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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO


DEPARTAMENTO DE PESQUISA

PROGRAMA INSTITUCIONAL DE BOLSAS DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA – PIBIC CNPq e PIBIC


UFPA

Capital social e associativismo de pescadores do município de Bragança-PA

Flávia Maria Costa Nascimento


Departamento de Sociologia, UFPa, PIBIC/UFPa
CEP: 66095-700 Belém-Pa Tel: (091) 88044751, flasociolog@yahoo.com.br

RESUMO
O estudo “Capital social e associações de pescadores”, está pautado na análise de três associações de
pescadores do município de Bragança – PA, sob o enfoque teórico do capital social. Procurou-se
investigar as virtudes desse capital dentro das associações, verificando como elas se organizam em
quanto grupo, que tipo de resultados elas alcançam, o nível de participação de cada uma delas no seu
contexto local. Segundo Putnam, estas virtudes que requerem um conjunto de condições de natureza
estrutural, cultural e “organizacional” se demonstram favoráveis à participação cívica. Foram,
entretanto, mencionadas algumas restrições feitas a Putnam por outros autores em relação ao caráter
quantitativista e ao individualismo metodológico de suas análises. No caso em estudo, as associações
analisadas apresentaram alguma fragilidade em termos de capital social, notadamente a falta de
coerência em relação aos objetivos propostos e o fraco grau de confiança mútua entre seus membros
e para com seus dirigentes.

ABSTRACT

The "Social Capital and Associations of fishermen” study, based in the analysis of three associations
of fishermen of the municipality of Bragança - PA, is focused on the Social Capital theory. He trie to
investigate the virtues of the social capital inside of the associations, verifying like them is organized
as group, the type of results he is reached, the level of participation of each of his members in his
local context. According to Putnam, these virtues, that request a group of conditions of structural,
cultural and "organizational" nature, demonstrate favorable conditions to the civic participation.
Some other authors, however, mention some restrictions as regards to Putnam in relation to the
quantitativist character and to the methodological individualism of their analyses. In the case in
study, the analyzed associations presented some fragility in terms of social capital, especially the

1
coherence lack in relation to the proposed objectives and the weak degree of mutual trust among
their members and to their leaders.

INTRODUÇÃO

Este trabalho foi elaborado a partir do projeto de pesquisa Estudo sobre


Participação Política em Associações Rurais na Amazônia Oriental - EPAR1,
do qual participei como bolsista e que tem por objetivo analisar a participação cívica
de grupos camponeses (agricultores, pescadores, artesãos e extrativistas de base
familiar) organizados em associações, destacando o debate sobre gênero, através de
associações de mulheres e dialogando com outras temáticas, como a do meio
ambiente. Neste sentido, o EPAR se propõe a fazer uma reflexão sobre participação
e outros processos que auxiliem na construção da cidadania e no fortalecimento da
democracia.
Não faltam estudos sobre associativismo, entre as quais podemos destacar as
de Putnam (2001), Coleman (1990), Frey (2002), Avitzer (1997,2002) e
Kerstenetzky (2003), que estabeleceram alguma relação entre as pessoas envolvidas
nessas associações e alguma forma de desenvolvimento. No estágio atual de meus
conhecimentos, não se tem estudado esta relação em contexto tão especifico como a
Amazônia, principalmente no que diz respeito à participação política, justificando,
desta forma, a relevância desta pesquisa. Esta relevância se reforça quando se
considera a grande difusão recente de associações no meio rural de nossa região, a
maioria das quais criadas para fins de recebimento de financiamento com vistas a
atividades produtivas, portanto para o crescimento do emprego e da renda de
famílias do campo.
Escolhi para este estudo especificamente três associações localizadas no
município de Bragança, no Nordeste Paraense. Este município foi escolhido por ser
um pólo pesqueiro muito forte para esta região, com uma importância muito grande
na economia local, e por estar localizado perto do oceano atlântico, oferecendo uma
enorme oferta de peixes, tanto para a pesca artesanal, quanto para a pesca industrial,
com predomínio da primeira em importância para a economia local. Sendo assim,
este município apresenta um número muito grande de associações, tanto de
pescadores como de agricultores.
As três associações escolhidas são: Associação dos Ruralistas e Pescadores da
Vila do Castelo, Associação dos Pescadores Artesanais de Bacuriteua e Associação
do Pescado e dos Produtos Diversos da Praia de Ajuruteua.

JUSTIFICATIVA

Em decorrência de políticas públicas voltadas para o desenvolvimento rural,


verificou-se, no campo paraense, uma “efervescência” de associações rurais de

1
Este projeto é coordenado pelas Professoras Cristina Maneschy e Maria de Fátima Carneiro da Conceição,
do PPGS do Centro de Filosofia e Ciências Humanas, tendo a participação do Professor Jean Hébette, da
socióloga Lúcia Sá Maia, da antropóloga Sônia Barbosa Magalhães e da doutoranda Edma Silva Moreira.

2
caráter produtivo. O FNO (Fundo Constitucional Norte) é um exemplo de um
importante instrumento de política pública que proporcionou a formação de muitas
associações. Muitas delas, porém, não alcançaram os resultados esperados, deixando
um alto saldo de inadimplência, cujas causas não estão me aparecendo como tendo
sido satisfatoriamente investigadas.
Outro fator de relevância para esse trabalho é o fato de que, entre as
numerosas pesquisas sobre associativismo, quase nenhum procurou investigar este
na região, principalmente em relação ao associativismo rural na região, pouco se
tem preocupado em relacionar o comportamento dos membros das associações com
sua participação política ou cívica na sociedade em que estão inseridos, no sentido
de entender por que a participação das pessoas que fazem parte do grupo é restrita e
possui influencia reduzida na comunidade e as redes sociais são frágeis, fazendo
com que os resultados almejados fossem dificilmente alcançados.

OBJETIVOS

Esse trabalho, portanto, teve como objetivo verificar, a partir de três


associações de pescadores artesanais se – e até que ponto – estas associações
proporcionaram uma melhor participação cívica de seus membros e a partir de que
elementos favoráveis ou não houve ou houve tal participação.
Objetivou, também, fazer a aprendizagem da pesquisa e assim contribuir,
como bolsista de iniciação científica, com a equipe da pesquisa EPAR para a
obtenção de seus compromissos.

