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ORGANIZAÇÕES E INSTITUIÇÕES:

UMA ABORDAGEM EXPLORATÓRIA A


PARTIR DE EXPERIÊNCIAS
DE MUDANÇAS NO SETOR PÚBLICO 1

Milton Cordeiro Farias Filho1

RESUMO: Este artigo faz uma investigação exploratória sobre as reformas


administrativas, enquanto mudanças organizacionais. Discute algumas categorias e
conceitos das teorias da falha seqüência e falha permanente. Analisa as abordagens dos
principais autores do novo e do velho institucionalismo e demonstra o debate em torno
de processos de mudanças em organizações públicas. Apresenta exemplos de trabalhos
sobre as experiências de reforma no setor público do Governo Federal e dos estados do
Pará e Mato Grosso do Sul e na cidade de Salvador, concluindo que podem ser um
importante exercício para a construção de uma agenda de estudos e pesquisas em
administração pública e que são vários os desafios nas três esferas de governo.

PALAVRAS-CHAVE: Reforma do Estado; Organizações; Instituições; Reforma Administrativa;


Mudanças; Reforma do Estado.

1
Este artigo é resultado de pesquisas realizadas por ocasião da fase de qualificação de nosso projeto de tese de doutoramento.
Agradecemos o financiamento da Fundação Instituto para o Desenvolvimento da Amazônia – FIDESA.
2
Doutorando pelo NAEA/UFPA, Professor e Coordenador do Curso de Elaboração e Avaliação de Projetos Econômicos do
CESFE/UNAMA e bolsista de pós-graduação e pesquisa da FIDESA.
Adcontar, Belém, v. 5, n.1. p. 15-34, junho, 2004 1
INTRODUÇÃO Nesse sentido, nosso desafio é neste mo-
mento traçar uma proposta de abordagem com
base em poucos autores trabalhados. Os estudos
Discussões sobre a reforma do Estado e de casos foram escolhidos aleatoriamente e a base
seus desdobramentos tomaram conta da agenda conceitual está voltada para as mudanças na ad-
de pesquisa de várias áreas das ciências sociais. ministração pública recente no Brasil, aplicadas
Embora o debate esteja se ampliando, muito está em algumas de suas unidades federativas. Para
por ser investigado. Nossa proposta com este isso, o artigo está dividido em três seções, além
artigo é incentivar o debate em administração das considerações finais. Na primeira seção tra-
pública. Trata-se de uma investigação tamos da reforma administrativa no contexto da
exploratória que pretende, em primeiro lugar, reforma do Estado. A base teórica é a da falha
situar as mudanças por que vêm passando os es- seqüencial e falha permanente trabalhadas por
tados nacionais e suas reformas administrativas, Rezende (2002; 2004) e suas implicações nas
ajustes fiscais, descentralização das funções da mudanças organizacionais. Na segunda seção
esfera central de governo etc. Todos são fenô- apresentamos um debate teórico em torno do cha-
menos da chamada “crise do Estado”. mado velho e do novo institucionalismo e as abor-
A tentativa de compreender como as or- dagens organizacionais. Na terceira seção são
ganizações estão inseridas neste processo pode apresentados os casos de reforma do Estado e
ser um grande momento para a discussão no reformas administrativas e inovações nas orga-
âmbito da ciência administrativa. Por isso as te- nizações com base na realidade de unidades da
orias organizacionais têm relevância quando apli- federação. São elas a cidade de Salvador, os es-
cadas a contextos de reformas. Trata-se de uma tados do Pará e Mato Grosso do Sul, e a reforma
reorganização e de um processo de administrativa do Governo Federal. Ao final che-
institucionalização das mudanças que basicamen- ga-se à conclusão de que os desafios para as pes-
te envolvem o controle e a redução dos gastos quisas em administração pública são grandes,
públicos; mudanças no sistema tributário; necessários e multidisciplinares.
descentralização de funções, com criação de no-
vos sistemas de carreiras e salários; criação de
1- REFORMA DO ESTADO E REFOR-
novas formas de gestão com a terceirização,
privatização, avaliação de desempenho e outros; MA ADMINISTRATIVA: UMA
capacitação de recursos humanos com a ABORDAGEM ORGANIZACIONAL
implementação de programas de qualidade total; E AS TEORIAS DA FALHA
mudanças na estrutura jurídica como estratégia SEQÜENCIAL E FALHA PERMA-
de transformações da cultura burocrática, entre NENTE
outras.
Certamente, pesquisas em administração
Em seu recente livro, o professor Flávio
pública exigirão uma visão ampla e atenção es-
Rezende analisa um caso de reforma adminis-
pecial dos processos e seus desdobramentos.
trativa sob a ótica da teoria da falha seqüencial3 .
Mensuração quantitativa e qualitativa exigirá sem-
Suas evidências empíricas estão centradas na
pre metodologia adequada e visão crítica de abor-
experiência brasileira de reforma administrati-
dagens teórico-metodológicas realizadas em
va, coordenada pelo extinto Ministério da Admi-
ambientes diversos do que se pretende investi-
nistração e Reforma do Estado - MARE. Para
gar.

3
Estamos nos referindo ao livro publicado em janeiro de 2004 pela Fundação Getúlio Vargas que é oriundo de sua tese de
doutorado defendida na Cornell University. O professor Flávio Resende tem publicado vários trabalhos, nos últimos anos,
sobre a temática. Está atualmente desenvolvendo um diagnóstico sobre o Estado brasileiro intitulado “O Estado Brasileiro em
Números” (ver Rezende, 2003).

