<
72
Na Espanha, o povo se insurgiu e começou a lutar por sua independência.
No final de maio de 1808, as juntas provinciais organizaram uma resistência
ao invasor, e em setembro foi formada uma junta central que invocou o
nome do rei, tentou unir a resistência à França e, em janeiro de 1809, lançou
o decreto pelo qual os domínios da América deixavam de ser colônias para
transformar-se em parte integrante da monarquia espanhola.
Esses acontecimentos produziram na América uma crise de legitimidade
� política. A autoridade provinha tradicionalmente do rei; as leis eram obede­
cidas porque eram leis do rei. Agora não havia um rei a quem obedecer. Isso
também pôs em questão a estrutura do poder e sua distribuição entre os fun­
cionários reais e a classe governante local. Os crio/los tiveram de decidir sobre
o melhor modo de preservar sua herança e manter-se no controle. A América
espanhola não podia continuar sendo uma colônia sem uma metrópole, ou
uma monarquia sem um monarca.
)
_9., l
z pelos transportes, pelo governo e por uma série de outras fontes. Com a ativi­
..,
z
o dade econômica em tamanha escala, a coroa espanhola obtinha grandes ren­
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e.
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o
< cofres da Igreja, e quase a metade desse total ( 12 milhões de pesos) deixava a
ü
z 2
..,
o. A INDEPENDÊNCIA DO MÉXICO
o
UJ
E DA AMÉRICA CENTRAL
<
ÀS VÉSPERAS DA luta para separar-se da Espanha, o vice-reino da Nova
Espanha (México) era constituído por vasta área que se estendia do mar das
Antilhas ao Pacífico e das fronteiras da Guatemala e de Chiapas às imensas
Províncias Internas do Leste e do Oeste, abrangendo o território incorporado
mais tarde ao sudoeste dos Estados Unidos. O vice-reino, que, em 1814, con­
tava com 6,122 milhões de habitantes (os Estados Unidos tinham, em 1810,
7,240 milhões), era responsável por mais de um terço da população total do
império ultramarino espanhol. Cidade do México, a capital do vice-reino, era
a maior cidade da América do Norte ou do Sul e, contando em 1811 com
168 811 habitantes, era depois de Madri a maior cidade do império.
A Nova Espanha era também, de longe, a mais rica colônia espanhola. Seu
comércio, feito pelo principal porto de Veracruz, totalizou, de 1800 a 1809,
uma média anual de 27,9 milhões de pesos e, na década seguinte, entre 1811 e
1820, atingiu uma média anual de 18 milhões de pesos, distribuídos igual­
mente entre as importações e as exportações. A produção total de mercadorias
e serviços da colônia alcançou, em 1800, o patamar de mais ou menos 240
milhões de pesos, ou cerca de 40 pesos per capita. Isso representava apenas a
metade da produção per capita dos Estados Unidos na época, por exemplo,
mas era muito superior à de qualquer outra colônia americana, espanhola ou
portuguesa. A agricultura e a pecuária, que empregavam cerca de 80 por cento
do total da força de trabalho, produziam juntas quase 39 por cento dos recur­
sos nacionais; as manufaturas e as oficinas domésticas eram responsáveis por
cerca de 23 por cento da produção total; 17 por cento provinham do comér­
cio; I O por cento da mineração; e os 11 por cento restantes eram fornecidos
das, diretas ou indiretas. De nove a dez por cento do produto total da Nova
Espanha (cerca de 24 milhões de pesos) eram remetidos ao tesouro real ou aos
 75
Chave do mapa
J. Governo da Nova Califórnia
2. Governo da Velha Califórnia
3. Governo do Novo México ( uma Província Interna do Oeste)
4. Intendência de Arizpe (governo de Sonora e Sinaloa, Províncias Internas
do Oeste)
5. Intendência de Durango (governo de Nueva Vizcaya, uma Província
Interna do Oeste)
6. Intendência de San Luís Potosí (inclui os governos de Coahuila, Texas,
--------- Nuevo León e Nuevo Santander, as Províncias Internas do Leste)
''
.... � .... '\ 7. Intendência de Guadalajara
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' ', '
' 8. Intendência de Zacatecas
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9. Intendência de Santa Fe de Guanajuato

tf'•� 1O. Intendência do México
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3
• Santa Fe ' 11. Intendência de Veracruz
'' Albuquerque '
' \.-,----, .-..----- 12. Governo de Tlaxcala
San Diogo
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-- 13. Intendência de Valladolid de Michoacán
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r---- ·EI.. Paso _ .. ---: ' 14. Intendência de Puebla
' ' .. _.!
15. Intendência de Antequera de Oaxaca
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Hermosillo ,' 16. Intendência de Mérida de Yucatán
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5 '' colônia rumo à Península. O restante ficava na colônia para pagar a manu­
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�" '' tenção do regime vice-real e atender às subvenções (situados) anuais destina­
\?ura�go ,- .,
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'- .. ., das a manter o governo e a defesa das ilhas antilhanas, as Flóridas, a Luisiana
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e outros territórios. Além disso, a Espanha impunha ao comércio da Nova z"'
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Espanha uma série de restrições econômicas, entre as quais as mais impor­
GuanaJuatO • , .. - .. ,1
• "j:\ tantes eram a proibição de comerciar com portos estrangeiros, o monopólio "'
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Guadalajara ,: �
·v··,, d_:l_d.Mé�ico . ,:�: j real sobre o fumo, a pólvora, o mercúrio, o papel oficial e muitas outras mer­
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1 ,' • 15 , .. .. , ...... ....... .. cadorias vitais; não se pode esquecer o grande número de taxas pagas ou "'
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sobre a exportação de produtos mexicanos ou sobre a importação de merca­ ou
Acapulco
dorias espanholas ou não-espanholas que transitassem pela Espanha. Os "'X
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produtos coloniais exportados para os mercados estrangeiros pagavam na oo
Espanha uma tarifa de 15 a 17 por cento, enquanto as mercadorias estrangei­ <
uz
500km ras em trânsito para as colônias eram taxadas em 36,5 por cento. A Espanha "'o
reexportava pelo menos 90 por cento dos metais preciosos e produtos agrí­
colas que lhe chegavam da Nova Espanha. Estima-se que o grande número ez
O México às vésperas da independência. de impostos e de restrições comerciais tenha custado, anualmente, à Nova <
76
Espanha 17,3 milhões de pesos nos últimos vinte anos do regime colonial, ou
2,88 pesos por pessoa, ou ainda 7,2 por cento do total da renda da colônia.
Isso equivale a quase 35 vezes o ônus que, nos últimos anos antes da inde­
pendência dos Estados Unidos, os ingleses impuseram às treze colônias
norte-americanas 1•
Evidentemente, no final do período colonial, tudo isso, o produto de
recente pesquisa, era percebido pelos mexicanos apenas de modo bastante
vago. E se os monopólios e controles econômicos dos espanhóis eram a prin­
cipal fonte de queixas das colônias, não se pode esquecer as restrições admi­
nistrativas e sociais impostas pela metrópole. A posição social, legal e consue­
tudinária dos três principais grupos étnicos - brancos, mestizos e índios - era
diferente, tendo cada grupo um conjunto específico de obrigações fiscais, de
direitos civis e de prerrogativas sociais e econômicas. Os índios constituíam
60 por cento da população nacional; os castas, 22 por cento; e os brancos, 18
por cento. Estes, por sua vez, estavam divididos perigosamente entre os espa­
nhóis nascidos na América (criollos), que totalizavam 17,8 por cento da
população, e os nascidos na Europa (chamados no México gachupines), em
número de apenas 15 mil, ou dois por cento da população total do país. Esse
número diminuto de peninsulares (espanhóis nascidos na Península) consti­
tuía a elite administrativa da colônia, pois controlavam os mais altos postos
militares e administrativos. O contingente europeu era constituído por cerca
de 7 500 integrantes da força militar, por mais ou menos seis mil servidores
civis e comerciantes e por 1 500 religiosos. O número de mulheres européias
em toda a colônia era reduzido - apenas 217 em Cidade do México, segundo
o observador alemão Alexander von Humboldt -, pois os imigrantes euro­
peus tendiam a casar-se nas famílias criai/as ricas. Essa elite européia contro­
lava o governo, o exército, a Igreja e a maior parte do comércio exterior, bem
como a produção de vinho e as indústrias têxteis do país.
Vinham em seguida, na escala social, os donos de minas, os comerciantes
e os proprietários de terras e de outros bens. Sua maioria eram criollos e for­
mavam a "elite natural" da população mexicana. Alguns deles detinham títu­
< los de nobreza espanhóis. Mesmo assim, estavam excluídos da plena partici-
u <
..,z
..
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o
z
1. )0IIN H. C0ATSW0RTII, "Obstaclcs to Economic Growth in Ninetcenth-century Mcxico",
A111erica11 1/istorical Review, 83( 1 ): 80-100, 19 78; IDEM, Fro111 8nckward11ess to
< z
Umlerdevelop111e11t: The Mexiam Eco110111y, 1800-1910, cap. IV.
77
pação no poder político. Estavam expostos também à perda de suas próprias
fortunas por absorção mediante o casamento com imigrantes peninsulares,
por estagnação econômica ou por investimentos malsucedidos, ou mesmo
por alguma ordem real, como, por exemplo, o Decreto de Consolidação de
1804 que, até sua revogação em 1808, constituiu um perigo constante para
todos os proprietários, pois forçava-os a pagar suas enormes hipotecas devi­
das à Igreja, valores que deviam ser transferidos para a Espanha para paga­
mento das despesas de guerras na Europa. Embora tivesse sido extremamente
favorecida, a elite crio/la mexicana se inquietava com o futuro de seu país e
com a posição social que ela devia ocupar dentro dele.
Mais abaixo na escala social estavam os advogados e outros crio/los forma­
dos, que ocupavam a maioria dos cargos do escalão inferior no governo e na
Igreja. Na verdade, em 1811, os crio/los detinham a maioria (65 por cento)
dos cerca de 555 a 600 postos da burocracia vice-real de Cidade do México;
os 35 por cento restantes eram ocupados pelos europeus. Ainda assim, com
raras exceções, os peninsulares tinham as posições mais altas, enquanto os
mexicanos eram relegados a cargos de nível mais baixo 2 . Em 1808, a audien­
cia de Cidade do México era formada por doze europeus e cinco crio/los (ape­
nas três deles nascidos no local); a audie11cia da Guatemala por seis europeus
e um crioilo; e a audiencia de Guadalajara por quatro europeus e três crio/los.
Do mesmo modo, enquanto os crio/los predominavam nos capítulos das cate­
drais de todo o país, apenas um bispo na época da independência era crioilo.
Também os pequenos comerciantes, os hacendados de nível médio, os peque­ ...J
nos mineradores e - cada vez mais importantes depois de 1810 - os oficiais <
z"'
crio/los de patente mais baixa na milícia viram-se frustrados em seu desejo de u
mobilidade social. Todos se apressaram a tentar sua ascensão social na milí­ <
u
cia, uma força que na época estava em rápida expansão. Se os considerarmos ""
juntos, esses elementos formavam o que podemos chamar a burguesia. <
<
o
Mesmo que tivessem infinitos privilégios em comparação com a grande "'
maioria da população, ainda assim se sentiam discriminados com relação à ou
elite crio/la ou peninsular. Talvez a principal tensão política dos brancos ..,X
:::.
nessa sociedade estivesse na aspiração não-realizada de avanço econômico e oo
u
..,zo
2 LINDA ARNOLD, "Social, Economic and Political Status in the Mcxico City Central
Bureaucracy: 1808-1822'; texto apresentado na V Reunión de Historiadores Mexicanos y
..
z"'
"'o
Norteamcricanos, Pátzcuaro, 1977. <
 78
social no seio dessa burguesia que, com o crescimento econômico da Nova
Espanha no final do século XVIII, aumentava rapidamente de tamanho. Além
disso, não faltava a essa burguesia consciência política, sobretudo àqueles que
estavam familiarizados com o tipo de idéias defendido pelos filósofos da
Ilustração. Alguns estavam familiarizados até mesmo com a Historia antigua
de México, escrita pelo jesuíta exilado Francisco Clavijero, com as obras de
outros ideólogos da identidade crio/la, ou com a forma incipiente de mexica­
nismo. Durante a Guerra de Independência essas idéias seriam transformadas
por autores como Fray Servando Teresa de Mier e Carlos Maria Bustamante
num nacionalismo antiespanhol amadurecido.
Os castas e os índios, que juntos constituíam 82 por cento da população,
estavam segregados das classes privilegiadas ao mesmo tempo por uma legis­
lação formal e consuetudinária e por sua pobreza. Excluídos por lei dos cargos
públicos e eclesiásticos, proibidos teoricamente de viver lado a lado nas mes­
mas aldeias, limitados em sua mobilidade social por proibições de acesso às
profissões, eram os trabalhadores e provedores da sociedade, submetidos a
uma opressão que as leis paternalistas da coroa nada faziam para mitigar. Os
índios e os mestizos que viviam entre eles estavam sujeitos ao pagamento do
tributo e a códigos de lei especiais. Uma ou duas vezes em cada geração, as
epidemias matavam de dez a cinqüenta por cento da população urbana pobre
e um sem-número de habitantes pobres da região rural. Essas epidemias esti­
veram associadas muitas vezes a ciclos de desastres agrícolas, resultado de
espirais ascendentes dos preços dos produtos básicos, que provocavam o
desemprego em massa, a migração rural para as cidades e a explosão de agita­
ções sociais. As estatísticas relativas aos aumentos dos preços do milho nas
duas últimas décadas anteriores à independência indicam grave deterioração
das condições de vida dos pobres. Em 1790, o preço mínimo do milho chegou
a 16 reales por fanega e o máximo a 21 reales; em 1811, a fanega de milho era
vendida por 36 reales. (Afanega é o alqueire espanhol, usado nos tempos colo­
niais, correspondendo a cerca de 36 litros.] De 1808 a 1811, uma grande crise
agrícola assolou o México e serviu para acender o estopim da revolta em
< massa de 1810. A população pobre gastava somente na compra de milho cerca
u
z da metade da sua renda per capita. Os pobres viviam permanentemente no
..,
e,
z limiar da sobrevivência. A economia colonial, extrativa e mercantilista, basea­
"'
o.
"' da em normas neofeudais de controle da mão-de-obra, garantia a manuten­
e,
z ção da opressão das massas nas haciendas, nas minas ou nas oficinas (obrajes).
<
Além disso, as distinções étnicas da lei espanhola, que persistiriam mesmo
79
após a independência e em desafio à legislação amiúde contraditória, consti­
tuíam a principal causa não só da inquietação política das classes baixas da
Nova Espanha, mas também da ineficácia e subdesenvolvimento econômico
que deixavam para o México um legado de talentos humanos não-realizados.
Em algumas áreas de oferta reduzida de mão-de-obra, como os centros de
mineração ou os locais de criação de gado no Norte, as distinções étnicas
eram mais brandas, mas uma oferta excessiva de mão-de-obra mantinha ativa
a discriminação na maior parte da Nova Espanha. As rebeliões que se inicia­
ram em 1810 tentaram corrigir muitos desses abusos; foram no mínimo uma
espécie de reação dos índios e dos castas à opressão a que eram submetidos.
