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Elon Musk
João Sette Câmara
Eduardo Carneiro
eo Araújo
ássius Veloso
Frente: Art Streiber / AUGUST
Quarta capa: cortesia da @SpaceX
-
Victor Huguet
-
978-65-5560-646-1
editoraintrinseca
@intrinseca
@editoraintrinseca
intrinsecaeditora
SUMÁRIO
Capa
Folha de rosto
Créditos
Mídias sociais
Epígrafe
Agradecimentos
Fontes
Notas
Créditos das fotos
Sobre o autor
“A quem quer que eu tenha ofendido, só quero dizer que
reinventei os carros elétricos e estou enviando pessoas a
Marte num foguete espacial. Você acha que eu seria um cara
tranquilo, normal?”
— Elon Musk, Saturday Night Live, 8 de maio de 2021
“As pessoas que são loucas o suficiente para achar que podem
mudar o mundo são as que de fato o mudam.”
— Steve Jobs
prólogo
Musa de fogo
O parquinho
Em sua infância na África do Sul, Elon Musk conheceu a dor e aprendeu a
resistir a ela.
Aos 12 anos, foi levado de ônibus para um acampamento de
sobrevivência na selva conhecido como veldskool. “Era um Senhor das Moscas
paramilitar”, relembra ele. Cada criança recebia pequenas rações de comida
e água, e todas tinham permissão para lutar por elas — na verdade, eram até
incentivadas a isso. “O bullying era considerado uma virtude”, diz o irmão
mais novo de Elon, Kimbal. Os meninos maiores logo aprenderam a socar
os menores no rosto e pegar as coisas deles. Elon, que era pequeno e inábil
emocionalmente, foi espancado duas vezes. Acabaria perdendo cinco quilos.
Perto do fim da primeira semana, os meninos foram divididos em dois
grupos e receberam ordens de se atacar. “Foi insano, inimaginável”, lembra
Musk. De tempos em tempos, algum dos meninos morria. Os monitores
usavam essas histórias como alertas. “Não seja imbecil como o que morreu
ano passado”, diziam. “Não seja um imbecil fracote.”
Na segunda vez que Elon foi para o veldskool, estava prestes a fazer 16
anos. Ele tinha crescido muito, espichara para quase 1,80 metro de altura,
com o corpo feito o de um urso, e aprendera um pouco de judô. Dessa vez, o
veldskool não foi tão ruim. “Percebi então que, se alguém me enchesse o
saco, eu podia dar um soco forte no nariz do cara, e aí não me incomodavam
mais. Eles podiam me encher de pancada, mas, se eu acertasse um soco
forte neles, não viriam mais atrás de mim.”
***
A África do Sul dos anos 1980 era um lugar violento, onde ataques com
metralhadoras e esfaqueamentos eram comuns. Certa vez, Elon e Kimbal
saíram de um trem a caminho de um show contra o apartheid e tiveram que
desviar de uma poça de sangue ao lado de um cadáver com uma faca enfiada
na cabeça. Pelo resto da noite, o sangue seco na sola dos tênis deles fez
barulho sempre que pisavam no chão.
A família Musk tinha pastores-alemães treinados para atacar qualquer
um que passasse perto da casa. Aos 6 anos, Elon estava correndo pela
entrada de carros e seu cachorro favorito o atacou, dando uma enorme
mordida em suas costas. No pronto-socorro, quando estavam se preparando
para dar os pontos, ele recusou o tratamento até que prometessem que o
cachorro não seria castigado. “Vocês não vão matar o cachorro, vão?”,
perguntou Elon. Eles juraram que não matariam. Ao relembrar a história,
Musk se detém e olha para o nada por muito tempo. “Mas eles acabaram
matando o cachorro a tiros.”
As experiências mais marcantes da vida dele aconteceram na escola. Por
muito tempo, Elon foi o menor e o mais novo da turma. Ele tinha
dificuldade em entender sinais sociais. A empatia não era algo natural, e ele
não tinha o desejo, nem o instinto, de tentar agradar. Como resultado, era
regularmente acossado por valentões, que se aproximavam e davam socos no
rosto dele. “Se você nunca levou um soco no nariz, não tem ideia de como
isso te afeta pelo resto da vida”, diz.
Certa manhã, quando todos os alunos estavam reunidos, um garoto que
brincava com um grupo de amigos esbarrou nele. Elon reagiu empurrando o
sujeito. Houve uma discussão. O menino e os amigos dele foram atrás de
Elon no intervalo e o encontraram comendo um sanduíche. Eles se
aproximaram por trás, deram-lhe um chute na cabeça e o derrubaram
escada abaixo. “Eles sentaram em cima do Elon e simplesmente
continuaram batendo e chutando a cabeça dele”, diz Kimbal, que estava
sentado junto ao irmão. “Quando terminaram, não dava para reconhecê-lo.
O rosto era uma bola de carne tão inchada que quase não dava para ver os
olhos.” Ele foi levado para o hospital e ficou uma semana sem ir à escola.
Décadas depois desse episódio, ele ainda se submeteria a cirurgias corretivas
para tentar consertar o nariz.
Aquelas cicatrizes, contudo, eram pequenas comparadas às cicatrizes
emocionais deixadas pelo pai, Errol Musk, um engenheiro carismático,
sonhador e trapaceiro que até hoje atormenta Elon. Depois da briga na
escola, Errol deu razão ao menino que acabou com o rosto do filho. “O
menino tinha acabado de perder o pai, que se suicidara, e Elon chamou o
garoto de burro”, diz Errol. “Elon tinha o hábito de chamar as pessoas de
burras. Como eu podia culpar aquela criança?”
Quando Elon finalmente recebeu alta e foi para casa, o pai o repreendeu.
“Tive que ficar em pé por uma hora enquanto ele gritava comigo, me
chamava de idiota e dizia que eu era um inútil”, recorda Elon. Kimbal, que
testemunhou a bronca, diz que é a pior lembrança de sua vida. “Meu pai
simplesmente perdeu o controle, surtou, como frequentemente fazia. Ele
não tinha compaixão.”
Tanto Elon quanto Kimbal, que não fala mais com o pai, dizem que a
alegação de Errol de que Elon teve culpa na agressão é absurda, e que o
agressor acabou sendo enviado para um centro de detenção juvenil por
aquilo. Eles dizem que o pai é um mentiroso instável, que frequentemente
conta histórias fantasiosas, às vezes mentiras calculadas e outras, delirantes.
Uma natureza meio O Médico e o Monstro, segundo os dois. Em dado
momento, era simpático; no instante seguinte, começava uma série
interminável de insultos. Errol encerrava todas as agressões dizendo que
Elon era patético. Elon tinha que ficar parado ouvindo, sem permissão para
sair. “Era tortura psicológica”, diz Elon, que fica em silêncio por muito
tempo e se emociona um pouco. “Ele sabia perfeitamente como tornar tudo
terrível.”
No dia em que liguei para Errol, ele conversou comigo por quase três
horas. Depois passou a ligar para mim com frequência e a mandar
mensagens de texto pelos dois anos seguintes. Estava ansioso para descrever
— com direito a fotos — as coisas boas que dera aos filhos, pelo menos na
época em que os negócios envolvendo engenharia iam bem. Houve uma
época em que ele dirigiu um Rolls-Royce, construiu uma cabana na mata
para os meninos e comprou esmeraldas brutas do proprietário de uma mina
na Zâmbia, até que o negócio faliu.
No entanto, Errol admite que incentivava uma dureza física e emocional.
“A vida deles comigo fazia o veldskool parecer bem tranquilo”, diz ele,
acrescentando que aquela violência era parte da experiência educativa na
África do Sul. “Dois seguravam você no chão enquanto outro batia na sua
cara, esse tipo de coisa. Quando trocavam de escola, os meninos novos eram
forçados a brigar com o valentão no primeiro dia de aula.” Ele admite com
orgulho que impunha “uma autocracia urbana extremamente severa” aos
meninos. Em seguida, faz questão de acrescentar que “anos depois Elon iria
aplicar a mesma autocracia consigo mesmo e com os outros”.
“A adversidade me moldou”
“Alguém disse que todo homem tenta dar conta das expectativas do pai ou
corrigir os erros dele”, escreveu Barack Obama em seu livro de memórias, “e
acho que isso pode explicar o que eu vivi”. No caso de Elon Musk, o
impacto do pai na psique dele ia durar muito tempo, apesar das muitas
tentativas de expulsá-lo, tanto física quanto psicologicamente. Seus humores
alternavam ciclos que incluíam bons e maus momentos, passando pelo
modo intenso e engraçado, distante e emotivo, com mergulhos ocasionais
naquilo que os mais próximos temiam e chamavam de “modo demoníaco”.
Diferentemente do pai, Elon era atencioso com os filhos, mas, em outros
aspectos, seu comportamento flertava com um perigo que precisava ser
constantemente combatido: o fantasma de que, como resume sua mãe, “ele
poderia se tornar igual ao pai”. Esse é um dos temas mais recorrentes na
mitologia. Até que ponto a saga do herói de Star Wars exige que se
exorcizem demônios legados por Darth Vader e se lute contra o lado
sombrio da Força?
“Com uma infância como a que ele teve na África do Sul, acho que é
preciso se fechar emocionalmente um pouco”, diz a primeira esposa, Justine,
mãe de cinco dos dez filhos vivos de Elon. “Se seu pai está sempre te
chamando de débil mental e idiota, talvez a única resposta seja desligar
dentro de si tudo que possa abrir uma dimensão emocional com a qual não
se tem capacidade de lidar.” Essa válvula interruptora de emoções podia
torná-lo insensível, mas também fez dele um inovador sem medo de riscos.
“Ele aprendeu a calar o medo”, diz ela. “Se você cala o medo, talvez tenha
que calar outras coisas também, como a alegria e a empatia.”
O transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) da infância também
inculcou em Elon uma aversão ao contentamento. “Acho que ele não sabe
desfrutar o sucesso e sentir o perfume das flores”, comenta Claire Boucher, a
artista conhecida como Grimes, mãe de três dos outros filhos dele. “Acho
que ele aprendeu na infância que a vida é dor.” Musk concorda. “A
adversidade me moldou”, diz. “Minha resistência à dor é bem alta.”
Durante um período particularmente infernal de sua vida, em 2008,
depois que os três primeiros lançamentos dos foguetes SpaceX explodiram e
a Tesla estava prestes a falir, Musk acordava se debatendo e contava a
Talulah Riley, que se tornou sua segunda esposa, as coisas horríveis que o
pai lhe dissera. “Eu o ouvia pronunciar aquelas frases”, conta ela. “Isso teve
um efeito profundo no modo como Elon vive.” Quando ele recordava esses
momentos, desligava-se e desaparecia por trás dos olhos cor de aço. “Acho
que ele não tinha consciência de quanto isso ainda o afetava, porque pensava
que era algo que ficara na infância”, diz Riley. “Mas ele manteve um lado
infantil, quase intocado. No âmago, ele ainda é uma criança, uma criança
diante do pai.”
Desse caldeirão, Musk desenvolveu uma aura que às vezes o faz parecer
um alienígena, como se sua missão de chegar a Marte fosse um desejo de
voltar para casa e sua aspiração de construir robôs humanoides fosse uma
busca por pertencimento. Não seria surpresa para ninguém se ele tirasse a
camiseta e mostrasse que não tem umbigo e não é terráqueo. Contudo, a
infância dele também o fez humano demais, um menino bravo mas
vulnerável que decide embarcar em aventuras épicas.
Musk desenvolveu um fervor que disfarça o jeito pateta e um jeito pateta
que disfarça o fervor. Pouco à vontade no próprio corpo, como um homem
grande e forte que nunca foi atleta, ele anda com os passos largos de um
urso obstinado e dança com movimentos que parecem ensinados por um
robô. Com a convicção de um profeta, ele fala sobre a necessidade de nutrir
a chama da consciência humana, sondar o Universo e salvar nosso planeta.
A princípio, achei que fosse só encenação, discursos motivadores para a
equipe e fantasias de podcast de uma criança crescida que já leu O guia do
mochileiro das galáxias mais vezes do que deveria. Entretanto, quanto mais
eu o conhecia, mais acreditava que o sentimento de missão que ele tem é
parte daquilo que o motiva. Enquanto outros empreendedores lutam para
desenvolver uma visão de mundo, Musk procurou desenvolver uma visão do
cosmos.
A ascendência e a origem, assim como a maneira de ele pensar,
tornaram-no uma pessoa por vezes insensível e impulsiva. Também
incutiram nele uma alta tolerância ao perigo. Ele calcula riscos friamente e
os aceita de modo febril. “Elon gosta do risco pelo risco”, diz Peter iel,
que se tornou sócio dele no início da PayPal. “Ele parece curtir, às vezes até
parece viciado.”
Elon se tornou uma dessas pessoas que se sentem mais vivas quando um
furacão está chegando. “Nasci para a tempestade, e tempo bom não
combina comigo”, dizia Andrew Jackson. O mesmo vale para Musk, que
desenvolveu uma mentalidade paranoica a qual incluía uma atração, às vezes
um desejo, pela tempestade e pelo drama, tanto no trabalho quanto nos
relacionamentos amorosos que lutava para manter, sem sucesso. Musk se
sobressai quando há crises, prazos e sobrecargas intensas no trabalho.
Quando enfrentava desafios complexos, o esforço frequentemente o
mantinha acordado à noite e o fazia vomitar. Isso, contudo, também o
energizava. “Ele atrai drama”, diz Kimbal. “É a compulsão dele, o tema da
vida dele.”
***
Quando eu estava escrevendo sobre Steve Jobs, seu sócio, Steve Wozniak,
disse que a grande pergunta era: “Ele de fato tinha que ser tão mau assim?
Tão duro e insensível? Tão viciado em drama?” Quando fiz a mesma
pergunta para Woz no fim da minha pesquisa, ele disse que, se comandasse
a Apple, teria sido mais gentil. Teria tratado todo mundo como uma família
e não demitiria sumariamente as pessoas. Em seguida, parou e acrescentou:
“Mas, se eu comandasse a Apple, talvez a gente nunca tivesse feito o
Macintosh.” Portanto, a pergunta sobre Elon Musk é: poderia ele ser mais
tranquilo e ainda ser a pessoa que está nos levando a Marte e a um futuro
com veículos elétricos?
No início de 2022 — depois de um ano marcado pelo 31o lançamento
bem-sucedido de foguetes da SpaceX, com a Tesla vendendo quase 1
milhão de carros e ele se tornando o homem mais rico do planeta —, Musk
falou pesarosamente sobre sua compulsão por drama. “Preciso mudar minha
mentalidade e sair do modo crise”, disse ele, “no qual estou há pelo menos
catorze anos, ou por quase a maior parte da minha vida”.
Era um comentário melancólico, não uma resolução de Ano-Novo.
Mesmo enquanto fazia essa promessa, Musk estava secretamente
comprando ações do Twitter, o principal parquinho do mundo. Naquele
mês de abril, viajou discretamente para o Havaí, onde ficou na casa de seu
mentor, Larry Ellison, fundador da Oracle, acompanhado pela atriz
Natasha Bassett, uma namorada da época. Ofereceram a Musk um assento
no conselho do Twitter, mas durante o fim de semana ele concluiu que não
É
bastava. É da natureza dele querer ter controle total. Então, decidiu que iria
fazer uma oferta agressiva de compra direta da empresa. Ele voou até
Vancouver para se encontrar com Grimes. Lá, ficou acordado com ela até as
cinco da manhã jogando Elden Ring, um jogo de guerra e império. Logo
após terminar, pôs o plano em ação e entrou no Twitter. “Fiz uma oferta”,
anunciou.
Durante anos, sempre que estava em um momento difícil ou se sentia
ameaçado, Musk relembrava os horrores do bullying que sofreu na infância.
Agora ele tinha a oportunidade de se tornar o dono do parquinho.
capítulo 1
Aventureiros
Winnifred e Joshua Haldeman (no alto, à esquerda); Errol, Maye, Elon, Tosca e
Kimbal Musk (abaixo, à esquerda); Cora e Walter Musk (à direita)
Joshua e Winnifred Haldeman
A atração de Elon Musk por risco é um traço de família. Nesse sentido, ele
puxou ao avô materno, Joshua Haldeman, um aventureiro audacioso e
genioso criado numa fazenda nas planícies estéreis do Canadá central.
Haldeman estudou técnicas de quiroprática no Iowa e depois voltou para a
sua cidade natal, perto de Moose Jaw, onde domava cavalos e fazia sessões
de quiroprática em troca de comida e alojamento.
Mais tarde, Haldeman conseguiu comprar uma fazenda, mas a perdeu
durante a Depressão, nos anos 1930. Ao longo dos anos seguintes, ele
trabalhou como caubói, peão de rodeio e peão de obra. A única coisa
constante em sua vida era o amor pela aventura. Ele se casou e se divorciou,
e viajou clandestinamente em trens de carga e num transatlântico.
A perda da fazenda instigou em Haldeman um certo populismo, e ele
passou a participar de um movimento conhecido como Partido do Crédito
Social, que defendia dar aos cidadãos cartas de crédito gratuitas que
poderiam ser usadas como dinheiro. O movimento tinha uma base
conservadora e fundamentalista, com toques de antissemitismo. O primeiro
líder da organização no Canadá denunciava uma “perversão de ideais
culturais”, porque “um número desproporcional de judeus ocupava posições
de autoridade”. Haldeman chegou a ser presidente do conselho nacional do
partido.
Ele também se filiou a um movimento chamado de Tecnocracia, o qual
acreditava que o governo deveria ser comandado por tecnocratas em vez de
políticos. O movimento foi temporariamente banido no Canadá por causa
da oposição que fazia à entrada do país na Segunda Guerra Mundial.
Haldeman desafiou a proibição ao publicar no jornal um anúncio de apoio
ao movimento.
A certa altura, ele quis aprender dança de salão, e foi assim que conheceu
Winnifred Fletcher, cujo ímpeto aventureiro era semelhante ao dele. Aos 16
anos, ela conseguiu um emprego no Times Herald de Moose Jaw, mas
sonhava em ser dançarina e atriz. Por isso, foi de trem para Chicago e
depois para Nova York. Ao voltar, abriu uma escola de dança em Moose
Jaw, onde Haldeman apareceu para ter aulas. Quando ele a convidou para
jantar, Winnifred disse: “Não saio com meus clientes.” Então, ele desistiu
da aula e a convidou novamente. Alguns meses depois, ele perguntou:
“Quando você vai casar comigo?” Ela respondeu: “Amanhã.”
Eles tiveram quatro filhos, entre os quais meninas gêmeas, Maye e Kaye,
nascidas em 1948. Certo dia, os dois estavam em viagem quando ele viu
uma placa de - em um avião monomotor Luscombe que estava no
campo de um agricultor. Ele não tinha dinheiro, mas convenceu o
fazendeiro a aceitar o carro como pagamento. Foi uma decisão muito
impetuosa, uma vez que Haldeman não sabia pilotar avião. Ele contratou
alguém para levá-lo de avião para casa e ensiná-lo a pilotar.
A família passou a ser conhecida como os Haldeman Voadores, e ele foi
descrito por um jornal de quiroprática como “talvez o personagem mais
famoso na história dos quiropráticos voadores”, um elogio muito tacanho,
mas preciso. Eles compraram um avião monomotor maior, um Bellanca,
quando Maye e Kaye tinham 3 meses, e as crianças ficaram conhecidas
como as “gêmeas voadoras”.
Com opiniões estranhas, conservadoras e populistas, Haldeman passou a
acreditar que o governo canadense estava controlando demais a vida dos
indivíduos e que o país se acovardara. Em 1950, ele decidiu se mudar para a
África do Sul, que ainda vivia sob o regime do apartheid. Eles desmontaram
o Bellanca, guardaram-no em caixas e embarcaram em um cargueiro rumo à
Cidade do Cabo. Haldeman decidiu que queria viver no interior, de modo
que eles seguiram para Joanesburgo, onde a maioria dos cidadãos brancos
falava inglês em vez de africâner. Entretanto, enquanto sobrevoavam uma
região próxima a Pretória [atual Tshwane], as flores lilás dos jacarandás
haviam desabrochado, e Haldeman anunciou: “Vamos ficar aqui.”
Quando Joshua e Winnifred eram jovens, um charlatão chamado
William Hunt, conhecido (segundo o próprio dizia) como “Grande Farini”,
apareceu em Moose Jaw e contou histórias sobre uma “cidade perdida”
antiga que tinha visto quando cruzou o deserto do Kalahari, na África do
Sul. “Esse mentiroso mostrou fotos que eram obviamente falsas, mas meu
avô acreditou e decidiu que era missão dele descobrir a cidade”, diz Musk.
Depois que chegaram à África, os Haldeman faziam anualmente uma
expedição de um mês pelo deserto do Kalahari para procurar essa cidade
lendária. Eles caçavam a própria comida e dormiam armados para se
defender dos leões.
A família adotou um lema: “Viva perigosamente... com cautela.” Eles
embarcavam em voos de longa distância para lugares como a Noruega,
empataram em primeiro lugar num rali de 20 mil quilômetros da Cidade do
Cabo até Argel e se tornaram os primeiros a voar com um monomotor da
África para a Austrália. “Eles tiveram que tirar os bancos para colocar os
tanques de combustível”, relembra Maye.
A vida de riscos de Joshua Haldeman por fim cobrou um preço. Ele
morreu quando uma pessoa a quem estava ensinando a voar acertou um fio
de alta-tensão, o que fez com que o avião se desgovernasse e caísse. O neto
Elon tinha 3 anos na época. “Ele sabia que aventuras reais têm riscos”, diz.
“O risco o motivava.”
Haldeman instigou esse espírito em uma das filhas gêmeas, a mãe de
Elon, Maye. “Sei que posso assumir um risco desde que esteja preparada”,
afirma ela. Quando estudante, Maye se saía bem em ciências e matemática.
Também era linda. Alta e de olhos azuis, com maçãs do rosto salientes e o
queixo esculpido, ela começou a trabalhar aos 15 anos como modelo,
fazendo desfiles de moda em lojas de departamentos nas manhãs de sábado.
Nessa época, Maye conheceu um menino na vizinhança que também era
muito bonito, embora agisse de maneira ardilosa e bruta.
Errol Musk
Errol Musk era um aventureiro e negociante, sempre em busca da próxima
oportunidade. A mãe, Cora, era inglesa, havia concluído a escola aos 14
anos, trabalhara em uma fábrica na qual fazia revestimentos para
bombardeiros e, passado um tempo, resolvera embarcar num navio de
refugiados para a África do Sul. Lá, conheceu Walter Musk, um criptógrafo
e oficial da inteligência militar que trabalhava no Egito em planos para
enganar os alemães usando armas falsas e canhões de luz. Depois da guerra,
ele praticamente não fazia nada além de ficar sentado em silêncio numa
poltrona, bebendo e usando suas habilidades de criptografia para completar
palavras cruzadas. Então, Cora o deixou, voltou para a Inglaterra com os
dois filhos, comprou um Buick e retornou a Pretória. “Era a pessoa mais
forte que já conheci”, diz Errol.
Errol se formou em engenharia e trabalhou na construção de hotéis,
shopping centers e fábricas. No tempo livre, gostava de restaurar carros
antigos e aviões. Também se envolveu em política, derrotou um membro
africâner do Partido Nacional, pró-apartheid, e se tornou um dos poucos
membros anglófonos da Câmara de Pretória. O Pretoria News de 9 de
março de 1972 noticiou a eleição com a seguinte manchete: “Reação ao
status quo.”
Assim como os Haldeman, ele amava voar. Comprou um bimotor
Cessna Golden Eagle, que usava para levar equipes de televisão até um
chalé que construiu na selva. Em uma viagem em 1986, quando estava
tentando vender o avião, pousou numa pista na Zâmbia, onde um
empreendedor ítalo-panamenho quis comprá-lo. Eles acertaram um preço,
e, em vez de um pagamento em espécie, Errol recebeu uma parte das
esmeraldas extraídas de três minas pequenas que o empreendedor tinha na
Zâmbia.
À época, a Zâmbia tinha um governo negro pós-colonial, mas não havia
uma burocracia em funcionamento, então a mina não fora legalizada. “Se
você legalizasse, acabaria sem nada, porque os negros tomariam tudo de
você”, fala Errol. Ele critica a família de Maye por ser racista, e insiste que
ele próprio não é. “Não tenho nada contra os negros; eles são diferentes de
mim, nada mais”, diz de modo desconexo pelo telefone.
Errol, que nunca foi dono de nenhuma parte da mina, expandiu os
negócios ao importar mais esmeraldas brutas e lapidá-las em Joanesburgo.
“Muita gente me procurava com produtos roubados”, afirma ele. “Em
viagens ao exterior, eu vendia as esmeraldas para joalheiros. Era um negócio
clandestino, porque nada disso era legal.” Depois de obter lucros de cerca de
210 mil dólares, o negócio de esmeraldas faliu nos anos 1980, quando os
russos criaram em laboratório uma esmeralda artificial. Ele perdeu todos os
lucros que teve com as pedras.
O casamento
Errol Musk e Maye Haldeman começaram a namorar quando eram
adolescentes. Desde o início, o relacionamento era cheio de drama. Errol a
pediu em casamento diversas vezes, mas Maye não confiava nele. Quando
descobriu que estava sendo traída, ficou tão chateada que chorou por uma
semana e não conseguia comer. “Por causa do sofrimento, perdi cinco
quilos”, relembra ela, e isso a ajudou a vencer um concurso de beleza local.
Maye ganhou um prêmio de 150 dólares em dinheiro vivo e dez ingressos
para um boliche, além de ter se tornado finalista do Miss África do Sul.
Quando se formou na universidade, Maye se mudou para a Cidade do
Cabo com a finalidade de dar aulas de nutrição. Errol foi visitá-la, comprou
um anel de noivado e a pediu em casamento. Ele prometeu que mudaria e
seria fiel quando se casassem. Maye havia acabado de terminar um
relacionamento com outro namorado infiel, engordara bastante e começara
a recear que nunca se casaria, de modo que aceitou o pedido.
Na noite do casamento, Errol e Maye pegaram um voo barato até a
Europa para passar a lua de mel. Na França, ele comprou exemplares da
Playboy, que era proibida na África do Sul, e se deitou na pequena cama do
hotel para ver as revistas, o que irritou Maye. As brigas deles se tornaram
amargas. Quando voltaram para Pretória, ela pensou em dar fim ao
casamento. No entanto, começou a sentir enjoos matinais. Ela havia
engravidado na segunda noite da lua de mel, na cidade de Nice. “Estava
evidente que me casar com ele tinha sido um erro”, relembra Maye, “mas
àquela altura era impossível voltar atrás”.
capítulo 2
Uma mente livre
Pretória, anos 1970
Elon e Maye Musk (no alto, à esquerda); Elon, Kimbal e Tosca (abaixo, à
esquerda); Elon arrumado para a escola (à direita)
Sozinha e determinada
Às sete e meia da manhã do dia 28 de junho de 1971, Maye Musk deu à luz
um menino de 3,8 quilos com uma cabeça muito grande.
Ela e Errol a princípio queriam chamá-lo de Nice, em homenagem à
cidade na França onde ele fora concebido. A história poderia ter sido
diferente, ou pelo menos engraçada, se o menino tivesse que viver com o
nome Nice Musk. Em vez disso, na esperança de deixar os Haldeman
felizes, Errol concordou que os dois nomes do menino viriam daquele lado
da família: Elon, em homenagem ao avô de Maye, J. Elon Haldeman, e
Reeve, o nome de solteira da avó materna de Maye.
Errol gostava do nome Elon porque era bíblico, e ele mais tarde alegaria
ter previsto o futuro. Quando criança, diz que ouviu falar do livro de ficção
científica do cientista espacial Wernher von Braun chamado Projeto Marte,
que descrevia uma colônia no planeta comandada por um executivo
conhecido como Elon.
Elon chorava muito, comia muito e dormia pouco. Em dado momento,
Maye decidiu que ia deixar o menino chorar até dormir, mas desistiu depois
que os vizinhos chamaram a polícia. Os humores dele mudavam
rapidamente — quando não estava chorando, diz a mãe, era muito meigo.
Nos dois anos seguintes, Maye teve outros dois filhos, Kimbal e Tosca.
Ela não os mimava. Eles foram criados soltos. Não havia babá, só uma
empregada que prestava pouca atenção, mesmo quando Elon começou a
fazer experiências com foguetes e explosivos. Ele se diz surpreso por ter
chegado ao fim da infância com todos os dedos ilesos.
Quando ele tinha 3 anos, a mãe decidiu que alguém tão intelectualmente
curioso deveria ir para a pré-escola. O diretor tentou dissuadi-la, explicando
que ele era mais novo que os demais e teria dificuldades para se socializar.
Ele teria que esperar mais um ano. “Não posso fazer isso”, falou Maye.
“Elon precisa de alguém além de mim para conversar. Eu realmente tenho
um filho gênio.” Ela conseguiu.
Foi um erro. Elon não tinha amigos, e quando chegou ao segundo ano
passou a se desligar. “A professora se aproximava e gritava comigo, mas eu
não a via ou ouvia de fato”, conta ele. Os pais foram chamados pelo diretor,
que disse: “Achamos que o Elon é retardado.” Segundo explicou uma das
professoras, ele passava a maior parte do tempo num transe, sem ouvir nada.
“Ele fica olhando pela janela, e, quando digo para prestar atenção, ele diz:
‘As folhas estão ficando marrons.’” Errol respondeu que Elon estava certo, as
folhas estavam ficando marrons.
O impasse acabou quando os pais concordaram que era preciso testar a
audição de Elon, como se esse pudesse ser o problema. “Eles concluíram
que o problema era a minha audição, de modo que tiraram a minha
adenoide”, conta ele. Isso acalmou os diretores da escola, mas não mudou a
tendência de Elon de se desligar e se fechar num mundo próprio quando
estava pensando. “Desde criança, se eu começo a me concentrar muito em
alguma coisa, todos os meus sentidos se desligam”, diz. “Não consigo ver,
ouvir, fazer mais nada. Estou usando meu cérebro para computar, não para
receber informações externas.” As outras crianças pulavam e balançavam os
braços na cara dele, para ver se conseguiam fazer o menino voltar a prestar
atenção. Mas não funcionava. “Era melhor não interromper quando ele
estava com o olhar perdido”, afirma a mãe.
Somando-se aos problemas sociais do menino, havia o desinteresse em
tratar com educação as pessoas que ele considerava tolas. Ele usava a palavra
“burro” com frequência. “Quando começou a ir para a escola, Elon se
tornou muito solitário e triste”, conta a mãe. “Kimbal e Tosca faziam
amigos no primeiro dia e os traziam para casa, mas Elon nunca trouxe
ninguém. Ele queria ter amigos, mas não sabia como.”
Consequentemente, Elon era solitário, muito solitário, e aquela dor
permanece marcada em sua alma. “Quando eu era criança, tinha uma coisa
que eu dizia”, relembrou ele em uma entrevista para a Rolling Stone durante
um período tumultuado de sua vida amorosa em 2017. “‘Eu nunca quero
ficar sozinho.’ Era isso que eu dizia. ‘Não quero ficar sozinho.’”
Certo dia, quando tinha 5 anos, um de seus primos fez uma festa de
aniversário, mas Elon estava de castigo por ter se envolvido numa briga e
ficou em casa. Ele era uma criança muito determinada, e decidiu andar
sozinho até a casa do primo. O problema era que a casa ficava do outro lado
de Pretória, uma caminhada de quase duas horas. Além disso, ele era jovem
demais para ler as placas de trânsito. “Eu meio que sabia o caminho porque
tinha visto do carro, e estava decidido a ir até lá, então comecei a andar.” Ele
chegou quase no fim da festa. Quando a mãe o viu descendo a rua, se
apavorou. Temendo ficar de castigo de novo, Elon subiu numa árvore e se
recusou a descer. Kimbal se lembra de ter ficado embaixo, olhando com
perplexidade para o irmão. “Ele tinha essa determinação feroz que espanta e
às vezes assusta, e ainda tem.”
Aos 8 anos, Elon cismou que queria ter uma moto. Sim, aos 8 anos. Ele
ficava ao lado da poltrona do pai defendendo a ideia repetidamente.
Quando o pai pegava o jornal e o mandava ficar quieto, Elon apenas
permanecia ali. “Era extraordinário de assistir”, diz Kimbal. “Ele ficava em
pé ali em silêncio, depois recomeçava a defender a ideia, então se calava de
novo.” Isso aconteceu todas as noites por semanas. O pai finalmente cedeu e
deu a Elon uma Yamaha azul e dourada de 50 cilindradas.
Além disso, Elon tinha uma tendência a se distrair e sair andando
sozinho, completamente indiferente ao que os outros estavam fazendo. Em
uma viagem da família a Liverpool para visitar parentes, quando ele tinha 8
anos, os pais o deixaram, com o irmão, em um parque brincando sozinhos.
Não era da natureza de Elon ficar parado, então ele começou a andar pelas
ruas. “Algum menino me encontrou chorando e me levou até a mãe, que me
deu leite e biscoitos e chamou a polícia”, lembra Elon. Quando reencontrou
os pais na delegacia, ele não sabia o que havia de errado.
“Era uma loucura deixar a mim e meu irmão sozinhos no parque naquela
idade”, afirma ele, “mas meus pais não eram superprotetores como os pais de
hoje em dia”. Anos depois, eu o vi num canteiro de obras da construção de
um telhado solar com o filho de 2 anos, conhecido como X. Eram dez da
noite, e havia guindastes e outras máquinas em movimento iluminados por
apenas dois holofotes que formavam grandes sombras. Musk colocou X no
chão para que explorasse o local sozinho, algo que o menino fez sem medo.
Enquanto o filho brincava entre fios e cabos, Musk às vezes olhava para ele,
mas não tentava interferir. Finalmente, depois que X começou a escalar um
holofote móvel, ele se aproximou e pegou o garoto. X se contorceu e
reclamou, chateado por ter sido tolhido.
***
Tempos depois, Musk iria dizer — e até brincaria com isso — que tem
Asperger, nome popular de um tipo de transtorno do espectro autista que
pode afetar as habilidades sociais, os relacionamentos, os laços emocionais e
a autorregulação. “Ele nunca foi diagnosticado quando criança”, declara a
mãe, “mas diz que tem Asperger, e tenho certeza de que tem razão”. O
transtorno foi exacerbado pelos traumas de infância. Mais tarde, sempre que
ele se sentia acossado ou ameaçado, diz seu amigo íntimo Antonio Gracias,
o TEPT da infância tomava de assalto o sistema límbico dele, a parte do
cérebro que controla as reações emocionais.
Como resultado, ele tem dificuldade em compreender sinais sociais. “Eu
entendia as pessoas de forma literal quando elas estavam tentando dizer
algo”, fala, “e só depois que comecei a ler livros aprendi que as pessoas nem
sempre diziam o que realmente sentiam”. Ele tinha uma preferência por
coisas mais precisas, como engenharia, física e programação.
Assim como todas as características psicológicas, as de Musk são
complexas e individuais. Ele podia ser muito emotivo, especialmente em
relação aos filhos, e experimentara o tipo de ansiedade que acompanha a
solidão. Mas não tinha os receptores emocionais responsáveis pela gentileza
diária, pela cordialidade e pelo desejo de ser querido. A empatia não era algo
natural para ele, ou, para dizer em termos menos técnicos, ele podia ser um
babaca.
O divórcio
Maye e Errol Musk estavam numa edição da Oktoberfest com outros três
casais, bebendo cerveja e se divertindo, quando um homem de outra mesa
assobiou para Maye e disse que ela era sexy. Errol perdeu a cabeça, mas não
com o sujeito. Maye lembra que ele estava prestes a bater nela, e um amigo
teve que o segurar. Ela fugiu para a casa da mãe. “Com o passar do tempo,
ele foi ficando ainda mais maluco”, disse Maye depois. “Ele me batia na
frente das crianças. Lembro que Elon, que tinha 5 anos, batia na parte de
trás dos joelhos do pai para tentar fazer com que ele parasse.
Errol chama essas acusações de “mentira deslavada”. Ele alega que
adorava Maye e, no decorrer dos anos, tentou reconquistá-la. “Nunca bati
em uma mulher na vida, e certamente nunca bati em nenhuma das minhas
esposas”, afirma. “Uma das armas das mulheres é chorar acusando o homem
de abusar delas, chorar e mentir. E as armas do homem são comprar e
assinar.”
Na manhã depois da confusão na Oktoberfest, Errol foi até a casa da mãe
de Maye, se desculpou e pediu a Maye que voltasse. “Não se atreva a
encostar nela de novo”, asseverou Winnifred Haldeman. “Se você bater
nela, ela vai vir morar comigo.” Maye disse que ele nunca mais bateu nela
depois daquilo, mas os insultos continuaram. Ele dizia que ela era “chata,
burra e feia”. O casamento nunca se restabeleceu. Errol depois admitiu que
foi culpa dele. “Eu tinha uma esposa muito bonita, mas havia moças mais
jovens e mais bonitas”, disse. “Eu realmente amava Maye, porém estraguei
tudo.” Eles se divorciaram quando Elon estava com 8 anos.
Maye e as crianças se mudaram para uma casa na costa perto de Durban,
cerca de seiscentos quilômetros ao sul da área de Pretória-Joanesburgo, onde
ela se dividia entre os trabalhos de modelo e nutricionista. Ela ganhava
pouco dinheiro, e comprava para os filhos livros e uniformes de segunda
mão. Em alguns fins de semana e feriados, os meninos (geralmente não
Tosca) pegavam o trem para visitar o pai em Pretória. “Ele os mandava de
volta sem roupas, sem mochilas, de modo que eu tinha sempre que comprar
roupas novas para eles”, fala ela. “Errol dizia que uma hora eu voltaria para
ele, porque ficaria tão pobre que não seria capaz de dar de comer às
crianças.”
Maye com frequência viajava para trabalhos de modelo, ou tinha que dar
uma aula de nutrição e deixar as crianças em casa. “Nunca me senti culpada
por trabalhar em tempo integral, porque não tinha escolha”, diz. “Meus
filhos precisavam tomar conta de si mesmos.” A liberdade os ensinou a
serem autossuficientes. Quando se deparavam com um problema, ela dava
uma resposta pronta: “Você vai descobrir como resolvê-lo.” Como Kimbal
recorda: “Nossa mãe não era delicada ou carinhosa, e estava sempre
trabalhando, mas isso foi um presente para nós.”
Elon se transformou numa pessoa notívaga, que virava a noite lendo. Ao
ver a luz do quarto da mãe se acender às seis da manhã, ia para a cama e
dormia. Isso significava que ela encontrava dificuldade para acordá-lo a
tempo da escola, e, quando ela estava fora, às vezes Elon não chegava na
aula antes das dez da manhã. Depois de receber ligações da escola, Errol
começou uma batalha pela guarda dos filhos, e mandou intimar as
professoras de Elon, o agente de Maye e os vizinhos. Pouco antes do
julgamento, Errol desistiu do processo. De tempos em tempos, ele abria
outro processo e então desistia. Quando Tosca relembra essas histórias,
começa a chorar. “Me lembro da minha mãe sentada, chorando no sofá.
Não sabia o que fazer. Eu só podia dar um abraço nela.”
Maye e Errol eram mais atraídos pela intensidade dramática do que pela
paz doméstica, um traço que os filhos herdariam. Depois do divórcio, Maye
começou a sair com outro homem abusivo. As crianças o odiavam e, às
vezes, colocavam nos cigarros dele bombinhas que explodiam quando ele os
acendia. Logo depois que o homem a pediu em casamento, engravidou
outra mulher. “Era uma amiga minha”, diz Maye. “Tinha trabalhado
comigo como modelo.”
Elon cutuca um cágado e Errol observa (alto, à esquerda); Kimbal e Elon com
Peter e Russ Rive (alto, à direita); a cabana na Reserva Timbavati Game (abaixo)
A mudança
Aos 10 anos, Musk tomou uma decisão fatídica, da qual depois se
arrependeria. Ele decidiu morar com o pai. Pegou o perigoso trem noturno
de Durban para Joanesburgo sozinho. Quando avistou o pai esperando na
estação, começou “a sorrir de felicidade, como o sol”, diz Errol. “Oi, pai,
vamos comer um sanduíche”, gritou Elon. Naquela noite, ele dormiu na
cama do pai.
Por que ele decidiu morar com o pai? Elon suspira e fica em silêncio por
quase um minuto quando pergunto isso. “Meu pai estava solitário, muito
sozinho, e eu achei que devia fazer companhia a ele”, acaba dizendo. “Ele
usava artimanhas psicológicas comigo.” Elon também adorava a avó, a mãe
de Errol, Cora, conhecida como Nana. Ela o convenceu de que era injusto
que a mãe ficasse com as três crianças e o pai, com nenhuma.
De certa maneira, a mudança não foi uma surpresa. Elon estava com 10
anos, e não tinha traquejo social nem amigos. A mãe era carinhosa, mas
estava sobrecarregada, distraída e vulnerável. O pai, por sua vez, era
arrogante e viril. Era um homem grande, com mãos enormes e uma
presença fascinante. Teve muitos altos e baixos na carreira, mas na época
Errol estava se sentindo o máximo. Tinha um Rolls-Royce Corniche
dourado e, mais importante, duas coleções de enciclopédias, muitos livros e
uma coleção de ferramentas de engenharia.
Então Elon, ainda menino, escolheu morar com ele. “Acabou se
provando uma ideia muito ruim”, diz. “Eu ainda não sabia quão ruim ele
era.” Quatro anos depois, Kimbal fez o mesmo. “Eu não queria deixar meu
irmão sozinho com ele”, diz Kimbal. “Meu pai persuadiu meu irmão a ir
morar com ele. E depois fez a mesma coisa comigo.”
“Por que ele escolheu morar com alguém que magoava todo mundo?”,
perguntou Maye Musk quarenta anos depois. “Por que ele não preferiu uma
casa feliz?” Depois, ela fez uma pausa antes de dizer: “Talvez esse seja o
jeito dele.”
***
Após terem ido morar com o pai, os meninos ajudaram Errol a construir
uma cabana que ele alugaria para turistas na Reserva Timbavati Game, um
trecho intocado de selva 480 quilômetros a leste de Pretória. Durante a
construção, eles dormiam ao redor de uma fogueira, com fuzis Browning ao
lado para se proteger dos leões. Os tijolos eram feitos de areia do rio e o
telhado, de sapê. Por ser engenheiro, Errol gostava de estudar as
propriedades de diversos materiais, e utilizou mica para fazer o piso da casa,
porque era um bom isolante térmico. Elefantes em busca de água com
frequência desenterravam os canos e macacos volta e meia invadiam os
quartos e faziam cocô, de modo que havia muito trabalho a ser feito pelos
meninos.
Elon frequentemente acompanhava os visitantes em caçadas. Apesar de
ter apenas um fuzil de calibre .22, sua mira era boa, e ele se tornou um bom
atirador. Até ganhou um concurso local de tiro ao alvo, embora fosse novo
demais para receber o prêmio, que era uma caixa de uísque.
Quando Elon tinha 9 anos, o pai levou Kimbal, Tosca e ele numa viagem
aos Estados Unidos, onde dirigiram de Nova York, passando pelo Meio-
Oeste, até a Flórida. Elon ficou viciado nos jogos de fliperama da recepção
dos hotéis de beira de estrada. “Era de longe a coisa mais empolgante”, disse
ele. “Não existia isso na África do Sul.” Errol demonstrou sua mistura de
extravagância e frugalidade. Alugou um underbird e eles se hospedavam
em hotéis baratos. “Quando chegamos a Orlando, meu pai se recusou a nos
levar à Disneylândia porque era caro demais”, lembra Musk. “Acho que
fomos a algum parque aquático em vez disso.” Como em tantos outros
casos, Errol conta uma história diferente, e insiste que eles foram tanto à
Disneylândia, onde Elon gostou da casa assombrada, quanto ao Six Flags,
na Geórgia. “Eu disse para eles mais de uma vez na viagem: ‘Um dia vocês
vão morar nos Estados Unidos.’”
Dois anos depois, Errol levou os três filhos a Hong Kong. “Meu pai
misturava negócios legais e clandestinos”, relembra Musk. “Ele deixou a
gente no hotel, que era bem sujo, com 50 dólares ou algo assim, e então
ficamos sem saber dele por dois dias.” Eles viram filmes de samurai na TV
do hotel. Elon e Kimbal deixaram Tosca no quarto e passearam pelas ruas
de Hong Kong, entrando nas lojas de eletrônicos em que podiam jogar
videogame de graça. “Hoje em dia chamariam o Conselho Tutelar se
alguém fizesse o que o meu pai fez”, conta Musk, “mas para nós, na época,
foi uma experiência maravilhosa”.
***
O aluno
Musk era um bom aluno, mas não era excelente. Quando tinha entre 9 e 10
anos, tirava A em inglês e matemática. “Ele entendia conceitos matemáticos
com facilidade”, reparou o professor. Entretanto, havia uma observação
constante no boletim: “Ele raramente termina as coisas, seja por estar
sonhando acordado, seja porque faz o que não devia.” “Ele raramente
termina as coisas. No ano que vem, tem que se concentrar mais no trabalho
e não se distrair durante as aulas.” “Seus textos mostram uma imaginação
viva, mas ele nem sempre os termina a tempo.” A média dele antes de entrar
no ensino médio era 83 de 100.
Depois de Elon ter sido acossado e agredido na escola pública, o pai o
transferiu para uma escola particular, a Pretoria Boys High School.
Inspirado no modelo de educação inglês, o colégio tinha regras rígidas,
castigos físicos, missas obrigatórias e uniformes. Lá ele tirou notas
excelentes em tudo, menos em duas disciplinas: africâner (tirou 61 de 100
no último ano) e religião (“ele não entende a si mesmo”, destacou o
professor). “Eu não me esforçava muito em coisas que achava que não
tinham sentido”, afirma Elon. “Preferia ler ou jogar videogame.” Ele tirou A
em física nas provas finais do ensino médio, mas surpreendentemente tirou
só B em matemática.
Em seu tempo livre, Elon gostava de fazer pequenos foguetes e
experimentar diferentes misturas — como cloro de piscina e fluido de freio
— para ver quais produziam uma explosão maior. Ele também aprendeu
truques de mágica e a hipnotizar as pessoas, e chegou a convencer Tosca de
que ela era um cachorro e devia comer bacon cru.
Como fariam depois nos Estados Unidos, os primos tentaram várias
ideias empreendedoras. Certa Páscoa, eles prepararam ovos de chocolate,
enrolaram em papel-alumínio e venderam de porta em porta. Kimbal
elaborou um esquema genial. Em vez de vendê-los mais barato do que nas
lojas, eles venderam mais caro. “Algumas pessoas desistiam por causa do
preço”, diz, “mas nós dizíamos: ‘Vocês estão apoiando futuros capitalistas’”.
A leitura continuou a ser o retiro psicológico de Musk. Às vezes, ele se
afundava em livros a tarde toda e na maior parte da noite, por nove horas
seguidas. Quando a família ia na casa de alguém, ele desaparecia na
biblioteca do anfitrião. Quando iam para a cidade, ele se afastava e em dado
momento o encontravam numa livraria, sentado no chão, num mundo
próprio. Ele também era fã de quadrinhos. A paixão obstinada dos super-
heróis o impressionava. “Eles estavam sempre tentando salvar o mundo,
com a cueca por cima da roupa ou roupas justas de ferro, o que é muito
estranho se você parar para pensar”, diz Elon. “Mas eles estão tentando
salvar o mundo.”
***
***
Blastar
No fim dos anos 1970, o jogo de RPG Dungeons & Dragons se tornou uma
obsessão popular entre os geeks mundo afora. Elon, Kimbal e os primos
Rive mergulharam de cabeça no jogo, em que todos ficam sentados em volta
de uma mesa e, guiados por tabelas de personagens e lances de dados,
embarcam em aventuras de fantasia. Um dos jogadores serve de mestre e
arbitra a ação.
Elon em geral jogava como mestre e, surpreendentemente,
desempenhava o papel com gentileza. “Mesmo quando criança, Elon tinha
uma gama de comportamentos e humores”, diz o primo Peter Rive. “Como
mestre, ele era inacreditavelmente paciente, o que não é, na minha
experiência, aquilo que se espera da personalidade dele, se é que você me
entende. Mas acontece às vezes, e é muito lindo.” Em vez de pressionar o
irmão e os primos, ele era muito analítico ao descrever as opções que os
jogadores tinham em cada situação.
Juntos eles entraram em um torneio em Joanesburgo, no qual eram os
jogadores mais jovens. O mestre do torneio determinou qual seria a missão
deles: vocês precisam salvar esta mulher ao descobrir e matar o vilão do jogo.
Elon olhou para o mestre e disse: “Acho que você é o vilão.” E então eles o
mataram. Elon estava certo, e o jogo, que deveria durar horas, acabou. Os
organizadores os acusaram de trapacear e a princípio tentaram negar a eles o
prêmio. Musk, porém, conseguiu o que queria. “Aqueles caras eram uns
idiotas”, diz. “Era muito óbvio.”
Musk viu um computador pela primeira vez mais ou menos na época em
que completou 11 anos. Ele estava num shopping em Joanesburgo e ficou
apenas parado, olhando fixamente. “Eu lia revistas sobre computadores”,
diz, “mas nunca tinha visto um antes”. Assim como no caso da moto,
atormentou o pai para que ganhasse um. Errol era estranhamente avesso a
computadores, dizia que aquilo só servia para jogos e era um desperdício de
tempo, não servia para engenharia. Então, Elon fez pequenos trabalhos,
juntou dinheiro e comprou um Commodore VIC-20, um dos primeiros
computadores pessoais, capaz de rodar jogos como Galaxian e Alpha Blaster,
no qual cada jogador tenta proteger a Terra contra invasores alienígenas.
O computador veio com um curso de programação em BASIC que
compreendia sessenta horas de aulas. “Fiz em três dias, quase sem dormir.”
Meses depois, Elon recortou um anúncio para uma conferência sobre
computadores pessoais na Universidade de Joanesburgo e disse ao pai que
queria participar. De novo, o pai resistiu. Era um seminário caro, de cerca
de 400 dólares, e não era para crianças. Elon respondeu que era “essencial”,
e ficou em pé ao lado do pai, encarando-o. Nos dias seguintes, Elon tirava o
anúncio do bolso e repetia o pedido. Finalmente, o pai cedeu e pediu à
universidade um desconto para Elon ficar no fundo da sala. Quando Errol
chegou para pegá-lo no fim do evento, encontrou o filho conversando com
três professores. “Esse menino precisa de um computador novo”, declarou
um deles.
Depois que tirou 10 num teste de habilidades de programação na escola,
Elon ganhou um IBM PC/XT e aprendeu, sozinho, a programar usando
Pascal e Turbo C++. Aos 13 anos, desenvolveu um videogame, que chamou
de Blastar, usando 123 linhas de BASIC e uma linguagem de montagem
simples para que os gráficos pudessem funcionar. Ele o enviou para a revista
PC and Office Technology, e o jogo apareceu na edição de dezembro de 1984,
com uma introdução curta que dizia: “Neste jogo você tem que destruir um
cargueiro espacial alienígena cheio de bombas de hidrogênio mortais e
metralhadoras de feixes de luz.” Apesar de não estar claro o que são
metralhadoras de feixes de luz, o conceito parece interessante. A revista
pagou 500 dólares para ele, que seguiu escrevendo e vendeu para o periódico
outros dois jogos, um semelhante ao Donkey Kong e o outro, uma simulação
de roleta e 21.
Começou, assim, um vício em videogames que dura até hoje. “Se você
estiver jogando com Elon, perde a noção do tempo e só para quando precisa
comer”, diz Peter Rive. Em uma viagem para Durban, Elon descobriu como
hackear jogos em um shopping. Ele conseguiu alterar o sistema para que
pudessem jogar por horas sem gastar sequer uma moeda.
Então, Elon teve uma ideia ainda mais grandiosa: os primos poderiam
abrir um fliperama. “Sabíamos exatamente quais jogos eram mais populares,
então parecia uma boa ideia”, diz Elon. Ele descobriu como o fluxo de caixa
poderia financiar o aluguel das máquinas. No entanto, quando os meninos
tentaram obter o alvará, foram informados de que era preciso alguém com
mais de 18 anos para assinar o pedido. Kimbal, que tinha acabado de
preencher trinta páginas de formulários, decidiu que não iam pedir a Errol.
“Ele era muito severo”, diz Kimbal. “Então, fomos até o pai de Russ e Pete,
e ele surtou. Isso acabou com a história toda.”
capítulo 5
Velocidade de escape
Deixando a África do Sul, 1989
Médico e Monstro
Aos 17 anos, depois de sete anos morando com o pai, Elon percebeu que
teria que fugir. A vida com ele estava cada vez mais enervante.
Havia momentos em que Errol era jovial e divertido, mas às vezes ele se
tornava sombrio, verbalmente abusivo e dominado por fantasias e
conspirações. “O humor dele podia mudar rápido”, diz Tosca. “Tudo estava
bem, então em um segundo ele se mostrava perverso e começava com os
insultos.” Era quase como se Errol tivesse dupla personalidade. “Uma hora
ele era supersimpático”, diz Kimbal, “e no minuto seguinte estava gritando,
dando sermões por horas — literalmente duas ou três horas, durante as
quais você era obrigado a ficar em pé —, te chamando de inútil, patético,
fazendo comentários grosseiros e maldosos, sem permitir que você saísse”.
Os primos de Elon passaram a relutar em visitá-los. “A gente nunca sabia
o que nos esperava”, afirma Peter Rive. “Às vezes Errol dizia: ‘Acabei de
comprar motos novas, vamos andar nelas.’ Em outras ocasiões, ficava
nervoso e ameaçador e, ai, meu Deus, nos obrigava a limpar os banheiros
com uma escova de dentes.” Enquanto Peter me conta isso, para por um
momento e então, um pouco hesitante, diz que Elon de vez em quando tem
oscilações de humor parecidas. “Se Elon está de bom humor, é a coisa mais
legal e divertida do mundo. Mas, se está de mau humor, fica muito soturno,
e você tem que pisar em ovos.”
Um dia Peter chegou e encontrou Errol sentado só de cueca diante da
mesa da cozinha com uma roleta de plástico. Ele estava tentando ver se as
micro-ondas podiam afetá-la. Ele girava a roleta, anotava o resultado e
então a girava de novo, colocava num forno de micro-ondas e anotava o
resultado. “Era uma loucura”, diz Peter. Errol estava convencido de que
podia encontrar um sistema para ganhar o jogo. Muitas vezes, ele arrastou
Elon para o cassino em Pretória, ocasião em que vestia o filho de modo a
parecer que tinha mais de 16 anos, e fazia o menino anotar os números
enquanto ele próprio usava uma calculadora escondida sob um cartão de
apostas.
Elon foi à biblioteca, leu livros sobre roleta e até escreveu um programa
de simulação de roleta no computador. Depois, tentou convencer o pai de
que nenhum dos esquemas dele iria funcionar. Mas Errol acreditava ter
encontrado uma verdade profunda sobre a probabilidade e, como mais tarde
descreveu para mim, uma “solução quase total sobre o que é chamado de
aleatoriedade”. Quando peço que explique, ele diz: “Não há ‘eventos
aleatórios’ ou ‘acaso’. Todos os acontecimentos seguem a sequência de
Fibonacci, como o conjunto de Mandelbrot. Eu descobri a relação entre o
‘acaso’ e a sequência de Fibonacci. É um tema para um artigo científico. Se
eu compartilhar, todas as atividades que dependem do ‘acaso’ serão
arruinadas; então, não sei se vou fazer isso.”
Não sei o que tudo isso significa. Nem Elon. “Não sei como ele começou
sendo um bom engenheiro e passou a acreditar em bruxaria”, diz. “Mas ele
de alguma forma fez essa evolução.” Errol pode ser muito insistente e, às
vezes, convincente. “Ele muda a realidade em torno dele”, diz Kimbal.
“Literalmente inventa coisas, mas de fato acredita em sua falsa realidade.”
Às vezes Errol fazia para os filhos afirmações absurdas, que não tinham
relação com os fatos, como quando insistia que nos Estados Unidos o
presidente era considerado um deus e não podia ser criticado. Em certas
ocasiões, criava histórias fantasiosas que o pintavam ou como herói ou como
vítima. Tudo era apresentado com tanta convicção que Elon e Kimbal se
pegavam questionando a própria realidade. “Dá para imaginar como é
crescer assim?”, diz Kimbal. “Era tortura psicológica, e isso te contagia.
Você acaba se perguntando o que é real.”
Eu me vi preso na rede de Errol da mesma maneira. Em uma série de
ligações e e-mails trocados durante dois anos, ele fez relatos diferentes
acerca da relação familiar e dos sentimentos por seus filhos, Maye e sua filha
adotiva, com quem ele teria dois outros filhos depois (falarei mais sobre isso
adiante). “Elon e Kimbal criaram uma história sobre como eu era, e não é
baseada em fatos”, diz. As histórias que os filhos contam sobre ele ser
psicologicamente abusivo, insiste Errol, são contadas para agradar à mãe.
Contudo, quando o pressiono, ele me fala para usar a versão deles. “Não me
importo que tenham escolhido uma narrativa diferente, desde que estejam
felizes. Não desejo que coloquem minha palavra contra a deles. Deixem os
holofotes para eles.”
***
Ao falar sobre o pai, Elon às vezes solta uma risada meio dura e amarga. É
parecida com a risada de Errol. Algumas das palavras que Elon usa, a
maneira como olha fixamente, as mudanças repentinas, fazem a família se
lembrar do Errol que habita dentro dele. “Eu via resquícios dessas histórias
terríveis que o Elon me contou surgirem no próprio comportamento dele”,
diz Justine, sua primeira esposa. “Isso me fez perceber como é difícil não se
deixar moldar por aquilo com que crescemos, mesmo quando não é o que
queremos.” Volta e meia, ela se permitia dizer algo como: “Você está
virando seu pai.” Ela me explica: “Era nossa senha para alertar que ele estava
adentrando as trevas.”
No entanto, Justine diz que Elon, que sempre esteve emocionalmente
envolvido com os filhos, é diferente do pai em algo fundamental. “Com
Errol havia a sensação de que coisas realmente ruins poderiam acontecer
perto dele”, relata ela. “Mas se o apocalipse zumbi acontecesse, você ia
querer Elon no seu time, porque ele descobriria uma maneira de colocar os
zumbis na linha. Ele pode ser muito duro, mas, no fim das contas, você
pode confiar que ele encontrará uma maneira de sobreviver.”
Para que isso acontecesse, ele tinha que seguir em frente. Era hora de
deixar a África do Sul.
Passagem só de ida
Musk começou a pressionar tanto a mãe quanto o pai, tentando convencê-
los a se mudarem para os Estados Unidos e levá-lo juntamente com os
irmãos. Nenhum dos dois estava interessado. “Então pensei: Bem, vou ter
que ir sozinho.”
Primeiro ele tentou obter a cidadania norte-americana com a alegação de
que o avô materno nascera em Minnesota, mas não conseguiu porque a mãe
dele nasceu no Canadá e nunca pediu a cidadania do país vizinho. Então,
ele chegou à conclusão de que ir para o Canadá podia ser um primeiro passo
mais fácil. Elon foi ao consulado canadense sozinho, pegou os formulários
para o passaporte e preencheu não só os dados dele, como também os da
mãe, do irmão e da irmã (mas não os do pai). As autorizações saíram no fim
de maio de 1989.
“Eu teria partido no dia seguinte, mas na época as passagens aéreas eram
mais baratas se você comprasse com catorze dias de antecedência”, diz ele,
“então tive que esperar duas semanas”. Em 11 de junho de 1989, cerca de
duas semanas antes do aniversário de 18 anos, Elon jantou no melhor
restaurante de Pretória, o Cynthia’s, com o pai e os irmãos, que depois o
levaram ao aeroporto de Joanesburgo.
“Você vai voltar em alguns meses”, conta Elon o que o pai lhe disse com
desdém. “Você nunca vai ser bem-sucedido.”
Como sempre, Errol tem sua própria versão da história, na qual ele é o
herói. De acordo com ele, Elon ficou seriamente deprimido durante o
último ano do ensino médio. O desespero chegou ao extremo no Dia da
República, 31 de maio de 1989. A família estava se preparando para ver o
desfile, mas Elon se recusou a sair da cama. O pai se encostou na grande
escrivaninha no quarto de Elon, sobre ela o computador usado, e disse:
“Quer estudar nos Estados Unidos?” Elon se animou: “Sim.” Errol alega o
seguinte: “Foi ideia minha. Até aquele momento, ele nunca tinha dito que
queria ir para os Estados Unidos. Então eu disse: ‘Bem, amanhã você tem
que encontrar o adido cultural americano’, que era meu amigo do Rotary.”
A versão do pai, segundo Elon, era outra das elaboradas fantasias de
Errol que o colocam como herói. Nesse caso, provavelmente era mentira.
No Dia da República de 1989, ele já tinha um passaporte canadense e estava
com a passagem aérea comprada.
capítulo 6
Canadá
1989
Maye e Tosca
Enquanto Elon estava em Vancouver, Maye Musk voou da África do Sul
para lá, depois de decidir que também ia se mudar. Ela mandava relatos de
campo para Tosca. Vancouver era fria demais e chuvosa, escreveu ela.
Montreal era empolgante, mas as pessoas lá falavam francês. Toronto,
concluiu, era o lugar para onde deveriam ir. Tosca prontamente vendeu a
casa e os móveis deles na África do Sul e em seguida se juntou à mãe em
Toronto, para onde Elon também se mudara. Kimbal ficou em Pretória para
terminar o último ano do ensino médio.
A princípio, todos moraram num apartamento de um quarto em
Toronto, com Tosca e a mãe compartilhando a cama enquanto Elon dormia
no sofá. Eles tinham pouco dinheiro. Maye se lembra de ter chorado certa
vez ao derramar um pouco de leite, porque não havia dinheiro para comprar
mais.
Tosca conseguiu um emprego numa lanchonete, Elon, um estágio no
escritório da Microsoft em Toronto, e Maye começou a trabalhar na
universidade, numa agência de modelos e como nutricionista. “Eu
trabalhava todos os dias e quatro noites por semana”, diz Maye. “Saí uma
tarde de domingo para lavar roupa e comprar comida. Não tinha a menor
ideia do que meus filhos estavam fazendo, porque nunca estava em casa.”
Depois de alguns meses, eles estavam ganhando dinheiro suficiente para
pagar o aluguel de um apartamento de três quartos regulamentado pelo
governo. O lugar tinha papel de parede de feltro, o qual Maye teimou para
que Elon arrancasse, e um carpete horrível. Eles pretendiam comprar um
carpete novo de 200 dólares, mas Tosca insistiu em um de 300 dólares, mais
grosso, porque Kimbal e o primo Peter Rive estavam chegando para ficar
com eles e poderiam dormir no chão. A segunda grande compra foi um
computador para Elon.
Ele não tinha amigos nem vida social em Toronto, e passava a maior
parte do tempo lendo ou trabalhando no computador. Tosca, por sua vez,
era uma adolescente insolente, que ansiava ir para a rua. “Vou com você”,
declarava Elon, por não querer ficar sozinho. “Não, não vai”, respondia ela.
E, quando o irmão insistia, ela decretava: “Você tem que ficar a três metros
de distância o tempo todo.” Ele ficava. Andava atrás de Tosca e dos amigos
dela, carregando um livro para ler sempre que eles entravam numa boate ou
numa festa.
Dançando com Kimbal em Toronto
capítulo 7
Queen’s
Kingston, Ontário, 1990-1991
Jogos de estratégia
“O que você vai fazer não é racional”, explicou Musk em sua voz monótona.
“Você está realmente se machucando.” Ele e Navaid Farooq estavam
jogando Diplomacia — um jogo de estratégia de tabuleiro — com amigos no
dormitório, e um dos jogadores estava se aliando com outros contra Musk.
“Se você fizer isso, vou botar seus aliados contra você e te causar dor.” Musk
costumava ganhar, diz Farooq, por ser convincente em suas negociações e
ameaças.
Musk gostava de todo tipo de videogame quando era adolescente na
África do Sul, incluídos jogos de tiro em primeira pessoa e jogos de
aventura, mas na universidade ele se dedicou mais a um gênero conhecido
como jogos de estratégia — em que dois ou mais jogadores competem para
construir um império usando estratégia de alto nível, gerenciamento de
recursos, logística de cadeia produtiva e pensamento tático.
Jogos de estratégia — primeiro os de tabuleiro e depois os de
computador — iriam se tornar centrais na vida de Musk. Desde e Ancient
Art of War, que ele jogava quando adolescente, ao vício em e Battle of
Polytopia três décadas depois, ele saboreava os preparativos complexos e o
gerenciamento competitivo dos recursos que são necessários para vencer.
Dedicar-se a esses jogos por horas a fio se tornou o modo de ele relaxar, de
escapar do estresse e de aprimorar as habilidades táticas e o pensamento
estratégico para os negócios.
Enquanto estavam na Queen’s, o primeiro grande jogo de estratégia para
computador foi lançado: Civilization. Nele, os jogadores competem para
construir uma sociedade da pré-história até o presente mediante a escolha
de quais tecnologias desenvolver e quais indústrias construir. Musk mudou
sua escrivaninha de lugar para poder se sentar na cama e jogar com Farooq,
numa cadeira de frente para ele. “Entramos completamente no jogo por
horas, até ficarmos exaustos”, diz Farooq. Eles passaram para Warcraft: Orcs
and Humans, em que a parte principal da estratégia é desenvolver fontes
sustentáveis de recursos, tais como metais de minas. Depois de horas
jogando, eles paravam para comer e Elon descrevia o momento em que
sabia que ia ganhar. “Sou programado para a guerra”, dizia ele a Farooq.
Uma das disciplinas na Queen’s usava um jogo de estratégia no qual as
equipes competiam em uma simulação de desenvolvimento de um negócio.
Os jogadores podiam decidir os preços dos produtos, a quantidade gasta em
publicidade, quanto do lucro investir em pesquisa e outras variáveis. Musk
descobriu como fazer engenharia reversa da lógica que controlava a
simulação, e vencia todas as vezes.
Trainee de banco
Quando Kimbal se mudou para o Canadá e se juntou a Elon como aluno na
Queen’s, os irmãos criaram uma rotina. Eles liam o jornal e escolhiam a
pessoa que achavam mais interessante. Elon não era um dos entusiastas que
gostavam de atrair e encantar mentores, por isso Kimbal, mais gregário,
assumiu o papel de telefonar para eles. “Se conseguíssemos falar com a
pessoa, geralmente ela almoçava conosco”, diz.
Uma pessoa que eles contataram foi Peter Nicholson, o executivo
responsável pelo planejamento estratégico no Scotiabank. Nicholson era
engenheiro com mestrado em física e doutorado em matemática. Quando
Kimbal conseguiu falar com ele, Nicholson concordou em almoçar com os
irmãos. A mãe deles os levou a uma loja de departamentos no shopping em
Eaton, onde por 99 dólares você comprava um terno e ganhava uma camisa
e uma gravata de brinde. No almoço, eles discutiram filosofia e física e a
natureza do Universo. Nicholson ofereceu a eles estágios de verão, e Elon
foi convidado para trabalhar diretamente com o executivo em sua equipe de
planejamento estratégico de três pessoas.
Nicholson, que tinha 49 anos na época, e Elon se divertiam juntos
resolvendo quebra-cabeças e equações estranhas. “Eu estava interessado no
lado filosófico da física e no modo como aquilo se relacionava com a
realidade”, diz Nicholson. “Não havia muitas pessoas com quem conversar
sobre isso.” Eles também discutiam a respeito do que se tornara a paixão de
Musk: viagens espaciais.
Certa noite, quando Elon acompanhou a filha de Nicholson, Christie, a
uma festa, a primeira pergunta que fez foi: “Você já pensou em carros
elétricos?” Como ele admitiria tempos depois, não era a melhor cantada do
mundo.
***
Com Robin Reb na Penn; com o primo Peter Rive e Kimbal em Boston
Física
Musk ficou entediado na Queen’s. O lugar era lindo, mas não era
academicamente desafiador. Então, quando um dos colegas se transferiu
para a Universidade da Pensilvânia, ele decidiu tentar o mesmo.
Dinheiro era um problema. O pai não estava ajudando e a mãe tinha três
empregos para conseguir pagar as contas. Entretanto, a Penn ofereceu a ele
uma bolsa de estudos de 14 mil dólares mais um empréstimo estudantil, de
modo que em 1992 ele se transferiu para lá a fim de cursar o terceiro ano.
Elon decidiu se formar em física porque, assim como o pai, ele sentia
atração pela engenharia. A essência de ser um engenheiro, para ele, era
enfrentar qualquer problema reduzindo-o aos princípios básicos da física.
Elon também decidiu se formar em administração. “Eu receava que, se não
estudasse administração, seria forçado a trabalhar para alguém que estudou”,
diz. “Meu objetivo era projetar produtos tendo uma noção da física, e nunca
precisar trabalhar para um chefe com um diploma de administração.”
Apesar de não ser nem político nem gregário, ele se candidatou para o
centro acadêmico. Uma das promessas de campanha provocava aqueles que
tentavam se eleger para abrilhantar seus currículos. A promessa final da
plataforma de campanha dele era: “Se este cargo um dia aparecer no meu
currículo, prometo ficar de cabeça para baixo e comer cinquenta cópias do
documento em um lugar público.” Felizmente Elon perdeu, o que o salvou
de entrar para a política estudantil, um mundo no qual não se encaixava.
Em vez disso, ele se encaixou perfeitamente na multidão de geeks que
gostava de fazer piadas inteligentes que envolviam forças científicas, jogar
Dungeons & Dragons, videogames e escrever código de computador.
O amigo mais próximo dele nesse grupo era Robin Ren, que venceu uma
olimpíada de física no seu país natal, a China, antes de ir para a Penn. “Ele
era a única pessoa melhor do que eu em física”, confessa Musk. Eles se
tornaram parceiros no laboratório de física, onde estudaram como as
propriedades de diversos materiais mudavam quando submetidas a altas
temperaturas. No fim de um conjunto de experimentos, Musk tirou as
borrachas dos lápis, jogou-as numa jarra de líquido superfrio e estilhaçou
tudo ao jogar no chão. Ele queria conhecer as propriedades dos materiais e
das ligas em diferentes temperaturas e ser capaz de vê-las.
Ren lembra que Musk estava concentrado em três áreas que iriam definir
sua carreira. Quer estivesse calibrando a força da gravidade ou analisando as
propriedades dos materiais, ele discutia com Ren como as leis da física se
aplicavam à construção de foguetes. “Elon sempre falava sobre fazer um
foguete que pudesse viajar até Marte”, relembra Ren. “É óbvio que eu não
prestei muita atenção, porque achei que ele estava fantasiando.”
Musk também se concentrou em carros elétricos. Ele e Ren compravam
o almoço de um dos food trucks e se sentavam no gramado do campus, onde
Musk revisava trabalhos acadêmicos sobre baterias. A Califórnia tinha
acabado de aprovar um requerimento que exigia que 10% dos veículos
fossem elétricos até 2003. “Eu queria fazer acontecer”, disse Musk.
Musk também se convenceu de que a energia solar, que em 1994 estava
começando a evoluir, era o melhor caminho em direção à energia
sustentável. Seu trabalho de conclusão de curso era intitulado “A
importância de ser solar”. Ele era motivado não só pelo perigo da mudança
climática, mas também pelo fato de que as reservas de combustíveis fósseis
iriam começar a declinar. “A sociedade em breve não teria outra opção além
de buscar fontes de energia renováveis”, escreveu ele. A última página
mostrava uma “estação de energia do futuro” que tinha um satélite com
espelhos capazes de concentrar a luz solar em painéis e enviar a energia
resultante de volta para a Terra por meio de um raio de micro-ondas. O
professor deu a ele nota 98 e disse que era um “artigo muito interessante e
bem escrito, exceto pela última imagem, que surge do nada”.
Festeiro
Durante a vida, Musk encontrou três maneiras de escapar do drama
emocional que tendia a criar. A primeira foi a que ele compartilhou com
Navaid Farooq na Queen’s: a capacidade de se concentrar em jogos de
estratégia e construção de impérios, como Civilization e Polytopia. Robin
Ren refletiu sobre outra faceta de Musk: o leitor de enciclopédia que gostava
de mergulhar na “vida, no Universo e em tudo mais”, como define O guia do
mochileiro das galáxias.
Na Penn, Musk desenvolveu uma terceira forma de relaxamento: um
gosto pelas festas, que o tirou da concha solitária que o cercara na infância.
Seu parceiro e facilitador, Adeo Ressi, era um sujeito sociável que gostava de
diversão. Alto, de cabeça grande, risada expansiva e personalidade forte,
Ressi era um ítalo-americano de Manhattan que amava casas noturnas.
Excêntrico, ele fundou um jornal sobre meio ambiente, o Green Times, e
tentou criar sua própria disciplina na faculdade, chamada revolução, usando
exemplares do jornal como trabalho de conclusão de curso.
Assim como Musk, Ressi veio transferido de outra faculdade, por isso os
dois foram colocados no dormitório dos calouros, em que havia regras
proibindo festas e visitantes depois das dez horas. Nenhum deles gostava de
seguir regras, de modo que alugaram uma casa numa parte pobre no oeste
da cidade.
Ressi elaborou um esquema para dar uma grande festa mensalmente.
Eles cobriam as janelas e decoravam a casa com luzes negras e pôsteres
fluorescentes. Certa vez, Musk descobriu que sua mesa tinha sido pintada
com tinta que brilha no escuro e pregada na parede por Ressi, que chamou
aquilo de instalação artística. Musk a tirou da parede e declarou que não, era
uma mesa. Eles encontraram uma escultura de metal da cabeça de um
cavalo num ferro-velho e colocaram uma luz vermelha dentro, para que
saíssem raios pelos olhos. Havia uma banda em um andar, um DJ em outro,
mesas com cerveja e shots de vodca com gelatina, e alguém na porta cobrava
5 dólares a entrada. Em algumas noites apareciam quinhentas pessoas, o que
dava de sobra para pagar o aluguel mensal.
Quando Maye o visitou, ficou chocada. “Enchi oito sacos de lixo e varri o
lugar, e achei que eles ficariam agradecidos”, diz ela. “Mas eles nem
repararam.” Na noite da festa, eles colocaram Maye no quarto de Elon,
perto da entrada, para guardar casacos e o dinheiro. Ela ficou com uma
tesoura na mão, pois achou que poderia usá-la contra qualquer um que
tentasse roubar o caixa, e colocou o colchão de Elon encostado numa das
paredes externas. “A casa tremia e sacudia tanto com a música que achei que
o teto fosse cair, então cheguei à conclusão de que, se eu ficasse na
extremidade da casa, estaria mais segura.”
Apesar de Elon amar a atmosfera das festas, nunca se deixou levar
totalmente por elas. “Eu não bebia na época”, diz. “Adeo ficava
completamente bêbado. Eu batia na porta dele e falava: ‘Cara, você precisa
vir cuidar da festa.’ Acabei sendo o cara que tinha que ficar de olho nas
coisas.”
Ressi mais tarde se diria maravilhado por ver que Musk geralmente
parecia indiferente. “Ele gostava de estar perto de uma festa, mas não muito
dentro. A única coisa para a qual ele se entregava eram videogames.” Apesar
de todas as festas, ele entendeu que Musk era fundamentalmente alienado e
indiferente, como um observador de outro planeta que tenta aprender as
jogadas da sociabilidade. “Eu gostaria que o Elon soubesse como ser um
pouco mais feliz”, diz Ressi.
capítulo 9
Rumo a oeste
Vale do Silício, 1994-1995
Julho de 1994
Estágio de verão
Nas universidades da Ivy League nos anos 1990, alunos ambiciosos eram
atraídos ou para o leste, o reino dourado das finanças em Wall Street, ou
para o oeste, rumo à utopia tecnológica e ao fervor empreendedor do Vale
do Silício. Na Penn, Musk recebeu algumas ofertas de estágio de Wall
Street, todas lucrativas, mas o mercado financeiro não o interessava. Ele
achava que banqueiros e advogados não contribuíam muito para a sociedade.
Além disso, não gostava dos alunos que conhecera nas aulas de
administração. Em vez disso, se sentia atraído pelo Vale do Silício. Era a
década de exuberância racional, quando bastava que alguém colocasse um
.com em qualquer fantasia e esperasse pelo rugido dos Porsches se
aproximando pela Sand Hill Road com investidores acenando com cheques.
Musk conseguiu essa oportunidade no verão de 1994, entre seu primeiro
e segundo anos na Penn, quando fez dois estágios que permitiam que ele
saciasse suas paixões por veículos elétricos, espaço e videogames.
Durante o dia, ele trabalhava no Pinnacle Research Institute,
basicamente um grupo de vinte pessoas que tinha um contrato modesto
com o Departamento de Defesa para estudar um “ultracapacitor”
desenvolvido pelo seu fundador. Um capacitor é um dispositivo que pode
manter brevemente uma carga elétrica e liberá-la rápido, e a Pinnacle
pensou que podia construir um modelo potente o suficiente para fornecer
energia a carros elétricos e armas espaciais. Em um artigo que escreveu no
fim do verão, Musk declarou: “É importante perceber que o ultracapacitor
não é uma simples melhoria, mas uma tecnologia radicalmente nova.”
À noite, Musk trabalhava para uma pequena empresa chamada Rocket
Science, que criava videogames. Quando ele apareceu no prédio certa vez e
pediu um estágio de verão, lhe deram um problema que não tinham
conseguido resolver: como fazer o computador realizar multitarefas lendo
gráficos gravados num CD-ROM enquanto simultaneamente move um
avatar na tela. Ele entrou em um fórum de discussão para perguntar a outros
hackers como evitar o BIOS e o leitor de joystick usando o DOS. “Nenhum
dos engenheiros seniores tinha conseguido resolver esse problema, e eu
resolvi em duas semanas”, conta.
Eles ficaram impressionados e queriam que Musk trabalhasse em tempo
integral, mas ele precisava se formar para conseguir um visto de trabalho nos
Estados Unidos. Além disso, Elon chegou a uma conclusão: era apaixonado
por videogame e tinha as habilidades para ganhar dinheiro criando jogos,
mas essa não era a melhor maneira de levar a vida. “Eu queria causar um
impacto maior”, diz.
Rei da estrada
Uma tendência infeliz dos anos 1980 foi a de tornar carros e computadores
máquinas hermeticamente vedadas. Era possível abrir e brincar com as
peças de um Apple II que Steve Wozniak desenvolveu no fim dos anos
1970, mas não dava para fazer isso com o Macintosh, que Steve Jobs tornou
quase impossível de abrir em 1984. Do mesmo modo, as crianças até os
anos 1970 ficavam fuçando na mecânica dos carros, mexendo nos
carburadores, mudando velas e turbinando os motores. Elas sabiam avaliar
válvulas e Valvoline usando a ponta dos dedos. Esse imperativo de colocar a
mão na massa e a tradição dos kits de montar se aplicavam até mesmo a
aparelhos de rádio e televisão; se quisesse, você podia mudar os tubos e
também os transistores e ter certa noção do funcionamento de um circuito.
Essa tendência de se fabricarem dispositivos fechados e selados
significava que a maioria dos técnicos que cresceu nos anos 1990 se dedicou
mais ao software do que ao hardware. Eles não sentiram o doce cheiro do
ferro de solda, mas programavam de maneira a fazer os circuitos cantarem.
Musk era diferente. Ele gostava tanto do hardware quanto do software. Ele
programava, mas também tinha um talento para componentes físicos, como
células de baterias e capacitores, válvulas e câmaras de combustão, bombas
de combustível e correia do alternador.
