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Cidade e patrimônio: o tombamento na percepção

dos proprietários de imóveis em Belo Horizonte*


TARCÍSIO R. BOTELHO**
LUCIANA TEIXEIRA DE ANDRADE***

Resumo: O instituto do tombamento, forma clássica de proteção ao patrimônio cultural


no Brasil, é alvo de muitas polêmicas. Os proprietários privados, o mais das vezes,
sentem-se “usurpados” em seu direito de propriedade e não vêm nas medidas
compensatórias uma saída conveniente. Para discutir esses temas, apresenta-se aqui uma
visão de conjunto acerca do impacto da ação do Conselho Deliberativo do Patrimônio
Cultural do Município de Belo Horizonte na paisagem urbana. Os dados levantados (por
meio de questionários e de pesquisa documental) apontam para várias fontes de conflito.
Os proprietários expressam um alto grau de insatisfação devido, principalmente: 1) à
forma como o tombamento foi comunicada; 2) aos meios disponibilizados para que eles
possam usufruir os incentivos, e 3) à falta de divulgação dos incentivos, como é o caso da
Transferência do Direito de Construir (TDC) e até mesmo da isenção do Imposto Predial
e Territorial Urbano (IPTU).
Palavras-chave: patrimônio cultural; tombamento; políticas urbanas.

A proteção ao patrimônio histórico em crescimento vertiginoso, houve uma renovação


Belo Horizonte ainda mais intensa das suas edificações. Atual-
mente, pouco resta das primeiras construções.
Belo Horizonte foi uma cidade planejada Segundo Castriota (1992), isso pode ser expli-
para abrigar 250 mil habitantes concentrados, cado por dois fatores: um de natureza político-
sobretudo, no perímetro da Avenida do Contorno. administrativa e outro de natureza cultural.
Em pouco mais de cem anos de existência, essa Tendo sido construída para abrigar a capital do
população quase decuplicou. No rastro desse estado, Belo Horizonte, em suas primeiras
décadas, não contou com uma atuação mais
* Este artigo é fruto do Projeto FIP/CNPq, n. 2000/20P,
intitulado Memórias em Conflito: Patrimônio Histórico e decisiva do poder municipal, uma vez que o
Monumentalização da Memória noMunicípio de Belo Hori- poder estadual comandava a maioria das ações,
zonte, financiado pela PROPPG/PUC-MG e coordenado inclusive aquelas que diziam respeito à orga-
por Luciana Teixeira de Andrade, com a participação de
Tarcísio R. Botelho como pesquisador e de Tatiana Soledade nização do espaço e às políticas urbanas. O
Delfante Melo e Nilo Lima de Azevedo como bolsistas de outro fator, de natureza cultural, refere-se às
iniciação científica. Versão preliminar foi apresentada no
VII Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais, Rio
idéias da época moderna, já presentes na
de Janeiro, de 2 a 6 de setembro de 2002. fundação da cidade. A sedução pelo que é novo
* * Doutor em História Social pela USP e professor do e moderno, somada a uma certa debilidade do
Mestrado em Ciências Sociais: Gestão das Cidades, da PUC- poder municipal, fez com que a cidade fosse
MG.
objeto de muitas renovações, comandadas, em
*** Doutora em Sociologia pelo Iuperj e professora do
sua maioria, pelos grupos privados, mas também
Mestrado em Ciências Sociais: Gestão das Cidades, da PUC-
MG. pelo poder público.

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BOTELHO, T. R.; ANDRADE, L. T. DE. Cidade e patrimônio: o tombamento...