Embora as insurreições das classes baixas em 181 O e depois, sobretudo
sob o comando dos dois grandes heróis da independência, Miguel Hidalgo e
José María Morelos, tenham constituído uma característica da luta mexicana
pela independência, não foram as camadas mais baixas, no México ou em
qualquer outra parte da América espanhola, que determinaram os resultados
da independência ou a forma que os novos países viriam a assumir. Na verda­
de, os levantes das classes baixas serviram para retardar e mesmo obscurecer
a principal fonte de insatisfação dos mexicanos, ou seja, o criollismo, ou o
anseio dos crio/los brancos, da classe média e alta e das elites brancas associa­
das ao México por residência, posse de bens, ou parentesco, quando não por
nascimento, de obter o controle sobre a economia e o Estado. Conquanto
Hidalgo tenha proclamado a independência em nome de Fernando VII e
Morelos o tenha feito contra o monarca, a burguesia e a elite mexicanas ...<
tinham em mira, inicialmente, a autonomia no quadro do império. "'...
z
Aos poucos os criollos mais cultos tomaram consciência de sua própria "'
u
especificidade, quando tomaram conhecimento da grande história do <
u
México antes da conquista na interpretação orgulhosa de Clavijero: idealiza­ "'
:.<
ram-se como os verdadeiros herdeiros dos astecas ou dos primeiros conquis­ <
e,
tadores que julgavam ter sido desalojados pelos administradores do rei e
o
nutriram intensamente a idéia de que o aparecimento da Virgem de u
X
..,
Guadalupe no México representava uma marca do destino divino de todas as :.
coisas do México. Assim, os crio/los se identificavam como americanos, dis­ o
e,
tintos dos peninsulares e com objetivos políticos diferentes. Em suma, u
z
haviam se tornado conscientes do próprio papel de súditos coloniais. ..,
e,
z
Enquanto isso, os membros da elite do país, mesmo que não adotassem as "'
:;:;
idéias do neo-astecismo e do protomexicanismo, tinham sérias queixas con­ e,
z
tra o regime imperial, que culminaram com o Decreto de Consolidação de <
80
1804. Pela primeira vez desde as Novas Leis de 1542 a elite tomava consciên­
cia de que um ato arbitrário da metrópole poderia ameaçar a própria exis­
tência de seus membros. No entanto, até então, nem a elite nem a classe
média crio/la haviam demonstrado desejos de alcançar uma independência
total, pois temiam as massas e dependiam das tradições da Igreja e do Estado
para manter a ordem social. Desejavam na verdade a autonomia. Os sinais
desse desejo foram percebidos cla ra mente por dois notáveis observadores da
época, Manuel Abad y Queipo, bispo eleito de Michoacán, e Alexander von
Humboldt, embora ambos tenham tendido a enfatizar o conflito político
entre os crio/los e os peninsulares.
A aliança que se estava formando entre a burguesia criolla e a elite proprietária
rompeu-se logo em seguida à queda da Espanha, em 1808, diante do ataque
napoleônico. A deposição de Carlos IV e de seu primeiro-ministro Manuel
Godoy, a ascensão ao trono de Fernando Vil, seguida imediatamente da usur­
pação da coroa por José Bonaparte, irmão de Napoleão, e da prisão de
Fernando Vil na França, pusera m em dúvida os fundamentos da constituição
espanhola, o primado do soberano. Cidade do México recebeu a notícia da ele­
vação de Fernando Vil ao trono em 9 de junho de 1808; em 16 de julho, ficou
sabendo de sua deposição por Napoleão. Os dois meses seguintes fo ra m teste­
munhas de uma crise na colônia sem precedentes. Na Espanha foram forma­
das juntas provinciais de governo, que brigavam entre si para obter o reconhe­
cimento do México. Tanto a Junta de Oviedo, que havia recebido da Inglaterra
uma garantia inicial de ajuda na luta conjunta contra a F ra nça, quanto a Junta
de Sevilha enviaram seus representantes ao México. As autoridades da capital
mexicana não tiveram condições de decidir imediatamente qual das duas jun­
tas era a legítima. A a11die11cia e a minoria de peninsulares absolutistas da capi­
tal lutavam contra o reconhecimento de qualquer junta autoproclamada e
recomendavam com insistência que o México mantivesse no cargo os funcio­
nários reais até que surgisse na metrópole um governo legítimo. Sob o coman­
do de dois de seus membros, José Primo Verdad e Juan Francisco Azcárate, e
influenciado pelo pensador ra dical, o frade peruano Melchor de Talamantes, o
cabildo (conselho da cidade) de Cidade do México, cuja maioria era crio/ln,
adotou a resolução de 15 de julho, que exortava o vice-rei, José de lturrigaray, a
assumir o controle direto do governo em nome de Fernando VII e dos repre­
sentantes do povo. O argumento central do cabildo era que, na ausência ou
<
incapacidade do rei, "a sobe ra nia é representada por todo o reino e pelas elas-
81
ses que o formam; e, mais especificamente, pelos tribunais superiores que o
governam e ministram a justiça, e pelas corporações que representam o públi­
co"3. Assim, o conselho da cidade solicitava ao vice-rei que reconhecesse a
soberania da nação e convocasse num futuro próximo uma assembléia repre­
sentativa das cidades da Nova Espanha. Isso significava um pedido de governo
autônomo no contexto de uma história de três séculos de absolutismo. Esse
plano, além de ser defendido por Azcárate, Primo Yerdad e Talamantes, tinha o
apoio de crio/los proeminentes como o Marquês de Uluapa, o Marquês de
Rayas, o Conde de Medina, o Conde de Regia e Jacobo de Villaurrutia, um
membro da a11die11cia. Entre seus principais adversários estavam a maioria dos
membros da a11diencia e os hacendados, os comerciantes e os donos de minas
nascidos na Península. Ê possível que a proposta dos crio/los tivesse produzido
poucos efeitos se o vice-rei lturrigaray não tivesse dado clara indicação de
apoiar a idéia, ou pelo menos de não se opor a ela. Iturrigaray convocou os
representantes das principais corporações da capital para uma reunião, na
qual se deveria discutir o novo governo da Nova Espanha. O partido absolutis­
ta decidiu que o único meio de evitar o perigo de a Nova Espanha tomar o
caminho da revolução com a conivência vice-real era afastar o vice-rei.
Em termos legais, tendo em vista a ausência do monarca e a alegação de
várias juntas espanholas de possuírem a autoridade em nome do rei, a pro­
posta crio/la (mexicana) não constituía uma traição. Tratava-se de uma soli­
citação para que se devolvesse a autoridade aos cabildos, que, na concepção
dos crio/los, eram a sede original da autoridade no México após a conquista ..J
<
espanhola. Nem Azcárate nem Primo Yerdad, autores da proposta, questio­
navam a autoridade suprema do rei. Primo Yerdad argumentava que a "auto­ "'
u
ridade era dada por Deus ao rei, mas não diretamente, e sim por intermédio u<
do povo". Azcárate defendia a existência de um pacto entre a nação e o rei; na "'
..,
ausência deste, a nação assumia a soberania, mas, ao retorno do monarca,
o<
cessaria automaticamente o exercício direto da autoridade pelo povo 4 . No w
entanto, os absolutistas viam nisso tudo uma alta traição, pois representava uo
""X
um sério risco para o domínio espanhol. O ponto nevrálgico da questão era o ;;
o
o
ü
3. Rcprc,ent,,çao de Cid,,de do Mcxico ao vice-rei Iturrig,,ray, 19 de julho de 1808, Archivo "'z
o
z
dei Ex-A)•unt,1micnto, /\léxico, l li,tori,1, en gener,11, vol. 2 254, n. 34.
w
Ll I\ \1 111ORO, /:/ {'roce;" uleolágico ele /11 rcvo/11n,111 ti,· itulc(>e11dc1w11, l\kxico, 1976, pp. o
4. z
37-38.
82
reconhecimento ou não do México como colônia. Os autonomistas, que
rejeitavam a idéia de que seu país fosse colônia, afirmavam que o México
constituía um dos reinos formadores da monarquia espanhola. Do mesmo
modo que as províncias e reinos da Península, o México tinha direito de criar
uma junta provisória que governasse em nome do rei durante a crise. Os
absolutistas diziam que a Nova Espanha não era um reino igual aos da
Península e toda e qualquer proposta de autonomia regional era ilegal. No
seu entender, o México tinha de ser preservado como fornecedor de metais
preciosos para a metrópole que no momento estava a ponto de se extinguir
por conquista estrangeira. A nudiencia entendia que a proposta de convoca­
ção de uma assembléia das cidades assemelhava-se à reunião dos Estados
Gerais na França em 1789. Estava em ação um duplo padrão elaborado e os
mexicanos sabiam disso, pois as províncias da Espanha já estavam fazendo o
que o México se propunha fazer. O governo do tempo de guerra, que seria
criado em breve na Espanha, deveria proclamar que o México constituía uma
parte igual da monarquia (junto com os outros territórios de ultramar); no
entanto, a política espanhola exigia que não o fosse.
Por insistência de lturrigaray, foram realizadas, cm agosto e setembro de
1808, quatro reuniões entre as principais personagens da capital (ainda que a
assembléia das cidades jamais tenha sido convocada). A principal questão
debatida foi qual das duas principais juntas espanholas o México devia reco­
nhecer; no final, a falta de um consenso impediu o reconhecimento de uma
ou de outra. O principal resultado das reuniões foi ter convencido os penin­
sulares de que o vice-rei se comprometera irremediavelmente quando se dis­
pôs a ouvir os crio/los; e sob a liderança de Gabriel de Yermo, um l,acendado e
comerciante conservador nascido na Península, tramou-se a deposição do
vice-rei. Com o apoio da audie11cia e do arcebispo, Yermo e um grupo de
peninsulares do co11sulndo, cerca de trezentos ao todo, invadiram o palácio
vice-real na manhã de 16 de setembro de I 808 e aprisionaram o vice-rei. Nas
horas seguintes os conspiradores prenderam os adeptos mais proeminentes
da idéia de um governo provisório: Talamantes, Azcárate, Primo Verdad e
vários membros da elite crio/ln. Primo Verdad faleceu depois de alguns dias
na prisão e Talamantes morreu de febre amarela numa prisão de Veracruz em
1809, tornando-se os primeiros mártires do criollis1110. O vice-rei lturrigaray
foi afastado do posto pela n11die11cia e substituído por Pedro de Garibay, um
o
z octogenário marechal-de-campo reformado, que os peninsulares esperavam
<
manobrar qual uma marionete.
83
Tornava-se impossível agora para a Nova Espanha tomar a mesma estrada
rumo ao governo provisório crioilo e à independência que a maioria das
colônias sul-americanas continentais haviam percorrido de I 808 a I 8 I O. Os
autonomistas crio/los haviam sido esmagados por um único golpe certeiro,
desfechado por um punhado de conservadores poderosos. Nenhuma reforma
administrativa ou de qualquer outro tipo foi empreendida pelo novo vice-rei,
nem pelo seu sucessor, o arcebispo Francisco }avier Lizana y Beaumont, que
ocupou o cargo de julho de 1809 a maio de 1810, e tampouco pela audie11cin,
que por um curto período, de maio a setembro de 181 O, ocupou o lugar do
vice-rei. A criação de um governo unificado na Espanha, a Junta Central, que
proclamou a igualdade dos americanos e convocou um parlamento, as
Cortes, com a inclusão de deputados americanos, pouco fez que pudesse
satisfazer os mexicanos. Os governos que se instalaram em Cidade do México
de 1808 a 1810 foram totalmente ineptos e não enfrentaram o problema do
descontentamento dos crio/los e das classes baixas; concentraram-se, ao invés,
no perigo relativamente insignificante representado pelo envio de agentes
franceses à América. A própria deposição extraordinária e ilegal de um vice­
rei espanhol por absolutistas peninsulares muito contribuíra para o enfra­
quecimento da autoridade legítima da Espanha. Servando Teresa de Micr, em
seu livro Historia de la revolució11 de N11eva Espn,ia ( I 813), afirmava que a
deposição de lturrigaray justificava a independência americana, uma vez que
o golpe destruiu o pacto social que ligara o México aos reis da Espanha. Essa
questão poderia ser decidida no domínio da filosofia; para os oprimidos da ..J
<
Nova Espanha o golpe constituía apenas mais um exemplo do crescente des­ o:
,_z
potismo espanhol. Na verdade, a repressão do impulso autonomista, em ..J
u
1808, exacerbou as queixas mexicanas e resultou na insurreição de 181O. Em <
u
maio desse ano, o bispo Abad y Queipo de Michoacán advertia que era imi­
<
nente na Nova Espanha uma insurreição social em massa, e em setembro, <
o
dois dias depois que o novo vice-rei, Francisco }avier Venegas, chegou a "'
o
Cidade do México, teve início a revolução. u
X
..,
UJ
No rico centro agrícola de Querétaro, na intendência de Guanajuato, um o
o
<
grupo de crio/los abastados, entre eles Ignacio Allende, um oficial de cavalaria u
z
e filho de rico comerciante; Juan de Aldama, um oficial da milícia; Mariano UJ
o
z
Abasolo, outro oficial da milícia; e Miguel Domínguez, um corregidor crioilo
de Qucrétaro e o conspirador de posto mais alto na administração, tramaram o
z
uma conspiração revolucionária para derrubar os absolutistas espanhóis e sua
 84
audiencia. Allende e Abasolo haviam participado, anteriormente, na cidade de
Valladolid, de uma conspiração arquitetada por dois oficiais, José Mariano
Michelena e José María García Obeso, e reprimida na véspera do dia marcado
para seu levante, 21 de dezembro de 1809. No verão de 181O, os conspiradores
de Querétaro haviam conseguido o apoio de Miguel Hidalgo y Costilla, o
pároco não-conformista e glutão da pequena cidade de Dolores, que logo
assumiu a liderança da conspiração. Crioilo com brilhante desempenho acadê­
mico, Hidalgo dedicara suas energias ao estudo de textos da Ilustração e à
organização da comunidade com o objetivo de melhorar a vida dos índios e
mestizos de sua paróquia. Profundamente secular em seus interesses, havia se
envolvido durante muitos anos no debate e exame dos problemas sociais e
políticos e comandava um grande séquito de criollos e índios. Os conspirado­
res planejavam uma insurreição em massa apoiada nos índios que, segundo
acreditavam, se uniriam a eles no seqüestro das riquezas e propriedades dos
gachupines, mas respeitariam as riquezas e propriedades dos crio/los brancos.
Em virtude de sua constituição social bastante especial, a intendência de
Guanajuato, que abrangia a maior parte da região geográfica conhecida pelo
nome de Bajío, foi o cenário dessa atividade conspiratória. O Bajío era uma
região desenvolvida e rica e, por isso mesmo, um local de pressões sociais
agudas. Sua economia estava baseada essencialmente na mineração, que, para
atender às suas necessidades, estimulou o desenvolvimento da agricultura e
da manufatura. Mais da metade dos índios e castas da região viviam fora das
comunidades tradicionais e trabalhavam como mão-de-obra livre nas minas
e nas haciendas; tinham, portanto, maior mobilidade social e maiores expec­
tativas do que aqueles que viviam em regiões menos desenvolvidas. A riqueza
do Bajío tornou-o menos dependente de Cidade do México; portanto, seus
crio/los ricos sentiram com maior intensidade a discriminação política. O
desenvolvimento foi limitado por uma estrutura econômica corporativista
ultrapassada, provocando grande descontentamento entre os índios, os mes­
tizos e os crio/los. Assim, das várias regiões do México o Bajío foi a que mais
alimentou idéias de conspiração revolucionária. As secas de 1808/1809 e as
< conseqüentes fomes de 1810-1811 ocasionaram grande penúria entre os
u
z campesinos, o fechamento de algumas minas por incapacidade de alimentar
..,
o a capital do vice-reino, Cidade do México, onde esperavam com um rápido
z suas mulas, o desemprego dos trabalhadores mineiros e uma explosiva
UJ
a.
UJ inquietação social. A deposição de Iturrigaray e dois anos de um governo
o UJ
z espanhol inepto haviam barrado todas as possibilidades de uma mudança
<
moderada. Foi no Bajío que explodiu a raiva contida e a miséria persistente.