Musk tinha uma paixão especial por mexer em carros. Na época, ele
tinha uma BMW 300i de 21 anos, e passava os sábados vasculhando ferros-
velhos na Filadélfia à procura das peças de que precisava para turbinar o
carro. Ele tinha uma transmissão de quatro velocidades, mas decidiu
aprimorá-la quando a BMW começou a fabricar uma de cinco velocidades.
Pegando emprestado um macaco em uma oficina local, Musk conseguiu,
com alguns calços e um pouco de retificação, enfiar uma transmissão de
cinco marchas no que antes era um carro de quatro marchas. “Aquilo podia
arrastar um trem”, lembra ele.
No fim dos estágios de verão em 1994, ele e Kimbal dirigiram o carro de
Palo Alto até a Filadélfia. “Nós dois achávamos a universidade um saco, e
não tínhamos pressa para voltar”, lembra Kimbal, “então, fizemos uma
viagem de carro de três semanas”. O carro vivia quebrando. Uma vez, eles
conseguiram levá-lo até uma concessionária em Colorado Springs, mas
depois o carro acabou pifando de novo. Os dois empurraram a BMW até
uma parada de caminhões, onde Elon conseguiu refazer tudo que o
mecânico profissional tinha feito.
Musk também viajou na BMW com a garota que namorava na época,
Jennifer Gwyne. Durante o feriado de Natal em 1994, eles foram da
Filadélfia até a Queen’s University, onde Kimbal ainda estudava, e depois até
Toronto para ver Maye. Lá Musk deu a Jennifer um colar de ouro com uma
pequena esmeralda. “A mãe dele tinha vários desses colares numa caixa no
quarto, e Elon me disse que eram da mina de esmeralda do pai na África do
Sul... Ele tirou um da caixa”, destacou Jennifer 25 anos depois, quando o
leiloou pela internet. Na realidade, a mina, havia muito falida, não ficava na
África do Sul e não era do pai dele, mas na época ele não se importava em
passar essa impressão.
Quando se formou, na primavera de 1995, Musk decidiu fazer outra
viagem pelo país até o Vale do Silício. Ele levou junto Robin Ren, depois de
ensiná-lo a dirigir usando câmbio manual. Eles pararam no recém-
inaugurado Aeroporto de Denver, porque Musk queria ver o sistema de
manuseio de bagagem. “Ele estava fascinado com os robôs desenvolvidos
para lidar com as bagagens sem intervenção humana”, relata Ren. Mas o
sistema era uma bagunça. Musk aprendeu uma lição que iria ter que
reaprender quando construísse as altamente robóticas fábricas da Tesla. “Era
automatizado demais, e eles subestimaram a complexidade do que estavam
construindo”, diz ele.
A onda da internet
Musk planejava se matricular em Stanford no fim do verão para estudar
ciência dos materiais na graduação. Ainda fascinado por capacitores, ele
queria pesquisar como alimentar carros elétricos com eles. “A ideia era
aproveitar equipamentos de produção de chips para fazer ultracapacitores de
estado sólido com densidade de energia suficiente para dar longo alcance a
um carro”, diz. Contudo, quando a hora de se matricular foi se
aproximando, ele começou a se preocupar. “Percebi que poderia passar
muitos anos em Stanford, terminar o doutorado, e chegar à conclusão de
que os capacitores não eram viáveis”, comenta ele. “A maioria das pessoas
com doutorado é irrelevante. Quase nenhuma promove alguma mudança de
fato.”
À época, ele tinha concebido uma visão que iria repetir como um mantra.
“Pensei sobre coisas que afetariam de verdade a humanidade”, relata ele.
“Cheguei a três: internet, energia sustentável e viagem espacial.” No verão
de 1995, ficou evidente para Musk que a primeira dessas coisas, a internet,
não iria esperar que ele terminasse a faculdade. A web havia acabado de ser
aberta para uso comercial, e naquele agosto a startup do navegador Netscape
abriu o capital e chegou, em apenas um dia, ao valor de mercado de 2,9
bilhões de dólares.
No seu último ano na Penn, Musk teve uma ideia para uma empresa de
internet, quando um executivo da NYNEX deu uma palestra sobre os
planos da empresa de telefonia de lançar uma versão on-line das Páginas
amarelas. Chamada de Big Yellow, ela teria itens interativos para que os
usuários adaptassem as informações às necessidades pessoais, disse o
executivo. Musk pensou (e acertou, no fim das contas) que a NYNEX não
tinha ideia de como torná-la realmente interativa. “Por que não fazemos nós
mesmos?”, sugeriu ele a Kimbal, e começou a programar de forma a
combinar as informações dos negócios com dados geográficos. Ele chamou
aquilo de Virtual City Navigator.
Pouco antes do prazo final para se matricular em Stanford, Musk foi a
Toronto a fim de se aconselhar com Peter Nicholson, do Scotiabank. Ele
deveria prosseguir com a ideia do Virtual City Navigator ou começar o
doutorado? Nicholson, que era doutor por Stanford, foi categórico. “A
revolução da internet só vai acontecer uma vez na vida; então, vá nessa
enquanto a forja está quente”, disse ele a Musk enquanto os dois
caminhavam às margens do rio Ontário. “Você vai ter muito tempo para se
formar na faculdade depois, caso ainda esteja interessado.” Quando Musk
voltou para Palo Alto, contou a Robin Ren que tinha se decidido. “Preciso
deixar todo o resto de lado”, disse. “Tenho que pegar a onda da internet.”
Elon foi precavido em sua aposta. Ele se matriculou em Stanford e
imediatamente trancou o curso. “Escrevi um programa usando os primeiros
mapas da internet e as Páginas amarelas”, disse ele a Bill Nix, o professor de
ciência dos materiais. “Provavelmente vai dar errado, e, se for o caso,
gostaria de poder voltar.” Nix disse que não via problema em Musk adiar os
estudos, mas previu que ele nunca voltaria.
Maio de 1995
capítulo 10
Zip2
Palo Alto, 1995-1999
Hardcore
Desde o início da carreira, Musk foi um gestor exigente, avesso ao conceito
de equilíbrio entre trabalho e vida pessoal. Na Zip2 e em todas as empresas
seguintes, ele trabalhava todos os dias e durante boa parte da noite, sem
tirar férias, e esperava que os outros agissem da mesma maneira. A única
indulgência era permitir pausas para maratonas intensas de videogame. A
equipe da Zip2 ficou em segundo lugar na competição nacional de Quake.
Eles iam ficar em primeiro, diz Elon, mas um dos jogadores do time travou
o computador ao forçá-lo demais.
Quando os outros engenheiros iam para casa, Musk às vezes pegava o
programa no qual estavam trabalhando e o reescrevia. Com sua pouca
empatia, ele não percebia (ou não se importava) que corrigir alguém em
público — ou, como ele costumava dizer, “consertar a porcaria do código
deles” — não era um modo exatamente bom de se fazer amigos. Musk
nunca tinha sido capitão de uma equipe esportiva ou líder de um grupo de
amigos, e camaradagem não era algo instintivo para ele. Assim como Steve
Jobs, Musk sinceramente não se importava de ter ofendido ou intimidado as
pessoas com quem trabalhava, contanto que as fizesse realizar coisas que
julgavam impossíveis. “Não é nosso papel fazer com que os funcionários nos
amem”, diria ele em uma reunião de executivos da SpaceX anos depois. “Na
verdade, isso é contraproducente.”
Ele era mais duro com Kimbal. “Eu amo, amo, amo muito meu irmão,
mas trabalhar com ele era difícil”, diz Kimbal. Os desentendimentos
frequentemente levavam a brigas físicas no escritório. Eles brigaram sobre
estratégias importantes, pequenos detalhes e sobre o nome Zip2 (Kimbal e
uma empresa de marketing criaram o nome, Elon o detestou). “Lutar era
normal para quem foi criado na África do Sul”, diz Elon. “Fazia parte da
cultura.” Eles não tinham escritórios privados, só baias, de modo que todo
mundo podia ver e ouvir tudo. Numa das piores brigas, chegaram a rolar no
chão, e Elon parecia prestes a socar Kimbal no rosto, mas Kimbal mordeu a
mão dele e arrancou um naco de carne. Elon teve que ir ao pronto-socorro
para levar pontos e tomar vacina antitetânica. “Quando tínhamos esses
estresses intensos, não víamos ninguém mais à nossa volta”, diz Kimbal. Ele
depois admitiu que Elon tinha razão sobre o nome Zip2. “Era ruim.”
***
Gente que trabalha com produto tem compulsão por vender diretamente
aos consumidores, sem intermediários atrapalhando as coisas. Musk era
assim. Ele ficou frustrado com a nova estratégia da Zip2 de se contentar em
ser uma fornecedora sem marca para a indústria jornalística. “Acabamos em
dívida com os jornais”, diz Musk. Ele queria comprar o domínio “city.com”
e voltar a tratar direto com os consumidores, competindo com o Yahoo! e o
AOL.
Os investidores também tinham dúvidas sobre a estratégia. Guias de
cidades e diretórios da internet estavam proliferando no outono de 1998, e
nenhum estava tendo lucro. Então, o CEO Rich Sorkin decidiu se fundir
com um deles, o CitySearch, na esperança de que, juntos, os dois pudessem
ser bem-sucedidos. Entretanto, quando Musk conheceu o CEO da
CitySearch, ficou apreensivo. Com a ajuda de Kimbal e de alguns dos
engenheiros, Elon liderou uma rebelião que naufragou a fusão. Ele também
exigiu voltar a ser CEO. Em vez disso, o conselho o tirou da presidência e
reduziu seu papel na empresa.
“Grandes coisas nunca acontecerão com fundos de capital e gestores
profissionais”, declarou Musk para a revista Inc. “Eles não têm nem a
criatividade nem a compreensão.” Um dos sócios da Mohr Davidow, Derek
Proudian, assumiu o cargo de CEO interino, com a tarefa de vender a
empresa. “Essa é sua primeira empresa”, disse ele a Musk. “Vamos encontrar
um comprador e ganhar dinheiro para que você possa criar uma segunda,
terceira e quarta empresas.”
O milionário
Em janeiro de 1999, menos de quatro anos depois que Elon e Kimbal
lançaram a Zip2, Proudian os chamou no escritório e disse que a Compaq
Computer, que estava tentando aprimorar seu serviço de busca AltaVista,
havia oferecido 307 milhões de dólares em dinheiro. Os irmãos haviam
dividido seus 12% em 60% para Elon e 40% para Kimbal, de modo que
Elon, aos 27 anos, saiu com 22 milhões de dólares e Kimbal, com 15
milhões. Elon ficou atônito quando recebeu o cheque. “Minha conta
bancária foi de 5 mil dólares para 22.005.000 de dólares”, lembra ele.
Os Musk deram 300 mil dólares do lucro para o pai e 1 milhão de
dólares para a mãe. Elon comprou um apartamento de 167 metros
quadrados e esbanjou no que para ele era a indulgência máxima: um carro
esporte McLaren F1 de 1 milhão de dólares, o mais rápido da época.
Permitiu que a CNN filmasse a chegada do veículo. “Há apenas três anos eu
estava tomando banho num albergue e dormindo no chão do escritório, e
agora tenho um carro de 1 milhão de dólares”, disse ele, pulando de alegria
na rua enquanto o McLaren era descarregado de um caminhão.
Depois do surto impulsivo, ele percebeu que não era bom ficar dando
demonstrações frívolas de deslumbre com a riqueza. “Alguém podia
interpretar a compra do carro como um comportamento característico de
um pirralho imperialista”, admitiu ele. “Pode ser que meus valores tenham
mudado, mas eu não estava ciente disso.”
No entanto, os valores dele tinham de fato mudado? A riqueza permitia
realizar desejos e impulsos sem muitas restrições, o que nem sempre é
bonito de se ver. Mas a intensidade honesta e focada permaneceu intacta.
O jornalista Michael Gross estava no Vale do Silício apurando uma
matéria para a elegante revista Talk, de Tina Brown, sobre os pirralhos do
mundo da tecnologia que estavam enriquecendo. “Eu estava procurando um
personagem principal que gostasse de ostentação e valesse uma alfinetada”,
lembraria Gross anos depois. “Mas o Musk que conheci em 2000 era um
sujeito cheio de joie de vivre, agradável demais, quase impossível de alfinetar.
Ele tinha a mesma despreocupação e indiferença a expectativas que tem
hoje, mas era descontraído, aberto, charmoso e engraçado.”
Ser celebridade era atraente para um menino que cresceu sem amigos.
“Eu queria sair na capa da Rolling Stone”, declarou Musk para a CNN.
Contudo, ele acabaria tendo uma relação conflituosa com a riqueza. “Eu
podia comprar uma ilha nas Bahamas e transformá-la num feudo pessoal,
mas estou muito mais interessado em tentar construir e criar uma empresa
nova”, afirmou ele. “Não gastei meu dinheiro, vou investir quase tudo em
um jogo novo.”
capítulo 11
Justine
Palo Alto, anos 1990
Justine, Elon e Maye (acima); a família, com Errol e Maye, o segundo e a terceira a
partir da direita (abaixo)
Romance dramático
Quando Musk se acomodou no banco do motorista de sua nova McLaren
de 1 milhão de dólares, disse para o repórter da CNN que registrava a cena:
“O verdadeiro ganho é o sentimento de satisfação de ter criado uma
empresa.” Nesse momento, uma jovem linda, esbelta, que vinha a ser a
namorada de Elon, colocou os braços em volta dele. “Sim, sim, sim, mas o
carro também”, arrulhou ela. “O carro. Vamos ser honestos.” Musk pareceu
um pouco constrangido e olhou para baixo, conferindo as mensagens no
celular.
O nome dela era Justine Wilson, embora, no momento em que os dois se
conheceram na Queen’s University, ela ainda usasse o prosaico nome de
Jennifer. Como Musk, ela foi um rato de biblioteca quando criança, embora
preferisse romances de fantasia sombrios a ficção científica. Criada numa
cidadezinha à beira de um rio a nordeste de Toronto, ela achava que ia se
tornar escritora. Com cabelos soltos e um sorriso misterioso, Justine
conseguia ser radiante e opressora ao mesmo tempo, como um personagem
de um dos romances que esperava um dia escrever.
Ela conheceu Musk quando era caloura e ele estava no segundo ano na
Queen’s. Depois de vê-la numa festa, Musk a convidou para tomar sorvete.
Ela aceitou o convite na terça-feira seguinte, mas, quando ele foi buscá-la,
descobriu que ela não estava em casa. “De qual sorvete ela mais gosta?”,
perguntou Elon para um amigo de Justine. Flocos, foi a resposta. Então, ele
comprou uma casquinha e andou pelo campus, até que a encontrou
estudando um texto em espanhol num centro estudantil. “Acho que esse é o
seu favorito”, disse ele, entregando-lhe a casquinha derretida.
“Ele não é o tipo de cara que aceita não como resposta”, diz ela.
Justine na época estava terminando o relacionamento com alguém que
parecia mais legal, um escritor com uma barbicha embaixo do lábio inferior,
também chamada de mosca. “Achei que aquela mosca era um sinal certeiro
de que ele era um idiota”, comenta Musk. “Então, convenci Justine a sair
comigo.” Ele disse a ela: “Você tem um fogo na alma. Eu me vejo em você.”
Ela ficou impressionada com as ambições de Musk. “Diferentemente de
outras pessoas ambiciosas, ele nunca falava em ganhar dinheiro”, diz Justine.
“Ele deduziu que ou ia ficar rico ou ia falir, sem meio-termo. O que
interessava eram os problemas que ele queria resolver.” A vontade indomável
dele — seja por fazê-la sair com ele, seja por construir carros elétricos —
impressionou Justine. “Até mesmo quando parecia conversa de maluco, você
acreditava, porque ele acreditava.”
Eles tiveram apenas alguns encontros antes de Musk trocar a Queen’s
pela Penn, mas mantiveram contato, e às vezes ele mandava rosas. Ela
passou um ano dando aulas no Japão e deixou de lado o nome Jennifer
“porque era muito comum e parecia nome de chefe de torcida”. Quando
voltou para o Canadá, Justine disse para a irmã: “Se o Elon me ligar de
novo, acho que vou nessa. Acho que perdi uma chance.” A ligação veio
quando ele foi a Nova York para falar com o Times sobre a Zip2. Elon a
convidou para sair. O fim de semana foi tão bom que ele pediu que
voltassem juntos para a Califórnia. Ela foi.
Musk ainda não tinha vendido a Zip2, e eles estavam morando no
apartamento dele em Palo Alto com dois colegas e um Dachshund não
adestrado chamado Bowie, em homenagem a David Bowie. Ela passava a
maior parte do tempo no quarto escrevendo e sendo antissocial. “Os amigos
não queriam ficar lá em casa porque a Justine era muito mal-humorada”,
lembra ele. Kimbal também não se dava com ela, e diz: “Pessoas inseguras
podem ser muito maldosas.” Quando Musk perguntou à mãe o que ela
achava de Justine, Maye foi, como sempre, sincera. “Não tem nada nela que
compense o lado ruim.”
Musk, que gostava de intensidade nos relacionamentos, estava
encantado. Certa noite durante o jantar, lembra Justine, ele perguntou
quantos filhos ela queria ter. “Um ou dois”, respondeu ela, “mas, se eu
pudesse pagar babás, teria quatro”.
“Essa é a diferença entre mim e você”, retrucou ele. “Eu já presumi que a
gente vai ter babás.” Então ele embalou algo imaginário nos braços e disse
“bebê”. Àquela altura, ele já queria muito ter filhos.
Logo depois, ele vendeu a Zip2 e comprou a McLaren. De repente,
havia dinheiro para babás. Ela brincou, constrangida, que talvez ele fosse
trocá-la por uma modelo linda. Em vez disso, Musk se ajoelhou na calçada
em frente à casa deles, pegou uma aliança e pediu Justine em casamento,
bem como num desses livros românticos.
Ambos gostavam de drama e as brigas eram um combustível para a
relação. “Para alguém que era tão amoroso assim comigo, ele nunca hesitou
em dizer quando eu estava errada a respeito de algo”, confessa ela. “E eu
reagia. Percebi que podia dizer qualquer coisa para ele e que isso não o
derrubava.” Um dia eles estavam num McDonald’s com um amigo e
começaram a discutir em voz alta. “Meu amigo ficou constrangido, mas o
Elon e eu estávamos acostumados a discutir em público. Tem algo de
combativo nele. Não acho que dá para estar num relacionamento com o
Elon e não brigar.”
Em uma viagem a Paris, eles foram ver as tapeçarias A Dama e o
Unicórnio no Musée de Cluny. Justine começou a descrever o que a comovia,
e fez uma interpretação espiritual do unicórnio como uma espécie de Cristo.
Musk chamou isso de “imbecilidade”. Eles começaram a discutir
intensamente sobre simbolismo cristão. “Ele estava simplesmente inflexível
e furioso, e dizia que eu não sabia do que estava falando, que eu era burra e
doida”, relata ela. “Era bem o jeito como o pai falava com ele, pelo que ele
me contava.”
O casamento
“Quando Elon falou que ia se casar com ela, eu intervim”, lembra Kimbal.
“Falei: ‘Não se case, você não pode se casar, ela é a pessoa errada para você.’”
Navaid Farooq, que estava com Musk na festa em que ele conheceu Justine,
também tentou impedir o casamento. Mas Musk gostava tanto de Justine
quanto da confusão. O casamento foi marcado para um fim de semana em
janeiro de 2000 na ilha caribenha de Saint-Martin.
Musk voou para lá um dia antes com um acordo pré-nupcial redigido por
seus advogados. Ele e Justine rodaram a ilha procurando um tabelião que
pudesse ser testemunha na noite de sexta-feira, mas não conseguiram
encontrar ninguém. Ela prometeu que assinaria quando eles voltassem
(acabou assinando duas semanas depois), mas a conversa causou muita
tensão. “Acho que ele estava supernervoso por estar se casando sem o acordo
assinado”, diz Justine. Isso provocou uma briga, ela saiu do carro e foi ver os
amigos. Mais tarde, os dois se encontraram na casa em que estavam e
continuaram a brigar. “A casa tinha muitos espaços abertos, então todo
mundo ouviu a discussão”, diz Farooq, “e ninguém sabia o que fazer”. De
repente, Musk saiu e disse para a mãe que o casamento estava cancelado.
Ela ficou aliviada. “Agora você não vai ser um sujeito infeliz”, decretou
Maye. Mas aí ele mudou de ideia e voltou para Justine.
A tensão continuou no dia seguinte. Kimbal e Farooq tentaram
convencer Musk a ir embora. Quanto mais os dois insistiam, mais
intransigente ele ficava. “Não, eu vou me casar com ela”, garantiu.
À primeira vista, a cerimônia ao lado da piscina do hotel pareceu feliz.
Justine estava radiante em um vestido branco sem mangas e com uma tiara
de flores brancas, e Musk estava elegante num smoking feito sob medida.
Tanto Maye quanto Errol estavam lá, e os dois até posaram para fotos
juntos. Depois do jantar, todos dançaram conga, e Elon e Justine
apresentaram sua primeira dança. Ele colocou ambos os braços na cintura
dela. Ela pôs os braços em volta do pescoço dele. Eles sorriram e se
beijaram. Então, enquanto dançavam, ele sussurrou um lembrete para ela:
“Neste relacionamento, eu sou o alfa.”
capítulo 12
X.com
Palo Alto, 1999-2000
***
Musk administrava a empresa do mesmo modo que fazia na Zip2, e isso
nunca ia mudar. Suas maratonas de programação tarde da noite seguidas de
uma mistura de grosseria e indiferença durante o dia levaram o cofundador,
Harris, e os poucos funcionários a exigir que Musk renunciasse ao cargo de
CEO. A certa altura, Musk respondeu com um e-mail em que demonstrava
muito autoconhecimento. “Sou por natureza obsessivo-compulsivo”,
escreveu ele para Fricker. “O que importa para mim é vencer, e isso não é
pouco. Sabe lá Deus por quê... A raiz disso deve estar em alguma
profundidade psicanalítica muito perturbadora ou num curto-circuito
neural.”
Como era o sócio majoritário, Musk triunfou e Fricker se demitiu, junto
com a maioria dos funcionários. Apesar da confusão, Musk conseguiu
convencer o influente presidente da Sequoia Capital, Michael Moritz, a
fazer um grande investimento na X.com. Depois, Moritz intermediou um
acordo para que o Barclays Bank e um banco comunitário no Colorado se
tornassem sócios, de modo que a X.com pudesse oferecer fundos mútuos de
investimentos, ter uma carta patente e cobertura do fundo garantidor de
crédito dos Estados Unidos, o FDIC. Aos 28 anos, Musk era uma
celebridade das startups. Em uma matéria chamada “Elon Musk está prestes
a se tornar o próximo grande sucesso do Vale do Silício”, a Salon o chamou
de “O cara de TI no Vale do Silício”.
Uma das táticas de gestão de Musk, tanto na época quanto depois, era
estabelecer um prazo insano e motivar os colegas a cumpri-lo. Ele fez isso
no outono de 1999 ao anunciar, num gesto que um engenheiro chamou de
“babaquice”, que a X.com seria lançada para o público no fim de semana de
Ação de Graças. Nas semanas anteriores, Musk rondava o escritório todos
os dias, inclusive no Dia de Ação de Graças, em um frenesi que
contaminava os outros com seu nervosismo, e dormia debaixo da mesa na
maioria das noites. Um dos engenheiros que foi para casa às duas da
madrugada no Dia de Ação de Graças recebeu uma ligação de Musk às
onze da manhã pedindo que ele voltasse, porque outro engenheiro tinha
trabalhado a noite toda e “não está mais funcionando a pleno vapor”. Tal
comportamento causava discussões e ressentimentos, mas também resultava
em sucesso. Quando o produto entrou no ar naquele fim de semana, todos
os funcionários andaram até um caixa eletrônico ali perto, no qual Musk
inseriu um cartão de débito da X.com. O dinheiro saiu e a equipe
comemorou.
Na crença de que Musk precisava da supervisão de adultos, Moritz o
convenceu a sair no mês seguinte e permitir que Bill Harris, o ex-presidente
da Intuit, se tornasse CEO. Em uma reprise do que aconteceu na Zip2,
Musk permaneceu como diretor de produto e presidente do conselho, e
manteve a intensidade frenética. Depois de uma reunião com os
investidores, ele foi até a lanchonete onde havia instalado alguns fliperamas.
“Vários de nós estávamos jogando Street Fighter com Elon”, diz Roelof
Botha, o diretor financeiro. “Ele estava suando, e dava para ver que era uma
mistura de energia e intensidade.”
Musk desenvolveu técnicas de marketing virais, as quais incluíam
recompensas para usuários que conseguissem convencer amigos a se
tornarem clientes, e imaginou que seria capaz de fazer da X.com ao mesmo
tempo um serviço bancário e uma rede social. Assim como Steve Jobs,
Musk era apaixonado por desenhar interfaces simples. “Aprimorei a
interface do usuário para que a pessoa precisasse apertar o menor número de
teclas para abrir uma conta”, diz ele. A princípio era preciso preencher
formulários longos, com campos que pediam o número do seguro social e o
endereço residencial, por exemplo. “Por que a gente precisa disso?”,
perguntava Musk insistentemente. “Delete!” Uma descoberta pequena e
importante foi a de que os clientes não precisavam ter nome de usuário,
uma vez que o e-mail já era suficiente.
Um fator que impulsionou o crescimento foi um recurso para o qual eles
a princípio não deram bola: a capacidade de mandar dinheiro por e-mail.
Esse recurso se tornou muito popular, especialmente no site de leilões eBay,
em que os usuários estavam procurando uma maneira fácil de pagar a
desconhecidos por suas compras.
***
PayPal
Os sistemas de pagamento eletrônico de ambas as empresas foram reunidos
e promovidos sob a marca PayPal. Esta se tornou a principal oferta da
empresa, e continuou a crescer rapidamente. No entanto, não era da
natureza de Musk desenvolver produtos para nichos de mercado. Ele queria
refazer setores inteiros. Então, voltou a se concentrar em seu objetivo
original de criar uma rede social que pudesse mudar todo o setor bancário.
“Temos que decidir se nosso objetivo será grande”, disse ele a seus soldados.
Para alguns, a visão de Musk era falha. “Estávamos deslanchando com o
eBay”, diz Reid Hoffman, um dos primeiros funcionários, que depois foi
cofundador do LinkedIn. “Max e Peter achavam que devíamos nos
concentrar totalmente nisso e virar um serviço comercial dominante.”
Musk insistia que o nome da empresa deveria ser X.com e que PayPal
seria somente uma das marcas subsidiárias. Ele até tentou renomear o
sistema de pagamento para X-PayPal. Houve muita resistência,
especialmente de Levchin. A PayPal tinha se tornado uma marca de
confiança do público, como um bom amigo que ajuda você a receber seu
dinheiro. Entrevistas com grupos focais indicaram que o nome X.com, pelo
contrário, passava a impressão de se tratar de um site estranho que nem valia
a pena mencionar numa conversa educada. Mas Musk não queria ceder, e
continua assim até hoje. “Se você quer ser apenas um sistema de pagamento
de nicho, PayPal é melhor”, diz ele. “Mas, se quer tomar conta do sistema
financeiro mundial, então X é um nome melhor.”
Musk e Michael Moritz foram a Nova York para ver se era possível
recrutar Rudy Giuliani, que estava quase terminando o mandato de prefeito,
como lobista e para ajudar a achar os caminhos em meio às complexidades
políticas envolvidas na criação de um banco. Assim que entraram no
escritório dele, Musk e Moritz souberam que não iria dar certo. “Foi como
entrar num escritório da máfia”, revela Moritz. “Ele estava cercado de
capangas de confiança. Não sabia nada sobre o Vale do Silício, mas ele e os
capangas estavam ansiosos para ganhar dinheiro.” Eles pediram 10% da
empresa, e isso encerrou a conversa. “Esse cara mora em um planeta
diferente”, disse Musk a Moritz.
Musk reestruturou a empresa para que o departamento de engenharia
não fosse um departamento separado. Em vez disso, os engenheiros
trabalhariam com os gerentes de produto. Era uma filosofia que ele levaria
para a Tesla, a SpaceX e, posteriormente, para o Twitter. Separar o design
de um produto da engenharia era uma receita para problemas. Os designers
tinham que perceber imediatamente a dificuldade caso alguma coisa que
tivessem concebido fosse difícil de ser concretizada. Musk também tinha
um corolário que funcionou bem para foguetes, mas nem tanto para o
Twitter: os engenheiros é que deveriam liderar a equipe.
***
***
***
Planeta vermelho
No fim de semana do Dia do Trabalhador* de 2001, logo depois de se
recuperar da malária, Musk foi visitar seu amigo de festas na Penn, Adeo
Ressi, nos Hamptons. Durante a viagem de carro de volta para Manhattan,
na Long Island Expressway, eles conversaram sobre o que Musk faria em
seguida. “Sempre quis fazer algo no espaço”, confessou ele a Ressi, “mas
acho que um indivíduo, sozinho, não pode fazer nada com relação a isso”.
Era caro demais, óbvio, construir um foguete.
Será que era mesmo? Quais eram os requisitos físicos básicos,
exatamente? Musk descobriu que tudo de que precisava era metal e
combustível. E isso não custava tanto assim. “Quando chegamos no
Midtown Tunnel”, diz Ressi, “concluímos que era viável”.
Ao chegar ao hotel naquela noite, Musk entrou no site da NASA para ler
sobre os planos da agência de ir a Marte. “Imaginei que deveria ser em
breve, porque nós fomos à Lua em 1969, então deveríamos estar prestes a ir
a Marte.” Sem encontrar um cronograma, ele fuçou no site, até que
percebeu que a NASA não tinha planos para isso. Ficou chocado.
Em suas buscas no Google por mais informações, Musk acabou vendo
um anúncio de um jantar no Vale do Silício oferecido por uma organização
chamada Mars Society. Isso parece legal, comentou com Justine, e comprou
dois ingressos de 500 dólares. Na realidade, ele acabou enviando um cheque
de 5 mil dólares, o que chamou a atenção de Robert Zubrin, o presidente da
sociedade. Zubrin colocou Elon e Justine à mesa dele, junto com o diretor
de cinema James Cameron, que havia dirigido o thriller de guerra espacial
Aliens, o resgate, assim como O exterminador do futuro e Titanic. Justine se
sentou ao lado de Cameron. “Foi uma grande emoção para mim, porque sou
superfã, mas ele falou principalmente com Elon sobre Marte e sobre por
que os humanos estariam condenados se não colonizassem outros planetas.”
Musk tinha então uma nova missão, muito mais grandiosa do que lançar
um banco na internet ou Páginas amarelas digitais. Ele foi até a biblioteca
pública de Palo Alto para ler sobre engenharia de foguetes e começou a ligar
para especialistas, a fim de pedir emprestados velhos manuais de motores.
Em uma reunião de ex-integrantes da PayPal em Las Vegas, Musk se
sentou em uma cabana perto da piscina para ler um manual esfarrapado de
um motor de foguete russo. Quando um deles, Mark Woolway, perguntou o
que Musk planejava fazer em seguida, ele respondeu: “Vou colonizar Marte.
Minha missão de vida é tornar a raça humana uma civilização
multiplanetária.” A reação de Woolway não foi surpreendente: “Cara, você
enlouqueceu.”
Reid Hoffman, outro veterano da PayPal, teve uma reação parecida.
Depois de ouvir Musk descrever seu plano de enviar foguetes para Marte,
Hoffman ficou confuso. “Qual é o plano de negócios?”, perguntou. Depois,
Hoffman percebeu que Musk não pensava dessa forma. “O que não percebi
era que o Elon começa com uma missão e depois encontra uma forma de
dar certo financeiramente”, diz ele. “É isso o que o torna uma força da
natureza.”
Por quê?
É bom fazer uma pausa por um momento e perceber a loucura que era um
empreendedor de 30 anos, que tinha sido expulso de duas startups
tecnológicas, decidir construir foguetes que pudessem ir a Marte. O que
motivava Musk, além de uma aversão a férias e um amor de criança por
foguetes, por ficção científica e pelo Guia do mochileiro das galáxias? Ele deu
três explicações para os amigos que ficaram confusos na época e em
conversas nos anos seguintes.
Musk achava surpreendente — e assustadora — a ideia de que o
progresso tecnológico não era inevitável. O progresso poderia estancar.
Poderia até haver uma regressão. Os Estados Unidos tinham ido à Lua.
Entretanto, as missões do ônibus espacial foram suspensas e o progresso
estancou. “Queremos dizer para nossos filhos que ir à Lua foi o melhor que
pudemos fazer, e que depois desistimos?”, pergunta ele. Os egípcios antigos
aprenderam a construir pirâmides, mas esse conhecimento foi perdido. A
mesma coisa aconteceu com Roma, que construiu aquedutos e outras
maravilhas que foram perdidas durante a Idade Média. Estaria isso se
repetindo nos Estados Unidos? “As pessoas estão equivocadas quando
pensam que a tecnologia se aprimora automaticamente”, disse ele em um
TED Talks alguns anos depois. “Só melhora se um monte de gente
trabalhar duro para isso.”
A segunda motivação era a ideia de que colonizar outros planetas ajudava
a garantir a sobrevivência da civilização e da consciência humanas no caso
de algo acontecer com nosso frágil planeta. A Terra pode um dia ser
destruída por um asteroide ou pela mudança climática ou ainda por uma
guerra nuclear. Ele tinha ficado fascinado pelo paradoxo de Fermi, batizado
em homenagem ao físico ítalo-americano Enrico Fermi, que, em uma
discussão sobre vida alienígena no Universo, disse: “Mas onde está todo
mundo?” Matematicamente, parecia lógico que houvesse outras civilizações,
mas a falta de qualquer prova levantava a possibilidade incômoda de que a
espécie humana da Terra pudesse ser o único exemplo de consciência.
“Temos esta chama delicada de consciência brilhando aqui, e pode ser o
único caso de consciência, então é essencial que isso seja preservado”, diz
Musk. “Se formos capazes de ir a outros planetas, a expectativa de vida
provável da consciência humana será muito maior do que se estivermos
presos em um planeta que pode ser atingido por um asteroide ou destruir
sua civilização.”
A terceira motivação era mais inspiradora. Vinha do legado da família
dele de aventureiros e da decisão que ele tomara quando adolescente de se
mudar para um país em cuja essência jazia o espírito dos pioneiros. “Os
Estados Unidos são, literalmente, a essência do espírito humano de
exploração”, diz ele. “Esta é uma terra de aventureiros.” Musk achava que
esse espírito precisava ser reavivado nos Estados Unidos, e a melhor maneira
de se fazer isso seria embarcar numa missão para colonizar Marte. “Ter uma
base em Marte será inacreditavelmente difícil, e é provável que algumas
pessoas morram nesse processo, assim como aconteceu durante a
colonização dos Estados Unidos. Mas será incrivelmente inspirador, e temos
que ter coisas inspiradoras no mundo.” Ele achava que a vida não pode se
resumir a resolver problemas. Também tínhamos que correr atrás de grandes
sonhos. “É isso o que nos tira da cama de manhã.”
Musk acreditava que viajar para outros planetas seria um dos avanços
significativos na história da humanidade. “Há poucos marcos significativos:
vida unicelular, vida multicelular, diferenciação de plantas e animais, vida
estendendo-se dos oceanos para a terra, mamíferos, consciência”, diz ele.
“Nessa escala, o próximo passo importante é óbvio: tornar a vida
multiplanetária.” Havia algo emocionante, além de um pouco irritante, na
capacidade de Musk de enxergar significados grandiosos em seus
empreendimentos. Como Max Levchin resume secamente: “Uma das
maiores habilidades de Elon é a capacidade de apresentar sua visão como
uma mensagem do paraíso.”
Los Angeles
Musk decidiu que, se queria começar uma empresa de foguetes, era melhor
se mudar para Los Angeles, cidade que sediava a maioria das empresas
aeroespaciais, entre elas, a Lockheed e a Boeing. “A probabilidade de
sucesso de uma empresa de foguetes era bastante baixa, e seria ainda menor
se eu não me mudasse para o sul da Califórnia, onde estava a massa crítica
do talento na engenharia aeroespacial”, conta ele. Musk não explicou a
mudança para Justine, que pensou que ele tivesse sido atraído pelo glamour
das celebridades da cidade. Por causa do casamento, ele podia requerer a
cidadania norte-americana, que foi obtida no início de 2002 numa
cerimônia de juramento com outros 3.500 imigrantes no Los Angeles
County Fairgrounds.
Musk começou a fazer reuniões com engenheiros espaciais em um hotel
próximo ao aeroporto de Los Angeles. “Minha ideia inicial não era criar
uma empresa de foguetes, mas montar uma missão filantrópica que iria
inspirar o público e conseguir mais financiamento para a NASA.”
***
O primeiro plano dele foi construir um pequeno foguete e enviar ratos para
Marte. “Mas eu fiquei preocupado, pois podíamos acabar com um vídeo
tragicômico de ratos morrendo lentamente numa pequena espaçonave.” Isso
não seria bom. “Então, tudo se resumia a ‘Vamos enviar uma pequena estufa
para Marte’.” A estufa iria pousar em Marte e enviar de volta fotografias de
plantas verdes crescendo lá. Em tese, o público ficaria tão empolgado que
iria clamar por mais missões. A proposta era chamada Oásis Marte, e Musk
estimava que poderia fazer isso por menos de 30 milhões de dólares.
Ele tinha o dinheiro. O maior desafio era conseguir um foguete acessível
que pudesse levar a estufa até Marte. No fim das contas, havia um lugar
onde ele poderia conseguir um barato, ou pelo menos era o que ele achava.
Na Mars Society, Musk ouviu falar de um engenheiro de foguetes chamado
Jim Cantrell, que trabalhou em um programa russo-americano para
desmontar mísseis. Um mês depois da viagem pela Long Island Expressway
com Adeo Ressi, Musk ligou para Cantrell.
Cantrell estava dirigindo em Utah com a capota do conversível aberta.
“Só consegui ouvir que um cara chamado Ian Musk estava dizendo que era
um milionário da internet e precisava falar comigo”, disse ele depois para a
Esquire. Quando Cantrell chegou em casa e conseguiu retornar a ligação,
Musk explicou sua visão. “Quero mudar o modo como a humanidade pensa
na ideia de ser uma espécie multiplanetária”, falou. “Podemos nos encontrar
neste fim de semana?” Cantrell estava vivendo uma vida meio clandestina
por causa do envolvimento com as autoridades russas, e por isso queria
encontrar esse interlocutor misterioso num lugar seguro, sem armas. Ele
sugeriu que os dois se encontrassem em um clube da Delta Air Lines no
aeroporto de Salt Lake City. Musk levou Adeo Ressi, e eles elaboraram um
plano para ir à Rússia com o propósito de ver se conseguiam comprar
algumas plataformas de lançamento ou alguns foguetes.
Princípios básicos
Enquanto se preocupava com o preço absurdo que os russos queriam cobrar,
Musk empregou alguns princípios básicos de pensamento, aprofundando-se
na física elementar da situação e raciocinando a partir daí. Isso levou Musk
a desenvolver aquilo que chamou de “índice de idiotice”, que calculava quão
mais caro um produto final era do que o custo de seus materiais básicos. Se
um produto tivesse um alto índice de idiotice, o custo poderia ser reduzido
significativamente se fossem elaboradas técnicas produtivas mais eficientes.
Foguetes tinham um índice de idiotice extremamente alto. Musk
começou a calcular o custo da fibra de carbono, do metal, do combustível e
de outros materiais que entravam na composição. O produto final, se usados
os métodos de fabricação em voga, custava pelo menos cinquenta vezes mais
do que isso.
Para que a humanidade chegasse a Marte, a tecnologia de foguetes
precisava ser melhorada de maneira radical. E confiar em foguetes usados,
especialmente em foguetes velhos da Rússia, não iria trazer avanços
tecnológicos.
Sendo assim, no voo de volta para casa, Musk pegou seu computador e
começou a fazer uma tabela que detalhava todos os materiais e custos para
construir um foguete de tamanho médio. Jim Cantrell e Mike Griffin,
sentados uma fileira atrás, pediram drinques e riram. “O que você acha que
esse idiota-prodígio está fazendo?”, perguntou Griffin a Cantrell.
Musk se virou e respondeu: “Ei”, disse, mostrando a planilha, “acho que
nós mesmos podemos construir esse foguete”. Quando olhou os números,
Cantrell conta que pensou: Droga... É por isso que ele estava pedindo
emprestado os meus livros. Em seguida, pediu mais um drinque para a
comissária de bordo.
SpaceX
Quando Musk decidiu que iria fundar sua própria empresa de foguetes, os
amigos fizeram aquilo que amigos de verdade fazem numa situação como
essa: tentaram impedi-lo.
“Espere um pouco, cara. ‘Os russos me ferraram’ não é igual a ‘Crie uma
empresa de lançamento de foguetes’”, disse Adeo Ressi. Ressi compilou em
um vídeo dezenas de explosões de foguetes e forçou amigos a ir para Los
Angeles e a se reunir com Musk para convencê-lo a desistir. “Eles me
fizeram ver uma sequência de foguetes explodindo, porque queriam me
convencer de que eu ia perder todo o meu dinheiro”, diz Musk.
Os argumentos sobre o risco serviram para reforçar a decisão de Musk.
Ele gostava de riscos. “Se você está tentando me convencer de que o risco de
fracasso é alto, eu já sei disso”, disse ele a Ressi. “O resultado mais provável
é que eu perca todo o meu dinheiro. Mas qual é a alternativa? Que não
exista progresso na exploração espacial? Precisamos arriscar, ou ficaremos
presos na Terra para sempre.”
Era uma declaração muito grandiosa de como ele era indispensável para
o progresso da humanidade. Contudo, como em muitas das afirmações
risíveis de Musk, havia nela um pouco de verdade. “Eu queria manter a
esperança de que os humanos pudessem ser uma civilização exploradora do
espaço e estar entre as estrelas”, diz, “e não havia nenhuma chance de isso
acontecer, a menos que uma nova empresa começasse a criar foguetes
revolucionários”.
A aventura espacial de Musk começou como um empreendimento sem
fins lucrativos para inspirar interesse numa missão a Marte. Naquele
momento, porém, ele tinha uma combinação de motivações que iriam
marcar sua carreira. Ele poderia fazer algo audacioso motivado por uma
ideia grandiosa, mas também queria ser prático e lucrativo, para que o
empreendimento se sustentasse. Isso significava usar foguetes para lançar
satélites comerciais e governamentais.
Musk decidiu começar com um foguete menor, que teria um custo mais
baixo. “Vamos fazer coisas idiotas, mas vamos evitar fazer coisas idiotas em
larga escala”, falou ele para Cantrell. Em vez de lançar grandes cargas como
a Lockheed e a Boeing, Musk iria criar um foguete mais barato para
pequenos satélites que estavam sendo viabilizados por avanços nos
microprocessadores. Ele estava centrado numa medida principal: quanto
custaria colocar cada quilo em órbita. O objetivo de maximizar cada dólar
guiaria a obsessão que ele tinha por aumentar o impulso dos motores ao
reduzir a massa dos foguetes e torná-los reutilizáveis.
Musk tentou recrutar dois engenheiros que foram com ele a Moscou.
Mike Griffin, porém, não queria se mudar para Los Angeles. Ele estava
trabalhando para a In-Q-Tel, uma empresa de capital de risco patrocinada
pela CIA com sede na área de Washington, D.C., e vislumbrava um futuro
promissor nas políticas públicas relativas a ciência. De fato, o presidente
George W. Bush o indicou para ser administrador da NASA em 2005. Jim
Cantrell pensou em aceitar a proposta de Musk, mas pediu muitas garantias
de emprego que este não queria atender. Então, Musk acabou sendo, por
W.O., o engenheiro-chefe da empresa.
Musk criou a Space Exploration Technologies em maio de 2002. A
princípio, chamou a empresa pelas iniciais, SET. Meses depois, deu
destaque à sua letra preferida, ao trocar o nome para algo mais memorável,
SpaceX. O objetivo, revelou ele numa apresentação inicial, era lançar o
primeiro foguete em setembro de 2003 e enviar uma missão não tripulada a
Marte até 2010. Dessa forma, Musk continuou uma tradição que começou
na PayPal: estabelecer prazos irreais que faziam suas noções completamente
insanas serem vistas como muito atrasadas com relação a esses prazos.
capítulo 16
Pais e filhos
Los Angeles, 2002
***
Justine, pelo contrário, era muito aberta quanto às suas emoções. “Ele ficava
um tanto incomodado com o fato de eu expressar meus sentimentos sobre a
morte de Nevada”, conta ela. “Ele me disse que eu estava sendo
emocionalmente manipuladora, que estava deixando meus sentimentos à
mostra.” Ela atribui a repressão emocional de Musk a um mecanismo de
defesa que Elon desenvolveu na infância. “Ele se fecha quando está numa
situação ruim”, diz Justine. “Acho que é uma questão de sobrevivência para
ele.”
Errol aparece
Quando Nevada nasceu, Elon convidou o pai, Errol, que estava na África
do Sul, para conhecer o neto. Era a chance, treze anos depois de deixar a
África do Sul, de se reconciliar com Errol, ou pelo menos de exorcizar
alguns demônios. “Elon era o primeiro filho do nosso pai, e talvez tivesse
algo a provar para ele”, opina Kimbal.
Errol levou a nova esposa, os dois filhos mais novos e os três enteados.
Elon pagou as sete passagens. Quando eles chegaram a Raleigh, na Carolina
do Norte, depois do primeiro trecho do voo de Joanesburgo, Errol recebeu
uma mensagem de um representante da Delta Air Lines. “Temos uma má
notícia”, disseram a ele. “Seu filho nos pediu que informássemos que
Nevada, seu neto, morreu.” Elon queria ter certeza de que o representante
da companhia aérea contaria a notícia, porque ele não conseguia pronunciar
as palavras.
Quando Errol pegou o telefone, Kimbal explicou a situação e disse: “Pai,
você não deveria vir.” Ele tentou convencer Errol a voar de volta para a
Á
África do Sul. Errol se recusou. “Não, já estamos nos Estados Unidos, então
vamos para Los Angeles.”
Errol se lembra de ter ficado impressionado com o tamanho da cobertura
no Beverly Wilshire, “provavelmente a coisa mais incrível que já vi”. Elon
parecia estar em transe, mas também muito carente, de uma maneira
complexa. Ele estava incomodado por seu pai tempestuoso vê-lo em um
estado tão vulnerável quanto aquele. Contudo, ele também não queria
deixá-lo ir embora. E acabou pedindo ao pai e à nova família dele que
ficassem em Los Angeles. “Não quero que você volte”, disse. “Vou comprar
uma casa para você aqui.”
Kimbal ficou chocado. “Não, não, não, essa não é uma boa ideia”, falou
para Elon. “Você está se esquecendo de que ele é um ser humano cruel. Não
faça isso, não faça isso com você mesmo.” No entanto, quanto mais ele
tentava fazer o irmão desistir, mais triste Elon ficava. Anos depois, Kimbal
ainda tinha dificuldade de entender o que motivara o irmão. “Ver o filho
morrer, acho que foi por isso que ele quis o pai por perto”, disse ele para
mim.
Elon comprou uma casa em Malibu para Errol e sua prole, assim como o
maior Land Rover que encontrou, e conseguiu que as crianças fossem
matriculadas em boas escolas e transportadas até elas todos os dias. Mas as
coisas ficaram estranhas rapidamente. Elon começou a se preocupar porque
Errol, na época com 56 anos, estava se interessando, de uma maneira
constrangedora, por uma das enteadas — Jana, de 15 anos.
Elon ficou furioso com o pai por ver um comportamento que considerava
inapropriado, uma vez que ele tinha criado profunda empatia — e intensa
afinidade — pelos enteados de Errol. Elon sabia o que eles tinham que
aguentar. Por isso, se ofereceu para dar a Errol um iate que ficaria ancorado
a 45 minutos de Malibu. Se ele concordasse em morar sozinho, poderia ver
a família nos fins de semana. A ideia não era só estranha, era também ruim.
Tornava toda a situação estranha. A esposa de Errol, que era dezenove anos
mais jovem que ele, começou a obedecer a Elon. “Ela via Elon como
provedor, não eu”, reclama Errol, “e isso virou um problema”.
Certo dia, quando estava no iate, Errol recebeu uma mensagem de Elon.
“Esta situação não está dando certo”, disse ele, e pediu que Errol voltasse
para a África do Sul. Errol voltou. Meses depois, a esposa e a família
também voltaram. “Eu usei de ameaças, recompensas e argumentos para
melhorar meu pai”, diz Elon. “E ele...” Musk faz um longo silêncio. “De
forma alguma, só piorou.” Redes pessoais são mais complexas do que as
digitais.
capítulo 17
Acelerando
SpaceX, 2002
Tom Mueller
Tom Mueller
Em sua infância, na zona rural de Idaho, Tom Mueller adorava brincar com
pequenos foguetes. “Montei dezenas. Não duravam muito, óbvio, porque eu
sempre quebrava ou explodia os foguetes.”
Sua cidade natal, Saint Maries (com 2.500 habitantes), era um vilarejo de
exploração madeireira 160 quilômetros ao sul da fronteira com o Canadá. O
pai trabalhava como lenhador. “Quando criança, eu sempre ajudava meu pai
com sua caminhonete de trabalho, usando solda e outras ferramentas”,
lembra Mueller. “Colocar a mão na massa me deu uma noção do que
funciona e do que não funciona.”
Esguio e musculoso, com uma covinha no queixo e cabelos escuros como
azeviche, Mueller tinha a aparência bruta de um futuro lenhador. Por
dentro, porém, era estudioso como Musk. Mueller mergulhava na biblioteca
local e devorava a seção de ficção científica. Para um trabalho no ensino
fundamental, ele colocou gafanhotos dentro de um foguete em miniatura e
lançou o engenho no quintal para ver o efeito que a aceleração teria neles.
Ele aprendeu outra lição. O paraquedas falhou, o foguete caiu e os
gafanhotos morreram.
No começo, ele comprava kits de foguetes pelo correio, mas depois
começou a fazer seus próprios esboços. Quando tinha 14 anos, converteu o
maçarico do pai em um motor. “Injetei água nele para ver que efeito isso
teria no desempenho”, conta. “É uma coisa louca... Colocar água dá mais
impulso.”
O projeto ficou em segundo lugar na Feira de Ciências regional, o que o
classificou para as finais internacionais em Los Angeles. Foi a primeira vez
que ele esteve em um avião. “Não cheguei nem perto de vencer”, diz. “Havia
robôs e coisas que os pais de outras crianças tinham construído. Pelo menos
eu havia feito o meu projeto sozinho.”
Ele trabalhou como lenhador durante as férias de verão e nos fins de
semana com o propósito de ir para a Universidade de Idaho. Quando se
formou, se mudou para Los Angeles para procurar emprego no setor
aeroespacial. As notas de Mueller não eram boas, mas o entusiasmo era
contagiante e ajudou-o a conseguir um emprego na TRW, que construíra o
motor do foguete que permitiu que astronautas chegassem à Lua. Nos fins
de semana, ele ia ao deserto de Mojave para testar seus grandes foguetes
caseiros com colegas da Reaction Research Society, um clube de entusiastas
de foguetes fundado em 1943. Lá, se juntou ao colega John Garvey para
construir o que se tornou o motor de foguete amador mais poderoso do
mundo, com 36 quilos.
Certo domingo em janeiro de 2002, enquanto os dois estavam
trabalhando no motor amador deles num armazém alugado, Garvey
mencionou para Mueller que um milionário da internet chamado Elon
Musk queria conhecê-lo. Quando Musk chegou acompanhado de Justine,
Mueller estava soldando o motor de 36 quilos suspenso enquanto tentava
parafusá-lo a um suporte. Musk começou a enchê-lo de perguntas. Quanto
de impulso? Vinte mil quilos, respondeu Mueller. Você já fez algo maior?
Mueller explicou que na TRW estava trabalhando no TR-106, que tinha
970 mil quilos de impulso. Musk, então, perguntou quais eram os
combustíveis de propulsão. Mueller por fim desistiu de parafusar o motor
para se concentrar no interrogatório de Musk.
Musk perguntou a Mueller se ele podia construir um motor tão grande
quanto o TR-106 da TRW sozinho. Mueller reconheceu que havia
projetado o injetor e a ignição, conhecia bem o sistema de bomba e, com
uma equipe, poderia descobrir o resto. Musk queria saber quanto iria custar.
“Meu Deus, essa é difícil”, respondeu Mueller, que estava surpreso com a
rapidez com que a conversa havia evoluído para questões específicas.
Em dado momento, Justine, que vestia um casaco de couro comprido,
cutucou Musk e disse que era hora de ir. Ele perguntou a Mueller se os dois
poderiam se encontrar no domingo seguinte. Mueller estava relutante. “Era
o domingo do Super Bowl, e eu tinha acabado de comprar uma TV de tela
panorâmica e queria assistir ao jogo com uns amigos.” Contudo, sentiu que
era inútil resistir, e então concordou em receber Musk.
“Talvez a gente tenha visto, sei lá, uma jogada, porque estávamos
entretidos conversando sobre construir um veículo de lançamento”, lembra-
se Mueller. Junto com alguns outros engenheiros que estavam presentes, eles
desenharam planos para aquele que se tornaria o primeiro foguete da
SpaceX. O primeiro estágio, decidiram, seria impulsionado por motores
movidos a oxigênio líquido e querosene. “Eu sei como fazer isso funcionar
facilmente”, disse Mueller. Musk sugeriu peróxido de hidrogênio para o
estágio superior, mas Mueller imaginou que seria difícil de manusear. Ele
sugeriu em resposta tetróxido de nitrogênio, que Musk considerou caro
demais. Acabaram concordando em usar oxigênio líquido e querosene no
segundo estágio também. O jogo de futebol foi esquecido. O foguete era
mais interessante.
Musk ofereceu a Mueller o emprego de diretor de propulsão, responsável
por projetar os motores do foguete. Mueller, que vinha reclamando da
cultura avessa a riscos da TRW, consultou a esposa. “Você vai se arrepender
se não fizer isso”, opinou ela. Mueller se tornou, assim, a primeira
contratação da SpaceX.
Algo em que Mueller insistiu foi que Musk depositasse dois anos de
salário como garantia. Ele não era um milionário da internet, portanto não
queria correr o risco de ficar sem pagamento se o empreendimento falhasse.
Musk concordou. No entanto, isso o levou a considerar Mueller um
empregado, não um cofundador da SpaceX. Foi uma briga que ele teve na
PayPal e teria novamente na Tesla. Se você não está disposto a investir em
uma empresa, achava ele, não deveria ser visto como fundador. “Você não
pode pedir dois anos de salário em depósito e se considerar cofundador”,
comenta Musk. “Tem que existir alguma combinação de inspiração,
transpiração e risco para ser cofundador.”
Ignição
Depois de conseguir arregimentar Tom Mueller e alguns outros
engenheiros, Musk precisava de uma sede e de uma fábrica. “Estávamos nos
encontrando em salas de reunião em hotéis”, diz Musk, “então, comecei a
percorrer bairros onde ficam a maioria das empresas aeroespaciais, e
encontrei um armazém antigo bem perto do aeroporto de Los Angeles”. (A
sede da SpaceX e o vizinho estúdio de design da Tesla ficam tecnicamente
em Hawthorne, uma cidade no condado de Los Angeles, ao lado do
aeroporto, mas vou me referir ao local como Los Angeles.)
Ao projetar a fábrica, Musk seguiu sua filosofia de que as equipes de
design, engenharia e produção deveriam ficar todas juntas. “As pessoas na
linha de montagem deveriam ser capazes de chamar imediatamente um
designer ou um engenheiro e dizer: ‘Por que você fez isso assim?’”, explicou
ele para Mueller. “Se sua mão está no fogão e queima, você tira, mas, se é a
mão de outra pessoa, vai demorar mais para você agir.”
Enquanto a equipe crescia, Musk foi infundindo em todos sua tolerância
ao risco e sua disposição para deturpar a realidade. “Se você fosse negativo
ou pensasse que algo não podia ser feito, não seria convidado para a próxima
reunião”, lembra-se Mueller. “Ele só queria gente capaz de realizar as
coisas.” Era uma boa maneira de estimular as pessoas a fazer aquilo que
achavam ser impossível. Entretanto, também era uma boa maneira de se
cercar de pessoas temerosas de dar más notícias ou de questionar uma
decisão.
Musk e os demais jovens engenheiros trabalhavam até tarde da noite e
depois começavam um jogo de tiro com vários jogadores simultâneos, como
Quake III Arena, nos desktops, conectavam seus celulares e mergulhavam
em partidas frenéticas que podiam ir até as três da manhã. O nome de
usuário de Musk era Random9, e ele era o mais agressivo (óbvio). “Nós
ficávamos gritando e berrando uns com os outros, como um bando de
lunáticos”, disse um funcionário. “E Elon estava bem ali, no meio de tudo,
com a gente.” Ele costumava ganhar. “Elon era alarmantemente bom nesses
jogos”, falou outro. “Ele tem reações loucamente rápidas, e sabia todos os
truques e como surpreender as pessoas.”
Musk chamou o foguete que eles estavam construindo de Falcon 1, em
homenagem à espaçonave de Star Wars. Ele deixou que Mueller batizasse
seus motores, pois queria nomes legais, não só letras e números. Uma
funcionária de um dos fornecedores era falcoeira, e listou as diferentes
espécies daquela ave. Mueller escolheu “Merlin” para os motores do
primeiro estágio e “Kestrel” para os do segundo.
capítulo 18
As regras de Musk para construir
foguetes
SpaceX, 2002-2003
Improviso
Mueller e a equipe passavam doze horas por dia testando motores em
McGregor, jantavam num Outback Steakhouse e depois, tarde da noite,
faziam uma reunião por telefone com Musk, que os enchia de perguntas
técnicas. Quando um engenheiro não sabia uma resposta, Musk com
frequência entrava em combustão com a fúria controlada de um motor de
foguete. Com sua tolerância para risco, ele os incentivava a encontrar
soluções improvisadas. Usando ferramentas que Mueller havia levado para o
Texas, eles tentavam consertar as coisas ali mesmo.
Certa noite, um raio atingiu um estande de testes e derrubou o sistema
de pressurização de um tanque de combustível. Isso criou uma
protuberância e um rompimento numa das membranas dos tanques. O
procedimento, em se tratando de uma empresa aeroespacial normal, seria
substituir os tanques, o que levaria meses. No entanto, a ordem de Musk
foi: “Não, só conserte. Vá lá com uns martelos e martele até que volte ao
lugar, solde e vamos em frente.” Buzza achou isso uma loucura, mas havia
aprendido a seguir as ordens do chefe. Eles foram até o estande de testes e
martelaram a protuberância. Musk embarcou no avião para o voo de três
horas até lá a fim de supervisionar tudo pessoalmente. “Quando ele
apareceu, começamos a testar o tanque com combustível dentro, e
funcionou”, lembra Buzza. “Elon acredita que toda situação é salvável. Isso
nos ensinou muito. E de fato era divertido.” Isso também fez com que a
SpaceX demorasse muito menos tempo até testar seu primeiro foguete.
Nem sempre dava certo, é óbvio. Musk tentou uma abordagem
igualmente pouco convencional no fim de 2003, quando apareceram
rachaduras no material de difusão de calor dentro da câmara de pressão dos
motores. “Primeiro, uma; depois, duas, três das nossas primeiras câmaras
racharam”, recorda Mueller. “Foi um desastre.”
Quando Musk recebeu a má notícia, mandou Mueller encontrar uma
forma de consertá-las. “Não podemos jogar tudo fora”, disse.
“Não tem como consertar”, replicou Mueller.
Era o tipo de afirmação que enfurecia Musk. Ele disse aos engenheiros
que colocassem as três câmaras no avião dele e voassem até a fábrica da
SpaceX, em Los Angeles. Sua ideia era aplicar uma camada de cola epóxi
para preencher as rachaduras e resolver o problema. Quando Mueller falou a
ele que a ideia era louca, Musk e ele começaram a gritar um com o outro.
Por fim, Mueller cedeu. “Ele é o chefe”, disse para a equipe.
Quando as câmaras chegaram à fábrica, Musk estava vestido com botas
chiques de couro para uma festa de Natal à qual pretendia ir. Ele nunca
chegou à festa. Passou a noite toda ajudando a aplicar o epóxi e destruindo
as botas.
A aposta deu errado. Quando a pressão era aplicada, o epóxi se soltava.
As câmaras tiveram que ser redesenhadas, e o prazo para o lançamento
atrasou em quatro meses. No entanto, a disposição de Musk em trabalhar a
noite toda na fábrica em uma ideia inovadora inspirou seus engenheiros a
não ter medo de tentar soluções inusitadas.
Um padrão foi estabelecido: tentar novas ideias e estar disposto a
explodir coisas. Os moradores da área se acostumaram com as explosões. As
vacas, no entanto, não. Como desbravadores protegendo-se, elas corriam em
círculos com as crias mais jovens no centro, resguardadas, quando uma
grande explosão acontecia. Os engenheiros em McGregor instalaram uma
“câmera das vacas”, para poderem assistir.
capítulo 19
O sr. Musk vai a Washington
SpaceX, 2002-2003
Gwynne Shotwell
Gwynne Shotwell
Musk não se alia de modo natural a pessoas, seja social, seja
profissionalmente. Na Zip2 e na PayPal, ele mostrou que podia inspirar,
assustar e, às vezes, assediar colegas. Coleguismo, porém, não fazia parte das
habilidades dele, e deferência não lhe era natural. Ele não gosta de
compartilhar o poder.
Uma das poucas exceções era o relacionamento mantido com Gwynne
Shotwell, que entrou para a SpaceX em 2002 e acabou se tornando sua
presidente. Ela vem trabalhando com Musk, sentada em uma baia bem ao
lado da dele na sede da SpaceX, em Los Angeles, por mais de vinte anos,
mais do que qualquer um.
Direta, de língua afiada e corajosa, ela se orgulha de ser “bocuda” sem
chegar a ser desrespeitosa, e mantém a confiança agradável de quando foi
jogadora de basquete e líder de torcida no ensino médio. A assertividade
descontraída permite que ela fale com Musk com franqueza, sem que isso o
incomode, e reaja aos excessos dele sem bancar a babá. Shotwell é capaz de
tratá-lo quase de igual para igual e, ainda assim, mostrar deferência, sem
nunca esquecer que ele é o fundador e o chefe.
Nascida Gwynne Rowley, ela foi criada numa cidadezinha ao norte da
região metropolitana de Chicago. Quando era caloura no ensino médio, foi
com a mãe a um painel da Sociedade das Mulheres Engenheiras, no qual
ficou fascinada com uma engenheira mecânica bem-vestida que tinha um
negócio próprio de construção. “Quero ser como ela”, falou, e decidiu se
matricular na Escola de Engenharia na vizinha Universidade Northwestern.
“Eu me matriculei por causa da riqueza da Northwestern em outros
campos”, diria ela mais tarde para os alunos daquela faculdade. “Estava com
medo de ser chamada de nerd. Hoje, tenho muito orgulho de ser nerd.”
Enquanto se encaminhava para uma entrevista de emprego no escritório
da IBM na região de Chicago, em 1986, ela parou para assistir pela televisão
na vitrine de uma loja ao lançamento do ônibus espacial Challenger com a
professora Christa McAuliffe a bordo. O que deveria ter sido um momento
inspirador se tornou um pesadelo quando o Challenger explodiu um minuto
após o lançamento. Shotwell ficou tão abalada que não conseguiu o
emprego. “Devo ter errado o tom na entrevista”, cogita ela. Tempos depois,
foi contratada pela Chrysler em Detroit, e posteriormente se mudou para a
Califórnia, onde se tornou chefe de vendas de sistemas espaciais para a
Microcosm Inc., uma startup de consultoria no mesmo bairro da SpaceX.
Na Microcosm, ela trabalhava com o engenheiro alemão, aventureiro e
cara de pau Hans Koenigsmann, que conheceu Musk em um dos encontros
de fim de semana de aficionados por lançamento de foguetes no deserto de
Mojave. Logo em seguida, Musk foi à casa de Keonigsmann para recrutá-
lo, e ele se tornou o quarto empregado da SpaceX, em maio de 2002.
Para ajudá-lo a comemorar, Shotwell levou Koenigsmann a um
restaurante australiano chamado Chef Hannes, o favorito dele na região.
Depois, lhe deu carona por algumas quadras para deixá-lo na SpaceX.
“Entre”, disse ele. “Você pode conhecer o Elon.”
Shotwell se impressionou com as ideias de Musk para reduzir custos de
foguetes e fabricar peças internamente. “Ele sabia detalhes”, lembra. Mas
achou que a equipe não tinha a menor ideia de como vender os serviços. “O
cara que você tem para conversar com potenciais clientes é um fracasso”,
disse ela sem rodeios.
No dia seguinte, Shotwell recebeu uma ligação da assistente de Musk, a
qual disse que ele tinha uma proposta para lhe fazer: se tornar vice-
presidente de desenvolvimento de negócios. Shotwell era mãe de dois filhos,
estava se divorciando e prestes a completar 40 anos. A ideia de entrar para
uma startup arriscada comandada por um milionário temperamental não a
atraía muito. Ela passou três semanas pensando antes de chegar à conclusão
de que a SpaceX tinha o potencial de transformar uma indústria de foguetes
esclerosada em algo inovador. “Estou sendo uma idiota”, disse a Musk. “Vou
aceitar o emprego.” Shotwell se tornou a sétima funcionária da empresa.
Ela tem uma percepção especial que ajuda a lidar com Musk. O marido
dela tem o transtorno do espectro autista popularmente conhecido como
Asperger. “Pessoas como o Elon, com Asperger, não compreendem bem
sinais sociais e não pensam naturalmente no impacto que suas palavras
causam nas outras pessoas”, opina ela. “Elon entende personalidades muito
bem, mas como objeto de estudo, não como uma emoção.”
O Asperger pode fazer com que uma pessoa pareça não ter empatia.
“Elon não é um babaca, mas às vezes diz coisas que são cretinas”, comenta
Shotwell. “Ele apenas não pensa no impacto pessoal do que está falando, só
quer cumprir a missão.” Ela não tenta mudar Elon, apenas salva quem sai
ferido. “Parte do meu trabalho é atender os feridos”, revela.
Também ajuda o fato de Shotwell ser engenheira. “Não estou no nível
dele, mas não sou idiota. Entendo o que ele está falando”, afirma ela. “Ouço
com cuidado, levo o Elon a sério, leio suas intenções e procuro fazer o que
ele quer, mesmo que a princípio pareça loucura.” Quando Shotwell insiste
comigo que “ele tende a ter razão”, pode parecer que se trata de uma
bajuladora, mas não. Ela fala com ele de forma franca e se irrita com quem
não faz a mesma coisa. Ela cita alguns nomes e diz: “Eles trabalham muito,
mas são medrosos perto do Elon.”
Paquerando a NASA
Alguns meses depois de ela entrar para a SpaceX, em 2003, Shotwell e
Musk viajaram a Washington. O objetivo era conseguir um contrato com o
Departamento de Defesa para lançar um novo tipo de pequenos satélites
táticos de comunicação, conhecidos como TacSat, que iriam fornecer aos
comandantes de forças terrestres imagens e outros dados rapidamente.
Eles foram a um restaurante chinês perto do Pentágono, e Musk quebrou
um dente. Constrangido, ele ficava colocando a mão sobre a boca, até que
Shotwell riu dele. “Era muito engraçado vê-lo tentando esconder”, lembra
ela. Eles conseguiram encontrar um dentista de plantão, que fez uma coroa
dentária provisória para que Musk chegasse apresentável ao Pentágono na
manhã seguinte. Eles fecharam o contrato, o primeiro da SpaceX, por 3,5
milhões de dólares.
Para tornar a SpaceX mais conhecida do público em geral, em dezembro
de 2003 Musk levou um foguete Falcon 1 para Washington por ocasião de
um evento público na área externa do National Air and Space Museum. A
SpaceX construiu um trailer especial com um suporte de cor azul berrante
para carregar o foguete de sete andares desde Los Angeles, e Musk
determinou um cronograma curto com um prazo insano para deixar o
protótipo do foguete pronto para a viagem. Na opinião de muitos dos
engenheiros da empresa, aquilo parecia uma distração gigantesca, mas,
quando o foguete desfilou pela Independence Avenue com uma escolta
policial, Sean O’Keefe, o administrador da NASA, ficou impressionado. Ele
despachou um de seus subalternos, Liam Sarsfield, para a Califórnia com a
finalidade de avaliar a corajosa startup. “A SpaceX apresenta bons produtos
e um potencial sólido”, relatou Sarsfield na volta. “O investimento da
NASA neste empreendimento está bem protegido.”
Sarsfield admirava o apetite de Musk por informações extremamente
técnicas, desde o sistema de acoplagem da Estação Espacial Internacional
até as maneiras como os motores podem superaquecer. Eles trocaram longos
e-mails sobre esses e outros assuntos. Em fevereiro de 2004, porém, a
conversa por e-mail ficou mais tensa quando a NASA fechou um contrato
de 227 milhões de dólares, sem licitação, com uma empresa privada de
foguetes concorrente, a Kistler Aerospace. O contrato era para foguetes que
pudessem reabastecer a Estação Espacial Internacional, algo que Musk
achava que a SpaceX seria capaz de fazer (e estava certo, no fim das contas).
Sarsfield cometeu o erro de dar a Musk uma explicação sincera. A Kistler
havia fechado um contrato sem licitação, escreveu ele, porque sua “situação
financeira era temerosa”, e a NASA não queria que a empresa falisse.
Haveria outros contratos para a SpaceX disputar, garantiu Sarsfield a Musk.
Isso irritou Elon, que argumentou que a NASA deveria ter como objetivo
promover inovação, não ajudar empresas.
Musk se encontrou com autoridades na sede da NASA em maio de 2004
e, ignorando o conselho de Shotwell, decidiu processá-los por causa do
contrato da Kistler. “Todo mundo me disse que isso significaria que nunca
poderíamos trabalhar com a NASA”, diz Musk. “Mas o que eles fizeram era
errado e corrupto; então, eu os processei.” Ele até mesmo jogou Sarsfield,
seu maior defensor na NASA, na fogueira ao incluir no processo o e-mail
amigável dele com a explicação de que o contrato deveria salvar a Kistler.
A SpaceX acabou ganhando o processo, e a NASA foi obrigada a abrir
uma licitação para o projeto — da qual a SpaceX conseguiu vencer uma
parte importante. “Isso foi uma grande surpresa: imagine que venceu o
azarão com uma chance em dez”, declarou Musk a Christian Davenport, do
e Washington Post. “Isso surpreendeu a todos.”
Contratos de preço fixo
A vitória foi crucial não apenas para a SpaceX, como também para o
programa espacial norte-americano. Ela promoveu uma alternativa aos
contratos “com compensação” que a NASA e o Departamento de Defesa
geralmente usavam. Sob esses contratos, o governo mantinha o controle de
um projeto — tal como construir um novo foguete, motor ou satélite — e
emitia especificações detalhadas do que queria que fosse feito. Então,
fechava o contrato com empresas grandes como Boeing ou Lockheed
Martin, que tinham todos os custos pagos e lucro garantido. Essa
abordagem se tornou padrão durante a Segunda Guerra Mundial, para dar
ao governo controle completo sobre o desenvolvimento de armas e evitar a
percepção de que as empresas estavam lucrando com a guerra.
Durante a viagem a Washington, Musk depôs perante um comitê do
Senado e insistiu em fazer uma abordagem diferente. O problema com o
sistema de compensação, argumentou, é que ele impedia a inovação. Se o
projeto superasse o orçamento previsto, o contratado recebia mais dinheiro.
Havia pouco incentivo para que o pequeno clube das empresas com
contratos de compensação assumisse riscos, fosse criativo, trabalhasse rápido
e reduzisse custos. “A Boeing e a Lockheed só queriam saber de se manter
no trem da compensação”, reclama ele. “Não dá para chegar a Marte com
esse sistema. Eles têm um incentivo para nunca terminar. Se você nunca
termina um contrato de compensação, você mama nas tetas do governo para
sempre.”
***
Martin Eberhard
Quando Martin Eberhard, um esguio empreendedor do Vale do Silício com
rosto comprido e personalidade enérgica, estava superando um divórcio
conturbado em 2001, decidiu que devia, como ele mesmo descreve, “fazer
como todos os outros caras que estão passando por uma crise de meia-idade
e comprar um carro esporte”. Ele podia comprar um carro muito bom,
porque havia fundado e vendido uma empresa que fez o primeiro
predecessor do Kindle, o Rocket eBook. Ele, contudo, não queria um carro
movido a gasolina. “A mudança climática havia se tornado uma realidade
para mim”, confessa. “Além disso, acho que só continuamos a travar guerras
no Oriente Médio por causa da nossa necessidade de petróleo.”
Metódico, ele criou uma planilha que calculava a eficiência energética de
tipos diferentes de carro, a começar pela fonte bruta de combustão. Ele
comparou gasolina, diesel, gás natural, hidrogênio e eletricidade de várias
fontes. “Fiz cálculos exatos a cada passo, desde quando o combustível sai do
ambiente até quando alimenta o carro.”
Ele descobriu que carros elétricos, até mesmo em locais nos quais a
eletricidade é produzida a partir do carvão, eram melhores para o meio
ambiente. Então, decidiu comprar um. A Califórnia havia acabado de
revogar a legislação que obrigava as concessionárias a oferecer um
determinado número de carros com emissão zero, e a General Motors havia
desistido de fazer seu EV1. “Isso realmente me abalou”, confessa ele.
Então, ele leu sobre o protótipo tzero feito por Tom Gage e pela AC
Propulsion. Depois de vê-lo, disse a Gage que investiria 150 mil dólares na
empresa se eles mudassem das baterias de chumbo-ácido para as de íon de
lítio. O resultado foi que, em setembro de 2003, Gage tinha um protótipo
que podia acelerar de zero a cem quilômetros em 3,6 segundos, além de uma
autonomia de quinhentos quilômetros.
Eberhard tentou convencer Gage e a equipe da AC Propulsion a começar
a fabricar o carro, ou pelo menos fazer um para ele. Mas eles não quiseram.
“Tratava-se de pessoas inteligentes, mas logo percebi que eram realmente
incapazes de fazer carros”, diz Eberhard. “Foi quando decidi que tinha que
fundar uma empresa de carros própria.” Ele fechou um acordo para licenciar
os motores elétricos e o trem de força da AC Propulsion.
Eberhard convocou um amigo, Marc Tarpenning, um engenheiro de
software que havia sido sócio dele na Rocket eBook. Os dois desenvolveram
um plano para começar com um roadster luxuoso e depois construir carros
para o mercado popular. “Eu queria fazer um roadster que mudasse
completamente a maneira como as pessoas pensavam em carros elétricos”,
revelou Eberhard, “e usá-lo para construir uma marca”.
Como deveria ser essa marca? Certa noite, enquanto estava em um
encontro na Disneylândia, Eberhard ficou obcecado, de maneira pouco
romântica, pensando no nome da empresa. Como o carro ia usar motor de
indução, ele teve a ideia de homenagear o inventor do dispositivo, Nikola
Tesla. No dia seguinte, tomou um café com Tarpenning e perguntou a
opinião dele. Tarpenning abriu o notebook, entrou na internet e registrou o
nome. Em julho de 2003, eles formalizaram a empresa.
Presidente Musk
Eberhard estava com um problema. Ele tinha uma ideia e um nome, mas
nenhum financiamento. Então, em março de 2004, recebeu uma ligação de
Tom Gage. Os dois tinham um acordo de não competir pelo financiamento
dos mesmos investidores. Quando se tornou evidente que Musk não iria
investir na AC Propulsion, Gage o ofereceu a Eberhard. “Estou desistindo
do Elon”, disse. “Você deveria ligar para ele.”
Eberhard e Tarpenning já conheciam Musk, de quem tinham ouvido
falar em uma reunião da Mars Society em 2001. “Eu o cerquei depois só
para dizer oi, como um fã”, relembra Eberhard.
Ele mencionou aquele encontro em um e-mail para Musk no qual pediu
para encontrá-lo. “Adoraríamos conversar com você sobre a Tesla Motors,
particularmente se estiver interessado em investir”, escreveu. “Acredito que
você tenha dirigido o carro tzero da AC Propulsion. Caso sim, já sabe que
um carro elétrico de alto desempenho pode ser feito. Gostaríamos de
convencê-lo de que podemos fazer isso de forma lucrativa.”
Naquela noite, Musk respondeu: “Claro.”
Eberhard foi de Palo Alto a Los Angeles naquela semana, acompanhado
de um colega, Ian Wright. A reunião, na baia de Musk na SpaceX, deveria
durar meia hora, mas Musk fazia perguntas e ocasionalmente gritava para a
assistente cancelar a próxima reunião. Por duas horas eles compartilharam
visões para um carro elétrico potente e discutiram detalhes sobre todo o
sistema, incluídos trem de força, motor e plano de negócios. No fim da
reunião, Musk disse que gostaria de investir. Quando saíram do prédio da
SpaceX, Eberhard e Wright comemoraram. Depois de uma nova reunião,
que incluiu Tarpenning, eles concordaram que Musk lideraria o
investimento inicial com um aporte de 6,4 milhões de dólares e se tornaria
presidente do conselho.
O que chamou a atenção de Tarpenning foi o fato de que Musk estava
centrado na importância da missão, não no potencial do negócio. “Ele
claramente já havia concluído que, para que tivéssemos um futuro
sustentável, eram necessários carros elétricos”, diz Tarpenning.
Musk tinha alguns pedidos. O primeiro era que a papelada devia ser
concluída rapidamente, porque Justine estava grávida de gêmeos e uma
cesariana estava marcada para dali a uma semana. Ele também pediu que
Eberhard entrasse em contato com JB Straubel. Tendo investido tanto no
negócio de Straubel quanto no de Eberhard, Musk achava que eles
deveriam trabalhar juntos.
Straubel, que nunca tinha ouvido falar em Eberhard ou em seu novo
empreendimento, apareceu de bicicleta e foi embora cético. Musk, contudo,
ligou para ele depois e o incentivou a unirem forças. “Por favor, você precisa
fazer isso”, pediu Musk a ele. “Vai ser perfeito.”
Dessa forma, as peças se encaixaram e propiciaram o surgimento da que
iria se tornar a empresa automobilística mais valiosa e transformadora do
mundo: Eberhard como CEO, Tarpenning como presidente, Straubel como
chefe de tecnologia, Wright como chefe de operações e Musk como
presidente do conselho e principal fundador. Anos depois, após muitas
disputas amargas e um processo, eles concordaram que os cinco fossem
considerados cofundadores.
capítulo 21
O Roadster
Tesla, 2004-2006
Empresa de quem?
Um problema das startups, especialmente aquelas com muitos fundadores e
financiadores, é o de quem deve ficar no comando. Às vezes o macho alfa
vence, como quando Steve Jobs deixou Steve Wozniak à margem, ou
quando Bill Gates fez a mesma coisa com Paul Allen. Em outros casos, a
situação é mais complicada, especialmente quando pessoas diferentes
sentem que são fundadoras de uma empresa.
