para dali a quatro semanas: em 22 de abril de
2019, eles fariam uma demonstração de uma versão de carro parcialmente
autônomo naquele que seria o primeiro Dia da Autonomia da Tesla.
“Precisamos mostrar para as pessoas que isso é real”, disse ele, embora ainda
não fosse. O resultado foi mais uma das maratonas de trabalho que eram a
marca registrada de Musk: um frenesi com todos se esforçando 24 horas por
dia, sete dias por semana, para obter um resultado até um prazo que era
artificial e irrealista.
O trabalho alucinado no Autopilot de Musk não enlouqueceu só a equipe
dele, mas ele próprio também. “Elon precisava se dissociar da realidade para
sair de uma situação de merda em que ele achava que o desastre era
iminente”, diz Shivon Zilis, a amiga íntima que ele havia recrutado para
ajudar em projetos de inteligência artificial. “Teve uma vez que Elon me
pediu que o avisasse se ele pirasse. Foi a única vez que eu entrei na sala,
olhei para ele e disse a palavra ‘pirado’. Foi a primeira vez que ele me viu
chorar.”

***

Certa noite, James Musk, um primo jovem de Musk que era programador
da equipe do Autopilot, estava jantando com o chefe da equipe, Milan
Kovac, em um restaurante chique de São Francisco quando o celular tocou.
“Vi que era o Elon e pensei Ah, coisa boa não é”, lembra-se James. Ele andou
até o estacionamento, onde ouviu Musk dizer em um tom sombrio que a
Tesla iria quebrar se eles não fizessem algo dramático. Por mais de uma
hora, Musk perguntou a James quem na equipe do Autopilot era realmente
bom. Como acontecia muitas vezes quando ele entrava no modo crise,
Musk queria limpar a casa e demitir gente, mesmo em meio a uma onda de
trabalho.
Ele decidiu que precisava se livrar de todos os principais gestores da
equipe do Autopilot, mas Omead Afshar interveio e o convenceu a pelo
menos esperar o Dia da Autonomia. Shivon Zilis, que tinha a ingrata tarefa
de tentar servir de escudo entre Musk e a equipe, também tentou adiar as
demissões, assim como Sam Teller. Musk, não sem certa relutância,
concordou em esperar o Dia da Autonomia, mas não estava feliz. Ele
transferiu Zilis da Tesla para um cargo na Neuralink. Teller também acabou
saindo durante o turbilhão.
James Musk recebeu a tarefa de tentar integrar no software do Autopilot
a capacidade de ler sinais vermelhos e verdes em semáforos, uma tarefa
bastante básica que ainda não era parte do sistema. Ele conseguiu, mas ficou
evidente que a equipe não daria conta do desafio de Musk de demonstrar
um carro capaz de se autoconduzir por Palo Alto. À medida que o Dia da
Autonomia se aproximava, ele diminuiu a exigência para uma tarefa que era
apenas, como descreveria tempos depois, “insanamente difícil”: o carro teria
que andar pela sede da Tesla, ir até a rodovia, fazer uma volta que abrangia
sete curvas e voltar. “A gente não acreditava que ia conseguir fazer o que
Musk estava exigindo, mas ele acreditava”, diz Anand Swaminathan, um
membro da equipe do Autopilot. “Em questão de semanas, conseguimos
fazer o carro contornar sete curvas difíceis.”
Na apresentação do Dia da Autonomia, Musk mesclou, como fazia com
frequência, visão e empolgação. Nem na cabeça dele havia mais uma
fronteira clara entre aquilo em que ele acreditava e aquilo em que queria
acreditar. A Tesla, voltou ele a dizer, estava a mais ou menos um ano de
criar um veículo completamente autônomo. Àquela altura, a empresa
colocaria nas ruas 1 milhão de Robotáxis que as pessoas poderiam chamar
para levá-las de um lugar a outro.
Em uma reportagem, a CNBC disse que Musk “fez promessas ousadas e
visionárias que só os seguidores mais leais dele acreditavam que pudessem
ser cumpridas”. Musk também não impressionou plenamente grandes
investidores. “Fizemos várias perguntas difíceis quando falamos com ele em
uma chamada mais tarde na presença de analistas”, diz Joe Fath, gerente de
investimentos da T. Rowe Price. “Ele ficava dizendo: ‘Vocês simplesmente
não entendem.’ E então ele desligou na nossa cara.”
O ceticismo era justificado. Um ano depois — na verdade, nem sequer
quatro anos depois — não haveria 1 milhão de Robotáxis da Tesla, ou pelo
menos um único deles, andando de forma autônoma pelas ruas das cidades.
No entanto, por trás da empolgação e da fantasia, Musk conservava,
convicto, a visão de que, assim como foguetes reutilizáveis, um dia
transformaria nossa vida.
capítulo 55
Giga Texas
Tesla, 2020-2021

Omead Afshar
Austin
Quais são suas cidades favoritas? Esse se tornou um passatempo entre Musk
e outras pessoas na Tesla no início de 2020, e muitas vezes eles pegavam os
respectivos celulares, abriam o aplicativo de mapas e diziam nomes. Chicago
e Nova York? Claro, mas não funcionariam para esse propósito. A área de
Los Angeles e São Francisco? Não, era disso que eles estavam tentando
fugir. A Califórnia estava conturbada, cheia de gente se opondo a qualquer
novo empreendimento no local, entupida de regulamentações e de
comissões enxeridas, além de estar assustada demais com a covid. Que tal
Tulsa? Ninguém tinha pensado no Oklahoma, mas as lideranças locais
haviam feito uma campanha animada que precisava ser levada em
consideração. Nashville? Omead Afshar disse que Nashville era um lugar
que as pessoas queriam visitar, mas não era um bom lugar para morar.
Dallas? O Texas era sedutor, mas Dallas, eles concordavam, era texana
demais. Que tal Austin, uma cidade universitária que tinha boa música e se
orgulhava de proteger os bolsos contra esquisitices?
A questão era onde construir uma nova fábrica da Tesla, uma que fosse
grande o suficiente para merecer o rótulo de gigafábrica. A unidade de
Fremont, na Califórnia, estava à beira de se tornar a fábrica de carros mais
produtiva dos Estados Unidos, entregando mais de 8 mil carros por semana,
mas já operava em plena capacidade e uma expansão seria difícil.
Diferentemente de Jeff Bezos, que promoveu uma disputa entre as
cidades que estavam ávidas para receber uma segunda sede da Amazon,
Musk decidiu tomar a decisão de seu modo usual, por instinto, confiando na
própria intuição e na de seus executivos. Ele detestava a ideia de desperdiçar
meses sendo obrigado a ouvir discursos políticos e vendo apresentações de
PowerPoint de consultores.
No fim de maio de 2020, surgiu um consenso. Enquanto estava sentado
no centro de comando de Cabo Canaveral, quinze minutos antes de a
SpaceX fazer seu primeiro lançamento de astronautas humanos, Musk
mandou uma mensagem para Afshar. “Você ia preferir morar em Tulsa ou
Austin?” Quando Afshar, com todo o devido respeito por Tulsa, deu a
Ó
resposta esperada, Musk escreveu: “Ótimo. Vamos construir a fábrica em
Austin, e você vai ser o responsável pela unidade.”
Um processo semelhante levou à escolha de Berlim para ser a sede de
uma gigafábrica europeia. As fábricas da Alemanha e de Austin seriam
construídas em menos de dois anos e, junto com as unidades de Fremont e
Xangai, se tornariam os pilares da fabricação de carros da Tesla.
Em julho de 2021, um ano depois de a construção ter começado, a
estrutura básica da gigafábrica de Austin estava completa. Musk e Afshar
ficaram de pé diante de uma parede em um escritório temporário da
construção e analisaram fotos da obra em várias fases. “Estamos construindo
com o dobro da velocidade de Xangai por metro quadrado, apesar das
regulamentações que enfrentamos”, disse Afshar.
Com 930 mil metros quadrados de chão de fábrica, a Giga Texas, como
ficou conhecida, teria o dobro de área de chão de fábrica de Fremont e 50%
a mais que o Pentágono. Segundo alguns parâmetros, explicou Afshar, seria
a maior fábrica do mundo em área, depois que fossem acrescentados alguns
mezaninos. Havia um shopping center na China com mais metros
quadrados, e a Boeing, com vários hangares imensos, talvez tivesse mais
volume. “De quanto mais precisaríamos para podermos dizer que essa é a
maior construção do mundo?”, perguntou Musk. Mesmo com a expansão
de cerca de 45 mil metros quadrados que eles cogitavam, Afshar respondeu:
“Não vamos chegar lá.” Musk assentiu. Houve uma pausa muito longa na
conversa. Depois ele deixou a ideia para lá.
Os construtores mostraram a Afshar planos para janelas que iam quase
do nível do piso de cada andar até o teto. “Será que não ia ser melhor se elas
fossem exatamente do piso ao teto?”, perguntou ele. Uma proposta voltou
com vidraças produzidas sob medida, cada uma com quase dez metros de
altura, e Afshar mostrou as fotos para Musk. Steve Jobs, que tinha uma
obsessão por vidro, não economizava para conseguir vidraças imensas para
lugares que serviriam de cartão de visitas da Apple, como a loja na Quinta
Avenida, em Nova York. Musk era mais cauteloso. Ele perguntou se o vidro
precisava ser tão espesso como o sugerido e também de que forma aquilo
afetaria o modo como o sol aquecia o prédio. “Não podemos fazer coisas
tolas do ponto de vista do custo”, afirmou.
Enquanto caminhava pela fábrica quase pronta, Musk parava em cada
estação ao longo da linha de montagem. A certa altura ele começou a
interrogar o técnico que estava na estação em que o aço seria resfriado. “Não
dá para fazer o processo de resfriamento ser mais rápido?” O sujeito
explicou os limites da velocidade do processo de resfriamento. Musk
insistiu. Esses limites são baseados de fato na física do aço? Será que o aço
pode ser igual a um biscoito, que fica duro por fora e viscoso por dentro? O
técnico manteve o ponto de vista. Musk parou de fazer perguntas, mas a
intuição o levou a concluir que o processo deveria levar menos de um
minuto. Ele deixou a cargo do técnico descobrir um modo de atingir essa
meta. “Quero deixar claro: o tempo de resfriamento não pode passar de 59
segundos, ou eu vou voltar aqui e resolver isso pessoalmente”, disse Musk.

Gigapress
Um dia, no fim de 2018, Musk estava sentado diante da mesa dele na sede
da Tesla, em Palo Alto, brincando com uma versão em miniatura do Model
S. Parecia uma versão miniaturizada do carro de verdade, e ao desmontar ele
viu que havia inclusive uma suspensão ali dentro. No entanto, todo o fundo
do carro tinha sido fundido em uma peça única de metal. Numa reunião
com a equipe naquele dia, Musk pegou o brinquedo e o colocou na mesa de
reuniões branca. “Por que a gente não pode fazer assim?”, perguntou.
Um dos engenheiros apontou o óbvio, que o fundo de um carro de
verdade é muito maior. Não havia máquinas de fundição grandes o
suficiente para fazer algo daquele tamanho. A resposta não satisfez Musk.
“Descubram como fazer”, disse ele. “Peçam uma máquina de fundição
maior. Isso não quebra as leis da física.”
Ele e seus executivos chamaram seis grandes empresas que trabalhavam
com fundição, e cinco delas desdenharam da ideia. Contudo, uma empresa
chamada Idra Presse, na Itália, especializada em máquinas de fundição de
alta pressão, topou o desafio de construir máquinas muito grandes que
seriam capazes de produzir em grande escala o fundo inteiro do Model Y,
tanto a parte de trás quanto a da frente. “Fizemos a maior máquina de
fundição do mundo”, diz Afshar. “A máquina que produz o Model Y pesa 6
mil toneladas, e vamos usar uma de 9 mil toneladas para o Cybertruck.”
As máquinas injetam rajadas de alumínio derretido num molde frio de
fundição, capaz de produzir em apenas oitenta segundos um chassi
completo que antes tinha mais de cem peças que precisavam ser soldadas,
rebitadas ou unidas. O processo antigo gerava falhas, tremores e
vazamentos. “Então passamos de um pesadelo horroroso para um processo
que é insanamente barato, fácil e rápido”, diz Musk.
O processo reforçou a admiração de Musk pela indústria de brinquedos.
“Eles precisam produzir as coisas muito rápido, barato e sem falhas, e
precisam fazer tudo a tempo do Natal, ou as crianças vão ficar tristes.”
Repetidas vezes, ele fez a equipe ter ideias a partir de brinquedos, como
robôs e Legos. Enquanto andava pelo chão de fábrica, Musk falou com um
grupo de mecânicos de usinagem sobre a precisão da modelagem das peças
de Lego. Elas são precisas e idênticas, com uma diferença que não passa de
mícrons, o que significa que cada parte pode ser facilmente substituída por
outra. Peças de carros precisavam ser assim. “Precisão não é algo caro”, diz
Musk. “Tem mais a ver com cuidado. Você se preocupa em fazer as coisas
com precisão? Então dá para fazer com precisão.”
capítulo 56
Vida familiar
2020

Com Grimes e o bebê X, e com os lhos mais velhos


X Æ A-12
A vida pessoal de Musk foi transformada em maio de 2020 pelo nascimento
de um filho, que ficou conhecido como X. Primeiro dos três filhos com
Grimes, X tinha uma doçura sobrenatural que acalmava e encantava Musk,
que queria sempre ter o bebê por perto. Ele levava X para todo lugar. O
menino ficava no colo do pai durante longas reuniões, nos ombros dele em
andanças pelas fábricas da Tesla e da SpaceX, vagava com seus passinhos
incertos pelos lugares onde estavam sendo instalados telhados solares,
transformava áreas de descanso do Twitter em seu parquinho de diversões e
tagarelava no fundo de conferências telefônicas tarde da noite. Ele e o pai
viam várias vezes lançamentos de foguetes, e o menino aprendeu a fazer
contagem regressiva de dez a um antes de contar de um a dez.
As interações de Musk e X também eram de uma natureza muskiana.
Eles tinham uma ligação íntima; no entanto, paradoxalmente, mantinham
certa distância e desfrutavam a presença um do outro respeitando o espaço
de cada um. Musk, assim como os pais dele próprio, não era superprotetor
nem vigiava os filhos. X nunca foi grudento nem dependente. Havia muita
interação, mas não muito carinho.
Musk e Grimes, que conceberam o menino por meio de fertilização in
vitro, queriam ter uma menina, mas o óvulo fertilizado que foi implantado
enquanto os dois se preparavam para ir ao Burning Man em 2019 acabou
sendo masculino. Eles já tinham se decidido por um nome que era (mais ou
menos) feminino, Exa, como em exaflops, um termo da área de
supercomputadores que designa a capacidade de se poder realizar 1
quintilhão de operações por segundo. Até o dia do nascimento, ainda não
haviam conseguido escolher nomes para um menino.
Acabaram optando por algo que parecia uma senha druídica autogerada:
X Æ A-12. O X, segundo Grimes, representava “a variável desconhecida”.
Æ, uma ligadura do latim e do inglês antigo pronunciada como “ash”, era
“minha grafia élfica para Ai (amor &/ou inteligência artificial)”. O A-12,
que precisou ser escrito como A-Xii na certidão de nascimento porque a
Califórnia não permite o uso de numerais em nomes, foi a contribuição de
Musk, uma referência a um lindo avião espião conhecido como Arcanjo.
“Combatendo com informações, não com armas”, diz Grimes sobre o A-12.
“O terceiro nome é sempre uma guerra, porque o Elon quer apagar por
achar ser demais. Eu ia gostar de colocar cinco nomes, mas três é um meio-
termo que deixou todo mundo satisfeito.”
Quando X nasceu, Musk tirou uma foto de Grimes durante a cesariana e
mandou-a para amigos e parentes, inclusive o pai e os irmãos dela. Como
era de esperar, Grimes ficou horrorizada e fez o que pôde para apagar a
imagem. “Era o Asperger do Elon a todo o vapor”, comenta ela. “Ele
simplesmente não conseguia entender por que eu estava chateada.”

Os adolescentes
Uma semana depois, os filhos mais velhos de Musk foram ver o pai e X.
Saxon, o filho com autismo, ficou particularmente empolgado porque
adorava bebês. Musk tinha começado a colecionar as observações simples e
sábias feitas por Saxon, e às vezes as compartilhava com Justine. “Saxon tem
uma percepção realmente interessante”, opina ela, “porque dá para ver que
ele está se debatendo com conceitos abstratos, como o tempo e o sentido da
vida. Ele pensa em termos bastante literais que te fazem perceber o universo
de modo diferente”.
Saxon é um trigêmeo, concebido por fertilização in vitro, e os dois
gêmeos dele eram idênticos: Kai e Damian. No começo, eles eram tão
parecidos que mesmo Justine dizia ter dificuldade em saber quem era quem.
Entretanto, eles se tornaram um estudo interessante sobre o papel da
genética, do ambiente e do acaso. “Eles moravam na mesma casa e no
mesmo quarto, e tinham as mesmas experiências e tiravam notas parecidas
nas provas”, afirma Musk. “Mas o Damian se achava inteligente e o Kai,
não, por algum motivo. Muito estranho.”
As personalidades deles eram muito diferentes. Damian era introvertido,
comia pouco, e aos 8 anos de idade anunciou que era vegetariano. Quando
perguntei a Justine por que ele havia tomado essa decisão, ela passou o
telefone para que Damian respondesse. “Para diminuir minha pegada de
carbono”, explicou. Ele se tornou um prodígio da música clássica, compôs
sonatas soturnas e praticava piano por horas, sem parar. Musk mostrava
vídeos, que ele gravava no iPhone, de Damian tocando. Ele também era um
mago da matemática e da física. “Acho que o Damian é mais brilhante do
que você”, disse Maye Musk certa vez para o filho, que assentiu com a
cabeça.
Kai, mais alto e de uma beleza impressionante, é extrovertido e adora
resolver problemas práticos pondo a mão na massa. “Ele é maior e mais
atlético do que o Damian, e protege muito o irmão”, conta Justine. Dos
filhos, ele é quem mais se interessa pelos aspectos técnicos dos trabalhos do
pai, e era ele quem tinha maior probabilidade de acompanhar Elon nas idas
a Cabo Canaveral para lançamentos de foguetes. Isso era um prazer para
Musk, que diz que sua grande tristeza se dá quando os filhos dizem que não
querem ficar com ele.
O irmão mais velho deles, Griffin, tinha a mesma visão ética e a mesma
doçura. Ele também entendia bem o pai. Certa noite no Texas, em um
evento na fábrica da Tesla, Griffin estava com alguns amigos quando o pai
perguntou se ele podia acompanhá-lo até a sala de espera nos bastidores.
Griffin hesitou e disse que queria ficar com os amigos; depois, olhou para
eles, deu de ombros e foi com o pai. Brilhante em ciências e matemática, o
garoto tinha uma ternura que faltava ao pai, além de ser a pessoa mais
sociável da família, pelo menos até a chegada de X.
E havia ainda o gêmeo não idêntico de Griffin. Xavier, cujo nome era
parcialmente em homenagem ao personagem favorito de Musk na série dos
X-Men, da Marvel, tinha muita determinação e desenvolveu um profundo
ódio ao capitalismo e à riqueza. Ocorriam longas e amargas discussões,
pessoalmente e por mensagens de texto, em que Xavier dizia várias vezes:
“Eu odeio você e tudo que você representa.” Esse foi um dos fatores que
levou Musk a vender suas casas e viver de modo menos luxuoso, mas isso
teve pouco efeito na relação. Em 2020, a situação já era irreparável. Xavier
não foi com os outros irmãos visitar o meio-irmão recém-nascido.
Por isso, Xavier e Elon estavam afastados quando Xavier, então com 16
anos, fez a transição de gênero, mais ou menos na época em que X nasceu.
“Oi, eu sou trans e meu nome agora é Jenna”, comunicou ela a Christiana,
esposa de Kimbal, por mensagem de texto. “Não conte para o meu pai.”
Jenna também mandou uma mensagem para Grimes, e igualmente pediu
que ela guardasse segredo. Tempos depois, Musk acabou sabendo por um de
seus seguranças.

***

Musk acabaria combatendo, muitas vezes publicamente, questões relativas a


pessoas trans. Poucos meses depois da transição de Jenna, mas antes que
isso fosse a público, Musk tuitou um cartum que mostrava um soldado
sofrendo e a seguinte legenda: “Quando você coloca ele/dele em sua bio.”
Ao ser criticado, Musk deletou o tuíte e tentou se explicar. “Eu apoio 100%
os trans, mas todos esses pronomes são um pesadelo estético.” Ele passaria a
falar cada vez mais sobre questões ligadas a pessoas trans, e em 2023 estava
apoiando a reação conservadora contra a permissão para que médicos
dessem apoio a adolescentes menores de idade que desejavam fazer a
transição.
Christiana insiste que Elon não tem preconceito contra pessoas gays ou
trans. A briga com Jenna, segundo ela, foi causada mais pelo marxismo
radical da filha do que pela identidade de gênero. Christiana fala com base
em certa experiência. Ela por vezes se afastou do pai bilionário e, antes de se
casar com Kimbal, foi casada com uma mulher negra, a estrela do rock
Deborah Anne Dyer, conhecida como Skin. “Quando eu ainda estava com
minha ex-mulher, Elon tentou convencer a gente a ter filhos”, diz
Christiana. “Ele não tem preconceito contra gays ou transgêneros nem
preconceito racial.”
As divergências com Jenna, diz Musk, “ficaram mais intensas quando ela
passou de socialista a comunista e também a achar que todo mundo que é
rico é ruim”. Em parte, ele culpa aquilo que chama de doutrinação
progressista woke,* que ocorria na escola particular de Los Angeles que
Jenna frequentou, a Crossroads. Quando os filhos eram menores, Musk os
matriculou em uma escola que ele tinha criado para a família e os amigos,
chamada Ad Astra. “Eles ficaram lá até os 14 anos, mas aí eu achei que
precisavam ser colocados no mundo real no ensino médio”, conta Musk.
“Eu devia ter ampliado a Ad Astra até o ensino médio.”
A briga com Jenna, segundo Musk, foi o que mais lhe causou dor desde a
morte do bebê primogênito, Nevada. “Eu fiz muitas tentativas”, lembra ele,
“mas ela não quer conviver comigo”.

Casas
A fúria de Jenna tornou Musk sensível ao ódio contra bilionários. Ele
acreditava que não havia nada de errado em ficar rico por meio de empresas
bem-sucedidas e de manter o dinheiro investido nelas. No entanto, em
2020, ele tinha passado a perceber que ficar com essas riquezas e gastá-las
generosamente com consumo pessoal era improdutivo e indecente.
Até então, Musk vivera no luxo. Sua casa principal, na área de Los
Angeles conhecida como Bel Air, que ele havia comprado por 17 milhões de
dólares em 2002, era um falso palácio de 1.400 metros quadrados com sete
quartos e uma suíte de hóspedes, onze banheiros, academia de ginástica,
quadra de tênis, piscina, uma biblioteca de dois andares, sala de cinema e
um pomar. Era um castelo para os cinco filhos dele, que ficavam com o pai
quatro dias por semana e tinham uma rotina que incluía aulas de tênis, artes
marciais e outras atividades na casa.
Quando a casa do ator Gene Wilder, do outro lado da rua, foi posta à
venda, Musk comprou-a para preservá-la. Depois, adquiriu três casas no
entorno e cogitou demolir algumas para construir sua casa dos sonhos. Ele
também era dono de uma propriedade de dezenove hectares, com treze
quartos, em estilo mediterrâneo, no Vale do Silício, avaliada em 32 milhões
de dólares.
No início de 2020, Musk decidiu se livrar de todas elas. “Estou vendendo
quase todos os meus bens materiais”, tuitou três dias depois do nascimento
de X. “Não vou ter mais casa.” Ele explicou para Joe Rogan o sentimento
que o levou a tomar essa decisão. “Acho que ter posses é meio que um peso,
e se transformou num motivo para ataques”, declarou Musk. “Nos últimos
anos, a palavra ‘bilionário’ virou um termo pejorativo, como se fosse algo
ruim. Eles dizem: ‘Ei, bilionário, você tem todas essas coisas.’ Bem, agora
eu não tenho coisas, e então, o que você vai fazer?”

***
Depois de concluir a venda das casas na Califórnia, Musk se mudou para o
Texas e Grimes foi logo em seguida. A casinha no condomínio de Boca
Chica, que ele alugou da SpaceX, se tornou a residência principal. Ele
passava a maior parte do tempo em Austin, onde ficava na casa de um
amigo da PayPal, Ken Howery, que fora embaixador na Suécia e depois
tirara um tempo para viajar pelo mundo. A casa de setecentos metros
quadrados em um lago formado pelo rio Colorado era parte de um
condomínio fechado onde muitos outros bilionários de Austin moravam.
Era um lugar perfeito para Musk reunir os filhos em datas especiais, até o
e Wall Street Journal contar que ele estava morando ali. “Parei de ficar na
casa do Ken depois que o Journal me dedurou”, diz. “As pessoas ficavam
indo lá, e alguém conseguiu passar pelo portão e entrar na casa quando eu
não estava.”
Depois de procurar sem muita vontade, Musk encontrou uma casa ali
perto que era grande o bastante e, em suas palavras, era “uma casa bacana,
mas não ia aparecer na Architectural Digest”. Os vendedores estavam pedindo
70 milhões de dólares, e ele ofereceu 60 milhões, o valor que recebeu
quando vendeu as casas na Califórnia. Àquela altura, porém, os vendedores,
que estavam lidando com a pessoa mais rica do mundo em um mercado
imobiliário superaquecido, queriam ainda mais do que tinham pedido
inicialmente. Musk recuou. Ele preferiu optar entre ficar no apartamento de
um amigo em Austin ou ficar na casa que Grimes alugara numa rua sem
saída e isolada.

Elon e Kimbal juntos outra vez


Depois de uma viagem a Estocolmo para a festa de aniversário de Ken
Howery em novembro de 2020, Musk testou positivo para covid. Ele ligou
para Kimbal, que tinha sido infectado mais ou menos na mesma época. A
relação deles não estava tão boa, especialmente depois das tensões de 2018.
Contudo, eles reataram quando Elon viajou para Boulder com o propósito
de que os dois se curassem juntos de seus casos leves de covid.
Kimbal, que acreditava em cura pela mente usando alucinógenos
legalizados, tinha planejado uma cerimônia com ayahuasca, que envolve
beber chás alucinógenos sob a orientação de um xamã. Tentou convencer
Elon a participar da experiência, a qual achou que poderia ajudar a domar os
demônios do irmão. “A cerimônia da ayahuasca envolve a morte do ego”,
explica Kimbal. “Toda a bagagem que você carrega morre. Você se torna um
ser humano diferente depois disso.”
Elon recusou a oferta. “Tenho emoções soterradas sob tantas camadas de
concreto que não estou pronto para expor isso”, confessou. Ele só queria
ficar perto de Kimbal. Depois de assistir a um lançamento da SpaceX em
seus computadores e de ficar fazendo bobagens em Boulder, os dois ficaram
entediados e pegaram o avião de Elon rumo a Austin. Lá, jogaram o
videogame que era a nova obsessão de Elon, Polytopia, e fizeram uma
maratona de Cobra Kai, uma série da Netflix baseada no filme Karatê Kid.
Na série, os personagens do filme original estavam agora na casa dos 50
anos, assim como Elon e Kimbal, com filhos que tinham a idade dos filhos
de Elon. “Nós dois nos vimos representados, porque tem uma pessoa cheia
de empatia, que é o personagem do Ralph Macchio, e outra que com zero
empatia”, diz Kimbal. “Os dois estão enfrentando desafios com a figura
paterna, e agora também têm que descobrir como ser essa figura paterna
para os próprios filhos.” A experiência foi catártica, mesmo sem a cerimônia
com a ayahuasca. “Éramos dois meninos de novo”, lembra Kimbal. “Foi
bonito, o melhor dos tempos. Nunca imaginamos que viveríamos outra
semana assim de novo.”

* O termo woke refere-se a um conceito muito difundido nos Estados Unidos e significa algo como
“despertar”, o aumento da conscientização sobre questões sociais, raciais e políticas. [N. da E.]
capítulo 57
A pleno vapor
SpaceX, 2020

Com Kiko Dontchev, e na torre de lançamento de Cabo Canaveral


Civis em órbita
Desde a aposentadoria do ônibus espacial, em 2011, os Estados Unidos
passaram por um lapso de habilidade, determinação e imaginação que era
impressionante para um país que, duas gerações antes, tinha enviado nove
missões à Lua. Ao longo de quase toda a década seguinte à última missão
do ônibus espacial, o país não foi capaz de mandar humanos ao espaço. Os
Estados Unidos passaram a depender de foguetes russos para levar seus
astronautas até a estação espacial. Em 2020, a SpaceX mudou isso.
Em maio daquele ano, o foguete Falcon 9, que tinha no topo uma
cápsula Crew Dragon, estava pronto para transportar dois astronautas da
NASA até a Estação Espacial Internacional, no primeiro lançamento de
humanos em órbita na história feito por uma empresa privada. O então
presidente, Trump, e o vice-presidente, Pence, foram a Cabo Canaveral e
ficaram nos lugares reservados à plateia, perto do Pad 39 A, para assistir ao
lançamento. Musk, com fones de ouvido e o filho Kai ao lado, ficou na sala
de controle. Dez milhões de pessoas assistiram ao vivo na TV e em várias
plataformas de streaming. “Não sou uma pessoa religiosa”, declarou Musk
posteriormente para o podcaster Lex Fridman, “mesmo assim, fiquei de
joelhos e rezei por aquela missão”.
Quando o foguete começou a subir, gritos de comemoração irromperam
na sala de controle. Trump e outros políticos entraram para dar parabéns.
“Essa é a primeira grande mensagem espacial em cinquenta anos, pense
nisso”, falou Trump. “E é uma honra estar fazendo isso.” Musk não fazia
muita ideia do que o presidente estava falando, e manteve uma certa
distância. No momento em que Trump foi até Musk e sua equipe e
perguntou “Vocês estão prontos para mais quatro anos?”, Musk se afastou e
deu-lhe as costas.
Ao fechar com a SpaceX o contrato para construir um foguete que levaria
astronautas rumo à estação espacial, a NASA fechou também, no mesmo
dia de 2014, um contrato concorrente, com 40% a mais de financiamento,
com a Boeing. No entanto, enquanto a SpaceX obtinha sucesso, em 2020, a
Boeing nem sequer havia conseguido fazer um voo de teste sem tripulação
para acoplar na estação.
Para comemorar o lançamento bem-sucedido da SpaceX, Musk foi com
Kimbal, Grimes, Luke Nosek e mais umas poucas pessoas para um resort
nos Everglades, duas horas ao sul de Cabo Canaveral. Nosek lembra que
eles começaram a se dar conta da “importância histórica do momento”. Eles
dançaram a noite toda, e Kimbal em certo momento saltou e gritou: “Meu
irmão acaba de mandar astronautas ao espaço.”

Kiko Dontchev
Depois de lançar astronautas rumo à estação espacial em maio de 2020, a
SpaceX fez, num período de cinco meses, uma série impressionante de onze
lançamentos de satélite não tripulado bem-sucedidos. Mas Musk, como
sempre, temia a complacência. A não ser que mantivesse um senso maníaco
de urgência, ele receava que a SpaceX pudesse acabar sem vigor e lenta,
como a Boeing.
Depois de um dos lançamentos em outubro daquele ano, Musk fez uma
visita tarde da noite ao Pad 39 A. Havia apenas duas pessoas trabalhando.
Visões como essa eram um gatilho para ele. Em todas as empresas que lhe
pertenciam, como os empregados do Twitter descobririam, ele esperava que
todo mundo trabalhasse com uma intensidade inclemente. “Nós temos 783
funcionários em Cabo Canaveral”, disse ele com uma raiva fria para o vice-
presidente de lançamentos. “Por que só dois deles estão trabalhando agora?”
Musk deu ao executivo 48 horas para preparar um relatório sobre o que
todos deveriam estar fazendo.
Quando não conseguiu as respostas que queria, Musk decidiu descobrir
por conta própria. Ele entrou no modo hardcore. Assim como tinha feito
nas fábricas da Tesla em Nevada e Fremont, e como faria mais tarde no
Twitter, mudou-se para o prédio — nesse caso, o hangar em Cabo
Canaveral — e começou a trabalhar sem parar. A presença dele durante
toda a noite era ao mesmo tempo uma performance e algo real. Na segunda
noite, ele não conseguiu encontrar o vice-presidente de lançamentos, que
tinha mulher e filhos, e, na visão de Musk, se ausentara sem permissão,
então pediu para falar com um dos engenheiros que vinha trabalhando com
ele no hangar, Kiko Dontchev.
Dontchev nasceu na Bulgária e migrou para os Estados Unidos ainda
criança, quando o pai, um matemático, aceitou um emprego na
Universidade do Michigan. Dontchev fez graduação e pós-graduação em
engenharia aeroespacial, o que o levou àquela que ele imaginou ser a
oportunidade dos sonhos: um estágio na Boeing. Contudo, ele rapidamente
se desencantou e decidiu visitar um amigo que estava trabalhando na
SpaceX. “Nunca vou esquecer aquele dia, quando andei pela SpaceX”, disse.
“Todos aqueles engenheiros jovens trabalhando duro, vestindo camisetas,
exibindo tatuagens e sendo exigentes pra cacete para fazer as coisas
acontecerem. Pensei: Esse é o meu pessoal. Eu não tinha nada a ver com o
clima engomadinho e terrível da Boeing.”
No verão daquele ano, ele fez uma apresentação para um dos vice-
presidentes da Boeing em que contava como a SpaceX estava dando espaço
para que jovens engenheiros inovassem. “Se a Boeing não mudar”, disse,
“vocês vão perder os maiores talentos”. O vice-presidente respondeu que
não estava em busca de revolucionários. “Talvez a gente não queira os
melhores, mas aqueles que vão ficar por aqui mais tempo.” Dontchev se
demitiu.
Em uma conferência em Utah, ele foi a uma festa dada pela SpaceX e,
depois de alguns drinques, tomou coragem para falar com Gwynne
Shotwell. Dontchev tirou do bolso um currículo amassado e mostrou a ela
uma foto do hardware de satélite em que vinha trabalhando. “Eu consigo
fazer as coisas acontecerem”, disparou para ela.
Shotwell achou divertido. “Qualquer um que tenha coragem de me trazer
um currículo amassado pode ser um bom candidato”, disse. Ela o convidou
para fazer uma entrevista na SpaceX. Ele tinha hora marcada, às três da
tarde, para falar com Musk, que continuava entrevistando todos os
engenheiros que desejavam ser contratados. Como sempre, Musk estava
irritado, e disseram a Dontchev que ele teria que voltar outro dia. Em vez
disso, Dontchev ficou sentado do lado de fora da baia de Musk por cinco
horas. Quando finalmente conseguiu se encontrar com ele, às oito,
Dontchev aproveitou a oportunidade para falar de como seu entusiasmo não
era valorizado na Boeing.
Sempre que estava contratando ou promovendo, Musk fazia questão de
priorizar a atitude, não as habilidades descritas no currículo. E a definição
dele de boa atitude era um desejo maníaco de trabalhar. Musk contratou
Dontchev na hora.

***

Naquela noite de outubro, durante a maratona de trabalho em Cabo


Canaveral, quando Musk pediu para falar com Dontchev, o engenheiro
tinha acabado de chegar em casa depois de três dias de trabalho
consecutivos e aberto uma garrafa de vinho. A princípio, ele ignorou o
número desconhecido no celular, mas então um dos colegas ligou para a
esposa dele. Mande o Kiko voltar para o hangar imediatamente, disseram,
porque Musk o quer aqui. “Eu estava exausto, meio bêbado, não dormia
fazia dias. Então, entrei no carro, comprei um maço de cigarros para ficar
acordado e voltei para o hangar”, conta ele. “Tive medo de ser parado por
dirigir bêbado, mas esse parecia um risco menor se comparado a ignorar
Elon.”
Quando Dontchev chegou ao hangar, Musk mandou que ele organizasse
uma série de encontros em que se “pularia um nível” para falar com os
engenheiros que estavam um nível abaixo dos altos gestores. Disso veio uma
mudança radical. Dontchev foi promovido a engenheiro-chefe em Cabo
Canaveral e seu mentor, Rich Morris, um gestor calmo e experiente, foi
colocado como novo chefe de operações. Dontchev fez um pedido
inteligente. Ele disse que queria responder a Morris, não diretamente a
Musk. O resultado foi uma equipe que funcionava bem, liderada por um
gestor que sabia ser um mentor à la Yoda e por um engenheiro que estava
ansioso para atingir a intensidade de Musk.

Desafio
A pressão de Musk para ir mais rápido, correr mais riscos, quebrar regras e
questionar exigências permitiu, por um lado, que ele realizasse grandes
façanhas, como colocar humanos em órbita, vender grandes quantidades de
carros elétricos e tirar proprietários de casas da rede elétrica. Por outro, isso
significava que ele fazia coisas — como ignorar as regras da Comissão de
Valores Mobiliários ou desafiar as restrições impostas pela Califórnia
durante a pandemia de covid — que lhe criavam problemas.
Hans Koenigsmann era um dos engenheiros originais recrutados por
Musk para a SpaceX em 2002. Ele tinha sido parte do intrépido grupo em
Kwaj durante os três primeiros voos fracassados e depois da primeira missão
bem-sucedida do Falcon 1. Musk o promoveu a vice-presidente encarregado
da confiabilidade de voo, para ter certeza de que os voos eram seguros e
seguiam as regulamentações. Não era um trabalho fácil quando o chefe era
Musk.
No fim de 2020, a SpaceX se preparava para lançar como teste não
tripulado o foguete auxiliar Super Heavy. Todos os voos precisam seguir as
exigências impostas pela Administração Federal de Aviação (FAA, na sigla
em inglês), o que incluía as orientações relativas ao clima. Naquela manhã, o
inspetor da FAA que estava monitorando o lançamento remotamente
determinou que os ventos em altitude tornavam o procedimento inseguro.
Caso houvesse uma explosão no lançamento, as casas por perto poderiam
ser impactadas. A SpaceX apresentou o modelo dela de previsão climática, o
qual afirmava que as condições eram seguras, e pediu permissão para seguir
em frente, mas a FAA recusou.
Ninguém da FAA estava na sala de controle, e havia uma leve dúvida
(não muito séria) sobre quais eram as regras, de modo que o diretor de
lançamento se virou para Elon e inclinou a cabeça, sem falar nada, como se
perguntasse se deveria prosseguir. Musk silenciosamente fez que sim. O
foguete decolou. “Foi tudo muito sutil”, diz Koenigsmann. “É típico do
Elon. Uma decisão de correr um risco comunicada por um movimento com
a cabeça.”
O lançamento do foguete foi perfeito, e o clima não atrapalhou, embora
o foguete de fato tenha apresentado problemas quando tentou pousar a dez
quilômetros dali. A FAA abriu uma investigação para saber por que a
determinação dela quanto ao clima havia sido ignorada, e decidiu suspender
todos os testes da SpaceX por dois meses, mas acabou não impondo penas
mais severas.
Como parte de seu trabalho, Koenigsmann escreveu um relatório sobre o
incidente, e não tentou disfarçar o que a SpaceX tinha feito. “A FAA é
incompetente e conservadora, uma combinação ruim; mesmo assim, eu
precisava de uma autorização deles antes da decolagem, o que nós não
tínhamos”, disse. “Elon ordenou o lançamento quando a FAA disse que nós
não podíamos prosseguir. Então, escrevi um relatório sincero que dizia isso.”
Ele queria que a SpaceX e Musk assumissem a culpa.
Essa não era a atitude que Musk valorizava. “Ele não via as coisas assim,
e ficou irritado, muito irritado”, lembra Koenigsmann.
Koenigsmann estava na SpaceX desde os primeiros e difíceis dias, e
Musk não quis demiti-lo na hora. No entanto, retirou de Koenigsmann a
atribuição de supervisionar os voos e acabou demitindo-o meses depois.
“Você fez um trabalho incrível durante muitos anos, mas a hora da
aposentadoria chega para todo mundo”, escreveu Musk para ele num e-
mail. “A sua chegou agora.”
capítulo 58
Bezos versus Musk, 2o round
SpaceX, 2021

Jeff Bezos logo após sua viagem; Richard Branson logo antes da dele
Provocação mútua
A partir de 2013, Jeff Bezos e Elon Musk começaram a disputar para saber
quem alugaria o célebre Pad 39 A em Cabo Canaveral (Musk ganhou),
quem seria o primeiro a pousar um foguete que houvesse chegado ao limite
do espaço sideral (Bezos), a pousar um foguete que pusesse carga em órbita
(Musk) e a colocar humanos em órbita (Musk). O espaço era uma paixão
pessoal dos dois, e a competição entre eles, assim como a que havia ocorrido
entre os barões das ferrovias um século antes, serviria para tornar os avanços
no campo mais rápidos. Apesar das reclamações sobre o espaço ter se
tornado um hobby de meninos bilionários, a visão deles de privatizar os
lançamentos foi o que impulsionou os Estados Unidos, que haviam ficado
atrás da China e até mesmo da Rússia, a voltar à liderança da exploração
espacial.
A rivalidade voltou em abril de 2021, quando a SpaceX venceu a Blue
Origin de Bezos na disputa por um contrato para levar astronautas da
NASA na parte final de uma viagem à Lua. A Blue Origin recorreu da
decisão, mas não teve sucesso. O site da empresa exibiu um gráfico que
criticava o plano da SpaceX, afirmando em letras garrafais que se tratava de
algo “imensamente complexo” e de “alto risco”. A SpaceX respondeu
ressaltando que a Blue Origin nem sequer havia conseguido produzir um só
foguete ou uma espaçonave capaz de atingir a órbita. Os fãs de Musk no
Twitter fizeram um flash mob para ridicularizar a Blue Origin, e Musk
participou. “Não consegue subir (para a órbita) rsrsrs”, tuitou ele.

***

Bezos e Musk têm semelhanças em alguns aspectos. Os dois transformaram


indústrias por meio da paixão, da inovação e da força de vontade. Ambos
são bruscos com os funcionários, rápidos para dizer que algo é imbecil e
ficam furiosos com quem duvida ou diz não para eles. Os dois se
concentram em pensar no futuro, em vez de buscar lucros no curto prazo.
Quando perguntado se ao menos sabia como soletrar a palavra “lucro” (em
inglês, “profit”), Bezos respondeu: “P-r-o-f-e-t-a” (em inglês, “prophet”).
No entanto, quando o assunto é engenharia, os dois diferem. Bezos é
metódico. O lema dele é gradatim ferociter, ou “gradualmente, ferozmente”.
Os instintos de Musk o fazem pressionar, intensificar e forçar as pessoas a
cumprir prazos insanos, ainda que isso signifique assumir riscos.
Bezos é cético, até mesmo desdenhoso, em relação às práticas de Musk
de passar horas em encontros de engenharia propondo sugestões para os
técnicos e dando ordens abruptas. Bezos comenta que ex-funcionários da
SpaceX e da Tesla diziam para ele que Musk raramente sabia tanto quanto
alegava e que em geral as intervenções que fazia eram inúteis ou
problemáticas.
Musk, por sua vez, acha que Bezos é um diletante cuja falta de foco na
engenharia é a razão para que a Blue Origin faça menos progresso do que a
SpaceX. Em uma entrevista no fim de 2021, ele elogiou Bezos de má
vontade por ter uma “atitude razoavelmente boa na engenharia”, porém em
seguida acrescentou: “Mas ele parece não ter disposição de gastar energia
mental nos detalhes da engenharia. O diabo mora nos detalhes.”
Uma vez que Musk vendera todas as casas que possuía e estava morando
de aluguel no Texas, também começou a desdenhar de Bezos pelo estilo de
vida luxuoso, com múltiplas mansões. “Em certo sentido, estou tentando
provocá-lo a passar mais tempo na Blue Origin para que eles façam mais
progresso”, diz Musk. “Ele devia passar mais tempo na Blue Origin e menos
tempo na hidromassagem.”

***

Outra disputa irrompeu em função das empresas rivais dos dois na área de
satélites de comunicação. No verão de 2021, a SpaceX tinha colocado quase
2 mil satélites da Starlink em órbita. Sua internet com base no espaço estava
disponível em catorze países. Em 2019, Bezos dera início a planos para que
a Amazon criasse uma constelação semelhante de satélites e uma internet
própria, chamada Projeto Kuiper, mas, até o momento, nenhum satélite
havia sido lançado.
Musk acreditava que a inovação era guiada pelo estabelecimento de
métricas claras, como o custo por tonelada colocada em órbita ou o número
médio de quilômetros dirigidos no Autopilot sem intervenção humana. No
caso da Starlink, ele surpreendeu Juncosa ao perguntar quantos fótons eram
coletados pelos painéis solares dos satélites em comparação com o que eles
eram capazes de mandar de forma útil para a Terra. Era uma proporção
enorme — talvez 10 mil para 1 —, e Juncosa jamais havia pensado naquilo.
“Eu certamente nunca tinha pensado nisso como uma métrica”, conta ele.
“Isso me forçou a testar ideias criativas sobre como podíamos aumentar a
eficiência.”
Como resultado, a SpaceX desenvolveu uma segunda versão da Starlink,
e a empresa decidiu solicitar a aprovação da Comissão Federal de
Comunicações (FCC, na sigla em inglês). A solicitação previa uma altitude
orbital mais baixa no caso de futuros satélites da Starlinks, o que reduziria a
latência da rede.
Isso deixaria a empresa mais perto das órbitas planejadas pela constelação
da Kuiper, a concorrente de propriedade de Bezos, de modo que este
protocolou uma objeção. Mais uma vez, Musk o atacou no Twitter, e
escreveu seu nome errado de propósito, para que ficasse igual à palavra em
espanhol para “beijos”: “Na verdade, Besos se aposentou e agora tem um
emprego em tempo integral: se dedica a processar a SpaceX.” A FCC
determinou que Musk podia prosseguir com os planos.

Passeios de bilionários
Um dos sonhos de Bezos era ir ele mesmo ao espaço. Por isso, no verão de
2020, em meio às brigas com Musk, anunciou que ele e o irmão Mark iriam
voar até o limite do espaço sideral (embora sem chegar a entrar em órbita)
em um salto de onze minutos em um foguete da Blue Origin. Ele seria o
primeiro bilionário no espaço.
Sir Richard Branson, o sorridente bilionário britânico que fundou a
Virgin Airlines e a Virgin Music, também tinha esse sonho. Ele havia
criado uma empresa de voos espaciais, a Virgin Galactic, com um modelo
de negócios em grande medida dependente de levar ricos em busca de novas
experiências a viajar nos foguetes da empresa dele. O talento para o
marketing o fez incluir a si mesmo como o rosto e o espírito da empresa.
Ele sabia que não havia maneira melhor de promover a empresa de turismo
espacial, e de se divertir muito (algo que ele adorava fazer), do que entrar
em um dos foguetes dele próprio. Por isso, depois que ficou impossível para
Bezos mudar a data de lançamento de seu foguete, Branson anunciou que
voaria no dia 11 de julho, nove dias antes. Sempre interessado em
transformar tudo em espetáculo, ele convidou o apresentador Stephen
Colbert para narrar a transmissão e o cantor Khalid para apresentar uma
música nova na ocasião.
Quando acordou pouco antes da uma da manhã, no dia do lançamento,
Branson foi à cozinha da casa em que estava e viu Musk ali com o bebê X.
“Elon foi supergentil de ir com o bebê ver nosso voo”, conta Branson. Musk
estava descalço e vestia uma camiseta preta estampada com a frase 
  , em comemoração aos 50 anos da missão à Lua. Eles
se sentaram e conversaram por algumas horas. “Parece que ele não dorme
muito”, comenta Branson.
O voo, em um foguete suborbital com asas que foi alçado até a altitude
de lançamento por um cargueiro, correu bem. Branson e cinco funcionários
da Virgin Galactic chegaram à altitude de 89 quilômetros, o que criou uma
pequena discussão sobre eles terem ou não chegado ao “espaço” de fato —
que, pela definição da NASA, começa oitenta quilômetros acima da Terra,
mas outras nações dizem que começa na linha de Kármán, a cem
quilômetros.
A missão de Bezos, nove dias depois, também foi bem-sucedida. Musk,
obviamente, não esteve presente no lançamento. Bezos, o irmão e a equipe
atingiram uma altitude de 106 quilômetros, bem acima da linha de Kármán,
o que deu a ele mais motivos para se gabar. A cápsula espacial deles pousou
delicadamente de paraquedas no deserto do Texas, onde a mãe de Bezos,
muito ansiosa, e o pai, calmo, estavam à espera.
Musk fez elogios superficiais a Bezos e a Branson. “Eu achava bacana
que eles estivessem gastando dinheiro no avanço da exploração espacial”,
disse para Kara Swisher na Conferência Code em setembro. Apesar disso,
ele apontou que saltar a pouco mais de cem quilômetros era um passo
pequeno. “Para colocar as coisas em perspectiva, entrar em órbita exige mais
ou menos cem vezes a quantidade de energia necessária para um voo
suborbital”, explicou. “E depois, para voltar de órbita, você precisa queimar
essa energia, e para isso precisa de um escudo pesado para se proteger do
calor. Entrar em órbita é mais ou menos duas ordens de magnitude mais
difícil do que fazer um voo suborbital.”
Musk era amaldiçoado com uma mentalidade conspiratória, o que o
levava a crer que grande parte dos comentários negativos sobre si mesmo na
imprensa se deviam a interesses secretos ou inconfessáveis das pessoas que
eram donas dos veículos de comunicação. Isso se acentuou bastante quando
Bezos comprou o e Washington Post. Ao ser contatado pelo jornal em
2021 para uma reportagem, Musk enviou um e-mail que dizia
simplesmente: “Mande um abraço para o sujeito que está manipulando
você.” Na verdade, Bezos sempre manteve uma atitude admirável de não se
meter na cobertura do Post, e o respeitado repórter de assuntos espaciais
Christian Davenport publicava matérias sobre os êxitos de Musk, incluído
um texto sobre a rivalidade com Bezos. “Por ora, Musk está bem à frente
em quase todas as áreas”, escreveu Davenport. “A SpaceX enviou três grupos
de astronautas para a Estação Espacial Internacional, e na terça-feira deve
enviar uma equipe de astronautas civis em uma viagem de três dias
orbitando a Terra. A Blue Origin realizou apenas uma missão suborbital ao
espaço, que durou somente cerca de dez minutos.”
capítulo 59
A onda da Starship
SpaceX, julho de 2021

Andy Krebs (acima), Lucas Hughes (abaixo), e os braços Mechazilla sendo


instalados na Starship
Mechazilla
X, de 10 meses de idade, engatinhava em cima da mesa de reunião branca
da Starbase em Boca Chica e abria e fechava os bracinhos. Ele estava
imitando a animação que via na tela, a qual mostrava os braços da torre de
lançamento em Boca Chica. As primeiras três palavras que ele aprendeu a
falar foram “foguete”, “carro” e “papai”. Naquele momento, ele estava
praticando mais uma, “pauzinhos”, em referência ao talher usado em parte
dos países do Oriente. O pai prestava pouca atenção, e os outros cinco
engenheiros presentes na sala naquela noite estavam acostumados a fingir
que aquilo não os distraía.
A história dos pauzinhos tinha começado oito meses antes, no fim de
2020, quando a equipe da SpaceX estava discutindo o trem de pouso que
seria instalado na Starship. O princípio que orientava Musk era a
possibilidade de reutilização rápida, que, segundo ele afirmava com
frequência, era “o santo graal para fazer dos humanos uma civilização capaz
de viajar pelo espaço”. Em outras palavras, os foguetes deveriam ser como
aviões. Deveriam decolar, aterrissar e depois decolar de novo o mais rápido
possível.
O Falcon 9 havia se tornado o único foguete no mundo rapidamente
reutilizável. Durante o ano de 2020, os foguetes auxiliares do Falcon tinham
pousado em segurança 23 vezes, descendo verticalmente sobre o trem de
pouso. Os vídeos das aterrissagens ferozes e ao mesmo tempo suaves ainda
faziam Musk saltar da cadeira. No entanto, ele não estava exatamente
apaixonado pelo trem de pouso planejado para os foguetes auxiliares da
Starship. Eles aumentavam o peso, o que reduzia o tamanho da carga que os
foguetes podiam levar.
“Por que a gente não tenta usar a torre para pegar os foguetes?”,
perguntou. Ele estava se referindo à torre que segura o foguete na base de
lançamento. Musk já tinha sugerido usar aquela torre para montar o
foguete; o equipamento possuía braços capazes de pegar o foguete auxiliar
do primeiro estágio, colocá-lo sobre a base e, depois, pegar a espaçonave do
segundo estágio e colocá-la sobre o foguete auxiliar. Naquele momento, ele
estava sugerindo que esses braços também fossem usados para pegar o
foguete auxiliar quando ele voltasse para a Terra.
Era uma ideia ousada, e houve grande consternação na sala. “Se o foguete
auxiliar voltar para a torre e sofrer um acidente, você vai levar muito tempo
para lançar o próximo”, diz Bill Riley. “Mas concordamos em estudar meios
diferentes de fazer isso.”
Poucas semanas depois, logo após o Natal de 2020, a equipe se reuniu
para discutir ideias. A maior parte dos engenheiros era contra tentar usar a
torre para pegar o foguete auxiliar. Os braços usados para empilhar o
foguete já eram perigosamente complexos. Depois de mais de uma hora de
discussão, estava se formando um consenso de que a melhor coisa a se fazer
era manter a ideia de colocar um trem de pouso no foguete auxiliar.
Contudo, Stephen Harlow, o diretor de engenharia de veículos, continuava
defendendo a abordagem mais ousada. “Nós temos a torre, por que não
tentamos usá-la?”
Após mais uma hora de debate, Musk entrou na discussão. “Harlow, você
concorda com esse plano”, falou. “Então, por que você não fica responsável
por ele?”
Assim que tomou a decisão, o humor de Musk entrou no modo
“comédia-pastelão”. Ele começou a rir da cena de Karatê Kid em que o
mestre do caratê, sr. Miyagi, usa um par de pauzinhos para pegar uma
mosca. Os braços da torre, disse Musk, iam ser chamados de pauzinhos, e
ele chamou a torre toda de “Mechazilla”. Ele celebrou com um tuíte:
“Vamos tentar pegar o foguete auxiliar com o braço da torre de
lançamento!” Quando foi questionado por um seguidor sobre o motivo de
não usar um trem de pouso, Musk respondeu: “Um trem de pouso
certamente funcionaria, mas a melhor peça é a ausência de peças.”
Numa tarde quente de quarta-feira, no fim de julho de 2021, a parte final
da Mechazilla com os braços móveis foi colocada em seu lugar no ponto de
lançamento em Boca Chica. Quando a equipe lhe mostrou uma animação
do equipamento, Musk se empolgou: “Legal pra cacete!”, exclamou. “O
número de visualizações dessa vez vai ser imenso.” Ele encontrou um clipe
de dois minutos de Karatê Kid e tuitou pelo iPhone. “A SpaceX vai tentar
agarrar o maior objeto voador de todos os tempos com braços robóticos”,
disse. “Não há como garantir o sucesso, mas a empolgação está garantida!”
A onda
“Precisamos empilhar a nave sobre o foguete auxiliar”, disse Musk ao
agrupamento improvisado de centenas de trabalhadores reunidos num
semicírculo em uma das três tendas em formato de hangar em Boca Chica.
Era um dia de sol brutal em julho de 2021, e ele estava concentrado em
obter a aprovação da FAA para que a Starship voasse. O melhor modo,
decidiu ele, era empilhar o foguete auxiliar e a espaçonave do segundo
estágio na torre de lançamento para mostrar que estavam prontos. “Isso vai
forçar a agência reguladora a tirar a bunda da cadeira”, disse ele. “Vai haver
pressão da opinião pública para que eles aprovem.”
Aquilo não tinha muito sentido, mas era típico de Musk. A Starship, na
verdade, só ficaria pronta em abril de 2023, 21 meses depois. Contudo, ele
esperava que criar um senso maníaco de urgência fizesse com que todos
trabalhassem mais rápido, o que incluía os reguladores, os funcionários e até
ele mesmo.
Durante as horas seguintes, Musk andou em meio às linhas de
montagem, balançando os braços sem pelos, inclinando levemente o
pescoço e parando de vez em quando para olhar algo em silêncio.
Gradualmente, o rosto dele foi ficando cada vez mais fechado, e as pausas
passaram a dar uma impressão sinistra. Perto das nove da noite, uma lua
cheia havia surgido sobre o oceano, e parecia que ia transformá-lo num
homem possuído.
Eu já tinha visto Musk entrar em seu modo demoníaco, e sabia o que
vinha pela frente. Como acontece com frequência — pelo menos duas ou
três vezes por ano com grande intensidade —, uma grande compulsão vai
crescendo dentro dele, até que Musk determine uma “onda”, uma atividade
frenética 24 horas por dia, como ele havia feito na fábrica de baterias de
Nevada, na montadora de Fremont e nos escritórios responsáveis pelo
sistema de direção autônoma, e como faria posteriormente no mês insano
que se seguiu à compra do Twitter. O objetivo era sacudir tudo e “expulsar a
merda do sistema”, segundo ele.
As nuvens de tempestade que vinham se formando sobre Musk
estouraram quando ele e um grupo de altos gestores foram até o ponto de
lançamento e não viram ninguém trabalhando. Isso talvez não parecesse
incomum para a maior parte das pessoas no fim de noite de uma sexta-feira,
mas Musk surtou. O alvo imediato foi um engenheiro civil alto, de jeito
tranquilo, chamado Andy Krebs, que estava encarregado de construir a
infraestrutura na Starbase. “Por que não tem ninguém trabalhando?”,
perguntou Musk.
Infelizmente para Krebs, era a primeira vez em três semanas que ele não
passava todo o turno da noite trabalhando na torre e no ponto de
lançamento. De fala suave e ligeiramente gago, o engenheiro hesitou ao
responder, o que não ajudou. “Qual é o problema?”, exigiu saber Musk.
“Quero ver gente trabalhando.”
Foi aí que ele determinou uma onda de produção. O foguete auxiliar da
Starship e o segundo estágio deveriam ser retirados das áreas de fabricação e
empilhados na torre de lançamento dentro de dez dias. Ele queria que
quinhentos trabalhadores de toda a SpaceX — Cabo Canaveral, Los
Angeles e Seattle — fossem enviados imediatamente para Boca Chica e
colocados em ação. “Isso aqui não é uma organização de trabalho
voluntário”, reclamou Musk. “Não estamos vendendo biscoitos de
bandeirantes. Ponham todo mundo aqui.” Quando ligou para Gwynne
Shotwell, que estava em Los Angeles, dormindo, para descobrir quais
trabalhadores e supervisores iriam para Boca Chica, ela se queixou e disse
que os engenheiros de Cabo Canaveral ainda precisavam preparar os
lançamentos do Falcon 9. Musk determinou que isso fosse atrasado. A onda
era a prioridade dele.
Pouco depois da uma da manhã, Musk enviou um e-mail intitulado
“Onda da Starship” para todos os empregados da SpaceX. “Qualquer um
que não esteja trabalhando em outros projetos que sejam obviamente
decisivos para a SpaceX deve se transferir de imediato para trabalhar na
primeira órbita da Starship”, escreveu. “Por favor, venham de avião, de carro,
ou cheguem aqui por qualquer meio possível.”
Em Cabo Canaveral, Kiki Dontchev, que ganhou o cargo de chefia
quando Musk deflagrou um frenesi semelhante depois de não ver ninguém
trabalhando no Pad 39 A certa noite, começou a acordar seus melhores
funcionários com o objetivo de ir para o Texas. A assistente de Musk, Jehn
Balajadia, tentou reservar quartos de hotel em Brownsville, perto de Boca
Chica, mas a maioria já estava reservada para uma convenção de controle de
fronteiras, de modo que ela teve dificuldades em fazer os preparativos para
que os funcionários dormissem em colchões de ar. Sam Patel trabalhou a
noite toda imaginando as estruturas de hierarquia e supervisão que seriam
criadas, e também como levar comida suficiente para alimentar todos em
Boca Chica.
Quando Musk voltou da torre de lançamento para o prédio principal da
Starbase, o monitor de vídeo da porta dianteira tinha sido reprogramado. O
texto dizia “Nave + Foguete Empilhados T -196h 44m 23s” e estava numa
contagem regressiva segundo a segundo. Balajadia explicou que Musk não
deixou que eles arredondassem dias nem horas. Todo segundo contava.
“Nós precisamos chegar a Marte antes que eu morra”, disse ele. “A única
força que nos impele a chegar a Marte somos nós, e às vezes isso se resume
a mim.”
A onda de trabalho foi bem-sucedida. Em pouco mais de dez dias, o
foguete auxiliar e a espaçonave Starship foram empilhados na torre.
Também foi meio sem sentido, uma vez que o foguete ainda não tinha
capacidade para voar, e a montagem do conjunto não forçou a FAA a
apressar a aprovação. A crise inventada, contudo, forçou a equipe a
continuar trabalhando freneticamente, e deu a Musk uma dose do drama
que a personalidade dele exige. “Sinto minha fé no futuro da humanidade
renovada”, comentou ele naquela noite. Mais uma tempestade havia
passado.

Custos do Raptor
Poucas semanas depois desse surto, Musk voltou a atenção para o Raptor, o
motor que impulsionaria a Starship. Movido a metano líquido super-
resfriado e a oxigênio líquido, o Raptor tinha mais do que o dobro do
empuxo do motor Merlin do Falcon 9. Isso significava que a Starship teria
mais empuxo do que qualquer outro foguete na história.
Todavia, o motor Raptor não iria levar a humanidade a Marte
simplesmente por ser potente. Ele também precisaria ser fabricado às
centenas a um custo razoável. Cada Starship precisaria de cerca de quarenta
deles, e Musk vislumbrou uma frota de dezenas de Starships. O Raptor era
complexo demais para ser fabricado em massa. Ele parecia um emaranhado
de espaguete. Por isso, em agosto de 2021, Musk demitiu a pessoa
encarregada do design e assumiu pessoalmente o título de vice-presidente de
propulsão. O objetivo era reduzir o custo de cada propulsor em cerca de 200
mil dólares, um décimo do custo na época.
Certa tarde, Gwynne Shotwell e o CFO da SpaceX, Bret Johnsen,
organizaram um pequeno encontro com a pessoa do departamento
financeiro encarregada de supervisionar os custos do Raptor. Entra em cena
um jovem analista financeiro com aparência de estudioso chamado Lucas
Hughes, cujo visual ligeiramente elitista era mitigado por um rabo de
cavalo. Ele jamais havia interagido diretamente com Musk, e não tinha
certeza se o patrão sabia seu nome. Portanto, estava nervoso.
Musk começou um sermão sobre coleguismo. “Quero ser superclaro”,
começou. “Você não é amigo dos engenheiros. Você é o juiz. Se você for
popular entre os engenheiros, isso é mau sinal. Se você não pisar no calo de
ninguém, eu vou te demitir. Está claro?” Hughes gaguejou um pouco
enquanto dizia que sim.
Desde que tinha voltado da Rússia e calculado os custos para produzir
seus foguetes, Musk havia usado algo que ele apelidou de “índice de
idiotice”. Essa era a proporção entre o custo total de um componente e o
custo das matérias-primas utilizadas. Algo com um alto índice de idiotice
— digamos, um componente que custa mil dólares quando o alumínio
usado em sua fabricação custa apenas cem — tinha alta probabilidade de ter
um design complexo demais ou um processo de manufatura ineficiente. Nas
palavras de Musk, “se a proporção for alta, você é um idiota”.
“Quais são as melhores peças do Raptor segundo o índice de idiotice?”,
perguntou Musk.
“Não tenho certeza”, respondeu Hughes. “Vou descobrir.” Isso não era
bom. O rosto de Musk se fechou e Shotwell me olhou preocupada.
“No futuro, é melhor você ter certeza de que saiba essas coisas de cor”,
disse Musk. “Se chegar numa reunião e não souber quais são as peças
idiotas, sua demissão vai ser aceita imediatamente”, falou sem alterar a voz
nem demonstrar qualquer emoção. “Como você pode não saber quais são as
melhores e piores peças?”
“Eu conheço a planilha de custo nos mínimos detalhes”, comentou
Hughes em voz baixa. “Só não sei o custo das matérias-primas dessas
peças.”
“Quais são as cinco piores peças?”, perguntou Musk. Hughes olhou para
o computador para ver se conseguia calcular uma resposta. “NÃO! Não olhe
para a sua tela”, esbravejou Musk. “Diga só uma. Você deveria saber quais
são as peças problemáticas.”
“Tem a tampa da injeção”, disse Hughes hesitante. “Acho que custa 13
mil dólares.”
“É feita de apenas uma peça de aço”, retrucou Musk, passando a
interrogar o funcionário. “Quanto custa essa matéria-prima?”
“Acho que na casa dos milhares de dólares”, respondeu Hughes.
Musk sabia a resposta. “Não. É só aço. São uns 200 dólares. Você errou
feio. Se você não melhorar, sua demissão será aceita. Esta reunião acabou.
Chega.”

***

Quando Hughes entrou na sala de conferências no dia seguinte para uma


apresentação que continuaria a conversa, Musk não demonstrou que se
lembrava dele. “O que estamos vendo aqui são as vinte piores peças pelo
‘índice de idiotice’”, falou Hughes enquanto mostrava um slide. “Mas sem
dúvida há alguns temas.” Fora o fato de ter ficado mexendo num lápis, ele
conseguiu esconder o nervosismo. Musk escutou em silêncio e assentiu com
a cabeça. “São basicamente as partes que precisam de maquinário de alta
precisão, como bombas e carenagem”, prosseguiu Hughes. “Temos que
cortar o máximo de maquinário possível.” Musk começou a sorrir. Esse era
um dos objetivos dele. Musk fez algumas perguntas específicas sobre o uso
de cobre e o melhor jeito de selar e fazer furos. Já não era um interrogatório
ou um confronto. Musk estava interessado em saber as respostas.
“Estamos investigando algumas técnicas que as fábricas de automóveis
usam para manter esses custos baixos”, prosseguiu Hughes. Ele também
tinha montado um slide que mostrava como eles estavam aplicando o
algoritmo de Musk a cada uma das peças. Colunas exibiam quais
especificações haviam sido questionadas, quais peças tinham sido deletadas
e o nome da pessoa encarregada de cada componente.
“Devíamos perguntar a cada um para ver se eles podem reduzir o custo
da peça pela qual são responsáveis em 80%”, sugeriu Musk, “e, se eles não
conseguirem, devíamos pensar em pedir que saiam caso exista outra pessoa
capaz de fazer isso”.
No fim da reunião, eles tinham um mapa que mostrava como fazer com
que o custo de cada propulsor baixasse de 2 milhões para 200 mil dólares
dentro de doze meses.
Depois dessas reuniões, falei à parte com Shotwell e pedi que ela
avaliasse como Musk tinha tratado Hughes. Ela se importa com a dimensão
humana que Musk ignora. “Ouvi dizer que o Lucas perdeu o primeiro filho
faz umas sete semanas”, disse ela, com a voz mais baixa. “O bebê teve
problemas no parto e nunca chegou a sair do hospital.” A impressão de
Shotwell era a de que aquele fora o motivo para Hughes estar confuso e
menos preparado do que o normal. Considerando que Musk teve um
problema semelhante quando seu primeiro bebê morreu, deixando-o de luto
por meses, sugeri a Shotwell que ele devia conseguir entender a dor. “Eu
ainda não contei para o Elon”, falou ela.
Não mencionei isso a Musk quando conversamos mais tarde naquele dia,
porque Shotwell tinha me dito que era confidencial, mas perguntei se ele
achava ter sido duro demais com Hughes. Musk me olhou meio sem
expressão, como se não tivesse certeza sobre o que eu estava falando. Depois
de algum silêncio, ele me deu uma resposta vaga. “Eu dou um feedback
duro para as pessoas, basicamente correto, e tento não fazer isso de maneira
ad hominem”, diz ele. “Tento criticar a ação, não a pessoa. Todo mundo
comete erros. O que importa é se a pessoa evolui com o feedback, se é capaz
de pedir críticas a outros colegas e se pode melhorar. A física não se importa
com sentimentos feridos. Ela quer saber se você fez o foguete direito.”

A lição de Lucas
Um ano depois, decidi ver o que tinha acontecido com as duas pessoas que
Musk tinha criticado no verão de 2021, Lucas Hughes e Andy Krebs.
Hughes se lembrava nitidamente de cada momento. “Musk ficava
insistindo comigo sobre os custos da tampa da injeção”, diz. “Ele estava
certo sobre o custo da matéria-prima, e na hora eu não consegui explicar
direito os outros custos.” Quando Musk continuou interrompendo o que ele
dizia, Hughes recorreu ao treinamento como ginasta.
Ele fora criado em Golden, no Colorado, e era apaixonado por ginástica.
Desde os 8 anos, treinava trinta horas por semana. A ginástica ajudou
Hughes a ter um alto rendimento acadêmico. “Eu era superatento aos
detalhes, supercompetitivo, dedicado e disciplinado”, comenta. Em
Stanford, ele competiu em todas as seis modalidades masculinas, o que
exigiu treinamento ao longo do ano todo, ao mesmo tempo que cursava
engenharia e finanças. A aula favorita dele se chamava construindo o futuro
com materiais de engenharia. Quando se formou, em 2010, ele foi trabalhar
na Goldman Sachs, mas queria fazer algo mais próximo da engenharia de
verdade. “Eu era um nerd que adorava coisas espaciais quando criança”, diz,
de modo que ele se candidatou quando soube que a SpaceX tinha anunciado
uma vaga de analista financeiro. Hughes foi trabalhar lá em dezembro de
2013.
“Quando o Elon estava me dando aquela bronca, eu me concentrei muito
em tentar manter a compostura”, revela ele. “A ginástica te ensina a manter
a calma em situações de muita pressão. Eu só estava tentando manter a
calma e não desabar.”
Após a segunda reunião, quando já tinha todas as informações sobre o
“índice de idiotice” na ponta da língua, ele nunca mais teve problemas com
Musk. Sempre que surgiam questões relativas a custos em reuniões
posteriores sobre o Raptor, Musk costumava perguntar o que Hughes
achava, e o chamava pelo nome. Por acaso, Musk reconhecia que tinha
passado por cima dele como um trator? “Essa é uma boa pergunta”,
responde Hughes. “Não faço ideia. Não sei se ele internaliza essas reuniões
ou se lembra delas. Só sei que, depois disso, ele ao menos sabia o meu
nome.”
Pergunto se Hughes estava distraído na primeira reunião em função da
morte da filha. Ele faz uma pausa, talvez surpreso por eu saber disso, e
depois pede que eu não mencione isso no livro. Uma semana depois, porém,
ele me mandou um e-mail. “Conversei com a minha esposa, e não tem
problema se você contar a história.” Apesar da crença de Musk de que todo
feedback deve ser impessoal, às vezes as coisas são, na verdade, pessoais.
Shotwell entende isso. “Gwynne definitivamente se importa com as pessoas,
e acho que é importante que ela exerça esse papel na empresa”, opina
Hughes. “Elon se importa muito com a humanidade, mas com a
humanidade num sentido bem mais amplo.”
Tendo passado doze anos compenetrado em treinos de ginástica, Hughes
gostava da mentalidade superdedicada de Musk. “Ele está disposto a
simplesmente se jogar por completo nessa missão, e é isso o que ele espera
dos outros”, fala. “Isso tem um lado bom e um lado ruim. Você certamente
percebe que está sendo usado como ferramenta para atingir esse objetivo
maior, e isso é ótimo. As ferramentas, porém, ficam gastas, e ele acha que
pode simplesmente substituí-las.” Na verdade, como ele demonstrou ao
comprar o Twitter, Musk não vê as coisas assim. Ele acha que quando as
pessoas querem priorizar o conforto e o lazer, elas devem sair.
Foi o que Hughes fez em maio de 2022. “Trabalhar para o Elon é uma
das coisas mais empolgantes que você pode fazer, mas não sobra tempo para
mais nada na vida”, confessa ele. “Às vezes isso compensa. Se o Raptor se
tornar o propulsor mais acessível já criado e nos levar a Marte, os danos
colaterais vão ter valido a pena. Foi nisso que eu acreditei por mais de oito
anos. Mas agora, principalmente depois da morte de nosso bebê, é hora de
eu me concentrar em outras coisas na vida.”

A lição de Andy
Andy Krebs lidou de outra forma, pelo menos no começo. Assim como
Hughes, ele fala com tranquilidade e é naturalmente gentil, com uma
covinha no queixo e um sorriso largo, mas não fica tão à vontade quanto
Mark Juncosa e Kiko Dontchev quando vira alvo durante uma conversa com
Musk. Num encontro preparatório para uma reunião em que a equipe
discutia quem iria apresentar certos dados desagradáveis sobre vazamento de
metano, Krebs disse que não estaria presente, então Juncosa começou a
balançar os cotovelos e a cacarejar, querendo dizer que ele era covarde. No
entanto, Krebs tem moral com Juncosa e outras pessoas na Starbase, pois
acham que ele se saiu bem quando Musk o usou como alvo no incidente da
torre de lançamento que deu início à onda de trabalho.
Musk frequentemente se repete em reuniões. Em parte, o objetivo é dar
ênfase; em parte, é só uma invocação de um mantra, como num transe.
Krebs aprendeu que um modo de tranquilizá-lo era repetir o que ele dizia.
“Musk quer ter certeza de que você escutou”, comenta ele. “Então, aprendi a
repetir o feedback dele. Se ele diz que as paredes deviam ser amarelas, eu
digo: ‘Entendi, isso não deu certo, vamos pintar as paredes de amarelo.’”
O método funcionou naquela noite na torre de lançamento. Embora
Musk às vezes pareça não perceber como as pessoas estão reagindo, ele pode
ser bom em determinar quem é capaz de lidar com situações difíceis. “Eu
acho, na verdade, que o Krebs sabia que tinha feito besteira”, diz Musk. “A
reação dele ao feedback foi boa. Consigo trabalhar com as pessoas se elas
têm uma reação boa a feedbacks importantes.”
Como resultado, perto da meia-noite de uma sexta-feira, poucas semanas
depois da onda, Musk ligou para Krebs e deu a ele novas atribuições em
Boca Chica, entre as quais a tarefa importantíssima de colocar os
propelentes nos motores. “Ele vai reportar diretamente a mim”, escreveu
Musk num e-mail para a equipe. “Por favor, deem a ele todo o apoio
possível.”
Certo domingo, poucos meses depois, quando a Starship estava
novamente sendo montada na torre de lançamento, o vento aumentou e
alguns dos funcionários não quiseram subir até o topo da torre, onde havia
trabalho a ser feito, como a remoção do revestimento e a feitura das
conexões necessárias. Por isso, o próprio Krebs subiu e começou a fazer o
trabalho. “Eu precisava garantir que todos os funcionários continuassem
motivados”, fala ele. Perguntei se ele tinha feito isso por ter sido inspirado
por Musk, que gostava de ser um general na frente de batalha, ou se fora
por medo. “É como Maquiavel ensinava”, respondeu Krebs. “Você precisa
sentir medo e amor pelo líder. As duas coisas.”
Essa atitude sustentou Krebs por mais dois anos. Contudo, no início de
2023, ele se tornou mais um refugiado da estratégia superintensa de Musk.
Depois de se casar e ter um filho, decidiu que era hora de seguir em frente e
encontrar um equilíbrio melhor entre trabalho e vida pessoal.
capítulo 60
Onda solar
Verão de 2021

Inspecionando uma instalação de telhado solar juntamente com Brian Dow na


ponta direita
Os surtos de Musk são sequenciais. Depois da onda de trabalho na
montagem da Starship no verão de 2021, o próximo grupo na linha de fogo
dele era a equipe dos telhados solares.
Musk havia ajudado os primos Peter e Lyndon Rive a lançar a SolarCity
em 2006, e salvou a empresa dez anos depois ao fazer a Tesla comprá-la por
2,6 bilhões de dólares. Isso provocou uma ação judicial coletiva dos
acionistas da Tesla, o que fez Musk ficar obcecado em tirar o máximo do
negócio para poder justificar a aquisição na Justiça. Ele demitiu os primos,
que haviam se concentrado na venda de porta em porta em vez de fazer um
bom produto. “Eu odeio meus primos”, disse a Kunal Girotra, um dos
quatro chefes da Tesla Energy que ele contratou e demitiu ao longo dos
cinco anos seguintes. “Não acho que eu vá falar com eles de novo.”
Musk contratava chefes, exigia uma taxa de crescimento milagrosa na
instalação dos telhados, dava prazos insanos para que isso fosse feito e
demitia os chefes quando fracassavam.
Girotra foi substituído por um capitão reformado do Exército norte-
americano de queixo quadrado chamado RJ Johnson, que contratou
supervisores sem frescura para gerir as equipes de instalação. No início de
2021, quando o número de instalações não estava crescendo rápido o
suficiente, Musk chamou Johnson e deu o ultimato de costume. “Você tem
duas semanas para consertar isso. Demiti meus primos e vou demitir você se
não conseguir fazer as instalações dez vezes mais rápido.” Johnson não
conseguiu.
Depois veio Brian Dow, um guerreiro feliz com um entusiasmo de quem
achava que conseguiria fazer tudo e que havia trabalhado ao lado de Musk
durante a onda de produção na fábrica de baterias de Nevada em 2017. Ele
começou bem. Musk, sentado diante da pequena mesa na sua sala de estar
em Boca Chica, telefonou para Dow na Califórnia para falar sobre o que
queria. “Não se preocupe com as táticas de vendas, que foram um erro dos
meus primos”, disse. “Produtos incríveis crescem no boca a boca.” O
objetivo principal era fazer um excelente telhado solar que fosse fácil de
instalar.
Como sempre, ele invocou para Dow os passos do algoritmo e procedeu
mostrando como deveriam ser aplicados ao telhado solar. “Questione todas
as especificações.” Eles deveriam questionar sobretudo a exigência de que os
instaladores devem desviar de cada tubo de ventilação e chaminé da casa. Os
tubos para secadoras e ventiladores deveriam ser simplesmente cortados fora
e as telhas, colocadas em cima deles, sugeriu. O ar ainda conseguiria passar
sob as telhas. “Delete.” O sistema de telhado tinha 240 peças diferentes, de
parafusos a braçadeiras para trilhos. Mais da metade deveria ser eliminada.
“Simplifique.” O site deveria oferecer só três tipos de telhado: pequeno,
médio e grande. Depois disso, a meta era “acelerar”. Instalar o máximo de
telhados possível por semana.
Musk decidiu que precisava descobrir com os instaladores o que poderia
ser feito para acelerar as coisas. Então, certo dia em agosto de 2021, ele
disse a Dow que fosse a Boca Chica com uma equipe que pudesse instalar
um telhado em uma das 31 casas do conjunto habitacional na subdivisão
vizinha à Starbase, onde ele morava.
Enquanto os trabalhadores de Dow corriam para ver se podiam instalar
um telhado em um dia, Musk passou a tarde na sala de conferências
revisando os desenhos para futuros foguetes e motores. Como sempre, as
reuniões duraram mais do que o previsto, com Musk propondo novas ideias
e permitindo que as conversas saíssem pela tangente. Dow esperava que
Musk chegasse ao local antes do pôr do sol, mas já eram quase nove da
noite quando ele finalmente entrou no Tesla, dirigiu até a casa dele para
pegar X e então o levou nos ombros por uma quadra até onde os
instaladores estavam trabalhando.
Mesmo àquela hora, fazia 34ºC e a noite estava abafada. Oito
trabalhadores suados espantavam mosquitos enquanto tentavam manter o
equilíbrio em cima do telhado da casa, que estava sendo iluminada por
holofotes. Enquanto X brincava entre os fios e equipamentos embaixo,
Musk subiu por uma escada até o topo do telhado, onde ficou em pé
precariamente. Ele não estava feliz. Disse que havia prendedores demais.
Cada um precisava ser pregado, o que aumentaria o tempo de instalação.
Musk insistiu que metade deveria ser eliminada. “Em vez de dois pregos em
cada pé, tente com um só”, mandou. “Se passar um furacão, a vizinhança
toda está ferrada, então quem se importa? Um prego só está bom.” Alguém
reclamou e argumentou que isso poderia causar infiltrações. “Não precisa ser
tão impermeável quanto um submarino”, falou ele. “Minha casa na
Califórnia tinha infiltrações. Algo que fique entre uma peneira e um
submarino deve funcionar.” Por um instante, Musk riu antes de voltar à
intensidade sombria que lhe era própria.
Nada era um mero detalhe. As telhas e as grades eram enviadas para os
locais em embalagens de papelão. Isso era desperdício. Levava tempo para
empacotar e depois desembalar as coisas. Livrem-se do papelão, decretou
ele, até mesmo nos armazéns. Os funcionários deveriam enviar fotos das
fábricas, dos armazéns e dos locais de instalação para ele a cada semana,
para mostrar que não estavam mais usando papelão.
O rosto de Musk ficou cada vez mais fechado e sombrio, como os céus
que prenunciam uma tempestade vinda do golfo. “Precisamos trazer os
engenheiros que projetaram esse sistema aqui para que vejam como é difícil
de instalá-lo”, disse com raiva. Depois, explodiu: “Quero ver os próprios
engenheiros instalando isso aqui. E não apenas por cinco minutos. Quero
vê-los em pé em cima do telhado por dias, dias!” Ele decretou que, no
futuro, todo mundo em uma equipe de instalação, até mesmo os
engenheiros e gerentes, tinham que passar tempo furando e pregando e
suando como os outros trabalhadores.
Quando finalmente voltamos para o chão, Brian Dow e seu assessor,
Marcus Mueller, reuniram uma dezena de engenheiros e instaladores ao
lado do jardim para ouvir as ideias de Musk. Não foi agradável. Ele quis
saber por que levava oito vezes mais tempo para instalar um telhado solar do
que um com telhas normais. Um dos engenheiros, chamado Tony, começou
a mostrar para Musk os fios e as partes eletrônicas. Musk já conhecia o
funcionamento de cada componente, e Tony cometeu o erro de parecer
confiante e condescendente. “Quantos telhados você instalou?”, perguntou
Musk para ele.
“Tenho vinte anos de experiência no ramo de telhados”, respondeu Tony.
“Mas quantos telhados solares você já instalou?”, insistiu Musk.
Tony explicou que era um engenheiro, por isso não tinha estado em um
telhado fazendo a instalação. “Então você não sabe do que está falando”,
disse Musk. “É por isso que os seus telhados são uma merda e levam tanto
tempo para serem instalados.”
Por mais de uma hora, a raiva de Musk fluiu e refluiu, mas
principalmente refluiu. Se eles não descobrissem maneiras de instalar os
telhados mais rápido, a divisão Tesla Energy continuaria perdendo dinheiro
e ele iria fechá-la. Isso seria um revés não só para a Tesla, mas também para
o planeta, segundo ele. “Se fracassarmos”, disse Musk, “não vamos ter um
futuro de energia sustentável”.
Dow, ansioso por agradar, concordou fervorosamente com cada
declaração. Eles haviam estabelecido um recorde na semana anterior ao
instalar 74 telhados em todo o país. “Não é o suficiente”, declarou Musk.
“Precisamos multiplicar isso por dez.” Depois, caminhou uma quadra de
volta para a sua pequena casa, e parecia irritado. Quando chegou à porta da
frente, se virou e disse: “Reuniões de telhados solares são como facas nos
meus olhos.”
No dia seguinte, ao meio-dia, a temperatura chegou a 36ºC na sombra
— e não havia sombra. Dow e os instaladores estavam em cima de uma casa
que ficava ao lado daquela em que eles tinham feito uma instalação no dia
anterior. Dois dos instaladores sucumbiram ao calor e começaram a vomitar,
de modo que Dow os mandou para casa. Alguns dos que ficaram colocaram
ventiladores nos coletes de segurança. Por instrução de Musk, eles estavam
usando apenas um prego para cada telha, mas sem sucesso. As telhas saíam
do lugar e se viravam. Então, a equipe voltou a usar dois pregos. Perguntei a
Musk se aquilo o irritaria, e ele me assegurou de que, se lhe mostrassem
evidências físicas, ele mudaria de opinião.
Eles tinham razão. Quando Musk chegou, às nove da noite, mostraram a
ele por que precisavam do segundo prego, e ele concordou. Fazia parte do
algoritmo: se não tiver que recolocar 10% das peças que eliminou, então
você não eliminou o bastante. Ele estava mais de bom humor na segunda
noite, em parte porque o processo de instalação melhorou e em parte porque
o humor dele muda muito. Depois da tempestade vem a bonança. “Bom
trabalho, pessoal”, elogiou Musk. “Vocês deveriam cronometrar cada passo.
Isso vai tornar tudo mais divertido, como um jogo.”
Perguntei sobre a raiva dele na noite anterior. “Não é minha maneira
favorita de resolver as coisas, mas funciona”, comentou. “As melhorias de
ontem para hoje foram gigantescas. A grande diferença é que hoje os
engenheiros estão realmente no telhado instalando em vez de ficarem
apenas diante do teclado.”