Somente nas três últimas décadas é que um representante do Instituto Estadual do


movimentos da sociedade civil começaram a Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha/MG)
pressionar o Estado no sentido de regular as (Lei n. 3.802, de 6/7/1984, artigo 28).
ações dos grupos imobiliários e industriais em Em 1986, foi publicado o regimento interno
favor da preservação do meio ambiente, da do conselho (Decreto Municipal n. 5.531, de 17/
qualidade de vida e da memória da cidade. Os 12/1986) e, em 1989, a sua composição alterou-
primeiros protestos organizados pelos grupos se (Decreto Municipal n. 6.337, de 21/9/1989)
ambientalistas – contra a mineração na Serra passando de nove para quinze membros. Na
do Curral e contra o corte de árvores no pátio gestão do prefeito Célio de Castro (1997-2000),
de Igreja São José – juntaram-se à campanha outra alteração foi realizada: passam a compor
pela revitalização da Praça da Estação conduzida o conselho um representante da Secretaria
pelo IAB/MG, todos na década de 1970. Municipal de Atividades Urbanas e outro do
Em 1983, ocorreu a mais ampla e organi- Sindicato da Indústria da Construção Civil em
zada manifestação pela preservação do patri- Minas Gerais (Sinduscon/MG). Mais recente-
mônio cultural da cidade, motivada pela venda mente, sua composição sofreu novas alterações,
do Cine Metrópole, antigo Teatro Municipal, em decorrência da reforma administrativa de
construído em 1906, ao Banco Bradesco. Mas, 2000 (Lei Municipal n. 8.146, de 29/12/2000),
apesar de todas as manifestações contra a mas apenas no que diz respeito à denominação
demolição do prédio do cinema, da divulgação das secretarias municipais nele representadas.
da Carta-Manifesto de Belo Horizonte, assinada A primeira mudança ampliou a participação da
por 42 entidades, e da aprovação por unanimi- sociedade por meio do ingresso de representantes
dade do tombamento do prédio pelo Conselho de novas entidades e aumentou a participação
Consultivo do Iepha/MG, a decisão final sobre da prefeitura; já a segunda procurou trazer para
o seu destino coube ao então governador a “mesa” do conselho duas áreas em constante
Tancredo Neves, que, segundo o texto do seu conflito com as políticas de preservação: a cons-
despacho de 23 de agosto de 1983, “deixa de trução civil e a Secretaria Municipal de Assun-
determinar o tombamento do prédio do Cine tos Urbanos (Smau). Esta, apesar de ser um
Metrópole, nesta Capital” (PBH, 1993, p. 73). órgão da prefeitura, nem sempre agiu em
Já totalmente depredado internamente pelo seu consonância com as diretrizes e políticas de
novo proprietário, o que restou do cinema foi preservação do patrimônio.
destruído para dar lugar a mais uma agência do Até 1990, o CDPCMBH reuniu-se apenas
Banco Bradesco, um prédio de nove andares. esporadicamente. Entre 1990 e 1992, o conselho
Em julho de 1984, foi decretada a Lei aprovou vinte tombamentos (Cunha, 1997, p. 32),
Municipal n. 3.802, que organizou a proteção a maioria bens isolados como alguns colégios
ao patrimônio cultural do município e criou o (Arnaldo, Marconi, Sagrado Coração de Jesus
Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do e Sagrado Coração de Maria), um tradicional
Município de Belo Horizonte (CDPCMBH). O clube da cidade (o Minas Tênis Club), um prédio
CDPCMBH era composto por nove membros: da época da construção da cidade (chamado de
o secretário municipal de Cultura e Turismo, que Castelinho, na esquina da Avenida Afonso Pena
o presidia; o diretor do Departamento de Cultura com a Rua Espírito Santo), entre outros. A
da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo, exceção foi o Conjunto Urbano da Praça da
que substituiria o presidente em suas faltas ou Liberdade, em 4 de dezembro de 1991, que já
impedimentos; um representante do Conselho incorporava um dos aspectos da noção ampliada
Deliberativo da Região Metropolitana de Belo de patrimônio, ou seja, a passagem do bem
Horizonte; um representante da Universidade isolado para o conjunto urbano.
Federal de Minas Gerais; dois representantes Em 1994, ocorreu o tombamento de onze
da Câmara Municipal; um representante da conjuntos urbanos na área central da cidade:
Secretaria Municipal de Desenvolvimento Praça Rui Barbosa e adjacências; Praça da
Urbano; um representante do Serviço do Patri- Liberdade–Avenida João Pinheiro e adjacên-
mônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan), e cias; Praça da Boa Viagem e adjacências;

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Avenida Afonso Pena e adjacências; Rua da a motivação da excepcionalidade ou singula-


Bahia e adjacências; Rua Caetés e adjacências; ridade, seja do ponto de vista histórico, artístico
Avenidas Carandaí, Alfredo Balena e adjacên- ou arquitetônico, mas que, por fazerem parte
cias; Praça Floriano Peixoto e adjacências; de um conjunto ou estarem inseridas num
contexto específico, assumem valor cultural,
Praça Hugo Werneck e adjacências; Avenida
justificando-se assim seu tombamento. (Praxis,
Álvares Cabral e adjacências; Avenida Assis 1996, p. 12)
Chateaubriand e adjacências.
Para Brasil, esse tombamento representaria O tombamento total incide sobre os planos
um marco na proteção ao patrimônio da cidade, internos e externos do bem cultural:
não apenas pela extensão da área protegida, mas
pelo avanço conceitual: Tradicionalmente vinculada à proteção de
monumentos ou edificações de caráter excep-
‘Manchas urbanas’ e ‘pedaços’ constituíram cional, com interiores apresentando elementos
parte do escopo conceitual empregado para artísticos singulares, esta categoria máxima de
abordar os conjuntos urbanos, bem como para tombamento vem progressivamente sendo
balizar a sua proteção em consonância com a utilizada para proteger a integridade de edifi-
dinâmica sociocultural. Procuram apreender a cações cujo valor cultural está associado à
cidade em suas referências plurais: de diferen- solução da planta, ao sistema construtivo, ou
tes ‘grupos’, de seus suportes, práticas e a outro aspecto vinculado à parte interna do
representações; a cidade em suas tempora- edifício. (Praxis, 1996, p. 12)
lidades. (Brasil, 1996, p. 4)
Todas as intervenções nos conjuntos tom-
Do ponto de vista prático, o tombamento bados (construção de um novo imóvel, demo-
de conjuntos urbanos significa que as interven- lições, reformas etc.) precisam do parecer do
ções nas áreas protegidas devem ser analisadas conselho, como forma de garantir “um diálogo
pela Secretaria Municipal de Cultura. As harmônico com o objeto do tombamento, valori-
intervenções possíveis são as que não descarac- zando-o seja por referência, neutralidade ou até
terizem nem depreciem mesmo contraste” (Praxis, 1996, p. 12-13).
Além disso, foram prescritas diretrizes de recuo
os elementos e valores que motivaram seu
e altimetria para as suas construções, sobre-
tombamento [...]. Tombar não implica, portanto,
a perpetuação de edificações ou conjuntos pondo-se às definições constantes na Lei de Uso
urbanos no estado em que se encontram. Nem e Ocupação do Solo. O objetivo é preservar o
tampouco a inviabilização de investimentos entorno dos imóveis tombados e a ambiência
desde que estes venham contribuir para a dos conjuntos, mas também há o efeito comple-
valorização e promoção do patrimônio cultural, mentar de desestímulo à renovação urbana, já
em especial aqueles que propiciem a reabili- que a demolição com nova construção pode
tação de bens que se encontram deteriorados.
redundar em perda de potencial construtivo.
(Praxis, 1996, p. 11-12)
Ao longo do tempo, a Prefeitura de Belo
Horizonte foi estabelecendo uma série de
Levando-se em conta a diversidade de bens
abrangidos pelo conjunto, o CDPCMBH deter- medidas compensatórias para os proprietários
minou graus diferenciados de proteção. O de bens tombados, como a isenção do IPTU e a
primeiro deles é a declaração de interesse transferência do direito de construir. Essa última
cultural, seguido do registro documental com medida compensa proprietários de bens tomba-
fotos, plantas, textos e outros documentos. O dos com a transferência para outro imóvel do
segundo é o tombamento parcial de fachadas, potencial construtivo não utilizado em virtude das
volume e altimetria, que se aplica especialmente restrições impostas pelo tombamento (Decreto
aos conjuntos urbanos: Municipal n. 9616, de 26/6/1998).
O CDPCMBH também iniciou o que ficou
Isto porque é comum existirem nestas áreas conhecido como “negociações urbanas”. Elas
edificações que, isoladamente, não contam com constituíam um instrumento de diálogo entre os

