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A Identidade Das Pesquisas Qualitativas: Construção de Um Quadro Analítico
A Identidade Das Pesquisas Qualitativas: Construção de Um Quadro Analítico
QUALITATIVAS: CONSTRUÇÃO DE UM
QUADRO ANALÍTICO
ANGELA XAVIER DE BRITO
Centro de Pesquisas sobre os Laços Sociais Cerlis do Centro Nacional de Pesquisas
Científicas CNRS. Université René Descartes Paris V, França
debrito@ext.jussieu.fr
RESUMO
O principal argumento deste artigo consiste em sugerir que seria ainda cedo para propor um
novo paradigma para o campo das ciências sociais e humanas. A emergência de abordagens
metodológicas qualitativas veio permitir um novo olhar sobre os fenômenos sociais, que rejeita os
princípios fundamentadores da pesquisa empírico-analítica e, por conseguinte, questiona seus
critérios hegemônicos de qualidade. As tentativas da última década de proclamar um novo
paradigma não só denotam o embate pelo poder no meio científico mas também silenciam
precocemente um debate profícuo sobre pressupostos e princípios estruturantes de um campo
em plena maturação e em busca de seus próprios parâmetros de qualidade. Neste artigo, em
que as experiências anglo-americana e francesa se entrelaçam, propomos um quadro/esquema
de caráter essencialmente descritivo, que pretende contribuir para a melhor compreensão e
análise de diversas práticas de pesquisa qualitativa. O quadro também consiste em mais uma
arena de discussão sobre qualidade nas abordagens qualitativas de pesquisa.
PESQUISA EMPÍRICA METODOLOGIA CIÊNCIAS SOCIAIS CIÊNCIAS HUMANAS
Este texto surgiu do encontro das autoras por ocasião do estágio de pós-doutorado de Ana
Cristina Leonardos (bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Supe-
rior Capes) na equipe de Recherche Associée CNRS Sociologie de lÉducation, na qual
Angela Xavier de Brito trabalhava. Especial agradecimento a Alda Judith Alves-Mazzotti (Uni-
versidade Estácio de Sá), Eric Plaisance (Université René Descartes) e Helenice Maia Gonçal-
ves (doutoranda pela Universidade Federal do Rio de Janeiro) pela leitura crítica do texto.
INTRODUÇÃO
Durante quase quarenta anos (1935-1970)1, e apesar de dispor de um método
destinado a atribuir a suas descobertas uma pretensa objetividade e universalidade,
as ciências humanas e sociais ignoraram que, mais que na área das ciências ditas
exatas, a pesquisa sofria por ser exercida por homens falíveis. Nem mesmo a distância
assegurada por um método científico poderia controlar a influência da subjetividade
própria ao ser humano, que se fazia presente durante todo o processo de pesquisa,
desde a escolha dos objetos, passando pelo estabelecimento das hipóteses, seleção e
recorte do campo de estudo até as análises e interpretações. Acrescentemos a isso o
fato de o objeto de estudo nessa área ser o próprio comportamento humano inserido
em seus contextos, em toda sua riqueza e complexidade inter e transdisciplinar.
Os vinte anos seguintes (1970-1990) assistem à recuperação progressiva da
consciência da extensão da subjetividade, assim como dos vieses que ela provoca. O
questionamento dos critérios objetivos e universais que fundavam essas ciências des-
de sua criação manifesta-se de forma diversa e em épocas diferentes em cada país,
na medida em que há uma inscrição histórica e sociocultural de todo conhecimen-
to (Morin,1996, p.26). No entanto, as poucas discussões existentes sobre o assunto
permanecem, com freqüência, encerradas nos limites de cada país, sem que um
verdadeiro debate internacional formador de consenso se tenha podido estabelecer.
1. A data de 1935 corresponde, grosso modo, ao fim do período em que Park e Burgess
ambos do Departamento de Sociologia da Escola de Chicago nos anos 20 e 30 desenvol-
veram diversas pesquisas consideradas precursoras da investigação qualitativa na área de so-
ciologia (Bulmer, 1984).
A EVOLUÇÃO DO PROBLEMA
2. Quando utilizado isoladamente, o termo campo refere-se ao conceito introduzido por Bour-
dieu (1971). A expressão campo de estudo concerne ao domínio estudado por uma ciência.
4. A visão de Pharo (1992) apresenta afinidades parciais com a nossa: o que ele chama de dados
objetiváveis do social é para nós o objeto/sujeito da pesquisa e a figura do analista se confunde
com a do pesquisador. No entanto, ele embute as metodologias de pesquisa que, em nossa
concepção, mediam a relação entre pesquisador e objeto/sujeito no próprio pólo do pes-
quisador, ao incorporar ao analista suas categorias conceituais. Pensamos que o que ele
chama de trabalho de interpretação dos atores aproxima-se da oposição senso comum versus
senso científico, outra das vertentes do nosso triângulo.
PESQUISADOR
Subjetividade
Comunidade Metodologias
Cientifíca de Pesquisa
RELAÇÃO DE PODER
ÉTICA
LITERATURA OBJETO /
CIENTIFÍCA Senso Comun/Senso Cientifíco SUJEITO
DA PESQUISA
A LITERATURA CIENTÍFICA
O OBJETO/SUJEITO DA PESQUISA
7. Esta frase que significa literalmente com algumas pontas soltas implica que os textos
apresentados não devem ser muito elaborados nem conter um raciocínio fechado.
O primeiro, é que haja um consenso não apenas sobre as regras do jogo, mas tam-
bém sobre as aspirações profundas ao saber, à verdade, e até sobre um certo núme-
ro de valores e crenças quanto à missão da ciência. O segundo, é que não basta que
haja o consenso da comunidade comunidade que é gemeinschaft , é necessário
que haja também aspectos de sociedade gesellschaft , aspectos de rivalidade e de
conflito. É necessário que haja oposições entre as teorias e, por trás das oposições
entre as teorias, a oposição das idéias metafísicas não ditas. É necessário também,
mesmo que isso seja penoso, que haja oposições e conflitos pessoais, que podem
resultar dos humores, das antipatias, das ambições e das frustrações. (1996, p.16)
...o que se refere às relações das várias partes do estudo com a produção de dados/
informações ( ), que se preocupa com a ordem moral (regras, valores, priorida-
des, dadas às condições sociais e à ação individual) pressuposta na prática das ciên-
cias. É o estudo do que é definido como conhecimento legítimo e de como este
conhecimento é obtido e organizado. (Popkewitz, 1990, p.51-2, tradução nossa)
...não há corte epistemológico radical. Não há uma ciência pura, não há um pensa-
mento puro, não há uma lógica pura. A vida alimenta-se de impurezas, ou melhor, a
realização e o desenvolvimento da ciência, da lógica, do pensamento, tem necessi-
dade destas impurezas. (1996 , p.34)
8. A comunidade científica americana tende, nesse sentido, a ser mais prescritiva do que a
francesa. Não somente os diversos grupos profissionais têm códigos de ética regulamenta-
dos; as universidades americanas instituíram comissões de ética que visam analisar os efeitos
das pesquisas em ciências humanas e sociais sobre os sujeitos estudados.
9. Lembremos que, se os procedimentos de controle institucional são já tradição no campo das
ciências exatas (Elias, 1983), as lutas para sua instauração estão ainda no início no campo das
ciências humanas e sociais.