Tanto Eberhard quanto Musk se consideravam o principal fundador da
Tesla. Na mente de Eberhard, ele havia bolado a ideia, convocado seu
amigo Tarpenning, registrado a empresa, escolhido o nome e corrido atrás e
encontrado financiadores. “Elon se diz o arquiteto principal e todo tipo de
coisa, mas isso não é verdade”, afirma Eberhard. “Ele era apenas membro do
conselho e investidor.” Contudo, na mente de Musk, foi ele quem promoveu
o encontro entre Eberhard e Straubel e forneceu o dinheiro necessário para
dar início à empresa. “Quando conheci Eberhard, Wright e Tarpenning,
eles não tinham nenhuma propriedade intelectual, nenhum funcionário,
nada. Apenas a casca de uma empresa.”
No começo, essas perspectivas diferentes não foram um problema. “Eu
estava comandando a SpaceX”, diz Musk, “e não queria comandar também
a Tesla”. Ele estava feliz, pelo menos inicialmente, em ser presidente do
conselho e deixar Eberhard ser o CEO. No entanto, sendo dono de quase
toda a empresa, Musk era a principal autoridade, e não era de seu feitio
abrir mão disso. Ele começou a se envolver cada vez mais, sobretudo nas
decisões de engenharia. A liderança da Tesla, dessa forma, se tornou uma
molécula inerentemente instável.
Durante cerca de um ano, Musk e Eberhard se deram bem. Eberhard
lidava com o gerenciamento no dia a dia na sede, no Vale do Silício,
enquanto Musk passava a maior parte do tempo em Los Angeles e fazia
visitas cerca de uma vez por mês para participar de reuniões do conselho e
fazer avaliações importantes de design. As perguntas de Musk tendiam a ser
técnicas, para saber os detalhes da bateria, do motor e dos materiais. Ele
não era conhecido por mandar e-mails elogiosos, mas certa noite, no início
da relação deles, depois de trabalharem num problema juntos, enviou um e-
mail para Eberhard que dizia: “O número de pessoas boas em produto no
mundo é pequeno, e acho que você é uma delas.” Eles conversavam quase
todo dia, trocavam e-mails à noite e, de vez em quando, se encontravam
socialmente. “Nunca fui colega de bar dele”, conta Eberhard, “mas íamos à
casa um do outro às vezes e saíamos para jantar”.
Infelizmente, eles eram parecidos demais para a amizade durar. Ambos
eram engenheiros obstinados, tensos e detalhistas, capazes de desprezar
brutalmente aqueles que consideravam tolos. Os problemas começaram
quando Eberhard teve uma briga com Ian Wright, que fizera parte do grupo
de fundadores. Os desentendimentos se tornaram tão intensos que cada um
dos dois tentou convencer Musk a demitir o outro. Era um reconhecimento
tácito da parte de Eberhard de que Musk tinha a palavra final. “Martin e
Ian estavam me dizendo por que o outro era um demônio e precisava ser
expulso”, revela Musk. “Estavam me dizendo: ‘Elon, você precisa escolher
um.’”
Musk pediu conselhos para Straubel. “Ok, quem devemos escolher
aqui?”, perguntou, ao que Straubel respondeu que nenhuma escolha era boa.
Quando pressionado a opinar, disse: “Talvez Martin seja o menor de dois
males.” Musk acabou demitindo Wright, mas a situação aprofundou suas
dúvidas sobre Eberhard. E levou-o a se envolver mais na administração da
Tesla.
Decisões de design
À medida que Musk começou a se dedicar mais à Tesla, ele não tinha como
evitar se envolver nas decisões de design e engenharia. Voava para lá de Los
Angeles a cada duas semanas, comandava uma avaliação de design,
inspecionava modelos e sugeria melhorias. Sendo Musk como é, ele não
considerava suas ideias meras sugestões; irritava-se quando elas não eram
executadas. Isso era um problema, porque o plano de negócios da empresa
dependia de montar uma carroceria da Lotus com outros fornecedores sem
fazer muitas mudanças. “Nós planejamos fazer o mínimo possível de
modificações”, afirma Tarpenning, “pelo menos até Elon se envolver”.
Eberhard tentou resistir à maioria das sugestões de Musk, até mesmo as
que melhorariam o carro, porque sabia que isso podia aumentar os custos e
causar atrasos. Musk, entretanto, argumentou que a única maneira de lançar
a Tesla era apresentar um roadster que impressionasse os clientes. “Nós só
vamos poder lançar nosso primeiro carro uma vez, então temos que fazer
isso da melhor maneira possível”, disse ele a Eberhard. Em uma das
reuniões de análise, o rosto de Musk se fechou, a expressão endureceu e ele
declarou que o carro parecia barato e feio. “Não dá para vendermos um
carro feio por 100 mil dólares”, falaria ele depois.
Muito embora ele fosse versado em software, não em desenho industrial,
Musk começou a investir bastante tempo na estética do Roadster. “Eu
nunca tinha projetado um carro antes, então estava estudando todos os
melhores carros e tentando entender o que os tornava especiais”, comenta.
“Eu sofria com cada detalhe.” Depois, ele destacaria com orgulho que foi
homenageado pelo Art Center College of Design de Pasadena pelo trabalho
no Roadster.
Uma grande mudança de design que Musk fez foi insistir que a porta do
Roadster fosse aumentada. “Para entrar no carro, você tinha que ser um
alpinista nanico ou um mestre contorcionista”, reclama ele. “Era uma
loucura, era ridículo.” Musk, com 1,80 metro de altura, descobriu que tinha
que encaixar a bunda grande no assento, ficar quase em posição fetal e
depois tentar colocar as pernas para dentro. “Se você está indo a um
encontro, como uma mulher vai entrar no carro?”, perguntou. Sendo assim,
ele mandou que a parte de baixo da moldura da porta fosse abaixada oito
centímetros. A mudança resultante significava que a Tesla não podia usar a
certificação de crash-test que a Lotus tinha, o que aumentava em 2 milhões
de dólares os custos de produção. Como muitas das revisões feitas por
Musk, essa era ao mesmo tempo correta e cara.
Musk exigiu também que os assentos fossem mais largos. “Minha ideia
original era usar as estruturas de assento iguais às da Lotus”, diz Eberhard,
“ou teríamos que refazer todos os testes. Mas Elon achava que os assentos
eram estreitos demais para a esposa dele, ou algo assim. Eu tenho bunda
pequena, e sinto falta dos assentos estreitos”.
Musk também decidiu que os faróis originais da Lotus eram feios porque
não contavam com cobertura ou protetor. “Parecia que o carro tinha olhos
esbugalhados”, diz. “Os faróis são como os olhos do carro, e é preciso ter
olhos lindos.” Essa mudança iria adicionar 500 mil dólares aos custos de
produção, disseram para Musk. Mas ele foi irredutível. “Se você está
comprando um carro esporte, está comprando porque é lindo”, afirmou para
a equipe. “Então, não se trata de um detalhe menor.”
Em vez do material composto de fibra de vidro que a Lotus usava, Musk
decidiu que a carroceria do Roadster deveria ser feita de fibra de carbono,
mais resistente. Isso encareceu a pintura, mas também deixou o carro mais
leve e mais sólido. No decorrer dos anos, Musk foi capaz de usar as técnicas
que aprendeu na SpaceX e aplicá-las na Tesla, e vice-versa. Quando
Eberhard tentou resistir ao custo da fibra de carbono, Musk lhe enviou um
e-mail. “Cara, você poderia fazer os painéis da carroceria para pelo menos
quinhentos carros por ano se comprasse o forno que temos na SpaceX!”,
escreveu. “Se alguém está dizendo que isso é difícil, está falando besteira.
Você pode fazer compostos de alta qualidade no forno da sua casa.”
Nenhum detalhe era pequeno demais para escapar da interferência de
Musk. O Roadster originalmente tinha maçanetas comuns, do tipo que se
abre com um clique. Musk insistiu em maçanetas elétricas, que seriam
operadas com um simples toque. “Alguém que esteja comprando um Tesla
Roadster vai comprar, seja com maçanetas comuns, seja com elétricas”,
argumentou Eberhard. “Isso não vai resultar num aumento das vendas.” Era
um argumento que ele havia usado para a maioria das mudanças de Musk.
Musk saiu vitorioso, e as maçanetas elétricas se tornaram uma característica
interessante que ajudou a definir a mágica da Tesla. Todavia, como
Eberhard alertou, acrescentou mais um custo.
Eberhard finalmente entrou em desespero quando, perto do fim do
processo de design, Musk decidiu que o painel era feio. “Esse é um grande
problema, e me preocupa muito o fato de que você não o reconheça como
tal”, escreveu Musk. Eberhard tentou mudar de assunto, e implorou para
que eles lidassem com o problema depois. “Não consigo ver um caminho,
qualquer que seja, para consertar isso antes do início da produção sem um
grande prejuízo no custo e no cronograma”, disse ele. “Fico acordado à noite
preocupado em simplesmente conseguir colocar o carro em produção em
algum momento de 2007... Para a minha própria sanidade e para a sanidade
da minha equipe, não estou gastando muito tempo pensando no painel.”
Muitas pessoas no decorrer dos anos fariam o mesmo tipo de pedido a
Musk, poucas com sucesso. Nesse caso, Musk cedeu. A melhora do painel
poderia ficar para depois que os primeiros carros já tivessem entrado em
produção. Contudo, isso não ajudou no relacionamento de Musk e
Eberhard.
Ao modificar tantos elementos, a Tesla perdeu a maior parte das
vantagens que vinham de simplesmente usar a carroceria já testada para
impactos do Lotus Elise. Isso também aumentou a complexidade da cadeia
de suprimentos. Em vez de poder confiar nos fornecedores da Lotus, a Tesla
se tornou responsável por encontrar novas fontes para centenas de
componentes, dos painéis de fibra de carbono aos faróis. “Isso estava
deixando o pessoal da Lotus louco”, diz Musk. “Eles me perguntavam por
que eu estava sendo tão duro assim com relação a cada curva desse carro. E
o que eu disse a eles foi: ‘Porque tem que ficar lindo.’”
É
com a Toyota”, disse. “É uma missão impossível.” Anos depois, Moritz
admitiu: “Eu não levei em consideração a determinação do Elon.”
Em vez disso, Musk se voltou para a VantagePoint Capital, comandada
por Alan Salzman e Jim Marver. Eles se tornaram os principais investidores,
com uma rodada de financiamento de 40 milhões de dólares que terminou
em maio de 2006. “A dualidade na gestão com Eberhard e Musk me
preocupava”, lembra Salzman, “mas percebi que era essa a natureza dessa
criatura”.
A dualidade não estava evidente na nota para a imprensa que anunciou a
rodada de financiamento, que Musk só viu depois de publicada. O texto não
listava Musk como um dos fundadores da empresa. “A Tesla Motors foi
fundada em junho de 2003 por Martin Eberhard e Marc Tarpenning”,
dizia. Havia uma citação de Eberhard na qual ele agradecia educadamente a
Musk pelo investimento. “Estamos orgulhosos pela confiança contínua do
sr. Musk na Tesla Motors, expressa por sua participação intensa em todas as
rodadas de financiamento e sua liderança no conselho diretor.”
Reconhecimento de mérito
Musk, que havia insistido para permanecer como porta-voz da PayPal
mesmo depois de ser removido do cargo de CEO, tinha uma atração pela
publicidade. Ele nunca se tornaria garoto-propaganda de seus produtos,
como um Lee Iacocca ou um Richard Branson, nem era uma mariposa
atraída para entrevistas de televisão. Ele aparecia ocasionalmente em
conferências e posava para fotos em revistas, mas se sentia mais cômodo
descarregando posts no Twitter ou participando de um podcast. Mestre dos
memes, ele tinha um bom instinto para atrair publicidade gratuita ao flertar
com controvérsias e brigar nas redes sociais, embora remoesse ofensas por
anos.
Algo constante era a sua sensibilidade com relação ao reconhecimento de
seus méritos. O sangue dele fervia se alguém insinuasse que ele havia se
dado bem porque herdara riqueza ou alegasse que ele não merecia ser
chamado de fundador de uma das empresas que ajudara a fundar. Foi o que
aconteceu com a PayPal e estava acontecendo naquele momento com a
Tesla, e em ambos os casos isso levaria a processos judiciais.
Em 2006, Eberhard havia se tornado uma espécie de celebridade, o que o
agradava. Nas frequentes entrevistas para a televisão e nas participações em
conferências, ele era apresentado como fundador da Tesla, e naquele ano
apareceu em uma propaganda para o assistente digital pessoal chamado
BlackBerry (um precursor do smartphone), a qual dizia que ele “criou o
primeiro carro esporte elétrico”.
Depois da nota para a imprensa sobre a rodada de investimentos na Tesla
em maio, que citava apenas Eberhard e Tarpenning como fundadores da
empresa, Musk atuou vigorosamente para garantir que seu papel nunca mais
fosse minimizado. Sem avisar a chefe de relações públicas da empresa,
Jessica Switzer, contratada por Eberhard, ele começou a conceder
entrevistas. Ela achava problemático que Musk estivesse dando declarações
sobre a estratégia da empresa. “Por que Elon está dando essas entrevistas?”,
perguntou Switzer um dia a Eberhard quando estavam andando de carro.
“Você é o CEO.”
“Ele quer dar as entrevistas”, respondeu Eberhard, “e eu não quero
discutir com ele”.
A revelação
O problema chegou a um ponto crítico em julho de 2006, quando a Tesla
estava pronta para revelar um protótipo do Roadster. A equipe havia feito
manualmente um preto e um vermelho, cada um com capacidade de acelerar
de zero a cem em quatro segundos. Eles ainda não tinham substituído os
assentos estreitos e o painel feio que Musk odiava, mas, fora isso, estavam
muito perto daquilo que a Tesla planejava colocar em produção.
Um elemento importante no lançamento de um novo produto, como
mostrou Steve Jobs com seus dramáticos eventos de anúncios, é criar um
ambiente que o transforma em objeto de desejo. Isso era especialmente
verdadeiro no caso dos carros elétricos, que precisavam superar a imagem de
carrinho de golfe. Switzer elaborou planos para fazer uma festa cheia de
celebridades no aeroporto de Santa Mônica, na qual os convidados
poderiam passear em um protótipo.
Eberhard e Switzer voaram a Los Angeles para mostrar a Musk os
planos. “Foi horrível”, lembra-se ela. “Ele questionou cada detalhe, inclusive
quanto planejávamos gastar com comida. Quando reagi, o corpo inteiro dele
se retraiu, ele se levantou e saiu da sala.” Como Eberhard resume: “Ele
detonou todas as ideias dela e me disse para demiti-la.”
Musk assumiu o planejamento do evento. Supervisionou a lista de
convidados, escolheu o cardápio e até mesmo aprovou o custo e o design dos
guardanapos. Um punhado de celebridades apareceu, entre elas o
governador da Califórnia, Arnold Schwarzenegger, que foi levado para um
test drive com Straubel.
Tanto Eberhard quanto Musk falaram. “Existem carros rápidos e existem
carros elétricos, mas ter um carro que seja ambas as coisas é o modo de
tornar o carro elétrico popular”, declarou Eberhard em seu tom confiante e
educado. Musk estava estranho, e mostrou a tendência que tinha de repetir
palavras de modo inseguro ou gaguejar um pouco. Contudo, essa falta de
jeito encantou os repórteres. “Até hoje todos os carros elétricos eram ruins”,
disse ele. Comprar um Roadster, afirmou, iria ajudar a financiar a Tesla para
que ela pudesse produzir carros elétricos e lançá-los no mercado de massa.
“Os executivos da Tesla não recebem salários altos e não estamos
distribuindo dividendos. O dinheiro vai totalmente para o desenvolvimento
de uma tecnologia cuja finalidade será a de reduzir custos e tornar os carros
mais acessíveis.”
O evento recebeu uma cobertura positiva. “Este não é o carro elétrico do
seu pai”, elogiou o e Washington Post. “O carro de 100 mil dólares, com
seu visual de carro esporte, é mais uma Ferrari do que um Prius — e mais
testosterona do que natureba.”
No entanto, havia um problema. Eberhard levou quase todo o crédito.
“Ele se propôs a criar uma máquina elegante, alimentada por baterias”, disse
a Wired, desmanchando-se em elogios a ele numa matéria luxuosamente
ilustrada. “Depois de ler as biografias de John DeLorean e Preston Tucker e
de dizer para si mesmo que lançar uma empresa automotiva era loucura, ele
fez exatamente isso.” Musk era citado como um simples investidor que
Eberhard havia conseguido atrair.
Musk enviou um e-mail incisivo para o vice-presidente da Tesla, que
havia tido a infelicidade de assumir o setor de publicidade depois da
demissão de Switzer. “A maneira como meu papel tem sido retratado até
hoje, sendo citado apenas como ‘um investidor inicial’, é inaceitável”,
escreveu ele. “Seria como chamar Martin de ‘um dos primeiros
funcionários’. Minha influência no carro vai dos faróis ao design da soleira
do porta-malas, e meu intenso interesse no transporte elétrico antecede a
Tesla em mais de uma década. Martin deveria ser certamente o homem
principal, mas a descrição do meu papel até agora tem sido
inacreditavelmente ofensiva.” Ele acrescentou que “gostaria de conversar
com todas as principais publicações em breve”.
No dia seguinte, o e New York Times escreveu um hino à Tesla
chamado “Zero a cem em quatro segundos”, em que Musk nem era
mencionado. Pior ainda: Eberhard era descrito como presidente da Tesla, e
a única foto era a dele com Tarpenning. “Fiquei inacreditavelmente
ofendido e constrangido pelo artigo do NY Times”, escreveu Musk a
Eberhard e à empresa de relações públicas, PCGC, que eles haviam
contratado. “Se algo assim acontecer novamente, por favor considere a
relação da PCGC com a Tesla encerrada imediatamente.”
Em um esforço para reforçar seu papel central, Musk publicou no site da
Tesla um pequeno ensaio que detalhava a estratégia da empresa.
Atrevidamente intitulado “O plano secreto da Tesla Motors (só entre nós)”,
o texto declarava:
Musk também chegou mais perto da fama ao fazer um tour pela fábrica
da SpaceX com o ator Robert Downey Jr. e o diretor Jon Favreau, que
estavam filmando Homem de Ferro. Musk se tornou um modelo para o
personagem principal, Tony Stark, um industrial célebre e engenheiro capaz
de se transformar em um homem de ferro com uma armadura mecanizada
desenvolvida por ele mesmo. “Minha mente não se impressiona facilmente,
mas esse lugar e esse cara são incríveis”, disse Downey posteriormente. Ele
pediu que um Tesla Roadster fosse colocado no cenário do filme que
mostrava a oficina de Stark. Musk depois fez uma aparição como ele mesmo
em Homem de Ferro 2.
***
***
Musk tinha uma regra sobre responsabilidade: cada peça, cada processo e
cada especificação precisam vir atrelados a um nome. Ele pode ser rápido
em encontrar um culpado quando algo dá errado. No caso do fracasso no
lançamento, ficou evidente que o vazamento viera de uma porca que
segurava o tubo de combustível. Musk apontou o dedo para um engenheiro
chamado Jeremy Hollman, uma das primeiras contratações de Tom
Mueller, que, na noite anterior ao lançamento, havia removido e recolocado
a porca para ter acesso a uma válvula. Em um simpósio público dias depois,
Musk descreveu o erro de “um dos nossos mais experientes técnicos”, e os
que estavam a par sabiam que ele estava se referindo a Hollman.
Hollman tinha ficado duas semanas a mais em Kwaj para avaliar os
destroços. No voo de Honolulu para Los Angeles, ele estava lendo
reportagens sobre o lançamento fracassado e ficou chocado ao saber que
Musk colocara a culpa nele. Assim que aterrissou, dirigiu por três
quilômetros até a sede da SpaceX e invadiu a baia de Musk. Os dois
começaram a gritar, e Shotwell e Mueller foram acalmar os ânimos.
Hollman queria que a empresa fizesse uma retratação pela declaração de
Musk, e Mueller fez pressão para ser autorizado a fazer isso. “Eu sou o
CEO”, falou Musk. “Sou eu que lido com a imprensa; fique fora disso.”
Hollman disse a Mueller que só ficaria na empresa se nunca mais tivesse
que lidar diretamente com Musk. Ele deixou a SpaceX um ano depois.
Musk diz que não se lembra da situação, mas acrescenta que Hollman não
era um bom engenheiro. Mueller discorda. “Perdemos um cara bom.”
No fim das contas, não foi culpa de Hollman. Quando o tubo de
combustível foi encontrado, parte da porca ainda estava conectada, mas
havia sido corroída e se quebrado ao meio. A culpa era da maresia em Kwaj.
A segunda tentativa
Depois do fracasso do primeiro lançamento, a SpaceX ficou mais cautelosa.
A equipe começou a testar com cuidado e a registrar os detalhes de cada
uma das centenas de componentes do foguete. Pela primeira vez, Musk não
pressionou todo mundo para fazer as coisas em alta velocidade e deixar de
lado o cuidado.
Mesmo assim, ele não tentou eliminar todos os riscos possíveis. Isso
tornaria os foguetes da SpaceX tão caros e demorados quanto os construídos
por empreiteiros com contratos de compensação do governo. Então, Musk
exigiu um gráfico que mostrasse cada componente, o custo dos materiais
brutos, o custo que a SpaceX estava pagando aos fornecedores e o nome do
engenheiro responsável por diminuir esse custo. Em reuniões, ele às vezes
mostrava que sabia esses números melhor do que os engenheiros que faziam
a apresentação, o que não era agradável. As reuniões de revisão podiam ser
brutais, mas os custos caíram.
Tudo isso significava correr riscos calculados. Por exemplo: foi Musk
quem aprovou o uso de alumínio barato e leve para a porca que havia sido
corroída e condenou o primeiro voo do Falcon 1.
Outro exemplo envolvia o que era conhecido como estabilizadores de
combustível. Enquanto o foguete ascende, o combustível remanescente nos
tanques pode balançar. Para evitar isso, anéis rígidos de metal podem ser
colocados na parte de dentro da parede do tanque. Os engenheiros fizeram
isso no primeiro estágio do Falcon 1, mas adicionar massa ao segundo
estágio era mais problemático, porque ele tinha que ser propulsionado até a
órbita.
A equipe de Koenigsmann fez várias simulações de computador para
testar os riscos de o combustível se mover de modo errático. Em apenas uma
pequena porcentagem dos modelos isso parecia ser um problema. Na lista
dos quinze maiores riscos, o número 1 era a possibilidade de que o material
fino que estavam usando na carcaça do foguete dobrasse durante o voo. A
movimentação errática de combustível no segundo estágio ocupou o 11o
lugar. Quando Musk repassou a lista com Koenigsmann e seus engenheiros,
decidiu que aceitaria alguns dos riscos, incluído o da movimentação do
combustível. A probabilidade da maioria desses riscos não podia ser
determinada com simulações. O risco de o combustível se mover teria que
ser testado num voo real.
O teste aconteceu em março de 2017. Como aconteceu um ano antes, o
lançamento começou bem. A contagem chegou a zero, o motor Merlin foi
acionado e o Falcon 1 foi arrastado para o espaço. Dessa vez, Musk estava
assistindo da sala de controle na sede da SpaceX, em Los Angeles. “Sim,
sim! Conseguimos”, gritou Mueller, abraçando-o. À medida que o segundo
estágio se separava como planejado, Musk mordeu o lábio e depois começou
a sorrir.
“Parabéns”, disse Musk. “Vou assistir a esse vídeo por muito tempo.”
Durante cinco minutos inteiros, tempo suficiente para abrir algumas
garrafas de champanhe, houve alegria. Então, Mueller notou algo no vídeo.
O segundo estágio estava começando a balançar. Os dados recebidos
confirmaram seus temores. “Soube na hora que era o combustível se
movendo”, revela.
No vídeo, parecia que a Terra estava girando numa secadora de roupas,
mas era, na realidade, o segundo estágio girando. “Pega! Pega!”, gritou um
engenheiro. Já não havia salvação. Aos onze minutos a transmissão foi
interrompida. O segundo estágio e sua carga estavam caindo de volta na
Terra de uma altura de trezentos quilômetros. O foguete havia atingido o
espaço sideral, mas não conseguiu entrar em órbita. A decisão de aceitar o
11o item na lista de riscos — não ter estabilizadores de combustível — havia
se voltado contra eles. “De agora em diante”, disse Musk para
Koenigsmann, “vamos ter uma lista de riscos de onze itens, nunca só de
dez”.
capítulo 24
A Equipe da SWAT
Tesla, 2006-2008
Antonio Gracias
Quando Antonio Gracias tinha 12 anos, pediu de Natal um presente que
tinha relação com a Apple. Não era um computador; ele já tinha um dos
primeiros Apple II. Gracias queria ações da empresa. A mãe, que tinha uma
pequena loja de lingerie em Grand Rapids, Michigan, só falava espanhol,
mas conseguiu comprar para ele dez ações por 300 dólares. Ele ainda as
tem. E hoje elas valem cerca de 490 mil dólares.
Um de seus primeiros empreendimentos enquanto era estudante na
Georgetown University foi comprar camisinhas em lotes e enviá-las para
um amigo na Rússia vender. Isso acabou não dando muito certo, e Gracias
ficou com um estoque enorme de camisinhas no quarto. Ele então as
colocou em caixas de fósforos, vendeu anúncios nas caixas e as distribuiu em
bares e fraternidades.
Ele conseguiu um emprego na Goldman Sachs, em Nova York, mas
pediu demissão para ir estudar direito na Universidade de Chicago. A
maioria dos estudantes de direito, especialmente em um lugar como
Chicago, achava a carga de trabalho pesada, mas Gracias estava entediado.
Em seu tempo livre, ele abriu um fundo de investimentos que comprava
pequenas empresas. Uma delas parecia particularmente promissora: uma
empresa da Califórnia que fazia galvanoplastia. No entanto, acabou virando
uma bagunça. Gracias se viu viajando para a Califórnia para tentar consertar
as coisas na fábrica, enquanto um amigo na faculdade de direito chamado
David Sacks fazia anotações para ele nas aulas. (Lembre-se desses nomes,
Antonio Gracias e David Sacks, porque eles vão ressurgir na saga do
Twitter.)
Como Gracias falava espanhol, assim como a maioria dos trabalhadores
da fábrica, foi capaz de aprender com eles quais eram os problemas. “Percebi
que, se você investe numa empresa, deve passar todo o tempo no chão de
fábrica”, afirma. Quando Gracias perguntou como podiam acelerar a
produção, um dos funcionários explicou que ter cubas menores para os
banhos de níquel faria o chapeamento ser mais rápido. Essa e outras ideias
dos trabalhadores deram tão certo que a fábrica começou a lucrar e Gracias,
a comprar mais empresas problemáticas.
Ele aprendeu uma grande lição com esses empreendimentos: “Não é o
produto que leva ao sucesso. É a capacidade de fazer o produto de maneira
eficiente. Trata-se de construir uma máquina que constrói máquinas. Em
outras palavras, como você desenha uma fábrica?” Era um princípio
norteador que Musk adotaria.
Depois da faculdade de direito, David Sacks, juntamente com Musk, se
tornaria um dos cofundadores da PayPal. Gracias era um investidor, e ele e
Musk estavam entre os novos milionários que foram a Las Vegas
comemorar o aniversário de 30 anos de Sacks em maio de 2002.
Seis dos convidados estavam em uma limusine, e um deles, um amigo de
Stanford, vomitou no banco de trás. Quando o motorista deixou-os no
hotel, a maioria resolveu não ficar para ajudá-lo. “Elon e eu olhamos um
para o outro e dissemos: não podemos deixar o coitado do motorista com
vômito no carro”, lembra Gracias. Então, foram com ele até uma loja de
conveniência 7-Eleven, compraram toalhas de papel e produtos de limpeza
e limparam o carro. “Elon tem Asperger”, diz Gracias, “então, às vezes
parece não ter emoções, mas ele realmente se importa”.
Gracias e sua empresa de capital de risco, a Valor Management,
participaram das quatro rodadas de investimentos da Tesla, e em maio de
2007 ele entrou para o conselho. Foi justamente quando Musk estava
descobrindo a profundidade dos problemas de produção com o Roadster, e
então pediu a Gracias que descobrisse o que estava errado. Para ajudá-lo,
Gracias chamou um parceiro excêntrico, um sujeito conhecido como o
mago das fábricas.
Tim Watkins
Depois de colocar nos eixos sua empresa de galvanoplastia, Gracias
comprou algumas empresas parecidas, inclusive uma que tinha uma pequena
fábrica na Suíça. Quando ele voou até lá para inspecioná-la, foi recebido no
aeroporto por um engenheiro robótico britânico chamado Tim Watkins, de
rabo de cavalo, camiseta preta, calça jeans preta e uma pochete preta.
Sempre que era mandado para algum lugar novo, ele ia até uma loja de
departamentos local e comprava dez camisetas e calças, as quais ia
descartando como pele de lagarto durante sua estadia.
Depois de um jantar descontraído, Watkins sugeriu que fossem visitar a
fábrica. Gracias sabia que eles não tinham autorização para ter um turno
noturno, então ficou preocupado quando Watkins e o gerente da fábrica o
levaram até um beco num bairro industrial. “Achei por um momento que
iam me assaltar”, confessa Gracias. Watkins, que gostava de certo drama,
abriu a porta dos fundos. As luzes estavam apagadas, tudo às escuras, mas
havia sons de máquinas de estampar de alta velocidade funcionando.
Quando Watkins acendeu as luzes, Gracias percebeu que estavam
zumbindo por conta própria, sem funcionários por perto.
As leis suíças determinavam que os funcionários não trabalhassem mais
de dezesseis horas por dia. Então, Watkins instituiu uma escala de dois
turnos de oito horas separados por períodos de quatro horas, momentos em
que as máquinas funcionariam sozinhas. Ele havia elaborado uma fórmula
que previa quando cada parte do processo precisaria de intervenção humana.
“Podíamos conseguir 24 horas de produção por dezesseis horas de trabalho
por dia”, afirma ele. Gracias tornou Watkins sócio da sua empresa; eles se
tornaram almas gêmeas, e até ficaram no mesmo quarto enquanto
desenvolviam uma visão compartilhada de como investir em novas empresas
e torná-las mais eficientes. E foi isso que foram fazer na Tesla em 2007, a
pedido de Musk.
***
***
Quando Marks saiu, Musk recrutou um CEO que achou que seria mais
duro: Ze’ev Drori, um oficial paraquedista israelense testado em combate
que havia se tornado um empreendedor bem-sucedido no ramo de
semicondutores. “A única pessoa que concordaria em ser CEO da Tesla
seria alguém que não tivesse medo de nada, porque havia muito o que
temer”, diz Musk. Mas Drori não sabia nada sobre fazer carros. Depois de
alguns meses, uma delegação sênior de executivos liderados por JB Straubel
disse que eles teriam problema se continuassem a trabalhar com ele, e Ira
Ehrenpreis, um membro do conselho, ajudou a convencer Musk a assumir.
“Tenho que pôr as duas mãos no volante”, disse Musk a Drori. “Não
podemos ser dois na direção.” Drori saiu graciosamente, e Musk se tornou o
CEO oficial da Tesla (e o quarto a ter o título no período de um ano) em
outubro de 2008.
capítulo 26
Divórcio
Justine
2008
Depois da morte do filho, Nevada, Justine e Elon decidiram engravidar de
novo assim que possível. Eles foram a uma clínica de fertilização in vitro, e
em 2004 ela deu à luz gêmeos, Griffin e Xavier. Dois anos depois, de novo
por fertilização in vitro, eles tiveram trigêmeos chamados Kai, Saxon e
Damian.
No início do casamento, eles moravam juntos em um pequeno
apartamento no Vale do Silício que compartilhavam com três colegas de
quarto e um pequeno Dachshund que não havia sido adestrado, lembra
Justine, e naquele momento moravam em uma mansão de 560 metros
quadrados nas colinas de Bel Air, em Los Angeles, com cinco crianças
excêntricas, uma equipe de cinco babás e empregadas domésticas, além de
um Dachshund, que ainda não havia sido adestrado.
Apesar da natureza agitada dos dois, havia momentos em que o
relacionamento era afetuoso. Eles caminhavam até a Kepler’s Books, perto
de Palo Alto, um abraçado à cintura do outro, levavam as compras até um
café e liam enquanto bebiam. “Fico emocionada ao falar sobre isso”, diz
Justine. “Havia momentos de plena felicidade, plena mesmo.”
Musk era desajeitado no trato social, mas gostava de ir a festas cheias de
celebridades e ficar até de madrugada. “Nós íamos a jantares beneficentes e
conseguíamos as melhores mesas nas boates de Hollywood, com Paris
Hilton e Leonardo DiCaprio se divertindo ao nosso lado”, conta Justine.
“Quando o fundador do Google, Larry Page, se casou na ilha caribenha
particular de Richard Branson, estávamos lá nos divertindo em um solar
com John Cusack e vendo Bono posar com várias fãs encantadas.”
Contudo, eles brigavam o tempo todo. Ele era viciado em tempestades e
estresse e ela era sugada pela turbulência. Durante as piores discussões,
Justine expressava quanto odiava o marido e ele respondia dizendo coisas
como: “Se você trabalhasse para mim, eu te demitiria.” Às vezes ele a
chamava de “imbecil” e “idiota”, numa repetição assustadora do próprio pai.
“Quando passei um tempo com Errol”, diz Justine, “percebi que foi com o
pai que ele aprendeu o vocabulário”.
Kimbal, que brigava fisicamente com o irmão, achava duro vê-lo brigar
verbalmente com Justine. “Elon briga com muita intensidade”, conta
Kimbal. “E Justine também podia ser intensa. Eu ficava vendo, e pensava:
Meu Deus, que coisa brutal. Acabei me afastando dele durante anos por causa
da Justine. Eu simplesmente não conseguia ficar por perto.”
O estilo de vida instável levou a uma queda em espiral. “Era basicamente
um enorme aglomerado de coisas perturbadoras”, fala Justine. Ela percebeu
que estava se transformando, ou sendo transformada, em uma “esposa
troféu”, e “era péssima nisso”, diz. Musk insistia que ela deixasse o cabelo
mais loiro. “Deixe platinado”, pedia ele. Ela resistia, e começou a se retrair.
“Eu o conheci quando ele não tinha muita coisa”, lembra ela. “O acúmulo
de riqueza e fama mudou a dinâmica.”
Como fazia com os colegas no trabalho, Musk podia ir da luz à escuridão
e de volta à luz em instantes. Ele disparava alguns insultos, fazia uma pausa,
e então o rosto se desmanchava em um sorriso divertido e ele fazia umas
piadas estranhas. “Ele é determinado e poderoso, como um urso”, disse
Justine a Tom Junod, da Esquire. “Ele pode ser brincalhão e divertido e lhe
contar piadas, mas no fim das contas você ainda está lidando com um urso.”
Quando Musk estava concentrado em um problema do trabalho, entrava
num transe, como na época de escola, e ficava completamente absorto.
Tempos depois, quando contei a Justine todas as calamidades na SpaceX e
na Tesla que estavam afetando Musk, ela começou a chorar. “Ele não
compartilhava essas coisas comigo”, revela. “Acho que não ocorreu a ele que
talvez eu pudesse ajudar. Ele tinha uma relação muito combativa com o
mundo. Mas era só compartilhar isso comigo.”
O que Justine mais sentia falta nele era a empatia. “Ele é um grande
homem em muitos sentidos”, opina ela, “mas é a falta de empatia que me
incomoda”. Certo dia, durante um passeio de carro, ela tentou explicar a ele
o conceito de empatia verdadeira. Musk ficava transformando aquilo num
conceito intelectual, e explicava como, em razão do Asperger, havia
ensinado a si mesmo a ser mais psicologicamente astuto. “Não, não tem
nada a ver com pensar ou analisar ou interpretar a outra pessoa”, conta ela.
“Trata-se de sentimento. Você sente o que a outra pessoa sente.” Ele admitiu
que isso era importante em relacionamentos, mas sugeriu que a forma como
o cérebro dele era organizado era vantajosa para comandar uma empresa de
alto desempenho. “A determinação e a distância emocional que faziam dele
um marido difícil”, admite Justine, “podem ser a razão do sucesso que
obteve nos negócios”.
Elon ficava incomodado quando Justine o pressionava a experimentar a
psicoterapia. Ela havia começado a se consultar com um terapeuta depois da
morte de Nevada e desenvolveu um profundo interesse pela área. Isso a
levou, segundo ela, à descoberta de que a infância difícil de Elon e a forma
como o cérebro dele funciona permitiam que ele deixasse de lado as
emoções. A intimidade era difícil. “Quando você vem de um passado
disfuncional ou tem um cérebro assim”, diz ela, “a intensidade assume o
lugar da intimidade”.
Não é bem assim. Especialmente com os filhos, Musk pode se sentir
forte e emocionalmente carente. Ele sente falta de ter alguém por perto, até
mesmo ex-namoradas. No entanto, é verdade que o que lhe falta no tocante
à intimidade do dia a dia ele compensa com intensidade.
A insatisfação de Justine com o casamento aprofundou sua depressão e
deixou-a com raiva. “Ela deixou de ter altos e baixos para simplesmente se
sentir irritada todos os dias”, diz Elon. Ele culpava o Adderall, um
intensificador cognitivo que o psiquiatra dela havia prescrito, e saía pela casa
jogando fora as pílulas. Justine concorda que estava depressiva e dependia do
Adderall. “Fui diagnosticada com transtorno de déficit de atenção, e o
Adderall era uma ajuda maravilhosa para mim”, conta ela. “Mas essa não era
a razão pela qual eu estava com raiva. Eu estava com raiva porque o Elon
me ignorava.”
Na primavera de 2008, entre as explosões de foguetes e a confusão na
Tesla, Justine sofreu um acidente de carro. Depois disso, ficou sentada na
cama deles com os joelhos contra o peito e lágrimas nos olhos. Ela disse a
Elon que o relacionamento deles tinha que mudar. “Eu não queria ficar na
arquibancada assistindo ao espetáculo multimilionário da vida do meu
marido”, reclama ela. “Queria amar e ser amada, da maneira como éramos
antes desses milhões.”
Elon concordou em fazer terapia de casal, mas, depois de um mês e três
sessões, o casamento acabou. Segundo a versão de Justine, Elon deu um
ultimato: ou ela aceitava o casamento do jeito que era ou ele ia pedir o
divórcio. A versão dele é a de que ela dizia repetidas vezes que queria se
divorciar, até que ele por fim disse: “Estou disposto a ficar casado, mas você
tem que prometer não ser tão cruel assim comigo o tempo todo.” Quando
Justine deixou claro que a situação não era aceitável, ele pediu o divórcio.
“Eu me senti anestesiada”, lembra-se ela, “mas também estranhamente
aliviada”.
capítulo 27
Talulah
***
Musk havia ficado sem dinheiro, a Tesla estava numa sangria financeira, e a
SpaceX explodira três foguetes em sequência. Mas ele não estava pronto
para desistir. Em vez disso, iria falir, literalmente. “A SpaceX seguirá em
frente, sem hesitar”, anunciou ele algumas horas depois do fracasso. “Não
deve haver dúvidas de que a SpaceX vai conseguir entrar em órbita. Nunca
vou desistir, e falo muito sério.”
Na sala de conferências da SpaceX, no dia seguinte, Musk conversou por
telefone com Koenigsmann, Buzza e a equipe de lançamento em Kwaj. Eles
revisaram os dados e descobriram maneiras de dar mais tempo de separação
para que a colisão não acontecesse novamente. Musk estava taciturno. “Foi o
pior período da minha vida, pelo que estava acontecendo com meu
casamento, a SpaceX e a Tesla”, conta. “Eu não tinha nem casa. Justine
ficou com a nossa.” A equipe temia que ele fosse, como frequentemente
fazia, tentar culpar alguém. Eles se prepararam para uma explosão.
Em vez disso, Musk disse que havia componentes para um quarto
foguete na fábrica em Los Angeles. Construam-no, mandou ele, e o
transportem para Kwaj assim que possível. Ele definiu um prazo que quase
não era realista: lançá-lo em seis semanas. “Ele nos disse para seguir em
frente”, diz Koenigsmann, “e me surpreendeu”.
Uma onda de otimismo percorreu a sede. “Depois disso, acho que a
maioria de nós seguiria Elon até as portas do inferno, levando óleo
bronzeador”, fala Dolly Singh, a diretora de recursos humanos. “Em pouco
tempo, a atmosfera no prédio passou do desespero e da derrota para um
clima de muita determinação.”
Carl Hoffman, um repórter da Wired que havia assistido ao fracasso do
segundo lançamento com Musk, o procurou para perguntar como ele
mantinha o otimismo. “Otimismo, pessimismo, dane-se”, respondeu Musk.
“Nós vamos fazer isso funcionar. Juro por Deus, estou determinado a fazer
dar certo.”
capítulo 29
No limite
Todos ao redor de Musk achavam que ele teria que tomar uma decisão.
Com o fim de 2008, parecia que ele precisaria escolher entre a SpaceX e a
Tesla. Se concentrasse seus escassos recursos em uma das empresas, Musk
poderia com certeza garantir a sobrevivência da escolhida. Se tentasse
dividir os recursos, talvez as duas falissem. Um dia, Mark Juncosa, o amigo
que era uma espécie de alma gêmea mais animada, entrou na baia de Musk
na SpaceX. “Cara, por que você não desiste logo de uma delas?”, perguntou.
“Se a SpaceX toca seu coração, descarte a Tesla.”
“Não”, respondeu Musk, “isso ia servir como mais um argumento para o
pessoal que diz que ‘carros elétricos não funcionam’, e nunca vamos ter
energia sustentável”. Ele também não podia abandonar a SpaceX.
“Corremos o risco de nunca virmos a ser uma espécie multiplanetária.”
Quanto mais as pessoas o pressionavam a escolher, mais Musk resistia.
“Para mim, emocionalmente falando, era como se eu tivesse dois filhos e
estivesse ficando sem comida”, revela ele. “Você pode dar metade para cada
um, mas os dois vão morrer, ou dar toda a comida para um filho e aumentar
a chance de um deles sobreviver. Eu não conseguia escolher qual ia morrer,
então decidi que faria de tudo para salvar os dois.”
capítulo 30
O quarto lançamento
Kwaj, agosto a setembro de 2008
Hora da verdade
Em agosto de 2008, logo após o terceiro voo fracassar, Musk havia animado
sua equipe com o prazo para conseguir um novo foguete em Kwaj em seis
semanas. Isso parecia um esquema de distorção da realidade de Musk.
Haviam se passado doze meses entre o primeiro e o segundo lançamentos
fracassados, e mais dezessete meses entre o segundo e o terceiro. Entretanto,
como o foguete não precisava de nenhuma mudança significativa de design
para que fossem corrigidos os problemas que causaram a terceira falha, ele
calculou que o prazo de seis semanas era viável e iria animar a equipe. Além
disso, tendo em vista que eles estavam queimando dinheiro rapidamente,
Musk não tinha escolha.
A SpaceX possuía os componentes para um quarto foguete na fábrica em
Los Angeles, mas enviar tudo para Kwaj por mar levaria quatro semanas.
Tim Buzza, o diretor de lançamento da SpaceX, disse a Musk que a única
maneira de cumprir o prazo seria alugar um avião de carga C-17 da Força
Aérea. “Bom, então vamos fazer isso”, respondeu Musk. Foi aí que Buzza
entendeu que Musk estava disposto a colocar todas as fichas na mesa.
Vinte funcionários da SpaceX viajaram com o foguete no compartimento
de carga do C-17, afivelados nos assentos na parede. O clima era festivo. Os
membros da equipe, enlouquecidos de trabalho, imaginavam estar prestes a
realizar um milagre radical.
Enquanto eles sobrevoavam o Pacífico, um jovem engenheiro chamado
Trip Harriss pegou um violão e começou a tocar. Os pais dele eram
professores de música no Tennessee, e ele havia estudado para se tornar
músico clássico. Certo Natal, porém, ele assistiu a Star Trek e decidiu que
queria ser cientista aeronáutico. “Descobri como reconfigurar meu cérebro e,
em vez de fazer música, fui fazer engenharia”, algo que não foi uma
mudança tão grande quanto imaginou. Depois de um ano na Purdue,
Harriss estava procurando um estágio de verão, mas sempre se dava mal nas
entrevistas. Ele já tinha se resignado a trabalhar na filial da Ace Hardware
na cidade quando um professor dele recebeu uma ligação de um amigo na
SpaceX, o qual informava que a empresa precisava de estagiários. Sem
esperar pela documentação, Harriss entrou no carro na manhã seguinte,
abandonou a namorada e dirigiu de Indiana até Los Angeles.
Quando o avião começou a descer para reabastecer no Havaí, ouviu-se
um estrondo. E depois outro. “Nós nos encaramos e pensamos que aquilo
era estranho”, diz Harriss. “E aí ouvimos outro estrondo e vimos o lado do
tanque do foguete amassando como uma lata de Coca.” A descida rápida do
avião havia feito a pressão no compartimento aumentar, e as válvulas do
tanque não estavam deixando o ar entrar rápido o suficiente para equalizar a
pressão interna.
Houve uma movimentação enlouquecida enquanto os engenheiros
tiravam facas do bolso e começavam a cortar a embalagem e tentavam abrir
as válvulas. Blent Altan correu até a cabine para tentar parar a descida. “A
situação era a seguinte: um turco enorme gritando com os pilotos da Força
Aérea, que eram os norte-americanos mais brancos que você já viu, para
voltar a subir”, diz Harris. Por sorte eles não jogaram nem o foguete nem
Altan no oceano. Em vez disso, concordaram em subir de novo, mas
alertaram Altan que só restavam trinta minutos de combustível. Isso
significava que em dez minutos teriam que começar a descer novamente.
Um dos engenheiros entrou na área escura entre os estágios um e dois do
foguete, encontrou a grande tubulação de pressurização e conseguiu abri-la,
o que permitiu a entrada do ar e a equalização da pressão enquanto o avião
começava a descer novamente. O metal começou a voltar à forma original.
Mas a avaria estava feita. A parte externa ficara amassada e um dos
paralamas havia se deslocado.
Eles ligaram para Musk em Los Angeles com o objetivo de contar o que
aconteceu e sugerir que levassem o foguete de volta. “Todos nós reunidos
ali, em pé, ouvimos a pausa”, diz Harriss. “Ele ficou em silêncio por um
minuto. Depois, disse: ‘Não, vocês vão levar o foguete para Kwaj e consertá-
lo lá.’” Harriss lembra que, quando chegaram a Kwaj, a primeira reação foi:
“Estamos ferrados.” Contudo, no dia seguinte, a empolgação tomou conta.
“Dizíamos: ‘Vamos fazer isso funcionar.’”
Buzza e o chefe de estruturas de foguetes, Chris ompson, juntaram o
equipamento de que precisavam na sede da SpaceX, incluindo defletores
novos para impedir que o combustível se movesse nos tanques, e colocaram
no avião de Musk para a viagem de Los Angeles a Kwaj. Lá, encontraram
um monte de engenheiros correndo no meio da noite, trabalhando
freneticamente no foguete desmontado, como se fossem médicos em um
pronto-socorro tentando salvar um paciente.
Depois dos primeiros três fracassos, Musk havia imposto mais controles
de qualidade e procedimentos para reduzir riscos. “Portanto, já tínhamos
nos acostumado a nos mover um pouco mais devagar com documentação e
inspeções”, diz Buzza. Ele disse a Musk que, se seguissem todas as novas
exigências, levariam cinco semanas para consertar o foguete. Se
abandonassem essas exigências, poderiam terminar em cinco dias. Musk
tomou a decisão esperada. “Ok, vão o mais rápido possível.”
A decisão de revogar as ordens sobre controle de qualidade ensinou a
Buzza duas coisas: Musk pode mudar se a situação mudar, e ele estava
disposto a assumir riscos mais do que qualquer um. “Isso era algo que
tínhamos que aprender: Elon fazia uma declaração, mas depois de um
tempo ele percebia que podia ser de outra forma”, diz Buzza.
Enquanto trabalhavam sob o sol brutal de Kwaj, os engenheiros eram
observados por um caranguejo-dos-coqueiros excepcionalmente grande,
com quase noventa centímetros. Eles o chamaram de Elon, e sob o olhar
dele conseguiram completar o conserto nos cinco dias previstos. “Era
diferente de tudo que as empresas inchadas da indústria aeroespacial
poderiam imaginar”, diz Buzza. “Às vezes esses prazos loucos faziam
sentido.”
“ilovenasa”
O lançamento bem-sucedido garantiu o futuro dos empreendimentos
espaciais. “Assim como Roger Bannister quando correu pouco mais de 1,5
quilômetro em quatro minutos, a SpaceX fez as pessoas recalibrarem a
percepção delas quanto aos limites possíveis no que dizia respeito a ir ao
espaço”, escreveu o autor Ashlee Vance.
Isso levou a uma grande mudança de rumo na NASA. Com o fim
iminente do programa do ônibus espacial, os Estados Unidos não teriam
mais a capacidade de enviar equipes ou carga para a Estação Espacial
Internacional. Então, a agência anunciou uma concorrência para realizar
missões de carga até lá. O sucesso do quarto voo do Falcon 1 permitiu que
Musk e Gwynne Shotwell fossem a Houston no fim de 2008 com o intuito
de comparecer a uma reunião na NASA para defender a empresa.
Quando desembarcaram do jato dele, Musk puxou Shotwell para uma
conversa na pista de pouso. “A NASA está preocupada por eu ter que dividir
meu tempo entre a SpaceX e a Tesla”, disse. “Eu meio que preciso de uma
parceira.” Não era uma ideia que ocorresse facilmente a ele: Musk era
melhor comandando do que fazendo parcerias. Então, fez a ela uma oferta:
“Quer ser presidente da SpaceX?” Ele permaneceria como CEO e ambos
dividiriam as responsabilidades. “Vou me concentrar na engenharia e no
desenvolvimento de produto”, falou, “e quero que você se concentre no
gerenciamento de clientes, nos recursos humanos, nas relações com o
governo e em grande parte do financeiro”. Ela aceitou na mesma hora.
“Amo trabalhar com pessoas e ele ama trabalhar com equipamentos e
designs”, explica Shotwell.
Em 22 de dezembro, como que para encerrar o terrível ano de 2008,
Musk recebeu uma ligação. O chefe de voos espaciais da NASA, Bill
Gerstenmaier, que mais tarde iria trabalhar na SpaceX, deu a ele a notícia: a
SpaceX receberia um contrato de 1,6 bilhão de dólares para fazer doze
viagens à estação espacial. “Eu amo a NASA”, respondeu Musk. “Vocês são
incríveis.” Ele mudou a senha no computador para “ilovenasa”.
capítulo 31
Salvando a Tesla
Dezembro de 2008
Um amor quase estranho pelo perigo: desa ando um atirador de facas vendado
em uma de suas festas de aniversário
Financiando a Tesla, dezembro de 2008
Musk só pôde curtir o contrato da NASA por alguns minutos. De fato, o
nível de estresse dele não diminuiu. A SpaceX até podia ter conseguido um
indulto de Natal, mas a Tesla ainda estava caminhando rumo à falência no
fim de 2008. O dinheiro iria acabar na véspera de Natal. Nem a empresa
nem o próprio Musk tinham dinheiro suficiente no banco para quitar a
próxima folha de pagamento.
Musk convocou seus financiadores na época para uma nova rodada de
meros 20 milhões de dólares. Seria o bastante para permitir que a Tesla
seguisse em frente por mais alguns meses. No entanto, quando achou que o
plano estava pronto, ele descobriu que um dos investidores estava
desistindo: a VantagePoint Capital, liderada por Alan Salzman. Para que o
novo capital fosse liberado, todos os investidores tinham que aprovar.
Salzman e Musk haviam passado os meses anteriores discordando em
relação à estratégia. Certa vez, na sede da Tesla, eles tiveram uma discussão
aos berros que pôde ser ouvida pelos funcionários. Salzman queria que a
Tesla se tornasse fornecedora de baterias para outras empresas automotivas,
como a Chrysler. “Isso ajudaria a financiar o crescimento da Tesla”, disse
Salzman. Musk achava maluquice. “Salzman estava insistindo que a gente
amarrasse nossa carroça à das empresas automotivas tradicionais”, conta ele,
“e eu dizia: ‘Este navio está literalmente afundando’”. Salzman chateava-se
por a Tesla estar gastando os depósitos feitos pelos clientes do Roadster
antes mesmo de os carros estarem prontos. “As pessoas achavam que tinham
feito um depósito, não um empréstimo sem garantia para a empresa. Era
moralmente errado.” Musk conseguiu um consultor externo que deu um
parecer afirmando que isso era legal. Salzman também foi repelido pelo
comportamento de Musk: “Ele era duro com as pessoas e
desnecessariamente insensível. Apenas fazia parte do DNA dele. Eu não
gostava disso.”
Em uma conferência por telefone não oficial com Kimbal na linha,
Salzman tentou preparar o terreno para remover Musk do cargo de CEO.
“Fiquei furioso com o que todos esses tolos do mal estavam tentando fazer
com Elon”, diz Kimbal. “Comecei a gritar: ‘Nem pensar, vocês não vão fazer
isso. Vocês são uns tolos.’” Antonio Gracias também estava na ligação.
“Não, estamos com Elon”, falou. Kimbal ligou para o irmão, que conseguiu
barrar a votação no conselho. Ele estava tão compenetrado que nem ficou
com raiva.
Salzman e seus parceiros insistiram que Musk fosse até o escritório deles
e detalhasse as necessidades financeiras futuras da Tesla. “Ele estava
tentando fazer uma cirurgia cardíaca, e nós estávamos tentando garantir que
ele não ia usar o tipo errado de sangue”, diz Salzman. “Quando você está
lidando com uma pessoa com controle excessivo e essa pessoa está sob
grande estresse, é uma situação arriscada.”
Musk se irritou. “Temos que fazer isso rápido, ou não vamos quitar a
folha de pagamento”, falou para Salzman. Mesmo assim, Salzman insistiu
que eles se encontrassem na semana seguinte, e marcou a conversa para as
sete da manhã, o que enfureceu Musk ainda mais. “Sou um sujeito notívago,
então achei aquilo horrível”, diz. “Salzman estava fazendo isso comigo
porque é um idiota.” Musk achava que Salzman estava feliz em dizer não na
cara dele, e foi o que aconteceu.
Musk é capaz de perdoar, como mostrou na reconciliação com os sócios
na PayPal. Contudo, há algumas pessoas que o fazem explodir, quase
irracionalmente. Martin Eberhart é uma. E Alan Salzman se tornou outra.
Musk achava que ele estava intencionalmente empurrando a Tesla para a
falência. “Ele é um babaca”, xinga Musk. “Quando digo que é um babaca, é
uma descrição, não algo pejorativo.”
Salzman calmamente nega as alegações de Musk, e parece não se
importar com os insultos. “Não tínhamos nenhum plano de assumir a
empresa ou de forçá-la a falir”, conta. “Isso é um absurdo. Nosso papel
simplesmente era o de apoiar a empresa e garantir que o capital fosse gasto
com bom senso.” Apesar dos ataques pessoais de Musk contra ele, Salzman
realmente expressa alguma admiração. “Ele tem sido uma força particular
por trás da empresa, e reconheço que funcionou. Tiro o chapéu para ele.”
De forma a contornar o veto de Salzman na nova rodada de
investimentos, Musk mexeu na estrutura de financiamento para que não
envolvesse a emissão de mais ações, transformando tudo em dívida. O
telefonema final aconteceu na véspera de Natal, dois dias depois que a
SpaceX fechou o contrato com a NASA. Musk estava na casa de Kimbal
em Boulder, no Colorado, junto com Talulah Riley. “Eu estava no chão
embrulhando presentes para as crianças e Elon estava na cama, ao telefone,
freneticamente tentando fazer as coisas darem certo”, lembra-se ela. “O
Natal é muito importante para mim, então minha prioridade era proteger as
crianças da situação. Eu repetia: ‘É Natal, vai acontecer algum milagre.’”
E aconteceu. A VantagePoint acabou apoiando o plano, assim como os
outros investidores que estavam na ligação. Musk caiu no choro. “Se tivesse
acontecido de outra forma, a Tesla estaria acabada”, diz, “e talvez o sonho
do carro elétrico fosse esquecido por muitos anos”. Na época, todas as
grandes empresas automotivas dos Estados Unidos haviam desistido de
produzir carros elétricos.
Empréstimos governamentais e o
investimento da Daimler
No decorrer dos anos, uma crítica feita à Tesla era a de que a empresa havia
sido “salva” ou “subsidiada” pelo governo em 2009. Na realidade, a Tesla não
recebeu dinheiro do Programa de Preservação de Ativos em Risco (TARP),
do Departamento do Tesouro, conhecido popularmente como “o resgate”.
Com o programa, o governo emprestou 18,4 bilhões de dólares para a
General Motors e para a Chrysler enquanto elas passavam por uma
reestruturação de concordata. A Tesla não se inscreveu para receber
nenhuma verba do TARP ou qualquer outro incentivo.
O que a Tesla realmente recebeu em junho de 2009 foram 465 milhões
de dólares em empréstimos a juros baixos de um programa do
Departamento de Energia. O Programa de Empréstimos para Tecnologias
Avançadas de Produção de Veículos concedia crédito para empresas fazerem
carros elétricos, ou carros mais eficientes quanto ao consumo de
combustível. A Ford, a Nissan e a Fisker Automotive também receberam
empréstimos.
O empréstimo do Departamento de Energia não era uma injeção
imediata de dinheiro. Ao contrário do dinheiro de resgate da GM e da
Chrysler, o empréstimo estava ligado a despesas reais. “Tínhamos que gastar
o dinheiro e prestar contas ao governo”, explica Musk. Sendo assim, o
primeiro cheque só chegou no início de 2010. Três anos depois, a Tesla
devolveu o empréstimo com 12 milhões de dólares em juros. A Nissan
pagou em 2017, a Fisker faliu e, em 2023, a Ford ainda devia dinheiro para
o programa.
Uma injeção mais significativa de dinheiro veio da Daimler. Em outubro
de 2008, em meio à crise da Tesla e aos fracassos nos lançamentos da
SpaceX, Musk foi até a sede da empresa alemã, em Stuttgart. Os executivos
da Daimler disseram estar interessados em criar um carro elétrico, e tinham
uma equipe que planejava visitar os Estados Unidos em janeiro de 2009.
Eles convidaram a Tesla a apresentar uma proposta de uma versão elétrica
do smart car da Daimler.
Assim que voltou, Musk disse a JB Straubel que eles deveriam correr
para montar um protótipo de um smart car elétrico para quando a equipe da
Daimler chegasse. Eles mandaram um funcionário ao México, onde havia
smart cars movidos a gasolina, para comprar um e levá-lo até a Califórnia.
Depois, colocaram o motor elétrico e as baterias do Roadster nele.
Quando os executivos da Daimler chegaram à Tesla em janeiro de 2009,
pareciam irritados por terem que ir a uma reunião com uma empresa
pequena e quase sem dinheiro, sobre a qual mal tinham ouvido falar.
“Lembro que eles estavam de muito mau humor e torcendo para sair dali o
mais rápido possível”, conta Musk. “Eles estavam esperando alguma
apresentação ruim de PowerPoint.” Então, Musk perguntou se queriam
dirigir o carro. “Como assim?”, indagou um dos membros da equipe da
Daimler. Musk explicou que haviam criado um modelo funcional.
Eles foram até o estacionamento, e os executivos da Daimler fizeram um
test drive. O carro disparou em um instante e atingiu cem quilômetros por
hora em cerca de quatro segundos. Isso impressionou os executivos. “O
smart car tinha uma potência incrível”, diz Musk. “Dava para dar cavalo de
pau com aquele carro.” Como resultado, a Daimler contratou a Tesla para
fornecer baterias e trens de força para os smart cars, uma ideia não muito
diferente da que Salzman havia sugerido. Musk pediu à Daimler que
considerasse investir na empresa. Em maio de 2009, antes mesmo de os
empréstimos do Departamento de Energia serem aprovados, a Daimler
concordou em comprar 50 milhões de dólares em ações da Tesla. “Se a
Daimler não tivesse investido na Tesla naquela época, teríamos fechado as
portas”, relata Musk.
capítulo 32
Model S
Tesla, 2009
***
Musk queria que o Model S tivesse uma grande tela touch ao alcance do
motorista. Ele e Von Holzhausen passaram horas discutindo ideias de
tamanho, formato e posicionamento da tela. Acabou sendo um marco para a
indústria automobilística. O equipamento dava ao motorista um controle
mais fácil sobre as luzes, a temperatura, a posição dos assentos, os níveis de
suspensão e quase tudo no carro, exceto abrir o porta-luvas (que, por alguma
razão, o governo exigia que tivesse um botão físico). Também permitia mais
diversão, como jogos eletrônicos, sons de pum nos bancos dos passageiros,
diferentes sons para a buzina e surpresas escondidas nas interfaces.
Mais importante ainda: pensar no carro como um software, e não só
como um hardware, permitiu que ele fosse continuamente atualizado.
Novos recursos podiam ser entregues pelo ar. “Estávamos encantados em ver
como podíamos acrescentar funcionalidades no decorrer dos anos, inclusive
mais aceleração”, diz Musk. “Isso permitia que o carro se tornasse melhor
do que era quando foi comprado.”
capítulo 33
Espaço privado
SpaceX, 2009-2010
Obama na SpaceX
“Me disseram que devemos estender o programa do ônibus espacial. É isso
mesmo?”, perguntou Barack Obama para sua conselheira sobre questões do
espaço, Lori Garver, no início de setembro de 2008.
“Não”, respondeu ela. “O setor privado deve fazer isso.” Era um conselho
arriscado. A SpaceX havia fracassado três vezes na tentativa de colocar um
satélite em órbita, e estava prestes a fazer aquela que poderia ser sua última
tentativa.
Garver, uma veterana da NASA, tentava convencer o candidato do
Partido Democrata à presidência de que a abordagem dos Estados Unidos
para a construção de foguetes precisava mudar. A NASA planejava acabar
com o ônibus espacial, e esperava substituí-lo por um novo programa de
foguetes chamado Constellation. O novo programa seria realizado da
maneira tradicional: a NASA fechara contratos com compensação com a
United Launch Alliance, da Lockheed-Boeing, para construir a maioria dos
componentes. Entretanto, o custo projetado do programa mais do que
dobrou, e ele não estava nem perto de ser concluído. Garver recomendou
que Obama o deixasse de lado e, em vez disso, permitisse que empresas
privadas como a SpaceX desenvolvessem foguetes que poderiam levar
astronautas ao espaço.
Eis por que ela, assim como Musk, tinha muito em jogo na quarta
tentativa de lançamento do Falcon 1 em Kwaj, em setembro. Quando deu
certo, Garver recebeu ligações de parabéns dos principais funcionários de
Obama que a indicou para o cargo de vice-administradora da NASA.
Infelizmente para Garver, Obama escolheu como chefe dela Charlie
Bolden, um ex-piloto dos fuzileiros navais e astronauta da NASA, que não
compartilhava o entusiasmo dela em se associar ao setor privado. “Eu não
era um ideólogo como muitos à minha volta, que achavam que bastava
pegar o orçamento da NASA, pegar tudo que estivesse destinado para voo
espacial humano, e dar para Elon Musk e a SpaceX”, diz Bolden.
Garver também teve que brigar com os congressistas que tinham fábricas
da Boeing em seus estados e que, apesar de serem republicanos, se opunham
à ideia de empreendedores privados assumirem aquilo que eles achavam que
deveria ser feito pela burocracia governamental. “As principais autoridades
da indústria e do governo tinham prazer em ridicularizar a SpaceX e Elon”,
lembra Garver. “Não ajudava o fato de Elon ser mais jovem e rico do que
eles, com uma mentalidade disruptiva do Vale do Silício e sem demonstrar
qualquer deferência à indústria tradicional.”
Garver venceu a discussão no fim de 2009. Obama cancelou o programa
Constellation, da NASA, depois que o conselheiro de ciência e diretor de
orçamento da Casa Branca disse que ele estava “estourando o orçamento,
atrasado, fora de curso e era inexecutável”. Os tradicionalistas, entre eles o
reverenciado astronauta Neil Armstrong, contestaram a decisão. “O
orçamento proposto pelo presidente para a NASA é o início da marcha de
morte dos voos espaciais humanos nos Estados Unidos”, disse o senador
Richard Shelby, do Alabama. Ex-administrador da NASA, Michael Griffin,
que havia viajado com Musk para a Rússia sete anos antes, acusou: “Em
suma, os Estados Unidos decidiram que não vão ser participantes
significativos nos voos espaciais humanos.” Eles estavam errados. Durante a
década seguinte, graças principalmente à SpaceX, os Estados Unidos
mandaram mais astronautas, satélites e cargas para o espaço do que qualquer
outro país.
***
Obama decidiu viajar a Cabo Canaveral em abril de 2010 para afirmar que
depender de empresas privadas como a SpaceX não significava que os
Estados Unidos estavam abandonando a exploração espacial. “Alguns
disseram que era inviável ou imprudente trabalhar com o setor privado dessa
forma”, disse em um discurso. “Eu discordo. Ao comprar os serviços de
transporte espacial — em vez dos próprios veículos —, podemos continuar a
garantir padrões rigorosos de segurança. Mas também vamos acelerar o
ritmo de inovação enquanto as empresas — de jovens startups a líderes
estabelecidas — competem para projetar, construir e lançar novas maneiras
de transportar pessoas e materiais para fora de nossa atmosfera.”
A equipe do presidente havia decidido que ele iria a uma das plataformas
de lançamento depois do discurso e faria uma sessão de fotos na frente de
um foguete. Segundo as reportagens, o presidente queria ir a uma
plataforma usada pela United Launch Alliance, mas eles estavam se
preparando para lançar um satélite de inteligência secreto, então a ideia foi
descartada. Lori Garver diz que a verdade era outra. “Todos nós na Casa
Branca concordamos que queríamos ir à plataforma da SpaceX.”
A imagem televisionada foi inestimável tanto para Obama quanto para
Musk: o jovem presidente, nascido no ano em que John Kennedy prometeu
mandar um norte-americano à Lua, caminhando ao lado do empreendedor
que aceita riscos, conversando casualmente enquanto andavam em volta do
brilhante Falcon 9. Musk gostou de Obama. “Achei ele moderado, mas
também disposto a forçar mudanças”, diz Musk. “Acho que ele queria
entender se eu era confiável ou meio doido.”
capítulo 34
O lançamento do Falcon 9
Cabo Canaveral, 2010
... E a volta
O próximo grande teste, programado para o fim de 2010, era mostrar que a
SpaceX não só era capaz de lançar uma cápsula não tripulada em órbita,
como também podia fazê-la voltar à Terra em segurança. Nenhuma empresa
privada havia conseguido isso. Na realidade, apenas três países conseguiram:
Estados Unidos, Rússia e China.
Mais uma vez, Musk mostrou uma disposição em assumir riscos que
beirava a negligência, o que distinguia os programas dele dos que eram
comandados pela NASA. No dia anterior ao lançamento de dezembro, uma
inspeção final da plataforma revelou duas pequenas fissuras na saia do motor
do segundo estágio do foguete. “Todo mundo na NASA presumiu que
iríamos adiar o lançamento por algumas semanas”, diz Garver. “O plano
tradicional seria substituir o motor inteiro.”
“E se a gente cortar a saia?”, perguntou Musk à equipe. “Tipo,
literalmente cortar em volta dela?” Em outras palavras, por que não retirar
um pequeno pedaço do fundo que tinha as duas fissuras? A saia mais curta
significaria que o motor teria um pouco menos de impulso, alertou um
engenheiro, mas Musk calculou que ainda seria o suficiente para cumprir a
missão. Levou menos de uma hora para tomar a decisão. Usando um par
grande de tesouras, a saia foi encurtada e o foguete, lançado para a missão
crítica no dia seguinte, conforme planejado. “Os caras da NASA não
podiam fazer nada a não ser aceitar as decisões da SpaceX e assistir,
incrédulos”, lembra Garver.
O foguete foi capaz, como previu Musk, de levar a cápsula Dragon até a
órbita. Em seguida, fez as manobras designadas e ativou os foguetes de
propulsão para que pudesse retornar à Terra, descendo de paraquedas
suavemente até o mar na costa da Califórnia.
Por mais incrível que fosse tudo isso, Musk chegou a uma conclusão
sensata. O programa Mercury havia conseguido realizar ações semelhantes
cinquenta anos antes, antes de ele e Obama nascerem. Os Estados Unidos
estavam apenas retomando o caminho já percorrido.
***
A SpaceX repetidamente provou que podia ser mais ágil do que a NASA.
Um exemplo aconteceu durante uma missão até a estação espacial em março
de 2013, quando uma das válvulas do motor da cápsula Dragon emperrou e
não abria. A equipe da SpaceX começou a correr para tentar descobrir como
abortar a missão e trazer a cápsula de volta antes que ela caísse. Então, eles
bolaram um plano arriscado. Talvez pudessem aumentar a pressão na frente
da válvula para fazê-la abrir. “Era uma espécie de versão espacial da
manobra de Heimlich”, declarou Musk posteriormente a Christian
Davenport, do e Washington Post.
As duas principais autoridades da NASA na sala de controle ficaram
apenas observando enquanto os jovens engenheiros da SpaceX elaboravam
um plano. Um dos engenheiros de software da SpaceX escreveu o código
que iria instruir a cápsula a aumentar a pressão, e eles o transmitiram como
se fosse uma atualização de software em um carro Tesla.
A válvula se abriu. A Dragon se conectou à estação espacial e voltou para
casa em segurança.
Isso acabou pavimentando o caminho para o próximo grande desafio da
SpaceX, maior e mais arriscado. Provocado por Garver, o governo Obama
decidiu que, quando o ônibus espacial fosse aposentado, os Estados Unidos
iriam depender só de empresas privadas, mais notavelmente da SpaceX,
para levar não apenas cargas, como também humanos, até a órbita. Musk
estava preparado para isso. Ele já havia dito aos engenheiros da SpaceX que
construíssem na cápsula Dragon um elemento que não era necessário para o
transporte de cargas: uma janela.
capítulo 35
Casando-se com Talulah
Setembro de 2010
O Expresso do Oriente
Riley gostava de dar festas criativas, e Musk, apesar de meio desajeitado no
trato social (ou talvez por causa disso), sentia um estranho entusiasmo por
elas. Esse tipo de evento permitia que ele se soltasse, especialmente durante
momentos de tensão, o que no caso dele era quase o tempo todo. “Eu dava
festas superteatrais só para mantê-lo entretido”, diz ela.
A mais luxuosa foi para comemorar o aniversário de 40 anos de Musk,
em junho de 2011, menos de um ano depois do casamento deles. Junto com
três dezenas de amigos, ele e Talulah alugaram vagões no Expresso do
Oriente de Paris até Veneza.
Eles se encontraram no hotel Costes, um lugar opulento próximo à Place
Vendôme. Alguns deles, liderados por Elon e Kimbal, foram a um
restaurante chique, e enquanto estavam voltando para o hotel decidiram
alugar bicicletas e passear pela cidade. Eles andaram de bicicleta até as duas
da manhã e depois subornaram o hotel para que o bar ficasse aberto e os
recebesse. Após uma hora bebendo, voltaram para as bicicletas e acabaram
em um salão subterrâneo chamado Le Magnifique, onde ficaram até as
cinco horas.
Eles acordaram às três da tarde no dia seguinte, bem no momento de
pegar o trem. Vestidos com smokings, tiveram um jantar formal no
Expresso do Oriente, com caviar e champanhe, seguido de uma
apresentação particular do Lucent Dossier Experience, uma trupe de
performance steampunk que misturava música de vanguarda, artes aéreas e
fogo, mais ou menos como o Cirque du Soleil, só que mais erótico. “As
pessoas estavam penduradas no teto”, diz Kimbal, “o que era uma cena
bizarra no tradicional Expresso do Oriente”. Riley às vezes cantava para
Elon em particular uma música chamada “My Name Is Tallulah”, do filme
Bugsy. Ele disse que tinha apenas um desejo de aniversário: o de que ela se
apresentasse para todos na festa. “Eu não sei cantar, então foi traumático
para mim, mas fiz por ele”, diz Riley.
Musk não teve muitos relacionamentos sólidos, nem teve muitos
períodos estáveis e tranquilos na vida. E essas duas coisas estavam
relacionadas, sem dúvida. Entre os poucos relacionamentos desse tipo está o
que ele teve com Riley, e os anos que passou com ela — desde quando os
dois se conheceram, em 2008, até o divórcio, em 2016 — acabaram sendo o
maior período de relativa estabilidade na vida dele. Se Musk gostasse de
estabilidade mais do que de tempestade e drama, ela seria perfeita para ele.
capítulo 36
Produção
Tesla, 2010-2013
Qualidade de produção
Quando os primeiros carros Model S saíram da linha de montagem de
Fremont, em junho de 2012, centenas de pessoas, entre elas o governador da
Califórnia, Jerry Brown, apareceram para a celebração. Muitos dos
trabalhadores agitavam bandeiras dos Estados Unidos. Alguns choravam. O
que um dia fora uma fábrica falida que demitira todos os funcionários agora
empregava 2 mil pessoas e liderava o caminho para o carro elétrico do
futuro.
No entanto, alguns dias depois, quando Musk recebeu seu próprio Model
S direto da linha de montagem, não ficou feliz. Mais precisamente, ele disse
que o carro era uma merda. Pediu que Von Holzhausen fosse à casa dele, e
os dois passaram duas horas analisando o veículo. “Meu Deus, isso é o
melhor que podemos fazer?”, perguntou Musk. “O acabamento do painel é
uma porcaria. A qualidade da pintura é horrível. Por que não temos a
mesma qualidade de produção que a Mercedes e a BMW?”
Quando fica irritado, Musk toma atitudes drásticas. Ele rapidamente
demitiu três chefes de qualidade de produção. Um dia naquele mês de
agosto, Von Holzhausen estava com Musk no avião dele e perguntou como
podia ajudar. Ele deveria ter sido cuidadoso em fazer tal oferta. Musk pediu
que Von Holzhausen se mudasse para Fremont, por um ano, e passasse a ser
o novo chefe de qualidade de produção.
Von Holzhausen e seu vice, Dave Morris, que o acompanhou a Fremont,
às vezes andavam pelas linhas de produção até as duas da madrugada. Era
uma experiência interessante para um designer. “Isso me ensinou como tudo
que você cria na prancheta tem um efeito na outra ponta, na linha de
produção”, diz Von Holzhausen. Musk se juntava a eles duas ou três noites
por semana. O foco dele era na raiz do problema. Qual parte do design fora
responsável pelo problema na linha de produção?
Uma das palavras — e dos conceitos — preferidas de Musk era
“hardcore”. Ele a usava para descrever a cultura do local de trabalho que
queria quando fundou a Zip2 e a usaria quase trinta anos depois, quando
colocou de cabeça para baixo a cultura estimulante do Twitter. À medida
que a produção do Model S era incrementada, Musk explicou
detalhadamente qual era a convicção que o guiava em um e-mail para os
funcionários cujo título era “Ultra-hardcore”, a essência do que ele pensava.
A mensagem dizia: “Por favor, prepare-se para um nível de intensidade que
você nunca experimentou. Revolucionar indústrias não é para os fracos de
coração.”
A validação veio no fim de 2012, quando a Motor Trend Magazine
escolheu o Model S como carro do ano. A manchete dizia: “Tesla Model S,
vencedor chocante: prova positiva de que os Estados Unidos ainda são
capazes de fazer coisas (ótimas).” A resenha era de tirar o fôlego, a ponto de
surpreender até Musk. “Dá para dirigi-lo como um carro esportivo, ávido e
ágil, de resposta rápida. Mas também é fácil e suave de dirigir como um
Rolls-Royce, pode carregar quase tanta coisa quanto um Chevy Equinox e é
mais eficiente que um Toyota Prius. Ah, sem falar que vê-lo desfilar no valet
de um hotel de luxo é como ver uma supermodelo em uma passarela de
Paris.” O texto terminava mencionando “o impressionante ponto de inflexão
que o Model S representa”: era a primeira vez que se concedia o prêmio a
um carro elétrico.
Em um jantar em 2004
Jeff Bezos
Jeff Bezos, o superacelerado bilionário da Amazon, dono de uma risada
escandalosa e de um entusiasmo pueril, persegue suas paixões com um
talento para ser, ao mesmo tempo, exuberante e metódico. Como Musk, ele
era viciado em ficção científica na infância, lendo todas as obras de Isaac
Asimov e Robert Heinlein da biblioteca pública local.
Quando tinha 5 anos, em julho de 1969, assistiu pela televisão à
cobertura da missão da Apollo 11, que culminou com Neil Armstrong
andando na Lua. Esse foi um “momento seminal” para ele, de acordo com
Bezos. Tempos depois, ele financiaria uma série de missões que recuperaram
do oceano Atlântico um motor da Apollo 11, o qual instalou em um nicho
na sala de estar de sua casa em Washington, D.C.
A empolgação com o espaço transformou Bezos num daqueles fanáticos
por Star Trek que conhecem todos os episódios. Como orador da turma do
ensino médio, o discurso dele foi sobre como colonizar planetas, construir
hotéis no espaço e salvar a Terra ao encontrar outros lugares para fábricas.
“Espaço, a fronteira final, encontrem-me lá!”, concluiu ele.
Em 2000, depois de tornar a Amazon a empresa de vendas on-line
dominante no mundo, Bezos silenciosamente lançou uma empresa chamada
Blue Origin, nome inspirado no planeta azul-claro onde os humanos
surgiram. Como Musk, ele se concentrou em construir foguetes
reutilizáveis. “Em que aspectos a situação no ano 2000 é diferente da
situação nos anos 1960?”, pergunta Bezos. “A diferença está nos sensores
eletrônicos, nas câmeras, nos softwares. Ser capaz de pousar verticalmente é
o tipo de problema que pode ser enfrentado pelas tecnologias que não
existiam em 1960.”
Tal qual Musk, ele embarcou em empreendimentos espaciais mais como
um missionário do que como um mercenário. Há maneiras mais fáceis de
ganhar dinheiro. A civilização humana, Bezos acreditava, logo acabará com
os recursos de nosso pequeno planeta. Isso nos levará a uma escolha: aceitar
parar de crescer ou se expandir para lugares além da Terra. “Não acho a
estática compatível com a liberdade”, diz. “Podemos resolver esse problema,
e há uma solução: nos mudar para o sistema solar.”
Os dois se conheceram em 2004, quando Bezos aceitou o convite de
Musk para fazer um passeio na SpaceX. Em seguida, Bezos ficou surpreso
ao receber um e-mail seco de Musk, que expressava irritação por Bezos não
ter retribuído o convite para que Musk conhecesse a fábrica da Blue Origin
em Seattle, o que ele prontamente fez, então. Musk foi de avião com
Justine, visitou a Blue Origin, depois eles jantaram com Bezos e a esposa,
MacKenzie. Musk estava cheio de conselhos, expressados com a intensidade
usual. Avisou a Bezos que ele estava indo pelo caminho errado: “Cara, nós
tentamos isso e acabou sendo muito idiota, então me escute, não faça a
mesma bobagem que fizemos.” Bezos se lembra de pensar que Musk era um
pouco confiante demais, dado que ainda não tinha lançado com sucesso um
foguete. No ano seguinte, Musk pediu a Bezos que a Amazon fizesse uma
avaliação do novo livro de Justine, um thriller de horror urbano sobre seres
metade demônio, metade humano. Bezos explicou que não dizia para a
Amazon quais livros avaliar, mas falou que iria pessoalmente publicar uma
avaliação de cliente. Musk enviou uma resposta áspera, mas mesmo assim
Bezos publicou uma elogiosa resenha pessoal.
Pad 39 A
No início de 2011, a SpaceX ganhou uma série de contratos da NASA para
desenvolver foguetes que poderiam levar humanos até a Estação Espacial
Internacional, uma tarefa crucial desde a aposentadoria do ônibus espacial.