85
A revolta deveria começar no início de outubro, mas nas duas primeiras
semanas de setembro várias fontes denunciaram a insurreição às autorida­
des, provocando a prisão do corregidor Domínguez em Querétaro. Quando
Hidalgo soube, em sua casa em Dolores, da descoberta da conspiração, deci­
diu dar início à revolta imediatamente. Assim, na manhã de 16 de setembro
de 1810, HidaJgo proferiu seu Grito de Dolores, pelo qual convocava os índios
e os mestizos reunidos para a feira de domingo a se juntarem a ele num
levante cujos objetivos eram defender a religião, abolir o jugo do domínio
peninsular, representado sobretudo pelos homens responsáveis pela deposi­
ção de Iturrigaray, e acabar com o tributo e outras marcas degradantes de
subserviência. A revolução foi desencadeada em nome de Fernando VII, e a
Virgem de Guadalupe - símbolo supremo da fé mexicana - foi proclamada
sua guardiã e protetora. Posteriormente, Hidalgo acrescentaria outros ele­
mentos a esse vago programa. Exigiria a independência, a abolição da escra­
vidão e a devolução das terras às comunidades indígenas. Nesse meio tempo,
nunca proibiu seus seguidores de saquear; na verdade, encorajou-os a expro­
priar os espanhóis.
A revolta alastrou-se com uma fúria violenta por toda a intendência de
Guanajuato, à medida que a população pagadora de tributo se insurgia
espontaneamente no que logo se transformou em violenta guerra de retalia­
ção contra os brancos, fossem peninsulares ou crio/los, que os índios identifi­
cavam como seus opressores. No primeiro dia da revolta, os rebeldes toma­
ram a vila de San Miguel el Grande; dois dias mais tarde, entraram na rica ..J
<
vila de Celaya; e, em 23 de setembro, uma força de cerca de 25 mil rebeldes, "'
1--
z
desarmados mas entusiasmados, chegou à cidade de Guanajuato, capital da UJ
u
intendência. Em 28 de setembro, os insurretos atacaram o celeiro fortificado <
u
onde os europeus e os criollos se haviam refugiado, massacraram seus defen­
sores e submeteram a cidade a dois dias de saque. Daí em diante, a destruição <
<
o
de Guanajuato forneceu um símbolo de ferocidade rebelde que os realistas UJ
o
poderiam usar, convenientemente, em sua propaganda. No inicio de outubro, u
a horda rebelde chegou a reunir 60 mil homens e, em 17 de outubro, tomou a
cidade de Valladolid, o centro diocesano onde o próprio Hidalgo havia estu­ o
o
<
dado. Encorajados por seu rápido sucesso, os rebeldes planejaram seguir para
z
..,
..
o
z
golpe libertar a colônia. UJ
A revolta de Hidalgo, embora tenha anunciado que sua meta era a inde­ o
z
pendência, não se revelou muito clara em seus objetivos, pois carecia de um <
86
programa cuidadosamente planejado e de uma firme liderança. Hidalgo, ao
convocar os índios e os castas oprimidos para uma revolta violenta, libertara
forças que ele era incapaz de controlar e na verdade mal compreendia. Para a
população européia e crio/ln da Nova Espanha, a revolta era uma insurreição
indígena, um equivalente mexicano da rebelião de T úpac Amaru de 1780.
Após o massacre de Guanajuato, parecia evidente que não se tratava de uma
revolta contra a opressão política, mas de uma guerra racial dirigida contra
todos os brancos e donos de propriedades. Assim, ainda que os líderes
tenham sido crio/los, o levante de Hidalgo não recebeu apoio de outros inte­
grantes dessa classe. Até mesmo os sobreviventes do movimento autonomista
de 1808, como Juan Francisco Azcárate, condenaram publicamente a revolta.
O cabildo de Cidade do México, que fora anteriormente o centro das queixas
crio/las contra o monopólio europeu dos cargos e do comércio, ofereceu total
apoio ao governo vice-real. A Igreja respondeu com interditos, condenações
inquisitoriais e propaganda contra os rebeldes. O vice-rei Vcncgas respondeu
com proclamações públicas de advertências severas contra todos aqueles que
ajudassem os rebeldes, fazendo planos de reorganizar os 22 mil membros da
milícia local e os dez mil soldados veteranos. Nomeou o brigadeiro Félix
María Calleja, um peninsular, para comandar o recém-organizado exército
do centro, na esperança de tirar proveito dos vinte anos de experiência de
Calleja, de seu contato pessoal com o México e de suas habilidades ímpares
para aliciar o apoio crioilo. Com o objetivo de manter ou recuperar a lealdade
dos índios e dos 111estizos, decretou em 5 de outubro a abolição do tributo,
medida logo ratificada pelas Cortes espanholas. A campanha de propaganda
imperial foi intensa e convenceu amplamente até mesmo as classes baixas da
região central do país de que os rebeldes constituíam uma ameaça para todos
os elementos da população.
Em 28 de outubro de 181O, Hidalgo e seus seguidores, que agora totaliza­
vam oitenta mil, acamparam fora de Cidade do México. Em 30 de outubro, os
rebeldes foram atacados por uma pequena força realista num desfiladeiro
denominado Monte de las Cruces. Os rebeldes sem qualquer treinamento mili­
< tar enfrentaram, pela primeira vez, uma tropa de disciplinados soldados; por
.J causa de seu grande número, os rebeldes venceram e repeliram os realistas, mas
_.,z
o foi uma vitória de Pirro. Hidalgo perdeu dois mil homens na batalha; e, o que é
z
o.
..,o mais importante, perdeu cerca de quarenta mil homens, ou a metade de sua
,: força, por deserção. O sonho de uma vitória rápida se desvaneceu. O exército
de Hidalgo permaneceu acampado fora da cidade por três dias, enviando men-
87
sagcns em que exigiam a capitulação do vice-rei; no entanto, cm 2 de novem­
bro, os rebeldes, relutantes em arriscar uma derrota total, retiraram-se para
Querétaro, perdendo assim sua melhor chance de vitória. Em 7 de novembro,
as forças rebeldes se defrontaram, perto da aldeia de Aculco, com o exército de
Callcja e sofreram fragorosa derrota que significou, cm grande medida, o fim
de seu curto mas terrível levante. Em conseqüência, Hidalgo e Allendc dividi­
ram suas forças: Hidalgo seguiu para Valladolid e daí para Guadalajara, e
Allendc partiu para Guanajuato. Em Valladolid e em Guadalajara, Hidalgo
ordenou ou permitiu a execução sumária de mais de quatrocentos europeus,
revelando assim um espírito de vingança que não fora detectado anteriormen­
te cm sua liderança. Atribuíram-se essas atrocidades ao fato de Hidalgo ter per­
cebido que seu movimento se achava em rápida extinção. Quando Allendc foi
expulso de seu refúgio em Guanajuato, em 24 de novembro, a massa de rebel­
des massacrou 138 prisioneiros europeu . O general Calleja tomou a cidade e
adotou medidas de represália; o mesmo fez o comandante realista, José de la
Cruz, nas aldeias a leste de Querétaro. Calcula-se que na revolta de Hidalgo
foram mortos dois mil dos quinze mil peninsulares que viviam na Nova
Espanha. Morreram um número bem maior de crio/los, demonstrando que os
índios não estavam interessados em distinguir entre seus opressores brancos.
Hidalgo e seus comandantes passaram dezembro de 181 O e a primeira
metade de janeiro de 1811 cm Guadalajara, reorganizando suas forças devas­
tadas. Em meados de janeiro, voltaram a reunir um exército de oitenta mil
homens. Os camponeses, sem armas e sem treinamento, foram lançados, em ..J
<
17 de janeiro, contra o principal exército realista de Calleja na Ponte de o:
1-
z
Caldcrón, nas cercanias de Guadalajara. Os rebeldes foram esmagados cm "'
u
sua derrota mais séria e os chefes fugiram. Numa fuga desordenada para a <
u
relativa segurança do Norte, Hidalgo foi destituído de seu comando militar
por seus próprios lugar-tenentes. Em meados de março, o general Calleja
havia recuperado o controle do México central e ocidental. Fugindo mais
ainda para o norte, Hidalgo e seus principais oficiais foram capturados, no
final de março, em Coahuila. Transferidos para a cidade de Chihuahua,
foram julgados e executados. Hidalgo deu mostras de ter-se arrependido de
haver chefiado a revolta e diz-se que, antes de sua morte, assinou uma decla­
ração cm que abjurou a revolução. Foi fuzilado cm 30 de julho, e sua cabeça,
juntamente com as dos outros três chefes rebeldes, foi decepada e enviada
para Guanajuato, ficando exposta, nos dez anos seguintes, na esquina do
celeiro da cidade, palco do maior dos massacres rebeldes.
88
Hoje no México Hidalgo é festejado como "o pai da independência" e dei­
ficado como um dos maiores heróis nacionais do pais. A independência do
México é comemorada· em 16 de setembro, o dia do Grito de Dolores. No
entanto, a rebelião de Hidalgo durou apenas três meses e seu impacto sobre a
luta em favor da independência foi extremamente contraproducente. Subme­
teu o centro do pais à matança e à destruição; empurrou os criollos para o
campo realista, no afã de proteger suas vidas e propriedades; e afogou num
mar de sangue o projeto original de autonomia. Hidalgo perdeu o controle de
sua insurreição e permitiu ou ignorou brutais atrocidades. As maiores defi­
ciências da revolta estiveram na ausência de objetivos claros e no terror que
provocou entre os crio/los, os quais poderiam ter apoiado um movimento
menos destrutivo em favor da reforma política. O general Calleja reconheceu
isso quando escreveu em 1811: "Este vasto reino depende em demasia de uma
débil metrópole; seus nativos e mesmo os próprios europeus estão convenci­
dos das vantagens que proviriam de um governo independente; e se a absurda
insurreição de Hidalgo tivesse sido erigida sobre essa base, parece-me, ao exa­
miná-la agora, que teria encontrado pouquíssima oposição"5•
As lembranças da sangrenta revolta de Hidalgo impediram que muitos parti­
dários em potencial se aliassem aos rebeldes. No entanto, a revolta não foi
sufocada. O general Calleja escreveu ao vice-rei: "A insurreição está longe de
ter-se acalmado; ela volta como a hidra, em proporção ao número de vezes
que sua cabeça é cortada" 6. O padre José Maria Morelos e Ignacio López
Rayón, que continuaram a chefiar as forças rebeldes remanescentes no Bajío,
assumiram o comando do movimento total. Surgiram igualmente uma série
de outros chefes menores, alguns deles patriotas devotados, outros pouco
mais que chefes de bandoleiros. Morelos, um líder muito superior a Hidalgo
e um comandante muito mais habilidoso, foi por fim reconhecido como o
principal comandante da revolta depois que, em janeiro de 1812, Rayón teve
seu prestígio abalado na batalha de Zitácuaro. Filho de uma família pobre de
mestizos de Michoacán, Morelos trabalhara em sua juventude como condutor
< Cl
z
Cl
5. HUGH HAMILL, The Hidalgo Revolt: Prelude to Mexica11 Indepe111/e11ce, Gainesville (Florida),
UJ
UJ 1 966, p. 220.
Cl
6. FRANCISCO DE PAULA DE ARRANGOIZ v BERZÁBhL, Méjico desde 1808 hasta 1867, Madrid, 1871,
< tarefa do congresso foi constituir algum tipo de governo formal que pudesse
4 vols.; a citação aparece no vol. 1, p. 137.
89
de mulas. Melhorou sua cultura com estudos na universidade, foi ordenado
padre e nomeado para as paróquias indígenas pobres de Michoacán. Mais
ligado aos índios do que o próprio Hidalgo, Morelos juntou-se à rebelião em
suas primeiras semanas. Designado por Hidalgo para levar a revolta ao litoral
sul, criou um pequeno exército eficiente e obediente, que até 1815 constituiu
a principal ameaça ao poder espanhol. Morelos adotou também medidas
importantes, que tornaram mais claros os objetivos políticos e sociais da
revolta, os quais eram bastante vagos sob o comando de Hidalgo. Seu progra­
ma tinha em mira a independência (proclamada em 1813), uma forma con­
gressional de governo e reformas sociais - entre elas a abolição do tributo, da
escravidão, do sistema de castas e das barreiras legais ao avanço das classes
baixas, bem como a introdução de um imposto de renda. O mais nacionalista
dos chefes rebeldes, Morelos abandonou a presunção de lealdade à soberania
do rei e conferiu ao símbolo da Virgem de Guadalupe um conteúdo patrióti­
co muito mais profundo. Defendeu também a distribuição da terra aos que
nela trabalhavam e, num documento controverso, exigiu aparentemente o
confisco e a redistribuição de todas as propriedades pertencentes aos inimi­
gos, os ricos. Atenuou sua revolução social com declarações sobre o primado
absoluto da Igreja Católica e o direito ao dízimo, e proclamou seu respeito à
propriedade privada. Tentou atrair abertamente o apoio dos criollos com
declarações mais moderadas, mas, como Hidalgo, não conseguiu obtê-lo.
O general Calleja esteve muito perto, na primavera de 1812, de pôr fim à
rebelião de Morelos, quando sitiou as forças rebeldes por 72 dias na vila de _,
Cuautla Amilpas, onde o chefe rebelde se havia estabelecido para preparar <
"'
1--
z
um ataque a Cidade do México. Mas Morelos e seu exército evacuaram o UJ
u
local em 1 ° de maio e, apesar das grandes perdas, as forças rebeldes não <
u
foram esmagadas. Em novembro de 1812, Morelos voltou a agrupar-se e cap­ "'"
turou a importante cidade de Oaxaca, no sul, o que lhe deu o controle de <
<
o
grande parte do Sul, quando atingiu o ápice de seu poder. Dedicou então UJ
o
todo o verão de 1813 à tentativa de capturar Acapulco, o que conseguiu afinal u
mas sem grande utilidade. Com a captura da cidade no final do verão, os êxi­ "'
X
:;;
tos militares de Morelos começaram a declinar. Partiu de Acapulco para o
organizar o congresso rebelde que havia convocado para realizar-se em
Chilpancingo, uma decisão que lhe foi imposta por seus conselheiros políti­ "'z
Cl
z
cos civis. O Congresso de Chilpancingo abriu suas sessões em 14 de setembro UJ
o.
UJ
de 1813 e imediatamente conferiu a Morelos o poder executivo. A verdadeira Cl
z
<
90
solicitar às potências estrangeiras um possível reconhecimento. Os conselhei­
ros civis de Morelos persuadiram-no a aceitar essa decisão, a fim de abafar a
smpeita de que estivesse criando uma ditadura militar. Em 6 de novembro de
1813, o congresso proclamou a independência.
Após essa proclamação, o poder militar de Morclos declinou rapidamen­
te. Em dezembro de 1813, fracassou sua tentativa de tomar a cidade de
Valladolid, onde pretendia instalar a capital dos insurretos. Em 5 de janeiro
de 1814, seu exército, que estava em retirada, sofreu outra séria derrota em
Puruarán, onde um de seus principais comandantes, Mariano Matamoros,
foi capturado e executado. Ao mesmo tempo, o pequeno Congresso de
Chilpancingo era sacudido por disputas internas, quando Ignacio Rayón
contestou a autoridade suprema de Morclos. Em janeiro, o congresso foi for­
çado a fugir de Chilp,111cingo e, depois disso, permaneceu como órgão itine­
rante. Em 22 de janeiro, Morclos devolveu o poder executivo ao congresso e
perdeu efetivamente o comando militar. O congresso colocou a autoridade
militar nas mãos de lgnacio Rayón, José Maria Cos e Juan Ncpomuceno
Rosains. Nesse meio tempo, a cidade de Oaxaca retornou :,s mãos dos realis­
tas, numa batalha em que perdeu a vida outro tenente-comandante, Herme­
negildo Galeana. Finalmente, no verão de 1814, o congresso instalou-se na
vila de Apatzingán, e la, cm outubro, influenciado sobretudo por Carlos
Maria Bustamante, por Andrés Quintana Roo e por Ignacio Rayón, aprovou
uma constituição formal cuja intenção era atrair o apoio de elementos libe­
rais no México, na esteira da restauração absolutista na Espanha. A influência
de Morelos sobre a constituição foi quase nula, embora, como membro do
congresso na ocasião, tenha sido um dos seus signatários. Na verdade, a
Constituição de Apatzingán, ao criar um triunvirato executivo e proibir qual­
quer funcionário do governo de ocupar o comando militar, constituía uma
reação ao governo individual de Morelos. No entanto, ,1 constituição não
conseguiu obter o impacto propagandístico previsto, pois os rebeldes não
tiveram acesso a máquinas impressoras para que pudessem distribuí-la
amplamente. Na verdade, sua única distribuição foi feita por meio da propa­
ganda dos realistas que citava a constituição com a intenção de condená-la.