10. Podem-se imaginar situações práticas em que a subscrição a esses princípios ideais ainda
que necessária não seria suficiente para garantir o trânsito do pesquisador de maneira eficaz
no campo. Muitas vezes, o que foi considerado uma invasão desrespeitosa em certos con-
textos não o seria em outros, na mesma época. O que é considerado ético no plano institucional
ou público pode não ser viável no plano comunitário. Assim, a própria experiência do pesqui-
sador tem um efeito retroativo na construção de sua ética no processo de pesquisa e suas
experiências passadas servem de base para futuras negociações.
À GUISA DE CONCLUSÃO
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RESUMO
ABSTRACT
1. Não se está aqui criticando o fato de se desenvolver uma pesquisa a partir de dificuldades
encontradas na prática. Na realidade, muitas pesquisas pecam exatamente por seu completo
distanciamento dos problemas com que se defrontam os professores no cotidiano das salas
de aula. Mas se o pesquisador permanece no nível de sua prática específica e de seus interes-
ses individuais, sem uma tentativa de teorização que permita estender suas reflexões a outras
situações, pouco ou nada contribui para a construção de conhecimentos relevantes.
2. Para uma análise do pouco impacto da pesquisa educacional na prática, ver Kennedy (1997).
3 Muitos dos problemas aqui assinalados referem-se à maneira pela qual a perspectiva pós-
moderna foi apropriada pela pesquisa educacional. Constas (1998), em uma extensa revisão
de estudos que adotam essa perspectiva, aponta como características desses trabalhos: a) a
rejeição a grand theories; b) a utilização de um pequeno número de sujeitos; c) o primado da
narrativa; d) a ambigüidade do discurso; e e) a recusa em oferecer conclusões.
4 Os termos teoria e modelo relacionam-se a processos construtivos que nos permitem des-
crever e explicar fenômenos observados. Esses termos, hoje freqüentemente usados como
intercambiáveis, para Dellatre (1992) correspondem a noções distintas, segundo o maior
grau de abstração da teoria, em comparação com o modelo, este geralmente mais específi-
co, representando uma realidade concreta bem determinada.
A objetividade da ciência não é uma questão referente aos cientistas individuais e sim
ao resultado social de sua crítica mútua, da divisão de trabalho hostil-amistosa entre
os cientistas, de sua cooperação e também de sua competição. (1976, p.95)
Houve quem me alertasse para os possíveis usos que se poderiam fazer desta aná-
lise, especialmente contra os interesses da área nas agências de fomento. Não ado-
tei tal cautela devido ao fato de que outras áreas também se criticam, além do que,
os problemas aqui expostos não são totalmente desconhecidos fora do nosso âmbi-
to. (p. 64)
Vale aqui acrescentar que as áreas do saber que mais progridem são aquelas
que mais se expõem e que mais naturalmente aceitam a crítica mútua como prática
essencial ao processo de produção de conhecimentos confiáveis. No caso das ban-
cas de teses e dissertações, ao evitar a crítica do documento que supostamente
deveria estar sendo avaliado, desperdiça-se uma oportunidade preciosa de aprimo-
rar um trabalho que consumiu anos de dedicação do aluno e, freqüentemente, uma
soma considerável de recursos públicos.
CONCLUSÃO
O grande desafio com que nos defrontamos hoje é conseguir aliar a riqueza
proporcionada pelo estudo em profundidade de fenômenos microssociais,
contextualizados, à possibilidade de transferência de conhecimentos ou à geração
de hipóteses para o estudo de outros contextos semelhantes. Proporcionar uma
descrição densa dos contextos e sujeitos da pesquisa, embora seja importante,
não nos parece ser suficiente para favorecer a transferibilidade dos conhecimentos
produzidos. A identificação de padrões, dimensões e relações, ou mesmo a cons-
trução de modelos explicativos, não é incompatível com o estudo de fenômenos
microssociais. Tais formas de elaboração do material empírico constituem etapas
essenciais na construção teórica, favorecendo a transferibilidade e a acumulação do
conhecimento sobre um dado fenômeno.
A aplicabilidade dos conhecimentos na área da educação depende do de-
senvolvimento de teorias próprias, da seleção adequada de procedimentos e ins-
trumentos, da análise interpretativa dos dados, de sua organização em padrões
significativos, da comunicação precisa dos resultados e conclusões e da sua valida-
ção pela análise crítica da comunidade científica.
Os problemas a serem enfrentados no campo da educação, em nosso país,
exigem soluções que precisam ser subsidiadas por um corpo de conhecimentos
significativamente mais amplo e mais confiável do que aquele que estamos produ-
zindo. Não desconhecemos os obstáculos que dificultam o desempenho dessa ta-
refa, dos epistemológicos aos institucionais. Mas nossa responsabilidade como pes-
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RESUMO
O texto aborda questões relativas à busca de rigor na pesquisa em educação. Mostra que as
mudanças nos referenciais, nos contextos e nas metodologias dos estudos, nos últimos anos,
suscitaram questionamentos sobre a natureza dos conhecimentos produzidos, sobre os cri-
térios de julgamento dos trabalhos científicos e sobre os pressupostos dos métodos e técni-
cas. Além disso, analisa as condições reais que os pesquisadores enfrentam na produção de
conhecimento científico e conclui pela necessidade de lutar pela melhoria dessas condições.
MÉTODOS DE PESQUISA PESQUISADOR EDUCAÇÃO
ABSTRACT
EDUCATIONAL RESEARCH: SEEKING RIGOR AND QUALITY. The paper discusses some questions
related to the attempts to safeguard quality of educational research. It shows that it have been
many changes in research concepts, contexts and methodologies in the last years followed by
issues on the nature of scientific knowledge, on the criteria to evaluate scientific work and on
new methodologies assumptions. Further, it analyses real situations of knowledge production and
points out that it is mandatory to improve them.
QUESTÕES E QUESTIONAMENTOS
Temos, segundo ela, uma preocupação pragmática que nos leva sempre a
justificar que, apesar das aparências em contrário, o que estamos produzindo tem,
em última instância, uma utilidade social (p.72) E ela conclui:
O que se considera uma boa pesquisa? Que critérios vêm sendo usados para
julgar a pesquisa em educação? Em que medida certas pesquisas merecem ser fi-
nanciadas e outras não? Essas são questões que povoam o dia-a-dia da academia,
dos orientadores dos programas de pós-graduação e das agências de fomento. Há
pontos a atribuir, notas a dar, recursos a conceder que dependem de respostas a
essas questões.
Os clássicos critérios de validade, fidedignidade, generalização seriam suficien-
tes? Ou se deve recorrer a novos critérios? Quem definiria esses novos critérios?
Seriam apoiados em que concepção de conhecimento? Essas questões começaram
a surgir no final do século XIX, quando os cientistas sociais questionaram o modelo
tradicional de pesquisa, julgando-o insatisfatório para a compreensão dos fenôme-
nos humanos e sociais. As críticas, naquele momento, dirigem-se não só aos pres-
supostos e aos métodos de pesquisa, mas também aos critérios tradicionalmente
utilizados para julgar os trabalhos científicos.
As críticas fazem surgir novas propostas, novos modelos de conceber e rea-
lizar pesquisas as abordagens qualitativas que levam à proposição de novos
critérios de julgamento, alguns se contrapondo aos já conhecidos e respeitados,
outros se referindo aos aspectos específicos dos novos tipos de estudo. Para subs-
tituir a validade surge a plausibilidade, no lugar da fidedignidade aparece a credibilidade,
e em vez de generalização fala-se em transferência (Lincoln, Guba, 1985). Além
desses, surgem outros critérios, como: a triangulação de métodos, sujeitos, pers-
pectivas (Denzin, 1978); a validação pelos pares (Dawson, 1982) e a generalização
naturalística (Stake, 1978).
