O Salmo 4 não traz um fundo histórico claro, apontando apenas (a)
o nome do seu autor, Davi, (b) a quem, por função, o salmo fora encaminhado (“ao mestre de canto”), (c) o dever de ser acompanhado (“com instrumentos”) e (d) por seu conteúdo, a sugestão de ser a oração de quem enfrenta oposições ímpias ao longo do dia e que, ao fim dele, se encaminha para o seguro repouso noturno. O texto poético revela ainda uma situação inicialmente tensa (quando Deus é buscado em oração na “primeira voz” do salmo, verso 1), que se desenvolve em forma de um desafio exortativo aos ímpios (na “segunda voz” do salmo, incluindo os versos 2 a 5) e que, por fim, afirma as bênçãos espirituais concedidas pelo Senhor aos piedosos (pelo retorno à “primeira voz”, versos 6 a 8). Ouve-me quando clamo, ó Deus da minha justiça! Quando apertado, Tu me aliviaste; Inclina-Te e ouve a minha oração. O verso 1 traz um clamor à autoridade suprema, ao Criador Todo- Poderoso, a Deus (Elohim). É, porém, um clamor de quem tem experiência da ação do Senhor em seu favor. O salmista já havia enfrentado intensa oposição e, por graça divina, recebera alívio. Deus, a justiça do crente, o havia socorrido anteriormente e, com esse histórico positivo, voltava a ser buscado em humilde clamor (“tem misericórdia de mim”, inclina-Te). Assim ocorre com cada cristão. Na história de todo redimido aconteceu que, em oração, crendo na promessa de Deus, arrependido de seus pecados, o ainda perdido clamou por perdão ao Altíssimo, nova vida pelos méritos do Senhor Jesus Cristo e, pela graça d’Ele, foi atendido. Por esse motivo e, certamente, por vários outros, todo cristão experimentou de vários modos a graça de Deus e sabe que n’Ele pode depositar a sua confiança em oração, pedindo-Lhe socorro. Nessa certeza, os santos vão repetidamente buscar a misericórdia do Senhor. A seguir, Davi volta-se aos ímpios para fazer-lhes firmes advertências, iniciando por uma pergunta acusatória (v.2): Filhos dos homens, até quando tornareis a minha glória em vexame, e amareis a vaidade, e buscareis a mentira? Ainda que pecador, o salmista era uma pessoa que esperava no Senhor da promessa (2Sm 7.1-17) e, embora caísse em pecado, não tinha nesse a sua vida, a sua prática e o seu prazer (Sl 1.2 e 22.1-8), sendo reconhecido nos dias dos apóstolos como homem segundo o coração de Deus (At 13.22). De pessoas assim, crentes que reconhecem a sua necessidade da graça e que se empenham por honrar o santo Nome, o Senhor Se agrada e Se torna, como ensina o Salmo 3, o seu escudo, a sua glória (Sl 3.3). Quando os ímpios ofendem e perseguem um justificado por Deus em sua retidão, é ao Senhor que atacam e desonram. Quando amam o que é vão e passageiro, vivendo em sua corrupção e mentira, estão selando a sua própria perdição. Davi lhes pergunta “até quando?” e prossegue em seu argumento (v.3): Sabei que o SENHOR distingue para si o piedoso; o SENHOR me ouve quando clamo por ele. Temos reafirmada a convicção do redimido quanto a atenção dispensada pelo Senhor ao Seu servo (v.1) e uma advertência que surpreende a muitos: o SENHOR distingue para Si o piedoso. Logo, Ele distingue claramente entre os homens, os piedosos dos ímpios, ouvindo e respondendo aos primeiros, socorrendo-os, e entregando os últimos às suas próprias corrupções no tempo e à morte eterna no juízo futuro (Rm 1.18-32). Essa distinção entre a redenção e a danação é impactante! Nesse sentido de surpresa e admiração perante a distinção feita pelo SENHOR que tem lugar o desafio evangelístico seguinte (vv.4-5): Tremei-vos e não pequeis; consultai no travesseiro o coração e sossegai. Oferecei sacrifícios de justiça e confiai no SENHOR. Cabe uma explicação quanto a tradução aqui adotada: a Almeida Revista e Atualizada, em língua portuguesa, segue o caminho da Septuaginta (antiga tradução para o grego produzida entre os séculos III a.C. e I d.C.) e, desta, para a Vulgata Latina (de Jerônimo, do século V d.C.). A Septuaginta foi citada pelos apóstolos na redação do Novo Testamento, no século I d.C., por trazer a língua comum da época entre os povos não judeus (o idioma grego era tão popular naquela época como é o inglês na atualidade; assim, Paulo em Ef 4.26 cita a Septuaginta no Sl 4.5). Entretanto, os salmos foram escritos em língua hebraica e temos a advertência tremei nesse ponto do Sl 4.4. Isso considerado, verifica-se que a tônica do texto, após a firme confrontação do v.3, é pelo autoexame, arrependimento e conversão dos ímpios ao SENHOR (v.4). A expiação mencionada no v.5 (Oferecei sacrifícios de justiça) faz referência aos sacrifícios levíticos, os quais já foram cumpridos pelo Senhor Jesus Cristo na cruz. Restava, antes e ainda hoje, confiar no SENHOR, o que se torna notório pelo abandono da prática do pecado. O cristão, então, deve orar a Deus por socorro e trabalhar em Sua honra evangelizando até mesmo os ímpios que o atacam. Esse grandioso texto não termina na exortação aos ímpios. O salmista volta-se novamente ao SENHOR e Lhe diz em oração (vv.6-8): Muitos perguntam: quem nos mostrará o bem? SENHOR, levanta sobre nós a luz do Teu rosto. Mais alegria me puseste no coração do que a alegria deles quando lhes há fartura de cereal e de vinho. Eu vou me deitar em paz e dormir porque só o SENHOR me faz repousar seguro. Aos que questionam sobre a existência da justiça e da bondade, Davi responde que o bem está em Deus iluminar a vida humana com a luz abençoadora da Sua face (Ilumina-nos, Senhor!). Aos que depositam a sua alegria nas condições temporárias da vida, na artificialidade do vinho e na ilusão da riqueza e da abundância, Davi responde que a sua alegria está no próprio Deus que o redimiu, identifica, ouve e socorre. Assim, diferentemente daqueles cujo sono é adiado, inquieto ou ausente por causa das suas angústias, o profeta anuncia paz, segurança e descanso apenas no seu amoroso SENHOR. Pr. Fernando Jorge Maia Abraão