METODOLOGIA

A metodologia de meu estudo comportou os pontos a seguir enumerados:

4.1) a escolha e o aprofundamento de um enfoque teórico no qual se


fundamentaria minha investigação, ou seja, a teoria do capital social, especialmente
a desenvolvida por Putnam;
4.2) a escolha e aplicação dos instrumentos adequados de levantamento de
informações, ou seja: observação de campo, entrevistas, aplicação de formulários,
busca e o exame de documentos úteis para a realização de minhas análises,
referentes ao período de fundação de cada associação, identificação dos motivos que
levaram a sua criação, registro de atividades planejadas e executadas, de maneira a
assim obter informações sobre a dinâmica de cada uma delas; tais instrumentos já
tinham sido adotados pela equipe;
4.3) a contextualização do município por mim escolhido para este relatório –
no caso o de Bragança - em termos de elementos significativos para a compreensão
do fenômeno em análise;
4.4) organização e sistematização dos dados recolhidos;

3
4.5) análise qualitativa das informações colhidas e sistematizadas, como será
desenvolvido a seguir.
Em relação à estratégia e aos instrumentos, principalmente do trabalho de
campo, o Projeto EPAR optou primeiramente por um levantamento das associações
cadastradas em diversas entidades voltadas para as questões do campo, tais como:
FETAGRI-PA (Federação dos Trabalhadores de Agricultura do Pará); CPT
(Comissão Pastoral da Terra); CPP (Comissão Pastoral da Pesca) e EMATER
(Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural), para assim termos informações
sobre as associações existentes nos municípios escolhidos. Em cada um destes,
adotou-se aplicar um formulário elaborado exclusivamente para esta pesquisa e
realizar entrevistas complementares com o presidente ou algum membro da diretoria
das associações rurais; algumas delas foram gravadas quando o entrevistado o
permitia.
Minha participação pessoal no trabalho de campo se deu nas viagens de campo aos
municípios de: Abaetetuba, Bragança, Santa Bárbara e Soure.
Estratégia, instrumentos e teorias foram temas de reuniões semanais da equipe
com participação dos pesquisadores e dos bolsistas, notadamente no sentido de
contribuir para o desenvolvimento teórico, através de leituras e discussões de textos
coletados anteriormente.
Nos, últimos meses, houve também reuniões semanais entre um dos pesquisadores e
as duas bolsistas que levaram sobre os aspectos teóricos e sobre metodologia de
elaboração de trabalhos acadêmicos.

ENFOQUE TEÓRICO

O enfoque teórico adotado neste trabalho é o do capital social. Este enfoque


analítico é adotado por diversos autores e em abordagens bem diferentes, e até
contraditórios, como por exemplo, as abordagens de Marx (1818-1883), de Bourdieu
(1930-2002), de Putnam (1996) e de Coleman (1990) entre outros. Adotei, a título de
ensaio metodológico, o enfoque de Robert Putnam, mantendo-se algumas restrições a
respeito.

O AUTOR
Putnam é um cientista político americano, professor de políticas públicas na
Universidade de Havard e, mais recentemente, consultor do Banco Mundial. É conhecido
principalmente pelas pesquisas realizadas em diversos países, como os Estados Unidos e,
com uma grande equipe de colaboradores, durante vários anos, na Itália. Em ambos os
países, dedicou-se ao estudo do associativismo como fator de desenvolvimento.

Putnam publicou diversos livros sobre sua concepção do capital social e sobre os
resultados de suas pesquisas; entre os mais conhecidos, podem ser citados: Comunidade
e democracia: a experiência da Itália moderna e Bowling alone: America’s declining
social capital.

PORQUE PUTNAM ESTUDOU O CAPITAL SOCIAL

4
O que motivou Putnam a trabalhar a questão do capital social foi que, nos Estados
Unidos, observava as mudanças que ocorreram no comportamento dos americanos
durante as décadas que se seguiram à II Guerra Mundial. Percebia no país um declínio do
engajamento cívico e da coesão social resultando de um conjunto de fatores, tais como: a
expansão dos subúrbios, gerando distância entre bairros e dificultando assim os contatos
entre grupos sociais, o mesmo acontecendo entre vizinhos e amigos; mudanças, também,
no comportamento entre gerações numa estrutura familiar modificada, devida, entre
outros fatores, à crescente ocorrência de divórcios e fazendo com que a coesão familiar
fosse abalada; a independência precoce dos filhos, fazendo com que cada um viva a sua
vida sem se preocupar com os pais e vice-versa, uma vez que as pessoas trabalham muito,
não tendo tempo de conversarem ou conviverem em família; os americanos também
procuravam mais suas diversões (jogos, televisão, esporte) individualmente.
Na pesquisa na Itália, que teve inicio em 1970, Putnam e seus colaboradores
procuraram entender a dualidade de desenvolvimento existente entre as regiões Norte e
Sul, a primeira sendo mais desenvolvida devido a um maior grau de associativismo, ou
seja, na sua expressão, um maior capital social.

O QUE É O CAPITAL SOCIAL


Segundo Putnam e os que o seguem, o capital social é um conjunto de elementos
(confiança mutua, cooperação, interesse e participação nas questões políticas) que
conferem poder social às pessoas, isto é, a capacidade de contribuir à coesão social e à
integração da comunidade nas questões públicas que norteiam a vida em grupo, no
sentido de o um desempenho social positivo. Putnam denomina essa coesão de sociedade
de comunidade cívica, que, como dito acima, seria a existência de uma preocupação com
o bem estar coletivo, deixando de lado o individualismo.
Este desempenho social pode ser percebido em algumas sociedades, segundo
Putnam, através da observação de fatores como: a efervescência no número de
associações; o número expressivo de leitores de jornais, o que indicaria um interesse
pelos assuntos comunitários, regionais e nacionais; participação espontânea em
referendos e, em países onde não existe esta obrigação, votar nas eleições, permitindo
assim aos representantes do povo a levar em consideração a opinião do cidadão nas suas
decisões políticas.
A autonomia dos cidadãos e sua participação no desenvolvimento do capital social
são fundamentais para a construção de uma comunidade cívica, tendo como
conseqüência os benefícios sociais e econômicos que podem advir dela.
Para Putnam, o capital social só vai ser formado se houver condições - de natureza
estrutural, cultural e organizacional - favoráveis ao seu desenvolvimento. As primeiras
estão relacionadas com questões que transcendem os indivíduos e dependem das
estruturas sociais, políticos e culturais (disponibilidade de tempo compatível com os
regimes de trabalho, as particularidades de gênero, a idade, etc.); as condições de
natureza cultural levam em consideração certos valores tais como ativismo comunitário e
as crenças religiosas; e por último, as condições de natureza organizacional estão ligadas
a organizações institucionais, como: grupos religiosos (Igreja), família e vizinhança,
organizações estas que podem ajudar ou não no engajamento cívico (NORRIS;
INGLEHART, 2003, p.2).[1]

5
Em seu texto: Comunidade e democracia: a experiência da Itália moderna,
Putnam lista várias qualificações para quem participa de associações, como podemos
perceber nessa passagem:

No âmbito interno, as associações incutem em seus membros hábitos de cooperação,


solidariedade e espírito público. (...). Isso é corroborado por dados extraídos de
pesquisas sobre cultura cívica realizadas com cidadãos de cinco países, incluindo a
Itália, mostrando que os membros das associações têm mais consciência política,
confiança social, participação política e ‘competência cívica subjetiva’. (...)
(PUTNAM, 1996, p. 103-104). [2]

Coleman, por sua vez, utiliza a teoria do capital social na mesma linha de
Putnam, relacionando-a particularmente com a educação; para ele também é preciso
que haja confiança dentro de um grupo para que sejam atingidos os objetivos, como
podemos perceber nesse trecho:

Assim como outras formas de capital, o capital social é produtivo e possibilita a


realização de certos objetivos que seriam inalcançáveis se ele não existisse (...), por
exemplo, um grupo cujos membros demonstrem confiabilidade e que depositem
ampla confiança um nos outros é capaz de realizar muito mais do que outro grupo
que carece de confiabilidade e confiança. (COLEMAN, 1990, p. 300, apud
CABRAL, 2002, p.18). [3]

A teoria de Putnam sobre capital social mereceu algumas críticas, que


compartilho, principalmente no que diz respeito ao método que o autor utiliza.
Frey, por exemplo, chama a atenção sobre o fato que não se pode limitar a
análise do capital social apenas a partir do número e da densidade das associações
num determinado espaço social, mas sim levando em consideração e analisando os
diversos tipos de associações cujo respectivo impacto social varia em função de sua
natureza e de seus objetivos, e sua relação com os diversos grupos sociais – aspectos
que, segundo ele, Putnam não levou em conta. Como observa também muito
criticamente Van den Brink (1995, p.16, apud FREY 2002), o método de Putnam
está pautado na analise quantitativa, deixando assim algumas lacunas, entre as quais
a de não perceber e levar em conta a heterogeneidade de situações e as
transformações históricas trazidas pela modernidade: “[...] o estudo empírico de
Putnam dá apoio à versão mais conservadora do comunitarismo, que ainda no inicio
dos anos 1980, advogava uma moralidade mais homogênea, reclamando validade
para toda sociedade”. [4]
Ressalto que a indispensável complementaridade das abordagens quantitativas
e qualitativas foi percebida e foi objeto particular de discussões na ocasião das
reuniões do EPAR.

O CONTEXTO GEOGRÁFICO E SOCIAL DA PESQUISA: BRAGANÇA

No mesmo período em que se fazia o trabalho de campo e iniciava-se a sua


sistematização, pessoalmente aprofundei meu conhecimento do contexto local,
procurando levantar informações que pudessem facilitar a interpretação dos dados.

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Para se entender um pouco melhor o município de Bragança – PA, fiz uma rápida
explanação da história e da importância desse município para o estado do Pará.
Desde tempos antigos, a população bragantina vivia de pesca, sendo a
agricultura bastante reduzida. Os povos haliêuticos possuem origem indígena, pois,
antes da colonização brasileira, os índios já exerciam essa atividade; até hoje, “a
atividade pesqueira não indígena ou cabocla continua a ser praticada com os métodos
e técnicas herdadas da tradição indígena, mais de que da influencia européia, graças
a esse processo aculturativo” (FURTADO,1997, p.153). [5]
Os pescadores artesanais atualmente ainda utilizam técnicas, que possuem
como base instrumentos reconhecidos como seletivos, ajudando assim a não
interferirem no meio ambiente e obterem uma produtividade muito boa, embora,
segundo Furtado (1997), os pescadores continuem sendo acusados de predadores,
rudimentares e ineficazes enquanto produtores de pesca. Em contrapartida, a
fiscalização aos barcos industriais que interferem no meio ambiente e travam uma
batalha covarde contra os pescadores artesanais, é ínfima.
Falando especificamente sobre a história da Bragantina, vamos observar que a
partir de 1870 aconteceram mudanças nas estruturas agrícolas do país, devido ao
declínio da escravidão, fazendo com que o Império adotasse uma nova política,
denominada de colonização, para substituir esta mão de obra escrava; foi preciso
trazer levas de imigrantes, principalmente europeus, para o Brasil, com o intuito de
aproveitar uma experiência secular de trabalho agrícola baseado em uma mão de
obra familiar dotada de uma tecnologia agrícola mais avançada, independente e
autônoma e, portanto, motivada, pois o fruto do trabalho lhe era destinado para a
subsistência da família. Foram estes “colonos” que permitiram a expansão do cultivo
de café nas fazendas de São Paulo e de Rio. Esta política de colonização se estendeu
a então Província do Pará, mas esta não teve sucesso em fixar os poucos colonos
europeus que vieram e se instalaram no atual município de Benevides. Foi, no caso
do Pará, a seca que assolou o Nordeste brasileiro que permitiu iniciar um processo de
colonização na região Bragantina, próxima de Belém com a vinda de nordestinos.
Foram eles que desenvolveram no Pará a agricultura.
Podemos perceber que, graças à colonização, a Bragantina se diferenciou de
outras regiões do Pará por vários aspectos: 1) por ter tido como prioridade a
ocupação da terra por colonos dedicados à agricultura familiar e por ser, assim, a
primeira região do Pará a possuir um campesinato denso. Segundo Maneschy (1995,
p.21), existem estudos sobre o campesinato em Bragança, que indicam que o cultivo
da mandioca começou por existir uma preocupação em garantir o abastecimento de
alimentos a uma população que aumentava dia – a –dia, então começaram a cultivar
a mandioca, o feijão, arroz e o fumo, principalmente no inicio da colonização; na
região da Bragantina ainda houve tentativas de construção de engenhos com
equipamentos modernos, que não prosperaram devido à falta de incentivo do
governo. 2) por ter tido sua área dividida em lotes de 25 ha para cada colono,
procurando fixar o homem à terra e assim encontrar uma alternativa ao extrativismo
então predominante na Amazônia, como afirma Carneiro (2002), contraponto
histórico ao extrativismo; 3) por usufruir da Estrada de Ferro de Bragança (EFB) que
foi também um marco na economia da Bragantina, pois, segundo Carneiro (2002),
ela facilitava o escoamento da produção dos colonos, já que, antes dela havia um
grande isolamento dessa sociedade. Como escreve Maneschy (1995, p.23): “[...] as