2 Adcontar, Belém, v. 5, n.1. p. 15-34, junho, 2004


Rezende (2004, p. 14) a aplicação e comprova- ganização e de um processo de institucionalização
ção dos elementos essenciais da teoria da falha das mudanças.
seqüencial, no caso brasileiro, confirmam sua
A necessidade de reorganização das ins-
tese de que as reformas administrativas, em sua
tituições públicas obedece a um processo de cri-
maioria, sofrem de falhas seqüenciais, isto é, de se geral do capitalismo em escala mundial. Fatos
“não-implementação dos objetivos pretendidos”,
como as crises econômicas, conhecidos como “o
já que a extinção do MARE, enquanto instituição choque do petróleo”, demonstraram que o mode-
encarregada da implementação da reforma, se
lo estatal construído no pós-guerra estava em cri-
enquadra no modelo proposto por Larson (1980)
se, sobretudo em uma crise fiscal. Havia uma
e utilizado por Rezende como uma de suas refe- urgência em “reformar o Estado”, ou seja,
rências teóricas.
redimensionar sua atuação e seus gastos. Como
Nas discussões sobre reforma do Esta- resultado desse processo, a discussão girou em
do, as políticas de reformas administrativas têm termos político-ideológicos sobre o ressurgimen-
sido o foco central. Desde que o Relatório do to da abordagem liberal como fio condutor das
Banco Mundial de 1997 foi publicado e, no Bra- reformas, o que se convencionou chamar de
sil, a partir da institucionalização do MARE, sob neoliberalismo. A experiência de governos de
a coordenação do ex-ministro Bresser Pereira, o viés, conservadores na Grã-Bretanha e nos EUA,
debate sobre a melhor proposta de Estado passou reforçou a tese de necessidade de reformas es-
a ser uma constante preocupação e objeto de es- truturais nos estados nacionais.
tudos ligados às mais diversas áreas das ciências
Passados mais de duas décadas dos deba-
sociais. tes, o trabalho de Rezende (2002) demonstra que
Os anos 1990 foram marcados por deba- as mudanças operadas no sentido da dimensão do
tes intensos no Brasil e no resto do mundo sobre Estado e suas formas de atuação, sobretudo quanto
qual o tamanho ideal para que o Estado pudesse ao equilíbrio fiscal, pouco mudaram. O que hou-
oferecer serviços de qualidade, ser eficiente e ve, tanto em países ricos como nos pobres, foi
eficaz e, ao mesmo tempo, fazer respeitar os um deslocamento dos gastos entre as esferas de
direitos de cidadania. O desafio para qualquer governo, respeitando as dinâmicas políticas e ad-
organização pública é, sem dúvida, um formato ministrativas. A descentralização das funções e
capaz de conciliar todos esses elementos. seus respectivos gastos alteraram o volume de
Em primeiro lugar, é necessário situar desembolso dos governos, mas em geral o Esta-
do manteve elevados seus gastos. Portanto, a
as reformas administrativas como resultantes das
chamadas reformas do Estado. Em seguida, com- amplitude das questões que envolvem o debate da
reforma do Estado demanda assuntos e questões
preender que se tratam de tentativas de tornar as
mais amplas. O Quadro 1 mostra quais os assun-
organizações mais adequadas às necessidades de
seu público-alvo: o cidadão. Por isso as teorias tos e questões mais trabalhados sobre a experiên-
cia internacional durante a década de 1990.
organizacionais têm relevância quando aplicadas
a contextos de reformas. Trata-se de uma reor-

Adcontar, Belém, v. 5, n.1. p. 15-34, junho, 2004 3


Quadro 1- Temas centrais nas reformas dos anos 1990 e seus mecanismos institucionais

TEMA MECANISMOS INSTITUCIONAIS


- Controle/redução dos gastos públicos
Ajuste Fiscal - Privatização de funções públicas
- Reforma Tributária
- Descentralização
Eficiência Gerencial - Criação das Performance Based Organizations (PBOs)
- Introdução de Mecanismos de Mercado
- Terceirização de Serviços Públicos
- Capacitação de recursos humanos
Capacidade de gestão - Criação de estruturas de carreiras e salários
- Avaliação e monitoramento de gestão
- Maior interface com usuário dos serviços
Accoutability - Qualidade do atendimento
- Reforma das estruturas judiciais
- Desenvolvimento de uma cultura burocrática voltada para os resultados
no atendimento ao cidadão-consumidor
Fonte: Abrucio e Pó (2002, p. 5)

Certamente, pesquisas em administra- distantes dos esperados e, ao não contarem com


ção pública exigem uma visão ampla e uma aten- o apoio de atores estratégicos na condução do
ção especial. Grande parte dos trabalhos publi- processo, a cada mudança de direção governa-
cados nacional e internacionalmente, na última mental novas reformas são propostas. A maioria
década, é resultado das mudanças estruturais por das políticas de reformas administrativas que vêm
que vem passando os estados nacionais, exigindo sendo implantadas inspiradas no novo
de seus governos ações para uma constante gerencialismo (the new public management) es-
readequação de suas estruturas burocráticas a tão baseadas no princípio geral de elevação da
formas mais flexíveis de gestão. Melhorar a performance do setor público.
performance é o grande desafio dos governos no
A teoria da falha permanente foi proposta
atual estágio do capitalismo globalizado. por Meyer e Zucker (1989) e pretendeu explicar
Há uma forte insistência dos governos no como organizações com baixa performance con-
sentido de melhoria da performance do setor pú- seguem sobreviver, uma vez que falham perma-
blico, mais especificamente do aparato burocrá- nentemente. A teoria estava voltada para todos
tico. A maioria das reformas propostas naquilo os tipos de organização que lidam com proble-
que Kettl (1998) chamou de “revolução” no se- mas crônicos de baixa performance. Para
tor público visou, basicamente, ajuste fiscal e Kaufman (1995) os verdadeiros motivos da falha
mudanças institucionais, tal qual defendida por seqüencial no setor público são os interesses or-
Rezende (2002; 2004). ganizados de burocratas que são beneficiados pela
O elemento-chave para o entendimento manutenção de um status quo e resistem às mu-
danças propostas nas organizações. Por outro
das reformas é o comportamento dos atores es-
tratégicos – de cooperação ou oposição. A partir lado, há os que apóiam as reformas ou as mu-
danças institucionais. Daí o conflito em torno das
de sua abordagem, Rezende (2002; 2004) deixa
mudanças propostas nas organizações. Esse con-
claro que reformas administrativas são casos clás-
sicos de falhas seqüenciais (permanent failing texto de conflito entre grupos no interior das or-
ganizações reduz a capacidade de execução das
policies). O conceito de falha seqüencial parte
do princípio de que reformas falham reformas, aumentando as possibilidades de fa-
lhas seqüenciais, possibilitando às falhas torna-
continuadamente porque produzem resultados
rem-se permanentes.
4 Adcontar, Belém, v. 5, n.1. p. 15-34, junho, 2004
Falha Seqüencial

Propõe redução Propõe mudança


dos gastos e no na cultura
Reforma Mudança
tamanho do burocrática e
Fiscal institucional
Estado. nas regras do
jogo.

Resultados inesperados e manutenção da baixa performance

Figura 1 - Modelo de Proposta de Reforma Administrativa para Organizações com Baixa


Performance baseado na Teoria da Falha Seqüencial

A Figura 1 tenta sintetizar os elementos sibilidade de que qualquer uma venha a ter
centrais da teoria aplicados as realidades traba- chances de vencer uma disputa governamental.
lhadas por Rezende (2002; 2004). Portanto, haverá sempre a possibilidade de que
O resultado do não-alinhamento dos ato- uma visão antagônica venha propor novas refor-
mas, uma vez que a não consecução de objetivos
res estratégicos em torno das reformas é a conti-
previstos para a organização traz a sensação de
nuidade da baixa performance, pois, com base
em Larson (1980), houve reorganização, fracasso. Esse é o dilema da descentralização
como suposto de democracia e da recentralização
extinção, emendamento ou novas orientações.
Nesse sentido, podemos deduzir que as reformas como estratégia de controle de gastos públicos
em algumas políticas de reforma do setor públi-
trarão uma nova reforma, uma vez que a não
co. São medidas que geram conseqüências não
absorção da idéia de mudança e de sua necessi-
dade por grupos organizados, como burocratas e previstas, e uma sensação de permanente neces-
sidade de reestruturação da organização ou re-
políticos, faz com que surja uma competição en-
tre idéias conflitantes. Essa competição leva à formas. A Figura 2 tenta simplificar a situação
conflitante numa organização.
necessidade de afirmação de uma delas e a pos-

Reformas Organização Status quo

Alta performance Baixa performance


(altos custos) Atores Estratégicos (baixos custos)

Relações de conflito (tensão entre cooperar e se opor às mudanças)