O congresso rebelde passou a maior parte de 1815 fugindo de um lug,1r
para outro a fim de escapar das forças realistas; sua segurança se tornava cada
vez mais incerta. Em setembro de 1815, decidiu transferir sua sede para a
costa leste, o que exigiu que todo o governo insurreto atravessasse o territó­
rio controlado pelos realistas. Morelos recebeu a tarefa de defendê-lo durante
91
seu deslocamento. Em 5 de novembro, um destacamento realista de seiscen­
tos homens alcançou os rebeldes. Morelos defendeu os delegados congressis­
tas na sua fuga em meio à confusão, mas ele próprio foi capturado. Transfe­
rido para Cidade do México, foi julgado e condenado. Por ser padre, foi tam­
bém julgado pela Inquisição e degradado formalmente por um tribunal
arquidiocesano. Em 22 de dezembro de 1815, foi levado para a vila de San
Cristóbal Ecatépec, ao norte de Cidade do México, e executado por um pelo­
tão de fuzilamento.
A revolta de Morelos, apoiada mais pelos mestizos do que pelos índios,
revelou maior habilidade militar, organização e propósito político do que o
desgovernado levante indígena de Hidalgo. Morelos obteve muitas vitórias
importantes, deixou mais claros os objetivos da revolução, patrocinou uma
declaração de independência, criou um congresso para regularizar seu gover­
no, conduziu a guerra com exércitos revolucionários bem organizados e trei­
nados e demonstrou excepcional talento e generoso devotamento à causa. No
entanto, tanto quanto Hidalgo, defendeu também reformas sociais demasia­
do radicais para um grande segmento da população politicamente ativa. E,
quando assumiu o comando ativo do movimento, teve de enfrentar a contes­
tação não só de outros chefes rebeldes ambiciosos que se opunham à sua
liderança - especialmente Rayón - mas também uma oposição realista reor­
ganizada e fortalecida. Depois de setembro de 181 O, os realistas já não
podiam ser apanhados de surpresa, como acontecera no caso de Hidalgo.
...,<
A liderança do vice-rei Venegas e de Callcja, seu general-comandante e sucessor,
z
foi talvez tão brilhante quanto qualquer outra que a Nova Espanha conhecera ..J
u
anteriormente, embora os dois homens tenham brigado asperamente durante o -<
u
período de governo de Venegas, sobretudo por causa do desejo de Calleja de erra­ w
✓-
dicar as revoltas rapidamente e por meio de medidas militares extremas. Venegas -<
<
o
estava ligado estreitamente à facção dos comerciantes peninsulares de Cidade do ,,
o
México, pois, antes de ser nomeado vice-rei, fora governador de Cádiz, o princi­ u
X
pal centro do comércio espanhol com a América. Os comerciantes de Cádiz w
✓-
dominavam o governo da Regência e as Cortes que se haviam instalado nessa o
o
cidade em 181 O. Havia, assim, boas razões para que os crio/los suspeitassem de <
u
z
Venegas, mas tanto sua folha de serviços como vitorioso comandante militar na w
o
z
guerra contra Napoleão na metrópole, sobretudo sua participação na grande ..,
vitória espanhola em Bailén, quanto sua conduta honesta e correta corno vice-rei o
z
após 181 O, granjearnm-lhe o apoio da assustada elite crio/ln. Conseguiu deter o
92
declínio de prestígio que o cargo de vice-rei sofrera de 1808 a 18 J O, no interregno
de dois anos e meio de Garibay e Lizana. Contudo, um erro do qual os crio/los
nunca o perdoaram - embora tenha agido por ordem do governo de Cádiz - foi
sua oferta, imediatamente após sua chegada a Cidade do México, de recompensas
e honrarias a Gabriel de Yermo e a outras figuras que haviam participado da
deposição do vice-rei Iturrigaray. Com esse ato, mostrou aquela insensibilidade
pelos sentimentos locais de que a Espanha era famosa. Depois disso e por muitos
anos, os deputados crio/los às Cortes espanholas atribuiriam o desejo de indepen­
dência dos mexicanos a essa oferta pouco política de recompensas aos inimigos
absolutistas de Iturrigaray. Muitos rebeldes saídos das fileiras das milícias regio­
nais adotariam a mesma atitude, devido a sua persistente lealdade a Iturrigaray,
que reorganizara as milícias e lhes concedera novos privilégios.
Foi o governo vice-real que combateu as revoltas na Nova Espanha.
Embora representasse a Espanha e fosse leal à mãe-pátria, o regime vice-real
formulou a maior parte da estratégia econômica, política e militar, pôs em
campo os exércitos, elevou as receitas tributárias, lançou campanhas de pro­
paganda, organizou as milícias, recrutou tropas e até mesmo ignorou ou evi­
tou ordens inadequadas ou inoportunas da coroa espanhola. Em momento
algum a Espanha em si participou efetivamente da luta; na maioria dos casos,
foram mexicanos que lutaram contra mexicanos. Os exércitos realistas que
enfrentaram Hidalgo eram formados por 95 por cento de mexicanos. Da
força militar total de 32 mil homens que vivia na Nova Espanha antes da
guerra, apenas I O 620 eram veteranos espanhóis. Outros 8 448 homens che­
garam à Nova Espanha em diversos contingentes expedicionários enviados
pela metrópole, entre 1812 e 1817, para se juntarem à força militar. Assim,
em 1820, contavam-se mais de 85 mil soldados. A espinha dorsal das forças
realistas continuou sendo os crio/los e os mestizos. A Guerra de Indepen­
dência não foi um conflito desequilibrado com um desfecho predetermina­
do; foi mais uma luta na qual a nação se viu dividida em suas lealdades e o
resultado final não era inevitável; foi uma guerra civil revolucionária.
O vice-rei Venegas reorganizou o regime vice-real em muitas frentes e deu­
< lhe condições de enfrentar a guerra. Não foi uma tarefa pequena para um regi­
u
z me que fora apanhado de surpresa pelo Grito de Dolores de Hidalgo. Não obs­
..,
o tante, ao cabo de três meses, as forças realistas haviam conseguido provar que
z
"'
...
"' as revoltas podiam ser detidas. Imediatamente após o Grito, Venegas dividiu as
o "'
z tinha competência para julgá-los por traição. Vcncgas acabou concordando
tropas veteranas entre doze comandos regionais - Cidade do México,
<
Guadalajara, Veracruz, Valladolid, Oaxaca, Zacatecas, San Luís Potosí, Puebla,
93
Guanajuato, Sonora, Durango e Mérida - e os exércitos do centro, como o de
Callcja, e designou para comandá-los espanhóis e crio/los experientes de alta
patente. Tomou medidas imediatas para criar novas unidades milicianas locais
e preencher as vagas nos regimentos das províncias e nas milícias municipais.
De fato, cm abril de 1811, foi feito um recrutamento para completar o efetivo
desses batalhões, resultando um impacto na perda de pessoal nas corporações
de ofício, nos colégios, nas repartições do governo e mesmo na universidade.
Os estudantes da Universidade Real e Pontifícia do México foram alistados nos
Batalhões Patrióticos, enquanto o edifício principal foi ocupado para abrigar
um dos regimentos, provocando uma efetiva dissolução da instituição de ensi­
no. Em agosto de 1811, as autoridades policiais organizaram listas de recrutas,
a começar pelos artesãos e pela classe baixa da população urbana. Ao que pare­
ce, foram convocados até mesmo os índios pagadores de tributo, até então
excluídos do serviço militar. O vice-rei sofria constantes pressões da parte do
general Callcja, que era apoiado não só pelos ultra-realistas e peninsulares, mas
também por muitos crio/los. Callcja insistia no recrutamento de todos os euro­
peus, plano rejeitado pelo vice-rei, e acusava os peninsulares que viviam no
México de se recusarem a lutar. Em maio de 1812, a rixa entre Vcncgas e Callcja
tornou-se pública. Após o dispendioso cerco de Morclos cm Cuautla Amilpas,
que resultou num reduzido sucesso, o vice-rei Vcncgas, considerando que a
oposição pública de Callcja constituía uma ameaça, desmobilizou o exército do
centro. O general Callcja, então, fixou sua residência cm Cidade do México,
onde vivia cercado tanto por ultra-realistas quanto por crio/los liberais, numa ...J
tentativa de conquistá-lo para suas hostes. Esse séquito dísparc acossou a "'...
<
%
Espanha com pedidos para que Vcncgas fosse substituído por Callcja. .,,,
u
Nesse cntrctcmpo, o vice-rei Vcncgas organizou técnicas contra-revolu­
cionárias eficientes para a vigilância e o controle da população civil. Duas
conspirações no início de 1811 induziram-no a criar uma espécie de admi­
nistração sob lei marcial na capital e nas principais cidades. Um movimento,
irrompido cm abril de 1811 e destinado a seqüestrar o vice-rei e forçá-lo a
libertar Hidalgo, que fora capturado em Coahuila, revelou a existência de um
grupo de indivíduos suspeitos entre os crio/los proeminentes da capital. Uma
<
segunda conjuração, descoberta cm agosto de 1811, resultou na prisão e exe­ u
%
"'
cução de diversos conjurados. Estavam envolvidos vários religiosos, o que e:
z
..,o..
provocou divergências entre o poder civil e o eclcsiást ico sobre que tribunal
e:
%
cm exilar os frades envolvidos. A suspeita do vice-rei contra o clero e a cum-
94
plicidade de uma série de religiosos do baixo clero na liderança da revolta
levaram-no a emitir, em 25 de junho de 1812, seu famoso decreto "sangue e
fogo", que revogou todas as imunidades especiais para os clérigos culpados de
traição. Autorizou os comandantes a serviço da coroa a julgar no campo de
guerra todos os religiosos rebeldes. Essa ordem, uma enorme afronta à tradi­
ção de imunidade dos religiosos, chocou tanto a Espanha quanto o México e
não foi implantada em Cidade do México nem em Guadalajara, mas foi apli­
cada em outras localidades. A conspiração de agosto de 1811 levou Venegas a
criar uma nova Junta de Polícia e Segurança Pública em Cidade do México,
substituindo e absorvendo um órgão já existente e de nome semelhante, cria­
do em 1809. Essa Junta de Segurança administrava um sistema de vistos de
saída e um esquema de policiamento interno que dava à nova força policial o
poder de julgar incidentes e impor penalidades em seus próprios tribunais
distritais. O sistema de polícia permaneceu em vigor até sua abolição pela
Espanha em 1813; o sistema de vistos de saída foi mantido durante toda a
Guerra da Independência.
Para custear a expansão da atividade militar, o governo vice-real recorreu
inicialmente a um pedido de doações e empréstimos voluntários. Até 1812, o
vice-rei conseguiu angariar enormes contribuições dos europeus e dos crio­
/los abastados. Em fevereiro de 1812, foi instituído o primeiro empréstimo
compulsório para atender às despesas de guerra. O vice-rei Venegas criou
impostos especiais sobre os alimentos e uma taxa de dez por cento sobre as
construções e residências particulares. O vice-rei Calleja criou outros. Um
deles, chamado "contribuição direta forçada", era um tipo de imposto de
renda aplicado numa base progressiva sobre os ganhos superiores a trezentos
pesos anuais. Entre outras tarifas impostas por Calleja estavam as taxas sobre
carruagens e cavalos, um aumento dos impostos sobre as vendas e novas
taxações do milho e de outros produtos básicos. Finalmente, em 1815, Calleja
projetou talvez o mais incomum de seus novos impostos - uma loteria com­
pulsória. No entanto, provavelmente o descontentamento popular fê-lo
recuar nos planos de aplicar essa loteria, que parece ter sido usada apenas
contra os funcionários públicos.
u <
z Esses novos impostos caminhavam de mãos dadas com o declínio genera­
"'
o lizado do abastecimento e da renda ocasionado pelas revoltas. Resultaram
z
"'
...
"' disso grandes aumentos no preço da alimentação e uma elevação da dívida
o UJ
z vice-real, que totalizou 49 milhões de pesos em 1813 e oitenta milhões em
<
1816. Embora tenham dado à coroa condições de postergar a bancarrota
95
financeira, os novos impostos também reduziram a produção, desestabiliza­
ram os empreendimentos privados, aumentaram os custos com a conseqüen­
te diminuição dos lucros das atividades produtivas e limitaram os fundos
privados para a recuperação de minas e fazendas. As Diputaciones Mineras
(seções regionais do Tribunal de Mineração) foram obrigadas a pagar as des­
pesas das tropas aquarteladas nos centros mineiros e tiveram de custear as
taxas de escolta para o envio da prata e do ouro em comboios protegidos. Os
donos de minas e os trabalhadores abandonaram os centros de mineração; o
capital fugiu da indústria; o crédito desapareceu e o suprimento de mercúrio
(necessário para a extração da prata) continuou limitado devido ao alto
preço. Em conseqüência, a cunhagem de ouro e de prata caiu de uma média
anual de 22,5 milhões de pesos, na década de 1800-1809, para 11,3 milhões,
na década seguinte, uma queda de quase cinqüenta por cento. As exportações
e as importações da colônia declinaram mais de um terço da primeira para a
segunda década do século. Segundo os contemporâneos, a produção agrícola
e a produção industrial interna também caíram acentuadamente. Tudo isso
foi conseqüência tanto das políticas tributárias do governo e das exações da
coroa quanto diretamente da própria guerra.
A Espanha também se manteve fiel ao exclusivismo comercial na América
espanhola, do que resultaram prejuízos políticos e econômicos. Os ingleses
estavam ansiosos para obter acesso legal ao mercado mexicano, mas foram
inúteis todas as tentativas de chegar a um acordo formal com a Espanha -
como, por exemplo, a oferta de mediação inglesa nas rebeliões em troca da ...<
autorização para comerciar. Quando simplesmente rejeitou a oferta inglesa de ...z"'
mediação no México, a Espanha alegou que a região não era controlada por UJ
u
nenhum governo rebelde, mas de 1811 a 1820 empenhou-se periodicamente <
u
;:
em negociações a fim de obter a mediação inglesa em Buenos Aires e em Nova
�
Granada. As negociações eram sempre rompidas por um lado ou pelo outro, <
<
o
enquanto a Espanha se aferrou a seu comércio monopolista até muito tempo UJ
o
depois que suas embarcações haviam praticamente desaparecido do Pacífico e u
X
"'
do Atlântico Sul. O comércio direto da Espanha com o México via Cuba conti­ �
nuou até o final, embora em nível reduzido. Ao contrário do Peru, o México o
o
nunca interrompeu totalmente os embarques espanhóis e, em conseqüência, o u
z
comércio com outros países foi feito às escondidas. "'
o
z
Na gestão de Calleja, nomeado vice-rei em 4 de março de 1813, os recru­ "­
UJ
tamentos e os impostos continuaram a aumentar até que, em meados de o
z
1813, a Nova Espanha passou a ser governada por um regime militar em <
 96
tudo, exceto no nome. Foi esse também um período de grande perigo para o
regime imperial, pois a revolta de Morelos tinha chegado a seu apogeu. Além
disso, várias epidemias devastaram Cidade do México, Puebla e Veracruz; a
epidemia de 1813 matou vinte mil pessoas, ou um oitavo da população,
somente em Cidade do México. E a confusão política resultante da implanta­
ção da Constituição Espanhola de 1812 dificultou imensamente o trabalho
de restauração da ordem e de reconquista do território.