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interesses dos proprietários e as políticas do mentação original da Gephu para tentar comple-
conselho, permitindo que se abrissem algumas tar as informações. Nesse caso, surgiram
exceções, como a de altimetria, em troca de uma problemas de outra ordem. Primeiramente, as
contrapartida pelo proprietário, que poderia ser informações encontravam-se bastante dispersas,
a restauração de um bem tombado.1 Embora o que prolongou o tempo de trabalho. Em
esse tipo de abordagem tenha significado um segundo lugar, estavam desatualizadas, o que
avanço na dinâmica de proteção ao patrimônio, dificultou a identificação dos proprietários dos
ele encontrou muita resistência e foi alvo de imóveis. Posteriormente, descobrimos que mui-
polêmicas, sendo progressivamente abandonado tos dos imóveis listados pela Gephu já não eram
pelo CDPCMBH. mais tombados, pois o próprio CDPCMBH
Como se pode ver, essa nova concepção deliberou favoravelmente ao “destombamento”
de patrimônio e da sua gestão abre espaço para de alguns imóveis, em geral pela forte pressão
a participação de diferentes atores sociais e é dos grupos interessados.2
sobre essa experiência que se pretende refletir. Apesar das dificuldades, conseguimos rela-
O instituto do tombamento não tem se estabe- cionar 618 imóveis tombados pelo CDPCMBH.
lecido sem polêmicas. Os proprietários, o mais Vê-se, pelo relato anterior, que estes eram
das vezes, sentem-se “usurpados” em seu direito números aproximados, pois as dificuldades com
de propriedade e não vêem nas medidas com- a obtenção dos dados não permitem afirmar
pensatórias uma saída conveniente. Por outro cabalmente qual era o universo desses imóveis
lado, ainda não existe uma visão de conjunto à época. Além disso, a dinâmica dos tomba-
acerca do impacto da ação do conselho na mentos introduz constantes mudanças nesse
paisagem urbana de Belo Horizonte. Assim, número, incluindo-se alguns e excluindo-se
pretende-se adiante discutir a prática de proteção outros em quase todas as reuniões do conselho.
ao patrimônio cultural em Belo Horizonte, rela- Assumimos que esse número aqui utilizado é
cionando-a com a recepção da política patrimo- uma aproximação bastante confiável do que era
nial local por parte dos proprietários de bens o conjunto de bens imóveis tombados pelo
imóveis tombados. Procura-se mostrar os avan- conselho até fevereiro de 2001.
ços e os impasses de tais políticas, sobretudo no Com base nas informações coletadas na
que diz respeito à relação dos proprietários com Gephu, foi possível traçar um perfil dos imóveis
a Prefeitura Municipal de Belo Horizonte. tombados e da evolução do tombamento desde
que se iniciou tal política pela Prefeitura
O perfil dos imóveis tombados pelo Municipal de Belo Horizonte. Dos 618 imóveis
CDPCMBH identificados, a maioria pertencia ao Conjunto
Urbano do Bairro Floresta (30%), seguida do
Em 2000, iniciamos uma pesquisa para Conjunto Urbano com Tipologia de Influência
definir o perfil dos imóveis tombados pelo da Comissão Construtora (15%). Também a
CDPCMBH. Uma primeira dificuldade foi obter Praça da Liberdade, a Rua dos Caetés e a
informações sobre imóveis tombados. Em prin- Avenida Afonso Pena apresentavam uma certa
cípios de 2001, data de referência da pesquisa, concentração, com cada um desses conjuntos
os dados não se encontravam consolidados pela aproximando-se de 10% do total de imóveis
Gerência de Patrimônio Histórico Urbano tombados. Somando-se os conjuntos Praça da
(Gephu) – antigo Departamento de Memória e Liberdade, Praça da Boa Viagem, Rua da Bahia,
Patrimônio Cultural (DMPC). Recorremos Avenida Álvares Cabral, Avenida Afonso Pena,
inicialmente à base de dados que vinha sendo Praça Rui Barbosa e Rua dos Caetés, pode-se
montada pela Secretaria Municipal de Cultura, dizer que pelo menos 40% dos imóveis tombados
que nos foi gentilmente cedida. Entretanto, essa encontravam-se na área central de Belo Hori-
base incluía até então cerca de metade dos
imóveis tombados. Tivemos de voltar à docu- 2. Ressalte-se que hoje essas informações encontram-se
organizadas na Gephu, tendo sido resolvidos os problemas
1. Sobre o tema, ver Andrade e Esteves (2002). aqui apontados.