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comunicações entre Bragança e Belém eram difíceis. O percurso entre as duas
cidades levava de seis a oito dias; colocava-se, portanto, a necessidade de se
estabelecer ligações terrestres entre Bragança e Belém, bem como se desenvolver a
produção agrícola na região nordeste do Pará como um todo[...]”[6]; o percurso por
barco era demorado, pois saia de Bragança e ia até Ourém e depois pegava–se o rio
Guamá até chegar em Belém.
Mesmo assim, ainda segundo Maneschy (1995, p. 25), a Estrada de Ferro
“pouco influenciou no sentido de desenvolver uma produção agrícola expressiva”[7],
deixando o desenvolvimento social e econômico da região sem nenhuma perspectiva
maior; para Hébette (2004) as vias e as condições de transportes e de comunicação
eram de extrema importância para a população rural, contribuindo bastante para a
constituição de um campesinato “relativamente denso e organizado em torno das
estações do trem que se tornaram progressivamente centros de comércios e
serviços”[8]. Porém, no século XX, esse meio de transporte já era considerado
ultrapassado; o moderno era o transporte rodoviário. Porém, essa mudança do
transporte ferroviário para o automobilístico não beneficiou os pequenos produtores,
pois a “modernização dos transportes ocorrida não privilegiou a agricultura, pois as
rodovias federais e estaduais impulsionaram o tráfego, incentivaram a especulação
imobiliária” (CARNEIRO, 2002 p.150)[9]. Os incentivos fiscais que a Rodovia
Belém – Brasília proporcionou, atrair muitas empresas que queriam ocupar um lugar
na margem da Rodovia, além dos fazendeiros que queriam ocupar grandes porções
de terra; houve então uma disputa muito grande entre os pequenos produtores - que
já haviam dividido seus lotes em minifúndios, para que seus filhos trabalhassem - e
os industriais e fazendeiros que chegavam na região atraídos pelos incentivos fiscais
oferecidos pelo Estado.
Além disto, houve aumento do preço para escoarem seus produtos, nos
caminhões ou nos ônibus que iam para Belém; então eles ficavam a mercê dos
atravessadores.
A minifundiarização das propriedades tornava agravado o problema da
pobreza material; o cultivo de produtos de culturas alimentares, basicamente
mandioca, milho e arroz para subsistência, tornavam ainda os pequenos produtores
mais vulneráveis às investidas dos latifundiários.
Quando os latifundiários chegaram na região se depararam com os pequenos
proprietários e, para conseguirem comprar as terras desses, usaram algumas
práticas, como podemos perceber nesse trecho “os projetos de novas fazendas para
criação de gado, ao se implantarem na Bragantina, sofreram as restrições da
existência de muito proprietários, em pequenos lotes, já que a área é própria de
agricultura familiar. A compra junto a quem queria vender espontaneamente ou a
pressão sobre os que não queriam vender, aconteceu através de conhecidas práticas
de violência contra os agricultores familiares (obstrução de caminhos e de aceso a
fontes d’água, a soltura de animais para danificarem roças, etc.) [...]” (CARNEIRO,
2002 p.152).[10]
Desde o período da colonização, podemos perceber que não havia um
ambiente propicio para a formação de associações espontâneas, devido à falta de
organização na qual se encontravam os trabalhadores rurais, sendo assim, propícios
a manipulações.

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A Igreja católica foi pioneira em serviços educacionais e de saúde na
Bragantina, com a construção de hospitais e de escolas, além da Rádio Educadora,
que ajudou a principio na catequização dos ribeirinhos, para, depois, se irradiar aos
colonos, além de envolvê-los em Movimentos Sociais ligados à prática agrícola e
ajudá-los na criação de associações e na difusão de experimentos agrícolas, gerando
o comunitarismo.
Podemos dizer que a Igreja contribuiu para a colonização da Bragantina,
impondo, entretanto, seus padrões rigorosos de comportamentos morais. Até os dias
atuais, podemos perceber sua influência na vida dos habitantes de Bragança e da
região, principalmente no que diz respeito à organização de categorias, como a dos
pescadores; isso pode ser percebido na criação de uma Secretaria de Pesca fundada
na atual gestão da prefeitura, cujo secretário é um padre, fazendo com que os
pescadores tivessem esperança de ter aonde reclamar e até mesmo serem apoiados
em seus projetos, principalmente através das associações.

ORGANIZAÇÃO E SISTEMATIZAÇÃO DOS DADOS DOS FORMULÁRIOS

Através das informações obtidas com os formulários e as entrevistas que os


seguiram, foram feitas tabelas e quadros, relativos a:
- sobre associação: ano de fundação; de quem partiu a iniciativa para sua
formação; objetivos que levaram a sua criação; existência de estatuto, regimento
interno e registro em cartório;
- sobre os sócios: número total, quantos homens e quantas mulheres;
composição da diretoria (dando atenção à questão de possível parentesco entre eles);
lideranças na associação; autores de iniciativas diversas;
- sobre as atividades: sócios que participam das atividades; atividades atuais e
planejadas; tipo de relações mantidas com outras associações e outras entidades.
Nos quadros a seguir, essas informações serão entendidas, mostrando assim, a
dinâmica das três associações.

QUADRO I: Associações (Bragança –PA) Anos de fundação.

Associações de pescadores Ano de fundação

1. Associação dos ruralistas e 1989


pescadores da Vila do
Castelo – ARPVC
2. Associação dos Pescadores 1998
Artesanais de Bacuriteua.
3. Associação do pescado e 2005
produtos diversos da praia
de Ajuruteua
FONTE: Pesquisa de campo realizada no município de Bragança-PA/ Maio 2005.

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No quadro I acima, podemos observar que a associação mais antiga foi
fundada em 1989, ano em que foi implantado o FNO especial; esse período não
registrou grandes resultados como aparece no alto índice de inadimplência
decorrente das altas taxas de juros cobrados, sendo por isto o programa extinto. A
outra associação só foi criada em 1998, nove anos após a primeira, devido a esses
fatores negativos (inadimplência). O FNO especial foi reimplantado em 1992,
devido à luta de algumas entidades da classe de pescadores, especialmente
do.MOPEPA (Movimento dos Trabalhadores da Pesca do Estado do Pará).
O que podemos ressaltar também, é que das três associações pesquisadas,
apenas uma tinha atividades atuais; as outras duas estavam com suas atividades
paradas; os objetivos citados que levaram à formação da associação, em muitos
casos, não se concretizaram; porém, mesmo com todas as dificuldades que
percebemos, nenhum dos entrevistados relatou que a associação iria acabar; pelo
contrário, as entrevistas, na maioria das vezes, enveredam para o espírito de luta de
cada entrevistado em querer continuar com a associação, para assim ajudar no
crescimento da comunidade e de cada membro da associação.
No quadro II, temos o perfil das três associações, isto é: o número de membros
de cada uma, número de participantes em cada reunião, etc. O que observamos é
que este número é muito limitado, negando assim uma das características do capital
social que é a participação; o número de sócias também é ínfimo.

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QUADRO II: Perfil das Associações
Associações
Perfil das associações Associação dos Associação dos Associação do pescado
Ruralistas e Pescadores Artesanais e dos Produtos
Pescadores da Vila do de Bacuriteua Diversos da Praia de
Castelo Ajuruteua
Iniciativa para criação da Capataz da colônia na Sr. C.(atualmente afastado SEBRAE (Serviço Brasileiro
Associação época, que era morador da Associação) e de de Apoio às Micro e
da comunidade, e do alguns moradores de Pequenas Empresas)
atual presidente, que na Bacuriteua.
época já ocupava o
mesmo cargo.
Objetivos da criação da Crescimento da Obter recursos financeiros Melhoria das condições de
Associação comunidade (fundação através de financiamento vida, levando
do clube de mães; do Banco para material desenvolvimento e
financiamento para (barco, e apetrecho de benefícios para os jovens
agricultores e pesca), para melhoria de e crianças.
pescadores da suas condições de vida.
comunidade).

Registro em cartório Sim Sim Não

Regimento interno Não Sim Não

Discussão para viabilizar a Estavam com o projeto de


entrada de sócios novos, filetamento em
Atividades atuais Pesca para contribuir e organizar andamento.
a associação para
conseguirem um
refinanciamento.
Limpeza da unidade,
Atividades Planejadas Não possuem Não possuem palestra sobre
associativismo a ser
ministrada pelo SEBRAE,
no mês de junho(2005).
Coordenador das Presidente - Presidente
atividades

Quem toma iniciativa Presidente - Presidente


dentro da Associação

Quem são as lideranças - - Diretoria

Número de sócios em - Varia muito a freqüência, 11 sócios


cada atividade às vezes são 2 ou 5
sócios, às vezes 12,13.
FONTE: Pesquisa de campo realizada no município de Bragança-PA/ Maio 2005

CONTEXTO POLÍTICO E RELAÇÃO COM A PARTICIPAÇÃO CÍVICA.