Figura 2 – Modelo de Relações Conflituosas nas Organizações


que Enfrentam Propostas de Mudanças

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Na visão de Hirchman (1970) há um gap Um primeiro passo para avançar
entre a alta performance desejada e a real, que nessa direção é compreender porque refor-
sempre parece ser baixa, pois as firmas e as or- mas são necessárias. No caso brasileiro, a
ganizações em geral estão permanentemente su- democratização recente exigiu uma nova
jeitas a declínios de eficiência e uma perda gra- estrutura organizacional que adequasse o
dual de racionalidade, eficiência e energia capaz novo arcabouço institucional e constitucio-
de produzir excedentes. No setor público enten- nal. Portanto, as organizações e instituições
demos este excedente como capacidade de pro- estatais se apresentam como foco central
duzir bens e serviços com baixa capacidade de de pesquisa em torno das mudanças pro-
suporte, ou seja, condições estruturais inadequa- movidas pelos governos no sentido de ade-
das para a realização de atividades. Mesmo sa- quar os estados às novas exigências da eco-
bedores de que a lógica dos serviços ofertados nomia e da sociedade.
pelo Estado ou por alguma organização por ele
Nos últimos anos, debates em tor-
delegada é o interesse público estabelece-se uma
no das abordagens sobre instituições ganha-
dúvida, e que pode servir de incentivos para bu- ram força nos estudos que pretendiam tra-
rocratas e servidores públicos em geral no senti-
tar das reformas dos estados e de seus apa-
do de cooperar ou se opor ao princípio de servir relhos. Correntes teóricas como a neo-
ao público, qual seja: em que medida governos
institucionalista pretenderam tratar da ques-
estão voltados para o interesse público? Ou, ain-
tão sob determinada ótica para apresentar
da, até que ponto a performance desejada pelas conclusões que estivessem ligadas a seus
organizações levam o agente público a se com-
princípios metodológicos. Entendemos que
portar não de forma extremamente racional e é necessária uma breve sistematização des-
individualista, orientado pelos ganhos pessoais e
tas correntes teóricas como forma de pro-
sim pelo trabalho em grupo, cooperação, lide-
por uma abordagem que dê conta da com-
rança e cultura organizacional cooperativa para plexidade da questão.
a produção de resultados mais eficientes seguin-
do a lógica do setor público? O neo-institucionalismo é um mo-
vimento de autores que busca novas formas
de abordagem para compreensão dos fenô-
2- ORGANIZAÇÕES E INSTITUIÇÕES: menos ligados a ações estatais. Surge a
CONCEITOS E CATEGORIAS DE partir das críticas apresentadas pela teoria
PROPOSTAS TEÓRICAS PARA A da escolha racional aos modelos explicativos
ANÁLISE DE REFORMAS ADMINIS- até então dominantes na ciência política
norte-americana – o comportamentalismo
TRATIVAS
e o pluralismo – mas, também, como rea-
ção à tradição estrutural-funcionalista e aos
Há um conjunto amplo de fatores que há limites (ou desencanto) das interpretações
necessidade de se analisar quando tratamos de marxistas no meio acadêmico nas décadas
reformas em organizações públicas, tais como o de 1960 e 1970. Sua denominação se deve
perfil administrativo e constitucional do Estado; ao pretenso contraste com as teorias ante-
o grau de conflito e/ou de cooperação da socie- riores (Limongi, 1994, p. 3-4). Seu foco de
dade em torno das mudanças que se pretende explicação deslocou-se das preferências dos
operar; o poder que cada membro envolvido no atores para as instituições. Estas passaram,
processo decisório de políticas públicas como, por então, a ser as variáveis independentes mais
exemplo, reformas administrativas; a participa- relevantes para as análises de fenômenos
ção de partidos, sindicatos e outras organizações ligados às ações estatais. Para os teóricos
da sociedade nas decisões governamentais. que se identificam com tal movimento, o
adjetivo “novo” se deu por que era neces-

6 Adcontar, Belém, v. 5, n.1. p. 15-34, junho, 2004


sário distingui-lo do “velho” institucionalismo, ção à análise institucional. As instituições, ainda
dominante antes da Segunda Guerra Mundial, ou nesta perspectiva, afetam os comportamentos e
seja, aquele praticado até o advento da revolução oferecem aos atores a certeza mais segura do
comportamentalista. comportamento dos demais atores. Portanto,
Hall e Taylor (2003), em trabalho recen- cabe às instituições oferecerem segurança às
partes envolvidas.
te, buscaram sistematizar as diferentes aborda-
gens que utilizam o novo institucionalismo. Nes- Uma outra perspectiva apresentada por
te caso, estes autores fazem uma divisão dos tra- Hall e Taylor (2003) é a chamada “cultural”. Ela
balhos que utilizam tal abordagem da seguinte alia a visão de mundo do próprio indivíduo ao
forma: autores enquadrados no que chamam de calculo estratégico do comportamento “calculis-
“corrente histórica” do neo-institucionalismo. Os ta”. Os indivíduos seguem protocolos já estabe-
filiados a esta corrente não concebem o Estado lecidos. Há mais uma interpretação da situação
como um ente neutro e árbitro de interesses con- do que um cálculo puramente utilitário. Podemos
correntes, mas como um complexo de institui- afirmar que está bem próximo do que defende
ções capazes de estruturar a natureza e os resul- Polanyi (1998), em sua crítica contundente à de-
tado dos conflitos entre grupos. Para esta cor- terminação da lógica do mercado nas sociedades
rente de institucionalistas, entre eles North (1991), capitalistas modernas.
os procedimentos, protocolos, normas e conven- Talvez não seja suficiente apenas propor
ções são inerentes à estrutura organizacional da que as instituições sejam a chave para o entendi-
comunidade política.
mento da “política” ou de processos políticos
De acordo com esta perspectiva, as ins- como a reforma do Estado em geral e as refor-
tituições organizam os incentivos não apenas para mas administrativas em particular, mas é impor-
os executivos, ministros, legisladores, mas tam- tante também defini-las, ainda que provisoriamen-
bém para importantes grupos de interesse. Como te, como ponto de partida metodológico para um
resultado, as instituições configuram a eficiên- desenho de investigação. É possível, por exem-
cia no processo político (North, 1991). plo, enfatizar as regras como características que
As regras de uma ordem constitucional definem os arranjos institucionais, em particular
aquelas utilizadas por indivíduos para determi-
ou os procedimentos habituais de funcionamento
nar quem e o quê está incluído em situações de
de uma organização, sindicato ou empresa, são
o que os novos institucionalistas abordam e apon- decisão, como se estrutura a informação, que
ações podem ser tomadas, em que seqüência e
tam como central em suas análises. Há para eles
uma associação entre instituições e organizações, como as ações individuais serão agregadas e
transformadas em decisões coletivas.
regras e/ou convenções formais. Nesta visão,
informam Hall e Taylor (2003), que a questão As instituições podem se caracterizar
central na teoria é identificar como as institui- pela capacidade de delimitar escolhas e possuir
ções afetam o comportamento dos indivíduos. mecanismos de tomada de decisões, de reduzir
certos custos de transação, ou ao mesmo tempo
Uma outra perspectiva é a da corrente
engendram outros custos. Elas diminuem o grau
de autores enquadrados como “calculadora”.
Para os autores desta corrente as regras estão de incerteza proveniente de comportamentos
imprevisíveis e, conseqüentemente, facilitam a
ligadas ao comportamento humano, que são ins-
trumentais orientados para o sentido do cálculo identificação de parceiros adequados para as tran-
sações e elaboração de contratos, levando em
estratégico. Esta forma de explicação está liga-
conta o maior número possível de eventualida-
da aos princípios da teoria da escolha racional.
Influenciada pelo ferramental teórico da des. No entanto, as instituições podem aumentar
os custos de transação ao elevar, por exemplo, o
microeconomia, seus objetivos e/ou preferênci-
as são definidos de maneira exógena com rela- número de parceiros na barganha e interação.