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zonte, dentro de um raio relativamente pequeno Do total de imóveis tombados, três quartos
de distância (Tabela 1). eram de propriedade particular enquanto apenas
10% pertenciam ao Estado e 3,4%, a grupos
Ta b e la 1 - Be ns imó ve is t o mb a d o s s e gund o religiosos (sobretudo a Igreja Católica) (Tabela
o c o nj unt o ur b a no 2). Esse perfil é bastante distinto do que se
Co njunt o urba no N % observa entre os imóveis tombados pelo Iphan,
P r a ç a Rui Ba r b o s a 26 4,21
em que predominam os bens públicos ou perten-
centes à Igreja (Rubino, 1996). Já é uma primeira
P r a ç a d a Lib e r d a d e 61 9,87
indicação de como políticas locais de proteção
P r a ç a Hugo We r ne c k 14 2,27
ao patrimônio histórico podem assumir perfil
P r a ç a F lo r ia no P e ixo t o 15 2,43
bastante distinto das políticas nacionais e esta-
Ba ir r o F lo r e s t a 185 29,94
duais. Por outro lado, evidencia o potencial de
C o mis s ã o C o ns t r ut o r a 93 15,05
conflitos que tais políticas carregam, já que são
Ave nid a s C a r a nd a í /
42 6,80 implementadas pelo poder local, portanto mais
Alfr e d o Ba le na
próximo daqueles atingidos.3
Rua d o s C a e t é s 59 9,55
A distribuição dos bens tombados pelos
P r a ç a d a Bo a Via ge m 11 1,78
conjuntos mostra que tal ênfase nos bens parti-
Rua d a Ba hia 13 2,10
culares se expressa com mais veemência em
Ave nid a Álva r e s C a b r a l 21 3,40
alguns conjuntos. Assim, os conjuntos do Bairro
Ave nid a Afo ns o P e na 57 9,22
Floresta, da Comissão Construtora e da Avenida
To mb a me nt o s is o la d o s 21 3,40
Afonso Pena são aqueles em que essa tendência
To t a l 618 100,00 é mais forte, apresentando entre 82% (Floresta)

Ta b e la 2 - Be ns imó ve is t o mb a d o s s e gund o o c o nj unt o ur b a no e o t ip o d e p r o p r ie d a d e


C l ube o u Se m
Co njunt o urba no Pa rt i c ul a r Es t a do R e lig io s o To t a l ( N )
a s s o c ia ç ã o i nf o rma ç ã o
P r a ç a Rui Ba r b o s a 30,8 61,5 0,0 0,0 7,7 26
P r a ç a d a Lib e r d a d e 67,2 26,2 3,3 3,3 0,0 61
P r a ç a Hugo We r ne c k 35,7 7,1 0,0 35,7 21,4 14
P r a ç a F lo r ia no P e ixo t o 66,7 13,3 13,3 0,0 6,7 15
Ba ir r o F lo r e s t a 82,7 3,8 2,7 0,0 10,8 185
C o mis s ã o C o ns t r ut o r a 94,6 0,0 1,1 2,2 2,2 93
Ave nid a s C a r a nd a í /
71,4 4,8 2,4 2,4 19,0 42
Alfr e d o Ba le na
Rua d o s C a e t é s 91,5 8,5 0,0 0,0 0,0 59
P r a ç a d a Bo a Via ge m 72,7 0,0 18,2 0,0 9,1 11
Rua d a Ba hia 46,2 15,4 23,1 7,7 7,7 13
Ave nid a Álva r e s C a b r a l 90,5 4,8 0,0 0,0 4,8 21
Ave nid a Afo ns o P e na 64,9 17,5 1,8 0,0 15,8 57
To mb a me nt o s is o la d o s 42,9 4,8 19,0 4,8 28,6 21
% 75,7 10,2 3,4 1,9 8,7 100,0
To t a l
N 468 63 21 12 54 618

3. Um exemplo desse potencial de conflito pode ser visto de dos tombamentos iniciais. Uma análise desse caso pode
no caso do tombamento do Conjunto Urbano do Bairro da ser encontrada no relatório de pesquisa Direito à memória
Floresta, em que uma enorme reação dos proprietários atin- e gestão do patrimônio (2003), financiada pela Fapemig e
gidos levou ao acatamento da impugnação de mais da meta- coordenada por Luciana Teixeira de Andrade.

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BOTELHO, T. R.; ANDRADE, L. T. DE. Cidade e patrimônio: o tombamento...

e 92% (Rua dos Caetés) de seus imóveis de revisar todos os conjuntos tombados e a corrigir
propriedade particular. Em contraposição, os muitos dos erros cometidos nos anos iniciais da
conjuntos da Praça Rui Barbosa e da Praça da política municipal de patrimônio. Como conse-
Liberdade são aqueles com maior concentração qüência, os tombamentos realizados resultaram
de bens estatais, reflexo das funções desem- da extensão da medida a novos imóveis que já
penhadas por tais espaços: o primeiro deles faziam parte dos conjuntos urbanos definidos
abriga imóveis da Rede Ferroviária Federal e para proteção. Em segundo lugar, parece haver
da UFMG, enquanto o segundo é sede do um certo arrefecimento da disposição em tom-
governo estadual. Entretanto, somente no da bar, advinda da certeza de que o principal já foi
Praça Rui Barbosa os imóveis públicos superam feito em termos de proteção à memória arqui-
os imóveis de propriedade particular Outros tetônica da cidade, mas também dos receios
conjuntos de destaque no que diz respeito à quanto às reações negativas que o tombamento
presença de imóveis públicos são: Praça Floriano gera nos proprietários dos imóveis atingidos pela
Peixoto, Rua da Bahia e Avenida Afonso Pena. medida.4
Os tombamentos também conheceram um Quando distribuímos os imóveis segundo o
ritmo peculiar. Embora existam problemas com ano do tombamento e o conjunto ao qual
os dados, pois não obtivemos a informação sobre pertencem, fica evidente que esse ritmo é
a data de tombamento para todos os imóveis, diferenciado conforme o conjunto. Aqueles que
pode-se dizer que a maior parte deles foi reali- conheceram de maneira intensa o tombamento
zada entre 1994 e 1996, anos em que há uma ainda nos anos iniciais da sua disseminação no
estruturação mais eficiente do Departamento de município foram a Avenida Álvares Cabral, a
Memória e Patrimônio Cultural (DMPC), ainda Avenida Afonso Pena, a Praça da Boa Viagem,
dentro da Secretaria Municipal de Cultura a Rua dos Caetés e a Praça Hugo Werneck.
(Cunha, 1997). Esse período concentra 80% dos Uma segunda leva ocorreu em 1995, quando
tombamentos, com uma queda vertiginosa no foram intensamente atingidos os conjuntos
ano de 1997. Em 1998, há um crescimento do Avenidas Carandaí/Alfredo Balena, Floriano
número de tombamentos, mas nos anos seguin- Peixoto, Avenida Afonso Pena e Praça da
tes o ritmo é decrescente (Tabela 3). Esse Liberdade, com tombamentos significativos
decréscimo dos tombamentos deve-se a dois também na Avenida Álvares Cabral e na Rua
fatores. De um lado, o DMPC dedicou-se a da Bahia. Em 1996, é promovido o tombamento