O maior desafio que o governo vice-real de Nova Espanha enfrentou, além
das próprias rebeliões, foi talvez o programa de reforma liberal das Cortes
espanholas que governaram a Espanha e as fndias de setembro de 181 O até a
restauração de Fernando VII, em maio de 1814. As reformas das Cortes com­
preenderam abolição do tributo indígena e da Inquisição, igualdade para os
súditos de ultramar, eliminação das restrições aos poderes das ordens religio­
sas e à liberdade de imprensa. Em 1812, as Cortes coroaram o programa de
reformas com uma constituição escrita, a primeira da história da Espanha e
modelo básico não só das futuras constituições espanholas mas também da
primeira constituição da República do México em 1824. Por essa carta, pro­
mulgada em Cádiz em março de 1812 e implantada formalmente no México
em setembro, a Espanha tornou-se uma monarquia constitucional limitada,
sendo o rei reduzido à condição de chefe do executivo. As Cortes e o rei (ou,
durante seu cativeiro, a Regência que o representava) constituíam a esfera
legislativa e o setor executivo do governo; se o rei retornasse do cativeiro na
França, seria obrigado a aceitar a constituição antes de reassumir o trono. Os
vice-reis e governadores foram convertidos em "chefes políticos" de seus ter­
ritórios. Deviam ser eleitas Diputacio11es Provinciales (representações das
províncias) que partilhariam o poder com os chefes políticos, e os conselhos
de cidade hereditários seriam substituídos por conselhos eleitos. Tecnica­
mente, foi tirado do vice-rei da Nova Espanha a jurisdição sobre as partes do
vice-reino que já tivessem seus próprios capitães-generais - as Províncias
Internas do Leste e do Oeste, a Nova Galícia e o Yucatán. As audiencias fica­
< ram reduzidas à condição de tribunais de justiça.
u Os crio/los do México reagiram com entusiasmo à criação das Cortes e
z
""
o z
z enviaram a Cádiz vários representantes ilustres. Em 1811, os deputados
..J
mexicanos assumiram a chefia da representação americana nas Cortes.
e.
UJ
o
z Vários deles, dos quais os mais proeminentes foram Miguel Guridi y Alcocer
< z
(T laxcala), José Miguel Ramos Arizpe (Coahuila) e José Miguel Gordoa
97
(Zacatecas), tomaram parte ativa na defesa de cláusulas mais liberais na
constituição. Outros deputados mexicanos, porém, notadamente Antonio
Joaquín Pérez (Puebla) e José Cayetano de Foncerrada (Michoacán), figura­
ram entre os conservadores de maior destaque.
Treze dos deputados mexicanos assinaram uma representação, submetida
às Cortes, em 1° de agosto de 1811, por todas as delegações americanas, na qual
se fazia uma avaliação das causas das lutas de independência e se propunham
soluções. Com referência ao caso específico do México, os deputados sustenta­
vam que a causa da insurreição de Hidalgo fora a deposição de Iturrigaray por
uma facção de europeus, que o vice-rei Venegas acabara por recompensar.
Cada colônia de ultramar, declaravam, deveria ter um governo separado sob a
suserania do rei, uma espécie de comunidade de Estados autônomos. t claro
que essa proposta não foi aceita pelas Cortes, uma vez que estas, embora domi­
nadas pelos liberais, estavam localizadas na cidade de Cádiz e dependiam vir­
tualmente dos comerciantes monopolistas para obter as rendas necessárias à
sobrevivência nacional da Espanha. Apesar de seu liberalismo, as Cortes per­
maneceram européias em sua orientação e continuaram a ver nos territórios de
ultramar apenas fontes de renda. Os deputados mexicanos também subscreve­
ram uma representação às Cortes assinada por todos os membros da América e
da Ásia, em que eram feitas onze reivindicações básicas de reformas nos terri­
tórios coloniais. Entre essas reivindicações figuravam a representação propor­
cional nas Cortes; o livre comércio com outros países; a supressão de todos os
monopólios privados e estatais; a livre extração de mercúrio; direitos iguais dos
americanos aos cargos oficiais; a distribuição de metade dos cargos adminis­ ....
z
trativos em cada território aos nativos desse território; e a restauração da w
u
ordem dos jesuítas na América. Nenhuma delas foi atendida pelas Cortes. <
u
Os realistas absolutistas no México enxergavam nas Cortes uma nova gran­ �
:;:
de ameaça ao poder espanhol, porque incentivava o ressurgimento político dos <
<
o
criollos. Em conseqüência, o vice-rei Venegas adotou uma política de implanta­ "'
ção seletiva das reformas das Cortes e de obstrução de outras, política a que o o
u
X
vice-rei Calleja deu continuidade. O primeiro decreto das Cortes que provocou CJ
:;:
a irritação do vice-rei foi o estabelecimento da imprensa livre, aprovado pelas o
o
Cortes em novembro de 1810 e promulgado no México em janeiro de 1811. <
u
Declarava que, com exceção de publicações sobre questões religiosas, todas as "'
o
z
pessoas tinham liberdade de publicar suas idéias políticas sem a necessidade de UJ
prévia aprovação das autoridades do governo. Venegas, convencido de que, na o
situação em que o México se encontrava naquele momento, esse decreto esti- <
98
mularia a rebelião, simplesmente se recusou a aplica-lo. Persistiu nessa atitude
por dois anos, sem fazer qualquer declaração pública a respeito da lei, mas
simplesmente ignorando-a. Procurou aconselhar-se com a hierarquia eclesiás­
tica e com os líderes políticos; a maioria deles recomendou-lhe que não
implantasse a lei. Os crio/los fizeram protestos no México e na Espanha. Em
Cádiz, Ramos Arizpe, um deputado às Cortes, comandou a luta em favor da
implantação pelo vice-rei da lei de imprensa. O cabildo de Cidade do México
queixou-se da demora de Venegas, acusando-o de despotismo. Tudo isso em
vão: a liberdade de imprensa somente entrou em vigor no México com a pro­
mulgação da constituição, em setembro de 1812. Nenhuma autoridade, nem
mesmo as Cortes, tinha poder para forçar o vice-rei a aplicar a lei.
Com a promulgação da constituição liberal no México, os dissidentes
crio/los exultaram, acreditando que ela lhes garantia maior participação nas
decisões locais. Ninguém podia opor-se agora à liberdade de imprensa, uma
cláusula fundamental da constituição, e ela entrou automaticamente em
vigor. Alguns jornalistas fizeram pela imprensa grandes críticas ao sistema
espanhol, entre eles Carlos María Bustamante, editor do jornal E/ Juguetil/o, e
José Joaquín Fernández de Lizardi, do jornal E/ Pensador Mejicano. Mas,
embora seus comentários fossem extremamente críticos, nenhum deles já era
um rebelde declarado. Depois de três meses de imprensa livre, o vice-rei
Venegas decidiu que as coisas já haviam passado da conta. Em 5 de dezembro
de 1812, após consulta à audiencia, suspendeu o Artigo 371 da constituição,
aquele que promulgara a liberdade de imprensa. Quando Calleja foi nomea­
do vice-rei em 1813, a lei continuou suspensa, embora ele tivesse prometido,
em sua primeira declaração pública como vice-rei, aplicar a constituição ple­
namente. Somente em junho de 1814 publicou uma nota em que afirmava
sua intenção de manter suspensa a liberdade de imprensa a fim de impedir o
alastramento da insurreição. Mais uma vez os representantes às Cortes e os
cabildos exigiram a aplicação da lei, mas nada conseguiu demover o vice-rei.
Bustamante fugiu para um esconderijo, de onde anunciou abertamente seu
apoio aos rebeldes; Fernández de Lizardi foi preso.
No tocante às eleições estabelecidas na constituição, a política dos dois
< o
...
u vice-reis foi igualmente absolutista. Foi realizada a primeira votação paro­
L.
o
z quial, em 29 de novembro de 1812, em Cidade do México, com o propósito
..."'
"'
de escolher os eleitores que seriam responsáveis pela eleição do novo conse­
o
z lho da cidade. Todos os escolhidos eram crio/los e muitos deles apoiavam visi­
<
velmente os rebeldes. Um grupo de partidários secretos da independência,
99
Los Gulldlllupes, escreveram a Morelos, acusando essa eleição de destruir o
governo gachupín. Em 14 de dezembro, o vice-rei Venegas, pretextando várias
irregularidades, anulou a eleição e ordenou a permanência do cabildo heredi­
tário em Cidade do México. Foi um golpe do vice-rei, contra o qual os crio/los
não tinham nenhum recurso. Na verdade, as irregularidades tinham sido
mínimas; Venegas usara simplesmente um expediente político de opressão.
Como vice-rei, Calleja foi mais habilidoso; decidiu seguir uma política de
negligência deliberada dos órgãos constitucionais, mas sem provocar o des­
contentamento dos moderados com ações arbitrárias contra eles. Por conse­
guinte, ordenou que se completasse a eleição do conselho da cidade que fora
interrompida; em abril de 1813, os eleitores escolheram um novo cabildo,
constituído inteiramente de crio/los, três quartos dos quais, no dizer do vice­
rei, eram simpatizantes dos rebeldes. Seguiram-se as eleições para membros
da Deputação Provincial e das Cortes. No entanto, desde o momento em que
tomou posse até a revogação da constituição no ano seguinte, Calleja inter­
veio nas eleições locais, tentou influenciar seus resultados, ou, mais habilido­
samente, recusou-se a deixar-se dobrar pela orientação dos órgãos eleitos.
Embora já não ostentasse o título de vice-rei, agia simplesmente como se o
tivesse. Também não sofreu censura das Cortes, pois, na verdade, no final de
1813, uma comissão das Cortes recomendava a instalação no México de um
regime militar, a fim de fazer face à ameaça de Morelos. Calleja não solicitou
tal apoio, pois já agia como se estivesse à frente de uma ditadura militar. As
suspeitas de Calleja contra o cabildo constitucional de Cidade do México
foram confirmadas, quando documentos apreendidos dos rebeldes revelaram
as dimensões da cumplicidade de alguns dos membros do conselho no auxi­
lio a vários insurretos. A audiencia insistia em dizer que os funcionários elei­
tos eram todos defensores da independência. Uma queixa freqüente de
Calleja era que suas tentativas de levar a julgamento os suspeitos eram obs­
truídas pelos procedimentos estabelecidos na constituição. Somente com a
restauração do rei é que ele obteve condições de agir contra os constituciona­
listas crio/los liberais que ele suspeitava de traição. Durante o ano de 1815,
após a revogação da constituição, Calleja prendeu em Cidade do México o
diversos líderes crio/los, entre eles quatro ex-membros do cabildo e três
homens que, embora eleitos para as Cortes, haviam sido impedidos de ocu­ ...zo
par seus cargos. z
Em 1814, a insatisfação havia se generalizado. Os ultra-realistas continua­ o
z
vam a ver nas Cortes e na constituição de 1812 a única grande ameaça à <
 100
manutenção do poder real. Em carta ao governo espanhol, Calleja anunciou
que ele e a audiencia haviam concordado na sua permanência como vice-rei,
e não simplesmente como chefe político supremo: era o representante pes­
soal do monarca e agiria como tal. Enquanto isso, a maioria dos crio/los reco­
nhecia que as Cortes eram tão imperialistas quanto os governos anteriores e
sua condição não havia melhorado significativamente com a constituição.
Em março de 1814, após a queda do domínio francês na Espanha,
Fernando VII foi libertado por Napoleão de seu cativeiro de seis anos na
França e retornou à Espanha. Em 4 de maio, deu a público em Valência um
longo manifesto, pelo qual revogava a constituição de 1812 e todos os atos
das Cortes de Cádiz. Em agosto, o golpe real foi anunciado no México, onde
as autoridades reais saudaram com alegria a restauração do absolutismo. (Os
rebeldes chefiados por Morelos responderam com a promulgação de sua
Constituição de Apatzingán, que, segundo esperavam, devia obter o apoio
dos crio/los liberais.) No final de 1814, uma série de decretos restaurou o
governo às condições de 1808. Os órgãos eleitos foram abolidos; os conselhos
de cidade hereditários retornaram ao poder; a a11die1,cia, o vice-rei e os capi­
tães-generais tiveram restabelecida sua plena autoridade. Em 1815, até
mesmo a Inquisição e a ordem dos jesuítas foram restauradas.
Embora os precedentes estabelecidos entre 181 O e I 814 tenham sido de
extrema importãncia, o papel mais significativo das Cortes foi a instalação de
um fórum onde deviam ser expressas as queixas dos americanos contra o
a11cie11 régime. Poucos deputados mexicanos não seriam influenciados pelos
debates das Cortes e pelas manobras políticas na atmosfera intoxicante de uma
Espanha radical e livre. A maioria dos deputados mexicanos que serviram nas
Cortes de 1810 a 1814 retornaram em 1820, quando elas foram restabelecidas,
e muitos representantes do período posterior, 1820-1823, foram ministros ou
figuras importantes dos primeiros governos independentes do México.
A grande convulsão do império espanhol no período de 1808 a 1814 se refle­
tira também nos acontecimentos do reino da Guatemala (América Central).
< Governado a partir de Cidade da Guatemala por um capitão-general presi­
u dente e por uma audiencia, o reino da Guatemala incluía a Guatemala,
z
..,
o z
Chiapas (que com a independência se juntou ao México), EI Salvador,
"'...
z <.J
-'
o
Honduras, Nicarágua e Costa Rica. (O Panamá era a província situada no
z extremo norte do vice-reino de Nova Granada e, assim, no momento da
independência, ficou vinculada ao continente da América do Sul, tornando-
101
se parte da república de Gran Colombia.) Em 1786, haviam sido criadas
intendências em El Salvador, em Honduras, cm Nicarágua e em Chiapas; a
Costa Rica constituía uma parte separada da intendência da Nicarágua; a
Guatemala continuou fora do sistema de intendências, sob a administração
direta do capitão-general estabelecido na capital. A criação do sistema de
intendentes serviu para aumentar o senso de identidade individual dos mem­
bros constituintes do reino, sobretudo de EI Salvador e da Nicarágua. No iní­
cio do século XIX, a América Central contava uma população de cerca de
1 250 000 habitantes, mais da metade dos quais eram índios. A maioria dos
demais eram ladinos, isto é, 111estizos ou m11/attos de diversos graus de misci­
genação. Tal como na Nova Espanha, a administração e a economia eram
dominadas por um punhado de brancos, uma parcela dos quais, minúscula,
havia nascido na Europa. A Guatemala também tinha experimentado, no
final do século XVIII, a agitação das idéias da Ilustração, notadamente na
Universidade de San Carlos, onde se formara a maioria da liderança crio/la.
Em 1796, a Sociedad Económica de Amigos dei País, um centro do pensa­
mento reformista fundado pela elite criai/a, posto que reprimido de 1800 a
I 811, conseguiu difundir as novas idéias. Foram representantes desse grupo
reformista o advogado hondurenho José Cecilio dei Valle, o fazendeiro e
comerciante salvadorenho Juan Bautista lrisarri e os redatores da Gazeta de
G11ate111ala, Alejandro Ramírez e Simón Bergafio y V illegas, e seu editor,
Ignacio Beteta.
A independência política não fazia parte da discussão da elite da América
Central; o que ela ansiava antes de tudo era uma melhoria do comércio local,
da navegação e da agricultura. O levante de Hidalgo no México provocou
uma apreensão generalizada entre os membros dessa classe e entre os admi­
nistradores reais. Antonio González Mollinedo y Saravia, que foi o trigésimo
quarto presidente da audiencia da Guatemala de 180 l a 1811, foi enviado ao
México, em 1811, para ajudar na repressão da revolta e lá perdeu a vida quan­ ..,
do foi capturado pelos rebeldes. Sucedeu-lhe José de Bustamante y Guerra o
u
(1811-1818), cuja ação política foi muito semelhante à do vice-rei Calleja.