11
Uma visão rápida do contexto regional pode nos ajudar a contextualizar a
criação de associações e seu funcionamento, como nos sugere Putnam.
O Governo Federal começou a interferir de maneira mais decisiva no mundo
rural na Amazônia a partir dos anos de 1970 através das leis de incentivos fiscais
para a região concedidos pela Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia –
SUDAM.
Furtado (1997) relata que o mundo da pesca, depois das transformações ocorridas em
decorrência dessa intervenção, passa a ter dois tempos: o primeiro é o tempo passado
que é de relativa estabilidade, com pouca mudança ou com ritmo mais lento, de
relativa abundância em recursos naturais, com modificações discretas e de maior
estabilidade ocupacional e espacial; o segundo é o tempo presente, após 1970, de
transformação acelerada, de inquietação, de sinais de ameaças, e mesmo de
destruição dos ecossistemas, quando a descaracterização sociocultural também toma
vulto, provocando mobilidade ocupacional e espacial contínua. Segundo Maneschy
(1995), fica claro que, nos últimos anos, houve uma sensível dinamização do setor
pesqueiro no nordeste paraense. Além do aparecimento de uma pesca nitidamente
capitalista, empresarial, com trabalho assalariado, parte do capital comercial que atua
no ramo modernizou-se. Essas mudanças podem ser percebidas através da criação de
um número expressivo de associações de pescadores, que são inauguradas,
principalmente com o objetivo de receberem financiamento.
Podemos, neste sentido, destacar que, em Bragança, os pescadores contam
como uma Secretaria de Pesca (recém instalada), única no estado do Pará. O
principal objetivo da Secretaria é a organização da categoria, principalmente em
forma de associações. Este fato pode representar a existência de um clima atual
favorável ao associativismo.
As associações formadas por pescadores têm como principal objetivo lutar
pela melhoria da qualidade de vida dessa categoria, através de reivindicações que
ajudassem no desenvolvimento econômico e social, porém, um dos motivos para
existir um número expressivo de associações de pescadores foi à criação de Fundos
Constitucionais – voltados para o Norte, o Nordeste, o Centro-Oeste - que tinham
como função, contribuir para a promoção do desenvolvimento econômico e social
de uma região.
Numa certa medida, esta perspectiva não era ausente da mente de alguns dos
fundadores; no caso da Associação dos Ruralistas e Pescadores da Vila do Castelo,
por exemplo, constatamos que havia esta preocupação com a comunidade, pois o
objetivo de quererem criar uma associação era para o crescimento da comunidade,
como a fundação de um Clube de Mães, além dos financiamentos destinados a
beneficiar pescadores e agricultores. A própria criação da associação em si lhes
parecia uma conquista, conforme o depoimento da Sra. A. (Primeira Secretária da
Associação do Pescado e dos Produtos Diversos da Praia de Ajuruteua –
AJURUVILA) que diz que, embora não tenha tido até hoje muitas conquistas
materiais por parte da Associação, a própria conquista da Associação representa um
ganho a favor do grupo:

(...) a questão... só o fato de nós termos um grupo de pessoas se reunindo, pessoas


que pelo nível de escolaridade baixo, mas que têm o interesse de levar o trabalho pra

12
frente e melhorar sua situação financeira, sua qualidade de vida, então eu acho que ai
já é um avanço.

Na verdade, os fundadores não esperaram a criação da associação para realizar


em grupo atividades da pesca, como a AJURUVILA que trabalha com o filetamento
do peixe, como podemos ver no quadro II; inclusive, já possuíam um prédio, mas
tiveram que parar, por problemas estruturais, como explicou a Sra A. Segundo ela,
todos os sócios participam das atividades, é uma obrigação deles participarem,
como está previsto no estatuto, como ressalta nesse trecho: é uma obrigação “de
quinze em quinze dias, participar da Assembléia, senão a pessoa é eliminada; tem
que pagar a mensalidade e cumprir com os seus deveres (...)”, pois existe uma taxa
de matricula no valor de 30 reais que foi discutida e aceita pelo grupo, com ela
ressalta na fala a seguir:

Bom, a gente definiu assim, o seguinte, porque é só uma vez essa taxa de 30 reais; eu
sei que, às vezes, a gente nunca tem, mas se a gente não fizer um esforço também, a
gente não vai ter e a gente precisa é comprar, precisa é... têm algumas despesas,
passagens, assim, essas coisas; então de onde que a gente vai tirar? Se não for desses
30 reais que cada um deu, né? Então eu acho que depende do esforço da gente... isso
a gente discutiu no grupo.

Sendo assim, podemos perceber o “espírito” do associativismo, que se dá


através do esforço coletivo, tudo se discutindo em grupo e pedindo que todos
opinem.
Há, porém, alguns fatores prejudiciais ao bom funcionamento e aos objetivos
associativistas. Alguns deles têm a ver com a Colônia de Pescadores: até
recentemente, a organização das comunidades pesqueiras estava praticamente restrita
a Colônia dos pescadores; apenas uma ou outra associação estava a elas vinculada.
A criação e a difusão rápida das associações proporcionaram divergências entre
pescadores, já que as Colônias eram mais antigas e tinham um papel oficial de
representação da categoria. Sabe-se, entretanto, que as Colônias, por sua dependência
do estado, sofrem muitas restrições para sua gestão autônoma e demonstram uma
tendência à intervir no campo das associações. Segundo Cabral (2002), a primeira
versão do FNO para pesca tinha como exigência que o pescador fosse matriculado e
adimplente na Colônia, porém, esse método não deu certo, devido à falta de
confiança na Colônia, havendo um alto índice de inadimplência por parte dos
pescadores, um dos problemas que essa categoria enfrenta até os dias atuais.
Entretanto, o Sr. C., membro afastado da Associação dos Pescadores
Artesanais de Bacuriteua, prefere a tutela da Colônia, conforme fala:

(...) Ai o cara, ‘não eu não tenho direito pra dar isso não, porque eu não tenho poder
pra isso não’; esse que é o problema da Associação nossa aqui, muitos não vão pra
frente, a culpa é do presidente. Porque enquanto tava na mão da Colônia que o C.
[Presidente da Colônia de pescadores de Bragança] tava no meio, tudo ia direitinho.
Ele orientava a gente como é que a gente tinha que fazer, como é que saia o projeto.
Depois que eles se isolaram da Colônia e fundaram outro Sindicato ficou assim, tudo
esculhambado.