Ta b e la 3 - Be ns imó ve is t o mb a d o s s e gund o o a no d o t o mb a me nt o e o t ip o d e p r o p r ie d a d e
A no do C l ube o u Se m To t a l
Pa rt i c ul a r Es t a do R e lig io s o
t o mba me nt o a s s o c ia ç ã o i nf o rma ç ã o N %
1994 64,6 20,4 4,4 5,3 5,3 11 3 28,0
1995 84,2 0,0 2,5 0,0 13,3 120 29,7
1996 67,8 5,6 5,6 0,0 21,1 90 22,3
1997 75,0 0,0 0,0 25,0 0,0 4 1,0
1998 29,2 41,7 8,3 6,3 14,6 48 11 , 9
1999 76,5 0,0 5,9 0,0 17,6 17 4,2
2000 75,0 16,7 8,3 0,0 0,0 12 3,0
% 67,8 12,4 4,7 2,5 12,6 100,0
To t a l
N 274 50 19 10 51 404

4. A constatação desse arrefecimento dos tombamentos dá


validade aos dados aqui apresentados, mesmo tendo já de-
corridos cinco anos da pesquisa.

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do Bairro da Floresta, resultado da mobilização A percepção do tombamento pelos


de parte de seus moradores, mas que posterior- proprietários dos imóveis
mente foi alvo de intensa contestação. Após o
interregno de 1997, em 1998 os tombamentos Para conhecer o perfil e a opinião dos
atingem sobretudo os conjuntos da Praça Rui proprietários privados de imóveis tombados pelo
Barbosa, Praça Hugo Werneck e Rua da Bahia. CDPCMBH, optou-se pela elaboração de um
Em 1999 e 2000, já não se percebe nenhuma questionário a ser aplicado a eles. Procurava-
concentração maior, tratando-se mais de tomba- se, ainda, conhecer melhor que tipos de imóveis
mentos resultantes de revisões de conjuntos. eram esses. Para iniciar a aplicação dos questio-
Apenas a Praça da Liberdade, as Avenidas nários, preferimos não montar uma amostra
Carandaí/Alfredo Balena e a Rua dos Caetés aleatória, pois não tínhamos no momento
conhecem uma maior concentração, devendo- informações precisas sobre todos os imóveis.
se destacar o peso dos tombamentos isolados Assim, selecionamos aqueles conjuntos que
ocorridos em 1999 (Tabela 4). Deve-se destacar expressavam a diversidade que percebíamos
que os conjuntos do Bairro Floresta e da Comis- existir no conjunto dos imóveis tombados na
são Construtora apresentam um grande número cidade. Montamos uma escala de conjuntos a
de casos em que não pudemos determinar o ano serem percorridos, de modo que passávamos
do tombamento. Como esses conjuntos contêm para o seguinte apenas quando esgotávamos o
um número expressivo de imóveis tombados, anterior. Os conjuntos investigados foram:
talvez a determinação precisa das suas datas • Rua Caetés: área estritamente comercial
possa alterar o sentido de algumas das análises do centro da cidade;
feitas anteriormente. Todavia, pelo conheci- • Bairro Floresta: área predominantemente
mento da dinâmica dos tombamentos, eles residencial, vizinha ao centro, mas com
provavelmente concentrar-se-ão em alguns dos características bastante marcantes de
anos já analisados. bairro;

Ta b e la 4 - Be ns imó ve is t o mb a d o s s e gund o o c o nj unt o ur b a no e o a no d e t o mb a me nt o 5


Se m To t a l
Co njunt o urba no 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 i nf o rma ç ã o (N )
P r a ç a Rui Ba r b o s a 0,0 0,0 0,0 0,0 92,3 7,7 0,0 0,0 26
P r a ç a d a Lib e r d a d e 24,6 45,9 0,0 0,0 8,2 1,6 14,8 4,9 61
P r a ç a Hugo We r ne c k 35,7 0,0 0,0 0,0 64,3 0,0 0,0 0,0 14
P r a ç a F lo r ia no P e ixo t o 26,7 60,0 6,7 0,0 0,0 0,0 0,0 6,7 15
Ba ir r o F lo r e s t a 0,0 0,0 47,0 0,0 0,0 0,5 0,0 52,4 185
C o mis s ã o C o ns t r ut o r a 1,1 6,5 0,0 2,2 0,0 2,2 0,0 88,2 93
Ave nid a s C a r a nd a í /
21,4 64,3 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 14,3 42
Alfr e d o Ba le na
Rua d o s C a e t é s 42,4 37,3 1,7 0,0 0,0 1,7 1,7 15,3 59
P r a ç a d a Bo a Via ge m 45,5 18,2 0,0 9,1 0,0 9,1 9,1 9,1 11
Rua d a Ba hia 7,7 30,8 0,0 0,0 61,5 0,0 0,0 0,0 13
Ave nid a Álva r e s C a b r a l 61,9 33,3 0,0 0,0 0,0 4,8 0,0 0,0 21
Ave nid a Afo ns o P e na 55,4 35,7 1,8 0,0 0,0 1,8 0,0 5,4 56
To mb a me nt o s is o la d o s 19,0 28,6 0,0 4,8 9,5 33,3 4,8 0,0 21
To t a l ( N ) 11 4 131 90 4 48 17 12 202 617

5. Há um caso de tombamento em 1992, no conjunto Ave-


nida Afonso Pena, que não está incluído nessa tabela.