Para cumprir essa missão, ela precisava aumentar as instalações no Pad 40,
em Cabo Canaveral, e Musk decidiu alugar as instalações mais históricas do
lugar, o Pad 39 A.
O Pad 39 A havia sido palco central da Era Espacial Norte-Americana,
gravado na memória de toda uma geração que viu pela televisão e prendeu a
respiração quando a contagem regressiva começou: “Dez, nove, oito...” A
missão de Neil Armstrong na Lua a que Bezos assistiu quando criança fora
lançada do Pad 39, em 1969, assim como a última missão tripulada para a
Lua, em 1972. E também a primeira missão do ônibus espacial, em 1981, e
a última, em 2011.
Em 2013, porém, com o programa do ônibus espacial encerrado e meio
século de aspirações espaciais norte-americanas tendo terminado com
estrondos e choramingos, o Pad 39 estava enferrujando e ervas daninhas
cresciam no fosso de chamas. A NASA ansiava por alugá-lo. O cliente
óbvio era Musk, cujos foguetes Falcon 9 já haviam sido lançados em missões
de carga do Pad 40, que ficava próximo e Obama tinha visitado. No
entanto, quando a locação foi aberta para lances, Jeff Bezos, tanto por
razões sentimentais quanto práticas, decidiu competir pelo lugar.
Quando a NASA decidiu locar o espaço para a SpaceX, Bezos entrou
com uma ação judicial. Musk ficou furioso, declarou que era ridículo que a
Blue Origin contestasse o aluguel “quando eles não conseguiram colocar
nem um palito em órbita”. Ele ridicularizou os foguetes de Bezos,
apontando que só eram capazes de chegar ao limite do espaço e então
caíam; eles não tinham o impulso necessário para romper a gravidade da
Terra e entrar em órbita. “Se eles de alguma forma conseguirem apresentar
nos próximos cinco anos um veículo nos padrões de qualificação humana da
NASA que possa se acoplar à estação espacial, que é a finalidade do Pad 39
A, vamos acomodar com alegria as necessidades deles”, disse Musk.
“Francamente, acho mais provável descobrir unicórnios dançando no duto
de chamas.”
A batalha dos barões sci-fi havia começado. Um funcionário da SpaceX
comprou dezenas de unicórnios infláveis e os fotografou no duto de chamas
da plataforma.
Bezos acabou conseguindo alugar um complexo de lançamento próximo
de Cabo Canaveral, o Pad 36, que havia sido o local de lançamento das
missões para Marte e Vênus. A competição dos bilionários infantis estava
pronta para continuar. A transferência dessas plataformas sagradas
representava, tanto simbolicamente quanto na prática, que a tocha da
exploração espacial iniciada por John Kennedy estava passando das mãos do
governo para o setor privado — da outrora gloriosa e hoje esclerosada
NASA para um novo tipo de pioneiros com sentido de missão.
Foguetes reutilizáveis
Tanto Musk quanto Bezos tinham uma visão sobre o que iria tornar as
viagens espaciais mais viáveis: foguetes que pudessem ser reutilizados. O
foco de Bezos era criar os sensores e o software que guiassem o foguete para
um pouso seguro na Terra. Mas isso era apenas parte do desafio. A maior
dificuldade seria colocar todos esses atributos em um foguete que
permanecesse leve o bastante e cujos motores teriam impulso suficiente para
chegar à órbita. Musk se concentrava obsessivamente nesse problema de
física. Ele gostava de meditar, meio brincando, que nós, terráqueos, vivemos
em uma simulação de videogame criada por senhores inteligentes com senso
de humor. Eles fizeram a gravidade em Marte e na Lua fraca o suficiente
para que se lançar em órbita fosse fácil. Na Terra, porém, a gravidade parece
perversamente calibrada para tornar quase impossível chegar à órbita.
Como um alpinista organizando o conteúdo da mochila, Musk estava
obcecado em reduzir o peso de seus foguetes. Isso tinha um efeito
multiplicador: remover um pouco de peso — excluindo uma parte, usando
um material mais leve, fazendo soldas mais simples — resulta em menos
combustível necessário, o que reduz ainda mais a massa que os motores
precisam impulsionar. Quando andava pelas linhas de produção da SpaceX,
Musk parava em cada estação, observava em silêncio e desafiava a equipe a
descartar alguma parte. Quase todas as vezes, ele, de forma maníaca, batia
em uma só tecla: “Um foguete completamente reutilizável é a diferença
entre ser uma civilização de um único planeta e ser uma de múltiplos
planetas.”
Musk levou essa mensagem para o jantar anual de 2014 do centenário
Explorers Club, na cidade de Nova York, onde recebeu o President’s Award.
Ele compartilhou o palco com Bezos, que aceitou um prêmio pelo trabalho
que a equipe dele fizera quando da recuperação do motor da espaçonave
Apollo 11, comandada por Neil Armstrong. No jantar formal, foram
servidos pratos destinados a atrair os superaventureiros, como escorpiões,
morangos cobertos com larvas, pênis de boi agridoce, martínis com olho de
cabra e jacarés inteiros estavam entalhados nas laterais da mesa.
Um vídeo mostrando os bem-sucedidos lançamentos de foguetes da
SpaceX apresentava Musk. “Vocês foram gentis em não mostrar nossos
primeiros três lançamentos”, disse ele. “Vamos ter que mostrar um vídeo de
erros de gravação em algum momento.” Então ele fez um sermão sobre a
necessidade de um foguete completamente reutilizável. “É isso que nos
permitirá estabelecer vida em Marte”, explicou. “Nosso próximo lançamento
terá pernas no foguete para pouso pela primeira vez.” Foguetes reutilizáveis
poderão, algum dia, reduzir o custo de levar uma pessoa a Marte para 500
mil dólares. A maioria das pessoas não vai poder viajar, admitiu, “mas
suspeito que algumas pessoas nesta sala iriam”.
Bezos aplaudiu, mas naquele momento estava preparando um ataque
inesperado. Ele e a Blue Origin haviam pedido o registro de uma patente
nos Estados Unidos intitulada “Pouso em mar de veículos espaciais”, e
poucas semanas depois do jantar a obtiveram. O registro de dez páginas
descrevia “métodos para pouso e recuperação de um foguete auxiliar e/ou
outras porções dele em uma plataforma no mar”. Musk ficou furioso. A
ideia de pousar em navios no mar “é algo que tem sido discutido por, tipo,
meio século”, disse ele. “Está em filmes de ficção; está em inúmeras
propostas; há tantos antecedentes da invenção, é uma loucura. Então, tentar
patentear algo que as pessoas têm discutido por meio século é, obviamente,
ridículo.”
No ano seguinte, depois que a SpaceX entrou com um processo, Bezos
concordou em cancelar a patente. A disputa, no entanto, aumentou a
rivalidade entre os dois empreendedores espaciais.
capítulo 38
O falcão escuta o falcoeiro
SpaceX, 2014-2015
***
“O Falcon pousou”
A oportunidade para Musk fazer o mesmo aconteceu em 21 de dezembro
de 2015, só quatro semanas após o voo suborbital de Bezos.
Na busca incessante para superar a gravidade, Musk havia redesenhado o
Falcon 9. A nova versão carregava mais combustível de oxigênio líquido no
foguete ao resfriá-lo a -200ºC, o que o deixava muito mais denso. Como
sempre, ele estava procurando todas as maneiras possíveis de abarrotar mais
poder em um foguete sem aumentar significativamente o tamanho ou a
massa dele. “Elon insistia para que nós perseguíssemos uma pequena
porcentagem a mais de eficiência, resfriando o combustível cada vez mais”,
diz Mark Juncosa. “Era genial, mas estava nos causando dor de cabeça.”
Algumas vezes Juncosa resistia, alegando que aquilo iria causar problemas
com as válvulas ou vazamentos, mas Musk era inflexível. “Não há razões nos
princípios básicos para que isso não funcione”, dizia. “É
extraordinariamente difícil, eu sei, mas você tem que insistir.”
“Eu estava apavorado durante a contagem regressiva”, diz Juncosa. De
repente, ele notou algo preocupante na transmissão de vídeo na cavidade
entre o primeiro e o segundo estágios. Havia algumas gotas, e ele não sabia
se eram de nitrogênio líquido, o que seria razoável, ou de oxigênio líquido
do tanque super-resfriado, o que poderia ser um problema. “Fiquei em
pânico”, lembra Juncosa. “Se a empresa fosse minha, eu teria parado tudo.”
“Você precisa interromper isso”, disse Juncosa a Musk enquanto a
contagem regressiva chegava ao último minuto.
Musk parou por alguns segundos. Qual o tamanho do risco de ter um
pouco de oxigênio líquido entre os estágios? Arriscado, mas um risco
pequeno. “Dane-se”, disse. “Vamos nessa.”
Anos depois, Juncosa assistiu a imagens do momento em que Musk
tomou essa decisão. “Achei que ele tinha feito alguns cálculos complexos
rapidamente para decidir o que fazer, mas a verdade é que ele só deu de
ombros e proferiu a ordem. Ele tinha uma intuição do que era a física.”
Musk estava certo. O lançamento aconteceu sem problemas.
***
Então veio a espera de dez minutos para ver se o foguete auxiliar iria voltar e
pousar em segurança na plataforma de pouso que a SpaceX havia construído
a cerca de 1,5 quilômetro do Pad 39 A. Logo depois que o segundo estágio
se separou, o foguete auxiliar ligou seus propulsores para fazer a volta e
retornar para Cabo, apontar a base para baixo e reduzir a velocidade na
descida. Com o GPS e os sensores dele próprio guiando-o e as aletas de
grade o ajudando a manobrar, ele desceu tranquilamente em direção à
plataforma de pouso. (Pare um momento e pense em quão incrível é isso.)
Musk correu para fora da sala de controle e saiu pela estrada encarando a
escuridão, para ver o foguete reaparecer. “Desça, desça devagar”, sussurrou
em pé na rodovia, as mãos na cintura. Então houve um som de explosão.
“Ah, merda”, disse ele, virando-se e andando desanimado pela estrada.
Dentro da sala de controle, entretanto, havia gritos de comemoração. Os
monitores mostravam o foguete em pé na plataforma, e o narrador do
lançamento ecoou as palavras que haviam sido usadas por Neil Armstrong
na Lua: “O Falcon pousou.” O som alto, no fim das contas, era o estouro
sônico da reentrada do foguete na atmosfera.
Uma das engenheiras de voo correu para fora da sala de controle com a
notícia. “Está em pé na plataforma!”, gritou. Musk deu meia-volta e se
arrastou rapidamente em direção à plataforma, dizendo “Puta merda” para
si mesmo. “Puta merda.”
Naquela noite, todos foram a um bar na orla chamado Fishlips para
festejar. Musk ergueu um copo de cerveja e gritou para os cerca de cem
funcionários e outros observadores impressionados: “Nós acabamos de
lançar e pousar o maior foguete do mundo!” Enquanto isso, a multidão
bradava o nome do país, e ele pulava e dava socos no ar.
***
***
Acidentes
Enquanto corria atrás de seus planos para carros autônomos, Musk, de um
jeito teimoso e repetitivo, exagerava as habilidades do Autopilot dos carros
da Tesla. Isso se tornou perigoso, porque levou alguns motoristas a pensar
que podiam usar um Tesla sem prestar muita atenção ao trânsito. Mesmo
enquanto Musk fazia suas grandes promessas em 2016, a empresa estava
sendo abandonada por um de seus fornecedores de câmeras, a Mobileye,
cujo presidente afirmou que a Tesla estava “forçando os limites em termos
de segurança”.
Era inevitável que houvesse acidentes fatais envolvendo o Autopilot,
assim como havia sem o Autopilot. Musk insistia que o sistema deveria ser
julgado não pela capacidade de evitar acidentes, mas pela capacidade de
reduzir o número de acidentes. Era uma posição lógica, porém ignorava a
realidade emocional de que uma pessoa morta por um sistema Autopilot iria
provocar muito mais horror que uma centena de mortes causadas por erros
humanos.
O primeiro caso registrado de acidente fatal envolvendo o Autopilot nos
Estados Unidos aconteceu em maio de 2016. Um motorista morreu na
Flórida quando uma carreta virou à esquerda em frente ao Tesla que ele
dirigia. “Nem o Autopilot nem o motorista notaram a lateral branca da
carreta em contraste com o céu claro, e o freio não foi ativado”, declarou a
Tesla em um comunicado. Os investigadores encontraram provas de que, no
momento do acidente, o motorista estava assistindo a um filme da série
Harry Potter em um computador apoiado no painel. O Conselho Nacional
de Segurança nos Transportes concluiu que “o motorista descuidou do
controle total do Tesla, o que levou à colisão”. A Tesla havia enaltecido
demais as habilidades de seu Autopilot, e o motorista provavelmente
presumiu que não precisava prestar muita atenção ao trânsito. Houve relatos
de outro acidente fatal envolvendo um Tesla que devia estar no modo
Autopilot, esse ocorrido no início daquele ano.
As notícias sobre o acidente na Flórida estouraram quando Musk estava
em uma visita à África do Sul, a primeira vez em dezesseis anos. Ele voou
imediatamente de volta aos Estados Unidos, mas não fez nenhuma
declaração pública. Por ter a mente de um engenheiro, ele mostrava pouco
tato para emoções humanas, e não entendia como uma ou duas mortes
causadas pelo Autopilot da Tesla provocaram um clamor quando havia mais
de 1,3 milhão de mortes no trânsito todos os anos. Ninguém estava falando
sobre os acidentes evitados e as vidas salvas pelo Autopilot. Nem estavam
analisando se dirigir com o Autopilot era mais seguro que dirigir sem ele.
Musk participou de uma teleconferência com repórteres em outubro de
2016 e ficou irritado quando as primeiras perguntas foram sobre as duas
mortes. Se eles escrevessem matérias que fizessem as pessoas desistirem de
usar sistemas de direção autônoma ou os reguladores desistirem de os
aprovar, “vocês vão estar matando pessoas”. Musk parou e disse, irritado:
“Próxima pergunta.”
Promessas, promessas
A visão grandiosa de Musk — às vezes similar a uma miragem que parece
estar se distanciando no horizonte — era de que a Tesla iria construir um
carro totalmente autônomo que se autoconduziria sem nenhuma
intervenção humana. Ele acreditava que isso transformaria nossa vida diária
e tornaria a Tesla a empresa mais valiosa do mundo. “A autonomia
completa”, como a Tesla começou a chamá-la, seria capaz de funcionar,
prometeu Musk, não apenas em rodovias, mas também nas ruas das cidades
com pedestres, ciclistas e interseções complexas.
Assim como ocorrera em outras missões obsessivas, incluída a viagem a
Marte, ele fez previsões temporais que se mostrariam absurdas. Em sua
coletiva em outubro de 2016, declarou que no fim do ano seguinte um Tesla
seria capaz de dirigir de Los Angeles a Nova York “sem a necessidade de
nenhum toque” no volante. “Quando você quiser que seu carro volte, clicará
em no seu celular”, disse. “Ele vai te encontrar, mesmo que você
esteja do outro lado do país.”
Isso poderia ser considerada uma fantasia divertida, exceto pelo fato de
que Musk começou a pressionar os engenheiros que trabalhavam no Model
3 e no Model Y da Tesla para que projetassem versões sem volante nem
pedais de aceleração e freio. Von Holzhausen fingiu concordar. A partir do
fim de 2016, havia sempre imagens e modelos físicos de “Robotáxis” para
Musk ver quando andava pelo estúdio de design. “Ele estava convencido de
que, quando colocássemos o Model Y em produção, seria um Robotáxi,
totalmente autônomo”, diz Von Holzhausen.
Quase todo ano, Musk fazia outra previsão de que faltava apenas um ou
dois anos para o carro completamente autônomo. “Quando será possível
comprar um dos seus carros e literalmente tirar as mãos do volante, dormir e
acordar no destino?”, perguntou Chris Anderson a ele no TED Talk em
maio de 2017. “Daqui a uns dois anos”, respondeu Musk. Em uma
entrevista com Kara Swisher na Code Conference no fim de 2018, ele
afirmou que a Tesla “estava a caminho de conseguir fazer isso no ano que
vem”. No início de 2019, ele dobrou a aposta. “Acho que vamos apresentar
um carro com autonomia completa este ano”, declarou em um podcast com
Ark Invest. “Eu diria que tenho certeza disso. Não é uma dúvida.”
“Se ele pegar leve e admitir que vai demorar muito”, disse Von
Halzhausen no fim de 2022, “ninguém vai se unir em torno disso e não
vamos projetar veículos que exijam autonomia”. Em uma reunião de
resultados com analistas naquele ano, Musk admitiu que o processo estava
sendo mais difícil do que ele esperara em 2016. “No fim das contas, isso se
resume”, disse ele, “ao fato de que, para resolver a questão do carro
totalmente autônomo, é preciso resolver a inteligência artificial no mundo
real”.
capítulo 42
Solar
Tesla Energy, 2004-2016
Comprando a SolarCity
Por um tempo, a SolarCity se saiu muito bem. Em 2015, ela detinha um
quarto de todas as instalações que não haviam sido feitas por uma
companhia de serviço. Apesar disso, ela lutava para encontrar um modelo de
negócio. No começo, eles alugavam os painéis solares para os clientes sem
custo inicial, mas isso resultou em um endividamento da empresa, cujas
ações caíram de uma alta de 85 dólares por ação, em 2014, para cerca de 20
dólares por ação, em meados de 2016.
Musk ficou cada vez mais frustrado com as práticas da empresa,
especialmente com quanto dependia de uma equipe de vendas agressiva que
recebia por comissão. “As táticas de vendas deles se tornaram um daqueles
esquemas de ir de porta em porta vendendo caixas de facas ou alguma
porcaria assim”, diz Musk. Os instintos dele indicavam o oposto. Ele nunca
concentrou muito esforço em vendas e marketing — pelo contrário:
acreditava que se você fizesse um produto ótimo, as vendas aconteceriam.
Musk começou a atormentar os primos. “Vocês são uma empresa de
vendas ou de produto?”, perguntava diversas vezes. Os primos não
conseguiam entender a fixação dele no produto. “Nós estávamos botando
pra quebrar na participação no mercado”, diz Peter, “e Elon ficava
questionando questões estéticas, apontando coisas como o aspecto dos
clipes, e se irritava, dizendo que eram feios”. Musk ficou tão frustrado, que
uma hora ameaçou deixar a presidência do conselho. Kimbal o convenceu a
não fazer isso. Em vez disso, em fevereiro de 2016, ele telefonou para os
primos e disse que queria que a Tesla comprasse a SolarCity.
***
2016
Durante uma viagem que fizera a Hong Kong no fim de 2016, Musk estava
com o dia cheio de reuniões, e, como acontecia com frequência, precisava de
alguns minutos de tranquilidade para recarregar a energia, conferir o celular
e ficar simplesmente olhando para o nada. Ele estava fazendo isso quando
Jon McNeill, o presidente de vendas e marketing da Tesla, chegou para tirá-
lo do transe. “Você já notou que as cidades são construídas em 3-D, mas as
rodovias são construídas em 2-D?”, disse Musk. McNeill pareceu confuso.
“Daria para construir rodovias em 3-D fazendo túneis debaixo das cidades”,
explicou Musk, e então ligou para Steve Davis, um engenheiro de confiança
da SpaceX. Eram duas da manhã na Califórnia, mas Davis concordou em
estudar rapidamente maneiras de construir túneis a custo baixo.
“Ok”, disse Musk, “vou te ligar de volta em três horas”.
Quando Musk retornou a ligação, Davis tinha elaborado algumas ideias
que consistiam em usar uma máquina de tunelamento padrão para perfurar
um buraco redondo simples de doze metros de diâmetro e não ter que
reforçá-lo com concreto. “Quanto custam estas máquinas?”, perguntou
Musk. Davis disse que 5 milhões de dólares. Musk ordenou que ele
comprasse duas delas e estivesse de posse das máquinas em seu regresso.
Ao voltar para Los Angeles dias depois, Musk se viu preso em um
congestionamento, então começou a tuitar. “O trânsito está me deixando
louco”, postou. “Vou construir uma máquina de tunelamento e começar a
perfurar.” Ele brincou com vários nomes para uma nova empresa, como
Tunnels R Us e American Tubes & Tunnels, mas chegou a um que
combinava com seu senso de humor à la Monty Python. Como tuitou uma
hora depois: “Ela vai se chamar e Boring Company.* Abrir caminho, é o
que fazemos.”
Musk havia tido uma ideia ainda mais audaciosa alguns anos antes, que
era construir um tubo do tipo pneumático com cápsulas aceleradas
eletromagneticamente que transportariam as pessoas entre cidades a uma
velocidade quase supersônica. Ele chamou o projeto de Hyperloop. Em uma
demonstração incomum de comedimento, porém, repensou e, em vez de
tentar construir um, organizou uma competição de design para estudantes.
Musk construiu um tubo de câmara a vácuo de 1.600 quilômetros na sede
da SpaceX para que pudessem testar as ideias. A primeira competição
estudantil do Hyperloop foi programada para acontecer num domingo de
janeiro de 2017, e grupos de estudantes de lugares distantes como Holanda
e Alemanha planejavam ir e mostrar as cápsulas experimentais.
O prefeito, Eric Garcetti, e outras autoridades estariam lá, então Musk
decidiu que seria uma boa oportunidade para anunciar a ideia de cavar
túneis. Em uma reunião naquela sexta de manhã, ele perguntou quanto
tempo levaria para começar a cavar um túnel no terreno ao lado do tubo
experimental do Hyperloop. Umas duas semanas, disseram a ele.
“Comecem hoje”, mandou. “Quero o maior buraco possível até domingo.”
Elissa Butterfield, assistente de Musk, correu para conseguir que os
funcionários da Tesla tirassem os carros do local, e, em três horas, as duas
máquinas de tunelamento que Davis havia comprado estavam cavando. No
domingo, um buraco de quinze metros de largura estava aberto, o qual
levava até o início do túnel.
Musk investiu 100 milhões de dólares do próprio bolso para fundar a e
Boring Company, e nos dois anos seguintes frequentemente sairia da
SpaceX e atravessaria a rua para conferir o progresso feito. Como podemos ir
mais rápido? Quais os empecilhos? “Ele passou muito tempo nos dando lições
sobre a importância de eliminar etapas e simplificar”, diz Joe Kuhn, um
jovem engenheiro de Chicago que projetou a maneira como os veículos
iriam atravessar o túnel. Por exemplo, eles estavam cavando um poço
vertical no início do túnel para colocar a máquina de tunelamento. “O
esquilo no meu quintal não faz isso”, falou Musk. Eles acabaram
redesenhando a máquina de tunelamento, para que ela pudesse
simplesmente direcionar a ponta para baixo e começar a cavar o chão.
Quando o túnel protótipo de 1.600 quilômetros estava quase pronto, no
fim de dezembro de 2018, Musk apareceu tarde da noite, certa vez, com
dois dos filhos e a namorada, Claire Boucher, conhecida como Grimes. Eles
se amontoaram em um Tesla com rodas personalizadas e um elevador os
baixou doze metros até o túnel. “Vamos o mais rápido que pudermos!”, disse
a Kuhn, que estava dirigindo. Grimes protestou um pouco, pediu que
fossem com calma. Musk entrou no modo engenheiro e explicou por que “a
probabilidade de um impacto longitudinal era muito pequena”. E Kuhn
acelerou. “Isso é sensacional!”, exclamou Musk. “Isso vai mudar tudo.”
Aquilo não mudou tudo. Na realidade, se tornou um exemplo de uma
ideia exagerada de Musk. A e Boring Company completou um túnel de
três quilômetros em Las Vegas, em 2021, que transportava passageiros em
Teslas do aeroporto e através do centro de convenções, e começou a
negociar projetos em outras cidades. Mas, até 2023, nenhum deles estava
em andamento.
* Um trocadilho com a palavra “boring”, que em inglês significa tanto “perfuração” quanto
“entediante”. [N. da E.]
capítulo 44
Relações complicadas
2016-2017
Com Amber Heard, que lhe deixou uma marquinha de beijo na bochecha; com
Donald Trump; Errol Musk
Trump
Musk nunca foi muito político. Como muitos especialistas em tecnologia,
ele era progressista em assuntos sociais, mas com uma grande resistência
libertária a regulamentações e ao politicamente correto. Ele fez doações para
as campanhas de Barack Obama e depois de Hillary Clinton, e foi um
crítico de Donald Trump nas eleições de 2016. “Trump não parece ter o
tipo de caráter que reflete bem nos Estados Unidos”, disse à CNBC.
Entretanto, depois que Trump venceu, Musk ficou cautelosamente
otimista de que ele poderia governar como um renegado independente, em
vez de um ressentido direitista. “Achei que talvez algumas das coisas mais
loucas que ele tivesse dito durante a campanha fossem só uma atuação e que
ele acabaria sendo mais sensato”, diz Musk. Então, a pedido do amigo Peter
iel, um apoiador de Trump, Musk concordou em se juntar a um grupo de
CEOs de tecnologia que iam se encontrar com o presidente eleito em Nova
York em dezembro de 2016.
Na manhã do encontro, Musk visitou os conselhos editoriais do e New
York Times e do e Wall Street Journal e depois, como o trânsito parecia
ruim, pegou o metrô na Lexington Avenue para chegar à Trump Tower.
Além de iel, entre os vinte CEOs de tecnologia na reunião estavam Larry
Page, do Google; Satya Nadella, da Microsoft; Jeff Bezos, da Amazon; e
Tim Cook, da Apple.
Depois do encontro, Musk ficou para uma reunião privada com Trump.
O presidente lhe disse que ganhara de um amigo um Tesla, mas ele nunca
dirigira. Musk ficou perplexo, mas não falou nada. Em seguida, Trump
afirmou que “queria muito botar a NASA em operação de novo”. Isso
deixou Musk ainda mais perplexo. Ele incitou Trump a estabelecer objetivos
maiores — principalmente enviar humanos a Marte — e a deixar as
empresas realizá-los. Trump pareceu impressionado com a ideia de mandar
pessoas a Marte, mas reiterou que queria “botar a NASA em operação de
novo”. Musk achou a reunião estranha, mas Trump amigável. “Ele parece
meio louco”, disse depois, “mas pode acabar se revelando ok”.
Posteriormente, Trump disse a Joe Kernen, da CNBC, que ficou
impressionado com Musk. “Ele gosta de foguetes e se sai bem com os
foguetes, a propósito”, comentou Trump, e depois entrou no modo
trumpiano confuso. “Nunca vi onde essas máquinas descem sem asas, sem
nada, e elas estão pousando, e eu falei ‘Nunca vi isso antes’, e fiquei
preocupado com ele, porque é um dos nossos maiores gênios e temos que
proteger nossos gênios, você sabe que temos que proteger omas Edison e
temos que proteger todas essas pessoas que criaram originalmente a
lâmpada e a roda e todas essas coisas.”
Juleanna Glover, uma bem relacionada consultora de assuntos
governamentais, ajudou a organizar outras reuniões enquanto eles estavam
na Trump Tower, inclusive um encontro com o vice-presidente eleito, Mike
Pence, e os assessores de segurança nacional Michael Flynn e K. T.
McFarland. O único que impressionou Musk foi Newt Gingrich, que era
um fã do espaço e compartilhava o entusiasmo por deixar empresas privadas
licitarem para missões.
No primeiro dia de Trump como presidente, Musk foi à Casa Branca
participar de um conselho dos principais CEOs, e duas semanas depois
voltou para uma sessão parecida. Ele concluiu que o Trump presidente não
era diferente do Trump candidato. A bufonaria não era só teatro. “Trump
talvez seja um dos melhores falastrões do mundo”, diz. “Como o meu pai. A
baboseira pode, às vezes, confundir o cérebro. Se você pensar em Trump
apenas como um tipo de vigarista, então o comportamento dele faz
sentido.” Quando o presidente tirou os Estados Unidos do Acordo de Paris,
um acordo internacional para combater a mudança climática, Musk se
retirou dos conselhos presidenciais.
Amber Heard
Musk não foi criado para a tranquilidade doméstica. A maioria dos
relacionamentos amorosos dele envolve turbulência emocional. O mais
angustiante deles foi com a atriz Amber Heard, que o arrastou em um
vórtice sombrio por mais de um ano e causou uma dor profunda que
perdura até hoje. “Foi brutal”, diz ele.
O relacionamento começou depois que ela participou de um filme de
ação, em 2012, chamado Machete mata, longa que apresenta um inventor
que quer criar uma sociedade em uma estação espacial em órbita. Musk
concordou em servir de consultor porque queria conhecê-la, mas isso só
ocorreu um ano depois, quando ela perguntou se podia visitar a SpaceX.
“Acho que, para alguém que é chamada de gostosa, eu até que posso ser
considerada geek”, disse ela brincando. Musk levou Amber para um passeio
num Tesla, e ela pensou que, para um engenheiro de foguetes, até que ele
era atraente.
A vez seguinte que ela o viu foi na fila do tapete vermelho no jantar de
gala do Metropolitan Museum, em Nova York, em maio de 2016. Heard,
na época com 30 anos, estava na iminência de um divórcio explosivo de
Johnny Depp. Ela e Musk conversaram no jantar e na festa que se seguiu.
Após o relacionamento conturbado com Depp, ela achou que Musk era uma
lufada de ar fresco.
Poucas semanas depois, Amber estava trabalhando em Miami, e Musk
foi visitá-la. Eles ficaram à beira da piscina em uma villa que ele alugou no
Delano Hotel, em Miami Beach, e então Musk a levou, junto com a irmã
dela, de avião até Cabo Canaveral, onde um lançamento do Falcon 9 estava
programado. Ela achou que aquele era o encontro mais interessante que já
tivera.
Para o aniversário de Musk, em junho, Amber decidiu surpreendê-lo, e
viajou da Itália, onde estava trabalhando, até a fábrica da Tesla em Fremont.
Quando estava perto, ela parou no acostamento e colheu algumas flores
silvestres. Com a ajuda da equipe de segurança dele, escondeu-se na traseira
de um Tesla e saltou para fora com as flores quando Musk se aproximou.
O relacionamento ficou mais sério em abril de 2017, época em que Musk
voou para ficar com Amber na Austrália, onde ela estava filmando
Aquaman, no qual interpretava a princesa guerreira e par romântico de um
super-herói que tentava salvar o mundo. Eles andaram de mãos dadas por
um santuário de vida selvagem e fizeram um curso de arvorismo, depois do
qual Heard deixou uma marquinha de beijo na bochecha dele. Musk lhe
disse que ela o fazia se lembrar de Mercy, a personagem favorita dele no
jogo de videogame Overwatch, e então ela passou dois meses desenhando e
encomendando uma fantasia completa a fim de poder encenar para ele.
O lado divertido de Amber, no entanto, era acompanhado pelo tipo de
turbulência que atraía Musk. O irmão e os amigos dele a odiavam tanto, que
a aversão que sentiam por Justine parecia até esmorecer. “Ela era
simplesmente muito tóxica”, diz Kimbal, “um pesadelo”. O chefe de equipe
de Musk, Sam Teller, a compara com um vilão dos quadrinhos. “Ela parecia
o Coringa, do Batman”, comenta. “O único objetivo dela era o caos. Ela
acha ótimo quando desestabiliza tudo.” Amber e Musk ficavam acordados a
noite toda brigando, e ele só conseguia se levantar à tarde.
Eles romperam em julho de 2017, mas em seguida reataram e ficaram
juntos por mais cinco turbulentos meses. O fim finalmente aconteceu depois
de uma viagem insana para o Rio de Janeiro em dezembro com Kimbal, a
esposa dele e alguns dos filhos. Quando chegaram ao hotel, Elon e Amber
tiveram outra das brigas incendiárias. Ela se trancou no quarto e começou a
gritar que tinha medo de ser atacada e que Elon havia pegado o passaporte
dela. Os seguranças e a esposa de Kimbal tentaram convencê-la de que
estava segura, o passaporte encontrava-se na mala dela e Amber podia — e
devia — partir quando quisesse. “Ela realmente é uma ótima atriz, então diz
coisas que fazem você pensar Uau, talvez seja verdade, mas não é”, fala
Kimbal. “A maneira como ela é capaz de criar uma realidade própria me faz
lembrar do meu pai.” (Pense nisso por um minuto.)
Amber concorda que eles brigaram e ela foi meio dramática. Entretanto,
diz que fizeram as pazes naquela noite, que era o Ano-Novo. Eles foram a
uma festa e celebraram o início do novo ano em pé numa sacada com vista
para a praia de Copacabana, ela em um vestido de linho branco decotado,
ele com uma camisa de linho branca meio desabotoada. Kimbal e a esposa
estavam lá, junto com o primo Russ Rive e a esposa dele. Para mostrar que
haviam se acertado, Amber me enviou fotos e vídeos da noite. Em um deles,
Elon deseja a ela um feliz Ano-Novo e a beija apaixonadamente nos lábios.
Ela chegou à conclusão de que Musk cultivava o drama porque precisava
de muito estímulo para mantê-lo revigorado. Mesmo depois que eles
romperam definitivamente, a chama permaneceu. “Eu o amo muito”, diz
Amber. Ela também o entende bem. “Elon ama o fogo”, comenta ela, “e às
vezes acaba se queimando”.
O fato é que a atração de Musk por Amber era parte de um padrão. “É
muito triste que o Elon se apaixone por pessoas que fazem muito mal a ele”,
diz Kimbal. “Elas são lindas, sem dúvida, mas têm um lado sombrio e o
Elon sabe que são tóxicas.”
Então por que ele faz isso? Quando pergunto a Elon, ele dá uma risada.
“Porque sou um tolo apaixonado”, responde. “Muitas vezes sou um tolo,
mas especialmente quando estou apaixonado.”
Errol e Jana
Elon não via o pai desde o fim de 2002, quando Errol e a família fizeram
uma visita depois da morte do bebê Nevada. Durante a estadia, Elon havia
ficado desconfortável com o carinho do pai pela enteada Jana, então com 15
anos, e o pressionado a voltar para a África do Sul.
No entanto, em 2016, Elon e Kimbal planejaram uma viagem com as
respectivas famílias à África do Sul e decidiram que deveriam ver Errol, que
estava divorciado e havia tido problemas cardíacos. Elon compartilha
algumas coisas com o pai, provavelmente mais do que gostaria de admitir,
inclusive o dia do aniversário: 28 de junho. Então, eles marcaram um
almoço para tentar se reconciliar, pelo menos por um momento, no
aniversário deles — Elon estava completando 45 anos e Errol, 70.
Encontraram-se em um restaurante na Cidade do Cabo, onde Errol
morava. Estavam presentes Kimbal e a nova esposa, Christiana, e Elon e a
atriz Natasha Bassett, com quem ele saía de vez em quando. Justine havia
pedido que os filhos, que foram na viagem, não tivessem contato com Errol,
portanto as crianças deixaram o restaurante pouco antes de o avô chegar.
Antonio Gracias também estava presente e perguntou se podia ir embora.
“Elon pôs a mão na minha perna e pediu: ‘Fica, por favor’”, recorda-se
Gracias. “Foi a única vez que vi as mãos do Elon tremendo.” Quando
entrou no restaurante, Errol elogiou Elon em voz alta pela beleza de
Natasha, o que deixou todos desconfortáveis. “Elon e Kimbal se fecharam,
ficaram silenciosos”, diz Christiana. Após uma hora, disseram que era hora
de ir.
Elon tinha planejado levar Kimbal, Christiana, Natasha e as crianças a
Pretória, para verem onde os dois haviam crescido. Contudo, depois do
encontro com o pai, não havia mais clima. Elon interrompeu a viagem
abruptamente e voou de volta para os Estados Unidos, dizendo aos demais e
a si mesmo que precisava retornar para lidar com a situação do motorista
que havia morrido na Flórida enquanto usava o Autopilot da Tesla.
***
A visita, apesar de breve, parecia anunciar uma détente com o pai, que
poderia, talvez, ter ajudado Elon a domar alguns dos demônios que ainda o
assombravam. Mas isso não aconteceu. Naquele mesmo ano, não muito
depois que Elon partiu da África do Sul, Errol engravidou Jana, que estava
então com 30 anos. “Éramos pessoas solitárias, perdidas”, disse Errol
depois. “Uma coisa levou a outra. Você pode chamar isso de plano divino ou
plano da natureza.”
Quando Elon e os irmãos descobriram, ficaram assustados e furiosos.
“Eu estava, na realidade, gradativamente fazendo as pazes com meu pai”,
diz Kimbal, “mas aí ele teve um filho com a Jana e eu decretei: ‘Acabou,
estou fora. Nunca mais quero falar com você.’ E não falei mais com ele
desde então”.
Logo depois de saber da notícia, no verão de 2017, Elon tinha uma
entrevista agendada com Neil Strauss para uma matéria de capa da Rolling
Stone. Strauss começou a entrevista com uma pergunta sobre o Model 3 da
Tesla. Como acontecia com frequência, Musk simplesmente ficou em
silêncio. Ele estava processando ambas as situações, a com Amber Heard e a
com o pai dele. Sem dar muita explicação, Musk se levantou e saiu.
Depois de mais de cinco minutos, Teller foi buscá-lo. Quando Musk
voltou, ele explicou para Strauss: “Acabei de terminar com minha
namorada. Estava realmente apaixonado, e dói muito.” Mais adiante na
entrevista, ele falou sobre o pai, mas sem mencionar o filho que Errol havia
acabado de ter com Jana. “Ele é um ser humano tão terrível”, disse Musk,
começando a chorar. “Meu pai sempre vai ter um plano maléfico
cuidadosamente urdido. Ele planeja o mal. Quase todo crime no qual você
possa pensar, ele já cometeu.” No perfil que publicou, Strauss destacou que
Musk não entrou em detalhes. “Nitidamente, existe algo que Musk quer
compartilhar, mas não consegue expressar com palavras.”
capítulo 45
Descida para a escuridão
2017
Desautomação
Desde o desenvolvimento das linhas de montagem, no início dos anos 1900,
a maioria das fábricas tem sido projetada em dois estágios. Primeiro, a linha
é organizada com trabalhadores que fazem tarefas específicas em cada
estação. Depois, quando os problemas são resolvidos, robôs e outras
máquinas são gradualmente inseridos para assumir parte do trabalho. Musk
fez o inverso. Em sua visão de uma fábrica moderna do tipo “encouraçado
alienígena”, ele começou automatizando todas as tarefas possíveis.
“Tínhamos uma linha de produção muito automatizada que usava toneladas
de robôs”, diz Straubel. “Só que havia um problema. Não funcionava.”
Certa noite, Musk andava pela fábrica de conjuntos de bateria em
Nevada com seu pelotão — Omead Afshar, Antonio Gracias e Tim
Watkins —, e eles notaram um atraso em uma estação de trabalho na qual
um braço robótico colava células em um tubo. A máquina tinha um
problema para segurar o material e deixá-lo alinhado. Watkins e Gracias
foram até uma mesa e tentaram fazer o processo manualmente. Eles
conseguiam fazer de forma mais confiável. Então chamaram Musk e
calcularam quantos humanos seriam necessários para se livrar da máquina.
Foram contratados trabalhadores para substituir o robô, e a linha de
montagem passou a andar mais rápido.
Musk passou de apóstolo da automação para uma nova missão que
assumiu com zelo similar: encontrar qualquer parte da linha onde houvesse
um atraso e ver se a desautomação poderia torná-la mais rápida.
“Começamos a limar os robôs da linha de produção e a jogá-los no
estacionamento”, conta Straubel. Em um fim de semana, eles marcharam
pela fábrica pintando marcas no maquinário que seria descartado. “Fizemos
um buraco na lateral do prédio só para remover todo o equipamento”, diz
Musk.
O experimento foi uma lição que se tornaria parte do algoritmo de
produção de Musk. Sempre espere até o fim do processo de
desenvolvimento — depois que você questionou todas as especificações e
eliminou as partes desnecessárias — antes de automatizar.
Em abril de 2018, a fábrica de Nevada estava funcionando melhor. O
clima havia esquentado um pouco, então Musk decidiu que ia dormir na laje
da fábrica em vez de dirigir até um hotel de beira de estrada. O assistente
dele comprou barracas e os amigos Bill Lee e Sam Teller se juntaram a ele.
Certa noite, depois de inspecionar as linhas de montagem do módulo e dos
conjuntos até quase a uma da manhã, eles foram para a laje, acenderam uma
pequena fogueira portátil e conversaram sobre o próximo desafio. Musk
estava pronto para dar atenção a Fremont.
***
Um dia, Lars Moravy, um valioso executivo de alto escalão, estava
trabalhando na sede executiva da Tesla, a alguns quilômetros de distância,
em Palo Alto, quando recebeu uma ligação urgente de Omead Afshar
pedindo que fosse até a fábrica. Ao chegar, encontrou Musk sentado de
pernas cruzadas sob o transporte rolante elevado que levava as carrocerias
dos carros pela linha. De novo, Musk estava impressionado com o número
de parafusos que haviam sido especificados. “Por que temos seis aqui?”,
perguntou ele, apontando.
“Para deixá-lo estável numa colisão”, respondeu Moravy.
“Não, o impacto principal numa colisão viria por este anteparo aqui”,
explicou Musk. Ele havia visualizado todos os pontos de pressão e começou
a recitar os números de tolerância em cada ponto. Moravy devolveu aos
engenheiros para que fosse redesenhado e testado.
Em outra estação de trabalho, as carrocerias parcialmente finalizadas do
carro eram presas a uma sapata que as movia através do processo final de
montagem. Os braços robóticos que apertavam os parafusos estavam, Musk
achava, movendo-se muito devagar. “Até eu faria mais rápido”, disse ele.
Então ordenou que os trabalhadores vissem as configurações das chaves de
parafuso, mas ninguém sabia abrir o console de controle. “Ok, vou
simplesmente ficar em pé aqui até que a gente encontre alguém que consiga
abrir o console.” Finalmente, um técnico que conseguia acessar os controles
do robô foi encontrado. Musk descobriu que o robô estava configurado para
20% da velocidade máxima e que a configuração-padrão instruía o braço a
virar o parafuso duas vezes para trás antes de apertá-lo. “As configurações de
fábrica sempre são idiotas”, disse Musk. Então ele rapidamente reescreveu o
código para eliminar as voltas para trás. Depois definiu a velocidade para
100% da capacidade. Isso começou a espanar a rosca, então ele reduziu para
70%. Funcionou direito e reduziu o tempo que levava para prender os carros
nas sapatas para menos da metade.
Uma parte do processo de pintura, uma pintura por eletrodeposição,
envolvia mergulhar a carroceria do carro em um tanque. Áreas da carroceria
têm pequenos buracos para que as cavidades drenem depois do mergulho na
tinta. Esses buracos são então cobertos com remendos de borracha,
conhecidos como remendos butílicos. “Por que estão aplicando isso?”,
perguntou Musk a um dos gerentes da linha, que respondeu ter sido
especificado pelo departamento de estrutura veicular. Então Musk convocou
o chefe do departamento. “Para que diabos serve isso?”, questionou. “Está
atrasando a linha de montagem toda.” Ele foi informado de que, numa
inundação, se a água ficar acima do nível do assoalho, os remendos butílicos
ajudam a evitar que o chão fique encharcado. “Isso é insano”, respondeu
Musk. “Uma inundação desse tipo acontece uma vez a cada dez anos.
Quando acontecer, os tapetes podem molhar.” Os remendos foram
eliminados.
As linhas de produção frequentemente paravam quando os sensores de
segurança eram disparados. Musk chegou à conclusão de que os sensores
eram sensíveis demais, disparando quando não havia um problema real. Ele
testou alguns para ver se algo pequeno, como um pedaço de papel caindo
próximo ao sensor, poderia provocar uma parada. Isso levou a uma cruzada
para eliminar sensores tanto em carros da Tesla quanto em foguetes da
SpaceX. “A menos que um sensor seja absolutamente necessário para ligar
um motor ou pará-lo sem danos antes que exploda, deve ser eliminado”,
escreveu Musk em um e-mail para os engenheiros da SpaceX. “Daqui para a
frente, qualquer um que colocar um sensor (ou qualquer coisa) em um
motor que não seja obviamente indispensável será demitido.”
Alguns dos gerentes apresentaram objeções. Eles achavam que Musk
estava comprometendo a segurança e a qualidade para apressar a produção.
O diretor sênior de qualidade de produção foi embora. Um grupo de atuais
e ex-funcionários disse para a CNBC que eles estavam sendo “pressionados
a cortar caminho para atingir as metas de produção agressivas do Model 3”.
Também disseram que estavam sendo pressionados a fazer consertos
improvisados, como arrumar um suporte de plástico rachado com fita
isolante. O e New York Times noticiou que os funcionários se sentiam
forçados a trabalhar dez horas por dia. “É um constante ‘Quantos carros
fizemos até agora?’, uma pressão incessante para produzir”, declarou um
funcionário ao jornal. Havia um pouco de verdade nas reclamações. O
índice de acidentes de trabalho da Tesla era 30% superior ao das outras
empresas automotivas.
Remoção de robô
Durante o esforço para aumentar a produção na fábrica de baterias de
Nevada, Musk tinha aprendido que certas tarefas, às vezes muito simples,
são desempenhadas melhor por humanos do que por robôs. Com os olhos,
podemos procurar em volta e encontrar a ferramenta certa de que
precisamos. Depois podemos ir até ela, pegá-la com os dedos, ver o lugar
certo para usá-la e guiá-la com nosso braço. Fácil, certo? Não para um robô,
não importa quão boas sejam as câmeras que ele tenha. Em Fremont, onde
cada linha de montagem tinha 1.200 dispositivos robóticos, Musk chegou à
mesma conclusão que chegara em Nevada sobre os riscos de uma
automatização tão implacável.
Perto do fim da linha de montagem havia braços robóticos tentando
ajustar as borrachas vedantes em torno das janelas. Eles estavam tendo
dificuldades. Certo dia, depois de ficar de pé em silêncio na frente dos robôs
obstinados por alguns minutos, Musk tentou fazer a tarefa com as próprias
mãos. Era fácil para um humano. Então deu uma ordem, parecida com a
que dera em Nevada: “Vocês têm 72 horas para remover todas as máquinas
desnecessárias.”
A remoção dos robôs começou mal. As pessoas haviam investido muito
nas máquinas. Mas então virou um tipo de jogo. Musk começou a andar
pela linha, sacudindo uma lata de tinta spray laranja. “Fica ou vai?”,
perguntava ele para Nick Kalayjian, o vice-presidente de engenharia, ou
para outras pessoas. Se a resposta fosse “vai”, a peça era marcada com um X
laranja e os funcionários a tiravam da linha. “Logo ele estava rindo, como
uma criança”, diz Kalayjian.
Musk assumiu a responsabilidade pela automatização excessiva, e chegou
até a anunciar isso publicamente. “A automatização excessiva na Tesla foi
um erro”, tuitou. “Para ser preciso, erro meu. Os humanos são
subestimados.”
Depois da desautomação e de outras melhorias, a fábrica aprimorada de
Fremont estava produzindo 3.500 sedãs Model 3 por semana no fim de
maio de 2018. Era um número impressionante, mas ainda muito abaixo dos
5 mil por semana que Musk tinha prometido para o fim de junho. Os
operadores que apostavam na baixa das ações, com seus espiões e drones,
determinaram que não havia como a fábrica, com suas duas linhas de
montagem, alcançar essa meta. Eles também sabiam que não havia como a
Tesla construir outra fábrica, ou mesmo conseguir autorização para tal, pelo
menos dentro de um ano. “Os operadores achavam que tinham a
informação perfeita”, diz Musk, “e estavam se gabando on-line, dizendo ‘É,
a Tesla está ferrada’”.
A tenda
Musk gosta de história militar, especialmente das histórias sobre o
desenvolvimento de aviões de guerra. Em uma reunião na fábrica de
Fremont no dia 22 de maio, ele recontou uma história sobre a Segunda
Guerra Mundial. Quando o governo precisou acelerar a produção de
bombardeiros, montou linhas de produção nos estacionamentos das
companhias aéreas na Califórnia. Musk discutiu a ideia com Jerome
Guillen, que em breve seria promovido a presidente de automotivos da
Tesla, e ambos decidiram que podiam fazer algo parecido.
Havia uma cláusula no código de zoneamento de Fremont para algo
chamado “instalação temporária de conserto de veículos”, a qual previa que
postos de combustível tivessem permissão de instalar tendas onde pudessem
trocar pneus ou silenciadores. Entretanto, o regulamento não especificava
um tamanho máximo para essas tendas. “Consiga uma dessas autorizações e
comece a construir uma tenda enorme”, disse Musk para Guillen. “Vamos
ter que pagar uma multa depois.”
Naquela tarde, os funcionários da Tesla começaram a limpar os entulhos
que cobriam um velho estacionamento atrás da fábrica. Não havia tempo
para pavimentar o concreto rachado, então eles simplesmente cobriram uma
longa faixa e começaram a construir a tenda em torno dela. Um dos ases de
Musk na construção de fábricas, Rodney Westmoreland, viajou para lá a fim
de coordenar a construção, e Teller reuniu caminhões de sorvete para
entregar as iguarias doces aos que estavam trabalhando ao sol. Em duas
semanas, conseguiram completar uma instalação dentro da tenda que tinha
trezentos metros de comprimento por 45 metros de largura, grande o
suficiente para acomodar uma linha de montagem improvisada. Em vez de
robôs, havia humanos em cada estação de trabalho.
O problema era que eles não tinham uma esteira transportadora para
mover os carros incompletos pela tenda. Só tinham um sistema antigo para
movimentar partes, mas não era poderoso o suficiente para mover as
carrocerias. “Então instalamos com uma ligeira inclinação, e a gravidade
impulsionava os carros a se moverem na velocidade certa”, diz Musk.
Pouco depois das quatro horas da tarde do dia 16 de junho, apenas três
semanas depois de Musk ter a ideia, a nova linha de montagem já estava
produzindo sedãs Model 3 na tenda improvisada. Neal Boudette, do e
New York Times, tinha ido a Fremont para observar Musk em ação e
escrever sobre isso, e pôde ver a tenda sendo construída no estacionamento.
“Se o pensamento convencional torna uma missão impossível”, disse Musk a
ele, “então o pensamento não convencional é necessário”.
Celebração de aniversário
O aniversário de 47 anos de Musk, em 28 de junho de 2018, aconteceu
pouco antes do prazo prometido para atingir a meta de 5 mil carros por
semana. Ele passou a maior parte do dia na estação de pintura da fábrica
principal. “Por que está atrasado?”, perguntava a cada imprevisto e andava
até o ponto de gargalo, onde ficava em pé até um dos engenheiros resolver a
situação.
Amber Heard ligou para desejar feliz aniversário, e depois disso ele
derrubou o telefone, que se quebrou, portanto Musk não estava de bom
humor. Contudo, logo depois das duas da tarde, Teller conseguiu fazê-lo dar
uma pausa e levá-lo para uma rápida celebração na sala de conferências.
“Aproveite o ano 48 da simulação!”, estava escrito com glacê no bolo de
sorvete que Teller tinha comprado. Não havia facas ou garfos, então eles
comeram com as mãos.
Doze horas depois, pouco após as duas e meia da manhã, Musk
finalmente deixou o chão de fábrica e voltou para a sala de conferências. No
entanto, ainda levaria mais uma hora para que conseguisse dormir. Em vez
disso, ele assistiu em um dos monitores ao lançamento de um foguete da
SpaceX em Cabo Canaveral. O foguete estava carregando um assistente
robótico junto com suprimentos que incluíam sessenta pacotes de café
supercafeinado Death Wish Coffee para os astronautas na Estação Espacial
Internacional. O lançamento aconteceu com perfeição, tornando-se a 15a
missão de carga bem-sucedida que a SpaceX fazia para a NASA.
O dia 30 de junho, o prazo estabelecido por Musk para chegar à meta de
5 mil carros por semana, era um sábado, e, quando ele acordou no sofá da
sala de conferências naquela manhã e olhou os monitores, percebeu que iam
conseguir. Musk trabalhou por algumas horas na linha de pintura, depois
saiu correndo da fábrica, ainda usando luvas protetoras, e entrou em seu
avião, rumo à Espanha, para chegar a tempo de ser padrinho de casamento
de Kimbal em uma vila catalã medieval.
À 1h53 da manhã no domingo, dia 1o de julho, um Model 3 preto foi
expelido da fábrica com uma faixa no para-brisa em que se lia “5.000”.
Quando Musk recebeu uma fotografia desse carro no iPhone, enviou uma
mensagem para todos os funcionários da Tesla: “Conseguimos! (...) Criamos
soluções totalmente novas que diziam ser impossíveis. Foi intenso, em
tendas.* Não importa. Funcionou... Acho que acabamos de nos tornar uma
empresa automotiva de verdade.”
O algoritmo
Em qualquer reunião de produção, seja na Tesla, seja na SpaceX, há uma
chance nada trivial de Musk entoar, como um mantra, o que ele chama de
“o algoritmo” — elaborado a partir das lições que aprendeu durante as ondas
infernais de produção nas fábricas de Nevada e Fremont. Seus executivos às
vezes movem os lábios e repetem as palavras, como se entoassem a liturgia
junto com o padre. “Eu me tornei um disco arranhado falando do
algoritmo”, diz Musk. “Mas acho que é útil dizer até incomodar.” Eram
cinco mandamentos:
Nunca peça à sua tropa para fazer algo que você não quer fazer.
Sempre que houver problemas a resolver, não se reúna só com seus
gerentes. Pule um nível e se reúna com quem está logo abaixo dos
gerentes.
As únicas regras são as que são ditadas pelas leis da física. Tudo o mais é
uma recomendação.
Na linha de montagem
* Em inglês, “intense in tents”, um famoso trocadilho com as palavras “intense” [intenso] e “in tents”
[em tendas], que brinca com a dificuldade de acampar e é usado para se referir a algo complicado. [N.
da E.]
capítulo 47
Aviso de malha aberta
2018
***
***
***
* O processo de difamação, que incluiu os e-mails para o BuzzFeed, foram a julgamento em Los
Angeles em 2019. Em seu depoimento, Musk se desculpou e disse não acreditar que o explorador de
cavernas fosse um pedófilo. O júri absolveu Musk.
capítulo 48
Radioatividade
2018
Lança-chamas
Musk havia ido ao estúdio de Joe Rogan com um presente para o anfitrião
do podcast: um lança-chamas de plástico com o logo da e Boring
Company. Eles brincaram juntos com o presente, alegremente ativando a
curta chama de propano, enquanto Sam Teller e a equipe do estúdio
desviavam e riam.
O lança-chamas era uma boa metáfora para o próprio Musk. Ele se
divertia em deixar escapar comentários dignos de chamuscar as
sobrancelhas. A ideia surgiu depois que a empresa licenciou bonés com os
dizeres e vendeu 15 mil unidades. “O que podemos
fazer agora?”, perguntou Musk. Alguém sugeriu um lança-chamas de
brinquedo, ao que ele respondeu: “Meu Deus, vamos fazer.” Ele era fã de
S.O.S.: Tem um louco solto no espaço, uma paródia de Mel Brooks à saga Star
Wars que tem uma cena na qual um personagem parecido com Yoda
anunciava os produtos do filme à venda, culminando com a frase “Leve o
lança-chamas para casa”. Os filhos de Musk amavam aquela frase.
Steve Davis, que comandava a e Boring Company, encontrou um
protótipo relativamente seguro capaz de derreter neve e chamuscar
pequenos gravetos, mas que, em termos técnicos, não era quente o suficiente
para ser regulamentado como lança-chamas. Eles começaram a anunciá-lo,
ironicamente, como “não é um lança-chamas”, para evitar problemas com a
lei. Os termos e as condições declaravam:
***
O jeito pateta de Musk é o outro lado do seu modo demoníaco. Quando ele
está nos momentos mais sombrios, frequentemente alterna entre raiva e
estrondosas gargalhadas.
O humor dele tem muitos níveis. O mais baixo é a afeição pueril por
emojis de cocô, sons de pum programados no Tesla e outras demonstrações
de humor escatológico. Dê a ordem “Abrir ânus” para o console de um Tesla
e o carro abre uma porta na traseira do veículo.
Musk também tem um humor mordaz, irônico, demonstrado por um
pôster na parede da baia dele na SpaceX. A imagem mostra um céu azul-
escuro estrelado onde se vê uma estrela cadente, e um texto diz: “Quando
você faz um pedido para uma estrela cadente, seus sonhos podem se tornar
realidade. A menos que seja um meteoro vindo em direção à Terra que
destruirá toda a vida no planeta. Nesse caso você está ferrado, não importa o
que desejou. A menos que seu desejo seja morrer atingido por um
meteorito.”
O tipo mais profundamente enraizado de humor de Musk é uma
esperteza divertida e metafísica da ciência geek que ele absorveu quando leu
e releu o livro de Douglas Adams, O guia do mochileiro das galáxias. Em
meio à sua crise em 2018, Musk decidiu lançar seu velho Tesla Roadster
vermelho-cereja no espaço sideral, em uma órbita que iria, depois de quatro
anos, levá-lo para perto de Marte. Ele fez isso no primeiro lançamento do
novo Falcon Heavy, um foguete de 27 motores construído a partir da junção
de três foguetes auxiliares Falcon 9. O Tesla tinha um exemplar de O guia do
mochileiro das galáxias no porta-luvas e um cartaz no painel com
!, regra extraída do livro.
JB Straubel sai
Não foi surpresa que muitos dos principais executivos de Musk tenham
fugido durante o inferno da produção de 2018 e da tempestade que se
seguiu. Jon McNeill, o presidente da Tesla que supervisionava vendas e
marketing, havia assumido o papel de ajudar Musk durante as crises de
sofrimento mental que o acometiam, como fez quando ele estava deitado no
chão da sala de conferências. “Estava ficando absolutamente exaustivo para
mim”, diz McNeill. Ele foi até Musk em janeiro de 2018, incentivou-o a
procurar ajuda psicológica e disse: “Adoro você, mas não consigo mais
continuar assim.”
Doug Field, o vice-presidente sênior de engenharia, era cogitado como
futuro CEO da Tesla. Musk, contudo, perdeu a confiança nele no início do
inferno da onda e o tirou do papel de supervisor de produção. Ele saiu para
ir trabalhar na Apple e depois na Ford.
A saída mais importante, pelo menos dos pontos de vista simbólico e
emocional, foi a de JB Straubel, o animado cofundador que havia
acompanhado Musk por dezesseis anos, desde o jantar deles em 2003,
quando Straubel exaltou a possibilidade de usar baterias de íon de lítio para
fazer carros elétricos. No fim de 2018, ele tirou longas férias, as primeiras
férias de verdade em quinze anos. “Meu nível percentual de felicidade estava
baixo e tendendo a cair”, diz. Ele estava se divertindo muito mais num
empreendimento secundário que havia fundado, a Redwood Materials, cujo
objetivo era reciclar baterias de íon de lítio de carros. Outro fator foi o
comportamento de Musk na época. “Ele estava sofrendo, e por isso se
mostrava mais temperamental que de costume”, explica Straubel. “Eu me
senti terrível por ele e tentei ajudá-lo como amigo, mas não consegui.”
Geralmente, Musk não é sentimental com a partida das pessoas. Ele
gosta de sangue novo. O que o preocupa mais é um fenômeno que chama de
“ricos preguiçosos”, ou seja, pessoas que trabalham por muito tempo na
empresa e, como já adquiriram dinheiro suficiente e casas de veraneio, não
têm mais o apetite para passar a noite toda no chão de fábrica. Mas, no caso
de Straubel, para além da confiança profissional, Musk sentia uma afeição
pessoal. “Fiquei um pouco surpreso com a relutância de Elon em aceitar
minha demissão”, diz Straubel.
Durante o início de 2019, eles tiveram várias conversas e Straubel foi
capaz de perceber as complexidades das oscilações emocionais de Musk.
“Ele pode mudar, normalmente sem aviso, de um humor muito emotivo e
humano para o exato oposto disso”, diz Straubel. “Às vezes ele pode ser
extremamente amável e carinhoso, de forma chocante até, e você pensa Ah,
meu Deus, é verdade, já passamos por grandes dificuldades juntos e temos uma
ligação profunda, e eu te amo, cara. Então isso se mistura àquele olhar vazio,
quando parece que ele está olhando através de você sem emoção alguma.”
O plano que eles elaboraram era anunciar a saída de Straubel da Tesla na
reunião anual de junho de 2019, que seria realizada no Museu da História
do Computador, perto de Palo Alto. Considerando o local, seria uma
chance de andar pela história da Tesla, que em dezesseis anos deixou de ser
um sonho para se transformar na rentável pioneira da era dos veículos
elétricos. Em seguida, eles apresentariam o sucessor de Straubel, Drew
Baglino, um veterano que estava na empresa havia doze anos. Straubel e
Baglino tinham a mesma linguagem corporal e modos esguios, além de uma
profunda afeição.
Nos bastidores, antes do evento, Musk repensou se faria o anúncio da
saída de Straubel. “Estou com um mau pressentimento sobre isso”, disse.
“Não acho que a gente deva fazer o anúncio hoje.” Straubel ficou aliviado,
porque lidar com a própria saída estava sendo emocionalmente difícil.
Musk fez a primeira parte da apresentação sozinho. “Foi um ano
infernal”, começou ele, uma frase que era verdadeira em muitos níveis. O
Model 3 estava, na época, vendendo mais que todos os concorrentes juntos
— a gasolina e elétricos — na categoria de carro de luxo e era o carro mais
vendido em receita nos Estados Unidos. “Há dez anos, ninguém teria
acreditado que isso poderia acontecer”, disse Musk. O humor tolo dele veio
à tona por um momento. Ele começou a rir com o “aplicativo de pum”, o
qual permitia que os motoristas do Tesla, ao apertar um botão, fizessem o
assento do passageiro emitir um som de pum quando alguém se sentasse.
“Talvez seja meu melhor trabalho”, falou Musk.
Ele também, como sempre, prometeu que os Teslas autônomos estavam
próximos. “Esperamos apresentar a autonomia completa até o fim deste
ano”, declarou — mais um ano em que isso era prometido. “Esse carro deve
ser capaz de ir da garagem da sua casa até o estacionamento do trabalho sem
intervenção.” Uma pessoa da plateia foi até o microfone e o desafiou,
quando disse que as promessas anteriores que ele fizera não haviam se
concretizado. Musk riu, pois sabia que o interlocutor estava certo. “Pois é, às
vezes eu sou um pouquinho otimista demais com relação a prazos”, disse
ele. “Vocês já devem ter percebido, não é? Mas será que eu estaria fazendo
isso se não fosse otimista? Jesus!” A plateia aplaudiu. Eles entendiam a
piada.
Quando Musk convidou Straubel e Baglino ao palco, houve aplausos.
Entre os fãs da Tesla, eles eram astros queridos. Straubel disse com afeição
genuína: “Drew se juntou à minha equipe alguns anos depois da fundação
da empresa, quando meu time era pequeno, apenas cinco ou dez pessoas, e
desde então ele tem sido meu braço direito, fez parte de todos os principais
projetos que toquei.” Esse seria o momento em que Straubel anunciaria a
aposentadoria, assim havia planejado. Em vez disso, Straubel e Musk
aproveitaram a ocasião para relembrar o passado. “Lembro da origem da
Tesla, em 2003, quando JB e eu almoçamos com Harold Rosen”, disse
Musk. “É, aquela foi uma boa conversa.”
“Nós não previmos exatamente como as coisas aconteceriam”,
acrescentou Straubel.
“Eu tinha certeza absoluta de que não ia dar certo”, falou Musk. “Em
2003, as pessoas achavam que carros elétricos eram a coisa mais estúpida do
mundo, ruim em todos os sentidos, algo como um carrinho de golfe.”
“Mas era algo que precisava ser feito”, disse Straubel.
Durante uma reunião de resultados algumas semanas depois, Musk
anunciou casualmente a saída de Straubel. O respeito de Musk por ele,
entretanto, permaneceu. Em 2023, ele iria convidar Straubel para fazer
parte do conselho da Tesla.
capítulo 49
Grimes
2018
Claire Boucher, conhecida como Grimes, vestida para uma apresentação; com
Musk no Met Gala
em+cb
De vez em quando, frequentemente nos momentos mais complexos, os
Criadores da Nossa Simulação — os patifes que conjuram aquilo que somos
levados a acreditar ser realidade — apresentam um novo elemento brilhante,
que cria novas e caóticas subtramas. E foi exatamente assim que, na
primavera de 2018, em meio ao tsunami emocional causado pelo
rompimento com Amber Heard, surgiu na vida de Musk uma franzina
tecelã de sons: Claire Boucher, conhecida como Grimes, uma artista
performática inteligente e hipnótica, cujo aparecimento acarretaria três
novos filhos, intermitentes períodos de vida doméstica e até mesmo uma
batalha pública com uma rapper instável.
Nascida em Vancouver, Grimes havia produzido quatro álbuns na época
em que começou a sair com Musk. Baseando-se em temas e memes de
ficção científica, ela combinava de forma hipnotizante textura sonora com
elementos de dream pop e música eletrônica. Uma intrépida curiosidade
intelectual a levou a se interessar por ideias ecléticas, como um experimento
mental conhecido como Basilisco de Roko, o qual postula que a inteligência
artificial poderia sair de controle e torturar qualquer humano que não a
tenha ajudado a ganhar poder. Esse é o tipo de coisa com as quais ela e
Musk se preocupam. Quando Musk quis tuitar um trocadilho sobre o
assunto, deu uma busca no Google para encontrar uma imagem e então
descobriu que Grimes havia transformado isso em um elemento do
videoclipe “Flesh Without Blood”, de 2015. Ela e Musk deram início a
uma conversa no Twitter, que, à maneira moderna, acabou em trocas de
mensagens privadas em redes sociais e mensagens de celular.
Os dois já haviam se encontrado antes — ironicamente, quando Musk
estava em um elevador com Amber Heard. “Você se lembra daquele
encontro no elevador?”, perguntou Grimes durante uma conversa que tive
com ela e Musk tarde da noite. “Foi superestranho.”
“De tantos momentos em que a gente podia ter se encontrado...”,
concordou Musk. “Você estava me encarando muito intensamente.”
“Não”, corrigiu ela, “era você que estava me encarando com um olhar
estranho”.
Depois que se reencontraram na conversa sobre o Basilisco de Roko no
Twitter, Musk a convidou para voar até Fremont e visitar a fábrica dele, sua
ideia de um bom encontro. Era fim de março de 2018, durante o frenesi
enlouquecido para fazer 5 mil carros por semana. “Nós simplesmente
andamos pelo chão de fábrica a noite toda, e eu o vi tentar consertar coisas”,
conta Grimes. Na noite seguinte, enquanto a levava a um restaurante, ele
mostrou quão rápido o carro acelerava, depois tirou as mãos do volante,
cobriu os próprios olhos e a deixou experimentar o Autopilot. “Fiquei, tipo,
esse cara é muito louco”, diz ela. “O carro dava a seta e mudava de pista
sozinho. Parecia uma cena de filme da Marvel.” No restaurante, ele escreveu
+ na parede.
Quando ela comparou os poderes dele aos de Gandalf, Musk fez um quiz
com ela sobre O Senhor dos Anéis. Ele queria testar se ela era realmente fã.
Ela passou no teste. “Era importante para mim”, diz Musk. Grimes deu de
presente para ele uma caixa de ossos de animais que havia colecionado. À
noite, eles ouviam “Hardcore History”, de Dan Carlin, e outros podcasts de
história e audiolivros. “A única maneira de eu estar em um relacionamento
sério é se a pessoa com quem estou também for capaz de ouvir, tipo, uma
hora de história de guerra antes de dormir”, diz ela. “Elon e eu passamos
por muitos assuntos, como Grécia Antiga, Napoleão e as estratégias
militares da Primeira Guerra Mundial.”
Tudo isso estava acontecendo enquanto Musk passava por suas crises
mentais e de trabalho em 2018. “Cara, você realmente parece estar com a
cabeça bem cheia”, disse Grimes para ele. “Quer que eu traga meu material
de música para cá e trabalhe na sua casa?” Musk respondeu que gostaria
disso. Não queria ficar sozinho. Ela achou que ficaria com ele por algumas
semanas, até que a turbulência emocional abrandasse. “Mas a tempestade
meio que nunca passou, e então você já está embarcado, viajando, e eu
simplesmente fui ficando ali.”
Ela foi com Musk à fábrica em algumas noites quando ele estava no
modo batalha. “Elon está sempre procurando pelo que está errado com o
motor, o que está errado com o mecanismo, o escudo térmico, a válvula de
oxigênio líquido”, diz ela. Certa noite, eles saíram para jantar e Musk de
repente ficou em silêncio, pensando. Depois de um minuto ou dois, ele
perguntou se ela tinha uma caneta. Ela tirou um delineador da bolsa. Musk
pegou e começou a desenhar em um guardanapo uma ideia para modificar
um escudo térmico do motor. “Percebi que, mesmo quando estava com ele,
havia momentos em que a mente dele ia para outro lugar, geralmente para
algum problema do trabalho”, comenta Grimes.
Em maio, Musk tirou uma breve folga do inferno de produção na fábrica
da Tesla e foi com ela a Nova York para participar do evento anual de gala
do Metropolitan Museum, uma extravagância cintilante em que as pessoas
exibem uma moda fora do comum e fantasias. Musk sugeriu ideias para o
traje dela, um conjunto punk medieval em preto e branco com espartilho de
vidro rígido e um colar feito de pontas que lembravam o logotipo da Tesla.
Ele até conseguiu alguém da equipe de design da Tesla para ajudar Grimes a
produzi-la. Ele usou uma camisa branca com um colarinho clerical e um
smoking branco puro com uma discreta inscrição novus ordo seclorum, uma
frase em latim que anuncia uma nova ordem dos tempos.
Batalha de rap
Embora quisesse ajudar Musk durante a crise, Grimes não era uma
influência tranquila. A intensidade que a tornava uma artista ousada trazia
junto um estilo de vida confuso. Ela ficava acordada boa parte da noite e
dormia durante o dia. Grimes era exigente e não confiava na equipe que
cuidava dos afazeres domésticos de Musk, bem como tinha um
relacionamento difícil com Maye.
Musk era viciado em drama e Grimes tinha uma característica que
intensificava isso: era um ímã para drama. Ela atraía situações dramáticas,
fosse de propósito ou não. Bem quando o incidente da caverna tailandesa e a
confusão sobre tornar a Tesla uma empresa privada estavam saindo de
controle, em agosto de 2018, Grimes convidou a rapper Azealia Banks para
ficar com ela na casa de Musk e colaborar em algumas músicas. Ela havia
esquecido que tinha feito planos com Musk de visitar Kimbal em Boulder.
Grimes disse a Banks que ela poderia ficar na casa de hóspedes no fim de
semana. Naquela manhã de sexta, três dias depois do tuíte sobre tornar a
Tesla uma empresa privada, Musk se levantou, se exercitou, fez algumas
ligações e viu de relance Banks na casa. Quando está concentrado em outras
coisas, ele não presta muita atenção no que acontece ao redor. Musk não
sabia ao certo quem vinha a ser ela, apenas que era amiga de Grimes.
Chateada por Grimes ter cancelado a sessão de gravação delas para ficar
com Musk, Banks soltou uma sequência de ofensas em seu perfil do
Instagram, que tinha muitos seguidores. “Esperei o fim de semana todo
enquanto grimes mimava o namorado por ser estúpido demais para saber
que não se entra no twitter sob efeito de ácido”, postou. Isso era mentira
(Musk nunca usou ácido), mas compreensivelmente instigou não apenas a
imprensa, como também a SEC. Os posts de Banks sobre Grimes e Musk
se tornaram progressivamente mais insanos:
Quando a Business Insider fez uma entrevista por telefone com Banks, ela
ligou a situação ao compromisso de Musk de tornar a Tesla uma empresa
privada, o que deixou as coisas legalmente piores. “Eu o vi na cozinha com o
rabinho entre as pernas, pedindo que investidores salvassem o traseiro dele
depois daquele tuíte”, disse ela. “Ele estava estressado e com o rosto
vermelho.”
Até então, histórias malucas envolvendo Musk tinham uma vida útil
curta. Essa história foi sensação nos tabloides por cerca de uma semana,
depois começou a sumir quando Banks postou um pedido de desculpa.
Grimes conseguiu transformar a situação em munição para uma música.
Em 2021, lançou uma faixa chamada “100% Tragedy”, que era sobre “ter
que derrotar Azealia Banks quando ela tentou destruir minha vida”.
Muitos tons de Musk
Apesar de dramas desse tipo, Grimes era uma boa companheira para Musk.
Como Amber Heard (e o próprio Musk), também era atraída pelo caos,
mas, diferentemente da ex de Musk, o caos de Grimes era fortalecido pela
bondade e até pela doçura. “Meu alinhamento no Dungeons and Dragons era
caoticamente bom”, diz, “enquanto o da Amber deve ser caoticamente
mau”. Ela percebeu que era isso que tornava Amber atraente para Musk.
“Ele é atraído pelo caos ruim. É por causa do pai dele e da infância que teve,
e ele logo se deixa ser maltratado. Associa amor a ser mau ou abusivo. Há
uma ligação entre Errol e Amber.”
Grimes gostava da intensidade dele. Certa noite foram assistir ao filme
Alita: Anjo de combate, em 3-D, mas quando chegaram não havia mais
óculos. Musk insistiu que ficassem e assistissem de qualquer maneira,
mesmo que a tela fosse parecer completamente desfocada. Quando Grimes
estava fazendo as gravações de vozes para a ciborgue popstar a quem ela
dava vida no jogo Cyberpunk 2077, ele apareceu no estúdio sacudindo uma
arma de 200 anos e insistiu que o deixassem fazer uma ponta. “Os caras do
estúdio começaram a suar”, conta Grimes. Musk acrescenta: “Eu disse a eles
que estava armado, mas que não era perigoso.” Eles cederam. Os implantes
cibernéticos no jogo eram uma versão de ficção científica do que Musk
estava fazendo na Neuralink. “Isso me chamou a atenção”, diz.
A percepção básica dela quanto a Musk era a de ele ser diferente dos
outros. “A síndrome de Asperger torna você uma pessoa muito difícil”,
comenta Grimes. “Ele não é bom em sentir o clima. A compreensão
emocional dele é bastante diferente da que as pessoas comuns têm.” As
pessoas deveriam ter em mente a constituição psicológica de Musk quando
o julgam, argumenta ela. “Se alguém tem depressão ou ansiedade, nós
somos empáticos; se tem Asperger, dizemos que é um babaca.”
Grimes aprendeu a lidar com as muitas personalidades de Musk. “Ele
tem diversas mentes e muitas personalidades bem distintas”, diz, “e transita
entre elas em alta velocidade. Você simplesmente sente o clima mudar na
sala e de repente toda a situação simplesmente passa para o outro estado
dele.” Ela notou que as personalidades diferentes têm diferentes gostos,
mesmo com relação a música e decoração. “A minha versão favorita do E é a
que gosta do Burning Man, dorme no sofá, come sopa enlatada e é
relaxado.” A bête noire é o Elon que ela chama de modo demoníaco. “O
modo demoníaco é quando ele fica sombrio e se esconde dentro da
tempestade no próprio cérebro.”
Certa noite, enquanto jantavam com um grupo, eu percebi o momento
em que o clima pesou e o humor dele mudou. Grimes se afastou. “Quando
ficamos juntos, eu me asseguro que estou com o Elon certo”, explicou ela
depois. “Há alguns caras naquela mente que não gostam de mim, e eu não
gosto deles.”
Às vezes, uma das versões de Elon vai parecer não se lembrar do que a
outra fez. “Você vai dizer coisas para ele e depois ele simplesmente não vai
se recordar de nada, porque estava em um espaço cerebral”, diz Grimes. “Se
ele estiver concentrado em algo em particular, não vai receber estímulo, não
vai absorver nenhuma informação do mundo externo. As coisas podem estar
bem na frente dos olhos dele, mas Elon não vai ver.” Igual a como acontecia
na época da escola.
Durante a turbulência emocional de 2018 na Tesla, ela tentou fazê-lo
relaxar. “Nem tudo precisa ser ruim”, disse para Musk certa noite. “Você não
precisa ficar eufórico com tudo o tempo todo.” Grimes também entendia,
de maneiras que outras pessoas não entendem, que a inquietação de Musk
era um dos motores do sucesso dele. Assim como o modo demoníaco,
embora ela tenha demorado mais a valorizar esse aspecto. “O modo
demoníaco causa muito caos”, diz Grimes, “mas também faz as coisas
acontecerem”.
capítulo 50
Xangai
Tesla, 2015-2019
***
O grande desafio de Ren era encontrar uma forma de fabricar na China. Ele
podia ou insistir até dissuadir a resistência de Musk e fazer a Tesla criar uma
joint-venture, que era o que todas as outras empresas automotivas tinham
feito, ou convencer os principais líderes chineses a mudar a lei que havia
definido o crescimento industrial chinês por três décadas. Descobriu que
esta última opção era mais fácil. Mês após mês, Ren fez lobby junto ao
governo chinês. O próprio Musk voltou para lá em abril de 2017 a fim de se
encontrar com os líderes chineses novamente. “Nós continuávamos a
explicar por que seria bom para a China deixar a Tesla construir uma fábrica
automotiva, mesmo que não fosse uma joint-venture”, diz Ren.
Como parte dos planos do presidente Xi Jinping de fazer do país um
centro da inovação na energia limpa, a China finalmente concordou, no
início de 2018, em deixar a Tesla construir uma fábrica sem ter que entrar
numa joint-venture. Ren e sua equipe conseguiram negociar um acordo por
mais de oitenta hectares perto de Xangai com empréstimos a juros baixos.
Ren voltou para os Estados Unidos com o propósito de discutir o acordo
com Musk em fevereiro de 2018. Infelizmente, Musk encontrava-se em
meio ao inferno de produção na fábrica de baterias em Nevada, e estava em
tal frenesi andando pelo chão de fábrica que Ren não foi capaz de conseguir
encurralá-lo para uma conversa. Os dois foram para Los Angeles juntos
naquela noite, mas só depois de pousarem Ren conseguiu conversar com ele.
Ren começou a mostrar uma sequência de slides com mapas, condições de
financiamento e termos do acordo, mas Musk não olhou para aquilo. Em
vez disso, ficou olhando para fora da janela do avião dele por quase um
minuto. Então encarou Ren e disse: “Você acredita que é a coisa certa a se
fazer?” Ren ficou tão desconcertado que parou por alguns segundos antes de
responder que sim. “Ok, vamos nessa”, decretou Musk e saiu do avião.
A cerimônia formal de assinatura com os líderes chineses aconteceu em
10 de julho de 2018. Musk foi a Xangai saído direto da caverna na
Tailândia, onde esteve com água até a cintura para entregar o
minissubmarino que havia construído para resgatar os jovens jogadores de
futebol. Ele trocou de roupa e vestiu um terno escuro, então ficou de pé
rigidamente no salão de banquetes vermelho enquanto todos trocavam
brindes. Os primeiros modelos Tesla começaram a sair da fábrica em
outubro de 2019. Em dois anos, a China estaria fabricando mais da metade
dos veículos da empresa.
capítulo 51
Cybertruck
Tesla, 2018-2019
***
Mark Juncosa
Em meio ao infernal verão de 2018, o sentido-aranha de Musk o estava
alertando para algo errado na Starlink. Os satélites eram grandes demais,
caros e difíceis de fabricar. Para conseguir uma escala lucrativa, eles teriam
que ser fabricados por um décimo do custo e dez vezes mais rápido. A
equipe da Starlink, porém, não parecia sentir essa urgência, o que para
Musk é um pecado capital.