X
�
<.J
Bustamante viu-se também na peculiar situação de governar com a Consti­ o
o
tuição de 1812, embora fosse seu opositor pessoal. Assim como Venegas e <
Calleja, aplicou apenas a letra da constituição e não seu espírito. Obstruiu
o
z
também a implantação do artigo sobre a liberdade de imprensa, ao mesmo w
tempo em que interveio nas eleições e tentou sufocar a iniciativa política dos o
z
cabildos e dos representantes provinciais eleitos. Retardou a abertura das <
102
duas Diputacioncs Provinciales até o final de 1813. A constituição provocou
novas divergências entre liberais e conservadores e levou ao mesmo tipo de
fermento político existente no México. Deu um estímulo substancial ao
desenvolvimento de um espírito de federalismo na América Central.
Restaurou a Sociedad Económica que havia sido suprimida, criou duas
Diputaciones Provinciales em Cidade da Guatemala e em León, criou nas
maiores cidades os cabildos eleitos e fundou uma nova universidade em León.
Os deputados da América Central participavam ativamente dos debates das
Cortes, onde em geral eram considerados colegas dos representantes mexica­
nos. O deputado da América Central de maior destaque foi Antonio Larrazá­
bal, que em 1811, por instruções do cabi/do de Cidade da Guatemala, apre­
sentou uma lista de reivindicações liberais em que defendia o liberalismo
político, cargos eletivos e representativos, o relaxamento das restrições
comerciais, o incentivo a produção e às instituições educacionais, uma
imprensa livre e uma Junta Superior da América Central. Outros deputados
da América Central, como florencio Castillo (Costa Rica), José Ignacio Ávila
(San Salvador), Manuel de l\licheo e José Cleto Montiel (Guatemala) e
Mariano Roblcs e Fernando Antonio Davila (Chiapas), enfatizaram particu­
larmente os pedidos de suas províncias, que viviam há muito tempo negli­
genciadas, de melhorias nos portos, nos canais, nos sistemas hídricos e no
restante da infra-estrutura necessária para um futuro desenvolvimento inter­
no. olicitaram ainda a fundação de novas universidades e seminários. Os
desejos dos representantes crio/los contemplaram amplamente os interesses
da elite crio/la, mas, tal como os anseios da maioria dos outros deputados
americanos, eram expressos em termos liberais e altruístas. Nesse ínterim, o
governo de Bustamantc defendia as empresas mercantis favoráveis aos espa­
nhóis, os fabricantes de produtos têxteis e os pequenos proprietários contra
os interesses da elite crio/la. Assim, a era das Cortes provocou a primeira ten­
tativa na Guatemala de formação de partidos políticos, quando a elite crioilo
abastada viu seus interesses antagonizados pelo grupo pró-governo formado
por europeus e por crio/los de posição inferior. O monopólio espanhol nas
colônias constituiu o elemento mais importante do debate, quando Busta­
mante resistiu à entrada dos baratos produtos ingleses de algodão que
vinham da cabeça-de-ponte inglesa em Belize, na costa leste da Guatemala.
Os chefes do partido ari ·tocrático crioilo era a família Aycincna. Embora não
fossem partidários da independência, os Aycinena defendiam com entusias­
mo a constituição; e José de Aycincna, antigo intendente de San Salvador, foi
103
indicado cm 1812 membro do Conselho de Estado da Espanha, órgão criado
pela constituição. Foi o primeiro guatemalteco a atingir tão alta posição.
Mesmo que não tenha ocorrido na América Central nenhuma revolta em
massa, o fermento da era das Cortes ajudou a provocar quatro rebeliões ou
conspirações menores. Ocorreram insurreições cm San Salvador, cm novem­
bro de 1811, exigindo a criação de um bispado separado na região; em
Granada, em dezembro de 1811, devido a um ressentimento contra a domi­
nação política de León e o desgoverno do intendente; e novamente em San
Salvador, em janeiro de 1814, sob inspiração da revolta de Morelos. Manuel
José de Arce, que seria mais tarde o primeiro presidente da República federa­
tiva da América Central, foi a principal figura das duas insurreições de San
Salvador. A conspiração mais importante ocorreu em Cidade da Guatemala,
em dezembro de 1813, centrada na ordem religiosa dos belemitas; foi desco­
berta, porém, antes de produzir resultado. Todas essas insurreições foram
rapidamente reprimidas pelo governo de Bustamante.
Bustamantc recebeu a dissolução das Cortes e a revogação da constituição
com tanta satisfação quanto Calleja, talvez até mais, uma vez que, no início
de 1814, as Cortes haviam ordenado seu afastamento do cargo. Começou
imediatamente uma perseguição sistemática aos crio/los liberais da facção dos
Aycinena e do cabildo de Cidade da Guatemala - na verdade todos aqueles
que, em 181O, haviam endossado as instruções do cabildo a Larrazábal. Sob
sua recomendação, o rei concordou cm afastar do cargo todos os signatários.
Na Espanha, como parte da reação absolutista, Larrazábal foi feito prisionei­
ro. Até 1817 os Aycincnas e outros tiveram negado o pleno exercício da cida­ ,...
z
dania; foram afastados do cabildo, processados por atraso no pagamento de
impostos; e foi-lhes recusada a proteção do governo. Isso aumentou ainda
mais suas queixas contra o capitão-general e contra os comerciantes mono­
polistas, agora em ascensão. Até mesmo a Gazeta de G11ate111ala deixou de ser
publicada cm 1816. Aos poucos começou a formar-se uma aliança entre as
principais famílias crio/las e os letrados, ou profissionais, crio/los pobres, que,
devido à posição política ou ao local de nascimento, não podiam ser nomea­
dos para nenhum cargo. Essa aliança das "primeiras famílias" com os candi­ g
<
datos criai/os pobres a cargos oficiais levaria a Guatemala à independência, u
z
....
cm 1821. No entanto, enquanto Bustamantc se manteve no car�o, a Guate­
z
mala permaneceu sob rígido controle e sem vo7 política.
Em 1818, as incessantes queixas dos Aycincna, expressas frequentemente z
na correspondência com seus aliados, os comerciantes espanhóis aliados na
104
Península, e por José de Aycinena, que agora fazia parte do Conselho das
fndias, surtiram efeito: Bustamante foi substituído no posto de capitão-gene­
ral e presidente da audie11cia por Carlos Vrrutia y Montoya, um velho oficial
de maneiras afáveis. Mesmo antes de deixar seu antigo posto em Santo
Domingo, Vrrutia vivia cercado por membros da aristocracia crio/la, de
modo que, à sua chegada em Cidade da Guatemala, sofreu visivelmente sua
influência. No cargo, Vrrutia adotou uma política comercial que acreditava
poder impedir o contrabando, mas que na verdade favorecia o jogo da elite
crio/la, que defendia um comércio mais aberto. Em 1819, autorizou o comér­
cio com Belize, então sob o controle inglês. Relaxou a defesa da costa contra
os contrabandistas, estimulando assim não só um aumento do contrabando,
mas também as primeiras incursões, em águas da América Central, de piratas
sul-americanos representantes dos governos rebeldes de Buenos Aires e de
Nova Granada. Além disso, quando em 1820 foi novamente proclamada a
constituição, mostrou-se simpático a ela.
Ê digno de nota que tanto na Guatemala quanto no México as administra­
ções que assumiram o poder após a repressão das primeiras revoltas tenham
sido politicamente mais brandas; inadvertidamente, ajudaram a estimular
uma renovação da atividade política entre os crio/los dissidentes. Após a revo­
gação da constituição, o vice-rei Calleja havia jurado que acabaria com a
rebelião na Nova Espanha, mesmo que tivesse de marchar à frente do exérci­
to inteiro por todo o país, devastando-o a ferro e fogo. Em conseqüência,
passou grande parte do final de 1814 e do início de 1815 empenhado em
reprimir as revoltas. Alcançou tantas vitórias que, após a captura e execução
de Morelos, as revoltas cessaram gradativamente. Ficaram em campo apenas
alguns chefes, como Guadalupe Victoria e Vicente Guerrero, sem seguidores
ou então à frente de pequenos bandos que se dedicavam principalmente ao
saque e ao roubo de gado. Não representavam qualquer ameaça sistemática
ao regime. No entanto, os comandantes realistas temiam que as guerrilhas
tivessem apenas se escondido e, dada a rapidez da sublevação em 1820 e
1821, esse temor parece justificado. No entanto, quando Calleja passou o
comando a seu sucessor, em 16 de setembro de 1816, deixou atrás de si uma
revolução derrotada e desacreditada, um exército grande e bem treinado, um
tesouro organizado com novos impostos a aumentar a receita, um comércio
civil reorganizado sob a proteção de comboios e um sistema regular de cor­
reios. O historiador conservador Lucas Alamán concluiu que, "se a Espanha
105
não tivesse perdido seu domínio sobre esses países por causa de aconteci­
mentos posteriores, Calleja teria sido reconhecido como o reconquistador da
Nova Espanha e o segundo Hernán Cortés"7. Após 27 anos de residência e
serviços na Nova Espanha, Calleja deixou o México, aconselhando seu suces­
sor a prosseguir seus métodos de pacificação do país.
Na concepção do novo vice-rei, Juan Ruiz de Apodaca, a melhor política a
adotar no final de 1816 era a acomodação e o oferecimento de anistia, na
esperança de que fosse possível o retorno à normalidade das relações políticas
entre as classes e entre o México e a metrópole. A anistia oferecida por
Apodaca a antigos rebeldes foi aceita imediatamente por milhares deles. Até
1820 a única grande ameaça rebelde que Apodaca teve de enfrentar foi a tenta­
tiva fracassada, em 1817, comandada por }avier Mina, um liberal espanhol
descontente, de desembarcar uma expedição na costa para lutar pela indepen­
dência. Mina foi preso e executado. Outra preocupação da coroa foi a aparen­
te ameaça de guerra com os Estados Unidos devido à demora nas negociações,
entre 1817 e 1819, de um tratado de cessão das Flóridas. Como capitão-gene­
ral de Cuba em 1816, Apodaca recebera ordens de colocar a frota em estado de
guerra e, como vice-rei do México, estava ainda mais preocupado. A possibili­
dade de uma agressão norte-americana contra as Províncias Internas do Leste
ou Cuba era um perigo manifesto. Há muito tempo vinha sendo admitida a
ameaça de expansão anglo-americana no Texas e o general Calleja, antes de se
tornar vice-rei, havia proposto um plano de fixar homens da milícia mexicana
como fazendeiros no território em disputa. No Tratado da Flórida, concluído
em 1819, os Estados Unidos reconheceram uma fronteira definida, o que a
Espanha, revelando sua fraqueza, considerou uma grande concessão. Apesar
dessas dificuldades internacionais, porém, a situação no México se estabilizara
rapidamente. Apodaca podia olhar com orgulho a gradativa normalização do
comércio, a abertura de rotas postais que há muito não eram usadas, o movi­
mento regular dos comboios de prata através de antigos territórios rebeldes e
o
mesmo a reabertura de minas de prata abandonadas. u
Ê possível que a Espanha tivesse restabelecido seu domínio na Nova
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Espanha, mas não recuperara a total extensão ou prestígio de sua antiga
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7. LUCAS ALAMA:s, Historia de Méjico desde los prrmeros 111ovi1111e11tos que prepararo11 511 111de­ :J
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pe11de11cia e11 el 111io de 1808 hasta la época presente, !\léxico, 1942, 5 vols.; pode-se ver a o
z
citação no vol. IV, p. 308.
106
autoridade. De fato, o prestígio da coroa fora ferido de morte pela longa era
do favorito Godoy, pela deposição de Carlos IV em favor do filho Fernando,
pela usurpação napoleônica, pelas Cortes e pelo 1bsolutismo intransigente
do próprio Fernando Vil após a restauração. No �ntanto, a idéia monárquica
continuava suficientemente atraente para co· Jtituir as bases do compromis­
so que levou à independência de todo o México, do Yucatán e da América
Central. O modelo da república francesa e da norte· " ...ericana, ambas agres­
soras efetivas ou potenciais dos interesses vit ••� dos espanhóis e dos hispano­
americanos, foi suficiente para afugentar a maioria dos moderados políticos
das aspirações ao republicanismo. E a elir das colônias, diante das outras
alternativas que até então lhe haviam sido apresentadas, continuou a reco­
nhecer uma unidade essencial de interesses com o sistema monárquico. O
que se precisava então era de uma propos• 1 que eliminasse a dependência da
colônia com ;elação à Espanha e garantisse também não só alguma estabili­
dade social e proteção da propriedade, mHs também um avanço dos aspiran­
tes a cargos públicos. Precisava se de uma proposta com concessões modera­
das para a independência, diferente do que Hidalgo, Morelos, ou outros
rebeldes anteriores haviam proposto. Precisava-se também de algum tipo de
catalisador que impelisse a elite e a burguesia a uma posição na qual pudes­
sem agir em conjunto.
Esse catalisador foi oferecido pela revolução, de janeiro a março de 1820,
na Espanha, quando uma grande força expedicionária (de aproximadamente
14 mil homens), reunida em Cádiz sob o comando do antigo vice-rei Calleja
(agora capitão-general de Andaluzia), à espera de uma ordem para empreen­
der a reconquista de Río de la Plata, revoltou-se contra o regime absoluto de
Fernando VII. Outras unidades do exército por toda a Espanha aderiram à
rebelião. Embora motivada por antigas insatisfações dos militares contra a
política de desmobilização das forças armadas após 1814, a revolução de
1820 obteve rapidamente o apoio dos grupos liberais cm expansão na
Península. Receberam apoio de elementos tão heterogêneos quanto as lojas
maçônicas secretas, os chamados doceanistas ou liberais da experiência de
1812 em Cádiz, os exaltados ou radicais extremistas, os afrancesados exilados
ou antigos colaboradores do regime francês de 1808-1814 e outros setores
hostis ao absolutismo despótico de Fernando e favoráveis a uma renovação.
Como não tinha quase nenhum ponto de concordância, o movimento de
oposição aglutinou-se em torno da restauração da Constituição de 1812, seu
mais importante objetivo político. O rei, atemorizado, sem apoio militar, não
107
teve outra alternativa senão aceitar, submetendo-se ao controle de um
Parlamento liberal nos três anos seguintes.
A Revolução de 1820 e a impossibilidade de a força expedicionária deixar
a Espanha garantiram virtualmente a independência de Río de la Plata e do
Chile, ao mesmo tempo em que o vice-rei do Peru, depois de ver negados
reforços da coroa, previa a queda da colônia mais leal à Espanha. A revolução
espanhola também deu nova vida aos dissidentes adversários do decrépito
absolutismo em outras partes da Europa, e logo foram erigidos, cm meio à
revolução e à guerra civil, sistemas constitucionalistas moldados no espanhol
em Portugal e em Nápoles, os dois reinos mais estreitamente ligados à
Espanha por relações dinásticas. Assim, os efeitos da revolução espanhola
difundiram-se pela Europa e pela América.
Na própria Espanha a restauração da constituição em nome do rei e com
sua aprovação, embora forçada, significava que, ao contrário de 1812, ela
estava em pleno vigor. Pela primeira vez, como exigia a constituição, o rei
presidia o poder executivo. Nos três anos seguintes, a Espanha sofreu fre­
qüentes crises parlamentares, pois Fernando, exercendo plenamente seus
direitos constitucionais, começou a nomear ministros e capitães-generais
em desafio direto aos liberais moderados ou radicais. Vários governos subi­
ram ao poder e caíram durante o chamado triênio, enquanto o império, ou
o que restou dele, foi paralisado pela instabilidade política. Finalmente, no
início de 1823, um exército francês, enviado pelo rei Bourbon Luís XVIII
para libertar Fernando, invadiu o território espanhol e acabou com o siste­
ma liberal. O ministério fugiu para Sevilha, levando consigo Fernando VII ::;
;::
%
como virtual prisioneiro. Em muitas regiões, os realistas espanhóis sauda­ ..J
u
ram como libertadoras as forças francesas dos cem mil "filhos de São Luís".