Mas, seriam esses critérios adequados para todos os tipos de pesquisa? Ou
se deveria definir alguns mais gerais e outros que se diversificariam segundo o tipo
de pesquisa?
Tendo a responder positivamente à segunda questão, ou seja, creio que há
alguns pontos básicos a serem observados em qualquer tipo de estudo e outros
mais específicos aos tipos de pesquisa. De qualquer modo, creio que a construção
desses critérios, tanto os mais gerais quanto os mais específicos, é uma tarefa cole-
tiva e de longo prazo.
Para que consigamos evoluir nessa direção é preciso que comecemos a expli-
citar os critérios seguidos para avaliar, por exemplo, os projetos enviados pelos pes-
quisadores ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
CNPq , à Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior Ca-
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BERNARDETE A. GATTI
Fundação Carlos Chagas. Programa de Pós-Graduação e Psicologia da Educação da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC/SP
gatti@fcc.org.br
RESUMO
Este artigo busca recuperar no tempo aspectos do desenvolvimento das pesquisas educacionais
no Brasil, associando-os a conjunturas histórico-sociais. Trabalham-se algumas questões de teo-
rias e métodos, hegemonias de grupos de investigação e questões institucionais. Ressalta-se o
papel da década de 80, na qual vigorosos debates são travados, a partir dos quais vêm à luz
problemas intrínsecos a procedimentos de pesquisa e sua validade. Discute-se em que condições
se pode falar de impacto social das pesquisas educacionais, analisando-se a possível porosidade
dos conhecimentos advindos de pesquisas em educação nas ações de educadores e em políticas
educacionais, perguntando-se também se a consistência metodológica desempenha, nessa
porosidade, algum papel.
PESQUISA EDUCACIONAL POLÍTICAS EDUCACIONAIS BRASIL METODOLOGIA DA
PESQUISA
ABSTRACT
TEORIA E MÉTODO
AS INSTITUIÇÕES
CONTRAPONTOS IMPORTANTES
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FÁTIMA ANTUNES
Instituto de Educação e Psicologia da Universidade do Minho Portugal.
fantunes@iep.uminho.pt
RESUMO
Há alguns anos tem-se firmado o debate em torno de uma agenda política e teórica que
procura defender e sustentar uma articulação possível entre a procura de competitividade
das economias e a manutenção e desenvolvimento dos direitos, nomeadamente sociais,
que viabilizam e constituem condições de cidadania. Neste debate, que é atravessado por
distintas posições, argumentos e propostas, a educação e formação são apontadas como
eixos decisivos daquela articulação. A nossa argumentação vai no sentido de mobilizar análi-
ses e investigações em Ciências Sociais, trazendo para o centro da discussão questões e proble-
mas que freqüentemente têm sido omitidos. Defendemos que, pelo contrário, é do confronto
dessas questões e problemas que depende a possibilidade de constituir uma agenda política e
teórica merecedora de crédito para uma via de desenvolvimento humana, social e ecologica-
mente sustentável.
EDUCAÇÃO CIDADANIA CIÊNCIAS SOCIAIS
ABSTRACT
Observa-se ainda neste mesmo documento que muitas das exigências que
pesam sobre os sistemas de educação e formação são percebidas como contraditó-
rias, porque se espera que tais sistemas
1. A este propósito Michael Young et al. escrevem: Implícita no conceito de uma sociedade de
aprendizagem está, por exemplo, a idéia de que uma sociedade inteiramente humana é aquela
em que toda a vida social envolve aprendizagem. Por outras palavras afirma-se que o que
distingue uma sociedade de aprendizagem moderna de todas as sociedades anteriores é a sua
capacidade para aprender ou para ser reflexiva, como Beck, Giddens e Lash (1994) a interpre-
tam. O conceito de uma sociedade de aprendizagem proporciona-nos, assim, uma base para
comparar as sociedades existentes em termos da sua capacidade reflexiva (1997, p. 528).
2. Considerando que a sociedade da aprendizagem é, em grande medida, um mito e um conceito
ideológico, Christina Hughes e Malcolm Tight escrevem: Em suma, podemos concluir que a
função do mito da sociedade de aprendizagem é proporcionar uma fundamentação lógica e um
acondicionamento convenientes e agradáveis para as políticas atuais e futuras de diferentes
grupos de poder da sociedade. Como tal, aquele (mito) tem pouco impacto na natureza, con-
teúdo ou implementação dessas políticas, fazendo, mesmo assim, essas políticas aparecerem
diferentes e mais interessantes, dando a impressão aos leigos interessados de que as coisas
estão a melhorar. Sobretudo podemos compreender a sociedade de aprendizagem como um
conceito ideológico que serve objectivos ideológicos (Hughes, Tight, 1995, p. 302).
3. Num texto recente em que analisa a vinculação da educação-formação com o emprego, Lucie
Tanguy chama a atenção para os aspectos ideológicos presentes, quando se procuram estabe-
lecer relações lineares e necessárias que escondem ao mesmo tempo funções de integração
social, de legitimação e de dissimulação de uma ordem social existente (1999, p. 65).
4. Não aceitando a visão determinista que subentende que o caminho já está traçado pelas
tecnologias da informação, erradamente entendidas como forças atuantes autônomas do
contexto sociocultural, Ilona Kovács (1998d) contrapõe, a esse propósito, alguns argumen-
tos interessantes para pensar as alternativas disponíveis.
5. E acrescenta ainda o autor: O fantasma da perda de direitos sociais (e fundamentalmente da
indenização para o desemprego) é o que obriga os desempregados a terem de aceitar traba-
lhos cada vez mais precários e sub-remunerados, para não perder os magros subsídios. As
políticas de responsabilização autoritária dos trabalhadores funcionam como uma espada de
Dâmocles sobre a cabeça dos mesmos. Esta concepção liberal-autoritária da aposta no tra-
balho rompe com a visão solidária do desempregado tradicional vigente na Europa, em
função da qual era considerado como uma vítima (e não como responsável), com quem a
sociedade considera ter uma dívida, dado que é incapaz de lhe oferecer um emprego. O
workfare necessita então, para ser legitimado, uma reatualização no terreno filosófico, a qual
se leva a cabo redefinindo os conceitos de justiça e de equidade (Taddei, 1998, p. 349).
6. A expressão é de Gaudêncio Frigotto (s/d) Cidadania e formação técnico profissional. Texto
consultado na Internet (http://bve.cibec.inep.gov.br/).
7. Como assinala o livro branco da Comissão Européia, É necessário raciocinar cada vez mais
em termos de vantagens competitivas e não já em termos de vantagens comparativas. As
vantagens comparativas correspondem às dotações em fatores produtivos, tais como os re-
cursos naturais, sendo por esse motivo algo rígidas. As vantagens competitivas decorrem de
elementos mais qualitativos, sendo por esse fato largamente determinadas pelas estratégias
das empresas e das políticas públicas (Comissão Européia, 1994, p. 77).
Na maioria dos países da América Latina, entre eles o Brasil, o modelo educativo
que serviu a uma etapa de desenvolvimento foi o de uma elite altamente educada e
8. Ainda que Ralf Dahrendorf seja também considerado um dos inspiradores das propostas do
Partido Trabalhista inglês de Tony Blair (New Labour), o seu pensamento parece-nos, em
muitos aspectos, claramente distinto do de Anthony Giddens, que é também considerado o
principal ideólogo da chamada terceira via. Ver a este propósito, Giddens (1999) e também
Blair (1998).