Por isso, numa noite de domingo, em junho, sem muito alarde, ele voou
até Seattle para demitir toda a equipe de chefes da Starlink. Musk levou
consigo oito de seus mais experientes engenheiros de foguetes da SpaceX.
Nenhum deles sabia muito sobre satélites, mas todos sabiam como resolver
problemas de engenharia e aplicar o algoritmo de Musk.
O engenheiro que ele escolheu para assumir o comando foi Mark
Juncosa, que já era encarregado da engenharia estrutural na SpaceX. Isso
tinha como vantagem a integração do design e da produção de todos os
produtos da empresa, desde foguetes auxiliares até satélites, sob o controle
de um único gestor. O fato de esse gestor ser Juncosa era outra vantagem,
porque ele é um engenheiro febrilmente brilhante, capaz de fundir a mente
com a de Musk.
Juncosa cresceu como um surfista magricela no sul da Califórnia,
profundamente apaixonado pelo clima, pela cultura e pela atmosfera do
local, mas sem se deixar influenciar por aquela languidez despreocupada.
Ele usa o iPhone como fidget spinner, girando-o entre o polegar e o
indicador com a mágica de um equilibrista circense, e fala como uma
metralhadora de exclamações, cheias de “sabe”, “tipo” e “uau, cara”.
Juncosa estudou em Cornell, onde participou da equipe de Fórmula 1 da
faculdade. Em seu primeiro emprego, fabricava carrocerias de carros,
aproveitando as habilidades de construir pranchas, e depois foi integrado à
equipe de engenharia. “Eu, tipo, me apaixonei por aquilo, sabe, e fiquei, tipo
assim, sério, eu nasci para isso, cara”, diz ele.
Em uma visita a Cornell em 2004, Musk enviou um bilhete para alguns
professores de engenharia convidando-os a levar um ou dois alunos
prediletos para um almoço. “Foi, tipo, sabe, você quer comer de graça com
esse ricaço?”, conta Juncosa. “Superquero, estou dentro, claro.” Quando
Musk descreveu o que estava fazendo na SpaceX, Juncosa pensou: Cara, esse
sujeito é muito doido, e acho que vai perder todo o dinheiro, mas ele parece
superesperto e motivado, e eu gosto do estilo dele. No momento em que Musk
lhe ofereceu um emprego, ele aceitou na hora.
Juncosa impressionou Musk com seu jeito de correr riscos e quebrar
regras. Quando estava supervisionando o desenvolvimento da cápsula
Dragon, que leva carga do Falcon 9 até a órbita, ele foi repreendido várias
vezes pelo gerente de garantia de qualidade da SpaceX por não preencher a
papelada adequadamente. A equipe de Juncosa projetava a cápsula durante o
dia e passava a maior parte da noite construindo-a. “Eu disse para o cara
que a gente não tinha tempo pra documentar nossas ordens de serviço e
checagens de qualidade, a gente simplesmente ia construir e testar no final”,
diz ele. “O cara da qualidade ficou bem irritado, e com razão, e aí a gente foi
parar na baia do Musk, discutindo isso.” Musk ficou agitado e começou a
dar uma bronca no gerente de qualidade. “Foi muito tenso, mas ele e eu
estávamos superdecididos a fazer essa cápsula porque existia o risco de o
dinheiro acabar”, explica Juncosa.
Starlinks aprimorados
Quando assumiu a Starlink, Juncosa jogou fora o design existente e
recomeçou desde os princípios básicos, questionando todas as especificações
com base na física elementar. O objetivo era construir o satélite de
comunicação da forma mais simples possível e depois acrescentar os
penduricalhos. “Tínhamos reuniões que pareciam maratonas, e Elon insistia
em cada detalhe”, diz Juncosa.
Por exemplo, as antenas do satélite ficavam em uma estrutura à parte do
computador de voo. Os engenheiros haviam decretado que essas partes
ficassem termicamente isoladas umas das outras. Juncosa perguntara a razão
disso. Quando disseram que as antenas podiam superaquecer, ele pediu para
ver os dados dos testes. “Ao perguntar ‘por quê’ pela quinta vez, as pessoas
estavam tipo: ‘Caramba, talvez a gente devesse fazer um componente
integrado.’”
No fim do processo de design, Juncosa tinha transformado um ninho de
ratos em um satélite simples e plano. Esse satélite tinha o potencial de ser
muito mais barato. Era possível carregar uma quantidade duas vezes maior
na ogiva do Falcon 9, o que duplicava o número de satélites que cada voo
era capaz de colocar em órbita. “Eu fiquei, tipo, bem feliz com isso”, diz
Juncosa. “Fiquei ali pensando como eu tinha sido esperto.”
Musk, porém, continuava esquadrinhando todos os detalhes. Quando os
satélites foram lançados em um Falcon 9, havia conexões ligando cada
satélite ao solo para que eles fossem lançados um por vez e não esbarrassem
uns nos outros. “Por que não lançar todos de uma vez?”, perguntou ele. De
início, Juncosa e os outros engenheiros acharam que isso era maluquice. Eles
tinham medo de colisões. No entanto, Musk disse que o movimento da
espaçonave faria com que os satélites se separassem naturalmente. Se por
acaso eles se chocassem, seria algo lento e inofensivo. Então, eles se livraram
dos conectores, o que significou uma pequena economia de custo,
complexidade e massa. “A vida ficou muito mais fácil por termos reunido
essas partes”, diz Juncosa. “Eu fui bundão demais para sugerir isso, mas o
Elon fez a gente tentar.”
Em maio de 2019, o design do Starlink simplificado estava completo, e o
foguete Falcon 9 começou a lançá-los em órbita. Quatro meses depois,
quando entraram em operação, Musk estava em sua casa no sul do Texas e
postou no Twitter: “Publicando este tuíte por meio de um satélite da
Starlink no espaço.” Agora ele podia tuitar usando sua própria internet.
capítulo 53
Starship
SpaceX, 2018-2019
A sala de estar e o quintal de Musk em Boca Chica; Bill Riley e Mark Juncosa
Grande foguete
Se o objetivo de Musk fosse criar uma empresa lucrativa de foguetes, ele
poderia ter se permitido reunir suas conquistas e relaxar depois de ter
sobrevivido a 2018. O Falcon 9 reutilizável havia se tornado o foguete mais
eficiente e confiável do mundo, e ele tinha desenvolvido os próprios satélites
de comunicação, que posteriormente proporcionariam uma receita
abundante.
O objetivo dele, porém, não era meramente se tornar um empreendedor
espacial. Era levar a humanidade a Marte. E não seria possível fazer isso em
um Falcon 9 nem em seu irmão mais reforçado, o Falcon Heavy. Os Falcons
só eram capazes de voar até uma certa altura. “Eu podia ganhar muito
dinheiro, mas não teria como tornar a vida multiplanetária”, diz ele.
Foi por isso que em setembro de 2017 ele anunciou que a SpaceX iria
desenvolver um foguete reutilizável muito maior, o mais alto e mais
poderoso já construído. Musk deu ao grande foguete o codinome de BFR.
Um ano depois, ele tuitou: “Rebatizando o BFR como Starship.”
O sistema Starship teria um foguete auxiliar no primeiro estágio e uma
espaçonave no segundo estágio que, juntos, somariam quase 120 metros de
altura, 50% mais alto do que o Falcon 9 e dez metros mais alto do que o
foguete Saturno V usado pela NASA no programa Apollo, na década de
1970. Com 33 motores auxiliares, seria capaz de lançar mais de cem
toneladas de carga em órbita, quatro vezes mais do que o Falcon 9. E, em
algum momento, conseguiria transportar cem passageiros para Marte.
Embora estivesse assoberbado com as fábricas da Tesla de Nevada e de
Fremont, Musk encontrava tempo toda semana para dar uma olhada nas
renderizações dos serviços e das comodidades que a Starship ofereceria aos
passageiros durante uma viagem de nove meses a Marte.
***
Starbase
Boca Chica, no extremo sul do Texas, é uma versão do paraíso pouco
desenvolvida. Suas dunas de areia e as praias não têm o mesmo encanto de
Padre Island, uma área de resorts subindo a costa, mas as áreas de
preservação ambiental no entorno tornam o ambiente seguro para o
lançamento de foguetes. Em 2014, a SpaceX construiu uma plataforma de
lançamento rudimentar ali como plano B para Cabo Canaveral e
Vandenberg, mas o lugar ficou basicamente às moscas até 2018, quando
Musk decidiu que iria transformá-lo numa base dedicada à Starship.
Como a Starship era imensa, não fazia sentido construir em Los Angeles
e depois transportar para Boca Chica. Por isso, Musk decidiu que eles
deveriam construir uma unidade de fabricação de foguetes a cerca de três
quilômetros da plataforma de lançamento, em meio às áreas ensolaradas e
úmidas de Boca Chica, tomadas por vegetação rasteira e infestadas de
mosquitos. A equipe da SpaceX ergueu três imensas tendas parecidas com
hangares para abrigar as linhas de montagem e três galpões altos de metal
corrugado capazes de acomodar as Starships em posição vertical. Uma velha
construção que ficava no terreno foi dividida em baias, uma sala de
conferências e uma cantina com comida aceitável e café de primeira. No
início de 2020, havia quinhentos engenheiros e operários, cerca de metade
moradores da região, trabalhando 24 horas por dia, em turnos.
“Você precisa vir para Boca Chica e fazer o que for preciso para deixar
este lugar perfeito”, disse Musk para Elissa Butterfield, assistente dele na
época. “O futuro do progresso da humanidade no espaço depende disso.” Os
hotéis mais próximos ficavam em Brownsville, cerca de cinquenta
quilômetros para o interior, por isso Butterfield criou um parque de trailers
Airstream para servir de acomodação, com palmeiras compradas na Home
Depot, um bar tiki e um deque com lareira ao ar livre. Sam Patel, o jovem e
ansioso chefe de instalações, alugou drones e pulverizadores para tentar
controlar os mosquitos. “Não dá para chegar em Marte se os mosquitos nos
comerem antes”, disse Musk.
Musk se concentrou no projeto e no funcionamento das tendas que
serviam de fábrica, discutindo como as linhas de montagem deveriam ser
organizadas. Em uma visita no fim de 2019, ele ficou frustrado com o ritmo
lento. A equipe ainda não tinha produzido sequer uma ogiva que encaixasse
perfeitamente na Starship. Parado em frente a uma das tendas, lançou um
desafio: construir uma ogiva até o nascer do sol. Isso não era viável, lhe
disseram, porque eles não tinham o equipamento para calibrar o tamanho
preciso. “Nós vamos fazer uma ogiva até o nascer do sol nem que a gente
morra”, insistiu Musk. Ordenou que cortassem fora a parte de cima do
corpo do foguete e usassem isso para fazer as medições. Eles fizeram isso, e
ele ficou acordado com a equipe de quatro engenheiros e soldadores até a
ogiva ficar pronta. “Na verdade, a gente não tinha uma ogiva pronta quando
o dia raiou”, admite um dos membros da equipe, Jim Vo. “Só ficou pronta lá
para umas nove da manhã.”
***
***
Certa noite, James Musk, um primo jovem de Musk que era programador
da equipe do Autopilot, estava jantando com o chefe da equipe, Milan
Kovac, em um restaurante chique de São Francisco quando o celular tocou.
“Vi que era o Elon e pensei Ah, coisa boa não é”, lembra-se James. Ele andou
até o estacionamento, onde ouviu Musk dizer em um tom sombrio que a
Tesla iria quebrar se eles não fizessem algo dramático. Por mais de uma
hora, Musk perguntou a James quem na equipe do Autopilot era realmente
bom. Como acontecia muitas vezes quando ele entrava no modo crise,
Musk queria limpar a casa e demitir gente, mesmo em meio a uma onda de
trabalho.
Ele decidiu que precisava se livrar de todos os principais gestores da
equipe do Autopilot, mas Omead Afshar interveio e o convenceu a pelo
menos esperar o Dia da Autonomia. Shivon Zilis, que tinha a ingrata tarefa
de tentar servir de escudo entre Musk e a equipe, também tentou adiar as
demissões, assim como Sam Teller. Musk, não sem certa relutância,
concordou em esperar o Dia da Autonomia, mas não estava feliz. Ele
transferiu Zilis da Tesla para um cargo na Neuralink. Teller também acabou
saindo durante o turbilhão.
James Musk recebeu a tarefa de tentar integrar no software do Autopilot
a capacidade de ler sinais vermelhos e verdes em semáforos, uma tarefa
bastante básica que ainda não era parte do sistema. Ele conseguiu, mas ficou
evidente que a equipe não daria conta do desafio de Musk de demonstrar
um carro capaz de se autoconduzir por Palo Alto. À medida que o Dia da
Autonomia se aproximava, ele diminuiu a exigência para uma tarefa que era
apenas, como descreveria tempos depois, “insanamente difícil”: o carro teria
que andar pela sede da Tesla, ir até a rodovia, fazer uma volta que abrangia
sete curvas e voltar. “A gente não acreditava que ia conseguir fazer o que
Musk estava exigindo, mas ele acreditava”, diz Anand Swaminathan, um
membro da equipe do Autopilot. “Em questão de semanas, conseguimos
fazer o carro contornar sete curvas difíceis.”
Na apresentação do Dia da Autonomia, Musk mesclou, como fazia com
frequência, visão e empolgação. Nem na cabeça dele havia mais uma
fronteira clara entre aquilo em que ele acreditava e aquilo em que queria
acreditar. A Tesla, voltou ele a dizer, estava a mais ou menos um ano de
criar um veículo completamente autônomo. Àquela altura, a empresa
colocaria nas ruas 1 milhão de Robotáxis que as pessoas poderiam chamar
para levá-las de um lugar a outro.
Em uma reportagem, a CNBC disse que Musk “fez promessas ousadas e
visionárias que só os seguidores mais leais dele acreditavam que pudessem
ser cumpridas”. Musk também não impressionou plenamente grandes
investidores. “Fizemos várias perguntas difíceis quando falamos com ele em
uma chamada mais tarde na presença de analistas”, diz Joe Fath, gerente de
investimentos da T. Rowe Price. “Ele ficava dizendo: ‘Vocês simplesmente
não entendem.’ E então ele desligou na nossa cara.”
O ceticismo era justificado. Um ano depois — na verdade, nem sequer
quatro anos depois — não haveria 1 milhão de Robotáxis da Tesla, ou pelo
menos um único deles, andando de forma autônoma pelas ruas das cidades.
No entanto, por trás da empolgação e da fantasia, Musk conservava,
convicto, a visão de que, assim como foguetes reutilizáveis, um dia
transformaria nossa vida.
capítulo 55
Giga Texas
Tesla, 2020-2021
Omead Afshar
Austin
Quais são suas cidades favoritas? Esse se tornou um passatempo entre Musk
e outras pessoas na Tesla no início de 2020, e muitas vezes eles pegavam os
respectivos celulares, abriam o aplicativo de mapas e diziam nomes. Chicago
e Nova York? Claro, mas não funcionariam para esse propósito. A área de
Los Angeles e São Francisco? Não, era disso que eles estavam tentando
fugir. A Califórnia estava conturbada, cheia de gente se opondo a qualquer
novo empreendimento no local, entupida de regulamentações e de
comissões enxeridas, além de estar assustada demais com a covid. Que tal
Tulsa? Ninguém tinha pensado no Oklahoma, mas as lideranças locais
haviam feito uma campanha animada que precisava ser levada em
consideração. Nashville? Omead Afshar disse que Nashville era um lugar
que as pessoas queriam visitar, mas não era um bom lugar para morar.
Dallas? O Texas era sedutor, mas Dallas, eles concordavam, era texana
demais. Que tal Austin, uma cidade universitária que tinha boa música e se
orgulhava de proteger os bolsos contra esquisitices?
A questão era onde construir uma nova fábrica da Tesla, uma que fosse
grande o suficiente para merecer o rótulo de gigafábrica. A unidade de
Fremont, na Califórnia, estava à beira de se tornar a fábrica de carros mais
produtiva dos Estados Unidos, entregando mais de 8 mil carros por semana,
mas já operava em plena capacidade e uma expansão seria difícil.
Diferentemente de Jeff Bezos, que promoveu uma disputa entre as
cidades que estavam ávidas para receber uma segunda sede da Amazon,
Musk decidiu tomar a decisão de seu modo usual, por instinto, confiando na
própria intuição e na de seus executivos. Ele detestava a ideia de desperdiçar
meses sendo obrigado a ouvir discursos políticos e vendo apresentações de
PowerPoint de consultores.
No fim de maio de 2020, surgiu um consenso. Enquanto estava sentado
no centro de comando de Cabo Canaveral, quinze minutos antes de a
SpaceX fazer seu primeiro lançamento de astronautas humanos, Musk
mandou uma mensagem para Afshar. “Você ia preferir morar em Tulsa ou
Austin?” Quando Afshar, com todo o devido respeito por Tulsa, deu a
Ó
resposta esperada, Musk escreveu: “Ótimo. Vamos construir a fábrica em
Austin, e você vai ser o responsável pela unidade.”
Um processo semelhante levou à escolha de Berlim para ser a sede de
uma gigafábrica europeia. As fábricas da Alemanha e de Austin seriam
construídas em menos de dois anos e, junto com as unidades de Fremont e
Xangai, se tornariam os pilares da fabricação de carros da Tesla.
Em julho de 2021, um ano depois de a construção ter começado, a
estrutura básica da gigafábrica de Austin estava completa. Musk e Afshar
ficaram de pé diante de uma parede em um escritório temporário da
construção e analisaram fotos da obra em várias fases. “Estamos construindo
com o dobro da velocidade de Xangai por metro quadrado, apesar das
regulamentações que enfrentamos”, disse Afshar.
Com 930 mil metros quadrados de chão de fábrica, a Giga Texas, como
ficou conhecida, teria o dobro de área de chão de fábrica de Fremont e 50%
a mais que o Pentágono. Segundo alguns parâmetros, explicou Afshar, seria
a maior fábrica do mundo em área, depois que fossem acrescentados alguns
mezaninos. Havia um shopping center na China com mais metros
quadrados, e a Boeing, com vários hangares imensos, talvez tivesse mais
volume. “De quanto mais precisaríamos para podermos dizer que essa é a
maior construção do mundo?”, perguntou Musk. Mesmo com a expansão
de cerca de 45 mil metros quadrados que eles cogitavam, Afshar respondeu:
“Não vamos chegar lá.” Musk assentiu. Houve uma pausa muito longa na
conversa. Depois ele deixou a ideia para lá.
Os construtores mostraram a Afshar planos para janelas que iam quase
do nível do piso de cada andar até o teto. “Será que não ia ser melhor se elas
fossem exatamente do piso ao teto?”, perguntou ele. Uma proposta voltou
com vidraças produzidas sob medida, cada uma com quase dez metros de
altura, e Afshar mostrou as fotos para Musk. Steve Jobs, que tinha uma
obsessão por vidro, não economizava para conseguir vidraças imensas para
lugares que serviriam de cartão de visitas da Apple, como a loja na Quinta
Avenida, em Nova York. Musk era mais cauteloso. Ele perguntou se o vidro
precisava ser tão espesso como o sugerido e também de que forma aquilo
afetaria o modo como o sol aquecia o prédio. “Não podemos fazer coisas
tolas do ponto de vista do custo”, afirmou.
Enquanto caminhava pela fábrica quase pronta, Musk parava em cada
estação ao longo da linha de montagem. A certa altura ele começou a
interrogar o técnico que estava na estação em que o aço seria resfriado. “Não
dá para fazer o processo de resfriamento ser mais rápido?” O sujeito
explicou os limites da velocidade do processo de resfriamento. Musk
insistiu. Esses limites são baseados de fato na física do aço? Será que o aço
pode ser igual a um biscoito, que fica duro por fora e viscoso por dentro? O
técnico manteve o ponto de vista. Musk parou de fazer perguntas, mas a
intuição o levou a concluir que o processo deveria levar menos de um
minuto. Ele deixou a cargo do técnico descobrir um modo de atingir essa
meta. “Quero deixar claro: o tempo de resfriamento não pode passar de 59
segundos, ou eu vou voltar aqui e resolver isso pessoalmente”, disse Musk.
Gigapress
Um dia, no fim de 2018, Musk estava sentado diante da mesa dele na sede
da Tesla, em Palo Alto, brincando com uma versão em miniatura do Model
S. Parecia uma versão miniaturizada do carro de verdade, e ao desmontar ele
viu que havia inclusive uma suspensão ali dentro. No entanto, todo o fundo
do carro tinha sido fundido em uma peça única de metal. Numa reunião
com a equipe naquele dia, Musk pegou o brinquedo e o colocou na mesa de
reuniões branca. “Por que a gente não pode fazer assim?”, perguntou.
Um dos engenheiros apontou o óbvio, que o fundo de um carro de
verdade é muito maior. Não havia máquinas de fundição grandes o
suficiente para fazer algo daquele tamanho. A resposta não satisfez Musk.
“Descubram como fazer”, disse ele. “Peçam uma máquina de fundição
maior. Isso não quebra as leis da física.”
Ele e seus executivos chamaram seis grandes empresas que trabalhavam
com fundição, e cinco delas desdenharam da ideia. Contudo, uma empresa
chamada Idra Presse, na Itália, especializada em máquinas de fundição de
alta pressão, topou o desafio de construir máquinas muito grandes que
seriam capazes de produzir em grande escala o fundo inteiro do Model Y,
tanto a parte de trás quanto a da frente. “Fizemos a maior máquina de
fundição do mundo”, diz Afshar. “A máquina que produz o Model Y pesa 6
mil toneladas, e vamos usar uma de 9 mil toneladas para o Cybertruck.”
As máquinas injetam rajadas de alumínio derretido num molde frio de
fundição, capaz de produzir em apenas oitenta segundos um chassi
completo que antes tinha mais de cem peças que precisavam ser soldadas,
rebitadas ou unidas. O processo antigo gerava falhas, tremores e
vazamentos. “Então passamos de um pesadelo horroroso para um processo
que é insanamente barato, fácil e rápido”, diz Musk.
O processo reforçou a admiração de Musk pela indústria de brinquedos.
“Eles precisam produzir as coisas muito rápido, barato e sem falhas, e
precisam fazer tudo a tempo do Natal, ou as crianças vão ficar tristes.”
Repetidas vezes, ele fez a equipe ter ideias a partir de brinquedos, como
robôs e Legos. Enquanto andava pelo chão de fábrica, Musk falou com um
grupo de mecânicos de usinagem sobre a precisão da modelagem das peças
de Lego. Elas são precisas e idênticas, com uma diferença que não passa de
mícrons, o que significa que cada parte pode ser facilmente substituída por
outra. Peças de carros precisavam ser assim. “Precisão não é algo caro”, diz
Musk. “Tem mais a ver com cuidado. Você se preocupa em fazer as coisas
com precisão? Então dá para fazer com precisão.”
capítulo 56
Vida familiar
2020
Os adolescentes
Uma semana depois, os filhos mais velhos de Musk foram ver o pai e X.
Saxon, o filho com autismo, ficou particularmente empolgado porque
adorava bebês. Musk tinha começado a colecionar as observações simples e
sábias feitas por Saxon, e às vezes as compartilhava com Justine. “Saxon tem
uma percepção realmente interessante”, opina ela, “porque dá para ver que
ele está se debatendo com conceitos abstratos, como o tempo e o sentido da
vida. Ele pensa em termos bastante literais que te fazem perceber o universo
de modo diferente”.
Saxon é um trigêmeo, concebido por fertilização in vitro, e os dois
gêmeos dele eram idênticos: Kai e Damian. No começo, eles eram tão
parecidos que mesmo Justine dizia ter dificuldade em saber quem era quem.
Entretanto, eles se tornaram um estudo interessante sobre o papel da
genética, do ambiente e do acaso. “Eles moravam na mesma casa e no
mesmo quarto, e tinham as mesmas experiências e tiravam notas parecidas
nas provas”, afirma Musk. “Mas o Damian se achava inteligente e o Kai,
não, por algum motivo. Muito estranho.”
As personalidades deles eram muito diferentes. Damian era introvertido,
comia pouco, e aos 8 anos de idade anunciou que era vegetariano. Quando
perguntei a Justine por que ele havia tomado essa decisão, ela passou o
telefone para que Damian respondesse. “Para diminuir minha pegada de
carbono”, explicou. Ele se tornou um prodígio da música clássica, compôs
sonatas soturnas e praticava piano por horas, sem parar. Musk mostrava
vídeos, que ele gravava no iPhone, de Damian tocando. Ele também era um
mago da matemática e da física. “Acho que o Damian é mais brilhante do
que você”, disse Maye Musk certa vez para o filho, que assentiu com a
cabeça.
Kai, mais alto e de uma beleza impressionante, é extrovertido e adora
resolver problemas práticos pondo a mão na massa. “Ele é maior e mais
atlético do que o Damian, e protege muito o irmão”, conta Justine. Dos
filhos, ele é quem mais se interessa pelos aspectos técnicos dos trabalhos do
pai, e era ele quem tinha maior probabilidade de acompanhar Elon nas idas
a Cabo Canaveral para lançamentos de foguetes. Isso era um prazer para
Musk, que diz que sua grande tristeza se dá quando os filhos dizem que não
querem ficar com ele.
O irmão mais velho deles, Griffin, tinha a mesma visão ética e a mesma
doçura. Ele também entendia bem o pai. Certa noite no Texas, em um
evento na fábrica da Tesla, Griffin estava com alguns amigos quando o pai
perguntou se ele podia acompanhá-lo até a sala de espera nos bastidores.
Griffin hesitou e disse que queria ficar com os amigos; depois, olhou para
eles, deu de ombros e foi com o pai. Brilhante em ciências e matemática, o
garoto tinha uma ternura que faltava ao pai, além de ser a pessoa mais
sociável da família, pelo menos até a chegada de X.
E havia ainda o gêmeo não idêntico de Griffin. Xavier, cujo nome era
parcialmente em homenagem ao personagem favorito de Musk na série dos
X-Men, da Marvel, tinha muita determinação e desenvolveu um profundo
ódio ao capitalismo e à riqueza. Ocorriam longas e amargas discussões,
pessoalmente e por mensagens de texto, em que Xavier dizia várias vezes:
“Eu odeio você e tudo que você representa.” Esse foi um dos fatores que
levou Musk a vender suas casas e viver de modo menos luxuoso, mas isso
teve pouco efeito na relação. Em 2020, a situação já era irreparável. Xavier
não foi com os outros irmãos visitar o meio-irmão recém-nascido.
Por isso, Xavier e Elon estavam afastados quando Xavier, então com 16
anos, fez a transição de gênero, mais ou menos na época em que X nasceu.
“Oi, eu sou trans e meu nome agora é Jenna”, comunicou ela a Christiana,
esposa de Kimbal, por mensagem de texto. “Não conte para o meu pai.”
Jenna também mandou uma mensagem para Grimes, e igualmente pediu
que ela guardasse segredo. Tempos depois, Musk acabou sabendo por um de
seus seguranças.
***
Casas
A fúria de Jenna tornou Musk sensível ao ódio contra bilionários. Ele
acreditava que não havia nada de errado em ficar rico por meio de empresas
bem-sucedidas e de manter o dinheiro investido nelas. No entanto, em
2020, ele tinha passado a perceber que ficar com essas riquezas e gastá-las
generosamente com consumo pessoal era improdutivo e indecente.
Até então, Musk vivera no luxo. Sua casa principal, na área de Los
Angeles conhecida como Bel Air, que ele havia comprado por 17 milhões de
dólares em 2002, era um falso palácio de 1.400 metros quadrados com sete
quartos e uma suíte de hóspedes, onze banheiros, academia de ginástica,
quadra de tênis, piscina, uma biblioteca de dois andares, sala de cinema e
um pomar. Era um castelo para os cinco filhos dele, que ficavam com o pai
quatro dias por semana e tinham uma rotina que incluía aulas de tênis, artes
marciais e outras atividades na casa.
Quando a casa do ator Gene Wilder, do outro lado da rua, foi posta à
venda, Musk comprou-a para preservá-la. Depois, adquiriu três casas no
entorno e cogitou demolir algumas para construir sua casa dos sonhos. Ele
também era dono de uma propriedade de dezenove hectares, com treze
quartos, em estilo mediterrâneo, no Vale do Silício, avaliada em 32 milhões
de dólares.
No início de 2020, Musk decidiu se livrar de todas elas. “Estou vendendo
quase todos os meus bens materiais”, tuitou três dias depois do nascimento
de X. “Não vou ter mais casa.” Ele explicou para Joe Rogan o sentimento
que o levou a tomar essa decisão. “Acho que ter posses é meio que um peso,
e se transformou num motivo para ataques”, declarou Musk. “Nos últimos
anos, a palavra ‘bilionário’ virou um termo pejorativo, como se fosse algo
ruim. Eles dizem: ‘Ei, bilionário, você tem todas essas coisas.’ Bem, agora
eu não tenho coisas, e então, o que você vai fazer?”
***
Depois de concluir a venda das casas na Califórnia, Musk se mudou para o
Texas e Grimes foi logo em seguida. A casinha no condomínio de Boca
Chica, que ele alugou da SpaceX, se tornou a residência principal. Ele
passava a maior parte do tempo em Austin, onde ficava na casa de um
amigo da PayPal, Ken Howery, que fora embaixador na Suécia e depois
tirara um tempo para viajar pelo mundo. A casa de setecentos metros
quadrados em um lago formado pelo rio Colorado era parte de um
condomínio fechado onde muitos outros bilionários de Austin moravam.
Era um lugar perfeito para Musk reunir os filhos em datas especiais, até o
e Wall Street Journal contar que ele estava morando ali. “Parei de ficar na
casa do Ken depois que o Journal me dedurou”, diz. “As pessoas ficavam
indo lá, e alguém conseguiu passar pelo portão e entrar na casa quando eu
não estava.”
Depois de procurar sem muita vontade, Musk encontrou uma casa ali
perto que era grande o bastante e, em suas palavras, era “uma casa bacana,
mas não ia aparecer na Architectural Digest”. Os vendedores estavam pedindo
70 milhões de dólares, e ele ofereceu 60 milhões, o valor que recebeu
quando vendeu as casas na Califórnia. Àquela altura, porém, os vendedores,
que estavam lidando com a pessoa mais rica do mundo em um mercado
imobiliário superaquecido, queriam ainda mais do que tinham pedido
inicialmente. Musk recuou. Ele preferiu optar entre ficar no apartamento de
um amigo em Austin ou ficar na casa que Grimes alugara numa rua sem
saída e isolada.
* O termo woke refere-se a um conceito muito difundido nos Estados Unidos e significa algo como
“despertar”, o aumento da conscientização sobre questões sociais, raciais e políticas. [N. da E.]
capítulo 57
A pleno vapor
SpaceX, 2020
Kiko Dontchev
Depois de lançar astronautas rumo à estação espacial em maio de 2020, a
SpaceX fez, num período de cinco meses, uma série impressionante de onze
lançamentos de satélite não tripulado bem-sucedidos. Mas Musk, como
sempre, temia a complacência. A não ser que mantivesse um senso maníaco
de urgência, ele receava que a SpaceX pudesse acabar sem vigor e lenta,
como a Boeing.
Depois de um dos lançamentos em outubro daquele ano, Musk fez uma
visita tarde da noite ao Pad 39 A. Havia apenas duas pessoas trabalhando.
Visões como essa eram um gatilho para ele. Em todas as empresas que lhe
pertenciam, como os empregados do Twitter descobririam, ele esperava que
todo mundo trabalhasse com uma intensidade inclemente. “Nós temos 783
funcionários em Cabo Canaveral”, disse ele com uma raiva fria para o vice-
presidente de lançamentos. “Por que só dois deles estão trabalhando agora?”
Musk deu ao executivo 48 horas para preparar um relatório sobre o que
todos deveriam estar fazendo.
Quando não conseguiu as respostas que queria, Musk decidiu descobrir
por conta própria. Ele entrou no modo hardcore. Assim como tinha feito
nas fábricas da Tesla em Nevada e Fremont, e como faria mais tarde no
Twitter, mudou-se para o prédio — nesse caso, o hangar em Cabo
Canaveral — e começou a trabalhar sem parar. A presença dele durante
toda a noite era ao mesmo tempo uma performance e algo real. Na segunda
noite, ele não conseguiu encontrar o vice-presidente de lançamentos, que
tinha mulher e filhos, e, na visão de Musk, se ausentara sem permissão,
então pediu para falar com um dos engenheiros que vinha trabalhando com
ele no hangar, Kiko Dontchev.
Dontchev nasceu na Bulgária e migrou para os Estados Unidos ainda
criança, quando o pai, um matemático, aceitou um emprego na
Universidade do Michigan. Dontchev fez graduação e pós-graduação em
engenharia aeroespacial, o que o levou àquela que ele imaginou ser a
oportunidade dos sonhos: um estágio na Boeing. Contudo, ele rapidamente
se desencantou e decidiu visitar um amigo que estava trabalhando na
SpaceX. “Nunca vou esquecer aquele dia, quando andei pela SpaceX”, disse.
“Todos aqueles engenheiros jovens trabalhando duro, vestindo camisetas,
exibindo tatuagens e sendo exigentes pra cacete para fazer as coisas
acontecerem. Pensei: Esse é o meu pessoal. Eu não tinha nada a ver com o
clima engomadinho e terrível da Boeing.”
No verão daquele ano, ele fez uma apresentação para um dos vice-
presidentes da Boeing em que contava como a SpaceX estava dando espaço
para que jovens engenheiros inovassem. “Se a Boeing não mudar”, disse,
“vocês vão perder os maiores talentos”. O vice-presidente respondeu que
não estava em busca de revolucionários. “Talvez a gente não queira os
melhores, mas aqueles que vão ficar por aqui mais tempo.” Dontchev se
demitiu.
Em uma conferência em Utah, ele foi a uma festa dada pela SpaceX e,
depois de alguns drinques, tomou coragem para falar com Gwynne
Shotwell. Dontchev tirou do bolso um currículo amassado e mostrou a ela
uma foto do hardware de satélite em que vinha trabalhando. “Eu consigo
fazer as coisas acontecerem”, disparou para ela.
Shotwell achou divertido. “Qualquer um que tenha coragem de me trazer
um currículo amassado pode ser um bom candidato”, disse. Ela o convidou
para fazer uma entrevista na SpaceX. Ele tinha hora marcada, às três da
tarde, para falar com Musk, que continuava entrevistando todos os
engenheiros que desejavam ser contratados. Como sempre, Musk estava
irritado, e disseram a Dontchev que ele teria que voltar outro dia. Em vez
disso, Dontchev ficou sentado do lado de fora da baia de Musk por cinco
horas. Quando finalmente conseguiu se encontrar com ele, às oito,
Dontchev aproveitou a oportunidade para falar de como seu entusiasmo não
era valorizado na Boeing.
Sempre que estava contratando ou promovendo, Musk fazia questão de
priorizar a atitude, não as habilidades descritas no currículo. E a definição
dele de boa atitude era um desejo maníaco de trabalhar. Musk contratou
Dontchev na hora.
***
Desafio
A pressão de Musk para ir mais rápido, correr mais riscos, quebrar regras e
questionar exigências permitiu, por um lado, que ele realizasse grandes
façanhas, como colocar humanos em órbita, vender grandes quantidades de
carros elétricos e tirar proprietários de casas da rede elétrica. Por outro, isso
significava que ele fazia coisas — como ignorar as regras da Comissão de
Valores Mobiliários ou desafiar as restrições impostas pela Califórnia
durante a pandemia de covid — que lhe criavam problemas.
Hans Koenigsmann era um dos engenheiros originais recrutados por
Musk para a SpaceX em 2002. Ele tinha sido parte do intrépido grupo em
Kwaj durante os três primeiros voos fracassados e depois da primeira missão
bem-sucedida do Falcon 1. Musk o promoveu a vice-presidente encarregado
da confiabilidade de voo, para ter certeza de que os voos eram seguros e
seguiam as regulamentações. Não era um trabalho fácil quando o chefe era
Musk.
No fim de 2020, a SpaceX se preparava para lançar como teste não
tripulado o foguete auxiliar Super Heavy. Todos os voos precisam seguir as
exigências impostas pela Administração Federal de Aviação (FAA, na sigla
em inglês), o que incluía as orientações relativas ao clima. Naquela manhã, o
inspetor da FAA que estava monitorando o lançamento remotamente
determinou que os ventos em altitude tornavam o procedimento inseguro.
Caso houvesse uma explosão no lançamento, as casas por perto poderiam
ser impactadas. A SpaceX apresentou o modelo dela de previsão climática, o
qual afirmava que as condições eram seguras, e pediu permissão para seguir
em frente, mas a FAA recusou.
Ninguém da FAA estava na sala de controle, e havia uma leve dúvida
(não muito séria) sobre quais eram as regras, de modo que o diretor de
lançamento se virou para Elon e inclinou a cabeça, sem falar nada, como se
perguntasse se deveria prosseguir. Musk silenciosamente fez que sim. O
foguete decolou. “Foi tudo muito sutil”, diz Koenigsmann. “É típico do
Elon. Uma decisão de correr um risco comunicada por um movimento com
a cabeça.”
O lançamento do foguete foi perfeito, e o clima não atrapalhou, embora
o foguete de fato tenha apresentado problemas quando tentou pousar a dez
quilômetros dali. A FAA abriu uma investigação para saber por que a
determinação dela quanto ao clima havia sido ignorada, e decidiu suspender
todos os testes da SpaceX por dois meses, mas acabou não impondo penas
mais severas.
Como parte de seu trabalho, Koenigsmann escreveu um relatório sobre o
incidente, e não tentou disfarçar o que a SpaceX tinha feito. “A FAA é
incompetente e conservadora, uma combinação ruim; mesmo assim, eu
precisava de uma autorização deles antes da decolagem, o que nós não
tínhamos”, disse. “Elon ordenou o lançamento quando a FAA disse que nós
não podíamos prosseguir. Então, escrevi um relatório sincero que dizia isso.”
Ele queria que a SpaceX e Musk assumissem a culpa.
Essa não era a atitude que Musk valorizava. “Ele não via as coisas assim,
e ficou irritado, muito irritado”, lembra Koenigsmann.
Koenigsmann estava na SpaceX desde os primeiros e difíceis dias, e
Musk não quis demiti-lo na hora. No entanto, retirou de Koenigsmann a
atribuição de supervisionar os voos e acabou demitindo-o meses depois.
“Você fez um trabalho incrível durante muitos anos, mas a hora da
aposentadoria chega para todo mundo”, escreveu Musk para ele num e-
mail. “A sua chegou agora.”
capítulo 58
Bezos versus Musk, 2o round
SpaceX, 2021
Jeff Bezos logo após sua viagem; Richard Branson logo antes da dele
Provocação mútua
A partir de 2013, Jeff Bezos e Elon Musk começaram a disputar para saber
quem alugaria o célebre Pad 39 A em Cabo Canaveral (Musk ganhou),
quem seria o primeiro a pousar um foguete que houvesse chegado ao limite
do espaço sideral (Bezos), a pousar um foguete que pusesse carga em órbita
(Musk) e a colocar humanos em órbita (Musk). O espaço era uma paixão
pessoal dos dois, e a competição entre eles, assim como a que havia ocorrido
entre os barões das ferrovias um século antes, serviria para tornar os avanços
no campo mais rápidos. Apesar das reclamações sobre o espaço ter se
tornado um hobby de meninos bilionários, a visão deles de privatizar os
lançamentos foi o que impulsionou os Estados Unidos, que haviam ficado
atrás da China e até mesmo da Rússia, a voltar à liderança da exploração
espacial.
A rivalidade voltou em abril de 2021, quando a SpaceX venceu a Blue
Origin de Bezos na disputa por um contrato para levar astronautas da
NASA na parte final de uma viagem à Lua. A Blue Origin recorreu da
decisão, mas não teve sucesso. O site da empresa exibiu um gráfico que
criticava o plano da SpaceX, afirmando em letras garrafais que se tratava de
algo “imensamente complexo” e de “alto risco”. A SpaceX respondeu
ressaltando que a Blue Origin nem sequer havia conseguido produzir um só
foguete ou uma espaçonave capaz de atingir a órbita. Os fãs de Musk no
Twitter fizeram um flash mob para ridicularizar a Blue Origin, e Musk
participou. “Não consegue subir (para a órbita) rsrsrs”, tuitou ele.
***
***
Outra disputa irrompeu em função das empresas rivais dos dois na área de
satélites de comunicação. No verão de 2021, a SpaceX tinha colocado quase
2 mil satélites da Starlink em órbita. Sua internet com base no espaço estava
disponível em catorze países. Em 2019, Bezos dera início a planos para que
a Amazon criasse uma constelação semelhante de satélites e uma internet
própria, chamada Projeto Kuiper, mas, até o momento, nenhum satélite
havia sido lançado.
Musk acreditava que a inovação era guiada pelo estabelecimento de
métricas claras, como o custo por tonelada colocada em órbita ou o número
médio de quilômetros dirigidos no Autopilot sem intervenção humana. No
caso da Starlink, ele surpreendeu Juncosa ao perguntar quantos fótons eram
coletados pelos painéis solares dos satélites em comparação com o que eles
eram capazes de mandar de forma útil para a Terra. Era uma proporção
enorme — talvez 10 mil para 1 —, e Juncosa jamais havia pensado naquilo.
“Eu certamente nunca tinha pensado nisso como uma métrica”, conta ele.
“Isso me forçou a testar ideias criativas sobre como podíamos aumentar a
eficiência.”
Como resultado, a SpaceX desenvolveu uma segunda versão da Starlink,
e a empresa decidiu solicitar a aprovação da Comissão Federal de
Comunicações (FCC, na sigla em inglês). A solicitação previa uma altitude
orbital mais baixa no caso de futuros satélites da Starlinks, o que reduziria a
latência da rede.
Isso deixaria a empresa mais perto das órbitas planejadas pela constelação
da Kuiper, a concorrente de propriedade de Bezos, de modo que este
protocolou uma objeção. Mais uma vez, Musk o atacou no Twitter, e
escreveu seu nome errado de propósito, para que ficasse igual à palavra em
espanhol para “beijos”: “Na verdade, Besos se aposentou e agora tem um
emprego em tempo integral: se dedica a processar a SpaceX.” A FCC
determinou que Musk podia prosseguir com os planos.
Passeios de bilionários
Um dos sonhos de Bezos era ir ele mesmo ao espaço. Por isso, no verão de
2020, em meio às brigas com Musk, anunciou que ele e o irmão Mark iriam
voar até o limite do espaço sideral (embora sem chegar a entrar em órbita)
em um salto de onze minutos em um foguete da Blue Origin. Ele seria o
primeiro bilionário no espaço.
Sir Richard Branson, o sorridente bilionário britânico que fundou a
Virgin Airlines e a Virgin Music, também tinha esse sonho. Ele havia
criado uma empresa de voos espaciais, a Virgin Galactic, com um modelo
de negócios em grande medida dependente de levar ricos em busca de novas
experiências a viajar nos foguetes da empresa dele. O talento para o
marketing o fez incluir a si mesmo como o rosto e o espírito da empresa.
Ele sabia que não havia maneira melhor de promover a empresa de turismo
espacial, e de se divertir muito (algo que ele adorava fazer), do que entrar
em um dos foguetes dele próprio. Por isso, depois que ficou impossível para
Bezos mudar a data de lançamento de seu foguete, Branson anunciou que
voaria no dia 11 de julho, nove dias antes. Sempre interessado em
transformar tudo em espetáculo, ele convidou o apresentador Stephen
Colbert para narrar a transmissão e o cantor Khalid para apresentar uma
música nova na ocasião.
Quando acordou pouco antes da uma da manhã, no dia do lançamento,
Branson foi à cozinha da casa em que estava e viu Musk ali com o bebê X.
“Elon foi supergentil de ir com o bebê ver nosso voo”, conta Branson. Musk
estava descalço e vestia uma camiseta preta estampada com a frase
, em comemoração aos 50 anos da missão à Lua. Eles
se sentaram e conversaram por algumas horas. “Parece que ele não dorme
muito”, comenta Branson.
O voo, em um foguete suborbital com asas que foi alçado até a altitude
de lançamento por um cargueiro, correu bem. Branson e cinco funcionários
da Virgin Galactic chegaram à altitude de 89 quilômetros, o que criou uma
pequena discussão sobre eles terem ou não chegado ao “espaço” de fato —
que, pela definição da NASA, começa oitenta quilômetros acima da Terra,
mas outras nações dizem que começa na linha de Kármán, a cem
quilômetros.
A missão de Bezos, nove dias depois, também foi bem-sucedida. Musk,
obviamente, não esteve presente no lançamento. Bezos, o irmão e a equipe
atingiram uma altitude de 106 quilômetros, bem acima da linha de Kármán,
o que deu a ele mais motivos para se gabar. A cápsula espacial deles pousou
delicadamente de paraquedas no deserto do Texas, onde a mãe de Bezos,
muito ansiosa, e o pai, calmo, estavam à espera.
Musk fez elogios superficiais a Bezos e a Branson. “Eu achava bacana
que eles estivessem gastando dinheiro no avanço da exploração espacial”,
disse para Kara Swisher na Conferência Code em setembro. Apesar disso,
ele apontou que saltar a pouco mais de cem quilômetros era um passo
pequeno. “Para colocar as coisas em perspectiva, entrar em órbita exige mais
ou menos cem vezes a quantidade de energia necessária para um voo
suborbital”, explicou. “E depois, para voltar de órbita, você precisa queimar
essa energia, e para isso precisa de um escudo pesado para se proteger do
calor. Entrar em órbita é mais ou menos duas ordens de magnitude mais
difícil do que fazer um voo suborbital.”
Musk era amaldiçoado com uma mentalidade conspiratória, o que o
levava a crer que grande parte dos comentários negativos sobre si mesmo na
imprensa se deviam a interesses secretos ou inconfessáveis das pessoas que
eram donas dos veículos de comunicação. Isso se acentuou bastante quando
Bezos comprou o e Washington Post. Ao ser contatado pelo jornal em
2021 para uma reportagem, Musk enviou um e-mail que dizia
simplesmente: “Mande um abraço para o sujeito que está manipulando
você.” Na verdade, Bezos sempre manteve uma atitude admirável de não se
meter na cobertura do Post, e o respeitado repórter de assuntos espaciais
Christian Davenport publicava matérias sobre os êxitos de Musk, incluído
um texto sobre a rivalidade com Bezos. “Por ora, Musk está bem à frente
em quase todas as áreas”, escreveu Davenport. “A SpaceX enviou três grupos
de astronautas para a Estação Espacial Internacional, e na terça-feira deve
enviar uma equipe de astronautas civis em uma viagem de três dias
orbitando a Terra. A Blue Origin realizou apenas uma missão suborbital ao
espaço, que durou somente cerca de dez minutos.”
capítulo 59
A onda da Starship
SpaceX, julho de 2021
Custos do Raptor
Poucas semanas depois desse surto, Musk voltou a atenção para o Raptor, o
motor que impulsionaria a Starship. Movido a metano líquido super-
resfriado e a oxigênio líquido, o Raptor tinha mais do que o dobro do
empuxo do motor Merlin do Falcon 9. Isso significava que a Starship teria
mais empuxo do que qualquer outro foguete na história.
Todavia, o motor Raptor não iria levar a humanidade a Marte
simplesmente por ser potente. Ele também precisaria ser fabricado às
centenas a um custo razoável. Cada Starship precisaria de cerca de quarenta
deles, e Musk vislumbrou uma frota de dezenas de Starships. O Raptor era
complexo demais para ser fabricado em massa. Ele parecia um emaranhado
de espaguete. Por isso, em agosto de 2021, Musk demitiu a pessoa
encarregada do design e assumiu pessoalmente o título de vice-presidente de
propulsão. O objetivo era reduzir o custo de cada propulsor em cerca de 200
mil dólares, um décimo do custo na época.
Certa tarde, Gwynne Shotwell e o CFO da SpaceX, Bret Johnsen,
organizaram um pequeno encontro com a pessoa do departamento
financeiro encarregada de supervisionar os custos do Raptor. Entra em cena
um jovem analista financeiro com aparência de estudioso chamado Lucas
Hughes, cujo visual ligeiramente elitista era mitigado por um rabo de
cavalo. Ele jamais havia interagido diretamente com Musk, e não tinha
certeza se o patrão sabia seu nome. Portanto, estava nervoso.
Musk começou um sermão sobre coleguismo. “Quero ser superclaro”,
começou. “Você não é amigo dos engenheiros. Você é o juiz. Se você for
popular entre os engenheiros, isso é mau sinal. Se você não pisar no calo de
ninguém, eu vou te demitir. Está claro?” Hughes gaguejou um pouco
enquanto dizia que sim.
Desde que tinha voltado da Rússia e calculado os custos para produzir
seus foguetes, Musk havia usado algo que ele apelidou de “índice de
idiotice”. Essa era a proporção entre o custo total de um componente e o
custo das matérias-primas utilizadas. Algo com um alto índice de idiotice
— digamos, um componente que custa mil dólares quando o alumínio
usado em sua fabricação custa apenas cem — tinha alta probabilidade de ter
um design complexo demais ou um processo de manufatura ineficiente. Nas
palavras de Musk, “se a proporção for alta, você é um idiota”.
“Quais são as melhores peças do Raptor segundo o índice de idiotice?”,
perguntou Musk.
“Não tenho certeza”, respondeu Hughes. “Vou descobrir.” Isso não era
bom. O rosto de Musk se fechou e Shotwell me olhou preocupada.
“No futuro, é melhor você ter certeza de que saiba essas coisas de cor”,
disse Musk. “Se chegar numa reunião e não souber quais são as peças
idiotas, sua demissão vai ser aceita imediatamente”, falou sem alterar a voz
nem demonstrar qualquer emoção. “Como você pode não saber quais são as
melhores e piores peças?”
“Eu conheço a planilha de custo nos mínimos detalhes”, comentou
Hughes em voz baixa. “Só não sei o custo das matérias-primas dessas
peças.”
“Quais são as cinco piores peças?”, perguntou Musk. Hughes olhou para
o computador para ver se conseguia calcular uma resposta. “NÃO! Não olhe
para a sua tela”, esbravejou Musk. “Diga só uma. Você deveria saber quais
são as peças problemáticas.”
“Tem a tampa da injeção”, disse Hughes hesitante. “Acho que custa 13
mil dólares.”
“É feita de apenas uma peça de aço”, retrucou Musk, passando a
interrogar o funcionário. “Quanto custa essa matéria-prima?”
“Acho que na casa dos milhares de dólares”, respondeu Hughes.
Musk sabia a resposta. “Não. É só aço. São uns 200 dólares. Você errou
feio. Se você não melhorar, sua demissão será aceita. Esta reunião acabou.
Chega.”
***
A lição de Lucas
Um ano depois, decidi ver o que tinha acontecido com as duas pessoas que
Musk tinha criticado no verão de 2021, Lucas Hughes e Andy Krebs.
Hughes se lembrava nitidamente de cada momento. “Musk ficava
insistindo comigo sobre os custos da tampa da injeção”, diz. “Ele estava
certo sobre o custo da matéria-prima, e na hora eu não consegui explicar
direito os outros custos.” Quando Musk continuou interrompendo o que ele
dizia, Hughes recorreu ao treinamento como ginasta.
Ele fora criado em Golden, no Colorado, e era apaixonado por ginástica.
Desde os 8 anos, treinava trinta horas por semana. A ginástica ajudou
Hughes a ter um alto rendimento acadêmico. “Eu era superatento aos
detalhes, supercompetitivo, dedicado e disciplinado”, comenta. Em
Stanford, ele competiu em todas as seis modalidades masculinas, o que
exigiu treinamento ao longo do ano todo, ao mesmo tempo que cursava
engenharia e finanças. A aula favorita dele se chamava construindo o futuro
com materiais de engenharia. Quando se formou, em 2010, ele foi trabalhar
na Goldman Sachs, mas queria fazer algo mais próximo da engenharia de
verdade. “Eu era um nerd que adorava coisas espaciais quando criança”, diz,
de modo que ele se candidatou quando soube que a SpaceX tinha anunciado
uma vaga de analista financeiro. Hughes foi trabalhar lá em dezembro de
2013.
“Quando o Elon estava me dando aquela bronca, eu me concentrei muito
em tentar manter a compostura”, revela ele. “A ginástica te ensina a manter
a calma em situações de muita pressão. Eu só estava tentando manter a
calma e não desabar.”
Após a segunda reunião, quando já tinha todas as informações sobre o
“índice de idiotice” na ponta da língua, ele nunca mais teve problemas com
Musk. Sempre que surgiam questões relativas a custos em reuniões
posteriores sobre o Raptor, Musk costumava perguntar o que Hughes
achava, e o chamava pelo nome. Por acaso, Musk reconhecia que tinha
passado por cima dele como um trator? “Essa é uma boa pergunta”,
responde Hughes. “Não faço ideia. Não sei se ele internaliza essas reuniões
ou se lembra delas. Só sei que, depois disso, ele ao menos sabia o meu
nome.”
Pergunto se Hughes estava distraído na primeira reunião em função da
morte da filha. Ele faz uma pausa, talvez surpreso por eu saber disso, e
depois pede que eu não mencione isso no livro. Uma semana depois, porém,
ele me mandou um e-mail. “Conversei com a minha esposa, e não tem
problema se você contar a história.” Apesar da crença de Musk de que todo
feedback deve ser impessoal, às vezes as coisas são, na verdade, pessoais.
Shotwell entende isso. “Gwynne definitivamente se importa com as pessoas,
e acho que é importante que ela exerça esse papel na empresa”, opina
Hughes. “Elon se importa muito com a humanidade, mas com a
humanidade num sentido bem mais amplo.”
Tendo passado doze anos compenetrado em treinos de ginástica, Hughes
gostava da mentalidade superdedicada de Musk. “Ele está disposto a
simplesmente se jogar por completo nessa missão, e é isso o que ele espera
dos outros”, fala. “Isso tem um lado bom e um lado ruim. Você certamente
percebe que está sendo usado como ferramenta para atingir esse objetivo
maior, e isso é ótimo. As ferramentas, porém, ficam gastas, e ele acha que
pode simplesmente substituí-las.” Na verdade, como ele demonstrou ao
comprar o Twitter, Musk não vê as coisas assim. Ele acha que quando as
pessoas querem priorizar o conforto e o lazer, elas devem sair.
Foi o que Hughes fez em maio de 2022. “Trabalhar para o Elon é uma
das coisas mais empolgantes que você pode fazer, mas não sobra tempo para
mais nada na vida”, confessa ele. “Às vezes isso compensa. Se o Raptor se
tornar o propulsor mais acessível já criado e nos levar a Marte, os danos
colaterais vão ter valido a pena. Foi nisso que eu acreditei por mais de oito
anos. Mas agora, principalmente depois da morte de nosso bebê, é hora de
eu me concentrar em outras coisas na vida.”
A lição de Andy
Andy Krebs lidou de outra forma, pelo menos no começo. Assim como
Hughes, ele fala com tranquilidade e é naturalmente gentil, com uma
covinha no queixo e um sorriso largo, mas não fica tão à vontade quanto
Mark Juncosa e Kiko Dontchev quando vira alvo durante uma conversa com
Musk. Num encontro preparatório para uma reunião em que a equipe
discutia quem iria apresentar certos dados desagradáveis sobre vazamento de
metano, Krebs disse que não estaria presente, então Juncosa começou a
balançar os cotovelos e a cacarejar, querendo dizer que ele era covarde. No
entanto, Krebs tem moral com Juncosa e outras pessoas na Starbase, pois
acham que ele se saiu bem quando Musk o usou como alvo no incidente da
torre de lançamento que deu início à onda de trabalho.
Musk frequentemente se repete em reuniões. Em parte, o objetivo é dar
ênfase; em parte, é só uma invocação de um mantra, como num transe.
Krebs aprendeu que um modo de tranquilizá-lo era repetir o que ele dizia.
“Musk quer ter certeza de que você escutou”, comenta ele. “Então, aprendi a
repetir o feedback dele. Se ele diz que as paredes deviam ser amarelas, eu
digo: ‘Entendi, isso não deu certo, vamos pintar as paredes de amarelo.’”
O método funcionou naquela noite na torre de lançamento. Embora
Musk às vezes pareça não perceber como as pessoas estão reagindo, ele pode
ser bom em determinar quem é capaz de lidar com situações difíceis. “Eu
acho, na verdade, que o Krebs sabia que tinha feito besteira”, diz Musk. “A
reação dele ao feedback foi boa. Consigo trabalhar com as pessoas se elas
têm uma reação boa a feedbacks importantes.”
Como resultado, perto da meia-noite de uma sexta-feira, poucas semanas
depois da onda, Musk ligou para Krebs e deu a ele novas atribuições em
Boca Chica, entre as quais a tarefa importantíssima de colocar os
propelentes nos motores. “Ele vai reportar diretamente a mim”, escreveu
Musk num e-mail para a equipe. “Por favor, deem a ele todo o apoio
possível.”
Certo domingo, poucos meses depois, quando a Starship estava
novamente sendo montada na torre de lançamento, o vento aumentou e
alguns dos funcionários não quiseram subir até o topo da torre, onde havia
trabalho a ser feito, como a remoção do revestimento e a feitura das
conexões necessárias. Por isso, o próprio Krebs subiu e começou a fazer o
trabalho. “Eu precisava garantir que todos os funcionários continuassem
motivados”, fala ele. Perguntei se ele tinha feito isso por ter sido inspirado
por Musk, que gostava de ser um general na frente de batalha, ou se fora
por medo. “É como Maquiavel ensinava”, respondeu Krebs. “Você precisa
sentir medo e amor pelo líder. As duas coisas.”
Essa atitude sustentou Krebs por mais dois anos. Contudo, no início de
2023, ele se tornou mais um refugiado da estratégia superintensa de Musk.
Depois de se casar e ter um filho, decidiu que era hora de seguir em frente e
encontrar um equilíbrio melhor entre trabalho e vida pessoal.
capítulo 60
Onda solar
Verão de 2021
***
A disposição de Brian Dow nunca diminuiu. “Sou a pessoa que vai
literalmente varrer o chão se isso for ajudar a empresa”, disse ele para Musk.
Apesar disso, ele tinha uma tarefa impossível. O negócio de instalar
telhados solares exige muito trabalho, e não dá para ser feito em escala.
Musk era um mestre em desenhar fábricas que poderiam reduzir o custo dos
produtos físicos ao produzi-los em quantidades cada vez maiores, mas o
custo de cada instalação de telhado não se altera se você instalar dez ou cem
por mês. Musk não tinha paciência para esse tipo de empreendimento.
Apenas três meses depois de contratá-lo para dirigir o negócio de
telhados solares da Tesla, Musk convocou Dow de volta a Boca Chica. Era
aniversário de Dow, e ele tinha planejado ficar com a família, mas correu
para ir até lá. Quando perdeu a conexão em Houston, alugou um carro,
dirigiu seis horas pela costa do Texas e chegou às onze da noite. Uma equipe
estava refazendo o telhado na mesma casa em que havíamos estado em
agosto, dessa vez com novos métodos e componentes. Quando Dow
chegou, Musk estava em pé no topo do telhado, e as coisas pareciam estar
correndo bem o bastante. “A equipe está indo bem usando nossos novos
métodos”, diz Dow. “Estavam terminando a instalação em apenas um dia.”
No entanto, quando Dow subiu e se juntou a ele no topo, Musk começou
a questioná-lo sobre valores. Dow é um homem grande, maior do que
Musk, e eles estavam com dificuldade para se manter em pé no telhado,
escorregadio devido à maresia. Então, eles se sentaram no topo enquanto
Dow revisava as cifras em seu iPhone. O queixo de Musk endureceu
quando ele viu quanto dinheiro estavam perdendo em cada telhado
instalado. “Você precisa cortar custos”, falou. “Tem que me mostrar um
plano na semana que vem para reduzir os custos pela metade.” Assim como
antes, Dow demonstrou entusiasmo. “Ok, vamos nessa”, falou. “Vamos
arrasar e reduzir custos.”
Ele passou todo o fim de semana trabalhando em um plano de corte de
custos para apresentar para Musk na segunda. Contudo, assim que a reunião
começou, Musk mudou de assunto e questionou Dow sobre quantas
instalações haviam sido concluídas na semana anterior e pediu detalhes
sobre a redistribuição de pessoal. Dow não tinha algumas das respostas, e
reclamou que estava trabalhando desde o aniversário dele no plano para
reduzir custos, não nos detalhes sobre os quais Musk o questionava agora.
“Obrigado por tentar”, disse Musk finalmente, “mas não está dando certo”.
Dow levou um minuto para perceber que estava sendo demitido. “Foi a
demissão mais estranha que você pode imaginar”, comentou Dow depois.
“Já tínhamos passado por muitas coisas juntos, e no fundo Elon sabe que
tenho algo de especial. Ele sabe que dou conta do recado, porque já fizemos
isso no passado, na fábrica de baterias de Nevada. Mas ele achava que eu
estava perdendo o jeito, apesar de eu ter perdido meu aniversário com
minha família para estar em cima daquele telhado com ele.”
Após a saída de Dow, Musk ainda não havia conseguido acertar os
números. Um ano depois, a Tesla Energy estava instalando cerca de trinta
telhados por semana, muito longe dos mil telhados que Musk ficava
insistindo que fizessem. Todavia, o fervor em resolver o problema cedeu em
abril de 2022, quando um tribunal em Delaware decidiu a favor de Musk
em um processo pela compra da SolarCity pela Tesla. Com aquela ameaça
encerrada, ele não se sentia mais tão desesperado assim para mostrar que a
aquisição fazia sentido do ponto de vista das finanças.
capítulo 61
Luzes apagadas
Verão de 2021
Com Maye, no palco do Saturday Night Live, e com Grimes em uma festa
Saturday Night Live
“A quem quer que eu tenha ofendido, só quero dizer que reinventei os carros
elétricos e estou enviando pessoas a Marte num foguete espacial. Você acha
que eu seria um cara tranquilo, normal?” Musk sorriu timidamente
enquanto fazia o monólogo de abertura como apresentador convidado do
Saturday Night Live. Alternando o peso de uma perna para outra, ele estava
fazendo um trabalho passável ao tentar transformar estranheza em charme.
Este era o objetivo dele: mostrar-se que estava consciente das próprias
limitações emocionais. Com a ajuda da capacidade infalível do produtor
Lorne Michaels de fazer um convidado se sair bem, Musk usou a
participação como anfitrião em maio de 2021 para suavizar sua imagem.
“Na verdade, estou entrando para a história esta noite como a primeira
pessoa com Asperger a apresentar o SNL — ou pelo menos a primeira a
admitir isso”, disse. “Não vou fazer muito contato visual com o elenco aqui
hoje, mas não se preocupem, sei fazer o modo ‘humano’ do meu emulador
funcionar muito bem.”
Era Dia das Mães, então Maye teve a chance de subir ao palco. No
ensaio, na sexta-feira, ela leu os cartazes com as falas e disse: “Isso não é
engraçado.” Então recebeu permissão para improvisar algumas falas, e fez
isso. “Deixamos mais real e engraçado”, opina ela. Grimes também
apareceu, em um quadro inspirado no jogo Super Mario Bros. Uma ideia que
eles ensaiaram, em que a piada era com alguns dos tuítes antiwoke de Musk,
envolvia-o representando um James Bond totalmente woke, mas não
funcionou, e essa parte foi cortada do programa.
A festa pós-programa aconteceu na badalada casa de shows de Ian
Schrager, o Public Hotel, que estava fechada por causa da covid, mas
reabriu só para o evento. Chris Rock, Alexander Skarsgård e Colin Jost
estavam lá junto com Grimes, Kimbal, Tosca e Maye. Elon foi embora por
volta das seis da manhã e rumou, com Kimbal e algumas outras pessoas,
para a casa de Tim Urban, o blogueiro, onde ficou acordado por mais
algumas horas conversando. “Ele é um cara tão nerd que na infância não
sabia cair na farra”, diz Maye, “mas agora já compensou isso”.
Aniversário de 50 anos
Musk costumava comemorar seus aniversários com festas à fantasia
elaboradas. Principalmente as que Talulah Riley coreografava. Entretanto,
quando chegou ao marco de 50 anos, em 28 de junho de 2021, ele havia
acabado de se submeter à terceira cirurgia no pescoço para aliviar a dor da
lesão que sofrera ao tentar derrubar um lutador de sumô na festa de
aniversário de 42 anos. Então, decidiu fazer só uma reunião tranquila com
amigos próximos em Boca Chica.
No trajeto de saída do aeroporto de Brownsville, Kimbal comprou a
maioria dos fogos de artifício em uma banca de beira de estrada, os quais
disparou com os filhos mais velhos de Elon, Griffin, Kai, Damian e Saxon.
Eram fogos de artifício de verdade, não pequenos e fracos foguetes de
garrafa, porque, como Kimbal explica, “no Texas você pode fazer o que
quiser”.
Além da dor no pescoço, Musk estava exausto do trabalho. Ele havia
passado o dia andando pelas tendas de produção em Boca Chica, onde se
irritou com a complexidade da seção que ligava o foguete auxiliar da
Starship com a espaçonave de segundo estágio. “Há tantas aberturas na
cobertura que parece um queijo suíço!”, reclamou ele em um e-mail para
Mark Juncosa. “O tamanho dos buracos para antenas deveria ser mínimo —
só o suficiente para passar o fio. Todas as cargas e outras exigências de
design devem ter um nome individual atribuído a elas. Nada de design
coletivo.”
Durante boa parte do fim de semana de aniversário, os amigos dele o
deixaram sozinho para que pudesse dormir. Quando finalmente acordou,
reuniu todo mundo para um jantar no Flaps, o restaurante para funcionários
que a SpaceX havia construído perto da base de lançamento. Depois, todos
foram para a pequena casa dele e se reuniram no estúdio ainda menor, que
ficava na cabana no quintal em que Grimes trabalhava. Havia apenas
almofadões no chão, e eles simplesmente ficaram ali, Musk deitado no chão
com uma almofada sob o pescoço, e conversaram até o dia raiar.
* “Se eu o amasse menos/ Faria com que ele ficasse/ Mas ele tem que ser o melhor/ Jogador/ Estou
apaixonada pelo maior jogador/ Mas ele sempre vai amar o jogo/ Mais do que me ama/ Navegue para
longe/ Para a fria imensidão do espaço/ Nem mesmo o amor/ Conseguiu te segurar aqui.” [N. da T.]
capítulo 62
Inspiration4
SpaceX, setembro de 2021
***
A última vez que civis haviam sido lançados em órbita fora em 1986, na
missão do ônibus espacial Challenger, que levava a professora Christie
McAuliffe e explodiu um minuto após a decolagem. Grimes achava que essa
era uma ferida que os Estados Unidos precisavam curar, e a Inspiration4
faria isso. Por isso, ela assumiu o papel de “feiticeira mestra”, e lançou
feitiços de boa sorte no foguete antes do lançamento.
Como sempre ocorria durante momentos de tensão, Musk distraía a
mente pensando no futuro. Sentado na sala de controle ao lado de Kiko
Dontchev, que estava tentando se concentrar na contagem regressiva, ele
ficou fazendo perguntas sobre o sistema da Starship que estava sendo
construído em Boca Chica e sobre como convencer os engenheiros a sair da
Flórida e se mudar para lá.
Hans Koenigsmann estava participando de seu último lançamento.
Depois de trabalhar por vinte anos na SpaceX, desde o grupo destemido que
lançou os voos originais da Falcon 1 em Kwaj, Musk foi empurrando o ex-
parceiro para fora após o relatório que ele escreveu sobre a desobediência às
ordens meteorológicas da FAA. Depois que o foguete Inspiration4 decolou,
ele se aproximou e abraçou desajeitadamente Musk para se despedir. “Fiquei
preocupado com a possibilidade de eu acabar ficando um pouco chateado ou
emotivo”, confessa Koenigsmann. “Trabalhei lá mais tempo do que todos os
outros.”
Eles conversaram por alguns minutos sobre quão importante era essa
missão civil para a história da exploração do espaço. Quando Koenigsmann
estava saindo, Musk voltou a atenção para o telefone a fim de checar seu
feed no Twitter. Grimes deu um cutucão nele: “É a última missão dele”,
disse ela.
“Eu sei”, replicou Musk, olhando para Koenigsmann e acenando.
“Não fiquei ofendido”, diz Koenigsmann. “Musk se importa muito, mas
não é emocionalmente carinhoso.”
***
***
Jake McKenzie
Enquanto comandava reuniões na sala de conferências todas as noites,
Musk estava procurando alguém que pudesse supervisionar o design do
Raptor. “Há algum líder em ascensão?”, perguntou Shotwell a ele depois de
uma das sessões de Musk com engenheiros menos graduados.
“Minha rede neural para avaliar capacidade de engenharia é boa, mas é
difícil quando eles estão camuflados”, reclamou Musk. Então, ele começou a
fazer também sessões individuais, nas quais enchia de perguntas os
engenheiros de nível médio.
Depois de algumas semanas, um jovem engenheiro chamado Jacob
McKenzie começou a se destacar. A combinação de um sorriso angelical
com dreadlocks na altura dos ombros o deixava com uma aparência
descolada mas discreta. Musk gosta de dois tipos de assistente: os Red Bulls,
como Mark Juncosa, altamente cafeinados, loquazes e que vomitam ideias, e
os Spocks, cuja fala comedida lhes dá a típica aura de competência de um
vulcano. McKenzie fazia parte desta última categoria.
Ele havia sido criado na Jamaica e depois se mudou para o norte da
Califórnia, onde se interessou por carros, foguetes e “qualquer coisa com
muita engenharia pesada”. A família dele era pobre, e ele trabalhou num
armazém para ganhar algum dinheiro durante o ensino médio. McKenzie
economizou com o objetivo de ir para a Santa Rosa Junior College, onde
estudou engenharia, e se saiu bem o suficiente a ponto de conseguir se
transferir para Berkeley e depois para a graduação no MIT, onde fez um
doutorado em engenharia mecânica.
Na SpaceX, onde começou a trabalhar em 2015, ele geria uma equipe
que produzia as válvulas para o motor Raptor. É uma função
importantíssima. Muitas vezes quando a contagem regressiva é
interrompida, a causa é um vazamento em uma válvula. McKenzie tinha
interagido com Musk poucas vezes, e ficou surpreso quando o patrão
começou a falar sobre a possibilidade de ele comandar o programa Raptor.
“Eu achava que Musk nem sabia o meu nome”, confessa McKenzie. Talvez
fosse o caso, mas Musk sabia que o trabalho dele era bom. A equipe de
McKenzie havia melhorado os atuadores da Starship, um dos muitos
projetos nos quais Musk mergulhou pessoalmente.
Certa noite em setembro de 2021, pouco depois da meia-noite, Musk
enviou uma mensagem para McKenzie: “Está acordado?” De modo nada
surpreendente, McKenzie respondeu: “Sim, acordado, vou ficar no
escritório pelo menos mais algumas horas.” Musk ligou e disse que ia
promovê-lo. Às quatro e meia da manhã, ele enviou um e-mail. “Jake
McKenzie vai responder diretamente a mim daqui em diante”, escreveu.
Musk disse que um dos seus objetivos era “trocar a maioria dos flanges e das
peças feitas de liga Inconel por ligas de aço soldáveis, bem como excluir
qualquer peça que seja *potencialmente* desnecessária. Se nós não tivermos
que recolocar algumas peças, significa que não eliminamos o suficiente”.
McKenzie começou a aplicar soluções no estilo da indústria automotiva,
o que em alguns casos resultava em peças 90% mais baratas. Ele pediu a
Lars Moravy, um dos principais executivos na Tesla, para caminhar com ele
pela linha de produção da SpaceX e sugerir técnicas automotivas que
poderiam simplificar as coisas. Às vezes, Moravy ficava tão chocado com as
complexidades desnecessárias na linha de motores de foguetes que cobria os
olhos. “Ok, dá para tirar as mãos do rosto?”, perguntou McKenzie. “Porque
isso está me magoando demais.”
A maior mudança que Musk fez foi colocar engenheiros de projeto no
comando da produção, como havia feito por um tempo na Tesla. “Criei
grupos de design e produção separados há muito tempo, e foi um erro
idiota”, disse em uma das primeiras reuniões que McKenzie liderou. “Você é
responsável pelo processo de produção. Não pode repassar essa tarefa para
ninguém. Se o design custa caro para produzir, mude o design.” McKenzie e
toda a equipe dele de engenharia deslocaram as 75 mesas para que ficassem
ao lado das linhas de montagem.
O motor 1337
Um método que Musk usava quando um problema se tornava complicado
era voltar a atenção para o projeto de uma versão futura do produto. Foi isso
que ele fez com o Raptor algumas semanas depois que McKenzie assumiu:
declarou que passariam a se dedicar a fazer um motor completamente novo.
Seria algo tão diferente que ele não queria batizá-lo com o nome em inglês
de alguma espécie de falcão, como Merlin ou Kestrel. Em vez disso, decidiu
usar um meme do mundo da programação e chamá-lo de 1337, que se
pronunciava “LEET” (os números se assemelham ligeiramente a essas
letras). O objetivo era fazer um motor que custasse menos de mil dólares
por tonelada de impulso, e que dessa forma seria, disse ele, “o
desenvolvimento fundamental necessário para tornar a vida
multiplanetária”.
O objetivo de desenhar um motor novo era fazer todo mundo pensar de
modo ousado. “Nosso objetivo é o grande motor da aventura”, disse Musk
em um discurso motivacional para a equipe. “Existe uma chance de êxito
maior que zero? Caso sim, inclua no projeto! Se descobrirmos que as
mudanças que fizemos são ousadas demais, voltamos atrás.” O objetivo
principal era fazer um motor reduzido às características mais essenciais. “Há
muitas maneiras de se esfolar um gato”, disse. “Mas é importante saber
como é o gato sem pele. A resposta é: musculoso e cheio de saliências.”
Ainda naquela noite, ele mandou uma sequência de mensagens para
enfatizar como estava falando sério sobre esse novo plano. “Não estamos
mirando na Lua”, escreveu. “Estamos mirando em Marte. Um sentimento
maníaco de urgência é o nosso princípio operacional.” Em uma mensagem
que mandou diretamente para McKenzie, ele acrescentou: “O motor
SpaceX 1337 é o último grande avanço crítico necessário para levar a
humanidade a Marte!!! Nenhuma palavra basta para captar quão importante
isso é para o futuro da civilização.”
Ele sugeriu pessoalmente algumas ideias extremas, como excluir todo o
coletor de gás combustível quente e fundir a bomba turbomolecular de
combustível com o injetor da câmara principal. “Pode resultar em uma má
distribuição de gás combustível, ou não. Vamos descobrir.” Ele reforçou a
cruzada com e-mails quase toda a noite. “Estamos numa *fúria* de
exclusão!!”, escreveu em um deles. “Nada é sagrado. Todo tubo, sensor, peça
etc. levemente questionável será eliminado esta noite. Por favor, sejam
ultrafirmes na eliminação e na simplificação.”
Ao longo de outubro de 2021, as reuniões noturnas sempre atrasavam, e
a maioria começava por volta das onze horas. Mesmo assim, geralmente
havia dezenas de pessoas na sala de conferências e mais de cinquenta
participando remotamente. Em cada sessão costumava surgir uma nova
ideia para simplificação ou eliminação. Certa noite, por exemplo, Musk se
concentrou em se livrar de toda a saia do propulsor, que é a parte aberta não
pressurizada situada bem embaixo. “Isso não ajuda a conter uma parte
significativa do propelente”, comentou ele. “É como mijar numa piscina.
Não afeta muito a piscina.”
Depois de um mês, tão abruptamente quanto havia forçado a equipe a se
concentrar em um motor futurista 1337, Musk voltou a atenção de todos
novamente para a revisão do Raptor, a fim de transformá-lo em um Raptor
2 mais elegante e potente. “Estou mudando o foco da propulsão da SpaceX
de volta para o Raptor”, anunciou ele em uma mensagem às duas da manhã.
“Precisamos de ritmo de produção de motor de um por dia para manter uma
cadência decente de lançamento. Atualmente, é de um a cada três dias.”
Perguntei se isso reduziria a velocidade do desenvolvimento do 1337. “Sim”,
respondeu ele. “Não podemos tornar a vida multiplanetária com o Raptor,
porque é muito caro, mas o Raptor é necessário para nos levar adiante até
que o 1337 esteja pronto.”
O surto envolvendo o 1337 e o recuo posterior foram uma estratégia
cuidadosamente elaborada por Musk para fazer a equipe pensar de modo
mais ousado, ou tudo não passou de um ato impulsivo em que ele acabou
voltando atrás? Como lhe é comum, foi uma mistura das duas coisas. Isso
serviu ao propósito de incitar o surgimento de ideias novas, inclusive a de se
livrar de várias capas e saias, que seriam incorporadas aos objetivos dele para
um Raptor aprimorado. “O exercício ajudou a definir como seria um motor
ideal”, afirma McKenzie. “Mas não estava nos permitindo progredir em
coisas que eram imediatamente necessárias para avançar no programa
Starship.” Ao longo do ano seguinte, McKenzie e sua equipe foram capazes
de produzir Raptors quase como se fossem carros em uma linha de
montagem. No feriado de Ação de Graças de 2022, eles estavam fabricando
mais de um por dia, e fizeram um estoque para futuros lançamentos da
Starship.
capítulo 64
Nasce o Optimus
Tesla, agosto de 2021
Dia da IA
Quarenta e oito horas antes do Dia da IA, Musk fez virtualmente uma
reunião de preparação com a equipe da Tesla de Boca Chica. O dia também
incluiu uma reunião com o Escritório de Conservação de Peixes e Vida
Selvagem do Texas com o propósito de conseguir apoio para os lançamentos
da Starship, uma reunião financeira da Tesla, uma discussão sobre as
finanças dos telhados solares, uma reunião sobre os lançamentos futuros de
civis, uma caminhada controversa pelas tendas em que a Starship estava
sendo montada, uma entrevista para um documentário da Netflix e a
segunda visita de Musk, tarde da noite, ao loteamento residencial onde a
equipe de Brian Dow estava instalando telhados solares. Depois da meia-
noite, ele entrou no avião e seguiu para Palo Alto.
“É exaustivo ter que transitar entre tantas questões”, disse ele quando
finalmente relaxou no avião. “Mas há muitos problemas, e tenho que
resolver tudo.” Então, por que ele estava agora saltando para o mundo da IA
e dos robôs? “Porque estou preocupado com Larry Page”, respondeu. “Tive
conversas longas com ele sobre os perigos da IA, mas ele não entende.
Agora, mal nos falamos.”
Quando pousamos, às quatro da manhã, ele foi para a casa de um amigo
para dormir por algumas horas e em seguida dirigiu-se à sede da Tesla em
Palo Alto para um encontro com a equipe que se preparava para o anúncio
do robô. O plano era que uma atriz se vestisse como o robô e subisse no
palco. Musk ficou empolgado. “Ela vai fazer acrobacias!”, declarou, como se
fosse um esquete de Monty Python. “Podemos pedir que ela faça coisas legais
que parecem impossíveis? Como sapatear com um chapéu e uma bengala?”
Musk tinha uma meta séria: o robô deveria parecer mais divertido do que
ameaçador. Como se tivesse sido combinado, X começou a dançar na mesa
da sala de conferências. “O menino tem baterias boas”, disse o pai. “Ele
recebe atualizações de software andando, olhando e ouvindo.” Era este o
objetivo: um robô que pudesse aprender a fazer coisas ao ver e imitar
humanos.