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De qualquer maneira que sejam definidas, a ên- ricos do novo institucionalismo não distinguem as
fase está nas regras que regulam comportamen- insuficiências e contribuições analíticas do que
tos recorrentes (North, 1990). consideram “velho” institucionalismo.
As instituições se apresentam como um O chamado velho institucionalismo foi ela-
fator de influência da vida política nas análises borado na tradição da sociologia das organiza-
de processo de decisão. Elas estão numa cadeia ções, principalmente por Selznick (1971), que
causal que deixa espaço para outros fatores. Este trouxe para o âmbito das organizações concretas
é um avanço, pois apresenta outros fatores, que o conceito sociológico clássico de instituições
é o entendimento de um mundo mais complexo sugerindo que organizações públicas ou privadas
do que o universo de preferências e de institui- poderiam ser tratadas como instituições caso fos-
ções utilizados pelos teóricos da escolha racio- se provado empiricamente que elas se configu-
nal. ravam como tais, tanto em relação aos seus mem-
Quando o foco da discussão incide sobre bros quanto ao contexto em que atuavam.
como as instituições delimitam as possibilidades O modelo divide analiticamente em duas
de escolhas, o ângulo analítico deixa de ser seu as organizações formais: a primeira, projeta-se
impacto sobre a interação política e passa a ser o na vertente econômica como elemento central da
exame da maneira como elas são escolhidas. As dimensão racional de cunho instrumental; a se-
constituições nacionais são freqüentemente cita- gunda, de vertente mais sociológica, centra no
das como exemplos paradigmáticos de institui- sistema de ação social de dimensões normativa o
ções que “duram”. Mesmo elas, porém, podem sentido de personalidade. Para Selznick (1971) a
e algumas vezes devem ser mudadas. No final interação informal no interior das organizações
do Século XX, muitas constituições foram mu- formais constitui uma fonte potencial de
dadas sob regimes democráticos para que a or- institucionalização do sistema organizacional na
ganização do Estado pudesse contar com “uma medida em que possibilita focos próprios de iden-
estrutura de recompensas e penalidades para tidade mediados por lideranças responsivas aos
mantê-la (a organização do Estado) em seu rumo” valores básicos maiores. Este processo é por ele
(Sartori, 1996, p. 216). denominado de “institucionalização
organizacional”.
Para Hall e Taylor (2003), o
institucionalismo sociológico defende que as es- O conceito sociológico de instituição é,
truturas burocráticas dominam o mundo moder- para os novos institucionalistas, um sistema de
no como forma de colaborar na busca de eficiên- procedimentos e controles normativos de nature-
cia e eficácia destinadas a cumprir tarefas for- za macro-social, e não um sistema de comporta-
mais. Elas expressam suas identidades como mentos definidos em escala micro ou organiza-
modo socialmente apropriados. Já para os neo- dos em uma organização concreta. Os neo-
institucionalistas da escolha racional, as institui- institucionalistas, como Scott e Meyer (1991),
ções têm a função de reduzir a incerteza, que enfatizam o caráter macro-estrutural das insti-
são as variáveis estruturais externas. tuições através dos conceitos como campos, se-
tores, ambientes institucionalizados ou através de
Ainda segundo Hall e Taylor, a chamada
teoria organizacional tem tentado redirecionar o mitos institucionalizados no interior da organiza-
ção ou, ainda, como regras que operam no inte-
paradigma teórico que informa esta tradição por
meio da re-elaboração da teoria institucional de rior da organização, mas que tem suas raízes no
sistema social maior de uma sociedade. Não há,
forma a torná-la mais adequada ao tratamento
para estes autores, qualquer possibilidade de pen-
de questões micro e macro no âmbito das organi-
zações. Essa abordagem ficou conhecida como sar a organização como objeto de análise ou ator
político, uma vez que nas análises os conceitos
neo-institucional e buscou redefinir o paradigma
sociológico das organizações complexas. Ao cri- de campo ou ambiente organizacional são mais
importantes.
ticar o modelo do velho institucionalismo, os teó-

8 Adcontar, Belém, v. 5, n.1. p. 15-34, junho, 2004


Do ponto de vista macro-social, o velho lam ações, ainda que estejam sempre sujeitas a
institucionalismo enfatiza a metáfora do ator mudanças (Levi, 1990). Entender essas mudan-
organizacional que, como atores individuais, pos- ças, as ações das instituições, suas ações sobre
sui um caráter distintivo e uma identidade pró- atores individuais e/ou grupo, entre eles burocra-
pria capaz de desenvolver ações estratégicas no cia, sindicatos, organizações etc. é o passo fun-
seu ambiente. damental para pesquisas em organizações e ins-
Para analisar processos de reformas ad- tituições públicas que apresentam problemas de
baixa performance.
ministrativas, é interessante adotar alguns mo-
delos interpretativos do papel da estrutura O que interessa sobre instituição é a
institucional do Estado. A variável dependente é sua capacidade reguladora enquanto agência
o potencial para a mudança de política em con- legitimadora de papéis, normas e valores, e a
textos distintos, embora a possibilidade destituí- sua funcionalidade, na medida em que contribui
da de outros fatores não garanta que alguma mu- para a diminuição dos custos de transação, tor-
dança venha a ocorrer. nando “mais previsível” o comportamento dos
atores. Lopes Junior (1995, p. 108) chama aten-
A atribuição de um status político às ins-
tituições permite vê-las como focos estratégicos ção para a distinção entre “ambiente institucional”
e “arranjo institucional”. Ambiente institucional
de articulação de identidade e interesses nas so-
ciedades modernas. Elas participam de um jogo refere-se a um conjunto de regras políticas, so-
de poder que determina os arranjos institucionais ciais e jurídicas fundamentais que definem a base
para a produção, o escambo e a distribuição, as
da política e, conseqüentemente, da definição de
quem se qualifica como participante legítimo das quais são exemplificadas pelas regras que gover-
nam as eleições, o direito de propriedade e o di-
decisões políticas.
reito contratual. Já o arranjo institucional refe-
A proposição básica que orienta o neo- re-se à “estrutura” que possibilita a cooperação
institucionalismo é a de que as organizações ten- (ou competição) entre os membros intra e inter-
dem a se agregar em função de suas áreas de instituições.
atuação, estruturando campos ou setores
institucionalizados de atividades, de tal forma que O neo-institucionalismo é hoje o mo-
vimento teórico-metodológico que consegue arti-
as identidades das organizações perdem espaços
cular os níveis micro e macro na análise social e
para aquela que identifica o próprio campo ou
setor de atividade organizacional (Dimaggio e política. Seus pressupostos vão além de uma abor-
dagem da sociologia. Não se restringe à preocu-
Powell, 1991).
pação com os conflitos inter-organizacional e as
Distintamente da teoria weberiana, a ten- relações das organizações com o seu meio ambi-
dência à homogeneização estrutural das organi- ente. Buscam apreender os padrões, valores e
zações, produzida pela burocratização decorre regras que as constituem e como elas agem so-
não da busca de maior eficiência, mas da força bre os indivíduos e estes sobre elas. As análises
estruturante da institucionalização de práticas e superam o dilema estrutura versus ator, levando
formas organizacionais em conseqüência de um em conta o contexto em que se inserem e os cons-
ou mais processos. A teoria não trabalha com a trangimentos que informam as preferências dos
idéia de atores individuais ou institucionais agin- atores, ao mesmo tempo em que torna as prefe-
do estrategicamente no seu ambiente. Estes são rências como estruturantes de uma nova realida-
substituídos por outra idéia genérica: a de forças de social. Mais importante de saber o por que é a
sociais que agem e operam na sociedade como tentativa de se apreender como se construiu o
se fossem atores sociais dotados de vida própria. processo de institucionalização da demanda por
As regras se apresentam como institui- mudanças no aparato burocrático estatal.
ções fortes dentro das organizações, pois regu-