***
A disposição de Brian Dow nunca diminuiu. “Sou a pessoa que vai
literalmente varrer o chão se isso for ajudar a empresa”, disse ele para Musk.
Apesar disso, ele tinha uma tarefa impossível. O negócio de instalar
telhados solares exige muito trabalho, e não dá para ser feito em escala.
Musk era um mestre em desenhar fábricas que poderiam reduzir o custo dos
produtos físicos ao produzi-los em quantidades cada vez maiores, mas o
custo de cada instalação de telhado não se altera se você instalar dez ou cem
por mês. Musk não tinha paciência para esse tipo de empreendimento.
Apenas três meses depois de contratá-lo para dirigir o negócio de
telhados solares da Tesla, Musk convocou Dow de volta a Boca Chica. Era
aniversário de Dow, e ele tinha planejado ficar com a família, mas correu
para ir até lá. Quando perdeu a conexão em Houston, alugou um carro,
dirigiu seis horas pela costa do Texas e chegou às onze da noite. Uma equipe
estava refazendo o telhado na mesma casa em que havíamos estado em
agosto, dessa vez com novos métodos e componentes. Quando Dow
chegou, Musk estava em pé no topo do telhado, e as coisas pareciam estar
correndo bem o bastante. “A equipe está indo bem usando nossos novos
métodos”, diz Dow. “Estavam terminando a instalação em apenas um dia.”
No entanto, quando Dow subiu e se juntou a ele no topo, Musk começou
a questioná-lo sobre valores. Dow é um homem grande, maior do que
Musk, e eles estavam com dificuldade para se manter em pé no telhado,
escorregadio devido à maresia. Então, eles se sentaram no topo enquanto
Dow revisava as cifras em seu iPhone. O queixo de Musk endureceu
quando ele viu quanto dinheiro estavam perdendo em cada telhado
instalado. “Você precisa cortar custos”, falou. “Tem que me mostrar um
plano na semana que vem para reduzir os custos pela metade.” Assim como
antes, Dow demonstrou entusiasmo. “Ok, vamos nessa”, falou. “Vamos
arrasar e reduzir custos.”
Ele passou todo o fim de semana trabalhando em um plano de corte de
custos para apresentar para Musk na segunda. Contudo, assim que a reunião
começou, Musk mudou de assunto e questionou Dow sobre quantas
instalações haviam sido concluídas na semana anterior e pediu detalhes
sobre a redistribuição de pessoal. Dow não tinha algumas das respostas, e
reclamou que estava trabalhando desde o aniversário dele no plano para
reduzir custos, não nos detalhes sobre os quais Musk o questionava agora.
“Obrigado por tentar”, disse Musk finalmente, “mas não está dando certo”.
Dow levou um minuto para perceber que estava sendo demitido. “Foi a
demissão mais estranha que você pode imaginar”, comentou Dow depois.
“Já tínhamos passado por muitas coisas juntos, e no fundo Elon sabe que
tenho algo de especial. Ele sabe que dou conta do recado, porque já fizemos
isso no passado, na fábrica de baterias de Nevada. Mas ele achava que eu
estava perdendo o jeito, apesar de eu ter perdido meu aniversário com
minha família para estar em cima daquele telhado com ele.”
Após a saída de Dow, Musk ainda não havia conseguido acertar os
números. Um ano depois, a Tesla Energy estava instalando cerca de trinta
telhados por semana, muito longe dos mil telhados que Musk ficava
insistindo que fizessem. Todavia, o fervor em resolver o problema cedeu em
abril de 2022, quando um tribunal em Delaware decidiu a favor de Musk
em um processo pela compra da SolarCity pela Tesla. Com aquela ameaça
encerrada, ele não se sentia mais tão desesperado assim para mostrar que a
aquisição fazia sentido do ponto de vista das finanças.
capítulo 61
Luzes apagadas
Verão de 2021

Com Maye, no palco do Saturday Night Live, e com Grimes em uma festa
Saturday Night Live
“A quem quer que eu tenha ofendido, só quero dizer que reinventei os carros
elétricos e estou enviando pessoas a Marte num foguete espacial. Você acha
que eu seria um cara tranquilo, normal?” Musk sorriu timidamente
enquanto fazia o monólogo de abertura como apresentador convidado do
Saturday Night Live. Alternando o peso de uma perna para outra, ele estava
fazendo um trabalho passável ao tentar transformar estranheza em charme.
Este era o objetivo dele: mostrar-se que estava consciente das próprias
limitações emocionais. Com a ajuda da capacidade infalível do produtor
Lorne Michaels de fazer um convidado se sair bem, Musk usou a
participação como anfitrião em maio de 2021 para suavizar sua imagem.
“Na verdade, estou entrando para a história esta noite como a primeira
pessoa com Asperger a apresentar o SNL — ou pelo menos a primeira a
admitir isso”, disse. “Não vou fazer muito contato visual com o elenco aqui
hoje, mas não se preocupem, sei fazer o modo ‘humano’ do meu emulador
funcionar muito bem.”
Era Dia das Mães, então Maye teve a chance de subir ao palco. No
ensaio, na sexta-feira, ela leu os cartazes com as falas e disse: “Isso não é
engraçado.” Então recebeu permissão para improvisar algumas falas, e fez
isso. “Deixamos mais real e engraçado”, opina ela. Grimes também
apareceu, em um quadro inspirado no jogo Super Mario Bros. Uma ideia que
eles ensaiaram, em que a piada era com alguns dos tuítes antiwoke de Musk,
envolvia-o representando um James Bond totalmente woke, mas não
funcionou, e essa parte foi cortada do programa.
A festa pós-programa aconteceu na badalada casa de shows de Ian
Schrager, o Public Hotel, que estava fechada por causa da covid, mas
reabriu só para o evento. Chris Rock, Alexander Skarsgård e Colin Jost
estavam lá junto com Grimes, Kimbal, Tosca e Maye. Elon foi embora por
volta das seis da manhã e rumou, com Kimbal e algumas outras pessoas,
para a casa de Tim Urban, o blogueiro, onde ficou acordado por mais
algumas horas conversando. “Ele é um cara tão nerd que na infância não
sabia cair na farra”, diz Maye, “mas agora já compensou isso”.
Aniversário de 50 anos
Musk costumava comemorar seus aniversários com festas à fantasia
elaboradas. Principalmente as que Talulah Riley coreografava. Entretanto,
quando chegou ao marco de 50 anos, em 28 de junho de 2021, ele havia
acabado de se submeter à terceira cirurgia no pescoço para aliviar a dor da
lesão que sofrera ao tentar derrubar um lutador de sumô na festa de
aniversário de 42 anos. Então, decidiu fazer só uma reunião tranquila com
amigos próximos em Boca Chica.
No trajeto de saída do aeroporto de Brownsville, Kimbal comprou a
maioria dos fogos de artifício em uma banca de beira de estrada, os quais
disparou com os filhos mais velhos de Elon, Griffin, Kai, Damian e Saxon.
Eram fogos de artifício de verdade, não pequenos e fracos foguetes de
garrafa, porque, como Kimbal explica, “no Texas você pode fazer o que
quiser”.
Além da dor no pescoço, Musk estava exausto do trabalho. Ele havia
passado o dia andando pelas tendas de produção em Boca Chica, onde se
irritou com a complexidade da seção que ligava o foguete auxiliar da
Starship com a espaçonave de segundo estágio. “Há tantas aberturas na
cobertura que parece um queijo suíço!”, reclamou ele em um e-mail para
Mark Juncosa. “O tamanho dos buracos para antenas deveria ser mínimo —
só o suficiente para passar o fio. Todas as cargas e outras exigências de
design devem ter um nome individual atribuído a elas. Nada de design
coletivo.”
Durante boa parte do fim de semana de aniversário, os amigos dele o
deixaram sozinho para que pudesse dormir. Quando finalmente acordou,
reuniu todo mundo para um jantar no Flaps, o restaurante para funcionários
que a SpaceX havia construído perto da base de lançamento. Depois, todos
foram para a pequena casa dele e se reuniram no estúdio ainda menor, que
ficava na cabana no quintal em que Grimes trabalhava. Havia apenas
almofadões no chão, e eles simplesmente ficaram ali, Musk deitado no chão
com uma almofada sob o pescoço, e conversaram até o dia raiar.

Burning Man 2021


Para Elon e Kimbal, ir ao Burning Man — o imenso festival de arte e
autoexpressão que acontece no fim do verão no deserto de Nevada — era,
desde o fim dos anos 1990, um ritual espiritual importante e uma chance
para criar vínculos, dançar e festejar em um acampamento com Antonio
Gracias, Mark Juncosa e outros amigos. Depois que o evento foi cancelado
em 2020 por causa da covid, Kimbal assumiu o papel de captar recursos para
garantir que ele voltaria no fim do verão de 2021. Elon concordou em
colaborar com 5 milhões de dólares, com a condição de que Kimbal entrasse
para o conselho.
Na primeira reunião, em abril de 2021, Kimbal ficou chocado ao ver que
o conselho tinha decidido cancelar o evento daquele verão também. “Vocês
estão brincando?”, perguntava repetidas vezes. Ele e alguns dos outros
baluartes do Burning Man organizaram um “Renegade Burn” não
autorizado no mesmo local. Cerca de 20 mil participantes, em vez dos
tradicionais 80 mil, apareceram, mas isso conferiu ao evento um clima
intimista e rebelde, igual ao que o festival tinha nos primórdios. Como o
festival não tinha alvará, eles não podiam fazer a enorme fogueira ritual em
que se queimava uma efígie de madeira que dá nome ao festival, de modo
que Kimbal trabalhou com um amigo para reproduzir o visual do homem
em chamas usando luzes de drones. “Esta é uma experiência religiosa para
uma comunidade leal”, disse Kimbal. “O homem deve ser queimado! E
queimou.”
Elon foi apenas para a noite de sábado e ficou no acampamento de
Kimbal, situado em volta de uma tenda em formato de lótus que tinha
espaço para quarenta pessoas dançarem ou apenas ficarem por lá. Como
costumava ser o caso, desencadeou-se uma crise — dessa vez, reuniões sobre
problemas na cadeia de suprimentos da Tesla —, o que servia de desculpa
para ele não tirar muito tempo de folga.
Grimes foi com Elon, mas o relacionamento não andava bem. Os
romances dele frequentemente envolviam uma quantidade enorme e nada
saudável de mesquinhez mútua, e com Grimes não foi diferente. Às vezes
ele parecia prosperar na tensão, e exigia que Grimes fizesse coisas como
constrangê-lo por estar gordo. Quando chegaram ao Burning Man, os dois
entraram no trailer deles e não saíram por horas. “Eu te amo, mas não te
amo”, disse Musk a ela. Grimes respondeu que se sentia da mesma forma.
Eles estavam esperando outro filho via barriga de aluguel para o fim do ano,
e concordaram que seria mais fácil para ambos ser pai e mãe se não
estivessem envolvidos romanticamente, de modo que terminaram.
Grimes depois expressou seus sentimentos em uma música na qual estava
trabalhando, “Player of Games”... Um título adequado em muitos níveis
para o maior de todos em jogos de estratégia:

If I loved him any less


I’d make him stay
But he has to be the best
Player of games...
I’m in love with the greatest gamer
But he’ll always love the game
More than he loves me
Sail away
To the cold expanse of espace
Even love
Couldn’t keep you in your place*

Met Gala, setembro de 2021


O término com Grimes não durou muito, ou pelo menos não totalmente.
Em vez de terminar, o relacionamento deles se tornou uma montanha-russa
de companheirismo, criação conjunta de filhos, fuga da solidão,
estabelecimento de limites, afastamento, bloqueios, mensagens sem
respostas e reencontros.
Algumas semanas depois do Burning Man, eles foram do sul do Texas
para Nova York com a finalidade de participar do Met Gala, o espetáculo
extravagante de fantasias que Grimes adorava. Eles ficaram com Maye no
pequeno apartamento dela em Greenwich Village. Musk havia acabado de
enviar seu avião para buscar um recém-comprado cachorro shiba inu — raça
que é o rosto da criptomoeda Dogecoin — chamado Floki. Ele também
levou seu outro cachorro, Marvin, que não se dava bem com Floki. Nenhum
dos dois era adestrado. O apartamento de dois quartos de Maye virou uma
arena.
A roupa que Grimes preparou para o baile era uma homenagem a Duna,
o livro de ficção científica adaptado em filme: um vestido transparente com
capa preta, uma máscara prateada e uma espada. Musk não deixara claro se
iria ou não, e, numa decisão nada surpreendente, encontrou uma desculpa
de trabalho para evitar chegar no início da festa. Um foguete Falcon 9
estava sendo lançado naquela noite, e uma confusão burocrática causara um
atraso na obtenção de permissão para a espaçonave reentrar no espaço aéreo
indiano. Isso foi resolvido de pronto e provavelmente não exigia a atenção
dele, mas Musk amava se jogar nos dramas do trabalho, grandes ou
pequenos.
Depois do baile, ele e Grimes deram uma festa no badalado clube Zero
Bond, no bairro de NoHo, em Manhattan. Leonardo DiCaprio e Chris
Rock estavam entre as celebridades presentes. Contudo, durante a maior
parte da festa, Musk ficou na sala dos fundos, fascinado pelos truques de um
mágico. “Fui chamar o Elon para ir lá na frente cumprimentar as pessoas,
mas ele queria ficar vendo o mágico”, disse Maye.
Tendo alcançado o auge da fama no verão de 2021, Musk achou a
situação empolgante, mas estranha. No dia seguinte, eles foram ver uma
instalação que Grimes havia feito como parte de uma badalada exposição
audiovisual no Brooklyn, que apresentava uma animação na qual ela
representava uma ninfa guerreira que vivia em um futuro distópico. De lá,
rumaram direto para o jato de Musk e voaram até Cabo Canaveral para
acompanhar a tentativa da SpaceX de ser a primeira empresa privada a
lançar civis no espaço. A realidade dele era capaz de superar a fantasia.

* “Se eu o amasse menos/ Faria com que ele ficasse/ Mas ele tem que ser o melhor/ Jogador/ Estou
apaixonada pelo maior jogador/ Mas ele sempre vai amar o jogo/ Mais do que me ama/ Navegue para
longe/ Para a fria imensidão do espaço/ Nem mesmo o amor/ Conseguiu te segurar aqui.” [N. da T.]
capítulo 62
Inspiration4
SpaceX, setembro de 2021

Jared Isaacman, e Musk com Hans Koenigsmann


Os voos de julho de 2021 de Branson e Bezos haviam levantado uma
questão. Musk iria seguir esse caminho e se tornar o terceiro bilionário a se
lançar no espaço? Apesar de ter um apetite voraz por atenção e aventuras
arriscadas, ele nunca cogitou a ideia. Musk insistia que a missão dele tinha a
ver com a humanidade, não consigo mesmo, o que soava grandioso, mas não
era bem verdade. A ideia de que foguetes eram brinquedos de meninos
bilionários ameaçava deixar as pessoas com má impressão acerca das viagens
de cidadãos comuns ao espaço.
Em vez disso, para o primeiro voo civil da SpaceX, ele escolheu Jared
Isaacman, um empreendedor da área de tecnologia e piloto de avião
discreto, que aparentava a humildade calma de um aventureiro de queixo
quadrado respeitado em tantos campos que não precisava mais ser
imprudente. Isaacman havia largado a escola no ensino médio, aos 16 anos,
para trabalhar em uma empresa de processamento de pagamentos, e depois
fundou uma empresa, a Shift4 Payments, que movimentava mais de 200
bilhões de dólares em pagamentos todos os anos para restaurantes e redes
hoteleiras. Ele se tornou um piloto bem-sucedido, que fazia shows aéreos e
conquistara um recorde mundial ao dar a volta ao mundo num jato leve em
62 horas. Depois, cofundou uma empresa que tinha 150 jatos e realizava
treinamentos para empreiteiras militares e de defesa.
Isaacman comprou da SpaceX o direito de comandar um voo de três dias
— chamado Inspiration4 — que se tornaria a primeira missão orbital
privada da história. O propósito dele era arrecadar dinheiro para o St. Jude
Children’s Research Hospital em Memphis, e ele convidou uma
sobrevivente de câncer nos ossos de 29 anos, Hayley Arceneaux, para se
juntar à equipe, junto com outros dois civis.
Uma semana antes da data programada para o lançamento, Musk fez
uma reunião por telefone com a equipe da SpaceX para se prepararem.
Como era comum em missões tripuladas, ele fez o discurso-padrão sobre
segurança. “Quero que qualquer um com preocupações ou qualquer
sugestão escreva diretamente para mim”, disse.
No entanto, ele sabia que grandes aventuras envolviam riscos, e sabia
também — assim como Isaacman — que para aventureiros era importante
correr riscos. No início da ligação, eles abordaram um risco que havia se
tornado público. “Há um risco sobre o qual queremos informá-lo”, falou um
dos gerentes de voo para Musk. “Estamos planejando voar mais alto do que
uma missão típica até a estação espacial e do que a maioria das outras
experiências em voo espacial tripulado.” De fato, a cápsula Dragon, da
SpaceX, iria orbitar a uma altitude de 364 milhas (585 quilômetros). Essa
era a órbita mais alta para qualquer equipe humana desde a missão que o
ônibus espacial fez para atender ao telescópio espacial Hubble em 1999. “O
risco de colidir com detrito orbital é realmente grande”, afirmou o gerente.
Detrito orbital é o lixo que flutua pelo espaço, oriundo de naves espaciais
e satélites desativados e outros objetos feitos por humanos. Na época do
lançamento da Inspiration4, havia 129 milhões de objetos no espaço que
eram pequenos demais para serem rastreados. Muitas espaçonaves haviam
sido danificadas por eles. A enorme altitude da missão piorava a situação: o
lixo e os detritos persistem por mais tempo em altitudes maiores, nas quais
há menos arrasto para queimá-los ou derrubá-los na Terra. “Receamos que a
penetração de algum detrito na cabine ou alguma avaria nos escudos
térmicos possa comprometer o veículo durante a reentrada”, declarou o
responsável.
Hans Koenigsmann, que Musk queria que se aposentasse, havia sido
substituído como vice-presidente de segurança de voo por Bill
Gerstenmaier, um ex-oficial casca-grossa da NASA conhecido como Gerst.
Ele descreveu para Musk a recomendação da equipe de segurança para
reduzir o risco: mudar a maneira como a cápsula Dragon fica posicionada
enquanto orbita a Terra, o que diminuiria a exposição aos detritos. Uma
mudança excessiva faria os radiadores esfriarem demais, mas eles haviam
chegado a um consenso sobre como equilibrar os dois riscos. Com a posição
original, o risco de colisão com detritos era de 1 em 700. A nova posição
reduziria o risco para 1 em 2 mil. Nesse quesito, porém, ele mostrou um
slide com um alerta grave: “Há uma incerteza significativa quanto ao risco
previsto.” Musk aprovou o plano.
Gerstenmaier prosseguiu observando que havia uma abordagem ainda
mais segura: voar mais baixo. “Há órbitas potenciais em altitudes mais
baixas”, disse, “incluindo descer para 190 quilômetros”. Eles já haviam
determinado como atingir essa altura reduzida e chegar ao local de pouso
como planejado.
“Por que não vamos fazer isso?”, perguntou Musk.
“O cliente quer ir mais alto do que a Estação Espacial Internacional”,
explicou Gerstenmaier, referindo-se a Isaacman. “Ele realmente quer ir o
mais alto que puder. Nós o informamos a respeito dos detritos orbitais. Ele
e a equipe entendem o risco e o aceitam.”
“Certo, ótimo”, respondeu Musk, que respeitava pessoas dispostas a
correr riscos. “Acho que é justo, desde que ele esteja informado de tudo.”
Depois, quando perguntei por que ele não havia optado pela altitude
mais baixa, Isaacman disse: “Se vamos voltar à Lua e ir a Marte, temos que
sair um pouco de nossa zona de conforto.”

***

A última vez que civis haviam sido lançados em órbita fora em 1986, na
missão do ônibus espacial Challenger, que levava a professora Christie
McAuliffe e explodiu um minuto após a decolagem. Grimes achava que essa
era uma ferida que os Estados Unidos precisavam curar, e a Inspiration4
faria isso. Por isso, ela assumiu o papel de “feiticeira mestra”, e lançou
feitiços de boa sorte no foguete antes do lançamento.
Como sempre ocorria durante momentos de tensão, Musk distraía a
mente pensando no futuro. Sentado na sala de controle ao lado de Kiko
Dontchev, que estava tentando se concentrar na contagem regressiva, ele
ficou fazendo perguntas sobre o sistema da Starship que estava sendo
construído em Boca Chica e sobre como convencer os engenheiros a sair da
Flórida e se mudar para lá.
Hans Koenigsmann estava participando de seu último lançamento.
Depois de trabalhar por vinte anos na SpaceX, desde o grupo destemido que
lançou os voos originais da Falcon 1 em Kwaj, Musk foi empurrando o ex-
parceiro para fora após o relatório que ele escreveu sobre a desobediência às
ordens meteorológicas da FAA. Depois que o foguete Inspiration4 decolou,
ele se aproximou e abraçou desajeitadamente Musk para se despedir. “Fiquei
preocupado com a possibilidade de eu acabar ficando um pouco chateado ou
emotivo”, confessa Koenigsmann. “Trabalhei lá mais tempo do que todos os
outros.”
Eles conversaram por alguns minutos sobre quão importante era essa
missão civil para a história da exploração do espaço. Quando Koenigsmann
estava saindo, Musk voltou a atenção para o telefone a fim de checar seu
feed no Twitter. Grimes deu um cutucão nele: “É a última missão dele”,
disse ela.
“Eu sei”, replicou Musk, olhando para Koenigsmann e acenando.
“Não fiquei ofendido”, diz Koenigsmann. “Musk se importa muito, mas
não é emocionalmente carinhoso.”

***

“Parabéns a @elonmusk e à equipe da @SpaceX pelo lançamento bem-


sucedido da Inspiration4 na noite passada”, tuitou Bezos. “Mais um passo
em direção a um futuro no qual o espaço é acessível a todos nós.” Musk
respondeu educadamente, mas de modo sucinto: “Obrigado.”
Isaacman estava tão empolgado que ofereceu 500 milhões de dólares por
três voos futuros, em que iria tentar alcançar uma órbita ainda mais alta e
fazer uma caminhada espacial usando um novo traje desenhado pela
SpaceX. Ele também pediu o direito de ser o primeiro cliente privado da
Starship quando ela estivesse pronta.
Outros clientes potenciais também tentaram reservar voos. Um deles, um
promotor de lutas de MMA, queria realizar uma luta em gravidade zero no
espaço. Musk falou aos risos sobre a ideia certa noite enquanto tomava
drinques em Boca Chica. “Não queremos fazer isso”, disse Bill Riley.
“Por que não?”, perguntou Musk. “Gwynne disse que pagariam meio
bilhão de dólares.”
“Vamos perder o equivalente em reputação”, respondeu Sam Patel, o
engenheiro responsável por construir a Starbase.
“É, não deve ser algo que devemos fazer tão cedo”, concordou Musk. “Só
depois que entrar em órbita talvez passe a ser uma coisa banal.”

***

A missão Inspiration4, lançada por uma empresa privada para cidadãos


privados, foi o prenúncio de uma nova economia orbital, cheia de
empreendimentos empresariais, satélites comerciais e grandes aventuras. “A
SpaceX e Elon são uma história de sucesso incrível”, comentou o
administrador da NASA, Bill Nelson, na manhã seguinte. “Existe uma
sinergia entre o setor público e o setor privado, e tudo isso em prol da
humanidade.”
Processando o significado do lançamento, Musk se tornou filosófico ao
seu modo O guia do mochileiro das galáxias. “Construir carros elétricos em
massa era inevitável”, disse. “Isso teria acontecido sem a minha intervenção.
Mas se tornar uma civilização que viaja pelo espaço não é inevitável.”
Cinquenta anos antes, os Estados Unidos haviam enviado um homem à
Lua, mas desde então não houve mais progresso — muito pelo contrário. O
ônibus espacial só voava em órbitas baixas, e depois que foi aposentado os
Estados Unidos não tinham nem mais como fazer isso. “A tecnologia não
progride automaticamente”, disse Musk. “Esse voo é um grande exemplo de
como o progresso exige ação humana.”
capítulo 63
Mudanças no Raptor
SpaceX, 2021

Jake McKenzie no alto de um galpão; a construção de tendas e galpões em Boca


Chica
Modo engenheiro
“Minha rede neural está acesa feito os fogos de artifício em um 4 de Julho”,
exultou Musk. “Isso é o que eu mais gosto de fazer: iterar com engenheiros
incríveis!” Ele estava sentado na sala de conferências da Starbase em Boca
Chica, no início de setembro de 2021, com um corte de cabelo em dégradé
que parecia ter sido feito pelo barbeiro de um líder norte-coreano prestes a
ser executado. “Eu mesmo corto”, disse ele aos engenheiros. “Fiz outra
pessoa cortar atrás.”
Nas semanas anteriores, Musk vinha alternando períodos de desespero e
fúria com o motor da Starship, o Raptor, que tinha se tornado complexo,
caro e difícil de fabricar. “Quando vejo um cano que custa 20 mil dólares,
me dá vontade de enfiar um garfo no olho”, comentou ele. Musk anunciou
que, no futuro, realizaria reuniões em sua sala de conferências da SpaceX
com a equipe do Raptor às oito da noite, todas as noites, inclusive nos fins
de semana.
Musk tinha um interesse especial pela massa de materiais usados. A
espessura do cilindro do motor era igual à do domo, ressaltou ele, mesmo
que os dois sofressem pressões diferentes. “O que está acontecendo?”,
perguntou. “Tem uma tonelada de metal lá que não faz nenhum sentido.”
Cada grama a mais de massa reduziria a quantidade de carga que o foguete
poderia lançar.
Uma grande decisão — tomada em uma reunião que havia sido
remarcada para a meia-noite porque os astronautas da Inspiration4 estavam
pousando — era fazer a maior parte possível do motor com o material
favorito dele, aço inoxidável. Depois de ver uma série de slides sobre
maneiras de minimizar o uso de ligas caras, Musk interrompeu: “Vocês
estão sofrendo de paralisia da análise. Vamos mudar cada peça possível para
aço de baixo custo.”
De início, as únicas exceções que ele permitiu eram para partes expostas a
combustão de gás rico em oxigênio quente. Alguns dos engenheiros
resistiram e sugeriram que cobre, com maior capacidade de absorver calor,
era necessário para a placa frontal. Musk, porém, argumentou que cobre
tinha um ponto de fusão pior. “Estou convencido de que dá para fazer uma
placa frontal de aço”, disse. “Por favor, façam isso. Acho que fui muito claro:
façam de aço.” Ele admitiu que havia uma probabilidade razoável de que
aquilo não funcionasse, mas era melhor tentar e fracassar do que ficar
analisando o assunto por meses. “Se fizerem isso rápido, podem descobrir
rápido. E consertar rápido.” Ele acabou conseguindo trocar a matéria-prima
da maior parte das peças para aço inoxidável.

Jake McKenzie
Enquanto comandava reuniões na sala de conferências todas as noites,
Musk estava procurando alguém que pudesse supervisionar o design do
Raptor. “Há algum líder em ascensão?”, perguntou Shotwell a ele depois de
uma das sessões de Musk com engenheiros menos graduados.
“Minha rede neural para avaliar capacidade de engenharia é boa, mas é
difícil quando eles estão camuflados”, reclamou Musk. Então, ele começou a
fazer também sessões individuais, nas quais enchia de perguntas os
engenheiros de nível médio.
Depois de algumas semanas, um jovem engenheiro chamado Jacob
McKenzie começou a se destacar. A combinação de um sorriso angelical
com dreadlocks na altura dos ombros o deixava com uma aparência
descolada mas discreta. Musk gosta de dois tipos de assistente: os Red Bulls,
como Mark Juncosa, altamente cafeinados, loquazes e que vomitam ideias, e
os Spocks, cuja fala comedida lhes dá a típica aura de competência de um
vulcano. McKenzie fazia parte desta última categoria.
Ele havia sido criado na Jamaica e depois se mudou para o norte da
Califórnia, onde se interessou por carros, foguetes e “qualquer coisa com
muita engenharia pesada”. A família dele era pobre, e ele trabalhou num
armazém para ganhar algum dinheiro durante o ensino médio. McKenzie
economizou com o objetivo de ir para a Santa Rosa Junior College, onde
estudou engenharia, e se saiu bem o suficiente a ponto de conseguir se
transferir para Berkeley e depois para a graduação no MIT, onde fez um
doutorado em engenharia mecânica.
Na SpaceX, onde começou a trabalhar em 2015, ele geria uma equipe
que produzia as válvulas para o motor Raptor. É uma função
importantíssima. Muitas vezes quando a contagem regressiva é
interrompida, a causa é um vazamento em uma válvula. McKenzie tinha
interagido com Musk poucas vezes, e ficou surpreso quando o patrão
começou a falar sobre a possibilidade de ele comandar o programa Raptor.
“Eu achava que Musk nem sabia o meu nome”, confessa McKenzie. Talvez
fosse o caso, mas Musk sabia que o trabalho dele era bom. A equipe de
McKenzie havia melhorado os atuadores da Starship, um dos muitos
projetos nos quais Musk mergulhou pessoalmente.
Certa noite em setembro de 2021, pouco depois da meia-noite, Musk
enviou uma mensagem para McKenzie: “Está acordado?” De modo nada
surpreendente, McKenzie respondeu: “Sim, acordado, vou ficar no
escritório pelo menos mais algumas horas.” Musk ligou e disse que ia
promovê-lo. Às quatro e meia da manhã, ele enviou um e-mail. “Jake
McKenzie vai responder diretamente a mim daqui em diante”, escreveu.
Musk disse que um dos seus objetivos era “trocar a maioria dos flanges e das
peças feitas de liga Inconel por ligas de aço soldáveis, bem como excluir
qualquer peça que seja *potencialmente* desnecessária. Se nós não tivermos
que recolocar algumas peças, significa que não eliminamos o suficiente”.
McKenzie começou a aplicar soluções no estilo da indústria automotiva,
o que em alguns casos resultava em peças 90% mais baratas. Ele pediu a
Lars Moravy, um dos principais executivos na Tesla, para caminhar com ele
pela linha de produção da SpaceX e sugerir técnicas automotivas que
poderiam simplificar as coisas. Às vezes, Moravy ficava tão chocado com as
complexidades desnecessárias na linha de motores de foguetes que cobria os
olhos. “Ok, dá para tirar as mãos do rosto?”, perguntou McKenzie. “Porque
isso está me magoando demais.”
A maior mudança que Musk fez foi colocar engenheiros de projeto no
comando da produção, como havia feito por um tempo na Tesla. “Criei
grupos de design e produção separados há muito tempo, e foi um erro
idiota”, disse em uma das primeiras reuniões que McKenzie liderou. “Você é
responsável pelo processo de produção. Não pode repassar essa tarefa para
ninguém. Se o design custa caro para produzir, mude o design.” McKenzie e
toda a equipe dele de engenharia deslocaram as 75 mesas para que ficassem
ao lado das linhas de montagem.
O motor 1337
Um método que Musk usava quando um problema se tornava complicado
era voltar a atenção para o projeto de uma versão futura do produto. Foi isso
que ele fez com o Raptor algumas semanas depois que McKenzie assumiu:
declarou que passariam a se dedicar a fazer um motor completamente novo.
Seria algo tão diferente que ele não queria batizá-lo com o nome em inglês
de alguma espécie de falcão, como Merlin ou Kestrel. Em vez disso, decidiu
usar um meme do mundo da programação e chamá-lo de 1337, que se
pronunciava “LEET” (os números se assemelham ligeiramente a essas
letras). O objetivo era fazer um motor que custasse menos de mil dólares
por tonelada de impulso, e que dessa forma seria, disse ele, “o
desenvolvimento fundamental necessário para tornar a vida
multiplanetária”.
O objetivo de desenhar um motor novo era fazer todo mundo pensar de
modo ousado. “Nosso objetivo é o grande motor da aventura”, disse Musk
em um discurso motivacional para a equipe. “Existe uma chance de êxito
maior que zero? Caso sim, inclua no projeto! Se descobrirmos que as
mudanças que fizemos são ousadas demais, voltamos atrás.” O objetivo
principal era fazer um motor reduzido às características mais essenciais. “Há
muitas maneiras de se esfolar um gato”, disse. “Mas é importante saber
como é o gato sem pele. A resposta é: musculoso e cheio de saliências.”
Ainda naquela noite, ele mandou uma sequência de mensagens para
enfatizar como estava falando sério sobre esse novo plano. “Não estamos
mirando na Lua”, escreveu. “Estamos mirando em Marte. Um sentimento
maníaco de urgência é o nosso princípio operacional.” Em uma mensagem
que mandou diretamente para McKenzie, ele acrescentou: “O motor
SpaceX 1337 é o último grande avanço crítico necessário para levar a
humanidade a Marte!!! Nenhuma palavra basta para captar quão importante
isso é para o futuro da civilização.”
Ele sugeriu pessoalmente algumas ideias extremas, como excluir todo o
coletor de gás combustível quente e fundir a bomba turbomolecular de
combustível com o injetor da câmara principal. “Pode resultar em uma má
distribuição de gás combustível, ou não. Vamos descobrir.” Ele reforçou a
cruzada com e-mails quase toda a noite. “Estamos numa *fúria* de
exclusão!!”, escreveu em um deles. “Nada é sagrado. Todo tubo, sensor, peça
etc. levemente questionável será eliminado esta noite. Por favor, sejam
ultrafirmes na eliminação e na simplificação.”
Ao longo de outubro de 2021, as reuniões noturnas sempre atrasavam, e
a maioria começava por volta das onze horas. Mesmo assim, geralmente
havia dezenas de pessoas na sala de conferências e mais de cinquenta
participando remotamente. Em cada sessão costumava surgir uma nova
ideia para simplificação ou eliminação. Certa noite, por exemplo, Musk se
concentrou em se livrar de toda a saia do propulsor, que é a parte aberta não
pressurizada situada bem embaixo. “Isso não ajuda a conter uma parte
significativa do propelente”, comentou ele. “É como mijar numa piscina.
Não afeta muito a piscina.”
Depois de um mês, tão abruptamente quanto havia forçado a equipe a se
concentrar em um motor futurista 1337, Musk voltou a atenção de todos
novamente para a revisão do Raptor, a fim de transformá-lo em um Raptor
2 mais elegante e potente. “Estou mudando o foco da propulsão da SpaceX
de volta para o Raptor”, anunciou ele em uma mensagem às duas da manhã.
“Precisamos de ritmo de produção de motor de um por dia para manter uma
cadência decente de lançamento. Atualmente, é de um a cada três dias.”
Perguntei se isso reduziria a velocidade do desenvolvimento do 1337. “Sim”,
respondeu ele. “Não podemos tornar a vida multiplanetária com o Raptor,
porque é muito caro, mas o Raptor é necessário para nos levar adiante até
que o 1337 esteja pronto.”
O surto envolvendo o 1337 e o recuo posterior foram uma estratégia
cuidadosamente elaborada por Musk para fazer a equipe pensar de modo
mais ousado, ou tudo não passou de um ato impulsivo em que ele acabou
voltando atrás? Como lhe é comum, foi uma mistura das duas coisas. Isso
serviu ao propósito de incitar o surgimento de ideias novas, inclusive a de se
livrar de várias capas e saias, que seriam incorporadas aos objetivos dele para
um Raptor aprimorado. “O exercício ajudou a definir como seria um motor
ideal”, afirma McKenzie. “Mas não estava nos permitindo progredir em
coisas que eram imediatamente necessárias para avançar no programa
Starship.” Ao longo do ano seguinte, McKenzie e sua equipe foram capazes
de produzir Raptors quase como se fossem carros em uma linha de
montagem. No feriado de Ação de Graças de 2022, eles estavam fabricando
mais de um por dia, e fizeram um estoque para futuros lançamentos da
Starship.
capítulo 64
Nasce o Optimus
Tesla, agosto de 2021

Uma atriz vestida para a apresentação do robô Optimus


O robô amigável
O interesse de Musk em criar um robô humanoide remontava ao fascínio e
ao medo que ele sentia da inteligência artificial. A possibilidade de que
alguém pudesse criar, intencionalmente ou não, uma IA que poderia ser
perigosa para os seres humanos levou-o a fundar a OpenAI em 2014.
Também o levou a tocar adiante empreendimentos relacionados, incluídos
carros autônomos, um computador de treinamento de rede neural
conhecido como Dojo e os chips Neuralink, que poderiam ser implantados
em cérebros para criar um relacionamento profundamente simbiótico entre
humanos e máquinas.
A expressão definitiva de uma IA segura, especialmente para alguém que
devorava ficção científica quando criança, seria criar um robô humanoide
que pudesse processar inputs visuais e aprender a realizar tarefas sem violar a
lei de Asimov, que diz que um robô não pode prejudicar a humanidade ou
qualquer ser humano. “Se você é capaz de criar um carro autônomo, que é
um robô sobre rodas, então pode fazer um robô com pernas também”, disse
Musk.
No início de 2021, ele começou a mencionar nas reuniões com executivos
que a Tesla deveria pensar seriamente em desenvolver um robô, e em
determinado momento mostrou um vídeo de alguns robôs impressionantes
que a Boston Dynamics estava criando. “Robôs humanoides vão surgir, quer
você queira, quer não”, disse, “e devemos fazer isso para que possamos
colocá-los num bom caminho”. Quanto mais ele falava sobre esse assunto,
mais empolgado ficava. “Isso pode ser a maior coisa que faremos, até mesmo
maior do que um carro autônomo”, afirmou ao chefe de design, Franz von
Holzhausen.
“Quando algo se torna um tema recorrente para o Elon, começamos a
trabalhar nele”, declara Von Holzhausen. Eles começaram a se reunir no
estúdio de design da Tesla em Los Angeles, onde os modelos do Cybertruck
e do Robotáxi estavam em exposição. Musk deu as especificações: o robô
deveria ter 1,7 metro de altura, com um visual élfico e andrógino, para que
não “parecesse que pudesse ou quisesse machucar alguém”. Dessa forma
nasceu o Optimus, um robô humanoide a ser feito pelas equipes da Tesla
que trabalhavam no carro autônomo. Musk então decidiu: o fato deveria ser
anunciado num evento chamado Dia da IA, que ele marcou para 19 de
agosto de 2021 na sede da Tesla, em Palo Alto.

Dia da IA
Quarenta e oito horas antes do Dia da IA, Musk fez virtualmente uma
reunião de preparação com a equipe da Tesla de Boca Chica. O dia também
incluiu uma reunião com o Escritório de Conservação de Peixes e Vida
Selvagem do Texas com o propósito de conseguir apoio para os lançamentos
da Starship, uma reunião financeira da Tesla, uma discussão sobre as
finanças dos telhados solares, uma reunião sobre os lançamentos futuros de
civis, uma caminhada controversa pelas tendas em que a Starship estava
sendo montada, uma entrevista para um documentário da Netflix e a
segunda visita de Musk, tarde da noite, ao loteamento residencial onde a
equipe de Brian Dow estava instalando telhados solares. Depois da meia-
noite, ele entrou no avião e seguiu para Palo Alto.
“É exaustivo ter que transitar entre tantas questões”, disse ele quando
finalmente relaxou no avião. “Mas há muitos problemas, e tenho que
resolver tudo.” Então, por que ele estava agora saltando para o mundo da IA
e dos robôs? “Porque estou preocupado com Larry Page”, respondeu. “Tive
conversas longas com ele sobre os perigos da IA, mas ele não entende.
Agora, mal nos falamos.”
Quando pousamos, às quatro da manhã, ele foi para a casa de um amigo
para dormir por algumas horas e em seguida dirigiu-se à sede da Tesla em
Palo Alto para um encontro com a equipe que se preparava para o anúncio
do robô. O plano era que uma atriz se vestisse como o robô e subisse no
palco. Musk ficou empolgado. “Ela vai fazer acrobacias!”, declarou, como se
fosse um esquete de Monty Python. “Podemos pedir que ela faça coisas legais
que parecem impossíveis? Como sapatear com um chapéu e uma bengala?”
Musk tinha uma meta séria: o robô deveria parecer mais divertido do que
ameaçador. Como se tivesse sido combinado, X começou a dançar na mesa
da sala de conferências. “O menino tem baterias boas”, disse o pai. “Ele
recebe atualizações de software andando, olhando e ouvindo.” Era este o
objetivo: um robô que pudesse aprender a fazer coisas ao ver e imitar
humanos.
Depois de mais algumas piadas sobre danças com chapéu e bengala,
Musk começou a mergulhar nas especificações finais. “Vamos fazer o robô
andar a oito quilômetros por hora, não seis, e dar potência para levantar um
pouco mais de peso”, afirmou ele. “Nós exageramos na tentativa de fazê-lo
parecer dócil.” Quando os engenheiros disseram que estavam planejando ter
baterias que pudessem ser trocadas quando se exaurissem, Musk vetou a
ideia. “Muitos tolos foram pelo caminho da bateria substituível, e
geralmente isso se deu porque a bateria deles era ruim”, declarou ele. “Nós
originalmente fizemos isso com a Tesla. Sem conjunto de bateria
substituível. Basta fazer o conjunto maior para que possa operar por
dezesseis horas.”
Depois da reunião, ele continuou na sala de conferências. O pescoço dele
estava doendo por causa do antigo acidente com o lutador de sumô, e ele se
deitou no chão com uma bolsa de gelo na cabeça. “Se conseguirmos
produzir um robô de uso geral que pode te observar e aprender a fazer uma
tarefa, isso vai turbinar a economia a um grau que é uma loucura”, disse. “Aí
então podemos instituir um salário mínimo universal. Trabalhar se tornaria
uma escolha.” Sim, e alguns ainda seriam levados a trabalhar de modo
maníaco.

***

No dia seguinte, Musk estava de mau humor no ensaio para as


apresentações do Dia da IA, que incluíam não só a revelação do Optimus,
como também os avanços da Tesla com carros autônomos. “Isso é chato”,
ficava repetindo ele enquanto Milan Kovac, o sensível engenheiro belga que
comandava as equipes do Autopilot e do Optimus, apresentava slides muito
técnicos. “Tem muita coisa aqui que não é legal. Este é um evento de
recrutamento, e ninguém vai querer se juntar a nós depois desses slides de
merda.”
Kovac, que ainda não havia dominado a arte de se esquivar das explosões
de Musk, voltou para o escritório e se demitiu, o que transformou os planos
para as apresentações daquela noite em confusão. Lars Moravy e Pete
Bannon, supervisores mais experientes e já calejados, pararam Kovac
quando ele estava prestes a deixar o prédio. “Vamos dar uma olhada nos seus
slides e ver como podemos arrumá-los”, falou Moravy. Kovac mencionou
que aceitava um uísque, e Bannon achou alguém na oficina do Autopilot
que tinha uma garrafa. Eles beberam duas doses e Kovac se acalmou. “Vou
ficar durante todo o evento”, prometeu ele. “Não vou decepcionar minha
equipe.”
Com a ajuda de Moravy e Bannon, Kovac reduziu pela metade os slides e
ensaiou um discurso novo. “Engoli a raiva e levei os novos slides para Elon”,
lembra ele. Musk olhou e disse: “Sim, com certeza. Ok.” Kovac ficou com a
impressão de que Musk nem se lembrava de que tinha explodido com ele.
A interrupção fez a apresentação daquela noite atrasar uma hora. Não foi
um evento muito organizado. Os dezesseis apresentadores eram todos
homens. A única mulher era a atriz que estava vestida de robô, e ela não fez
nenhuma dança engraçada com chapéu e bengala. Não houve acrobacias.
Apesar disso, num discurso levemente marcado pela gagueira, Musk
associou o Optimus com os planos da Tesla para carros autônomos e o
supercomputador Dojo. O Optimus, disse ele, aprenderia a realizar tarefas
sem a necessidade de instruções linha por linha. Como um ser humano, ele
aprenderia observando. Isso transformará não só nossa economia, afirmou
ele, como também a forma como viveremos.
capítulo 65
Neuralink
2017-2020

Um macaco jogando Pong apenas com suas ondas cerebrais


Interfaces homem-máquina
Alguns dos saltos mais importantes de tecnologia na era digital envolviam
avanços na maneira como seres humanos e máquinas se comunicam, algo
conhecido como “interfaces homem-máquina”. O psicólogo e engenheiro J.
C. R. Licklider, que trabalhou em sistemas de defesa aérea que rastreiam
aviões em um monitor, escreveu um artigo seminal em 1960 intitulado
“Simbiose homem-máquina computacional”, o qual mostrava como
monitores de vídeo poderiam “levar um computador e uma pessoa a pensar
juntos”. Ele acrescentou: “A esperança é a de que, em pouco tempo, o
cérebro humano e a máquina possam se acoplar muito bem.”
Os hackers do MIT usaram esses monitores de vídeo para criar um jogo
chamado Spacewar, o que ajudou no desenvolvimento de jogos comerciais
que, para que até um universitário chapado fosse capaz de jogar, tinham
interfaces intuitivas a ponto de não precisarem de quase nenhuma instrução
(“1. Insira a moeda; 2. Escape dos Klingons” eram as únicas instruções no
primeiro jogo Jornada nas Estrelas, da Atari). Doug Engelbart combinou
esses monitores com um mouse para permitir que os usuários interagissem
com um computador ao apontar e clicar, e Alan Kay, no Xerox Palo Alto
Research Center (PARC), ajudou a desenvolver uma interface gráfica fácil
de usar que imitava o tampo de uma escrivaninha (ou desktop, em inglês).
Steve Jobs adotou isso no computador Macintosh da Apple e, em sua última
reunião de conselho, quando estava à beira da morte, em 2011, testou outro
grande salto nas interfaces humano-computador: um aplicativo chamado
Siri, que permitia a pessoas e computadores a interação por voz.
Apesar de todos esses avanços, a troca de informações entre humanos e
máquinas continuou muito lenta. Em uma viagem em 2016, Musk estava
digitando em seu iPhone com os dedões e começou a reclamar da demora.
Digitar permite que a informação flua de nosso cérebro para nossos
dispositivos a uma taxa de apenas cem bits por segundo. “Imagine se você
pudesse pensar na máquina”, disse, “como uma conexão de alta velocidade
diretamente entre a sua mente e a sua máquina”. Ele se inclinou na direção
de Sam Teller, que estava no carro com ele. “Podemos conseguir um
neurocientista que possa me ajudar a entender a interface computador-
cérebro?”, perguntou Musk.
Ele percebeu que a interface humano-computador definitiva seria um
dispositivo que conectasse nossos computadores diretamente ao nosso
cérebro, tal qual um chip dentro de nosso crânio capaz de enviar nossos
sinais cerebrais para um computador e receber de volta outros sinais. Isso ia
permitir que a informação fluísse de um lado para outro 1 milhão de vezes
mais rápido. “Aí você teria uma simbiose verdadeira entre humanos e
máquinas”, afirma Musk. Em outras palavras, isso garantiria que humanos e
máquinas trabalhassem juntos, como parceiros. Para isso acontecer, no fim
de 2016 ele fundou uma empresa que chamou de Neuralink, a qual
implantaria pequenos chips no cérebro e permitir aos humanos uma fusão
mental com computadores.
Como no caso do Optimus, a ideia para a Neuralink fora inspirada pela
ficção científica, principalmente pela série de livros de viagem espacial A
cultura, de Iain Banks, que apresentavam uma tecnologia de interface
homem-máquina chamada “laço neural”, implantada nas pessoas e capaz de
ligar todos os seus pensamentos a um computador. “Quando li Banks pela
primeira vez”, diz Musk, “isso me fez pensar que essa ideia poderia nos
proteger no front da inteligência artificial”.
Os objetivos grandiosos de Musk geralmente são acompanhados de
modelos de negócios práticos. Ele havia desenvolvido satélites da Starlink,
por exemplo, como uma maneira de financiar a missão para Marte da
SpaceX. Da mesma forma, planejava que os chips cerebrais da Neuralink
fossem usados para ajudar pessoas com problemas neurológicos, tais como
esclerose lateral amiotrófica (ELA), a interagir com computadores. “Se
pudermos encontrar bons usos comerciais para financiar a Neuralink”,
afirma, “em algumas décadas vamos alcançar nosso objetivo final de nos
proteger contra a IA perversa ao unir o mundo humano com nosso
maquinário digital”.
Entre os cofundadores havia seis neurocientistas e engenheiros
importantes, liderados pelo pesquisador de interface cérebro-máquina Max
Hodak. O único membro do grupo de fundadores que sobreviveu à pressão
e à confusão que é trabalhar com Musk foi DJ Seo, que havia se mudado da
Coreia para a Louisiana aos 4 anos. Como ele não falava inglês tão bem
quando pequeno, ficou muito frustrado por não conseguir expressar alguns
pensamentos. “Como posso botar para fora esse negócio que está na minha
cabeça da maneira mais eficiente possível?”, começou a se perguntar Seo.
“Teria que ser algo pequeno colocado na minha cabeça.” Na Caltech, e
depois em Berkeley, ele desenvolveu o que chamou de “poeira neural”,
pequenos implantes que podiam ser colocados no cérebro e enviar sinais.
Musk também recrutou uma investidora em tecnologia com um brilho
no olhar e mente afiada chamada Shivon Zilis. Na época de estudante,
criada perto de Toronto, ela se destacou no hóquei, mas também virou uma
geek em tecnologia depois de ler o livro de 1999 A era das máquinas
espirituais, de Ray Kurzweil. Depois de estudar em Yale, Zilis trabalhou em
algumas incubadoras de startups ajudando novos negócios em IA, e se
tornou uma consultora de meio período na OpenAI.
Quando Musk fundou a Neuralink, ele a levou para um café e a convidou
para se juntar a eles. “A Neuralink não é só para pesquisa”, garantiu Musk a
ela. “É para construir dispositivos reais.” Zilis rapidamente decidiu que seria
mais divertido e útil do que continuar a ser uma investidora de risco. “Notei
que aprendia mais lições singulares com Elon por minuto do que com
qualquer outro humano que já conheci”, afirma. “Seria burrice não passar
mais tempo de nossa vida com uma pessoa assim.” A princípio, ela
trabalhou em projetos de inteligência artificial em todas as três empresas
dele — Neuralink, Tesla e SpaceX —, mas acabou se tornando a principal
gerente na Neuralink, além de ser uma íntima companheira pessoal de
Musk (mais sobre isso em breve).

O chip
A tecnologia subjacente para o chip Neuralink se baseou no Utah Array,
inventado na Universidade de Utah em 1992, que é um microchip cravejado
com cem agulhas que podem ser enfiadas no cérebro. Cada agulha detecta a
atividade de um único neurônio e envia os dados por um fio para uma caixa
presa no crânio de alguém. Como o cérebro tem cerca de 86 bilhões de
neurônios, esse era apenas um nanopasso em direção à interface humano-
computador.
Em agosto de 2019, Musk publicou um artigo científico em que
descrevia como a Neuralink iria melhorar o Utah Array para criar o que
chamou de “uma plataforma integrada cérebro-máquina com milhares de
canais”. Os chips da Neuralink tinham mais de 3 mil eletrodos em 96 fios.
Como sempre, Musk se concentrou não apenas no produto, mas também
em como ele seria fabricado e utilizado. Robôs trabalhando em alta
velocidade iriam cortar um pequeno buraco no crânio humano, inserir o
chip e introduzir os fios no cérebro.
Ele revelou uma versão inicial do dispositivo em uma apresentação
pública em agosto de 2020 na Neuralink, na qual mostrou uma porca
chamada Gertrude que tinha um chip no cérebro. Um vídeo dela andando
em uma esteira mostrava como o chip poderia detectar sinais no cérebro do
animal e enviar para um computador. Musk segurou o chip, que tinha o
tamanho de uma moeda de 25 centavos de dólar. Quando colocado sob o
crânio, ele poderia transmitir dados sem precisar de fios, o que garantia que
o usuário não ficasse parecendo um ciborgue de um filme de horror. “Eu
posso ter um Neuralink implantado agora e vocês não saberiam”, disse
Musk. “Talvez eu tenha.”
Alguns meses depois, Musk foi ao laboratório da Neuralink em Fremont,
perto da fábrica da Tesla, onde os engenheiros mostraram para ele a última
versão. Ela combinava quatro chips separados, cada um com cerca de mil
fios. Eles seriam implantados em diferentes partes do crânio com fios
conectados a um roteador preso atrás da orelha. Musk ficou parado em
silêncio por quase dois minutos, enquanto Zilis e os colegas dela assistiam.
Então, ele deu o veredito: havia odiado. Era complexo demais, com muitos
fios e conexões.
Ele estava no processo de eliminar conexões nos motores Raptor da
SpaceX. Cada uma era um possível ponto de falha. “Isso tem que ser um
único dispositivo”, disse ele aos desanimados engenheiros da Neuralink.
“Um só pacote elegante sem fios, sem conexões e sem roteador.” Não havia
nenhuma lei da física — nenhum princípio básico — que impedisse toda a
funcionalidade poder estar contida em um único dispositivo. Quando os
engenheiros tentaram explicar por que precisavam do roteador, a expressão
de Musk enrijeceu. “Eliminem”, decretou ele. “Deletem, deletem, deletem.”
Depois que deixaram a reunião, os engenheiros passaram pelos estágios
típicos do transtorno de estresse pós-Musk: perplexidade, raiva e ansiedade.
Apesar disso, em uma semana ficaram intrigados, porque perceberam que a
nova abordagem poderia funcionar.
Quando Musk voltou ao laboratório semanas depois, eles mostraram um
só chip que poderia lidar com o processamento dos dados de todos os fios e
transmiti-los por Bluetooth para um computador. Sem conexões, sem
roteador, sem fios. “Achávamos que era impossível”, comentou um dos
engenheiros, “mas agora estamos muito empolgados com isso”.
Um problema que os engenheiros enfrentavam era causado pela exigência
de que o chip fosse muito pequeno. Isso tornava desafiador ter uma bateria
de vida longa e suporte a muitos fios. “Por que tem que ser tão pequeno
assim?”, perguntou Musk. Alguém cometeu o erro de dizer que era um dos
pré-requisitos que eles receberam. Isso fez com que Musk entoasse seu
algoritmo, a começar pelo questionamento de todas as especificações.
Depois ele falou da ciência básica do tamanho do chip. Nosso crânio é
redondo; o chip não pode ser um pouco abaulado? E o diâmetro não
poderia ser maior? Eles chegaram à conclusão de que o crânio humano
acomodaria facilmente um chip maior.
Quando o dispositivo estava pronto, eles o implantaram em um dos
macacos, chamado Pager, que estava hospedado no laboratório. Ensinaram-
no a jogar Pong no videogame e lhe davam como recompensa uma vitamina
de fruta quando ele se saía bem. O dispositivo da Neuralink gravava quais
neurônios estavam funcionando cada vez que ele mexia o controle de uma
certa maneira. Posteriormente o controle foi desativado, e os sinais do
cérebro do macaco passaram a controlar o jogo. Era um grande passo em
direção ao objetivo de Musk de criar uma conexão direta entre o cérebro e a
máquina. A Neuralink publicou um vídeo disso no YouTube que foi visto 6
milhões de vezes no período de um ano.
capítulo 66
Pura visão
Tesla, janeiro de 2021

Um slide exibindo o progresso dos carros autônomos


Elimine o radar
A questão de usar ou não radar no sistema Autopilot de carros autônomos
— em vez de depender apenas de dados visuais de câmeras — permaneceu
controversa na Tesla. Também se tornou um estudo de caso sobre o estilo de
tomada de decisão de Musk, algo que oscila entre ousado, teimoso,
descuidado, visionário e orientado pelos princípios básicos da física, mas, às
vezes, surpreendentemente flexível.
A princípio, Musk mantivera a mente aberta quanto a esse assunto.
Quando o Model S da Tesla foi atualizado em 2016, ele permitiu
relutantemente que a equipe do Autopilot usasse um radar dianteiro além
das oito câmeras do carro. E autorizou os engenheiros a ter um programa
para construir esse radar, conhecido como Phoenix.
Entretanto, no início de 2021, o uso de radares estava causando
problemas. A escassez de chips, ocasionada pela covid, significava que os
fornecedores da Tesla não estavam entregando a quantidade necessária.
Além disso, o sistema Phoenix que a Tesla estava construindo internamente
não funcionava direito. “Temos uma escolha”, declarou Musk em uma
reunião fatídica no início de janeiro. “Podemos parar a produção do carro.
Podemos fazer o Phoenix funcionar imediatamente. Ou podemos eliminar
completamente o radar.”
Não havia dúvida de qual opção ele preferia. “Deveríamos acabar com
isso com uma solução de pura visão”, disse. “Não precisar de um radar e da
visão para identificar o mesmo objeto é uma grande vantagem competitiva.”
Alguns dos principais funcionários, especialmente o presidente de
automotivos, Jerome Guillen, resistiram. Ele argumentou que não seria
seguro eliminar o radar. O radar podia detectar objetos não tão facilmente
visíveis para uma câmera ou o olho humano. Uma reunião estava
programada para a equipe inteira debater o assunto e tomar uma decisão.
Depois que todos os argumentos foram apresentados, Musk se deteve por
cerca de quarenta segundos. “Estou acabando com isso”, disse ele por fim.
“Eliminem o radar.” Guillen continuou a resistir, e Musk ficou friamente
zangado. “Se você não fizer isso”, ameaçou ele, “vou arrumar alguém que
faça”.
Em 22 de janeiro de 2021, Musk mandou um e-mail que dizia: “Daqui
para a frente, desliguem o radar.” E continuava: “É uma muleta terrível.
Estou falando sério. Além do mais, já está claro que a direção somente com
o auxílio de câmeras está funcionando bem.” Logo depois, Guillen pediu
demissão da empresa.

Controvérsia
A decisão de Musk de eliminar o radar causou um debate público. Uma
reportagem investigativa minuciosa do e New York Times feita por Cade
Metz e Neal Boudette revelou que muitos engenheiros da Tesla estavam
bastante apreensivos. “Diferentemente dos tecnólogos em quase todas as
outras empresas que estão trabalhando em carros autônomos, o sr. Musk
insiste que a autonomia pode ser atingida só com câmeras”, escreveram.
“Mas muitos dos engenheiros da Tesla questionavam se era seguro o
bastante confiar em câmeras sem o benefício de outros dispositivos sensores,
e se o sr. Musk não estava exagerando em suas promessas aos motoristas
sobre as capacidades do Autopilot.”
Edward Niedermeyer, que havia escrito um livro crítico sobre a Tesla
chamado Ludicrous [Ridículo], publicou uma sequência de tuítes.
“Melhorias nos sistemas comuns de assistência ao motorista estão levando o
setor a usar mais radares, além de modalidades ainda mais inovadoras, como
o LiDAR e imagens térmicas”, escreveu ele. “A Tesla, ao contrário, está
dando um passo para trás.” E Don O’Dowd, um empreendedor de
segurança de software, comprou um anúncio de página inteira no e New
York Times em que chamava o sistema de direção autônoma da Tesla de “o
pior software já vendido por uma empresa incluída na lista Fortune 500”.
A Tesla foi por muito tempo alvo de investigações da National Highway
Traffic Safety Administration, que ganharam impulso depois da eliminação
do radar em 2021. Em um estudo, a agência governamental registrou 273
acidentes com motoristas de carros da Tesla que estavam usando algum
nível de direção assistida, cinco dos quais resultaram em mortes. Também
foi aberta uma investigação sobre onze colisões de Teslas com veículos de
emergência.
Musk estava convencido de que motoristas ruins, não um software ruim,
eram a principal razão por trás da maioria dos acidentes. Em uma reunião,
ele sugeriu usar os dados coletados das câmeras dos carros — uma das quais
fica dentro do veículo e está direcionada ao motorista — para provar quando
havia erro do motorista. Uma das mulheres na mesa reagiu. “Já discutimos
isso com a equipe de privacidade”, disse ela. “Não podemos associar as
transmissões de selfies a nenhum veículo específico, nem mesmo quando há
uma colisão; pelo menos é essa a orientação dos nossos advogados.”
Musk não ficou feliz. O conceito de “equipe de privacidade” não o
comovia. “Sou eu o tomador de decisões nesta empresa, não a equipe de
privacidade”, disse. “Nem sei quem são. Eles são tão privados que nunca
sabemos quem são.” Ouviram-se algumas risadas nervosas. “Talvez a gente
possa fazer um anúncio pop-up para dizer às pessoas que se elas usarem a
FSD [direção totalmente autônoma] vamos coletar dados para o caso de
haver uma colisão”, sugeriu ele. “Haveria algum problema quanto a isso?”
A mulher pensou por um instante e depois assentiu. “Contanto que isso
seja comunicado aos clientes, acho que está tudo bem.”

O Phoenix se levanta
Apesar de teimoso, provas podem fazer Musk mudar de ideia. Ele estava
decidido a eliminar radares em 2021 porque a qualidade técnica desse
dispositivo na época não permitia resolução suficiente para acrescentar
informação significativa ao sistema de visão. No entanto, ele concordou em
permitir que os engenheiros continuassem o programa Phoenix para ver se
conseguiam desenvolver uma tecnologia de radar melhor.
Lars Moravy, o chefe de engenharia automotiva de Musk, colocou um
engenheiro nascido na Dinamarca chamado Pete Scheutzow como
encarregado. “Elon não é contra o radar”, diz Moravy, “ele é contra um
radar ruim”. A equipe de Scheutzow desenvolveu um sistema de radar que
se concentrava nos casos em que o motorista humano não fosse capaz de ver
algo. “Você talvez tenha razão”, disse Musk, e secretamente autorizou testes
do novo sistema no Model S e no Model Y, que são mais caros.
“É um radar muito mais sofisticado do que o radar automotivo comum”,
afirma Musk. “É o que se vê em sistemas de armas. Cria uma imagem do
que está acontecendo, em vez de receber só um sinal de retorno.” Ele de fato
planejava colocá-lo nos carros de luxo da Tesla? “Vale a pena experimentar.
Estou sempre aberto a receber provas de experimentos físicos.”
capítulo 67
Dinheiro
2021-2022

A pessoa mais rica do mundo


O preço das ações da Tesla, que haviam caído para 25 dólares quando a
covid-19 começou a se espalhar no início de 2020, se recuperou e subiu para
dez vezes esse valor no começo de 2021. Em 7 de janeiro, o preço chegou a
260 dólares. Naquele dia, Musk se tornou a pessoa mais rica do mundo,
com 190 bilhões de dólares, e ultrapassou Jeff Bezos.
Em função da aposta extremamente ousada que fez com o conselho da
Tesla em fevereiro de 2018, quando a empresa passava por problemas de
produção, Musk não tinha nenhum salário garantido. Em vez disso, sua
compensação dependeria de atingir metas muito agressivas de receita, lucro
e valor de mercado, o que incluía aumentar o valor de mercado da Tesla dez
vezes, para 650 bilhões de dólares. Na época, os jornais previam que a maior
parte das metas era inatingível. Mas, em outubro de 2021, a Tesla se tornou
a sexta empresa na história dos Estados Unidos a valer mais de 1 trilhão de
dólares. O valor de mercado da empresa era maior do que o das cinco
maiores concorrentes — Toyota, Volkswagen, Daimler, Ford e GM —
somado. E em abril de 2022, a empresa declarou um lucro de 5 bilhões de
dólares sobre uma receita de 19 bilhões, um aumento de 81% em relação ao
ano anterior. O resultado foi que o pagamento de Musk, pelo acordo de
compensação de 2018, equivalia a cerca de 56 bilhões de dólares, e o valor
do patrimônio dele no início de 2022 aumentou para 304 bilhões de dólares.
Musk ficou irritado com os ataques públicos contra ele por ser bilionário,
uma sensibilidade exacerbada pelo fato de que a filha Jenna, uma fervorosa
anticapitalista, que recentemente terminara o processo de transição de
gênero, não queria mais falar com ele. Musk vendeu todas as casas que tinha
porque acreditava que não deveria ser criticado se mantivesse a riqueza
aplicada nas empresas, em vez de gastá-la com seu estilo de vida. Mas Musk
continuava a ser criticado porque, ao não receber salário e deixar o dinheiro
investido na empresa, ele não tinha nenhum ganho de capital e pagava
poucos impostos. Em novembro de 2021, ele realizou uma enquete no
Twitter para ver se deveria vender algumas ações da Tesla de forma a
embolsar alguns dos ganhos de capital e pagar impostos sobre isso. Houve
3,5 milhões de votos, e 58% votaram “sim”. Como já estava planejando
fazer, ele exerceu as opções que recebeu em 2012 e estavam prestes a expirar,
o que o obrigou a pagar a maior cobrança de impostos da história: 11
bilhões de dólares, o suficiente para bancar todo o orçamento de seus
antagonistas na Comissão de Valores Mobiliários por cinco anos.
“Vamos mudar o código fiscal fraudulento para que a Pessoa do Ano
realmente pague impostos e pare de se aproveitar dos demais contribuintes”,
tuitou a senadora Elizabeth Warren no fim de 2021. Musk devolveu: “Se
você abrisse os olhos por dois segundos, perceberia que este ano vou pagar
mais impostos do que qualquer outro americano na história. Não gaste tudo
de uma vez... Ah, espere, você já gastou.”

O que o dinheiro não pode comprar


Se é verdade que dinheiro não compra felicidade, um dado que confirma
isso é o humor de Musk quando ele se tornou a pessoa com mais dinheiro
no mundo. Ele não estava feliz no outono de 2021.
Quando voou até Cabo San Lucas, no México, para uma festa de
aniversário que Kimbal havia organizado para a esposa, Christiana, em
outubro, onde Grimes se apresentou como DJ, Elon se fechou num quarto e
jogou Polytopia durante a maior parte do tempo. “Estávamos sob uma obra
de arte com luzes interativas e dançando a linda música de Claire
[Grimes]”, diz Christiana. “Pensei em como devíamos nossa sorte a Elon,
mas ele simplesmente não conseguia se permitir curtir o momento.”
Como acontecia com frequência, as mudanças de humor dele e a
depressão se manifestavam na forma de dores no estômago. Ele estava
vomitando e tinha uma azia intensa. “Algum bom médico para me
recomendar?”, me perguntou ele por mensagem quando voltou mais cedo de
sua visita a Cabo San Lucas. “Não precisa ser famoso nem ter consultório
chique.” Perguntei se ele estava bem. “Para ser sincero, não estou lá muito
bem”, respondeu. “Há bastante tempo venho trabalhando sem parar. Isso
tem um preço. Passei bem mal este fim de semana.” Algumas semanas
depois, ele revelou mais. Conversamos por mais de duas horas, em grande
parte sobre as cicatrizes mentais e físicas que ele ainda tinha em 2021:

Desde 2007, talvez até o ano passado, a dor tem sido ininterrupta. Tem
uma arma apontada para a sua cabeça, você tem que fazer a Tesla dar
certo, tirar um coelho da cartola e, depois, tirar mais um coelho da
cartola. Uma sequência de coelhos voando pelos ares. Se o próximo
coelho não sair, você estará morto. Isso tem um preço. Não dá para viver
em uma luta constante por sobrevivência, sempre com a adrenalina
altíssima, e não se machucar.
Mas tem outra coisa que descobri este ano: lutar para sobreviver
estimula por um tempo. Quando você não está mais no modo
sobrevivência, não é fácil se motivar todos os dias.

Esse foi um lampejo essencial que Musk teve sobre si mesmo. Quanto
mais terrível a situação, mais energizado ele ficava. No entanto, quando não
estava no modo sobrevivência, sentia-se incomodado. Os momentos que
deveriam ser bons eram enervantes. Isso o levava a armar ondas insanas de
trabalho, promover dramas, se jogar em batalhas que poderia evitar e
assumir novos empreendimentos.
Naquele feriado de Ação de Graças, a mãe dele e a irmã voaram até
Austin a fim de comemorar com ele, os quatro filhos mais velhos, X e
Grimes. Dois dos primos de Elon e as duas meias-irmãs do segundo
casamento do pai também estavam lá. “Precisávamos estar com Elon porque
ele se sente sozinho”, diz Maye. “Ele ama ter a família por perto, e temos
que fazer isso por ele, sabe, porque ele está sob muito estresse.”
No dia seguinte, Damian cozinhou massa para todos e tocou música
clássica no piano. Mas Musk decidiu se concentrar nos motores Raptor, da
Starship. Depois de andar algum tempo pela sala de jantar, parecendo
estressado, ele passou a maior parte do dia em reuniões por telefone.
Depois, abruptamente, anunciou que tinha que voar de volta a Los Angeles
para lidar com a crise do Raptor. Era uma crise que existia principalmente
na cabeça dele. Era fim de semana de Ação de Graças, e o Raptor não seria
necessário por pelo menos um ano.
“Semana passada foi uma boa semana”, comentou ele comigo por
mensagem de texto. “A bem da verdade, passei a noite toda de sexta e
sábado na fábrica de foguetes trabalhando nos problemas do Raptor; ainda
assim, foi uma boa semana. É muito doloroso, mas temos que nos esforçar
para construir o Raptor, mesmo que ele de fato precise de um redesenho
completo.”
capítulo 68
Pai do ano
2021

Com Shivon, Strider e Azure; com X na Tesla


Os gêmeos de Shivon
Algo que pode ter distraído Musk no feriado de Ação de Graças de 2021 —
ou o levado a escolher manter-se distraído pelos bicos e válvulas do motor
Raptor — foi que, na semana anterior, ele havia se tornado pai de mais duas
crianças, um menino e uma menina gêmeos. A mãe era Shivon Zilis, a
investidora de IA com um brilho no olhar que ele recrutou em 2015 para
trabalhar na OpenAI e veio a se tornar a principal gerente de operações da
Neuralink. Ela havia se tornado uma amiga muito próxima, companhia
intelectual e ocasional parceira de jogos. “Tem sido uma das amizades mais
significativas da minha vida, disparado”, diz ela. “Logo depois que conheci o
Elon, falei: ‘Espero que sejamos amigos para sempre.’”
Zilis morava no Vale do Silício e trabalhava no escritório da Neuralink
em Fremont, mas se mudou para Austin logo depois de Musk, e era parte
do pequeno e íntimo círculo social dele. Grimes a considerava uma amiga e
ocasionalmente tentava marcar encontros para ela — uma vez, com o
assessor enérgico de Musk na SpaceX, Mark Juncosa. Na pequena festa que
Musk e Grimes deram no Halloween, um feriado de que eles gostavam
muito, Zilis estava lá com Juncosa.
Grimes e Zilis se ligavam a facetas opostas da personalidade de Musk.
Grimes era mal-humorada de uma maneira divertida, além de impetuosa,
pois costumava se envolver em brigas com Musk e compartilhava a atração
dele pelo tumulto. Zilis, pelo contrário, diz que: “Em seis anos, Elon e eu
nunca, nunca brigamos, nunca discutimos.” Isso é algo que pouca gente
pode dizer. Eles conversam de uma maneira discreta, intelectualizada.
Zilis, por escolha própria, decidiu não se casar. Ela, contudo, dizia ter “o
supervírus da maternidade”. Os impulsos maternais dela ficaram ainda mais
atiçados com a evangelização de Musk sobre a importância de as pessoas
terem muitos filhos. Ele temia que a queda nos índices de natalidade fosse
uma ameaça à sobrevivência da consciência humana no longo prazo. “As
pessoas vão ter que reviver a ideia de que ter filhos é uma espécie de dever
social”, declarou ele em uma entrevista em 2014. “Ou a civilização
simplesmente vai perecer.” A irmã leal de Musk, Tosca, que havia se
tornado uma produtora bem-sucedida de filmes românticos e morava em
Atlanta, nunca se casou. Elon a incentivou a ter filhos e, quando ela
concordou, a ajudou a encontrar uma clínica, a escolher um doador de
esperma anônimo e pagou pelo procedimento.
“Ele realmente quer que pessoas inteligentes tenham filhos, de modo que
me incentivou a tê-los”, afirma Zilis. Quando ela decidiu que havia chegado
a hora, Musk sugeriu ser o doador de esperma para que as crianças fossem
geneticamente filhas dele. Essa ideia a agradava. “Se a escolha estava entre
um doador de esperma anônimo ou fazer isso com a pessoa que você mais
admira no mundo, então para mim era uma decisão muito fácil”, confessa
Zilis. “Não consigo pensar em outros genes que iria preferir para meus
filhos.” Havia outra vantagem: “Parecia algo que o faria muito feliz.”
Os gêmeos deles foram concebidos por fertilização in vitro. Como a
Neuralink é uma empresa privada, não está nítido como as regras sobre
relacionamentos no local de trabalho se aplicavam a isso. Na época, esse
assunto não foi comentado, porque Zilis não contou às pessoas quem era o
pai biológico.
Certo dia de outubro, ela levou Musk e outros dos principais executivos
da Neuralink para um passeio pelas novas instalações que a empresa estava
construindo em Austin. Elas incluíam um escritório e um laboratório num
centro comercial próximo à gigafábrica da Tesla no Texas e um conjunto de
celeiros próximos para abrigar os porcos e ovelhas usados nos experimentos
de implantação dos chips. Zilis estava visivelmente grávida de gêmeos,
apesar de ninguém ali saber que o pai era Musk. Depois, perguntei se isso
fazia com que ela se sentisse estranha. “Não”, respondeu, “eu estava
empolgada por me tornar mãe”.
Zilis teve uma complicação no fim da gravidez e foi para o hospital. Os
gêmeos nasceram prematuros, sete semanas antes do tempo, mas saudáveis.
Musk consta nas certidões de nascimento como pai, mas as crianças — um
menino chamado Strider Seldon Sekhar e uma menina chamada Azure
Astra Alice — receberam o sobrenome de Zilis. Ela presumiu que ele não
iria se envolver muito na criação. “Achei que Elon faria o papel de um
padrinho”, afirma ela, “porque o cara tem muita coisa com que se
preocupar”.
Em vez disso, Musk acabou passando muito tempo com os gêmeos e
criou laços afetivos com eles, mesmo que a seu modo emocionalmente
distraído. Pelo menos uma vez por semana ele ficava na casa de Zilis, dava
de comer às crianças e se sentava no chão com elas enquanto fazia suas
reuniões noturnas virtuais sobre o Raptor, a Starship e o Tesla Autopilot.
Ele não era, dada a sua natureza, tão carinhoso quanto os pais comuns.
“Tem coisas que ele não faz porque é emocionalmente programado de uma
forma um pouco diferente”, diz Zilis. “Mas, quando vem, as crianças se
animam e só têm olhos para ele, o que o anima também.”