10. O autor defende que o Ato Único Europeu e o Tratado de Maastricht inauguraram uma nova
era européia em que, pela primeira vez, não ocorreu em simultâneo a unificação dos merca-
dos e das regras sociais, constituindo a fonte de o dumping social, o dumping ecológico, o
dumping fiscal (Lipietz, 1995, p. 2). Pierre Bourdieu sublinha igualmente que é a concorrên-
cia entre os trabalhadores europeus, alimentada pela discrepância de regras atrás assinalada,
que constitui a principal arma para um regresso a um capitalismo selvagem (1998, p. 45).
11. Entre nós dispomos já de um apreciável conjunto de trabalhos que sustentam o caráter
infundado de tais avaliações e perspectivas futuristas celebratórias de um (suposto) pós-fordismo
reinante (cf. Kovács, Castillo, 1998; Kovács, 1998; Stoleroff, Casaca, 1996; Stoleroff, Casaca,
1998; Kovács, 1998b). Pelo contrário, salientam Ilona Kovács e Juan José Castillo, há diver-
sos modelos de produção de acordo com as situações sociais e históricas concretas, poden-
do coexistir diversos modelos num determinado país, setor, região e até numa mesma em-
presa sublinhando a urgência de mostrar a distância que separa os discursos e as práticas e
de identificar as tendências de evolução com base na análise de situações e práticas concre-
tas (Kovács, Castillo, 1998, p. 2; cf. também, na mesma obra, os capítulos 2 e 3 assinados
por Castillo).
12. Ilona Kovács propõe uma concepção de novo paradigma produtivo que enfatiza tanto a flexibi-
lidade no que respeita a produtos, mercados, tecnologias e trabalho como à natureza
Políticas de (des)emprego
Os debates sobre o desemprego, com forte expressão, por exemplo, na
União Européia, a partir dos anos 80, têm desembocado sistematicamente em
propostas orientadas para a intervenção do lado da oferta de mão-de-obra. Neste
sentido, numa primeira fase, as medidas defendidas visaram à alteração das condi-
ções de utilização da força de trabalho, enfraquecendo a capacidade de negocia-
ção dos trabalhadores sobretudo pela desregulação/ flexibilização do mercado de
emprego (cf. Rhodes, 1991; Standing, 1997). Mais recentemente, têm sido preco-
nizadas iniciativas que envolvem a gestão do contingente de desempregados, me-
diante chamadas políticas ativas de emprego, orientadas para determinadas cate-
gorias sociais e centradas na formação e criação de incentivos ao emprego e auto-
emprego.
13. Conferir, entre outros, Almeida et al. (1992, p. 71-5, 104-5), Costa (1998, p. 39-45), Castells
(1997, 1998); consultar também, por exemplo, edições do jornal Público 25 fev. 1999, p.
34; 29 nov. 1999, suplemento Economia, p. 6-7).
14. Não estão em causa os esforços, programas e políticas orientados para beneficiar a formação
dos indivíduos e grupos sociais desfavorecidos quanto aos níveis de escolarização e qualifica-
ção de que dispõem, já que, obviamente, se trata de minorar uma fonte de desigualdade a
que estão sujeitos. O que se questiona é a concepção de que o desemprego e a empregabili-
dade podem ser seriamente confrontados mediante respostas educativas.
15. Conferir, por exemplo, o estudo de Letelier, comparando dados relativos a Santiago do Chile
e São Paulo, no Brasil, em 1995. A autora analisa os níveis de escolarização que caracterizam
a população economicamente ativa numa e noutra região e aqueles que se verificam em
diversas categorias profissionais (motoristas, telefonistas e operadoras de telecomunicações,
enfermeiras, parteiras, eletricistas, operadores de som, despachantes e carteiros) e setores
como a indústria metalomecânica. Em face da divergência encontrada entre os níveis de
formação dos trabalhadores, em cada uma daquelas regiões, para uma mesma ocupação e/
ou setor de atividade, a socióloga afirma que a relação entre escolaridade e inserção no
mercado de trabalho está determinada pelo perfil educacional geral alcançado pela socieda-
de, mais do que pela demanda de qualificação oriunda do mercado de trabalho (Letelier,
1999, p.136-7). Em Portugal, e relativamente ao setor da construção civil, Madureira Pinto
assinala que mais de 70% do pessoal com estatuto de encarregado, chefe de equipe ou
contramestre (...) têm, no máximo, quatro anos de escolaridade. Já na categoria dos prati-
cantes e aprendizes, e como conseqüência do fenômeno de extensão da escolarização junto
das camadas mais jovens da população portuguesa, tem aumentado regularmente a propor-
ção dos que possuem pelo menos o 6º ano de escolaridade (de 24%, em 1982, passaram
para quase 50%, em 1993) (Pinto, 1999, p. 28, grifos nossos).
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NICHOLAS DAVIES
Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense.
davies@megaline.com.br
RESUMO
O trabalho analisa a legislação bem como documentos produzidos pelo Ministério da Educação
sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do
Magistério e acerca da remuneração/valorização docente, e conclui que as dificuldades de com-
preensão do tema originam-se, em boa medida, de formulações não uniformes na própria legis-
lação e nos muitos equívocos contidos nos documentos oficiais que pretendem oferecer explica-
ção e orientação.
LEGISLAÇÃO EDUCAÇÃO BRASIL. LEIS, DECRETOS ETC. FUNDEF
ABSTRACT
Texto aprovado pelo Grupo de Trabalho, de Estudo e Política Educacional para a Reunião da
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação ANPEd , realizada em
Caxambu, Minas Gerais, em setembro de 1999, mas não apresentado. Aceito também e
apresentado no Grupo de Trabalho de Financiamento da Educação do Simpósio da Associa-
ção Nacional de Política e Administração da Educação Anpae , realizado em Santos, São
Paulo, em novembro de 1999.
O primeiro problema do Fundef está na própria legislação que lhe deu ori-
gem. A Emenda Constitucional n. 14, que o criou em setembro de 1996, e a Lei
n. 9.424, que o regulamentou em dezembro de 1996, apresentam redações variá-
veis sobre a valorização do magistério que se prestam a interpretações contra-
ditórias. A referida Emenda Constitucional EC , por exemplo, estipula que uma
proporção não inferior a 60% dos recursos de cada fundo seja destinada ao paga-
mento dos professores do ensino fundamental em efetivo exercício no ensino fun-
damental. Já o art. 2º da Lei n. 9.424 estabelece que os recursos do fundo desti-
nam-se à manutenção e desenvolvimento do ensino fundamental público e à valo-
rização do magistério. Por fim, o art. 7º desta lei destina pelo menos 60% dos
recursos do Fundef para a remuneração dos profissionais do magistério em efetivo
exercício de suas atividades no ensino fundamental público. Os trechos em itálico
(de nossa autoria) apontam inconsistências na legislação que têm originado as mais
variadas interpretações. A primeira contradição está na categoria dos beneficiáveis
com os 60% do Fundef. Enquanto a EC n. 14 se refere a professores do ensino
fundamental, os art. 2º e 7º da Lei n. 9.424 ampliam os beneficiáveis para profis-
sionais do magistério, categoria muito mais ampla do que professores, pois englo-
ba também os que oferecem suporte pedagógico direto a tais atividades [de
docência], incluídas as de direção ou administração escolar, planejamento, inspe-
Por fim, nem o parecer, nem o documento mencionam dois outros critérios
que, embora ausentes da EC n. 14, deveriam ser levados em conta na distribuição
dos recursos do Fundef, segundo a Lei n. 9.424. Um, previsto no § 2º do art. 2º, é
a diferenciação do custo por matrícula segundo os níveis de ensino e tipos de esta-
belecimento. Em outras palavras, as matrículas teriam pesos diferenciados confor-
3. O deputado estadual Cesar Callegari (1997), de São Paulo, já denunciou a falta de aplicação
da verba devida em MDE pelo governo estadual paulista.