Adcontar, Belém, v. 5, n.1. p. 15-34, junho, 2004 9


3- REFORMAS ADMINISTRATIVAS E sentados pelo Estado. A agenda de reformas bu-
AS PESQUISAS EM ADMINISTRA- rocráticas, em alguns países do mundo desenvol-
ÇÃO PÚBLICA NO BRASIL: UM vido, desde o início dos anos 1980, foi construída
CAMPO ABERTO PARA ESTUDOS 4 a partir de pressupostos da “nova administração
pública” ou simplesmente “gerencialismo”
(Bresser Pereira, 1998, 1999), que combina, se-
Nos últimos anos a necessidade premen- gundo Borges (2000), as reflexões da nova eco-
te de se discutir e pesquisar a área de adminis- nomia política sobre o Estado com a proposta do
tração pública trouxe para os círculos acadêmi- gerencialismo praticado no setor privado, sob a
cos uma espécie de consenso. Qual seja: discutir suposta neutralidade técnica dos administradores
a reforma do Estado planejada a partir da posse profissionais.
do Presidente FHC. São vários os trabalhos so- A proposta de um novo modelo de gestão
bre os sucessos e, em sua maioria, os fracassos pública foi elaborada por Osborne e Gaelbler
da tentativa de reformar o Estado e seu apare- (1998), com base em estudos realizados em go-
lho. vernos locais dos Estados Unidos. Eles mostram
Em essência, as reformas tentaram ofe- novas formas de administrar o setor público. A
recer respostas no sentido de melhor capacitar o proposta defendida pelos autores e que vem sen-
Estado a intervir e implementar políticas públi- do referencial para as reformas propostas nos
cas, manter a ordem pública e oferecer bens e países da OCDE caracteriza-se pela crença de
serviços sociais de boa qualidade (Bresser Pe- uma gestão pública mais eficiente, baseada nos
reira, 1998; 1999; 2001). Diferentes abordagens modelos de gestão do setor privado. A solução
têm trabalhado o tema, cuja matriz básica é a apresentada para os males da administração pú-
busca de oferecer explicações para uma atitude, blica é criar condições para que os administra-
por parte dos governos, de construir alternativas dores possam gerir. A suposição é de que as re-
à governabilidade. gras burocráticas excessivamente rígidas no se-
tor público e a ênfase no controle de processos,
Os trabalhos sobre as reformas vêm ga- em oposição ao controle de resultados, acabam
nhando espaço nos debates acadêmicos e seguem por impossibilitar, no setor estatal, uma gestão
uma gama de enfoques, escolas e correntes teó- com a eficiência do setor privado, setor em que
ricas da administração, ciência política, sociolo- administradores têm mais autonomia para con-
gia e economia. As explicações para as causas tratar e mobilizar recursos, submetendo-se a
da chamada “crise do Estado” vêm, sobretudo, controle de resultados, porém com a ampliação
de motivações econômicas. Entretanto, uma sé- de seus poderes discricionários.
rie de “doutrinas” administrativas vem dominando
a agenda de reformas como proposta para a cri- Neste caso é necessário considerar um
se. Se a explicação para as causas da crise é pu- dos temas muito estudado da teoria das organiza-
ramente econômica, sua solução é administrati- ções: a motivação. Ou seja, como estabelecer
va, mas através de princípios econômicos, por um sistema de incentivos e punições que motive
isso a crítica dos que entendem como soluções trabalhadores a executar bem suas atividades. No
neoliberais5 . setor privado o sistema de pagamentos por de-
sempenho, premiações, comissões e de progres-
Uma nova construção do aparato burocrá- são estão todos baseados nesta idéia. O grande
tico estatal, e não sua extinção, é apresentada desafio do setor público é criar um sistema efici-
como solução para os problemas sistêmicos apre- ente.

4
A presente seção está baseada no trabalho de Abrucio e Pó (2002). As discussões apresentadas são para chamar a atenção
dos estudantes de administração para a agenda de pesquisa que se encontra, hoje, no Brasil.
5
Uma das críticas mais lúcidas feitas sobre a proposta de reforma no Brasil, com base em comparação com outras experiên-
cias, é realizada por Borges (2000).

10 Adcontar, Belém, v. 5, n.1. p. 15-34, junho, 2004


Para Bresser Pereira (1998, p. 136), o
Poucos trabalhos de pesquisa têm se vol-
problema da eficiência no setor público não está tado para experiências de governos subnacionais
nos mecanismos de controle, e sim na capacida-
e locais. No caso do Brasil, são raras as pesqui-
de de se tomar decisões estruturais que permi-
sas sobre unidades da federação que
tam construir organizações e instituições que fun- implementaram reformas em seus aparelhos bu-
cionem, que sejam capazes de realizar suas res-
rocráticos, seja por uma imposição de dispositi-
pectivas missões. Sua crítica à escola da nova vos constitucionais, como a reforma dos siste-
economia política está na não percepção, por
mas previdenciários 6 , seja por um “alinhamen-
parte dos teóricos desta escola, que as condições
to” político com a esfera federal de governo, ou
particulares do Estado e da administração públi- até mesmo, como na maioria dos casos, fugir de
ca não são simples cálculos racionais de realiza-
problemas estruturais e conjunturais causados,
ção; não é simplesmente um mundo de trocas em última análise, respectivamente, pela crise
voluntárias como no mercado, mas trata-se do
sistêmica do capitalismo global e pela crise fis-
exercício da autoridade pública para realizar
cal que abalou a grande maioria das contas públi-
transferências e redistribuir rendas, por isso as cas das unidades federativas7 .
teorias de custo de transação, do principal-agen-
te ou da agência e da escolha racional, todas com Nesse sentido, nossa proposta é de uma
origem nas escolas econômicas de matriz abordagem exploratória sobre três experiências
neoclássica, apresentam sérias limitações, já que relatadas sobre unidades da federação. São elas
nas agências do Estado o comando é transitório, Mato Grosso do Sul, Pará e o município de Sal-
são governos e não proprietários de empresas. vador. Nossas análises situaram-se em torno dos
princípios trabalhados pelas pesquisas e de algu-
Nos últimos anos foram vários os traba-
mas conclusões que consideramos relevantes
lhos sobre os desdobramentos da proposta de re-
pelos autores. Desde já devemos informar que
forma do Estado pelo Governo Federal. Tais des- nossa proposta é de alertar como teorias
dobramentos apontaram para muitas direções na
organizacionais e suas várias abordagens podem
tentativa de ampliar o debate acadêmico sobre contribuir para as propostas de estudos e pesqui-
as mudanças nas organizações públicas. Alguns
sas em administração pública. Por isso uma dis-
exemplos de sucesso e insucessos foram apre-
cussão teórico-metodológica no início deste arti-
sentados em seminário, fóruns e outros eventos go.
técnico-governamentais e acadêmicos sobre ex-
periências de governos nos diversos países de um
mundo globalizado. A busca de um modelo único 3.1- Evidências Empíricas e Análises
- tendência do principal incentivador, o Banco
Correlatas
Mundial – de processos de reestruturação dos
estados nacionais e readequação dos governos
destes estados tem suscitado intensos debates e Antes de fazermos análises e consi-
necessitado de pesquisas acadêmicas com apli- derações sobre as experiências, deve ficar claro
cação de referencial teórico-metodológico ade- que os casos aqui trabalhados foram escolhidos
quado a cada realidade. aleatoriamente, exceto no caso do Estado do Pará,