Bebê Y
Apesar de estarem num momento difícil do relacionamento, Grimes e
Musk se divertiam tanto sendo pais de X que decidiram ter outro bebê. “Eu
realmente queria muito que ele tivesse uma filha”, diz ela. Como a primeira
gravidez havia sido difícil e o corpo de Grimes, muito esguio, a tornava
propensa a ter complicações, eles decidiram por uma barriga de aluguel.
Isso levou a uma improvável situação esquisita e potencialmente
estranha, digna de uma farsa francesa new age. Quando Zilis estava
internada no hospital de Austin por complicações da gravidez, a mãe que
gestava a filha que Musk e Grimes haviam concebido in vitro em segredo
estava no mesmo hospital. Como a mãe de aluguel estava tendo uma
gravidez difícil, Grimes lhe fez companhia. Ela não sabia que Zilis
encontrava-se em um quarto ali perto, nem que estava grávida de Musk.
Talvez não seja surpresa que Musk tenha decidido voar para a Costa Oeste
naquele fim de semana de Ação de Graças para lidar com os problemas mais
simples de engenharia de foguetes.
Quando a filha deles nasceu, em dezembro, apenas algumas semanas
depois dos meios-irmãos gêmeos, Musk e Grimes começaram o demorado
processo de escolha de nomes. A princípio, eles a chamaram de Sailor Mars,
em homenagem a uma das heroínas do mangá Sailor Moon, que apresenta
guerreiras que protegem o sistema solar contra o mal. Parecia um nome
adequado, muito embora pouco convencional, para uma criança que poderia
estar destinada a ir a Marte. Em abril, eles decidiram que precisavam dar a
ela um nome menos sério (isso mesmo), porque “ela é toda brilhante e
muito mais pateta”, disse Grimes. Eles concordaram em Exa Dark Sideræl,
mas no início de 2023 brincaram com a ideia de mudar o nome dela para
Andromeda Synthesis Story Musk. Para simplificar, eles a chamavam de Y
ou, às vezes, “Why?”, com um ponto de interrogação como parte do nome
dela. “Elon sempre diz que precisamos descobrir qual a pergunta antes de
saber as respostas do Universo”, explica Grimes, se referindo ao que
aprendeu com O guia do mochileiro das galáxias.
Quando Musk e Grimes levaram Y para casa, apresentaram-na a X.
Christiana Musk e outros familiares estavam lá, e todos brincaram no chão
como se fossem uma família comum. Musk nunca disse nada sobre ter tido
gêmeos com Shivon. Depois de uma hora de brincadeiras e um jantar
rápido, ele pegou X e o levou no seu avião para Nova York, onde o menino
ficou sentado no colo dele na cerimônia da revista Time que o coroou como
Pessoa do Ano.
O título concedido pela revista foi o auge no tocante à popularidade de
Musk. Em 2021, ele passou a ser a pessoa mais rica do mundo, a SpaceX se
tornou a primeira empresa privada a colocar uma equipe civil em órbita e a
Tesla chegou ao valor de mercado de 1 trilhão de dólares ao encabeçar uma
mudança histórica na indústria automobilística mundial, com a era dos
veículos elétricos. “Poucos indivíduos tiveram mais influência do que Musk
na vida na Terra e potencialmente na vida fora da Terra também”, escreveu
Ed Felsenthal, editor da Time. O Financial Times também o declarou
Pessoa do Ano: “Musk está apostando em ser o empreendedor mais
inegavelmente inovador de sua geração.” Na entrevista para o jornal, Musk
destacou as missões que moviam as empresas dele. “Estou apenas tentando
levar as pessoas a Marte, promover a liberdade da informação com a
Starlink, acelerar a tecnologia sustentável com a Tesla e libertar as pessoas
da labuta de dirigir”, afirmou. “É bem possível que a estrada para o inferno
seja em parte pavimentada com boas intenções — mas a estrada para o
inferno é, principalmente, pavimentada com más intenções.”
capítulo 69
Política
2020-2022

“Tome a pílula vermelha”


“O pânico com o coronavírus é idiota”, tuitou Musk. Era 6 de março de
2020, e a covid-19 havia acabado de fechar a fábrica nova dele em Xangai e
começava a se espalhar pelos Estados Unidos. Isso estava fazendo o preço
das ações da Tesla cair, mas não era só o prejuízo financeiro que chateava
Musk. As determinações governamentais, na China e depois na Califórnia,
inflamaram-lhe a tendência antiautoridade.
Quando a Califórnia emitiu uma ordem para que as pessoas ficassem em
casa no fim de março, bem quando a fábrica de Fremont estava começando
a produzir o Model Y, Musk decidiu desafiar o governo. A fábrica iria
permanecer aberta. Ele escreveu num e-mail para a empresa inteira:
“Gostaria de deixar bem claro que se você se sentir um pouco doente ou até
mesmo indisposto, por favor, não se sinta obrigado a vir trabalhar.” Mas
depois acrescentou: “Eu, pessoalmente, vou trabalhar. Sustento minha
opinião sincera de que o estrago provocado pelo pânico do coronavírus
excede, e muito, o estrago causado pelo próprio vírus.”
Depois que as autoridades da comarca ameaçaram forçar a fábrica a
fechar, Musk entrou com um processo contra as ordens. “Se alguém quiser
ficar em casa, ótimo”, disse Musk. “Mas dizer que as pessoas não podem
sair de casa e vão ser presas se saírem, isso é fascismo. Não é democrático.
Não é liberdade. Devolvam a liberdade das pessoas.” Ele manteve a fábrica
aberta e desafiou o xerife local a fazer prisões. “Estarei na linha, como todos
os demais”, tuitou. “Se alguém for preso, peço que seja eu.”
Musk saiu triunfante. As autoridades locais chegaram a um acordo com a
Tesla para permitir que a fábrica de Fremont permanecesse aberta contanto
que certos protocolos de uso de máscara e medidas de segurança fossem
seguidos. Esses compromissos foram honrados em termos, mas a disputa
arrefeceu, a linha de montagem produziu carros e a fábrica não teve nenhum
surto grave de covid.
A controvérsia se tornou um fator na evolução política de Musk. Ele
havia sido fã e doador de Barack Obama, mas passou a discursar contra
democratas progressistas. Numa tarde de domingo em maio, no meio da
controvérsia, Musk publicou um tuíte críptico de quatro palavras: “Tome a
pílula vermelha.” Era uma referência ao filme Matrix, de 1999, no qual um
hacker descobre que esteve vivendo em uma simulação de computador (um
conceito que sempre intrigou Musk) e tem a chance de tomar a pílula azul,
que o fará esquecer tudo e voltar a uma vida aprazível, ou a pílula vermelha,
que o exporá à verdade real da Matrix. A frase “Tome a pílula vermelha” foi
adotada por muita gente, inclusive por alguns ativistas dos direitos dos
homens e teóricos da conspiração, como um grito de guerra que significava
a disposição de encarar a verdade sobre as elites dissimuladas. Ivanka Trump
entendeu a referência. Ela retuitou com o comentário “Tomei!”.

O vírus da mentalidade woke


“traceroute woke_mentalidade_vírus”.
Esse foi um tuíte bastante obscuro de Musk postado em dezembro de
2021, mas refletia uma mudança em andamento em suas opiniões políticas.
“Traceroute” é um comando de rede para determinar o caminho até o
servidor fonte de alguma informação. Musk havia assumido a causa de
combater o que considerava o excesso de politicamente correto e a cultura
woke de ativistas progressistas de justiça social. Quando perguntei a ele por
quê, ele respondeu: “A menos que o vírus da mentalidade woke, que é
fundamentalmente anticiência, antimérito e anti-humano em geral, seja
detido, a civilização jamais se tornará multiplanetária.”
A reação de Musk foi parcialmente provocada pela transição da filha
Jenna, a adoção por ela da política radical socialista e pela decisão de cortar
laços com ele. “Musk sente que perdeu um filho que mudou o sobrenome e
não vai mais falar com ele por causa do vírus da mentalidade woke”, diz
Jared Birchall, o gestor de seu escritório pessoal. “Ele é testemunha ocular
em um nível muito pessoal do efeito danoso de ser doutrinado por essa
religião da mentalidade woke.”
Em um nível mais mundano, Musk se convenceu de que a mentalidade
woke estava acabando com o humor. As piadas dele próprio tendiam a ser
cheias de referências maliciosas a 69, a outros atos sexuais, fluidos corporais,
cocô, pum, maconha e assuntos que arrancariam risadas de um dormitório
cheio de calouros chapados. Antigo fã do site satírico de notícias e Onion,
Musk passou a preferir o Babylon Bee, o site conservador cristão, e concedeu
uma entrevista a eles no fim de 2021. “A mentalidade woke quer tornar o
humor ilegal, o que não é nada maneiro”, contestou. “Tentar cancelar David
Chappelle, qual é, cara, é loucura. Queremos de fato uma sociedade sem
humor que está simplesmente repleta de condenação e ódio, e sem perdão?
No cerne, a mentalidade woke é divisiva, exclusivista e odiosa. Dá às pessoas
um escudo para serem más e cruéis, armadas de falsa virtude.”
Em maio de 2022, Musk recebeu uma ligação da Business Insider, que
estava prestes a publicar uma matéria sobre como ele teria aberto a calça
para uma comissária de bordo em seu jato particular e pedido que ela o
masturbasse. Em troca, dizia a matéria, ele iria dar um pônei para ela,
porque ela amava cavalos. Musk negou as alegações — e apontou que não
tinha comissárias de bordo no avião —, mas documentos mostravam que a
Tesla havia pagado 250 mil dólares em indenização à mulher em 2018.
Quando a matéria foi publicada, as ações da empresa caíram 10%, e os
ressentimentos políticos ficaram ainda mais inflamados. Ele acreditava que a
história havia sido vazada por um amigo da mulher, que era, nas palavras
dele, “um ativista, democrata de extrema esquerda”.
Assim que ouviu que a matéria estava prestes a ser publicada, Musk
tentou se inocular com um tuíte falando dela em termos políticos. “No
passado, votei nos democratas, porque eram (na maioria) o partido da
gentileza”, escreveu. “Mas se tornaram o partido da divisão & do ódio, de
modo que não posso mais apoiá-los, e vou votar nos republicanos. Agora,
prestem atenção nos truques sujos deles contra mim que vão aparecer.” Ele
estava a caminho do Brasil para se encontrar com o presidente populista de
direita Jair Bolsonaro, outro exemplo da mudança política de Musk, e
enquanto o avião decolava postou outro tuíte: “Os ataques contra mim
deveriam ser vistos por uma ótica política — este é o modo de agir
(desprezível) padrão deles —, mas nada vai me impedir de lutar por um
bom futuro e pelo direito à liberdade de expressão.”
No dia seguinte, quando a reportagem acabou não sendo tão explosiva
quanto ele temia, Musk voltou para um modo mais animado. “Finalmente
podemos usar a expressão ‘Elongate’ para dar nome a um escândalo. É meio
perfeito”, tuitou. E quando Chad Hurley, o cofundador do YouTube, fez
uma piada sobre as cavaladas dele, Musk respondeu: “Oi, Chad... Tá bom,
se você pegar no meu pinto eu te dou um cavalo.”

Biden
À medida que Musk ficava mais preocupado com a mentalidade woke, a
lealdade partidária dele mudou. “Este vírus da mentalidade woke jaz
principalmente no Partido Democrata, apesar de a maioria dos democratas
não concordar com isso”, disse. A evolução era também uma reação a
ataques contra ele por alguns democratas. “Elizabeth Warren realmente me
chamou de vigarista aproveitador que não paga impostos, quando estou
literalmente pagando mais impostos do que qualquer indivíduo na história”,
diz. Ele ficou especialmente enfurecido com um ataque de uma deputada
progressista da Califórnia, Lorena Gonzalez. “F*da-se Elon Musk”, tuitou
ela. Isso se somava à frustração dele com a Califórnia. “Eu vim para cá
quando era a terra da oportunidade”, comenta Musk. “Agora, é a terra do
litígio, da regulamentação e dos impostos.”
Ele havia desenvolvido um profundo desprezo por Donald Trump, que
considerava um vigarista, mas não ficou impressionado com Joe Biden.
“Quando Biden era vice-presidente, fui a um almoço com ele em São
Francisco em que falou por uma hora e foi chato pra caramba, como um
daqueles bonecos em que você puxa uma cordinha e ele fica repetindo as
mesmas frases bobas.” Mesmo assim, Musk diz que votaria em Biden em
2020, mas decidiu que votar na Califórnia, onde estava cadastrado o seu
título de eleitor, era uma perda de tempo porque não era um estado em que
a disputa seria acirrada.
Seu desprezo por Biden aumentou em agosto de 2021, quando o
presidente realizou um evento na Casa Branca em homenagem aos veículos
elétricos. Os chefes da GM, da Ford e da Chrysler, junto com o líder da
United Auto Workers, foram convidados, mas não Musk, apesar de a Tesla
ter vendido mais carros elétricos nos Estados Unidos do que todas as outras
empresas somadas. A secretária de comunicação de Biden, Jen Psaki, foi
sincera quanto ao motivo. “Bem, estes são os três maiores empregadores da
United Auto Workers”, disse ela, “então vou deixá-lo tirar suas próprias
conclusões”. A UAW não tinha conseguido sindicalizar a fábrica da Tesla
em Fremont, em parte por causa do que o Conselho Nacional de Relações
Trabalhistas considerou ações antissindicais ilegais da empresa, em parte
porque seus trabalhadores (como nas outras novas empresas de veículos
elétricos, Lucid e Rivian) obtiveram opções de ações, o que não costuma
fazer parte dos contratos sindicais.
Biden foi mais longe em novembro, quando visitou a fábrica da GM em
Detroit com a CEO Mary Barra e membros da liderança da UAW. “Detroit
está liderando o mundo em veículos elétricos”, disse Biden. “Mary, eu me
lembro de ter conversado com você em janeiro sobre a necessidade de os
Estados Unidos serem líderes no ramo dos carros elétricos. Você mudou
toda a história, Mary. Você tornou elétrica toda a indústria automobilística.
É sério. Você liderou, e isso é importante.”
De fato, a GM começara a liderar a mudança para veículos elétricos nos
anos 1990, mas havia desistido. Quando Biden fez essa declaração, a GM
tinha apenas um veículo elétrico, o Chevy Bolt, que havia sofrido um recall
e não estava sendo produzido na época. No último quadrimestre de 2021, a
GM vendeu um total de 26 veículos elétricos nos Estados Unidos. Naquele
ano, a Tesla vendeu cerca de 300 mil carros elétricos nos Estados Unidos.
“Biden é um fantoche murcho em forma de gente”, retorquiu Musk. Dana
Hull, uma repórter da Bloomberg que costumava ser crítica de Musk (ele a
bloqueou no Twitter), escreveu: “Biden faria melhor em se ater aos fatos e
reconhecer — como o mercado fez — o papel da Tesla como líder na
revolução dos carros elétricos.”
Os assessores de Biden, muitos dos quais dirigiam Teslas, começaram a
se preocupar com a crescente briga, e, no início de fevereiro de 2022, o
chefe de gabinete, Ron Klain, e o principal assessor econômico de Biden,
Brian Deese, ligaram para Musk. Ele achou os dois surpreendentemente
razoáveis. Ansiosos por aplacar a raiva de Musk, ambos prometeram que o
presidente elogiaria a Tesla publicamente, e inseriram uma frase num
discurso que seria feito por ele no dia seguinte: “Empresas anunciaram
investimentos que somam mais de 200 bilhões de dólares na fabricação
doméstica aqui nos Estados Unidos — desde empresas emblemáticas, como
a GM e a Ford, que estão desenvolvendo uma nova produção de veículos
elétricos, até a Tesla, a maior fabricante de veículos elétricos do país.” Não
era um endosso completo, mas apaziguou Musk, pelo menos por algum
tempo.
A distensão com o governo Biden não estava fadada a durar. Musk
enviou um e-mail para os principais executivos na Tesla expressando seu
“sentimento super-ruim” com relação à economia e pedindo a eles que se
preparassem para uma recessão. Quando o e-mail vazou, Biden foi
questionado sobre o assunto. Ele soltou uma farpa sarcástica: “Então, sabe,
que ele tenha muita sorte na viagem à Lua.” Era como se Biden pensasse
que Musk era algum maluco tentando voar até a Lua. Na realidade, o
módulo de pouso lunar da SpaceX estava sendo construído para os Estados
Unidos, e havia sido contratado pela NASA. Alguns minutos depois do
comentário de Biden, Musk tirou sarro da falta de noção do presidente:
“Obrigado, sr. presidente!”, tuitou, e incluiu um link para a nota da NASA à
imprensa que dizia ter fechado um contrato com a SpaceX para pousar
astronautas norte-americanos na Lua.

***

Em uma ligação em abril, os assessores de Biden descreveram os incentivos


para carros elétricos que estavam num projeto de lei em tramitação para
reduzir a inflação. Musk ficou surpreso com quão bem elaborados eram.
Entretanto, foi contra os planos do governo de gastar 5 bilhões de dólares
em três anos para criar uma rede de estações de carregamento de carros
elétricos. Embora isso pudesse ajudar a Tesla, Musk achava que o governo
não deveria se meter no negócio de construir estações de carregamento,
assim como não deveria construir postos de combustível. Isso era feito
melhor pelo setor privado, tanto pelas empresas grandes quanto pelas
pequenas. As empresas encontrariam formas de atrair os clientes ao
construir estações de carregamento em restaurantes, atrações de beira de
estrada, lojas de conveniência e outros locais. No entanto, se o governo
construir estações, isso acabará com esses impulsos empreendedores. Musk
prometeu que os carregadores da Tesla estariam abertos para outros carros.
“Quero que vocês saibam que nossos mecanismos de carregamento tanto no
carro quanto nas nossas estações vão ser interoperáveis”, prometeu ele na
ligação telefônica.
Isso era um pouco mais complicado do que parecia. Os supercarregadores
da Tesla precisariam de adaptadores para os conectores usados em outros
carros, e ajustes financeiros teriam que ser negociados. Mitch Landrieu, o
czar de infraestrutura da Casa Branca, foi até a fábrica de baterias da Tesla
em Nevada e recebeu informações sobre os detalhes tecnológicos. Depois,
ele e John Podesta, o assessor de Biden para inovação em energias limpas,
tiveram uma rápida reunião com Musk em Washington para acertar os
detalhes. Isso levou a uma rara troca de tuítes de apoio. “Elon Musk vai
abrir uma pequena parte da rede da Tesla para todos os motoristas”, dizia
um tuíte que os assessores escreveram para Biden postar. “É uma grande
notícia, e vai fazer uma diferença e tanto.” Musk respondeu: “Muito
obrigado. A Tesla está feliz em apoiar outros carros elétricos por meio de
nossa rede de supercarregadores.”

Um círculo libertário
Certo dia no início de 2022, Musk decidiu dar uma festa de última hora na
gigafábrica da Tesla no Texas, que estava quase pronta. O assistente dele,
Omead Afshar, encomendou um protótipo do Cybertruck e fez com que o
levantassem até um dos espaços abertos no segundo andar da fábrica. Ele
instalou um bar, usou os assentos dos carros em produção para criar um
enorme saguão e colocou alguns robôs da linha de montagem ao redor só
por diversão.
Musk convidou o amigo Luke Nosek, cofundador da PayPal e investidor
da SpaceX, que sugeriu convidar também Joe Rogan, o podcaster morador
de Austin e um politicamente incorreto orgulhoso, em cujo programa Musk
havia fumado um baseado em meio à confusão de 2018. Nosek também
chamou Jordan Peterson, o psicólogo canadense e ocasional provocador
antiwoke, que estava de visita. Peterson chegou trajado de paletó de
colarinho de veludo cinza com um colete de veludo cinza combinando.
Depois da festa, um pequeno grupo que incluía Musk, Rogan, Peterson e
Grimes foi à casa de Nosek, onde ficaram conversando até as três da manhã.
Nosek, que nasceu na Polônia, havia sido um libertário dedicado desde os
tempos na Universidade do Illinois, onde teve longas discussões com Max
Levchin. Eles iriam se tornar cofundadores, juntamente com Musk e o
libertário ainda mais ardente Peter iel, da PayPal. Nosek havia estado
entre as poucas pessoas que comemoraram na casa de iel a vitória de
Trump em 2016.
O grupo de amigos de Musk em Austin também incluía o cofundador da
PayPal Ken Howery, que era embaixador de Trump na Suécia, e o jovem
empreendedor de tecnologia Joe Lonsdale, outro pupilo de iel. Outro
amigo dos dias da PayPal era o empreendedor de São Francisco e investidor
de risco David Sacks. As opiniões políticas de David não eram rigidamente
partidárias; ele havia apoiado tanto Mitt Romney quanto Hillary Clinton.
Contudo, desde o tempo de estudante, preocupava-o o que ele chamou de
correção política, e em 1995 ele escreveu com iel o livro e Diversity
Myth: Multiculturalism and Political Intolerance on Campus [O mito da
diversidade: multiculturalismo e intolerância política na universidade], que
denunciava, usando a alma mater deles, Stanford, como exemplo, “o impacto
debilitante do ‘multiculturalismo’ politicamente correto sobre o ensino
superior e a liberdade acadêmica”.
Nenhuma dessas pessoas determinava as visões políticas de Musk, e seria
errado pintá-las como influenciadoras sombrias dos bastidores. Musk era
obstinadamente cheio de opiniões, pela própria natureza e por instinto. Mas
elas tendiam a reforçar os sentimentos antiwoke dele.
O salto de Musk para a direita em 2022 desconcertou os amigos
progressistas, entre eles a primeira esposa, Justine, e a então namorada,
Grimes. “A chamada guerra contra a mentalidade woke é uma das coisas
mais idiotas da história”, tuitou Justine naquele ano. Quando ele começou a
enviar memes de direita e teorias da conspiração para Grimes, ela
respondeu: “Isto é do 4chan ou algo do tipo? Você está começando a soar
como alguém da extrema direita.”
Havia uma esquisitice no recém-descoberto fervor antiwoke de Musk,
bem como no ocasional apoio a teorias da conspiração da direita radical.
Elas vinham em ondas, assim como sua personalidade demoníaca; não era o
padrão de Musk. Na maior parte do tempo, ele alegava ser de centro
moderado, muito embora com uma tendência libertária pela resistência
natural a regulamentações e regras. Já havia feito doações para a campanha
de Obama, e certa vez ficou por seis horas em uma fila para apertar a mão
do então futuro presidente em um evento. “Estou pensando em criar um
‘supercomitê de ação política (CAP) supermoderado’ que apoia candidatos
com visões centristas de todos os partidos”, tuitou ele certa vez em 2022. E,
mais tarde naquele verão, quando voou para comparecer a um evento de
arrecadação de recursos para o CAP do líder republicano na Câmara, Kevin
McCarthy, inoculou-se com um tuíte para tentar tranquilizar os que
achavam que iria se tornar totalmente pró-Trump: “Para deixar claro, apoio
a metade à esquerda do Partido Republicano e a metade à direita do Partido
Democrata!”
Entretanto, as opiniões políticas de Musk, assim como os humores dele,
eram volúveis. Ao longo de 2022, ele se alternou entre elogios animados por
moderação e reclamações raivosas sobre como a mentalidade woke e a
censura perpetuadas pela elite da mídia eram uma ameaça existencial à
humanidade.

Polytopia
Uma chave para entender Musk — a intensidade, o foco, a competitividade,
as atitudes teimosas e o amor pela estratégia — é a paixão dele por
videogames. Horas de imersão se tornaram a maneira de ele gastar energia
(ou armazená-la) e melhorar as habilidades e o pensamento estratégico para
os negócios.
Aos 13 anos, na África do Sul, depois de aprender sozinho a programar,
Musk desenvolveu um jogo eletrônico chamado Blastar. Ele descobriu
maneiras de hackear jogos de fliperama para jogar de graça, considerou abrir
um fliperama e fez estágio em uma empresa produtora de jogos. Como
estudante de graduação, começou a se concentrar no gênero conhecido
como jogos de estratégia — a princípio com Civilization e Warcraft: Orcs
and Humans —, nos quais os jogadores se revezam enquanto competem
para ganhar uma campanha militar ou econômica usando estratégias
inteligentes, gestão de recursos e pensamento tático de árvore de decisão.
Em 2021, Musk ficou obcecado com um novo jogo multiplayer de
estratégia no iPhone chamado Polytopia. Nele, os jogadores escolhiam um
entre dezesseis personagens, conhecidos como tribos, e competiam para
desenvolver tecnologias, monopolizar recursos e batalhar de forma a
construir um império. Ele se tornou tão bom que era capaz de vencer o
desenvolvedor sueco do jogo, Felix Ekenstam. O que a paixão pelo jogo diz
sobre ele? “Fui feito para a guerra, basicamente”, respondeu Musk.
Shivon Zilis instalou o app no celular para que eles pudessem jogar
juntos. “Fiquei viciada, e tem tantas lições de vida para aprender, tantas
coisas estranhas sobre você e seus oponentes”, diz. Um dia em Boca Chica,
depois de uma discussão tensa com alguns engenheiros sobre a necessidade
de usar correntes de segurança quando moviam o foguete auxiliar da
Starship, Musk se recolheu para se sentar em um equipamento no canto do
estacionamento e jogou duas intensas partidas de Polytopia no telefone
contra Zilis, que estava em Austin. “Ele simplesmente acabou comigo nas
duas”, conta ela.
Ele também convenceu Grimes a baixar o jogo. “Ele não tem hobbies ou
maneiras de relaxar que não sejam jogos eletrônicos”, diz ela, “e leva isso tão
a sério que acaba sendo muito intenso”. Durante uma partida em que os
dois haviam combinado que formariam uma frente unificada contra outras
tribos, ela o atacou de surpresa com uma bola de fogo. “Foi uma das nossas
maiores brigas”, lembra ela. “Ele interpretou isso como um ato de profunda
traição.” Grimes reclamou, e disse que aquilo era só um jogo, uma coisa de
pouca importância. “É muito importante”, rebateu Musk. Ele ficou sem
falar com Grimes pelo resto do dia.
Em uma visita à fábrica da Tesla em Berlim, ele ficou tão envolvido em
Polytopia que atrasou reuniões com gerentes locais. A mãe dele, que também
viajara, o criticou. “É verdade, eu errei”, admitiu Musk. “Mas é o melhor
jogo que existe.” Durante a viagem de volta em seu avião, ele jogou a noite
toda.
Alguns meses depois, em Cabo San Lucas, aonde fora para a festa de
aniversário de Christiana Musk, Elon passou horas sozinho no quarto ou no
canto jogando. “Por favor, você precisa vir ficar com a gente”, implorou a
cunhada, mas ele se recusou. Kimbal tinha aprendido o jogo para se
aproximar do irmão. “Ele disse que ia me ensinar a ser um CEO assim
como ele”, fala Kimbal. “Chamamos de Lições de Vida do Polytopia.” Entre
elas:

Empatia não é uma vantagem. “Ele sabe que tenho o gene da empatia,
diferentemente dele, e isso me prejudicou nos negócios”, diz Kimbal.
“Polytopia me ensinou como ele pensa quando se tira a empatia. Quando
você joga não há empatia, certo?”

Viva a vida como um jogo. “Tenho essa sensação”, comentou Zilis certa
vez para Musk, “de que, quando você era criança e estava jogando um
desses jogos de estratégia, sua mãe desligou o videogame e você nem
reparou, e continuou vivendo a vida como se fosse aquele jogo”.

Não tenha medo de perder. “Você vai perder”, afirma Musk. “Vai doer nas
primeiras cinquenta vezes. Quando se acostumar a perder, vai jogar cada
partida com menos emoção.” Você será mais ousado, correrá mais riscos.

Seja proativo. “Sou um pouco pacifista e reativa à moda canadense”,


confessa Zilis. “Meu modo de jogo era 100% reativo ao que todo mundo
estava fazendo, em vez de pensar na minha melhor estratégia.” Ela
percebeu que, como muitas mulheres, isso mostrava a maneira como ela
se comportava no trabalho. Tanto Musk quanto Mark Juncosa disseram
que ela jamais ganharia, a menos que assumisse o papel de determinar a
estratégia.

Otimize cada jogada. Em Polytopia, você tem apenas trinta jogadas, de


modo que precisa otimizar cada uma. “Assim como em Polytopia, você só
tem um número determinado de chances na vida”, diz Musk. “Se deixar
algumas delas passarem, nunca vamos chegar a Marte.”

Dobre a aposta. “Elon joga sempre no limite do que é possível”, afirma


Zilis. “E ele sempre está dobrando a aposta e colocando tudo de volta no
jogo para crescer cada vez mais. Assim como tem agido a vida toda.”
Escolha as batalhas. Em Polytopia, você pode se ver cercado por seis ou
mais tribos, sendo atacado por todas. Se você tentar atacar todas, vai
perder. Musk nunca dominou totalmente essa lição, e Zilis se viu
orientando-o sobre isso. “Cara, tipo, todo mundo está te atacando agora,
mas se você reagir a tudo vai ficar sem recursos”, falou para ele. Ela
chamou essa abordagem de “minimização de front”. Era uma lição que
ela tentou lhe ensinar sobre o comportamento dele no Twitter — mas
não conseguiu.

Às vezes desligue. “Tive que parar de jogar porque o jogo estava


destruindo o meu casamento”, diz Kimbal. Shivon Zilis apagou Polytopia
do celular. Assim como Grimes. E, por um tempo, Musk também. “Tive
que tirar Polytopia do meu celular porque estava consumindo muitos
ciclos mentais”, relata Musk. “Comecei a sonhar com Polytopia.” No
entanto, a lição sobre desligar era outra, que Musk nunca dominou.
Passados alguns meses, ele tornou a baixar o jogo no celular e voltou a
jogar.
capítulo 70
Ucrânia
2022

Starlink ao resgate
Uma hora antes de iniciar a invasão à Ucrânia, em 24 de fevereiro de 2022,
a Rússia lançou um ataque gigantesco de malware para impedir o
funcionamento dos roteadores da empresa norte-americana de satélites
Viasat, que fornecia serviços de comunicação e internet para o país. O
sistema de comando das Forças Armadas ucranianas ficou prejudicado, o
que praticamente impossibilitou a organização de uma defesa. De modo
frenético, altos oficiais ucranianos pediram ajuda a Musk, e o vice-primeiro-
ministro, Mykhailo Fedorov, usou o Twitter para pedir que ele fornecesse a
conectividade. “Pedimos que você forneça estações da Starlink para a
Ucrânia”, escreveu.
Musk aceitou. Dois dias depois, quinhentos terminais chegaram à
Ucrânia. “As Forças Armadas dos Estados Unidos querem ajudar com o
transporte, e o Departamento de Estado ofereceu voos humanitários e uma
pequena compensação”, escreveu Gwynne Shotwell num e-mail a Musk. “O
pessoal está realmente empenhado!”
“Maravilha”, respondeu Musk. “Parece bom.” Ele entrou em uma
chamada por Zoom com o presidente Volodymyr Zelensky, discutiu a
logística de um sistema mais robusto e prometeu visitar a Ucrânia quando a
guerra acabasse.
Lauren Dreyer, diretora de operações corporativas da Starlink na
SpaceX, começou a mandar e-mails com atualizações para Musk duas vezes
por dia. “A Rússia derrubou boa parte da infraestrutura de comunicações da
Ucrânia hoje, e vários kits da Starlink já estão permitindo que as Forças
Armadas ucranianas continuem operando centros de comando”, escreveu ela
em 1o de março. “Esses kits podem salvar vidas, já que o oponente agora
está se concentrando intensamente em infraestrutura de comunicações. Eles
estão pedindo mais.”
No dia seguinte, a SpaceX enviou mais dois terminais pela Polônia.
Dreyer, contudo, disse que não havia eletricidade em algumas áreas, de
modo que muitos dos kits não iriam funcionar. “Vamos oferecer o envio de
kits de energia solar + baterias”, respondeu Musk. “Podemos mandar
Powerwalls da Tesla e Megapacks também.” As baterias e os painéis solares
logo estavam a caminho.
Durante todos os dias daquela semana, Musk fez reuniões regulares com
os engenheiros da Starlink. Ao contrário de todas as outras empresas e até
mesmo de setores das Forças Armadas norte-americanas, eles conseguiram
encontrar modos de derrotar o bloqueio de comunicações imposto pela
Rússia. No domingo, a empresa estava oferecendo conexão de voz para uma
brigada de operações especiais da Ucrânia. Kits da Starlink também estavam
sendo usados para conectar as Forças Armadas ucranianas com o Comando
de Operações Especiais Conjuntas dos Estados Unidos e retomar as
transmissões televisivas no país. Em questão de dias, mais 6 mil terminais e
antenas foram enviados, e em julho havia 15 mil terminais da Starlink
operando na Ucrânia.
Não demorou para que a Starlink recebesse uma cobertura generosa na
imprensa. “O conflito na Ucrânia ofereceu à novata rede de satélites de
Musk e da SpaceX um teste de fogo que despertou o apetite de muitas
Forças Armadas no Ocidente”, escreveram os repórteres do Politico depois
de fazer um perfil de soldados ucranianos no front que estavam usando o
serviço. “Comandantes ficaram impressionados com a capacidade da
empresa de entregar, em poucos dias, milhares de estações de satélite do
tamanho de uma mochila para o país devastado pela guerra e de mantê-los
conectados à internet, apesar dos ataques cada vez mais sofisticados de
hackers russos.” O e Wall Street Journal também publicou uma
reportagem. “Sem a Starlink estaríamos perdendo a guerra”, declarou um
comandante de pelotão ucraniano ao jornal.
A Starlink contribuiu com metade do custo das antenas e dos serviços
oferecidos. “O que doamos até agora?”, escreveu Musk para Dreyer em 12
de março. Ela respondeu: “Dois mil Starlinks gratuitos e serviço mensal.
Além disso, trezentos outros com desconto significativo para a associação de
TI de Lviv, e demos isenção da taxa mensal de serviço para
aproximadamente 5.500.” Pouco depois, a empresa doou mais 1,6 mil
terminais, e Musk estimou a contribuição total em cerca de 80 milhões de
dólares.
Outra fonte de financiamento veio de agências governamentais dos
Estados Unidos, da Grã-Bretanha, da Polônia e da República Tcheca.
Também houve contribuições de pessoas físicas. O historiador Niall
Ferguson enviou um e-mail para amigos com o propósito de tentar
arrecadar 5 milhões de dólares para a compra e o transporte de mais 5 mil
kits da Starlink. “Se você quiser contribuir, por favor, me informe o quanto
antes”, escreveu. “Eu não tenho como exagerar a importância do papel que a
Starlink tem desempenhado na manutenção das comunicações do governo
ucraniano, impedindo que elas sejam derrubadas pela Rússia.” Três horas
depois, ele recebeu uma resposta de Marc Benioff, o bilionário cofundador
da Salesforce: “Vou doar 1 milhão de dólares. Elon é demais.”

Nenhuma boa ação…


“Podia ter sido um desastre gigantesco”, escreveu Musk para mim. Era uma
noite de sexta-feira de setembro de 2022, e ele tinha entrado no seu modo
crise e drama, dessa vez com razão. Uma questão perigosa e complicada
surgira, e ele acreditava haver “uma possibilidade não desprezível”, nas
palavras dele, de que isso pudesse levar a uma guerra nuclear, com a Starlink
sendo parcialmente responsável. As Forças Armadas da Ucrânia estavam
tentando um ataque furtivo à frota naval russa baseada em Sebastopol, na
Crimeia: enviaram seis pequenos drones submarinos com cargas explosivas,
e estavam usando a Starlink para guiá-los até os alvos.
Embora Musk tivesse prontamente apoiado a Ucrânia, os instintos dele
com relação à política internacional eram os de alguém realista que havia
estudado a história militar europeia. Ele acreditava que seria imprudente da
parte da Ucrânia lançar um ataque na Crimeia, anexada pela Rússia em
2014. O embaixador da Rússia havia alertado Musk, em uma conversa
poucas semanas antes, que atacar a Crimeia poderia equivaler a ultrapassar
uma linha capaz de levar a uma resposta nuclear. Musk me explicou os
detalhes da lei e da doutrina russas que determinavam essa resposta.
Ao longo daquela noite, Musk se encarregou pessoalmente da situação e
concluiu que permitir o uso do Starlink para o ataque seria um desastre para
o mundo. Portanto, ele reafirmou uma política secreta que havia
implementado, da qual os ucranianos não tinham conhecimento, para
desativar a cobertura num raio de cem quilômetros em volta da costa da
Crimeia. Como resultado, quando os drones submarinos se aproximaram da
frota russa em Sebastopol, perderam a conectividade e foram parar na praia,
sem causar danos.
Quando as Forças Armadas ucranianas perceberam, no meio da missão,
que a Starlink estava desabilitada na Crimeia e em seu entorno, Musk
recebeu telefonemas frenéticos e mensagens de texto com pedidos para que
ele ativasse novamente a cobertura. Mykhailo Fedorov, o vice-primeiro-
ministro que antes havia pedido a ajuda dele, compartilhou em sigilo com
ele os detalhes de como os drones submarinos eram cruciais para a luta pela
liberdade. “Nós mesmos construímos os drones submarinos, eles são capazes
de destruir qualquer cruzador ou submarino”, escreveu Fedorov usando um
aplicativo criptografado. “Eu não compartilhei essa informação com
ninguém. Eu só quero que você, a pessoa que está transformando o mundo
por meio da tecnologia, fique sabendo disso.”
Musk respondeu que o projeto dos drones era impressionante, mas se
recusou a ligar novamente a cobertura em volta da costa da Crimeia, e
argumentou que a Ucrânia “agora está indo longe demais e atraindo uma
derrota estratégica”. Ele discutiu a situação com o assessor de segurança
nacional de Biden, Jake Sullivan, e com o chefe do Estado-Maior Conjunto,
general Mark Milley, e explicou que a SpaceX não desejava que a Starlink
fosse usada em ofensivas militares. Musk também ligou para o embaixador
russo para garantir que a Starlink estava sendo usada apenas para propósitos
defensivos. “Acho que se os ataques da Ucrânia tivessem conseguido afundar
a frota russa, isso teria sido uma espécie de mini-Pearl Harbor, e levaria a
uma grande escalada da guerra”, opina Musk. “Nós não queríamos fazer
parte disso.”
***

A mentalidade de estado de sítio de Musk era muitas vezes apocalíptica.


Tanto nos negócios quanto na política, ele tinha tendência a perceber
ameaças terríveis e de usá-las como motivação. Em 2022, ficou alarmado,
pois achava que havia uma série de acontecimentos catastróficos por
acontecer no cenário internacional. Passou, então, a acreditar na
probabilidade de que pudesse haver, dentro de um ano, um grande
confronto com a China por causa de Taiwan, algo que poderia arrasar a
economia mundial. Musk também estava convencido de que o
prolongamento da guerra na Ucrânia poderia levar a desastres militares e
econômicos.
Musk assumiu para si a tarefa de encontrar uma solução para a guerra na
Ucrânia, e propôs um plano de paz que incluía novos referendos em
Donbass e em outras regiões controladas pela Rússia, aceitar que a Crimeia
era parte da Rússia e garantir que a Ucrânia permanecesse uma nação
“neutra”, sem se filiar à Otan. A proposta causou reações enfurecidas. “Vá se
foder, essa é a resposta mais diplomática que eu posso te dar”, tuitou o
embaixador da Ucrânia na Alemanha. O presidente Zelensky foi um pouco
mais cauteloso. Ele postou uma enquete no Twitter em que perguntava: “De
qual Elon Musk você gosta mais? Do que apoia a Ucrânia ou do que apoia a
Rússia?”
Musk recuou um pouco nos tuítes posteriores. “O custo arcado pela
SpaceX para entregar o Starlink à Ucrânia e dar suporte é de cerca de 80
milhões de dólares até agora”, escreveu em resposta à pergunta de Zelensky.
“Nosso apoio à Rússia é de zero dólar. Obviamente, somos pró-Ucrânia.” E
em seguida acrescentou: “Tentar retomar a Crimeia vai causar um número
gigantesco de mortes, provavelmente não dará certo, e pode provocar uma
guerra nuclear. Isso seria terrível para a Ucrânia e para o planeta.”

***

No início de outubro, Musk estendeu as restrições do uso da rede da


Starlink para operações ofensivas ao desabilitar parte de sua cobertura nas
regiões do sul e do leste da Ucrânia, controladas pela Rússia. Isso levou a
mais uma enxurrada de ligações e ressaltou o tamanho do papel que a
Starlink vinha desempenhando. Nem a Ucrânia nem os Estados Unidos
tinham sido capazes de encontrar outros provedores de satélites ou de
sistemas de comunicação que pudessem se equiparar ao Starlink, ou de
resistir aos ataques de hackers russos. Sentindo que seu esforço não estava
sendo reconhecido, Musk sugeriu que a SpaceX não pretendia mais arcar
com parte dos custos financeiros.
Shotwell também achava que a SpaceX deveria parar de subsidiar a
operação militar ucraniana. Oferecer ajuda humanitária era uma boa ideia,
mas empresas privadas não deveriam financiar a guerra de um país
estrangeiro. Isso devia ser deixado nas mãos do governo, e é por isso que os
Estados Unidos têm um programa de Vendas Militares para o Exterior, que
oferece uma camada de proteção entre as empresas privadas e governos de
outros países. Outras empresas, incluindo grandes e lucrativas empresas da
área de defesa, estavam cobrando bilhões para fornecer armas à Ucrânia;
sendo assim, não parecia justo que a Starlink, que ainda não era lucrativa,
devesse fazer isso gratuitamente. “A princípio, oferecemos serviço gratuito
para os ucranianos com fins humanitários e de defesa, como manter os
hospitais e o sistema bancário deles funcionando”, diz ela. “Mas aí eles
começaram a colocar o equipamento naquelas merdas de drones para tentar
explodir navios russos. Fico feliz em doar serviços para ambulâncias,
hospitais e mães. É isso que empresas e pessoas deviam fazer. Mas é errado
pagar por ataques militares com drones.”
Shotwell começou a negociar um contrato com o Pentágono. A SpaceX
continuaria a oferecer serviços gratuitos por mais seis meses para os
terminais que estavam sendo utilizados com propósitos humanitários, mas
deixaria de oferecer serviço gratuito para aqueles usados pelas Forças
Armadas; por esses, o Pentágono deveria pagar. O acordo obtido
determinava que o Pentágono pagaria 145 milhões de dólares à SpaceX para
cobrir o serviço.
Então a história vazou, e gerou uma reação contra Musk na imprensa e
no Twitter. Ele decidiu retirar o pedido de financiamento. A SpaceX
proveria serviços gratuitos indefinidamente para os terminais que já estavam
na Ucrânia. “Dane-se”, tuitou. “Mesmo que a Starlink continue perdendo
dinheiro e outras empresas estejam recebendo bilhões do dinheiro dos
contribuintes, vamos continuar financiando o governo ucraniano de graça.”
Shotwell achava isso ridículo. “O Pentágono tinha um cheque de 145
milhões de dólares pronto para me entregar, literalmente. Aí o Elon
sucumbiu à besteirada no Twitter e aos haters no Pentágono que vazaram a
história.”
“Nenhuma boa ação passa impune”, tuitou o amigo David Sacks.
“Mesmo assim, devemos praticar boas ações”, respondeu Musk.

***

O vice-primeiro-ministro Fedorov tentou aparar as arestas ao enviar para


Musk mensagens de texto criptografadas com uma torrente de
agradecimentos. “Nem todo mundo entende a contribuição que você está
dando à Ucrânia. Estou convicto de que sem os Starlinks não
conseguiríamos manter as coisas funcionando. Muito obrigado de novo.”
Fedorov disse que entendia a posição de Musk de não permitir o uso do
serviço da Starlink para ataques na Crimeia. No entanto, insistiu que Musk
permitisse à Ucrânia utilizar o serviço para combater no Sul e no Leste,
regiões controladas pela Rússia. Isso levou a uma conversa criptografada de
uma franqueza impressionante.

Fedorov: A exclusão desses territórios é absolutamente injusta. Eu sou de


uma vila chamada Vasylivka, na região de Zaporizhzhia, meus pais e amigos
moram lá. Hoje essa cidadezinha está ocupada por tropas russas e a situação
é de completo caos e ultraje — os moradores esperam impacientemente para
serem libertados… No fim de setembro, percebemos que a Starlink não
funciona nas cidades liberadas, o que impossibilita a restauração de
infraestrutura essencial para esses territórios. Para nós é uma questão de
vida ou morte.

Musk: Se a Rússia estiver plenamente mobilizada, eles vão destruir toda a


infraestrutura em toda a Ucrânia e ir muito além dos territórios atuais. A
Otan terá que intervir para impedir que a Ucrânia inteira caia nas mãos da
Rússia. Nesse ponto, o risco de uma Terceira Guerra Mundial se torna
muito alto.
Fedorov: A mobilização não afeta tanto o curso da guerra quanto a
tecnologia; esta é uma guerra de tecnologia… A mobilização na Rússia
pode levar à queda de Putin. Esta não é uma guerra do povo russo, e eles
não querem ir para a Ucrânia.

Musk: Nada, nada vai impedir a Rússia de tentar manter a Crimeia. Isso
cria um risco catastrófico para o mundo… Busquem a paz enquanto vocês
estão em boas condições de negociar… Vamos discutir isso. [Musk incluiu o
número de seu novo celular particular.] Vou dar meu apoio a qualquer
caminho pragmático para a paz que vise ao bem maior para a humanidade.

Fedorov: Entendo. Nós vemos as coisas pelos olhos dos ucranianos e você
vê da posição de alguém que quer salvar a humanidade. E não só quer, como
faz mais por isso do que qualquer outra pessoa.

***

Depois dessa conversa com Fedorov, Musk se sentiu frustrado. “Como eu


fui parar nessa guerra?”, perguntou durante uma conversa telefônica de fim
de noite. “A Starlink não foi feita para se envolver em guerras. Era para que
as pessoas pudessem assistir à Netflix, relaxar e usar a internet para trabalhos
escolares e fazer coisas boas e pacíficas, não ataques de drones.”
No fim, com ajuda de Shotwell, a SpaceX fez acordos com vários
departamentos governamentais para pagar por novos serviços da Starlink na
Ucrânia, com as Forças Armadas definindo os termos do serviço. Mais de
100 mil novas antenas foram enviadas para a Ucrânia no início de 2023.
Além disso, a Starlink lançou um serviço chamado Starshield,
especificamente projetado para uso militar. A SpaceX vendeu ou licenciou
satélites e serviços Starshield para as Forças Armadas dos Estados Unidos e
outros órgãos do governo, o que permitia ao governo determinar como eles
poderiam — e deveriam — ser usados na Ucrânia e em outros lugares.
capítulo 71
Bill Gates
2022

Com Gates no Fórum de Boao para a Ásia em Qionghai, na China, em 2015


A visita
“Olha só, eu iria adorar me encontrar com você e falar sobre filantropia e
clima”, disse Bill Gates a Musk quando, por acaso, se depararam um com o
outro em um evento no início de 2022. As vendas das ações de Musk o
haviam levado, por razões fiscais, a investir 5,7 bilhões de dólares em um
fundo de caridade criado por ele. Gates, que na época gastava a maior parte
do tempo fazendo filantropia, gostaria de dar muitas sugestões.
Eles tinham se encontrado antes, e a interação fora amistosa, incluída a
ocasião em que Bill Gates levou o filho Rory à SpaceX. Musk, que sempre
gostou mais do sistema operacional da Microsoft do que a maioria dos
tecnólogos, se identificava com um sujeito que havia criado uma empresa
com uma atitude intensa e incansável. Eles concordaram em marcar uma
visita, e Gates, que tem uma equipe de assistentes e pessoas responsáveis por
sua agenda, disse que ia incumbir seu escritório de ligar para a pessoa que
cuida da agenda de Musk.
“Não tenho ninguém cuidando da minha agenda”, respondeu Musk. Ele
tinha decidido se livrar de seu assistente pessoal por querer controle
completo do próprio calendário. “Peça à sua secretária que ligue diretamente
para mim.” Gates, que considerou “bizarro” o fato de Musk não ter alguém
para cuidar da agenda, achou estranho que seus assistentes ligassem para
Musk, de modo que ligou pessoalmente e marcou uma hora em que os dois
pudessem se encontrar em Austin.
“Acabei de pousar”, disse Gates por mensagem de texto na tarde de 9 de
março de 2022.
“Boa”, respondeu Musk, que mandou Omead Afshar se dirigir à entrada
da gigafábrica para recebê-lo.

***

Com relação ao seleto grupo daqueles que já receberam o título de pessoa


mais rica do mundo, Musk e Gates apresentam algumas semelhanças. Os
dois têm mentes analíticas, uma capacidade de concentração imensa e uma
confiança intelectual que beira a arrogância. Nenhum dos dois tem
paciência com gente tola. Todas essas características tornavam provável que
eles entrassem em rota de colisão, o que aconteceu a partir do momento em
que Musk começou a fazer um passeio guiado pela fábrica.
Gates afirmou que baterias nunca seriam capazes de prover energia para
grandes carretas, e também que a energia solar não teria um papel
importante para resolver o problema do clima. “Mostrei os números a ele”,
diz Gates. “Trata-se de uma área em que eu claramente sabia algo que ele
não sabia.” Gates também jogou duro com Musk sobre Marte. “Não me
empolgo com Marte”, me disse Gates depois. “Ele está superentusiasmado
com Marte. Deixei que ele explicasse a sua opinião sobre isso, e é uma coisa
meio estranha. É uma coisa maluca que talvez ocorra uma guerra nuclear na
Terra, e aí o pessoal em Marte está lá e vai voltar para cá e, sabe, sobreviver
depois que a gente se matar.”
Apesar disso, Gates se impressionou com a fábrica que Musk tinha
construído e com o conhecimento minucioso que ele mostrara ter de cada
máquina e do processo. Ele também admirava a SpaceX por ela ter lançado
uma grande constelação de satélites da Starlink para oferecer internet a
partir do espaço. “A Starlink é a realização de algo que eu tentei com a
Teledesic vinte anos atrás”, afirma Gates.
No fim da visita guiada, a conversa passou para a filantropia. Musk
expressou seu ponto de vista de que a maior parte do trabalho de filantropia
era “bobagem”. Ele estimava que cada dólar tinha um impacto de apenas 20
centavos, e que podia fazer muito mais pela mudança climática investindo
na Tesla.
“Olha só, vou mostrar para você cinco projetos, cada um de 100
milhões”, respondeu Gates. Ele listou dinheiro para refugiados, escolas
norte-americanas, uma cura para a aids, erradicação de tipos de mosquito
por meio da genética e sementes geneticamente modificadas que resistirão
aos efeitos da mudança climática. Gates é muito diligente quando se trata
de filantropia, e prometeu escrever para Musk e enviar uma “descrição
extensa das ideias”.

***
Havia uma questão controversa que eles precisavam abordar. Gates vendera
ações da Tesla a descoberto, apostando alto que elas iam desvalorizar. Ele
estava errado. Quando chegou a Austin, tinha perdido 1,5 bilhão de dólares.
Musk ficara sabendo disso e estava furioso. Pessoas que apostam na baixa
das ações estavam nos círculos centrais do inferno de Musk. Gates disse que
lamentava o fato, mas isso não aplacou Musk. “Eu pedi desculpa”, relatou
Gates. “Quando ficou sabendo que eu tinha feito venda a descoberto, ele foi
supergrosseiro comigo, mas ele é supergrosseiro com muita gente, então não
dá para levar muito para o lado pessoal.”
A disputa era reflexo de mentalidades diferentes. Quando perguntei a
Gates por que ele havia apostado na baixa da Tesla, ele explicou que tinha
calculado que a oferta de carros elétricos seria maior do que a demanda, o
que levaria os preços a cair. Assenti com a cabeça, mas insisti na mesma
pergunta: por que ele tinha vendido as ações a descoberto? Gates me olhou
como se eu não tivesse entendido o que ele tinha acabado de explicar e
respondeu como se a resposta fosse óbvia: ele achou que ao vender as ações
da Tesla a descoberto podia ganhar dinheiro.
Esse modo de pensar não fazia sentido para Musk. Ele acreditava na
missão de levar o mundo a passar a usar carros elétricos, e investiu todo o
dinheiro de que dispunha nesse objetivo, ainda que não parecesse um
investimento seguro. “Como alguém pode dizer que é apaixonado pela luta
contra as mudanças climáticas e aí fazer algo que reduzia o investimento
total na empresa que mais estava fazendo algo nessa direção?”, me
perguntou Musk poucos dias depois da visita de Gates. “É pura hipocrisia.
Por que ganhar dinheiro com o fracasso de uma empresa automotiva de
energia sustentável?”
Grimes acrescentou a interpretação dela: “Acho que é meio que uma
competição para ver quem tem o pinto maior.”

***

Gates retomou a conversa em meados de abril, e enviou para Musk o


documento que havia prometido sobre filantropia com opções que ele havia
escrito pessoalmente. Musk respondeu por texto com uma única pergunta:
“Você continua apostando meio bilhão de dólares contra a Tesla?”
Gates estava sentado no salão de jantar do hotel Four Seasons em
Washington, D.C., com o filho Rory, que estava começando a pós-
graduação. Ele riu, mostrou a mensagem para Rory e pediu um conselho
sobre como responder.
“Diga que sim e depois mude de assunto rápido”, sugeriu Rory.
Gates tentou essa abordagem. “Lamento dizer que isso ainda não foi
resolvido”, respondeu ele. “Eu queria discutir possibilidades de filantropia.”
Não funcionou. “Lamento”, respondeu Musk imediatamente. “Não posso
levar a sério a sua filantropia sobre clima se você está apostando tão alto
assim contra a Tesla, a empresa que mais trabalha para resolver a questão
climática.”
Quando irritado, Musk pode ser brutal, especialmente no Twitter. Ele
tuitou uma foto de Gates com uma camisa polo que realçava uma barriga
saliente que quase dava a impressão de que ele estava grávido. “Caso você
precise acabar rapidinho com uma ereção”, dizia o comentário de Musk.
Gates estava de fato intrigado com o motivo que levou Musk a ficar
incomodado por ele vender as ações a descoberto. E Musk estava
igualmente intrigado por Gates achar isso intrigante. “A essa altura, estou
convencido de que ele é categoricamente louco (e um cretino de verdade)”,
me escreveu Musk depois da conversa que tivera com Gates. “Eu realmente
queria gostar dele (suspiros).”
De sua parte, Gates foi bem mais gracioso. Ainda naquele ano, ele
compareceu a um jantar em Washington no qual as pessoas estavam
criticando Musk. “Vocês podem achar o que quiserem sobre o
comportamento do Elon”, disse Gates, “mas não existe ninguém em nossa
época que tenha feito mais do que ele para ampliar as fronteiras da ciência e
da inovação”.

Filantropia
Musk demonstrou pouco interesse por filantropia ao longo dos anos, pois
tinha a impressão de que poderia fazer mais bem à humanidade mantendo
dinheiro investido nas empresas dele que trabalhavam em prol da energia
sustentável, da exploração espacial e da segurança da inteligência artificial.
Poucos dias depois de Bill Gates visitá-lo com sugestões de filantropia,
Musk se sentou a uma mesa no mezanino que dava vista para as linhas de
montagem da nova gigafábrica da Tesla, no Texas, com Birchall e quatro
conselheiros de planejamento patrimonial. Embora não tivesse sido
convencido por Gates a mergulhar na filantropia, ele queria ideias para
financiar algo que fosse mais operacional do que uma fundação tradicional.
A opção proposta por Birchall era criar uma holding sem fins lucrativos,
que é mais ou menos uma empresa que orienta e financia múltiplas
organizações sem fins lucrativos que estão sob a proteção dela própria.
Como Birchall explicou, a estrutura seria similar à do Howard Hughes
Medical Institute. “Vamos fazer isso aos poucos”, me disse Birchall, “mas
em última instância isso pode se tornar algo bem grande, quem sabe, um
verdadeiro instituto de ensino superior”.
Embora o conceito tivesse agradado a Musk, ele não estava pronto para
se comprometer. “Tenho muita coisa em que pensar agora”, disse ele ao sair
da mesa.
Verdade, ele tinha mesmo. Naquele dia, 6 de abril de 2022, estava se
preparando para a abertura da Giga Texas, e passou a manhã numa intensa
caminhada de inspeção na linha de montagem do Model Y e aprovando os
detalhes da festa que estava sendo planejada, batizada de Giga Rodeio.
Também era o dia da conversa remota com autoridades da Casa Branca
sobre comércio internacional, China e subsídios para baterias. E ainda havia
a questão que estava ocupando mais espaço na cabeça de Musk, uma oferta
que havia acabado de aceitar, mas sobre a qual tinha dúvidas: entrar para o
conselho de uma empresa cujas ações ele vinha acumulando em segredo
desde janeiro.
capítulo 72
Investidor ativo
Twitter, janeiro a abril de 2022

Parag Agrawal, e Jack Dorsey


Antes da tempestade
Em abril de 2022, as coisas estavam indo surpreendentemente bem para
Musk. As vendas da Tesla tinham aumentado 71% nos doze meses
anteriores, sem que se tivesse gastado um único centavo em anúncios. As
ações multiplicaram seu valor por quinze num período de cinco anos, e
agora a empresa valia mais do que a soma das outras nove companhias
automotivas que vinham abaixo dela. O jogo pesado que Musk fazia com os
fornecedores de microchips resultou no fato de que a Tesla, ao contrário de
outras empresas do ramo, havia sobrevivido aos deslocamentos da cadeia de
fornecimento causado pela pandemia, o que permitiu que a empresa batesse
um recorde de vendas no primeiro trimestre de 2022.
Já a SpaceX, no primeiro trimestre de 2022, havia lançado em órbita uma
massa duas vezes maior do que a de todas as outras empresas e todos os
países somados. Em abril, a empresa enviou sua quarta missão tripulada
para a Estação Espacial Internacional e transportou três astronautas para a
NASA (que ainda não conseguia fazer lançamentos próprios) e um para a
Agência Espacial Europeia. A empresa também tinha colocado em órbita
naquele mês mais uma carga de satélites de comunicação Starlink, o que
elevou para 2.100 a constelação da SpaceX que estava fornecendo conexão
de internet para 500 mil assinantes em quarenta países, a Ucrânia entre eles.
Nenhuma outra empresa, ou país, tinha sido capaz de aterrissar foguetes
orbitais em segurança e reutilizá-los. “A coisa mais esquisita é que o Falcon
9 continua sendo o único foguete orbital a pousar ou voltar a voar depois de
todos esses anos!”
O resultado foi que o valor das quatro empresas que ele fundou e
construiu mostrava:

Tesla: 1 trilhão de dólares


SpaceX: 100 bilhões de dólares
e Boring Company: 5,6 bilhões de dólares
Neuralink: 1 bilhão de dólares
Prometia ser um ano glorioso, caso Musk conseguisse deixar as coisas
quietas. No entanto, isso não era da natureza dele.
Shivon Zilis percebeu que no início de abril ele estava com a comichão
de um jogador de videogame que tinha vencido o jogo, mas era incapaz de
desligar. “Você não precisa estar em estado de guerra o tempo todo”, disse
ela para Musk naquele mês. “Ou será que você se sente mais tranquilo
quando está em períodos de guerra?”
“Faz parte da minha configuração”, respondeu ele.
“Era como se ele estivesse vencendo a simulação e agora sentisse falta do
que fazer”, opina Zilis. “Períodos prolongados de calmaria são irritantes
para ele.”
Durante uma conversa naquele mês sobre os marcos que as empresas dele
haviam atingido, Musk me explicou por que achava que a Tesla estava a
caminho de se tornar a empresa mais valiosa do mundo, capaz de ter lucros
anuais de 1 trilhão de dólares. No entanto, o tom de voz dele não
demonstrava nenhum toque de celebração, nem mesmo de satisfação. “Acho
que eu sempre quis colocar minhas fichas de volta na mesa, ou jogar a
próxima fase do jogo”, admitiu ele. “Não sou bom em ficar parado.”
Geralmente, em momentos de sucesso irritante como esse, Musk fabrica
um drama. Ele dá início a um surto de trabalho, manda os caças decolarem,
anuncia um prazo irrealista e desnecessário. O Dia da Autonomia, a
montagem da Starship, as instalações de telhados solares, o inferno da
produção automotiva... Ele soa o alarme e dá início a uma simulação de
incêndio. “Normalmente, ele vai para uma de suas empresas e encontra
alguma coisa para transformar em crise”, diz Kimbal. Dessa vez, porém,
Musk não fez isso. Ele decidiu, sem pensar direito no assunto, que iria
comprar o Twitter.

Lança-chamas de dedos
O período de calma irritante para Musk no início de 2022 coincidiu,
fatidicamente, com um momento em que ele se viu de súbito com muito
dinheiro no bolso. As vendas de ações tinham lhe rendido mais ou menos
10 bilhões de dólares. “Eu não queria deixar aquilo parado no banco”, fala
ele, “então, me perguntei de qual produto eu gostava, e a resposta era fácil: o
Twitter”. Em janeiro, Musk pediu em segredo a seu gerente pessoal, Jared
Birchall, que começasse a comprar ações.
O Twitter é um parque de diversões ideal — quase ideal demais — para
Musk. A plataforma recompensa atores impulsivos, irreverentes e que não
têm filtro, uma espécie de lança-chamas de dedos. Tem vários dos atributos
de um pátio de escola, o que inclui provocações e bullying. No caso do
Twitter, entretanto, os garotos espertos conquistam seguidores, em vez de
serem empurrados dos degraus de concreto. E se você for o mais rico e mais
esperto de todos, pode inclusive decidir, ao contrário do que acontecia na
infância, ser o rei do pátio da escola.
Musk usou o Twitter pela primeira vez logo depois do lançamento da
rede, em 2006, mas abandonou a conta depois de se “entediar com tuítes
sobre qual tipo de latte alguém tomou no Starbucks”. O amigo Bill Lee o
convenceu a voltar para ter um método de comunicação sem filtros com o
público, e ele abriu a torneira em dezembro de 2011. Entre os primeiros
tuítes de Musk estavam uma foto tirada em uma festa de Natal em que ele
usava uma peruca de cabelos arrepiados e fingia ser Art Garfunkel e outra
que se tornou o início de uma amizade estressante. “Kanye West me ligou
do nada hoje e despejou suas ideias em mim, desde sapatos até Moisés”,
escreveu Musk. “Ele foi educado, mas difícil de entender.”
Ao longo da década seguinte, Musk escreveu 1.900 tuítes. “Meus tuítes
às vezes são como as cataratas do Niágara, e vêm rápido demais”, diz. “Basta
mergulhar um copo ali e tentar evitar alguma bosta aleatória.” Os tuítes dele
em 2018 sobre “pedofilia” e “financiamento garantido” mostraram que o
Twitter podia ser perigoso em seus dedos inquietos, especialmente no fim
de noites agitadas movidas a Red Bull e Zolpidem. Quando perguntam por
que ele não se contém, Musk admite com alegria que muitas vezes “dá tiros
no próprio pé” ou “cava a própria cova”. Contudo, ele afirma que a vida
precisa ser interessante e arriscada, e depois cita sua frase predileta do filme
Gladiador, de 2000: “Vocês estão se divertindo? Não é para isso que vocês
estão aqui?”
No início de 2022, um novo ingrediente havia sido acrescentado a esse
caldeirão inflamável: a preocupação crescente com os perigos do “vírus da
mentalidade woke”, que ele acreditava estar infectando os Estados Unidos.
Musk desdenhava de Donald Trump, mas achava absurdo banir
permanentemente um ex-presidente, e se irritou cada vez mais com as
queixas das pessoas de direita que estavam sendo tiradas do Twitter. “Ele viu
a direção que o Twitter estava tomando, que era a de censurar quem estava
na ponta errada do espectro”, diz Birchall.
Os amigos libertários de Musk da área de tecnologia incentivavam a
ideia. Quando Musk sugeriu, em março, que o Twitter devia tornar públicos
os algoritmos usados para impulsionar ou limitar conteúdos, seu jovem
amigo Joe Lonsdale manifestou apoio. “Nossa praça pública não pode ter
censura arbitrária e regras pouco claras”, escreveu. “Amanhã vou falar com
mais de cem congressistas em um retiro do Partido Republicano sobre
políticas públicas, e essa é uma das ideias que vou defender.”
“Com certeza”, respondeu Musk. “O que nós temos hoje é corrupção
oculta!”
Joe Rogan, amigo deles de Austin, também palpitou. “Você vai libertar o
Twitter do pessoal que adora uma censura?”, escreveu para Musk.
“Vou aconselhar, e eles podem ou não decidir seguir meus conselhos”,
respondeu Musk.
Na visão dele, quanto mais liberdade de expressão, melhor para a
democracia. Em certo momento de março, Musk fez uma enquete no
Twitter: “A liberdade de expressão é essencial para uma democracia
funcional. Você acredita que o Twitter adere rigorosamente a esse
princípio?” Quando mais de 70% das pessoas disseram que não, Musk fez
outra pergunta: “Será que precisamos de uma nova plataforma?”
Cofundador do Twitter, Jack Dorsey, que na época ainda estava no
conselho da empresa, respondeu em privado para Musk: “Sim.”
Musk lhe escreveu: “Gostaria de ajudar, se puder.”

Assento no conselho
Naquele momento, Musk estava pensando se devia ou não fundar outra
plataforma. Contudo, no fim de março, ele tinha conversado em particular
com alguns membros do conselho do Twitter, que o incitaram a se envolver
mais com a empresa. Certa noite, logo depois de encerrar a reunião das nove
horas com o pessoal do Autopilot da Tesla, ele ligou para Parag Agrawal, o
engenheiro de software que tinha assumido o lugar de Dorsey como CEO.
Os dois decidiram jantar em sigilo em 31 de março, junto com o presidente
do conselho do Twitter, Bret Taylor.
A equipe do Twitter conseguiu que eles usassem a sede de uma fazenda
alugada no Airbnb perto do aeroporto de San Jose. Quando Taylor chegou,
mandou uma mensagem avisando Musk. “Este é o lugar mais esquisito em
que eu fiz uma reunião nos últimos tempos”, comentou. “Tem tratores e
mulas.”
Musk respondeu: “Vai ver o algoritmo do Airbnb acha que você adora
tratores e mulas (quem não ama?).”
Na reunião, Musk gostou de Agrawal. “É um cara bacana”, diz ele.
Entretanto, esse era o problema. Se você perguntar a Musk quais são as
características necessárias para um CEO, ele não incluiria “ser um cara
bacana”. Uma das máximas que ele adota é que gestores não devem querer
que os funcionários gostem dele. “O que o Twitter precisa é de um dragão
que cuspa fogo”, afirmou depois daquela reunião, “e o Parag não é assim”.
Dragão cuspidor de fogo. Essa é uma descrição concisa de Musk. Mas
ele ainda não tinha pensado em assumir o Twitter. Na reunião, Agrawal
disse que Dorsey havia proposto fazia algum tempo que Musk entrasse para
o conselho. Agrawal pediu que Musk aceitasse.
Musk estava na Alemanha quando, dois dias depois, o conselho do
Twitter mandou uma oferta inicial para que ele participasse. E, para
surpresa de Musk, não era um acordo amistoso. O acordo se baseava em
outro que o Twitter havia utilizado dois anos antes, quando concordou em
colocar dois investidores ativistas hostis no conselho. O documento tinha
sete páginas e incluía cláusulas que o impedia de dar declarações públicas (e
presumivelmente tuítes) em que criticasse a empresa. Do ponto de vista do
conselho do Twitter, isso era compreensível. A história demonstrou, e o
futuro faria a mesma coisa, o estrago que Musk podia fazer quando não era
obrigado a deixar seu lança-chamas no coldre. A batalha travada com a
Comissão de Valores Mobiliários também havia demonstrado como era
difícil impor a ele esse tipo de restrição.
Musk mandou Birchall rejeitar o acordo. Era “a ironia máxima”, disse ele,
que uma companhia que supostamente deveria ser “a praça pública” tentasse
restringir a liberdade de expressão dele. Em questão de horas, o conselho do
Twitter recuou. Eles enviaram um acordo revisado, bastante amistoso, que
tinha apenas três parágrafos. A única grande restrição era que ele não
poderia comprar mais do que 14,9% das ações do Twitter. “Bem, se eles vão
estender o tapete vermelho, eu aceito”, disse ele para Birchall.
Depois que Musk revelou à Comissão de Valores Mobiliários
tardiamente que era dono de cerca de 9% das ações do Twitter, ele e
Agrawal trocaram tuítes celebratórios. “Estou feliz de contar que estamos
indicando @elonmusk para nosso conselho!” Agrawal fez seu post no início
da manhã de 5 de abril. “Ele é ao mesmo tempo um fã e um intenso crítico
do serviço, e é exatamente disso que nós precisamos.”
Musk respondeu sete minutos depois com um tuíte cuidadosamente
planejado. “Muito feliz de trabalhar com Parag e com o conselho do Twitter
para fazer melhorias significativas na rede nos próximos meses!”
Por alguns dias, parecia que haveria paz no vale. Musk gostava do fato de
Agrawal ser engenheiro, e não um típico CEO. “Eu interajo muito melhor
com engenheiros capazes de fazer programação pesada do que com o típico
gestor de programa/MBA”, escreveu ele. “Adoro nossas conversas!”
“Na nossa próxima conversa me trate como engenheiro, não como CEO,
e vamos ver aonde isso vai dar”, respondeu Agrawal.

Brainstorming
Luke Nosek e Ken Howery, amigo íntimo de Musk e um dos cofundadores
da PayPal, estava andando de um lado para outro no mezanino da Giga
Texas na tarde de 6 de abril, esperando que ele encerrasse uma discussão
sobre filantropia com Birchall e depois, um telefonema com as autoridades
do governo Biden sobre as tarifas chinesas. Musk estava morando na casa de
Howery, e também chegou a ficar na casa de Nosek. “Meus dois
senhorios!”, declarou quando finalmente terminou e começou a andar pela
fábrica.
Era o dia seguinte ao anúncio de que ele ia entrar para o conselho do
Twitter, e Nosek e Howery estavam céticos quanto à decisão. “Parece uma
receita para dar encrenca”, admitiu Musk alegremente enquanto se sentava à
mesa de reuniões, de onde se viam as linhas de montagem da Tesla. “Eu
estava com um monte de dinheiro parado!” Howery e Nosek deram uma
risadinha, e esperaram que ele falasse mais. “Acho que é importante haver
um fórum em que as pessoas confiem, ou pelo menos que não seja muito
desacreditado”, acrescentou. Ele reclamou que os membros do conselho do
Twitter tinham pouco envolvimento pessoal no serviço, fosse como
acionistas, fosse como usuários. “Parag é um cara da tecnologia e tem uma
ideia razoável do que está acontecendo, mas é óbvio que os loucos estão
comandando o hospício.”
Musk repetiu sua visão simplória de que seria bom para a democracia que
o Twitter parasse de restringir o que os usuários podiam dizer. “O Twitter
tem que ir mais na direção da liberdade de expressão, pelo menos pela
definição legal”, disse ele. “Neste momento, o Twitter reprime a liberdade
de expressão muito mais do que a lei exige.”
Embora compartilhasse a visão libertária de Musk sobre liberdade de
expressão, Howery expressou pensamentos sofisticados na forma de
perguntas educadas. “Será que devia ser como um sistema de telefonia, no
qual as palavras que entram de um lado saem exatamente iguais do outro
lado?”, perguntou ele. “Ou você acha que é mais uma espécie de sistema que
está governando o discurso no mundo, e talvez deva haver alguma
inteligência no algoritmo que priorize ou tire prioridade das coisas?”
“É verdade, é uma questão espinhosa”, respondeu Musk. “Existe a
capacidade de dizer algo, e também existe a questão de até que ponto ela é
promovida ou rebaixada ou amplificada.” Talvez a fórmula para promover
tuítes devesse ser mais aberta. “Podia ser um algoritmo de código aberto
publicado no GitHub para que as pessoas pudessem ver.” Era uma ideia que
agradava aos conservadores, que tinham a impressão de que havia um viés
progressista secretamente embutido no algoritmo, mas não resolvia a
questão sobre ser dever do Twitter ou não tentar impedir a disseminação de
conteúdo perigoso, falso ou danoso.
Musk jogou no ar algumas outras ideias. “E se a gente cobrasse das
pessoas uma pequena quantia, tipo 2 dólares por mês, para receber a
verificação?”, perguntou. Essa se tornaria uma das ideias principais dele para
o Twitter: fazer com que as pessoas se inscrevessem por meio do uso do
cartão de crédito e do número do celular seria uma forma de verificar e
autenticar a identidade de cada uma delas. O algoritmo poderia favorecer
esses usuários, que provavelmente teriam risco menor de participar de farsas,
bullying e disseminação de informações que eles soubessem ser falsas. Isso
talvez reduzisse a velocidade com que qualquer discussão descambava para
alguém comparando o outro a nazistas.
Ele afirmou, ainda, que obter o cartão de crédito do usuário traria uma
vantagem adicional: facilitaria a transformação do Twitter em uma
plataforma de pagamentos por meio da qual as pessoas pudessem enviar
dinheiro, dar gorjetas e pagar para ler reportagens, ouvir música e assistir a
vídeos. Como Howery e Nosek tinham estado com Musk na PayPal, eles
gostaram da ideia. “Isso podia realizar minha visão original para a X.com e a
PayPal”, disse Musk com uma risada feliz. Desde o começo, ele via o
potencial para que o Twitter se tornasse aquilo que ele tinha visualizado
para a X.com: uma rede social que permitisse transações financeiras.
A conversa continuou enquanto eles jantavam no Pershing, um clube
elegante porém despretensioso em Austin, onde Nosek havia feito reservas
no andar superior. Também se encontravam lá Griffin e Saxon; Chris
Anderson, do TED, que estava na cidade com o propósito de gravar uma
entrevista para a próxima conferência que faria; Maye, que tinha acabado de
chegar de Praga, onde havia aparecido na Vogue; e, mais tarde, Grimes.
Griffin e Saxon admitiram usar o Twitter raramente, mas Maye disse que
usava sempre, o que talvez devesse ter servido como um alerta sobre a
demografia dos usuários do serviço. “Talvez eu passe tempo demais no
Twitter”, disse Elon. “É um bom lugar para você cavar a própria cova. Você
já está enterrado até o ombro e continua cavando.”

Giga Rodeio
A grandiosa abertura da fábrica Giga Texas estava marcada para a noite
seguinte, 7 de abril. Omead Afshar tinha planejado aquilo que ele apelidou
de Giga Rodeio, com 15 mil convidados. Em vez de supervisionar os
preparativos e ensaiar sua parte no show, Musk voou até Colorado Springs
para uma visita de três horas à Academia da Força Aérea dos Estados
Unidos, onde ele tinha aceitado fazer uma palestra. Foi uma pausa bem-
vinda. Enquanto estava ocupado com outra coisa, ele podia processar seus
pensamentos sobre o Twitter.
Musk incitou os cadetes a não se tornarem presas da mentalidade
cautelosa da burocracia que ele acreditava estar prejudicando o andamento
dos programas governamentais. “Se nós não estivermos explodindo motores,
não estamos nos empenhando o bastante”, disse. Ele parecia não estar com
pressa, apesar de tudo que estava acontecendo. Depois da palestra, Musk se
encontrou com um pequeno grupo de alunos para discutir a pesquisa deles
sobre inteligência artificial e o desenvolvimento de drones autônomos.
Quando voltou, no fim da tarde, a Giga Texas tinha sido transformada.
A área de estacionamento estava decorada com instalações de arte como as
que havia no Burning Man, fliperamas, coretos, um touro mecânico, um
pato de borracha gigante e duas bobinas gigantes da Tesla. Do lado de
dentro, partes da fábrica tinham sido decoradas para parecer uma boate.
Kimbal ajudou a montar o show de drones, que contava com imagens de
Nikola Tesla, do cachorro mascote Dogecoin e de um Cybertruck no céu
noturno. Entre as celebridades convidadas estavam Harrison Ford, Spike
Lee e o artista Beeple, que tinha criado uma instalação.
Musk subiu no palco ao som de uma música altíssima de Dr. Dre,
dirigindo o Tesla Roadster preto que fora o primeiro carro produzido na
história da empresa. Ele citou muitas estatísticas referentes à enormidade de
uma fábrica de mais de 900 mil metros quadrados, e depois colocou isso em
perspectiva ao dizer que ali dentro caberiam 194 bilhões de hamsters.
Depois de listar muitos marcos atingidos pela Tesla, enfatizou o que,
segundo ele, seria o objetivo final: “A Direção Totalmente Autônoma”,
prometeu, “vai revolucionar o mundo”.
A inauguração da Giga Texas deveria ser um momento de triunfo. Musk
tinha aberto o caminho para uma era de veículos elétricos, e então mostrava
que a indústria podia prosperar nos Estados Unidos. Contudo, o
burburinho na festa de abertura da fábrica e na festa que se seguiu não tinha
a ver com os milagres da indústria. Especialmente entre os amigos íntimos
de Musk e sua família — Kimbal, Antonio, Luke, e até mesmo Maye —, a
conversa era sobre o Twitter. Por que ele estava se atirando nesse pântano
infestado de cobras? Seria essa a Batalha de Wilderness dele? Deveríamos
tentar convencê-lo a sair disso?
capítulo 73
“Fiz uma oferta”
Twitter, abril de 2022

Pausa
No dia seguinte ao Giga Rodeio, sexta-feira, 8 de abril de 2022, Musk se
encontrou com Kimbal para um brunch. Ele estava frustrado com as
conversas que tivera com os membros do conselho do Twitter. “Eles são
simpáticos, mas nenhum deles usa o Twitter”, afirmou. “Acho que não vai
acontecer nada.”
Kimbal não foi muito encorajador: “Cara, você nunca participou de um
conselho, então você não tem ideia de quanto isso vai te sugar”, disse. “Você
diz o que pensa, aí as pessoas sorriem e fazem que sim com a cabeça e te
ignoram.”
Kimbal achava que seria melhor para o irmão fundar sua própria
plataforma de mídias sociais baseada em blockchain. Elon especulou que
talvez desse até para incluir um sistema de pagamento com a utilização de
Dogecoin. Depois do brunch, ele mandou mensagens para Kimbal
imaginando um “sistema de mídia social de blockchain que faz pagamentos e
publica mensagens curtas de texto como o Twitter”. Como não teria um
servidor central, “não haveria garganta para engasgar, e a liberdade de
expressão estaria garantida”.
Elon disse, ainda, que a outra opção era comprar o Twitter, em vez de
simplesmente entrar para o conselho. “Passei a acreditar que o Twitter
estava indo na direção do precipício, e que eu não teria como salvar a
empresa apenas participando do conselho”, afirma. “Então pensei: Talvez eu
devesse comprar o Twitter, fechar o capital e consertar tudo.”
Ele já tinha aceitado, tanto por mensagem de texto quanto num tuíte
público, o convite amigável para fazer parte do conselho do Twitter. Mas,
depois do brunch com Kimbal, telefonou para Birchall e disse a ele que não
concluísse nada, pois ainda precisava pensar.

Havaí
Naquela noite, Musk voou até a ilha de Larry Ellison no Havaí, Lanai. O
fundador da Oracle construíra para si mesmo um pacato condomínio numa
colina no centro da ilha, e cedeu a Musk sua antiga casa perto da praia.
Musk tinha planejado a viagem como um encontro tranquilo com uma das
mulheres com quem ele saía de vez em quando, a atriz australiana Natasha
Basset. Mas, em vez de ser um período sossegado de miniférias, Musk
passou a maior parte daqueles quatro dias pensando no que fazer com o
Twitter.
Na primeira noite, quase não dormiu, remoendo os problemas da
empresa. Quando olhou para uma lista com as pessoas com mais seguidores,
como Barack Obama, Justin Bieber e Katy Perry, Musk percebeu que essas
contas já não estavam ativas. Então, às 3h32 da manhã, pelo fuso do Havaí,
ele postou um tuíte: “A maioria dessas contas com mais seguidores tuíta
raramente e posta pouquíssimo conteúdo. Será que o Twitter está
morrendo?”
Em São Francisco, onde estava o CEO do Twitter, Agrawal, eram seis e
meia da manhã. Cerca de noventa minutos depois, ele mandou uma
mensagem para Musk: “Você tem liberdade para tuitar ‘Será que o Twitter
está morrendo?’ ou qualquer outra coisa que queira, mas é minha
responsabilidade dizer que isso não me ajuda a melhorar o Twitter no
contexto atual.” Era uma mensagem contida, escrita com cuidado para
evitar insinuar que Musk não tinha mais o direito de falar mal da empresa.
Agrawal acrescentou que eles deveriam tratar em breve de como evitar
“distrações” que estavam “prejudicando nossa capacidade de fazer as coisas”.
Quando Musk recebeu a mensagem, eram pouco mais de cinco da
manhã no Havaí, mas ele continuava alerta, talvez alerta demais para aquela
hora e aquela situação. Um minuto depois, enviou uma resposta
contundente: “O que você conseguiu realizar nesta semana?” Era a típica
tentativa de Musk de humilhar as pessoas.
Depois, enviou uma fatídica série de três frases: “Não vou participar do
conselho. É uma perda de tempo. Vou fazer uma oferta para fechar o capital
do Twitter.”
Agrawal ficou chocado. Eles já tinham anunciado que Musk iria
participar do conselho. Não houve indícios de que em vez disso ele tentaria
uma aquisição hostil. “Podemos conversar?”, perguntou ele, queixoso.
Três minutos depois, Bret Taylor, presidente do conselho do Twitter,
enviou uma mensagem para Musk com um pedido semelhante para
conversar. A manhã de sábado deles não estava começando bem.
Justo naquele momento, em meio ao diálogo dele com Taylor e Agrawal,
Elon recebeu uma resposta de Kimbal para as mensagens que ele tinha
mandado mais cedo sobre a possibilidade de criar uma rede social baseada
em blockchain. “Adoraria saber mais”, disse Kimbal. “Fucei bastante sobre
Web3 (não é exatamente cripto), e a distribuição do direito a voto é
impressionante e verificada. O blockchain impede que as pessoas deletem
tuítes. Prós e contras, mas que comecem os jogos!”
“Acho necessária uma nova empresa de mídia social que seja baseada em
blockchain que inclua pagamentos”, respondeu Elon.
No entanto, ao mesmo tempo que estava falando com Kimbal sobre criar
uma rede social, ele repetiu para Agrawal e Taylor que queria comprar o
Twitter. “Podem esperar uma oferta para fechar o capital”, escreveu.
“Você me dá cinco minutos para eu entender o contexto?”, pediu Taylor.
“Acertar o Twitter conversando com o Parag não vai funcionar”,
respondeu Musk. “É preciso tomar uma ação drástica.”
“Faz 24 horas que você entrou para o conselho”, respondeu Taylor.
“Entendo o seu argumento, mas só quero entender a mudança repentina.”
Musk esperou quase duas horas para responder, passavam das sete da
manhã no Havaí, e ele ainda não tinha ido dormir. “Logo vou entrar num
avião, mas posso conversar amanhã”, escreveu.

***

Musk relata que ao chegar no Havaí ficou claro que ele não ia acertar o
Twitter sendo parte do conselho. “Eu estava basicamente caindo numa
armadilha”, diz. “Eles escutavam, concordavam e não faziam nada. Decidi
que eu não queria ser cooptado e ser uma espécie de traidor no conselho.”
Em retrospecto, isso soa como um motivo bem estudado. Na época, porém,
havia outro fator. Musk estava em seu modo maníaco e, como costuma
acontecer, agindo por impulso.
Naquela tarde de sábado, 9 de abril, ele escreveu para Birchall para dizer
que tinha decidido comprar o Twitter. “É pra valer”, garantiu ele. “Não tem
como consertar a empresa com 9% das ações, e os mercados de ações não
são bons em pensar além do trimestre seguinte. O Twitter precisa eliminar
os bots e os enganadores, o que vai dar a impressão de uma queda
gigantesca no número de usuários por dia.”
Birchall escreveu para um banqueiro no Morgan Stanley: “Ligue para
mim assim que tiver um minuto.” Naquela noite, eles começaram a
trabalhar num plano para chegar a um preço razoável pelo Twitter e em
como Musk poderia financiar isso.
Em paralelo, Musk continuou disparando contra o Twitter. Ele postou
uma enquete sobre a sede da empresa em São Francisco. “Que tal converter
a sede do Twitter em SF num abrigo para sem-teto, já que ninguém aparece
para trabalhar mesmo?”, tuitou. Um dia depois, havia 1,5 milhão de votos,
mais de 91% a favor.
“Ei, você consegue conversar hoje no fim da tarde?”, escreveu Taylor para
ele. “Vi seus tuítes e preciso urgentemente entender sua posição.” Musk não
respondeu.
No domingo, Taylor desistiu. Ele disse a Musk que o Twitter anunciaria
que ele havia mudado de ideia e não participaria mais do conselho. “Acho
ótimo”, respondeu Musk. “Na minha opinião, o melhor é fechar o capital do
Twitter, reestruturar e voltar à bolsa quando isso estiver feito.”
Agrawal oficializou em um tuíte tarde da noite: “A nomeação de Elon
para o conselho seria efetivada em 9 de abril, mas ele avisou na manhã
daquele dia que não vai mais entrar para o conselho. Acho que é melhor
assim. Nós sempre valorizamos e continuaremos valorizando a opinião de
nossos acionistas, estejam eles no conselho ou não.”
Musk fez uma reunião remota com Birchall e os banqueiros do Morgan
Stanley na tarde de segunda-feira, no fuso do Havaí. Eles tinham chegado a
uma proposta de qual seria o preço a ser ofertado por ação: 54,20 dólares.
Musk e Birchall riram porque mais uma vez apareceu a gíria de internet
para maconha, assim como no preço para “fechar o capital” da Tesla, de 420
dólares. “Essa piada nunca perde a graça”, disse Musk. Empolgado com a
perspectiva de comprar o Twitter, ele começou a se referir à ideia de criar
uma alternativa baseada em blockchain como “plano B”.