Depois de mais algumas piadas sobre danças com chapéu e bengala,
Musk começou a mergulhar nas especificações finais. “Vamos fazer o robô
andar a oito quilômetros por hora, não seis, e dar potência para levantar um
pouco mais de peso”, afirmou ele. “Nós exageramos na tentativa de fazê-lo
parecer dócil.” Quando os engenheiros disseram que estavam planejando ter
baterias que pudessem ser trocadas quando se exaurissem, Musk vetou a
ideia. “Muitos tolos foram pelo caminho da bateria substituível, e
geralmente isso se deu porque a bateria deles era ruim”, declarou ele. “Nós
originalmente fizemos isso com a Tesla. Sem conjunto de bateria
substituível. Basta fazer o conjunto maior para que possa operar por
dezesseis horas.”
Depois da reunião, ele continuou na sala de conferências. O pescoço dele
estava doendo por causa do antigo acidente com o lutador de sumô, e ele se
deitou no chão com uma bolsa de gelo na cabeça. “Se conseguirmos
produzir um robô de uso geral que pode te observar e aprender a fazer uma
tarefa, isso vai turbinar a economia a um grau que é uma loucura”, disse. “Aí
então podemos instituir um salário mínimo universal. Trabalhar se tornaria
uma escolha.” Sim, e alguns ainda seriam levados a trabalhar de modo
maníaco.
***
O chip
A tecnologia subjacente para o chip Neuralink se baseou no Utah Array,
inventado na Universidade de Utah em 1992, que é um microchip cravejado
com cem agulhas que podem ser enfiadas no cérebro. Cada agulha detecta a
atividade de um único neurônio e envia os dados por um fio para uma caixa
presa no crânio de alguém. Como o cérebro tem cerca de 86 bilhões de
neurônios, esse era apenas um nanopasso em direção à interface humano-
computador.
Em agosto de 2019, Musk publicou um artigo científico em que
descrevia como a Neuralink iria melhorar o Utah Array para criar o que
chamou de “uma plataforma integrada cérebro-máquina com milhares de
canais”. Os chips da Neuralink tinham mais de 3 mil eletrodos em 96 fios.
Como sempre, Musk se concentrou não apenas no produto, mas também
em como ele seria fabricado e utilizado. Robôs trabalhando em alta
velocidade iriam cortar um pequeno buraco no crânio humano, inserir o
chip e introduzir os fios no cérebro.
Ele revelou uma versão inicial do dispositivo em uma apresentação
pública em agosto de 2020 na Neuralink, na qual mostrou uma porca
chamada Gertrude que tinha um chip no cérebro. Um vídeo dela andando
em uma esteira mostrava como o chip poderia detectar sinais no cérebro do
animal e enviar para um computador. Musk segurou o chip, que tinha o
tamanho de uma moeda de 25 centavos de dólar. Quando colocado sob o
crânio, ele poderia transmitir dados sem precisar de fios, o que garantia que
o usuário não ficasse parecendo um ciborgue de um filme de horror. “Eu
posso ter um Neuralink implantado agora e vocês não saberiam”, disse
Musk. “Talvez eu tenha.”
Alguns meses depois, Musk foi ao laboratório da Neuralink em Fremont,
perto da fábrica da Tesla, onde os engenheiros mostraram para ele a última
versão. Ela combinava quatro chips separados, cada um com cerca de mil
fios. Eles seriam implantados em diferentes partes do crânio com fios
conectados a um roteador preso atrás da orelha. Musk ficou parado em
silêncio por quase dois minutos, enquanto Zilis e os colegas dela assistiam.
Então, ele deu o veredito: havia odiado. Era complexo demais, com muitos
fios e conexões.
Ele estava no processo de eliminar conexões nos motores Raptor da
SpaceX. Cada uma era um possível ponto de falha. “Isso tem que ser um
único dispositivo”, disse ele aos desanimados engenheiros da Neuralink.
“Um só pacote elegante sem fios, sem conexões e sem roteador.” Não havia
nenhuma lei da física — nenhum princípio básico — que impedisse toda a
funcionalidade poder estar contida em um único dispositivo. Quando os
engenheiros tentaram explicar por que precisavam do roteador, a expressão
de Musk enrijeceu. “Eliminem”, decretou ele. “Deletem, deletem, deletem.”
Depois que deixaram a reunião, os engenheiros passaram pelos estágios
típicos do transtorno de estresse pós-Musk: perplexidade, raiva e ansiedade.
Apesar disso, em uma semana ficaram intrigados, porque perceberam que a
nova abordagem poderia funcionar.
Quando Musk voltou ao laboratório semanas depois, eles mostraram um
só chip que poderia lidar com o processamento dos dados de todos os fios e
transmiti-los por Bluetooth para um computador. Sem conexões, sem
roteador, sem fios. “Achávamos que era impossível”, comentou um dos
engenheiros, “mas agora estamos muito empolgados com isso”.
Um problema que os engenheiros enfrentavam era causado pela exigência
de que o chip fosse muito pequeno. Isso tornava desafiador ter uma bateria
de vida longa e suporte a muitos fios. “Por que tem que ser tão pequeno
assim?”, perguntou Musk. Alguém cometeu o erro de dizer que era um dos
pré-requisitos que eles receberam. Isso fez com que Musk entoasse seu
algoritmo, a começar pelo questionamento de todas as especificações.
Depois ele falou da ciência básica do tamanho do chip. Nosso crânio é
redondo; o chip não pode ser um pouco abaulado? E o diâmetro não
poderia ser maior? Eles chegaram à conclusão de que o crânio humano
acomodaria facilmente um chip maior.
Quando o dispositivo estava pronto, eles o implantaram em um dos
macacos, chamado Pager, que estava hospedado no laboratório. Ensinaram-
no a jogar Pong no videogame e lhe davam como recompensa uma vitamina
de fruta quando ele se saía bem. O dispositivo da Neuralink gravava quais
neurônios estavam funcionando cada vez que ele mexia o controle de uma
certa maneira. Posteriormente o controle foi desativado, e os sinais do
cérebro do macaco passaram a controlar o jogo. Era um grande passo em
direção ao objetivo de Musk de criar uma conexão direta entre o cérebro e a
máquina. A Neuralink publicou um vídeo disso no YouTube que foi visto 6
milhões de vezes no período de um ano.
capítulo 66
Pura visão
Tesla, janeiro de 2021
Controvérsia
A decisão de Musk de eliminar o radar causou um debate público. Uma
reportagem investigativa minuciosa do e New York Times feita por Cade
Metz e Neal Boudette revelou que muitos engenheiros da Tesla estavam
bastante apreensivos. “Diferentemente dos tecnólogos em quase todas as
outras empresas que estão trabalhando em carros autônomos, o sr. Musk
insiste que a autonomia pode ser atingida só com câmeras”, escreveram.
“Mas muitos dos engenheiros da Tesla questionavam se era seguro o
bastante confiar em câmeras sem o benefício de outros dispositivos sensores,
e se o sr. Musk não estava exagerando em suas promessas aos motoristas
sobre as capacidades do Autopilot.”
Edward Niedermeyer, que havia escrito um livro crítico sobre a Tesla
chamado Ludicrous [Ridículo], publicou uma sequência de tuítes.
“Melhorias nos sistemas comuns de assistência ao motorista estão levando o
setor a usar mais radares, além de modalidades ainda mais inovadoras, como
o LiDAR e imagens térmicas”, escreveu ele. “A Tesla, ao contrário, está
dando um passo para trás.” E Don O’Dowd, um empreendedor de
segurança de software, comprou um anúncio de página inteira no e New
York Times em que chamava o sistema de direção autônoma da Tesla de “o
pior software já vendido por uma empresa incluída na lista Fortune 500”.
A Tesla foi por muito tempo alvo de investigações da National Highway
Traffic Safety Administration, que ganharam impulso depois da eliminação
do radar em 2021. Em um estudo, a agência governamental registrou 273
acidentes com motoristas de carros da Tesla que estavam usando algum
nível de direção assistida, cinco dos quais resultaram em mortes. Também
foi aberta uma investigação sobre onze colisões de Teslas com veículos de
emergência.
Musk estava convencido de que motoristas ruins, não um software ruim,
eram a principal razão por trás da maioria dos acidentes. Em uma reunião,
ele sugeriu usar os dados coletados das câmeras dos carros — uma das quais
fica dentro do veículo e está direcionada ao motorista — para provar quando
havia erro do motorista. Uma das mulheres na mesa reagiu. “Já discutimos
isso com a equipe de privacidade”, disse ela. “Não podemos associar as
transmissões de selfies a nenhum veículo específico, nem mesmo quando há
uma colisão; pelo menos é essa a orientação dos nossos advogados.”
Musk não ficou feliz. O conceito de “equipe de privacidade” não o
comovia. “Sou eu o tomador de decisões nesta empresa, não a equipe de
privacidade”, disse. “Nem sei quem são. Eles são tão privados que nunca
sabemos quem são.” Ouviram-se algumas risadas nervosas. “Talvez a gente
possa fazer um anúncio pop-up para dizer às pessoas que se elas usarem a
FSD [direção totalmente autônoma] vamos coletar dados para o caso de
haver uma colisão”, sugeriu ele. “Haveria algum problema quanto a isso?”
A mulher pensou por um instante e depois assentiu. “Contanto que isso
seja comunicado aos clientes, acho que está tudo bem.”
O Phoenix se levanta
Apesar de teimoso, provas podem fazer Musk mudar de ideia. Ele estava
decidido a eliminar radares em 2021 porque a qualidade técnica desse
dispositivo na época não permitia resolução suficiente para acrescentar
informação significativa ao sistema de visão. No entanto, ele concordou em
permitir que os engenheiros continuassem o programa Phoenix para ver se
conseguiam desenvolver uma tecnologia de radar melhor.
Lars Moravy, o chefe de engenharia automotiva de Musk, colocou um
engenheiro nascido na Dinamarca chamado Pete Scheutzow como
encarregado. “Elon não é contra o radar”, diz Moravy, “ele é contra um
radar ruim”. A equipe de Scheutzow desenvolveu um sistema de radar que
se concentrava nos casos em que o motorista humano não fosse capaz de ver
algo. “Você talvez tenha razão”, disse Musk, e secretamente autorizou testes
do novo sistema no Model S e no Model Y, que são mais caros.
“É um radar muito mais sofisticado do que o radar automotivo comum”,
afirma Musk. “É o que se vê em sistemas de armas. Cria uma imagem do
que está acontecendo, em vez de receber só um sinal de retorno.” Ele de fato
planejava colocá-lo nos carros de luxo da Tesla? “Vale a pena experimentar.
Estou sempre aberto a receber provas de experimentos físicos.”
capítulo 67
Dinheiro
2021-2022
Desde 2007, talvez até o ano passado, a dor tem sido ininterrupta. Tem
uma arma apontada para a sua cabeça, você tem que fazer a Tesla dar
certo, tirar um coelho da cartola e, depois, tirar mais um coelho da
cartola. Uma sequência de coelhos voando pelos ares. Se o próximo
coelho não sair, você estará morto. Isso tem um preço. Não dá para viver
em uma luta constante por sobrevivência, sempre com a adrenalina
altíssima, e não se machucar.
Mas tem outra coisa que descobri este ano: lutar para sobreviver
estimula por um tempo. Quando você não está mais no modo
sobrevivência, não é fácil se motivar todos os dias.
Esse foi um lampejo essencial que Musk teve sobre si mesmo. Quanto
mais terrível a situação, mais energizado ele ficava. No entanto, quando não
estava no modo sobrevivência, sentia-se incomodado. Os momentos que
deveriam ser bons eram enervantes. Isso o levava a armar ondas insanas de
trabalho, promover dramas, se jogar em batalhas que poderia evitar e
assumir novos empreendimentos.
Naquele feriado de Ação de Graças, a mãe dele e a irmã voaram até
Austin a fim de comemorar com ele, os quatro filhos mais velhos, X e
Grimes. Dois dos primos de Elon e as duas meias-irmãs do segundo
casamento do pai também estavam lá. “Precisávamos estar com Elon porque
ele se sente sozinho”, diz Maye. “Ele ama ter a família por perto, e temos
que fazer isso por ele, sabe, porque ele está sob muito estresse.”
No dia seguinte, Damian cozinhou massa para todos e tocou música
clássica no piano. Mas Musk decidiu se concentrar nos motores Raptor, da
Starship. Depois de andar algum tempo pela sala de jantar, parecendo
estressado, ele passou a maior parte do dia em reuniões por telefone.
Depois, abruptamente, anunciou que tinha que voar de volta a Los Angeles
para lidar com a crise do Raptor. Era uma crise que existia principalmente
na cabeça dele. Era fim de semana de Ação de Graças, e o Raptor não seria
necessário por pelo menos um ano.
“Semana passada foi uma boa semana”, comentou ele comigo por
mensagem de texto. “A bem da verdade, passei a noite toda de sexta e
sábado na fábrica de foguetes trabalhando nos problemas do Raptor; ainda
assim, foi uma boa semana. É muito doloroso, mas temos que nos esforçar
para construir o Raptor, mesmo que ele de fato precise de um redesenho
completo.”
capítulo 68
Pai do ano
2021
Bebê Y
Apesar de estarem num momento difícil do relacionamento, Grimes e
Musk se divertiam tanto sendo pais de X que decidiram ter outro bebê. “Eu
realmente queria muito que ele tivesse uma filha”, diz ela. Como a primeira
gravidez havia sido difícil e o corpo de Grimes, muito esguio, a tornava
propensa a ter complicações, eles decidiram por uma barriga de aluguel.
Isso levou a uma improvável situação esquisita e potencialmente
estranha, digna de uma farsa francesa new age. Quando Zilis estava
internada no hospital de Austin por complicações da gravidez, a mãe que
gestava a filha que Musk e Grimes haviam concebido in vitro em segredo
estava no mesmo hospital. Como a mãe de aluguel estava tendo uma
gravidez difícil, Grimes lhe fez companhia. Ela não sabia que Zilis
encontrava-se em um quarto ali perto, nem que estava grávida de Musk.
Talvez não seja surpresa que Musk tenha decidido voar para a Costa Oeste
naquele fim de semana de Ação de Graças para lidar com os problemas mais
simples de engenharia de foguetes.
Quando a filha deles nasceu, em dezembro, apenas algumas semanas
depois dos meios-irmãos gêmeos, Musk e Grimes começaram o demorado
processo de escolha de nomes. A princípio, eles a chamaram de Sailor Mars,
em homenagem a uma das heroínas do mangá Sailor Moon, que apresenta
guerreiras que protegem o sistema solar contra o mal. Parecia um nome
adequado, muito embora pouco convencional, para uma criança que poderia
estar destinada a ir a Marte. Em abril, eles decidiram que precisavam dar a
ela um nome menos sério (isso mesmo), porque “ela é toda brilhante e
muito mais pateta”, disse Grimes. Eles concordaram em Exa Dark Sideræl,
mas no início de 2023 brincaram com a ideia de mudar o nome dela para
Andromeda Synthesis Story Musk. Para simplificar, eles a chamavam de Y
ou, às vezes, “Why?”, com um ponto de interrogação como parte do nome
dela. “Elon sempre diz que precisamos descobrir qual a pergunta antes de
saber as respostas do Universo”, explica Grimes, se referindo ao que
aprendeu com O guia do mochileiro das galáxias.
Quando Musk e Grimes levaram Y para casa, apresentaram-na a X.
Christiana Musk e outros familiares estavam lá, e todos brincaram no chão
como se fossem uma família comum. Musk nunca disse nada sobre ter tido
gêmeos com Shivon. Depois de uma hora de brincadeiras e um jantar
rápido, ele pegou X e o levou no seu avião para Nova York, onde o menino
ficou sentado no colo dele na cerimônia da revista Time que o coroou como
Pessoa do Ano.
O título concedido pela revista foi o auge no tocante à popularidade de
Musk. Em 2021, ele passou a ser a pessoa mais rica do mundo, a SpaceX se
tornou a primeira empresa privada a colocar uma equipe civil em órbita e a
Tesla chegou ao valor de mercado de 1 trilhão de dólares ao encabeçar uma
mudança histórica na indústria automobilística mundial, com a era dos
veículos elétricos. “Poucos indivíduos tiveram mais influência do que Musk
na vida na Terra e potencialmente na vida fora da Terra também”, escreveu
Ed Felsenthal, editor da Time. O Financial Times também o declarou
Pessoa do Ano: “Musk está apostando em ser o empreendedor mais
inegavelmente inovador de sua geração.” Na entrevista para o jornal, Musk
destacou as missões que moviam as empresas dele. “Estou apenas tentando
levar as pessoas a Marte, promover a liberdade da informação com a
Starlink, acelerar a tecnologia sustentável com a Tesla e libertar as pessoas
da labuta de dirigir”, afirmou. “É bem possível que a estrada para o inferno
seja em parte pavimentada com boas intenções — mas a estrada para o
inferno é, principalmente, pavimentada com más intenções.”
capítulo 69
Política
2020-2022
Biden
À medida que Musk ficava mais preocupado com a mentalidade woke, a
lealdade partidária dele mudou. “Este vírus da mentalidade woke jaz
principalmente no Partido Democrata, apesar de a maioria dos democratas
não concordar com isso”, disse. A evolução era também uma reação a
ataques contra ele por alguns democratas. “Elizabeth Warren realmente me
chamou de vigarista aproveitador que não paga impostos, quando estou
literalmente pagando mais impostos do que qualquer indivíduo na história”,
diz. Ele ficou especialmente enfurecido com um ataque de uma deputada
progressista da Califórnia, Lorena Gonzalez. “F*da-se Elon Musk”, tuitou
ela. Isso se somava à frustração dele com a Califórnia. “Eu vim para cá
quando era a terra da oportunidade”, comenta Musk. “Agora, é a terra do
litígio, da regulamentação e dos impostos.”
Ele havia desenvolvido um profundo desprezo por Donald Trump, que
considerava um vigarista, mas não ficou impressionado com Joe Biden.
“Quando Biden era vice-presidente, fui a um almoço com ele em São
Francisco em que falou por uma hora e foi chato pra caramba, como um
daqueles bonecos em que você puxa uma cordinha e ele fica repetindo as
mesmas frases bobas.” Mesmo assim, Musk diz que votaria em Biden em
2020, mas decidiu que votar na Califórnia, onde estava cadastrado o seu
título de eleitor, era uma perda de tempo porque não era um estado em que
a disputa seria acirrada.
Seu desprezo por Biden aumentou em agosto de 2021, quando o
presidente realizou um evento na Casa Branca em homenagem aos veículos
elétricos. Os chefes da GM, da Ford e da Chrysler, junto com o líder da
United Auto Workers, foram convidados, mas não Musk, apesar de a Tesla
ter vendido mais carros elétricos nos Estados Unidos do que todas as outras
empresas somadas. A secretária de comunicação de Biden, Jen Psaki, foi
sincera quanto ao motivo. “Bem, estes são os três maiores empregadores da
United Auto Workers”, disse ela, “então vou deixá-lo tirar suas próprias
conclusões”. A UAW não tinha conseguido sindicalizar a fábrica da Tesla
em Fremont, em parte por causa do que o Conselho Nacional de Relações
Trabalhistas considerou ações antissindicais ilegais da empresa, em parte
porque seus trabalhadores (como nas outras novas empresas de veículos
elétricos, Lucid e Rivian) obtiveram opções de ações, o que não costuma
fazer parte dos contratos sindicais.
Biden foi mais longe em novembro, quando visitou a fábrica da GM em
Detroit com a CEO Mary Barra e membros da liderança da UAW. “Detroit
está liderando o mundo em veículos elétricos”, disse Biden. “Mary, eu me
lembro de ter conversado com você em janeiro sobre a necessidade de os
Estados Unidos serem líderes no ramo dos carros elétricos. Você mudou
toda a história, Mary. Você tornou elétrica toda a indústria automobilística.
É sério. Você liderou, e isso é importante.”
De fato, a GM começara a liderar a mudança para veículos elétricos nos
anos 1990, mas havia desistido. Quando Biden fez essa declaração, a GM
tinha apenas um veículo elétrico, o Chevy Bolt, que havia sofrido um recall
e não estava sendo produzido na época. No último quadrimestre de 2021, a
GM vendeu um total de 26 veículos elétricos nos Estados Unidos. Naquele
ano, a Tesla vendeu cerca de 300 mil carros elétricos nos Estados Unidos.
“Biden é um fantoche murcho em forma de gente”, retorquiu Musk. Dana
Hull, uma repórter da Bloomberg que costumava ser crítica de Musk (ele a
bloqueou no Twitter), escreveu: “Biden faria melhor em se ater aos fatos e
reconhecer — como o mercado fez — o papel da Tesla como líder na
revolução dos carros elétricos.”
Os assessores de Biden, muitos dos quais dirigiam Teslas, começaram a
se preocupar com a crescente briga, e, no início de fevereiro de 2022, o
chefe de gabinete, Ron Klain, e o principal assessor econômico de Biden,
Brian Deese, ligaram para Musk. Ele achou os dois surpreendentemente
razoáveis. Ansiosos por aplacar a raiva de Musk, ambos prometeram que o
presidente elogiaria a Tesla publicamente, e inseriram uma frase num
discurso que seria feito por ele no dia seguinte: “Empresas anunciaram
investimentos que somam mais de 200 bilhões de dólares na fabricação
doméstica aqui nos Estados Unidos — desde empresas emblemáticas, como
a GM e a Ford, que estão desenvolvendo uma nova produção de veículos
elétricos, até a Tesla, a maior fabricante de veículos elétricos do país.” Não
era um endosso completo, mas apaziguou Musk, pelo menos por algum
tempo.
A distensão com o governo Biden não estava fadada a durar. Musk
enviou um e-mail para os principais executivos na Tesla expressando seu
“sentimento super-ruim” com relação à economia e pedindo a eles que se
preparassem para uma recessão. Quando o e-mail vazou, Biden foi
questionado sobre o assunto. Ele soltou uma farpa sarcástica: “Então, sabe,
que ele tenha muita sorte na viagem à Lua.” Era como se Biden pensasse
que Musk era algum maluco tentando voar até a Lua. Na realidade, o
módulo de pouso lunar da SpaceX estava sendo construído para os Estados
Unidos, e havia sido contratado pela NASA. Alguns minutos depois do
comentário de Biden, Musk tirou sarro da falta de noção do presidente:
“Obrigado, sr. presidente!”, tuitou, e incluiu um link para a nota da NASA à
imprensa que dizia ter fechado um contrato com a SpaceX para pousar
astronautas norte-americanos na Lua.
***
Um círculo libertário
Certo dia no início de 2022, Musk decidiu dar uma festa de última hora na
gigafábrica da Tesla no Texas, que estava quase pronta. O assistente dele,
Omead Afshar, encomendou um protótipo do Cybertruck e fez com que o
levantassem até um dos espaços abertos no segundo andar da fábrica. Ele
instalou um bar, usou os assentos dos carros em produção para criar um
enorme saguão e colocou alguns robôs da linha de montagem ao redor só
por diversão.
Musk convidou o amigo Luke Nosek, cofundador da PayPal e investidor
da SpaceX, que sugeriu convidar também Joe Rogan, o podcaster morador
de Austin e um politicamente incorreto orgulhoso, em cujo programa Musk
havia fumado um baseado em meio à confusão de 2018. Nosek também
chamou Jordan Peterson, o psicólogo canadense e ocasional provocador
antiwoke, que estava de visita. Peterson chegou trajado de paletó de
colarinho de veludo cinza com um colete de veludo cinza combinando.
Depois da festa, um pequeno grupo que incluía Musk, Rogan, Peterson e
Grimes foi à casa de Nosek, onde ficaram conversando até as três da manhã.
Nosek, que nasceu na Polônia, havia sido um libertário dedicado desde os
tempos na Universidade do Illinois, onde teve longas discussões com Max
Levchin. Eles iriam se tornar cofundadores, juntamente com Musk e o
libertário ainda mais ardente Peter iel, da PayPal. Nosek havia estado
entre as poucas pessoas que comemoraram na casa de iel a vitória de
Trump em 2016.
O grupo de amigos de Musk em Austin também incluía o cofundador da
PayPal Ken Howery, que era embaixador de Trump na Suécia, e o jovem
empreendedor de tecnologia Joe Lonsdale, outro pupilo de iel. Outro
amigo dos dias da PayPal era o empreendedor de São Francisco e investidor
de risco David Sacks. As opiniões políticas de David não eram rigidamente
partidárias; ele havia apoiado tanto Mitt Romney quanto Hillary Clinton.
Contudo, desde o tempo de estudante, preocupava-o o que ele chamou de
correção política, e em 1995 ele escreveu com iel o livro e Diversity
Myth: Multiculturalism and Political Intolerance on Campus [O mito da
diversidade: multiculturalismo e intolerância política na universidade], que
denunciava, usando a alma mater deles, Stanford, como exemplo, “o impacto
debilitante do ‘multiculturalismo’ politicamente correto sobre o ensino
superior e a liberdade acadêmica”.
Nenhuma dessas pessoas determinava as visões políticas de Musk, e seria
errado pintá-las como influenciadoras sombrias dos bastidores. Musk era
obstinadamente cheio de opiniões, pela própria natureza e por instinto. Mas
elas tendiam a reforçar os sentimentos antiwoke dele.
O salto de Musk para a direita em 2022 desconcertou os amigos
progressistas, entre eles a primeira esposa, Justine, e a então namorada,
Grimes. “A chamada guerra contra a mentalidade woke é uma das coisas
mais idiotas da história”, tuitou Justine naquele ano. Quando ele começou a
enviar memes de direita e teorias da conspiração para Grimes, ela
respondeu: “Isto é do 4chan ou algo do tipo? Você está começando a soar
como alguém da extrema direita.”
Havia uma esquisitice no recém-descoberto fervor antiwoke de Musk,
bem como no ocasional apoio a teorias da conspiração da direita radical.
Elas vinham em ondas, assim como sua personalidade demoníaca; não era o
padrão de Musk. Na maior parte do tempo, ele alegava ser de centro
moderado, muito embora com uma tendência libertária pela resistência
natural a regulamentações e regras. Já havia feito doações para a campanha
de Obama, e certa vez ficou por seis horas em uma fila para apertar a mão
do então futuro presidente em um evento. “Estou pensando em criar um
‘supercomitê de ação política (CAP) supermoderado’ que apoia candidatos
com visões centristas de todos os partidos”, tuitou ele certa vez em 2022. E,
mais tarde naquele verão, quando voou para comparecer a um evento de
arrecadação de recursos para o CAP do líder republicano na Câmara, Kevin
McCarthy, inoculou-se com um tuíte para tentar tranquilizar os que
achavam que iria se tornar totalmente pró-Trump: “Para deixar claro, apoio
a metade à esquerda do Partido Republicano e a metade à direita do Partido
Democrata!”
Entretanto, as opiniões políticas de Musk, assim como os humores dele,
eram volúveis. Ao longo de 2022, ele se alternou entre elogios animados por
moderação e reclamações raivosas sobre como a mentalidade woke e a
censura perpetuadas pela elite da mídia eram uma ameaça existencial à
humanidade.
Polytopia
Uma chave para entender Musk — a intensidade, o foco, a competitividade,
as atitudes teimosas e o amor pela estratégia — é a paixão dele por
videogames. Horas de imersão se tornaram a maneira de ele gastar energia
(ou armazená-la) e melhorar as habilidades e o pensamento estratégico para
os negócios.
Aos 13 anos, na África do Sul, depois de aprender sozinho a programar,
Musk desenvolveu um jogo eletrônico chamado Blastar. Ele descobriu
maneiras de hackear jogos de fliperama para jogar de graça, considerou abrir
um fliperama e fez estágio em uma empresa produtora de jogos. Como
estudante de graduação, começou a se concentrar no gênero conhecido
como jogos de estratégia — a princípio com Civilization e Warcraft: Orcs
and Humans —, nos quais os jogadores se revezam enquanto competem
para ganhar uma campanha militar ou econômica usando estratégias
inteligentes, gestão de recursos e pensamento tático de árvore de decisão.
Em 2021, Musk ficou obcecado com um novo jogo multiplayer de
estratégia no iPhone chamado Polytopia. Nele, os jogadores escolhiam um
entre dezesseis personagens, conhecidos como tribos, e competiam para
desenvolver tecnologias, monopolizar recursos e batalhar de forma a
construir um império. Ele se tornou tão bom que era capaz de vencer o
desenvolvedor sueco do jogo, Felix Ekenstam. O que a paixão pelo jogo diz
sobre ele? “Fui feito para a guerra, basicamente”, respondeu Musk.
Shivon Zilis instalou o app no celular para que eles pudessem jogar
juntos. “Fiquei viciada, e tem tantas lições de vida para aprender, tantas
coisas estranhas sobre você e seus oponentes”, diz. Um dia em Boca Chica,
depois de uma discussão tensa com alguns engenheiros sobre a necessidade
de usar correntes de segurança quando moviam o foguete auxiliar da
Starship, Musk se recolheu para se sentar em um equipamento no canto do
estacionamento e jogou duas intensas partidas de Polytopia no telefone
contra Zilis, que estava em Austin. “Ele simplesmente acabou comigo nas
duas”, conta ela.
Ele também convenceu Grimes a baixar o jogo. “Ele não tem hobbies ou
maneiras de relaxar que não sejam jogos eletrônicos”, diz ela, “e leva isso tão
a sério que acaba sendo muito intenso”. Durante uma partida em que os
dois haviam combinado que formariam uma frente unificada contra outras
tribos, ela o atacou de surpresa com uma bola de fogo. “Foi uma das nossas
maiores brigas”, lembra ela. “Ele interpretou isso como um ato de profunda
traição.” Grimes reclamou, e disse que aquilo era só um jogo, uma coisa de
pouca importância. “É muito importante”, rebateu Musk. Ele ficou sem
falar com Grimes pelo resto do dia.
Em uma visita à fábrica da Tesla em Berlim, ele ficou tão envolvido em
Polytopia que atrasou reuniões com gerentes locais. A mãe dele, que também
viajara, o criticou. “É verdade, eu errei”, admitiu Musk. “Mas é o melhor
jogo que existe.” Durante a viagem de volta em seu avião, ele jogou a noite
toda.
Alguns meses depois, em Cabo San Lucas, aonde fora para a festa de
aniversário de Christiana Musk, Elon passou horas sozinho no quarto ou no
canto jogando. “Por favor, você precisa vir ficar com a gente”, implorou a
cunhada, mas ele se recusou. Kimbal tinha aprendido o jogo para se
aproximar do irmão. “Ele disse que ia me ensinar a ser um CEO assim
como ele”, fala Kimbal. “Chamamos de Lições de Vida do Polytopia.” Entre
elas:
Empatia não é uma vantagem. “Ele sabe que tenho o gene da empatia,
diferentemente dele, e isso me prejudicou nos negócios”, diz Kimbal.
“Polytopia me ensinou como ele pensa quando se tira a empatia. Quando
você joga não há empatia, certo?”
Viva a vida como um jogo. “Tenho essa sensação”, comentou Zilis certa
vez para Musk, “de que, quando você era criança e estava jogando um
desses jogos de estratégia, sua mãe desligou o videogame e você nem
reparou, e continuou vivendo a vida como se fosse aquele jogo”.
Não tenha medo de perder. “Você vai perder”, afirma Musk. “Vai doer nas
primeiras cinquenta vezes. Quando se acostumar a perder, vai jogar cada
partida com menos emoção.” Você será mais ousado, correrá mais riscos.
Starlink ao resgate
Uma hora antes de iniciar a invasão à Ucrânia, em 24 de fevereiro de 2022,
a Rússia lançou um ataque gigantesco de malware para impedir o
funcionamento dos roteadores da empresa norte-americana de satélites
Viasat, que fornecia serviços de comunicação e internet para o país. O
sistema de comando das Forças Armadas ucranianas ficou prejudicado, o
que praticamente impossibilitou a organização de uma defesa. De modo
frenético, altos oficiais ucranianos pediram ajuda a Musk, e o vice-primeiro-
ministro, Mykhailo Fedorov, usou o Twitter para pedir que ele fornecesse a
conectividade. “Pedimos que você forneça estações da Starlink para a
Ucrânia”, escreveu.
Musk aceitou. Dois dias depois, quinhentos terminais chegaram à
Ucrânia. “As Forças Armadas dos Estados Unidos querem ajudar com o
transporte, e o Departamento de Estado ofereceu voos humanitários e uma
pequena compensação”, escreveu Gwynne Shotwell num e-mail a Musk. “O
pessoal está realmente empenhado!”
“Maravilha”, respondeu Musk. “Parece bom.” Ele entrou em uma
chamada por Zoom com o presidente Volodymyr Zelensky, discutiu a
logística de um sistema mais robusto e prometeu visitar a Ucrânia quando a
guerra acabasse.
Lauren Dreyer, diretora de operações corporativas da Starlink na
SpaceX, começou a mandar e-mails com atualizações para Musk duas vezes
por dia. “A Rússia derrubou boa parte da infraestrutura de comunicações da
Ucrânia hoje, e vários kits da Starlink já estão permitindo que as Forças
Armadas ucranianas continuem operando centros de comando”, escreveu ela
em 1o de março. “Esses kits podem salvar vidas, já que o oponente agora
está se concentrando intensamente em infraestrutura de comunicações. Eles
estão pedindo mais.”
No dia seguinte, a SpaceX enviou mais dois terminais pela Polônia.
Dreyer, contudo, disse que não havia eletricidade em algumas áreas, de
modo que muitos dos kits não iriam funcionar. “Vamos oferecer o envio de
kits de energia solar + baterias”, respondeu Musk. “Podemos mandar
Powerwalls da Tesla e Megapacks também.” As baterias e os painéis solares
logo estavam a caminho.
Durante todos os dias daquela semana, Musk fez reuniões regulares com
os engenheiros da Starlink. Ao contrário de todas as outras empresas e até
mesmo de setores das Forças Armadas norte-americanas, eles conseguiram
encontrar modos de derrotar o bloqueio de comunicações imposto pela
Rússia. No domingo, a empresa estava oferecendo conexão de voz para uma
brigada de operações especiais da Ucrânia. Kits da Starlink também estavam
sendo usados para conectar as Forças Armadas ucranianas com o Comando
de Operações Especiais Conjuntas dos Estados Unidos e retomar as
transmissões televisivas no país. Em questão de dias, mais 6 mil terminais e
antenas foram enviados, e em julho havia 15 mil terminais da Starlink
operando na Ucrânia.
Não demorou para que a Starlink recebesse uma cobertura generosa na
imprensa. “O conflito na Ucrânia ofereceu à novata rede de satélites de
Musk e da SpaceX um teste de fogo que despertou o apetite de muitas
Forças Armadas no Ocidente”, escreveram os repórteres do Politico depois
de fazer um perfil de soldados ucranianos no front que estavam usando o
serviço. “Comandantes ficaram impressionados com a capacidade da
empresa de entregar, em poucos dias, milhares de estações de satélite do
tamanho de uma mochila para o país devastado pela guerra e de mantê-los
conectados à internet, apesar dos ataques cada vez mais sofisticados de
hackers russos.” O e Wall Street Journal também publicou uma
reportagem. “Sem a Starlink estaríamos perdendo a guerra”, declarou um
comandante de pelotão ucraniano ao jornal.
A Starlink contribuiu com metade do custo das antenas e dos serviços
oferecidos. “O que doamos até agora?”, escreveu Musk para Dreyer em 12
de março. Ela respondeu: “Dois mil Starlinks gratuitos e serviço mensal.
Além disso, trezentos outros com desconto significativo para a associação de
TI de Lviv, e demos isenção da taxa mensal de serviço para
aproximadamente 5.500.” Pouco depois, a empresa doou mais 1,6 mil
terminais, e Musk estimou a contribuição total em cerca de 80 milhões de
dólares.
Outra fonte de financiamento veio de agências governamentais dos
Estados Unidos, da Grã-Bretanha, da Polônia e da República Tcheca.
Também houve contribuições de pessoas físicas. O historiador Niall
Ferguson enviou um e-mail para amigos com o propósito de tentar
arrecadar 5 milhões de dólares para a compra e o transporte de mais 5 mil
kits da Starlink. “Se você quiser contribuir, por favor, me informe o quanto
antes”, escreveu. “Eu não tenho como exagerar a importância do papel que a
Starlink tem desempenhado na manutenção das comunicações do governo
ucraniano, impedindo que elas sejam derrubadas pela Rússia.” Três horas
depois, ele recebeu uma resposta de Marc Benioff, o bilionário cofundador
da Salesforce: “Vou doar 1 milhão de dólares. Elon é demais.”
***
***
Musk: Nada, nada vai impedir a Rússia de tentar manter a Crimeia. Isso
cria um risco catastrófico para o mundo… Busquem a paz enquanto vocês
estão em boas condições de negociar… Vamos discutir isso. [Musk incluiu o
número de seu novo celular particular.] Vou dar meu apoio a qualquer
caminho pragmático para a paz que vise ao bem maior para a humanidade.
Fedorov: Entendo. Nós vemos as coisas pelos olhos dos ucranianos e você
vê da posição de alguém que quer salvar a humanidade. E não só quer, como
faz mais por isso do que qualquer outra pessoa.
***
***
***
Havia uma questão controversa que eles precisavam abordar. Gates vendera
ações da Tesla a descoberto, apostando alto que elas iam desvalorizar. Ele
estava errado. Quando chegou a Austin, tinha perdido 1,5 bilhão de dólares.
Musk ficara sabendo disso e estava furioso. Pessoas que apostam na baixa
das ações estavam nos círculos centrais do inferno de Musk. Gates disse que
lamentava o fato, mas isso não aplacou Musk. “Eu pedi desculpa”, relatou
Gates. “Quando ficou sabendo que eu tinha feito venda a descoberto, ele foi
supergrosseiro comigo, mas ele é supergrosseiro com muita gente, então não
dá para levar muito para o lado pessoal.”
A disputa era reflexo de mentalidades diferentes. Quando perguntei a
Gates por que ele havia apostado na baixa da Tesla, ele explicou que tinha
calculado que a oferta de carros elétricos seria maior do que a demanda, o
que levaria os preços a cair. Assenti com a cabeça, mas insisti na mesma
pergunta: por que ele tinha vendido as ações a descoberto? Gates me olhou
como se eu não tivesse entendido o que ele tinha acabado de explicar e
respondeu como se a resposta fosse óbvia: ele achou que ao vender as ações
da Tesla a descoberto podia ganhar dinheiro.
Esse modo de pensar não fazia sentido para Musk. Ele acreditava na
missão de levar o mundo a passar a usar carros elétricos, e investiu todo o
dinheiro de que dispunha nesse objetivo, ainda que não parecesse um
investimento seguro. “Como alguém pode dizer que é apaixonado pela luta
contra as mudanças climáticas e aí fazer algo que reduzia o investimento
total na empresa que mais estava fazendo algo nessa direção?”, me
perguntou Musk poucos dias depois da visita de Gates. “É pura hipocrisia.
Por que ganhar dinheiro com o fracasso de uma empresa automotiva de
energia sustentável?”
Grimes acrescentou a interpretação dela: “Acho que é meio que uma
competição para ver quem tem o pinto maior.”
***
Filantropia
Musk demonstrou pouco interesse por filantropia ao longo dos anos, pois
tinha a impressão de que poderia fazer mais bem à humanidade mantendo
dinheiro investido nas empresas dele que trabalhavam em prol da energia
sustentável, da exploração espacial e da segurança da inteligência artificial.
Poucos dias depois de Bill Gates visitá-lo com sugestões de filantropia,
Musk se sentou a uma mesa no mezanino que dava vista para as linhas de
montagem da nova gigafábrica da Tesla, no Texas, com Birchall e quatro
conselheiros de planejamento patrimonial. Embora não tivesse sido
convencido por Gates a mergulhar na filantropia, ele queria ideias para
financiar algo que fosse mais operacional do que uma fundação tradicional.
A opção proposta por Birchall era criar uma holding sem fins lucrativos,
que é mais ou menos uma empresa que orienta e financia múltiplas
organizações sem fins lucrativos que estão sob a proteção dela própria.
Como Birchall explicou, a estrutura seria similar à do Howard Hughes
Medical Institute. “Vamos fazer isso aos poucos”, me disse Birchall, “mas
em última instância isso pode se tornar algo bem grande, quem sabe, um
verdadeiro instituto de ensino superior”.
Embora o conceito tivesse agradado a Musk, ele não estava pronto para
se comprometer. “Tenho muita coisa em que pensar agora”, disse ele ao sair
da mesa.
Verdade, ele tinha mesmo. Naquele dia, 6 de abril de 2022, estava se
preparando para a abertura da Giga Texas, e passou a manhã numa intensa
caminhada de inspeção na linha de montagem do Model Y e aprovando os
detalhes da festa que estava sendo planejada, batizada de Giga Rodeio.
Também era o dia da conversa remota com autoridades da Casa Branca
sobre comércio internacional, China e subsídios para baterias. E ainda havia
a questão que estava ocupando mais espaço na cabeça de Musk, uma oferta
que havia acabado de aceitar, mas sobre a qual tinha dúvidas: entrar para o
conselho de uma empresa cujas ações ele vinha acumulando em segredo
desde janeiro.
capítulo 72
Investidor ativo
Twitter, janeiro a abril de 2022
Lança-chamas de dedos
O período de calma irritante para Musk no início de 2022 coincidiu,
fatidicamente, com um momento em que ele se viu de súbito com muito
dinheiro no bolso. As vendas de ações tinham lhe rendido mais ou menos
10 bilhões de dólares. “Eu não queria deixar aquilo parado no banco”, fala
ele, “então, me perguntei de qual produto eu gostava, e a resposta era fácil: o
Twitter”. Em janeiro, Musk pediu em segredo a seu gerente pessoal, Jared
Birchall, que começasse a comprar ações.
O Twitter é um parque de diversões ideal — quase ideal demais — para
Musk. A plataforma recompensa atores impulsivos, irreverentes e que não
têm filtro, uma espécie de lança-chamas de dedos. Tem vários dos atributos
de um pátio de escola, o que inclui provocações e bullying. No caso do
Twitter, entretanto, os garotos espertos conquistam seguidores, em vez de
serem empurrados dos degraus de concreto. E se você for o mais rico e mais
esperto de todos, pode inclusive decidir, ao contrário do que acontecia na
infância, ser o rei do pátio da escola.
Musk usou o Twitter pela primeira vez logo depois do lançamento da
rede, em 2006, mas abandonou a conta depois de se “entediar com tuítes
sobre qual tipo de latte alguém tomou no Starbucks”. O amigo Bill Lee o
convenceu a voltar para ter um método de comunicação sem filtros com o
público, e ele abriu a torneira em dezembro de 2011. Entre os primeiros
tuítes de Musk estavam uma foto tirada em uma festa de Natal em que ele
usava uma peruca de cabelos arrepiados e fingia ser Art Garfunkel e outra
que se tornou o início de uma amizade estressante. “Kanye West me ligou
do nada hoje e despejou suas ideias em mim, desde sapatos até Moisés”,
escreveu Musk. “Ele foi educado, mas difícil de entender.”
Ao longo da década seguinte, Musk escreveu 1.900 tuítes. “Meus tuítes
às vezes são como as cataratas do Niágara, e vêm rápido demais”, diz. “Basta
mergulhar um copo ali e tentar evitar alguma bosta aleatória.” Os tuítes dele
em 2018 sobre “pedofilia” e “financiamento garantido” mostraram que o
Twitter podia ser perigoso em seus dedos inquietos, especialmente no fim
de noites agitadas movidas a Red Bull e Zolpidem. Quando perguntam por
que ele não se contém, Musk admite com alegria que muitas vezes “dá tiros
no próprio pé” ou “cava a própria cova”. Contudo, ele afirma que a vida
precisa ser interessante e arriscada, e depois cita sua frase predileta do filme
Gladiador, de 2000: “Vocês estão se divertindo? Não é para isso que vocês
estão aqui?”
No início de 2022, um novo ingrediente havia sido acrescentado a esse
caldeirão inflamável: a preocupação crescente com os perigos do “vírus da
mentalidade woke”, que ele acreditava estar infectando os Estados Unidos.
Musk desdenhava de Donald Trump, mas achava absurdo banir
permanentemente um ex-presidente, e se irritou cada vez mais com as
queixas das pessoas de direita que estavam sendo tiradas do Twitter. “Ele viu
a direção que o Twitter estava tomando, que era a de censurar quem estava
na ponta errada do espectro”, diz Birchall.
Os amigos libertários de Musk da área de tecnologia incentivavam a
ideia. Quando Musk sugeriu, em março, que o Twitter devia tornar públicos
os algoritmos usados para impulsionar ou limitar conteúdos, seu jovem
amigo Joe Lonsdale manifestou apoio. “Nossa praça pública não pode ter
censura arbitrária e regras pouco claras”, escreveu. “Amanhã vou falar com
mais de cem congressistas em um retiro do Partido Republicano sobre
políticas públicas, e essa é uma das ideias que vou defender.”
“Com certeza”, respondeu Musk. “O que nós temos hoje é corrupção
oculta!”
Joe Rogan, amigo deles de Austin, também palpitou. “Você vai libertar o
Twitter do pessoal que adora uma censura?”, escreveu para Musk.
“Vou aconselhar, e eles podem ou não decidir seguir meus conselhos”,
respondeu Musk.
Na visão dele, quanto mais liberdade de expressão, melhor para a
democracia. Em certo momento de março, Musk fez uma enquete no
Twitter: “A liberdade de expressão é essencial para uma democracia
funcional. Você acredita que o Twitter adere rigorosamente a esse
princípio?” Quando mais de 70% das pessoas disseram que não, Musk fez
outra pergunta: “Será que precisamos de uma nova plataforma?”
Cofundador do Twitter, Jack Dorsey, que na época ainda estava no
conselho da empresa, respondeu em privado para Musk: “Sim.”
Musk lhe escreveu: “Gostaria de ajudar, se puder.”
Assento no conselho
Naquele momento, Musk estava pensando se devia ou não fundar outra
plataforma. Contudo, no fim de março, ele tinha conversado em particular
com alguns membros do conselho do Twitter, que o incitaram a se envolver
mais com a empresa. Certa noite, logo depois de encerrar a reunião das nove
horas com o pessoal do Autopilot da Tesla, ele ligou para Parag Agrawal, o
engenheiro de software que tinha assumido o lugar de Dorsey como CEO.
Os dois decidiram jantar em sigilo em 31 de março, junto com o presidente
do conselho do Twitter, Bret Taylor.
A equipe do Twitter conseguiu que eles usassem a sede de uma fazenda
alugada no Airbnb perto do aeroporto de San Jose. Quando Taylor chegou,
mandou uma mensagem avisando Musk. “Este é o lugar mais esquisito em
que eu fiz uma reunião nos últimos tempos”, comentou. “Tem tratores e
mulas.”
Musk respondeu: “Vai ver o algoritmo do Airbnb acha que você adora
tratores e mulas (quem não ama?).”
Na reunião, Musk gostou de Agrawal. “É um cara bacana”, diz ele.
Entretanto, esse era o problema. Se você perguntar a Musk quais são as
características necessárias para um CEO, ele não incluiria “ser um cara
bacana”. Uma das máximas que ele adota é que gestores não devem querer
que os funcionários gostem dele. “O que o Twitter precisa é de um dragão
que cuspa fogo”, afirmou depois daquela reunião, “e o Parag não é assim”.
Dragão cuspidor de fogo. Essa é uma descrição concisa de Musk. Mas
ele ainda não tinha pensado em assumir o Twitter. Na reunião, Agrawal
disse que Dorsey havia proposto fazia algum tempo que Musk entrasse para
o conselho. Agrawal pediu que Musk aceitasse.
Musk estava na Alemanha quando, dois dias depois, o conselho do
Twitter mandou uma oferta inicial para que ele participasse. E, para
surpresa de Musk, não era um acordo amistoso. O acordo se baseava em
outro que o Twitter havia utilizado dois anos antes, quando concordou em
colocar dois investidores ativistas hostis no conselho. O documento tinha
sete páginas e incluía cláusulas que o impedia de dar declarações públicas (e
presumivelmente tuítes) em que criticasse a empresa. Do ponto de vista do
conselho do Twitter, isso era compreensível. A história demonstrou, e o
futuro faria a mesma coisa, o estrago que Musk podia fazer quando não era
obrigado a deixar seu lança-chamas no coldre. A batalha travada com a
Comissão de Valores Mobiliários também havia demonstrado como era
difícil impor a ele esse tipo de restrição.
Musk mandou Birchall rejeitar o acordo. Era “a ironia máxima”, disse ele,
que uma companhia que supostamente deveria ser “a praça pública” tentasse
restringir a liberdade de expressão dele. Em questão de horas, o conselho do
Twitter recuou. Eles enviaram um acordo revisado, bastante amistoso, que
tinha apenas três parágrafos. A única grande restrição era que ele não
poderia comprar mais do que 14,9% das ações do Twitter. “Bem, se eles vão
estender o tapete vermelho, eu aceito”, disse ele para Birchall.
Depois que Musk revelou à Comissão de Valores Mobiliários
tardiamente que era dono de cerca de 9% das ações do Twitter, ele e
Agrawal trocaram tuítes celebratórios. “Estou feliz de contar que estamos
indicando @elonmusk para nosso conselho!” Agrawal fez seu post no início
da manhã de 5 de abril. “Ele é ao mesmo tempo um fã e um intenso crítico
do serviço, e é exatamente disso que nós precisamos.”
Musk respondeu sete minutos depois com um tuíte cuidadosamente
planejado. “Muito feliz de trabalhar com Parag e com o conselho do Twitter
para fazer melhorias significativas na rede nos próximos meses!”
Por alguns dias, parecia que haveria paz no vale. Musk gostava do fato de
Agrawal ser engenheiro, e não um típico CEO. “Eu interajo muito melhor
com engenheiros capazes de fazer programação pesada do que com o típico
gestor de programa/MBA”, escreveu ele. “Adoro nossas conversas!”
“Na nossa próxima conversa me trate como engenheiro, não como CEO,
e vamos ver aonde isso vai dar”, respondeu Agrawal.
Brainstorming
Luke Nosek e Ken Howery, amigo íntimo de Musk e um dos cofundadores
da PayPal, estava andando de um lado para outro no mezanino da Giga
Texas na tarde de 6 de abril, esperando que ele encerrasse uma discussão
sobre filantropia com Birchall e depois, um telefonema com as autoridades
do governo Biden sobre as tarifas chinesas. Musk estava morando na casa de
Howery, e também chegou a ficar na casa de Nosek. “Meus dois
senhorios!”, declarou quando finalmente terminou e começou a andar pela
fábrica.
Era o dia seguinte ao anúncio de que ele ia entrar para o conselho do
Twitter, e Nosek e Howery estavam céticos quanto à decisão. “Parece uma
receita para dar encrenca”, admitiu Musk alegremente enquanto se sentava à
mesa de reuniões, de onde se viam as linhas de montagem da Tesla. “Eu
estava com um monte de dinheiro parado!” Howery e Nosek deram uma
risadinha, e esperaram que ele falasse mais. “Acho que é importante haver
um fórum em que as pessoas confiem, ou pelo menos que não seja muito
desacreditado”, acrescentou. Ele reclamou que os membros do conselho do
Twitter tinham pouco envolvimento pessoal no serviço, fosse como
acionistas, fosse como usuários. “Parag é um cara da tecnologia e tem uma
ideia razoável do que está acontecendo, mas é óbvio que os loucos estão
comandando o hospício.”
Musk repetiu sua visão simplória de que seria bom para a democracia que
o Twitter parasse de restringir o que os usuários podiam dizer. “O Twitter
tem que ir mais na direção da liberdade de expressão, pelo menos pela
definição legal”, disse ele. “Neste momento, o Twitter reprime a liberdade
de expressão muito mais do que a lei exige.”
Embora compartilhasse a visão libertária de Musk sobre liberdade de
expressão, Howery expressou pensamentos sofisticados na forma de
perguntas educadas. “Será que devia ser como um sistema de telefonia, no
qual as palavras que entram de um lado saem exatamente iguais do outro
lado?”, perguntou ele. “Ou você acha que é mais uma espécie de sistema que
está governando o discurso no mundo, e talvez deva haver alguma
inteligência no algoritmo que priorize ou tire prioridade das coisas?”
“É verdade, é uma questão espinhosa”, respondeu Musk. “Existe a
capacidade de dizer algo, e também existe a questão de até que ponto ela é
promovida ou rebaixada ou amplificada.” Talvez a fórmula para promover
tuítes devesse ser mais aberta. “Podia ser um algoritmo de código aberto
publicado no GitHub para que as pessoas pudessem ver.” Era uma ideia que
agradava aos conservadores, que tinham a impressão de que havia um viés
progressista secretamente embutido no algoritmo, mas não resolvia a
questão sobre ser dever do Twitter ou não tentar impedir a disseminação de
conteúdo perigoso, falso ou danoso.
Musk jogou no ar algumas outras ideias. “E se a gente cobrasse das
pessoas uma pequena quantia, tipo 2 dólares por mês, para receber a
verificação?”, perguntou. Essa se tornaria uma das ideias principais dele para
o Twitter: fazer com que as pessoas se inscrevessem por meio do uso do
cartão de crédito e do número do celular seria uma forma de verificar e
autenticar a identidade de cada uma delas. O algoritmo poderia favorecer
esses usuários, que provavelmente teriam risco menor de participar de farsas,
bullying e disseminação de informações que eles soubessem ser falsas. Isso
talvez reduzisse a velocidade com que qualquer discussão descambava para
alguém comparando o outro a nazistas.
Ele afirmou, ainda, que obter o cartão de crédito do usuário traria uma
vantagem adicional: facilitaria a transformação do Twitter em uma
plataforma de pagamentos por meio da qual as pessoas pudessem enviar
dinheiro, dar gorjetas e pagar para ler reportagens, ouvir música e assistir a
vídeos. Como Howery e Nosek tinham estado com Musk na PayPal, eles
gostaram da ideia. “Isso podia realizar minha visão original para a X.com e a
PayPal”, disse Musk com uma risada feliz. Desde o começo, ele via o
potencial para que o Twitter se tornasse aquilo que ele tinha visualizado
para a X.com: uma rede social que permitisse transações financeiras.
A conversa continuou enquanto eles jantavam no Pershing, um clube
elegante porém despretensioso em Austin, onde Nosek havia feito reservas
no andar superior. Também se encontravam lá Griffin e Saxon; Chris
Anderson, do TED, que estava na cidade com o propósito de gravar uma
entrevista para a próxima conferência que faria; Maye, que tinha acabado de
chegar de Praga, onde havia aparecido na Vogue; e, mais tarde, Grimes.
Griffin e Saxon admitiram usar o Twitter raramente, mas Maye disse que
usava sempre, o que talvez devesse ter servido como um alerta sobre a
demografia dos usuários do serviço. “Talvez eu passe tempo demais no
Twitter”, disse Elon. “É um bom lugar para você cavar a própria cova. Você
já está enterrado até o ombro e continua cavando.”
Giga Rodeio
A grandiosa abertura da fábrica Giga Texas estava marcada para a noite
seguinte, 7 de abril. Omead Afshar tinha planejado aquilo que ele apelidou
de Giga Rodeio, com 15 mil convidados. Em vez de supervisionar os
preparativos e ensaiar sua parte no show, Musk voou até Colorado Springs
para uma visita de três horas à Academia da Força Aérea dos Estados
Unidos, onde ele tinha aceitado fazer uma palestra. Foi uma pausa bem-
vinda. Enquanto estava ocupado com outra coisa, ele podia processar seus
pensamentos sobre o Twitter.
Musk incitou os cadetes a não se tornarem presas da mentalidade
cautelosa da burocracia que ele acreditava estar prejudicando o andamento
dos programas governamentais. “Se nós não estivermos explodindo motores,
não estamos nos empenhando o bastante”, disse. Ele parecia não estar com
pressa, apesar de tudo que estava acontecendo. Depois da palestra, Musk se
encontrou com um pequeno grupo de alunos para discutir a pesquisa deles
sobre inteligência artificial e o desenvolvimento de drones autônomos.
Quando voltou, no fim da tarde, a Giga Texas tinha sido transformada.
A área de estacionamento estava decorada com instalações de arte como as
que havia no Burning Man, fliperamas, coretos, um touro mecânico, um
pato de borracha gigante e duas bobinas gigantes da Tesla. Do lado de
dentro, partes da fábrica tinham sido decoradas para parecer uma boate.
Kimbal ajudou a montar o show de drones, que contava com imagens de
Nikola Tesla, do cachorro mascote Dogecoin e de um Cybertruck no céu
noturno. Entre as celebridades convidadas estavam Harrison Ford, Spike
Lee e o artista Beeple, que tinha criado uma instalação.
Musk subiu no palco ao som de uma música altíssima de Dr. Dre,
dirigindo o Tesla Roadster preto que fora o primeiro carro produzido na
história da empresa. Ele citou muitas estatísticas referentes à enormidade de
uma fábrica de mais de 900 mil metros quadrados, e depois colocou isso em
perspectiva ao dizer que ali dentro caberiam 194 bilhões de hamsters.
Depois de listar muitos marcos atingidos pela Tesla, enfatizou o que,
segundo ele, seria o objetivo final: “A Direção Totalmente Autônoma”,
prometeu, “vai revolucionar o mundo”.
A inauguração da Giga Texas deveria ser um momento de triunfo. Musk
tinha aberto o caminho para uma era de veículos elétricos, e então mostrava
que a indústria podia prosperar nos Estados Unidos. Contudo, o
burburinho na festa de abertura da fábrica e na festa que se seguiu não tinha
a ver com os milagres da indústria. Especialmente entre os amigos íntimos
de Musk e sua família — Kimbal, Antonio, Luke, e até mesmo Maye —, a
conversa era sobre o Twitter. Por que ele estava se atirando nesse pântano
infestado de cobras? Seria essa a Batalha de Wilderness dele? Deveríamos
tentar convencê-lo a sair disso?
capítulo 73
“Fiz uma oferta”
Twitter, abril de 2022
Pausa
No dia seguinte ao Giga Rodeio, sexta-feira, 8 de abril de 2022, Musk se
encontrou com Kimbal para um brunch. Ele estava frustrado com as
conversas que tivera com os membros do conselho do Twitter. “Eles são
simpáticos, mas nenhum deles usa o Twitter”, afirmou. “Acho que não vai
acontecer nada.”
Kimbal não foi muito encorajador: “Cara, você nunca participou de um
conselho, então você não tem ideia de quanto isso vai te sugar”, disse. “Você
diz o que pensa, aí as pessoas sorriem e fazem que sim com a cabeça e te
ignoram.”
Kimbal achava que seria melhor para o irmão fundar sua própria
plataforma de mídias sociais baseada em blockchain. Elon especulou que
talvez desse até para incluir um sistema de pagamento com a utilização de
Dogecoin. Depois do brunch, ele mandou mensagens para Kimbal
imaginando um “sistema de mídia social de blockchain que faz pagamentos e
publica mensagens curtas de texto como o Twitter”. Como não teria um
servidor central, “não haveria garganta para engasgar, e a liberdade de
expressão estaria garantida”.
Elon disse, ainda, que a outra opção era comprar o Twitter, em vez de
simplesmente entrar para o conselho. “Passei a acreditar que o Twitter
estava indo na direção do precipício, e que eu não teria como salvar a
empresa apenas participando do conselho”, afirma. “Então pensei: Talvez eu
devesse comprar o Twitter, fechar o capital e consertar tudo.”
Ele já tinha aceitado, tanto por mensagem de texto quanto num tuíte
público, o convite amigável para fazer parte do conselho do Twitter. Mas,
depois do brunch com Kimbal, telefonou para Birchall e disse a ele que não
concluísse nada, pois ainda precisava pensar.
Havaí
Naquela noite, Musk voou até a ilha de Larry Ellison no Havaí, Lanai. O
fundador da Oracle construíra para si mesmo um pacato condomínio numa
colina no centro da ilha, e cedeu a Musk sua antiga casa perto da praia.
Musk tinha planejado a viagem como um encontro tranquilo com uma das
mulheres com quem ele saía de vez em quando, a atriz australiana Natasha
Basset. Mas, em vez de ser um período sossegado de miniférias, Musk
passou a maior parte daqueles quatro dias pensando no que fazer com o
Twitter.
Na primeira noite, quase não dormiu, remoendo os problemas da
empresa. Quando olhou para uma lista com as pessoas com mais seguidores,
como Barack Obama, Justin Bieber e Katy Perry, Musk percebeu que essas
contas já não estavam ativas. Então, às 3h32 da manhã, pelo fuso do Havaí,
ele postou um tuíte: “A maioria dessas contas com mais seguidores tuíta
raramente e posta pouquíssimo conteúdo. Será que o Twitter está
morrendo?”
Em São Francisco, onde estava o CEO do Twitter, Agrawal, eram seis e
meia da manhã. Cerca de noventa minutos depois, ele mandou uma
mensagem para Musk: “Você tem liberdade para tuitar ‘Será que o Twitter
está morrendo?’ ou qualquer outra coisa que queira, mas é minha
responsabilidade dizer que isso não me ajuda a melhorar o Twitter no
contexto atual.” Era uma mensagem contida, escrita com cuidado para
evitar insinuar que Musk não tinha mais o direito de falar mal da empresa.
Agrawal acrescentou que eles deveriam tratar em breve de como evitar
“distrações” que estavam “prejudicando nossa capacidade de fazer as coisas”.
Quando Musk recebeu a mensagem, eram pouco mais de cinco da
manhã no Havaí, mas ele continuava alerta, talvez alerta demais para aquela
hora e aquela situação. Um minuto depois, enviou uma resposta
contundente: “O que você conseguiu realizar nesta semana?” Era a típica
tentativa de Musk de humilhar as pessoas.
Depois, enviou uma fatídica série de três frases: “Não vou participar do
conselho. É uma perda de tempo. Vou fazer uma oferta para fechar o capital
do Twitter.”
Agrawal ficou chocado. Eles já tinham anunciado que Musk iria
participar do conselho. Não houve indícios de que em vez disso ele tentaria
uma aquisição hostil. “Podemos conversar?”, perguntou ele, queixoso.
Três minutos depois, Bret Taylor, presidente do conselho do Twitter,
enviou uma mensagem para Musk com um pedido semelhante para
conversar. A manhã de sábado deles não estava começando bem.
Justo naquele momento, em meio ao diálogo dele com Taylor e Agrawal,
Elon recebeu uma resposta de Kimbal para as mensagens que ele tinha
mandado mais cedo sobre a possibilidade de criar uma rede social baseada
em blockchain. “Adoraria saber mais”, disse Kimbal. “Fucei bastante sobre
Web3 (não é exatamente cripto), e a distribuição do direito a voto é
impressionante e verificada. O blockchain impede que as pessoas deletem
tuítes. Prós e contras, mas que comecem os jogos!”
“Acho necessária uma nova empresa de mídia social que seja baseada em
blockchain que inclua pagamentos”, respondeu Elon.
No entanto, ao mesmo tempo que estava falando com Kimbal sobre criar
uma rede social, ele repetiu para Agrawal e Taylor que queria comprar o
Twitter. “Podem esperar uma oferta para fechar o capital”, escreveu.
“Você me dá cinco minutos para eu entender o contexto?”, pediu Taylor.
“Acertar o Twitter conversando com o Parag não vai funcionar”,
respondeu Musk. “É preciso tomar uma ação drástica.”
“Faz 24 horas que você entrou para o conselho”, respondeu Taylor.
“Entendo o seu argumento, mas só quero entender a mudança repentina.”
Musk esperou quase duas horas para responder, passavam das sete da
manhã no Havaí, e ele ainda não tinha ido dormir. “Logo vou entrar num
avião, mas posso conversar amanhã”, escreveu.
***
Musk relata que ao chegar no Havaí ficou claro que ele não ia acertar o
Twitter sendo parte do conselho. “Eu estava basicamente caindo numa
armadilha”, diz. “Eles escutavam, concordavam e não faziam nada. Decidi
que eu não queria ser cooptado e ser uma espécie de traidor no conselho.”
Em retrospecto, isso soa como um motivo bem estudado. Na época, porém,
havia outro fator. Musk estava em seu modo maníaco e, como costuma
acontecer, agindo por impulso.
Naquela tarde de sábado, 9 de abril, ele escreveu para Birchall para dizer
que tinha decidido comprar o Twitter. “É pra valer”, garantiu ele. “Não tem
como consertar a empresa com 9% das ações, e os mercados de ações não
são bons em pensar além do trimestre seguinte. O Twitter precisa eliminar
os bots e os enganadores, o que vai dar a impressão de uma queda
gigantesca no número de usuários por dia.”
Birchall escreveu para um banqueiro no Morgan Stanley: “Ligue para
mim assim que tiver um minuto.” Naquela noite, eles começaram a
trabalhar num plano para chegar a um preço razoável pelo Twitter e em
como Musk poderia financiar isso.
Em paralelo, Musk continuou disparando contra o Twitter. Ele postou
uma enquete sobre a sede da empresa em São Francisco. “Que tal converter
a sede do Twitter em SF num abrigo para sem-teto, já que ninguém aparece
para trabalhar mesmo?”, tuitou. Um dia depois, havia 1,5 milhão de votos,
mais de 91% a favor.
“Ei, você consegue conversar hoje no fim da tarde?”, escreveu Taylor para
ele. “Vi seus tuítes e preciso urgentemente entender sua posição.” Musk não
respondeu.
No domingo, Taylor desistiu. Ele disse a Musk que o Twitter anunciaria
que ele havia mudado de ideia e não participaria mais do conselho. “Acho
ótimo”, respondeu Musk. “Na minha opinião, o melhor é fechar o capital do
Twitter, reestruturar e voltar à bolsa quando isso estiver feito.”
Agrawal oficializou em um tuíte tarde da noite: “A nomeação de Elon
para o conselho seria efetivada em 9 de abril, mas ele avisou na manhã
daquele dia que não vai mais entrar para o conselho. Acho que é melhor
assim. Nós sempre valorizamos e continuaremos valorizando a opinião de
nossos acionistas, estejam eles no conselho ou não.”
Musk fez uma reunião remota com Birchall e os banqueiros do Morgan
Stanley na tarde de segunda-feira, no fuso do Havaí. Eles tinham chegado a
uma proposta de qual seria o preço a ser ofertado por ação: 54,20 dólares.
Musk e Birchall riram porque mais uma vez apareceu a gíria de internet
para maconha, assim como no preço para “fechar o capital” da Tesla, de 420
dólares. “Essa piada nunca perde a graça”, disse Musk. Empolgado com a
perspectiva de comprar o Twitter, ele começou a se referir à ideia de criar
uma alternativa baseada em blockchain como “plano B”.
Vancouver
Grimes vinha insistindo com Musk que fossem a Vancouver, cidade natal
dela, para que pudessem apresentar X aos pais e aos avós idosos. “Meu avô é
engenheiro, e faz muito tempo que ele queria um bisneto”, afirma Grimes,
“e minha avó está bem velhinha, e a gente não sabe quanto tempo ela vai
aguentar”.
Eles decidiram que uma boa data seria quinta-feira, 14 de abril, quando
Chris Anderson estaria fazendo a conferência anual do TED em Vancouver.
Anderson havia gravado uma entrevista com Musk uma semana antes na
Giga Texas, mas estava ansioso — especialmente tendo em vista a saga do
Twitter, que não parava de ter mudanças rápidas — para entrevistá-lo
também ao vivo na conferência.
Eles chegaram a Vancouver na quarta, 13 de abril, após Grimes ter saído
de Austin e Musk, do Havaí. Musk foi a uma loja da Nordstrom para
comprar um terno preto, pois não havia levado um na viagem ao Havaí. À
tarde, Grimes viajou com X 120 quilômetros até a cidadezinha de Agassiz,
onde os avós dela moravam, e deixou Musk no hotel. “Dava para ver que ele
estava estressado e que a história do Twitter ia se concretizar”, diz ela.
Ia mesmo. Ainda naquela tarde, de seu quarto de hotel em Vancouver,
Musk enviou uma mensagem para Bret Taylor com a decisão oficial.
“Depois de vários dias de deliberação — esta, obviamente, é uma decisão
importante —, decidi tocar a ideia de fechar o capital do Twitter”, declarou
ele. “Vou mandar uma carta esta noite com uma oferta.” A carta dizia:
Navaid visita
Quando Musk voltou a Austin, recebeu a visita de seu amigo da Queen’s
University, Navaid Farooq, que morava em Londres. Mais de trinta anos
depois de terem criado um vínculo como geeks sem habilidades sociais que
gostavam de jogos de estratégia e liam livros de ficção científica, Farooq era
um dos verdadeiros amigos de Musk, um dos poucos que podiam lhe fazer
perguntas pessoais, falar sobre o pai e a família dele e conversar sobre crises
ocasionais de solidão. No sábado, quando foram a Boca Chica para ver a
Starbase, Farooq fez a pergunta que muitos amigos de Musk queriam fazer
sobre o Twitter: “Por que você está fazendo isso?”
Musk não estava mais pensando apenas em questões ligadas à liberdade
de expressão. Ele respondeu a Farooq que esperava fazer do Twitter uma
excelente plataforma para conteúdos gerados pelos usuários, incluídos
músicas, vídeos e stories. Celebridades, jornalistas profissionais e pessoas
comuns poderiam postar suas criações, como faziam no Substack ou no
WeChat, e receber por isso se quisessem.
Quando eles chegaram à Starbase, Musk fez sua caminhada pelas tendas
de montagem da Starship. Como acontecia com frequência, ficou irritado
ao ver quanto certas coisas estavam demorando. Isso criou uma brecha para
que Farooq, quando eles voltaram a Austin no domingo de Páscoa, fizesse
mais uma das perguntas que estavam incomodando os amigos de Musk. “E
quanto ao seu tempo e à sua sanidade?”, perguntou. “A Tesla e a SpaceX
ainda precisam da sua ajuda. Quanto tempo levaria para pôr o Twitter no
rumo certo?”
“Pelo menos cinco anos”, respondeu Musk. “E eu teria que me livrar da
maior parte da equipe. Eles não dão duro, ou sequer aparecem para
trabalhar.”
“Você quer passar por tudo isso?”, perguntou Farooq. “Você dormia no
chão de fábrica da Tesla, saía de lá para a SpaceX. Você realmente quer viver
tudo isso de novo?”
Musk fez uma de suas pausas muito longas. “Na verdade, quero”, disse
por fim. “Não ia me importar.”
Uma visão
Musk já tinha formulado o argumento financeiro para explicar por que
queria comprar o Twitter. Ele acreditava que seria capaz de quintuplicar a
receita da empresa, elevando-a para 26 bilhões de dólares em 2028, mesmo
reduzindo a participação das receitas de propaganda de 90% para 45%. A
nova receita viria de assinaturas de usuários e licenciamento de dados. Ele
também projetou receitas vindas de processamento de pagamentos,
incluindo pequenas quantias pagas por textos de jornal e outros conteúdos
via Twitter, assim como acontecia no WeChat.
“Precisamos equiparar nossa funcionalidade à do WeChat”, me disse ele
depois de uma conversa com banqueiros em abril. “Uma das coisas mais
importantes vai ser dar condições para que as pessoas criem conteúdo
remunerado no Twitter.” Um sistema de pagamentos on-line teria o
benefício adicional de autenticar os usuários. O Twitter seria capaz de
verificar quais usuários eram realmente humanos ao pedir a eles que
pagassem uma pequena quantia mensal e requisitar informações de cartão
de crédito. Caso desse certo, isso poderia ter um impacto real na internet
como um todo. O Twitter poderia ser usado como a plataforma que
verificava a identidade das pessoas e também oferecer aos criadores de
conteúdo, de grandes empresas de mídia a indivíduos, novos modos de
ganhar dinheiro com o que produziam.
Ele também explicou por que queria “ampliar o limite” de quais discursos
eram permitidos no Twitter e evitar banimentos permanentes de pessoas,
até mesmo daquelas com ideias pouco convencionais. No rádio e na TV a
cabo havia fontes de informações separadas para progressistas e
conservadores. Ao expulsar as pessoas de direita, os moderadores de
conteúdo do Twitter, dos quais mais de 90% ele imaginava serem
democratas progressistas, poderiam estar criando o mesmo tipo de
balcanização na mídia social. “Queremos evitar um mundo em que as
pessoas se separam e ficam nas suas câmaras de eco nas mídias sociais, indo,
por exemplo, ao Parler ou ao Truth Social”, disse Musk. “Queremos ter um
lugar onde pessoas com diferentes pontos de vista possam interagir. Isso
seria bom para a civilização.” Era um sentimento nobre, mas ele acabaria
minando essa importante missão com declarações e tuítes que acabaram
levando progressistas e pessoas da mídia convencional para outras redes
sociais.
Eu insisti na pergunta que Farooq e outros amigos tinham feito: será que
tudo aquilo não seria extremamente difícil, não exigiria muito tempo e seria
controverso demais, o que acabaria prejudicando as missões dele na Tesla e
na SpaceX? “Eu acho que, de um ponto de vista cognitivo, não é nem de
longe tão difícil quanto a SpaceX ou a Tesla”, falou ele para mim. “Não é
como chegar a Marte. Não é tão difícil quanto mudar toda a base industrial
do planeta para energia sustentável.”
O acordo
O conselho do Twitter e os advogados de Musk terminaram de trabalhar
nos detalhes do plano de compra num domingo, 24 de abril. Quando Musk
me mandou uma mensagem às dez da manhã, disse que tinha passado a
noite em claro. Perguntei se era por estar trabalhando nos últimos detalhes
ou se ele estava preocupado com a compra do Twitter. “Não, é que eu fui a
uma festa com amigos e bebi Red Bull demais”, respondeu.
Quem sabe ele devesse diminuir o tanto de Red Bull que tomava?
“Mas me dá asas”, retrucou.
Musk passou o dia tentando encontrar investidores externos que o
ajudassem a financiar a compra. Ele falou com Kimbal, que não quis. A
conversa com Larry Ellison foi mais bem-sucedida. “Sim, claro”, respondeu
Ellison quando Musk perguntara naquela semana se ele tinha interesse em
investir no negócio.
“Mais ou menos quanto?”, indagou Musk. “Não vou comprometer você
com esse valor, mas tem muita gente interessada, então eu preciso reduzir ou
tirar alguns dos participantes.”
“Um bilhão”, disse Ellison, “ou o que você recomendar”.
Ellison não publicava um tuíte havia uma década. Na verdade, ele nem se
lembrava da senha da sua conta do Twitter, de modo que Musk teve que
resetar pessoalmente a conta para ele. Contudo, Larry achava que o Twitter
era importante. “É um serviço de notícias em tempo real, e não existe nada
igual”, me disse ele. “Se você concorda que é importante para a democracia,
então acho que vale a pena fazer um investimento.”
Uma pessoa que realmente queria participar do negócio era Sam
Bankman-Fried, o fundador da corretora de criptomoedas FTX — a qual
pouco depois cairia em desgraça —, que acreditava que o Twitter podia ser
reconstruído com base em blockchain. Ele dizia ser um defensor do altruísmo
eficaz, e o fundador daquele movimento, William MacAskill, mandou uma
mensagem para Musk com o intuito de tentar marcar uma reunião, assim
como Michael Grimes, principal banqueiro de Musk no Morgan Stanley,
que estava trabalhando para viabilizar o financiamento. “Estou atolado de
trabalho”, escreveu Musk para o banqueiro. “É urgente?”
Michael Grimes respondeu que Bankman-Fried “faria a engenharia para
a integração entre mídia social e blockchain, e colocaria 5 bilhões de dólares
no negócio”. Ele poderia voar para Austin no dia seguinte, caso Musk
estivesse disposto a conversar.
Musk havia falado com Kimbal e outras pessoas sobre a possibilidade de
usar blockchain como espinha dorsal do Twitter. Embora estivesse se
divertindo com a Dogecoin e outras criptomoedas, ele não era um fanático
do blockchain, e achou que não seria rápido o suficiente para as postagens
apressadas do Twitter. Portanto, Musk não tinha interesse em se encontrar
com Bankman-Fried. Quando Michael Grimes insistiu, dizendo que
Bankman-Fried “poderia colocar 5 bilhões de dólares se toda a visão
batesse”, Musk respondeu com um emoji de polegar para baixo. “Um
Twitter blockchain não é possível, as exigências de banda e de latência não
podem ser suportadas por uma rede ponto a ponto.” Ele disse que poderia se
encontrar com Bankman-Fried em outro momento, “desde que não
precisemos fazer um debate cansativo sobre blockchain”.
Bankman-Fried então mandou uma mensagem diretamente para Musk,
dizendo que estava “realmente empolgado com o que você vai fazer com o
TWTR”. Ele disse que tinha 100 milhões de dólares em ações do Twitter
que pretendia “rolar”, querendo dizer que as ações seriam convertidas em
participação na nova empresa caso Musk fechasse o capital. “Desculpe,
quem está mandando essa mensagem?”, respondeu Musk. Quando
Bankman-Fried pediu desculpa e se apresentou, Musk disse laconicamente:
“Fique à vontade para fazer isso.”
Isso levou Bankman-Fried a ligar para Musk em maio. “Meu detector de
besteiras disparou como um alerta vermelho num contador Geiger”, afirma
Musk. Bankman-Fried começou a falar rápido, sempre sobre si mesmo.
“Ele estava falando como se tivesse tomado metanfetamina ou Aderall, dois
quilômetros por minuto”, conta Musk. “Achei que ele fosse me fazer
perguntas sobre a compra, mas ficou me falando de coisas que estava
fazendo. E eu pensando: Rapaz, se acalme.” A sensação foi mútua;
Bankman-Fried achou que Musk parecia maluco. A ligação durou meia
hora, e Bankman-Fried acabou não fazendo investimentos nem mantendo
suas ações do Twitter.
Os principais investidores que Musk reuniu incluíam Ellison, a Sequoia
Capital, de Mike Moritz, a corretora de criptomoedas Binance, Andressen
Horowitz, um fundo de Dubai e um fundo do Qatar. (Parte do acordo com
os investidores do Qatar era a promessa de ir ao país para a final da Copa do
Mundo.) O príncipe Alwaleed bin Talal, da Arábia Saudita, concordou em
manter o investimento que já tinha no Twitter.
Na tarde de segunda-feira, 25 de abril, o conselho do Twitter aceitou o
plano. Presumindo que os acionistas o aprovassem, a compra seria fechada
no outono. “Esse é o caminho certo”, escreveu para Musk o cofundador da
empresa, Jack Dorsey. “Vou continuar fazendo o que for preciso para que
tudo dê certo.”
Em vez de comemorar, Musk foi de Austin para a Starbase, no sul do
Texas. De lá, participou da reunião noturna regular sobre o redesenho do
motor Raptor, e por mais de uma hora se debateu para saber como lidar
com inexplicados vazamentos de metano que estavam acontecendo. As
notícias sobre o Twitter eram o assunto mais comentado da internet e no
mundo todo, mas não na reunião sobre o Raptor. Os engenheiros sabiam
que ele gostava de ficar concentrado na tarefa que tinha diante de si, e
ninguém mencionou o Twitter. Depois, Elon encontrou Kimbal num café
de beira de estrada em Brownsville que apresentava shows ao vivo de
músicos locais. Ficaram lá até as duas da manhã, sentados a uma mesa bem
de frente para o palco, só ouvindo a música.
Sinais de alerta
Na sexta-feira, depois de o conselho do Twitter aceitar a oferta de Musk, ele
foi a Los Angeles jantar com os quatro filhos mais velhos num restaurante
no alto de um prédio no Soho Club, em West Hollywood. Eles não usavam
muito o Twitter, e estavam intrigados. Por que o pai ia comprar a empresa?
Só pelo questionamento, já dava para ver que eles não achavam aquilo uma
boa ideia.