CONCLUSÃO
BRASIL. Leis, Decretos etc. Emenda Constitucional 14, de 12/9/96, publicada no Diário Ofi-
cial da União em 13/9/96.
BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Balanço do primeiro ano do Fundef. Brasília, 1999.
SANTA CATARINA. Estado. Tribunal de Contas. Relatório e parecer prévio sobre as contas
estaduais de 1999. Florianópolis, 2000.
TÂNIA F. BOGUTCHI
Mestranda pelo Instituto de Ciências Exatas da Universidade Federal de Minas Gerais
bogutchi@uai.com.br
RESUMO
ABSTRACT
Pesquisa financiada pelo Fundo de Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais UFMG
e pela Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de Minas Gerais Fapemig.
INTRODUÇÃO
1. Foi nesse contexto que o crédito educativo foi formulado, como mecanismo destinado a
viabilizar o ensino privado, e que algumas universidades públicas vieram a adotar estratégias
de ocupação das vagas ociosas.
ASPECTOS METODOLÓGICOS
2. Por exemplo, para um estudante específico o valor de FSE é 4 ou 5, mas para um grupo de
estudantes pode ser 4,3. Para maiores detalhes, ver Peixoto, Braga e Bogutchi, 2000.
40
30
20
10
0
90 91 92 93 94 95 96 97 98 99
Ano
TABELA 1
PROCURA E OFERTA DE VAGAS E CURSOS, NA DÉCADA DE 90, POR
ÁREA DO CONHECIMENTO; DADOS PERCENTUAIS, EXCETO
QUANDO INDICADO
Artes
Artes 0,4 1,1 468 3,3 3,7 36 1
Biológicas
Biológicas 38,6 41,8 118 31,0 27,3 8 1
Exatas
Exatas 20,8 18,4 79 25,6 28,1 35 6
Humanas
Humanas 40,2 38,7 94 40,1 40,8 25 4
UFMG
UFMG 100,0 100,0 101 100,0 100,0 22 12
FIGURA 2
VARIAÇÃO DA DEMANDA PARA AS DIVERSAS CARREIRAS 8-4575 A RELAÇÃO
CANDIDATO/VAGA CORRESPONDENTE; PERÍODO 1990/1999
500%
% Variação da demanda
Enfermagem
400%
Geografia
Música
300% B.Artes
Biblioteconomia C. Biológicas
Química T. Ocupacional
Matemática Ed. Física Fisioterapia
200%
Letras Pedagogia
Farmácia
Física C.Sociais Direito C.Computação
História Psicologia
UFMG Medicina Comun. Social
100%
Estatística
Veterinária Arquitetura
Geologia
Filosofia Engenharias Administração
C.Contábeis
0%
Odontologia
C.Econômicas
-100%
0 5 10 15 20 25 30
Parte dessa mudança de perfil na procura por vagas pode ser explicada quan-
do se consideram as características socioeconômicas dos candidatos ao vestibular,
TABELA 2
EVOLUÇÃO DA OFERTA E DA PROCURA NA DÉCADA DE 90,
COMPARANDO-SE AS CARREIRAS DE LICENCIATURA E AS
DEMAIS CARREIRAS
FIGURA 3
DISTRIBUIÇÃO DE FREQÜÊNCIA DE FSE PARA OS CONCORRENTES
AO VESTIBULAR DA UFMG
14%
1992 1999
12%
Freqüência percentual
10%
8%
6%
4%
2%
0%
0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Valor de FSE
7. Nesse caso, a comparação tem que ser feita com o ano de 1992, uma vez que esse é o
primeiro ano para o qual os dados socioeconômicos estão disponíveis.
8. O percentual de candidatos com FSE entre zero e cinco, para o conjunto dessas três carrei-
ras, em média não ponderada, passou de 54% em 92 para 47% em 99.
9. Para três outras carreiras, Belas-Artes, Música e, sobretudo, Direito, o aumento da fração de
candidatos da escola pública foi bem inferior ao observado para o conjunto das carreiras.
Carreiras 1992 1999 1992 a 1992 1999 1992 a 1992 1999 1992 a
1999 1999 1999
Administração 4,53 4,58 4,67 41,9 50,1 45,9 5,5 3,6 4,3
Agronomia*
*
— 4,24 4,24 — 50,0 50,0 — 0,6 0,1
Arquitetura 5,92 6,03 6,10 34,3 38,6 34,6 3,0 2,7 2,9
Artes Cênicas*
*
— 4,00 4,00 — 63,8 63,8 — 0,1 0,1
Belas Artes 4,37 4,68 4,44 48,7 53,2 50,6 0,4 0,5 0,5
Biblioteconomia 3.31
, 2,14 2,63 46,9 77,7 67,3 0,7 1,2 0,9
C. Computação 4,92 4,65 4,87 43,7 52,1 49,2 3,0 3,4 3,6
Ciências Biológicas 4,54 4,15 4,17 49,3 61,0 58,9 2,0 3,2 2,6
Ciências Contábeis 2,83 2,45 2,62 59,4 74,6 68,1 3,1 1,6 2,3
C. Econômicas 5,25 4,83 5,03 33,7 48,8 43,6 1,6 1,0 1,4
Ciências Sociais 3,60 3,95 3,75 50,2 56,3 55,7 0,9 1,1 1,1
Comunicação Social 5,16 5,50 5,52 42,9 40,4 41,0 4,1 4,1 3,9
Direito 5,00 5,27 5,08 43,7 44,8 44,2 15,7 13,4 14,4
Educação Física 4,29 4,29 4,23 48,7 57,4 56,4 2,3 3,0 2,4
Enfermagem 4,44 3,43 3,73 47,4 66,7 60,6 1,6 2,9 2,2
Engenharias 5,48 4,86 5,24 45,9 51,9 47,9 10,3 8,2 7,9
Estatística 3,82 3,14 3,52 55,4 69,4 66,4 0,3 0,3 0,4
Farmácia 4,62 4,71 4,73 47,0 51,2 49,6 3,3 3,9 3,7
Filosofia 3,85 3,61 3,56 41,3 56,7 41,3 0,5 0,4 0,5
Física 4,43 3,43 3,58 52,8 67,0 61,9 0,4 0,6 0,6
Fisioterapia 5,32 5,71 5,58 38,5 38,1 38,3 2,3 2,7 2,6
Geografia 3,03 2,67 2,74 56,7 72,9 66,8 0,9 1,1 1,0
(continua)
Carreiras 1992 1999 1992 a 1992 1999 1992 a 1992 1999 1992 a
1999 1999 1999
Geologia 4,72 4,27 4,43 48,5 55,2 54,7 0,3 0,3 0,3
História 3,20 3,16 3,13 54,6 68,8 63,5 2,0 1,7 1,8
Letras 3,28 2,90 3,02 57,6 69,6 64,3 2,3 3,1 2,7
Matemática 3,46 2,53 2,73 55,5 76,6 73,1 1,0 1,3 1,3
Medicina 5,66 6,32 5,98 35,8 32,4 34,2 13,9 17,2 16,5
M. Veterinária 5,48 5,80 5,67 40,7 39,7 41,0 3,5 3,1 3,3
Música 5,68 4,89 4,87 42,1 44,7 45,1 0,1 0,2 0,1
Odontologia 5,41 5,86 5,76 40,7 37,1 38,8 7,5 4,5 6,1
Pedagogia 2,79 2,39 2,56 55,3 74,2 68,5 2,0 2,1 2,3
Psicologia 4,20 4,18 4,22 45,6 57,4 54,1 3,9 4,4 4,1
Química 3,84 2,83 2,85 55,1 74,5 70,1 0,6 0,8 0,7
Terapia Ocupacional 4,67 5,05 4,84 41,2 49,8 46,7 1,0 1,3 1,3
UFMG 4,86 4,86 4,87 44,0 49,2 47,2 100 100 100
* Cursos criados em 1999.