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BOTELHO, T. R.; ANDRADE, L. T. DE. Cidade e patrimônio: o tombamento...

• Comissão Construtora: imóveis que se Ta b e la 5 - M e io s a t r a vé s d o s q ua is fic o u


encontram espalhados pela área central da s a b e nd o d o t o mb a me nt o
cidade, formam um conjunto diversificado, M e io s N %
pois comporta residências, imóveis com uso S e c r e t a r ia M unic ip a l d e
comercial e uso misto; 48 44.0
C ult ur a
• Praça da Liberdade: área em que predo- I mp r e ns a 11 10.1
mina o uso comercial, mas que conta com Vizinho s 2 1.8
diversas residências; N ã o s e le mb r a 5 4.6
• Praça da Boa Viagem: área em que C o me r c ia nt e s 1 0.9
predomina o uso comercial, mas que conta
C o ns t r ut o r a 2 1.8
com diversas residências;
Afir ma nã o s e r t o mb a d a 3 2.8
• Praça Hugo Werneck: área de uso quase
N o s s a p e s q uis a 8 7.3
que exclusivamente comercial (predomínio
P BH p e s s o a lme nt e 2 1.8
de equipamentos da área de saúde), com
algumas residências; As s o c ia ç ã o d o b a ir r o 4 3.7
C a r t a d e a d vo ga d o q ue
• Avenidas Carandaí/Alfredo Balena: área 2 1.8
o fe r e c ia s e r viç o s
de uso quase que exclusivamente comercial
N ã o d e c la r o u 21 19.2
(predomínio de equipamentos da área de
saúde), com algumas residências; To t a l 109 100.0

• Praça Floriano Peixoto: área de uso misto,


comportando imóveis com uso comercial e houve grande repercussão na imprensa. Um
residencial; entrevistado se referiu a uma reportagem no
jornal, segundo a qual mil imóveis tinham sido
• Avenida Álvares Cabral: área de uso pre-
tombados, e completou: “Dentre eles estava o
dominantemente comercial, com algumas
meu”. É interessante notar que 7,3% dos entre-
residências.
vistados vieram a saber que o seu imóvel era
Foram aplicados 109 questionários ao longo tombado no momento em que foram abordados
do primeiro semestre de 2001. Isto corresponde por nossa pesquisa. Desses, alguns se dirigiram
a 17,6% de todos os imóveis tombados pelo à Secretaria Municipal de Cultura para obter
CDPCBH e 23,3% dos imóveis privados prote- maiores esclarecimentos sobre as implicações
gidos pelo tombamento municipal. Como não foi do ato.
possível realizarmos uma amostragem aleatória, Em relação à maneira como os proprietá-
não se podem indicar uma margem de erro e rios avaliam a forma de comunicação do tomba-
um grau de confiabilidade. Entretanto, os mento, 45,9% consideram péssimo ou regular,
resultados obtidos podem ser tomados como um 14,7% regular e apenas 7,3% bom e ótimo
indicador seguro do comportamento dos proprie- (Tabela 6). O principal motivo de desconten-
tários de imóveis nos nove conjuntos pesqui- tamento deve-se, segundo a avaliação dos
sados. entrevistados, à impessoalidade do processo.
A primeira questão dessa parte do questio- Consideram a comunicação formal “fria e
nário procurou conhecer a forma de comuni- impessoal” e lamentam que não foram procu-
cação, aos proprietários, do tombamento do seu rados pessoalmente: “Deviam ter me procurado
imóvel pela prefeitura; a sua avaliação dessa pessoalmente”, relatou uma entrevistada. Outra
comunicação, se ela gerou ou não reações e de pessoa entrevistada, que soube do tombamento
que natureza. A maior parte, 44,4%, tomou pela imprensa, avalia que “deveriam primeiro
conhecimento do tombamento pela Secretaria avisar aos proprietários, depois publicar no
Municipal de Cultura. Em segundo lugar, apare- jornal”. Outros, ainda mais insatisfeitos, alegam
ce a imprensa, com 10% dos casos (Tabela 5). falta de direito de defesa: “só fomos avisados
Como a maioria dos tombamentos foi de depois do fato consumado”; “o processo deveria
conjuntos urbanos, e não de imóveis isolados, ser mais transparente, mais aberto”; “um total

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SOCIEDADE E CULTURA, V. 8, N. 2, JUL./DEZ. 2005, P. 91-101

Ta b e la 6 - Ava lia ç ã o d a fo r ma d e c o munic a - deve ou não ser tombado. Para um proprietário,