Vancouver
Grimes vinha insistindo com Musk que fossem a Vancouver, cidade natal
dela, para que pudessem apresentar X aos pais e aos avós idosos. “Meu avô é
engenheiro, e faz muito tempo que ele queria um bisneto”, afirma Grimes,
“e minha avó está bem velhinha, e a gente não sabe quanto tempo ela vai
aguentar”.
Eles decidiram que uma boa data seria quinta-feira, 14 de abril, quando
Chris Anderson estaria fazendo a conferência anual do TED em Vancouver.
Anderson havia gravado uma entrevista com Musk uma semana antes na
Giga Texas, mas estava ansioso — especialmente tendo em vista a saga do
Twitter, que não parava de ter mudanças rápidas — para entrevistá-lo
também ao vivo na conferência.
Eles chegaram a Vancouver na quarta, 13 de abril, após Grimes ter saído
de Austin e Musk, do Havaí. Musk foi a uma loja da Nordstrom para
comprar um terno preto, pois não havia levado um na viagem ao Havaí. À
tarde, Grimes viajou com X 120 quilômetros até a cidadezinha de Agassiz,
onde os avós dela moravam, e deixou Musk no hotel. “Dava para ver que ele
estava estressado e que a história do Twitter ia se concretizar”, diz ela.
Ia mesmo. Ainda naquela tarde, de seu quarto de hotel em Vancouver,
Musk enviou uma mensagem para Bret Taylor com a decisão oficial.
“Depois de vários dias de deliberação — esta, obviamente, é uma decisão
importante —, decidi tocar a ideia de fechar o capital do Twitter”, declarou
ele. “Vou mandar uma carta esta noite com uma oferta.” A carta dizia:

Investi no Twitter por acreditar em seu potencial para ser uma


plataforma de liberdade de expressão no mundo todo, e acredito que a
liberdade de expressão seja um imperativo social para uma democracia
funcional.
No entanto, desde que fiz meu investimento, percebo que a empresa
não vai nem prosperar nem servir a esse imperativo social do jeito que
está. O Twitter precisa ser transformado em empresa privada.
Como resultado, estou fazendo uma oferta para comprar 100% do
Twitter por 54,20 dólares por ação em dinheiro vivo, um ágio de 54%
sobre o dia em que comecei a investir no Twitter e de 38% sobre o dia
anterior ao meu investimento ser publicamente anunciado. Essa é minha
melhor oferta e é minha oferta final, e, caso ela não seja aceita, eu
precisaria reconsiderar minha posição como acionista.
O Twitter tem um potencial extraordinário. Eu vou liberar esse
potencial.

Naquela noite, Musk compareceu a um pequeno jantar para palestrantes


do TED em um restaurante local. Em vez de falar sobre o Twitter, ele
perguntou aos convidados quais eram as suas visões sobre o sentido da vida.
Depois, ele e Grimes voltaram para o hotel, onde Musk relaxou
mergulhando em um novo jogo eletrônico, Elden Ring, que ele tinha
baixado no laptop.
O jogo faz com que você tenha que avançar em meio a um mundo de
fantasia repleto de animais esquisitos que querem lhe destruir. Sofisticado,
cheio de pistas crípticas e com estranhas mudanças na trama, o jogo exige
intensa concentração e muita atenção a detalhes, especialmente para definir
quando atacar. “Joguei por umas horas, depois respondi a algumas
mensagens e e-mails e joguei mais um pouco”, disse ele. Musk passou muito
tempo nas regiões mais perigosas do jogo, um cenário demoníaco horrível,
de tom vermelho intenso, conhecido como Caelid. “Em vez de dormir”,
contou Grimes, “ele ficou jogando até as cinco e meia da manhã”.
Momentos depois de parar de jogar, ele postou um tuíte: “Fiz uma
oferta.”
Desde a vez que bateu a McLaren acelerando até o limite a pedido de
Peter iel, Musk não dava uma demonstração tão cara assim de sua
impulsividade.

Navaid visita
Quando Musk voltou a Austin, recebeu a visita de seu amigo da Queen’s
University, Navaid Farooq, que morava em Londres. Mais de trinta anos
depois de terem criado um vínculo como geeks sem habilidades sociais que
gostavam de jogos de estratégia e liam livros de ficção científica, Farooq era
um dos verdadeiros amigos de Musk, um dos poucos que podiam lhe fazer
perguntas pessoais, falar sobre o pai e a família dele e conversar sobre crises
ocasionais de solidão. No sábado, quando foram a Boca Chica para ver a
Starbase, Farooq fez a pergunta que muitos amigos de Musk queriam fazer
sobre o Twitter: “Por que você está fazendo isso?”
Musk não estava mais pensando apenas em questões ligadas à liberdade
de expressão. Ele respondeu a Farooq que esperava fazer do Twitter uma
excelente plataforma para conteúdos gerados pelos usuários, incluídos
músicas, vídeos e stories. Celebridades, jornalistas profissionais e pessoas
comuns poderiam postar suas criações, como faziam no Substack ou no
WeChat, e receber por isso se quisessem.
Quando eles chegaram à Starbase, Musk fez sua caminhada pelas tendas
de montagem da Starship. Como acontecia com frequência, ficou irritado
ao ver quanto certas coisas estavam demorando. Isso criou uma brecha para
que Farooq, quando eles voltaram a Austin no domingo de Páscoa, fizesse
mais uma das perguntas que estavam incomodando os amigos de Musk. “E
quanto ao seu tempo e à sua sanidade?”, perguntou. “A Tesla e a SpaceX
ainda precisam da sua ajuda. Quanto tempo levaria para pôr o Twitter no
rumo certo?”
“Pelo menos cinco anos”, respondeu Musk. “E eu teria que me livrar da
maior parte da equipe. Eles não dão duro, ou sequer aparecem para
trabalhar.”
“Você quer passar por tudo isso?”, perguntou Farooq. “Você dormia no
chão de fábrica da Tesla, saía de lá para a SpaceX. Você realmente quer viver
tudo isso de novo?”
Musk fez uma de suas pausas muito longas. “Na verdade, quero”, disse
por fim. “Não ia me importar.”

Uma visão
Musk já tinha formulado o argumento financeiro para explicar por que
queria comprar o Twitter. Ele acreditava que seria capaz de quintuplicar a
receita da empresa, elevando-a para 26 bilhões de dólares em 2028, mesmo
reduzindo a participação das receitas de propaganda de 90% para 45%. A
nova receita viria de assinaturas de usuários e licenciamento de dados. Ele
também projetou receitas vindas de processamento de pagamentos,
incluindo pequenas quantias pagas por textos de jornal e outros conteúdos
via Twitter, assim como acontecia no WeChat.
“Precisamos equiparar nossa funcionalidade à do WeChat”, me disse ele
depois de uma conversa com banqueiros em abril. “Uma das coisas mais
importantes vai ser dar condições para que as pessoas criem conteúdo
remunerado no Twitter.” Um sistema de pagamentos on-line teria o
benefício adicional de autenticar os usuários. O Twitter seria capaz de
verificar quais usuários eram realmente humanos ao pedir a eles que
pagassem uma pequena quantia mensal e requisitar informações de cartão
de crédito. Caso desse certo, isso poderia ter um impacto real na internet
como um todo. O Twitter poderia ser usado como a plataforma que
verificava a identidade das pessoas e também oferecer aos criadores de
conteúdo, de grandes empresas de mídia a indivíduos, novos modos de
ganhar dinheiro com o que produziam.
Ele também explicou por que queria “ampliar o limite” de quais discursos
eram permitidos no Twitter e evitar banimentos permanentes de pessoas,
até mesmo daquelas com ideias pouco convencionais. No rádio e na TV a
cabo havia fontes de informações separadas para progressistas e
conservadores. Ao expulsar as pessoas de direita, os moderadores de
conteúdo do Twitter, dos quais mais de 90% ele imaginava serem
democratas progressistas, poderiam estar criando o mesmo tipo de
balcanização na mídia social. “Queremos evitar um mundo em que as
pessoas se separam e ficam nas suas câmaras de eco nas mídias sociais, indo,
por exemplo, ao Parler ou ao Truth Social”, disse Musk. “Queremos ter um
lugar onde pessoas com diferentes pontos de vista possam interagir. Isso
seria bom para a civilização.” Era um sentimento nobre, mas ele acabaria
minando essa importante missão com declarações e tuítes que acabaram
levando progressistas e pessoas da mídia convencional para outras redes
sociais.
Eu insisti na pergunta que Farooq e outros amigos tinham feito: será que
tudo aquilo não seria extremamente difícil, não exigiria muito tempo e seria
controverso demais, o que acabaria prejudicando as missões dele na Tesla e
na SpaceX? “Eu acho que, de um ponto de vista cognitivo, não é nem de
longe tão difícil quanto a SpaceX ou a Tesla”, falou ele para mim. “Não é
como chegar a Marte. Não é tão difícil quanto mudar toda a base industrial
do planeta para energia sustentável.”

Sim, mas por quê?


Musk gostava de dizer que tinha criado a SpaceX para aumentar as chances
de sobrevivência da consciência humana ao nos tornar uma espécie
multiplanetária. O grande motivo para a existência da Tesla e da SolarCity
era abrir caminho para um futuro com energia sustentável. A Optimus e a
Neuralink foram lançadas para criar interfaces entre humanos e máquinas
que nos protegeriam dos males da inteligência artificial.
E o Twitter? “No começo, eu achei que isso não se encaixava nas minhas
missões maiores e mais importantes”, me disse ele em abril. “Mas passei a
acreditar que pode ser parte da missão de preservar a civilização, dar mais
tempo para que nossa sociedade se torne multiplanetária.” Como assim? Em
parte, tinha a ver com liberdade de expressão.
“Parece que cada vez mais a mídia tem um pensamento de grupo,
testando os limites, e se você fizer diferente vai ser cancelado ou sua voz vai
ser silenciada.” Para que a democracia sobreviva, ele pensava que era
importante expurgar o Twitter da cultura woke e extirpar seus vieses, para
que as pessoas tivessem a percepção de que aquele era um espaço aberto a
todas as opiniões.
No entanto, acredito, havia dois outros motivos para Musk querer ser
dono do Twitter. O primeiro era simples. Era divertido, como um
parquinho. Ali era possível ter confrontos políticos, fazer disputas
intelectuais, publicar memes bobos, fazer importantes anúncios públicos; era
uma ferramenta de marketing valiosa, dava para publicar trocadilhos ruins e
opiniões sem filtro. Vocês não estão entretidos?
Em segundo lugar, acredito que havia um desejo psicológico, pessoal. O
Twitter era um grande parquinho. Quando menino, ele apanhava e sofria
bullying, e nunca teve a destreza emocional necessária para se dar bem em
terreno difícil. Isso causava uma enorme dor e por vezes o levava a reagir a
qualquer desrespeito de forma emocional demais, mas isso também foi o
que o tornou capaz de encarar o mundo e enfrentar todas as batalhas com
ferocidade. Sempre que ele se via numa situação difícil, encurralado,
atacado, fosse on-line ou pessoalmente, isso o transportava de volta a um
período muito doloroso, quando ele era insultado pelo pai e sofria bullying
dos colegas de turma. Agora Musk podia ser o dono do parquinho.
capítulo 74
Quente e frio
Twitter, abril a junho de 2022

O acordo
O conselho do Twitter e os advogados de Musk terminaram de trabalhar
nos detalhes do plano de compra num domingo, 24 de abril. Quando Musk
me mandou uma mensagem às dez da manhã, disse que tinha passado a
noite em claro. Perguntei se era por estar trabalhando nos últimos detalhes
ou se ele estava preocupado com a compra do Twitter. “Não, é que eu fui a
uma festa com amigos e bebi Red Bull demais”, respondeu.
Quem sabe ele devesse diminuir o tanto de Red Bull que tomava?
“Mas me dá asas”, retrucou.
Musk passou o dia tentando encontrar investidores externos que o
ajudassem a financiar a compra. Ele falou com Kimbal, que não quis. A
conversa com Larry Ellison foi mais bem-sucedida. “Sim, claro”, respondeu
Ellison quando Musk perguntara naquela semana se ele tinha interesse em
investir no negócio.
“Mais ou menos quanto?”, indagou Musk. “Não vou comprometer você
com esse valor, mas tem muita gente interessada, então eu preciso reduzir ou
tirar alguns dos participantes.”
“Um bilhão”, disse Ellison, “ou o que você recomendar”.
Ellison não publicava um tuíte havia uma década. Na verdade, ele nem se
lembrava da senha da sua conta do Twitter, de modo que Musk teve que
resetar pessoalmente a conta para ele. Contudo, Larry achava que o Twitter
era importante. “É um serviço de notícias em tempo real, e não existe nada
igual”, me disse ele. “Se você concorda que é importante para a democracia,
então acho que vale a pena fazer um investimento.”
Uma pessoa que realmente queria participar do negócio era Sam
Bankman-Fried, o fundador da corretora de criptomoedas FTX — a qual
pouco depois cairia em desgraça —, que acreditava que o Twitter podia ser
reconstruído com base em blockchain. Ele dizia ser um defensor do altruísmo
eficaz, e o fundador daquele movimento, William MacAskill, mandou uma
mensagem para Musk com o intuito de tentar marcar uma reunião, assim
como Michael Grimes, principal banqueiro de Musk no Morgan Stanley,
que estava trabalhando para viabilizar o financiamento. “Estou atolado de
trabalho”, escreveu Musk para o banqueiro. “É urgente?”
Michael Grimes respondeu que Bankman-Fried “faria a engenharia para
a integração entre mídia social e blockchain, e colocaria 5 bilhões de dólares
no negócio”. Ele poderia voar para Austin no dia seguinte, caso Musk
estivesse disposto a conversar.
Musk havia falado com Kimbal e outras pessoas sobre a possibilidade de
usar blockchain como espinha dorsal do Twitter. Embora estivesse se
divertindo com a Dogecoin e outras criptomoedas, ele não era um fanático
do blockchain, e achou que não seria rápido o suficiente para as postagens
apressadas do Twitter. Portanto, Musk não tinha interesse em se encontrar
com Bankman-Fried. Quando Michael Grimes insistiu, dizendo que
Bankman-Fried “poderia colocar 5 bilhões de dólares se toda a visão
batesse”, Musk respondeu com um emoji de polegar para baixo. “Um
Twitter blockchain não é possível, as exigências de banda e de latência não
podem ser suportadas por uma rede ponto a ponto.” Ele disse que poderia se
encontrar com Bankman-Fried em outro momento, “desde que não
precisemos fazer um debate cansativo sobre blockchain”.
Bankman-Fried então mandou uma mensagem diretamente para Musk,
dizendo que estava “realmente empolgado com o que você vai fazer com o
TWTR”. Ele disse que tinha 100 milhões de dólares em ações do Twitter
que pretendia “rolar”, querendo dizer que as ações seriam convertidas em
participação na nova empresa caso Musk fechasse o capital. “Desculpe,
quem está mandando essa mensagem?”, respondeu Musk. Quando
Bankman-Fried pediu desculpa e se apresentou, Musk disse laconicamente:
“Fique à vontade para fazer isso.”
Isso levou Bankman-Fried a ligar para Musk em maio. “Meu detector de
besteiras disparou como um alerta vermelho num contador Geiger”, afirma
Musk. Bankman-Fried começou a falar rápido, sempre sobre si mesmo.
“Ele estava falando como se tivesse tomado metanfetamina ou Aderall, dois
quilômetros por minuto”, conta Musk. “Achei que ele fosse me fazer
perguntas sobre a compra, mas ficou me falando de coisas que estava
fazendo. E eu pensando: Rapaz, se acalme.” A sensação foi mútua;
Bankman-Fried achou que Musk parecia maluco. A ligação durou meia
hora, e Bankman-Fried acabou não fazendo investimentos nem mantendo
suas ações do Twitter.
Os principais investidores que Musk reuniu incluíam Ellison, a Sequoia
Capital, de Mike Moritz, a corretora de criptomoedas Binance, Andressen
Horowitz, um fundo de Dubai e um fundo do Qatar. (Parte do acordo com
os investidores do Qatar era a promessa de ir ao país para a final da Copa do
Mundo.) O príncipe Alwaleed bin Talal, da Arábia Saudita, concordou em
manter o investimento que já tinha no Twitter.
Na tarde de segunda-feira, 25 de abril, o conselho do Twitter aceitou o
plano. Presumindo que os acionistas o aprovassem, a compra seria fechada
no outono. “Esse é o caminho certo”, escreveu para Musk o cofundador da
empresa, Jack Dorsey. “Vou continuar fazendo o que for preciso para que
tudo dê certo.”
Em vez de comemorar, Musk foi de Austin para a Starbase, no sul do
Texas. De lá, participou da reunião noturna regular sobre o redesenho do
motor Raptor, e por mais de uma hora se debateu para saber como lidar
com inexplicados vazamentos de metano que estavam acontecendo. As
notícias sobre o Twitter eram o assunto mais comentado da internet e no
mundo todo, mas não na reunião sobre o Raptor. Os engenheiros sabiam
que ele gostava de ficar concentrado na tarefa que tinha diante de si, e
ninguém mencionou o Twitter. Depois, Elon encontrou Kimbal num café
de beira de estrada em Brownsville que apresentava shows ao vivo de
músicos locais. Ficaram lá até as duas da manhã, sentados a uma mesa bem
de frente para o palco, só ouvindo a música.

Sinais de alerta
Na sexta-feira, depois de o conselho do Twitter aceitar a oferta de Musk, ele
foi a Los Angeles jantar com os quatro filhos mais velhos num restaurante
no alto de um prédio no Soho Club, em West Hollywood. Eles não usavam
muito o Twitter, e estavam intrigados. Por que o pai ia comprar a empresa?
Só pelo questionamento, já dava para ver que eles não achavam aquilo uma
boa ideia.
“Acho que é importante ter uma arena pública inclusiva e na qual as
pessoas confiem”, respondeu Musk. Depois de uma pausa, ele perguntou:
“Se não for assim, como a gente vai conseguir eleger o Trump em 2024?”
Era uma piada. Mas, no caso de Musk, às vezes era difícil saber, até
mesmo para os filhos dele. Talvez até para ele mesmo. Os filhos ficaram
horrorizados. Musk tranquilizou os meninos dizendo que era só
brincadeira.
No fim do jantar, eles tinham aceitado a maior parte das razões do pai
para a compra do Twitter, mas continuavam um tanto incomodados. “Eles
achavam que eu estava procurando sarna para me coçar”, revela Musk.
Claro, os meninos tinham razão. Eles também sabiam que o pai na verdade
gostava de ir atrás de problemas.

***

Os problemas começaram uma semana depois, em 6 de maio, quando Musk


entrou na sede do Twitter em São Francisco para se encontrar com os
gestores. Apesar dos tuítes dele que falavam mal do trabalho remoto, a sede
luxuosa em art déco estava praticamente vazia quando ele chegou. Nem
Agrawal estava lá — como havia testado positivo para covid, ele participou
da reunião remotamente.
A reunião foi conduzida pelo CFO do Twitter, Ned Segal, que irritou
Musk. Em declarações públicas, o Twitter estimava que os bots e as contas
falsas equivalessem a 5% dos usuários. A experiência do próprio Musk o
convenceu de que isso era superestimar muito o tamanho do problema. O
Twitter permitia — na verdade incentivava — que os usuários criassem
contas sob nomes diferentes e pseudônimos. Algumas fazendas de trolls
tinham centenas de identidades. Essas contas não apenas poluíam o serviço,
como também não eram monetizáveis.
Ele pediu a Segal que explicasse o processo usado pela empresa para
determinar o número de contas falsas. Os executivos do Twitter suspeitavam
que Musk estava preparando o caminho para revisar ou retirar sua operação
de compra, de modo que foram cautelosos na resposta. “Eles disseram que
não sabiam o número exato”, disse Musk logo depois. “Eu falei: ‘Como
assim? Vocês não sabem?’ A conversa toda foi tão maluca que, se fosse uma
cena do seriado Silicon Valley, ia parecer ridícula demais. Meu queixo chegou
a doer de tantas vezes que caiu no chão.”
Quando irritado, Musk muitas vezes desafia as pessoas com perguntas
muito específicas. Com os executivos do Twitter, foi uma verdadeira
saraivada. Quantas linhas por dia, em média, os programadores deles
escreviam? A equipe do Autopilot da Tesla tinha duzentos engenheiros de
software, então por que o Twitter tinha 2.500? O Twitter gastava 1 bilhão
de dólares por ano com servidores. Quais são as funções que exigem mais
tempo e armazenamento desses computadores, e em que ordem? Musk teve
dificuldades em obter respostas diretas. Na Tesla, ele demitia pessoas por
não conhecer esse tipo de detalhe. “Foi a pior reunião de diligência que eu vi
na vida”, reclamou ele. “Eu não condicionei o fechamento do acordo a uma
diligência prévia completa, mas acredito que eles tinham como justificar as
informações que haviam divulgado. Caso contrário, era fraude.”

Pensando melhor
As perguntas contundentes e as provocações irritadas de Musk refletiam o
fato de que ele não tinha certeza se queria ir adiante com a compra. Na
maioria dos dias, ele queria. Mais ou menos. Mas a vontade dele mudava, e
com isso as emoções entravam em conflito.
Ele estava convicto de que tinha pagado caro demais, o que era verdade.
O gasto com publicidade estava em baixa no verão de 2022, em função das
incertezas na economia, e o preço das ações de empresas de mídia social
estava caindo. O Facebook tinha caído 40% até então naquele ano e o Snap,
70%. O Twitter agora estava negociando 30% abaixo dos 54,20 dólares que
Musk tinha oferecido, um sinal de que Wall Street não tinha certeza de que
o negócio seria realmente fechado. Como o pai havia ensinado a ele quando
os dois iam a parques de diversões na Flórida, o gosto de uma Coca-Cola
que custa caro demais não é tão bom assim. Por isso, no fundo, quando foi
para a reunião no Twitter, Musk sentia um desejo de preparar o terreno para
sair do negócio ou renegociar o preço.
“Não tem como irmos em frente depois do que eles disseram”, me falou
ele depois da reunião no Twitter. “O preço de 44 bilhões de dólares requer a
contração de muitas dívidas, tanto para a empresa quanto para mim
pessoalmente. Acho que o Twitter pode sair dos trilhos. O acordo talvez até
aconteça, mas a um preço muito mais baixo, e digo literalmente a metade,
ou algo assim.”
Ele também estava tendo dúvidas maiores quanto ao fato de assumir um
desafio tão complicado assim. “Eu tenho o mau hábito de ter o olho maior
do que a boca”, admitiu. “Acho que preciso pensar menos no Twitter. Nem
mesmo esta conversa é tempo bem gasto.”
Na semana seguinte, no dia 13 de maio, mais ou menos às quatro da
manhã, pelo fuso do Texas, ele publicou um tuíte: “A compra do Twitter
está temporariamente paralisada, dependendo de detalhes que embasem o
cálculo de que as contas spam/fake realmente representam menos de 5% dos
usuários.” As ações do Twitter caíram 20% nas negociações antes da
abertura dos mercados. Jared Birchall, gestor dos negócios dele, e Alex
Spiro, seu advogado, incitaram-no desesperadamente a voltar atrás na
declaração. Eles disseram que era possível sair do negócio, mas anunciar o
desejo de fazer isso podia ser perigoso para ele. Duas horas depois, Musk
postou um adendo de cinco palavras: “Ainda comprometido com a
aquisição.”
Foi uma das poucas vezes que vi Musk inseguro quanto ao que estava
fazendo. Ao longo dos cinco meses seguintes, até o fechamento da compra,
em outubro, ele por vezes expressava grande empolgação com a
possibilidade de transformar o Twitter num “aplicativo para tudo”, com
serviços financeiros e conteúdo de qualidade, ao mesmo tempo que ajudava
a salvar a democracia. Em outros momentos, ficava irritado e frio, ameaçava
processar o conselho e a gestão do Twitter, e insistia que queria desistir de
vez do acordo.
Reunião com funcionários
Sem consultar os advogados, Musk concordou em participar de uma reunião
virtual com funcionários em 16 de junho. “Foi uma daquelas situações em
que o Elon fez as coisas do jeito dele, e aceitou um convite sem falar com
nenhum de nós para que a gente pudesse se preparar”, comenta Birchall. Ele
participou de uma sala de estar em Austin, e no começo teve problemas para
entrar na chamada porque ela foi realizada no Google Meet, e Musk não
tinha uma conta do Google no laptop. Finalmente conseguiu entrar pelo
iPhone. Enquanto esperávamos, um dos organizadores do evento
perguntou: “Alguém sabe quem é Jared Birchall?” Tinham barrado a entrada
dele.
Eu fiquei imaginando se Musk tinha algum esquema em mente. Talvez
ele fosse jogar uma pequena bomba ao provocar uma revolta dos
funcionários do Twitter. Talvez dissesse, por cálculo ou devido à compulsão
que tinha por ser brutalmente honesto, aquilo que realmente pensava: que
eles tinham errado em expulsar Trump, que a política de moderação de
conteúdo do Twitter extrapolava para uma censura injustificável, que a
equipe havia sido infectada pelo vírus da mentalidade woke e que a empresa
tinha funcionários demais. A explosão que se seguiria talvez não acabasse
com o negócio, mas seria capaz de mexer com as peças no tabuleiro.
Musk não fez isso. Pelo contrário: foi bastante conciliador ao tratar das
questões controversas. Leslie Berland, a diretora de marketing do Twitter,
começou falando sobre a questão da moderação de conteúdo. Em vez de
simplesmente invocar o mantra sobre a virtude da liberdade de expressão,
Musk foi mais fundo e fez uma distinção entre o que as pessoas deveriam
ter permissão para postar e o que o Twitter deveria amplificar e disseminar.
“Acho que existe uma distinção entre liberdade de expressão e liberdade de
alcance”, disse ele. “Qualquer pessoa pode simplesmente ir até o meio da
Times Square e dizer qualquer coisa, inclusive negar o Holocausto, o que
não significa que isso deva ser divulgado para milhões de pessoas.”
Ele também explicou por que alguns limites sobre discurso de ódio eram
importantes: “Nós queremos a maior quantidade de pessoas possível no
Twitter. Para que isso aconteça, as pessoas precisam gostar de estar no
Twitter. Se elas estiverem sendo assediadas ou se sentirem pouco à vontade,
não vão usar o Twitter. Precisamos encontrar esse equilíbrio entre permitir
que as pessoas digam aquilo que querem dizer, mas ao mesmo tempo fazer
com que elas se sintam confortáveis.”
Quando foi questionado sobre diversidade, igualdade e inclusão, Musk
recuou um pouco. “Eu acredito na meritocracia pura”, respondeu ele.
“Quem estiver se saindo bem deve receber mais responsabilidade. E ponto
final.” Ele também insistiu que não tinha se tornado um conservador em
termos ideológicos. “Minhas visões políticas, eu acho, são moderadas,
próximas do centro.” Ele não agradou a muita gente na conversa, mas evitou
causar explosões.
capítulo 75
Dia dos Pais
Junho de 2022

Dando de comer a Tau (acima, à esquerda); X assistindo a um vídeo de


lançamento de foguete no avião de Musk (acima, à direita); com lorde Norman
Foster em Austin, pensando numa casa (abaixo)
Todos os meus filhos
“Feliz Dia dos Pais. Amo muito todos os meus filhos.”
À primeira vista, o tuíte de Musk às duas da manhã do Dia dos Pais, 19
de junho de 2022, parecia inócuo, até fofinho. Mas a palavra todos escondia
um drama. A filha Jenna, que é uma garota trans, tinha acabado de
completar 18 anos e ido a um tribunal em Los Angeles, onde morava com a
mãe, para mudar oficialmente o nome de Xavier Musk para Vivian Jenna
Wilson. Ela usava o nome Jenna, parecido com o que a mãe, Justine, usava,
Jennifer Wilson, antes de conhecer Musk e se casar com ele. “Eu não desejo
mais morar com meu pai biológico nem estar associada a ele de forma
nenhuma”, declarou ela à Justiça.
Musk havia por fim aceitado a transição de Jenna, ainda que não tivesse
adotado os protocolos de listar os pronomes de cada pessoa. Ele acreditava
que estava sendo rejeitado pela filha em função da ideologia política dela. “É
o comunismo consumado, e um sentimento geral de que se você for rico,
você é uma pessoa ruim”, disse ele.
Era tudo muito confuso para Musk. “Estão ao mesmo tempo nos
dizendo que as diferenças de gênero não existem e que os gêneros são tão
profundamente diferentes que a única opção é uma cirurgia irreversível”,
tuitou ele naquela semana. “Talvez alguém mais sábio do que eu possa me
explicar essa dicotomia.” Depois, quase como se num recado para si mesmo,
e também como declaração pública, acrescentou: “O mundo fica melhor se
nós julgarmos menos.”
A rejeição de Jenna levou a um Dia dos Pais doloroso. “Ele ama demais a
Jenna e realmente a aceita”, diz Grimes, que continuou em termos
amistosos com a jovem. “Eu nunca vi o Elon de coração partido por nada.
Sei que ele faria qualquer coisa para poder ver a filha, ou conseguir que ela
pelo menos voltasse a aceitá-lo.”
Para piorar as coisas, o segredo sobre os gêmeos que ele teve com Shivon
Zilis veio à tona. Quando nasceram, as crianças foram registradas com o
sobrenome da mãe. No entanto, o afastamento da filha fez Musk desejar
mudar isso. “Quando a Jenna tirou o ‘Musk’ do nome dela, ele ficou triste
de verdade”, revela Zilis. “E me perguntou: ‘Ei, você toparia se os nossos
gêmeos tivessem o meu nome?’” A petição que eles levaram à Justiça logo
vazou.
Foi aí que Grimes descobriu que Zilis, que ela considerava uma amiga,
havia tido gêmeos com Musk. Quando Grimes confrontou Musk, ele
simplesmente disse que Zilis tinha o direito de fazer o que quisesse. Grimes
ficou chocada. No Dia dos Pais, eles vinham todos tendo discussões sérias
sobre questões como saber se Zilis e os gêmeos dela podiam passar um
tempo com X e Y, filhos de Grimes. Uma confusão.
Musk e Zilis continuaram comparecendo juntos toda semana às reuniões
da Neuralink sem comentar sobre os filhos que tiveram. Musk achava que a
maneira de aliviar uma situação esquisita era brincar com isso no Twitter:
“Dando o melhor de mim para ajudar na crise de subpopulação. Uma taxa
de nascimentos em declínio é de longe o maior perigo que a civilização
enfrenta.”

Techno Mechanicus Musk


Como se fosse um jogo no estilo multiplayer, o Dia dos Pais de 2022 tinha
mais uma subtrama. Em segredo, Musk e Grimes haviam tido um terceiro
filho naquela semana, chamado Techno Mechanicus Musk. O bebê, que
nasceu de uma barriga de aluguel, recebeu o apelido de Tau, uma referência
à letra grega que representa o número irracional que equivale a duas vezes
pi. Arredondado para 6,28, isso refletia o aniversário do próprio Musk, 28
de junho.
Eles mantiveram a existência desse terceiro filho em sigilo. Musk, porém,
logo se apegou ao bebê. Em uma visita à casa de Grimes quando Tau tinha
2 meses, ele se sentou no chão para dar de comer ao bebê, que ficava
estendendo a mão para mexer na barba do pai. “Tau é incrível”, diz Grimes.
“Ele nasceu com olhinhos que podiam ver lá no fundo da sua alma, cheios
de sabedoria. Parece um pequeno Spock. Ele sem dúvida é vulcano.”
Semanas depois, Musk estava sentado em silêncio, durante o intervalo
entre duas reuniões na Giga Texas, vendo notícias no iPhone, quando se
deparou com o relatório sobre o trimestre terrível que a Lucid Motors tinha
tido. Ele riu por alguns minutos, e depois publicou um tuíte: “Eu tive mais
filhos no segundo trimestre do que eles produziram carros!” Depois,
continuou rindo sozinho. “Adoro o meu senso de humor, mesmo que os
outros não gostem”, disse. “Eu morro de rir de mim mesmo.”
Mais ou menos nessa época, o e Wall Street Journal começou a apurar
uma matéria sobre um suposto relacionamento de uma noite que Musk teria
tido alguns meses antes com a esposa do cofundador do Google, Sergey
Brin, que estava afastada do marido. A justificativa para a matéria era que
isso teria afetado as relações entre os dois homens. Logo depois de a história
vir à tona, eles posaram juntos para uma foto, e Musk se esforçou para ficar
em uma posição de onde podia tirar uma selfie com Brin, algo que Brin
tentou evitar. Musk mandou a foto para o New York Post com o intuito de
rebater a alegação de que os dois tinham se estranhado. “A quantidade de
atenção voltada para mim virou uma supernova, o que é uma droga”, tuitou
ele. “Infelizmente, até mesmo histórias banais sobre mim geram muitos
cliques (vou me esforçar para ficar na minha e fazer coisas úteis pela
civilização).”
Mas ficar na dele não fazia parte da natureza de Musk.

Pecados do pai
A fase 5 do Dia dos Pais talvez tenha sido a mais sinistra de todas. Por
infelicidade, envolvia o pai do próprio Musk, com quem ele não falava mais.
Em um e-mail para Elon com o assunto “Dia dos Pais”, Errol escreveu:
“Estou sentado aqui num frio congelante enrolado em cobertas e jornais.
Não tem eletricidade. Se estou me dando o trabalho de escrever isso, você
pode se dar o trabalho de ler.” O que vinha depois disso era uma divagação
desconexa em que ele chamava Biden de “um presidente que era uma
aberração, um criminoso, um pedófilo” que queria destruir tudo que os
Estados Unidos representavam, “incluindo você”. Ele dizia que os líderes
negros na África do Sul estavam sendo racistas contra os brancos. “Sem
brancos aqui, os negros vão voltar para as árvores.” Vladimir Putin era “o
único líder mundial com voz”. Ele mandou outro e-mail em seguida com a
foto de um placar de um estádio em que se lia:   — ***-
 , e acrescentou o comentário “Isso é irrefutável”.
A carta de Errol era chocante em vários níveis, principalmente pelo
racismo. Contudo, um outro aspecto se tornaria mais inquietante naquele
ano: a crença dele em teorias da conspiração. O pai de Elon tinha passado a
acreditar no discurso da extrema direita, e rotulava Biden de pedófilo e
elogiava Putin. Em outros posts e e-mails, ele disse que a covid era “uma
mentira”, atacou o especialista em covid Anthony Fauci e alegou que as
vacinas eram mortais, opiniões que Elon repetiria algum tempo depois.
As descrições sobre o frio e a pobreza tinham como intenção censurar o
filho por ter parado de oferecer ajuda financeira a ele. Fazia não muito
tempo, Elon mandava, de modo intermitente, quantias variáveis de dinheiro
por mês. Isso começou em 2010, com pagamentos mensais de 2 mil dólares
para ajudar Errol a sustentar os filhos mais novos depois do segundo
divórcio. Ao longo dos anos, Elon ocasionalmente aumentava o valor,
depois voltava a reduzi-lo quando Errol dava entrevistas exagerando a sua
contribuição para o sucesso do filho. Quando Errol passou por uma cirurgia
cardíaca, o apoio dado por Elon subiu temporariamente para 5 mil dólares
mensais. Mas ele cortou a ajuda depois de saber que Errol havia
engravidado Jana, a enteada que ele criara desde os 4 anos de idade e a qual
Elon e Kimbal viam como uma meia-irmã.
No fim de março de 2022, Errol escreveu pedindo que sua mesada fosse
restabelecida. “Aos 76 anos, não é fácil para mim gerar renda”, escreveu ele.
“A alternativa está entre a fome e a humilhação insuportável ou a morte por
suicídio. A morte por suicídio não me preocupa, mas deveria preocupar
você. A verdade é conhecida demais. Você estará arruinado, não se engane, e
as pessoas vão saber quem você realmente é, ou quem se tornou.” Ele dizia
que a culpa pela atitude de Elon era da natureza “nacional-socialista, cruel,
egoísta e covarde” da família da mãe dele, e acrescentou: “A maldade dos
Haldeman triunfou?”
Mais ou menos na época do Dia dos Pais, Elon retomou os pagamentos
mensais de 2 mil dólares. Entretanto, o gerente das finanças dele, Jared
Birchall, pediu a Errol que parasse de fazer uma série de vídeos no
YouTube, intitulados “Pai de um gênio”, que ele havia produzido com um
psicólogo clínico. Errol reagiu com raiva. “Meu silêncio para deixar que essa
merda diabólica continue fermentando não vale 2 mil dólares”, respondeu
ele. “Além disso, me calar é um erro. Eu tenho muito a ensinar às pessoas.”
Como se estivesse seguindo um roteiro perverso, o Dia dos Pais de 2022
trouxe mais uma complicação para essa situação. Errol revelou que tinha
tido mais um bebê com Jana, uma filha. “O único motivo para estarmos
neste planeta é nos reproduzirmos”, disse ele. “Se pudesse ser pai de mais
um filho, eu seria. Não consigo ver por que não.”

Tentativas de criar laços


Enquanto passava por todo tipo de tumulto na vida, Musk tinha uma
adorável influência estabilizadora: Talulah Riley, a atriz inglesa que se casou
com ele em 2010 e, depois de um divórcio e de um novo casamento,
finalmente o deixou para voltar à tranquilidade de uma cidadezinha na
Inglaterra em 2015. Ela continuava a querê-lo bem, e Musk sentia a mesma
afeição por ela, embora preferisse o calor e o frio extremos a
relacionamentos afetuosos.
Quando um amigo próximo de Talulah morreu, em 2021, Musk foi à
Inglaterra e passou um dia na casa dela. “Ficamos só vendo programas
bobos na TV, rindo e conversando, e ele me fez rir em vez de chorar”, conta
ela. Durante os tumultos pessoais dele e a crise da compra do Twitter, no
início do verão de 2022, ela foi a Los Angeles e jantou com ele no Beverly
Hills Hotel.
Ela viajou com o novo namorado, o jovem ator omas Brodie-Sangster,
para divulgar uma minissérie televisiva da qual ele havia participado, Pistol,
sobre a banda pioneira do punk-rock Sex Pistols. Mas Brodie-Sangster não
foi ao jantar. Em vez disso, Musk e Riley tiveram a companhia dos quatro
filhos mais velhos dele, que tinham criado laços afetivos com ela ao longo
dos anos. “Eu mal acredito como eles todos são lindos”, me disse ela por
mensagem. “Griffin é lindo, hilário e supercharmoso; Damian virou uma
alma incrivelmente sofisticada e bela; Kai ainda é um sujeito totalmente
decente e agora lindamente geek; e o desenvolvimento da linguagem do
Saxon é mais do que eu poderia ter imaginado: tivemos conversas completas
e detalhadas, exceto pelo fato de que a certa altura ele disse: ‘O que é
interessante sobre você e o Elon é que vocês têm uma diferença significativa
de idade… Mas quase não se nota.’ .”
O reencontro foi bastante emotivo. Havia uma parte de Riley que ainda
amava Elon. Quando ela voltou para o quarto de hotel naquela noite,
Brodie-Sangster teve que lidar com a namorada aos prantos.

***

Musk reagiu ao turbilhão na família em meados de 2022 dando início a


mais um surto, mas dessa vez um surto paterno. Ele levou os quatro filhos
mais velhos, além de Grimes e X, para um passeio pela Espanha junto com
James e Elisabeth Murdoch e os filhos deles. James, que faz parte do
conselho da Tesla, é o membro progressista da família de Rupert Murdoch,
e Elisabeth é ainda mais progressista do que ele. Eles transmitem a Musk
uma influência pessoal tranquilizadora, além de fazer um contrapeso
político.
Poucas semanas depois, ele e os meninos viajaram a Roma, onde foram
recebidos pelo papa Francisco em uma audiência. Musk tuitou uma foto do
encontro, que o mostrava num traje inadequado, com Saxon se contorcendo
de nervoso, e os irmãos vestidos com camisas pretas e parecendo sombrios.
“Meu terno é trágico”, admitiu Musk. Quando os meninos acordaram no
dia seguinte, ficaram chateados porque o pai tinha tuitado a foto. Um deles
chegou a chorar. No grupo de mensagens on-line deles com o pai, que usam
mesmo quando viajam juntos, um dos garotos pediu que Musk não
publicasse mais fotos sem permissão. Musk ficou deprimido, saiu do grupo e
minutos depois avisou que eles estavam voltando para os Estados Unidos.

Uma casa, não um lar


Musk se deu conta de que era difícil ter uma vida familiar estável sem ter
uma casa para a família. Por isso, em meio aos dramas domésticos do verão
de 2022, ele começou a sonhar com uma casa própria em Austin.
Considerou, então, algumas casas que estavam à venda, mas achou todas
muito caras. Em vez de comprar, decidiu construir uma casa numa grande
fazenda de criação de cavalos, com um lago tranquilo, que ele tinha
comprado perto da Giga Texas, mas do outro lado do rio Colorado. Ele
achou que poderia usar outras partes da propriedade para a Neuralink e suas
outras empresas.
Musk caminhou pela fazenda numa noite de sábado com Grimes e
Omead Afshar, que estava encarregado de construir a Giga Texas, e eles
bolaram diversas ideias, entre elas a possibilidade de que a e Boring
Company cavasse um túnel sob o rio para ligar a casa à fábrica. Ele também
caminhou pela propriedade alguns dias depois com Shivon Zilis. “Uma
coisa sobre a qual eu vinha atazanando ele, de um jeito carinhoso, era que
ele tinha que encontrar um lugar que pudesse chamar de lar”, conta ela.
“Elon precisa de um lugar onde a alma dele more, e é isso que a fazenda de
criação de cavalos vai ser para ele.”
Numa tarde quente no verão de 2022, Musk se sentou debaixo de um
toldo de armar na propriedade junto com lorde Norman Foster, o arquiteto
que projetou, entre outras coisas, a sede circular de aparência espacial da
Apple para Steve Jobs. Foster tinha saído de Londres, com seu bloquinho
de desenho, para discutir ideias com Musk. Sentado diante de uma mesa de
carteado, Musk olhou alguns desenhos de Foster e em seguida começou a
fazer uma associação livre de ideias. “Devia ser algo que tivesse caído do
espaço, como uma estrutura de outra galáxia que pousou no lago”, disse
Musk.
Birchall, que estava com eles, procurou no Google imagens de prédios
futuristas, enquanto Foster fazia mais esboços em seu caderno. Musk
sugeriu: “Quem sabe, um caco de vidro saindo do lago?” O andar de baixo
poderia ficar parcialmente submerso na água, acessível por meio de um túnel
que partia de outra estrutura na margem do lago.
Comentei posteriormente que aquela, na verdade, não parecia uma casa
de família. Musk concordou. “É mais um projeto artístico do que uma casa”,
explicou. Ele adiou a construção.
capítulo 76
Sacudida na Starbase
SpaceX, 2022

Inspecionando os motores Raptor embaixo de um foguete auxiliar da Starship


Exibindo a Starship
Sempre alerta contra a complacência, no início de 2022 Musk decidiu que
era hora de outra onda em Boca Chica. Seis meses haviam se passado desde
que ele havia pressionado Andy Krebs e a equipe no sul do Texas para
colocar a Starship na plataforma de lançamento. Agora ele queria fazer uma
apresentação pública do foguete. Dessa vez, os dois estágios seriam
empilhados pelos braços de hashi da Mechazilla.
Bill Riley alertou que seria difícil concluir isso antes do fim de fevereiro,
de modo que Musk usou o Twitter como mecanismo de pressão. Ele tuitou
que haveria uma demonstração pública da Starship às oito horas da noite de
quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022.
Na noite da apresentação ele jantou no Flaps, o restaurante casual e
estiloso para funcionários da SpaceX. Junto com ele estavam três das
principais diretoras da NASA: Janet Petro, do Kennedy Space Center, em
Cabo Canaveral; Lisa Watson-Morgan, do Programa do Sistema de Pouso
Humano; e Vanessa Wyche, do Johnson Space Center, em Houston.
X subiu na mesa e começou a comer molho de gorgonzola com um garfo.
Musk brincou que X servia de “adereço de fofura”. Petro sussurrou para
mim: “Estou contendo meus instintos maternos.” Até que finalmente
sucumbiu: tirou o garfo dele e trocou-o por uma colher.
“Ele é destemido”, diz Musk. “Provavelmente uma dose um pouco maior
de instinto de medo seria útil. É genético.” Sim, mas também era resultado
da maneira livre como Musk o criava. Não é da natureza dele ser protetor.
“Falcon 9”, falou X, apontando para algo distante.
“Não”, corrigiu o pai. “Starship.”
“Dez, nove, oito...”, contou X.
“As pessoas dizem que é um sinal de inteligência que ele saiba contar de
trás para a frente”, fala Musk. “Mas não sei se ele sabe contar em ordem
crescente.”
Musk perguntou se as convidadas da NASA tinham filhos, e a resposta
delas o levou a discursar mais uma vez sobre como a redução nas taxas de
natalidade é uma ameaça ao futuro da consciência humana. “Meus amigos
têm, em média, só um filho”, afirmou ele. “Alguns não têm filho algum. Eu
tento dar um bom exemplo.” Ele não mencionou que tinha acabado de ser
pai de mais três filhos.
A conversa passou a ser a China, que era a única entidade que estava
lançando tantas missões orbitais quanto a SpaceX. A própria NASA nem
estava mais no jogo. “Se a China chegar à Lua antes de nós voltarmos para
lá, esse momento será uma repetição do episódio do Sputnik”, disse ele para
as diretoras da NASA. “Vai ser um choque quando acordarmos e
descobrirmos que eles chegaram à Lua enquanto estávamos processando
judicialmente uns aos outros.” Musk disse que, quando visita a China, com
frequência lhe perguntam como aquele país pode ser mais inovador. “A
resposta que dou é que eles devem desafiar a autoridade.”
Naquela noite, centenas de trabalhadores, repórteres, autoridades do
governo e moradores locais se reuniram em frente à Starship montada,
iluminada por holofotes. “É preciso que haja coisas que lhe inspiram, que
mexam com o seu coração”, disse Musk no discurso. “Ser uma civilização
exploradora do espaço, fazer a ficção científica deixar de ser ficção é uma
dessas coisas.” Durante a apresentação, eu me sentei ao lado de Krebs, que
ainda não tinha decidido deixar a SpaceX, e conversamos sobre como ele
havia sobrevivido tendo estado na linha de fogo de Musk naquele mesmo
lugar sete meses antes. Quando perguntei se valia a pena, Krebs acenou na
direção da Mechazilla. “Toda vez que vejo a torre meu coração dispara”,
disse.
Depois da apresentação, Musk foi até um grupo reunido num bar de
comida indonésia atrás do prédio principal da Starbase. Depois de alguns
minutos, o astronauta Jared Isaacman, da Inspiration4, que havia voado no
próprio caça de alto desempenho para a apresentação, se juntou ao grupo.
Isaacman tinha uma confiança tranquila e humilde, que relaxava Musk.
Ele comentou que achou bom Musk ter decidido não ir para o espaço
depois de Branson e Bezos. “Teria sido a gota d’água”, opinou. Pareceria
uma coisa narcisista de meninos bilionários. “Basta mais um erro desses para
que os americanos digam: ‘Dane-se o espaço.’”
“Sim”, concordou Musk com uma risada triste, “era melhor mandar
quatro pessoas de fora do elenco principal”.
Sacudindo a equipe
Os satélites da Starlink que estavam sendo construídos em Seattle
começavam a se acumular em julho de 2022. Os foguetes Falcon 9 estavam
sendo lançados de Cabo Canaveral pelo menos uma vez por semana, e cada
voo punha em órbita cerca de cinquenta satélites. Musk, entretanto, vinha
contando com o fato de que a gigantesca Starship estaria fazendo
lançamentos regulares da plataforma em Boca Chica. Como sempre, ele
estava sendo pouco realista com relação a cronogramas.
“Quer que eu mande algumas pessoas para Boca?”, perguntou Mark
Juncosa, que havia se mudado para Seattle a fim de supervisionar a
produção da Starlink.
“Sim”, respondeu Musk. “Você deveria ir para lá também.” Era o
momento de sacudir os gestores. No início de agosto, Juncosa estava
circulando pelas tendas da linha de montagem em Boca Chica feito um
redemoinho, levantando poeira.
Juncosa é abençoado com uma boa dose da loucura de Musk. Com
cabelos desgrenhados e olhos enormes, ele salta de um lado para outro e gira
o celular de uma maneira que cria um campo de alta energia em volta dele.
“Juncosa é muito carismático de um jeito pateta e durão”, diz Musk. “Ele
consegue dizer para as pessoas que elas estão errando e que a ideia é um lixo,
mas de um jeito que não deixa ninguém com raiva. Ele é o meu Marco
Antônio.”
Musk e Juncosa gostavam da equipe em Boca Chica, especialmente de
Riley e Patel, mas achavam que eles não eram duros o suficiente. “Bill é um
grande cara, mas tem dificuldade em dar feedbacks negativos e
simplesmente não consegue demitir ninguém”, me falou Musk. A
presidente da SpaceX, Gwynne Shotwell, tinha a mesma opinião sobre
Patel, que havia supervisionado a construção das instalações. “Sam trabalha
muito”, disse, “mas não sabe como dar más notícias ao Elon. Sam e Bill são
covardes”.
Musk fez uma videochamada com a equipe da Starship em 4 de agosto
da sala de conferências na Giga Texas, onde estava se preparando para a
reunião anual com os acionistas da Tesla naquela tarde. Enquanto eles
explicavam os slides, ele foi ficando cada vez mais bravo. “Esses
cronogramas são bobagem, um grande erro”, explicou. “Não tem chance de
isso levar tanto tempo assim.” Musk decretou que começaria a ter reuniões
sobre a Starship todas as noites, sete vezes por semana. “Vamos revisar os
princípios básicos do algoritmo todas as noites, questionar as especificações
e eliminar”, decretou ele. “Foi isso que fizemos para dar um jeito na merda
que era o Raptor.”
Ele perguntou quanto tempo demoraria para colocar o foguete auxiliar na
plataforma de lançamento a fim de testar os motores. Dez dias foi a
resposta. “É muito”, retrucou ele. “Isso é crucial para o destino da
humanidade. Dá trabalho mudar o destino. Não dá para fazer isso só em
horário comercial.”
Então, Musk encerrou a reunião abruptamente. “Vejo vocês à noite”,
falou ele para a equipe de Boca Chica. “Tenho uma reunião de acionistas da
Tesla à tarde, e nem vi os slides ainda.”

A invasão do Bar Tiki


Quando Musk chegou a Boca Chica vindo de Austin naquela noite, depois
de comandar a reunião de acionistas da Tesla, que mais parecia uma
convenção de fãs, foi direto para a sala de conferências da Starbase, onde a
equipe havia se reunido. Parecia uma cena de Star Wars. Musk levou X, que
apesar do horário estava cheio de energia e correu em volta da mesa
gritando “Foguetes!”. Grimes também estava lá, com o cabelo pintado de
verde e rosa. Juncosa deixara a barba crescer ainda mais. Shotwell havia
voado de Los Angeles para ajudar a gerenciar a sacudida no pessoal —
sendo do tipo que faz questão de acordar cedo, ela comentou que já havia
passado do horário de ela dormir. A única outra mulher à mesa, que contava
com umas doze pessoas, era Shana Diez, uma engenheira aeronáutica do
MIT que trabalhava na SpaceX havia catorze anos e, tendo impressionado
Musk pela competência franca, fora promovida a diretora de engenharia da
Starship. Completando a mesa havia os outros membros da equipe — Bill
Riley, Joe Petrzelka, Andy Krebs, Jake McKenzie —, todos usando o
uniforme-padrão, composto de jeans e camiseta preta.
Musk pressionou de novo para que colocassem o foguete auxiliar na
plataforma, de modo que os motores pudessem ser testados o mais rápido
possível. Dez dias era tempo demais. Ele estava particularmente interessado
em determinar o grau de importância dos escudos térmicos em volta dos
motores. Vivia procurando maneiras de eliminar peças, em especial as que
acrescentavam massa ao foguete auxiliar. “Não parece que precisamos de
escudos em todos aqueles pontos”, disse. “Fui até lá com uma lanterna e vi
que os escudos térmicos estão bloqueando coisas, não dá para ver nada.”
A reunião foi se arrastando, como costuma acontecer com ele, e, antes
que pudessem concordar com um cronograma para os testes, entraram em
uma discussão sobre o filme Amor à queima-roupa, escrito por Quentin
Tarantino. Depois de mais de uma hora, Shotwell tentou encaminhar a
reunião para o fim. “O que decidimos?”, perguntou ela.
A resposta não foi exatamente clara. Musk estava olhando ao longe,
pensativo. Todo mundo já tinha visto aquele transe antes. Em algum
momento, depois de processar a informação sozinho, ele faria um
pronunciamento. Mas já passava da uma da manhã, e aos poucos os
engenheiros foram saindo, e deixaram Musk pensando sozinho.

***

Após sair da sala de conferências e seguir para o estacionamento, os


participantes se reuniram em volta de Juncosa, que estava girando o celular,
entretendo o pessoal, e claramente ainda não estava pronto para se retirar e
descansar em seu trailer Airstream. Além de estar animado, ele sabia que as
tropas estavam nervosas com a mexida de pessoal que viria, e que um
reagrupamento poderia ser útil. Como um capitão do time estudantil que
sabia exatamente qual nível de transgressão era apropriado, Juncosa propôs
que eles invadissem o bar tiki ali perto e fizessem uma festa. Usando um
cartão de crédito para arrombar a porta, ele levou uma dezena de seguidores
para o bar e escalou um deles para servir cerveja, uísque escocês Macallan e
bourbon Elijah Craig Small Batch. “Se a gente se encrencar, podemos botar
a culpa em você, Jake”, disse ele apontando para McKenzie, o mais jovem,
tímido e que, entre eles, era quem menos chance tinha de arrombar um bar.
Sem Musk por perto, Juncosa conseguiu deixar todo mundo relaxado,
mas também conseguiu transmitir algumas lições. Ele tirou sarro de um
deles por ter hesitado em dizer a Musk que uma instalação de testes não
ficaria pronta a tempo, e depois dançou em volta da vítima batendo os
cotovelos e cacarejando, querendo dizer que a pessoa fora covarde. Quando
um jovem engenheiro tentou impressioná-lo ao descrever suas aventuras
como esquiador radical, Juncosa pegou o celular e mostrou um vídeo dele
esquiando descontroladamente no Alasca à frente de uma avalanche.
“É você mesmo?”, perguntou o engenheiro.
“Sim”, respondeu Juncosa. “É preciso correr riscos. É preciso amar correr
riscos.”
Por volta daquela hora — 3h24 da manhã, para ser preciso —, meu
celular tocou com uma mensagem de Musk, que ainda estava acordado na
sua pequena casa a um 1,5 quilômetro dali. “O cronograma anterior do
foguete auxiliar era de dez dias para a plataforma”, dizia o texto. “Mas tenho
90% de certeza de que vamos descobrir nosso próximo problema de
desenvolvimento sem precisar que o B7 esteja completo.”
Mostrei para McKenzie decifrar, e ele mostrou para Juncosa. Eles
ficaram em silêncio por um momento. Isso significava que Musk havia
processado o que ouvira na reunião e decidira que não iriam esperar dez dias
para mover o foguete auxiliar, conhecido como B7, até a plataforma para
teste. Eles iriam fazer isso antes de instalar todos os 33 motores. Musk
prosseguiu logo depois, e deu mais detalhes: “De uma forma ou de outra,
vamos colocar o B7 de volta na estrutura de lançamento à meia-noite de
hoje ou antes.” Em outras palavras, eles iriam fazer aquilo em um dia, não
em dez dias. Ele havia determinado mais uma onda de trabalho.

Pé-direito alto
Naquela manhã, depois de algumas horas de sono, Musk foi até um dos
galpões de montagem de pé-direito alto, vestido com uma camiseta preta
com a estampa  , para ver o B7 ser equipado com os motores
Raptor. Depois de subir uma escada industrial, ele escalou uma plataforma
sob o propulsor. Estava cheia de cabos, peças de motores, ferramentas,
correntes balançando e, pelo menos, quarenta pessoas trabalhando lado a
lado enquanto prendiam os motores e soldavam a blindagem. Musk era o
único sem capacete.
“Por que esta peça é necessária?”, perguntou ele a um dos engenheiros
veteranos, Kale Odhner, que encarou a presença do patrão com normalidade
e deu respostas diretas enquanto continuava a trabalhar. As visitas de
inspeção de Musk às áreas de montagem eram tão frequentes que os
trabalhadores quase nem prestavam atenção a ele, a menos que desse ordens
ou fizesse alguma pergunta. “Por que aquilo não pode ser feito mais rápido?”
é uma das favoritas. Às vezes ele só fica de pé e olha fixamente, em silêncio,
por quatro ou cinco minutos.
Depois de mais de uma hora, Musk desceu da plataforma e correu,
mancando, os 180 metros do estacionamento até a cantina. “Acho que ele
faz isso para todo mundo ver como está com pressa”, disse Andy Krebs.
Perguntei mais tarde para Musk se era essa a razão. “Não”, riu. “Fiz porque
esqueci de passar protetor solar e não queria uma queimadura.” E
acrescentou: “É verdade que as tropas ficam mais motivadas se virem o
general no campo de batalha. Na presença de Napoleão, fosse onde fosse, as
tropas atuavam melhor. Mesmo que eu não faça nada e só apareça, eles vão
me ver e dizer que pelo menos não passei a noite toda na farra.” Parecia que
ele ficara sabendo da escapada para o bar tiki.

***

Pouco depois da meia-noite, o prazo que Musk havia determinado, um


caminhão com o foguete auxiliar em pé começou a percorrer os oitocentos
metros da área de montagem até a área de lançamento em Boca Chica.
Grimes foi de carro da pequena casa deles para testemunhar o espetáculo
com X, que dançou em volta do foguete, que se movia lentamente. Foi
impressionante a visão do foguete auxiliar chegando à área de lançamento e
sendo colocado de pé na plataforma, brilhando sob uma lua quase cheia.
Estava tudo indo bem até que uma tubulação se soltou e fluido
hidráulico, uma mistura de óleo e água, começou a cobrir a área. Todos
ficaram encharcados, inclusive Grimes e X. A princípio, ela se assustou, pois
achou que se tratava de algum produto químico tóxico, mas Musk a
tranquilizou. “Amo o cheiro de fluido hidráulico de manhã”, disse, em
alusão a uma fala de Apocalypse Now. X também não desanimou, nem
mesmo quando Grimes o levou de volta para casa para tomar banho. “Acho
que ele está desenvolvendo uma tolerância ao perigo acima da média”, disse
Musk. Demonstrando uma migalha de autoconsciência, acrescentou: “A
tolerância dele ao perigo é quase problemática, para ser sincero.”
capítulo 77
Optimus Prime
Tesla, 2021-2022

Slide que mostra os componentes da mão do Optimus (acima); o robô fazendo


um coração, o logotipo do Dia da IA 2 (abaixo)
Toque humano
Quando Musk anunciou seus planos de construir o Optimus em agosto de
2021, uma atriz vestida de macacão branco cambaleou pelo palco imitando
um robô. Alguns dias depois, o chefe de design da Tesla, Franz von
Holzhausen, reuniu um grupo para começar a construir o equipamento real:
um robô capaz de emular um ser humano.
Musk deu uma diretiva: tinha que ser um robô humanoide. Em outras
palavras, deveria se parecer com uma pessoa, não com uma engenhoca
mecânica com rodas ou quatro patas, como a Boston Dynamics e outros
estavam construindo. A maioria dos locais de trabalho e ferramentas é
projetada para se adequar à maneira como os humanos fazem as coisas, por
isso Musk acreditava que um robô deveria se aproximar da forma humana
para operar de modo natural. “Queremos deixá-lo o mais humano possível”,
disse Von Holzhausen aos dez engenheiros e designers sentados em volta de
sua mesa de reuniões. “Mas também podemos aprimorar o que os humanos
fazem.”
Eles começaram pela mão. Von Holzhausen pegou uma furadeira, e
estudaram como os dedos e a palma interagiam com ela. A princípio,
parecia sensato tentar fazer a mão com quatro dedos, uma vez que o dedo
mindinho não parecia ser necessário. Contudo, além de parecer repugnante,
isso acabou não se mostrando muito funcional. Em vez disso, decidiram
alongar o dedinho, para que pudesse ser mais útil. Entretanto, também
fizeram uma simplificação: iriam fazer cada dedo com duas articulações, não
três.
Outra melhoria era fazer a palma da mão mais longa, para que pudesse
envolver uma ferramenta, reduzindo a carga sobre o dedão. Isso tornaria a
mão do Optimus mais forte do que a humana. Eles também cogitaram uma
tática biônica ainda mais inovadora, como instalar ímãs potentes na ponta
de cada dedo. Essa ideia foi rejeitada; muitos dispositivos poderiam sofrer
influência negativa de ímãs.
Quem sabe os dedos não pudessem também se virar para as costas da
mão, não apenas em direção à palma? E se o pulso fosse capaz de se dobrar
para trás, assim como se dobra para a frente? Todo mundo à mesa começou
a mexer as mãos e os pulsos para ver o que isso significava. “Isso poderia ser
útil se o robô precisasse pressionar algo contra a parede”, disse Von
Holzhausen. “Ele poderia fazer isso sem colocar pressão nos dedos.”
Alguém sugeriu que a mão pudesse ir para trás a ponto de os dedos
poderem tocar o braço. Isso permitiria que o braço aplicasse pressão a algo
sem que a mão estivesse envolvida. “Uau”, disse Von Holzhausen, “mas as
pessoas iriam se assustar um pouco. Não vamos tão longe assim”.
“Agora vem a parte desafiadora”, falou Von Holzhausen perto do fim da
reunião de duas horas. “Como fazemos essa salsicha ficar bonita?” Ele
distribuiu tarefas para o que iriam mostrar a Musk nas reuniões semanais de
revisão. “Comecem descobrindo como os dedos irão ficar e como vão afinar,
especialmente agora que vamos alongar o dedinho. Elon quer um
afinamento feminino para os dedos.”

O jovem Frankenstein
Musk e seus engenheiros descobriram que corpos humanos são incríveis.
Em uma das reuniões semanais, por exemplo, eles discutiram como nossos
dedos não apenas aplicam pressão às coisas, como também podem sentir
pressão. Qual era o melhor jeito de fazer os dedos do Optimus avaliarem a
pressão? “Poderíamos olhar para a corrente no atuador da articulação, que
vai se correlacionar com a pressão aplicada na ponta”, sugeriu um
engenheiro. Outro pensou em colocar capacitores na ponta dos dedos, como
em uma tela sensível ao toque, ou talvez um sensor barométrico de pressão
ou um chip envolto em borracha, ou mesmo uma pequena câmera dentro de
uma ponta de dedo feita em gel. “Quais são as diferenças quanto aos
custos?”, perguntou Von Holzhausen. Eles decidiram que medir a pressão
usando a corrente no atuador da articulação seria mais eficiente porque não
acrescentaria peças.
Não importa quão conturbada estivesse sua rotina, Musk tentava
participar das reuniões semanais de design do Optimus. Em uma delas, em
fevereiro, ele estava na sala VIP do estádio do Miami Marlins participando
de uma festa de audição promovida por Kanye West, conhecido como Ye,
para um novo álbum, Donda 2. Ele estava em pé com os rappers French
Montana e Rick Ross, comendo tacos e conversando sobre criptomoedas,
quando recebeu uma mensagem de Omead Afshar lembrando-o da reunião
do Optimus às nove da noite. Musk entrou na conferência, mas esqueceu a
câmera do telefone ligada e, sem perceber, deixou que a equipe do Optimus
assistisse à festa ao fundo. Membros da comitiva VIP de Ye olhavam com
curiosidade enquanto ele andava pela sala sacudindo os dedos e discutindo o
número de atuadores que seriam necessários para dar às mãos do Optimus
destreza suficiente. “Elas precisam ser capazes de pegar um lápis de
qualquer ângulo”, disse Musk. Um rapper ao fundo acenou e começou a
sacudir os dedos.
Às vezes as reuniões a respeito do Optimus se arrastavam por mais de
duas horas enquanto Musk considerava ideias grandes e triviais. “Talvez os
robôs pudessem trocar os braços por ferramentas distintas”, sugeriu alguém.
Musk rejeitou isso. Em outra reunião, ele perguntou se deveria existir uma
tela no lugar do rosto. “Pode ser só um monitor”, falou ele. “Não precisa ser
sensível ao toque. Mas precisamos saber o que ele está fazendo a distância.”
Eles decidiram que era uma boa ideia, mas não havia necessidade para uma
primeira iteração do Optimus.
As discussões frequentemente evocavam as fantasias futurísticas de
Musk. A equipe preparou uma simulação em vídeo do Optimus trabalhando
em uma colônia em Marte, o que levou a uma longa discussão sobre se os
robôs em Marte poderiam trabalhar por conta própria ou se deveriam
trabalhar sob a orientação de supervisores humanos. Von Holzhausen
tentou levar as coisas de volta à Terra. “Acho que a simulação de Marte é
divertida”, interveio ele por fim, “mas deveríamos fazer uma que mostre os
robôs trabalhando em uma de nossas fábricas, quem sabe realizando tarefas
repetitivas que ninguém quer fazer”. Em outra reunião, eles discutiram se
deveriam colocar um Optimus no assento do motorista em um Robotáxi
para cumprir a obrigação legal de o carro ter um motorista. “Lembra que no
Blade Runner original fizeram algo assim?”, disse Musk. “Assim como no
jogo Cyberpunk mais recente.” Ele gostava de fazer a ficção científica deixar
de ser ficção.
Outras ideias pareciam mais influenciadas pelo lado bobo do sistema
límbico de Musk. “Talvez devêssemos ter um cabo de carregamento que saia
da bunda”, brincou ele certa vez. Depois de algumas risadas altas, ele
rejeitou a ideia. “O fator de riso seria alto demais”, zombou. “Para os
humanos, os orifícios são importantes.”
“Isso me lembra do filme O jovem Frankenstein”, disse Musk certa vez,
referindo-se à paródia dirigida por Mel Brooks. “É um filme emblemático.”
Isso, entretanto, levou a uma discussão mais séria sobre como garantir que
os robôs não virem monstros, que fora o impulso original que levara Musk a
se dedicar aos campos da inteligência artificial e da robótica. Em uma
reunião, ele revisou o “caminho para o comando de parada”, que daria a um
ser humano o poder final para desativar o robô. “Não pode existir um
cenário no qual alguém possa ter acesso à nave-mãe e assuma o controle dos
robôs de maneira maliciosa”, disse ele, descartando o uso de quaisquer sinais
eletrônicos que possam ser hackeados. Citando as leis da robótica de
Asimov, ele planejou estratégias de jogo que permitiriam aos humanos
triunfar sobre “exércitos de robôs mortais”.

***

Mesmo enquanto vislumbrava cenários futurísticos, Musk estava


concentrado em transformar o Optimus em um negócio. Em junho de
2022, a equipe havia terminado a simulação dos robôs carregando caixas
pela fábrica. Ele gostava do fato de que, como dizia, “nossos robôs vão
trabalhar mais duro do que os humanos”. Passou a acreditar que o Optimus
se tornaria a principal fonte de lucro da Tesla. “O robô humanoide
Optimus”, declarou aos analistas, “tem o potencial de ser mais significativo
do que o ramo de veículos”.
Com os lucros em mente, Musk pressionou a equipe do Optimus a criar
um gráfico detalhado de qualquer funcionalidade que quisessem e do custo
de fabricá-la em massa. Por exemplo: uma tabela analisava três maneiras de
o pulso humano se mover: pode mover a mão para cima e para baixo, da
direita para a esquerda, e pode também fazê-la girar. Para alcançar dois
desses “graus de liberdade”, os engenheiros calcularam que cada pulso iria
custar 712 dólares. Acrescentar atuadores extras para realizar os três graus
de liberdade aumentaria o custo para 1.103 dólares. Musk ficou fascinado ao
estudar as maneiras como o pulso dele poderia se mover e quais músculos
estavam envolvidos em cada movimento. Ele então disse que o robô deveria
ter as mesmas habilidades humanas. “A resposta é que queremos os três
graus de liberdade, de modo que temos que descobrir como chegar lá de
maneira mais eficiente”, falou. “Este é um design horrível. Eu olho e acho
terrível. Usem os atuadores de porta elevatória de nossos carros, que
sabemos fazer de forma barata.”
Toda semana Musk analisava os cronogramas mais recentes e expressava,
muitas vezes de modo enfático, a insatisfação que sentia. “Finjam que somos
uma startup prestes a ficar sem dinheiro”, disse em uma dessas sessões.
“Rápido. Mais rápido! Por favor, marquem sempre que uma data for adiada.
Todas as más notícias deveriam ser dadas em voz alta e repetidamente. Boas
notícias podem ser ditas com discrição e de uma só vez.”

Andando
Um dos maiores desafios era fazer o Optimus andar. X tinha quase 2 anos e
também estava aprendendo a andar, e Musk continuava a comparar o modo
que seres humanos e máquinas aprendem as coisas. “A princípio, as crianças
andam com os pés chatos; depois, começam a andar se apoiando nos dedos
dos pés, mas ainda andam como um macaco”, falou. “Leva bastante tempo
até que consigam andar como um adulto. A marcha é bastante complicada.”
Em março, a equipe deu início à reunião semanal com um vídeo em
comemoração a um marco: “Primeiros passos no chão!” Em abril, eles
haviam conquistado o nível seguinte: fazer o Optimus andar enquanto
carregava uma caixa. “Mas não conseguimos coordenar os braços e as pernas
para manter o equilíbrio”, disse um engenheiro. Um problema era que a
cabeça tinha que se mover para o robô ver o entorno. “Se colocarmos várias
câmeras”, sugeriu Musk, “não precisamos virar a cabeça”.
Musk levou alguns brinquedos, entre eles um robô que seguia uma
pessoa com os olhos e outro que dançava break, para uma das reuniões de
avaliação de design em meados de julho. Ele acreditava que os brinquedos
podiam oferecer lições; certo protótipo de carro já o havia inspirado a fazer
carros de verdade usando grandes prensas de fundição, por exemplo, e Legos
o ajudavam a entender a importância da precisão na fabricação. O Optimus
estava em pé no meio da oficina sustentado por um guindaste de pórtico. O
robô andou lentamente em volta de Musk e depositou a caixa que estava
carregando. Musk então pegou o controle e guiou o Optimus a pegar a caixa
e entregá-la para Von Holzhausen. Depois que o Optimus terminou, Musk
o empurrou de leve no peito para ver se ele cairia. Os estabilizadores
funcionaram, e o robô permaneceu de pé. Musk assentiu com a cabeça em
aprovação e fez um vídeo do Optimus. “Sempre que o Elon pega o celular
para filmar, sabemos que ele ficou impressionado”, diz Lars Moravy.
Depois, Musk anunciou que faria uma demonstração pública na qual iria
apresentar o Optimus, o carro totalmente autônomo e o Dojo. “Em todos
esses projetos”, disse ele, “estamos lidando com a enorme tarefa de criar uma
inteligência artificial geral”. O evento aconteceria na sede da Tesla, em Palo
Alto, no dia 30 de dezembro de 2022, e ele o chamou de Dia da IA 2. A
equipe de design criou uma logo que mostrava os lindos dedos longos do
Optimus unidos formando um coração.
capítulo 78
Incerteza
Twitter, julho a setembro de 2022

Ari Emanuel esguichando água em Musk com uma mangueira em Mykonos; Alex
Spiro
O exterminador
Sem saber o que queria fazer com relação ao Twitter, Musk pediu três
opções em junho de 2022. O Plano A era seguir com o acordo de compra
de 44 bilhões de dólares. Os planos B e C envolviam tentar alterar o valor
do acordo ou desistir totalmente, de alguma forma. Para ajudar no modelo
financeiro dessas opções, ele chamou Bob Swan, um ex-CEO do eBay e da
Intel e sócio na empresa de capital de risco Andreessen Horowitz, que
estava financiando a oferta de Musk.
O problema era que Swan, um homem direto, estava comprometido com
o Plano A. Achava que não havia justificativa concreta para desistir do
acordo. Ele aceitou a maioria dos números apresentados no relatório aos
acionistas do Twitter, aplicou um pequeno desconto e apontou um modelo
financeiro um tanto otimista. Musk, convencido de que o mundo iria entrar
em recessão e de que o Twitter estava distorcendo seus problemas com
robôs, questionou Swan raivosamente. “Se você consegue me apresentar isso
de cara lavada, então não é provável que seja a pessoa certa para o trabalho”,
esbravejou.
Swan era bem-sucedido demais para ser tratado assim. “Já que eu lhe
apresentei isso de cara lavada, você tem razão”, respondeu, “provavelmente
não sou a pessoa certa para o trabalho”. E se demitiu.
Mais uma vez, Musk ligou para o amigo íntimo e um dos primeiros
investidores da Tesla, Antonio Gracias, cuja equipe à la SWAT havia
descoberto problemas na Tesla em 2007. Gracias estava de férias na Europa
com alguns dos filhos quando recebeu a ligação. “No dia em que você saiu
do conselho da Tesla, disse que eu podia ligar se precisasse de ajuda”,
lembrou Musk. Gracias concordou em montar uma equipe para fazer uma
análise minuciosa das finanças do Twitter.
Gracias achava que precisava encontrar um banco de investimentos
independente para ajudar a determinar a avaliação adequada e a estrutura de
capital. Ele conversou com o amigo Robert Steel, da Perella Weinberg
Partners, que de maneira franca perguntou diretamente a Musk qual era o
objetivo dele: desistir de comprar o Twitter ou comprar o Twitter a um
preço mais baixo? Musk disse que queria a segunda opção. Isso era verdade,
pelo menos na maior parte do tempo, mas ele estava impedido, tanto legal
quanto psicologicamente, de dizer algo ainda mais verdadeiro, ou seja, que
havia algumas manhãs e noites em que achava que talvez estivesse diante de
uma missão infrutífera e ficaria feliz se tudo acabasse. Steel tinha uma visão
interessante sobre Musk. Quando são dadas três ou quatro opções aos
clientes, a maioria pergunta qual delas o banqueiro recomenda. Musk, em
vez disso, fez perguntas detalhadas sobre cada opção, mas não solicitou uma
recomendação. Ele preferia tomar a decisão por conta própria.

***

Quando Musk exigiu os dados brutos e a metodologia para determinar


quantos usuários reais havia, o Twitter forneceu enxurradas de dados em
formatos que a equipe dele considerava quase inúteis. Musk usou isso como
pretexto para tentar invalidar o acordo. “Por quase dois meses, o sr. Musk
buscou dados e informações necessários para fazer uma avaliação
independente da prevalência de contas falsas ou de spam”, escreveram os
advogados dele. A resistência do Twitter liberou Musk para que ele pudesse
exercer o “direito a encerrar o Acordo de Fusão”.
A resposta da equipe de gestão do Twitter foi processar Musk no
Tribunal de Equidade de Delaware, acusando-o de “se recusar a honrar as
obrigações com o Twitter e os acionistas porque o acordo que ele assinou já
não lhe serve aos interesses pessoais”. A chanceler Kathaleen McCormick
marcou o julgamento para outubro.
O gerente de negócios de Musk, Jared Birchall, e o advogado Alex Spiro
tentaram impedi-lo de enviar mensagens de texto e publicar tuítes que
pudessem prejudicar o caso, ao sugerir que a razão pela qual ele queria
desistir do acordo era porque a receita com publicidade estava caindo e a
economia, desacelerando. “Estou ligando agora para dizer que ele não tuíte
mais”, disse Spiro a Birchall certo dia. Spiro, porém, era um domador que
não tinha como enfrentar aquele leão. Em dez minutos, Musk publicou
uma sequência de tuítes que parecia quase pensada para irritar a equipe
jurídica. “Lá se foi a conversa sobre tuitar”, lamentou-se Birchall com Spiro.
Até mesmo os tuítes sem noção de Musk que não tinham relação com o
assunto se tornaram um problema. “Vou comprar o Manchester United, de
nada”, postou ele em agosto. Birchall ligou para Spiro com o intuito de
perguntar se a SEC poderia ver isso como uma divulgação imprópria. “Ele
realmente vai comprar?”, perguntou Spiro. Acabou que Musk estava só
brincando com um meme sobre como os fãs do Manchester United viviam
implorando para as pessoas comprarem o time. Spiro o fez publicar um tuíte
em seguida: “Não, esta é uma piada recorrente no Twitter. Não vou comprar
time nenhum.”

Chega Ari Emanuel


Ari Emanuel é chamado com frequência de superagente de Hollywood, mas
em 2022 ele havia se tornado mais do que isso. Ele era CEO da Endeavor,
uma empresa de entretenimento em expansão, e era tão enérgico que nunca
parava. Com a habilidade penetrante e rápida de conectar pessoas e dizer
foda-se, talentos que compartilhava com os irmãos Rahm e Zeke, ele ficava
exultante quando punha as mãos em algo que parecesse interessante.
Depois dos ataques terroristas do 11 de Setembro de 2001, Emanuel
decidiu que não queria dar aos sauditas mais dinheiro advindo de petróleo,
de modo que trocou sua Ferrari por um Prius. No entanto, ele odiava o
carro. Era muito pouco potente. Ele estava procurando alguém que de fato
pudesse fazer um carro elétrico sensacional, e foi quando leu sobre Musk.
“Fiz o que faço normalmente, que é criar momentos promissores”, diz
Emanuel. “Liguei para Musk e disse: ‘Quero te conhecer.’ Éramos apenas
dois novatos que tentavam entender as coisas, e nos tornamos amigos.”
Emanuel encomendou um Tesla Roadster, “porque queria me livrar do
maldito Prius”, e acabou recebendo em 2008 o 11o deles. Ainda tem o carro.
Em maio de 2022, Musk voou até Saint-Tropez, na França, para o
casamento cheio de celebridades — Sean ‘Diddy’ Combs, Emily
Ratajkowski, Tyler Perry — de Emanuel com a estilista Sarah Staudinger.
Por conta do Festival de Cinema de Cannes, aquela era uma ocasião
empolgante para se estar na Riviera Francesa. Musk almoçou com Natasha
Bassett, a atriz australiana que estivera com ele no Havaí um mês antes,
quando ele decidiu partir para uma aquisição hostil do Twitter.
O comediante Larry David, de Curb Your Enthusiasm, que iria celebrar a
cerimônia, compartilhava a mesa com Musk e, quando eles se sentaram,
parecia estar fervendo de raiva. “Por acaso você quer matar crianças nas
escolas?”, perguntou ele a Musk.
“Não, não”, gaguejou Musk, tanto chocado quanto incomodado. “Sou
contra o assassinato de crianças.”
“Então, por que você votou nos republicanos?”, perguntou David.
David confirma que confrontou Musk: “Os tuítes dele sobre votar nos
republicanos porque os democratas eram o partido da divisão e do ódio
estavam entalados na garganta. Mesmo se [o tiroteio na escola em] Uvalde
nunca tivesse acontecido, eu provavelmente iria falar disso, porque estava
com raiva e ofendido.”
Joe Scarborough, da MSNBC, estava à mesma mesa, e David descreveu
o encontro para ele. Scarborough achou tudo muito divertido. “Eu disse a
Ari que não era muito fã de Elon, então ele nos colocou na mesma mesa”,
diz, rindo. “Elon ficou muito quieto.” De sua parte, Emanuel diz que não
estava tentando causar confusão. “Eu realmente achei que seria uma mesa
ótima.” Acabou sendo um microcosmo do Twitter.
Houve outro problema no casamento. Entre os convidados estava Egon
Durban, um investidor de capital de risco que era um grande acionista do
Twitter e fazia parte do conselho da empresa. Musk estava com raiva
porque, segundo ele, Durban havia falado mal dele para o CEO do Morgan
Stanley, James Gorman. Emanuel tentou apaziguar a situação no
casamento. “Você está sendo idiota”, falou ele para Durban. “Vá lá e
converse com ele.” Eles tiveram uma conversa de uns vinte minutos, durante
a qual, de acordo com Musk, “ele tentou beijar minha mão”, mas a tensão
não sumiu.
Fechador de negócios por natureza, Emanuel se ofereceu para facilitar as
negociações de bastidores entre Musk e o conselho do Twitter. Ele
perguntou quanto Musk estaria disposto a pagar pela empresa. Talvez
houvesse um desconto a ser negociado, um valor mais baixo do que os 44
bilhões de dólares com os quais o conselho havia concordado. Musk sugeriu
metade do preço. Nem Durban nem os demais membros do conselho do
Twitter achavam que essa proposta era digna de resposta.
Emanuel tentou reiniciar as negociações de novo em julho, quando
convidou Musk para ir à casa de férias que tinha em Mykonos, na Grécia.
Musk voou de Austin até a ilha e passou dois dias lá, que se tornaram
memoráveis porque ele foi fotografado, pálido e gordo, em um iate ao lado
de Emanuel, que parecia extraordinariamente em forma e bronzeado.
Musk disse a Emanuel que talvez estivesse disposto a fechar o negócio
com o Twitter em vez de seguir com o julgamento em outubro em
Delaware. Emanuel ligou de novo para Durban, que não concordava com a
tentativa de negociar um preço mais baixo. No entanto, alguns membros do
conselho estavam ansiosos para tentar evitar a batalha sangrenta, então
deixaram as conversas informais sobre o acordo começarem.