FIGURA 4
ORIGEM SOCIOECONÔMICA DOS CANDIDATOS A ALGUNS CURSOS,
EM TERMOS DA CLASSIFICAÇÃO EM QUARTIS DOS VALORES DE FSE
Pedagogia 9 4
65 22
4
Matemática 57 29 10
22
Direito 20 31 27
33
Medicina 10 26 31
As questões de gênero
10. Arquitetura, aqui classificada como da área de ciências exatas em razão do sistema Conselhos
Federal e Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia Confea/Creas.
Exatas Exatas
30,8% 12,7%
Artes
Artes Biológicas Humanas Biológicas
Humanas 1,0%
1,2% 34,3% 41,7% 47,2%
34,5%
Exatas Exatas
30,0% 10,2%
As questões de turno
11. Constam da figura apenas dez e não onze cursos, em razão de o curso de Ciências Contábeis
ser ofertado apenas no noturno.
12. Esta hipótese se confirma, quando se determinam os valores médios de FSE para os candida-
tos aprovados.
148
A dm
0
1
2
3
4
5
6
7
dm in
in is
25
50
75
0
100
is t/9
t/9 2-
*
2- 99
99
B
B ib
ib lio
lio B /9
B /9 io 9
io 9 lo
lo gi
gi a/
a/ 94
94 -9
-9 9
Fí 9 Fí
si
si ca
ca /9
/9 G 4-
G 4-
99
eo 99
eo gr
gr af
af ia
ia /9
/9 2-
2- H 99
H 99 is
is tó
tó ria
Dia
ria /9
FIGURA 7
FIGURA 6
/9 2-
2- 99
99 Le
Le tr
Noite
tr as
as M /9
Dia
Dia
M /9
Dia
at 8-
at 8- em 99
em 99
át
OFERTADOS EM DOIS TURNOS
át ic
Dia Noite
ic a/
Noit
a/ Pe 94
94 -9
Pe -9 da 9
Noite
Noite
da 9 go
go gi
gi a/
a/ 92
92 Q -9
9
Q -9
9
uí
uí m
m ic
ic a/
COMPARAÇÃO DOS VALORES MÉDIOS DE FSE PARA CURSOS
a/ 94
COMPARAÇÃO DO PERCENTUAL DE CANDIDATOS ORIUNDOS
94 -9
-9 9
9
DE ESCOLA PÚBLICA, PARA CURSOS OFERTADOS EM DOIS TURNOS
década de 90. Aqui, observou-se grande crescimento na procura, o que parece ter
sido, em parte, conseqüência da abertura do turno da noite, uma vez que a iniciativa
ofereceu novas opções para o estudante que trabalha, em uma área cujo prestígio,
pelas razões expostas, vem aumentando. Resulta daí que, no caso de cursos ofere-
cidos nos dois turnos, a concorrência à noite geralmente supera a do dia.
CONCLUSÕES
13. Na prática, a UFMG oferece também Direito no período noturno, mas esta oferta é infor-
mal, não havendo inscrição de candidatos por turno.
14. Para ilustrar este aspecto menciona-se que, em 2000, a UFMG ofereceu vagas em 51 cursos.
Para dois deles, Medicina e Fisioterapia, o mínimo necessário para aprovação foi igual ou
superior a 70%; para seis (Engenharia de Minas, Engenharia Metalúrgica, Pedagogia Noturno,
Estatística, Geologia e Biblioteconomia Noturno), foi inferior a 40%.
15. Registre-se a existência, nos colégios de elite de Belo Horizonte, de cursinhos destinados a
preparar, desde o primeiro ano da escola média, os candidatos que desejarem prestar o
exame seriado da Universidade de Brasília UnB.
16. Conforme indicam resultados preliminares de pesquisa realizada sobre o tema pelos autores
e ainda não publicada.
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1999.
RESUMO
Neste ensaio procuro desenvolver uma argumentação a favor da superação dos monismos
metodológicos no campo da pesquisa em sociologia da educação. Com base no que Jeffrey
Alexander (1987) denominou o novo movimento teórico, defendo a necessidade de superar a
divisão do trabalho de pesquisa entre os investigadores que se dedicam à microssociologia e os
que preferem abordagens macrossociais. Nessa perspectiva, as opções teórico-metodológicas
devem-se ancorar nas necessidades da investigação e não numa opção a priori do pesquisador
por qualquer uma das alternativas.
SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO METODOLOGIA DA PESQUISA PESQUISADORES
ABSTRACT
A ordem invisível dessa forma de vida comum, que não pode ser diretamente per-
cebida, oferece ao indivíduo uma gama mais ou menos restrita de funções ou mo-
dos de comportamento possíveis. Por nascimento ele está inserido num complexo
funcional de estrutura bem definida; deve-se conformar-se a ele, moldar-se de acor-
do com ele [...] Até sua liberdade de escolha entre as funções preexistentes é bas-
tante limitada. Depende largamente do ponto em que ele nasce e cresce nessa teia
humana, das funções e da situação de seus pais e, em consonância com isso, da
escolarização que recebe. (Elias, 1992, p.21)
.
res coexistem como permanente desafio à imaginação sociológica:
.
sociais:
.
tir das quais os atores desenvolvem os seus cálculos e orientam suas ações
no mundo social;
no interacionismo simbólico (Blumer) os significados resultam das rela-
ções sociais que se estabelecem em cada circunstância (em razão das
reações do outro), e o que define as atitudes são as imagens, significados,
sinais e linguagens que interagem na definição das situações em que se
encontram os atores sociais; Goffman, dentro dessa orientação, desen-
.
tação de processos de comportamento institucional gerados a partir de
interações face a face;
a etnometodologia (Garfinkel) desenvolveu-se a partir de uma inovação
metodológica (etnometodologia) que se pretendia mais adequada ao co-
nhecimento de como os atores constroem suas próprias normas em situa-
ções (culturais) específicas do cotidiano e com o recurso à linguagem.
...não significa contudo (que) deva ser encarado como uma unidade autônoma, ou
que a análise seja, necessariamente, limitada aos aspectos internos da escola. Pelo
contrário, é da maior importância compreender a dinâmica do grupo escola através
das conexões que estabelece com outros sistemas sociais, de amplitude variável.
(Pereira, Foracchi, 1969, p.101, grifos meus)
...um novo prisma de análise, que somente desponta no horizonte da pesquisa edu-
cacional e, ainda assim, com alcance muito restrito: falamos de uma perspectiva de
análise que incorpora o contexto socioeconômico e político de forma menos fatalis-
ta e que procura dentro da escola o que lhe é específico, sem descuidar nem do
indivíduo nem do social, mas procurando incorporar a categoria totalidade na aná-
lise da prática escolar. (Idem, p. 12)
educacionais; estas, segundo ele, indicavam taxas de evasão escolar muito superiores às en-
contradas pela nova metodologia. Hoje as pirâmides não fazem mais parte dos gráficos das
estatísticas escolares oficiais.
6. Na última Reunião Anual da ANPEd, de 1999, presenciei um debate com Alceu Ferrari, em
que o interlocutor questionava a análise do pesquisador gaúcho sobre alfabetização, com o
argumento de que ele estaria utilizando estatísticas da Fundação Instituto Brasileiro de Geo-
grafia e Estatística FIBGE e, portanto, dados do governo que não mereceriam confiança.