ç ã o d o t o mb a me nt o seu imóvel tem uma fachada comum; outro avalia
Nº % que o seu não tem valor; outro disse que já havia
P é s s imo 23 21.1 descaracterizado o imóvel para evitar o tomba-
mento e que mesmo assim ele foi tombado. Para
Ruim 27 24.8
outro, “o tombamento é um ato de pessoas
Re gula r 16 14.7
invejosas que querem destruir o que eles con-
Bo m 7 6.4
quistaram”. Um caso curioso é o de um proprie-
Ó t imo 1 0.9 tário que inicialmente reagiu ao tombamento,
S e m info r ma ç ã o 35 32.1 mas que, a partir de então, passou a conservar
To t a l 109 100.0 melhor seu imóvel.
Uma questão específica foi elaborada para
desrespeito ao proprietário”; “com uma carta aqueles que adquiriram imóveis já tombados,
eles tombam”. Expressões mais fortes, como como o objetivo de conhecer as suas razões.
“déspota” e “processo ditatorial”, também foram Apenas sete imóveis enquadravam-se nesse
registradas. Por outro lado, há uma minoria que grupo. Entre esses, a maioria dos novos proprie-
acha que o processo foi correto, normal. Um tários comprou com a intenção de dar um uso
proprietário disse ter sido “uma surpresa legal”. comercial ao imóvel e para isso valorizavam a
A questão da comunicação é um dos nós “beleza do imóvel”, seu “requinte”, o “bom
do processo de preservação. Os administra- estado de conservação” e também a sua locali-
dores públicos e o corpo técnico do patrimônio zação. O que se pode ver aqui é que, para
argumentam que, quando o tombamento é determinados usos, o fato de o imóvel ser um
divulgado, há uma corrida pela demolição ou patrimônio preservado é considerado como
descaracterização dos imóveis; daí a necessi- positivo.
dade do sigilo. Para os proprietários, porém, Outro bloco de questões procurou avaliar
esses cuidados assumem um caráter invasivo e o conhecimento e a opinião dos entrevistados
até mesmo ofensivo. acerca da política municipal de tombamento e
Dos 78 proprietários que responderam à dos incentivos municipais aos proprietários de
questão sobre como procedeu após tomar imóveis tombados. Quando perguntados se
conhecimento do tombamento, 34 responderam
conheciam a política municipal de tombamento,
que aceitaram e 44 que reagiram. Entre os que
30,3% responderam que sim, 50,5% que não e
reagiram, as formas mais utilizadas foram, em
19,3% não responderam. Já quando perguntados
primeiro lugar, o recurso e, em segundo lugar, a
se conheciam os incentivos aos proprietários de
obtenção de informações junto aos órgãos
imóveis tombados, aumentou o nível de respos-
públicos. Entre os que aceitaram, estão: 1) os
tas conhecidas: 51,4% responderam que sim e
que residem no imóvel e não têm intenção de
sair ou vender; 2) os que desejam preservá-lo e 33,9% que não. Na pergunta espontânea, o
concordam com o tombamento; 3) os que se incentivo mais conhecido é a isenção de IPTU:
denominaram realistas, uma vez que procuraram 44% o conhecem, seguido de bem longe pela
ver o que era possível fazer e os benefícios que Transferência do Direito de Construir (TDC),
poderiam auferir, como a isenção do IPTU, a 3,7%. Quando estimulados, 75% disseram
construção de um prédio junto ao imóvel conhecer a isenção de IPTU e 24,8 % a TDC.
tombado ou a modificação do imóvel, quando o No entanto, apenas 26,6% usufruem da isenção
tombamento permite. Um proprietário conseguiu do IPTU e nenhum entrevistado fez uso da
que retirassem a banca de revistas em frente TDC.6
ao seu imóvel, uma vez que esta atrapalhava a
sua visibilidade. 6. Trata-se de um instrumento novo na política urbana da
Entre as respostas sobre como reagiram cidade e também pouco conhecido pela população. Mas já é
possível ver em casas tombadas que estão sendo vendidas
ao tombamento, percebe-se alguns conflitos em faixas que anunciam que o comprador pode transferir o
torno da definição do que é o patrimônio e o que direito de construir.

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BOTELHO, T. R.; ANDRADE, L. T. DE. Cidade e patrimônio: o tombamento...

Entre os proprietários que conheciam a nas políticas públicas de preservação do patri-