Indo em frente
As negociações de Musk com o Twitter para abaixar o preço do acordo não
foram longe. A empresa fez algumas propostas que poderiam reduzir o
preço de 44 bilhões de dólares em cerca de 4%, mas Musk insistiu que a
redução tinha que ser de mais de 10% para que ele ao menos a considerasse.
Em alguns momentos, as chances de conseguir uma aproximação dos dois
lados pareciam factíveis, mas havia um problema adicional. Se o acordo
fosse reestruturado, ou tivesse o preço alterado, isso permitiria que os bancos
comprometidos a emprestar o dinheiro renegociassem os termos. Os
compromissos haviam sido firmados quando os juros estavam baixos, de
modo que as novas taxas cobradas iriam acabar com quaisquer economias.
Existia também um obstáculo mais emocional. Os executivos do Twitter
e os membros do conselho insistiam que qualquer acordo renegociado
deveria garantir a eles proteção contra futuros processos de Musk. “Nunca
vamos dar a eles isenção legal”, disse Musk. “Vamos caçar cada um até o dia
da morte deles.”
Durante o mês de setembro, Musk falava ao telefone com seus advogados
Alex Spiro e Mike Ringler três ou quatro vezes por dia. Alguns dias ele
estava num humor agressivo, e insistia que podiam lutar e vencer o caso em
Delaware. Revelações de um denunciante e outros fatores haviam
aumentado a convicção de Musk de que o Twitter estava mentindo sobre o
número de bots. “Eles estão dando um tiro no pé”, comentou ele referindo-
se ao conselho do Twitter. “Não acredito que o juiz vá garantir o acordo.
Não passaria despercebido ao público.” Outras vezes, Musk achava que
deveria seguir com o acordo e em seguida processar o conselho do Twitter e
os gestores por fraude. Talvez até fosse possível recuperar parte do preço da
compra depois. “O problema”, disse ele com raiva, “é que os membros do
conselho têm tão poucas ações que recuperar o dinheiro deles vai ser difícil”.
Finalmente, no fim de setembro, os advogados convenceram Musk de
que ele perderia se o caso fosse a julgamento. Era melhor fechar o acordo
nos termos originais, de 54,20 dólares por ação, 44 bilhões de dólares no
total. Naquele momento, Musk havia recuperado um pouco do entusiasmo
com a ideia de passar a comandar a empresa. “Há controvérsias, mas eu
deveria simplesmente pagar o preço total, porque essas pessoas que
comandam o Twitter são muito burras e idiotas”, disse ele para mim no fim
de setembro. “As ações estavam em 70 no ano passado, apesar desse bando
de imbecis. O potencial é enorme. Tem muita coisa que eu posso consertar.”
Ele concordou com a confirmação oficial do acordo em outubro.

***

Quando ficou claro que o acordo iria ser concluído, Ari Emanuel voltou a
falar com Musk. Enviou-lhe uma mensagem de três parágrafos, pelo serviço
de mensagens de texto criptografadas Signal, com uma proposta: deixar que
ele e a agência Endeavor, da qual era CEO, comandassem o Twitter.
Emanuel propôs que, por uma taxa de 100 milhões de dólares, se
encarregaria de cortar os custos, criar uma cultura melhor e gerir as relações
com anunciantes e marqueteiros. “A ideia era a de que nós iríamos gerir a
operação, mas Musk nos diria o que queria e ficaria responsável por toda a
engenharia e a parte técnica”, diz Emanuel. “Fazemos muitos negócios com
anunciantes, e temos experiência no assunto, sabe?”
Birchall chamou a mensagem de “ofensiva, humilhante, insana”. Musk
foi mais otimista e educado. Ele valorizava a amizade com Emanuel. “Olha,
agradeço a oferta”, respondeu, “mas o Twitter é uma empresa de tecnologia,
uma empresa de programação”. Emanuel rebateu que contrataria os
técnicos, mas Musk o respondeu com um não firme. Ele tinha uma crença
fundamental de que não dá para separar a engenharia do design do produto.
Na realidade, o design do produto deveria ficar a cargo dos engenheiros. A
empresa, assim como a Tesla e a SpaceX, deveria ser liderada pela
engenharia em todos os níveis.
Havia mais uma coisa que Emanuel não entendia. Musk queria
comandar pessoalmente o Twitter, assim como estava fazendo com a Tesla,
a SpaceX, a e Boring Company e a Neuralink.
capítulo 79
Apresentação do Optimus
Tesla, setembro de 2022

X aperta a mão do Optimus enquanto Milan Kovac e Anand Swaminathan


assistem
Cabelos em chamas
“Minha saúde psicológica oscila muito”, disse Musk enquanto voava de
Austin até o Vale do Silício na terça, 27 de setembro, a fim de se preparar
para o Dia da IA 2, a grande apresentação pública que ele havia prometido
para exibir o trabalho de inteligência artificial da Tesla, os carros autônomos
e lançar o robô Optimus. “É péssimo quando há pressão extrema. Mas,
quando muitas coisas começam a dar certo, também não é bom para a
minha saúde psicológica.”
Muita coisa estava afetando Musk naquela semana. Ele ia depor na corte
de Delaware no caso que pretendia forçá-lo a fechar o acordo com o
Twitter, havia uma investigação da SEC e também um processo que
contestava a remuneração dele na Tesla. Ele também estava preocupado
com as controvérsias sobre o uso de satélites da Starlink na Ucrânia, com as
dificuldades de reduzir a dependência da cadeia de suprimentos da Tesla em
relação à China, com o lançamento de um Falcon 9 tripulado por quatro
astronautas (entre os quais uma cosmonauta russa) para a Estação Espacial
Internacional, com um lançamento na Costa Oeste, no mesmo dia, de um
Falcon 9, que carregaria 52 satélites da Starlink, além de estar preocupado
com diversos problemas pessoais de filhos, namoradas e ex-mulheres.
Musk sublima o estresse de várias formas, e ser meio pateta é uma delas.
No voo para o Oeste, ele ficou animado com sua mais recente ideia de
produto para vender: um perfume com o cheiro de cabelo queimado.
Quando pousou, ligou para Steve Davis, o CEO da e Boring Company,
que havia antes executado a ideia de Musk de vender um lança-chamas de
brinquedo. “Perfume de cabelo queimado!”, disse Musk, imaginando o
discurso de marketing. “Gostou do cheiro que sentiu depois de usar o lança-
chamas? Temos um perfume para você!” Davis estava sempre ansioso para
satisfazer Musk. Ele enviou um pedido para laboratórios de fragrâncias, o
qual dizia que o primeiro a encontrar o cheiro levaria o contrato. Quando a
e Boring Company o expôs no próprio site, Musk tuitou: “Por favor,
compre o meu perfume, para que eu possa comprar o Twitter.” Em uma
semana, eles venderam todo o lote de 30 mil encomendas por 100 dólares
cada.
Ao chegar à sede da Tesla, Musk foi para um palco improvisado em um
showroom cavernoso que estava sendo preparado para aquela sexta-feira,
que seria o Dia da IA 2. Uma versão quase pronta do Optimus estava
pendurada em um guindaste, pronta para o treinamento. Ao grito de
“Ativar!” de um engenheiro, outro apertou o botão vermelho que fazia o
Optimus andar. Ele caminhou até a frente do palco, parou e acenou com a
mão como um monarca sereno. Durante a hora seguinte, a equipe fez o
Optimus demonstrar suas habilidades mais vinte vezes. A visão dele
chegando à beira do palco, parando, olhando em volta e acenando tornou-se
hipnotizante. Depois do último circuito do dia, X andou até o Optimus e
tocou os dedos do robô.
O engenheiro que comandava as sessões de ensaio era Milan Kovac.
“Acho que desenvolvi Transtorno do Estresse Pós-Traumático”, disse ele.
“Depois do que aconteceu da última vez, é muito difícil manter a
compostura.” Eu me dei conta de que Kovac fora o engenheiro alvo da fúria
de Musk um ano antes, durante os ensaios para o Dia da IA 1, quando os
slides que ele havia apresentado foram considerados entediantes demais.
Após aquele incidente, ele cogitou por semanas a ideia de se demitir. “Mas
cheguei à conclusão de que a missão era muito importante”, conta.
À medida que o Dia da IA 2 se aproximava, em setembro de 2022,
Kovac reuniu coragem para abordar com Musk a discussão deles de um ano
antes. Musk olhou para ele inexpressivamente ao ouvir a pergunta: “Você se
lembra de que odiou minha apresentação e ficou me dizendo quanto era
terrível?” Kovac continuou: “E que todo mundo ficou preocupado achando
que eu ia me demitir?” Musk ainda o encarava com o olhar vazio. Ele não se
lembrava.

O ensaio do Dia da IA
Depois de ter sido fotografado durante as férias de dois dias na Grécia com
Ari Emanuel e chamado de gordo, Musk decidiu começar a usar o remédio
Ozempic para fins de emagrecimento e seguir uma dieta de jejum
intermitente, fazendo só uma refeição por dia. No caso dele, a única refeição
era um café da manhã tardio, e a dieta permitia que ele se empanturrasse à
vontade. Às onze da manhã de uma quarta-feira, ele foi ao Palo Alto
Creamery, um pequeno restaurante retrô que estava na moda, e pediu um
cheeseburger com bacon ao barbecue acompanhado de batata-doce frita e
um milkshake de Oreo. X ajudou a comer parte da porção de batatas.
Depois, Musk visitou o laboratório da Neuralink em um centro
comercial em Fremont, onde se concentrou na mecânica e nos sinais que o
ato de andar compreendia. Usando jalecos e protetores de sapato, Shivon
Zilis, DJ Seo e Jeremy Barenholtz o levaram até uma sala sem janelas na
qual um porco chamado Mint estava andando em uma esteira ergométrica e
ganhando pedaços de maçã cobertos de mel como recompensa. De vez em
quando, ele recebia um choque para fazer os músculos se contraírem. Todos
tentavam decodificar quais atuadores estavam envolvidos no ato de andar.
Quando Musk chegou à sede da Tesla, os engenheiros de lá também
estavam focados no andar. Preparando-se para a apresentação do Optimus
marcada para a noite seguinte, eles haviam programado o robô para dar
passos um pouco mais curtos porque o palco da apresentação era mais liso
que o chão de concreto da oficina. No entanto, Musk gostava da caminhada
mais longa, e começou a imitar os passos largos de John Cleese no esquete
“O Ministério dos Passos Bobos”, de Monty Python. “Parecia mais legal com
a caminhada descolada”, disse Musk. Os engenheiros começaram a fazer
ajustes.
Em seguida, trinta engenheiros se reuniram em torno de Musk para
ouvir um discurso motivacional. “Robôs humanoides vão desatar a
economia em níveis quase infinitos”, declarou ele.
“Robôs operários resolveriam a falta de crescimento populacional”,
acrescentou Drew Baglino.
“Sim, mas as pessoas ainda deveriam ter filhos”, replicou Musk.
“Queremos que a consciência humana sobreviva.”
Mais tarde naquela noite, fizemos um passeio nostálgico pelo prédio de
três andares nos limites do centro de Palo Alto que outrora abrigara o
pequeno escritório do Zip2, a startup que ele e Kimbal haviam fundado 27
anos antes. Assobiando como se estivesse em um devaneio, Musk andou em
volta do prédio tentando entrar, mas todas as portas estavam fechadas e
havia uma placa de - na janela. Então ele atravessou duas quadras,
até o Jack in the Box, onde ele e Kimbal comiam todos os dias. “Eu deveria
estar em jejum agora, mas tenho que comer algo aqui”, disse. No microfone
do drive-thru, pediu: “Vocês ainda têm a porção de teriyaki?” Ainda
tinham. Musk pediu uma para ele e um hambúrguer para X. “Será que isso
ainda vai estar aqui daqui a 25 anos, para o X trazer os filhos dele?”,
comentou.

Dia da IA 2
Quando Musk chegou na tarde seguinte para a grande revelação do
Optimus no Dia da IA 2, dezenas de engenheiros corriam pelos corredores
parecendo preocupados. Uma ligação havia se soltado no peito do Optimus,
que não estava mais funcionando. “Não acredito que isso está acontecendo”,
disse Kovac, tendo flashbacks do trauma sofrido no Dia da IA 1 um ano
antes. No fim das contas, alguns dos engenheiros conseguiram religar a
conexão, e torceram para que ficasse no lugar. Eles decidiram correr o risco.
Com Musk rodeando, não tinham muita escolha.
Os vinte engenheiros que iriam participar da apresentação se reuniram
nos bastidores para compartilhar histórias de momentos complicados. Phil
Duan, um jovem especialista em machine learning da equipe do Autopilot,
estudou ciência da informação óptica na cidade natal dele, Wuhan, na
China, e depois fez doutorado na Universidade de Ohio. Ele começou a
trabalhar na Tesla em 2017, bem na época das ondas insanas de produção
que culminaram com a pressão de Musk para apresentar um carro
autônomo no Dia da Autonomia, em 2019. “Trabalhei por meses, sem
nenhuma folga, e fiquei tão cansado que me demiti da Tesla no dia seguinte
ao Dia da Autonomia”, disse ele. “Eu estava exausto. Mas, depois de nove
meses, fiquei entediado e liguei para o meu chefe, implorando para que me
deixasse voltar. Decidi que preferia estar exausto a entediado.”
Tim Zaman, que comandou a equipe de infraestrutura da inteligência
artificial, tinha uma história parecida. Nascido no norte da Holanda, ele
entrou para a Tesla em 2019. “Quando você trabalha na Tesla, tem medo de
ir para qualquer outro lugar, porque você vai se entediar.” A esposa havia
acabado de ter a primeira filha do casal, e ele sabe que a empresa não é
propícia a um estilo de vida equilibrado entre trabalho e vida pessoal.
Mesmo assim, planeja permanecer na Tesla. “Vou tirar os próximos dias
para ficar com minha esposa e minha filha”, diz Zaman, “mas, se eu tirar
uma semana inteira de folga, meu cérebro fica fritando”.
No Dia da IA anterior, nenhum dos vinte apresentadores era mulher.
Dessa vez, um dos mestres de cerimônia era uma engenheira de design
mecânico carismática chamada Lizzie Miskovetz. Enquanto o volume da
música ia baixando e o Optimus estava prestes a entrar, ela animou o
público com o anúncio: “Esta é a primeira vez que vamos mostrar este robô
sem nenhum apoio extra, guindastes ou mecanismos — sem cabos, sem
nada!”
As cortinas, estampadas com o logotipo das mãos do Optimus formando
um coração, se abriram. Optimus, sem suporte, estava em pé, confiante, e
começou a erguer os braços. “Ele se moveu, está funcionando”, disse Duan
nos bastidores. Em seguida, o robô sacudiu as mãos, girou os braços e
flexionou os pulsos. Os engenheiros prenderam a respiração enquanto ele
começava a dar o primeiro passo com a perna direita. O robô marchou
rigidamente, mas com confiança, até a frente do palco e executou um
cumprimento real. Triunfante, ele ergueu o punho direito no ar, fez uma
dancinha, depois se virou e andou de volta para trás da cortina.
Até Musk parecia aliviado. “Nosso objetivo é criar um robô humanoide
útil o mais rápido possível”, disse para o público. Em algum momento,
prometeu, haveria milhões deles. “Isso significa um futuro de abundância,
um futuro sem pobreza. Vamos poder pagar uma renda básica universal para
as pessoas. É realmente uma transformação fundamental da civilização.”
Milan Kovac
capítulo 80
Robotáxi
Tesla, 2022

Omead Afshar, Musk, Franz von Holzhausen, Drew Baglino, Lars Moravy e Zach
Kirkhorn; o conceito de Robotáxi
Vamos apostar tudo na autonomia
Carros autônomos, Musk acreditava, iriam fazer mais do que simplesmente
liberar a população da chatice de ter que dirigir. Em grande medida,
eliminariam a necessidade de as pessoas terem carros. O futuro seria do
Robotáxi: um veículo sem motorista que apareceria quando chamado,
levaria você até o destino desejado e depois seguiria até o próximo
passageiro. Algumas pessoas poderiam adquirir um para uso próprio, mas a
maioria dos Robotáxis seria de empresas de transporte ou da Tesla.
Naquele mês de novembro, Musk reuniu seus seis principais assessores
em Austin para discutir esse futuro durante um jantar informal na casa
parcialmente mobiliada de Omead Afshar, que contratou um chef particular
para preparar bifes de costela maturada supergrossos. Estavam presentes
Franz von Holzhausen, Drew Baglino, Lars Moravy e Zach Kirkhorn. Eles
decidiram que o Robotáxi seria um carro menor, mais barato e menos veloz
que o Model 3. “Nosso principal foco tem que ser em volume”, disse Musk.
“Não há uma quantidade que possamos fabricar que seja suficiente. Um dia
vamos querer chegar a 20 milhões por ano.”
O desafio central era descobrir como desenhar um carro sem volante ou
pedais que pudesse atender aos padrões de segurança do governo e lidar com
situações especiais. Semana após semana, Musk considerava cada detalhe.
“E se alguém esquecer de fechar a porta do Robotáxi quando descer?”,
perguntou. “Temos que garantir que ele possa fechar as portas sozinho.”
Como um Robotáxi poderia entrar em um condomínio ou em um
estacionamento? “Talvez precise de um braço para conseguir apertar um
botão ou pegar um tíquete”, disse. Isso parecia um pesadelo. “Talvez
possamos simplesmente excluir os lugares em que não dá para entrar
facilmente”, concluiu Musk. Às vezes, as conversas eram tão sérias e
detalhadas que contradiziam a ousadia do conceito.
No fim do verão de 2022, Musk e a equipe perceberam que tinham que
tomar uma decisão final sobre um assunto com o qual lidaram ao longo de
um ano. Eles deveriam optar pelo caminho seguro e incluir volante, pedais,
retrovisores e outros itens atualmente exigidos pela legislação? Ou deveriam
fazer carros de fato autônomos?
A maioria dos engenheiros ainda pressionava pela alternativa mais
segura. Eles tinham uma visão mais realista sobre quanto tempo levaria para
fazer a Direção Totalmente Autônoma (FSD, na sigla em inglês) funcionar.
Em uma reunião fatídica e dramática no dia 18 de agosto, reuniram-se para
resolver o problema.
“Queremos garantir que estamos avaliando o risco com você”, disse Von
Holzhausen a Musk. “Se optarmos por não ter volante e a Direção
Totalmente Autônoma não estiver em operação, não vamos poder colocar os
carros na rua.” Ele sugeriu que construíssem um carro que tivesse volante e
pedais, mas que fossem removíveis com facilidade. “Basicamente, nossa
proposta é incluí-los agora, mas tirá-los quando for permitido.”
Musk fez que não com a cabeça. O futuro não chegaria rápido o
suficiente, a menos que eles o forçassem.
“Pequenos”, insistiu Von Holzhausen, “que possamos retirar facilmente e
projetar ao redor”.
“Não”, disse Musk. “Não. NÃO.” Houve uma longa pausa. “Sem
retrovisores, sem pedais, sem volante. Estou assumindo a responsabilidade
por esta decisão.”
Os executivos sentados em volta da mesa hesitaram. “Certo, vamos voltar
a falar disso com você”, disse um deles.
Musk mudou de humor e adotou um ar gélido. “Vou ser claro”, falou
devagar. “Esse veículo deve ser desenhado como um Robotáxi limpo. Vamos
assumir esse risco. É minha culpa se der merda. Mas não vamos projetar um
anfíbio, uma espécie meio sapo, meio carro. Vamos apostar tudo na
autonomia.”
Semanas depois, ele ainda estava animado com a decisão. Durante um
voo para levar Griffin até a universidade, participou da reunião semanal do
Robotáxi pelo telefone. Como sempre, tentou instigar um senso de
urgência. “Esse vai ser um produto historicamente megarrevolucionário”,
declarou Musk. “Vai transformar tudo. Esse é o produto que fará da Tesla
uma empresa de 10 trilhões. As pessoas vão falar sobre este momento daqui
a cem anos.”
O carro de 25 mil dólares
Como mostravam as discussões sobre o Robotáxi, Musk podia ser
ferozmente teimoso. Ele tinha uma obstinação que distorcia a realidade e
uma presteza para atropelar os pessimistas. Essa dureza pode ter sido um
dos superpoderes que levaram aos sucessos dele, assim como aos fracassos.
Eis, porém, uma característica menos conhecida de Musk: ele podia
mudar de ideia. Era capaz de ouvir argumentos que parecia estar rejeitando
e recalibrar os cálculos de risco. E foi isso que aconteceu com os volantes.
No fim do verão de 2022, depois que Musk se manifestou sobre estar
“apostando tudo” em um Robotáxi sem volante, Von Holzhausen e Moravy
decidiram persuadi-lo a cobrir a aposta. Eles sabiam como fazer isso de uma
maneira não desafiadora. “Apresentamos novas informações, que talvez ele
não tivesse digerido completamente antes”, diz Moravy. Mesmo que carros
autônomos fossem aprovados pelas agências reguladoras dos Estados
Unidos, argumentou ele, ainda levaria anos até que fossem aprovados no
exterior. Por isso, fazia sentido construir uma versão do carro com volante e
pedais.
Por anos eles conversaram sobre como deveria ser a próxima geração de
produtos da Tesla: um carro para o mercado de massa, pequeno e barato,
vendido por cerca de 25 mil dólares. O próprio Musk havia aventado a
possibilidade em 2020, mas suspendeu os planos e pelos dois anos seguintes
repetidamente vetou a ideia, quando disse que o Robotáxi tornaria o outro
carro desnecessário. Apesar disso, Von Holzhausen manteve a ideia viva em
sigilo e tocou um projeto secreto no estúdio de design.
Numa quarta-feira tarde da noite, durante a viagem para apresentar o
Optimus em setembro de 2022, Musk se abrigou em um refúgio de longa
data: Júpiter, a sala de conferências sem janelas da fábrica de Fremont.
Moravy e Von Holzhausen levaram alguns dos principais membros da
equipe da Tesla até a sala para uma reunião reservada. Eles apresentaram
dados que mostravam o seguinte: para a Tesla crescer 50% por ano,
precisava de um carro pequeno e barato. O mercado global para esse tipo de
veículo era enorme. Em 2030, poderiam existir até 700 milhões deles, quase
o dobro da categoria Model 3/Y. Então eles mostraram que era possível usar
a mesma plataforma e a mesma linha de montagem para fazer o carro de 25
mil dólares e o Robotáxi. “Nós o convencemos de que, se construíssemos
fábricas e tivéssemos as plataformas, daria para produzir tanto os Robotáxis
quanto o carro de 25 mil dólares, usando a mesma arquitetura de veículo”,
conta Von Holzhausen.
Depois da reunião, Musk e eu nos sentamos a sós na sala de conferências
e ficou evidente que ele não estava entusiasmado com o carro de 25 mil
dólares. “Não é um produto muito empolgante”, comentou. O que ele
realmente queria era transformar os meios de transporte com os Robotáxis.
Contudo, ao longo dos meses, foi se entusiasmando bastante. Em uma
reunião de avaliação de design numa tarde de fevereiro de 2023, Von
Holzhausen colocou modelos do Robotáxi e do carro de 25 mil dólares lado
a lado no estúdio. Os dois tinham o ar futurista do Cybertruck. Musk
adorou os designs. “Quando um desses contornar uma esquina”, disse ele,
“as pessoas vão achar que estão vendo algo que veio do futuro”.
O novo veículo para o mercado de massa — assim como o carro com
volante e o Robotáxi — tornou-se conhecido como “a plataforma da nova
geração”. A princípio, Musk decidiu que a Tesla construiria uma nova
fábrica no norte do México, cerca de 650 quilômetros ao sul de Austin, toda
projetada para produzir esses carros. A unidade iria usar um método de
produção completamente novo, com alta automatização.
Não demorou, porém, para que um problema surgisse na mente dele:
Musk sempre acreditou que os engenheiros de design da Tesla precisavam
estar bem ao lado da linha de montagem, e não em um local distante da
produção. Assim, os engenheiros podiam receber um feedback instantâneo
sobre como incluir inovações de projeto que não só melhorariam o carro,
como também tornariam a produção mais fácil. Isso valia, principalmente,
no caso de um carro e de um método de produção novos. Contudo, ele
percebeu que teria problemas em conseguir que os engenheiros principais se
mudassem para a nova fábrica. “A engenharia da Tesla tem que estar junto
da linha de produção para que tudo dê certo, e nunca vamos conseguir
mudar todo mundo para o México”, me disse ele.
Por isso, em maio de 2023, decidiu mudar para Austin a localização
inicialmente pensada para a fábrica da nova geração de carros e de
Robotáxis, onde ele e seus principais engenheiros estariam trabalhando bem
ao lado da nova linha de montagem super-rápida e ultra-automatizada. Ao
longo do verão de 2023, Musk passou horas, todas as semanas, trabalhando
com a equipe a fim de projetar cada estação da linha de montagem,
buscando modos de reduzir em milissegundos cada passo e cada processo.
capítulo 81
“Vocês vão ter que aceitar”
Twitter, 26 e 27 de outubro de 2022

Entrando na sede do Twitter e visitando a cafeteria no vigésimo andar


Conflito cultural
Nos dias que antecederam a aquisição do Twitter, no fim de outubro de
2022, o humor de Musk flutuou bastante. Certa madrugada, às três e meia,
ele me mandou uma mensagem de texto do nada: “Estou muito animado
em finalmente implementar a como deveria ser feito, usando o Twitter
como acelerador! E, se tudo der certo, ajudar a democracia e o debate
público desse modo.” Aquilo poderia se tornar a combinação de plataforma
financeira e rede social que Musk havia vislumbrado 24 anos antes para a
então decidiu reformular a marca e rebatizá-la com aquele nome, que ele
amava. Alguns dias depois, estava mais sóbrio. “Vou precisar viver na sede
do Twitter. É uma situação muito difícil. Está realmente me chateando
Dormir é complicado.”
Ele agendou uma visita à sede do Twitter, em São Francisco, para 26 de
outubro, uma quarta-feira, com o intuito de bisbilhotar e se preparar para a
assinatura oficial do acordo no fim daquela semana. Parag Agrawal, o
moderado CEO do Twitter, estava na entrada da sala de conferências no
segundo andar, aprontando-se para recebê-lo. “Estou muito otimista”, disse
ele enquanto esperava Musk chegar. “Elon pode inspirar as pessoas a fazer
coisas maiores que elas mesmas.” Ele estava sendo cauteloso, mas acho que
acreditava mesmo nisso. O CFO, Ned Segal, que em maio tivera uma
reunião tensa com Musk que acabou mal, estava ao lado de Agrawal e
parecia mais cético.
Então Musk irrompeu carregando uma pia e rindo. Era uma espécie de
trocadilho visual, o tipo de coisa que o diverte. “Vocês vão ter que aceitar!”,*
exclamou. “Vamos nos divertir!” Agrawal e Segal sorriram.
Musk parecia impressionado enquanto passeava pela sede do Twitter, que
ficava em um prédio art déco de dez andares que já fora sede de um mercado
construído em 1937. O local tinha sido reformado no estilo tecnológico
moderno, com cafeterias, estúdios de ioga, sala de exercícios e videogames.
O cavernoso café do nono andar, com um pátio que dava vista para a
prefeitura de São Francisco, servia refeições gratuitas que variavam de
hambúrgueres artesanais a saladas veganas. As plaquinhas nos banheiros
diziam     - , e, quando Musk
mexeu nos armários cheios de produtos com o logo do Twitter, ele se
deparou com camisetas com os dizeres   —  , que
saiu agitando conforme andava pelos corredores, como exemplo do tipo de
pensamento que ele acreditava ter infectado a empresa. Numa das salas de
conferências, no segundo andar, que Musk transformou em seu
acampamento base, havia grandes mesas de madeira cheias de lanches
orgânicos e com cinco tipos de água, incluídas garrafas da Noruega e latas
de Liquid Death. “Eu tomo água da torneira”, disse ele quando lhe
ofereceram uma dessas.
Era uma cena de abertura sinistra. Dava para sentir o conflito cultural se
formando, como se um caubói tosco tivesse entrado em uma Starbucks.
O problema não era apenas as instalações. Entre a Twitterlândia e o
Muskverso existia uma divergência radical de perspectiva que se refletia em
duas mentalidades diferentes sobre um local de trabalho norte-americano.
O Twitter se orgulhava de ser um local de trabalho amigável e considerava
uma virtude ser acolhedor. “Éramos definitivamente muito empáticos,
muito preocupados com inclusão e diversidade; todo mundo deveria se
sentir seguro aqui”, diz Leslie Berland, que era diretora de marketing e
chefe de pessoal até ser demitida por Musk. A empresa havia instituído uma
opção de trabalho remoto e permitia um “dia de descanso mental” todo mês.
Uma das palavras-chave mais usadas na empresa era “segurança psicológica”.
Cuidados eram tomados para não causar desconforto.
Musk deu uma risada mordaz quando ouviu as palavras “segurança
psicológica”. Isso o fez recuar. Na concepção dele, esse conceito era o
inimigo da urgência, do progresso, da velocidade orbital. A palavra-chave
preferida dele é “hardcore”. Desconforto, ele acreditava, era algo bom. Era
uma arma contra o flagelo da complacência. Férias, cheiro das flores,
equilíbrio entre vida pessoal e trabalho e dias de “descanso mental” não
eram a dele. E eles iam ter que aceitar.

Café muito quente


Naquela tarde de quarta-feira, apesar de não ter ainda fechado a compra,
Musk realizou reuniões de avaliação de produto. Tony Haile, um diretor de
produto britânico que havia sido cofundador de uma startup que tentou
vender assinaturas para pacotes de notícias on-line, perguntou sobre como
fazer os usuários pagarem por jornalismo. Musk disse que gostava da ideia
de que um usuário pudesse pagar pequenas quantias, de um jeito fácil, para
assistir a um vídeo ou ler uma matéria. “Queremos bolar uma maneira de
fazer os produtores de mídia serem pagos pelo trabalho deles”, falou.
Privadamente, ele havia chegado à conclusão de que o maior competidor do
Twitter seria o Substack, a plataforma on-line que jornalistas e outros
estavam usando para publicar conteúdo e serem pagos pelos usuários.
Durante um intervalo entre as reuniões, Musk decidiu perambular pelo
prédio para conhecer os funcionários. A pessoa que o estava guiando pelo
Twitter pareceu nervosa e explicou que não havia muita gente porque os
funcionários gostavam de trabalhar de casa. Era meio de tarde de uma
quarta-feira, mas os escritórios estavam quase desertos. Finalmente, quando
chegou à cafeteria do décimo andar, Musk encontrou algumas dezenas de
funcionários, hesitantes e mantendo distância. Após certo incentivo do guia,
eles acabaram se aproximando.
“Você pode colocar no micro-ondas e deixar bem quente?”, pediu Musk
quando recebeu o café. “Se não estiver superquente, bebo rápido demais.”
Esther Crawford, que liderava o desenvolvimento de produtos em estágio
inicial, estava ansiosa para descrever as ideias que tivera sobre uma carteira
no Twitter que pudesse ser usada para pequenos pagamentos. Musk sugeriu
que o dinheiro poderia estar em uma conta de alto rendimento. “Precisamos
transformar o Twitter no sistema de pagamento número 1 do mundo, como
eu queria fazer com a X.com”, disse. “Se houver uma carteira ligada a uma
conta do mercado financeiro, essa é a peça-chave que faz o cristal brilhar.”
Outra pessoa que se manifestou, embora com certa reticência, foi um
jovem engenheiro de nível médio, nascido na França, chamado Ben San
Souci. “Posso apresentar uma ideia para você em dezenove segundos?”,
perguntou ele. Era sobre formas de moderação de discurso de ódio a partir
de crowdsourcing, uma espécie de colaboração coletiva. Musk interveio com
a ideia de dar a cada usuário um controle deslizante com o qual poderiam
determinar a intensidade dos tuítes que apareceriam. “Alguns vão querer
ursinhos fofos e filhotes, outros vão amar o combate e dizer ‘mostre tudo’.”
Não era exatamente a isso que San Souci estava se referindo, mas, quando
começou a reiterar, uma mulher tentou dizer algo e ele fez uma coisa
surpreendente para um cara de tecnologia: ele a deixou falar. Ela fez a Musk
a pergunta que pairava no ar: “Você vai demitir 75% de nós?” Musk riu e
disse: “Não, esse número não veio de mim. Essa história de fontes anônimas
tem que parar. Mas realmente temos um desafio. Estamos diante de uma
recessão e a receita está abaixo do custo, então temos que encontrar
maneiras de trazer mais dinheiro ou reduzir os custos.”
Ele não negou exatamente. Em três semanas, a estimativa de 75% se
mostraria precisa.

***

Quando Musk voltou para o segundo andar, três das salas de conferências
estavam sendo tomadas pela força mercenária de engenheiros leais da Tesla
e da SpaceX, que, sob a direção de Musk, estavam passando um pente-fino
no código do Twitter e desenhando diagramas nos quadros magnéticos para
determinar quais funcionários valia a pena manter. Outras duas salas foram
ocupadas pelo batalhão de banqueiros e advogados. Eles pareciam estar se
preparando para a batalha.
“Já conversou com Jack?”, perguntou Gracias a Musk. O cofundador do
Twitter e ex-CEO, Jack Dorsey, havia inicialmente apoiado a compra da
empresa por Musk, mas nas semanas anteriores ficara nervoso com a
polêmica e o drama envolvidos. Ele temia que Musk fosse estripar seu bebê.
E não tinha certeza se estava disposto a fazer vista grossa. Mais
significativamente, Dorsey estava hesitando em permitir que as ações que
ele tinha no Twitter fossem transformadas em patrimônio na nova empresa
privada controlada por Musk. Se não cedesse as ações, isso poderia ser ruim
para os planos de financiamento de Musk. Na semana anterior, Musk havia
ligado para ele quase todos os dias, reassegurando que amava o Twitter de
verdade e não o prejudicaria. Por fim, Musk fez um acordo com Dorsey: se
ele cedesse as ações, Musk se comprometeria a pagar preço cheio por elas no
futuro caso Dorsey precisasse do dinheiro. “Ele concordou com a
transferência completa”, disse Musk. “Ainda somos amigos. Ele se preocupa
com a liquidez no futuro, então me comprometi com 54,20 dólares.”
No fim daquela tarde, Agrawal entrou discretamente no lounge do
segundo andar e encontrou Musk. Eles iam agir como gladiadores na noite
seguinte, mas, naquele momento, ambos fingiram coleguismo casual.
“Oi”, disse Agrawal gentilmente. “Como foi seu dia?”
“Minha cabeça está cheia”, respondeu Musk. “Vou precisar de uma noite
de sono para transformar os dados em alguma coisa.”

* Em inglês, “Let that sink in”, uma expressão com sentido de que é preciso deixar a ficha cair, digerir
e aceitar a situação. O trocadilho se dá por causa de “sink”, que significa “pia”. [N. da E.]
capítulo 82
Tomando posse
Twitter, quinta-feira, 27 de outubro de 2022

Antonio Gracias, Kyle Corcoran, Kate Claassen e Musk com um bourbon; Pappy
Van Winkle; David Sacks e Gracias na sala de guerra
O sino anuncia a compra
A compra do Twitter seria fechada no dia 28 de outubro, uma sexta-feira.
Era o que os gestores do Twitter, o público e Wall Street imaginavam. Uma
transição tranquila tinha sido programada com cuidado para a abertura do
mercado de ações naquela manhã. O dinheiro seria transferido, os
documentos seriam assinados, as ações sairiam do mercado e Musk estaria
no controle. Isso ofereceria um gatilho duplo — a saída da bolsa e a
mudança de controle —, permitindo a Parag Agrawal e a seus principais
assessores no Twitter receber rescisões e exercer as opções de ações.
Musk, porém, não queria isso, e em segredo arquitetou com a equipe um
plano para desarticular tudo. Ao longo da tarde de quinta-feira, ele entrava e
saía de uma sala de conferências abarrotada onde Antonio Gracias, Alex
Spiro, Jared Birchall e mais algumas poucas pessoas planejavam
metodicamente uma manobra de jiu-jítsu: eles iam forçar um fechamento
rápido na noite de quinta. Se fizessem tudo no momento certo, Musk
poderia demitir Agrawal e alguns dos principais executivos do Twitter “por
justa causa” antes que eles pudessem exercer as opções de ações.
Era um tanto audacioso, e até cruel. Na cabeça de Musk, porém, isso se
justificava em função do preço que ele estava pagando e da convicção de que
a gestão do Twitter havia tentado enganá-lo. “Tem uma diferença de 200
milhões em jogo entre fechar o negócio hoje à noite e amanhã de manhã”,
disse ele a mim no fim da tarde de quinta-feira na sala de guerra enquanto o
plano era executado.
Além de servir como vingança e poupar dinheiro, o plano tinha como
motor o gosto de Musk por manipular jogadas. No fim, a surpresa ganharia
um tom dramático, como um ataque no momento certo no Polytopia.
O marechal de campo para o fechamento de surpresa na noite de quinta
era o advogado de longa data de Musk, Alex Spiro. Um atirador de elite do
mundo jurídico irritadiço e divertido, Spiro estava sempre ansioso por uma
batalha. Ele se tornou um conselheiro de confiança de Musk durante as
tempestades de 2018, quando o ajudou a se livrar dos problemas causados
pelos tuítes sobre “pedo” e “tornar a Tesla privada”. Musk tinha como regra
desconfiar de pessoas cuja confiança fosse maior do que a competência.
Spiro era extremamente confiante, mas também extremamente competente,
o que fez Musk valorizar o trabalho dele, ainda que por vezes
acompanhando tudo de perto.
“Só dá para demitir o Parag depois que ele assinar o certificado, certo?”,
perguntou Musk a certa altura.
“Eu preferiria demiti-los antes que a coisa esteja consumada”, disse Spiro.
Ele conferenciou com colegas e bolou opções enquanto esperavam os
números de referência do Banco Central norte-americano que mostrassem
que o dinheiro tinha sido transferido.
Às 16h12 pelo fuso do Pacífico, depois de receberem a confirmação de
que o dinheiro tinha sido transferido e os documentos necessários haviam
de fato sido assinados, Musk e sua equipe tomaram a decisão de fechar o
negócio. Jehn Balajadia, assistente de longa data de Musk que tinha sido
convocado de volta para ajudar na tomada do Twitter, entregou exatamente
naquele momento as cartas de demissão de Agrawal, Ned Segal, Vijaya
Gadde e do conselheiro-geral, Sean Edgett. Seis minutos depois, o chefe da
segurança de Musk entrou para dizer que todos tinham sido “retirados” do
prédio e o acesso deles ao e-mail fora cortado.
O bloqueio imediato do e-mail era parte do plano. Agrawal estava com a
carta de demissão, na qual era citada a mudança de controle, pronta para ser
enviada. Contudo, quando teve a conta de e-mail do Twitter bloqueada, ele
levou alguns minutos na operação de transferência do documento para uma
mensagem de Gmail. Àquela altura, já tinha sido demitido por Musk.
“Ele tentou se demitir”, disse Musk.
“Mas a gente ganhou dele”, replicou Spiro.

***

Numa outra área da sede do Twitter, a empresa estava dando uma festa de
Halloween, cheia de abraços de despedida, chamada Trick or Tweet.*
Birchall brincou com as outras pessoas que estavam na sala de guerra: “Ned
Segal veio com uma fantasia de CFO.” Nas salas de conferências ao lado,
alguns dos engenheiros da SpaceX estavam grudados em uma transmissão
de vídeo em seus computadores. Pouco depois das seis, um foguete Falcon 9
decolou de Vandenberg carregando 52 satélites da Starlink.
Michael Grimes, o principal executivo do banco Morgan Stanley, pegou
um voo em Los Angeles e chegou à sala de guerra com presentes. O
primeiro era uma montagem que mostrava defesas históricas da liberdade de
expressão — de John Milton, em 1644, à cena de Musk entrando na sede
do Twitter e dizendo “Vocês vão ter que aceitar!”. Ele também levou uma
garrafa de Pappy Van Winkle, o melhor bourbon do mundo, que a esposa
tinha ganhado de aniversário. Cada um na sala tomou um pequeno gole e
em seguida Musk assinou a garrafa pela metade para ela.
Minutos depois, ele fez a primeira modificação de produto. Até então,
quando as pessoas entravam no site Twitter.com, a primeira tela que viam as
instruía a fazer login. Musk achou que em vez disso elas deviam cair numa
página de “Explorar”, que mostraria os assuntos mais quentes e as
tendências do momento. Uma mensagem foi enviada para a pessoa
encarregada da página “Explorar”, um jovem engenheiro chamado Tejas
Dharamsi, que estava num voo voltando ao país depois de visitar a família
na Índia. Ele respondeu dizendo que faria a mudança assim que chegasse ao
escritório na segunda-feira. Faça agora, foi a ordem que recebeu. Assim,
usando o wi-fi do voo da United, ele fez a mudança naquela noite.
“Tínhamos trabalhado em muitas possíveis novas funcionalidades por anos,
mas ninguém tomava decisões sobre elas”, diria Dharamsi posteriormente.
“De repente, esse cara chegou tomando decisões rápidas.”
Musk estava hospedado na casa de David Sacks. Quando ele voltou para
lá, perto das nove da noite, Ro Khanna, o deputado democrata do distrito,
já estava presente. Khanna é um defensor da liberdade de expressão que
entende de tecnologia, mas a conversa não foi sobre o Twitter. Na verdade,
eles falaram sobre o papel da Tesla em atrair as indústrias de volta para os
Estados Unidos e o perigo de não encontrar uma solução diplomática para a
guerra na Ucrânia. Foi uma conversa animada que durou quase duas horas.
“Musk tinha acabado de fechar a compra do Twitter, e eu fiquei surpreso
por não termos falado disso”, conta Khanna. “Ele parecia querer falar de
outras coisas.”

* Um trocadilho, em inglês, com a brincadeira “Doce ou travessura?” (Trick or treat). [N. da E.]
capítulo 83
Os três mosqueteiros
Twitter, 26 a 30 de outubro de 2022

Com James Musk, Dhaval Shroff e Andrew Musk analisando o código (topo); Ross
Nordeen estudando a arquitetura do soware do Twitter (abaixo, à esquerda);
James e Andrew Musk (abaixo, à direita)
James, Andrew e Ross
Quem comandava a jovem tropa da tecnologia nas salas de conferências do
segundo andar naquela quinta-feira era um rapaz de 29 anos
espantosamente parecido com Musk. James Musk, filho do irmão mais
novo de Errol, tinha o cabelo idêntico, o sorriso cheio de dentes, os
maneirismos de levar a mão ao pescoço e um sotaque sul-africano óbvio
como o do primo de primeiro grau. Havia uma dureza na mente e nos
olhos, mas ele compensava isso com um grande sorriso, um jeito sempre
emocionalmente alerta e uma disposição em agradar aos outros, coisas que
não faziam parte do repertório de Elon. Engenheiro de software, James
trabalhou duro na equipe do Autopilot da Tesla e então se tornou o núcleo
de um pequeno grupo de mosqueteiros leais que coordenaram os mais de
trinta engenheiros da empresa automotiva e da SpaceX que aportaram na
sede do Twitter como uma força expedicionária naquela semana.
Desde os 12 anos, James acompanhava avidamente as aventuras de Elon
e escrevia cartas para ele com regularidade. Assim como Elon, ele deixou a
África do Sul por conta própria quando estava prestes a completar 18 anos e
passou um ano vagando pela Riviera, trabalhando em iates e hospedando-se
em albergues. Depois, foi para Berkeley e entrou para a Tesla bem a tempo
de ser convocado por Elon para a onda insana de 2017 na fábrica de baterias
de Nevada. Em seguida, tornou-se parte da equipe do Autopilot, quando
desenvolveu a rota de planejamento da rede neural que analisa os dados em
vídeo de motoristas humanos para aprender como um carro autônomo
deveria se comportar.
Quando Elon o chamou no fim de outubro e o “convocou a se
voluntariar” para ajudar na iminente tomada do Twitter, James relutou por
um momento. O aniversário da garota que ele namorava era naquele fim de
semana e eles pretendiam viajar para ir ao casamento da melhor amiga dela.
No entanto, ela entendeu que James precisava ajudar o primo. “Você tem
que estar lá”, disse a ele.
O irmão ruivo e mais tímido, Andrew, engenheiro de software na
Neuralink, juntou-se a James na missão. Durante a infância na África do
Sul, eles eram jogadores da liga nacional de críquete, além de alunos de
engenharia de destaque. Meia geração mais jovens que Elon e Kimbal, eles
não faziam parte do grupinho dos irmãos Rive, primos de Elon por parte de
mãe. Elon colocou Andrew e James debaixo das asas quando eles deixaram a
África do Sul, pagando a mensalidade de ambos na universidade e as
despesas pessoais. Andrew foi para a UCLA, a Universidade da Califórnia
em Los Angeles, onde pesquisou a tecnologia de blockchain com o teórico
pioneiro da internet em comutação de pacotes, Len Kleinrock. E, como se
fosse uma herança genética da família (o que pode até ser), James e Andrew
ficaram viciados no Polytopia. “Minha ex-namorada me odiava por isso”, diz
Andrew. “Talvez por isso seja minha ex-namorada.”

***

Na Riviera, quando James estava hospedado em um albergue em Gênova,


certa vez um rapaz o viu comendo manteiga de amendoim direto do pote,
com os dedos. “Cara, isso é nojento”, disse o rapaz, rindo. Foi assim que
James conheceu Ross Nordeen, um gênio do computador magrelo e de
cabelos desgrenhados, do Wisconsin, que era andarilho. Depois de se
formar na Michigan Tech, Ross se tornou um programador itinerante,
trabalhando remotamente enquanto satisfazia o desejo de viajar. “Eu
conhecia pessoas e dizia ‘Para onde devo ir agora?’, e assim fui parar em
Gênova.”
Em um exemplo dos acasos felizes que acontecem com pessoas que
viajam muito, especialmente em lugares rarefeitos, Ross disse que estava se
candidatando a um emprego na SpaceX. “Ah, é a empresa do meu primo”,
comentou James. Ross havia ficado sem dinheiro, então James o convidou
para se hospedar numa casa que ele e um amigo tinham alugado perto de
Antibes. Ross dormia em um colchonete do lado de fora.
Uma noite eles foram a uma casa noturna em Juan-les-Pins, um vilarejo
elegante. James estava conversando com uma garota quando um homem se
aproximou e disse que ela era namorada dele. Eles foram para a rua e
começaram a brigar, então James, Ross e o amigo fugiram. No entanto, eles
tinham deixado as jaquetas para trás, e Ross ficou encarregado de recuperá-
las. “Eles me mandaram de volta porque eu era o menor e de aparência mais
mansa”, diz. No caminho para casa, sofreram uma emboscada, foram
ameaçados com uma garrafa quebrada e perseguidos, até que pularam uma
cerca e se esconderam atrás de alguns arbustos.
Essa e outras fugas aproximaram Ross e James. Em uma conferência um
ano depois, Ross conheceu um executivo que lhe deu um emprego na
Palantir, a empresa meio secreta de análise de dados e inteligência
cofundada por Peter iel, e ajudou James a conseguir um estágio lá.
Tempos depois, Ross acabou trabalhando na equipe do Autopilot na Tesla
com James.
James, Andrew e Ross se tornaram os três mosqueteiros da tomada do
Twitter empreendida por Musk, o núcleo de um pelotão que incluía três
dúzias de engenheiros da Tesla e da SpaceX que se reuniram naquela
semana no segundo andar da empresa para executar a transformação. A
primeira missão dos mosqueteiros, que era ao mesmo tempo audaciosa e
meio embaraçosa, tendo em vista que eles só tinham 20 e poucos anos, foi
formar uma unidade de análise que avaliaria as habilidades de escrita de
código, a produtividade e até as atitudes de mais de 2 mil engenheiros do
Twitter e decidir quais deles deveriam sobreviver — ou nenhum.

Avaliadores de código
James e Andrew estavam sentados com os respectivos notebooks a uma
pequena mesa redonda no espaço aberto próximo à sala de conferências da
qual Musk comandava seu campo de batalha. X estava brincando no chão
com quatro grandes cubos mágicos. (Não, ele ainda não conseguia resolver o
quebra-cabeça, tinha só 2 anos e meio.) Era quinta-feira, 27 de outubro, o
dia em que Musk estava correndo para executar o rápido fechamento da
aquisição do Twitter, mas deu uma escapada das reuniões por uma hora para
discutir com os primos como categorizar os engenheiros do Twitter. Com
eles, estava também outro jovem engenheiro da equipe do Autopilot,
Dhaval Shroff, que havia sido um dos apresentadores no Dia da IA 2.
James, Andrew e Dhaval tinham acesso pelos notebooks deles a toda a
biblioteca de código escrita no Twitter ao longo do ano anterior. “Pesquisem
quem escreveu cem linhas de código ou mais no último mês”, orientou
Musk. “Quero que vocês revisem o diretório e vejam quem está entregando
código.”
O plano de Musk era demitir a maioria dos engenheiros, mas manter os
realmente bons. “Vamos descobrir quem fez uma quantidade surpreendente
de código, e dentro desse grupo descobrir quem são os melhores
programadores”, disse Musk. Era uma tarefa gigantesca, que se tornava
ainda mais difícil porque eles não tinham o código em um formato que fosse
fácil de determinar quem fizera cada inserção ou exclusão.
James teve uma ideia. Ele e Dhaval haviam conhecido um jovem
engenheiro de software do Twitter em uma conferência em São Francisco
alguns dias antes. O nome dele era Ben. James ligou para ele, o colocou no
viva-voz e começou a enchê-lo de perguntas.
“Eu tenho a lista das inserções e exclusões de todo mundo”, disse Ben.
“Pode me mandar?”, pediu James. Eles passaram um tempo tentando
descobrir como usar um script em Python e técnicas para tornar a
transferência mais rápida.
Então Musk interrompeu: “Obrigado por ajudar, cara.”
Houve uma longa pausa.
“Elon?”, perguntou Ben. Ele parecia um pouco admirado que o novo
chefe estivesse passando tempo vasculhando o código-fonte no dia de fechar
o negócio.
Ao ouvir o sotaque francês, percebi que era o mesmo Ben —– Ben San
Souci — que havia perguntado a Musk sobre a moderação de conteúdo na
visita à cafeteria. Um engenheiro na aparência, ele não era muito bom em
fazer conexões, mas de repente havia sido arrastado para dentro do círculo
interno. Era uma prova do valor do acaso — e de aparecer pessoalmente no
escritório.

***

Na manhã seguinte, com o Twitter então oficialmente nas mãos de Musk,


os mosqueteiros foram até o nono andar, onde a cafeteria estava servindo
café da manhã. Ben estava lá e, junto com alguns outros engenheiros da
Tesla, foi para o pátio ensolarado com vista para a prefeitura. Havia uma
dezena de mesas cercadas por mobília informal, mas ninguém mais do
Twitter por ali.
Quando James, Andrew e Ross descreveram como a lista de demissões
estava progredindo, Ben não teve medo de falar o que pensava. “Pela minha
experiência, indivíduos são importantes, mas as equipes também são”, disse.
“Em vez de simplesmente selecionar os bons programadores, acho que seria
útil descobrir quais equipes trabalham muito bem juntas.”
Dhaval processou essa informação e concordou. “Eu e James e as pessoas
da nossa equipe no Autopilot estamos sempre juntos, e as ideias fluem
super-rápido, e o que fazemos como equipe é melhor do que qualquer um
de nós poderia fazer sozinho”, falou. Andrew destacou que era por isso que
Musk preferia o trabalho presencial no escritório ao remoto.
De novo, Ben estava disposto a discordar. “Acredito que vir aqui seja
importante, e eu venho”, disse. “Mas sou um programador, e não dá para ser
bom se eu for interrompido a toda hora. Então às vezes não venho. Talvez o
melhor modelo seja o híbrido.”

No controle
Nos corredores do Twitter, assim como na Tesla, na SpaceX e em Wall
Street, as pessoas comentavam se Musk contrataria alguém para ajudá-lo a
administrar a empresa. Naquele primeiro dia como dono, ele se reuniu em
sigilo com um possível nome para isso, Kayvon Beykpour, o cofundador do
aplicativo de streaming de vídeo Periscope, que foi comprado e depois
encerrado pelo Twitter. Beykpour havia se tornado chefe de
desenvolvimento de produto do Twitter, mas foi demitido por Agrawal no
início de 2022 sem explicações.
A conversa deles na sala de conferências de Musk, que também contou
com a presença do investidor de tecnologia Scott Belsky, mostrou uma
verdadeira fusão mental. “Tenho uma ideia quanto aos anúncios”, sugeriu
Beykpour. “Pergunte para as pessoas que assinam quais são os interesses que
elas têm e ofereça-lhes uma experiência personalizada. Você pode
transformar isso em um benefício da assinatura.”
“É, e os anunciantes vão amar”, disse Musk.
“Também coloque um botão de downvote para tuítes”, acrescentou
Beykpour. “Você precisa de um sinal negativo do usuário para alimentar os
rankings.”
“Só os usuários pagos e verificados deveriam poder dar votos negativos”,
ponderou Musk, “porque senão isso poderia estar sujeito a ataques de bots”.
No fim da conversa, Musk fez a Beykpour uma oferta casual. “Por que
você não volta a trabalhar aqui?”, propôs. “Parece que você ama isso.” E
então apresentou toda a visão de como pretendia fazer do Twitter uma
plataforma financeira e de conteúdo, com todos os elementos que havia
vislumbrado para a.
“Bem, estou em dúvida”, disse Beykpour. “Eu admiro você. Comprei
todos os produtos que você já criou. Vou pensar sobre isso e te responder
depois.”
Ficou nítido, no entanto, que Musk não iria ceder muito controle, assim
como não havia cedido nas outras empresas. Um mês depois, perguntei a
Beykpour o que ele decidira. “Eu não vejo um papel para mim”, me disse.
“Elon é apaixonado por dirigir diretamente, ele mesmo, a engenharia e o
produto.”
Musk não tinha pressa em trazer alguém para comandar o Twitter,
mesmo depois de ter conduzido uma enquete on-line cujo resultado
apontou que ele deveria fazer isso. Ele até mesmo dispensou ter um diretor
financeiro. Queria fazer da empresa um parquinho de diversões próprio. Na
SpaceX, tinha pelo menos quinze pessoas que se reportavam diretamente a
ele; na Tesla, cerca de vinte. No Twitter, ele disse para a equipe que estava
disposto a ter mais de vinte. E decretou que eles e os engenheiros mais
dedicados deveriam trabalhar num enorme espaço aberto no décimo andar,
onde Musk iria lidar diretamente com todos dia e noite.

Primeiro round
Musk havia encarregado seus jovens mosqueteiros de desenvolver uma
estratégia para fazer grandes cortes nas inchadas equipes de engenharia, e
eles estavam fuçando o código-base para avaliar quem era excelente e
dedicado. Às seis da noite da sexta-feira, 28 de outubro, 24 horas depois da
aquisição, Musk reuniu-os e mais três dúzias de mercenários de confiança
da Tesla e da SpaceX para começar a botar o plano em ação.
“O Twitter tem hoje 2.500 engenheiros de software”, disse Musk para
eles. “Se cada um escrevesse só três linhas de código por dia, um padrão
ridiculamente baixo, isso somaria 3 milhões de linhas de código por ano, o
que é o suficiente para todo um sistema operacional. Isso não está
acontecendo. Algo está profundamente errado. Parece até que estou num
programa de humor.”
“Gerentes de produto que não sabem nada sobre programação ficam
pedindo recursos que não sabem como criar”, falou James. “Como líderes da
cavalaria que não sabem andar a cavalo.” Era uma frase que Musk usava
com frequência.
“Vou estabelecer uma regra”, decretou Musk. “Temos 150 engenheiros
fazendo o Autopilot. Quero reduzir a esse número no Twitter.”
Mesmo concordando com a visão de Musk sobre a baixa produtividade
no Twitter, uma demissão em massa de mais de 90% dos engenheiros fez a
maioria dos que estavam à mesa titubear. Milan Kovac, então menos
intimidado por Musk do que estivera no dia da apresentação do Optimus,
explicou por que eram necessários mais. Alex Spiro, o advogado, também
pediu cautela. Ele achava que alguns trabalhos no Twitter não exigiam
habilidades computacionais geniais. “Não entendo por que todas as pessoas
que trabalham em uma empresa de rede social têm que ter um QI de 160 e
trabalhar 24 horas por dia”, argumentou. Algumas pessoas precisam ser boas
em vendas, outras precisam da habilidade emocional de bons gestores e
outras, ainda, apenas sobem vídeos de usuários e não precisam ser estrelas.
Além disso, cortar tanto assim colocaria o sistema em risco de falhar se
alguém ficasse doente ou ficasse de saco cheio.
Musk não concordou. Ele queria cortes profundos não apenas por
motivos financeiros, mas também porque queria implementar uma cultura
de trabalho hardcore, fanática. Ele estava disposto a assumir riscos e voar
sem rede de proteção; mais que isso, estava ansioso.
James, Andrew, Ross e Dhaval começaram se reunindo com os gestores e
pedindo a eles que cumprissem as metas de Musk de demitir mais de 90%
dos funcionários. “Eles ficaram bem tristes”, diz Dhaval. “Argumentaram
que a empresa ia simplesmente quebrar.” Ele e os outros mosqueteiros
tinham uma resposta-padrão: “Elon pediu isso, e é assim que ele funciona,
então temos que elaborar um plano.”
Na noite daquele domingo, 30 de outubro, James enviou para Musk a
lista oficial que ele e os outros mosqueteiros haviam compilado dos
melhores engenheiros, que deveriam ser mantidos. Os demais poderiam ser
dispensados. Musk estava pronto para fazer as demissões imediatamente. Se
ocorressem antes de 1o de novembro, a empresa não teria que pagar os
bônus desses funcionários nem opções de ações que deveriam vencer nessa
data. Contudo, os gestores de recursos humanos do Twitter resistiam. Eles
queriam examinar a lista para garantir que houvesse diversidade. Musk
descartou essa sugestão. Outro alerta deles, no entanto, o fez repensar. As
demissões, se feitas sumariamente, iriam desencadear multas por quebra de
contrato e violações das leis trabalhistas da Califórnia. Isso iria custar
milhões de dólares, mais do que esperar até depois dos bônus contratados.
Com relutância, Musk concordou em adiar as demissões em massa até o
dia 3 de novembro. Elas foram anunciadas naquela noite em um e-mail sem
assinatura: “Em um esforço para colocar o Twitter em um caminho
saudável, vamos passar pelo difícil processo de reduzir nossa força de
trabalho global.” Cerca de metade dos funcionários em todo o mundo e
quase 90% de algumas das equipes de infraestrutura foram demitidos e o
acesso deles aos computadores e e-mails da empresa, imediatamente
bloqueado. Musk também demitiu a maior parte dos gestores de recursos
humanos.
E esse foi apenas o primeiro round do que seria um banho de sangue em
três rounds.
capítulo 84
Moderação de conteúdo
Twitter, 27 a 30 de outubro de 2022

Em sentido horário, começando do alto à esquerda: com Kanye West, na SpaceX;


Yoel Roth; Jason Calacanis; David Sacks
O conselho de um homem só
O músico e estilista Ye, antes conhecido como Kanye West, era amigo de
Musk, ou quase isso, daquele jeito estranho que a palavra por vezes é usada
para falar de celebridades que frequentam festas juntas e compartilham a
mesma energia e os holofotes, mas que não têm lá grande intimidade. Em
2011, Musk levou Ye para uma visita pela fábrica da SpaceX em Los
Angeles. Uma década depois, Ye fez uma visita à Starbase, no sul do Texas,
e Musk foi à festa da apresentação de Donda 2 em Miami. Os dois tinham
traços em comum, como a ausência de filtro e o fato de ambos serem vistos
como meio malucos, embora no caso de Ye essa descrição em certo
momento passasse a ser vista como parcialmente verdadeira. “A confiança
que Kanye tem em si mesmo e uma incrível tenacidade o levaram aonde ele
está hoje”, disse Musk para a Time em 2015. “Ele lutou para conquistar o
lugar que ocupa no panteão cultural por um propósito. Ele não tem medo
de ser julgado ou ridicularizado no processo.” Musk poderia estar falando de
si próprio.
No começo de outubro, poucas semanas antes de Musk fechar a compra
do Twitter, Ye e seus modelos vestiram camisetas com os dizeres 
  em um desfile, o que causou uma tempestade nas redes
sociais que culminou com o seguinte tuíte de Ye: “Quando acordar eu vou
detonar os JUDEUS.” Ele foi banido do Twitter. Dias depois, Musk tuitou:
“Falei com Ye hoje & expressei minha preocupação por seu tuíte recente, e
acho que ele pensou muito sobre isso.” O músico, porém, continuou banido.
A saga de Ye no Twitter acabaria ensinando a Musk uma série de lições
sobre a complexidade da liberdade de expressão e as desvantagens de criar
regras por impulso. Junto com as decisões sobre demissões, a questão da
moderação de conteúdo dominou a primeira semana de Musk no Twitter.
Ele vinha sendo um defensor da liberdade de expressão, mas começou a
descobrir que tinha um ponto de vista simplista demais. Nas mídias sociais,
uma mentira pode viajar até o outro lado do mundo enquanto a verdade
ainda está calçando os sapatos. A desinformação era um problema, assim
como os golpes com criptomoedas, as fraudes e o discurso de ódio. Também
havia um problema financeiro: anunciantes mais precavidos não queriam
suas marcas em um ambiente cheio de discurso tóxico.
No começo de outubro, poucas semanas antes da data em que ele
assumiria o Twitter, Musk tinha aventado em uma de nossas conversas a
ideia de criar um conselho de moderação de conteúdo que decidiria sobre
essas questões. Ele queria vozes diversas de várias partes do mundo nesse
conselho, e descreveu o tipo de membro que tinha em mente: “Eu não vou
tomar nenhuma decisão sobre quem pode voltar ao Twitter antes de o
conselho estar em operação”, me disse.
Ele tornou essa promessa pública no dia 28 de outubro, a sexta-feira
seguinte à compra do Twitter. “Nenhuma grande decisão sobre conteúdo ou
sobre permissão para a readmissão de contas acontecerá antes que o
conselho se reúna”, tuitou. Entretanto, ceder o controle não era da natureza
de Musk. A ideia já tinha começado a perder força. As opiniões do conselho
seriam puramente “consultivas”, segundo me disse. “As decisões finais
precisam ser minhas”, afirmou. À medida que andava pelas salas de
conferências naquela tarde, discutindo demissões e características de
produtos, ficou evidente que ele estava perdendo interesse pela criação do
conselho. Quando lhe perguntei se já tinha decidido quem integraria o
conselho, Musk respondeu: “Não, essa não é uma prioridade agora.”

Yoel Roth
Quando Musk demitiu a chefe do departamento jurídico do Twitter, Vijaya
Gadde, a tarefa de lidar com a moderação de conteúdo, e a igualmente
difícil tarefa de lidar com Musk, passou para um sujeito um tanto
acadêmico, mas alegre e juvenil, chamado Yoel Roth, de 35 anos. Era uma
combinação improvável. Roth era um democrata que tendia para a esquerda
e tinha deixado um rastro de tuítes antirrepublicanos. “Jamais doei para uma
campanha presidencial antes, mas acabei de dar 100 dólares para Hillary,
pelos Estados Unidos”, postou em 2016, o ano em que ele entrou para a
equipe de confiança e segurança da empresa. “Não dá mais para brincar.”
No dia da eleição de 2016, ele tirou sarro dos eleitores de Trump tuitando:
“Só o que eu estou dizendo é que existe um motivo para que a gente passe
voando por cima dos estados que votaram numa tangerina racista.” Depois
de Trump se tornar presidente, ele tuitou “NAZISTAS DE VERDADE
NA CASA BRANCA” e chamou Mitch McConnel de “saco de peidos sem
personalidade”.
No entanto, Roth tinha uma combinação de otimismo e avidez que o
deixaram torcendo para trabalhar com Musk. A primeira vez que os dois se
encontraram foi na tarde de quinta-feira em que Musk estava forçando o
fechamento apressado da compra do Twitter. Às cinco da tarde, o telefone
de Roth tocou. “Oi, aqui é o Yoni”, disse a pessoa do outro lado da linha.
“Você pode vir ao segundo andar, por favor? Precisamos conversar.” Roth
não sabia quem Yoni era, mas ele passou pela festa de Halloween e chegou
ao grande espaço aberto das áreas de conferências onde estavam Musk, seus
banqueiros e os mosqueteiros.
Ali ele foi cumprimentado por Yoni Ramon, um engenheiro de
segurança da informação da Tesla baixinho, cheio de energia e de cabelos
longos que era originário de Israel. “Eu também sou israelense, então eu
sabia que ele era de lá”, diz Roth. “Mas, fora isso, eu não tinha ideia de
quem ele era.”
Musk tinha dado a Ramon a tarefa de impedir que qualquer funcionário
descontente do Twitter sabotasse o serviço. “Elon está completamente
paranoico, e com razão, com a ideia de que algum funcionário irritado possa
atrapalhar as coisas”, me disse Ramon pouco antes de Roth chegar. “Ele me
deu a atribuição de não deixar isso acontecer.”
Quando eles se sentaram a uma mesa na área aberta, perto do bufê de
garrafinhas de água mineral, Ramon perguntou a Roth, sem explicações:
“Como eu consigo acesso às ferramentas do Twitter?”
Ainda não estava claro para Roth quem era aquele cara. “Existem várias
restrições sobre quem tem acesso às ferramentas do Twitter”, respondeu
Roth. “Existem várias considerações sobre privacidade.”
“Bem, houve uma transição de comando”, disse Ramon. “Eu trabalho
para o Elon e precisamos deixar as coisas protegidas. Pelo menos me mostre
como são as ferramentas.”
Roth achou que isso era razoável. Ele pegou o laptop e mostrou a Ramon
as ferramentas de moderação de conteúdo que o Twitter usava e
recomendou algumas medidas que poderiam servir como proteção para
ameaças internas.
“Posso confiar em você?”, perguntou Ramon de repente, olhando nos
olhos de Roth. Roth, assustado com a franqueza, disse que sim.
“Certo, vou chamar o Elon”, falou Ramon.
Um minuto depois, Musk saiu da sala de guerra onde a compra acabara
de ser concluída, sentou-se diante de uma das mesas redondas da área e
pediu que fosse demonstrado como as ferramentas de segurança
funcionavam. Roth abriu a conta do próprio Musk e mostrou o que as
ferramentas do Twitter poderiam fazer com ela.
“O acesso a essas ferramentas deveria ficar restrito a apenas uma pessoa,
por enquanto”, disse Musk.
“Eu fiz isso ontem”, replicou Roth. “Essa única pessoa sou eu.” Musk
assentiu em silêncio. Ele parecia gostar do modo como Roth estava lidando
com as coisas.
Musk então pediu que Roth dissesse os nomes de dez pessoas nas quais
“ele confiaria cegamente” e que poderiam ter acesso às ferramentas mais
avançadas. Roth falou que ia fazer uma lista. Musk o encarou e frisou:
“Estou falando de gente em que você confiaria a própria vida. Porque, se
eles fizerem alguma coisa errada, eles vão ser demitidos, e você vai ser
demitido, e toda a sua equipe vai ser demitida.” Roth pensou consigo
mesmo que estava familiarizado com o modo de lidar com esse tipo de
chefe. Ele fez que sim com a cabeça e voltou para seu escritório.

Banir ou não banir


O primeiro indício de problemas para Yoel Roth veio na manhã seguinte,
sexta-feira, quando ele recebeu uma mensagem de Yoni Ramon dizendo que
Musk queria a reintegração da conta do Babylon Bee, um site de humor
conservador de que Musk gostava. O site tinha sido banido do Twitter por
não obedecer às políticas de respeito a questões de gênero, ao satiricamente
dar a Rachel Levine, uma mulher transgênero do governo Biden, o título de
Homem do Ano.
Roth sabia que Musk tinha fama de temperamental, e por isso esperava
que em algum momento ele fosse tomar uma decisão impulsiva. Imaginava
que seria por causa de Trump, mas o pedido para devolver a conta do
Babylon Bee levantava as mesmas questões. O objetivo de Roth era impedir
que Musk promovesse a reintegração de contas de modo unilateral e
arbitrário. Em outras palavras, ele esperava impedir que Musk fosse Musk.
Roth tinha se encontrado naquela manhã com o advogado de Musk,
Alex Spiro, que passara a cuidar das questões de política da rede. “Se um dia
você precisar de algo ou se surgir alguma doideira, ligue direto para mim”,
dissera Spiro. E foi o que Roth fez.
Depois de explicar as políticas do Twitter de respeito à identidade de
gênero e de contar que o Babylon Bee tinha se recusado a deletar o tuíte
ofensivo, Roth disse que havia três opções: manter o banimento do Bee,
acabar com a regra contra a deslegitimação de gênero ou simplesmente
reintegrar a conta do Bee arbitrariamente sem se preocupar com regras e
precedentes. Spiro, que sabia como Musk operava, escolheu a opção número
3. “Por que ele não pode fazer isso?”, indagou.
“Poder, pode”, admitiu Roth. “Ele comprou a empresa e pode tomar a
decisão que quiser.” Mas aquilo poderia causar problemas. “O que a gente
vai fazer quando outro usuário fizer a mesma coisa e nós aplicarmos a regra?
Vamos ter um problema de consistência.”
“Certo, então a gente deveria mudar a regra?”, perguntou Spiro.
“Dá para fazer isso”, respondeu Roth. “Mas você precisa ter em mente
que essa é uma questão importante da guerra cultural.” Havia muitos
anunciantes preocupados em saber como Musk ia lidar com a moderação de
conteúdo. “Se a primeira atitude dele for acabar com a política do Twitter
sobre como lidar com comentários de ódio relacionados a identidade de
gênero, acho que a coisa não vai caminhar bem.”
Spiro pensou sobre o assunto e então disse: “A gente precisa falar com o
Elon sobre isso.” Enquanto os dois saíam da sala, Roth recebeu outra
mensagem. “Elon quer devolver a conta do Jordan Peterson.” Peterson, um
psicólogo e escritor canadense, tinha sido suspenso do Twitter no começo
do ano por insistir em se referir a um famoso homem transgênero como se
ele fosse uma mulher.
Musk saiu de uma das salas de conferências uma hora depois para falar
com Roth e Spiro. Eles ficaram na área comum da lanchonete, e havia gente
passando para lá e para cá, o que deixou Roth desconfortável, mas ele
abordou a questão das reintegrações aleatórias de contas. “Bom, e o conceito
de perdão presidencial?”, questionou Musk. “Isso está na Constituição,
certo?”
Roth, que não sabia dizer se ele estava brincando, admitiu que Musk
tinha o direito de conceder perdões aleatórios, mas perguntou: “E se outra
pessoa fizer a mesma coisa?”
“Não estamos mudando a regra, estamos concedendo perdão”, respondeu
Musk.
“Mas nas mídias sociais não é bem assim que funciona”, replicou Roth.
“As pessoas testam as regras, especialmente nessa questão, e elas vão querer
saber se a política do Twitter mudou.”
Musk parou por um instante e decidiu recuar um pouco. Ele tinha
familiaridade com essa questão. A própria filha tinha transicionado. “Olha
só, quero deixar claro, eu não acho que desrespeitar o gênero das pessoas seja
legal. Mas não é algo como uma ameaça de morte.”
Mais uma vez, Roth se viu positivamente surpreso. “Na verdade, eu
concordo com ele”, diz Roth. “Embora tivesse a fama de ser a brigada da
censura, havia muito tempo eu achava que o Twitter removia discursos
demais, quando existiam outras opções menos invasivas à disposição.” Roth
pôs o laptop em um balcão para mostrar algumas ideias que estava
desenvolvendo para colocar mensagens de alerta em tuítes em vez de deletá-
los ou de banir usuários.
Musk assentiu, entusiasmado. “Parece que é exatamente o que a gente
deveria fazer”, disse. “Esses tuítes problemáticos não deveriam aparecer na
busca. Eles não deveriam aparecer na sua timeline, mas, bem, se você
navegar pelo perfil de alguém, talvez você veja isso.”
Por mais de um ano, Roth vinha trabalhando num plano como esse, para
reduzir o alcance de certos tuítes e usuários. Ele via isso como um modo de
evitar simplesmente banir usuários controversos. “Uma das áreas mais
importantes que eu adoraria pesquisar é a de políticas de intervenção sem
remoção, como diminuir o engajamento e filtros que reduzissem a
amplificação/visibilidade”, escreveu numa mensagem de Slack para a própria
equipe no Twitter no início de 2021. Ironicamente, quando essa mensagem
apareceu como parte dos “Twitter Files” em dezembro de 2022, ocasião em
que Musk revelou documentos internos da empresa com a intenção de
buscar transparência, foi vista como uma confirmação cabal de que os
conservadores vinham sendo sujeitados a um “banimento por ocultação” por
liberais no Twitter.
Musk aprovou a ideia de Roth de usar “filtros de visibilidade” para
reduzir a amplificação de tuítes e usuários problemáticos como alternativa
para banimentos permanentes. Ele também concordou em não devolver
imediatamente as contas do Babylon Bee e de Jordan Peterson. “Em vez
disso”, sugeriu Roth, “por que não tiramos uns dias para fazer uma primeira
versão desse sistema de redução de amplificação?”. Musk concordou. “Posso
fazer isso até segunda”, prometeu Roth.
“Parece bom”, disse Musk.

Sacks e Calacanis
Yoel Roth estava almoçando com o marido no dia seguinte, um sábado,
quando recebeu uma ligação sendo chamado para ir até o escritório. David
Sacks e Jason Calacanis queriam fazer algumas perguntas a ele. “Melhor
você ir”, aconselhou um amigo do Twitter, sabendo da importância dos dois.
Então Roth foi de carro, saindo de Berkeley, onde morava, e atravessou a
baía para chegar à sede do Twitter.
Naquela semana, Musk estava hospedado na casa de cinco andares de
Sacks no Pacific Heights, em São Francisco. Eles se conheciam desde a
época da PayPal. Desde então, Sacks era um libertário declarado que
defendia a liberdade de expressão. O desprezo dele pelo movimento woke o
empurrou para a direita, mas com um viés populista-nacionalista que o
tornava cético quanto ao intervencionismo norte-americano.
Em 2021, no jantar de aniversário de 50 anos de Sky Dayton, empresário
do ramo da internet com viés libertário, na Toscana, Sacks e Musk
discutiram como as grandes empresas de tecnologia estavam em conluio
para restringir a liberdade de expressão on-line. Sacks tinha uma visão
populista, argumentava que um “cartel” das elites corporativas estava usando
a censura como arma para derrotar aqueles que pensavam diferente. Grimes
discordou, mas Musk geralmente concordava com Sacks. Ele não tinha se
concentrado muito na liberdade de expressão e na censura até então, mas a
ideia ecoava o crescente sentimento antiwoke dele. Quando Musk assumiu
o Twitter, Sacks se tornou uma presença constante, ajudando a coordenar
reuniões e dando conselhos.
O amigo e parceiro de pôquer Jason Calacanis, com quem ele produzia
um podcast semanal, era um sujeito nascido no Brooklyn que tinha uma
startup de internet e vinha a ser um amigo muito próximo e dedicado de
Musk. Ele tinha uma empolgação juvenil que contrastava com a reticência
rigorosa de Sacks e era mais moderado politicamente. Quando Musk fez os
primeiros movimentos para comprar o Twitter, em abril, Calacanis lhe
mandou uma mensagem dizendo quanto estava empolgado para ajudar.
“Conselheiro, consultor, seja lá o que for… Conte com este soldado”,
escreveu. “Me bota para jogar, treinador! CEO do Twitter é meu emprego
dos sonhos.” O afã dele às vezes fazia Musk repreendê-lo, como na vez que
Calacanis criou uma Sociedade de Propósito Específico com o intuito de
arrecadar investimentos para a compra do Twitter por Musk. “Que ideia é
essa de vender uma SPE para pessoas aleatórias?”, disse Musk por
mensagem. “Isso não está certo.” Calacanis pediu desculpa e recuou. “Essa
compra capturou a imaginação do mundo de modo inimaginável. É uma
loucura... Eu estou com você para o que der e vier — eu pularia em cima de
uma granada por você.”

***

Quando Roth chegou à sede para se encontrar com Sacks e Calacanis, havia
uma crise em andamento. O Twitter estava sendo inundado por postagens
racistas e antissemitas. Musk tinha declarado ser contra a censura, e agora
enxurradas de trolls e provocadores estavam testando os limites. O uso de
termos agressivos contra negros cresceu 500% nas doze primeiras horas
depois de Musk assumir o controle. A liberdade de expressão irrestrita, a
nova equipe descobriu rapidamente, tinha um lado negativo.
Roth sabia que Sacks havia lido as reportagens sobre as tendências
esquerdistas dele, e ficou surpreso por ver como ele estava sendo educado e
solícito. Eles falaram sobre os números da onda de discurso de ódio e sobre
quais ferramentas tinham à disposição para lidar com isso. Roth explicou
que a maior parte das postagens não era de usuários expressando opiniões
pessoais e individuais, mas, sim, de trolagem organizada e de ataques feitos
por bots. “Ficou nítido que era algo coordenado”, diz Roth, “e não apenas
pessoas reais sendo mais racistas”.
Depois de mais ou menos uma hora, Musk entrou na sala de
conferências. “Então, que negócio é esse de racismo que está rolando?”,
perguntou.
“É uma campanha de trolls”, respondeu Roth.
“Acabem já com isso”, disse Musk. “Força total.” Roth ficou empolgado.
Ele achou que Musk iria se opor a qualquer tentativa de moderação.
“Discurso de ódio não tem lugar no Twitter”, continuou Musk, como se
estivesse fazendo uma declaração oficial. “Não dá para aceitar isso.”
Calacanis falou para Roth que ele tinha explicado a situação muito bem.
“Por que você não posta uns tuítes sobre isso?”, sugeriu Calacanis. Então
Roth postou um fio. “Estamos nos concentrando em endereçar o
crescimento de discurso de ódio no Twitter”, escreveu. “Mais de 50 mil
tuítes usando um xingamento em particular surgiram de apenas trezentas
contas. Quase todas essas contas são falsas. Tomamos medidas para banir os
usuários envolvidos nesse ataque.”
Musk retuitou os posts de Roth e acrescentou outro dele próprio, que
tinha como objetivo tranquilizar anunciantes que estavam começando a
fugir do Twitter. “Para ser superclaro”, tuitou, “não demos início ainda a
nenhuma mudança na política de moderação de conteúdo do Twitter”.
Como faz com pessoas que ele considera parte de seu círculo mais
íntimo, Musk começou a mandar mensagens para Roth regularmente com
perguntas e sugestões. Mesmo quando uma enxurrada de novas reportagens
surgiu requentando os tuítes esquerdistas de Roth de cinco anos antes,
Musk ficou do lado dele, tanto em particular quanto em público. “Ele me
disse que achava alguns dos meus tuítes antigos engraçados, e ele realmente
me apoiou mesmo quando muitos conservadores estavam pedindo a minha
cabeça”, disse Roth. Musk chegou até a responder a um conservador no
Twitter com uma defesa de Roth. “Todos nós publicamos tuítes
questionáveis, eu mais do que a média, mas quero deixar claro que estou
com Yoel”, escreveu. “Minha opinião é de que ele tem uma grande
integridade e todos nós temos direito a nossas crenças políticas.”
Embora Musk não tivesse descoberto ainda como pronunciar o nome
dele (Yo-El), parecia que podia ser o início de uma bela amizade.
capítulo 85
Halloween
Twitter, outubro de 2022

Maye vestida para o Halloween de 2022, e assistindo a uma das apresentações do


lho
Visita a Nova York
Bem quando o relacionamento de Yoel Roth com Musk parecia estar indo
surpreendentemente bem, o marido dele se virou para ele no fim da manhã
de domingo, 30 de outubro, e perguntou: “O que diabos é isso?” A pergunta
lembrou Roth da época de Trump, quando toda manhã ele acordava e se
preparava para o que tinha sido tuitado. Dessa vez, tratava-se de um tuíte de
Musk sobre o ataque que Paul Pelosi, o marido de 82 anos da presidente da
Câmara, havia sofrido por parte de um invasor com um martelo. Hillary
Clinton havia postado um tuíte que culpava por essa violência as pessoas
que “espalham o ódio e teorias da conspiração insanas”. Musk respondeu
com o link de um site de conspirações da direita que sugeria falsamente,
sem oferecer prova alguma, que Pelosi pudesse ter se machucado “em uma
briga com um michê”. Musk comentou: “Existe uma pequena possibilidade
de que haja mais nessa história do que vemos a olho nu.”
O tuíte de Musk mostrava a tendência crescente (assim como aconteceu
com o pai dele) que ele tinha de ler sites de fake news malucos que oferecem
teorias da conspiração, um problema que o Twitter havia estampado. Ele
rapidamente apagou o tuíte, se desculpou e depois disse em particular que
fora um dos erros mais idiotas que cometera. Também foi um erro que
custou caro. “Isso sem dúvida vai causar problemas com os anunciantes”,
escreveu Roth em uma mensagem para Alex Spiro.
Musk tinha começado a entender que criar um bom espaço para
anunciantes entrava em conflito com os planos de permitir uma liberdade de
expressão mais estridente. Alguns dias antes, ele havia escrito uma carta
intitulada “Caros anunciantes do Twitter”, na qual prometia que “o Twitter,
obviamente, não deve se tornar um ambiente hostil e sem regras, onde
qualquer coisa pode ser dita sem consequências!”. Mas o tuíte sobre Paul
Pelosi minava essa promessa, ao fornecer um exemplo daquilo de que os
anunciantes não gostavam no Twitter: a rede podia ser um mar de falsidades
e desinformação que as pessoas (inclusive Musk) espalham de maneira
impulsiva e imprudente. A publicidade correspondia a 90% da receita do
Twitter. O valor já estava diminuindo por causa de uma recessão no setor,
mas depois que Musk assumiu começou a cair ainda mais rápido. Nos seis
meses seguintes, mais da metade desse dinheiro desapareceria.