6
Importante lembrar que reformas nos sistemas previdenciários de unidades subnacionais foi prevista na Emenda Constituci-
onal n.º 20 (CF 1988) e na Lei Federal n.º 9.717/98. Portanto, não foi uma opção, e sim uma imposição às unidades da
federação.
7
A agenda de estudos e pesquisa emergentes na administração é tão ampla que envolve questões como problemas ficais dos
municípios (alguns trabalhos desta natureza foram desenvolvidos no âmbito do IPEA, BNDES, IBAM e FGV) e estados,
programas de qualidade total nas mesmas esferas, reestruturação organizacional, resistências internas e externas, delegação de
funções de atividades públicas para setores do mercado, mudanças institucionais em geral, entre outros. Para uma boa visão
do que está sendo realizado em estudos e pesquisas em administração pública no Brasil ver Abrucio e Pó (2002). Os trabalhos
apresentados nos encontros nacionais da ANPAD, também, são importantes para avaliar o “estado da arte”.
Adcontar, Belém, v. 5, n.1. p. 15-34, junho, 2004 11
que vem sendo sistematicamente estudado8 . Ou- no interior da organização pública, e não na eco-
tro fator de relevância é o fato de considerarmos nomia em torno dela.
que os poucos estudos e pesquisas desenvolvidos
no âmbito da administração pública encontram
dificuldades que culturalmente têm impedido um i) A experiência de Salvador com as mudanças
avanço nessa área. São eles: primeiro, o fator na gestão dos serviços de saúde
político. As pesquisas em administração pública
exigem um enfoque multidisciplinar e
interdisciplinar. As resistências estão ligadas ao Esclarecidos alguns pontos, passaremos
envolvimento político que isso pode gerar, isto é, às experiências. Primeiro, vamos nos deter ao
na necessidade extrema da aproximação da polí- caso de Salvador, especificamente. A pesquisa
tica partidária, que inexoravelmente está presen- consistiu em um levantamento de questões quan-
te. Em segundo lugar, os distanciamentos que a to à satisfação do cidadão-usuário e sua percep-
esfera estatal sempre teve dos acadêmicos (o ção sobre a inovação gerencial proposta na ges-
velho discurso da dicotomia técnico x político). tão9 . Mendes (2001) realizou uma pesquisa so-
Terceiro, a raridade de cursos de administração bre qualidade total nos serviços públicos de Sal-
com ênfase na área pública ou de administração vador. O trabalho trata da inovação gerencial na
pública e de escolas de governo no país (as exis- administração pública na perspectiva institucional.
tentes basicamente estão em nível de pós-gradu- Parte do suposto - e apresenta evidências
ação). As experiências de escolas de governo são empíricas - de que qualquer ação de implantação
muito novas e ainda não amadureceram sufici- de programas de qualidade total no atendimento
entemente o debate sobre o tema. do cidadão, no sentido da inovação e dos princí-
pios da cidadania, é problemática, uma vez que
O mais interessante é que se fizer- o conceito de cidadania ainda não está muito cla-
mos uma análise do capitalismo brasileiro, gran- ro na sociedade, sobretudo para usuários de ser-
de parte do que, hoje, temos como “grandes em- viços públicos essenciais.
presas” – um nicho por excelência de estudos em
administração – foram, em sua maioria, impul- Para Mendes (2001), a administração
sionadas pelos governos e que o capitalismo bra- pública deve ser entendida com a complexidade
sileiro só acelerou em momentos de intervenção que lhe é peculiar. Primeiro é necessário
estatal. São inúmeros os estudos sobre Estado e compreendê-la como um aparato executivo e um
economia capitalista, mas raríssimos os que en- aparato político (governo). A inovação gerencial
volvem empresa e administração numa relação deve ter relação com a política e a administra-
de simbiose e, não necessariamente, de relação ção. Pois, no setor público “a qualidade depende
puramente econômica. Falamos da ausência de dos sujeitos que participam das ações e, princi-
pesquisas e estudos sobre os determinantes es- palmente, dos que sofrem a ação, ou seja, dos
truturais e conjunturais para a presença do Esta- cidadãos. Assim, a definição de qualidade com-
do nas empresas sob o enfoque da ciência admi- porta uma quarta visão: a do cidadão-‘usuário’”
nistrativa propriamente dita, da teoria (Mendes, 2001, p.4).
organizacional e institucional e não do enfoque A reflexão de Mendes (2001) sobre qua-
da economia das empresas. Trata-se da ótica do lidade no setor público utiliza conceitos como
gerenciamento do Estado para incentivos e inter- consumidor, usuário, cliente e cidadão. Entre-
venções na empresa e de seus desdobramentos tanto, pensa a autora, que o mais importante é a