Em junho de 1823, os liberais retiraram-se de Sevilha para Cádiz, mais uma
vez levando o rei consigo; alguns chegaram a pensar num regicídio. Sitiados
durante dois meses no porto de Cádiz, o tradicional bastião do liberalismo
o
espanhol, os constitucionalistas acabaram por desistir e Fernando mais uma u
X
vez retornou ao pleno exercício de seus poderes. Os últimos anos de seu rei­ ,w
:;;:
nado, I 823-1833, são chamados de "década fatídica", pois o rei impôs um o
o
terror branco à Península, executando e aprisionando líderes liberais, numa
repetição mais acerba da reação de I 814.
A revolução espanhola de 1820 teve conseqüências políticas importantes
tanto no México quanto no resto do império espanhol. Em junho de 1820, foi
restabelecida a constituição de 1812 e na metade de agosto foram eleitos os <
 108
conselhos de cidade, as Diputaciones Provinciales e os deputados às Cortes.
Foram eleitos para cargos públicos representantes tanto da elite crio/la quan­
to da burguesia, todos eles favoráveis à autonomia. O vice-rei Apodaca, ao
contrário do que haviam feito seus predecessores, não colocou obstáculos às
eleições locais e colaborou bastante no cumprimento da constituição. Numa
proclamação publicada no México, em julho, o rei desculpou-se publicamen­
te por ter revogado a constituição em 1814, admitiu seu engano e pediu aos
súditos que não o confrontassem com seu erro de julgamento. Esse tipo de
proclamação só podia destruir qualquer fé que porventura os americanos
ainda tivessem no trono.
A restauração da constituição forneceu ao México (e à América Central)
uma prova final da irrelevância do rei e da metrópole e deu origem, assim,
aos atos finais da independência. Esses atos não foram resultado de um con­
servadorismo contra-revolucionário entre a elite, como afirmaram alguns
historiadores, pois os mexicanos em geral apoiaram o restabelecimento da
constituição, tal como haviam feito em 1812. Ao contrário, foi a instabilidade
política, a prova da duplicidade espanhola, a permanente tensão entre o
velho regime e o novo sistema liberal que mostraram aos mexicanos que o
domínio imperial espanhol era agora irrelevante para eles e para seus interes­
ses. Continuaram a defender a constituição; na verdade, muitos deles toma­
ram o caminho da independência apenas porque lhes pareceu a única estrada
segura para garantir os privilégios concedidos pela constituição e protegê-la
do despotismo vice-real que reduzia suas prerrogativas. Quando escolheram
a independência, o México, a América Central e o Yucatán o fizeram porque a
Constituição de Cádiz era uma promessa do programa de independência. Os
membros da sociedade mexicana que defendiam uma reforma moderada e
uma monarquia constitucional tinham vencido. Essas metas eram conserva­
doras, quando comparadas aos objetivos radicais das revoluções de Hidalgo e
de Morelos, mas não eram necessariamente reacionárias. O México já havia
rejeitado o radicalismo da revolução indígena ou mestiza. A elite e a burgue­
sia reconheceram que as Cortes, agora restauradas, embora adotassem um
< programa de mudanças radicais na estrutura econômica e política da
ü Península, ainda não tomavam medidas que respondessem aos principais
z
..,
o protestos dos americanos. As Cortes ainda não reconheciam as insistentes
z
w dos vínculos de propriedade. O primeiro governo independente foi além das
a.
w reivindicações dos americanos de autonomia e livre comércio. Também não
o Cortes e propôs reformas como a abolição das distinções raciais no exercício
z permitiam uma representação igualitária para a América, pois o povo de
<
ascendência africana não era reconhecido para fins eleitorais. Dessa forma, os
109
mexicanos apoiavam muito mais a constituição do que as Cortes; o governo
das Cortes continuava sendo imperialista.
A insatisfação com as ações das Cortes aumentou quando foram introdu­
zidas reformas básicas que afetaram a posição do clero e dos militares,
mesmo que não tenham sido implantadas imediatamente no México. Em
setembro de 1820, as Cortes decretaram a supressão das ordens monásticas e
impuseram limites ao crescimento das ordens mendicantes. Aprovaram a eli­
minação dos jesuítas; a proibição de qualquer vinculação de propriedade e da
aquisição de novos bens imóveis por instituições civis e eclesiásticas; a aboli­
ção do fuero eclesiástico, ou imunidade contra processos civis; e a abolição do
fuero militar para os milicianos que serviam na América. Tratava-se, na ver­
dade, de reformas importantes, às quais o clero e os oficiais da milícia se opu­
seram radicalmente. A milícia, por exemplo, havia atingido tal dimensão - 22
mil homens na milícia provinciana e 44 mil na milícia urbana - que seu
poder se estendeu a todo o país e seus oficiais chegaram a exercer controle
político em nível local e regional. Além disso, as Cortes tinham decretado a
subordinação da milícia aos cabildos e às juntas civis locais, cargos preenchi­
dos por eleição; haviam estabelecido também que o comandante das tropas
fosse distinto do chefe político local, a menos que lhe fosse outorgado o
poder de capitão-general. Essa oposição estimulou o apoio à independência
entre os mesmos grupos que anteriormente haviam sido a principal defesa do
regime imperial.
Dessa forma, a insatisfação com o regime colonial espanhol no México se
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generalizara. Sua manifestação aberta só foi possível porque Apodaca havia "'<
f-
implantado as garantias constitucionais de liberdade de imprensa. No entan­ z
w
u
to, o movimento em favor da independência não constituiu uma contra­ <
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revolução destinada a impedir a implantação das reformas das Cortes. Na
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verdade, muitas das reformas decretadas pelas Cortes no final de 1820, mas <
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que não foram implantadas plenamente no México por causa da nova revol­ w
ta, foram postas em vigor após a independência. Entre elas estavam a dissolu­ o
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ção da Inquisição, das ordens dos jesuítas e dos hospitalares; o confisco das
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propriedades dessas ordens, das missões filipinas, dos Cruzados de Jerusalém o
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e das fundações pias que pagavam dividendos aos exilados; e ainda a abolição ü
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da cidadania, o acesso de todos os cidadãos aos cargos públicos e a abolição o
z
da escravidão. Após a independência, alguns oficiais chegaram a propor <
 1 JO
voluntariamente a sua renúncia ao fuero militar. A maior prova de que as for­
ças mexicanas em favor da independência não se opuseram à constituição é o
fato de o Plano de Iguala, o programa que fundamentou a independência, ter
endossado a constituição e ter continuado em vigor até dezembro de 1822.
Após a independência, o México decretou que estavam em vigor todas as leis
espanholas promulgadas entre a restauração das Cortes e a proclamação do
Plano de Iguala (que incluiria as leis de setembro de 1820 contra o fuero, as
ordens religiosas e a vinculação de propriedades).
A independência ocorreu, portanto, porque a restauração do regime cons­
titucional mostrou que o espírito imperial espanhol do altar e da coroa estava
morto, e o objetivo do liberalismo constitucional espanhol era manter os ter­
ritórios americanos em dependência colonial. Isso estimulou a reafirmação de
todas as velhas queixas contra o domínio espanhol e, se já haviam sido válidas
sob o absolutismo, agora, sob o regime liberal, elas se faziam sentir de modo
ainda mais intenso. Além disso, a turbulência política na Península entre
moderados e radicais, liberais e conservadores, era um lembrete ao México de
que a constituição podia estar correndo perigo na própria Espanha e de que
era necessária uma ação drástica para preservá-la no México. Dado o clima da
opinião pública, os mexicanos precisavam apenas de um programa político
atraente para serem conquistados para a causa da independência.
O plano político que, pela primeira vez, tornou a independência uma
alternativa viável foi idealizado por Agustín de Itúrbide e expresso no Plano
de Iguala, que publicou em conjunto com o chefe rebelde Vicente Guerrero e
foi proclamado em 24 de fevereiro de 1821. Itúrbide desencadeou uma nova
rebelião contra a Espanha num ato de calculada violação de seu juramento de
lealdade. Oficial de longa data da coroa, comandante em importantes comba­
tes contra os primeiros rebeldes mexicanos, Itúrbide participara na repressão
das insurreições de Hidalgo e Morelos. Afastado do comando, em 1816, sob
acusação de abuso do poder e de conduta imprópria, teve seu prestigio resta­
belecido pelo vice-rei Apodaca que, em 1820, o nomeou comandante do
exército do sul, com a incumbência de derrotar Guerrero, que ainda atuava
< no local. Em dezembro de 1820, converteu-se à causa da independência, apa­
"'zo rentemente por motivos pessoais: a mesma irritação pela falta de reconheci­
z"' mento dos serviços passados que instigou outros oficiais crio/los que haviam
"'... tomado parte na repressão a Hidalgo e Morelos e incitou muitos soldados na
zo
<
própria metrópole. Fernando Vil havia recusado qualquer recompensa ou
nomeação especiais para soldados peninsulares ou para as tropas na América
111
e pagou o preço dessa -usa, na forma de revoltas militares na Península e na
colônia em 1820/1821.
Pelo Plano de Iguala, a Nova Espanha se tornaria uma monarquia católica
separada, governada nos termos da constituição de Cádiz, até que se pudesse
escrever uma nova constituição mexicana. Fernando VII seria convidado a
assumir o trono como imperador e, se se recusasse, o convite seria dirigido a
seus dois irmãos, um após o outro. Seriam convocac!,is as Cortes mexicanas e,
nesse meio tempo, seria formada uma Junta Soberana provisória, à qual se
seguiria uma Regência. O novo governo garantia a permanência da Igreja
católica, o estabelecimento da independência e a união de espanhóis e ameri­
canos. Essas três garantias estavam expressas na fórmula "Religião, Indepen­
dência, União". Seriam protegidas pelo Exército das Três G::rantias (Ejército
Trigarante), formado por rebeldes e por quaisquer membros do exército
imperial que estivessem dispostos a jurar lealdade ao plano. Todas as pessoas e
propriedades seriam respeitadas e protegidas; os privilégios do clero, preser­
vados; e todo o pessoal do governo, os militares e os clérigos teriam suas posi­
ções asseguradas se aceitassem o Plano. Como um gesto final para os que não
se comprometessem, o Plano de Iguala chegou a aclamar a Espanha como
pátria-mãe heróica e magnânima. A Junta Soberana, como estava anunciado
no Plano de Iguala, seria composta de realistas e rebeldes, sob a presidência do
vice-rei (ele não aceitou). Seria constituída por prelados, nobres, oficiais do
exército, membros do cabildo, professores e juizes da audiencia.
No Plano de Iguala, Itúrbide propôs um acordo político que tornava pos­ ...J
sível a independência. Num único golpe, ao garantir estabilidade econômica, "'<
uma monarquia constitucional e a preservação de privilégios da elite, ao z"'
1-
u
mesmo tempo em que prometia independência e igualdade, eliminava as <u
objeções de antigos rebeldes e de membros da elite que apoiavam o regime "'"'
::;
real. A cada um deles o Plano oferecia algo. A elite logo percebeu que Iguala <
o<
lhe trazia vantagens e correspondia às aspirações de 1808. O clero e os milita­ ..,
res se entusiasmaram, pois o Plano assegurava a preservação de sua posição e ou
oferecia uma esperança de rápida ascensão. Por outro lado, os rebeldes mais "'X
:lo
devotados podiam encontrar agora uma causa comum com seus antigos oo
adversários, porque reconheciam que a independência era possível e o novo
z
"'
Estado, mesmo que não fosse a república que alguns deles desejavam, ainda o
assim seria reformista. O Plano forjava uma nova aliança, ainda que tempo­
rária, das forças políticas à qual o sistema imperial espanhol não podia resis­ zo
tir. Após onze anos de lutas e confusão, o México tinha agora um consenso. A <
112
América Central e o Yucatán, por sua vez, reagiriam ao Plano de Iguala de
modo semelhante.
Apenas sete meses após a publicação do Plano de Iguala o regime vice-real
desmoronou. A nova revolta pegou de surpresa os realistas peninsulares, mas
de qualquer forma pouca coisa podiam fazer para opor-lhe resistência. Em
poucos dias, informara Itúrbide ao vice-rei Apodaca, o Plano de Iguala arre­
bataria a nação, e foi o que aconteceu. Rebeldes anistiados se alinharam a
Itúrbide, soldados da coroa desertaram para juntar-se a ele, crio/los responde­
ram com entusiasmo a seu chamado, guarnição após guarnição capitulou sem
disparar um tiro. Em junho, suas forças tomavam da coroa a rica região do
Bajío, o coração da revolta de Hidalgo. Em Cidade do México, o Plano de
Iguala espalhou-se e os soldados foram passando para seu lado em números
consideráveis. O vice-rei Apodaca, instigado por seus oficiais, suspendeu
diversas garantias constitucionais, a fim de resistir aos rebeldes. Com isso,
provocou mais descontentamento entre os crio/los, pois reconheciam que,
enquanto ltúrbide garantia a Constituição de Cádiz, o vice-rei a ameaçava.
Com base nisso, o cabildo de Cidade do México, por exemplo, anunciou publi­
camente a retirada de seu apoio ao regime imperial. No final de junho, os
rebeldes controlavam as guarnições da maioria das cidades mais importantes.
Em julho e em agosto, a maioria das outras cidades se aliaram aos rebeldes,
deixando aos monarquistas o controle tão-somente de Cidade do México e de
Veracruz. Em 5 de julho de 1821, um motim das tropas peninsulares depôs o
vice-rei Apodaca, sob a alegação de que fora incapaz de reprimir a revolta de
Itúrbide, e substituiu-o por Francisco Novella, subinspetor-geral do Corpo de
Artilheiros, uma última e ineficaz tentativa de resistir à independência.
No final de julho, chegou a Veracruz o liberal e ex-ministro da guerra,
Juan O'Donojú, que as Cortes haviam acabado de nomear capitão-general da
Nova Espanha. Admitindo o fato consumado, O'Donojú solicitou um encon­
tro com Itúrbide. Este aceitou, designando para local da reunião a aldeia de
Córdoba, próximo a Veracruz. Nessa aldeia ltúrbide e O'Donojú assinaram,
em 24 de agosto, o Tratado de Córdoba, pelo qual o capitão-general, perce­
< bendo a inutilidade de qualquer resistência, reconhecia, unilateralmente e
uz sem autorização da Espanha, a independência do Império Mexicano. Na qua­
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lidade de capitão-general, colocou-se à frente das forças reais, concordando
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em induzi-las à rendição. Os dois homens e o Ejército Trigarante reuniram-se
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z fora de Cidade do México, onde, em 13 de setembro, Novella se rendeu a
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O'Donojú, encerrando o levante relativamente pacífico de Itúrbide e comple-
113
tando o processo de independência. ltúrbide esperou o dia 27 de setembro,
data de seu trigésimo oitavo aniversário, para fazer sua entrada triunfal em
Cidade do México como chefe do novo governo. Tornou-se presidente da
Regência do Império Mexicano. Segundo a ideologia oficial, não aceita por
alguns elementos políticos emergentes, isso representou o restabelecimento
do império mexicano original que fora subjugado pela Espanha em 152 I.