***

Naquela noite de domingo, Musk voou até Nova York para se encontrar
com a equipe de vendas de anúncios do Twitter e tentar tranquilizar os
anunciantes e as respectivas agências. Levou X junto, e eles chegaram por
volta das três da manhã no apartamento de Maye em Greenwich Village.
Musk não gostava de hotéis nem de ficar sozinho. Pela manhã, tanto Maye
quanto X foram com ele à sede do Twitter em Manhattan, servindo a um só
tempo de escudo e apoio emocional para reuniões que seriam tensas.
Musk tem uma intuição para problemas de engenharia, mas as redes
neurais dele têm dificuldades para lidar com sentimentos humanos, por isso
a aquisição do Twitter tornou-se tão problemática. Ele pensava no Twitter
como uma empresa de tecnologia, quando, na realidade, era um meio
publicitário baseado em emoções humanas e relacionamentos. Ele sabia que
tinha que ser solícito na viagem a Nova York, mas estava com raiva. “Existe
uma campanha agressiva contra mim desde que o acordo foi anunciado em
abril”, me disse Musk. “Grupos ativistas têm pressionado os anunciantes
para que deixem de assinar acordos.”
As reuniões naquela segunda-feira não ajudaram muito a tranquilizar os
anunciantes. Enquanto Maye assistia e X brincava, Musk falou num tom
monocórdio, primeiro com a equipe de vendas e depois por meio de
telefonemas com a comunidade de publicidade. “Quero que o Twitter seja
interessante para um amplo número de pessoas, talvez 1 bilhão algum dia”,
disse ele em uma dessas conversas. “Isso anda de mãos dadas com
segurança. Se você deparar com uma avalanche de discurso de ódio ou for
atacado, vai embora.” A cada reunião ele era questionado a respeito do tuíte
sobre Paul Pelosi. “Eu sou quem eu sou”, disse uma hora, o que não era
muito tranquilizador para nenhum dos interlocutores, que de alguma forma
esperavam o contrário. “Minha conta no Twitter é uma extensão do que eu
sou pessoalmente, e, bem, vou tuitar algumas coisas que vão se mostrar
estúpidas, vou cometer erros.” Ele disse isso não com uma humildade
envergonhada, mas com uma fria modéstia. Em uma das reuniões que fizera
via Zoom, era possível ver anunciantes cruzando os braços e saindo da
ligação. “Que merda é essa?”, murmurou um deles. O Twitter supostamente
era um negócio de bilhões de dólares, não uma extensão das falhas e
idiossincrasias de Elon Musk.
No dia seguinte, muitos dos principais executivos do Twitter que tinham
a confiança da comunidade publicitária se demitiram ou foram demitidos,
mais notavelmente Leslie Berland, Jean-Philippe Maheu e Sarah
Personette. Além disso, grandes marcas e agências de publicidade
anunciaram a intenção de pausar os anúncios no Twitter, ou fizeram isso
discretamente. As vendas caíram 80% naquele mês. As mensagens de Musk
passaram de tranquilizadoras para bajuladoras e então ameaçadoras. “O
Twitter teve uma queda massiva na receita, devido à pressão de grupos
ativistas aos anunciantes, apesar de nada ter mudado na moderação de
conteúdo e de tudo que fizemos para agradar aos ativistas”, tuitou Musk
depois das reuniões. “Estão tentando destruir a liberdade de expressão nos
Estados Unidos.”

Comandantes espaciais
O Halloween é um dos feriados favoritos de Musk, uma chance para jogos
reais de representação. Outro motivo para ele voar até Nova York, além de
tentar tranquilizar os anunciantes, era ter prometido acompanhar a mãe à
festa anual de Halloween da modelo Heidi Klum, que contava com um
desfile no tapete vermelho de fantasias exageradas para o deleite dos
paparazzi.
Musk só voltou das reuniões com os anunciantes para o apartamento de
Maye às nove da noite, quando ela e uma amiga o ajudaram a vestir a
armadura de couro vermelha e preta da fantasia de “Devil’s Champion” —
um guerreiro do diabo — que ela havia providenciado. Apesar de terem sido
levados para uma área VIP, eles odiaram a festa. Maye achou o som alto
demais e Elon ficou incomodado por todo mundo estar tentando tirar selfies
com ele. Por isso, ficaram apenas dez minutos e foram embora. Musk,
porém, mudou sua foto do perfil no Twitter para uma dele vestido de Devil’s
Champion. Ele achou que combinava com a situação naquele momento.
Na manhã seguinte, ele acordou cedo para assistir com a mãe e o filho à
transmissão da decolagem do Falcon Heavy, a primeira vez em três anos que
o foguete de 27 motores da SpaceX era lançado. Depois, voou até
Washington para uma cerimônia que marcou a mudança dos principais
generais do Comando Espacial dos Estados Unidos. Apesar das tensões que
tinha com o governo Biden, Musk ainda foi bem recebido pelo Pentágono,
especialmente porque a SpaceX era a única entidade norte-americana capaz
de enviar grandes satélites militares e tripulação para a órbita. Durante a
cerimônia, ele foi destacado pelo general Mark Milley, o chefe do Estado-
Maior Conjunto. “O que ele simboliza”, disse Milley, “é a combinação entre
a cooperação civil e militar e o trabalho em equipe que faz dos Estados
Unidos o país mais poderoso no espaço”.
capítulo 86
Contas verificadas
Twitter, 2 a 10 de novembro de 2022

Uma apresentação na sala de conferências; James Musk, Dhaval Shroff e Andrew


Musk avaliando engenheiros
Termonuclear
Yoel Roth e a maior parte da equipe de moderação de conteúdo
sobreviveram à primeira rodada de demissões. Tendo em vista a batalha
contra campanhas racistas coordenadas por trolls e a revolta entre os
anunciantes, parecia prudente não dizimar aquela equipe logo de cara.
“Cortei um número muito pequeno de funções que eu não considerava
essenciais, mas ninguém me pressionou a demitir ninguém”, diz Roth.
Naquele dia, ele tuitou uma mensagem para tranquilizar os anunciantes,
quando disse que as “capacidades centrais de moderação” da empresa ainda
eram as mesmas.
Ele terminou de elaborar a nova política de respeito à identidade de
gênero que tinha prometido a Musk. O plano era colocar um alerta em todo
tuíte ofensivo, baixar a visibilidade dele e não permitir que fosse retuitado.
Musk aprovou.
Musk então sugeriu uma ideia adicional para a moderação de conteúdo.
O Twitter tinha uma ferramenta pouco conhecida chamada Birdwatch, a
qual permitia que usuários inserissem correções ou contextualizações em
tuítes que considerassem falsos. Musk adorava a ideia, mas detestava o
nome. “A partir de agora, vamos chamar isso de Notas da Comunidade”,
disse. Parecia um modo de evitar censurar as coisas e, em vez disso, nas
palavras dele, “deixar que a coletividade humana dialogue e negocie se
aquilo é verdadeiro ou falso”.
Os anunciantes estavam se afastando havia uma semana, mas na sexta-
feira, 4 de novembro, o fluxo do êxodo estava mais rápido. Em parte, o
motivo era um boicote liderado por ativistas que estavam incitando as
empresas, como a Oreo, a retirar os anúncios. Musk ameaçou ir atrás de
anunciantes que tivessem cedido à pressão. “Vamos dar nomes &
envergonhar as empresas em nível termonuclear se isso continuar”, tuitou.
Naquela noite, Musk entrou no modo demoníaco. A maior parte das
pessoas no Twitter, inclusive Roth, já o tinha visto agir de modo arbitrário e
insensível de vez em quando, mas eles ainda não haviam sido expostos à
fúria fria da persona mais sombria dele em um dos seus transes nem sabiam
como se proteger da tempestade. Ele chamou Roth e deu ordem para que
ele impedisse os usuários de pedir aos anunciantes um boicote ao Twitter.
Isso, evidentemente, não se alinhava com a lealdade que ele professava ter
pela liberdade de expressão, mas a fúria de Musk faz com que ele assuma
uma retidão moral capaz de se livrar de inconsistências. “O Twitter é uma
coisa boa”, disse Musk para Roth. “É moralmente certo que ele exista. Essas
pessoas estão fazendo algo imoral.” Os usuários que estavam pressionando
anunciantes a boicotar o Twitter estavam fazendo chantagem, afirmou, e
deveriam ser banidos.
Roth ficou chocado. Não havia regras no Twitter contra a defesa de
boicotes. Isso era feito o tempo todo. Na verdade, era o tipo de defesa, na
opinião de Roth, que tornava o Twitter importante. Além disso, havia o
efeito Barbra Streisand, batizado em homenagem à cantora que processou
um fotógrafo por postar uma foto da casa dela, o que levou a foto a receber
uma atenção milhares de vezes maior. Banir tuítes que pediam por um
boicote de anunciantes ia chamar a atenção para o boicote. “Acho que hoje à
noite vou ter que me demitir”, disse Roth para o marido.
Depois de mandar algumas mensagens, Musk ligou para Roth. “É
injusto”, falou ele. “É chantagem.”
“Esses tuítes não violam nossas regras”, replicou Roth. “Se você os
remover, o tiro vai sair pela culatra.” A conversa durou quinze minutos e não
foi boa. Depois de Roth defender seu ponto de vista, Musk começou a falar
rápido, e ficou evidente que não queria objeções. Ele não ergueu a voz, o
que dava à raiva dele um aspecto ainda mais ameaçador. O lado autoritário
de Musk aborreceu Roth.
“Estou mudando as regras do Twitter neste instante”, declarou Musk.
“Chantagem passa a ser proibida neste momento. Acabe com isso. Remova
essas contas.”
“Vou ver o que eu consigo descobrir”, disse Roth a Musk. Roth estava
tentando ganhar tempo. “Eu estava, tipo, pensando que precisava encerrar
aquele telefonema”, lembra-se.
Roth ligou para Robin Wheeler, que tinha pedido demissão do cargo de
diretora comercial do Twitter e havia sido convencida por Musk e Jared
Birchall a voltar. “Você sabe como isso funciona”, disse Roth a ela. “Proibir
uma campanha de ativistas é o melhor jeito de divulgar a campanha.”
Wheeler concordou. “Não faça nada”, recomendou a Roth. “Vou mandar
uma mensagem para o Elon também, para que ele ouça a mesma coisa de
várias pessoas.
A próxima mensagem que Roth recebeu de Musk foi uma pergunta sobre
um assunto bem diferente: o que estava acontecendo com as eleições no
Brasil? “De repente, ele e eu estávamos interagindo normalmente de novo,
ele me perguntando coisas e eu respondendo”, conta Roth. Musk tinha
saído do modo demoníaco. A cabeça dele tinha passado para outros
assuntos, e ele nunca mais mencionou o boicote de anunciantes nem pediu
para saber se as ordens que dera tinham sido cumpridas.
Henry Kissinger certa vez citou um assessor que teria dito que o
escândalo de Watergate aconteceu “porque algum imbecil entrou no Salão
Oval e fez o que Nixon o mandou fazer”. As pessoas no entorno de Musk
sabiam como atravessar os períodos demoníacos de Musk. Posteriormente,
Roth descreveu o episódio numa conversa com Birchall. “Sim, sim, sim”,
disse Birchall a ele. “Isso acontece com o Elon. É só ignorar e não fazer o
que ele mandar. Depois, volte quando ele tiver processado o que as pessoas
disseram.”

Contas verificadas com selo azul


Assinaturas eram uma parte fundamental dos planos de Musk para o
Twitter. Ele chamou o projeto de Twitter Blue. Já existiam selos azuis para
indicar contas verificadas, selos estes disponibilizados para celebridades e
autoridades que passavam por um processo (ou mexiam os pauzinhos) para
fazer com que o Twitter os visse como significativos o suficiente. A ideia de
Musk era criar uma marca de verificação para qualquer um disposto a pagar
uma taxa mensal. Jason Calacanis e outras pessoas comentaram que seria
elitista ter verificações diferentes para os considerados “notáveis” e os que
pagassem, por isso Musk decidiu que ambas as categorias receberiam o selo
azul.
O Twitter Blue serviria a muitos propósitos. Primeiro, ajudaria a acabar
com as fábricas de trolls e os exércitos de bots, já que seria permitida apenas
uma conta verificada por número de cartão de crédito e celular. Em segundo
lugar, seria uma nova fonte de renda. Isso também incluiria no sistema
informações sobre o cartão de crédito do usuário, possibilitando que o
Twitter um dia se tornasse a plataforma de serviços financeiros e
pagamentos mais ampla que Musk vislumbrava. Além disso, também
poderia ajudar a resolver problemas de discurso de ódio e fraudes.
Musk pediu que o novo sistema estivesse pronto no dia 7 de novembro,
segunda-feira. Eles conseguiram concluir a parte de engenharia, mas antes
mesmo do lançamento perceberam que havia um problema humano:
milhares de engraçadinhos, trapaceiros e provocadores estariam em busca de
meios para burlar o sistema de verificação, conseguir um selo e depois
modificar os respectivos perfis para fingir ser outra pessoa. Roth apresentou
um memorando de sete páginas no qual descrevia os perigos. Ele pediu que
a nova funcionalidade fosse adiada para pelo menos depois das eleições
legislativas de 8 de novembro nos Estados Unidos.
Musk compreendeu a questão e concordou com um adiamento de dois
dias. Ele reuniu a gerente de produtos, Esther Crawford, e vinte
engenheiros em torno da mesa dele de reuniões ao meio-dia de 7 de
novembro para enfatizar a importância de impedir que as pessoas
manipulassem o Twitter Blue. “Vai haver um ataque gigantesco”, alertou ele.
“Vai haver uma enxurrada de gente ruim testando as defesas. Eles vão tentar
fingir que são Elon Musk e outras pessoas e depois procurar a imprensa, que
vai querer nos destruir. Vai ser a Terceira Guerra Mundial por causa dos
selos de verificação. Por isso, temos que fazer tudo que for possível para que
isso não dê merda.” Quando um dos engenheiros tentou falar de outro
assunto, foi silenciado por Musk. “Nem pensem nisso agora”, disse Musk.
“Só existe uma prioridade: impedir a inundação de usuários tentando fingir
ser outras pessoas.”
Um problema é que isso exigiria, além de linhas de código, atuação de
humanos. Musk tinha demitido 50% da equipe e 80% dos terceirizados que
verificavam os usuários. Antonio Gracias, que esperava reduzir o orçamento,
tinha mandado Roth diminuir drasticamente os gastos com moderadores.
Quando o Twitter Blue entrou em funcionamento na manhã de quarta-
feira, 9 de novembro, o problema de usuários se passando por outras pessoas
foi tão grave quanto Musk e Roth tinham temido. Houve um tsunami de
contas falsas com selos de verificação fingindo ser políticos famosos e, pior
ainda, grandes anunciantes. Um deles, fingindo ser a farmacêutica Eli Lilly,
tuitou: “Estamos felizes em anunciar que a partir de agora a insulina será
gratuita.” O preço das ações da empresa caiu mais de 4% em uma hora.
Alguém fingindo ser a Coca-Cola disse: “Se essa mensagem for retuitada
mil vezes vamos colocar cocaína de volta na Coca-Cola.” (Mais de mil
pessoas retuitaram, mas a Coca-Cola não mudou a fórmula.) Um impostor
fingindo ser a Nintendo postou uma imagem do Mario mostrando o dedo
do meio. Nem a Tesla foi poupada. “Nossos carros não respeitam o limite de
velocidade perto das escolas. Danem-se as crianças”, dizia o tuíte de uma
conta verificada que fingia ser a Tesla. Outra tuitou: “URGENTE: Um
segundo Tesla atingiu o World Trade Center.”
Por algumas horas, Musk continuou insistindo, criando novas regras e
fazendo ameaças aos impostores. Entretanto, no dia seguinte, ele decidiu
suspender todo o experimento do Twitter Blue por algumas semanas.

Volta ao trabalho
À medida que o lançamento do Twitter Blue se transformava num desastre
nível Hindenburg, Musk entrou no modo crise. Às vezes crises dão energia
a ele. Deixam Musk feliz e empolgado — mas não daquela vez. Na quarta e
na quinta-feira ele ficou sombrio, irritado, ressentido e grosseiro.
Parte disso era por causa da situação financeira — cada vez pior — do
Twitter. Quando Musk fez a oferta de compra em abril, o Twitter
basicamente empatava receitas e despesas. Ocorre, contudo, que no
momento, além da redução das receitas de publicidade, a empresa precisava
pagar os juros de uma dívida de mais de 12 bilhões de dólares. “Esse é um
dos quadros financeiros mais apavorantes que eu já vi”, disse Musk. “Acho
que podemos ter um déficit de mais de 2 bilhões de dólares ano que vem.”
Para poder virar o jogo no Twitter, ele vendeu mais 4 bilhões de dólares em
ações da Tesla.
Na noite daquela quarta-feira, Musk enviou um e-mail para o pessoal do
Twitter. “Não há como dourar a pílula”, começou. “Francamente, o cenário
econômico diante de nós é catastrófico.” Como já tinha feito antes na Tesla
e na SpaceX, e inclusive na Neuralink, ele ameaçou fechar a empresa, até
mesmo declarar falência, se as coisas não melhorassem. Para ter sucesso
seria necessária uma mudança completa na cultura suave, tranquila e
boazinha da empresa. “A estrada que temos pela frente é árdua e vai exigir
trabalho intenso.”
Acima de tudo, isso significava reverter a política do Twitter, anunciada
por Jack Dorsey no começo da pandemia e reafirmada por Parag Agrawal
em 2022, de que os funcionários poderiam trabalhar de casa para sempre.
“O trabalho remoto não é mais permitido”, declarou Musk. “A partir de
amanhã, todos precisam estar no escritório por pelo menos quarenta horas
por semana.”
A nova política era parcialmente motivada pela crença de Musk de que,
com todos juntos no escritório, o fluxo de ideias e de energia era facilitado.
“As pessoas são muito mais produtivas quando estão pessoalmente no
trabalho, porque a comunicação é muito melhor”, disse ele numa reunião
com funcionários convocada às pressas na cafeteria do nono andar. Mas a
política também resultava da ética de trabalho pessoal de Musk. Quando
um dos funcionários na reunião perguntou por que era preciso ir ao
escritório se a maior parte das pessoas com quem eles interagiam estava em
outras cidades, Musk se irritou. “Vou ser absolutamente claro”, começou ele,
falando devagar e sem alterar o tom de voz. “Se as pessoas não voltam para
o escritório quando elas podem estar no escritório, elas não podem
continuar na empresa. Ponto final. Se você pode ir trabalhar no escritório e
não aparece, sua demissão foi aceita. Ponto final.”

A questão da Apple
Além dos problemas com os impostores, Yoel Roth percebeu que havia
outro problema com o Twitter Blue: a Apple. O plano de Musk era que os
usuários logassem em seus iPhones usando o aplicativo do Twitter. O
Twitter receberia os 8 dólares e de quebra ficaria com os dados que a Apple
solicitava para verificar o usuário, como o nome e outras informações,
incluído, Musk presumiu, o número de cartão de crédito. “O problema é
que ninguém se deu ao trabalho de perguntar para a Apple se eles topavam
compartilhar essa informação”, diz Roth.
A Apple tinha uma política rigorosa com aplicativos. Ela recebia uma
taxa de 30% de qualquer pagamento feito por um aplicativo ou por compras
feitas por meio de um app. O que era ainda mais oneroso: a Apple não
compartilhava dados de usuários. Qualquer serviço que tentasse violar essas
regras seria retirado da App Store da Apple. A política tinha como
justificativa questões de privacidade e segurança. Se você fazia uma compra
pelo seu iPhone, a Apple mantinha seus dados e as informações de seu
cartão de crédito em sigilo.
“Isso não vai funcionar”, disse Roth quando conseguiu falar com Elon ao
telefone. “A premissa fundamental do Twitter Blue não funciona com o
iPhone.”
Musk se irritou. Embora compreendesse as políticas da Apple, havia
presumido que o Twitter poderia trabalhar em parceria com eles. “Você
falou com alguém na Apple?”, perguntou. “Ligue para a Apple e mande eles
darem os dados de que você precisa.”
Roth ficou surpreso. Se um funcionário de nível intermediário como ele
ligasse para a Apple e pedisse que mudassem a política sobre privacidade de
informação, eles iriam, nas palavras de Roth, “mandar eu me foder”.
Musk insistiu que o problema era contornável. “Se eu precisar ligar para a
Apple, eu ligo para a Apple”, disse. “Ligo para o Tim Cook, se for o caso.”

Yoel Roth se demite


Essa conversa foi a gota d’água para Roth. O modelo de negócios do
Twitter Blue estava correndo riscos se levados em consideração os limites
impostos pela Apple. A questão dos impostores com selo azul de verificação
era algo impossível de controlar de imediato porque Musk tinha demitido a
maior parte dos moderadores humanos. As explosões autoritárias dele
continuavam a aborrecer Roth. E Musk estava exigindo uma lista de mais
pessoas para serem demitidas.
Roth havia dito para si mesmo que ficaria até as eleições de meio de
mandato, que aconteceriam no dia 8 de novembro, e elas tinham
transcorrido em paz. No fim do telefonema com Musk, decidiu que era hora
de partir. Por isso, enquanto Musk reunia-se com os funcionários na
cafeteria do nono andar, Roth estava no décimo andar escrevendo a carta de
demissão.
Ele fez uma breve videoconferência para informar parte de sua equipe,
apertou o botão de “enviar” e saiu às pressas do prédio porque não queria ser
expulso pela segurança. Assim que soube da notícia, Musk ficou
genuinamente decepcionado. “Uau, não achei que ele fosse fazer isso com a
gente”, disse.
Quando Roth estava atravessando a Bay Bridge em direção a Berkeley, o
celular começou a vibrar. A notícia tinha vazado. “Não atendi enquanto
dirigia, porque sou um motorista muito nervoso, mesmo nos meus melhores
dias”, diz ele. Ao chegar em casa e ver o celular, havia uma mensagem de
Yoni Ramon: “Podemos conversar?” Outras mensagens semelhantes
chegaram de Alex Spiro e Jared Birchall.
Ele ligou para Birchall, o qual disse que Musk estava muito
decepcionado e esperava que Roth reconsiderasse. “Tem alguma coisa que a
gente possa fazer para convencer você a voltar?”, perguntou Birchall. Eles
conversaram por meia hora, e Birchall explicou como lidar com os
momentos em que Musk entra no modo demoníaco. Roth disse que já havia
se decidido, mas estava disposto a ter uma conversa amigável com Musk
como uma entrevista demissional. Ele almoçou, esboçou o que queria dizer
e às cinco e meia mandou uma mensagem para Musk: “Estou disponível
para conversar.”
Musk ligou na mesma hora. Durante a maior parte da conversa, Roth
mencionou pontos que ele considerava mudanças imprescindíveis para o
Twitter. Musk então perguntou diretamente: “Você consideraria voltar?”
“Não, essa não é a decisão certa para mim”, respondeu Roth.
Os sentimentos que Roth nutria por Musk eram complexos. A maioria
das interações deles tinha sido boa. “Ele era uma pessoa razoável, divertida,
envolvente e falava sobre a visão dele de um modo que era meio conversa
fiada, mas que basicamente fazia você se sentir inspirado”, comenta Roth. E
então vinham os momentos em que Musk mostrava um lado autoritário,
cruel, sombrio. “Ele passava a ser o Elon mau, e era esse Elon que eu não
suportava.”
“As pessoas querem que eu diga que detesto Musk, mas é muito mais
complicado, e imagino que é isso que o torna tão interessante. Ele é meio
idealista, certo? Tem visões grandiosas, seja sobre a humanidade
multiplanetária, seja sobre energia renovável, e até mesmo a liberdade de
expressão. E ele construiu para si mesmo um universo moral e ético que tem
como foco alcançar essas grandes metas. Acho que isso torna difícil fazer
dele um vilão.”
Roth não pediu dinheiro nem benefícios na rescisão. “Eu só desejava sair
enquanto minha reputação estava intacta e eu ainda era empregável”, diz,
melancólico. Ele também queria estar em segurança. Roth foi vítima de
ameaças de morte assustadoras com viés antissemita e homofóbico quando o
New York Post e outros veículos escreveram sobre os tuítes antigos postados
por ele, os quais apoiavam os democratas e criticavam Trump. “Eu tinha
receio de que, caso Elon e eu acabássemos brigando, ele pudesse tuitar
coisas ruins sobre mim e me chamar de esquerdalha, e então as centenas de
milhões de seguidores dele, alguns dos quais podem ser violentos,
começassem a vir atrás de mim e da minha família.” Roth assumiu um tom
lamentoso enquanto falava de suas preocupações. “O que o Elon não
entende”, disse no fim da nossa conversa, “é que as demais pessoas não têm
uma equipe de seguranças como ele tem”.

Desespero
Depois da demissão de Roth e da implosão do Twitter Blue, Musk fez uma
videoconferência num fim de noite com Franz von Holzhausen e os demais
integrantes da equipe que estava projetando o Robotáxi na Tesla. Antes que
eles tivessem a chance de começar a mostrar as novas versões do carro,
Musk desabafou sobre suas frustrações no Twitter. “Não sei por que eu fiz
isso”, disse, parecendo cansado e abatido. “O juiz basicamente disse que eu
tinha que comprar o Twitter, ou então... E agora eu estou tipo, ok, merda.”
Fazia exatamente duas semanas que Musk tinha concluído a compra.
Desde então, estivera trabalhando em tempo integral na sede do Twitter
enquanto fazia malabarismo com o trabalho na Tesla, na SpaceX e na
Neuralink. A reputação dele estava sendo destruída, e a empolgação pelo
drama do Twitter tinha dado lugar à dor. “Espero em algum momento sair
desse inferno em que o Twitter me colocou”, disse ele, prometendo tentar
retornar a Los Angeles para fazer uma reunião presencial sobre o Robotáxi.
Von Holzhausen tentou tratar do design superfuturista que eles tinham
desenvolvido para o Robotáxi, mas Musk voltou à situação do Twitter. “Se
vocês querem saber como é a cultura do Twitter, imaginem a pior situação
possível e depois multipliquem por dez”, falou Musk. “O grau de preguiça e
de indulgência aqui é uma coisa de doido.”
Mais tarde, Musk deu uma entrevista por vídeo para uma conferência
sobre negócios na Indonésia. O mediador perguntou que conselho ele daria
para alguém que quisesse ser o próximo Elon Musk. “Eu diria: tome
cuidado com o que você deseja”, respondeu Musk. “Não tenho certeza se as
pessoas realmente gostariam de ser quem eu sou. O grau de tortura que eu
imponho a mim mesmo é impressionante, para ser franco.”
capítulo 87
Apostando tudo
Twitter, 10 a 18 de novembro de 2022

Christopher Stanley, à direita, tirando uma sel e com Musk e engenheiros depois
de um hackathon (acima); Ross Nordeen e James Musk (abaixo)
De mudança
O lançamento do Twitter Blue, o qual Musk achou que seria o elixir para
salvar a empresa, estava então suspenso e o colapso das vendas de anúncios
não dava sinais de diminuição. Novas rodadas de demissões que reduziriam
mais a equipe estavam sendo planejadas. Os que permanecessem teriam que
ser tão maníacos quanto os engenheiros da Tesla e da SpaceX. “Acredito
muito na ideia de que um pequeno número de pessoas excepcionais muito
motivadas pode se sair melhor que um grande número de pessoas que são
muito boas e moderadamente motivadas”, disse Musk para mim no fim
daquela dolorosa segunda semana no Twitter.
Se queria que os sobreviventes do Twitter fossem hardcore, Musk teria
que mostrar quão hardcore ele podia ser. Ele havia dormido no chão do
primeiro escritório na Zip2 em 1995. Havia dormido no telhado da fábrica
de baterias da Tesla em Nevada em 2017. Havia dormido debaixo da mesa
dele na montadora de Fremont em 2018. Não porque tivesse sido realmente
necessário; fazia isso porque era da natureza dele amar o drama, a urgência e
o sentimento de que era um general em guerra capaz de motivar suas tropas
para a batalha. Agora chegara o momento de dormir na sede do Twitter.
Quando voltou de uma viagem de fim de semana a Austin no fim da
noite de domingo, 13 de novembro, Musk foi direto para o escritório do
Twitter e tomou posse de um sofá na biblioteca do sétimo andar. Steve
Davis, seu principal faz-tudo, havia ido para o Twitter com o propósito de
supervisionar a redução de custos. Junto com a esposa, Nicole Hollander, e
o filho de 2 meses, Davis se mudou para a sala de conferências próxima. A
sede confortável do Twitter tinha chuveiros, uma cozinha e uma sala de
jogos. Eles brincavam que era tudo muito luxuoso.

Segundo round
Enquanto voava até São Francisco naquele domingo à noite, Musk ligou
para o primo James e disse que ele e o irmão, Andrew, precisavam se
apresentar e encontrá-lo no Twitter quando ele, Musk, chegasse. Era
aniversário de Andrew e eles tinham saído com amigos para jantar. Mas
ambos foram. “As pessoas na empresa estavam postando merda sobre o
Elon, e ele disse que precisava de alguns de nós em quem pudesse confiar”,
diz James.
Ross Nordeen, o terceiro mosqueteiro, já estava lá. Ele tinha passado o
fim de semana todo na sede, revisando o código dos engenheiros do Twitter
para ver quem era bom e quem era ruim. Depois de sobreviver basicamente
à base de bolachas salgadas por duas semanas, o corpo magro parecia
esquelético. Naquele domingo, ele dormiu na sala de jogos da empresa, no
quinto andar. Quando acordou na segunda de manhã e ouviu que Musk
queria fazer mais cortes grandes, o estômago dele se revirou. “Eu me senti
um merda com a ideia de demitir mais 80% da empresa.” Ele foi ao
banheiro e vomitou. “Só acordei e botei tudo para fora”, diz. “Nunca tinha
feito isso antes.”
Ross foi até o apartamento para tomar banho e pensar nas coisas. “Saí e
senti que não queria estar ali naquele momento”, conta. Ao meio-dia,
porém, ele decidiu que não iria abandonar o time, então voltou. “Eu não
queria deixar o James na mão.”

***

Os mosqueteiros, junto com Dhaval Shroff e outros jovens leais, montaram


uma sala de guerra, conhecida como “a estufa”, num recinto sem janelas
sufocante do décimo andar, perto da grande sala de conferências que Musk
estava então usando. Eles percebiam o ressentimento de muitos dos
funcionários do Twitter, que os haviam apelidado de “esquadrão de
capangas”. No entanto, um pequeno grupo de engenheiros dedicados do
Twitter, como Ben San Souci, queria ser parte da nova tropa e se juntou ao
grupo de mosqueteiros no espaço de trabalho aberto do andar.
Musk se encontrou com os mosqueteiros no início da tarde. “Isso aqui é
um show de horrores”, disse. “Vai ser uma surpresa se houver trezentos
engenheiros excelentes nesta empresa.” Eles precisavam cortar na carne, o
que significava demitir mais quase 80%.
Houve alguma resistência. A Copa do Mundo estava próxima, assim
como o feriado de Ação de Graças e as principais datas de vendas. “Não
podemos correr o risco de cair”, disse Yoni Ramon. James concordou. “Senti
que aquilo poderia ser ruim”, relata ele. Musk se irritou. Estava convencido
de que cortes profundos ainda eram necessários.
Os engenheiros que ficaram, disse ele, tinham que atender aos três
critérios: ser excelentes, confiáveis e motivados. O primeiro round de cortes,
feito na semana anterior, havia sido planejado para tirar os que não eram
excelentes. Eles concordaram que a próxima prioridade era identificar e
demitir os que não eram confiáveis, ou, mais especificamente, os que não
pareciam leais por completo a Musk.
A equipe começou a examinar as mensagens no Slack e as postagens em
redes sociais de funcionários do Twitter, focando nos que apresentavam alto
acesso aos repositórios de código. “Ele nos disse para encontrar pessoas que
pudessem estar descontentes ou fossem uma ameaça”, diz Dhaval. Eles
procuraram por palavras-chave, entre elas, “Elon”, no canal público do
Slack. Musk ficou com eles na estufa, brincando com as coisas que estavam
vendo.
Havia momentos ocasionais de diversão. Eles depararam com uma lista
de palavras que eram automaticamente vetadas dos trending topics do
Twitter. Quando chegaram ao termo “hambúrguer de cocô”, Musk começou
a rir tanto que caiu no chão, sem fôlego. Entretanto, algumas das mensagens
que eles encontraram, incluídas ameaças de vingança, viraram motivo de
paranoia. “Um cara literalmente escreveu um comando que poderia derrubar
todo o data center. Ele disse: ‘O que será que ia acontecer se eu rodasse
isso?’”, conta James. “O cara postou isso.” Eles cortaram o acesso da pessoa
imediatamente e a demitiram.
As mensagens que eles leram eram principalmente as da parte pública do
Slack, mas isso ainda assim incomodou Ross, que estava se recuperando do
mal-estar matutino. “Parecia que estávamos violando a privacidade e a
liberdade de expressão e essas coisas todas”, disse ele depois. “Eles tinham
uma cultura de criticar os chefes.” Andrew, que assim como James era muito
sensível a preocupações com privacidade, falou que eles não olharam
mensagens privadas. “Você tem que encontrar um equilíbrio em uma
empresa”, diz. “Até onde você permite a divergência?”
Musk não compartilhava esses escrúpulos. A liberdade de expressão
irrestrita não se estendia ao local de trabalho. Ele mandou erradicarem as
pessoas que estavam fazendo comentários muito sarcásticos. Musk queria
livrar a força de trabalho da negatividade. A equipe trabalhou até depois da
meia-noite e entregou uma lista de três dúzias de descontentes. “Quer
conversar com essas pessoas e mostrar o que elas disseram?”, perguntou
James. Musk respondeu que não. Elas seriam demitidas. E foram.

Sim ou não?
A característica seguinte que Musk queria filtrar — depois de excelência e
confiabilidade — era motivação. Em sua vida inteira ele havia sido hardcore
e gostava de apostar tudo. Era uma questão de honra para ele. Musk
desprezava pessoas bem-sucedidas que gostavam de tirar férias.
James e Ross passaram a terça-feira pensando em maneiras de
determinar quais funcionários eram realmente motivados. Então eles viram
um post que alguém fez no Slack. “Por favor, me deixe sair com indenização
e eu saio”, dizia o texto. Eles perceberam que podiam confiar na
autosseleção. Algumas pessoas ficariam felizes em trabalhar até tarde e nos
fins de semana, mas outras, compreensivelmente, não gostavam da ideia e
não estavam constrangidas em admitir isso.
James e Ross perceberam que as pessoas estavam dispostas a declarar de
qual grupo faziam parte, e na verdade faziam isso com orgulho. Por isso,
sugeriram a Musk dar a oportunidade para que os funcionários optassem
por não fazer parte do novo Twitter hardcore. Ele gostou da ideia, e Ross
projetou um formulário simples com um botão em que os funcionários
poderiam clicar para assinalar que queriam sair em bons termos e receber na
rescisão o acréscimo de três meses de salário. “Estávamos superanimados”,
disse James. “Não teríamos que fazer todas aquelas demissões extras.”
Algumas horas depois, Musk saiu de uma reunião e entrou na estufa
sorrindo. “Tive uma grande ideia”, falou. “Vamos inverter. Não faça o botão
para sair. Em vez disso, faça para ficar. Queremos que pareça a expedição de
Shackleton. Queremos pessoas que se declarem hardcore.”
Mais tarde naquela noite, Musk voou até Delaware para depor em um
processo dos acionistas que questionava o pacote de remuneração da Tesla.
Pouco antes das quatro da manhã, pelo fuso da Costa Leste, ele testou o
link de adesão no avião, tornando-se a primeira pessoa a dizer sim para as
novas expectativas do Twitter. Então ele mandou um e-mail para todos os
funcionários:

De: Elon Musk


Assunto: Uma bifurcação no caminho
Data: 16 de novembro de 2022

Daqui para a frente, para construir um Twitter 2.0 inovador e ter sucesso
em um mundo cada vez mais competitivo, precisaremos ser
extremamente hardcore. Isso significa trabalhar muito e em alta
intensidade...
Se você tem certeza de que quer ser parte do novo Twitter, clique, por
favor, em “Sim” no link abaixo. Qualquer um que não fizer isso até as
cinco da tarde de amanhã (quinta-feira) vai receber uma rescisão com o
acréscimo de três meses de salário.

James e Ross ficaram acordados a noite toda acompanhando os resultados


chegarem. Eles fizeram apostas. Quantos diriam sim? James achava que
seriam 2 mil dos aproximadamente 3.600 funcionários restantes. Ross
apostou que seriam 2.150. Musk fez uma aposta mais baixa: 1.800
escolheriam ficar. No fim das contas, 2.492 disseram sim, uma parcela
surpreendentemente alta de 69% da força de trabalho. O assistente de Musk
Jehn Balajadia distribuiu Red Bulls batizados com vodca para comemorar.

Revisões de código
Naquela quinta-feira à noite, uma mensagem meio alarmante foi enviada
para os funcionários do Twitter. No dia seguinte — sexta-feira, 18 de
novembro —, os escritórios do Twitter seriam fechados e o acesso via cartão
ficaria suspenso até segunda-feira. O decreto surgiu por causa da
preocupação de segurança com a possibilidade de que as pessoas que tinham
acabado de ser demitidas ou escolhido sair pudessem tentar sabotar as
coisas. Musk, contudo, ignorou o e-mail. Depois de trabalhar até a uma da
manhã de sexta-feira, ele mandou uma mensagem contraditória: “Qualquer
um que realmente programe, por favor, se apresente no décimo andar às
duas da tarde de hoje.” Um pouco depois, ele acrescentou: “Por favor, esteja
preparado para fazer revisões breves de código enquanto eu circulo pelo
escritório.”
Era confuso. Um engenheiro de Boston era a única pessoa restante na
equipe responsável por armazenar dados importantes. Ele temia que, se
entrasse em um avião, o sistema pudesse cair enquanto ele estivesse voando
de um extremo a outro do país e ele não tivesse como consertar. Também
temia que, se não fosse até lá, pudesse ser demitido. Então pegou um voo
para São Francisco.
Às duas da tarde, quase trezentos engenheiros haviam conseguido chegar
à sede, alguns carregando malas, apesar de não saber se as viagens seriam
reembolsadas. Musk, porém, permaneceu em reunião a tarde toda e os
ignorou. Não havia comida, e às seis horas os engenheiros não estavam só
irritados, mas com fome, por isso Andrew e o diretor de engenharia de
segurança, Christopher Stanley, saíram e compraram caixas de pizza. “O
clima começou a ficar tenso, e acho que o Elon os fez esperar de propósito”,
diz Andrew. “A pizza acalmou a situação.”
Quando Musk finalmente apareceu, às oito da noite, deu início ao que
chamou de “ficar do lado da mesa”, parando em cada estação de trabalho
dos jovens engenheiros e revisando os códigos em que eles trabalhavam. As
sugestões, disseram depois, às vezes eram boas e outras vezes, rasas.
Frequentemente envolviam maneiras de simplificar o processo. Musk
também ficou ao lado deles no quadro magnético, onde os engenheiros
desenhavam a arquitetura do sistema do Twitter. Musk os encheu de
perguntas. Por que a busca é ruim? Por que os anúncios são tão irrelevantes
para os interesses do usuário? Já havia passado da uma da manhã quando ele
pegou X e foi embora.
capítulo 88
Hardcore
Twitter, 18 a 30 de novembro de 2022

James Musk e Ben San Souci


Reintegrações
“Kathy Griffin, Jordan Peterson & Babylon Bee foram reintegrados”, tuitou
Musk naquela tarde de sexta-feira, 18 de novembro. “A decisão sobre
Trump ainda não foi tomada.” Com Yoel Roth e outros guardiões fora de
cena, ele unilateralmente decidiu encerrar o veto não apenas ao Bee e a
Peterson, como também à comediante progressista Kathy Griffin, que havia
criado uma conta fingindo ser Musk e tuitado declarações em que fazia
paródia dele.
Ao fazer as reintegrações, Musk anunciou a política de “filtro de
visibilidade” que ele e Roth haviam criado. “A nova política do Twitter é a
liberdade de expressão, mas não liberdade de alcance”, escreveu. “Tuítes
negativos/de ódio vão ter o máximo de não impulsionamento e serão
desmonetizados, de modo que não haverá anúncios ou outras receitas para o
Twitter. Você só vai encontrar o tuíte se procurar especificamente por ele.”
Ele definiu que o limite era Alex Jones, o teórico da conspiração que
alegou ter sido um “enorme boato” o tiroteio de 2012 na Escola de Ensino
Fundamental de Sandy Hook. Musk disse que Jones ia permanecer banido.
“Meu primeiro filho morreu nos meus braços”, tuitou Musk. “Senti a última
batida do coração dele. Não tenho pena de ninguém que use a morte de
crianças para obter vantagens financeiras, por política ou por fama.”
Já Ye seguia dando a Musk lições sobre as complexidades da liberdade de
expressão. Ele apareceu no podcast de Alex Jones e declarou: “Amo Hitler.”
Depois, postou no Twitter uma foto de Musk de sunga recebendo um
banho de mangueira de Ari Emanuel, que deixava implícita a mensagem de
que Musk seria controlado pelos judeus, num recado claramente
antissemita. “Este ficará marcado para sempre como o meu último tuíte”,
escreveu Ye, postando em seguida uma suástica dentro de uma estrela de
Davi.
“Fiz o melhor que pude”, anunciou Musk. “Apesar disso, Ye violou de
novo nossa regra contra a incitação à violência. A conta será suspensa.”
Restava a dúvida sobre promover ou não a reintegração da conta de
Donald Trump. “Quero evitar as disputas idiotas sobre Trump”, disse Musk
para mim semanas antes, enfatizando que o princípio dele sempre foi o de
garantir a liberdade de expressão dentro dos limites da lei. “Se ele está
envolvido em atividade criminosa — e cada vez mais parece que está —, isso
não é aceitável”, comentou Musk. “Subverter a democracia não é liberdade
de expressão.”
Em 18 de novembro — a sexta-feira em que ele havia convocado os
programadores para revisões de código —, Musk estava mal-humorado e
pronto para voltar atrás em decisões que ele mesmo havia tomado. James e
seus mosqueteiros estavam tentando desesperadamente manter o Twitter
funcionando, apesar da partida repentina de centenas de engenheiros e do
aumento de tráfego causado por vídeos da Copa do Mundo. A última coisa
que eles queriam era outro golpe no sistema. Foi quando Musk saiu de uma
reunião em sua sala de paredes de vidro com Robin Wheeler, o qual havia
permanecido como chefe de vendas de anúncios do Twitter, e mostrou para
James e Ross o iPhone. “Olhem o que acabei de tuitar”, falou Musk com
um sorriso travesso.
Era a seguinte enquete: “Devo reintegrar o ex-presidente Trump? Sim /
Não.” Além da questão de suspender o veto a Trump e de permitir que uma
pesquisa on-line gratuita para todos tomasse a decisão, havia um problema
de engenharia. Fazer uma enquete com milhões de votos que precisavam ser
tabulados instantaneamente e povoar em tempo real o feed dos usuários
poderia provocar uma pane nos servidores insuficientes do Twitter. No
entanto, Musk adorava correr riscos. Ele queria ver qual a velocidade
máxima que um carro podia atingir, o que acontecia quando você pisava no
acelerador até o fim, quão perto do sol era possível chegar. James e Ross
disseram que estavam “se borrando de medo”, mas Musk parecia alegre.
Quando a enquete acabou no dia seguinte, mais de 15 milhões de
usuários haviam votado. O resultado foi apertado: 51,8% a favor e 48,2%
contra reintegrar Trump. “O povo se manifestou”, declarou Musk. “Trump
será reintegrado. Vox populi, Vox dei.”
Perguntei, logo em seguida, se ele sabia de antemão qual seria o resultado
da enquete. Musk disse que não. E se o resultado fosse outro, ele manteria
Trump fora? Sim. “Não sou fã do Trump. Ele é disruptivo. É o campeão
mundial da mentira.”
Terceiro round
Em uma reunião com Musk naquela tarde de sexta-feira, a chefe de vendas
de anúncios, Robin Wheeler, disse que estava se demitindo. Ela tentara
fazer isso uma semana antes, ao mesmo tempo que Yoel Roth, mas Musk e
Jared Birchall a haviam convencido a ficar.
A maioria das pessoas, incluídos Ross e James, presumiu que a saída dela
era uma reação à decisão unilateral de Musk sobre as reintegrações e ao
lançamento da enquete para reintegrar Trump. Contudo, o que realmente
incomodou Wheeler era que Musk estava decidido a proceder a mais uma
rodada de demissões, e exigiu que ela fizesse uma lista de quem devia ir
embora. No início da semana, Wheeler havia argumentado com a
organização de vendas que eles deveriam dizer “sim” para um novo e mais
exigente Twitter. Agora ela teria que olhar algumas dessas mesmas pessoas
nos olhos, as que tinham dito sim, e dizer que elas estavam sendo demitidas.
Os alvos de demissões e desligamentos viviam mudando, a depender do
humor de Musk. Em dado momento, ele disse aos mosqueteiros que queria
reduzir a equipe de engenheiros programadores para cinquenta. Em outras
ocasiões naquela semana, afirmou que não estava preocupado com números
absolutos: “Só façam uma lista dos engenheiros muito bons e demitam os
outros.”
Para facilitar o processo, Musk determinou que todos os engenheiros de
software do Twitter mandassem para ele exemplos de código que tivessem
escrito recentemente. Durante o fim de semana, Ross trabalhou para que as
respostas fossem transferidas da caixa de entrada de Musk para a dele
própria, de modo que ele, James e Dhaval pudessem avaliar o trabalho.
“Tenho quinhentas mensagens na minha caixa de entrada”, disse Ross na
noite de domingo, cansado. “Temos que dar um jeito de revisar tudo hoje
para ver quais engenheiros devem ficar.”
Por que Musk estava fazendo isso? “Ele acredita que um pequeno grupo
de engenheiros generalistas muito bons pode fazer mais do que um grupo
regular centenas de vezes maior”, disse Ross. “Como um pequeno batalhão
de fuzileiros navais bem entrosados que é capaz de fazer coisas incríveis. E
acho que ele quer resolver isso logo, não quer ficar enrolando.”
Ross, James e Andrew se encontraram com Musk na manhã de segunda-
feira e apresentaram o critério que usaram para avaliar as respostas. Musk
aprovou o plano e desceu as escadas com Alex Spiro até o café, onde
convocou de última hora outra reunião com todos os funcionários.
Enquanto as pessoas entravam, ele perguntou o que deveria dizer se
perguntassem sobre demissões adicionais. Spiro sugeriu evitar o assunto,
mas Musk decidiu dizer que “não haveria mais demissões”. O raciocínio
dele era o de que as demissões do novo round seriam por “justa causa”,
porque o trabalho daquelas pessoas supostamente não era bom o suficiente,
não uma demissão para reduzir pessoal, o que daria a elas direito a um
generoso pacote de compensação. Ele estava fazendo uma distinção que a
maioria das pessoas não percebeu. “Não há mais reduções de equipe de
trabalho previstas”, declarou no início da reunião, e foi aplaudido.
Em seguida, ele se encontrou com uma dezena de jovens programadores
que haviam sido escolhidos por Ross e James pela excelência. Falar sobre
engenharia o relaxava, e ele os questionou sobre as maneiras de tornar o
upload de vídeos mais fácil, por exemplo. Musk disse a eles que no futuro as
equipes do Twitter seriam lideradas por engenheiros como eles em vez de
designers e gerentes de produto. Era uma mudança sutil. Refletia a crença
dele de que o Twitter deveria ser, no âmago, uma empresa de engenharia de
software, comandada por pessoas que entendem de programação, não uma
empresa de mídia e consumo, comandada por pessoas com especialização
em relacionamentos e desejos humanos.

Por que tão exigente?


O round final de demissões aconteceu na véspera do Dia de Ação de
Graças. “Olá, com base no último exercício de revisão de código, a
conclusão foi a de que o seu trabalho não é satisfatório, e lamentamos
informar que seu contrato de trabalho com o Twitter será encerrado
imediatamente.” Cinquenta engenheiros foram demitidos, e os respectivos
senhas e acessos foram imediatamente revogados.
As três rodadas de demissões e dispensas haviam sido tão aleatórias e
espaçadas que era difícil calcular o número total. Quando a poeira assentou,
cerca de 75% dos funcionários do Twitter haviam sido demitidos. No dia
em que Musk assumiu a empresa, em 27 de outubro, eram pouco menos de
8 mil funcionários. Em meados de dezembro, restavam pouco mais de 2
mil.
Musk havia realizado uma das maiores mudanças de cultura corporativa
já feitas. O Twitter tinha deixado de ser um dos locais de trabalho mais
acolhedores, cheio de refeições orgânicas, estúdios de ioga, dias de descanso
remunerados e preocupação com “segurança psicológica”, e se tornara o
extremo oposto disso. Musk não fez isso só por causa do custo; ele preferia
um ambiente fragmentado e bruto, em que guerreiros raivosos sentiam
medo psicológico em vez de se sentirem à vontade.
Às vezes isso significava que Musk quebrava coisas, e parecia que ele
podia acabar fazendo isso com o Twitter. A hashtag #twitterdeathwatch
começou a ganhar destaque. Especialistas em tecnologia e mídia escreviam
despedidas para o serviço, presumindo que ele iria desaparecer a qualquer
momento. Até mesmo Musk admitiu, rindo, ter achado que a rede poderia
entrar em colapso. Ele me mostrou um gif de uma lata de lixo rolando
ladeira abaixo em chamas e admitiu: “Há dias em que acordo e abro o
Twitter para ver se ainda está funcionando.” Contudo, todas as manhãs,
quando ele conferia, o Twitter estava funcionando. A rede aguentou um
tráfego recorde durante a Copa do Mundo. Mais do que isso, com o núcleo
de engenheiros motivados, começou a inovar e acrescentar recursos mais
rápido do que antes.
Zoë Schiffer, Casey Newton e Alex Heath, do e Verge e da New York
Magazine, haviam escrito reportagens bem apuradas, preocupantes, sobre os
bastidores da confusão no Twitter. Eles mostraram como Musk tinha
rompido “a cultura empresarial que transformou o Twitter em uma das redes
sociais mais influentes do mundo”, mas também destacaram que as previsões
mais catastróficas de muitos de seus colegas não se concretizaram”,
escreveram. “De certa maneira, as ideias de Musk foram confirmadas.” O
Twitter ficara menos estável, mas a plataforma sobreviveu e funcionava
mesmo com a maioria dos funcionários demitida. Musk havia prometido
encontrar o tamanho certo para uma empresa inchada, e naquele momento
operava com um número mínimo de funcionários.”
Não era sempre agradável de se ver. O método de Musk, como havia sido
desde o foguete Falcon 1, era iterar rápido, assumir riscos, ser brutal, aceitar
algumas chamas e, depois, tentar de novo. “Estávamos mudando os motores
enquanto o avião estava fora de controle”, diz ele sobre o Twitter. “É um
milagre termos sobrevivido.”

Visita à Apple
“A Apple parou de anunciar no Twitter”, tuitou Musk no fim de novembro.
“Por acaso eles odeiam a liberdade de expressão nos Estados Unidos?”
Naquela noite, Musk teve uma de suas conversas regulares com seu
mentor e investidor Larry Ellison, que morava a maior parte do ano em
Lanai, a ilha da qual era dono no Havaí. Ellison, que havia sido o mentor de
Steve Jobs, deu a Musk um conselho: não comece uma briga com a Apple.
Era a única empresa que o Twitter não tinha condições de afastar. A Apple
era um grande anunciante. Mais importante: o Twitter só sobreviveria se
continuasse disponível na App Store do iPhone.
De certa forma, Musk era como Steve Jobs, um capataz brilhante e
áspero, com um campo de distorção da realidade que podia levar os
funcionários à loucura, mas também a fazer coisas que achavam impossível
de ser feitas. Ele podia ser confrontador, tanto com colegas quanto com
concorrentes. Tim Cook, que assumiu a Apple em 2011, era diferente:
calmo, friamente disciplinado e desconcertantemente educado. Embora
pudesse ser duro quando havia justificativas para tanto, evitava confrontos
desnecessários. Enquanto Jobs e Musk pareciam atrair drama, Cook tinha
um instinto para desarmá-los. Ele tinha um senso moral firme.
“Tim não quer nenhuma animosidade”, disse a Musk um amigo em
comum. Não era o tipo de informação que geralmente tiraria Musk do
modo guerreiro, mas ele percebeu que entrar em guerra com a Apple não era
uma boa ideia. “Pensei: Bem, também não quero nenhuma animosidade”,
afirma Musk. “Então, tive a ideia de ir visitá-lo na sede da Apple.”
Havia outro incentivo. “Estava procurando uma desculpa para visitar a
sede da Apple porque ouvi dizer que era incrível”, comenta ele. O enorme
edifício circular, de vidro curvo feito sob medida, em volta de um lago, fora
projetado, sob a supervisão de Jobs, pelo arquiteto britânico Norman Foster,
o qual, na ocasião em que Musk manifestara o desejo de construir uma casa,
encontrara-se com ele em Austin para discutir o assunto.
Musk enviou um e-mail diretamente para Cook, e eles concordaram em
se reunir naquela quarta-feira. Quando Musk chegou à sede em Cupertino,
a primeira impressão da equipe da Apple era a de que ele parecia não dormir
havia semanas. Eles se dirigiram à sala de reuniões de Cook para um tête-à-
tête que durou pouco mais de uma hora. Começaram trocando histórias
horríveis sobre cadeia de suprimentos. Desde o fiasco com o processo de
produção do Roadster, Musk passou a ter uma compreensão profunda da
dificuldade de gerenciar a cadeia, e com razão considerava Cook um mestre.
“Acho que poucos seriam capazes de fazer um trabalho melhor do que
Tim”, diz.
Ao tratarem de publicidade, eles conseguiram diminuir a tensão. Cook
explicou que proteger a confiança na marca Apple era a principal prioridade.
A empresa não queria os anúncios dela em um lamaçal tóxico cheio de ódio,
desinformação e conteúdo não seguro. Mas prometeu que a Apple não iria
deixar de anunciar no Twitter nem tinha planos de tirar o Twitter de sua
loja de aplicativos. Quando Musk questionou os 30% que a Apple cobrava
de qualquer venda de aplicativo na App Store, Cook explicou como isso
baixou para 15% no decorrer do tempo.
Musk estava parcialmente tranquilizado, pelo menos naquele momento,
mas ainda havia a questão sobre a qual Yoel Roth o havia alertado: a falta de
disposição da Apple em compartilhar dados sobre compras ou informação
dos clientes. Isso dificultaria a visão de Musk de acrescentar serviços
financeiros da X.com ao Twitter. Era um assunto que estava sendo discutido
nos tribunais norte-americanos e pelos reguladores na Europa, e Musk
decidiu não forçar o assunto na reunião com Cook. “Essa é uma batalha
futura que teremos que enfrentar”, diz ele, “ou pelo menos uma conversa
que Tim e eu precisamos ter”.
Quando a reunião acabou, Cook levou Musk para os damasqueiros e o
lago sereno no meio do campus circular que Jobs havia vislumbrado. Musk
pegou o iPhone para gravar um vídeo. “Obrigado, @tim_cook, por me
mostrar a linda sede da Apple”, tuitou ele assim que voltou para o carro.
“Resolvemos o desentendimento sobre o Twitter poder ser tirado da App
Store. Tim afirmou claramente que a Apple nunca cogitou isso.”
capítulo 89
Milagres
Neuralink, novembro de 2022

Um slide que mostra o objetivo, e Jeremy Barenholtz


Curas
Quando Musk se mudou para o Texas, e Shivon Zilis foi para lá em
seguida, ele decidiu abrir uma sede da Neuralink em Austin, além da que já
existia em Fremont, na Califórnia. Os escritórios e o laboratório de Austin
ficavam num prédio de um centro comercial com uma placa na porta em
que se lia  . No passado, aquele lugar tinha sido uma arena
em que os clientes podiam brincar de arremessar machados ou jogar boliche.
Zilis remodelou o espaço para que houvesse estações de trabalho sem
divisórias, laboratórios, uma sala de conferências envidraçada e um café com
um longo balcão no centro. A poucos quilômetros de distância ficava um
galpão onde estavam os porcos e as ovelhas usados nos experimentos.
Durante uma visita aos galpões dos porcos em 2021, Musk ficou
impaciente com o ritmo de trabalho na Neuralink. Eles tinham implantado
um chip no cérebro de um macaco e ensinado-o a jogar Pong por telepatia,
mas até aquele momento aquilo servira basicamente para que a Neuralink
conseguisse muitas visualizações no YouTube, não para transformar a
humanidade. “Pessoal, é meio difícil explicar isso para as pessoas de um jeito
que elas fiquem realmente entusiasmadas”, disse Musk enquanto eles
caminhavam pela unidade. “Uma pessoa com paralisia um dia poderá usar o
cérebro para mover um cursor em um computador, e isso é bem bacana,
especialmente para alguém como o Stephen Hawking. Mas não basta. É
difícil deixar muitas pessoas empolgadas com isso.”
Foi aí que Musk começou a forçar a ideia de usar a Neuralink para
permitir que pessoas com paralisia pudessem de fato voltar a usar os
próprios membros. Um chip no cérebro poderia enviar sinais para os
músculos necessários, e assim contornaria qualquer bloqueio na medula
espinhal ou problema neurológico. Assim que voltou para Hatchet Alley,
depois da visita ao galpão dos porcos, Musk reuniu os principais membros
da equipe em Austin com os colegas de Fremont numa conversa remota
para anunciar essa missão adicional. “Se fizermos alguém que está numa
cadeira de rodas voltar a andar, as pessoas vão entender de cara”, falou ele.

É
“É uma ideia que é um soco no estômago, uma coisa muito ousada. E uma
coisa boa.”
Musk fazia visitas semanais aos laboratórios da Neuralink para participar
de reuniões de avaliação de projeto. Durante uma das visitas, em agosto de
2022, o chefe de engenharia, Jeremy Barenholtz, esperava no café o começo
da reunião. Ele tinha se formado em ciência de sistemas de informática em
Stanford um ano antes, mas, com os cabelos ruivos lambidos e a barba rala,
ainda podia se passar por alguém que estava participando de uma feira de
ciências na escola. “Elon achou que controlar um computador com a mente
é bacana, mas que isso não tem o mesmo impacto límbico que fazer uma
pessoa com paraplegia voltar a andar”, disse ele. “Portanto, estamos nos
concentrando em um plano para fazer isso.” Ele me falou dos diferentes
métodos de estimulação muscular e começou uma discussão sobre por que
ele acredita que os sinais no cérebro se propagam por meio da difusão
química de moléculas carregadas eletricamente, não por meio de ondas
eletromagnéticas, como prega a teoria convencional.
Quando Musk terminou de mandar e-mails e postar tuítes pelo celular,
uma dúzia de jovens engenheiros entrou na sala de conferências, todos eles,
inclusive Zilis, usando camisetas pretas, como ele sempre fazia. Barenholtz
passou para os colegas uma mostra de hidrogel que parecia os tecidos moles
do córtex cerebral, e mostrou um vídeo de dois porcos do experimento,
chamados Capitão e Tennille, movendo as pernas em resposta a sinais
elétricos. “Precisamos ser capazes de distinguir entre reações a dor e ação
muscular, senão vai ser simplesmente ‘Você pode andar, mas vai sentir uma
dor horrível’”, falou Musk. “Mas isso mostra que não estamos indo contra as
leis da física ao tentar permitir que as pessoas voltem a andar, o que pode ser
superimpressionante, quase uma obra de Jesus.”
Quando Musk perguntou em quais outros milagres eles poderiam mirar,
Barenholtz sugeriu estimulação auditiva e visual, em outras palavras,
permitir que os surdos ouçam e os cegos enxerguem. “O mais simples seria
curar a surdez por meio da estimulação coclear”, comentou ele. “A visão é
superinteressante. Para obter uma visão de alta definição, você precisa de
muitos canais.”
“A gente podia dar visões malucas para as pessoas, sabe?”, acrescentou
Musk. “Quer ver infravermelho? Ultravioleta? Que tal ondas de rádio ou
radar? É, em termos de melhorias, essa é bem bacana.”
Depois, começou a rir: “Eu estava revendo A vida de Brian”, disse,
referindo-se ao filme do grupo Monty Python. Ele falou da cena em que
um morador em situação de rua reclama que depois que Jesus o curou da
lepra, viver de esmolas era difícil: “Eu estava mancando por aí, cuidando da
minha vida, e de repente Ele chega e me cura! Num instante eu era um
leproso que tinha um ganha-pão; em outro, havia perdido tudo. E Ele nem
pediu permissão, só disse ‘Você está curado, meu irmão’. Benfeitor sacana.”

A apresentação
No fim de setembro, Musk voltou a ficar impaciente. Ele vinha forçando
Zilis e Barenholtz a fazer um evento público para exibir o progresso deles,
mas os dois diziam que não estavam prontos. Em uma das sessões semanais
de avaliação de projeto, o semblante dele se fechou. “Se não acelerarmos,
não vamos conseguir grandes coisas antes de morrermos”, alertou. Então,
Musk decretou uma data para a apresentação: quarta-feira, 30 de novembro.
Acabou coincidindo com o dia em que ele visitara Tim Cook na Apple.
Quando Musk chegou naquela noite, havia duzentas cadeiras colocadas à
disposição para a apresentação na unidade da Neuralink em Fremont. Um
dos podcasters favoritos de Musk, Lex Fridman, fora participar do evento,
assim como Justin Roiland, do desenho animado televisivo Rick and Morty.
Os três mosqueteiros, James, Andrew e Ross, não tinham sido convidados,
mas deram um jeito de entrar.
Musk queria que a apresentação mostrasse tanto suas ambições maiores
quanto os objetivos mais imediatos. “Minha maior motivação com a
Neuralink”, disse para a plateia, “é criar um dispositivo geral de entrada e
saída de informações capaz de interagir com todos os aspectos do seu
cérebro”. Em outras palavras, isso seria a fusão mental definitiva entre
humanos e máquinas, o que nos protegeria contra a possibilidade de a
inteligência artificial sair do controle. “Ainda que a IA seja benévola, como
podemos garantir que vamos ser incluídos nisso?”
Então, Musk revelou as novas missões de curto prazo que tinha
estabelecido para a Neuralink. “A primeira é restaurar a visão”, falou. “Ainda
que uma pessoa tenha nascido cega, nós acreditamos que é possível fazer
com que ela enxergue.” Em seguida, ele falou da paraplegia e da tetraplegia.
“Por mais que pareça milagroso, estamos confiantes de que é possível
restaurar a funcionalidade do corpo inteiro para pessoas que tenham sofrido
uma lesão na medula espinhal.” A apresentação durou três horas. Ele ficou
na unidade até a uma da manhã, numa comemoração com os engenheiros, e
comentou que era um descanso bom do “incêndio” no Twitter.
capítulo 90
Twitter Files
Twitter, dezembro de 2022

Matt Taibbi e Bari Weiss


Matt Taibbi
“Você quer que eu denuncie sua empresa?”, perguntou a Musk um tanto
incrédulo o jornalista Matt Taibbi.
“Vai fundo”, respondeu Musk. “Isso aqui não é uma visita guiada no
estilo norte-coreano. Você pode ir aonde bem entender.”
Ao longo dos anos, os moderadores de conteúdo do Twitter tinham se
tornado cada vez mais ativos no banimento de conteúdo considerado
danoso. Dependendo da visão de mundo de cada um, havia três modos de se
ver isso: 1) como um esforço louvável para impedir a disseminação de
informações falsas que traziam riscos para a saúde, minavam a democracia,
provocavam violência, instigavam o ódio ou eram parte de um esquema
fraudulento; 2) como um esforço a princípio bem-intencionado, mas que
tinha ido longe demais ao reprimir opiniões que discordavam da ortodoxia
médica e política, ou que ofendiam funcionários do Twitter hipersensíveis,
progressistas e woke; ou 3) como um conluio nefasto entre agentes do
governo que conspiravam com as grandes empresas de tecnologia e a mídia
convencional para preservar o poder.
Musk, em geral, se encaixava na segunda categoria, mas passou a ter
suspeitas mais soturnas que o empurravam para a opção número 3. “Parece
ter muita coisa varrida para baixo do tapete”, disse um dia para seu guerreiro
antiwoke David Sacks. “Muita coisa nebulosa.”
Sacks sugeriu que ele falasse com Taibbi, um jornalista que havia
trabalhado para a Rolling Stone e outras publicações e de quem não era fácil
saber a posição ideológica. Ele tinha uma disposição por desafiar as elites
que beirava a avidez. Musk, que não o conhecia, pediu que ele fosse à sede
do Twitter no fim de novembro. “Ele parecia ser alguém que não tem medo
de ofender as pessoas”, fala Musk, o que, para ele, é um elogio mais
importante do que seria vindo de outras pessoas. Ele convidou Taibbi a
passar um tempo na sede do Twitter, remexendo nos antigos arquivos, nos
e-mails e nas mensagens de Slack aos funcionários da empresa que tinham
se debatido com as questões de moderação de conteúdo.
Isso deu início ao que ficaria conhecido como “Twitter Files”, algo que
poderia — e deveria — ter sido um saudável exercício de arejamento e
transparência, capaz de levar a reflexões sensatas sobre vieses da mídia e
sobre as complexidades da moderação de conteúdo, não fosse pelo fato de
ter sido arrastado para o redemoinho que atualmente leva as pessoas a sair
correndo para seus bunkers tribais em programas de entrevista e nas mídias
sociais. Musk ajudou a atiçar a reação com uma atividade frenética, ao
anunciar os novos fios do Twitter com emojis de pipoca e fogueiras. “Esta é
uma batalha pelo futuro da civilização”, tuitou. “Se perdermos a liberdade de
expressão nos Estados Unidos, só nos restará a tirania.”
Bem quando Taibbi estava pronto para publicar a primeira reportagem,
em 2 de dezembro, Musk fez uma rápida viagem a Nova Orleans para ter
um encontro sigiloso com o presidente francês Emmanuel Macron,
ironicamente, para discutir a necessidade de o Twitter respeitar as regras
europeias relativas a discurso de ódio. Ao surgirem questões legais de última
hora em relação àquilo que Taibbi pretendia publicar, a veiculação precisou
ser adiada até que Musk terminasse o encontro com Macron e pudesse
refutar os advogados.
O fio original de 37 tuítes de Taibbi mostrava como o Twitter tinha
criado sistemas especiais para que políticos, o FBI e agências de inteligência
sugerissem quais tuítes podiam estar sujeitos a ser deletados. O que mais
chamava a atenção eram mensagens de 2020 incluídas por Taibbi, quando
Yoel Roth e outras pessoas no Twitter estavam debatendo se deviam
bloquear links para uma reportagem do New York Post sobre o que
supostamente era (e mais tarde se comprovou de fato ser) um laptop
abandonado pelo filho de Joe Biden, Hunter. As mensagens mostravam
vários deles se esforçando para encontrar justificativas que permitissem
banir menções à reportagem, como alegar que isso violava políticas
contrárias ao uso de material hackeado, ou a possibilidade de se tratar de
uma trama de desinformação originada na Rússia. Tratava-se de uma
censura mal disfarçada à reportagem, e tanto Roth quanto Jack Dorsey
posteriormente admitiriam que isso foi um erro.
Essas e outras revelações subsequentes de Taibbi receberam cobertura de
algumas grandes organizações de imprensa, como a Fox News, mas a maior
parte da mídia tradicional rotulou o caso, assim como uma hashtag usada no
Twitter, de “#nadademais”. Joe Biden não estava no governo quando o caso
do laptop virou notícia, de modo que os pedidos não revelavam censura
governamental direta nem uma violação flagrante da Primeira Emenda da
Constituição dos Estados Unidos. Muitos dos pedidos da equipe de Biden,
feitos por meio de canais estabelecidos do Twitter, eram compreensíveis,
como a remoção de um tuíte publicado pelo ex-ator James Wood com uma
selfie erótica que estava no laptop de Hunter Biden. “Não, você não tem o
direito constitucional de postar fotos do pinto do Hunter Biden no
Twitter”, dizia a manchete do e Bulwark.
No entanto, havia um fato mais significativo revelado pelos fios de
Taibbi: o Twitter tinha se tornado um colaborador do FBI e de outros
órgãos do governo, e dera a eles o poder de selecionar grandes quantidades
de conteúdo cuja remoção era sugerida. “Uma longa lista de órgãos do
governo com poder de polícia basicamente passou a operar o Twitter como
uma terceirizada involuntária”, escreveu Taibbi.
Na verdade, acredito que a coisa era ligeiramente diferente: muitas vezes
o Twitter agia como uma terceirizada voluntária. Em vez de soar o alarme
quando sentiam que havia pressão governamental demais, os gestores do
Twitter pareciam ansiosos para serem conciliadores. As revelações de Taibbi
ilustravam o fato problemático, mas nada surpreendente, de que os
moderadores do Twitter tinham vieses a favor de suprimir reportagens que
fossem benéficas para Trump. Mais de 98% das doações feitas por pessoas
da empresa iam para os democratas. Um caso envolvia as alegações de que o
FBI tinha espionado a campanha de Trump. A imprensa convencional
escreveu que essas alegações haviam sido turbinadas por bots e fábricas de
trolls dos russos. Yoel Roth era, nos bastidores, uma voz de honestidade no
Twitter: “Eu só analisava as contas”, escreveu em um memorando interno.
“Nenhuma delas indicava sinais de afiliação à Rússia.” Mesmo assim,
executivos do Twitter se recusaram a desafiar a narrativa do “Russiagate”,
que passou a ser aceita.
Um parêntese sobre como as mídias sociais podem ser polarizadoras:
Taibbi é um iconoclasta politicamente independente, mas, quando eu o
segui no Twitter, percebi como os algoritmos da rede podem reforçar os
rótulos que mandam as pessoas para câmaras de ressonância de extrema
esquerda ou de extrema direita. A seção “Você pode gostar” na minha
página do Twitter imediatamente sugeriu que eu seguisse Roger Stone,
James Woods e Lauren Boebert.
Bari Weiss
Na noite de 2 de dezembro, Bari Weiss estava em casa, em Los Angeles,
com a esposa, Nellie Bowles, lendo os Twitter Files que estavam sendo
publicados por Taibbi. Ela ficou com ciúme: “Essa história seria perfeita
para a gente publicar”, lembra-se de ter pensado. Foi aí que Weiss recebeu
uma mensagem inesperada de Musk perguntando se ela aceitava pegar um
voo para São Francisco naquela noite.
Assim como Taibbi, Weiss era uma jornalista independente não fácil de
categorizar do ponto de vista ideológico. Os dois haviam aderido, assim
como Musk, à bandeira da liberdade de expressão em oposição àquilo que
viam como o “despertar” de uma crescente mentalidade woke que produzia
uma cultura de cancelamento censora, principalmente na mídia tradicional e
nas elites institucionais educacionais. Weiss se classificava como uma
“liberal sensata, receosa de que a extrema esquerda sufoque a liberdade de
expressão”. Depois de escrever editoriais para o e Wall Street Journal e o
e New York Times, ela reuniu um grupo de jornalistas independentes para
criar e Free Press, uma newsletter por assinatura no Substack.
Musk teve um contato com ela rápido quando foi entrevistado por Sam
Altman, que fundou junto com ele a OpenAI, na conferência
Allen&Company, no Sun Valley, poucos meses antes. Ela foi aos bastidores
para dizer que estava feliz por ele estar tentando comprar o Twitter, e os
dois conversaram por alguns minutos. Quando Taibbi se preparava para
publicar seus Twitter Files, no início de dezembro, Musk percebeu que
havia material demais para ser digerido por um único jornalista. Seu
investidor e correligionário nas fileiras de liberdade de expressão Marc
Andreessen, um grande amigo do mundo da tecnologia, sugeriu que ele
chamasse Weiss; por isso, no voo de volta de uma rápida viagem a Nova
Orleans para conversar com o presidente Macron, Musk mandou a
mensagem inesperada que ela recebeu na noite de 2 de dezembro.
Ela e Bowles, junto com o bebê de 3 meses, dirigiram-se às pressas pegar
um voo para São Francisco duas horas depois. Quando chegaram ao décimo
andar da sede do Twitter na noite daquela sexta-feira, às onze horas, Musk
estava de pé perto da máquina de café vestido com uma jaqueta azul da
Starship. Num de seus momentos de humor leviano, ele andou com as duas
pelo prédio mostrando as caixas de camisetas com estampas progressistas e
outros vestígios do antigo regime: “Os bárbaros invadiram e estão
saqueando a mercadoria!”, disse. Weiss ficou maravilhada ao ver que ele era
como um garoto que tinha acabado de comprar uma loja de doces e ainda
não acreditava que era o dono. Os mosqueteiros Ross Nordeen e James
Musk mostraram a Weiss e Bowles parte das ferramentas computacionais
para investigar os arquivos de mensagens de Slack da empresa. Elas ficaram
lá até as duas da manhã, e depois James as levou até o lugar onde passariam
a noite.
Quando Weiss e Bowles voltaram na manhã seguinte, um sábado,
encontraram Musk, que continuava passando as noites num sofá na
biblioteca do Twitter, novamente perto da máquina de café, comendo cereal
num copinho de papel. Durante duas horas elas ficaram sentadas na sala de
conferências dele e discutiram a visão que ele tinha para o Twitter. Por que
ele estava fazendo aquilo?, perguntaram elas. Primeiro, ele respondeu que
tinha sido forçado a comprar a empresa depois de ter dúvidas sobre a oferta
que fizera em abril. “Na verdade, eu não tinha certeza se ainda queria fazer
isso, mas os advogados me disseram que eu tinha que engolir esse sapo, e
então é isso o que estou fazendo”, falou.
Depois, Musk começou a falar a sério sobre o desejo de criar um fórum
público dedicado à liberdade de expressão. Ele disse que “o futuro da
civilização” estava em jogo. Achava que metade do país não confiava no
Twitter pelo fato de a plataforma ter suprimido determinados pontos de
vista. Para reverter isso, seria necessário ter uma transparência radical.
“Temos um objetivo aqui, que é o de eliminar erros passados e seguir em
frente começando do zero. Estou dormindo na sede do Twitter por um
motivo: esta é uma situação alarmante.”
“Você quase acaba acreditando nele”, me disse Weiss depois. Era um
comentário sincero, sem nenhuma ironia.
No entanto, embora estivesse impressionada, Weiss manteve parte do
ceticismo que fizera dela uma jornalista independente. A certa altura
durante a conversa de duas horas entre eles, ela perguntou como os
interesses comerciais da Tesla na China poderiam afetar o modo como
Musk administrava o Twitter. Ele se irritou. Não era para ser aquele o tema
da conversa. Weiss insistiu. Musk disse que o Twitter, na verdade, precisaria
ter cuidado com relação às palavras usadas sobre a China, porque os
negócios da Tesla podiam ser ameaçados. Ele disse que a repressão chinesa
aos uigures poderia ser encarada de duas perspectivas. Weiss ficou
incomodada. Por fim, Bowles entrou na conversa para amenizar a situação
com algumas piadas. Eles mudaram de assunto.
Para tornar a ironia, ou pelo menos a complexidade, ainda maior, havia o
fato de que Musk precisava encerrar a conversa para ir a Washington. Ele
tinha uma reunião marcada com altas autoridades governamentais na capital
sobre um assunto extremamente sigiloso, que envolvia o lançamento de
satélites da SpaceX.

***

Weiss e Bowles tinham saído correndo na noite de sexta-feira para trabalhar


nos Twitter Files, mas ficaram frustradas durante o fim de semana porque
ainda não tinham as ferramentas para entrar no arquivo de mensagens de
Slack do Twitter e nos e-mails. O departamento jurídico, preocupado com
questões de privacidade, estava impedindo que elas tivessem acesso direto.
Nordeen, o onipresente mosqueteiro, usou o próprio laptop no sábado para
ajudar as duas. Contudo, no dia seguinte, ele estava exausto e faminto, e
precisava lavar roupas, de modo que decidiu não ir à sede. Afinal de contas,
era domingo. Então, convidou Weiss e Bowles para o apartamento, que
dava vista para o distrito de Castro, em São Francisco, onde elas usaram o
laptop dele para olhar mensagens do canal público do Slack do Twitter.
Enquanto pressionava o departamento jurídico para fazer mais buscas
para ela, Weiss recebeu uma ligação do vice-diretor daquele departamento,
que disse se chamar Jim. Quando ela perguntou seu sobrenome, ele disse
“Baker”. Weiss se lembra: “Meu queixo caiu.” Jim Baker tinha sido
procurador-geral do FBI, e parte do círculo conservador não confiava nele
pelas posições que tomara em diversos pontos controversos. “Que merda é
essa?”, disse ela em uma mensagem para Musk. “Você está pedindo que o
cara faça buscas sobre si mesmo? Isso não faz sentido.”
Musk surtou. “É como pedir ao Al Capone que investigue a declaração
do imposto de renda dele próprio”, falou. Ele chamou Baker para uma
reunião, e os dois entraram em confronto em função das garantias de
privacidade determinadas por um termo de ajuste de conduta entre o
Twitter e a Comissão Federal de Comércio. “Você sabe me dizer quais são
os princípios mais importantes do ajuste de conduta?”, disse Musk de modo
desafiador. “Porque eu estou com o documento aqui comigo. Você sabe
dizer alguma coisa que consta dele?” Não era uma discussão fadada a um
final feliz. Baker entendia do assunto, mas não havia como as respostas que
ele desse pudessem satisfazer Musk, que o demitiu na hora.

Filtro de visibilidade
Taibbi e Weiss chamaram uns poucos colegas para ajudar, e montaram
acampamento no bunker sem janelas do Twitter, que sempre tinha no ar o
cheiro derivado da falta de banho dos mosqueteiros e de comida tailandesa.
James e Ross, que ajudavam as duas a usar as ferramentas digitais de busca,
estavam trabalhando 24 horas por dia, e a impressão era a de que os olhos
deles iam saltar para fora do rosto. Em certas noites, Musk ia até lá, comia
restos de refeições e dava início a longos discursos.
Enquanto estava fuçando e-mails antigos e comentários de funcionários
do Twitter no Slack, Weiss se perguntou o que ela ia achar se alguém lesse
as mensagens pessoais antigas dela. Isso fez com que ela sentisse que estava
fazendo algo errado. Ross sentia os mesmos melindres. “Para ser franco, eu
queria manter a maior distância possível do que eles estavam fazendo”,
comenta ele. “Eu estava meio que tentando ajudar, mas não queria estar
envolvido demais. Não sou uma pessoa muito envolvida com política, e
parecia que tinha todo tipo de merda escrita ali.”