isenção do IPTU, 62% avaliam-na positiva- mônio. A mais visível delas é a forma de comu-
mente e 38% negativamente. Estes últimos nicação das informações pelo poder público, mas
alegam que o processo para conseguir a isenção também pelo Conselho Deliberativo do Patrimô-
é muito burocrático, que dá muito trabalho e que nio Cultural do Município. Nesse aspecto, as
precisam requerê-la todos os anos. 7 Outra respostas dos proprietários expressam um alto
reação é que o valor do imposto é baixo em grau de insatisfação, devido principalmente: 1)
relação ao que gastam para conservá-lo, o que à forma como o tombamento foi comunicado;
se aplica principalmente em bairros como a 2) à falta de divulgação dos incentivos, como é
Floresta, em que o valor venal do imóvel e, o caso mais explícito da TDC, mas até mesmo
conseqüentemente, do IPTU é baixo. Já em do IPTU, e 3) aos meios disponibilizados para
conjuntos como o da Praça da Liberdade, o valor que eles possam usufruir dos incentivos.
do IPTU é bastante alto, o que o torna um Embora os questionários tenham sido
benefício mais cobiçado e valorizado. Segundo aplicados em 2001, poucos avanços foram
um entrevistado desse conjunto, o valor do seu observados em relação a esses aspectos. No
IPTU é de 6 mil reais (em 2001), o que ajuda na entanto, a aprovação do Estatuto das Cidades
conservação da sua casa. Mesmo assim, há um (Lei Federal n. 10.257, de 10 de julho de 2001)
depoimento de um entrevistado que diz que a abriu novas perspectivas para a adoção de
isenção de um IPTU de 600 reais ajuda muito. políticas de proteção ao patrimônio local. O
Muitos reclamam dos procedimentos burocrá- poder público municipal passou a contar com
ticos e da sua lentidão e demandam a isenção instrumentos mais efetivos de gestão do solo
automática. Outros que alugam seus imóveis se urbano, que podem oferecer melhores alterna-
dizem indiferentes, uma vez que é prática tivas para o enfrentamento dessas questões. De
corrente nas locações o repasse do pagamento todo modo, a incorporação da preservação do
do IPTU aos inquilinos. De todo modo, parece patrimônio cultural como atribuição do governo
claro que os incentivos fiscais e de outra local (Lei n. 10.257, Art. 2o, Inciso XII, e Art.
natureza para os proprietários de bens tombados 37, Inciso VII) já demonstra a consolidação dessa
ainda são pouco explorados e mereceriam uma tendência, que vinha se configurando desde a
maior atenção por parte dos gestores da política década de 1980. No caso específico de Minas
municipal de patrimônio cultural. Gerais, um incentivo adicional às políticas locais
de proteção ao patrimônio cultural veio com a
Considerações finais chamada Lei Robin Hood, que passou a consi-
derar este como um quesito ponderado na
Acreditamos que a pesquisa realizada destinação de uma parcela do repasse do ICMS
trouxe informações novas, em razão da pouca aos municípios (Botelho, 2005). Resta alertar
produção de dados semelhantes para outros para a necessidade do poder público local estar
lugares do Brasil.8 Além da novidade, a análise atento à recepção e à reação às práticas de
dos dados aponta para os vários focos de conflito proteção, por parte dos proprietários dos imóveis
entre prefeitura e proprietários de bens tombados afetados, que podem ser os fatores decisivos
e até mesmo para a necessidade de mudanças para a adoção e a manutenção desse tipo de
política pública.
7. A isenção do IPTU só é concedida se o imóvel estiver
em bom estado de conservação, daí que a prefeitura ale-
gue a necessidade da renovação anual, mediante vistoria
no imóvel.
Abstract: The establishment of the heritage institute is
8. Estamos nos referindo, nesse caso, a abordagens que
still giving rise to voices of dissent. As a whole, real
tomam o poder local como instância promotora do tom-
bamento e, portanto, como foco dos conflitos. Obvia- estate owners feel they are having their rights to property
mente, existem outros trabalhos sobre a percepção dos “usurped”, and are reluctant to accept the compensatory
proprietários acerca do tombamento e dos conflitos com measures offered to them on the grounds that they fail to
o poder público estadual e federal; veja-se, por exemplo, meet their needs. To discuss these points, this paper
Tamaso (1998) e Meniconi (2004). offers a bird’s eye view of the impact on the urban

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SOCIEDADE E CULTURA, V. 8, N. 2, JUL./DEZ. 2005, P. 91-101

landscape caused by the actions taken by the Cultural BRASIL, Flávia de Paula Duque. Parecer: relatório
Heritage Deliberative Council of Belo Horizonte. The de Revisão do Conjunto Urbano da Avenida Afonso
data collected (by questionnaires and archival research) Pena. Belo Horizonte: Secretaria Municipal de
point to different sources of conflict. The owners Cultura, 1996. [Mimeo.]
expressed deep dissatisfaction especially with: 1) the way
the listing of their property was communicated to them, CASTRIOTA, Leonardo Barci. Algumas conside-
2) the means made available for them to have their fair rações sobre o patrimônio. In: Arquiamérica: I Pan-
share of the incentives offered, 3) the fact that the American Congress of Architectural Heritage. Ouro
incentives were not duly divulged as is the case with Preto, set., 1992.
Transferência do Direito de Construir (TDC) – CUNHA, Flávio Saliba. Patrimônio cultural e gestão
Transference of the Right to Build and Imposto Predial e democrática em Belo Horizonte. Varia História. Belo
Territorial Urbano (IPTU) – local public service rates.
Horizonte, 1997.
Key-words: cultural heritage; listing practices; urban MENICONI, Evelyn Maria de Almeida. Monumento
policies. para quem? A preservação do patrimônio nacional
e o ordenamento do espaço urbano de Ouro Preto
(1937-1967). Belo Horizonte, 2004. Dissertação
Referências (Mestrado em Ciências Sociais) – PUC-MG.
PBH. Patrimônio cultural: carta de princípios. Belo
ANDRADE, Luciana Teixeira de. Direito à memória Horizonte: s./d. [Mimeo.]
e gestão do patrimônio. Belo Horizonte: Fapemig, PBH. Metrópole: a trajetória de um espaço cultural.
PUC-MG, 2003. [Relatório de Pesquisa]. Belo Horizonte, 1993.
ANDRADE, Luciana Teixeira de; ESTEVES, Paulo PRAXIS Projetos e Consultoria, Departamento de
Luiz. Negociações urbanas: gestão de conflitos em Memória e Patrimônio Cultural. Diretrizes de
torno do patrimônio. In: FERNANDES, Edésio; Proteção de Conjuntos Urbanos. Belo Horizonte:
RUGANI, Jurema (Eds.). Cidade, memória e 1996. [Mimeo.]
legislação: a preservação do patrimônio na pers- RUBINO, Silvana. O mapa do Brasil passado.
pectiva do direito urbanístico. Belo Horizonte: IAB/ Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacio-
MG, 2002. p. 169-179. nal. Rio de Janeiro, 24, p. 97-105, 1996.
BOTELHO, Tarcísio R. Patrimônio cultural e gestão TAMASO, Izabela Maria. “Tratorando” a história:
das cidades: uma análise da Lei do ICMS Cultural percepções do conflito na prática da preservação
de Minas Gerais. Paper apresentado ao XII do patrimônio cultural edificado em Espírito Santo
Congresso Brasileiro de Sociologia, Belo Horizonte, do Pinhal. Brasília, 1998. Dissertação (Mestrado em
maio/jun., 2005. Antropologia Social) – PPGAS/UnB.

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