“Acho que é importante ter uma arena pública inclusiva e na qual as
pessoas confiem”, respondeu Musk. Depois de uma pausa, ele perguntou:
“Se não for assim, como a gente vai conseguir eleger o Trump em 2024?”
Era uma piada. Mas, no caso de Musk, às vezes era difícil saber, até
mesmo para os filhos dele. Talvez até para ele mesmo. Os filhos ficaram
horrorizados. Musk tranquilizou os meninos dizendo que era só
brincadeira.
No fim do jantar, eles tinham aceitado a maior parte das razões do pai
para a compra do Twitter, mas continuavam um tanto incomodados. “Eles
achavam que eu estava procurando sarna para me coçar”, revela Musk.
Claro, os meninos tinham razão. Eles também sabiam que o pai na verdade
gostava de ir atrás de problemas.
***
Pensando melhor
As perguntas contundentes e as provocações irritadas de Musk refletiam o
fato de que ele não tinha certeza se queria ir adiante com a compra. Na
maioria dos dias, ele queria. Mais ou menos. Mas a vontade dele mudava, e
com isso as emoções entravam em conflito.
Ele estava convicto de que tinha pagado caro demais, o que era verdade.
O gasto com publicidade estava em baixa no verão de 2022, em função das
incertezas na economia, e o preço das ações de empresas de mídia social
estava caindo. O Facebook tinha caído 40% até então naquele ano e o Snap,
70%. O Twitter agora estava negociando 30% abaixo dos 54,20 dólares que
Musk tinha oferecido, um sinal de que Wall Street não tinha certeza de que
o negócio seria realmente fechado. Como o pai havia ensinado a ele quando
os dois iam a parques de diversões na Flórida, o gosto de uma Coca-Cola
que custa caro demais não é tão bom assim. Por isso, no fundo, quando foi
para a reunião no Twitter, Musk sentia um desejo de preparar o terreno para
sair do negócio ou renegociar o preço.
“Não tem como irmos em frente depois do que eles disseram”, me falou
ele depois da reunião no Twitter. “O preço de 44 bilhões de dólares requer a
contração de muitas dívidas, tanto para a empresa quanto para mim
pessoalmente. Acho que o Twitter pode sair dos trilhos. O acordo talvez até
aconteça, mas a um preço muito mais baixo, e digo literalmente a metade,
ou algo assim.”
Ele também estava tendo dúvidas maiores quanto ao fato de assumir um
desafio tão complicado assim. “Eu tenho o mau hábito de ter o olho maior
do que a boca”, admitiu. “Acho que preciso pensar menos no Twitter. Nem
mesmo esta conversa é tempo bem gasto.”
Na semana seguinte, no dia 13 de maio, mais ou menos às quatro da
manhã, pelo fuso do Texas, ele publicou um tuíte: “A compra do Twitter
está temporariamente paralisada, dependendo de detalhes que embasem o
cálculo de que as contas spam/fake realmente representam menos de 5% dos
usuários.” As ações do Twitter caíram 20% nas negociações antes da
abertura dos mercados. Jared Birchall, gestor dos negócios dele, e Alex
Spiro, seu advogado, incitaram-no desesperadamente a voltar atrás na
declaração. Eles disseram que era possível sair do negócio, mas anunciar o
desejo de fazer isso podia ser perigoso para ele. Duas horas depois, Musk
postou um adendo de cinco palavras: “Ainda comprometido com a
aquisição.”
Foi uma das poucas vezes que vi Musk inseguro quanto ao que estava
fazendo. Ao longo dos cinco meses seguintes, até o fechamento da compra,
em outubro, ele por vezes expressava grande empolgação com a
possibilidade de transformar o Twitter num “aplicativo para tudo”, com
serviços financeiros e conteúdo de qualidade, ao mesmo tempo que ajudava
a salvar a democracia. Em outros momentos, ficava irritado e frio, ameaçava
processar o conselho e a gestão do Twitter, e insistia que queria desistir de
vez do acordo.
Reunião com funcionários
Sem consultar os advogados, Musk concordou em participar de uma reunião
virtual com funcionários em 16 de junho. “Foi uma daquelas situações em
que o Elon fez as coisas do jeito dele, e aceitou um convite sem falar com
nenhum de nós para que a gente pudesse se preparar”, comenta Birchall. Ele
participou de uma sala de estar em Austin, e no começo teve problemas para
entrar na chamada porque ela foi realizada no Google Meet, e Musk não
tinha uma conta do Google no laptop. Finalmente conseguiu entrar pelo
iPhone. Enquanto esperávamos, um dos organizadores do evento
perguntou: “Alguém sabe quem é Jared Birchall?” Tinham barrado a entrada
dele.
Eu fiquei imaginando se Musk tinha algum esquema em mente. Talvez
ele fosse jogar uma pequena bomba ao provocar uma revolta dos
funcionários do Twitter. Talvez dissesse, por cálculo ou devido à compulsão
que tinha por ser brutalmente honesto, aquilo que realmente pensava: que
eles tinham errado em expulsar Trump, que a política de moderação de
conteúdo do Twitter extrapolava para uma censura injustificável, que a
equipe havia sido infectada pelo vírus da mentalidade woke e que a empresa
tinha funcionários demais. A explosão que se seguiria talvez não acabasse
com o negócio, mas seria capaz de mexer com as peças no tabuleiro.
Musk não fez isso. Pelo contrário: foi bastante conciliador ao tratar das
questões controversas. Leslie Berland, a diretora de marketing do Twitter,
começou falando sobre a questão da moderação de conteúdo. Em vez de
simplesmente invocar o mantra sobre a virtude da liberdade de expressão,
Musk foi mais fundo e fez uma distinção entre o que as pessoas deveriam
ter permissão para postar e o que o Twitter deveria amplificar e disseminar.
“Acho que existe uma distinção entre liberdade de expressão e liberdade de
alcance”, disse ele. “Qualquer pessoa pode simplesmente ir até o meio da
Times Square e dizer qualquer coisa, inclusive negar o Holocausto, o que
não significa que isso deva ser divulgado para milhões de pessoas.”
Ele também explicou por que alguns limites sobre discurso de ódio eram
importantes: “Nós queremos a maior quantidade de pessoas possível no
Twitter. Para que isso aconteça, as pessoas precisam gostar de estar no
Twitter. Se elas estiverem sendo assediadas ou se sentirem pouco à vontade,
não vão usar o Twitter. Precisamos encontrar esse equilíbrio entre permitir
que as pessoas digam aquilo que querem dizer, mas ao mesmo tempo fazer
com que elas se sintam confortáveis.”
Quando foi questionado sobre diversidade, igualdade e inclusão, Musk
recuou um pouco. “Eu acredito na meritocracia pura”, respondeu ele.
“Quem estiver se saindo bem deve receber mais responsabilidade. E ponto
final.” Ele também insistiu que não tinha se tornado um conservador em
termos ideológicos. “Minhas visões políticas, eu acho, são moderadas,
próximas do centro.” Ele não agradou a muita gente na conversa, mas evitou
causar explosões.
capítulo 75
Dia dos Pais
Junho de 2022
Pecados do pai
A fase 5 do Dia dos Pais talvez tenha sido a mais sinistra de todas. Por
infelicidade, envolvia o pai do próprio Musk, com quem ele não falava mais.
Em um e-mail para Elon com o assunto “Dia dos Pais”, Errol escreveu:
“Estou sentado aqui num frio congelante enrolado em cobertas e jornais.
Não tem eletricidade. Se estou me dando o trabalho de escrever isso, você
pode se dar o trabalho de ler.” O que vinha depois disso era uma divagação
desconexa em que ele chamava Biden de “um presidente que era uma
aberração, um criminoso, um pedófilo” que queria destruir tudo que os
Estados Unidos representavam, “incluindo você”. Ele dizia que os líderes
negros na África do Sul estavam sendo racistas contra os brancos. “Sem
brancos aqui, os negros vão voltar para as árvores.” Vladimir Putin era “o
único líder mundial com voz”. Ele mandou outro e-mail em seguida com a
foto de um placar de um estádio em que se lia: — ***-
, e acrescentou o comentário “Isso é irrefutável”.
A carta de Errol era chocante em vários níveis, principalmente pelo
racismo. Contudo, um outro aspecto se tornaria mais inquietante naquele
ano: a crença dele em teorias da conspiração. O pai de Elon tinha passado a
acreditar no discurso da extrema direita, e rotulava Biden de pedófilo e
elogiava Putin. Em outros posts e e-mails, ele disse que a covid era “uma
mentira”, atacou o especialista em covid Anthony Fauci e alegou que as
vacinas eram mortais, opiniões que Elon repetiria algum tempo depois.
As descrições sobre o frio e a pobreza tinham como intenção censurar o
filho por ter parado de oferecer ajuda financeira a ele. Fazia não muito
tempo, Elon mandava, de modo intermitente, quantias variáveis de dinheiro
por mês. Isso começou em 2010, com pagamentos mensais de 2 mil dólares
para ajudar Errol a sustentar os filhos mais novos depois do segundo
divórcio. Ao longo dos anos, Elon ocasionalmente aumentava o valor,
depois voltava a reduzi-lo quando Errol dava entrevistas exagerando a sua
contribuição para o sucesso do filho. Quando Errol passou por uma cirurgia
cardíaca, o apoio dado por Elon subiu temporariamente para 5 mil dólares
mensais. Mas ele cortou a ajuda depois de saber que Errol havia
engravidado Jana, a enteada que ele criara desde os 4 anos de idade e a qual
Elon e Kimbal viam como uma meia-irmã.
No fim de março de 2022, Errol escreveu pedindo que sua mesada fosse
restabelecida. “Aos 76 anos, não é fácil para mim gerar renda”, escreveu ele.
“A alternativa está entre a fome e a humilhação insuportável ou a morte por
suicídio. A morte por suicídio não me preocupa, mas deveria preocupar
você. A verdade é conhecida demais. Você estará arruinado, não se engane, e
as pessoas vão saber quem você realmente é, ou quem se tornou.” Ele dizia
que a culpa pela atitude de Elon era da natureza “nacional-socialista, cruel,
egoísta e covarde” da família da mãe dele, e acrescentou: “A maldade dos
Haldeman triunfou?”
Mais ou menos na época do Dia dos Pais, Elon retomou os pagamentos
mensais de 2 mil dólares. Entretanto, o gerente das finanças dele, Jared
Birchall, pediu a Errol que parasse de fazer uma série de vídeos no
YouTube, intitulados “Pai de um gênio”, que ele havia produzido com um
psicólogo clínico. Errol reagiu com raiva. “Meu silêncio para deixar que essa
merda diabólica continue fermentando não vale 2 mil dólares”, respondeu
ele. “Além disso, me calar é um erro. Eu tenho muito a ensinar às pessoas.”
Como se estivesse seguindo um roteiro perverso, o Dia dos Pais de 2022
trouxe mais uma complicação para essa situação. Errol revelou que tinha
tido mais um bebê com Jana, uma filha. “O único motivo para estarmos
neste planeta é nos reproduzirmos”, disse ele. “Se pudesse ser pai de mais
um filho, eu seria. Não consigo ver por que não.”
***
***
Pé-direito alto
Naquela manhã, depois de algumas horas de sono, Musk foi até um dos
galpões de montagem de pé-direito alto, vestido com uma camiseta preta
com a estampa , para ver o B7 ser equipado com os motores
Raptor. Depois de subir uma escada industrial, ele escalou uma plataforma
sob o propulsor. Estava cheia de cabos, peças de motores, ferramentas,
correntes balançando e, pelo menos, quarenta pessoas trabalhando lado a
lado enquanto prendiam os motores e soldavam a blindagem. Musk era o
único sem capacete.
“Por que esta peça é necessária?”, perguntou ele a um dos engenheiros
veteranos, Kale Odhner, que encarou a presença do patrão com normalidade
e deu respostas diretas enquanto continuava a trabalhar. As visitas de
inspeção de Musk às áreas de montagem eram tão frequentes que os
trabalhadores quase nem prestavam atenção a ele, a menos que desse ordens
ou fizesse alguma pergunta. “Por que aquilo não pode ser feito mais rápido?”
é uma das favoritas. Às vezes ele só fica de pé e olha fixamente, em silêncio,
por quatro ou cinco minutos.
Depois de mais de uma hora, Musk desceu da plataforma e correu,
mancando, os 180 metros do estacionamento até a cantina. “Acho que ele
faz isso para todo mundo ver como está com pressa”, disse Andy Krebs.
Perguntei mais tarde para Musk se era essa a razão. “Não”, riu. “Fiz porque
esqueci de passar protetor solar e não queria uma queimadura.” E
acrescentou: “É verdade que as tropas ficam mais motivadas se virem o
general no campo de batalha. Na presença de Napoleão, fosse onde fosse, as
tropas atuavam melhor. Mesmo que eu não faça nada e só apareça, eles vão
me ver e dizer que pelo menos não passei a noite toda na farra.” Parecia que
ele ficara sabendo da escapada para o bar tiki.
***
O jovem Frankenstein
Musk e seus engenheiros descobriram que corpos humanos são incríveis.
Em uma das reuniões semanais, por exemplo, eles discutiram como nossos
dedos não apenas aplicam pressão às coisas, como também podem sentir
pressão. Qual era o melhor jeito de fazer os dedos do Optimus avaliarem a
pressão? “Poderíamos olhar para a corrente no atuador da articulação, que
vai se correlacionar com a pressão aplicada na ponta”, sugeriu um
engenheiro. Outro pensou em colocar capacitores na ponta dos dedos, como
em uma tela sensível ao toque, ou talvez um sensor barométrico de pressão
ou um chip envolto em borracha, ou mesmo uma pequena câmera dentro de
uma ponta de dedo feita em gel. “Quais são as diferenças quanto aos
custos?”, perguntou Von Holzhausen. Eles decidiram que medir a pressão
usando a corrente no atuador da articulação seria mais eficiente porque não
acrescentaria peças.
Não importa quão conturbada estivesse sua rotina, Musk tentava
participar das reuniões semanais de design do Optimus. Em uma delas, em
fevereiro, ele estava na sala VIP do estádio do Miami Marlins participando
de uma festa de audição promovida por Kanye West, conhecido como Ye,
para um novo álbum, Donda 2. Ele estava em pé com os rappers French
Montana e Rick Ross, comendo tacos e conversando sobre criptomoedas,
quando recebeu uma mensagem de Omead Afshar lembrando-o da reunião
do Optimus às nove da noite. Musk entrou na conferência, mas esqueceu a
câmera do telefone ligada e, sem perceber, deixou que a equipe do Optimus
assistisse à festa ao fundo. Membros da comitiva VIP de Ye olhavam com
curiosidade enquanto ele andava pela sala sacudindo os dedos e discutindo o
número de atuadores que seriam necessários para dar às mãos do Optimus
destreza suficiente. “Elas precisam ser capazes de pegar um lápis de
qualquer ângulo”, disse Musk. Um rapper ao fundo acenou e começou a
sacudir os dedos.
Às vezes as reuniões a respeito do Optimus se arrastavam por mais de
duas horas enquanto Musk considerava ideias grandes e triviais. “Talvez os
robôs pudessem trocar os braços por ferramentas distintas”, sugeriu alguém.
Musk rejeitou isso. Em outra reunião, ele perguntou se deveria existir uma
tela no lugar do rosto. “Pode ser só um monitor”, falou ele. “Não precisa ser
sensível ao toque. Mas precisamos saber o que ele está fazendo a distância.”
Eles decidiram que era uma boa ideia, mas não havia necessidade para uma
primeira iteração do Optimus.
As discussões frequentemente evocavam as fantasias futurísticas de
Musk. A equipe preparou uma simulação em vídeo do Optimus trabalhando
em uma colônia em Marte, o que levou a uma longa discussão sobre se os
robôs em Marte poderiam trabalhar por conta própria ou se deveriam
trabalhar sob a orientação de supervisores humanos. Von Holzhausen
tentou levar as coisas de volta à Terra. “Acho que a simulação de Marte é
divertida”, interveio ele por fim, “mas deveríamos fazer uma que mostre os
robôs trabalhando em uma de nossas fábricas, quem sabe realizando tarefas
repetitivas que ninguém quer fazer”. Em outra reunião, eles discutiram se
deveriam colocar um Optimus no assento do motorista em um Robotáxi
para cumprir a obrigação legal de o carro ter um motorista. “Lembra que no
Blade Runner original fizeram algo assim?”, disse Musk. “Assim como no
jogo Cyberpunk mais recente.” Ele gostava de fazer a ficção científica deixar
de ser ficção.
Outras ideias pareciam mais influenciadas pelo lado bobo do sistema
límbico de Musk. “Talvez devêssemos ter um cabo de carregamento que saia
da bunda”, brincou ele certa vez. Depois de algumas risadas altas, ele
rejeitou a ideia. “O fator de riso seria alto demais”, zombou. “Para os
humanos, os orifícios são importantes.”
“Isso me lembra do filme O jovem Frankenstein”, disse Musk certa vez,
referindo-se à paródia dirigida por Mel Brooks. “É um filme emblemático.”
Isso, entretanto, levou a uma discussão mais séria sobre como garantir que
os robôs não virem monstros, que fora o impulso original que levara Musk a
se dedicar aos campos da inteligência artificial e da robótica. Em uma
reunião, ele revisou o “caminho para o comando de parada”, que daria a um
ser humano o poder final para desativar o robô. “Não pode existir um
cenário no qual alguém possa ter acesso à nave-mãe e assuma o controle dos
robôs de maneira maliciosa”, disse ele, descartando o uso de quaisquer sinais
eletrônicos que possam ser hackeados. Citando as leis da robótica de
Asimov, ele planejou estratégias de jogo que permitiriam aos humanos
triunfar sobre “exércitos de robôs mortais”.
***
Andando
Um dos maiores desafios era fazer o Optimus andar. X tinha quase 2 anos e
também estava aprendendo a andar, e Musk continuava a comparar o modo
que seres humanos e máquinas aprendem as coisas. “A princípio, as crianças
andam com os pés chatos; depois, começam a andar se apoiando nos dedos
dos pés, mas ainda andam como um macaco”, falou. “Leva bastante tempo
até que consigam andar como um adulto. A marcha é bastante complicada.”
Em março, a equipe deu início à reunião semanal com um vídeo em
comemoração a um marco: “Primeiros passos no chão!” Em abril, eles
haviam conquistado o nível seguinte: fazer o Optimus andar enquanto
carregava uma caixa. “Mas não conseguimos coordenar os braços e as pernas
para manter o equilíbrio”, disse um engenheiro. Um problema era que a
cabeça tinha que se mover para o robô ver o entorno. “Se colocarmos várias
câmeras”, sugeriu Musk, “não precisamos virar a cabeça”.
Musk levou alguns brinquedos, entre eles um robô que seguia uma
pessoa com os olhos e outro que dançava break, para uma das reuniões de
avaliação de design em meados de julho. Ele acreditava que os brinquedos
podiam oferecer lições; certo protótipo de carro já o havia inspirado a fazer
carros de verdade usando grandes prensas de fundição, por exemplo, e Legos
o ajudavam a entender a importância da precisão na fabricação. O Optimus
estava em pé no meio da oficina sustentado por um guindaste de pórtico. O
robô andou lentamente em volta de Musk e depositou a caixa que estava
carregando. Musk então pegou o controle e guiou o Optimus a pegar a caixa
e entregá-la para Von Holzhausen. Depois que o Optimus terminou, Musk
o empurrou de leve no peito para ver se ele cairia. Os estabilizadores
funcionaram, e o robô permaneceu de pé. Musk assentiu com a cabeça em
aprovação e fez um vídeo do Optimus. “Sempre que o Elon pega o celular
para filmar, sabemos que ele ficou impressionado”, diz Lars Moravy.
Depois, Musk anunciou que faria uma demonstração pública na qual iria
apresentar o Optimus, o carro totalmente autônomo e o Dojo. “Em todos
esses projetos”, disse ele, “estamos lidando com a enorme tarefa de criar uma
inteligência artificial geral”. O evento aconteceria na sede da Tesla, em Palo
Alto, no dia 30 de dezembro de 2022, e ele o chamou de Dia da IA 2. A
equipe de design criou uma logo que mostrava os lindos dedos longos do
Optimus unidos formando um coração.
capítulo 78
Incerteza
Twitter, julho a setembro de 2022
Ari Emanuel esguichando água em Musk com uma mangueira em Mykonos; Alex
Spiro
O exterminador
Sem saber o que queria fazer com relação ao Twitter, Musk pediu três
opções em junho de 2022. O Plano A era seguir com o acordo de compra
de 44 bilhões de dólares. Os planos B e C envolviam tentar alterar o valor
do acordo ou desistir totalmente, de alguma forma. Para ajudar no modelo
financeiro dessas opções, ele chamou Bob Swan, um ex-CEO do eBay e da
Intel e sócio na empresa de capital de risco Andreessen Horowitz, que
estava financiando a oferta de Musk.
O problema era que Swan, um homem direto, estava comprometido com
o Plano A. Achava que não havia justificativa concreta para desistir do
acordo. Ele aceitou a maioria dos números apresentados no relatório aos
acionistas do Twitter, aplicou um pequeno desconto e apontou um modelo
financeiro um tanto otimista. Musk, convencido de que o mundo iria entrar
em recessão e de que o Twitter estava distorcendo seus problemas com
robôs, questionou Swan raivosamente. “Se você consegue me apresentar isso
de cara lavada, então não é provável que seja a pessoa certa para o trabalho”,
esbravejou.
Swan era bem-sucedido demais para ser tratado assim. “Já que eu lhe
apresentei isso de cara lavada, você tem razão”, respondeu, “provavelmente
não sou a pessoa certa para o trabalho”. E se demitiu.
Mais uma vez, Musk ligou para o amigo íntimo e um dos primeiros
investidores da Tesla, Antonio Gracias, cuja equipe à la SWAT havia
descoberto problemas na Tesla em 2007. Gracias estava de férias na Europa
com alguns dos filhos quando recebeu a ligação. “No dia em que você saiu
do conselho da Tesla, disse que eu podia ligar se precisasse de ajuda”,
lembrou Musk. Gracias concordou em montar uma equipe para fazer uma
análise minuciosa das finanças do Twitter.
Gracias achava que precisava encontrar um banco de investimentos
independente para ajudar a determinar a avaliação adequada e a estrutura de
capital. Ele conversou com o amigo Robert Steel, da Perella Weinberg
Partners, que de maneira franca perguntou diretamente a Musk qual era o
objetivo dele: desistir de comprar o Twitter ou comprar o Twitter a um
preço mais baixo? Musk disse que queria a segunda opção. Isso era verdade,
pelo menos na maior parte do tempo, mas ele estava impedido, tanto legal
quanto psicologicamente, de dizer algo ainda mais verdadeiro, ou seja, que
havia algumas manhãs e noites em que achava que talvez estivesse diante de
uma missão infrutífera e ficaria feliz se tudo acabasse. Steel tinha uma visão
interessante sobre Musk. Quando são dadas três ou quatro opções aos
clientes, a maioria pergunta qual delas o banqueiro recomenda. Musk, em
vez disso, fez perguntas detalhadas sobre cada opção, mas não solicitou uma
recomendação. Ele preferia tomar a decisão por conta própria.
***
Indo em frente
As negociações de Musk com o Twitter para abaixar o preço do acordo não
foram longe. A empresa fez algumas propostas que poderiam reduzir o
preço de 44 bilhões de dólares em cerca de 4%, mas Musk insistiu que a
redução tinha que ser de mais de 10% para que ele ao menos a considerasse.
Em alguns momentos, as chances de conseguir uma aproximação dos dois
lados pareciam factíveis, mas havia um problema adicional. Se o acordo
fosse reestruturado, ou tivesse o preço alterado, isso permitiria que os bancos
comprometidos a emprestar o dinheiro renegociassem os termos. Os
compromissos haviam sido firmados quando os juros estavam baixos, de
modo que as novas taxas cobradas iriam acabar com quaisquer economias.
Existia também um obstáculo mais emocional. Os executivos do Twitter
e os membros do conselho insistiam que qualquer acordo renegociado
deveria garantir a eles proteção contra futuros processos de Musk. “Nunca
vamos dar a eles isenção legal”, disse Musk. “Vamos caçar cada um até o dia
da morte deles.”
Durante o mês de setembro, Musk falava ao telefone com seus advogados
Alex Spiro e Mike Ringler três ou quatro vezes por dia. Alguns dias ele
estava num humor agressivo, e insistia que podiam lutar e vencer o caso em
Delaware. Revelações de um denunciante e outros fatores haviam
aumentado a convicção de Musk de que o Twitter estava mentindo sobre o
número de bots. “Eles estão dando um tiro no pé”, comentou ele referindo-
se ao conselho do Twitter. “Não acredito que o juiz vá garantir o acordo.
Não passaria despercebido ao público.” Outras vezes, Musk achava que
deveria seguir com o acordo e em seguida processar o conselho do Twitter e
os gestores por fraude. Talvez até fosse possível recuperar parte do preço da
compra depois. “O problema”, disse ele com raiva, “é que os membros do
conselho têm tão poucas ações que recuperar o dinheiro deles vai ser difícil”.
Finalmente, no fim de setembro, os advogados convenceram Musk de
que ele perderia se o caso fosse a julgamento. Era melhor fechar o acordo
nos termos originais, de 54,20 dólares por ação, 44 bilhões de dólares no
total. Naquele momento, Musk havia recuperado um pouco do entusiasmo
com a ideia de passar a comandar a empresa. “Há controvérsias, mas eu
deveria simplesmente pagar o preço total, porque essas pessoas que
comandam o Twitter são muito burras e idiotas”, disse ele para mim no fim
de setembro. “As ações estavam em 70 no ano passado, apesar desse bando
de imbecis. O potencial é enorme. Tem muita coisa que eu posso consertar.”
Ele concordou com a confirmação oficial do acordo em outubro.
***
Quando ficou claro que o acordo iria ser concluído, Ari Emanuel voltou a
falar com Musk. Enviou-lhe uma mensagem de três parágrafos, pelo serviço
de mensagens de texto criptografadas Signal, com uma proposta: deixar que
ele e a agência Endeavor, da qual era CEO, comandassem o Twitter.
Emanuel propôs que, por uma taxa de 100 milhões de dólares, se
encarregaria de cortar os custos, criar uma cultura melhor e gerir as relações
com anunciantes e marqueteiros. “A ideia era a de que nós iríamos gerir a
operação, mas Musk nos diria o que queria e ficaria responsável por toda a
engenharia e a parte técnica”, diz Emanuel. “Fazemos muitos negócios com
anunciantes, e temos experiência no assunto, sabe?”
Birchall chamou a mensagem de “ofensiva, humilhante, insana”. Musk
foi mais otimista e educado. Ele valorizava a amizade com Emanuel. “Olha,
agradeço a oferta”, respondeu, “mas o Twitter é uma empresa de tecnologia,
uma empresa de programação”. Emanuel rebateu que contrataria os
técnicos, mas Musk o respondeu com um não firme. Ele tinha uma crença
fundamental de que não dá para separar a engenharia do design do produto.
Na realidade, o design do produto deveria ficar a cargo dos engenheiros. A
empresa, assim como a Tesla e a SpaceX, deveria ser liderada pela
engenharia em todos os níveis.
Havia mais uma coisa que Emanuel não entendia. Musk queria
comandar pessoalmente o Twitter, assim como estava fazendo com a Tesla,
a SpaceX, a e Boring Company e a Neuralink.
capítulo 79
Apresentação do Optimus
Tesla, setembro de 2022
O ensaio do Dia da IA
Depois de ter sido fotografado durante as férias de dois dias na Grécia com
Ari Emanuel e chamado de gordo, Musk decidiu começar a usar o remédio
Ozempic para fins de emagrecimento e seguir uma dieta de jejum
intermitente, fazendo só uma refeição por dia. No caso dele, a única refeição
era um café da manhã tardio, e a dieta permitia que ele se empanturrasse à
vontade. Às onze da manhã de uma quarta-feira, ele foi ao Palo Alto
Creamery, um pequeno restaurante retrô que estava na moda, e pediu um
cheeseburger com bacon ao barbecue acompanhado de batata-doce frita e
um milkshake de Oreo. X ajudou a comer parte da porção de batatas.
Depois, Musk visitou o laboratório da Neuralink em um centro
comercial em Fremont, onde se concentrou na mecânica e nos sinais que o
ato de andar compreendia. Usando jalecos e protetores de sapato, Shivon
Zilis, DJ Seo e Jeremy Barenholtz o levaram até uma sala sem janelas na
qual um porco chamado Mint estava andando em uma esteira ergométrica e
ganhando pedaços de maçã cobertos de mel como recompensa. De vez em
quando, ele recebia um choque para fazer os músculos se contraírem. Todos
tentavam decodificar quais atuadores estavam envolvidos no ato de andar.
Quando Musk chegou à sede da Tesla, os engenheiros de lá também
estavam focados no andar. Preparando-se para a apresentação do Optimus
marcada para a noite seguinte, eles haviam programado o robô para dar
passos um pouco mais curtos porque o palco da apresentação era mais liso
que o chão de concreto da oficina. No entanto, Musk gostava da caminhada
mais longa, e começou a imitar os passos largos de John Cleese no esquete
“O Ministério dos Passos Bobos”, de Monty Python. “Parecia mais legal com
a caminhada descolada”, disse Musk. Os engenheiros começaram a fazer
ajustes.
Em seguida, trinta engenheiros se reuniram em torno de Musk para
ouvir um discurso motivacional. “Robôs humanoides vão desatar a
economia em níveis quase infinitos”, declarou ele.
“Robôs operários resolveriam a falta de crescimento populacional”,
acrescentou Drew Baglino.
“Sim, mas as pessoas ainda deveriam ter filhos”, replicou Musk.
“Queremos que a consciência humana sobreviva.”
Mais tarde naquela noite, fizemos um passeio nostálgico pelo prédio de
três andares nos limites do centro de Palo Alto que outrora abrigara o
pequeno escritório do Zip2, a startup que ele e Kimbal haviam fundado 27
anos antes. Assobiando como se estivesse em um devaneio, Musk andou em
volta do prédio tentando entrar, mas todas as portas estavam fechadas e
havia uma placa de - na janela. Então ele atravessou duas quadras,
até o Jack in the Box, onde ele e Kimbal comiam todos os dias. “Eu deveria
estar em jejum agora, mas tenho que comer algo aqui”, disse. No microfone
do drive-thru, pediu: “Vocês ainda têm a porção de teriyaki?” Ainda
tinham. Musk pediu uma para ele e um hambúrguer para X. “Será que isso
ainda vai estar aqui daqui a 25 anos, para o X trazer os filhos dele?”,
comentou.
Dia da IA 2
Quando Musk chegou na tarde seguinte para a grande revelação do
Optimus no Dia da IA 2, dezenas de engenheiros corriam pelos corredores
parecendo preocupados. Uma ligação havia se soltado no peito do Optimus,
que não estava mais funcionando. “Não acredito que isso está acontecendo”,
disse Kovac, tendo flashbacks do trauma sofrido no Dia da IA 1 um ano
antes. No fim das contas, alguns dos engenheiros conseguiram religar a
conexão, e torceram para que ficasse no lugar. Eles decidiram correr o risco.
Com Musk rodeando, não tinham muita escolha.
Os vinte engenheiros que iriam participar da apresentação se reuniram
nos bastidores para compartilhar histórias de momentos complicados. Phil
Duan, um jovem especialista em machine learning da equipe do Autopilot,
estudou ciência da informação óptica na cidade natal dele, Wuhan, na
China, e depois fez doutorado na Universidade de Ohio. Ele começou a
trabalhar na Tesla em 2017, bem na época das ondas insanas de produção
que culminaram com a pressão de Musk para apresentar um carro
autônomo no Dia da Autonomia, em 2019. “Trabalhei por meses, sem
nenhuma folga, e fiquei tão cansado que me demiti da Tesla no dia seguinte
ao Dia da Autonomia”, disse ele. “Eu estava exausto. Mas, depois de nove
meses, fiquei entediado e liguei para o meu chefe, implorando para que me
deixasse voltar. Decidi que preferia estar exausto a entediado.”
Tim Zaman, que comandou a equipe de infraestrutura da inteligência
artificial, tinha uma história parecida. Nascido no norte da Holanda, ele
entrou para a Tesla em 2019. “Quando você trabalha na Tesla, tem medo de
ir para qualquer outro lugar, porque você vai se entediar.” A esposa havia
acabado de ter a primeira filha do casal, e ele sabe que a empresa não é
propícia a um estilo de vida equilibrado entre trabalho e vida pessoal.
Mesmo assim, planeja permanecer na Tesla. “Vou tirar os próximos dias
para ficar com minha esposa e minha filha”, diz Zaman, “mas, se eu tirar
uma semana inteira de folga, meu cérebro fica fritando”.
No Dia da IA anterior, nenhum dos vinte apresentadores era mulher.
Dessa vez, um dos mestres de cerimônia era uma engenheira de design
mecânico carismática chamada Lizzie Miskovetz. Enquanto o volume da
música ia baixando e o Optimus estava prestes a entrar, ela animou o
público com o anúncio: “Esta é a primeira vez que vamos mostrar este robô
sem nenhum apoio extra, guindastes ou mecanismos — sem cabos, sem
nada!”
As cortinas, estampadas com o logotipo das mãos do Optimus formando
um coração, se abriram. Optimus, sem suporte, estava em pé, confiante, e
começou a erguer os braços. “Ele se moveu, está funcionando”, disse Duan
nos bastidores. Em seguida, o robô sacudiu as mãos, girou os braços e
flexionou os pulsos. Os engenheiros prenderam a respiração enquanto ele
começava a dar o primeiro passo com a perna direita. O robô marchou
rigidamente, mas com confiança, até a frente do palco e executou um
cumprimento real. Triunfante, ele ergueu o punho direito no ar, fez uma
dancinha, depois se virou e andou de volta para trás da cortina.
Até Musk parecia aliviado. “Nosso objetivo é criar um robô humanoide
útil o mais rápido possível”, disse para o público. Em algum momento,
prometeu, haveria milhões deles. “Isso significa um futuro de abundância,
um futuro sem pobreza. Vamos poder pagar uma renda básica universal para
as pessoas. É realmente uma transformação fundamental da civilização.”
Milan Kovac
capítulo 80
Robotáxi
Tesla, 2022
Omead Afshar, Musk, Franz von Holzhausen, Drew Baglino, Lars Moravy e Zach
Kirkhorn; o conceito de Robotáxi
Vamos apostar tudo na autonomia
Carros autônomos, Musk acreditava, iriam fazer mais do que simplesmente
liberar a população da chatice de ter que dirigir. Em grande medida,
eliminariam a necessidade de as pessoas terem carros. O futuro seria do
Robotáxi: um veículo sem motorista que apareceria quando chamado,
levaria você até o destino desejado e depois seguiria até o próximo
passageiro. Algumas pessoas poderiam adquirir um para uso próprio, mas a
maioria dos Robotáxis seria de empresas de transporte ou da Tesla.
Naquele mês de novembro, Musk reuniu seus seis principais assessores
em Austin para discutir esse futuro durante um jantar informal na casa
parcialmente mobiliada de Omead Afshar, que contratou um chef particular
para preparar bifes de costela maturada supergrossos. Estavam presentes
Franz von Holzhausen, Drew Baglino, Lars Moravy e Zach Kirkhorn. Eles
decidiram que o Robotáxi seria um carro menor, mais barato e menos veloz
que o Model 3. “Nosso principal foco tem que ser em volume”, disse Musk.
“Não há uma quantidade que possamos fabricar que seja suficiente. Um dia
vamos querer chegar a 20 milhões por ano.”
O desafio central era descobrir como desenhar um carro sem volante ou
pedais que pudesse atender aos padrões de segurança do governo e lidar com
situações especiais. Semana após semana, Musk considerava cada detalhe.
“E se alguém esquecer de fechar a porta do Robotáxi quando descer?”,
perguntou. “Temos que garantir que ele possa fechar as portas sozinho.”
Como um Robotáxi poderia entrar em um condomínio ou em um
estacionamento? “Talvez precise de um braço para conseguir apertar um
botão ou pegar um tíquete”, disse. Isso parecia um pesadelo. “Talvez
possamos simplesmente excluir os lugares em que não dá para entrar
facilmente”, concluiu Musk. Às vezes, as conversas eram tão sérias e
detalhadas que contradiziam a ousadia do conceito.
No fim do verão de 2022, Musk e a equipe perceberam que tinham que
tomar uma decisão final sobre um assunto com o qual lidaram ao longo de
um ano. Eles deveriam optar pelo caminho seguro e incluir volante, pedais,
retrovisores e outros itens atualmente exigidos pela legislação? Ou deveriam
fazer carros de fato autônomos?
A maioria dos engenheiros ainda pressionava pela alternativa mais
segura. Eles tinham uma visão mais realista sobre quanto tempo levaria para
fazer a Direção Totalmente Autônoma (FSD, na sigla em inglês) funcionar.
Em uma reunião fatídica e dramática no dia 18 de agosto, reuniram-se para
resolver o problema.
“Queremos garantir que estamos avaliando o risco com você”, disse Von
Holzhausen a Musk. “Se optarmos por não ter volante e a Direção
Totalmente Autônoma não estiver em operação, não vamos poder colocar os
carros na rua.” Ele sugeriu que construíssem um carro que tivesse volante e
pedais, mas que fossem removíveis com facilidade. “Basicamente, nossa
proposta é incluí-los agora, mas tirá-los quando for permitido.”
Musk fez que não com a cabeça. O futuro não chegaria rápido o
suficiente, a menos que eles o forçassem.
“Pequenos”, insistiu Von Holzhausen, “que possamos retirar facilmente e
projetar ao redor”.
“Não”, disse Musk. “Não. NÃO.” Houve uma longa pausa. “Sem
retrovisores, sem pedais, sem volante. Estou assumindo a responsabilidade
por esta decisão.”
Os executivos sentados em volta da mesa hesitaram. “Certo, vamos voltar
a falar disso com você”, disse um deles.
Musk mudou de humor e adotou um ar gélido. “Vou ser claro”, falou
devagar. “Esse veículo deve ser desenhado como um Robotáxi limpo. Vamos
assumir esse risco. É minha culpa se der merda. Mas não vamos projetar um
anfíbio, uma espécie meio sapo, meio carro. Vamos apostar tudo na
autonomia.”
Semanas depois, ele ainda estava animado com a decisão. Durante um
voo para levar Griffin até a universidade, participou da reunião semanal do
Robotáxi pelo telefone. Como sempre, tentou instigar um senso de
urgência. “Esse vai ser um produto historicamente megarrevolucionário”,
declarou Musk. “Vai transformar tudo. Esse é o produto que fará da Tesla
uma empresa de 10 trilhões. As pessoas vão falar sobre este momento daqui
a cem anos.”
O carro de 25 mil dólares
Como mostravam as discussões sobre o Robotáxi, Musk podia ser
ferozmente teimoso. Ele tinha uma obstinação que distorcia a realidade e
uma presteza para atropelar os pessimistas. Essa dureza pode ter sido um
dos superpoderes que levaram aos sucessos dele, assim como aos fracassos.
Eis, porém, uma característica menos conhecida de Musk: ele podia
mudar de ideia. Era capaz de ouvir argumentos que parecia estar rejeitando
e recalibrar os cálculos de risco. E foi isso que aconteceu com os volantes.
No fim do verão de 2022, depois que Musk se manifestou sobre estar
“apostando tudo” em um Robotáxi sem volante, Von Holzhausen e Moravy
decidiram persuadi-lo a cobrir a aposta. Eles sabiam como fazer isso de uma
maneira não desafiadora. “Apresentamos novas informações, que talvez ele
não tivesse digerido completamente antes”, diz Moravy. Mesmo que carros
autônomos fossem aprovados pelas agências reguladoras dos Estados
Unidos, argumentou ele, ainda levaria anos até que fossem aprovados no
exterior. Por isso, fazia sentido construir uma versão do carro com volante e
pedais.
Por anos eles conversaram sobre como deveria ser a próxima geração de
produtos da Tesla: um carro para o mercado de massa, pequeno e barato,
vendido por cerca de 25 mil dólares. O próprio Musk havia aventado a
possibilidade em 2020, mas suspendeu os planos e pelos dois anos seguintes
repetidamente vetou a ideia, quando disse que o Robotáxi tornaria o outro
carro desnecessário. Apesar disso, Von Holzhausen manteve a ideia viva em
sigilo e tocou um projeto secreto no estúdio de design.
Numa quarta-feira tarde da noite, durante a viagem para apresentar o
Optimus em setembro de 2022, Musk se abrigou em um refúgio de longa
data: Júpiter, a sala de conferências sem janelas da fábrica de Fremont.
Moravy e Von Holzhausen levaram alguns dos principais membros da
equipe da Tesla até a sala para uma reunião reservada. Eles apresentaram
dados que mostravam o seguinte: para a Tesla crescer 50% por ano,
precisava de um carro pequeno e barato. O mercado global para esse tipo de
veículo era enorme. Em 2030, poderiam existir até 700 milhões deles, quase
o dobro da categoria Model 3/Y. Então eles mostraram que era possível usar
a mesma plataforma e a mesma linha de montagem para fazer o carro de 25
mil dólares e o Robotáxi. “Nós o convencemos de que, se construíssemos
fábricas e tivéssemos as plataformas, daria para produzir tanto os Robotáxis
quanto o carro de 25 mil dólares, usando a mesma arquitetura de veículo”,
conta Von Holzhausen.
Depois da reunião, Musk e eu nos sentamos a sós na sala de conferências
e ficou evidente que ele não estava entusiasmado com o carro de 25 mil
dólares. “Não é um produto muito empolgante”, comentou. O que ele
realmente queria era transformar os meios de transporte com os Robotáxis.
Contudo, ao longo dos meses, foi se entusiasmando bastante. Em uma
reunião de avaliação de design numa tarde de fevereiro de 2023, Von
Holzhausen colocou modelos do Robotáxi e do carro de 25 mil dólares lado
a lado no estúdio. Os dois tinham o ar futurista do Cybertruck. Musk
adorou os designs. “Quando um desses contornar uma esquina”, disse ele,
“as pessoas vão achar que estão vendo algo que veio do futuro”.
O novo veículo para o mercado de massa — assim como o carro com
volante e o Robotáxi — tornou-se conhecido como “a plataforma da nova
geração”. A princípio, Musk decidiu que a Tesla construiria uma nova
fábrica no norte do México, cerca de 650 quilômetros ao sul de Austin, toda
projetada para produzir esses carros. A unidade iria usar um método de
produção completamente novo, com alta automatização.
Não demorou, porém, para que um problema surgisse na mente dele:
Musk sempre acreditou que os engenheiros de design da Tesla precisavam
estar bem ao lado da linha de montagem, e não em um local distante da
produção. Assim, os engenheiros podiam receber um feedback instantâneo
sobre como incluir inovações de projeto que não só melhorariam o carro,
como também tornariam a produção mais fácil. Isso valia, principalmente,
no caso de um carro e de um método de produção novos. Contudo, ele
percebeu que teria problemas em conseguir que os engenheiros principais se
mudassem para a nova fábrica. “A engenharia da Tesla tem que estar junto
da linha de produção para que tudo dê certo, e nunca vamos conseguir
mudar todo mundo para o México”, me disse ele.
Por isso, em maio de 2023, decidiu mudar para Austin a localização
inicialmente pensada para a fábrica da nova geração de carros e de
Robotáxis, onde ele e seus principais engenheiros estariam trabalhando bem
ao lado da nova linha de montagem super-rápida e ultra-automatizada. Ao
longo do verão de 2023, Musk passou horas, todas as semanas, trabalhando
com a equipe a fim de projetar cada estação da linha de montagem,
buscando modos de reduzir em milissegundos cada passo e cada processo.
capítulo 81
“Vocês vão ter que aceitar”
Twitter, 26 e 27 de outubro de 2022
***
Quando Musk voltou para o segundo andar, três das salas de conferências
estavam sendo tomadas pela força mercenária de engenheiros leais da Tesla
e da SpaceX, que, sob a direção de Musk, estavam passando um pente-fino
no código do Twitter e desenhando diagramas nos quadros magnéticos para
determinar quais funcionários valia a pena manter. Outras duas salas foram
ocupadas pelo batalhão de banqueiros e advogados. Eles pareciam estar se
preparando para a batalha.
“Já conversou com Jack?”, perguntou Gracias a Musk. O cofundador do
Twitter e ex-CEO, Jack Dorsey, havia inicialmente apoiado a compra da
empresa por Musk, mas nas semanas anteriores ficara nervoso com a
polêmica e o drama envolvidos. Ele temia que Musk fosse estripar seu bebê.
E não tinha certeza se estava disposto a fazer vista grossa. Mais
significativamente, Dorsey estava hesitando em permitir que as ações que
ele tinha no Twitter fossem transformadas em patrimônio na nova empresa
privada controlada por Musk. Se não cedesse as ações, isso poderia ser ruim
para os planos de financiamento de Musk. Na semana anterior, Musk havia
ligado para ele quase todos os dias, reassegurando que amava o Twitter de
verdade e não o prejudicaria. Por fim, Musk fez um acordo com Dorsey: se
ele cedesse as ações, Musk se comprometeria a pagar preço cheio por elas no
futuro caso Dorsey precisasse do dinheiro. “Ele concordou com a
transferência completa”, disse Musk. “Ainda somos amigos. Ele se preocupa
com a liquidez no futuro, então me comprometi com 54,20 dólares.”
No fim daquela tarde, Agrawal entrou discretamente no lounge do
segundo andar e encontrou Musk. Eles iam agir como gladiadores na noite
seguinte, mas, naquele momento, ambos fingiram coleguismo casual.
“Oi”, disse Agrawal gentilmente. “Como foi seu dia?”
“Minha cabeça está cheia”, respondeu Musk. “Vou precisar de uma noite
de sono para transformar os dados em alguma coisa.”
* Em inglês, “Let that sink in”, uma expressão com sentido de que é preciso deixar a ficha cair, digerir
e aceitar a situação. O trocadilho se dá por causa de “sink”, que significa “pia”. [N. da E.]
capítulo 82
Tomando posse
Twitter, quinta-feira, 27 de outubro de 2022
Antonio Gracias, Kyle Corcoran, Kate Claassen e Musk com um bourbon; Pappy
Van Winkle; David Sacks e Gracias na sala de guerra
O sino anuncia a compra
A compra do Twitter seria fechada no dia 28 de outubro, uma sexta-feira.
Era o que os gestores do Twitter, o público e Wall Street imaginavam. Uma
transição tranquila tinha sido programada com cuidado para a abertura do
mercado de ações naquela manhã. O dinheiro seria transferido, os
documentos seriam assinados, as ações sairiam do mercado e Musk estaria
no controle. Isso ofereceria um gatilho duplo — a saída da bolsa e a
mudança de controle —, permitindo a Parag Agrawal e a seus principais
assessores no Twitter receber rescisões e exercer as opções de ações.
Musk, porém, não queria isso, e em segredo arquitetou com a equipe um
plano para desarticular tudo. Ao longo da tarde de quinta-feira, ele entrava e
saía de uma sala de conferências abarrotada onde Antonio Gracias, Alex
Spiro, Jared Birchall e mais algumas poucas pessoas planejavam
metodicamente uma manobra de jiu-jítsu: eles iam forçar um fechamento
rápido na noite de quinta. Se fizessem tudo no momento certo, Musk
poderia demitir Agrawal e alguns dos principais executivos do Twitter “por
justa causa” antes que eles pudessem exercer as opções de ações.
Era um tanto audacioso, e até cruel. Na cabeça de Musk, porém, isso se
justificava em função do preço que ele estava pagando e da convicção de que
a gestão do Twitter havia tentado enganá-lo. “Tem uma diferença de 200
milhões em jogo entre fechar o negócio hoje à noite e amanhã de manhã”,
disse ele a mim no fim da tarde de quinta-feira na sala de guerra enquanto o
plano era executado.
Além de servir como vingança e poupar dinheiro, o plano tinha como
motor o gosto de Musk por manipular jogadas. No fim, a surpresa ganharia
um tom dramático, como um ataque no momento certo no Polytopia.
O marechal de campo para o fechamento de surpresa na noite de quinta
era o advogado de longa data de Musk, Alex Spiro. Um atirador de elite do
mundo jurídico irritadiço e divertido, Spiro estava sempre ansioso por uma
batalha. Ele se tornou um conselheiro de confiança de Musk durante as
tempestades de 2018, quando o ajudou a se livrar dos problemas causados
pelos tuítes sobre “pedo” e “tornar a Tesla privada”. Musk tinha como regra
desconfiar de pessoas cuja confiança fosse maior do que a competência.
Spiro era extremamente confiante, mas também extremamente competente,
o que fez Musk valorizar o trabalho dele, ainda que por vezes
acompanhando tudo de perto.
“Só dá para demitir o Parag depois que ele assinar o certificado, certo?”,
perguntou Musk a certa altura.
“Eu preferiria demiti-los antes que a coisa esteja consumada”, disse Spiro.
Ele conferenciou com colegas e bolou opções enquanto esperavam os
números de referência do Banco Central norte-americano que mostrassem
que o dinheiro tinha sido transferido.
Às 16h12 pelo fuso do Pacífico, depois de receberem a confirmação de
que o dinheiro tinha sido transferido e os documentos necessários haviam
de fato sido assinados, Musk e sua equipe tomaram a decisão de fechar o
negócio. Jehn Balajadia, assistente de longa data de Musk que tinha sido
convocado de volta para ajudar na tomada do Twitter, entregou exatamente
naquele momento as cartas de demissão de Agrawal, Ned Segal, Vijaya
Gadde e do conselheiro-geral, Sean Edgett. Seis minutos depois, o chefe da
segurança de Musk entrou para dizer que todos tinham sido “retirados” do
prédio e o acesso deles ao e-mail fora cortado.
O bloqueio imediato do e-mail era parte do plano. Agrawal estava com a
carta de demissão, na qual era citada a mudança de controle, pronta para ser
enviada. Contudo, quando teve a conta de e-mail do Twitter bloqueada, ele
levou alguns minutos na operação de transferência do documento para uma
mensagem de Gmail. Àquela altura, já tinha sido demitido por Musk.
“Ele tentou se demitir”, disse Musk.
“Mas a gente ganhou dele”, replicou Spiro.
***
Numa outra área da sede do Twitter, a empresa estava dando uma festa de
Halloween, cheia de abraços de despedida, chamada Trick or Tweet.*
Birchall brincou com as outras pessoas que estavam na sala de guerra: “Ned
Segal veio com uma fantasia de CFO.” Nas salas de conferências ao lado,
alguns dos engenheiros da SpaceX estavam grudados em uma transmissão
de vídeo em seus computadores. Pouco depois das seis, um foguete Falcon 9
decolou de Vandenberg carregando 52 satélites da Starlink.
Michael Grimes, o principal executivo do banco Morgan Stanley, pegou
um voo em Los Angeles e chegou à sala de guerra com presentes. O
primeiro era uma montagem que mostrava defesas históricas da liberdade de
expressão — de John Milton, em 1644, à cena de Musk entrando na sede
do Twitter e dizendo “Vocês vão ter que aceitar!”. Ele também levou uma
garrafa de Pappy Van Winkle, o melhor bourbon do mundo, que a esposa
tinha ganhado de aniversário. Cada um na sala tomou um pequeno gole e
em seguida Musk assinou a garrafa pela metade para ela.
Minutos depois, ele fez a primeira modificação de produto. Até então,
quando as pessoas entravam no site Twitter.com, a primeira tela que viam as
instruía a fazer login. Musk achou que em vez disso elas deviam cair numa
página de “Explorar”, que mostraria os assuntos mais quentes e as
tendências do momento. Uma mensagem foi enviada para a pessoa
encarregada da página “Explorar”, um jovem engenheiro chamado Tejas
Dharamsi, que estava num voo voltando ao país depois de visitar a família
na Índia. Ele respondeu dizendo que faria a mudança assim que chegasse ao
escritório na segunda-feira. Faça agora, foi a ordem que recebeu. Assim,
usando o wi-fi do voo da United, ele fez a mudança naquela noite.
“Tínhamos trabalhado em muitas possíveis novas funcionalidades por anos,
mas ninguém tomava decisões sobre elas”, diria Dharamsi posteriormente.
“De repente, esse cara chegou tomando decisões rápidas.”
Musk estava hospedado na casa de David Sacks. Quando ele voltou para
lá, perto das nove da noite, Ro Khanna, o deputado democrata do distrito,
já estava presente. Khanna é um defensor da liberdade de expressão que
entende de tecnologia, mas a conversa não foi sobre o Twitter. Na verdade,
eles falaram sobre o papel da Tesla em atrair as indústrias de volta para os
Estados Unidos e o perigo de não encontrar uma solução diplomática para a
guerra na Ucrânia. Foi uma conversa animada que durou quase duas horas.
“Musk tinha acabado de fechar a compra do Twitter, e eu fiquei surpreso
por não termos falado disso”, conta Khanna. “Ele parecia querer falar de
outras coisas.”
* Um trocadilho, em inglês, com a brincadeira “Doce ou travessura?” (Trick or treat). [N. da E.]
capítulo 83
Os três mosqueteiros
Twitter, 26 a 30 de outubro de 2022
Com James Musk, Dhaval Shroff e Andrew Musk analisando o código (topo); Ross
Nordeen estudando a arquitetura do soware do Twitter (abaixo, à esquerda);
James e Andrew Musk (abaixo, à direita)
James, Andrew e Ross
Quem comandava a jovem tropa da tecnologia nas salas de conferências do
segundo andar naquela quinta-feira era um rapaz de 29 anos
espantosamente parecido com Musk. James Musk, filho do irmão mais
novo de Errol, tinha o cabelo idêntico, o sorriso cheio de dentes, os
maneirismos de levar a mão ao pescoço e um sotaque sul-africano óbvio
como o do primo de primeiro grau. Havia uma dureza na mente e nos
olhos, mas ele compensava isso com um grande sorriso, um jeito sempre
emocionalmente alerta e uma disposição em agradar aos outros, coisas que
não faziam parte do repertório de Elon. Engenheiro de software, James
trabalhou duro na equipe do Autopilot da Tesla e então se tornou o núcleo
de um pequeno grupo de mosqueteiros leais que coordenaram os mais de
trinta engenheiros da empresa automotiva e da SpaceX que aportaram na
sede do Twitter como uma força expedicionária naquela semana.
Desde os 12 anos, James acompanhava avidamente as aventuras de Elon
e escrevia cartas para ele com regularidade. Assim como Elon, ele deixou a
África do Sul por conta própria quando estava prestes a completar 18 anos e
passou um ano vagando pela Riviera, trabalhando em iates e hospedando-se
em albergues. Depois, foi para Berkeley e entrou para a Tesla bem a tempo
de ser convocado por Elon para a onda insana de 2017 na fábrica de baterias
de Nevada. Em seguida, tornou-se parte da equipe do Autopilot, quando
desenvolveu a rota de planejamento da rede neural que analisa os dados em
vídeo de motoristas humanos para aprender como um carro autônomo
deveria se comportar.
Quando Elon o chamou no fim de outubro e o “convocou a se
voluntariar” para ajudar na iminente tomada do Twitter, James relutou por
um momento. O aniversário da garota que ele namorava era naquele fim de
semana e eles pretendiam viajar para ir ao casamento da melhor amiga dela.
No entanto, ela entendeu que James precisava ajudar o primo. “Você tem
que estar lá”, disse a ele.
O irmão ruivo e mais tímido, Andrew, engenheiro de software na
Neuralink, juntou-se a James na missão. Durante a infância na África do
Sul, eles eram jogadores da liga nacional de críquete, além de alunos de
engenharia de destaque. Meia geração mais jovens que Elon e Kimbal, eles
não faziam parte do grupinho dos irmãos Rive, primos de Elon por parte de
mãe. Elon colocou Andrew e James debaixo das asas quando eles deixaram a
África do Sul, pagando a mensalidade de ambos na universidade e as
despesas pessoais. Andrew foi para a UCLA, a Universidade da Califórnia
em Los Angeles, onde pesquisou a tecnologia de blockchain com o teórico
pioneiro da internet em comutação de pacotes, Len Kleinrock. E, como se
fosse uma herança genética da família (o que pode até ser), James e Andrew
ficaram viciados no Polytopia. “Minha ex-namorada me odiava por isso”, diz
Andrew. “Talvez por isso seja minha ex-namorada.”
***
Avaliadores de código
James e Andrew estavam sentados com os respectivos notebooks a uma
pequena mesa redonda no espaço aberto próximo à sala de conferências da
qual Musk comandava seu campo de batalha. X estava brincando no chão
com quatro grandes cubos mágicos. (Não, ele ainda não conseguia resolver o
quebra-cabeça, tinha só 2 anos e meio.) Era quinta-feira, 27 de outubro, o
dia em que Musk estava correndo para executar o rápido fechamento da
aquisição do Twitter, mas deu uma escapada das reuniões por uma hora para
discutir com os primos como categorizar os engenheiros do Twitter. Com
eles, estava também outro jovem engenheiro da equipe do Autopilot,
Dhaval Shroff, que havia sido um dos apresentadores no Dia da IA 2.
James, Andrew e Dhaval tinham acesso pelos notebooks deles a toda a
biblioteca de código escrita no Twitter ao longo do ano anterior. “Pesquisem
quem escreveu cem linhas de código ou mais no último mês”, orientou
Musk. “Quero que vocês revisem o diretório e vejam quem está entregando
código.”
O plano de Musk era demitir a maioria dos engenheiros, mas manter os
realmente bons. “Vamos descobrir quem fez uma quantidade surpreendente
de código, e dentro desse grupo descobrir quem são os melhores
programadores”, disse Musk. Era uma tarefa gigantesca, que se tornava
ainda mais difícil porque eles não tinham o código em um formato que fosse
fácil de determinar quem fizera cada inserção ou exclusão.
James teve uma ideia. Ele e Dhaval haviam conhecido um jovem
engenheiro de software do Twitter em uma conferência em São Francisco
alguns dias antes. O nome dele era Ben. James ligou para ele, o colocou no
viva-voz e começou a enchê-lo de perguntas.
“Eu tenho a lista das inserções e exclusões de todo mundo”, disse Ben.
“Pode me mandar?”, pediu James. Eles passaram um tempo tentando
descobrir como usar um script em Python e técnicas para tornar a
transferência mais rápida.
Então Musk interrompeu: “Obrigado por ajudar, cara.”
Houve uma longa pausa.
“Elon?”, perguntou Ben. Ele parecia um pouco admirado que o novo
chefe estivesse passando tempo vasculhando o código-fonte no dia de fechar
o negócio.
Ao ouvir o sotaque francês, percebi que era o mesmo Ben —– Ben San
Souci — que havia perguntado a Musk sobre a moderação de conteúdo na
visita à cafeteria. Um engenheiro na aparência, ele não era muito bom em
fazer conexões, mas de repente havia sido arrastado para dentro do círculo
interno. Era uma prova do valor do acaso — e de aparecer pessoalmente no
escritório.
***
No controle
Nos corredores do Twitter, assim como na Tesla, na SpaceX e em Wall
Street, as pessoas comentavam se Musk contrataria alguém para ajudá-lo a
administrar a empresa. Naquele primeiro dia como dono, ele se reuniu em
sigilo com um possível nome para isso, Kayvon Beykpour, o cofundador do
aplicativo de streaming de vídeo Periscope, que foi comprado e depois
encerrado pelo Twitter. Beykpour havia se tornado chefe de
desenvolvimento de produto do Twitter, mas foi demitido por Agrawal no
início de 2022 sem explicações.
A conversa deles na sala de conferências de Musk, que também contou
com a presença do investidor de tecnologia Scott Belsky, mostrou uma
verdadeira fusão mental. “Tenho uma ideia quanto aos anúncios”, sugeriu
Beykpour. “Pergunte para as pessoas que assinam quais são os interesses que
elas têm e ofereça-lhes uma experiência personalizada. Você pode
transformar isso em um benefício da assinatura.”
“É, e os anunciantes vão amar”, disse Musk.
“Também coloque um botão de downvote para tuítes”, acrescentou
Beykpour. “Você precisa de um sinal negativo do usuário para alimentar os
rankings.”
“Só os usuários pagos e verificados deveriam poder dar votos negativos”,
ponderou Musk, “porque senão isso poderia estar sujeito a ataques de bots”.
No fim da conversa, Musk fez a Beykpour uma oferta casual. “Por que
você não volta a trabalhar aqui?”, propôs. “Parece que você ama isso.” E
então apresentou toda a visão de como pretendia fazer do Twitter uma
plataforma financeira e de conteúdo, com todos os elementos que havia
vislumbrado para a.
“Bem, estou em dúvida”, disse Beykpour. “Eu admiro você. Comprei
todos os produtos que você já criou. Vou pensar sobre isso e te responder
depois.”
Ficou nítido, no entanto, que Musk não iria ceder muito controle, assim
como não havia cedido nas outras empresas. Um mês depois, perguntei a
Beykpour o que ele decidira. “Eu não vejo um papel para mim”, me disse.
“Elon é apaixonado por dirigir diretamente, ele mesmo, a engenharia e o
produto.”
Musk não tinha pressa em trazer alguém para comandar o Twitter,
mesmo depois de ter conduzido uma enquete on-line cujo resultado
apontou que ele deveria fazer isso. Ele até mesmo dispensou ter um diretor
financeiro. Queria fazer da empresa um parquinho de diversões próprio. Na
SpaceX, tinha pelo menos quinze pessoas que se reportavam diretamente a
ele; na Tesla, cerca de vinte. No Twitter, ele disse para a equipe que estava
disposto a ter mais de vinte. E decretou que eles e os engenheiros mais
dedicados deveriam trabalhar num enorme espaço aberto no décimo andar,
onde Musk iria lidar diretamente com todos dia e noite.
Primeiro round
Musk havia encarregado seus jovens mosqueteiros de desenvolver uma
estratégia para fazer grandes cortes nas inchadas equipes de engenharia, e
eles estavam fuçando o código-base para avaliar quem era excelente e
dedicado. Às seis da noite da sexta-feira, 28 de outubro, 24 horas depois da
aquisição, Musk reuniu-os e mais três dúzias de mercenários de confiança
da Tesla e da SpaceX para começar a botar o plano em ação.
“O Twitter tem hoje 2.500 engenheiros de software”, disse Musk para
eles. “Se cada um escrevesse só três linhas de código por dia, um padrão
ridiculamente baixo, isso somaria 3 milhões de linhas de código por ano, o
que é o suficiente para todo um sistema operacional. Isso não está
acontecendo. Algo está profundamente errado. Parece até que estou num
programa de humor.”
“Gerentes de produto que não sabem nada sobre programação ficam
pedindo recursos que não sabem como criar”, falou James. “Como líderes da
cavalaria que não sabem andar a cavalo.” Era uma frase que Musk usava
com frequência.
“Vou estabelecer uma regra”, decretou Musk. “Temos 150 engenheiros
fazendo o Autopilot. Quero reduzir a esse número no Twitter.”
Mesmo concordando com a visão de Musk sobre a baixa produtividade
no Twitter, uma demissão em massa de mais de 90% dos engenheiros fez a
maioria dos que estavam à mesa titubear. Milan Kovac, então menos
intimidado por Musk do que estivera no dia da apresentação do Optimus,
explicou por que eram necessários mais. Alex Spiro, o advogado, também
pediu cautela. Ele achava que alguns trabalhos no Twitter não exigiam
habilidades computacionais geniais. “Não entendo por que todas as pessoas
que trabalham em uma empresa de rede social têm que ter um QI de 160 e
trabalhar 24 horas por dia”, argumentou. Algumas pessoas precisam ser boas
em vendas, outras precisam da habilidade emocional de bons gestores e
outras, ainda, apenas sobem vídeos de usuários e não precisam ser estrelas.
Além disso, cortar tanto assim colocaria o sistema em risco de falhar se
alguém ficasse doente ou ficasse de saco cheio.
Musk não concordou. Ele queria cortes profundos não apenas por
motivos financeiros, mas também porque queria implementar uma cultura
de trabalho hardcore, fanática. Ele estava disposto a assumir riscos e voar
sem rede de proteção; mais que isso, estava ansioso.
James, Andrew, Ross e Dhaval começaram se reunindo com os gestores e
pedindo a eles que cumprissem as metas de Musk de demitir mais de 90%
dos funcionários. “Eles ficaram bem tristes”, diz Dhaval. “Argumentaram
que a empresa ia simplesmente quebrar.” Ele e os outros mosqueteiros
tinham uma resposta-padrão: “Elon pediu isso, e é assim que ele funciona,
então temos que elaborar um plano.”
Na noite daquele domingo, 30 de outubro, James enviou para Musk a
lista oficial que ele e os outros mosqueteiros haviam compilado dos
melhores engenheiros, que deveriam ser mantidos. Os demais poderiam ser
dispensados. Musk estava pronto para fazer as demissões imediatamente. Se
ocorressem antes de 1o de novembro, a empresa não teria que pagar os
bônus desses funcionários nem opções de ações que deveriam vencer nessa
data. Contudo, os gestores de recursos humanos do Twitter resistiam. Eles
queriam examinar a lista para garantir que houvesse diversidade. Musk
descartou essa sugestão. Outro alerta deles, no entanto, o fez repensar. As
demissões, se feitas sumariamente, iriam desencadear multas por quebra de
contrato e violações das leis trabalhistas da Califórnia. Isso iria custar
milhões de dólares, mais do que esperar até depois dos bônus contratados.
Com relutância, Musk concordou em adiar as demissões em massa até o
dia 3 de novembro. Elas foram anunciadas naquela noite em um e-mail sem
assinatura: “Em um esforço para colocar o Twitter em um caminho
saudável, vamos passar pelo difícil processo de reduzir nossa força de
trabalho global.” Cerca de metade dos funcionários em todo o mundo e
quase 90% de algumas das equipes de infraestrutura foram demitidos e o
acesso deles aos computadores e e-mails da empresa, imediatamente
bloqueado. Musk também demitiu a maior parte dos gestores de recursos
humanos.
E esse foi apenas o primeiro round do que seria um banho de sangue em
três rounds.
capítulo 84
Moderação de conteúdo
Twitter, 27 a 30 de outubro de 2022
Yoel Roth
Quando Musk demitiu a chefe do departamento jurídico do Twitter, Vijaya
Gadde, a tarefa de lidar com a moderação de conteúdo, e a igualmente
difícil tarefa de lidar com Musk, passou para um sujeito um tanto
acadêmico, mas alegre e juvenil, chamado Yoel Roth, de 35 anos. Era uma
combinação improvável. Roth era um democrata que tendia para a esquerda
e tinha deixado um rastro de tuítes antirrepublicanos. “Jamais doei para uma
campanha presidencial antes, mas acabei de dar 100 dólares para Hillary,
pelos Estados Unidos”, postou em 2016, o ano em que ele entrou para a
equipe de confiança e segurança da empresa. “Não dá mais para brincar.”
No dia da eleição de 2016, ele tirou sarro dos eleitores de Trump tuitando:
“Só o que eu estou dizendo é que existe um motivo para que a gente passe
voando por cima dos estados que votaram numa tangerina racista.” Depois
de Trump se tornar presidente, ele tuitou “NAZISTAS DE VERDADE
NA CASA BRANCA” e chamou Mitch McConnel de “saco de peidos sem
personalidade”.
No entanto, Roth tinha uma combinação de otimismo e avidez que o
deixaram torcendo para trabalhar com Musk. A primeira vez que os dois se
encontraram foi na tarde de quinta-feira em que Musk estava forçando o
fechamento apressado da compra do Twitter. Às cinco da tarde, o telefone
de Roth tocou. “Oi, aqui é o Yoni”, disse a pessoa do outro lado da linha.
“Você pode vir ao segundo andar, por favor? Precisamos conversar.” Roth
não sabia quem Yoni era, mas ele passou pela festa de Halloween e chegou
ao grande espaço aberto das áreas de conferências onde estavam Musk, seus
banqueiros e os mosqueteiros.
Ali ele foi cumprimentado por Yoni Ramon, um engenheiro de
segurança da informação da Tesla baixinho, cheio de energia e de cabelos
longos que era originário de Israel. “Eu também sou israelense, então eu
sabia que ele era de lá”, diz Roth. “Mas, fora isso, eu não tinha ideia de
quem ele era.”
Musk tinha dado a Ramon a tarefa de impedir que qualquer funcionário
descontente do Twitter sabotasse o serviço. “Elon está completamente
paranoico, e com razão, com a ideia de que algum funcionário irritado possa
atrapalhar as coisas”, me disse Ramon pouco antes de Roth chegar. “Ele me
deu a atribuição de não deixar isso acontecer.”
Quando eles se sentaram a uma mesa na área aberta, perto do bufê de
garrafinhas de água mineral, Ramon perguntou a Roth, sem explicações:
“Como eu consigo acesso às ferramentas do Twitter?”
Ainda não estava claro para Roth quem era aquele cara. “Existem várias
restrições sobre quem tem acesso às ferramentas do Twitter”, respondeu
Roth. “Existem várias considerações sobre privacidade.”
“Bem, houve uma transição de comando”, disse Ramon. “Eu trabalho
para o Elon e precisamos deixar as coisas protegidas. Pelo menos me mostre
como são as ferramentas.”
Roth achou que isso era razoável. Ele pegou o laptop e mostrou a Ramon
as ferramentas de moderação de conteúdo que o Twitter usava e
recomendou algumas medidas que poderiam servir como proteção para
ameaças internas.
“Posso confiar em você?”, perguntou Ramon de repente, olhando nos
olhos de Roth. Roth, assustado com a franqueza, disse que sim.
“Certo, vou chamar o Elon”, falou Ramon.
Um minuto depois, Musk saiu da sala de guerra onde a compra acabara
de ser concluída, sentou-se diante de uma das mesas redondas da área e
pediu que fosse demonstrado como as ferramentas de segurança
funcionavam. Roth abriu a conta do próprio Musk e mostrou o que as
ferramentas do Twitter poderiam fazer com ela.
“O acesso a essas ferramentas deveria ficar restrito a apenas uma pessoa,
por enquanto”, disse Musk.
“Eu fiz isso ontem”, replicou Roth. “Essa única pessoa sou eu.” Musk
assentiu em silêncio. Ele parecia gostar do modo como Roth estava lidando
com as coisas.
Musk então pediu que Roth dissesse os nomes de dez pessoas nas quais
“ele confiaria cegamente” e que poderiam ter acesso às ferramentas mais
avançadas. Roth falou que ia fazer uma lista. Musk o encarou e frisou:
“Estou falando de gente em que você confiaria a própria vida. Porque, se
eles fizerem alguma coisa errada, eles vão ser demitidos, e você vai ser
demitido, e toda a sua equipe vai ser demitida.” Roth pensou consigo
mesmo que estava familiarizado com o modo de lidar com esse tipo de
chefe. Ele fez que sim com a cabeça e voltou para seu escritório.
Sacks e Calacanis
Yoel Roth estava almoçando com o marido no dia seguinte, um sábado,
quando recebeu uma ligação sendo chamado para ir até o escritório. David
Sacks e Jason Calacanis queriam fazer algumas perguntas a ele. “Melhor
você ir”, aconselhou um amigo do Twitter, sabendo da importância dos dois.
Então Roth foi de carro, saindo de Berkeley, onde morava, e atravessou a
baía para chegar à sede do Twitter.
Naquela semana, Musk estava hospedado na casa de cinco andares de
Sacks no Pacific Heights, em São Francisco. Eles se conheciam desde a
época da PayPal. Desde então, Sacks era um libertário declarado que
defendia a liberdade de expressão. O desprezo dele pelo movimento woke o
empurrou para a direita, mas com um viés populista-nacionalista que o
tornava cético quanto ao intervencionismo norte-americano.
Em 2021, no jantar de aniversário de 50 anos de Sky Dayton, empresário
do ramo da internet com viés libertário, na Toscana, Sacks e Musk
discutiram como as grandes empresas de tecnologia estavam em conluio
para restringir a liberdade de expressão on-line. Sacks tinha uma visão
populista, argumentava que um “cartel” das elites corporativas estava usando
a censura como arma para derrotar aqueles que pensavam diferente. Grimes
discordou, mas Musk geralmente concordava com Sacks. Ele não tinha se
concentrado muito na liberdade de expressão e na censura até então, mas a
ideia ecoava o crescente sentimento antiwoke dele. Quando Musk assumiu
o Twitter, Sacks se tornou uma presença constante, ajudando a coordenar
reuniões e dando conselhos.
O amigo e parceiro de pôquer Jason Calacanis, com quem ele produzia
um podcast semanal, era um sujeito nascido no Brooklyn que tinha uma
startup de internet e vinha a ser um amigo muito próximo e dedicado de
Musk. Ele tinha uma empolgação juvenil que contrastava com a reticência
rigorosa de Sacks e era mais moderado politicamente. Quando Musk fez os
primeiros movimentos para comprar o Twitter, em abril, Calacanis lhe
mandou uma mensagem dizendo quanto estava empolgado para ajudar.
“Conselheiro, consultor, seja lá o que for… Conte com este soldado”,
escreveu. “Me bota para jogar, treinador! CEO do Twitter é meu emprego
dos sonhos.” O afã dele às vezes fazia Musk repreendê-lo, como na vez que
Calacanis criou uma Sociedade de Propósito Específico com o intuito de
arrecadar investimentos para a compra do Twitter por Musk. “Que ideia é
essa de vender uma SPE para pessoas aleatórias?”, disse Musk por
mensagem. “Isso não está certo.” Calacanis pediu desculpa e recuou. “Essa
compra capturou a imaginação do mundo de modo inimaginável. É uma
loucura... Eu estou com você para o que der e vier — eu pularia em cima de
uma granada por você.”
***
Quando Roth chegou à sede para se encontrar com Sacks e Calacanis, havia
uma crise em andamento. O Twitter estava sendo inundado por postagens
racistas e antissemitas. Musk tinha declarado ser contra a censura, e agora
enxurradas de trolls e provocadores estavam testando os limites. O uso de
termos agressivos contra negros cresceu 500% nas doze primeiras horas
depois de Musk assumir o controle. A liberdade de expressão irrestrita, a
nova equipe descobriu rapidamente, tinha um lado negativo.
Roth sabia que Sacks havia lido as reportagens sobre as tendências
esquerdistas dele, e ficou surpreso por ver como ele estava sendo educado e
solícito. Eles falaram sobre os números da onda de discurso de ódio e sobre
quais ferramentas tinham à disposição para lidar com isso. Roth explicou
que a maior parte das postagens não era de usuários expressando opiniões
pessoais e individuais, mas, sim, de trolagem organizada e de ataques feitos
por bots. “Ficou nítido que era algo coordenado”, diz Roth, “e não apenas
pessoas reais sendo mais racistas”.
Depois de mais ou menos uma hora, Musk entrou na sala de
conferências. “Então, que negócio é esse de racismo que está rolando?”,
perguntou.
“É uma campanha de trolls”, respondeu Roth.
“Acabem já com isso”, disse Musk. “Força total.” Roth ficou empolgado.
Ele achou que Musk iria se opor a qualquer tentativa de moderação.
“Discurso de ódio não tem lugar no Twitter”, continuou Musk, como se
estivesse fazendo uma declaração oficial. “Não dá para aceitar isso.”
Calacanis falou para Roth que ele tinha explicado a situação muito bem.
“Por que você não posta uns tuítes sobre isso?”, sugeriu Calacanis. Então
Roth postou um fio. “Estamos nos concentrando em endereçar o
crescimento de discurso de ódio no Twitter”, escreveu. “Mais de 50 mil
tuítes usando um xingamento em particular surgiram de apenas trezentas
contas. Quase todas essas contas são falsas. Tomamos medidas para banir os
usuários envolvidos nesse ataque.”
Musk retuitou os posts de Roth e acrescentou outro dele próprio, que
tinha como objetivo tranquilizar anunciantes que estavam começando a
fugir do Twitter. “Para ser superclaro”, tuitou, “não demos início ainda a
nenhuma mudança na política de moderação de conteúdo do Twitter”.
Como faz com pessoas que ele considera parte de seu círculo mais
íntimo, Musk começou a mandar mensagens para Roth regularmente com
perguntas e sugestões. Mesmo quando uma enxurrada de novas reportagens
surgiu requentando os tuítes esquerdistas de Roth de cinco anos antes,
Musk ficou do lado dele, tanto em particular quanto em público. “Ele me
disse que achava alguns dos meus tuítes antigos engraçados, e ele realmente
me apoiou mesmo quando muitos conservadores estavam pedindo a minha
cabeça”, disse Roth. Musk chegou até a responder a um conservador no
Twitter com uma defesa de Roth. “Todos nós publicamos tuítes
questionáveis, eu mais do que a média, mas quero deixar claro que estou
com Yoel”, escreveu. “Minha opinião é de que ele tem uma grande
integridade e todos nós temos direito a nossas crenças políticas.”
Embora Musk não tivesse descoberto ainda como pronunciar o nome
dele (Yo-El), parecia que podia ser o início de uma bela amizade.
capítulo 85
Halloween
Twitter, outubro de 2022
***
Naquela noite de domingo, Musk voou até Nova York para se encontrar
com a equipe de vendas de anúncios do Twitter e tentar tranquilizar os
anunciantes e as respectivas agências. Levou X junto, e eles chegaram por
volta das três da manhã no apartamento de Maye em Greenwich Village.
Musk não gostava de hotéis nem de ficar sozinho. Pela manhã, tanto Maye
quanto X foram com ele à sede do Twitter em Manhattan, servindo a um só
tempo de escudo e apoio emocional para reuniões que seriam tensas.
Musk tem uma intuição para problemas de engenharia, mas as redes
neurais dele têm dificuldades para lidar com sentimentos humanos, por isso
a aquisição do Twitter tornou-se tão problemática. Ele pensava no Twitter
como uma empresa de tecnologia, quando, na realidade, era um meio
publicitário baseado em emoções humanas e relacionamentos. Ele sabia que
tinha que ser solícito na viagem a Nova York, mas estava com raiva. “Existe
uma campanha agressiva contra mim desde que o acordo foi anunciado em
abril”, me disse Musk. “Grupos ativistas têm pressionado os anunciantes
para que deixem de assinar acordos.”
As reuniões naquela segunda-feira não ajudaram muito a tranquilizar os
anunciantes. Enquanto Maye assistia e X brincava, Musk falou num tom
monocórdio, primeiro com a equipe de vendas e depois por meio de
telefonemas com a comunidade de publicidade. “Quero que o Twitter seja
interessante para um amplo número de pessoas, talvez 1 bilhão algum dia”,
disse ele em uma dessas conversas. “Isso anda de mãos dadas com
segurança. Se você deparar com uma avalanche de discurso de ódio ou for
atacado, vai embora.” A cada reunião ele era questionado a respeito do tuíte
sobre Paul Pelosi. “Eu sou quem eu sou”, disse uma hora, o que não era
muito tranquilizador para nenhum dos interlocutores, que de alguma forma
esperavam o contrário. “Minha conta no Twitter é uma extensão do que eu
sou pessoalmente, e, bem, vou tuitar algumas coisas que vão se mostrar
estúpidas, vou cometer erros.” Ele disse isso não com uma humildade
envergonhada, mas com uma fria modéstia. Em uma das reuniões que fizera
via Zoom, era possível ver anunciantes cruzando os braços e saindo da
ligação. “Que merda é essa?”, murmurou um deles. O Twitter supostamente
era um negócio de bilhões de dólares, não uma extensão das falhas e
idiossincrasias de Elon Musk.