8
Estamos nos referindo as pesquisas para a tese de doutorado, em andamento, cuja sistematização pode ser consultada em
Farias Filho (2003).
9
A pesquisa teve como metodologia a base teórica e constitucional em Marshall (1950) e na Constituição Brasileira de 1988.
Foram analisadas duas gestões (1993-96 e 1997-2000) e aplicados 4.805 questionários com usuários de serviços de saúde,
classificados segundo o grau de implantação do Programa de Qualidade Total em nove unidades da Secretaria Municipal de
Saúde de Salvador, além de entrevistas com os representantes dos Conselhos Locais de Saúde. Para mais detalhes ver
Mendes (2001).
12 Adcontar, Belém, v. 5, n.1. p. 15-34, junho, 2004
noção de cidadania. Ela é alicerçada nos princí- do era de ordem institucional e fiscal. Ao assu-
pios de direitos e deveres. Quando transportada mir o governo o diagnóstico encontrado foi o se-
para a lógica de mercado, obscurece alguns pon- guinte: crise fiscal e pagamento do funcionalis-
tos: primeiro, em situações de monopólio de ser- mo em atraso. A reforma tinha como objetivo
viços sobre o controle estatal, é impossível se executar um planejamento estratégico visando a
pensar em princípios de mercado concorrencial. inclusão social; participação popular; moralização
Logo, conceituar cidadão como cliente ou consu- da gestão pública; qualidade ambiental e desen-
midor é desconhecer seu conceito. Serviços es- volvimento sustentável. As mudanças operadas
senciais, em sua maioria, são monopólios do Es- foram: redução do número de secretarias e enti-
tado e, portanto, a lógica do mercado é falha. No dades da administração direta.
caso desse tipo de serviço, o conceito de cidadão
Na nova experiência, a inovação foi o
é o mais adequado como parâmetro. Contudo a princípio de que quem arrecada deve fiscalizar
cidadania deve ser assimilada pelos cidadãos, que
os gastos. Quem comanda os gastos, administra
na maioria das vezes não sabem seus direitos e
a folha de pessoal; implantação de sistema segu-
deveres. Na ótica do setor e na perspectiva ro de pagamento e controle; redução dos níveis
institucional, a importância recai sobre o cida-
hierárquicos em cinqüenta por cento dos cargos
dão. comissionados; melhoria de instrumentos de co-
Para Mendes (2001, p. 6), a literatura municação interna no governo e reforma
sobre inovação gerencial e programas de quali- previdenciária.
dade foca sempre fatores organizacionais e indi-
Com base na teoria de Stoner (1985), que
ca que a mudança cultural é uma importante es- trabalha os princípios das resistências externas
tratégia para o sucesso da iniciativa. Mas chama
nas organizações, os autores demonstram que
atenção que a literatura sobre o tema não trata pessoas e grupos afetados pelas mudanças viam
da mudança cultural na perspectiva do cidadão. na mudança do status quo uma ameaça. Eles
Sua visão é de “cidadania em uma determinada
eram empresários, sindicalistas, políticos e bu-
sociedade é o núcleo articulador entre os eixos rocratas. No âmbito interno a mudança de status
organizacional e institucional das inovações
quo era favorável a funcionários, já que estavam
gerenciais que se estão introduzindo na adminis- em prejuízo salarial.
tração pública”.
Segundo os autores, as resistências vie-
Suas conclusões indicam que i) a inova- ram de setores privilegiados de servidores públi-
ção não garantiu uma modificação do atendimento
cos que tinham maior remuneração e poder de
sob a ótica da cidadania; ii) há uma assimilação barganha. Resistiam às mudanças, pois elas ame-
precária entre direitos dos cidadãos, constitucio-
açavam seus privilégios. Por terem maior poder
nalmente assegurados e dos mecanismos legais
de barganha tinham o poder de fazer pressão,
para assegurá-los. via sindicatos, contra as mudanças propostas. Por
ser via sindicatos, pressões pareciam externas.
ii) A reforma do Estado em Mato Grosso do No setor empresarial ligado às agências
Sul públicas de extensão e pesquisa rural e nas ques-
tões fundiárias a mudança objetivava a inversão
de prioridades. A prioridade passou da grande
O problema da não assimilação do cida- para a pequena propriedade. Burocratas, funcio-
dão dos seus direitos e deveres talvez seja secun- nários e sindicalistas afetados pela mudança do
dariamente uma das respostas que o trabalho de status quo reagiram. Segundo os autores, “as
Lima Filho e Hoffmann (2002) buscou apresen- pessoas ou seus representantes políticos não que-
tar para a experiência do Estado de Mato Grosso riam perder espaço, emprego, estrutura públi-
do Sul. O estudo trata da reforma administrativa ca, influência de pequenas decisões e encami-
promovida pelo governo. O problema apresenta- nhamentos do governo, que fazem grande dife-

Adcontar, Belém, v. 5, n.1. p. 15-34, junho, 2004 13


rença no conjunto da intervenção estatal” (Lima gãos e efetivar uma revisão na estrutura admi-
Filho e Hoffmann, 2002, p. 8). nistrativa, revendo, também, o perfil de gastos
incompatíveis com a função social do Estado, pois
Diante da experiência apresentada por
a presença indiscriminada de contratação de pes-
Lima Filho e Hoffmann (2002), ficou claro que
qualquer mudança em organizações estatais afe- soal foi uma prática constante e comprometeu a
capacidade de investimento público. Outro entra-
ta atores internos e externos da organização. As
mudanças institucionais operadas foram implan- ve que necessitaria de ação era a implementação
de uma política justa de recursos humanos para
tadas a partir de um diagnóstico de baixa
melhorar a capacidade gerencial, o que implicou
performance em que dois fatores estavam pre-
sentes: necessidade de ajuste fiscal e de inova- na baixa capacidade de formulação e gestão de
políticas públicas. O grave desequilíbrio entre
ções institucionais.
receitas e despesas haveria de ser combatido pela
disciplina nos gastos públicos e redução de pes-
iii) A reforma administrativa no contexto da soal. Todos estes esforços seriam necessários
reforma do Estado do Pará para a “modernização dos padrões de gestão dos
serviços públicos”.
A Tabela 1 apresenta alguns dados preli-
As mudanças operadas na realidade do minares sobre a evolução do número de funcio-
Estado do Pará apresentam o mesmo diagnóstico. nários e os respectivos salários médios no Esta-
Em seu documento preliminar, o Comitê de do do Pará. Já a Tabela 2 indica a situação dos
Reforma do Estado apresenta as diretrizes gerais gastos do governo estadual com o funcionalismo
e estratégicas para a condução da reforma, e público.
insiste: “O crescente endividamento dos
governos, a ineficiência generalizada da máquina Como se pode observar, a política de re-
administrativa, o persistente clientelismo político, dução do número de servidores públicos estadu-
a desenfreada corrupção e o crescimento ais foi uma meta alcançada ao longo do período
desmesurado das áreas-meio em detrimento das de vigor da reforma, aqui analisado previamen-
áreas-fim são manifestações agudas da falência te. Há uma redução da ordem de 21, 89% no pe-
do Estado, sob o atual modelo de gestão ríodo de 1994 a 2002. Entretanto, observando na
governamental. Tal conjunção de fatores se mesma Tabela, nota-se uma evolução da remu-
reflete de modo particular no Pará (...)” (Pará, neração média dos servidores ativos na ordem
1997, p. 1). de 224,49%. Já na remuneração média dos inati-
vos sofreu um aumento de 191,45%. Certamen-
Nas indicações de como se articulariam te, esses números revelam que quanto à remune-
as estratégias para a resolução de tantos proble- ração média, no mesmo período, houve uma des-
mas apresentados no diagnóstico, o Comitê pro- proporção muito grande entre redução do núme-
pôs que é necessário rever a proliferação de ór- ro de servidores e a elevação da remuneração.
Tabela 1 – Número de Servidores e Remuneração Média (R$) – 1994/2002

Anos Ativos Inativos Total Evolução % Remuneração


Ativos Inativos
1994 115.609 11.315 126.924 100,00 395,70 642,12
1996 97.899 14.064 111.963 - 11,79 437,26 843,39
1998 92.288 18.841 111.129 - 12,45 554,44 930,01
2000 77.797 21.015 98.812 - 22,15 682,85 1.042,46
2002 75.716 23.404 99.120 - 21,91 888,34 1.232,59
Fonte: Relatórios da Secretaria Executiva de Administração (1994 a 2002)