.
1987, p.109). Gerstein propõe quatro princípios para entender essas relações:
.
atravessa a dualidade quantitativo/qualitativo perpendicularmente e não
paralelamente;
a distinção fundamental entre micro/macro deve ser analítica. As designa-
.
ções são sempre de caráter relativo entre os níveis e, em particular, ao
propósito analítico do momento;
a natureza causal da ligação macro/micro não deve ser postulada em
princípio. Deve sempre ser considerada hipotética e incompleta. As posi-
ções que defendem causas inerentemente macro ou micro tendem ao
reducionismo; igualmente equivocadas estariam as alternativas relativistas
.
Parece mais adequado postular um potencial interativo entre os níveis
micro e macro com graus variáveis no tempo e sob diferentes condições;
o uso habitual e bem-sucedido de uma das perspectivas pode levar a posi-
ções de fidelidade teórica a determinadas escolas de pensamento ou aborda-
gens teórico-metodológicas; a competição entre opções preferenciais nes-
tes âmbitos pode ser útil à produção do conhecimento, desde que propicie
um debate produtivo, do ponto de vista do aperfeiçoamento ou apro-
fundamento das condições de compreensão dos fenômenos estudados.
.
dinâmicas micro e macrossociais:
.
totalidade. Na prática de pesquisa, no entanto, os pesquisadores redu-
zem sua atenção a determinados aspectos da cena social;
o nível macro envolve sempre muitos atores que não estão em interação
direta. O pesquisador consegue observar apenas indicadores e represen-
tações do conjunto das ocorrências, que devem ser novamente traduzi-
dos em hipóteses (interpretações) sobre as ações subjacentes a essas re-
ferências (Haferkamp, 1987, p.178).
BRANDÃO, Z.; MENDONÇA, A. W. P. Uma tradição esquecida: por que não lemos Anísio
Teixeira? Rio de Janeiro: Ravil, 1997.
BRANDÃO, Z.; BAETA, A.; ROCHA, A. C. Evasão e repetência no Brasil: a escola em ques-
tão. Rio de Janeiro: Achiamé, 1982.
GERSTEIN, D. R. To unpack micro and macro: link small with large and part and whole. In:
ALEXANDER, J. C. et al. (eds.). The Micro-macro link. California: University of California
Press, 1987.
ALESSANDRA ARCE
Doutoranda pela Faculdade de Ciências e Letras da
Universidade Estadual Paulista Araraquara
learce@zipmail.com.br
RESUMO
O artigo descreve a trajetória, bem como apresenta as conclusões de pesquisa que resultou em
dissertação de mestrado em educação, defendida em 1997, cujo objeto de estudo é o profissio-
nal que atua na educação infantil em nosso país. As análises levaram à conclusão de que, ao
longo da história, tem-se reforçado a imagem do profissional dessa área como sendo a da mulher
naturalmente educadora, passiva, paciente, amorosa, que sabe agir com bom senso, é guiada
pelo coração, em detrimento da formação profissional. A não-valorização salarial, a inferioridade
perante os demais docentes, a vinculação do seu trabalho com o doméstico e a deficiência
articulam-se à difusão da figura mitificada, que não consegue desvincular-se das significações
que interligam a mãe e a criança.
EDUCAÇÃO INFANTIL PROFISSIONAIS DE EDUCAÇÃO MULHERES RELAÇÕES DE
GÊNERO
ABSTRACT
...para ser tia da pré-escola basta somente gostar e ter jeitinho com as crianças, e
entender de psicologia da criança;
...como eu sou homem, para mim, fica difícil tratar destas crianças, a mulher é ideal;
...para mim, ser professora da pré-escola é mais fácil do que das séries iniciais, por-
que só precisa brincar com a criança e entender um pouco de psicologia, além de
ter que gostar muito de crianças.
Da boa constituição das mães depende inicialmente a dos filhos: do seio das mulhe-
res depende a primeira educação dos homens...
A educação primeira é a que mais importa, e essa primeira educação cabe incontes-
tavelmente às mulheres: se o Autor da natureza tivesse querido que pertencesse
aos homens, ter-lhes-ia dado leite para alimentarem as crianças. Falai portanto às
mulheres, de preferência, em vossos tratados de educação; pois além de terem a
Pois no cultivo da primeira infância efetivado pelo coração feminino está o funda-
mento e a direção de toda a vida futura do ser humano, uma vez que assim o
estabeleceu o Criador através da natureza e do homem. Por isso, as Jardineiras
devem ser preparadas como medianeiras entre as naturais qualidades educativas da
mãe e os naturais reclamos da infância. Desse modo, as jardineiras prestam um
auxílio às mães, que se acham impedidas na sua função maternal, porque presas aos
afazeres da vida moderna. (Froebel apud Koch, 1985, p. 62)
Para tanto, a mulher recebia uma formação que mesclava germens de uma
psicologia do desenvolvimento com a religião, por meio de manuais dirigidos às
mães que eram utilizados também como guias para o trabalho das jardineiras. Um
exemplo desses manuais é a obra de Froebel intitulada: Cantos e conversas de mãe,
de 1848. Este livro é constituído em sua primeira parte de sete conversas e canções
de mãe, pelas quais o autor pretendia levar as mães a perceberem as delícias e a
Ela ensina pouco, mas observa muito; além do mais, sua função consiste em dirigir
as atividades psíquicas das crianças bem como seu desenvolvimento fisiológico.
(Montessori, 1969, p. 156)
Ainda que a relação entre crianças e professora seja no campo espiritual, a professo-
ra pode, através de seu comportamento, encontrar um bom exemplo na boa do-
méstica. Ela mantém em ordem as vassouras do patrão, porém não lhe diz como
deve usá-las; prepara com cuidado a sua comida, mas não lhe manda comê-la; apre-
senta bem a refeição e depois desaparece. Assim devemos nos comportar com o
espírito em formação da criança: quando esta demonstra desejo, devemos estar
prontos para satisfazê-lo. A empregada não vai incomodar o patrão quando ele está
sozinho; se porém, é chamada por ele, apressa-se em saber o que deseja e respon-
derá: Sim Senhor. Admira se lhe pedem para admirar algo e diz: Como é lindo,
ainda que não consiga ver beleza alguma. Do mesmo modo, quando uma criança
faz um trabalho com grande concentração, não devemos nos interpor, porém se
mostra desejar a nossa aprovação, devemos dá-la generosamente. (Montessori, 1989,
p. 302)
O que a senhora faz no Proape? Eu recreio com eles, lavo as mãos, dou tarefas
aos meninos, recolho o material, limpo o chão quando eles sujam, boto no sanitá-
rio, faço a roda com eles, pulo corda.... (...) Não precisamos transformar as mães
em professoras. Elas precisam ser e continuar como mães, cumprindo seu papel ma-
ternal, sendo as responsáveis últimas pelos filhos. É importante que elas dotem o
grupo de 100 crianças que se congregam todos os dias nessa área livre, da sensação
de estarem numa família, pais, filhos, muitos irmãos e amigos. (Brasil,1981, p. 45-7)
Jesus lhe perguntou sobre o que haviam discutido no caminho. Eles se calaram,
porque no caminho haviam discutido entre si sobre quem seria o maior. Sentando-
se, Ele chamou os doze, e lhes disse: Se alguém quiser ser o primeiro, que seja o
último de todos e o servidor de todos. E tomando uma criança, colocou-a no meio
deles, e abraçando-a, disse-lhes: Quem recebe uma destas crianças em meu nome,
a mim me recebe, e quem a mim me recebe não é a mim que recebe senão àquele
que me enviou. (Brasil, 1977, p. 9)
É bom aprender com você a beleza essencial do seu trabalho junto às crianças.