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O ponto de vista do Primeiro Secretário da Associação dos Pescadores
Artesanais de Bacuriteua, Sr J. é diferente da do entrevistado anterior Sr. C., quando
ele afirma: “[o Sindicato é] 90 % melhor que a Colônia, porque o Sindicato luta em
prol dos pescadores e a Colônia é muito acomodada”.
A concentração de poder nas mãos do presidente favorece diversos tipos de
intervenções externas, aliás, freqüentes na cultura política regional; por exemplo,
por parte de políticos locais e até de órgãos e empresas oficiais que incentivam, por
interesse pessoal, a formação de associações e a inclusão nelas de pessoas que não
são da categoria ou até mesmo nem moram na comunidade, com o intuito de elas
receberem apenas o financiamento, sem nenhum compromisso maior dentro do
grupo, gerando assim uma heterogeneidade que não ajuda na formação e no
desenvolvimento da confiança.
Foram registradas interferências indevidas na criação e no funcionamento das
associações, como no caso da Associação do Pescado e dos Produtos Diversos da
Praia de Ajuruteua – AJURUVILA.

(...) tem esses dois vereadores que vieram nesse dia e falaram que se eles pudessem,
ajudariam, questão de consulta médica pra as mulheres, pros filhos dos pescadores.

A Associação de Bacuriteua foi mais uma que foi fundada através da Colônia
de pescadores do município, onde foram inseridas pessoas de fora da comunidade:
dos quinze sócios, nove são de Bragança (sede municipal), sendo os outros seis da
comunidade de Bacuriteua, de maneira que não pode haver uma convivência plena
dos sócios, tornando-se difícil gerar confiança.
Ouvimos também casos de denúncia de corrupção contra certas Colônias. Na
entrevista realizada com o presidente da Associação dos Ruralistas e Pescadores da
Vila do Castelo, podemos constatar em que nível chegou esta corrupção:

(...) ai como o Banco jogou que tinha que ser através da colônia, que a colônia que
tinha que dá o aval do pescador no Banco; (...) ai a colônia entrou; ai fiquemo ligado
com a colônia, da mais, o vice presidente era capataz da colônia na época; (...) ai o
pessoal daqui não quiseram mais; ai eles foram desistindo, muitos desistiram, ai foi
faltando; pode ser até 21 a 25 ai foi que foi incluído esse pessoal; ai através do C.,
ele conversava com o pessoal do Banco; ele colocou os três filhos dele, colocou o Z.
N., colocou o Z. e colocou esses dois o Z. L. e o Z. C., só que o Z. C. e o L. são
pescador e o Z. não é, nem o Z. N. também não é; e os três filhos dele, se pescavam,
não tinha bem coisa, mais era o trabalho na terra.(...) Por exemplo, o Z. N. chegou
com ele, é motorista, é tipo empresário, chegou lá com ele pra ser beneficiado
através da colônia; “Ah, C., te dou tanto pra te me fichar na colônia” ai ele pegava
aquela grana e fichava o cara na colônia.

Tais erros ou incorreções se repetem:


[...] Ai foi financiado, inclusive ele [Presidente da Colônia de pescadores] colocou
um senhor, um rapaz por nome Z., que é empresário, aqui do Município, de peixe; é
armador de pesca como se diz, Z. N; ele colocou na Associação também como
pescador e não são pescador.

Outros fatores negativos dizem respeito ao funcionamento mesmo das


Associações. Sabe-se que a organização dos povoados rurais gira em grande parte

14
em torno do parentesco e da influência das grandes famílias (HÉBETTE, 2002); esta
tradição se reflete freqüentemente na distribuição dos cargos em qualquer das
organizações locais; as associações não fogem a esta prática, como foi constatado na
Associação dos Ruralistas e Pescadores da Vila do Castelo, cuja diretoria tem como
membros um genro e um primo do presidente, que desde a fundação, em 1989,
continua na presidência, talvez por comodidade dos sócios; o entrevistado explica
que só ele andava para conseguir o financiamento – o que não foi reconhecido pelos
sócios.
Nessas condições, não é estranho ouvir nas entrevistas o fato recorrente de
que, quem toma iniciativa e decide pela associação, na maioria das vezes, são os
presidentes, fazendo com que os sócios se tornem meros expectadores.
As Associações de pescadores devem seguir um padrão estabelecido pelo
Estado; apenas um sujeito jurídico pode receber o financiamento; precisa-se
institucionalizar sua união se quiserem receber algum beneficio; portanto, onde já
existia um grupo que trabalhava junto, vai ser obrigado a entrar no “jogo”. As
pessoas que fundaram a associação não vislumbravam uma inserção dentro da
sociedade, eles tinham esse objetivo, porém, foi perdido devido a essa obrigação de
fundar artificialmente uma associação para poderem obter financiamento para
conseguirem barcos e apetrechos de pesca. Para isso vai precisar se adequar às
regras, o que significa, entre outras coisas, possuir um Estatuto. Os Estatutos são
todos parecidos, justamente por existir essa exigência do Estado em financiar
apenas o sujeito jurídico, mostrando que não houve discussão sobre os objetivos e
os meios de ação que se queria privilegiar.
Por parte de dirigentes principalmente, elementos negativos criam facilmente
falta de confiança entre os sócios, o que prejudica o bom funcionamento das
mesmas, dificultando a participação efetiva dos sócios nas atividades e a falta de
coesão; não lhes permitem alcançarem seus objetivos.
A Associação dos Ruralistas e Pescadores da Vila do Castelo foi financiada
com vinte e um barcos. No começo, eles combinaram que iam ficar pagando uma
taxa de 10 centavos por quilo de peixe, para mantê-la. Só que segundo o Sr. D. os
sócios começaram a desconfiar dele, como ele relata nesse trecho:

[...] aí depois o pessoal começaram a dizer o caboco, como se diz que é, fica logo
olhando, dizendo: “Ah, ele é o presidente, esse dinheiro é pra ele, demora muito, ele
tá comprando carro”; que tudo isso, eles fizeram logo os calculo tudinho, eles
disseram: “Olha vinte e um barcos”; eles fizeram logo o projeto [...] então 10
centavos eram 200 reais de cada barco de 2.000 quilos, essa era a previsão deles.

os sócio mesmo se rebelaram contra a própria Associação, enquanto que eles,


quando não eram dono de barco, quando o barco tava pescando e quando chegava,
eles tiravam; tinha os patrão deles, eles tirava 20 centavos, 30 centavos do quilo do
peixe pra ele - o dono do barco - enquanto que, pra Associação que foi a avalista e o
presidente andou tanto, eles se rebelaram e ai, pronto, foi desvanecendo,
desvanecendo; ai comecei a andar numas reunião por ai, a fazer umas cooperação,
eles ajudaram, ai depois [...][Associação dos Ruralistas e Pescadores da Vila do
Castelo]

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Segundo o Sr. C. [a Associação dos Pescadores Artesanais de Bacuriteua] “fez
foi atrasar mais”;

Porque se uma associação [...] eu acho que, se uma associação desiste, -se, no caso,
eu to prejudicado, a obrigação do presidente é dizer: “rapaz, vambora lutar,
organizar, trabalhar em cima disso ai, vambora ajeitar fulano”. Não, ele procura mais
meter o língua por trás. Esse que é o problema.