No dia seguinte, muitos dos principais executivos do Twitter que tinham
a confiança da comunidade publicitária se demitiram ou foram demitidos,
mais notavelmente Leslie Berland, Jean-Philippe Maheu e Sarah
Personette. Além disso, grandes marcas e agências de publicidade
anunciaram a intenção de pausar os anúncios no Twitter, ou fizeram isso
discretamente. As vendas caíram 80% naquele mês. As mensagens de Musk
passaram de tranquilizadoras para bajuladoras e então ameaçadoras. “O
Twitter teve uma queda massiva na receita, devido à pressão de grupos
ativistas aos anunciantes, apesar de nada ter mudado na moderação de
conteúdo e de tudo que fizemos para agradar aos ativistas”, tuitou Musk
depois das reuniões. “Estão tentando destruir a liberdade de expressão nos
Estados Unidos.”
Comandantes espaciais
O Halloween é um dos feriados favoritos de Musk, uma chance para jogos
reais de representação. Outro motivo para ele voar até Nova York, além de
tentar tranquilizar os anunciantes, era ter prometido acompanhar a mãe à
festa anual de Halloween da modelo Heidi Klum, que contava com um
desfile no tapete vermelho de fantasias exageradas para o deleite dos
paparazzi.
Musk só voltou das reuniões com os anunciantes para o apartamento de
Maye às nove da noite, quando ela e uma amiga o ajudaram a vestir a
armadura de couro vermelha e preta da fantasia de “Devil’s Champion” —
um guerreiro do diabo — que ela havia providenciado. Apesar de terem sido
levados para uma área VIP, eles odiaram a festa. Maye achou o som alto
demais e Elon ficou incomodado por todo mundo estar tentando tirar selfies
com ele. Por isso, ficaram apenas dez minutos e foram embora. Musk,
porém, mudou sua foto do perfil no Twitter para uma dele vestido de Devil’s
Champion. Ele achou que combinava com a situação naquele momento.
Na manhã seguinte, ele acordou cedo para assistir com a mãe e o filho à
transmissão da decolagem do Falcon Heavy, a primeira vez em três anos que
o foguete de 27 motores da SpaceX era lançado. Depois, voou até
Washington para uma cerimônia que marcou a mudança dos principais
generais do Comando Espacial dos Estados Unidos. Apesar das tensões que
tinha com o governo Biden, Musk ainda foi bem recebido pelo Pentágono,
especialmente porque a SpaceX era a única entidade norte-americana capaz
de enviar grandes satélites militares e tripulação para a órbita. Durante a
cerimônia, ele foi destacado pelo general Mark Milley, o chefe do Estado-
Maior Conjunto. “O que ele simboliza”, disse Milley, “é a combinação entre
a cooperação civil e militar e o trabalho em equipe que faz dos Estados
Unidos o país mais poderoso no espaço”.
capítulo 86
Contas verificadas
Twitter, 2 a 10 de novembro de 2022
Volta ao trabalho
À medida que o lançamento do Twitter Blue se transformava num desastre
nível Hindenburg, Musk entrou no modo crise. Às vezes crises dão energia
a ele. Deixam Musk feliz e empolgado — mas não daquela vez. Na quarta e
na quinta-feira ele ficou sombrio, irritado, ressentido e grosseiro.
Parte disso era por causa da situação financeira — cada vez pior — do
Twitter. Quando Musk fez a oferta de compra em abril, o Twitter
basicamente empatava receitas e despesas. Ocorre, contudo, que no
momento, além da redução das receitas de publicidade, a empresa precisava
pagar os juros de uma dívida de mais de 12 bilhões de dólares. “Esse é um
dos quadros financeiros mais apavorantes que eu já vi”, disse Musk. “Acho
que podemos ter um déficit de mais de 2 bilhões de dólares ano que vem.”
Para poder virar o jogo no Twitter, ele vendeu mais 4 bilhões de dólares em
ações da Tesla.
Na noite daquela quarta-feira, Musk enviou um e-mail para o pessoal do
Twitter. “Não há como dourar a pílula”, começou. “Francamente, o cenário
econômico diante de nós é catastrófico.” Como já tinha feito antes na Tesla
e na SpaceX, e inclusive na Neuralink, ele ameaçou fechar a empresa, até
mesmo declarar falência, se as coisas não melhorassem. Para ter sucesso
seria necessária uma mudança completa na cultura suave, tranquila e
boazinha da empresa. “A estrada que temos pela frente é árdua e vai exigir
trabalho intenso.”
Acima de tudo, isso significava reverter a política do Twitter, anunciada
por Jack Dorsey no começo da pandemia e reafirmada por Parag Agrawal
em 2022, de que os funcionários poderiam trabalhar de casa para sempre.
“O trabalho remoto não é mais permitido”, declarou Musk. “A partir de
amanhã, todos precisam estar no escritório por pelo menos quarenta horas
por semana.”
A nova política era parcialmente motivada pela crença de Musk de que,
com todos juntos no escritório, o fluxo de ideias e de energia era facilitado.
“As pessoas são muito mais produtivas quando estão pessoalmente no
trabalho, porque a comunicação é muito melhor”, disse ele numa reunião
com funcionários convocada às pressas na cafeteria do nono andar. Mas a
política também resultava da ética de trabalho pessoal de Musk. Quando
um dos funcionários na reunião perguntou por que era preciso ir ao
escritório se a maior parte das pessoas com quem eles interagiam estava em
outras cidades, Musk se irritou. “Vou ser absolutamente claro”, começou ele,
falando devagar e sem alterar o tom de voz. “Se as pessoas não voltam para
o escritório quando elas podem estar no escritório, elas não podem
continuar na empresa. Ponto final. Se você pode ir trabalhar no escritório e
não aparece, sua demissão foi aceita. Ponto final.”
A questão da Apple
Além dos problemas com os impostores, Yoel Roth percebeu que havia
outro problema com o Twitter Blue: a Apple. O plano de Musk era que os
usuários logassem em seus iPhones usando o aplicativo do Twitter. O
Twitter receberia os 8 dólares e de quebra ficaria com os dados que a Apple
solicitava para verificar o usuário, como o nome e outras informações,
incluído, Musk presumiu, o número de cartão de crédito. “O problema é
que ninguém se deu ao trabalho de perguntar para a Apple se eles topavam
compartilhar essa informação”, diz Roth.
A Apple tinha uma política rigorosa com aplicativos. Ela recebia uma
taxa de 30% de qualquer pagamento feito por um aplicativo ou por compras
feitas por meio de um app. O que era ainda mais oneroso: a Apple não
compartilhava dados de usuários. Qualquer serviço que tentasse violar essas
regras seria retirado da App Store da Apple. A política tinha como
justificativa questões de privacidade e segurança. Se você fazia uma compra
pelo seu iPhone, a Apple mantinha seus dados e as informações de seu
cartão de crédito em sigilo.
“Isso não vai funcionar”, disse Roth quando conseguiu falar com Elon ao
telefone. “A premissa fundamental do Twitter Blue não funciona com o
iPhone.”
Musk se irritou. Embora compreendesse as políticas da Apple, havia
presumido que o Twitter poderia trabalhar em parceria com eles. “Você
falou com alguém na Apple?”, perguntou. “Ligue para a Apple e mande eles
darem os dados de que você precisa.”
Roth ficou surpreso. Se um funcionário de nível intermediário como ele
ligasse para a Apple e pedisse que mudassem a política sobre privacidade de
informação, eles iriam, nas palavras de Roth, “mandar eu me foder”.
Musk insistiu que o problema era contornável. “Se eu precisar ligar para a
Apple, eu ligo para a Apple”, disse. “Ligo para o Tim Cook, se for o caso.”
Desespero
Depois da demissão de Roth e da implosão do Twitter Blue, Musk fez uma
videoconferência num fim de noite com Franz von Holzhausen e os demais
integrantes da equipe que estava projetando o Robotáxi na Tesla. Antes que
eles tivessem a chance de começar a mostrar as novas versões do carro,
Musk desabafou sobre suas frustrações no Twitter. “Não sei por que eu fiz
isso”, disse, parecendo cansado e abatido. “O juiz basicamente disse que eu
tinha que comprar o Twitter, ou então... E agora eu estou tipo, ok, merda.”
Fazia exatamente duas semanas que Musk tinha concluído a compra.
Desde então, estivera trabalhando em tempo integral na sede do Twitter
enquanto fazia malabarismo com o trabalho na Tesla, na SpaceX e na
Neuralink. A reputação dele estava sendo destruída, e a empolgação pelo
drama do Twitter tinha dado lugar à dor. “Espero em algum momento sair
desse inferno em que o Twitter me colocou”, disse ele, prometendo tentar
retornar a Los Angeles para fazer uma reunião presencial sobre o Robotáxi.
Von Holzhausen tentou tratar do design superfuturista que eles tinham
desenvolvido para o Robotáxi, mas Musk voltou à situação do Twitter. “Se
vocês querem saber como é a cultura do Twitter, imaginem a pior situação
possível e depois multipliquem por dez”, falou Musk. “O grau de preguiça e
de indulgência aqui é uma coisa de doido.”
Mais tarde, Musk deu uma entrevista por vídeo para uma conferência
sobre negócios na Indonésia. O mediador perguntou que conselho ele daria
para alguém que quisesse ser o próximo Elon Musk. “Eu diria: tome
cuidado com o que você deseja”, respondeu Musk. “Não tenho certeza se as
pessoas realmente gostariam de ser quem eu sou. O grau de tortura que eu
imponho a mim mesmo é impressionante, para ser franco.”
capítulo 87
Apostando tudo
Twitter, 10 a 18 de novembro de 2022
Christopher Stanley, à direita, tirando uma sel e com Musk e engenheiros depois
de um hackathon (acima); Ross Nordeen e James Musk (abaixo)
De mudança
O lançamento do Twitter Blue, o qual Musk achou que seria o elixir para
salvar a empresa, estava então suspenso e o colapso das vendas de anúncios
não dava sinais de diminuição. Novas rodadas de demissões que reduziriam
mais a equipe estavam sendo planejadas. Os que permanecessem teriam que
ser tão maníacos quanto os engenheiros da Tesla e da SpaceX. “Acredito
muito na ideia de que um pequeno número de pessoas excepcionais muito
motivadas pode se sair melhor que um grande número de pessoas que são
muito boas e moderadamente motivadas”, disse Musk para mim no fim
daquela dolorosa segunda semana no Twitter.
Se queria que os sobreviventes do Twitter fossem hardcore, Musk teria
que mostrar quão hardcore ele podia ser. Ele havia dormido no chão do
primeiro escritório na Zip2 em 1995. Havia dormido no telhado da fábrica
de baterias da Tesla em Nevada em 2017. Havia dormido debaixo da mesa
dele na montadora de Fremont em 2018. Não porque tivesse sido realmente
necessário; fazia isso porque era da natureza dele amar o drama, a urgência e
o sentimento de que era um general em guerra capaz de motivar suas tropas
para a batalha. Agora chegara o momento de dormir na sede do Twitter.
Quando voltou de uma viagem de fim de semana a Austin no fim da
noite de domingo, 13 de novembro, Musk foi direto para o escritório do
Twitter e tomou posse de um sofá na biblioteca do sétimo andar. Steve
Davis, seu principal faz-tudo, havia ido para o Twitter com o propósito de
supervisionar a redução de custos. Junto com a esposa, Nicole Hollander, e
o filho de 2 meses, Davis se mudou para a sala de conferências próxima. A
sede confortável do Twitter tinha chuveiros, uma cozinha e uma sala de
jogos. Eles brincavam que era tudo muito luxuoso.
Segundo round
Enquanto voava até São Francisco naquele domingo à noite, Musk ligou
para o primo James e disse que ele e o irmão, Andrew, precisavam se
apresentar e encontrá-lo no Twitter quando ele, Musk, chegasse. Era
aniversário de Andrew e eles tinham saído com amigos para jantar. Mas
ambos foram. “As pessoas na empresa estavam postando merda sobre o
Elon, e ele disse que precisava de alguns de nós em quem pudesse confiar”,
diz James.
Ross Nordeen, o terceiro mosqueteiro, já estava lá. Ele tinha passado o
fim de semana todo na sede, revisando o código dos engenheiros do Twitter
para ver quem era bom e quem era ruim. Depois de sobreviver basicamente
à base de bolachas salgadas por duas semanas, o corpo magro parecia
esquelético. Naquele domingo, ele dormiu na sala de jogos da empresa, no
quinto andar. Quando acordou na segunda de manhã e ouviu que Musk
queria fazer mais cortes grandes, o estômago dele se revirou. “Eu me senti
um merda com a ideia de demitir mais 80% da empresa.” Ele foi ao
banheiro e vomitou. “Só acordei e botei tudo para fora”, diz. “Nunca tinha
feito isso antes.”
Ross foi até o apartamento para tomar banho e pensar nas coisas. “Saí e
senti que não queria estar ali naquele momento”, conta. Ao meio-dia,
porém, ele decidiu que não iria abandonar o time, então voltou. “Eu não
queria deixar o James na mão.”
***
Sim ou não?
A característica seguinte que Musk queria filtrar — depois de excelência e
confiabilidade — era motivação. Em sua vida inteira ele havia sido hardcore
e gostava de apostar tudo. Era uma questão de honra para ele. Musk
desprezava pessoas bem-sucedidas que gostavam de tirar férias.
James e Ross passaram a terça-feira pensando em maneiras de
determinar quais funcionários eram realmente motivados. Então eles viram
um post que alguém fez no Slack. “Por favor, me deixe sair com indenização
e eu saio”, dizia o texto. Eles perceberam que podiam confiar na
autosseleção. Algumas pessoas ficariam felizes em trabalhar até tarde e nos
fins de semana, mas outras, compreensivelmente, não gostavam da ideia e
não estavam constrangidas em admitir isso.
James e Ross perceberam que as pessoas estavam dispostas a declarar de
qual grupo faziam parte, e na verdade faziam isso com orgulho. Por isso,
sugeriram a Musk dar a oportunidade para que os funcionários optassem
por não fazer parte do novo Twitter hardcore. Ele gostou da ideia, e Ross
projetou um formulário simples com um botão em que os funcionários
poderiam clicar para assinalar que queriam sair em bons termos e receber na
rescisão o acréscimo de três meses de salário. “Estávamos superanimados”,
disse James. “Não teríamos que fazer todas aquelas demissões extras.”
Algumas horas depois, Musk saiu de uma reunião e entrou na estufa
sorrindo. “Tive uma grande ideia”, falou. “Vamos inverter. Não faça o botão
para sair. Em vez disso, faça para ficar. Queremos que pareça a expedição de
Shackleton. Queremos pessoas que se declarem hardcore.”
Mais tarde naquela noite, Musk voou até Delaware para depor em um
processo dos acionistas que questionava o pacote de remuneração da Tesla.
Pouco antes das quatro da manhã, pelo fuso da Costa Leste, ele testou o
link de adesão no avião, tornando-se a primeira pessoa a dizer sim para as
novas expectativas do Twitter. Então ele mandou um e-mail para todos os
funcionários:
Daqui para a frente, para construir um Twitter 2.0 inovador e ter sucesso
em um mundo cada vez mais competitivo, precisaremos ser
extremamente hardcore. Isso significa trabalhar muito e em alta
intensidade...
Se você tem certeza de que quer ser parte do novo Twitter, clique, por
favor, em “Sim” no link abaixo. Qualquer um que não fizer isso até as
cinco da tarde de amanhã (quinta-feira) vai receber uma rescisão com o
acréscimo de três meses de salário.
Revisões de código
Naquela quinta-feira à noite, uma mensagem meio alarmante foi enviada
para os funcionários do Twitter. No dia seguinte — sexta-feira, 18 de
novembro —, os escritórios do Twitter seriam fechados e o acesso via cartão
ficaria suspenso até segunda-feira. O decreto surgiu por causa da
preocupação de segurança com a possibilidade de que as pessoas que tinham
acabado de ser demitidas ou escolhido sair pudessem tentar sabotar as
coisas. Musk, contudo, ignorou o e-mail. Depois de trabalhar até a uma da
manhã de sexta-feira, ele mandou uma mensagem contraditória: “Qualquer
um que realmente programe, por favor, se apresente no décimo andar às
duas da tarde de hoje.” Um pouco depois, ele acrescentou: “Por favor, esteja
preparado para fazer revisões breves de código enquanto eu circulo pelo
escritório.”
Era confuso. Um engenheiro de Boston era a única pessoa restante na
equipe responsável por armazenar dados importantes. Ele temia que, se
entrasse em um avião, o sistema pudesse cair enquanto ele estivesse voando
de um extremo a outro do país e ele não tivesse como consertar. Também
temia que, se não fosse até lá, pudesse ser demitido. Então pegou um voo
para São Francisco.
Às duas da tarde, quase trezentos engenheiros haviam conseguido chegar
à sede, alguns carregando malas, apesar de não saber se as viagens seriam
reembolsadas. Musk, porém, permaneceu em reunião a tarde toda e os
ignorou. Não havia comida, e às seis horas os engenheiros não estavam só
irritados, mas com fome, por isso Andrew e o diretor de engenharia de
segurança, Christopher Stanley, saíram e compraram caixas de pizza. “O
clima começou a ficar tenso, e acho que o Elon os fez esperar de propósito”,
diz Andrew. “A pizza acalmou a situação.”
Quando Musk finalmente apareceu, às oito da noite, deu início ao que
chamou de “ficar do lado da mesa”, parando em cada estação de trabalho
dos jovens engenheiros e revisando os códigos em que eles trabalhavam. As
sugestões, disseram depois, às vezes eram boas e outras vezes, rasas.
Frequentemente envolviam maneiras de simplificar o processo. Musk
também ficou ao lado deles no quadro magnético, onde os engenheiros
desenhavam a arquitetura do sistema do Twitter. Musk os encheu de
perguntas. Por que a busca é ruim? Por que os anúncios são tão irrelevantes
para os interesses do usuário? Já havia passado da uma da manhã quando ele
pegou X e foi embora.
capítulo 88
Hardcore
Twitter, 18 a 30 de novembro de 2022
Visita à Apple
“A Apple parou de anunciar no Twitter”, tuitou Musk no fim de novembro.
“Por acaso eles odeiam a liberdade de expressão nos Estados Unidos?”
Naquela noite, Musk teve uma de suas conversas regulares com seu
mentor e investidor Larry Ellison, que morava a maior parte do ano em
Lanai, a ilha da qual era dono no Havaí. Ellison, que havia sido o mentor de
Steve Jobs, deu a Musk um conselho: não comece uma briga com a Apple.
Era a única empresa que o Twitter não tinha condições de afastar. A Apple
era um grande anunciante. Mais importante: o Twitter só sobreviveria se
continuasse disponível na App Store do iPhone.
De certa forma, Musk era como Steve Jobs, um capataz brilhante e
áspero, com um campo de distorção da realidade que podia levar os
funcionários à loucura, mas também a fazer coisas que achavam impossível
de ser feitas. Ele podia ser confrontador, tanto com colegas quanto com
concorrentes. Tim Cook, que assumiu a Apple em 2011, era diferente:
calmo, friamente disciplinado e desconcertantemente educado. Embora
pudesse ser duro quando havia justificativas para tanto, evitava confrontos
desnecessários. Enquanto Jobs e Musk pareciam atrair drama, Cook tinha
um instinto para desarmá-los. Ele tinha um senso moral firme.
“Tim não quer nenhuma animosidade”, disse a Musk um amigo em
comum. Não era o tipo de informação que geralmente tiraria Musk do
modo guerreiro, mas ele percebeu que entrar em guerra com a Apple não era
uma boa ideia. “Pensei: Bem, também não quero nenhuma animosidade”,
afirma Musk. “Então, tive a ideia de ir visitá-lo na sede da Apple.”
Havia outro incentivo. “Estava procurando uma desculpa para visitar a
sede da Apple porque ouvi dizer que era incrível”, comenta ele. O enorme
edifício circular, de vidro curvo feito sob medida, em volta de um lago, fora
projetado, sob a supervisão de Jobs, pelo arquiteto britânico Norman Foster,
o qual, na ocasião em que Musk manifestara o desejo de construir uma casa,
encontrara-se com ele em Austin para discutir o assunto.
Musk enviou um e-mail diretamente para Cook, e eles concordaram em
se reunir naquela quarta-feira. Quando Musk chegou à sede em Cupertino,
a primeira impressão da equipe da Apple era a de que ele parecia não dormir
havia semanas. Eles se dirigiram à sala de reuniões de Cook para um tête-à-
tête que durou pouco mais de uma hora. Começaram trocando histórias
horríveis sobre cadeia de suprimentos. Desde o fiasco com o processo de
produção do Roadster, Musk passou a ter uma compreensão profunda da
dificuldade de gerenciar a cadeia, e com razão considerava Cook um mestre.
“Acho que poucos seriam capazes de fazer um trabalho melhor do que
Tim”, diz.
Ao tratarem de publicidade, eles conseguiram diminuir a tensão. Cook
explicou que proteger a confiança na marca Apple era a principal prioridade.
A empresa não queria os anúncios dela em um lamaçal tóxico cheio de ódio,
desinformação e conteúdo não seguro. Mas prometeu que a Apple não iria
deixar de anunciar no Twitter nem tinha planos de tirar o Twitter de sua
loja de aplicativos. Quando Musk questionou os 30% que a Apple cobrava
de qualquer venda de aplicativo na App Store, Cook explicou como isso
baixou para 15% no decorrer do tempo.
Musk estava parcialmente tranquilizado, pelo menos naquele momento,
mas ainda havia a questão sobre a qual Yoel Roth o havia alertado: a falta de
disposição da Apple em compartilhar dados sobre compras ou informação
dos clientes. Isso dificultaria a visão de Musk de acrescentar serviços
financeiros da X.com ao Twitter. Era um assunto que estava sendo discutido
nos tribunais norte-americanos e pelos reguladores na Europa, e Musk
decidiu não forçar o assunto na reunião com Cook. “Essa é uma batalha
futura que teremos que enfrentar”, diz ele, “ou pelo menos uma conversa
que Tim e eu precisamos ter”.
Quando a reunião acabou, Cook levou Musk para os damasqueiros e o
lago sereno no meio do campus circular que Jobs havia vislumbrado. Musk
pegou o iPhone para gravar um vídeo. “Obrigado, @tim_cook, por me
mostrar a linda sede da Apple”, tuitou ele assim que voltou para o carro.
“Resolvemos o desentendimento sobre o Twitter poder ser tirado da App
Store. Tim afirmou claramente que a Apple nunca cogitou isso.”
capítulo 89
Milagres
Neuralink, novembro de 2022
É
“É uma ideia que é um soco no estômago, uma coisa muito ousada. E uma
coisa boa.”
Musk fazia visitas semanais aos laboratórios da Neuralink para participar
de reuniões de avaliação de projeto. Durante uma das visitas, em agosto de
2022, o chefe de engenharia, Jeremy Barenholtz, esperava no café o começo
da reunião. Ele tinha se formado em ciência de sistemas de informática em
Stanford um ano antes, mas, com os cabelos ruivos lambidos e a barba rala,
ainda podia se passar por alguém que estava participando de uma feira de
ciências na escola. “Elon achou que controlar um computador com a mente
é bacana, mas que isso não tem o mesmo impacto límbico que fazer uma
pessoa com paraplegia voltar a andar”, disse ele. “Portanto, estamos nos
concentrando em um plano para fazer isso.” Ele me falou dos diferentes
métodos de estimulação muscular e começou uma discussão sobre por que
ele acredita que os sinais no cérebro se propagam por meio da difusão
química de moléculas carregadas eletricamente, não por meio de ondas
eletromagnéticas, como prega a teoria convencional.
Quando Musk terminou de mandar e-mails e postar tuítes pelo celular,
uma dúzia de jovens engenheiros entrou na sala de conferências, todos eles,
inclusive Zilis, usando camisetas pretas, como ele sempre fazia. Barenholtz
passou para os colegas uma mostra de hidrogel que parecia os tecidos moles
do córtex cerebral, e mostrou um vídeo de dois porcos do experimento,
chamados Capitão e Tennille, movendo as pernas em resposta a sinais
elétricos. “Precisamos ser capazes de distinguir entre reações a dor e ação
muscular, senão vai ser simplesmente ‘Você pode andar, mas vai sentir uma
dor horrível’”, falou Musk. “Mas isso mostra que não estamos indo contra as
leis da física ao tentar permitir que as pessoas voltem a andar, o que pode ser
superimpressionante, quase uma obra de Jesus.”
Quando Musk perguntou em quais outros milagres eles poderiam mirar,
Barenholtz sugeriu estimulação auditiva e visual, em outras palavras,
permitir que os surdos ouçam e os cegos enxerguem. “O mais simples seria
curar a surdez por meio da estimulação coclear”, comentou ele. “A visão é
superinteressante. Para obter uma visão de alta definição, você precisa de
muitos canais.”
“A gente podia dar visões malucas para as pessoas, sabe?”, acrescentou
Musk. “Quer ver infravermelho? Ultravioleta? Que tal ondas de rádio ou
radar? É, em termos de melhorias, essa é bem bacana.”
Depois, começou a rir: “Eu estava revendo A vida de Brian”, disse,
referindo-se ao filme do grupo Monty Python. Ele falou da cena em que
um morador em situação de rua reclama que depois que Jesus o curou da
lepra, viver de esmolas era difícil: “Eu estava mancando por aí, cuidando da
minha vida, e de repente Ele chega e me cura! Num instante eu era um
leproso que tinha um ganha-pão; em outro, havia perdido tudo. E Ele nem
pediu permissão, só disse ‘Você está curado, meu irmão’. Benfeitor sacana.”
A apresentação
No fim de setembro, Musk voltou a ficar impaciente. Ele vinha forçando
Zilis e Barenholtz a fazer um evento público para exibir o progresso deles,
mas os dois diziam que não estavam prontos. Em uma das sessões semanais
de avaliação de projeto, o semblante dele se fechou. “Se não acelerarmos,
não vamos conseguir grandes coisas antes de morrermos”, alertou. Então,
Musk decretou uma data para a apresentação: quarta-feira, 30 de novembro.
Acabou coincidindo com o dia em que ele visitara Tim Cook na Apple.
Quando Musk chegou naquela noite, havia duzentas cadeiras colocadas à
disposição para a apresentação na unidade da Neuralink em Fremont. Um
dos podcasters favoritos de Musk, Lex Fridman, fora participar do evento,
assim como Justin Roiland, do desenho animado televisivo Rick and Morty.
Os três mosqueteiros, James, Andrew e Ross, não tinham sido convidados,
mas deram um jeito de entrar.
Musk queria que a apresentação mostrasse tanto suas ambições maiores
quanto os objetivos mais imediatos. “Minha maior motivação com a
Neuralink”, disse para a plateia, “é criar um dispositivo geral de entrada e
saída de informações capaz de interagir com todos os aspectos do seu
cérebro”. Em outras palavras, isso seria a fusão mental definitiva entre
humanos e máquinas, o que nos protegeria contra a possibilidade de a
inteligência artificial sair do controle. “Ainda que a IA seja benévola, como
podemos garantir que vamos ser incluídos nisso?”
Então, Musk revelou as novas missões de curto prazo que tinha
estabelecido para a Neuralink. “A primeira é restaurar a visão”, falou. “Ainda
que uma pessoa tenha nascido cega, nós acreditamos que é possível fazer
com que ela enxergue.” Em seguida, ele falou da paraplegia e da tetraplegia.
“Por mais que pareça milagroso, estamos confiantes de que é possível
restaurar a funcionalidade do corpo inteiro para pessoas que tenham sofrido
uma lesão na medula espinhal.” A apresentação durou três horas. Ele ficou
na unidade até a uma da manhã, numa comemoração com os engenheiros, e
comentou que era um descanso bom do “incêndio” no Twitter.
capítulo 90
Twitter Files
Twitter, dezembro de 2022
***
Filtro de visibilidade
Taibbi e Weiss chamaram uns poucos colegas para ajudar, e montaram
acampamento no bunker sem janelas do Twitter, que sempre tinha no ar o
cheiro derivado da falta de banho dos mosqueteiros e de comida tailandesa.
James e Ross, que ajudavam as duas a usar as ferramentas digitais de busca,
estavam trabalhando 24 horas por dia, e a impressão era a de que os olhos
deles iam saltar para fora do rosto. Em certas noites, Musk ia até lá, comia
restos de refeições e dava início a longos discursos.
Enquanto estava fuçando e-mails antigos e comentários de funcionários
do Twitter no Slack, Weiss se perguntou o que ela ia achar se alguém lesse
as mensagens pessoais antigas dela. Isso fez com que ela sentisse que estava
fazendo algo errado. Ross sentia os mesmos melindres. “Para ser franco, eu
queria manter a maior distância possível do que eles estavam fazendo”,
comenta ele. “Eu estava meio que tentando ajudar, mas não queria estar
envolvido demais. Não sou uma pessoa muito envolvida com política, e
parecia que tinha todo tipo de merda escrita ali.”
***
Uma reportagem que Weiss e sua equipe escreveram com base nos Twitter
Files descrevia o que era conhecido como “filtro de visibilidade”, a prática de
diminuir o acesso a certos tuítes ou usuários reduzindo a exposição nos
primeiros lugares das buscas e impedindo que aparecessem nos trending
topics. Em extremo, essa era uma prática conhecida como shadow banning,
em que os usuários podiam fazer os posts e vê-los, mas eles jamais seriam
informados de que esses tuítes ficavam invisíveis para todos os demais
usuários.
O Twitter não praticava shadow banning no sentido técnico, mas usava
filtros de visibilidade. Em discussões com Yoel Roth, o próprio Musk tinha
adotado a ideia como uma alternativa ao banimento puro e simples de
usuários, e ele tinha elogiado a política semanas antes: “Tuítes negativos/de
ódio terão a visibilidade reduzida e serão desmonetizados; portanto, nada de
anúncios ou de outras receitas no Twitter. Você só vai encontrar esse tuíte se
procurar.”
O problema surgiu quando o filtro de visibilidade foi usado com viés
político. Weiss concluiu que os moderadores do Twitter eram mais
agressivos na supressão de tuítes de direita. “O Twitter mantinha uma lista
secreta, com equipes de funcionários que tinham como tarefa suprimir a
visibilidade de contas ou indivíduos vistos como indesejáveis”, escreveram
Weiss e a equipe dele. Além disso, o Twitter, assim como muitas instituições
de mídia e educação, haviam tornado mais estritas as definições do que era
um discurso aceitável. “As pessoas encarregadas dessas instituições aplicaram
os novos parâmetros, e expandiram as definições de palavras como
‘violência’, ‘dano’ e ‘segurança’.”
A covid era um caso interessante. Em um dos extremos havia
desinformações médicas claramente danosas, como o incentivo a falsas curas
e a práticas que podiam levar à morte de pessoas. Entretanto, Weiss
descobriu que o Twitter estava disposto a suprimir postagens que não se
adequavam aos pronunciamentos oficiais, incluídos assuntos válidos, como a
discussão sobre se as vacinas com base em RNA mensageiro podiam causar
problemas cardíacos, se o uso obrigatório de máscaras funcionava e se o
vírus tinha surgido de um teste de laboratório na China que acabou
vazando.
O Twitter colocou o professor Jay Bhattacharya, de Stanford, por
exemplo, na lista proibida dos Trends, o que significava que a visibilidade
dos posts fora reduzida. Ele tinha organizado um manifesto de alguns
cientistas o qual dizia que o confinamento e o fechamento de escolas
trariam mais prejuízos do que benefícios, um ponto de vista controverso que
depois se verificou ter certa validade. Quando Weiss descobriu como
Bhattacharya foi suprimido, Musk mandou uma mensagem para ele. “Olá.
Você pode vir à sede do Twitter esta semana para que a gente mostre o que
o Twitter 1.0 fez?” Musk, que tinha visões semelhantes sobre o
confinamento durante a covid, e Bhattacharya conversaram por quase uma
hora.
***
@elonjet
Se tem uma coisa que certamente deixa Musk enlouquecido é uma ameaça
ao filho dele de 2 anos, X, seu companheiro de todas as horas e alegre fonte
de energia. Numa noite de quinta-feira em dezembro, em meio ao
escândalo dos Twitter Files, Musk percebeu que essa ameaça tinha ocorrido,
e os ecos dessa situação abalaram as fundações de sua proclamada batalha
pela liberdade de expressão.
Um sujeito que vinha stalkeando Grimes havia muito tempo ficou de
tocaia durante um dia todo na rua onde ficava a casa em que ela e Musk
estavam hospedados na região de Los Angeles, e, em certo momento,
dizem, ele seguiu um carro dirigido por um dos integrantes da segurança de
Musk, que levava X e a babá para um hotel ali perto. O segurança parou em
um posto de gasolina, confrontou o motorista e fez um vídeo dele trajado
como ninja, com luvas e máscara. O sujeito ou pulou sobre o capô do carro
ou tentou subir nele quando foi encurralado (os detalhes não são claros), e,
quando a polícia chegou, não prendeu ninguém. Por meio do vídeo que
Musk postou, o e Washington Post rastreou o sujeito, que disse ao jornal
acreditar que Grimes estava mandando mensagens cifradas para ele em seus
posts no Instagram. Musk tuitou: “Ontem à noite, um carro levando o
pequeno X em LA foi seguido por um stalker maluco (achando que era eu),
que depois bloqueou o carro impedindo a passagem e subiu no capô.”
Musk achava que o stalker tinha conseguido encontrar o lugar onde ele e
Grimes estavam hospedados por causa de uma conta no Twitter chamada
@elonjet, alimentada por um aluno chamado Jack Sweeney, que postava em
tempo real decolagens e aterrissagens do jato de Musk, com base em
informações públicas de voos. A conexão era obscura: Musk tinha pousado
em Los Angeles um dia antes, mas Grimes disse que foi aí que ela começou
a perceber o carro montando tocaia do lado de fora.
Havia muito tempo que Musk andava irritado com a conta @elonjet, que
ele considerava uma invasão de privacidade e algo que o colocava em risco.
Em abril, quando estava pensando em comprar o Twitter, ele discutiu a
situação em um jantar com amigos e a família em Austin, e tanto Grimes
quanto a mãe dele defenderam de modo enfático que ele devia banir a
conta. Musk concordou, mas não fez isso quando assumiu o Twitter. “Meu
compromisso com a liberdade de expressão se estende inclusive a não banir
a conta que segue o meu avião, embora isso seja um risco de segurança
pessoal”, tuitou no início de novembro.
Isso impressionou Bari Weiss, mas, quando estava montando seu
primeiro fio do Twitter Files, ela descobriu que Musk tinha feito com
@elonjet aquilo que o antigo regime do Twitter fizera com parte da extrema
direita: @elonjet estava passando por um rigoroso “filtro de visibilidade”
para que não aparecesse nas buscas. Ela ficou decepcionada, pois parecia
hipocrisia. Então, depois do incidente que envolveu X, Musk tomou a
decisão unilateral de suspender @elonjet de uma vez. Ele justificou a ação
dizendo que o Twitter passara a ter uma regra contra apontar a localização
de pessoas.
Pior ainda, especialmente do ponto de vista de tornar o site um porto
seguro para a liberdade de expressão, Musk suspendeu arbitrariamente um
punhado de jornalistas que escreveram sobre o que ele havia feito com
@elonjet. A justificativa que dera foi a de que as reportagens tinham feito
links para a conta @elonjet e, desse modo, também estavam alavancando a
exposição dela, mas na verdade a conta @elonjet não estava disponível e os
links só levavam a uma página que dizia “Conta suspensa”. Por isso, parecia
que Musk tinha agido em parte por ressentimento, em retaliação a
jornalistas cujas matérias eram críticas a ele — nesse grupo estavam Ryan
Mac, do e New York Times, Drew Harwell e Taylor Lorenz, do e
Washington Post, e pelo menos outros oito.
Weiss, que continuava trabalhando no bunker para produzir mais
reportagens sobre os Twitter Files, se encontrou numa situação difícil. “Ele
estava fazendo exatamente as coisas que dizia desprezar nos antigos donos
do Twitter”, afirma ela. “Algumas pessoas que ele estava expulsando eram
meus maiores algozes no Twitter. Eu não gosto nem um pouco de algumas
dessas pessoas. Mas a minha impressão era a de que ele estava traindo as
coisas que dizia querer para o Twitter: que a rede fosse uma praça pública
sem qualquer viés. E, de um ponto de vista puramente estratégico, ele estava
transformando um bando de cretinos em mártires.”
Weiss mandou uma mensagem privada para Musk no Signal: “Ei, o que
está acontecendo aqui?”
“Eles violaram a minha privacidade e revelaram a localização do meu
avião”, respondeu ele. “Eles atacaram meu filho.”
Weiss discutiu o assunto com alguns dos outros jornalistas no bunker,
mas em última instância ela era a única que estava disposta a falar do
assunto. “Não tem como você ser jornalista e ver jornalistas serem expulsos
do Twitter e não dizer nada”, comenta ela. “Eu ainda me importo com
princípios.” Ela sabia que isso podia significar perder acesso para continuar
as reportagens sobre os Twitter Files. E, como disse brincando para Nellie
Bowles: “Acho que o Elon nunca vai doar esperma para a gente depois
disso.”
“O antigo regime do Twitter era orientado por seus próprios caprichos e
vieses, e sem dúvida parece que o novo regime sofre do mesmo problema”,
tuitou Weiss na manhã de 16 de dezembro, um dia depois de os jornalistas
serem expulsos. “Eu me oponho em ambos os casos.”
“Em vez de ir atrás da verdade com rigor”, respondeu Musk via Twitter,
“você está fingindo ser virtuosa para mostrar à elite da imprensa que é
‘boazinha’, para manter um pé em cada barco”. Depois disso, ele restringiu o
acesso dela aos Twitter Files.
Twitter Spaces
“Isso é loucura”, disse por mensagem Jason Calacanis a David Sacks sobre a
decisão de Musk de suspender jornalistas. “Isso vai arruinar a atenção dada
aos Twitter Files. A gente tem que reverter isso.” Por isso, os dois enviaram
mensagens a Musk. “Você tem que deixar esse pessoal voltar.” Musk foi
evasivo.
Em meio às trocas de mensagens, Calacanis percebeu que no Twitter
Spaces, o lugar em que os usuários podem organizar discussões em áudio,
muitas pessoas estavam falando sobre o assunto. Dois dos jornalistas
suspensos, Drew Harwell, do Post, e Matt Binder, do Mashable, estavam
participando. Embora estivessem proibidos de postar, o software do Twitter
não tinha impedido que eles participassem da conversa em áudio, contou
Calacanis a Musk, que surpreendeu os participantes ao ir ao Spaces (onde
falou em tom muito defensivo e ríspido) e entrar na conversa. A história
logo se espalhou, e em questão de minutos havia 30 mil usuários ouvindo.
Quando a organizadora, a repórter do BuzzFeed News Katie Notopoulos,
pediu que Musk explicasse as suspensões, ele disse que o motivo eram os
links para páginas que o haviam exposto. “Você está sugerindo que nós
dissemos a sua localização, e isso não é verdade”, disse Harwell. “Eu nunca
postei seu endereço.”
“Você postou um link para o endereço”, respondeu Musk.
“Nós postamos links para @elonjet, que não está mais on-line”, disse
Harwell. Ele acusou Musk de “usar exatamente a mesma técnica de
bloqueio de links que tinha criticado como parte da reportagem do New
York Post sobre Hunter Biden”.
Musk se irritou e desapareceu da sessão. Minutos depois, o Twitter
abruptamente encerrou a conversa. Na verdade, o Spaces foi fechado por um
dia para tornar impossível que usuários suspensos participassem das
conversas. “Estamos consertando um bug que herdamos”, tuitou Musk
sobre o fechamento do Spaces. “Deve estar funcionando amanhã.”
Musk logo percebeu que tinha ido longe demais, e procurou um modo de
reverter as próprias ordens. Ele postou uma enquete em que perguntava aos
usuários se jornalistas barrados do Twitter deviam ter as contas restauradas.
Mais de 58% dos 3,6 milhões de votos disseram que sim. As contas foram
reintegradas.
Processe/Fauci
À
À medida que a controvérsia se desenrolava, Musk se alternava entre a
irritação e o modo brincalhão. Numa noite, sentado na sala de conferências
do bunker com Weiss, parte dos colegas dela e James, ele começou a brincar
com a prática das pessoas de postar seus pronomes. Alguém brincou que os
de Musk deviam ser “Processe/Fauci”. Houve uns poucos risos nervosos —
Weiss admite que não queria desafiar Musk naquele momento —, e Musk
começou a rir. Ele repetiu a piada três vezes. Então, lá pelas três da manhã,
tuitou por impulso: “Meus pronomes são Processe/Fauci.” Não fazia muito
sentido, não era engraçado, e conseguiu, com apenas cinco palavras, tirar
sarro de pessoas trans, conjurar conspirações sobre uma autoridade da área
de saúde pública que tinha 81 anos, Anthony Fauci, assustar mais
anunciantes e criar mais um punhado de novos inimigos que jamais iriam
comprar Teslas.
O irmão dele esteve entre os que se sentiram ultrajados. “Que merda é
essa, cara, você está falando de um senhorzinho que só estava tentando
descobrir o que fazer durante a covid”, disse Kimbal a ele. “Isso não é legal.”
Até Jay Bhattacharya, o professor de Stanford cujas críticas às políticas de
Fauci o levaram a ser filtrado pelo Twitter, criticou a postagem: “Acho que
Fauci cometeu erros graves. Mas acho que o certo não é um processo contra
ele, e sim que ele entre para a posteridade por ter cometido esses erros.”
O tuíte sobre Fauci não era um mero exemplo em que Musk estava
expressando sentimentos antiwoke e ligados à direita. Em certos momentos,
ele parecia estar à beira de caminhos perigosos que levavam a teorias da
conspiração, as quais envolvem forças sinistras que agem na elite global. Era
o labo B das especulações espirituosas dele sobre estarmos, na verdade,
vivendo em uma simulação. Quando estava em seus humores mais
sombrios, ele imaginava que por trás de nossa realidade havia forças
conspiratórias nefastas, como em Matrix. Ele retuitou comentários de
Robert Kennedy Jr., por exemplo, um ardoroso crítico das vacinas, o qual
alegava que a CIA tinha assassinado o tio dele, o presidente. Depois do
tuíte de Musk sobre Fauci, Kennedy postou: “Fauci comprou a omertà dos
virologistas globalmente com um total de 37 bilhões de dólares de
pagamentos anuais em verbas para pesquisas. Com o responsável por fazer
os pagamentos fora de cena, as ortodoxias irão se desfazer.”
“Precisamente”, respondeu Musk. Ele posteriormente seria anfitrião de
um Twitter Spaces com Kennedy quando ele decidiu concorrer à presidência
contra Biden.
***
Como sempre, havia ecos incômodos do pai dele. Errol vinha falando de
teorias da conspiração sobre a covid havia mais de dois anos. “Esse cara
precisa ser demitido!”, disse ele sobre Fauci no Facebook em abril de 2020.
Naquele mesmo ano, alegou que Bill Gates soube da covid seis meses antes
de o vírus se espalhar, e negociou um contrato de 100 bilhões de dólares
para rastrear a epidemia. Em 2021, ele se tornou um negacionista completo
das vacinas contra a covid, da derrota de Trump nas eleições e dos ataques
terroristas do 11 de Setembro. “Por todas as informações a que estamos
tendo acesso, parece que os ataques do 11 de Setembro foram uma armação,
e as provas são muito contundentes”, alegou ele. Poucas semanas antes de
Elon dar início aos Twitter Files, Errol postou um ataque no Facebook em
que dizia que a covid era “uma mentira”. Ele disse sobre as vacinas: “Se você
é burro o bastante para tomar a injeção, e especialmente os reforços, você vai
morrer em breve.”
Depois que os Twitter Files foram publicados, Errol mandou para o filho
mais uma mensagem não solicitada: “A Esquerda (ou gângsteres) precisa ser
detida. A civilização corre risco.” A eleição tinha sido roubada de Trump, e
era “essencial” deixar que ele voltasse ao Twitter. “Ele é nosso único raio de
luz.” Ele então aconselhou o filho a se lembrar da lição que ele aprendera na
infância nos parquinhos da África do Sul. “Tentar apaziguar os bandidos é
inútil. Quanto mais você tenta, menos eles têm medo de você ou te
respeitam. Bata com força neles, ou bata com força em qualquer um, e eles
vão te respeitar.”
Elon nunca viu as mensagens. Numa tentativa de expurgar os demônios
do pai, ele tinha mudado o endereço de e-mail, e nunca deu o novo para
Errol.
Queda
Quando Yoel Roth pediu demissão do Twitter, em novembro, tinha como
maior preocupação a possibilidade de que Musk jogasse contra ele uma
turba de usuários do Twitter que pudessem lhe colocar em risco a segurança.
No começo, parecia ter sido poupado. Depois, porém, quando os e-mails e
as mensagens de Slack foram divulgadas nos Twitter Files em dezembro,
Musk mirou em Roth seu lança-chamas.
Os Twitter Files mostraram Roth discutindo como lidar com questões
como a história do laptop de Hunter Biden. A maioria dos comentários dele
era bem pensada, mas isso não impediu que houvesse reações furiosas no
Twitter. A certa altura, um usuário postou uma mensagem que dizia: “Acho
que posso ter encontrado o problema.” A mensagem apontava para um post
que Roth fez em 2010 que continha um link, sem nenhum comentário, para
um artigo de jornal que perguntava se era errado que um professor fizesse
sexo com um aluno de 18 anos de idade. “Isso explica muita coisa”,
respondeu Musk. A partir daí, Musk assumiu o comando do ataque. Ele
tuitou uma imagem que exibia um parágrafo da tese de doutorado de Roth
na Universidade da Pensilvânia, intitulada “Dados sobre gays”, que falava
sobre modos como sites de encontros para gays, como o Grindr, podiam
lidar com usuários menores de 18 anos de idade. Musk comentou: “Parece
que o Yoel está defendendo que crianças possam ter acesso a serviços de
internet para adultos.”
Roth não tinha nada a ver com pedofilia, mas as insinuações de Musk
levaram ao surgimento de conspiradores no estilo Pizzagate, que ficavam
nos cantos escuros do Twitter disparando uma onda de ataques
homofóbicos e antissemitas. Em seguida, um tabloide publicou o endereço
de Roth, o que o levou a se esconder. “Musk tomou a decisão de
compartilhar uma alegação difamatória de que eu apoio a pedofilia ou sou
conivente com ela”, declararia Roth posteriormente. “Precisei sair da minha
casa e vendê-la. Essas são as consequências desse tipo de assédio e de
discurso na internet.”
***
No domingo em que Musk causou ultraje com o tuíte sobre Fauci, ele
apareceu no bunker no Twitter e ofereceu aos mosqueteiros e a outras
pessoas ingressos para um show de comédia de Dave Chapelle naquela
noite. Até mesmo em um show de um comediante notoriamente antiwoke,
ficou evidente que os tuítes de Musk lhe acrescentaram uma nova camada
de dano à reputação. “Senhoras e senhores, uma salva de palmas para o
homem mais rico do mundo”, disse Chapelle ao convidar Musk para o
palco. Houve aplausos, mas também um coro de vaias. “Parece que tem
gente que você demitiu na plateia”, falou Chapelle. Para tranquilizar Musk,
ele brincou ao dizer que as vaias eram principalmente de gente que tinha
ficado em “lugares horríveis no teatro”.
Os tuítes erráticos de Musk prejudicaram ainda mais a relação do Twitter
com os anunciantes. Ele pediu uma conversa com David Zaslav, o CEO da
Warner Bros. Discovery, e eles conversaram por mais de uma hora. Zaslav
disse que Musk estava agindo de modo autodestrutivo, o que tornava difícil
atrair novas marcas. Ele devia se concentrar em melhorar o produto
acrescentando a possibilidade de postar vídeos mais longos e fazendo com
que os anúncios fossem mais eficientes.
Essa situação chegou inclusive a afetar a Tesla. As ações da empresa
tinham caído para 156 dólares, sendo que estavam em 340 dólares quando
ele anunciou pela primeira vez seu interesse no Twitter. Na reunião em
Austin em 14 de dezembro, o conselho da Tesla, normalmente muito
solícito, disse a Musk que as controvérsias do Twitter estavam prejudicando
a marca da Tesla. Musk respondeu dizendo que os números de vendas iam
mal no mundo todo, inclusive nos lugares em que as pessoas não estavam
prestando atenção às controvérsias, e isso se devia principalmente a fatores
macroeconômicos. Contudo, tanto Kimbal quanto o presidente do conselho,
Robyn Denholm, continuaram pressionando, dizendo que o
comportamento dele era um fator. “O elefante gigantesco na sala era ele
agindo como um idiota”, afirma Kimbal.
capítulo 92
Travessuras natalinas
Dezembro de 2022
***
Natal em família
Tarde da noite na véspera de Natal, com o cessar-fogo temporário no data
center de Sacramento, Musk convidou James e Andrew, cujos planos de
esquiar tinham ido por água abaixo, a ir a Boulder e passar o Natal com
Kimbal e a família. Christiana correu para comprar presentes e brindes para
as meias dos dois convidados inesperados. Kimbal cozinhou rosbife e fez um
pudim Yorkshire de trinta centímetros. O filho de Elon, Damian, que
também era um chef ávido, fez um prato com batatas. X brincou com um
foguete de pressão, fazendo a contagem regressiva, e pisou no botão para
lançá-lo. James e Andrew mergulharam na banheira de hidromassagem para
relaxar.
A visita era uma chance para Kimbal ter uma conversa séria com o irmão
sobre como, desde o acordo com o Twitter, ele estava descontrolado. Um
ano antes, ele havia sido escolhido a Personalidade do Ano e o homem mais
rico do mundo, e naquele momento não era mais nenhum dos dois. Parecia
uma situação semelhante à que aconteceu em 2018, e era hora de mais um
aviso de segurança. Você está fazendo inimigos a uma velocidade perigosa e
É
em níveis perigosos, disse Kimbal. “É como na época do ensino médio,
quando você apanhava o tempo todo.”
Kimbal chegou a questionar se Elon queria permanecer como CEO da
Tesla. A empresa enfrentava problemas e ele não estava dando atenção a
isso. “Por que você não deixa de ser CEO?”, perguntou Kimbal. Elon não
estava pronto para responder a isso.
Havia também o problema de seus tuítes tarde da noite. Kimbal havia
parado de seguir Elon no Twitter porque era estressante demais. Elon
admitiu que o tuíte sobre Paul Pelosi foi um erro. Ele não havia percebido
que a história que viu on-line sobre o michê não era de um site confiável.
“Você é um idiota”, disse Kimbal. “Pare de cair nessas coisas idiotas.” O
mesmo valia para o tuíte dele sobre Fauci. “Não é certo. Não é engraçado.
Você não pode fazer essas merdas.” Kimbal também criticou James e
Andrew por incentivá-lo. “Isso não está certo, gente. Não está certo.”
Um assunto que eles não discutiram foi o Twitter como empresa.
Quando Elon comentou, Kimbal se recusou a falar sobre isso. “Eu não me
importo com o Twitter”, disse ele. “É só uma espinha na bunda comparado
ao impacto que você deveria causar no mundo.” Elon discordou, mas os dois
não discutiram.
Uma tradição de Natal de Kimbal e Christiana era pedir a todos que
refletissem sobre uma pergunta. Naquele ano foi “Quais arrependimentos
você tem?”. “Meu principal arrependimento”, respondeu Elon, “é a
frequência com que eu enfio o garfo na minha perna, atiro no meu meu pé e
enfio a faca no meu olho”.
***
A invasão continua
Depois do Natal, Andrew e James voltaram a Sacramento para ver quantos
servidores mais conseguiam transferir. Como não haviam levado roupas
suficientes, foram ao Walmart para comprar calças jeans e camisetas.
Os supervisores da NTT que comandavam as instalações continuaram a
criar obstáculos, alguns bastante compreensíveis. Em vez de deixá-los abrir
completamente a porta do cofre, por exemplo, eles exigiam que os
mosqueteiros e a equipe passassem pelo scanner de retina toda vez que
entravam. Uma das supervisoras os vigiava o tempo todo. “Ela era a pessoa
mais insuportável com quem já trabalhei”, diz James. “Mas, para ser justo,
consigo entender a situação, porque estávamos estragando o fim de ano dela,
né?”
As equipes de mudança que a NTT queria que eles usassem cobravam
200 dólares por hora. Então James entrou no Yelp e encontrou uma empresa
chamada Extra Care Movers, que iria fazer o mesmo trabalho por um
décimo do custo. Era uma empresa mambembe que elevava a ideia de
improvisação a outro nível. O dono havia morado na rua por um tempo,
teve um filho e estava tentando mudar de vida. Ele não tinha conta
bancária, portanto James acabou usando o PayPal para pagá-lo. No segundo
dia, a equipe queria dinheiro, então James foi ao banco e sacou 13 mil
dólares de sua conta pessoal. Dois dos membros da equipe não tinham
documentos, o que dificultava a entrada deles nas instalações. Entretanto,
compensavam em trabalho. “Vocês ganham 1 dólar de gorjeta para cada
servidor que conseguirmos transportar”, anunciou James em determinado
momento. Dali em diante, quando chegava mais um ao caminhão, os
trabalhadores perguntavam quanto já haviam ganhado.
Os servidores continham dados de usuários, e James não havia percebido
inicialmente que, por questão de privacidade, eles deveriam apagar tudo
antes de transportá-los. “Quando descobrimos isso, os servidores já haviam
sido desligados e transportados, então não tinha como levá-los de volta,
ligar e apagar”, diz. Além disso, o software para apagar não estava
funcionando. “Merda, o que a gente faz?”, perguntou ele. Elon recomendou
que trancassem os caminhões e ficassem de olho. Então James mandou
alguém até a Home Depot para comprar grandes cadeados, e eles enviaram
os códigos em uma planilha para Portland a fim de que os caminhões
pudessem ser abertos lá. “Não acredito que tenha funcionado”, diz James.
“Todos chegaram em segurança a Portland.”
No fim da semana, eles haviam usado todos os caminhões disponíveis de
Sacramento. Apesar de a área ter sido castigada com muita chuva, foram
movidos mais de setecentos racks em três dias. O recorde anterior naquelas
instalações havia sido trinta em um mês. Isso ainda deixava muitos dos
servidores no local, mas os mosqueteiros tinham provado que era possível
transportá-los rapidamente. O resto foi feito pela equipe de infraestrutura
do Twitter em janeiro.
Elon havia prometido a James um grande bônus, de até 1 milhão de
dólares, se ele conseguisse transportar os servidores até o fim do ano. Nada
foi registrado por escrito, mas James confiava no primo. Depois da
mudança, Jared Birchall disse que o acordo se aplicava apenas ao total de
servidores ligados e funcionando em Portland. Como eles precisavam de
novas conexões elétricas, o total era de zero. James escreveu para Elon, que
respondeu propondo mil dólares para cada servidor que chegasse em
segurança em Portland, ligado ou não. Isso somava um pouco mais de 700
mil dólares. Elon também ofereceu a ele um pacote de ações para se juntar
ao Twitter. James aceitou ambos.
James amava a família na África do Sul. Tendo perdido a chance de
passar o Natal com eles, planejava usar parte do bônus na compra de
passagens para que eles visitassem os Estados Unidos na primavera. Ele
também estava economizando para comprar uma casa e dá-la aos pais na
Califórnia. “Meu pai ama trabalhar com madeira, mas acabou de cortar
parte do dedo fora e está passando por dificuldades”, diz James. “Sou muito
ligado a ele.”
***
Véspera de Ano-Novo
Musk precisava muito descomprimir. Ele não era bom em tirar férias, mas
algumas vezes fugia por dois ou três dias no ano para Lanai, no Havaí, e
ficava em uma das casas de seu mentor, Larry Ellison, como havia feito em
abril quando decidiu comprar o Twitter. No fim de dezembro, foi para lá
com Grimes e X.
Ellison havia construído recentemente na ilha um observatório
astronômico com domo e um telescópio de espelho de um metro que pesava
1,4 tonelada. Musk pediu que ele fosse apontado para Marte. Depois de
olhar no visor por um tempo em silêncio, chamou X e o levantou para ver.
“Veja isso”, disse. “É aí que você um dia vai morar.”
Depois Musk, Grimes e X voaram até Cabo San Lucas, no México, para
celebrar um bem-vindo fim de um tumultuado 2022 com Kimbal e família.
Os quatro filhos mais velhos de Musk estavam lá, assim como todos os
filhos do irmão. “Fazia bem para nosso sistema nervoso estarmos juntos”,
diz Kimbal. “Somos uma família muito complexa e é muito raro todo
mundo estar feliz ao mesmo tempo.”
Desde a compra do Twitter, Musk estava no modo guerra, com a
mentalidade que havia lhe permeado a infância e criado ressentimentos
facilmente desencadeados — de quem está com a mente em estado de sítio.
Os pés dele estavam pesados, a linguagem corporal, feroz e a postura, tensa,
pronta para a batalha. Apesar disso, as reuniões de família produziam alguns
períodos de calma intermitente. Na primeira noite em Cabo, ele foi jantar
só com Kimbal, Kai e Antonio Gracias em um restaurante muito tranquilo.
No dia seguinte, jogaram jogos de tabuleiro e assistiram a filmes. O que
Musk escolheu era o drama de ação de 1993 O Demolidor, no qual Sylvester
Stallone é um policial apaixonado por perigo que desempenha o papel com
tanta intensidade que causa enormes danos colaterais. Ele achou engraçado.
Houve uma festa comunitária para celebrar a véspera do Ano-Novo, que
culminou com a contagem regressiva tradicional à meia-noite. Depois dos
abraços e fogos de artifício, Musk ficou com o olhar vazio e fixo em algo a
distância. Os amigos sabiam que não deveriam interromper quando ele
estava nesses transes, mas Christiana colocou a mão nas costas dele e
perguntou se estava tudo bem. Ele ficou em silêncio por mais um minuto.
“Temos que colocar a Starship em órbita”, disse ele finalmente. “Precisamos
colocar a Starship em órbita.”
capítulo 93
IA para carros
Tesla, 2022-2023
***
Os idos de março
“O que pode ser feito para tornar a IA segura?”, perguntou Musk.
“Continuo me debatendo com isso. O que podemos fazer para minimizar os
riscos da IA e garantir que a consciência humana sobreviva?”
Ele estava em Austin, sentado de pernas cruzadas e pés descalços ao lado
da piscina da casa de Shivon Zilis, a executiva da Neuralink com quem teve
dois filhos e com quem conversava sobre inteligência artificial desde a
fundação da OpenAI, oito anos antes. Os gêmeos, Strider e Azure, com 1
ano e 4 meses, estavam no colo deles. Musk continuava fazendo a dieta de
jejum intermitente; no brunch tardio, comeu donuts, algo que tinha
começado a ingerir regularmente. Zilis fez café e colocou a xícara dele no
micro-ondas para superaquecer, de modo que Musk não tomasse rápido
demais.
Uma semana antes, ele tinha me mandado uma mensagem: “Tem
algumas coisas importantes que eu queria conversar com você. Só dá para
ser pessoalmente.” Quando perguntei onde e quando ele queria me
encontrar, respondeu: “Nos idos de março, em Austin.”
Fiquei perplexo e, admito, um pouco preocupado. Eu deveria ter
cuidado? No fim das contas, Musk queria falar sobre questões que estava
prevendo para o futuro, e a principal era a IA. Tivemos que deixar os
celulares dentro da casa enquanto conversávamos do lado de fora, porque,
segundo ele, alguém podia usá-los para monitorar nosso papo. Depois,
porém, concordou que eu colocasse no livro o que ele disse sobre IA.
Musk falou baixo e num tom monocórdio pontuado por acessos de riso
quase maníacos. A quantidade de inteligência humana, observou ele, estava
num platô, porque as pessoas não estavam tendo filhos o bastante.
Enquanto isso, a quantidade de inteligência computacional crescia
exponencialmente, como numa Lei de Moore anabolizada. Em certo
momento, a capacidade do cérebro biológico seria muito menor do que a
capacidade do cérebro digital.
Além disso, os novos sistemas de IA com aprendizagem automática eram
capazes de ingerir informações por conta própria e instruir-se sozinhos a
gerar resultados, inclusive a melhorar a programação e as capacidades. O
termo “singularidade” foi usado pelo matemático John von Neumann e pelo
escritor de ficção científica Vernor Vinge para descrever o momento em que
a inteligência artificial se tornaria capaz de seguir em frente por conta
própria em um ritmo incontrolável, deixando os meros humanos para trás.
“Isso pode acontecer antes do que a gente esperava”, disse Musk num tom
sinistro.
Por um momento, me vi chocado com a estranheza da cena. Nós
estávamos sentados no quintal de uma casa de subúrbio ao lado de uma
piscina tranquila num dia ensolarado de primavera, com dois gêmeos de
olhos cintilantes que estavam aprendendo a andar, enquanto Musk
soturnamente especulava sobre a janela de oportunidade para construir uma
colônia humana sustentável em Marte antes que a IA causasse um
apocalipse e destruísse a civilização terrestre. Isso me fez lembrar das
palavras de Sam Teller no segundo dia trabalhando para Musk, quando ele
participou de uma reunião de conselho da SpaceX: “Eles estavam sentados
discutindo a sério planos para construir uma cidade em Marte e o que as
pessoas vestiriam lá, e todo mundo agia como se fosse uma conversa
totalmente normal.”
Musk ficou absorto em um de seus longos silêncios. Segundo Shivon, ele
estava fazendo “processamento em lote”, uma referência ao modo como
computadores antigos enfileiravam várias tarefas e as executavam em
sequência quando havia poder de processamento necessário disponível. “Eu
não posso simplesmente ficar sentado sem fazer nada”, disse ele depois de
um tempo, com tranquilidade. “Com a IA chegando, estou meio que
refletindo se vale a pena passar tanto tempo pensando no Twitter. Claro, é
provável que eu pudesse transformar o Twitter na maior instituição
financeira do mundo. No entanto, tenho uma quantidade limitada de
atividade cerebral e de horas num dia. Quer dizer, não preciso ficar mais
rico nem nada.”
Comecei a falar, mas Musk sabia o que eu ia perguntar. “No que, então,
eu deveria gastar o meu tempo?”, disse ele. “Lançar a Starship. Chegar a
Marte agora é bem mais urgente.” Ele fez outra pausa e depois acrescentou:
“Além disso, preciso me concentrar em tornar a IA segura. É por isso que
estou fundando uma empresa de IA.”
X.AI
Musk batizou sua nova empresa de X.AI e recrutou pessoalmente Igor
Babuschkin, um pesquisador de ponta de IA na unidade DeepMind do
Google, para ser o chefe de engenharia. A X.AI inicialmente abrigaria parte
dos novos funcionários no Twitter. No entanto, Musk disse que seria
necessário transformá-la numa startup independente, como a Neuralink.
Ele estava tendo certo problema para recrutar cientistas de IA porque o
frenesi recente sobre o tema significava que qualquer um com experiência
podia exigir bônus iniciais de 1 milhão de dólares ou mais. “Vai ser mais
fácil contratar essas pessoas se elas puderem se tornar fundadoras de uma
nova empresa e receber participações dela”, explicou ele.
Calculei que isso significava que ele dirigiria seis empresas: Tesla, SpaceX
e a unidade Starlink, Twitter, e Boring Company, Neuralink e X.AI. Isso
era três vezes mais do que Steve Jobs no ápice (Apple e Pixar).
Musk admitiu que estava começando bem atrás da OpenAI na criação de
um chatbot capaz de oferecer respostas a perguntas em linguagem natural.
Contudo, o trabalho da Tesla com carros autônomos e com o robô Optimus
colocava a empresa bem adiantada no desenvolvimento do tipo de IA
necessário para agir no mundo físico. Isso significava que os engenheiros
que trabalhavam com Musk estavam, na verdade, na frente da OpenAI para
criar inteligência artificial geral plena, o que exige ambas as habilidades. “A
IA da vida real da Tesla é subestimada”, disse Musk. “Imagine se a Tesla e a
OpenAI tivessem que trocar de tarefas. Eles teriam que fazer carros
autônomos e nós teríamos que fazer grandes chatbots com modelo de
linguagem. Quem ganharia? Nós.”
Em abril, Musk deu três metas principais a Babuschkin e à equipe dele.
A primeira era produzir um robô de IA que pudesse escrever programação
de computador. Um programador poderia começar a escrever em qualquer
linguagem de programação, e o robô de IA autocompletaria a tarefa com a
ação mais provável que eles estivessem tentando realizar. A segunda meta
seria um chatbot que concorresse com a série GPT da OpenAI, um que
usasse algoritmos e fosse treinado com conjuntos de dados que assegurassem
neutralidade política.
A terceira meta que Musk deu à equipe era ainda mais grandiosa. A
missão primordial dele sempre foi assegurar que a IA se desenvolvesse de
modo que ajudasse a garantir que a consciência humana perdurasse. A
melhor forma de alcançar isso, imaginou ele, era criando uma forma de
inteligência artificial geral que pudesse “raciocinar” e “pensar” e tentar
descobrir a “verdade” como princípio norteador. As pessoas deveriam poder
requisitar grandes tarefas à IA, como: “Construa um motor de foguete
melhor.”
Algum dia, Musk tinha esperanças, a IA poderia lidar com questões
ainda mais grandiosas e mais existenciais. Seria uma “IA de máxima busca
pela verdade. Ela se importaria em compreender o Universo, e isso
provavelmente a levaria a querer preservar a humanidade, porque nós somos
uma parte interessante do Universo”. Isso soava um pouco familiar, e então
percebi o porquê. Ele estava embarcando numa missão semelhante àquela
relatada na Bíblia que lhe influenciou a formação (talvez demais?) na
infância, o livro que o tirou da depressão existencial na adolescência: O guia
do mochileiro das galáxias, que falava de um supercomputador projetado para
descobrir “a resposta para a pergunta definitiva sobre a vida, o Universo e
tudo o mais”.
capítulo 95
O lançamento da Starship
SpaceX, abril de 2023
***
***
Será que a ousadia e a insolência que movem Musk a tentar façanhas épicas
justificam o mau comportamento, a indiferença, a imprudência dele? As
vezes que ele age como um cretino? A resposta é não, óbvio que não. É
possível admirar as boas qualidades de uma pessoa e lamentar as más.
Contudo, também é importante compreender como os fios estão
entrelaçados, às vezes de maneira que se torna impossível separá-los. Pode
ser difícil retirar as características ruins sem desfazer a trama toda. Como
Shakespeare nos ensina, todo herói tem falhas, algumas trágicas, algumas
conquistadas, e aqueles que vemos como vilões podem ser figuras
complexas. Mesmo as melhores pessoas, escreveu ele, são “moldadas por
suas faltas”.
Durante a semana do lançamento, Antonio Gracias e outros amigos
falaram com Musk sobre a necessidade de ele conter os ímpetos e os
instintos destrutivos. Para que de fato liderasse uma nova era de exploração
espacial, disseram, Musk precisava ser mais nobre, pairar acima das
discussões políticas. Eles lembraram a ocasião em que Gracias trancou o
celular de Musk num cofre de hotel a noite toda e digitou a senha, de modo
que Musk não tivesse como retirá-lo de lá para tuitar de madrugada —
Musk acordou às três da manhã e chamou a segurança do hotel para abrir o
cofre. Depois do lançamento, ele demonstrou um toque de autoconsciência.
“Atirei tantas vezes no meu pé que eu devia comprar botas Kevlar”, brincou
Musk. Talvez, cogitou ele, o Twitter devesse ter um botão de delay para
controlar os impulsos.
Era um conceito agradável: um botão de controle de impulsos que
pudesse desarmar os tuítes de Musk e também todas as ações impulsivas
negativas e as eclosões do lado demoníaco dele que deixam um rastro de
destroços. Entretanto, será que um Musk cheio de limites conseguiria fazer
o mesmo que um Musk sem freios? Será que a ausência de filtros e
restrições eram parte essencial de quem ele é? Teria como colocar foguetes
em órbita ou fazer a transição para veículos elétricos sem aceitar todos os
aspectos de Musk, estivessem eles atrelados um ao outro ou não? Às vezes,
grandes inovadores são homens com jeito de criança, que gostam de correr
riscos e resistem ao peniquinho. Eles podem ser imprudentes, causar
vergonha alheia e até mesmo ser tóxicos. Podem ser loucos também. Loucos
o suficiente para achar que podem mudar o mundo.
Elon Musk permitiu que eu o seguisse por dois anos, me convidou para
participar de reuniões, concedeu dezenas de entrevistas e conversas tarde da
noite, me forneceu e-mails e mensagens de celular e incentivou os colegas, a
família, adversários e ex-esposas a falar comigo. Ele não me pediu para ler,
nem leu, o livro antes de ser publicado e não exerceu nenhum tipo de
controle sobre a obra.
Sou grato a todas as pessoas citadas nas fontes que me concederam
entrevistas. Gostaria de destacar algumas que me ajudaram em especial,
cederam fotos e me direcionaram: Maye Musk, Errol Musk, Kimbal Musk,
Justine Musk, Claire Boucher (Grimes), Talulah Riley, Shivon Zilis, Sam
Teller, Omead Afshar, James Musk, Andrew Musk, Ross Nordeen, Dhaval
Shroff, Bill Riley, Mark Juncosa, Kiko Dontchev, Jehn Balajadia, Lars
Moravy, Franz von Holzhausen, Jared Birchall e Antonio Gracias.
Crary Pullen foi a intrépida editora de fotografia, papel que já exerceu
em muitos dos meus livros anteriores. Todos foram publicados pela Simon
& Schuster, que terá para sempre minha lealdade, por seus valores e pela
grande equipe: Priscilla Painton, Jonathan Karp, Hana Park, Stephen
Bedford, Julia Prosser, Marie Florio, Jackie Seow, Lisa Rivlin, Kris Doyle,
Jonathan Evans, Amanda Mulholland, Irene Kheradi, Paul Dippolito, Beth
Maglione e o espírito sempre presente da falecida Alice Mayhew. Judith
Hoover, mesmo aposentada, atendeu a meu pedido para mais uma vez fazer
o copidesque. Quero também agradecer à minha agente, Amanda Urban,
assim como a suas colegas internacionais Helen Manders e Peppa Mignone,
e à minha assistente em Tulane, Lindsey Billips.
E, como sempre, a Cathy e Betsy.
fontes
entrevistas
Omead Afshar. Homem de confiança de Musk.
Parag Agrawal. Ex-CEO do Twitter.
Deepak Ahuja. Ex-CFO da Tesla.
Sam Altman. Cofundador da OpenAI com Musk.
Drew Baglino. Vice-presidente sênior da Tesla.
Jehn Balajadia. Assistente de Musk.
Jeremy Barenholtz. Chefe de software de interfaces com o cérebro da
Neuralink.
Melissa Barnes. Ex-vice-presidente do Twitter para a América Latina e o
Canadá.
Leslie Berland. Ex-diretora de marketing do Twitter.
Kayvon Beykpour. Ex-chefe de produto no Twitter.
Jeff Bezos. Fundador da Amazon.
Jared Birchall. Gestor dos negócios pessoais de Musk.
Roelof Botha. Ex-CFO da PayPal, sócio da Sequoia Capital.
Claire Boucher (Grimes). Artista performática, mãe de três dos filhos de
Musk.
Nellie Bowles. Jornalista do Common Sense, esposa de Bari Weiss.
Richard Branson. Fundador da Virgin Galactic.
Elissa Butterfield. Ex-assistente de Musk.
Tim Buzza. Ex-vice-presidente de lançamento da SpaceX.
Jason Calacanis. Empreendedor, amigo de Musk.
Gage Coffin. Ex-engenheiro de produção da Tesla.
Esther Crawford. Ex-diretora de gestão de produto do Twitter.
Larry David. Comediante e escritor.
Steve Davis. Presidente da e Boring Company.
Tejas Dharamsi. Engenheiro de software do Twitter.
omas Dmytryk. Engenheiro de software da Tesla.
John Doerr. Investidor de risco.
Kiko Dontchev. Vice-presidente de lançamento da SpaceX.
Brian Dow. Ex-diretor da Tesla Energy.
Mickey Drexler. Ex-CEO da J.Crew e e Gap.
Phil Duan. Engenheiro do Autopilot da Tesla.
Martin Eberhard. Confundador da Tesla.
Blair Efron. Banqueiro de investimentos.
Ira Ehrenpreis. Membro do conselho da Tesla.
Larry Ellison. Cofundador da Oracle.
Ashok Elluswamy. Diretor do software Autopilot da Tesla.
Ari Emanuel. CEO da Endeavor.
Navaid Farooq. Amigo de Musk na Queen’s University.
Nyame Farooq. Esposa de Navaid Farooq.
Joe Fath. Gerente de portfólio da T. Row Price.
Lori Garver. Ex-vice-administrador da NASA.
Bill Gates. Cofundador da Microsoft.
Rory Gates. Filho de Bill Gates.
David Gelles. Repórter do e New York Times.
Bill Gerstenmaier. Vice-presidente de confiabilidade de voo da SpaceX.
Kunal Girotra. Ex-diretor da Tesla Energy.
Juleanna Glover. Consultora de relações públicas, Washington, D.C.
Antonio Gracias. Amigo de Musk e investidor.
Michael Grimes. Diretor de gestão do Morgan Stanley.
Trip Harriss. Gestor de operações do ponto de lançamento da SpaceX.
Demis Hassabis. Cofundador da DeepMind.
Amber Heard. Atriz, ex-namorada de Musk.
Reid Hoffman. Cofundador do LinkedIn e da PayPal.
Ken Howery. Cofundador da PayPal e amigo de Musk.
Lucas Hughes. Ex-diretor financeiro da SpaceX.
Jared Isaacman. Empreendedor e comandante da Inspiration4.
RJ Johnson. Ex-diretor da Tesla Energy.
Mark Juncosa. Principal assistente de Musk na SpaceX.
Steve Jurvetson. Investidor e amigo de Musk.
Nick Kalayjian. Ex-vice-presidente de engenharia da Tesla.
Ro Khanna. Congressista pelo Partido Democrata na Califórnia.
Hans Koenigsmann. Engenheiro veterano da SpaceX.
Milan Kovac. Diretor de engenharia do software Autopilot da Tesla.
Andy Krebs. Ex-diretor de engenharia civil da Starship da SpaceX.
Joe Kuhn. Engenheiro mecânico da e Boring Company e Tesla.
Bill Lee. Investidor e amigo de Musk.
Max Levchin. Cofundador da PayPal.
Jacob McKenzie. Diretor sênior de engenharia do Raptor, SpaceX.
Jon McNeill. Ex-presidente da Tesla.
Lars Moravi. Vice-presidente de engenharia de veículos da Tesla.
Michael Moritz. Investidor.
Dave Morris. Diretor de design sênior da Tesla.
Rich Morris. Vice-presidente de produção e lançamento da SpaceX.
Marcus Mueller. Gestor sênior da Tesla Energy.
Tom Mueller. Funcionário fundador e projetista de motores da SpaceX.
Andrew Musk. Primo-irmão de Musk.
Christiana Musk. Esposa de Kimbal Musk.
Elon Musk.
Errol Musk. Pai de Musk.
Griffin Musk. Filho de Musk.
James Musk. Primo-irmão de Musk.
Justine Musk. Primeira esposa de Musk e mãe de cinco filhos dele.
Kimbal Musk. Irmão de Musk.
Maye Musk. Mãe de Musk.
Tosca Musk. Irmã de Musk.
Bill Nelson. Administrador da NASA.
Peter Nicholson. Ex-vice-presidente sênior do Scotiabank e mentor de
Musk
Ross Nordeen. Engenheiro de software na Tesla e mosqueteiro no Twitter.
Luke Nosek. Investidor e amigo de Musk.
Sam Patel. Diretor de operações da Starship, SpaceX.
Chris Payne. Engenheiro de software do Autopilot da Tesla.
Janet Petro. Diretora do Kennedy Space Center, Cabo Canaveral.
Jow Petrzelka. Vice-presidente de engenharia da Starship, SpaceX.
Henrik Pfister. Designer automotivo.
Yoni Ramon. Diretor de segurança da Tesla.
Robin Ren. Amigo íntimo de Musk na Penn e ex-diretor da Tesla na
China.
Adeo Ressi. Amigo íntimo de Musk na Penn.
Bill Riley. Diretor sênior da SpaceX.
Talulah Riley. Atriz e segunda esposa de Musk.
Peter Rive. Primo-irmão de Musk.
Ben Rosen. Investidor.
Yoel Roth. Ex-diretor de segurança e moderação do Twitter.
David Sacks. Cofundador da PayPal, amigo íntimo de Musk e investidor.
Alan Salzman. Um dos primeiros investidores da Tesla.
Ben San Souci. Engenheiro de software do Twitter.
Joe Scarborough. Âncora, MSNBC.
DJ Seo. Cofundador da Neuralink.
Brad Sheftel. Parceiro de Antonio Gracias.
Gwynne Shotwell. Presidente da SpaceX.
Dhaval Shroff. Engenheiro de software da Tesla e mosqueteiro no Twitter.
Mark Soltys. Engenheiro de princípios de lançamento da SpaceX.
Alex Spiro. Advogado de Musk.
Christopher Stanley. Vice-presidente sênior de engenharia de segurança da
Tesla e da SpaceX.
Robert Steel. Banqueiro de investimentos.
JB Straubel. Cofundador da Tesla.
Anand Swaminathan. Engenheiro do Optimus, Tesla.
Jessica Switzer. Ex-conselheira de relações públicas da Tesla.
Feliz Sygulla. Engenheiro do Optimus, Tesla.
Marc Tarpenning. Cofundador da Tesla.
Sam Teller. Ex-conselheiro de Musk.
Peter iel. Cofundador da PayPal e investidor.
Jim Vo. Gerente de construção da Starship, SpaceX.
Franz von Holzhausen. Chefe de design da Tesla.
Tim Watkins. Parceiro de Antonio Gracias e líder da equipe da SWAT da
Tesla.
Bari Weiss. Jornalista do e Free Press.
Rodney Westmoreland. Diretor de infraestrutura da Tesla.
Linda Yaccarino. Ex-diretora comercial da NBC Universal; CEO do
Twitter.
Tim Zaman. Engenheiro de IA, Tesla Autopilot.
David Zaslav. CEO da Warner Bros. Discovery.
Shivon Zilis. Gestora da Neuralink e mãe de dois filhos de Musk.
livros
Eric Berger, Liftoff (William Morrow, 2021)
Max Chafkin, e Contrarian (Penguin, 2021)
Christian Davenport, e Space Barons (Public Affairs, 2018)
Tim Fernholz, Rocket Billionaires (Houghton Mifflin Harcourt, 2018)
Lori Garver, Space Pirates (Diversion, 2022
Tim Higgins, Power Play (Doubleday, 2021)
Hamish McKenzie, Insane Mode (Dutton, 2018)
Maye Musk, A Woman Makes a Plan (Penguin, 2019)
Edward Niedermeyer, Ludicrous (BenBella, 2019)
Jimmy Soni, e Founders (Simon&Schuster, 2022)
Ashlee Vance, Elon Musk (Intrínseca, 2015)
Ashlee Vance, When the Heavens Went on Sale (Ecco, 20223)
notas
Prólogo: Entrevistas do autor com Elon Musk, Kimbal Musk, Errol Musk,
Maye Musk, Tosca Musk, Justine Musk, Talulah Riley, Claire Boucher
(Grimes), Peter iel. Tom Junod, “Triumph of His Will”, Esquire,
dezembro de 2012 (inclui a piada sobre não ter umbigo).
Capítulo 81 — “Vocês vão ter que aceitar”: Entrevistas do autor com Elon
Musk, Parag Agrawal, David Sacks, Ben San Souci, Yoni Ramon, Esther
Crawford, Leslie Berland.