Quem o observa pode ficar emocionado com a grandeza de alma de um educador
pré-escolar. Onde você vai buscar tanta sensibilidade, tanto jeito? Talvez nos olhos
das crianças... na pureza de sua alma, na simplicidade de sua confiança. Ou talvez na
consciência de que sob corpos enfraquecidos pelas carências ambientais se esconde
uma alma maior do que o mundo. (Brasil, 1977, p. 9)
Ao longo dos anos, sobre experiências duras e contrastantes, muitas vezes, você vai
alcançando a sabedoria. A sabedoria que você conquista pela dedicação e pelo amor,
pela coragem de doação. (...) Finalmente, parafraseando Maurice Bèjart podemos
dizer: Se você é capaz de brincar, rir, cantar, extroverter-se com uma criança, você
alcançou a liberdade. (Brasil, 1977, p.23)
Os dois livros, definidos pelo MEC como manuais (Brasil, 1977, p. 19), são
os primeiros a ser dedicados ao professor, possuindo duas finalidades distintas:
a) auxiliar os educadores pré-escolares nas suas atividades diárias junto às crianças;
b) servir de apoio nos cursos e treinamento de pessoal. Durante a apresentação
dos livros as duas finalidades são detalhadas em um item intitulado Que deseja-
mos que esses livros sejam?:
Pensamos que esses livros podem ser usados por você como referência ao seu
trabalho diário, como orientação ao planejamento das atividades pré-escolares, como
fonte de estudo, onde você pode ampliar seus conhecimentos, como dispositivo de
experiência, enfim, como material de apoio. (Brasil, 1977, p. 20)
A estas características outras se aliam como: possuir voz agradável, saber rir,
ser bonita (!), ser sincero; em nenhum momento se exige desse profissional que ele
seja um estudioso, um intelectual. O amor e a doação ilustram todo o trabalho.
Tais características, presentes no documento mencionado como exemplo,
são comuns aos demais documentos analisados. Essas características são marcadas
pela não-profissionalização, espontaneidade, utilização de trabalho voluntário, ne-
gação da teoria, exacerbada valorização da imagem de que a mulher é uma educa-
dora nata, valorizando assim seus atributos pessoais em detrimento da formação
acadêmica, além do reforço de que educar e cuidar pertencem ao mundo privado,
doméstico, das mulheres, que são as únicas possuidoras do coração de mãe,
definidos nos moldes de Froebel. Gostaria de ressaltar que na história da educação
infantil no Brasil outros autores, que datam do início do século XIX, já salientavam
aspectos defendidos com firmeza pelo documento analisado; um exemplo desse
material pode ser encontrado em Khulmann (1990), que analisa a expansão dessa
proposta educacional no Brasil, ao citar Moutinho, cujo livro sobre a creche apre-
sentava a importância da educadora como figura maternal para a formação dos
corações pequeninos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARCE, A. Jardineira, tia e professorinha:a realidade dos mitos. Campo Grande, 1997. Dissert.
(mestr.) UFMS.
CASAGRANDE, C. A Mulher sob Custódia. In: PERROT, M.; DUBY, G. História das mulhe-
res 2: a Idade Média. Porto: Afrontana, 1990. p. 99-142.
_______. Tema para reflexão: ação comunitária a partir de uma unidade pré-escolar. Rio de
Janeiro, 1983.
PERROT, M. Os Atores. In: ARIÈS, P.; DUBY, G. História da vida privada: da Revolução
Francesa a Primeira Guerra. São Paulo: Companhia das Letras, 1991. p. 89-92.
_______. História das mulheres 3: do Renascimento à Idade Moderna. Porto: Afrontana, 1991.
VANILDA PAIVA
Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de Estudos da
Cultura e Educação Continuada
vpaiva@montreal.com.br
RESUMO
O artigo aborda a retomada do conceito de capital humano nas últimas décadas no contexto da
hegemonia de organismos multilaterais mais diretamente vinculados ao pensamento e aos inte-
resses norte-americanos na área educacional, e de demandas que resultam da reestruturação
produtiva e sociocultural na Nova Era Capitalista. Ressalta a amplitude das noções metafóricas
dele derivadas (Bourdieu e outros) e indica o trecho dos Grundrisse em que Marx refere-se ao
homem como sendo o próprio capital fixo criado pelo desenvolvimento de suas capacidades no
tempo livre.
CAPITALISMO EDUCAÇÃO MARX, KARL SOCIALISMO
ABSTRACT
ON THE CONCEPT OF HUMAN CAPITAL. The article treats the retaking of the concept of
human capital in recent decades in the context of the hegemony of the multilateral organizations
more directly linked to the North American thinking and interests in the educational area and the
demands which have resulted from the productive, social and cultural restructuring of the New
Age of Capitalism. It highlights the breadth of the metaphorical notions derived from it (Bourdieu
and others) and cites the excerpt from the Grundrisse in which Marx refers to humans as fixed
assets created by the development of their abilities in their free time.
2. A edição da Europäische Verlagsanstalt EVA , uma conceituada editora alemã, não traz o
ano da reedição porque sua nota introdutória indica que se trata de uma cópia fotomecânica
da edição em dois volumes, preparada pelo Marx Engels Lenin Institut e impressa em Mos-
cou em 1939 e 1941. A EVA reuniu os dois num só volume de 1.102 páginas, composto do
Rohentwurf (Manuscrito) e do Anhang (Anexo). Integram o Anexo não apenas fragmentos,
plano da obra, anotações, mas também partes comentadas da principal obra de Ricardo.
3. O conceito de Nova Era Capitalista (Paiva, Calheiros, 2001) foi forjado como alternativa aos
conceitos de Era informacional (Castells, 1998), Era global (Albrow, 1997), Era do acesso
(Rifkin, 2000), os quais colocam num segundo plano a sobrevivência do capitalismo, seja por
uma opção teórica culturalista seja pela ênfase dada a mecanismos de funcionamento ou ao
tipo de base tecnológica dominante. O conceito de Nova Era Capitalista acentua o caráter
capitalista da transformação, sem dar por suposta a sobrevivência ou não do modo de produ-
ção capitalista com o seu desdobramento, e permite reconhecer a profundidade das mudan-
ças, capazes de levar a uma nova forma de produzir e de organizar a estrutura social.
Na base deste delírio teórico, cuja influência no meio marxista não é negligenciável,
encontramos sempre o postulado implícito de que a autonomia do trabalho engen-
dra ela mesma a exigência e a capacidade do trabalhador... a exercer a sua autono-
mia. Isto, evidentemente, não é nada: a autonomia no trabalho é muito pouco na
ausência de uma autonomia cultural, moral e política que a prolonga e que não
nasce da própria cooperação produtiva, mas da atividade militante e da cultura da
insubmissão, da rebelião, da fraternidade, do livre debate, da colocação radical em
questão e da dissidência que ela produz. (Idem, p.72, tradução nossa)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
HAUCAP, J.; WEY, C. Social capital and economic development. In: ADJIBOLOSOO, S.
Shaping the course of history and development. Lanham: University Press of America, 2000. p.
21-42.
GERSCHUNY, J. Changing times: work and leisure in postindustrial society. Oxford: Oxford
University Press, 2000.
MARX, K. Grundrisse der Kritik der Politischen Ökonomie: Rohentwurf 1857-58 e Anhang
1850-57. Frankfurt: Europäische Verlagsanstalt, s/d.
RIFKIN, I. LEra dellacesso: la rivoluzione della new economy. Milano, Mondadori, 2000.