O entrevistado foi sozinho ao Banco renegociar a sua divida, conseguindo


êxito, porém, desabonou o que uma associação propõe que seria o trabalho em
grupo, a confiança interpessoal.
Em decorrência das falhas mencionadas, a falta de união entre os sócios
também foi muito citada como fator de desorganização da Associação. Tanto o Sr.
C., membro afastado, e o Sr. J., primeiro secretário atual da Associação dos
Pescadores Artesanais de Bacuriteua, concordam em alguns aspectos,
principalmente no que diz respeito à esta falha.
Outra questão a ser ressaltada é o financiamento dos barcos, que foram
entregues com alguns problemas, segundo os entrevistados e, em conseqüência
disso, os sócios não conseguiram pagar o financiamento, ficando endividados.
A participação feminina nas associações de pescadores é muito pequena,
elevando a desigualdade de gênero; apenas a Associação do Pescado e dos Produtos
Diversos da Praia de Ajuruteua contava com uma participação feminina expressiva:
era composta por quatorze sócios, nove mulheres e cinco homens; mas o presidente
era um homem; a esposa dele, que nos concedeu a entrevista e parecia ser uma
pessoa muito ativa dentro da comunidade da vila de Ajuruteua, ocupava apenas o
cargo de secretária.
Interrogada sobre as mulheres da comunidade não serem pescadoras,
respondeu que:

(...) as mulheres que moram aqui são consideradas pescadoras, porque é a que vai no
curral, que pega uma canoa e vai pescar ali no baixo... Já são consideradas
pescadoras, então é esse entendimento que a gente tem.

Como se expressa a Sra. A. “[...] elas são colonizadas [pertencentes à Colônia


de pescadores], têm documento todinho”.
Ora, uma das premissas para que o capital social seja consolidado é a
interação de todos os membros que compõem uma comunidade (homens, mulheres,
crianças, idosos, etc).
Na Associação dos Ruralistas e Pescadores da Vila do Castelo, ao contrário, a
participação feminina é ínfima; só existe uma mulher. A explicação do Sr. D. é que
as mulheres, apesar de exercerem atividades inerentes à pesca - “arrastam camarão,
pegam siri e vão anciar; tem umas que são danadas” - elas não se interessam em
participar da Associação.
Aí nos remetemos a Putnam, que diz que as mulheres não participam: porque
não podem (“estou sem tempo”), não querem (“não tenho interesse”) e ninguém as
convida (“quer vir a uma reunião?”) (NORRIS e INGLEHART, 2003, p.2).

16
Mas, na Associação do Pescado e dos Produtos Diversos da Praia de
Ajuruteua, a entrevistada deu outra interpretação: existe incredulidade por parte dos
maridos das associadas e por parte de alguns membros da comunidade.

Porque eles acham que por ta, há muito tempo, isso, eles acham que não tem futuro,
entendeu? Há aquele descrédito no trabalho da gente, todo esse processo que vem há
muito tempo, eles acham: “ah, lá vão elas praquela unidade, isso não vai dar em
nada!”. Quer dizer, as próprias pessoas da comunidade não acreditam que isso vai pra
frente né?

Os elementos acima apresentados sobre interferências externas, concentração


do poder, corrupção comprometeram os resultados das associações. Neste sentido,
foram ouvidas duras críticas por parte dos financiados que receberam barcos; muitos
até venderam os seus para tentarem pagar o financiamento. As explicações são
diversas. O Sr. J. culpa o banco: “O recurso foi pequeno para as associações; não
deu para os pescadores saírem do atravessador [...]. Os pescadores queriam um
barco maior e não foram atendidos pelo Banco”.
Foi dito também que pessoas que não são pescadoras, mas que pagaram ao
presidente da Colônia para receberem esse beneficio, se beneficiaram com
financiamentos; segundo o entrevistado, tinham entrado na Associação
exclusivamente para obter o financiamento, e venderam os barcos sem darem
maiores satisfações, com podemos perceber no trecho a seguir:

Pra tirar financiamento, e foi financiado cada um com um barco e ai, tudo bem, nós
fiquemo assim; ai eu agarrei; eles fizeram a carta e levei pra eles: ‘tá aqui a carta que
o Banco mandou pra vocês, pra vocês, pra vocês se apresentarem com dez dias que
receberam a carta, se apresentar no Banco lá, com o barco para negociarem a dívida’;
eles não tinha o barco; eles tinham vendido, como é que eles iam levar o barco.

Segundo o Sr. C.: “o que aconteceu, foi o barco entregou desse jeito ai, o
banco: motor dentro, mastro em cima, rede - rede que veio de fábrica - rede, corda,
tudo embalado. Se a gente quis, foi mandar ajeitar tudo (...)”.
Existe um alto índice de inadimplência com o banco devido à falta de
organização dos associados para resolverem o problema. As associações analisadas
dizem que não houve nenhuma conquista que fosse atribuída a elas; na Associação
de Pescadores da Bacuriteua, o entrevistado chegou a afirmar que atrasou mais a
vida dele.
Os dois entrevistados da Associação dos Pescadores Artesanais de Bacuriteua
oferecem, porém, uma informação complementar; concordam que foi o projeto de
financiamento que saiu errado; ficaram endividados por o projeto não ter sido
adequado às necessidades dos pescadores, gerando mais conflitos dentro da
Associação. Para conseguirem o financiamento, os associados precisam prestar
contas ao Estado já que este concede o financiamento através de Instituições
Financeiras (Bancos).
Através de tudo que foi mostrado anteriormente, podemos argumentar que o
“capital social”, segundo a perspectiva de Putnam, foi bastante baixo nas três
associações, quase inexistente, já que este capital, que é essencialmente um capital
“humano”, “espiritual” e não material, é constituído precisamente de confiança

17
mútua, de honestidade e da competência das pessoas que convivem, da valorização
igualitária dos respectivos gêneros; do respeito dos direitos de cada um e da
observância dos deveres . Estas virtudes devem ser demonstradas, em primeiro
lugar e principalmente pelos dirigentes, para merecerem o respeito e a confiança dos
sócios, mesmo, porque o capital social é um relacionamento social dentro do grupo
que pode gerar benefícios para todos.