No Yucatán, a restauração da constituição em 1820 havia provocado também
um entusiasmo generalizado entre os reformistas e os autonomistas crio/los,
os quais controlavam os cabildos eletivos da cidade de Mérida e Campeche, a
Deputação Provincial e a Sociedade de San Juan, constituída por um grupo de
liberais. Em junho de 1820, induziram o octogenário capitão-general Miguel
de Castro Araoz, no poder desde J 815, a renunciar em favor do coronel
Mariano Carrillo, um liberal e maçom. Carrillo, por sua vez, substituiu o pre­
sidente da Deputação Provincial por Juan Rivas Vcrtiz, um realista constitu­
cionalista moderado. Isso suscitou um conflito aberto com reformadores
mais radicais, que só veio a terminar com a chegada, em janeiro de 1821, do
novo capitão-general nomeado pelas Cortes, Juan María Echeverrí. Ainda em
agosto de 1821, Echeverrí declarava que, apesar do grande avanço da revolta
de Itúrbide no México, a maioria dos iucatanos não apoiavam a independên­
cia. Nesse meio tempo, a poderosa Deputação Provincial, ignorando as reite­
radas ordens da Espanha e de Cidade do México, tomara medidas para abolir
o monopólio do fumo e continuar o comércio com a Jamaica, em grande _,<
parte ilegal, mantido nos últimos seis anos. Impelidos pela sensação de que já
tinham conseguido alguma coisa com o regime das Cortes, os iucatanos se "'u
mantiveram como observadores passivos da última fase da revolta de
ltúrbide. Quando as comunicações com Cidade do México foram interrom­
pidas, passaram a consultar as autoridades reais em Cidade de Guatemala
sobre questões civis, jurídicas e fiscais. Mas ltúrbide não podia ser descartado
tão facilmente: em agosto, uma parte do Exército das Três Garantias foi rece­
bido calorosamente pela população de Tabasco. Com a notícia de que
O'Donojú havia assinado o Tratado de Córdoba, a Deputação Provincial pro­ g
pôs um encontro dos chefes em Mérida, a realizar-se em 15 de setembro. <
uz
Nesse encontro, o Yucatán foi proclamado independente da Espanha, embora o
<.J
z
o comandante espanhol Echeverrí tenha sido mantido como chefe do executi­
vo; o governo de ltúrbide seria reconhecido desde que garantisse respeito às
liberdades civis estabelecidas na constituição espanhola. Com a promessa do
 114
México (no Plano de Iguala) de manter a constituição espanhola até que fosse
escrita uma constituição mexicana, o Yucatán incorporou-se, em novembro,
ao Império Mexicano independente, no qual atuaria como um dos principais
proponentes de uma constituição federalista. Os administradores peninsula­
res, entre eles o capitão-general Echeverri, partiram sem oferecer resistência.
No Yucatán, tal como acontecera no próprio México, o fator vital foi o apoio
à Constituição de Cádiz e a promessa de Itúrbide de garanti-la.
A situação da América Central foi notavelmente semelhante, conquanto
tenha apresentado um pouco mais de complexidade. O restabelecimento da
constituição em 1820 provocou uma revitalização momentânea do constitu­
cionalismo, bem como a formação das primeiras facções políticas abertas. A
mais radical delas foi a facção composta pela oligarquia dos Aycinenas e mem­
bros da classe média, uma aliança que nascera inicialmente da oposição ao
governo de Bustamante. Encontrou seu canal de expressão no jornal EI Editor
Constitucional, editado por Pedro Molina. A outra facção, mais moderada, era
representada por José Cecilio dei Valle e pelo jornal EI Amigo de la Patria, no
qual Valle colaborava com freqüência. A luta girou em torno da questão do
livre comércio, defendido pelos comerciantes crio/los mais poderosos e com­
batido pelos comerciantes menos prósperos. As mercadorias estrangeiras, em
especial os têxteis ingleses, minavam a produção local dos pequenos artesãos,
vendida por pequenos varejistas. As eleições para o cabildo de Cidade da
Guatemala e para a Deputação Provincial, realizadas no final de 1820, foram
disputadas renhidamente, apesar de, na análise final, nenhum dos lados ter
alcançado uma vitória definitiva. Além disso, a implantação completa da
constituição serviu para exacerbar o regionalismo da América Central; o acor­
do de Madri, assinado em maio de 1821, permitindo a instalação de uma
Deputação Provincial em cada intendência, reacendeu as aspirações de auto­
nomia local, por exemplo, em Honduras e em Chiapas. Do mesmo modo que
no México, os habitantes da América Central reagiram negativamente ao anti­
clericalismo das Cortes (sobretudo com respeito à supressão da ordem dos
belemitas, congregação fundada na Guatemala) e à aberta discriminação pelas
Cortes dos interesses dos Estados Unidos. Nos últimos meses antes da inde­
z pendência, a lealdade à Espanha desintegrou-se rapidamente.
w u
..
o Em março de J 821, o capitão-general Urrutia, por motivo de doença, dele­
z
..,
gou sua autoridade a Gabino Gainza, o inspetor-geral do exército, recém-che­
..,
o te, quando, numa tentativa de persuadir os indecisos a juntar-se ao Império
z gado do Chile. Um mês mais tarde, chegaram notícias do Plano de Iguala de
< z
Itúrbide, e a Guatemala, como o Yucatán, foi forçada a definir sua posição
115
diante do fato. A questão tornou-se inevitável quando, no final de agosto,
Chiapas decidiu subscrever o Plano, transferindo assim, definitivamente, sua
lealdade da Guatemala para o México. Como no Yucatán, foi convocado um
encontro entre as principais autoridades, a realizar-se na capital em 15 de
setembro de 1821, o mesmo dia do encontro do Yucatán. Enquanto Molina
insistira veementemente na aceitação da independência, o jornal de Valle afer­
rara-se a uma posição de lealdade. O encontro foi extremamente agitado, mas
muitos participantes moderados aceitaram com relutância a independência
como alternativa a possível guerra civil. Uma declaração de independência,
escrita por Valle, foi aprovada por vinte e três votos contra sete. Como no
Yucatán, o governo permaneceu praticamente o mesmo, sendo o administra­
dor espanhol em exercício, Gainza, mantido como chefe do executivo. E como
no México e no Yucatán, a independência devia basear-se nos preceitos da
Constituição de 1812.
Com a atitude de Cidade da Guatemala, as outras províncias da América
Central foram forçadas a tomar suas próprias decisões sobre a questão da
independência e, o que era igualmente importante, sobre se deveriam conti­
nuar integrando a Guatemala ou tentar uma separação completa. Foram
escolhidas juntas com a missão de determinar o curso da ação. Em San
Salvador, onde se generalizara o medo da anexação quer pelo México quer
pela Guatemala, a junta, chefiada pelos liberais José Mathías Delgado e
Manuel José de Arce, proclamou, em 29 de setembro, a independência da
intendência de El Salvador. Na Nicarágua, onde os temores eram semelhan­ _,
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tes, a Deputação Provincial de León proclamou, em 28 de setembro, sua inde­
pendência tanto da Espanha quanto da Guatemala. Como Costa Rica fazia "'
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parte da intendência da Nicarágua, essa presumiu que sua declaração de <
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independência também se aplicasse à região costa-riquenha. No entanto, os �
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cabildos de Costa Rica se reuniram em separado e, depondo o governador <
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espanhol em 1° de novembro, proclamaram sua independência da Espanha. Ul
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Enquanto isso, Honduras proclamava sua independência, mas restava uma u
divergência aberta sobre o pais a que devia anexar-se: à Guatemala ou ao "'X
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México. A cidade de Tegucigalpa dava preferência à Guatemala e a cidade de o
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Comayagua favorecia o México. <
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A confusão na América Central se resolveu, pelo menos temporariamen­ w
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Mexicano, ltúrbide ameaçou enviar tropas mexicanas à América Central. o
Gabino Gaínza, que anteriormente se opusera à anexação da América Central <
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ao México, propôs a incorporação de todo o antigo reino da Guatemala ao
Império Mexicano, desde que fosse decidida em reuniões abertas dos conse­
lhos (cnbildos abiertos) de todas as cidades da América Central. Embora a
votação tenha ocorrido muitas vezes de forma irregular, a proposta foi apro­
vada por ampla maioria, liderada pelos conservadores e comerciantes impor­
tantes, como Mariano Aycinena e seu sobrinho, Juan José, marqués de
Aycinena, pelo arcebispo da Guatemala, Ramón Casáus, e pelo bispo da
Nicarágua, Nicolás García Jeres. Em 29 de dezembro, Cidade da Guatemala e
Quezaltenango se uniram ao México e, em 9 de janeiro de 1822, Gaínza
anunciou a união de toda a América Central ao México. No entanto, alguns
habitantes da América Central resistiram à união, especialmente Delgado e
Arce, de San Salvador. Em junho de 1822, um pequeno exército mexicano,
sob o comando do general-brigadeiro Vicente Filísola, desembarcou na
América Central e, no primeiro mês de 1823, ocupou EI Salvador pela força.
Então, o próprio Império Mexicano entrou em colapso.
ltúrbide fora nomeado chefe do executivo e presidente da Regência do
novo Império Mexicano. Quando ficou evidente que a Espanha não iria reco­
nhecer a independência mexicana e menos ainda permitiria que um membro
da dinastia assumisse o trono, pensou-se na possibilidade de eleger ltúrbide
imperador. O exército anunciou sua candidatura e o Congresso, atemorizado
(e sem quórum), escolheu-o em 19 de maio de 1822. Itúrbide assumiu o títu­
lo de Agustín 1. Dentro de pouco tempo, passou a ser malquisto pela maioria
da população. Em outubro de 1822, ltúrbide dissolveu o congresso, provo­
cando um levante sob o comando de dois generais, Guadalupe Victoria (que
seria pouco depois o primeiro presidente da república) e Antonio López de
Santa Anna (que viria a ser presidente por diversas vezes). Em fevereiro de
1823, a oposição se unificou em torno do Plano de Casa Mata, que exigia que
um novo congresso assumisse o governo em lugar do imperador e fosse con­
cedida maior autoridade aos governos provinciais. Em março, o imperador
abdicou. Após a permanência de um ano na Itália e na Inglaterra, Itúrbide
retornou ao México em julho de 1824, quando foi preso e executado no esta­
do de Tamaulipas. A breve carreira de ltúrbide como imperador do México
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zu serviu em grande parte para lançar uma sombra sobre sua reputação na his­
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zu.o toriografia mexicana; não se deve esquecer, porém, que foram seu comando e
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seu envolvimento no Plano de Iguala que tornaram possível a independência.
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A queda de Itúrbide pôs fim aos vínculos que haviam unido a América
Central ao México durante pouco mais de um ano. Em 29 de março de 1823,
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quando se preparava para deixar a Guatemala, o general Filísola convocou as
províncias a enviar representantes ao congresso da América Central. Do anti­
go reino da Guatemala, somente Chiapas continuou a fazer parte do México.
Em 1 ° de julho, as demais províncias proclamaram a independência da
América Central, governada por uma junta provisória. No México, a queda
do império de Itúrbide levou à criação, cm 1824, de uma república federati­
va, com uma nova constituição, moldada em parte na constituição liberal
espanhola de 1812. Com o abandono do centralismo tanto pelo México
quanto pela América Central e com o estabelecimento dos direitos dos esta­
dos e de um governo regional independente em repúblicas federativas, alcan­
çava-se afinal o tão sonhado objetivo de muitas regiões, a autonomia local.
Ao final do processo de independência, o México e a América Central exi­
biam as cicatrizes do longo conflito. As perdas de vida durante as Guerras da
Independência foram avaliadas em dez por cento da população, ou 600 mil
pessoas. A renda per capita caíra de 35-40 pesos cm 181O para 25-30 pesos
em 1821; durante os últimos anos das lutas em prol da independência chegou
a ocorrer uma queda no consumo per capita de alimentos. A produção
mineira declinara para menos de um quarto, em resultado do abandono das
minas e de sua conseqüente inundação ou deterioração, da fuga de capitais e
do desmonte dos sistemas coloniais de extração, de fornecimento de mercú­
rio e de refinamento. A produção agrícola, devido à desintegração da região
rural, à morte ou partida dos hacendados, ao desaparecimento do capital de
giro e à destruição de fazendas, animais e máquinas, caíra à metade de seu
antigo patamar. A produção industrial diminuíra dois terços. A permanência
das ultrapassadas leis espanholas de restrição ao comércio e a perpetuação
dos sistemas de trabalho com base na identidade étnica e no neofeudalismo
ajudaram a manter a economia em atraso e a aumentar o fosso entre o antigo
vice-reino e os países do Atlântico Norte em rápido desenvolvimento. As w
importações de produtos da Inglaterra e dos Estados Unidos preencheram o uo
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vazio deixado pelo desaparecimento do comércio espanhol; as manufaturas w
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do México e da América Central não tinham condições de competir. O valor o
das exportações - metais preciosos, cochonilha, anil, baunilha, algodão e
couros - eram muito inferior ao das importações. A fragilidade financeira "'
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tanto do México quanto da América Central tornou inevitável o fracasso dos u.l
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projetos iniciais de desenvolvimento. No México, foi negociado em 1824 o zo
primeiro de uma série de empréstimos de casas bancárias inglesas. Na <
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América Central, o primeiro empréstimo foi contraído em 1825, também o
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com um banco inglês; sua principal finalidade era aumentar as receitas do A INDEPENDÊNCIA
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governo até que fosse feita a revisão da estrutura fiscal, e estimular a criação o
z DA AMÉRICA DO SUL ESPANHOLA
de um canal interoceânico através da Nicarágua. Mais tarde, em 1825, os <
Estados de Costa Rica e de Honduras tentaram negociar seus próprios
empréstimos com uma empresa inglesa, mas os projetos foram vetados por
Cidade da Guatemala. No entanto, em todo o México e na América Central, a
perda de confiança, a insegurança e a incerteza tramavam contra a recupera­
A CRISE DA monarquia espanhola em 1808, que deixou a nação sem ne­
ção econômica. A ascensão do militarismo desenfreado, a irrupção de um
nhum governo cuja legitimidade fosse aceita unanimemente, não poderia
regionalismo que não era coibido pelas autoridades centrais, a disseminação
deixar de causar profundo impacto sobre as colônias americanas, da Nova
do banditismo e da violência política - todos esses efeitos indiretos da luta
Espanha ao Río de la Plata*. Olhando hoje para trás, podemos ver que ela
pela independência continuaram a assolar a região. Os problemas sociais e
acelerou bastante o avanço das forças que já atuavam na época e que acaba­
econômicos de longo prazo não puderam ser resolvidos em meio à instabili­
ram por ocasionar a separação das colônias continentais da Espanha.
dade política e ao conflito civil que perduraram durante as várias décadas
Naquele momento, porém, a independência total parecia constituir apenas
vindouras. Todos os demais problemas herdados pelos novos Estados - a fuga
uma entre as diversas respostas possíveis e contava com poucos defensores.
de capitais quando os espanhóis abandonaram a região, a desintegração da
Aos hispano-americanos abriu-se a possibilidade de aceitar o governo de José
indústria mineira e manufatureira e da agricultura, as dívidas imensas -
Bonaparte. Alternativamente, podiam jurar obediência ou às autoridades
poderiam, talvez, ter sido resolvidos se tivesse sido feito um acordo sobre a
provisórias entronizadas pelo movimento espanhol de resistência nacional
forma política que os novos Estados deveriam assumir. As conquistas de
aos franceses ou a Carlota, irmã de Fernando VII. Carlota, esposa de Dom
ltúrbide e do Plano de Iguala foram imensas - o fim de três séculos de domí­
João, príncipe regente de Portugal, estava refugiada no Rio de Janeiro com o
nio espanhol, após os fracassos da revolução de Hidalgo e de Morelos - mas
marido e propunha governar temporariamente em nome do irmão. Ou ainda
foram limitadas, porque agora o México e a América Central tinham de ini­
podiam constituir juntas de americanos nativos para governar em nome do
ciar o processo de reconstrução de suas próprias estruturas sociais, econômi­
cativo Fernando, exatamente como as províncias espanholas haviam feito. A
cas e políticas.
curto prazo, esta última alternativa equivalia a uma autonomia de facto no
quadro de uma monarquia comum; no entanto, a longo prazo, revelou-se um
estágio provisório até a separação total. Antes de 181O, em nenhum lugar a
autonomia foi instaurada com sucesso, mas não existem razões suficientes
para adotar essa data como o início do movimento de independência; é que
até 1810 os defensores da autonomia perderam todas as batalhas.

Na metrópole José I contou com vários colaboradores hispano-americanos,

ü como Francisco Antonio Zea, que havia sido nomeado, um pouco antes, dire-
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..."' Nesta obra optou-se por usar o lermo Río de la Plata para designar a unidade política; e
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rio do Prata, ou simplesmente Prata, para denominar a re gião ou o próprio rio, que cm
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inglês foi chamado Río de la Plata indistin1amen1e. lN. da T.J