***

Uma reportagem que Weiss e sua equipe escreveram com base nos Twitter
Files descrevia o que era conhecido como “filtro de visibilidade”, a prática de
diminuir o acesso a certos tuítes ou usuários reduzindo a exposição nos
primeiros lugares das buscas e impedindo que aparecessem nos trending
topics. Em extremo, essa era uma prática conhecida como shadow banning,
em que os usuários podiam fazer os posts e vê-los, mas eles jamais seriam
informados de que esses tuítes ficavam invisíveis para todos os demais
usuários.
O Twitter não praticava shadow banning no sentido técnico, mas usava
filtros de visibilidade. Em discussões com Yoel Roth, o próprio Musk tinha
adotado a ideia como uma alternativa ao banimento puro e simples de
usuários, e ele tinha elogiado a política semanas antes: “Tuítes negativos/de
ódio terão a visibilidade reduzida e serão desmonetizados; portanto, nada de
anúncios ou de outras receitas no Twitter. Você só vai encontrar esse tuíte se
procurar.”
O problema surgiu quando o filtro de visibilidade foi usado com viés
político. Weiss concluiu que os moderadores do Twitter eram mais
agressivos na supressão de tuítes de direita. “O Twitter mantinha uma lista
secreta, com equipes de funcionários que tinham como tarefa suprimir a
visibilidade de contas ou indivíduos vistos como indesejáveis”, escreveram
Weiss e a equipe dele. Além disso, o Twitter, assim como muitas instituições
de mídia e educação, haviam tornado mais estritas as definições do que era
um discurso aceitável. “As pessoas encarregadas dessas instituições aplicaram
os novos parâmetros, e expandiram as definições de palavras como
‘violência’, ‘dano’ e ‘segurança’.”
A covid era um caso interessante. Em um dos extremos havia
desinformações médicas claramente danosas, como o incentivo a falsas curas
e a práticas que podiam levar à morte de pessoas. Entretanto, Weiss
descobriu que o Twitter estava disposto a suprimir postagens que não se
adequavam aos pronunciamentos oficiais, incluídos assuntos válidos, como a
discussão sobre se as vacinas com base em RNA mensageiro podiam causar
problemas cardíacos, se o uso obrigatório de máscaras funcionava e se o
vírus tinha surgido de um teste de laboratório na China que acabou
vazando.
O Twitter colocou o professor Jay Bhattacharya, de Stanford, por
exemplo, na lista proibida dos Trends, o que significava que a visibilidade
dos posts fora reduzida. Ele tinha organizado um manifesto de alguns
cientistas o qual dizia que o confinamento e o fechamento de escolas
trariam mais prejuízos do que benefícios, um ponto de vista controverso que
depois se verificou ter certa validade. Quando Weiss descobriu como
Bhattacharya foi suprimido, Musk mandou uma mensagem para ele. “Olá.
Você pode vir à sede do Twitter esta semana para que a gente mostre o que
o Twitter 1.0 fez?” Musk, que tinha visões semelhantes sobre o
confinamento durante a covid, e Bhattacharya conversaram por quase uma
hora.

***

Os Twitter Files mostraram uma evolução do jornalismo convencional ao


longo dos últimos cinquenta anos. Durante o Watergate e a guerra no
Vietnã, os jornalistas em geral viam a CIA, as Forças Armadas e as
autoridades governamentais com desconfiança, ou pelo menos com um
saudável ceticismo. A maioria tinha escolhido a profissão inspirada pelo
trabalho de reportagem de David Halberstam e Neil Sheehan sobre o
Vietnã e pelas reportagens de Bob Woodward e Carl Bernstein sobre
Watergate.
Entretanto, a partir dos anos 1990, e ainda mais depois do 11 de
Setembro, jornalistas de carreira se sentiram cada vez mais à vontade para
compartilhar informações com pessoas em altos escalões do governo e em
comunidades de inteligência e para cooperar com eles. A mentalidade foi
replicada nas empresas de mídias sociais, como demonstram todos os
briefings que o Twitter e outras empresas de tecnologia receberam. “Essas
empresas pareciam não ter muita escolha com relação a se tornar parte
fundamental de uma vigilância global e do aparato de controle
informacional”, escreveu Taibbi, “embora os indícios sugiram que os
executivos traiçoeiros em geral estavam bastante dispostos a aderir”. Acho
que a segunda parte da frase dele é mais verdadeira do que a primeira.
Os Twitter Files trouxeram certa transparência ao modo como o Twitter
tinha lidado com a moderação de conteúdo, e mostraram como a tarefa
pode ser difícil. O FBI, por exemplo, avisou ao Twitter que certas contas
que postavam comentários negativos sobre vacinas e sobre a guerra na
Ucrânia estavam sendo alimentadas em segredo por diretores da inteligência
russa. Se fosse realmente o caso, era válido que o Twitter suprimisse essas
contas? Como o próprio Taibbi escreveu: “É um dilema difícil da liberdade
de expressão.”
capítulo 91
Caminhos perigosos
Twitter, dezembro de 2022

@elonjet
Se tem uma coisa que certamente deixa Musk enlouquecido é uma ameaça
ao filho dele de 2 anos, X, seu companheiro de todas as horas e alegre fonte
de energia. Numa noite de quinta-feira em dezembro, em meio ao
escândalo dos Twitter Files, Musk percebeu que essa ameaça tinha ocorrido,
e os ecos dessa situação abalaram as fundações de sua proclamada batalha
pela liberdade de expressão.
Um sujeito que vinha stalkeando Grimes havia muito tempo ficou de
tocaia durante um dia todo na rua onde ficava a casa em que ela e Musk
estavam hospedados na região de Los Angeles, e, em certo momento,
dizem, ele seguiu um carro dirigido por um dos integrantes da segurança de
Musk, que levava X e a babá para um hotel ali perto. O segurança parou em
um posto de gasolina, confrontou o motorista e fez um vídeo dele trajado
como ninja, com luvas e máscara. O sujeito ou pulou sobre o capô do carro
ou tentou subir nele quando foi encurralado (os detalhes não são claros), e,
quando a polícia chegou, não prendeu ninguém. Por meio do vídeo que
Musk postou, o e Washington Post rastreou o sujeito, que disse ao jornal
acreditar que Grimes estava mandando mensagens cifradas para ele em seus
posts no Instagram. Musk tuitou: “Ontem à noite, um carro levando o
pequeno X em LA foi seguido por um stalker maluco (achando que era eu),
que depois bloqueou o carro impedindo a passagem e subiu no capô.”
Musk achava que o stalker tinha conseguido encontrar o lugar onde ele e
Grimes estavam hospedados por causa de uma conta no Twitter chamada
@elonjet, alimentada por um aluno chamado Jack Sweeney, que postava em
tempo real decolagens e aterrissagens do jato de Musk, com base em
informações públicas de voos. A conexão era obscura: Musk tinha pousado
em Los Angeles um dia antes, mas Grimes disse que foi aí que ela começou
a perceber o carro montando tocaia do lado de fora.
Havia muito tempo que Musk andava irritado com a conta @elonjet, que
ele considerava uma invasão de privacidade e algo que o colocava em risco.
Em abril, quando estava pensando em comprar o Twitter, ele discutiu a
situação em um jantar com amigos e a família em Austin, e tanto Grimes
quanto a mãe dele defenderam de modo enfático que ele devia banir a
conta. Musk concordou, mas não fez isso quando assumiu o Twitter. “Meu
compromisso com a liberdade de expressão se estende inclusive a não banir
a conta que segue o meu avião, embora isso seja um risco de segurança
pessoal”, tuitou no início de novembro.
Isso impressionou Bari Weiss, mas, quando estava montando seu
primeiro fio do Twitter Files, ela descobriu que Musk tinha feito com
@elonjet aquilo que o antigo regime do Twitter fizera com parte da extrema
direita: @elonjet estava passando por um rigoroso “filtro de visibilidade”
para que não aparecesse nas buscas. Ela ficou decepcionada, pois parecia
hipocrisia. Então, depois do incidente que envolveu X, Musk tomou a
decisão unilateral de suspender @elonjet de uma vez. Ele justificou a ação
dizendo que o Twitter passara a ter uma regra contra apontar a localização
de pessoas.
Pior ainda, especialmente do ponto de vista de tornar o site um porto
seguro para a liberdade de expressão, Musk suspendeu arbitrariamente um
punhado de jornalistas que escreveram sobre o que ele havia feito com
@elonjet. A justificativa que dera foi a de que as reportagens tinham feito
links para a conta @elonjet e, desse modo, também estavam alavancando a
exposição dela, mas na verdade a conta @elonjet não estava disponível e os
links só levavam a uma página que dizia “Conta suspensa”. Por isso, parecia
que Musk tinha agido em parte por ressentimento, em retaliação a
jornalistas cujas matérias eram críticas a ele — nesse grupo estavam Ryan
Mac, do e New York Times, Drew Harwell e Taylor Lorenz, do e
Washington Post, e pelo menos outros oito.
Weiss, que continuava trabalhando no bunker para produzir mais
reportagens sobre os Twitter Files, se encontrou numa situação difícil. “Ele
estava fazendo exatamente as coisas que dizia desprezar nos antigos donos
do Twitter”, afirma ela. “Algumas pessoas que ele estava expulsando eram
meus maiores algozes no Twitter. Eu não gosto nem um pouco de algumas
dessas pessoas. Mas a minha impressão era a de que ele estava traindo as
coisas que dizia querer para o Twitter: que a rede fosse uma praça pública
sem qualquer viés. E, de um ponto de vista puramente estratégico, ele estava
transformando um bando de cretinos em mártires.”
Weiss mandou uma mensagem privada para Musk no Signal: “Ei, o que
está acontecendo aqui?”
“Eles violaram a minha privacidade e revelaram a localização do meu
avião”, respondeu ele. “Eles atacaram meu filho.”
Weiss discutiu o assunto com alguns dos outros jornalistas no bunker,
mas em última instância ela era a única que estava disposta a falar do
assunto. “Não tem como você ser jornalista e ver jornalistas serem expulsos
do Twitter e não dizer nada”, comenta ela. “Eu ainda me importo com
princípios.” Ela sabia que isso podia significar perder acesso para continuar
as reportagens sobre os Twitter Files. E, como disse brincando para Nellie
Bowles: “Acho que o Elon nunca vai doar esperma para a gente depois
disso.”
“O antigo regime do Twitter era orientado por seus próprios caprichos e
vieses, e sem dúvida parece que o novo regime sofre do mesmo problema”,
tuitou Weiss na manhã de 16 de dezembro, um dia depois de os jornalistas
serem expulsos. “Eu me oponho em ambos os casos.”
“Em vez de ir atrás da verdade com rigor”, respondeu Musk via Twitter,
“você está fingindo ser virtuosa para mostrar à elite da imprensa que é
‘boazinha’, para manter um pé em cada barco”. Depois disso, ele restringiu o
acesso dela aos Twitter Files.

Twitter Spaces
“Isso é loucura”, disse por mensagem Jason Calacanis a David Sacks sobre a
decisão de Musk de suspender jornalistas. “Isso vai arruinar a atenção dada
aos Twitter Files. A gente tem que reverter isso.” Por isso, os dois enviaram
mensagens a Musk. “Você tem que deixar esse pessoal voltar.” Musk foi
evasivo.
Em meio às trocas de mensagens, Calacanis percebeu que no Twitter
Spaces, o lugar em que os usuários podem organizar discussões em áudio,
muitas pessoas estavam falando sobre o assunto. Dois dos jornalistas
suspensos, Drew Harwell, do Post, e Matt Binder, do Mashable, estavam
participando. Embora estivessem proibidos de postar, o software do Twitter
não tinha impedido que eles participassem da conversa em áudio, contou
Calacanis a Musk, que surpreendeu os participantes ao ir ao Spaces (onde
falou em tom muito defensivo e ríspido) e entrar na conversa. A história
logo se espalhou, e em questão de minutos havia 30 mil usuários ouvindo.
Quando a organizadora, a repórter do BuzzFeed News Katie Notopoulos,
pediu que Musk explicasse as suspensões, ele disse que o motivo eram os
links para páginas que o haviam exposto. “Você está sugerindo que nós
dissemos a sua localização, e isso não é verdade”, disse Harwell. “Eu nunca
postei seu endereço.”
“Você postou um link para o endereço”, respondeu Musk.
“Nós postamos links para @elonjet, que não está mais on-line”, disse
Harwell. Ele acusou Musk de “usar exatamente a mesma técnica de
bloqueio de links que tinha criticado como parte da reportagem do New
York Post sobre Hunter Biden”.
Musk se irritou e desapareceu da sessão. Minutos depois, o Twitter
abruptamente encerrou a conversa. Na verdade, o Spaces foi fechado por um
dia para tornar impossível que usuários suspensos participassem das
conversas. “Estamos consertando um bug que herdamos”, tuitou Musk
sobre o fechamento do Spaces. “Deve estar funcionando amanhã.”
Musk logo percebeu que tinha ido longe demais, e procurou um modo de
reverter as próprias ordens. Ele postou uma enquete em que perguntava aos
usuários se jornalistas barrados do Twitter deviam ter as contas restauradas.
Mais de 58% dos 3,6 milhões de votos disseram que sim. As contas foram
reintegradas.

Processe/Fauci

À
À medida que a controvérsia se desenrolava, Musk se alternava entre a
irritação e o modo brincalhão. Numa noite, sentado na sala de conferências
do bunker com Weiss, parte dos colegas dela e James, ele começou a brincar
com a prática das pessoas de postar seus pronomes. Alguém brincou que os
de Musk deviam ser “Processe/Fauci”. Houve uns poucos risos nervosos —
Weiss admite que não queria desafiar Musk naquele momento —, e Musk
começou a rir. Ele repetiu a piada três vezes. Então, lá pelas três da manhã,
tuitou por impulso: “Meus pronomes são Processe/Fauci.” Não fazia muito
sentido, não era engraçado, e conseguiu, com apenas cinco palavras, tirar
sarro de pessoas trans, conjurar conspirações sobre uma autoridade da área
de saúde pública que tinha 81 anos, Anthony Fauci, assustar mais
anunciantes e criar mais um punhado de novos inimigos que jamais iriam
comprar Teslas.
O irmão dele esteve entre os que se sentiram ultrajados. “Que merda é
essa, cara, você está falando de um senhorzinho que só estava tentando
descobrir o que fazer durante a covid”, disse Kimbal a ele. “Isso não é legal.”
Até Jay Bhattacharya, o professor de Stanford cujas críticas às políticas de
Fauci o levaram a ser filtrado pelo Twitter, criticou a postagem: “Acho que
Fauci cometeu erros graves. Mas acho que o certo não é um processo contra
ele, e sim que ele entre para a posteridade por ter cometido esses erros.”
O tuíte sobre Fauci não era um mero exemplo em que Musk estava
expressando sentimentos antiwoke e ligados à direita. Em certos momentos,
ele parecia estar à beira de caminhos perigosos que levavam a teorias da
conspiração, as quais envolvem forças sinistras que agem na elite global. Era
o labo B das especulações espirituosas dele sobre estarmos, na verdade,
vivendo em uma simulação. Quando estava em seus humores mais
sombrios, ele imaginava que por trás de nossa realidade havia forças
conspiratórias nefastas, como em Matrix. Ele retuitou comentários de
Robert Kennedy Jr., por exemplo, um ardoroso crítico das vacinas, o qual
alegava que a CIA tinha assassinado o tio dele, o presidente. Depois do
tuíte de Musk sobre Fauci, Kennedy postou: “Fauci comprou a omertà dos
virologistas globalmente com um total de 37 bilhões de dólares de
pagamentos anuais em verbas para pesquisas. Com o responsável por fazer
os pagamentos fora de cena, as ortodoxias irão se desfazer.”
“Precisamente”, respondeu Musk. Ele posteriormente seria anfitrião de
um Twitter Spaces com Kennedy quando ele decidiu concorrer à presidência
contra Biden.

***

Como sempre, havia ecos incômodos do pai dele. Errol vinha falando de
teorias da conspiração sobre a covid havia mais de dois anos. “Esse cara
precisa ser demitido!”, disse ele sobre Fauci no Facebook em abril de 2020.
Naquele mesmo ano, alegou que Bill Gates soube da covid seis meses antes
de o vírus se espalhar, e negociou um contrato de 100 bilhões de dólares
para rastrear a epidemia. Em 2021, ele se tornou um negacionista completo
das vacinas contra a covid, da derrota de Trump nas eleições e dos ataques
terroristas do 11 de Setembro. “Por todas as informações a que estamos
tendo acesso, parece que os ataques do 11 de Setembro foram uma armação,
e as provas são muito contundentes”, alegou ele. Poucas semanas antes de
Elon dar início aos Twitter Files, Errol postou um ataque no Facebook em
que dizia que a covid era “uma mentira”. Ele disse sobre as vacinas: “Se você
é burro o bastante para tomar a injeção, e especialmente os reforços, você vai
morrer em breve.”
Depois que os Twitter Files foram publicados, Errol mandou para o filho
mais uma mensagem não solicitada: “A Esquerda (ou gângsteres) precisa ser
detida. A civilização corre risco.” A eleição tinha sido roubada de Trump, e
era “essencial” deixar que ele voltasse ao Twitter. “Ele é nosso único raio de
luz.” Ele então aconselhou o filho a se lembrar da lição que ele aprendera na
infância nos parquinhos da África do Sul. “Tentar apaziguar os bandidos é
inútil. Quanto mais você tenta, menos eles têm medo de você ou te
respeitam. Bata com força neles, ou bata com força em qualquer um, e eles
vão te respeitar.”
Elon nunca viu as mensagens. Numa tentativa de expurgar os demônios
do pai, ele tinha mudado o endereço de e-mail, e nunca deu o novo para
Errol.

Queda
Quando Yoel Roth pediu demissão do Twitter, em novembro, tinha como
maior preocupação a possibilidade de que Musk jogasse contra ele uma
turba de usuários do Twitter que pudessem lhe colocar em risco a segurança.
No começo, parecia ter sido poupado. Depois, porém, quando os e-mails e
as mensagens de Slack foram divulgadas nos Twitter Files em dezembro,
Musk mirou em Roth seu lança-chamas.
Os Twitter Files mostraram Roth discutindo como lidar com questões
como a história do laptop de Hunter Biden. A maioria dos comentários dele
era bem pensada, mas isso não impediu que houvesse reações furiosas no
Twitter. A certa altura, um usuário postou uma mensagem que dizia: “Acho
que posso ter encontrado o problema.” A mensagem apontava para um post
que Roth fez em 2010 que continha um link, sem nenhum comentário, para
um artigo de jornal que perguntava se era errado que um professor fizesse
sexo com um aluno de 18 anos de idade. “Isso explica muita coisa”,
respondeu Musk. A partir daí, Musk assumiu o comando do ataque. Ele
tuitou uma imagem que exibia um parágrafo da tese de doutorado de Roth
na Universidade da Pensilvânia, intitulada “Dados sobre gays”, que falava
sobre modos como sites de encontros para gays, como o Grindr, podiam
lidar com usuários menores de 18 anos de idade. Musk comentou: “Parece
que o Yoel está defendendo que crianças possam ter acesso a serviços de
internet para adultos.”
Roth não tinha nada a ver com pedofilia, mas as insinuações de Musk
levaram ao surgimento de conspiradores no estilo Pizzagate, que ficavam
nos cantos escuros do Twitter disparando uma onda de ataques
homofóbicos e antissemitas. Em seguida, um tabloide publicou o endereço
de Roth, o que o levou a se esconder. “Musk tomou a decisão de
compartilhar uma alegação difamatória de que eu apoio a pedofilia ou sou
conivente com ela”, declararia Roth posteriormente. “Precisei sair da minha
casa e vendê-la. Essas são as consequências desse tipo de assédio e de
discurso na internet.”

***

No domingo em que Musk causou ultraje com o tuíte sobre Fauci, ele
apareceu no bunker no Twitter e ofereceu aos mosqueteiros e a outras
pessoas ingressos para um show de comédia de Dave Chapelle naquela
noite. Até mesmo em um show de um comediante notoriamente antiwoke,
ficou evidente que os tuítes de Musk lhe acrescentaram uma nova camada
de dano à reputação. “Senhoras e senhores, uma salva de palmas para o
homem mais rico do mundo”, disse Chapelle ao convidar Musk para o
palco. Houve aplausos, mas também um coro de vaias. “Parece que tem
gente que você demitiu na plateia”, falou Chapelle. Para tranquilizar Musk,
ele brincou ao dizer que as vaias eram principalmente de gente que tinha
ficado em “lugares horríveis no teatro”.
Os tuítes erráticos de Musk prejudicaram ainda mais a relação do Twitter
com os anunciantes. Ele pediu uma conversa com David Zaslav, o CEO da
Warner Bros. Discovery, e eles conversaram por mais de uma hora. Zaslav
disse que Musk estava agindo de modo autodestrutivo, o que tornava difícil
atrair novas marcas. Ele devia se concentrar em melhorar o produto
acrescentando a possibilidade de postar vídeos mais longos e fazendo com
que os anúncios fossem mais eficientes.
Essa situação chegou inclusive a afetar a Tesla. As ações da empresa
tinham caído para 156 dólares, sendo que estavam em 340 dólares quando
ele anunciou pela primeira vez seu interesse no Twitter. Na reunião em
Austin em 14 de dezembro, o conselho da Tesla, normalmente muito
solícito, disse a Musk que as controvérsias do Twitter estavam prejudicando
a marca da Tesla. Musk respondeu dizendo que os números de vendas iam
mal no mundo todo, inclusive nos lugares em que as pessoas não estavam
prestando atenção às controvérsias, e isso se devia principalmente a fatores
macroeconômicos. Contudo, tanto Kimbal quanto o presidente do conselho,
Robyn Denholm, continuaram pressionando, dizendo que o
comportamento dele era um fator. “O elefante gigantesco na sala era ele
agindo como um idiota”, afirma Kimbal.
capítulo 92
Travessuras natalinas
Dezembro de 2022

Os mosqueteiros com a equipe de mudança em Sacramento; James ajudando a


empurrar um rack de servidor
“Este prazo parece algo remotamente aceitável para mim?”, perguntou
Musk. “Obviamente, não. Se um prazo é extenso, está errado.”
Era tarde da noite do dia 22 de dezembro, e a reunião na sala de
conferências de Musk, no décimo andar do Twitter, havia ficado tensa. Ele
estava falando com dois gerentes de infraestrutura que não tinham muito
contato com Musk até então, e certamente não quando ele estava de mau
humor.
Um deles tentou explicar o problema. A empresa de hospedagem de
dados que alojava uma das fazendas de servidores do Twitter, em
Sacramento, havia concordado em permitir extensões de curto prazo na
locação, para que eles pudessem começar a sair, de maneira ordenada,
durante 2023. “Mas, esta manhã”, disse o gerente nervoso a Musk, “eles nos
procuraram para informar que o plano não estava mais disponível porque, e
foram estas as palavras que usaram, eles acham que nós não vamos ser
financeiramente viáveis”.
As instalações custavam mais de 100 milhões de dólares por ano para o
Twitter. Musk queria economizar esse dinheiro ao mudar os servidores para
uma das outras instalações do Twitter, em Portland, Oregon. Outra gerente
presente na reunião disse que não era possível fazer isso imediatamente.
“Não podemos sair com segurança em menos de seis a nove meses”, falou
ela num tom de quem enuncia um fato. “Sacramento precisa continuar
disponível para suportar o tráfego.”
Por anos, Musk havia se deparado muitas vezes com escolher entre o que
julgava necessário e aquilo que os outros diziam ser possível. O resultado era
quase sempre o mesmo. Ele ficou em silêncio por alguns momentos e
anunciou em seguida: “Vocês têm noventa dias para fazer isso. Se não
conseguirem, estão demitidos.”
A gerente começou a explicar em detalhes alguns obstáculos para a
realocação dos servidores para Portland. “Lá há diferentes densidades nos
racks, diferentes densidades de alimentação”, enumerou. “Então as salas
precisam ser atualizadas.” Ela começou a detalhar ainda mais a situação,
porém Musk a interrompeu depois de um minuto.
“Isso está me dando dor de cabeça”, disse ele.
“Desculpe, não era minha intenção”, respondeu a gerente em um tom
cuidadoso.
“Sabe o emoji de explosão mental?”, perguntou Musk a ela. “É assim que
sinto minha cabeça agora. Quanta merda. Jesus Cristo. Portland com
certeza tem muito espaço. Mudar os servidores de um lugar para outro é
banal.”
Os gerentes tentaram novamente explicar as restrições. Musk os
interrompeu. “Você pode enviar alguém até nossos centros de servidores e
me mandar vídeos deles por dentro?”, perguntou. Faltavam três dias para o
Natal, e os gerentes prometeram o vídeo para dali a uma semana. “Não,
amanhã”, ordenou Musk. “Já construí data centers e consigo discernir se
posso colocar mais servidores lá ou não. É por isso que perguntei se você
tinha realmente visitado as instalações. Se não esteve lá, está falando
merda.”
Tanto a SpaceX quanto a Tesla eram um sucesso porque Musk havia
pressionado sem parar as equipes para que improvisassem mais, fossem mais
ágeis e trabalhassem incessantemente a fim de eliminar todos os obstáculos.
Foi assim que eles montaram uma linha de produção de carros em uma
tenda em Fremont e uma área de testes no deserto do Texas, além de uma
plataforma de lançamento em Cabo Canaveral feita de itens usados. “É só
mudar a porra dos servidores para Portland”, disse ele. “Se demorar mais de
trinta dias, vou ficar chocado.” Ele parou e recalculou. “Só consiga uma
empresa de mudança, e vai demorar uma semana para levar os
computadores e mais uma para ligar. Duas semanas. É assim que tem que
ser.” Todo mundo ficou em silêncio. Musk, porém, estava só no
aquecimento. “Se você alugar a porra de um U-Haul, provavelmente
consegue fazer por conta própria.” Os dois gestores do Twitter olharam para
ter certeza de que ele falava sério. Steve Davis e Omead Afshar também
compunham a mesa. Os dois já haviam visto Musk assim muitas outras
vezes, e sabiam que era provável que sim.
A invasão de Sacramento
“Por que a gente não faz isso agora?”, perguntou James Musk.
Ele e o irmão Andrew iam voar com Elon de São Francisco para Austin
na noite de sexta, 23 de dezembro, no dia seguinte à reunião frustrante de
infraestrutura sobre quanto tempo levaria para tirar os servidores das
instalações de Sacramento. Esquiadores entusiasmados, eles haviam
planejado ir sozinhos para Tahoe no Natal, mas Elon os convidou para ir a
Austin naquele dia. James estava relutante. Mentalmente exausto, ele não
precisava de mais intensidade, mas Andrew o convenceu, e assim foram
parar no avião — com Musk, Grimes e X, com Steve Davis e Nicole
Hollander e o bebê deles —, ouvindo Elon reclamar dos servidores.
Eles sobrevoavam algum lugar de Las Vegas quando James sugeriu que
podiam mudar os servidores imediatamente. Musk amava esse tipo de ideia
impulsiva, pouco prática e que surge do nada. Já era tarde da noite, mas ele
disse para o piloto alterar a rota e eles voltaram para Sacramento.
O único carro alugado que encontraram quando pousaram foi um Toyota
Corolla. O chefe da segurança de Musk assumiu a direção, Grimes se
sentou no colo de Musk no assento do passageiro e os outros se apertaram
no banco de trás. Ele não tinha certeza se era possível entrar no data center
à noite, mas um funcionário muito surpreso do Twitter, um cara chamado
Alex, do Uzbequistão, ainda estava lá. Ele ficou contente em deixá-los
entrar e mostrar o lugar.
As instalações, que abrigavam salas de servidores para muitas outras
empresas também, eram bem seguras, com scanners de retina para permitir
a entrada em cada cofre. Alex, o uzbeque, conseguiu autorizar a entrada
deles no cofre do Twitter, que continha cerca de 5.200 racks refrigerados
com trinta computadores cada. “Isso não parece muito difícil de carregar”,
disse Elon. Era uma afirmação descolada da realidade, já que cada rack
pesava uma tonelada e tinha 2,5 metros de altura.
“Você vai ter que contratar um empreiteiro para levantar os painéis do
chão”, disse Alex. “Eles precisam ser levantados com ventosas.” Outro
grupo de empreiteiros teria que entrar sob os painéis do chão e desconectar
os cabos elétricos e as hastes sísmicas.
Musk virou para o segurança e pediu emprestado o canivete dele. Com o
objeto, ele conseguiu levantar uma das saídas de ar do chão, o que permitiu
abrir os painéis do chão. Então Musk engatinhou sob o chão do servidor,
usou o canivete para abrir o armário de cabos, desligou os servidores e
esperou para ver o que acontecia. Nada explodiu. O servidor estava pronto
para ser movido. “Olha, isso não pareceu tão difícil”, disse ele enquanto
Alex, o uzbeque, e os demais o encaravam. Musk estava totalmente
empolgado. Ele disse, rindo alto, que era uma espécie de remake de Missão
Impossível, edição Sacramento.

***

No dia seguinte — véspera de Natal —, Musk pediu reforços. Ross


Nordeen saiu de São Francisco de carro. Ele parou na loja da Apple na
Union Square e gastou 2 mil dólares para comprar o estoque inteiro de
AirTags com a finalidade de que os servidores pudessem ser mapeados
durante a viagem, e em seguida foi à Home Depot, onde gastou 2.500
dólares em chaves, alicates, lâmpadas de cabeça e ferramentas necessárias
para soltar as hastes sísmicas. Steve Davis conseguiu alguém da e Boring
Company para alugar um caminhão e convocar furgões de mudança. Outros
convocados chegaram da SpaceX.
Os racks estavam sobre rodas, então a equipe conseguiu desconectar
quatro deles e levá-los até o caminhão. Isso mostrou que todos os 5.200
poderiam ser movidos em dias. “Os caras estão matando a pau!”, exultou
Musk.
Outros trabalhadores no data center acompanhavam a cena com uma
mistura de espanto e horror. Musk e seu time de renegados estavam tirando
os servidores sem encaixotá-los ou envolvê-los em material de proteção, e
depois usavam cordas comuns para prendê-los no caminhão. “Nunca
carreguei um caminhão antes”, admitiu James. Ross disse que era
“assustador”. Era como esvaziar um armário, “mas o conteúdo é
extremamente importante”.
Às três da madrugada, depois de conseguirem colocar quatro servidores
no caminhão, as notícias sobre a travessura chegaram aos principais
executivos da NTT, a empresa proprietária e responsável pela gestão do data
center. Eles mandaram que a equipe de Musk interrompesse a mudança.
Musk estampava a mistura de alegria e raiva que frequentemente
acompanham suas ondas maníacas. Ele ligou para o CEO da empresa de
armazenamento, o qual explicou para Musk que era impossível mover os
racks de servidores sem um grupo de especialistas. “Bobagem”, retrucou
Musk. “Já colocamos quatro deles no caminhão.” O CEO disse a ele que
alguns dos pisos não suportavam 250 quilos de pressão, então carregar um
servidor de uma tonelada poderia causar danos. Musk respondeu que os
servidores tinham quatro rodas, então a pressão em qualquer ponto era só de
250 quilos. “O cara não é muito bom de matemática”, disse Musk para os
mosqueteiros.
Como ele estragou a véspera de Natal dos gestores da NTT, além de lhes
causar uma perda potencial de receita de mais de 100 milhões de dólares no
próximo ano, Musk mostrou compaixão e disse que suspenderia a mudança
dos servidores por dois dias. Entretanto, eles iriam voltar, avisou, no dia
seguinte ao Natal.

Natal em família
Tarde da noite na véspera de Natal, com o cessar-fogo temporário no data
center de Sacramento, Musk convidou James e Andrew, cujos planos de
esquiar tinham ido por água abaixo, a ir a Boulder e passar o Natal com
Kimbal e a família. Christiana correu para comprar presentes e brindes para
as meias dos dois convidados inesperados. Kimbal cozinhou rosbife e fez um
pudim Yorkshire de trinta centímetros. O filho de Elon, Damian, que
também era um chef ávido, fez um prato com batatas. X brincou com um
foguete de pressão, fazendo a contagem regressiva, e pisou no botão para
lançá-lo. James e Andrew mergulharam na banheira de hidromassagem para
relaxar.
A visita era uma chance para Kimbal ter uma conversa séria com o irmão
sobre como, desde o acordo com o Twitter, ele estava descontrolado. Um
ano antes, ele havia sido escolhido a Personalidade do Ano e o homem mais
rico do mundo, e naquele momento não era mais nenhum dos dois. Parecia
uma situação semelhante à que aconteceu em 2018, e era hora de mais um
aviso de segurança. Você está fazendo inimigos a uma velocidade perigosa e
É
em níveis perigosos, disse Kimbal. “É como na época do ensino médio,
quando você apanhava o tempo todo.”
Kimbal chegou a questionar se Elon queria permanecer como CEO da
Tesla. A empresa enfrentava problemas e ele não estava dando atenção a
isso. “Por que você não deixa de ser CEO?”, perguntou Kimbal. Elon não
estava pronto para responder a isso.
Havia também o problema de seus tuítes tarde da noite. Kimbal havia
parado de seguir Elon no Twitter porque era estressante demais. Elon
admitiu que o tuíte sobre Paul Pelosi foi um erro. Ele não havia percebido
que a história que viu on-line sobre o michê não era de um site confiável.
“Você é um idiota”, disse Kimbal. “Pare de cair nessas coisas idiotas.” O
mesmo valia para o tuíte dele sobre Fauci. “Não é certo. Não é engraçado.
Você não pode fazer essas merdas.” Kimbal também criticou James e
Andrew por incentivá-lo. “Isso não está certo, gente. Não está certo.”
Um assunto que eles não discutiram foi o Twitter como empresa.
Quando Elon comentou, Kimbal se recusou a falar sobre isso. “Eu não me
importo com o Twitter”, disse ele. “É só uma espinha na bunda comparado
ao impacto que você deveria causar no mundo.” Elon discordou, mas os dois
não discutiram.
Uma tradição de Natal de Kimbal e Christiana era pedir a todos que
refletissem sobre uma pergunta. Naquele ano foi “Quais arrependimentos
você tem?”. “Meu principal arrependimento”, respondeu Elon, “é a
frequência com que eu enfio o garfo na minha perna, atiro no meu meu pé e
enfio a faca no meu olho”.

***

O Natal deu a Musk a oportunidade de se reconectar com os filhos Griffin,


Damian e Kai, que haviam se distanciado durante a confusão causada pelo
Twitter e pelos tuítes dele. Como James e Andrew, eles foram abençoados
com habilidades especiais em matemática e ciências, mas não carregavam os
demônios e a dureza do pai e do avô. Ser filho de Elon Musk era difícil, mas
eles eram “estoicos”, como Musk dizia.
Ele falou com Kai, então com 16 anos, sobre a possibilidade de o rapaz
sair do ensino médio e ir trabalhar no Twitter. “Ele é um programador
fenomenal, então podia escrever software e fazer o ensino médio on-line,
que foi o que Damian fez”, diz Musk. “Não estou pressionando muito
porque sei que tem um elemento social na escola, mas ele é inteligente
demais para o ensino médio. É meio ridículo.” Kai disse que ia pensar no
assunto.
Damian, gêmeo idêntico de Kai, tinha o mesmo brilhantismo, mas
interesses diferentes. Ele trabalhava havia mais de um ano com computação
quântica e criptografia no laboratório acadêmico de um físico de partículas.
Depois de concluir o ensino médio on-line, foi aceito em uma das principais
universidades dos Estados Unidos em pesquisa, mas Musk achava que não
seria intelectualmente desafiador o suficiente para ele se matricular lá. “Ele
já sabe matemática e física no nível da graduação.”
Griffin era o mais tranquilo e extrovertido da família Musk. Como
calouro em uma universidade da Ivy League, estava lidando com a
animosidade direcionada ao pai. Ao falar sobre si mesmo, ele é muito
respeitoso e humilde, mas disse, quase se desculpando: “Não quero que isso
soe arrogante, mas sou o primeiro em minha turma de 450 estudantes de
ciência da computação.” Ele passava muito tempo, assim como o pai na
adolescência, programando videogames. O que ele mais gostava de jogar era
Elden Ring.
Jenna não estava lá, claro. Christiana, porém, enviou uma mensagem na
qual dizia que a família toda sentia a ausência dela e que enviaria a meia
natalina que havia feito. “Obrigada”, respondeu Jenna. “Isso significa muito
para mim.”
Já Saxon, que é autista, mostrou novamente a sabedoria que tinha. Uma
hora a família estava discutindo como precisavam usar pseudônimos quando
fossem a um restaurante. “Ah, sim”, disse. “Se alguém descobrir que sou
filho do Elon Musk vai ficar irritado comigo porque ele está estragando o
Twitter.”

A invasão continua
Depois do Natal, Andrew e James voltaram a Sacramento para ver quantos
servidores mais conseguiam transferir. Como não haviam levado roupas
suficientes, foram ao Walmart para comprar calças jeans e camisetas.
Os supervisores da NTT que comandavam as instalações continuaram a
criar obstáculos, alguns bastante compreensíveis. Em vez de deixá-los abrir
completamente a porta do cofre, por exemplo, eles exigiam que os
mosqueteiros e a equipe passassem pelo scanner de retina toda vez que
entravam. Uma das supervisoras os vigiava o tempo todo. “Ela era a pessoa
mais insuportável com quem já trabalhei”, diz James. “Mas, para ser justo,
consigo entender a situação, porque estávamos estragando o fim de ano dela,
né?”
As equipes de mudança que a NTT queria que eles usassem cobravam
200 dólares por hora. Então James entrou no Yelp e encontrou uma empresa
chamada Extra Care Movers, que iria fazer o mesmo trabalho por um
décimo do custo. Era uma empresa mambembe que elevava a ideia de
improvisação a outro nível. O dono havia morado na rua por um tempo,
teve um filho e estava tentando mudar de vida. Ele não tinha conta
bancária, portanto James acabou usando o PayPal para pagá-lo. No segundo
dia, a equipe queria dinheiro, então James foi ao banco e sacou 13 mil
dólares de sua conta pessoal. Dois dos membros da equipe não tinham
documentos, o que dificultava a entrada deles nas instalações. Entretanto,
compensavam em trabalho. “Vocês ganham 1 dólar de gorjeta para cada
servidor que conseguirmos transportar”, anunciou James em determinado
momento. Dali em diante, quando chegava mais um ao caminhão, os
trabalhadores perguntavam quanto já haviam ganhado.
Os servidores continham dados de usuários, e James não havia percebido
inicialmente que, por questão de privacidade, eles deveriam apagar tudo
antes de transportá-los. “Quando descobrimos isso, os servidores já haviam
sido desligados e transportados, então não tinha como levá-los de volta,
ligar e apagar”, diz. Além disso, o software para apagar não estava
funcionando. “Merda, o que a gente faz?”, perguntou ele. Elon recomendou
que trancassem os caminhões e ficassem de olho. Então James mandou
alguém até a Home Depot para comprar grandes cadeados, e eles enviaram
os códigos em uma planilha para Portland a fim de que os caminhões
pudessem ser abertos lá. “Não acredito que tenha funcionado”, diz James.
“Todos chegaram em segurança a Portland.”
No fim da semana, eles haviam usado todos os caminhões disponíveis de
Sacramento. Apesar de a área ter sido castigada com muita chuva, foram
movidos mais de setecentos racks em três dias. O recorde anterior naquelas
instalações havia sido trinta em um mês. Isso ainda deixava muitos dos
servidores no local, mas os mosqueteiros tinham provado que era possível
transportá-los rapidamente. O resto foi feito pela equipe de infraestrutura
do Twitter em janeiro.
Elon havia prometido a James um grande bônus, de até 1 milhão de
dólares, se ele conseguisse transportar os servidores até o fim do ano. Nada
foi registrado por escrito, mas James confiava no primo. Depois da
mudança, Jared Birchall disse que o acordo se aplicava apenas ao total de
servidores ligados e funcionando em Portland. Como eles precisavam de
novas conexões elétricas, o total era de zero. James escreveu para Elon, que
respondeu propondo mil dólares para cada servidor que chegasse em
segurança em Portland, ligado ou não. Isso somava um pouco mais de 700
mil dólares. Elon também ofereceu a ele um pacote de ações para se juntar
ao Twitter. James aceitou ambos.
James amava a família na África do Sul. Tendo perdido a chance de
passar o Natal com eles, planejava usar parte do bônus na compra de
passagens para que eles visitassem os Estados Unidos na primavera. Ele
também estava economizando para comprar uma casa e dá-la aos pais na
Califórnia. “Meu pai ama trabalhar com madeira, mas acabou de cortar
parte do dedo fora e está passando por dificuldades”, diz James. “Sou muito
ligado a ele.”

***

Tudo muito excitante e inspirador, certo? Um exemplo da abordagem


corajosa e improvisada de Musk! Como tudo na vida de Musk, porém,
infelizmente não era tão simples. Era também um exemplo da imprudência,
da impaciência com adversidades e da maneira como ele intimidava as
pessoas. Os engenheiros de infraestrutura do Twitter haviam tentado
explicar para ele, naquela reunião com o emoji de explosão mental uma
semana antes, por que uma interrupção rápida do data center de
Sacramento seria problemática, mas ele os silenciou. Ele tinha um bom
histórico de saber quando ignorar quem lhe negava algo. Contudo, não era
perfeito. Nos dois meses seguintes, o Twitter ficou instável. A falta dos
servidores causava colapsos, inclusive quando Musk foi anfitrião de um
Twitter Spaces para o candidato a presidente Ron DeSantis. “Em
retrospecto, o completo fechamento de Sacramento foi um erro”, admitiria
Musk em março de 2023. “Fui informado de que tínhamos redundância em
nossos data centers. O que não me disseram era que tínhamos 70 mil
referências codificadas de Sacramento. E ainda há coisas que estão com
problemas por causa disso.”
Os assessores mais valiosos de Musk na Tesla e na SpaceX haviam
desenvolvido vários formas de desviar das ideias ruins dele e alimentá-lo aos
poucos com informações indesejáveis, mas os funcionários do Twitter não
sabiam como lidar com o chefe. Dito isso, o Twitter sobreviveu. E a
travessura em Sacramento mostrou aos funcionários do Twitter que Musk
falava sério sobre a necessidade de um sentimento maníaco de urgência.

Véspera de Ano-Novo
Musk precisava muito descomprimir. Ele não era bom em tirar férias, mas
algumas vezes fugia por dois ou três dias no ano para Lanai, no Havaí, e
ficava em uma das casas de seu mentor, Larry Ellison, como havia feito em
abril quando decidiu comprar o Twitter. No fim de dezembro, foi para lá
com Grimes e X.
Ellison havia construído recentemente na ilha um observatório
astronômico com domo e um telescópio de espelho de um metro que pesava
1,4 tonelada. Musk pediu que ele fosse apontado para Marte. Depois de
olhar no visor por um tempo em silêncio, chamou X e o levantou para ver.
“Veja isso”, disse. “É aí que você um dia vai morar.”
Depois Musk, Grimes e X voaram até Cabo San Lucas, no México, para
celebrar um bem-vindo fim de um tumultuado 2022 com Kimbal e família.
Os quatro filhos mais velhos de Musk estavam lá, assim como todos os
filhos do irmão. “Fazia bem para nosso sistema nervoso estarmos juntos”,
diz Kimbal. “Somos uma família muito complexa e é muito raro todo
mundo estar feliz ao mesmo tempo.”
Desde a compra do Twitter, Musk estava no modo guerra, com a
mentalidade que havia lhe permeado a infância e criado ressentimentos
facilmente desencadeados — de quem está com a mente em estado de sítio.
Os pés dele estavam pesados, a linguagem corporal, feroz e a postura, tensa,
pronta para a batalha. Apesar disso, as reuniões de família produziam alguns
períodos de calma intermitente. Na primeira noite em Cabo, ele foi jantar
só com Kimbal, Kai e Antonio Gracias em um restaurante muito tranquilo.
No dia seguinte, jogaram jogos de tabuleiro e assistiram a filmes. O que
Musk escolheu era o drama de ação de 1993 O Demolidor, no qual Sylvester
Stallone é um policial apaixonado por perigo que desempenha o papel com
tanta intensidade que causa enormes danos colaterais. Ele achou engraçado.
Houve uma festa comunitária para celebrar a véspera do Ano-Novo, que
culminou com a contagem regressiva tradicional à meia-noite. Depois dos
abraços e fogos de artifício, Musk ficou com o olhar vazio e fixo em algo a
distância. Os amigos sabiam que não deveriam interromper quando ele
estava nesses transes, mas Christiana colocou a mão nas costas dele e
perguntou se estava tudo bem. Ele ficou em silêncio por mais um minuto.
“Temos que colocar a Starship em órbita”, disse ele finalmente. “Precisamos
colocar a Starship em órbita.”
capítulo 93
IA para carros
Tesla, 2022-2023

Dhaval Shroff e a mesa dele na Tesla


Carros que aprendem com humanos
“É tipo o ChatGPT, só que pra carros”, disse Dhaval Shroff a Musk. Ele
estava comparando o projeto dele na Tesla com o chatbot de inteligência
artificial que acabara de ser lançado pela OpenAI, o laboratório que Musk
fundou com Sam Altman em 2015. Durante quase uma década, Musk
vinha trabalhando em várias formas de inteligência artificial — entre elas,
carros autônomos, o robô Optimus e a interface cérebro-máquina da
Neuralink. O projeto de Shroff envolvia a mais nova fronteira do
aprendizado de máquinas: a elaboração de um sistema de direção autônoma
de carros que aprendesse com o comportamento humano. “Processamos
uma quantidade de dados sobre como humanos reais agiram em situações
complexas de direção e, em seguida, treinamos uma rede neural de
computador para imitar isso.”
Musk tinha pedido para se reunir com Shroff — que às vezes atuava
como um quarto mosqueteiro com James, Andrew e Ross — porque estava
pensando em convencê-lo a sair da equipe do Autopilot da Tesla para
trabalhar no Twitter. Shroff esperava evitar isso convencendo Musk da
importância crucial, para a Tesla e para o mundo, do projeto em que ele
estava trabalhando, um componente “aprenda-com-os-humanos” para o
software de direção autônoma da Tesla que eles chamavam de “planejador
de rotas de rede neural”.
A reunião deles estava marcada para um dia que estava tão absurdamente
abarrotado de histórias se cruzando que chegaria a soar artificial se fosse um
roteiro: sexta-feira, 2 de dezembro de 2022, dia em que os primeiros textos
do Twitter Files de Matt Taibbi seriam publicados. Shroff chegou à sede do
Twitter naquela manhã, como solicitado, porém Musk, que tinha acabado
de voltar da revelação do Cybertruck em Nevada, se desculpou. Ele tinha
esquecido que deveria ir a Nova Orleans para se encontrar com o então
presidente francês Macron e falar sobre as regras europeias de moderação de
conteúdo. Ele pediu que Shroff voltasse à noite. Enquanto esperava
Macron, Musk mandou mensagens para Shroff nas quais marcava a
conversa deles para mais tarde. “Vou atrasar umas quatro horas”, escreveu
Musk a certa altura. “Você se importa de esperar?” Foi nesse momento
também que ele escreveu para Bari Weiss e Nellie Bowles, do nada, e pediu
que elas fossem a São Francisco e se encontrassem com ele naquela noite
para ajudar nos Twitter Files.
Musk finalmente pôde se reunir com Shroff, assim que chegou de volta a
São Francisco tarde da noite. O convidado explicou os detalhes do projeto
de planejamento de rede neural em que ele estava trabalhando. “Acho que é
muito importante que eu continue fazendo o que estou fazendo”, disse
Shroff. Ao ouvir isso, Musk voltou a ficar empolgado com o projeto e
concordou. No futuro, ele percebeu, a Tesla não seria apenas uma empresa
automotiva nem apenas uma empresa de energia limpa. Com a Direção
Totalmente Autônoma, o robô Optimus e o supercomputador Dojo voltado
para o aprendizado de máquinas, a Tesla seria uma empresa de inteligência
artificial — uma empresa que iria operar não apenas no mundo virtual dos
chatbots, mas também no mundo real das fábricas e ruas. Ele já estava
pensando em contratar um grupo de peritos em AI para competir com a
OpenAI, e a equipe de planejamento de rede neural da Tesla
complementaria o trabalho deles.

***

Por anos, o sistema do Autopilot da Tesla funcionou com uma abordagem


baseada em regras. O sistema usava dados visuais das câmeras de um carro e
identificava sinalizações de pista, pedestres, veículos, placas e tudo o que
estivesse ao alcance das oito câmeras. Depois o software aplicava um
conjunto de regras, como Pare quando o sinal estiver vermelho; Ande quando o
sinal estiver verde; Fique entre as faixas que marcam as pistas; Não cruze faixas
duplas amarelas quando houver trânsito; Atravesse a esquina apenas quando não
houver carros vindo rápido o suficiente para bater em você; e assim por diante.
Os engenheiros da Tesla escreviam e atualizavam manualmente centenas de
milhares de linhas de código C++ para aplicar essas regras a situações
complexas.
O projeto de planejamento de rede neural em que Shroff trabalhava
acrescentaria uma nova camada. “Em vez de determinar o caminho
adequado do carro com base apenas em regras”, diz Shroff, “determinamos o
caminho adequado do carro também com base em uma rede neural que
aprende a partir de milhões de exemplos do que os humanos fizeram”. Em
outras palavras, trata-se de imitar humanos. Ao se deparar com uma
situação, a rede neural escolhe um caminho com base no que humanos
fizeram em milhares de situações semelhantes. É parecido com o modo
como humanos aprendem a falar, a dirigir, a jogar xadrez, a comer espaguete
e a fazer quase tudo o mais; podem nos dar um conjunto de regras para
seguir, mas basicamente nós adquirimos habilidades ao observar o modo
como outras pessoas fazem a mesma coisa. Era o modo de aprendizado de
máquinas vislumbrado por Alan Turing em seu ensaio de 1950,
“Computing Machinery and Intelligence”.
A Tesla contava com um dos maiores supercomputadores para treinar
redes neurais. Ele tinha unidades de processamento gráfico (GPUs) feitas
pela Nvidia, uma empresa que produz chips. O objetivo de Musk para 2023
era passar do uso do Dojo, o supercomputador que a Tesla estava
construindo do zero, para o uso de dados de vídeo com o objetivo de treinar
o sistema de IA. Com chips e infraestrutura projetados pela equipe de IA
da própria Tesla, o sistema tem uma capacidade de processamento de quase
oito exaflops (1018 operações por segundo), o que faz dele o mais poderoso
computador do mundo para esse propósito. O computador seria usado tanto
para o software de direção autônoma quanto para o robô Optimus. “É
interessante trabalhar com eles juntos”, diz Musk. “Os dois estão tentando
descobrir como agir no mundo.”
No início de 2023, o projeto de planejamento de rede neural tinha
analisado 10 milhões de frames de vídeo coletados de carros de clientes da
Tesla. Isso significa que o sistema seria no máximo tão bom quanto os
motoristas humanos médios? “Não, porque só usamos dados de humanos
quando eles lidam bem com uma situação”, explica Shroff. Etiquetadores
humanos, muitos deles trabalhando em Buffalo, Nova York, analisavam os
vídeos e davam notas para eles. Musk disse que eles deveriam procurar por
coisas que “um motorista de Uber cinco estrelas faria”, e aqueles eram os
vídeos usados para treinar o supercomputador.
Musk caminhava com frequência pelas instalações da Tesla em Palo Alto,
onde os engenheiros do Autopilot ficavam num espaço sem divisórias, e se
ajoelhava ao lado deles para discussões improvisadas. Certo dia, Shroff
mostrou para ele o progresso que a equipe estava fazendo. Musk ficou
impressionado, mas tinha uma pergunta: essa nova abordagem era
realmente necessária? Não era um certo exagero? Uma das máximas dele era
jamais usar um míssil para matar uma mosca; basta usar um mata-moscas.
Será que usar uma rede neural para planejar rotas não era um modo
desnecessariamente complexo para lidar com uns poucos casos atípicos?
Shroff mostrou a Musk exemplos nos quais um planejador de rede neural
funcionaria melhor que uma abordagem baseada em regras. A demonstração
apresentava uma via cheia de latas de lixo, cones de trânsito caídos e detritos
aleatórios. Um carro guiado pelo planejador de rede neural foi capaz de
desviar dos obstáculos, atravessando as faixas entre as pistas e quebrando
algumas regras quando necessário. “Eis o que acontece quando a gente passa
da abordagem de regras para a abordagem de rede neural”, disse Shroff para
ele. “O carro jamais vai bater se você ligar isso aqui, mesmo em ambientes
desestruturados.” Era o tipo de salto rumo ao futuro que empolgava Musk.
“A gente devia fazer uma demonstração no estilo James Bond”, disse ele,
“com bombas explodindo por todo lado e um disco voador caindo do céu
enquanto o carro passa acelerando por tudo sem bater em nada”.
Sistemas de aprendizado de máquinas em geral precisam de uma meta ou
de uma métrica que os oriente durante o treinamento. Musk, que gostava de
gerir definindo quais métricas deveriam servir de parâmetro, deu um norte
para eles: a quantidade de quilômetros que os carros com o sistema de
Direção Totalmente Autônoma da Tesla podiam fazer sem precisar de
intervenção humana. “Quero que um slide com os dados mais recentes de
quilômetros por intervenção seja apresentado no início de cada reunião
nossa”, decretou ele. “Se estamos treinando uma IA, o que vamos otimizar?
A resposta é a maior quantidade de quilômetros entre intervenções.” Ele
disse aos engenheiros para fazer disso uma espécie de videogame em que
eles podiam ver a pontuação todos os dias. “Videogames sem pontuação são
chatos, então vai ser motivador ver todo dia o número de quilômetros por
intervenção subir.”
Alguns membros da equipe instalaram televisores gigantes de 85
polegadas no ambiente de trabalho que mostravam em tempo real a
quantidade de quilômetros que os carros com Direção Totalmente
Autônoma estavam fazendo, em média, sem intervenções. Sempre que viam
um tipo de intervenção recorrente — como pegar o volante durante uma
troca de pista ou numa junção de duas vias ou uma curva numa interseção
complexa —, trabalhavam tanto com as regras quanto com o planejador de
rede neural para resolver isso. Foi colocado um gongo perto das mesas, que
era soado sempre que resolviam com sucesso um problema que causava
intervenção.

Um test drive com IA


Em meados de abril de 2023, havia chegado a hora de Musk testar o novo
planejador de rede neural. Ele o levou para um passeio em Palo Alto. Shroff
e a equipe do Autopilot tinham configurado um carro para se basear em
software treinado pela rede neural para imitar motoristas humanos. O
software tinha o mínimo possível de código baseado nas regras tradicionais.
Musk se sentou no banco ao lado de Ashok Elluswamy, diretor do
software de Autopilot da Tesla. Shroff se acomodou no banco de trás com
mais dois membros da equipe, Matt Bauch e Chris Payne. O trio vinha
trabalhando em mesas adjacentes na Tesla havia oito anos, e todos eles
moravam a poucas quadras uns dos outros em São Francisco. Nas mesas,
onde a maioria das pessoas tinha retratos das respectivas famílias, todos eles
tinham fotos idênticas dos três posando juntos em uma festa de Halloween.
James Musk tinha sido o quarto membro da equipe, até o tio comprar o
Twitter e levá-lo para lá, o mesmo destino que Shroff conseguiu evitar.
Enquanto eles se preparavam para sair do estacionamento do complexo
da Tesla em Palo Alto, Musk escolheu uma localização no mapa para servir
de destino do carro, clicou em Direção Totalmente Autônoma e tirou as
mãos do volante. Quando o carro entrou na via principal, surgiu o primeiro
desafio assustador: um ciclista estava vindo no caminho deles. “Todos nós
seguramos a respiração, porque ciclistas podem ser imprevisíveis”, diz
Shroff. No entanto, Musk estava tranquilo e não tentou pegar o volante. Por
conta própria, o carro esperou. “Pareceu exatamente o que um motorista
humano faria”, diz Shroff.
Shroff e os dois integrantes de sua equipe explicaram em detalhes como o
software de Direção Totalmente Autônoma usado por eles tinha sido
treinado com milhões de trechos de vídeo coletados por câmeras de carros
de clientes. O resultado era um software com um conjunto de soluções bem
mais simples do que o tradicional baseado em milhares de regras
programadas por humanos. “Ele roda dez vezes mais rápido e em última
instância poderia permitir apagar 300 mil linhas de código”, disse Shroff.
Bauch disse que era como um robô de IA jogando um videogame muito
chato. Musk deixou escapar uma risada. Depois, enquanto o carro se movia
por conta própria em meio ao tráfego, ele pegou o celular e começou a
tuitar.
Durante vinte minutos, o carro dirigiu em vias rápidas e ruas menos
movimentadas, fazendo curvas complexas e evitando ciclistas, pedestres e
animais. Musk não tocou no volante sequer uma vez. Ele só interveio umas
poucas vezes pisando no acelerador ao achar que o carro estava sendo
cauteloso demais — por exemplo, quando o veículo foi excessivamente
respeitoso num cruzamento sem semáforo. A certa altura, o carro realizou
uma manobra que ele achou melhor do que ele próprio teria feito. “Ah,
uau”, disse Musk, “até a minha rede neural humana falhou aqui, mas o carro
fez a coisa certa”. Ele ficou tão feliz que começou a assobiar a serenata em
sol maior de Mozart, “Eine kleine Nachtmusik”.
“Trabalho sensacional, pessoal”, disse Musk no final. “Realmente
impressionante.” Depois, todos foram para a reunião semanal da equipe do
Autopilot, na qual vinte engenheiros, quase todos com camisetas pretas,
estavam sentados em volta de uma mesa de reuniões para ouvir o veredito.
Muitos não tinham acreditado que o projeto da rede neural funcionaria.
Musk declarou que passara a levar fé no projeto e que eles deveriam deslocar
muitos recursos para acelerá-lo.
Durante a discussão, Musk se ateve a um fato fundamental descoberto
pela equipe: a rede neural só funcionava bem se treinada com pelo menos 1
milhão de trechos de vídeo, e começava a ficar realmente boa depois de 1,5
milhão de clipes. Isso dava à Tesla uma imensa vantagem sobre outras
empresas automotivas e de IA. A empresa tinha uma frota de quase 2
milhões de Teslas rodando pelo mundo e coletando bilhões de frames de
vídeo por dia. “Estamos numa condição única para fazer isso”, disse
Elluswamy na reunião.
A capacidade de coletar e analisar imensos fluxos de dados em tempo real
seria crucial para todas as formas de IA, desde carros autônomos até robôs
Optimus, passando por robôs como o ChatGPT. E Musk passara a ter duas
fontes poderosas de dados em tempo real, os vídeos dos carros autônomos e
os bilhões de posts feitos toda semana no Twitter. Ele disse na reunião do
Autopilot que tinha acabado de fazer uma compra grande de mais de 10 mil
chips GPUs para processamento de dados, e anunciou que faria reuniões
mais frequentes sobre chips potencialmente mais poderosos para o Dojo que
estavam sendo projetados na Tesla. Musk também admitiu, com remorso,
que a travessura de eviscerar o data center do Twitter em Sacramento no
Natal fora um erro.
Um superastro da engenharia de IA estava ouvindo a reunião. Musk
tinha acabado de contratá-lo naquela semana para um novo projeto secreto
prestes a ser lançado.
capítulo 94
IA para humanos
X. AI, 2023

Em Austin com Shivon Zilis e os gêmeos, Strider e Azure


A grande corrida
Revoluções tecnológicas geralmente começam com pouco estardalhaço. Em
1760, ninguém acordou certa manhã e gritou: “Meu Deus, começou a
Revolução Industrial!” Com a Revolução Digital também foi assim, por
muitos anos desenrolou-se em segundo plano, com pessoas que, por hobby,
montavam computadores pessoais para exibir em reuniões de geeks como o
Homebrew Computer Club, antes de todos se darem conta de que o mundo
estava passando por uma transformação fundamental. Contudo, a
Revolução da Inteligência Artificial foi diferente. Em questão de poucas
semanas no primeiro semestre de 2023, milhões de pessoas antenadas em
tecnologia, e em seguida os cidadãos comuns, perceberam que havia uma
transformação acontecendo a uma velocidade atordoante, capaz de mudar a
natureza do trabalho, do aprendizado, da criatividade e das tarefas do
cotidiano.
Por uma década, Musk vinha se preocupando com o perigo de um dia a
inteligência artificial sair de controle — desenvolver uma mente própria, por
assim dizer — e ameaçar a humanidade. Quando o cofundador do Google
Larry Page desdenhou das preocupações dele, chamando Musk de
“especista” por favorecer a prevalência da espécie humana sobre outras
formas de inteligência, a amizade deles acabou. Musk tentou impedir que
Page e o Google comprassem a DeepMind, a empresa fundada pelo
pioneiro da IA, Demis Hassabis. Após não ter conseguido, Musk fundou
um laboratório concorrente, uma organização sem fins lucrativos chamada
OpenAI, com Sam Altman em 2015.
Humanos podem ser mais difíceis de lidar do que máquinas, e, quando
Musk acabou rompendo com Altman, deixou o conselho da OpenAI e
levou consigo o renomado engenheiro Andrej Karpathy para liderar a
equipe do Autopilot na Tesla. Em seguida, Altman criou um braço
empresarial da OpenAI, conseguiu um investimento da Microsoft de 13
bilhões de dólares e chamou Karpathy de volta.
Entre os produtos que a OpenAI desenvolveu estava um robô chamado
ChatGPT, que foi treinado com grandes conjuntos de dados da internet
para responder a perguntas feitas pelos usuários. Quando Altman e a equipe
dele mostraram uma versão preliminar do robô para Bill Gates em junho de
2022, este disse que só se interessaria se a máquina fosse capaz de algo como
passar em um AP Test de biologia, exames para estudantes que pretendem
entrar numa universidade. “Achei que eles fossem passar uns dois ou três
anos longe”, diz Gates. Na verdade, eles voltaram em três meses. Altman, o
CEO da Microsoft, Satya Nadella, e outros foram jantar na casa do
cofundador da Microsoft para mostrar uma nova versão, chamada
ChatGPT-4, e ele bombardeou o programa com perguntas de biologia. “Foi
impressionante”, relata Gates. Em seguida, Gates perguntou o que o robô
diria a um pai com um filho doente. “Ele deu uma resposta excelente,
supercuidadosa, talvez melhor do que qualquer um de nós naquela sala
pudesse dar.”
Em março de 2023, a OpenAI lançou o ChatGPT-4 para o público. O
Google então lançou um chatbot rival chamado Bard. Dessa forma, estava
pronto o cenário para uma competição entre OpenAI-Microsoft e
DeepMind-Google para criar produtos que pudessem conversar com
humanos de uma maneira natural e desempenhar uma gama sem fim de
tarefas intelectuais baseadas em texto.
Musk tinha receio de que esses chatbots e sistemas de Inteligência
Artificial pudessem, especialmente nas mãos da Microsoft e do Google, se
tornar politicamente doutrinados, talvez até infectados por aquilo que ele
chamava de vírus da mentalidade woke. Ele também temia que sistemas de
IA de autoaprendizagem se tornassem hostis à espécie humana. E, num
nível mais imediato, preocupou-se com a possibilidade de que chatbots
fossem treinados para inundar o Twitter com desinformação, reportagens
tendenciosas e fraudes financeiras. Todas essas coisas já estavam sendo feitas
por humanos, é óbvio, mas a capacidade de usar milhares de chatbots como
armas pioraria o problema em duas ou três ordens de magnitude.
A compulsão de Musk por resolver o problema entrou em cena. Ele
chegou à conclusão de que a competição bilateral entre a OpenAI e o
Google precisava de um terceiro gladiador, um que pensasse na segurança
da IA e na preservação da humanidade. Ele ficou ressentido pelo fato de ter
fundado e financiado a OpenAI, mas ter sido deixado de fora. A IA era a
maior tempestade no horizonte. E ninguém era mais atraído por uma
tempestade do que Musk.
Em fevereiro de 2023, convidou — talvez “convocou” seja uma palavra
mais adequada — Sam Altman para se encontrar com ele no Twitter e
pediu que levasse os documentos da fundação da OpenAI. Musk desafiou-o
a justificar como ele pôde transformar legalmente uma organização sem fins
lucrativos financiada por doações em uma empresa com fins lucrativos que
ganhava milhões. Altman tentou comprovar que tudo estava dentro da lei, e
insistiu que ele próprio não era acionista nem estava tirando vantagem disso.
Altman também ofereceu a Musk ações na nova empresa, o que ele recusou.
Em vez disso, Musk desandou a atacar a OpenAI e Altman. “A OpenAI
foi criada como uma empresa de código aberto (foi por isso que eu a batizei
de ‘Open’AI), sem fins lucrativos, para servir como contrapeso ao Google,
mas então ela se tornou uma empresa de software proprietário voltada para
o lucro máximo e efetivamente controlada pela Microsoft”, disse ele. “Ainda
não entendi como uma empresa sem fins lucrativos para a qual eu doei 100
milhões de dólares de algum modo virou uma empresa com fins lucrativos
cujo valor estimado é de 30 bilhões de dólares. Se é legal, por que todo
mundo não faz isso?” Musk chamou a IA de “a mais poderosa ferramenta
que a humanidade já criou” e lamentou que ela estivesse “agora nas mãos de
um monopólio corporativo implacável”.
Altman ficou chateado. Ao contrário de Musk, ele é um sujeito sensível e
não gosta de confrontos. Altman não estava ganhando dinheiro com a
OpenAI, e achou que Musk não tinha se aprofundado o suficiente na
complexidade da questão da segurança da IA. No entanto, considerou que
as críticas dele vinham de uma preocupação sincera. “Ele é um cretino”,
disse para Kara Swisher. “Ele tem um estilo que não é o tipo de estilo que
eu gostaria de ter. Mas acho que se importa de verdade e está muito
estressado com o futuro da humanidade.”

Os fluxos de dados de Musk


O combustível da IA são dados. Os novos chatbots estavam sendo treinados
com quantidades imensas de informação, como bilhões de páginas na
internet e outros documentos. O Google e a Microsoft, com seus sistemas
de busca, serviços de nuvem e acesso a e-mails, tinham fontes gigantescas
de dados para ajudar a treinar esses sistemas.
Com o que Musk podia contribuir? Um ativo era o feed do Twitter, que
incluía mais de 1 trilhão de tuítes postados ao longo dos anos, 500 milhões
por dia. Era a consciência coletiva da humanidade, o conjunto de dados
mais atualizado da vida real, com conversas, notícias, interesses, tendências,
discussões e gírias. Além disso, era um ótimo terreno para um chatbot testar
como humanos de verdade reagiam às respostas do programa. Musk não
levou em consideração o valor desse feed de dados quando comprou o
Twitter. “Foi um benefício colateral, na verdade, que eu só percebi depois da
aquisição”, diz ele.
O Twitter tinha sido bastante permissivo em relação a outras empresas
usarem o fluxo de dados gerado por ela. Em janeiro, Musk convocou uma
série de reuniões de fim de noite em sua sala de conferências do Twitter para
descobrir modos de cobrar por isso. “É uma oportunidade de monetização”,
disse ele aos engenheiros. Era também um jeito de restringir o acesso do
Google e da Microsoft a esses dados, que podiam ser usados para aprimorar
os respectivos chatbots.
Musk tinha outro tesouro de dados: os 160 bilhões de frames diários de
vídeos que a Tesla recebia e processava das câmeras em seus carros. Esses
dados eram diferentes dos documentos baseados em texto que informavam
os chatbots. Eram provenientes de vídeos de humanos agindo em situações
do mundo real. Isso poderia ajudar a criar IA para robôs físicos, não apenas
chatbots capazes de gerar textos.
O santo graal da inteligência artificial geral era construir máquinas
capazes de operar como humanos em espaços físicos, como em fábricas,
escritórios e na superfície de Marte, e não que pudessem simplesmente
causar perplexidade ao conversar de forma virtual. A Tesla e o Twitter,
juntos, poderiam oferecer os conjuntos de dados e a capacidade de
processamento para ambas as propostas: ensinar máquinas a agir em espaços
físicos e a responder a perguntas em linguagem natural.

Os idos de março
“O que pode ser feito para tornar a IA segura?”, perguntou Musk.
“Continuo me debatendo com isso. O que podemos fazer para minimizar os
riscos da IA e garantir que a consciência humana sobreviva?”
Ele estava em Austin, sentado de pernas cruzadas e pés descalços ao lado
da piscina da casa de Shivon Zilis, a executiva da Neuralink com quem teve
dois filhos e com quem conversava sobre inteligência artificial desde a
fundação da OpenAI, oito anos antes. Os gêmeos, Strider e Azure, com 1
ano e 4 meses, estavam no colo deles. Musk continuava fazendo a dieta de
jejum intermitente; no brunch tardio, comeu donuts, algo que tinha
começado a ingerir regularmente. Zilis fez café e colocou a xícara dele no
micro-ondas para superaquecer, de modo que Musk não tomasse rápido
demais.
Uma semana antes, ele tinha me mandado uma mensagem: “Tem
algumas coisas importantes que eu queria conversar com você. Só dá para
ser pessoalmente.” Quando perguntei onde e quando ele queria me
encontrar, respondeu: “Nos idos de março, em Austin.”
Fiquei perplexo e, admito, um pouco preocupado. Eu deveria ter
cuidado? No fim das contas, Musk queria falar sobre questões que estava
prevendo para o futuro, e a principal era a IA. Tivemos que deixar os
celulares dentro da casa enquanto conversávamos do lado de fora, porque,
segundo ele, alguém podia usá-los para monitorar nosso papo. Depois,
porém, concordou que eu colocasse no livro o que ele disse sobre IA.
Musk falou baixo e num tom monocórdio pontuado por acessos de riso
quase maníacos. A quantidade de inteligência humana, observou ele, estava
num platô, porque as pessoas não estavam tendo filhos o bastante.
Enquanto isso, a quantidade de inteligência computacional crescia
exponencialmente, como numa Lei de Moore anabolizada. Em certo
momento, a capacidade do cérebro biológico seria muito menor do que a
capacidade do cérebro digital.
Além disso, os novos sistemas de IA com aprendizagem automática eram
capazes de ingerir informações por conta própria e instruir-se sozinhos a
gerar resultados, inclusive a melhorar a programação e as capacidades. O
termo “singularidade” foi usado pelo matemático John von Neumann e pelo
escritor de ficção científica Vernor Vinge para descrever o momento em que
a inteligência artificial se tornaria capaz de seguir em frente por conta
própria em um ritmo incontrolável, deixando os meros humanos para trás.
“Isso pode acontecer antes do que a gente esperava”, disse Musk num tom
sinistro.
Por um momento, me vi chocado com a estranheza da cena. Nós
estávamos sentados no quintal de uma casa de subúrbio ao lado de uma
piscina tranquila num dia ensolarado de primavera, com dois gêmeos de
olhos cintilantes que estavam aprendendo a andar, enquanto Musk
soturnamente especulava sobre a janela de oportunidade para construir uma
colônia humana sustentável em Marte antes que a IA causasse um
apocalipse e destruísse a civilização terrestre. Isso me fez lembrar das
palavras de Sam Teller no segundo dia trabalhando para Musk, quando ele
participou de uma reunião de conselho da SpaceX: “Eles estavam sentados
discutindo a sério planos para construir uma cidade em Marte e o que as
pessoas vestiriam lá, e todo mundo agia como se fosse uma conversa
totalmente normal.”
Musk ficou absorto em um de seus longos silêncios. Segundo Shivon, ele
estava fazendo “processamento em lote”, uma referência ao modo como
computadores antigos enfileiravam várias tarefas e as executavam em
sequência quando havia poder de processamento necessário disponível. “Eu
não posso simplesmente ficar sentado sem fazer nada”, disse ele depois de
um tempo, com tranquilidade. “Com a IA chegando, estou meio que
refletindo se vale a pena passar tanto tempo pensando no Twitter. Claro, é
provável que eu pudesse transformar o Twitter na maior instituição
financeira do mundo. No entanto, tenho uma quantidade limitada de
atividade cerebral e de horas num dia. Quer dizer, não preciso ficar mais
rico nem nada.”
Comecei a falar, mas Musk sabia o que eu ia perguntar. “No que, então,
eu deveria gastar o meu tempo?”, disse ele. “Lançar a Starship. Chegar a
Marte agora é bem mais urgente.” Ele fez outra pausa e depois acrescentou:
“Além disso, preciso me concentrar em tornar a IA segura. É por isso que
estou fundando uma empresa de IA.”

X.AI
Musk batizou sua nova empresa de X.AI e recrutou pessoalmente Igor
Babuschkin, um pesquisador de ponta de IA na unidade DeepMind do
Google, para ser o chefe de engenharia. A X.AI inicialmente abrigaria parte
dos novos funcionários no Twitter. No entanto, Musk disse que seria
necessário transformá-la numa startup independente, como a Neuralink.
Ele estava tendo certo problema para recrutar cientistas de IA porque o
frenesi recente sobre o tema significava que qualquer um com experiência
podia exigir bônus iniciais de 1 milhão de dólares ou mais. “Vai ser mais
fácil contratar essas pessoas se elas puderem se tornar fundadoras de uma
nova empresa e receber participações dela”, explicou ele.
Calculei que isso significava que ele dirigiria seis empresas: Tesla, SpaceX
e a unidade Starlink, Twitter, e Boring Company, Neuralink e X.AI. Isso
era três vezes mais do que Steve Jobs no ápice (Apple e Pixar).
Musk admitiu que estava começando bem atrás da OpenAI na criação de
um chatbot capaz de oferecer respostas a perguntas em linguagem natural.
Contudo, o trabalho da Tesla com carros autônomos e com o robô Optimus
colocava a empresa bem adiantada no desenvolvimento do tipo de IA
necessário para agir no mundo físico. Isso significava que os engenheiros
que trabalhavam com Musk estavam, na verdade, na frente da OpenAI para
criar inteligência artificial geral plena, o que exige ambas as habilidades. “A
IA da vida real da Tesla é subestimada”, disse Musk. “Imagine se a Tesla e a
OpenAI tivessem que trocar de tarefas. Eles teriam que fazer carros
autônomos e nós teríamos que fazer grandes chatbots com modelo de
linguagem. Quem ganharia? Nós.”
Em abril, Musk deu três metas principais a Babuschkin e à equipe dele.
A primeira era produzir um robô de IA que pudesse escrever programação
de computador. Um programador poderia começar a escrever em qualquer
linguagem de programação, e o robô de IA autocompletaria a tarefa com a
ação mais provável que eles estivessem tentando realizar. A segunda meta
seria um chatbot que concorresse com a série GPT da OpenAI, um que
usasse algoritmos e fosse treinado com conjuntos de dados que assegurassem
neutralidade política.
A terceira meta que Musk deu à equipe era ainda mais grandiosa. A
missão primordial dele sempre foi assegurar que a IA se desenvolvesse de
modo que ajudasse a garantir que a consciência humana perdurasse. A
melhor forma de alcançar isso, imaginou ele, era criando uma forma de
inteligência artificial geral que pudesse “raciocinar” e “pensar” e tentar
descobrir a “verdade” como princípio norteador. As pessoas deveriam poder
requisitar grandes tarefas à IA, como: “Construa um motor de foguete
melhor.”
Algum dia, Musk tinha esperanças, a IA poderia lidar com questões
ainda mais grandiosas e mais existenciais. Seria uma “IA de máxima busca
pela verdade. Ela se importaria em compreender o Universo, e isso
provavelmente a levaria a querer preservar a humanidade, porque nós somos
uma parte interessante do Universo”. Isso soava um pouco familiar, e então
percebi o porquê. Ele estava embarcando numa missão semelhante àquela
relatada na Bíblia que lhe influenciou a formação (talvez demais?) na
infância, o livro que o tirou da depressão existencial na adolescência: O guia
do mochileiro das galáxias, que falava de um supercomputador projetado para
descobrir “a resposta para a pergunta definitiva sobre a vida, o Universo e
tudo o mais”.
capítulo 95
O lançamento da Starship
SpaceX, abril de 2023

Musk, Juncosa e McKenzie na sacada de um galpão em Boca Chica (no alto, à


esquerda); observando o lançamento da Starship da sala de controle (no alto, à
direita); com Griffin e X na sala de controle (à esquerda, embaixo); com Grimes e
Tau do lado de fora da sala de controle (à direita, embaixo)
Negócio arriscado
“Meu estômago está embrulhado”, disse Musk para Mark Juncosa enquanto
os dois estavam na sacada do galpão de montagem de oitenta metros de
altura na Starbase. “Sempre fico assim antes de um lançamento importante.
Sofro do Transtorno do Estresse Pós-Traumático por causa dos fracassos
em Kwaj.”
Era abril de 2023, momento do lançamento experimental da Starship.
Quando chegou ao sul do Texas, Musk fez o que geralmente fazia antes de
um lançamento importante de foguete, desde o primeiro deles, ocorrido
dezessete anos antes: ele se fechou no futuro. Ficou bombardeando Juncosa
com ideias e éditos sobre substituir as tendas de montagem da Starbase, que
tinham o tamanho de quatro campos de futebol, por uma fábrica gigantesca
que pudesse fabricar mais de um foguete por mês. Eles deveriam começar a
construir a fábrica imediatamente, junto com uma nova vila de casas com
telhados solares para os trabalhadores. Criar um foguete como a Starship
era difícil, mas Musk sabia que o passo mais importante era ser capaz de
produzir em escala. Um dia, seria necessário ter uma frota de mil foguetes
para sustentar uma colônia humana em Marte. “Minha maior preocupação é
com a nossa trajetória. Estamos na trajetória para chegar a Marte antes que
a civilização desmorone?”
Quando os demais engenheiros se encontraram com eles para uma
revisão de processo de três horas antes do lançamento na sala de
conferências no alto do galpão, Musk fez um discurso motivacional.
“Tenham em mente que, apesar de todas as tribulações, vocês estão
trabalhando na coisa mais legal da Terra. De longe. Qual é a segunda coisa
mais legal? Isso aqui é muito mais legal do que a segunda coisa mais legal,
seja lá o que for.”
A conversa então passou para os riscos envolvidos. As agências
reguladoras que precisavam aprovar o teste de voo, que vinham a ser, mais
ou menos, uma dúzia, não compartilhavam o amor que Musk sentia. Os
engenheiros deram a ele um resumo de todas as revisões de segurança e
exigências que precisaram enfrentar. “Conseguir a licença foi absolutamente
sacal”, disse Juncosa. Shana Diez e Jake McKenzie deram detalhes. “Meu
cérebro está doendo”, falou Musk, segurando a cabeça. “Quero saber como é
possível levar a humanidade a Marte com toda essa besteirada.”
Ele processou as informações em silêncio por dois minutos e, quando
saiu do transe, estava filosófico. “É assim que uma civilização entra em
declínio. Ela deixa de correr riscos. E, ao deixar de correr riscos, as artérias
dela enrijecem. A cada ano há mais gente julgando e menos gente
executando. É por isso que os Estados Unidos não conseguiram mais
construir coisas como trens de alta velocidade ou foguetes para ir à Lua.
“Quando você tem sucesso por tempo demais, perde o desejo de correr
riscos.”