CONCLUSÃO

O capital social deve ser formado com o intuito de beneficio social. O que
observamos nas três associações é uma fragilidade no que diz respeito à
organização, porém, não podemos afirmar se existe maior ou menor capital social
em cada uma delas, segundo os critérios de Robert Putnam. O fato de existir um
grupo preocupado com uma questão que seja comum a todos e que envolva a
comunidade já é uma vantagem para o engajamento cívico, além da possibilidade de
um beneficio econômico.
De acordo com o que foi observado durante a pesquisa de campo, essas
associações de pescadores foram formadas para conseguirem financiamento do
banco e assim, conseguirem comprar barcos e apetrechos de pesca, para se verem
livres dos atravessadores e só assim conseguirem negociar o produto da pesca
diretamente ao consumidor; na prática, porém, não é isso que acontece; das três
associações analisadas neste trabalho, duas estavam inadimplentes com o Banco e,
por isso, a maioria dos sócios haviam se afastado, por desconfiança ou mesmo por
descrédito por parte dos sócios com o presidente.
Devido ter entrevistado apenas um membro da diretoria de cada das três
associações, a análise sobre o capital social ficou um pouco comprometida.
Levando-se em consideração que quanto maior o nível de confiança, maior a
probabilidade de existir cooperação; quando a confiança é gerada, gera-se um
ambiente propicio à participação. Resultados diferentes foram mencionados por
outros bolsistas e por professores; os resultados aqui apresentados não podem,
portanto, ser estendidos a todas as associações de pescadores e, muito menos, a
todas as associações profissionais rurais dos municípios, pois cada categoria tem as
suas características, seus recursos ligados a seu modo de produção e de vida, como
costumam dizer nossos professores, suas potencialidades e seus problemas.
Putnam considera, entre outros elementos, que o capital social depende de um
padrão estrutural de participação; a participação das pessoas dificilmente vai existir
sem um contexto social favorável, sem um ambiente de fé no esforço coletivo que
favoreça a formação de uma unidade entre os membros, internamente, e na própria
comunidade em geral. É verdade que existe uma relação muito forte com o poder
local, isto é a prefeitura, na estruturação e até mesmo na formação de algumas
associações, já que seria um requisito básico pra conseguirem algum beneficio
cedido pela Prefeitura, que vão desde aluguel de caminhão e doação de sementes até
iluminação pública.
Embora não tenha sido possível estudar mais profundamente o ambiente social
de Bragança, os depoimentos acima listados indicam sinais preocupantes a respeito,
como, por exemplo: a falta de colaboração mútua entre Colônia e Associações, as

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interferências indevidas de dirigentes da Colônia e de políticos, a representação
familiar e desproporcional entre gêneros na composição das diretorias, a corrupção
interna e externa às associações, que não estimulam a participação efetiva dos
sócios. A falta de capital social dificilmente proporciona o acesso de todos
alcançarem os benefícios.
Para entender o que está acontecendo, seria preciso verificar de mais perto e
com mais observação local, de que forma foram criadas as associações, isto é, se
houve uma mobilização por parte da comunidade ou se foi um mero interesse de
entidades ou pessoas que queriam se beneficiar de alguma forma. O que devemos
levar em consideração é que em nenhuma das associações se falou em acabar com
ela, devido às dificuldades enfrentadas; pelo contrário, havia sempre a esperança de
reunir os sócios que estavam dispersos, ou então chamar novos sócios, para
tentarem alcançar novos objetivos que fossem beneficiar a todos.

Palavras-chave: capital social, pescadores, associativismo rural.

AGRADECIMENTOS

Agradeço aos pesquisadores do Projeto EPAR pela dedicação incansável que


tiveram em ajudar-me a compreender a teoria que envolvia esse longo processo de
trabalho, mais especificamente agradeço ao meu orientador, Professor Jean Hébette
pelas tardes incansáveis dedicadas a me ajudar a entender melhor o que seria o
capital social e como fazer um trabalho bem feito, tanto em termos teóricos, quanto
metodológicos.
Agradeço também a Bolsa de Iniciação Cientifica: PIBIC/UFPa, porque sem
ela não poderia me dedicar integralmente a pesquisa e expandir meus
conhecimentos nesses 12 meses de bolsa.

REFERÊNCIAS CITADAS
[3]CABRAL, Neila Waldomira do Socorro Sousa. Desenvolvimento da pesca
artesanal no nordeste paraense: políticas públicas, capital social e participação.
2002. Dissertação (Mestrado em Sociologia), Belém, 2002.
[9][10]CONCEIÇÃO, Maria de Fátima Carneiro da. Reprodução social da
Agricultura familiar: um novo desafio para a sociedade agrária do nordeste
paraense. In: HÉBETTE, Jean; MAGALHÃES, Sônia Barbosa; MANESCHY,
Maria Cristina (Orgs.). No mar, nos rios e na fronteira: Faces do campesinato no
Pará. Belém: Editora Universitária UFPA, 2002.
[4]FREY, Klaus. Desenvolvimento sustentável local na sociedade em rede: o
potencial das novas tecnologias de informação e comunicação. Caxambu (MG):
XXVI Encontro Anual da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação
em Ciências Sociais (ANPOCS), 22 a 26 de outubro de 2002.
[5]FURTADO, Lourdes Gonçalves. Problemas ambientais e pesca tradicional na
qualidade de vida na Amazônia. In: FURTADO, Lourdes (Org.). Amazônia,

19
desenvolvimento, sociodiversidade e qualidade de vida. Belém: UFPA, NUMA,
1997.
[8]HÉBETTE, Jean; ALVES, Juliette Miranda; QUINTELA, Rosângela da S.
Parentesco, vizinhança e organização profissional na formação da fronteira
amazônica. In: HÉBETTE, Jean; MAGALHÃES, Sônia Barbosa; MANESCHY,
Maria Cristina (Orgs.). No mar, nos rios e na fronteira: Faces do campesinato no
Pará. Belém: Editora Universitária UFPA, 2002.
[6][7]MANESCHY, Maria Cristina. Ajuruteua: uma comunidade pesqueira
ameaçada. Belém: Editora Universitária UFPA, 1995.
[1]NORRIS, Pippa & IGLEHART, Ronald. Gendering Social Capital: Bowling in
Women’s Leagues?. Harvard University. John F. Kennedy School of
Government. Maio/ 2003. Tradução mimeografada de Maria Cristina Maneschy.
[2]PUTNAM, Robert D; LEONARD, Robert e NANETTI, Raffaella Y.
Comunidade e Democracia: a experiência da Itália moderna. Rio de Janeiro:
Editora Fundação Getúlio Vargas, 1996 p. 97-194.

REFERÊNCIAS CONSULTADAS
AVRITZER, Leonardo. Um desenho institucional para o associativismo. Revista de
Cultura e Política Lua Nova, n.39, 1997.
____________________Em busca de um padrão de cidadania mundial. Revista
Lua Nova, n. 55-56, 2002.
BOQUERO. Marcelo. Construindo uma outra sociedade: o capital social na
estruturação de uma cultura política participativa no Brasil. Revista de sociologia e
política. Disponível em: http:www.scielo.br , acessado em 15/05/02.
BOURDIEU, Pierre. The forms of capital. In: RICHARDSON, John G. (ed.)
Handbook of theory and research for the sociology of education. New York,
Greenwood Press, 1986. p. 241-258. Tradução mimeografada de Maria Cristina
Maneschy.
CARDOSO, Ruth. Sustentabilidade, o desafio das políticas sociais no século 21.
São Paulo Perspec. Vol.18 nº.2. São Paulo, 2004.
HÉBETTE, Jean. Capital social: Uma reflexão comparativa. Belém, 2006.
(mimeografado).
HIGGINS, Silvio Salej. Fundamentos teóricos do capital social. Chapecó: Argos,
2005.
KERSTENETZKY, Célia Lessa. Sobre associativismo, desigualdades e democracia.
Revista Brasileira de Ciências Sociais. Vol. 18, Nº 53. Maio/2003.

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