“Um dia fantástico”


A contagem regressiva naquela segunda-feira foi interrompida quando
restavam apenas quarenta segundos, por causa de um problema em uma
válvula, e o lançamento foi remarcado para dali a três dias: 20 de abril. Seria
a data intencional (4/20, na leitura de datas em inglês), mais uma referência
ao meme da maconha, assim como a oferta de Musk de 420 dólares para
fechar o capital da Tesla e a de 54,20 dólares para comprar o Twitter? Na
verdade, os fatores que mais pesaram foram a previsão do tempo e a rapidez,
mas Musk, que vinha dizendo havia semanas que o dia 20 de abril estava
“fadado” a ser a data de lançamento, achou divertido. O cineasta Jonah
Nolan, que documentava a missão, tinha uma máxima segundo a qual o
resultado mais irônico é o mais provável. Musk acrescentou seu corolário:
“O resultado mais divertido é o mais provável.”
Musk tinha ido para Miami depois que a primeira contagem regressiva
foi abortada, pois ia falar numa conferência de publicidade e tranquilizar as
pessoas do meio sobre os planos dele para o Twitter. Ele voltou a Boca
Chica pouco depois da meia-noite do dia 20 de abril, dormiu por três horas,
depois tomou um Red Bull e foi para a sala de controle de lançamento às
quatro e meia, faltando quatro horas para o lançamento. Quarenta
engenheiros e funcionários da operação de voos, muitos deles com camisetas
com os dizeres  !, estavam sentados em fileiras de painéis num
edifício com proteção térmica que dava visão para o ponto de lançamento, a
dez quilômetros dali, depois de uma área de pântano. Quando o dia raiou,
Grimes chegou com X, Y e o novo bebê do casal, Techno Mechanicus,
conhecido como Tau.
Meia hora antes do horário previsto para o lançamento, Juncosa saiu para
o deque e informou a Musk sobre uma questão que um dos sensores tinha
detectado. Musk processou a informação por alguns segundos e declarou:
“Não acho que seja um risco.” Juncosa fez uma dancinha rápida e disse
“Perfeito!”, e então correu de volta para a sala de controle. Musk foi atrás
pouco depois e sentou-se diante de um painel da primeira fileira, assobiando
a “Ode à alegria”, de Beethoven.
Depois de uma breve pausa quarenta segundos antes do lançamento para
fazer as últimas avaliações, Musk fez um ligeiro sinal com a cabeça e a
contagem regressiva continuou. Na ignição, foi possível ver pela janela da
sala de controle e em uma dúzia de monitores as chamas dos 33 motores
Raptor. O foguete levantou muito lentamente. “Puta que pariu, está
subindo!”, gritou Musk e, em seguida, saltou da cadeira e correu para o
deque a tempo de ouvir o ruído estrondoso da decolagem. Por mais de três
minutos, o foguete subiu no ar até sair de vista.
Entretanto, quando Musk entrou, estava nítido no monitor que o foguete
oscilava. Dois dos motores tinham sido desligados depois de apresentarem
problemas segundos antes da decolagem. Com isso, ficaram 31 motores no
propulsor, o que deveria ser suficiente para completar a missão. No entanto,
trinta segundos depois do lançamento, mais dois motores no entorno do
propulsor explodiram devido a vazamento de combustível numa válvula
aberta, e o fogo começou a se espalhar para os nichos de motores adjacentes.
O foguete continuou subindo, mas estava evidente àquela altura que ele não
entraria em órbita. Os protocolos exigiam que eles intencionalmente
explodissem o foguete sobre o mar aberto, onde não representaria um
perigo. Musk acenou para o diretor de lançamento, que enviou um “sinal de
destruição” para o foguete três minutos e dez segundos depois do
lançamento. Após 48 segundos, o vídeo enviado pelo foguete ficou preto,
assim como aconteceu nos três primeiros lançamentos em Kwaj. Mais uma
vez, a equipe pôde usar a frase levemente irônica “desmontagem rápida não
programada” para descrever o que tinha acontecido.
Ao rever os vídeos da decolagem, ficou nítido para eles que as explosões
dos motores Raptor tinham estilhaçado a base de lançamento, fazendo com
que pedaços imensos de concreto voassem pelos ares. Alguns dos motores
podem ter sido atingidos pelos detritos.
Musk, como sempre, tinha se mostrado disposto a correr alguns riscos.
Quando construiu a base de lançamento, em 2020, decidiu não cavar um
fosso para comportar as chamas embaixo da plataforma, como acontece na
maioria das bases, o que teria impedido que a explosão prejudicasse os
motores. “Isso pode ser um erro”, disse ele na época. Além disso, no começo
de 2023, a equipe da base de lançamento tinha começado a construir uma
grande placa de aço que ficaria sobre a fundação da plataforma e seria
resfriada por jatos de água. Entretanto, a placa não ficou pronta a tempo do
lançamento, e Musk calculou, com base em dados dos testes de ignição
estática, que o concreto de alta densidade resistiria.
Assim como no caso da decisão de não incluir estabilizadores de
combustível no Falcon 1, assumir esses riscos acabou se revelando um erro.
É improvável que a NASA ou a Boeing, cujas abordagens priorizam a
segurança, tivessem tomado decisões como essas. No entanto, Musk
acreditava numa abordagem de construção de foguetes em que era preferível
falhar rápido. Correr riscos. Aprender explodindo as coisas. Revisar.
Repetir. “Não queremos fazer um projeto para eliminar todos os riscos”,
disse. “Senão, nunca vamos chegar a lugar algum.”
Ele tinha declarado de antemão que consideraria o lançamento
experimental um sucesso caso o foguete saísse da plataforma, subisse o
suficiente para explodir fora do campo de visão e fornecesse muitas
informações e dados úteis. Essas metas foram atingidas. No entanto, o
foguete explodiu. A maior parte do público consideraria um tremendo
fracasso. E, por um momento, enquanto olhava o monitor, Musk pareceu
derrotado.
O resto da sala de controle, porém, começou a aplaudir. Eles estavam em
júbilo pelo que tinham conseguido fazer e aprender. Musk por fim se
levantou, colocou as mãos sobre a cabeça e se virou para a sala. “Bom
trabalho, pessoal”, disse. “Sucesso. Nosso objetivo era sair da plataforma e
explodir fora do campo de visão, e nós conseguimos isso. Tem muita coisa
que pode dar errado na tentativa de chegar à órbita na primeira vez. Hoje é
um dia fantástico.”
***

Naquela noite, mais ou menos cem funcionários da SpaceX e amigos se


reuniram no Tiki Bar da Starbase para uma festa semicomemorativa com
direito a leitão assado na brasa e dança. Atrás do palco havia algumas
Starships antigas, cujo aço inoxidável refletia as luzes da festa, e Marte,
brilhante e vermelho, surgiu no céu noturno acima deles como se tivesse
sido tudo combinado.
De um dos lados do gramado, Gwynne Shotwell conversava com Hans
Koenigsmann, o quarto funcionário da SpaceX, que a levara para conversar
com Musk 21 anos antes. Koenigsmann, um veterano dos lançamentos em
Kwaj, tinha ido ao sul do Texas por conta própria para assistir a esse
lançamento como espectador. Ele não via Musk desde o lançamento do
Inspiration4, em 2021, quando estava sendo afastado aos poucos da
empresa. Pensou em dizer um oi, mas acabou desistindo. “Elon não é do
tipo que fica olhando para trás e sendo sentimental”, disse Koenigsmann.
“Ele não tem muito essa empatia.”
Musk e Grimes se sentaram diante de uma das mesas de piquenique com
Maye, que tinha chegado tarde na véspera, depois de comemorar o
aniversário de 75 anos em Nova York. Ela se lembrou de quando era criança
e os pais levavam a família, todo ano, para explorar o deserto do Kalahari,
na África do Sul. Elon tinha puxado a eles, disse Maye, uma geração de
pessoas que gostam de correr riscos que passou a característica para a
geração seguinte.
X foi andando até uma das fogueiras, e, quando Musk, gentilmente,
tentou afastá-lo, ele esperneou e gritou, insatisfeito com limites. Então
Musk o deixou ir. “Um dia, quando eu era novo, meus pais me disseram
para não brincar com fogo”, lembrou ele. “Então eu peguei uma caixa de
fósforos atrás de uma árvore e comecei a acendê-los.”

“Moldado pelas falhas”


A explosão da Starship era emblemática de Musk, uma boa metáfora para a
compulsão que ele tem de mirar alto, agir por impulso, assumir riscos
imensos e realizar feitos impressionantes — mas também de explodir as
coisas e deixar detritos fumegantes no rastro enquanto dá risadas maníacas.
A vida dele havia muito tempo era uma mistura de realizações
historicamente transformadoras e fracassos terríveis, promessas quebradas e
impulsos arrogantes. Tanto as conquistas quanto os fracassos dele eram
épicos. Isso fazia Musk ser reverenciado por fãs e insultado por críticos,
cada lado exibindo o fervor ardoroso e hiperpolarizado da Era do Twitter.
Movido desde a infância por demônios e compulsões heroicas, ele atiçava
as controvérsias ao fazer declarações políticas inflamadas e escolher lutas
desnecessárias. Por vezes completamente possuído, ele com frequência se
impelia rumo à linha de Kármán da loucura, a fronteira não muito clara que
separa uma visão de uma alucinação. A vida de Musk tinha escassez de
estruturas para conter as chamas.
Nesses aspectos, o lançamento foi parte de uma semana típica, cheia de
uma disposição para correr o tipo de risco que dificilmente é aceito em
indústrias maduras ou por CEOs maduros.

***

Em uma reunião de resultados da Tesla naquela semana, ele dobrou a aposta


na estratégia de reduzir preços para aumentar o volume de vendas, e mais
uma vez previu, como em todos os anos desde 2016, que a Direção
Totalmente Autônoma estaria pronta em um ano.
Na conferência de vendas publicitárias de que ele participou em Miami
naquela semana, a pessoa que o entrevistou no palco, a diretora de
publicidade da NBC Universal, Linda Yaccarino, fez uma sugestão em
privado surpreendente: talvez ela fosse a pessoa que ele estivesse procurando
para gerir o Twitter. Eles nunca haviam se encontrado antes, mas, desde a
aquisição do Twitter, ela o enchia de mensagens de texto e telefonemas com
o objetivo de convencê-lo a ir à conferência. “Tínhamos uma visão parecida
sobre o que o Twitter poderia se tornar, e eu queria ajudá-lo, por isso fiquei
atrás dele para que me deixasse fazer a entrevista em Miami”, diz Yaccarino.
Ela organizou um jantar para Musk naquela noite com uma dúzia de
grandes anunciantes, e ele ficou no jantar durante quatro horas. Musk
percebeu que ela talvez fosse uma opção perfeita: era superinteligente,
queria muito o trabalho, entendia de publicidade e de receitas de assinaturas
e, além do mais, tinha a coragem e o pragmatismo que simplificam as
relações, como Gwynne Shotwell fez na SpaceX. Musk, porém, não queria
ceder muito controle. “Eu teria que continuar trabalhando no Twitter”,
disse para Yaccarino, o que era um jeito educado de dizer que ele
continuaria no comando. Ela disse para ele pensar nisso como uma corrida
de revezamento. “Você constrói o produto, passa o bastão para mim e eu
executo e vendo.” Musk acabaria oferecendo a ela o título de CEO do
Twitter, enquanto permaneceria como presidente executivo e responsável
pela parte de tecnologia.
Na manhã do lançamento, ele acelerou os planos no Twitter de remover a
verificação da identidade com os selos azuis que antes eram dados para
celebridades, jornalistas e outras pessoas notáveis. Só quem assinasse e
pagasse uma taxa, algo que pouca gente fazia, teria o selo. O que o guiou foi
mais um senso de justiça moral exacerbado do que considerar o que tornaria
o serviço melhor para os usuários, e isso foi o gatilho para paroxismos de
indignação entre os usuários mais ativos sobre quem desejava ou não e
merecia ou não os selos de verificação.
Naquela semana, uma rodada final de estudos com animais foi concluída
na Neuralink e a empresa começou a trabalhar com a Food and Drug
Administration (agência federal do Departamento de Saúde e Serviços
Humanos dos Estados Unidos) para permitir que chips fossem implantados
no cérebro de humanos em testes. A aprovação chegaria quatro semanas
depois. Musk insistiu que a empresa realizasse demonstrações públicas do
progresso. “Queremos que o público veja tudo que estamos fazendo”, disse
para a equipe. “Isso vai levar as pessoas a nos apoiar. Foi por isso que
transmitimos ao vivo o lançamento da Starship, mesmo cientes da
probabilidade de que em algum momento ela viesse a explodir.”
Depois de mais um test drive na Tesla, ele declarou que estava então
convencido de que deviam apostar tudo na IA mediante o uso do planejador
de rotas de rede neural que estava sendo desenvolvido por Dhaval Shroff e
seus colegas de equipe, capaz de aprender, por meio de vídeos, a imitar um
bom motorista humano. Ele disse para a equipe criar uma rede neural
integrada para Direção Totalmente Autônoma. Assim como o ChatGPT é
capaz de prever as próximas palavras de uma conversa, o sistema de IA do
FDS pega imagens das câmeras de carros e prevê as ações seguintes para o
volante e os pedais.
Uma cápsula Dragon da SpaceX partiu da Estação Espacial
Internacional e aterrissou na água em segurança perto da costa da Flórida.
Continuava sendo o único veículo norte-americano capaz de subir até a
estação espacial e voltar, como tinha feito um mês antes com quatro
astronautas, entre os quais um da Rússia e um do Japão, e como faria
novamente quatro semanas depois.

***

Será que a ousadia e a insolência que movem Musk a tentar façanhas épicas
justificam o mau comportamento, a indiferença, a imprudência dele? As
vezes que ele age como um cretino? A resposta é não, óbvio que não. É
possível admirar as boas qualidades de uma pessoa e lamentar as más.
Contudo, também é importante compreender como os fios estão
entrelaçados, às vezes de maneira que se torna impossível separá-los. Pode
ser difícil retirar as características ruins sem desfazer a trama toda. Como
Shakespeare nos ensina, todo herói tem falhas, algumas trágicas, algumas
conquistadas, e aqueles que vemos como vilões podem ser figuras
complexas. Mesmo as melhores pessoas, escreveu ele, são “moldadas por
suas faltas”.
Durante a semana do lançamento, Antonio Gracias e outros amigos
falaram com Musk sobre a necessidade de ele conter os ímpetos e os
instintos destrutivos. Para que de fato liderasse uma nova era de exploração
espacial, disseram, Musk precisava ser mais nobre, pairar acima das
discussões políticas. Eles lembraram a ocasião em que Gracias trancou o
celular de Musk num cofre de hotel a noite toda e digitou a senha, de modo
que Musk não tivesse como retirá-lo de lá para tuitar de madrugada —
Musk acordou às três da manhã e chamou a segurança do hotel para abrir o
cofre. Depois do lançamento, ele demonstrou um toque de autoconsciência.
“Atirei tantas vezes no meu pé que eu devia comprar botas Kevlar”, brincou
Musk. Talvez, cogitou ele, o Twitter devesse ter um botão de delay para
controlar os impulsos.
Era um conceito agradável: um botão de controle de impulsos que
pudesse desarmar os tuítes de Musk e também todas as ações impulsivas
negativas e as eclosões do lado demoníaco dele que deixam um rastro de
destroços. Entretanto, será que um Musk cheio de limites conseguiria fazer
o mesmo que um Musk sem freios? Será que a ausência de filtros e
restrições eram parte essencial de quem ele é? Teria como colocar foguetes
em órbita ou fazer a transição para veículos elétricos sem aceitar todos os
aspectos de Musk, estivessem eles atrelados um ao outro ou não? Às vezes,
grandes inovadores são homens com jeito de criança, que gostam de correr
riscos e resistem ao peniquinho. Eles podem ser imprudentes, causar
vergonha alheia e até mesmo ser tóxicos. Podem ser loucos também. Loucos
o suficiente para achar que podem mudar o mundo.

Com Grimes e Maye depois do lançamento


agradecimentos

Elon Musk permitiu que eu o seguisse por dois anos, me convidou para
participar de reuniões, concedeu dezenas de entrevistas e conversas tarde da
noite, me forneceu e-mails e mensagens de celular e incentivou os colegas, a
família, adversários e ex-esposas a falar comigo. Ele não me pediu para ler,
nem leu, o livro antes de ser publicado e não exerceu nenhum tipo de
controle sobre a obra.
Sou grato a todas as pessoas citadas nas fontes que me concederam
entrevistas. Gostaria de destacar algumas que me ajudaram em especial,
cederam fotos e me direcionaram: Maye Musk, Errol Musk, Kimbal Musk,
Justine Musk, Claire Boucher (Grimes), Talulah Riley, Shivon Zilis, Sam
Teller, Omead Afshar, James Musk, Andrew Musk, Ross Nordeen, Dhaval
Shroff, Bill Riley, Mark Juncosa, Kiko Dontchev, Jehn Balajadia, Lars
Moravy, Franz von Holzhausen, Jared Birchall e Antonio Gracias.
Crary Pullen foi a intrépida editora de fotografia, papel que já exerceu
em muitos dos meus livros anteriores. Todos foram publicados pela Simon
& Schuster, que terá para sempre minha lealdade, por seus valores e pela
grande equipe: Priscilla Painton, Jonathan Karp, Hana Park, Stephen
Bedford, Julia Prosser, Marie Florio, Jackie Seow, Lisa Rivlin, Kris Doyle,
Jonathan Evans, Amanda Mulholland, Irene Kheradi, Paul Dippolito, Beth
Maglione e o espírito sempre presente da falecida Alice Mayhew. Judith
Hoover, mesmo aposentada, atendeu a meu pedido para mais uma vez fazer
o copidesque. Quero também agradecer à minha agente, Amanda Urban,
assim como a suas colegas internacionais Helen Manders e Peppa Mignone,
e à minha assistente em Tulane, Lindsey Billips.
E, como sempre, a Cathy e Betsy.
fontes

entrevistas
Omead Afshar. Homem de confiança de Musk.
Parag Agrawal. Ex-CEO do Twitter.
Deepak Ahuja. Ex-CFO da Tesla.
Sam Altman. Cofundador da OpenAI com Musk.
Drew Baglino. Vice-presidente sênior da Tesla.
Jehn Balajadia. Assistente de Musk.
Jeremy Barenholtz. Chefe de software de interfaces com o cérebro da
Neuralink.
Melissa Barnes. Ex-vice-presidente do Twitter para a América Latina e o
Canadá.
Leslie Berland. Ex-diretora de marketing do Twitter.
Kayvon Beykpour. Ex-chefe de produto no Twitter.
Jeff Bezos. Fundador da Amazon.
Jared Birchall. Gestor dos negócios pessoais de Musk.
Roelof Botha. Ex-CFO da PayPal, sócio da Sequoia Capital.
Claire Boucher (Grimes). Artista performática, mãe de três dos filhos de
Musk.
Nellie Bowles. Jornalista do Common Sense, esposa de Bari Weiss.
Richard Branson. Fundador da Virgin Galactic.
Elissa Butterfield. Ex-assistente de Musk.
Tim Buzza. Ex-vice-presidente de lançamento da SpaceX.
Jason Calacanis. Empreendedor, amigo de Musk.
Gage Coffin. Ex-engenheiro de produção da Tesla.
Esther Crawford. Ex-diretora de gestão de produto do Twitter.
Larry David. Comediante e escritor.
Steve Davis. Presidente da e Boring Company.
Tejas Dharamsi. Engenheiro de software do Twitter.
omas Dmytryk. Engenheiro de software da Tesla.
John Doerr. Investidor de risco.
Kiko Dontchev. Vice-presidente de lançamento da SpaceX.
Brian Dow. Ex-diretor da Tesla Energy.
Mickey Drexler. Ex-CEO da J.Crew e e Gap.
Phil Duan. Engenheiro do Autopilot da Tesla.
Martin Eberhard. Confundador da Tesla.
Blair Efron. Banqueiro de investimentos.
Ira Ehrenpreis. Membro do conselho da Tesla.
Larry Ellison. Cofundador da Oracle.
Ashok Elluswamy. Diretor do software Autopilot da Tesla.
Ari Emanuel. CEO da Endeavor.
Navaid Farooq. Amigo de Musk na Queen’s University.
Nyame Farooq. Esposa de Navaid Farooq.
Joe Fath. Gerente de portfólio da T. Row Price.
Lori Garver. Ex-vice-administrador da NASA.
Bill Gates. Cofundador da Microsoft.
Rory Gates. Filho de Bill Gates.
David Gelles. Repórter do e New York Times.
Bill Gerstenmaier. Vice-presidente de confiabilidade de voo da SpaceX.
Kunal Girotra. Ex-diretor da Tesla Energy.
Juleanna Glover. Consultora de relações públicas, Washington, D.C.
Antonio Gracias. Amigo de Musk e investidor.
Michael Grimes. Diretor de gestão do Morgan Stanley.
Trip Harriss. Gestor de operações do ponto de lançamento da SpaceX.
Demis Hassabis. Cofundador da DeepMind.
Amber Heard. Atriz, ex-namorada de Musk.
Reid Hoffman. Cofundador do LinkedIn e da PayPal.
Ken Howery. Cofundador da PayPal e amigo de Musk.
Lucas Hughes. Ex-diretor financeiro da SpaceX.
Jared Isaacman. Empreendedor e comandante da Inspiration4.
RJ Johnson. Ex-diretor da Tesla Energy.
Mark Juncosa. Principal assistente de Musk na SpaceX.
Steve Jurvetson. Investidor e amigo de Musk.
Nick Kalayjian. Ex-vice-presidente de engenharia da Tesla.
Ro Khanna. Congressista pelo Partido Democrata na Califórnia.
Hans Koenigsmann. Engenheiro veterano da SpaceX.
Milan Kovac. Diretor de engenharia do software Autopilot da Tesla.
Andy Krebs. Ex-diretor de engenharia civil da Starship da SpaceX.
Joe Kuhn. Engenheiro mecânico da e Boring Company e Tesla.
Bill Lee. Investidor e amigo de Musk.
Max Levchin. Cofundador da PayPal.
Jacob McKenzie. Diretor sênior de engenharia do Raptor, SpaceX.
Jon McNeill. Ex-presidente da Tesla.
Lars Moravi. Vice-presidente de engenharia de veículos da Tesla.
Michael Moritz. Investidor.
Dave Morris. Diretor de design sênior da Tesla.
Rich Morris. Vice-presidente de produção e lançamento da SpaceX.
Marcus Mueller. Gestor sênior da Tesla Energy.
Tom Mueller. Funcionário fundador e projetista de motores da SpaceX.
Andrew Musk. Primo-irmão de Musk.
Christiana Musk. Esposa de Kimbal Musk.
Elon Musk.
Errol Musk. Pai de Musk.
Griffin Musk. Filho de Musk.
James Musk. Primo-irmão de Musk.
Justine Musk. Primeira esposa de Musk e mãe de cinco filhos dele.
Kimbal Musk. Irmão de Musk.
Maye Musk. Mãe de Musk.
Tosca Musk. Irmã de Musk.
Bill Nelson. Administrador da NASA.
Peter Nicholson. Ex-vice-presidente sênior do Scotiabank e mentor de
Musk
Ross Nordeen. Engenheiro de software na Tesla e mosqueteiro no Twitter.
Luke Nosek. Investidor e amigo de Musk.
Sam Patel. Diretor de operações da Starship, SpaceX.
Chris Payne. Engenheiro de software do Autopilot da Tesla.
Janet Petro. Diretora do Kennedy Space Center, Cabo Canaveral.
Jow Petrzelka. Vice-presidente de engenharia da Starship, SpaceX.
Henrik Pfister. Designer automotivo.
Yoni Ramon. Diretor de segurança da Tesla.
Robin Ren. Amigo íntimo de Musk na Penn e ex-diretor da Tesla na
China.
Adeo Ressi. Amigo íntimo de Musk na Penn.
Bill Riley. Diretor sênior da SpaceX.
Talulah Riley. Atriz e segunda esposa de Musk.
Peter Rive. Primo-irmão de Musk.
Ben Rosen. Investidor.
Yoel Roth. Ex-diretor de segurança e moderação do Twitter.
David Sacks. Cofundador da PayPal, amigo íntimo de Musk e investidor.
Alan Salzman. Um dos primeiros investidores da Tesla.
Ben San Souci. Engenheiro de software do Twitter.
Joe Scarborough. Âncora, MSNBC.
DJ Seo. Cofundador da Neuralink.
Brad Sheftel. Parceiro de Antonio Gracias.
Gwynne Shotwell. Presidente da SpaceX.
Dhaval Shroff. Engenheiro de software da Tesla e mosqueteiro no Twitter.
Mark Soltys. Engenheiro de princípios de lançamento da SpaceX.
Alex Spiro. Advogado de Musk.
Christopher Stanley. Vice-presidente sênior de engenharia de segurança da
Tesla e da SpaceX.
Robert Steel. Banqueiro de investimentos.
JB Straubel. Cofundador da Tesla.
Anand Swaminathan. Engenheiro do Optimus, Tesla.
Jessica Switzer. Ex-conselheira de relações públicas da Tesla.
Feliz Sygulla. Engenheiro do Optimus, Tesla.
Marc Tarpenning. Cofundador da Tesla.
Sam Teller. Ex-conselheiro de Musk.
Peter iel. Cofundador da PayPal e investidor.
Jim Vo. Gerente de construção da Starship, SpaceX.
Franz von Holzhausen. Chefe de design da Tesla.
Tim Watkins. Parceiro de Antonio Gracias e líder da equipe da SWAT da
Tesla.
Bari Weiss. Jornalista do e Free Press.
Rodney Westmoreland. Diretor de infraestrutura da Tesla.
Linda Yaccarino. Ex-diretora comercial da NBC Universal; CEO do
Twitter.
Tim Zaman. Engenheiro de IA, Tesla Autopilot.
David Zaslav. CEO da Warner Bros. Discovery.
Shivon Zilis. Gestora da Neuralink e mãe de dois filhos de Musk.

livros
Eric Berger, Liftoff (William Morrow, 2021)
Max Chafkin, e Contrarian (Penguin, 2021)
Christian Davenport, e Space Barons (Public Affairs, 2018)
Tim Fernholz, Rocket Billionaires (Houghton Mifflin Harcourt, 2018)
Lori Garver, Space Pirates (Diversion, 2022
Tim Higgins, Power Play (Doubleday, 2021)
Hamish McKenzie, Insane Mode (Dutton, 2018)
Maye Musk, A Woman Makes a Plan (Penguin, 2019)
Edward Niedermeyer, Ludicrous (BenBella, 2019)
Jimmy Soni, e Founders (Simon&Schuster, 2022)
Ashlee Vance, Elon Musk (Intrínseca, 2015)
Ashlee Vance, When the Heavens Went on Sale (Ecco, 20223)
notas

Prólogo: Entrevistas do autor com Elon Musk, Kimbal Musk, Errol Musk,
Maye Musk, Tosca Musk, Justine Musk, Talulah Riley, Claire Boucher
(Grimes), Peter iel. Tom Junod, “Triumph of His Will”, Esquire,
dezembro de 2012 (inclui a piada sobre não ter umbigo).

Capítulo 1 — Aventureiros: Entrevistas do autor com Elon Musk, Maye


Musk, Kimbal Musk, Tosca Musk, Errol Musk, Jared Birchall. Joseph
Keating e Scott Haldeman, “Joshua N. Haldeman, DC: e Canadian
Years”, Journal of the Canadian Chiropractic Association, 1995; “Before Elon
Musk Was inking About Mars, He Was Doing Chores on a
Saskatchewan Farm”, Regina Leader-Post, 15 de maio de 2017; Joseph
Keating, “Flying Chiros”, Dynamic Chiropractic, 15 de dezembro de 2003;
Nick Murray, “Elon Musk’s Fascinating History with Moose Jaw”, Moose
Jaw Independent, 15 de setembro de 2018; Joshua Haldeman, “We Fly
ree Continents”, ICA International Review of Chiropractic, dezembro de
1954; Phillip de Wet, “Elon Musk’s Family Once Owned an Emerald Mine
in Zambia”, Business Insider, 28 de fevereiro de 2018; Phillip de Wet, “A
Teenage Elon Musk Once Casually Sold His Father’s Emeralds to Tiffany
& Co.”, Business Insider, 22 de fevereiro de 2018; Jeremy Arnold,
“Journalism and the Blood Emeralds Story”, Save Journalism, Substack, 9
de março de 2021; Vance, Elon Musk; Maye Musk, A Woman.

Capítulo 2 — Uma mente livre: Entrevistas do autor com Maye Musk,


Errol Musk, Elon Musk, Tosca Musk, Kimbal Musk. Neil Strauss, “e
Architect of Tomorrow”, Rolling Stone, 15 de novembro de 2017; Elon
Musk, TED Talk com Chris Anderson, 14 de abril de 2022; “Inter-galactic
Family Feud”, e Mail on Sunday, 17 de março de 2018; Vance, Elon Musk;
Maye Musk, A Woman.
Capítulo 3 — A vida com o pai: Entrevistas do autor com Maye Musk,
Errol Musk, Elon Musk, Tosca Musk, Kimbal Musk, Peter Rive. Boletins
escolares de Elon Musk na Waterkloof House Preparatory School,
Glenashley Senior Primary School, Bryanston High School e Pretoria Boys
High School; Neil Strauss, “e Architect of Tomorrow”; Emily Lane Fox,
“How Elon Musk’s Mom (and Her Twin Sister) Raised the First Family of
Tech”, Vanity Fair, 21 de outubro de 2015; Andrew Smith, “Emissary of the
Future”, e Telegraph, 8 de janeiro de 2014.

Capítulo 4 — A busca: Entrevistas do autor com Elon Musk, Kimbal


Musk, Maye Musk, Errol Musk, Peter Rive. Elon Musk, e Babylon Bee
podcast, 21 de dezembro de 2021; Tad Friend, “Plugged In”, e New
Yorker, 17 de agosto de 2009; Maureen Dowd, “Blasting Off in Domestic
Bliss”, e New York Times, 25 de julho de 2020; Neil Strauss, “e
Architect of Tomorrow”; Elon Musk, entrevista na Academia Nacional de
Ciências, Engenharia e Medicina, 15 de novembro de 2021.

Capítulo 5 — Velocidade de escape: Entrevistas do autor com Elon Musk,


Errol Musk, Kimbal Musk, Tosca Musk, Peter Rive.

Capítulo 6 — Canadá: Entrevistas do autor com Elon Musk, Maye Musk,


Tosca Musk. “Before Elon Musk Was inking About Mars, He Was
Doing Chores on a Saskatchewan Farm”, Regina Leader-Post, 15 de maio de
2017; Haley Steinberg, “e Education of Elon Musk”, Toronto Life,
janeiro de 2023; Raffaele Panizza, “Interview with Maye Musk”, Vogue, 12
de outubro de 2017; Vance, Elon Musk.

Capítulo 7 — Queen’s: Entrevista do autor com Maye Musk, Tosca Musk,


Kimbal Musk, Elon Musk, Navaid Farooq, Peter Nicholson. Robin Keats,
“Rocket Man”, Queen’s Alumni Review, v. l. 1, 2013; Soni, e Founders;
Vance, Elon Musk. Soni me forneceu suas anotações e outros materiais.

Capítulo 8 — Penn: Entrevistas do autor com Elon Musk, Adeo Rossi,


Robin Ren, Kimbal Musk, Maye Musk. Alaina Levine, “Entrepreuner Elon
Musk Talks about His Background in Physics”, APS News, outubro de
2013; Soni, e Founders; Vance, Elon Musk.
Capítulo 9 — Rumo a oeste: Entrevistas do autor com Elon Musk, Kimbal
Musk, Robin Ren, Peter Nicholson. Phil Leggiere, “From Zip to X”,
University of Pennsylvania Gazette, novembro de 1999; Jennifer Gwynne,
notas sobre artigos de leilão, rrauction.com, agosto de 2022.

Capítulo 10 — Zip2: Entrevistas do autor com Elon Musk, Kimbal Musk,


Navaid Farooq, Nyame Farooq, Maye Mauk, Errol Musk. Amit Katwala,
“What’s Driving Elon Musk?”, Wired UK, 8 de setembro de 2018; Elon
Musk e Maurice J. Fitzgerald, “Interactive Network Directory Service with
Integrated Maps and Directions”, Patent US6148260A, protocolado em 29
de junho de 1999; Max Chafkin, “Entrepreneur of the Year”, Inc., 1º de
dezembro de 2007; Elon Musk, palestra em 8 de outubro de 2003; Heidi
Anderson, “Newspaperdom’s New Superhero: Zip2”, Editor & Publisher,
janeiro de 1996; Michael Gross, “Elon Musk 1.0”, Air Mail, 11 de junho de
2022; Maye Musk, A Woman; Vance, Elon Musk; Soni, e Founders.

Capítulo 11 — Justine: Entrevistas do autor com Justine Musk, Elon


Musk, Maye Musk, Kimbal Musk, Navaid Farooq. Justine Musk, “I Was a
Starter Wife”, Marie Claire, 10 de setembro de 2010.

Capítulo 12 — X.com: Entrevistas do autor com Elon Musk, Mike


Moritz, Peter iel, Roelof Botha, Max Levchin, Reid Hoffman, Luke
Nosek. Mark Gimein, “Elon Musk Is Poised to Become Silicon Valley’s
Next Big ing”, Salon, 17 de agosto de 1999; Sarah Lacy, “Interview with
Elon Musk”, Pando, 15 de abril de 2009; Eric Jackson, e PayPal Wars
(World Ahead, 2003); Chafkin, e Contrarian.

Capítulo 13 — O golpe: Entrevistas do autor com Elon Musk, Mike


Moritz, Peter iel, Roelof Botha, Max Levchin, Reid Hoffman, Justine
Musk, Kimbal Musk, Luke Nosek. Soni, e Founders; Vance, Elon Musk;
Chafkin, e Contrarian.

Capítulo 14 — Marte: Entrevistas do autor com Elon Musk, Adeo Rossi,


Navaid Farooq, Reid Hoffman. Dave Mosher, “Elon Musk Used to Fly a
Russian Fighter Jet”, Business Insider, 19 de agosto de 2018; Elon Musk,
“My Idea of Fun”, Fortune, 6 de outubro de 2003; M.G. Lord, “Rocket
Man”, Los Angeles Magazine, 1o de outubro de 2007; Tom Junod, “Triumph
of His Will”, Esquire, 15 de novembro de 2012; Richard Feloni, “Former
SpaceX Exec Explains How Elon Musk Taught Himself Rocket Science”,
Business Insider, 23 de outubro de 2014; Chris Anderson, “Elon Musk’s
Mission to Mars”, Wired, 21 de outubro de 2012; Elon Musk, discurso,
Mars Society, 3 de agosto de 2012; Elon Musk, “Risky Business”, IEEEE
Spectrum, 30 de maio de 2009; Max Chafkin, “Entrepreuner of the Year”,
Inc., dezembro de 2007; Elon Musk, TED Talk, abril de 2017; Davenport,
Space Barons; Berger, Liftoff.

Capítulo 15 —Homem-foguete: Entrevistas do autor com Elon Musk,


Adeo Rossi. Amit Katwala, “What’s Driving Elon Musk?”, Wired, 9 de
setembro de 2018; Anderson, “Elon Musk’s Mission to Mars”; Levine,
“Entrepreuner Elon Musk Talks about His Background in Physics”; Junod,
“Triumph of His Will”.

Capítulo 16 — Pais e filhos: Entrevistas do autor com Elon Musk, Kimbal


Musk, Justine Musk, Maye Musk. Justine Musk, “I Was a Starter Wife”;
Junod, “Triumph of His Will”; Strauss, “e Architect of Tomorrow”.

Capítulo 17 — Acelerando: Entrevistas do autor com Tom Mueller, Elon


Musk, Tim Buzza, Mark Juncosa. Jeremy Rosenberg, entrevista com Tom
Mueller, KCET Public Radio, 3 de maio de 2012; Michael Belfiores,
“Behind the Scenes with the World’s Most Ambitious Rocket Makers”,
Popular Mechanics, 1o de setembro de 2009; Doug McInnis, “Rocket Man”,
Loyola Marymount Alumni Magazine, 31 de agosto de 2011; Katwala,
“What’s Driving Elon Musk?”; Junod, “Triumph of His Will”; Davenport,
Space Barons; Berger, Liftoff; Vance, Elon Musk.

Capítulo 18 — As regras de Musk para construir foguetes: Entrevistas do


autor com Tim Buzza, Tom Mueller, Elon Musk. Davenport, Space Barons;
Berger, Liftoff; Vance, Elon Musk.
Capítulo 19 — O sr. Musk vai a Washington: Entrevistas do autor com
Gwynne Shotwell, Elon Musk, Tom Mueller, Hans Koenigsmann.
Gwynne Shotwell, discurso de formatura na Universidade Northwestern, 14
de junho de 2021; Chris Anderson, “Rethinking Public-Private Space
Travel”, Space Policy, novembro de 2013.

Capítulo 20 — Fundadores: Entrevistas do autor com Martin Eberhard,


Marc Tarpenning, Elon Musk, JB Straubel, Ben Rosen. Michael Copeland,
“Tesla’s Wild Ride”, Fortune, 9 de julho de 2008; Drake Baer, “e Making
of Tesla”, Business Insider, 12 de novembro de 2014; Higgins, Power Play;
Vance, Elon Musk.

Capítulo 21 — O Roadster: Entrevistas do autor com Elon Musk, Martin


Eberhard, Marc Tarpenning, JB Straubel, Kimbal Musk, Michael Moritz,
John Doerr, Alan Salzman, Jessica Switzer, Mickey Drexler. Baer, “e
Making of Tesla”; Joshua Davis, “Batteries Included”, Wired, 1o de agosto
de 2006; Matthew Wald, “Zero to 60 in 4 Seconds”, e New York Times,
19 de julho de 2006; Copeland, “Tesla’s Wild Ride”; Elon Musk, “e
Secret Tesla Motors Master Plan”, Tesla Blog, 2 de agosto de 2006;
entrevista com Martin Eberhard, Watt It Takes podcast, setembro de 2021;
Higgins, Power Play; Vance, Elon Musk; Niedermeyer, Ludicrous.

Capítulo 22 — Kwaj: Entrevistas do autor com Elon Musk, Gwynne


Shotwell, Hans Koenigsmann, Tim Buzza. Berger, Liftoff. Berger relatou a
dificuldade para substituir os capacitores com problemas.

Capítulo 23 — Duas falhas: Entrevistas do autor com Elon Musk, Kimbal


Musk, Hans Koenigsmann, Tom Mueller, Tim Buzza. Kimbal Musk,
“Kwajalein Atoll and Rockets”, posts de blog de março de 2006,
http://kwajrockets.blogspot.com/; Carl Hoffman, “Elon Musk Is Betting
His Fortune on a Mission beyond Earth’s Orbit”, Wired, 22 de maio de
2007; Brian Berger, “Pad Processing Error Doomed Falcon 1”, SpaceNews,
10 de abril de 2006; Berger, Liftoff.
Capítulo 24 — A Equipe da SWAT: Entrevistas do autor com Elon Musk,
Martin Eberhard, JB Straubel, Antonio Gracias, Tim Watkins, Deepak
Ahuja. Zak Edson, “Tesla Motors Case Study: Sotira Carbon Fiber Body
Panel Ramp, May-Oct 2008”, arquivos da Valor Capital; Steven N. Kaplan
et al., “Valor and Tesla Motors”, estudo de caso da Chicago Booth School
of Business, 2017; Copeland, “Tesla’s Wild Ride”; Baer, “e Making of
Tesla”; entrevista com Elon Musk, Financial Times, 10 de maio de 2022;
Higgins, Power Play.

Capítulo 25 — Assumindo a direção: Entrevistas do autor com Elon


Musk, Antonio Gracias, Tim Watkins, Martin Eberhard, Marc
Tarpenning, Michael Marks, Ira Ehrenpreis. Copeland, “Tesla’s Wild
Ride”; Gene Bylinsky, “Heroes of U.S. Manufacturing: Michael Marks”,
Fortune, 20 de março de 2000; Higgins, Power Play.

Capítulo 26 — Divórcio: Entrevistas do autor com Justine Musk, Elon


Musk, Maye Musk, Kimbal Musk, Antonio Gracias. Justine Musk, “I Was
a Starter Wife”; Justine Musk, TEDx Talk, 26 de janeiro de 2016; Justine
Musk, “From the Head of Justine Musk”, blog, justinemusk.com; Junod,
“Triumph of His Will”.

Capítulo 27 — Talulah: Entrevistas do autor com Talulah Riley, Elon


Musk, Bill Lee.

Capítulo 28 — Terceira falha: Entrevistas do autor com Tim Buzza, Hans


Koenigsmann, Elon Musk, Tom Mueller. Berger, Liftoff; “SpaceX Stories”,
Elonx.net, 30 de abril de 2019; telefonema de Elon Musk com a imprensa,
6 de agosto de 2008; Carl Hoffman, “Now 0-for-3”, Wired, 5 de agosto de
2008. O lançamento ocorreu em 3 de agosto de 2008 pelo fuso de Kwaj, 2
de agosto pela hora da Califórnia.

Capítulo 29 — No limite: Entrevistas do autor com Elon Musk, Kimbal


Musk, Maye Musk, Antonio Gracias, Tim Watkins, Talulah Riley, Bill
Lee, Mark Juncosa, Jason Calacanis. “P1 Arriving Now!”, blog da Tesla, 6
de fevereiro de 2008; Scott Pelley, entrevista com Elon Musk, 60 Minutes,
CBS, 22 de maio de 2012.
Capítulo 30 — O quarto lançamento: Entrevistas do autor com Peter
iel, Luke Nosek, David Sacks, Tim Buzza, Tom Mueller, Kimbal Musk,
Trip Harriss, Gwynne Shotwell. Ashley Vance, When the Heavens Went on
Sale (Ecco, 2023); Berger, Liftoff; Davenport, Space Barons.

Capítulo 31 — Salvando a Tesla: Entrevistas do autor com Elon Musk,


Alan Salzman, Kimbal Musk, Ira Ehrenpreis, Deppak Ahuja, Ari Emanuel.

Capítulo 32 — O Model S: Entrevistas do autor com Henrik Pfister, Elon


Musk, JB Straubel, Martin Eberhard, Nick Kalayjian, Franz von
Holzhausen, Dave Morris, Lars Moravy, Drew Baglino. John Markoff,
“Tesla Motors Files Suit against Competitor over Design Ideias”, e New
York Times, 15 de abril de 2008; Chris Anderson, “e Shared Genius of
Elon Musk and Steve Jobs”, Fortune, 27 de novembro de 2013; Charles
Duhigg, “Dr. Elon & Mr. Musk”, Wired, 13 de dezembro de 2018; Chuck
Squatriglia, “First Look at Tesla’s Stunning Model S”, Wired, 26 de março
de 2009; Dan Neil, “Tesla S: A Model Citizen”, Los Angeles Times, 29 de
abril de 2009; Dan Nei, “To Elon Musk and the Model S:
Congratulations”, e Wall Street Journal, 29 de junho de 2012; Higgins,
Power Play.

Capítulo 33 — Espaço privado: Entrevistas do autor com Elon Musk,


Tom Mueller, Gwynne Shotwell, Tim Buzza, Lori Garver, Bill Nelson.
Brian Mosdell, “Untold Stories from the Rocket Ranch”, arquivos do
Kennedy Space Center, 5 de março de 2015; Brian Mosdell, “SpaceX
Stories: How SpaceX Built SLC-40 on a Shoestring Budget”, ElonX, 15 de
abril de 2019; Irene Klotz, “SpaceX Secret? Bash Bureaucracy, Simplify
Technology”, Aviation Week & Space Technology, 15 de junho de 2009;
Garver, Space Pirates; Berger, Liftoff; Davenport, Space Barons.

Capítulo 34 — O lançamento do Falcon 9: Entrevistas do autor com Tim


Buzza, Elon Musk, Lori Garver. Brian Vastag, “SpaceX’s Dragon Capsule
Docks with International Space Station”, e Washington Post, 25 de maio
de 2012; Garver, Space Pirates; Berger, Liftoff; Davenport, Space Barons.
Capítulo 35 — Casando-se com Talulah: Entrevistas do autor com
Talulah Riley, Elon Musk, Kimbal Musk, Bill Lee, Navaid Farooq.
Hermione Eyre, “How to Marry a Billionaire”, e Evening Standard, 10 de
abril de 2012.

Capítulo 36 — Produção: Entrevistas do autor com Elon Musk, Larry


Ellison, Franz von Holzhausen, Dave Morris, JB Straubel. Angus
McKenzie, “Shocking Winner: Proof Positive at America Can Still
Make (Great) ings”, Motor Trend, 10 de dezembro de 2012; Peter
Elkind, “Panasonic’s Power Play”, Fortune, 6 de março de 2015; Vance, Elon
Musk; Higgins, Power Play.

Capítulo 37 — Musk e Bezos: Entrevistas do autor com Jeff Bezos, Elon


Musk, Bill Nelson, Tim Buzza. Dan Leone, “Musk Calls Out Blue
Origin”, SpaceNews, 25 de setembro de 2013; Walter Isaacson, “In is
Space Race, Elon Musk and Jeff Bezos Are Eager to Take You ere”, e
New York Times, 24 de abril de 2018; Jeff Bezos, Invent and Wander (Public
Affairs/Harvard Business Review, 2021); vídeo do jantar de 2014 do
Explorers Club, https://vimeo.com/1193442003; Amanda Gordon, “Scene
Last Night: Jeff Bezos Eats Gator, Elon Musk Space”, Bloomberg, 17 de
março de 2014; Jeffrey P. Bezos, Gari Lay e Sean R. Findlay, “Sea Landing
of Space Launch Vehicles”, solicitação de patente US8678321B2, 14 de
junho de 2010; Trung Phan, fio do Twitter, 17 de julho de 2021;
Davenport, Space Barons; Berger, Liftoff; Fernholz, Rocket Billionaires.

Capítulo 38 — O falcão escuta o falcoeiro: Entrevistas do autor com Elon


Musk, Sam Teller, Steve Jurvetson, Antonio Gracias, Mark Juncosa, Jeff
Bezos, Kiko Dontchev. Calia Cofield, “Blue Origin Makes Historic
Reusable Rocket Landing in Epic Test Flight”, Space.com, 24 de novembro
de 2015; Davenport, Space Barons.

Capítulo 39 — A montanha-russa Talulah: Entrevistas do autor com


Talulah Riley, Elon Musk, Maye Musk, Kimbal Musk, Navaid Farooq, Bill
Lee. Junod, “Force of His Will”.
Capítulo 40 — Inteligência Artificial: Entrevistas do autor com Sam
Altman, Demis Hassabis, Elon Musk, Reid Hoffman, Luke Nosek, Shivon
Zilis. Steven Levy, “How Elon Musk and Y Combinator Plan to Stop
Computers from Taking Over”, Backchannel, 11 de dezembro de 2015;
Cade Metz, “Inside OpenAI, Elon Musk’s Wild Plan to Set Artificial
Intelligence Free”, Wired, 27 de abril de 2016; Maureen Dowd, “Elon
Musk’s Billion-Dollar Crusade to Stop the A.I. Apocalypse”, Vanity Fair,
abril de 2017; palestra de Elon Musk, Simpósio do Centenário do
Departamento de Aeronáutica e Astronáutica do MIT, 24 de outubro de
2014; entrevista de Chris Anderson com Elon Musk, Conferência TED, 14
de abril de 2022.

Capítulo 41 — O lançamento do Autopilot: Entrevistas do autor com


Drew Baligno, Elon Musk, Omead Afshar, Sam Altman, Sam Teller. Alan
Ohnsman, “Tesla CEO Talking with Google about ‘Autopilot’ Systems”,
Bloomberg, 7 de maio de 2013; Joseph B. White, “Tesla Aims to Leapfrog
Rivals”, e Wall Street Journal, 10 de outubro de 2014; Jordan Golson e
Dieter Bohn, “All New Tesla Cars Have Hardware for ‘Full Self-Driving
Capabilities’ but Some Safety Features Will Be Disabled Initially”, e
Verge, 19 de outubro de 2016; National Transportation Safety Board,
“Collision Between a Car Operating with Automated Vehicle Control
Systems and a Tractor-Semitrailer Truck Near Willinston, Florida, on May
7, 2017”, 12 de setembro de 2017; Jack Stewart, “Elon Musk Says Every
New Tesla Can Drive Itself ”, Wired, 19 de outubro de 2016; Peter Valdes-
Dapena, “You’ll Be Able to Summon Your Driverless Tesla from Cross-
country”, CNN, 20 de outubro de 2016; Niedermeyer, Ludicrous.

Capítulo 42 — Solar: Entrevistas do autor com Peter Rive, Elon Musk,


Maye Musk, Errol Musk, Kimbal Musk, Drew Baligno, Sam Teller. Emily
Jane Fox, “How Elon Musk’s Mom (and Her Twin Sister) Raised the First
Family of Tech”, Vanity Fair, 21 de outubro de 2015; Burt Helm, “Elon
Musk, Lyndon Rive, and the Plan to Put Solar Panels on Every Roof in
America”, Men’s Journal, julho de 2016; Eric Johnson, “From Santa Cruz to
Solar City”, Hilltromper, 20 de novembro de 2015; Ronald D. White,
“SolarCity CEO Lyndon Rive Built on a Bright Idea”, Los Angeles Times,
13 de setembro de 2013; Max Chafkin, “Entrepreuner of the Year”;
Delaware Chancery Court, “Memorandum of opinion in re Tesla Motors
stockholder litigation”, C.A. Nº 12711-VCS, 27 de abril de 2022; Austin
Carr, “e Real Story behind Elon Musk’s $2.6 Billion Acquisition of
SolarCity”, Fast Company, 7 de junho de 2017; Austin Carr, “Inside Steel
Pulse”, Fast Company, 9 de junho de 2017; John Dzieza, “Why Tesla’s
Battery for Your Home Should Terrify Utilities”, e Verge, 13 de fevereiro
de 2015; Ivan Penn e Russ Mitchell, “Elon Musk Wants to Sell People
Solar Roofs at Look Great”, Los Angeles Times, 28 de outubro de 2016.

Capítulo 43 — e Boring Company: Entrevistas do autor com Sam


Teller, Steve Davis, Jon McNeil, Elon Musk, Joe Kuhn, Elissa Butterfield.
Elon Musk, “Hyperloop Alpha”, Tesla Blog, 2013; Max Chafkin, “Tunnel
Vision”, Bloomberg, 20 de fevereiro de 2017.

Capítulo 44 — Relações complicadas: Entrevistas do autor com Elon


Musk, Juleanna Glover, Sam Teller, Peter iel, Amber Heard, Kimbal
Musk, Tosca Musk, Maye Musk, Antonio Gracias, Jared Birchall. Joe
Kernen, entrevista com Donald Trump, CNBC, 22 de janeiro de 2020;
Barbara Jones, “Inter-galactic Family Feud”, Mail on Sunday, 17 de março
de 2018; Rob Crilly, “Elon Musk’s Estranged Father, 72, Calls His
Newborn Baby with Stepdaughter ‘God’s Plan’”, e National Post, 25 de
março de 2018; Strauss, “e Architect of Tomorrow”.

Capítulo 45 — Descida para a escuridão: Entrevistas do autor com Jon


McNeill, Elon Musk, Kimbal Musk, Omead Afshar, Tim Watkins,
Antonio Gracias, JB Straubel, Sam Teller, James Musk, Mark Juncosa, Jon
McNeill, Gage Coffin. Duhigg, “Dr. Elon & Mr. Musk”.

Capítulo 46 — O inferno da fábrica de Fremont: Entrevistas do autor com


Elon Musk, Sam Teller, Omead Afshar, Nick Kalayjian, Tim Watkins,
Antonio Gracias, JB Straubel, Mark Juncosa, Jon McNeill, Sam Teller, Lars
Moravy, Kimbal Musk, Rodney Westmoreland. E-mail de Musk para os
funcionários de SpaceX, 18 de setembro de 2021; Neal Boudette, “Inside
Tesla’s Audacious Push to Reinvent the Way Cars Are Made”, e New York
Times, 30 de junho de 2018; Austin Carr, “e Real Story”, Fast Company,
7 de junho de 2017; Strauss, “e Architect of Tomorrow”; Lora Kolodny,
“Tesla Employees Say ey Took Shortcuts”, CNBC, 15 de julho de 2019;
Andrew Ross Sorkin, “Tesla’s Elon Musk May Have Boldest Pay Plan in
Corporate History”, e New York Times, 23 de janeiro de 2018; Tesla
Schedule 14A, protocolo na SEC, 21 de janeiro de 2018; Alex Adams,
“Why Elon Musk’s Compensation Plan Wouldn’t Work for Most
Executives”, Harvard Business Review, 24 de janeiro de 2018; Ryan
Kottenstette, “Elon Musk Wasn’t Wrong about Automating the Model 3
Assembly Line, He Was Just Ahead of His Time”, TechCrunch, 5 de março
de 2019; Elon Musk, TED Talk, 14 de abril de 2022; Alex Davies, “How
Tesla Is Building Cars in Its Parking Lot”, Wired, 22 de junho de 2018;
Boudette, “Inside Tesla’s Audacious Push”; Higgins, Power Play. Para um
vídeo em que Musk explica seu algoritmo, ver Tim Dodd, “Starbase Tour”,
Everyday Astronaut, agosto de 2021.

Capítulo 47 — Aviso de malha aberta: Entrevistas do autor com Kimbal


Musk, Deepak Ahuja, Antonio Gracias, Elon Musk, Sam Teller, Joe Fath.
Matt Robinson e Zeke Faux, “When Elon Musk Tried to Destroy a Tesla
Whistleblower”, Bloomberg, 13 de março de 2019; e-mail de Elon Musk
para Richard Stanton e resposta, 8 de junho de 2018; Vernon Unsworth v.
Elon Musk, Tribunal Distrital dos Estados Unidos, Distrito Central da
Califórnia, caso 2:18 cv 8048, 17 de setembro de 2018; Ryan Mac et al., “In
a New Email, Elon Musk Accused a Cave Rescuer of Being a ‘Child
Rapist’”, BuzzFeed, 4 de setembro de 2018; documentos apoiando
julgamento sumário, In re Tesla Inc. Securities Litigation, Tribunal Distrital
dos Estados Unidos, Distrito Norte da Califórnia, petição de 22 de abril de
2022; David Gelles, James B. Stewart, Jessica Silver-Greenberg e Kate
Kelly, “Elon Musk Details ‘Excruciating’ Personal Toll of Tesla Turmoil”,
e New York Times, 16 de agosto de 2018; Dana Hull, “Weak Sauce”,
Bloomberg, 24 de abril de 2022; Jim Cramer, Squawk on the Street, CNBC, 8
de agosto de 2018; James B. Stewart, “A Question for Tesla’s Board: What
Was Elon Musk’s Mental State?”, e New York Times, 15 de agosto de
2018; entrevista de Elon Musk com Chris Anderson, TED, 14 de abril de
2022; Higgins, Power Play; McKenzie, Insane Mode.

Capítulo 48 — Radioatividade: Entrevistas do autor com Elon Musk,


David Gelles, Juleanna Glover, Sam Teller, Gwynne Shotwell, Talulah
Riley, JB Straubel, Jon McNeill, Kimbal Musk, Jared Birchall. e Joe Rogan
Experience podcast, 7 de setembro de 2018; David Gelles, “Interviewing
Elon Musk”, e New York Times, 19 de agosto de 2018.

Capítulo 49 — Grimes: Entrevistas do autor com Claire Boucher


(Grimes), Elon Musk, Kimbal Musk, Maye Musk, Sam Teller. Azealia
Banks, carta para Elon Musk, 19 de agosto de 2018; Kate Taylor, “Azealia
Banks Claims to Be at Elon Musk’s House”, Business Insider, 13 de agosto
de 2018; Maureen Dowd, “Elon Musk, Blasting Off in Domestic Bliss”,
e New York Times, 25 de julho de 2020.

Capítulo 50 — Xangai: Entrevistas do autor com Robin Ren e Elon Musk.

Capítulo 51 — Cybertruck: Entrevistas do autor com Franz von


Holzhausen, Elon Musk, Dave Morris. Stephanie Mlot, “Elon Musk
Wants to Make Bond’s Lotus Submarine Car a Reality”, PC Magazine, 18
de outubro de 2013.

Capítulo 52 — Starlink: Entrevistas do autor com Elon Musk, Mark


Juncosa, Bill Riley, Sam Teller, Elissa Butterfield, Bill Gates.

Capítulo 53 — Starship: Entrevistas do autor com Elon Musk, Bill Riley,


Sam Patel, Joe Petrzelka, Peter Nicholson, Elissa Butterfield, Jim Vo. Ryan
D’Agostino, “Elon Musk: Why I’m Building the Starship out of Stainless
Steel”, Popular Mechanics, 22 de janeiro de 2019.

Capítulo 54 — Dia da Autonomia: Entrevistas do autor com Elon Musk,


James Musk, Sam Teller, Franz von Holzhausen, Claire Boucher (Grimes),
Omead Afshar, Shivon Zilis, Anand Swaminathan, Joe Fath.

Capítulo 55 — Giga Texas: Entrevistas do autor com Elon Musk, Omead


Afshar, Lars Moravy.

Capítulo 56 — Vida familiar: Entrevistas do autor com Elon Musk, Claire


Boucher (Grimes), Christiana Musk, Maye Musk, Kimbal Musk, Justine
Musk, Ken Howery, Luke Nosek. Entrevista de Joe Rogan com Elon
Musk, 7 de maio de 2020; Rob Copeland, “Elon Musk Says He Lives in a $
50.000 House”, e Wall Street Journal, 22 de dezembro de 2021.

Capítulo 57 — A pleno vapor: Entrevistas do autor com Elon Musk, Kiko


Dontchev, Kimbal Musk, Luke Nosek, Bill Riley, Rich Morris, Hans
Koenigsmann, Gwynne Shotwell. Lex Fridman, entrevista para podcast
com Elon Musk, 28 de dezembro de 2021; Joey Roulette, “SpaceX Ignored
Last Minute Warnings from FAA before December Launch”, e Verge, 15
de junho de 2021.

Capítulo 58 — Bezos versus Musk, 2o round: Entrevistas do autor com Jeff


Bezos, Elon Musk, Richard Branson. Christian Davenport, “Elon Musk Is
Dominating the Space Race”, e Washington Post, 10 de setembro de 2021;
Richard Waters, “Interview with FT’s Person of the Year”, Financial Times,
15 de dezembro de 2021; entrevista de Kara Swisher com Elon Musk, Code
Conference, 28 de setembro de 2021.

Capítulo 59 — A onda da Starship: Entrevistas do autor com Bill Riley,


Kiko Dontchev, Elon Musk, Sam Patel, Joe Petrzelka, Mark Juncosa,
Gwynne Shotwell, Lucas Hughes, Andy Krebs. Tim Dodd, “Starbase
Tour”, Everyday Astronaut, 30 de julho de 2021.

Capítulo 60 — Onda solar: Entrevistas do autor com Kunal Girotra, RJ


Johnson, Brian Dow, Marcus Mueller, Elon Musk, Omead Afshar.

Capítulo 61 — Luzes apagadas: Entrevistas do autor com Elon Musk,


Maye Musk, Kimbal Musk, Tosca Musk, Claire Boucher (Grimes), Bill
Lee, Antonio Gracias. Arden Fanning Andrews, “e Making of Grimes’s
‘Dune-esque’ 2021 Met Gala Look”, Vogue, 16 de setembro de 2021.

Capítulo 62 — Inspiration4: Entrevistas do autor com Jared Isaacman,


Elon Musk, Jehn Balajadia, Kiko Dontchev, Claire Boucher (Grimes), Bill
Gerstenmaier, Hans Koenigsmann, Bill Nelson, Sam Patel.
Capítulo 63 — Mudanças no Raptor: Entrevistas do autor com Elon
Musk, Jacob McKenzie, Bill Riley, Joe Petrzelka, Lars Moravy, Jehn
Balajadia.

Capítulo 64 — Nasce o Optimus: Entrevistas do autor com Elon Musk,


Franz von Holzhausen, Lars Moravy, Drew Baligno, Omead Afshar, Milan
Kovac. Entrevista de Chris Anderson com Elon Musk, TED, 14 de abril de
2022.

Capítulo 65 — Neuralink: Entrevistas do autor com Elon Musk, Jon


McNeill, Shivon Zilis, Sam Teller. Elon Musk, “An Integrated Brain-
Machine Interface Platform with ousands of Channels”, bioRxiv, 2 de
agosto de 2019; Jeremy Kah e Jonathan Vanian, “Inside Neuralink”,
Fortune, 29 de janeiro de 2022.

Capítulo 66 — Pura visão: Entrevistas do autor com Elon Musk, Lars


Moravy, Omead Afshar, Franz von Holzhausen, Drew Baligno, Phil Duan,
Dhaval Shroff. Cade Metz e Neal Boudette, “Inside Tesla as Elon Musk
Pushed an Inflinching Vision for Self-Driving Cars”, e New York Times, 6
de dezembro de 2021; Emma Schwartz, Cade Metz e Neal Boudette, “Elon
Musk’s Crash Course”, documentário da FX/e New York Times, 16 de
maio de 2022; Niedermeyer, Ludicrous.

Capítulo 67 — Dinheiro: Entrevistas do autor com Elon Musk, Jared


Birchall, Kimbal Musk, Christiana Musk, Claire Boucher (Grimes). Tesla
Schedule protocolo 14A, Securities and Exchange Comission, 7 de
fevereiro de 2018; Kenrick Cai e Sergei Klebnikov, “Elon Musk Is Now the
Richest Person in the World, Officially Surpassing Jeff Bezos”, Forbes, 8 de
janeiro de 2021. Uso preços das ações ajustados depois da emissão de novos
papéis.

Capítulo 68 — Pai do ano: Entrevistas do autor com Shivon Zilis, Claire


Boucher (Grimes), Tosca Musk, Elon Musk, Kimbal Musk, Maye Musk,
Christiana Musk. Entrevista de Elon Musk para a NPQ, inverno de 2014;
Devin Gordon, “Infamy Is Kind of Fun”, Vanity Fair, 10 de março de 2022;
Ed Felsenthal, Molly Ball, Jeff Kluger, Alejandro de la Garza e Walter
Isaacson, “Person of the Year”, Time, 13 de dezembro de 2021; Richard
Waters, “Person of the Year”, Financial Times, 15 de dezembro de 2021.

Capítulo 69 — Política: Entrevistas do autor com Elon Musk, Kimbal


Musk, Sam Teller, Jared Birchall, Claire Boucher (Grimes), Omead Afshar,
Ken Howery, Luke Nosek, David Sacks. Dowd, “Elon Musk, Blasting Off
in Domestic Bliss”; Strauss, “e Architect of Tomorrow”; entrevista de
Elon Musk para o Babylon Bee, 21 de dezembro de 2021; Rich McHugh, “A
SpaceX Flight Attendant Said Elon Musk Exposed Himself and
Propositioned Her for Sex”, Business Insider, 19 de maio de 2022; Dana
Hull, “Biden’s Praise for GM Overlooks Tesla’s Actual EV Leadership”,
Bloomberg, 24 de novembro de 2021; Dana Hull e Jennifer Jacobs, “Tesla,
Who? Biden Can’t Bring Himself to Say It”, Bloomberg, 2 de fevereiro de
2022; Ari Natter, Gabrielle Coppola e Keith Laing, “Biden Snubs Tesla”,
Bloomberg, 5 de agosto de 2021; entrevista de Elon Musk para Kara
Swisher, Code Conference, 28 de setembro de 2021.

Capítulo 70 — Ucrânia: Entrevistas do autor com Elon Musk, Gwynne


Shotwell, Jared Birchall. E-mails de Lauren Dreyer e mensagens de texto de
Mykhailo Fedorov fornecidos por Elon Musk. Christopher Miller, Mark
Scott e Bryan Bender, “UkraineX: How Elon Musk’s Space Satellites
Changed the War on the Ground”, Politico, 8 de junho de 2022; Cristiano
Lima, “US Quietly Paying Millions to Send Starlink Terminals to
Ukraine”, e Washington Post, 8 de abril de 2022; Yaroslav Trofimov, Micah
Maidenberg e Drew Fitzgerald, “Ukraine Leans on Elon Musk’s Starlink in
Fight against Russia”, e Wall Street Journal, 16 de julho de 2022; Mehul
Srivastava et al., “Ukranian Forces Report Starlink Outages During Push
Against Russia”, Financial Times, 7 de outubro de 2022; Volodymyr
Verbyany e Daryna Krasnolutska, “Ukraine to Get ousands More
Starlink Antennas”, Bloomberg, 20 de dezembro de 2022; Adam Satariano,
“Elon Musk Doesn’t Want His Satellites to Run Ukraine’s Drones”, e
New York Times, 9 de fevereiro de 2023; Joey Rolette, “SpaceX Curbed
Ukraine’s Use of Starlink”, Reuters, 9 de fevereiro de 2023.

Capítulo 71 — Bill Gates: Entrevistas do autor com Bill Gates, Rory


Gates, Elon Musk, Omead Afshar, Jared Birchall, Claire Boucher
(Grimes), Kimbal Musk. Rob Copeland, “Elon Musk’s Inner Circle Rocked
by Fight over His $230 Billion Fortune”, e Wall Street Journal, 16 de julho
de 2022; Sophie Alexander, “Elon Musk Enlisted Poker Star before
Making $5.7 Billion Mystery Gift”, Bloomberg, 15 de fevereiro de 2022;
Nicholas Kulish, “How a Scottish Moral Philosopher Got Elon Musk’s
Number”, e New York Times, 8 de outubro de 2022; Melody Y. Guan,
“Elon Musk, Superintelligence, and Maximizing Social Good”, e
Huffington Post, 3 de agosto de 2015.

Capítulo 72 — Investidor ativo: Entrevistas do autor com Elon Musk,


Antonio Gracias, Omead Afshar, Kimbal Musk, Shivon Zilis, Bill Lee,
Griffin Musk, Jared Birchall, Ken Howery, Luke Nosek. Conferência sobre
os lucros da Tesla, 20 de abril de 2022; Matthew A. Winkler, “In Defense
of Elon Musk’s Managerial Excellence”, Bloomberg, 18 de abril de 2022;
mensagens de texto,
https://www.documentcloud.org/documents/23112929-elon-musk-text-
exhibits-twitter-v-musk; Lane Brown, “What Is Elon Musk?”, New York
Magazine, 8 de agosto de 2022; Devin Gordon, “A Close Read of
@elonmusk”, New York Magazine, 12 de agosto de 2022.

Capítulo 73 — “Fiz uma oferta”: Entrevistas do autor com Elon Musk,


Kimbal Musk, Larry Ellison, Navaid Farooq, Jared Birchall, Claire Boucher
(Grimes), Chris Anderson. Mensagens de texto,
https://www.documentcloud.org/documents/23112929-elon-musk-text-
exhibits-twitter-v-musk; Rob Copeland, Georgia Wells, Rebecca Elliott e
Liz Hoffman, “e Shadow Crew Who Encouraged Elon Musk’s Twitter
Takeover”, e Wall Street Journal, 29 de abril de 2022; Mike Isaac, Lauren
Hirsch e Anupreeta Das, “Inside Elon Musk’s Big Plans for Twitter”, e
New York Times, 6 de maio de 2022.

Capítulo 74 — Quente e frio: Entrevistas do autor com Elon Musk, Larry


Ellison, Kimbal Musk, Robert Steel, Leslie Berland, Jared Birchall. Liz
Hoffman, “Sam Bankman-Fried, Elon Musk, and a Secret Text”, Semafor,
23 de novembro de 2022; reunião com funcionários do Twitter, 16 de junho
de 2022.
Capítulo 75 — Dia dos Pais: Entrevistas do autor com Elon Musk, Maye
Musk, Justine Musk, Kimbal Musk, Errol Musk, Jared Birchall, Talulah
Riley, Griffin Musk, Christiana Musk, Claire Boucher (Grimes), Omead
Afshar, Shivon Zilis. Roula Khalaf, “Aren’t You Entertained?”, Financial
Times, 7 de outubro de 2022; Julia Black, “Elon Musk Had Secret Twins in
2022”, Business Insider, 6 de julho de 2022; Emily Smith e Lee Brown,
“Elon Musk Laughs Off Affair Rumors, Insists He Hasn’t ‘Had Sex in
Ages’”, New York Post, 25 de julho de 2022; Alex Diaz, “Musk Be Kidding”,
e Sun, 13 de julho de 2022; Errol Musk, “Dad of a Genius”, YouTube,
2022; Kirsten Grind e Emily Glazer, “Elon Musk’s Friendship with Sergey
Brin Ruptured by Alleged Affair”, e Wall Street Journal, 24 de julho de
2022. Errol Musk muitas vezes me copiava em seus e-mails para o filho.

Capítulo 76 — Sacudida na Starbase: Entrevistas do autor com Elon


Musk, Sam Patel, Bill Riley, Andy Krebs, Jonah Nolan, Mark Juncosa,
Omead Afshar, Jake McKenzie, Kiko Dontchev, Jared Isaacman, Sam
Patel, Andy Krebs, Claire Boucher (Grimes), Gwynne Shotwell. Jantar com
Janet Petro, Lisa Watson-Morgan, Vanessa Wyche.

Capítulo 77 — Optimus Prime: Entrevistas do autor com Elon Musk,


Franz von Holzhausen, Lars Moravy.

Capítulo 78 — Incerteza: Entrevistas do autor com Elon Musk, Jared


Birchall, Alex Spiro, Antonio Gracias, Robert Steel, Blair Efron, Ari
Emanuel, Larry David, Joe Scarborough.

Capítulo 79 — Apresentação do Optimus: Entrevistas do autor com Franz


von Holzhausen, Elon Musk, Steve Davis, Lars Moravy, Anand
Swaminathan, Milan Kovac, Phil Duan, Tim Zaman, Felix Sygulla, Ira
Ehrenpreis, Jason Calacanis.

Capítulo 80 — Robotáxi: Entrevistas com Elon Musk, Omead Afshar,


Franz von Holzhausen, Lars Moravy, Drew Baligno.

Capítulo 81 — “Vocês vão ter que aceitar”: Entrevistas do autor com Elon
Musk, Parag Agrawal, David Sacks, Ben San Souci, Yoni Ramon, Esther
Crawford, Leslie Berland.

Capítulo 82 — Tomando posse: Entrevistas do autor com Elon Musk,


Jared Birchall, Alex Spiro, Michael Grimes, Antonio Gracias, Brad Sheftel,
David Sacks, Parag Agrawal, Tejas Dharamsi, Ro Khanna.

Capítulo 83 — Os três mosqueteiros: Entrevistas do autor com Elon


Musk, James Musk, Andrew Musk, Dhaval Shroff, Ben San Souci, Chris
Payne, omas Dmytryk, Yoni Ramon, Ross Nordeen, Kayvon Beykpour,
Ben San Souci, Alex Spiro, Milan Kovac, Ashok Elluswamy, Tim Zaman,
Phil Duan. Kate Conger, Mike Isaac, Ryan Mac e Tiffany Hsu, “Two
Weeks of Chaos”, e New York Times, 11 de novembro de 2022.

Capítulo 84 — Moderação de conteúdo: Entrevistas do autor com Yoel


Roth, David Sacks, Jason Calacanis, Elon Musk, Jared Birchall, Yoni
Ramon. Cat Zakrzewski, Faiz Siddiqui e Joseph Menn, “Musk’s Free
Speech Agenda Dismantles Safety Work at Twitter”, e Washington Post,
22 de novembro de 2022; Elon Musk, “Time 100: Kanye West”, Time, 15
de abril de 2015; Steven Nelson e Natalie Musumeci, “Twitter Fact-
Checker Has History of Politically Charged Posts”, New York Post, 27 de
maio de 2020; Bari Weiss, “e Twitter Files Part Two”, fio no Twitter, 8
de dezembro de 2022.

Capítulo 85 — Halloween: Entrevistas do autor com Elon Musk, Maye


Musk, Leslie Berland, Jason Calacanis, Yoel Roth.

Capítulo 86 — Contas verificadas: Entrevistas do autor com Elon Musk,


Yoel Roth, Alex Spiro, David Sacks, Jason Calacanis, Jared Birchall.
Conger, Isaac, Mac e Hsu, “Two Weeks of Chaos”; Zöe Schiffer, Casey
Newton e Alex Heath, “Extremely Hardcore”, e Verge e New York
Magazine, 17 de janeiro de 2023; Casey Newton e Zöe Schiffer, “Inside the
Twitter Meltdown”, Platformer, 10 de novembro de 2022.

Capítulo 87 — Apostando tudo: Entrevistas do autor com Elon Musk,


Jared Birchall, Larry Ellison, Alex Spiro, James Musk, Andrew Musk, Ross
Nordeen, Dhaval Shroff, David Sacks, Yoni Ramon. Gergely Orosz,
“Twitter’s Ongoing Cruel Treatment of Software Engineers”, Pragmatic
Engineer, 20 de novembro de 2022; Alex Heath, “Elon Musk Says Twitter
Is Done with Layoffs and Ready to Hire Again”, e Verge, 21 de novembro
de 2022; Casey Newton e Zöe Schiffer, “e Only Constant at Elon Musk’s
Twitter Is Chaos”, e Verge, 22 de novembro de 2022; Schiffer, Newton e
Heath, “Extremely Hardcore”.

Capítulo 88 — Hardcore: Entrevistas do autor com Elon Musk, Jared


Birchall, Alex Spiro, James Musk, Andrew Musk, Ross Nordeen, Dhaval
Shroff, David Sacks, Yoni Ramon, Larry Ellison, funcionários da Apple.
Schiffer, Newton e Heath, “Extremely Hardcore”.

Capítulo 89 — Milagres: Entrevistas do autor com Shivon Zilis, Jeremy


Barenholtz, Elon Musk, DJ Seo, Ross Nordeen. Ashlee Vance, “Musk’s
Neuralink Hopes to Implant Computer in Human Brain in Six Months”,
Bloomberg, 30 de novembro de 2022.

Capítulo 90 — Twitter Files: Entrevistas do autor com Elon Musk, Bari


Weiss, Nellie Bowles, Alex Spiro, Ross Nordeen. Matt Taibbi, “Note from
San Francisco”, TK News, Substack, 29 de dezembro de 2022; Matt Taibbi,
fios do Twitter Files, TK News; Matt Taibbi, “America Needs Truth and
Reconciliation on Russiagate”, TK News, 12 de janeiro de 2023; Matt
Taibbi, fios do Twitter, dezembro de 2022 a janeiro de 2023; Cathy Young,
“Are the Twitter Files a Nothingburger?”, e Bulwark, 14 de dezembro de
2022; Tim Miller, “No, You Do Not Have a Constitutional Right to Post
Hunter Biden’s Dick Pic on Twitter”, e Bulwark, 3 de dezembro de 2022;
Bari Weiss, “Our Reporting at Twitter”, e Free Press, 15 de dezembro de
2022; Bari Weiss, Abigail Shrier, Michael Shellenberger e Nellie Bowles,
“Twitter’s Secret Blacklists”, e Free Press, 15 de dezembro de 2022; David
Zweig, “How Twitter Rigged the Covid Debate”, e Free Press, 26 de
dezembro de 2022; Freddie Sayers e Jay Bhattacharya, “What I Discovered
at Twitter HQ”, unherd.com, 26 de dezembro de 2022.

Capítulo 91 — Caminhos perigosos: Entrevistas do autor com Elon


Musk, Claire Boucher (Grimes), Kimbal Musk, James Musk, Ross
Nordeen, Bari Weiss, Nellie Bowle, Yoel Roth, Davis Zaslav. Drew Harwell
e Taylor Lorenza, “Musk Blamed a Twitter Account for an Alleged
Stalker”, e Washington Post, 18 de dezembro de 2022; Drew Harwell,
“QAnon, Adrift after Trump’s Defeat, Finds New Life in Elon Musk’s
Twitter”, e Washington Post, 14 de dezembro de 2022; Yoel Roth, “Gay
Data”, tese de doutorado, Universidade da Pensilvânia, 30 de novembro de
2016.

Capítulo 92 — Travessuras natalinas: Entrevistas do autor com Elon


Musk, James Musk, Ross Nordeen, Kimbal Musk, Christiana Musk,
Griffin Musk, David Agus.

Capítulo 93 — IA para carros: Entrevistas do autor com Dhaval Shroff,


James Musk, Elon Musk, Milan Kovac.

Capítulo 94 — IA para humanos: Entrevistas do autor com Elon Musk,


Shivon Zilis, Bill Gates, Jared Birchall, Sam Altman, Demis Hassabis.
Reed Albergotti, “e Secret History of Elon Musk, Sam Altman, and
OpenAI”, Semafor, 24 de março de 2023; Kara Swisher, “Sam Altman on
What Makes Him ‘Super Nervous’ about AI”, New York, 23 de março de
2023; Matt Taibbi, “Meet the Censored: Me?”, Racket, 12 de abril de 2023;
Tucker Carlson, entrevista com Elon Musk, Fox News, 17 e 18 de abril de
2023.

Capítulo 95 — O lançamento da Starship: Entrevistas do autor com Elon


Musk, Maye Musk, Claire Boucher (Grimes), Mark Juncosa, Bill Riley,
Shana Diez, Mark Soltys, Antonio Gracias, Jason Calacanis, Gwynne
Shotwell, Hans Koenigsmann, Linda Yaccarino. Tim Higgins, “In 24
Hours, Elon Musk Reignited His Reputation for Risk”, e Wall Street
Journal, 22 de abril de 2023; Damon Beres, “Elon Musk’s Disastrous
Week”, e Atlantic, 20 de abril de 2023; George Packer, Our Man (Knopf,
2019). De Medida por Medida, de William Shakespeare: “Dizem que os
melhores homens são moldados por seus erros / E, na maioria dos casos,
tornam-se muito melhores / Por serem um pouco maus.”
créditos das fotos

Prólogo: Cortesia de Maye Musk


Capítulo 1: Em cima e embaixo à esquerda: cortesia de Maye Musk.
Embaixo à direita: cortesia de Elon Musk
Capítulo 2 início: Fotos cortesia de Maye Musk
Capítulo 2 fim: Cortesia de Maye Musk
Capítulo 3 início: Em cima à esquerda: cortesia de Maye Musk. Em cima à
direita: cortesia de Peter Rive. Embaixo: cortesia de Kimbal Musk.
Capítulo 3 fim: Cortesia de Maye Musk
Capítulo 4: Fotos cortesia de Maye Musk
Capítulo 5: Cortesia de Maye Musk
Capítulo 6 início: Fotos cortesia de Maye Musk
Capítulo 6 fim: Cortesia de Maye Musk
Capítulo 7: Fotos cortesia de Maye Musk
Capítulo 8: Em cima: cortesia de Robin Ren. Embaixo: cortesia de Maye
Musk
Capítulo 9 início: Cortesia de Maye Musk
Capítulo 9 fim: Cortesia de Maye Musk
Capítulo 10: Em cima: cortesia de Maye Musk. Embaixo:
CNN/YouTube.com
Capítulo 11 início: Fotos cortesia de Maye Musk
Capítulo 11 fim: Cortesia de Maye Musk
Capítulo 12: Paul Sakuma/AP
Capítulo 13: Em cima: Robyn Twomey/Redux. Embaixo à esquerda: David
Paul Morris/Bloomberg via Getty Images. Embaixo à direita: Simon
Dawson/Bloomberg via Getty Images
Capítulo 14: Fotos cortesia de Adeo Ressi
Capítulo 15: Fotos cortesia de Adeo Ressi
Capítulo 16: Cortesia de Kimbal Musk
Capítulo 17: Gregg Segal
Capítulo 18: Cortesia da SpaceX
Capítulo 19: Cortesia de Gwynne Shotwell
Capítulo 20: Em cima: Steve Jurvetson/Wikimedia Commons. Embaixo:
Erin Lubin
Capítulo 21: Cortesia da Tesla
Capítulo 22: Fotos cortesia de Hans Koenigsmann
Capítulo 23: Fotos cortesia de Hans Koenigsmann
Capítulo 24: Cortesia de Tim Watkins
Capítulo 25: Nicki Dugan Pogue/Wikimedia Commons
Capítulo 26: Lauren Greenfield/Institute
Capítulo 27: Nick Harvey/WireImage/Getty Images
Capítulo 28: Fotos cortesia de Hans Koenigsmann
Capítulo 29: Fotos cortesia de Hans Koenigsmann
Capítulo 30: Fotos cortesia de Hans Koenigsmann
Capítulo 31: Cortesia de Navaid Farooq
Capítulo 32: Esquerda e direita: Steve Jurvetson/Wikipedia Dommons
Capítulo 33: Foto oficial da Casa Branca por Chuck Kennedy
Capítulo 34: Cortesia de Christopher Stanley
Capítulo 35: Cortesia de Talulah Riley
Capítulo 36: Em cima: cortesia de YouTube.com. Embaixo: cortesia de
Sam Teller
Capítulo 37: Cortesia de Trung Phan/Twitter
Capítulo 38: Cortesia de Jehn Balajadia
Capítulo 39: Fotos cortesia de Navaid Farooq
Capítulo 40: YouTube.com
Capítulo 44: Em cima à direita e à esquerda: cortesia de Amber Heard.
Embaixo à esquerda: Gianluigi Guercial/AFP via Getty Images.
Embaixo à direita: Brendan Smialowski/AFP via Getty Images
Capítulo 45 início: Cortesia de Omead Afshar
Capítulo 45 fim: Cortesia de Sam Teller
Capítulo 46 início: Em cima à esquerda: cortesia de Omead Afshar. Em
cima à direita e embaixo à esquerda: cortesia de Sam Teller. Embaixo à
direita: cortesia de Jehn Balajadia.
Capítulo 46 fim: Cortesia de Omead Afshar
Capítulo 47: Fotos cortesia de Sam Teller
Capítulo 48: Em cima: YouTube.com. Embaixo: Ryan David Brown/e
New York Times/Redux
Capítulo 49: Esquerda: cortesia de Grimes. Direita: Amy
Sussman/WWD/Penske Media/Getty Images
Capítulo 50: Cortesia de Robin Ren
Capítulo 51: Cortesia de Sam Teller
Capítulo 53: Direita: cortesia de Bill Riley
Capítulo 56: Em cima à esquerda: cortesia de Maye Musk. Embaixo:
Martin Schoeller/August
Capítulo 57: Em cima: cortesia da SpaceX. abaixo: cortesia de Jehn
Balajadia
Capítulo 58: Esquerda: cortesia da Blue Origin. Direita: cortesia de Elon
Musk
Capítulo 59: Em cima à esquerda: cortesia de Andy Krebs. Embaixo à
esquerda: cortesia de Lucas Hughes. Direita: Nic Ansuini
Capítulo 61: Esquerda: Will Heath/NBC/NBCU Photo Bank via Getty
Images. Direita: cortesia de Grimes
Capítulo 62: Em cima: cortesia da SpaceX. Embaixo: cortesia de Kim
Shiflett/NASA
Capítulo 63: Embaixo: Nic Ansuini
Capítulo 64: Cortesia da Tesla
Capítulo 65: Cortesia da Neuralink
Capítulo 71: Imagine China/AP
Capítulo 72: Esquerda: Kevin Dietsch/Getty Images. Direita: Andrew
Harrer/Bloomberg via Getty Images
Capítulo 75: Embaixo: cortesia de Jared Birchall
Capítulo 77: Fotos cortesia da Tesla
Capítulo 78: Em cima: e PhotOne/BACKGRID. Embaixo: Marlena
Sloss/Bloomberg via Getty Images
Capítulo 79 fim: Cortesia de Milan Kovac
Capítulo 80: Em cima: cortesia de Omead Afshar
Capítulo 81: Em cima: cortesia de Elon Musk/Twitter. Embaixo: xortesia
de Jehn Balajadia
Capítulo 82: À direita: cortesia de Jehn Balajadia
Capítulo 84: Acima à esquerda: Elon Musk/Twitter. Acima à direita:
cortesia do Twitter. Embaixo à esquerda: David Paul Morris/Bloomberg
via Getty Images. Embaixo à direita: Duffy-Marie
Arnoult/WireImage/Getty Images
Capítulo 85: Em cima: cortesia Elon Musk/Twitter. Embaixo: cortesia de
Maye Musk
Capítulo 87: Em cima: cortesia de Christopher Stanley
Capítulo 89: Em cima: cortesia da Neuralink. Embaixo: cortesia de Jeremy
Barenholtz
Capítulo 90: Em cima: Wikimedia Commons. Embaixo: Samantha Bloom
Capítulo 92: Fotos cortesia de James Musk
Capítulo 93: Cortesia de Dhaval Shroff
sobre o autor

WALTER ISAACSON é um dos mais importantes biógrafos do nosso


tempo. Iniciou a carreira no jornalismo, foi editor da revista Time,
presidente do conselho de administração e CEO da CNN. Atualmente é
professor de história na Universidade de Tulane. É autor dos best-sellers
Steve Jobs, Leonardo da Vinci, A decodificadora, Os inovadores, entre outros.

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