14 Adcontar, Belém, v. 5, n.1. p. 15-34, junho, 2004


Tabela 2 – Gastos com Pessoal (R$ mil) e (%) sobre as Despesas Totais – 1994-2002

Anos Ativos Inativos Total de % (%)


Despesas Evolução Ativos Inativos
1994 45.745,98 7.265,56 53.011,55 100,00 86,59 13,70
1996 42.807,39 11.861,38 54.668,77 + 03,12 78,30 21,69
1998 51.168,11 17.522,34 68.690,46 + 29,57 74,49 25,50
2000 53.123,32 21.907,22 75.030,54 + 41,53 70,80 29,19
2002 67.261,18 28.847,43 96.108,62 + 81,29 69,98 30,01
Fonte: Relatórios da Secretaria Executiva de Administração (1994 a 2002)

Considerando que no período aqui analisado não A extinção da única agência pública res-
houve reposição salarial para servidores públi- ponsável por informações sistematizadas, embo-
cos estaduais no Pará, o questionamento que se ra sofrendo de pouca autonomia, impôs dificul-
faz é: o que levou um aumento tão grande da re- dades imensas para estudos e pesquisas no Esta-
muneração média de servidores públicos? Quan- do do Pará. A coleta de dados e informações no
to aos gastos totais com pessoal, que fatores le- interior das organizações e instituições se justifi-
varam a um crescimento tão grande? ca, também, pela busca de compreender seu fun-
cionamento, de identificar o tamanho e magnitu-
O aumento nos gastos totais com pessoal
de, diferenciação funcional, perfil de composi-
foi de 81,29% no período analisado. Contudo, os
gastos com servidores ativos sofreram uma re- ção e uso dos recursos humanos, gerenciais, pa-
drão de gastos das organizações, setores e
dução, representando, em 2002 apenas 80,81%
do montante dos gastos em 1994. Em compensa- alocação de verbas para políticas públicas. So-
bretudo, a grande relevância para a sociedade é
ção, os gastos com inativos aumentaram 219,05%
sistematizar informações que não se encontram
em relação ao mesmo período, fato este que leva
a outro questionamento: o que levou um aumento nas organizações e instituições estaduais.
nos gastos com pessoal inativo? E por que as
metas de redução de gastos com pessoal não fo-
iv) O MARE e a comprovação empírica da fa-
ram cumpridas, mesmo levando-se em conside- lha seqüencial
ração que a inflação no período foi inferior aos
índices apresentados de elevação dos gastos?
Diagnósticos mais precisos sobre a Nos últimos anos surgiram vários traba-
organização, funcionamento e controle de lhos sobre o setor público e as mudanças em seu
resultados por agências públicas responsáveis por funcionamento. Porém, poucos buscam articular
provimento de serviços públicos são de grande as especificidades regionais e locais, assim como
relevância. Em grande medida, o sucesso das da esfera de governo a um referencial teórico
reformas depende do conhecimento das variáveis que permita compreender a avaliar tais mudan-
qualitativas e quantitativas sobre os principais ças. Um dos poucos trabalhos sobre reforma ad-
problemas de performance que as organizações ministrativa e sua situação peculiar foi realizado
públicas têm. Muitas das tentativas de por Rezende (2004). Neste trabalho, o autor bus-
reorganização de funções, procedimentos, ca aplicar a teoria da falha seqüencial na experi-
relações com a sociedade e controle de resultados, ência de mudanças institucionais conhecida como
assim como as previsões de fatores exógenos à reforma administrativa. O avanço de Rezende
agência pública, são desprezados em tentativas está justamente em diagnosticar a situação da
autoritárias de mudança. mudança.

Adcontar, Belém, v. 5, n.1. p. 15-34, junho, 2004 15


A reforma administrativa preparada pelo Grande parte da falha do MARE - e das
MARE compreendia, basicamente, em mudan- falhas seqüenciais atribuídas às reformas admi-
ças para a melhoria da performance do setor nistrativas - é o apego à aplicação de princípios
público brasileiro. Importante ficar atento para uniformizados para todas as agências, sem con-
as mudanças operadas no setor público brasilei- siderar a grande variabilidade e diversidade
ro desde a construção do Estado moderno nacio- institucional que existe em qualquer Estado mo-
nal10 . derno. Para Rezende (op. cit., p. 114-115), “re-
formar as instituições é sempre a parte mais do-
Partindo dos princípios da teoria da falha
lorosa, mais lenta e mais trabalhosa da reforma,
seqüencial, Rezende (2004, p. 111) mostra que a
reforma administrativa implementada pelo Go- e não ocorre no curto prazo. O não alinhamento
entre os interesses do MARE e dos atores estra-
verno Federal a partir de 1995 teve um forte ali-
nhamento com o fenômeno da falha seqüencial, tégicos sobre a questão do controle explica de
modo decisivo a extinção desse ministério e, de
pois tentava elevar a performance através do ajus-
modo mais amplo, os limites das reformas ad-
te fiscal com mudança institucional. As mudan-
ças propostas demandavam, para o alcance do ministrativas”. Sobre essa questão o autor cita
um depoimento11 :
ajuste fiscal, controles mais rígidos nos proces-
sos dos gastos públicos. Ao contrário das mudan- “o Mare é, na realidade, dois dife-
ças institucionais propostas, que requeriam jus- rentes mares: ‘Ma’ e o ‘re’. ‘O Ma’ é
tamente o oposto, ou seja, a flexibilização dos a parte da organização que vem do
controles. Essa contradição é a base da falha Dasp. Através dos tempos, ela foi
transformada em SAF, Sedap, e ago-
seqüencial nas reformas, pois “a delegação é
ra é o ‘Ma’, o Ministério da Admi-
antagônica à performance, quando essa é enten- nistração Federal. O ‘re’é a Secreta-
dida em sua dimensão fiscal”. ria da Reforma, que é a parte nova.
De modo geral, reformas administrati- Essa duas partes tiveram conflitos
vas são políticas públicas que visam alterar a es- históricos sobre a questão do controle
e gestão dos recursos humanos. O
trutura de controle, e por essa razão, uma tensão
‘Ma’ não aceita as mudanças e
entre maior e menor controle, isto é, quem con- flexibilizações no controle que a re-
trola quem é o dilema. Ao analisar e compreen- forma está tentando implementar (...)
der os custos e benefícios futuros das agências, A tensão básica entre esses dois Ma-
atores envolvidos passam a cooperar ou se opor res gravita entre a questão da respon-
às mudanças. No caso do MARE, ocorreu o que sabilidade sobre os recursos humanos
o autor chamou de “cooperação dual”, ou seja, e, fundamentalmente, a questão dos
cooperação para o ajuste fiscal e não cooperação recursos orçamentários. Esse é o fa-
com a mudança institucional, revelando a impor- tor que organiza o conflito entre as
tância de avaliar a questão do controle no setor partes. Isso ocorre porque o ‘Ma’ é
organizado pela lógica do controle, a
público. Para Rezende (op. cit, p. 113), “a inclu-
qual não é compatível com a cultura
são em um ou outro tipo institucional definia quem da performance que o ‘re’ está ten-
seria beneficiado ou ‘punido’ com a transforma- tando introduzir na administração fe-
ção institucional, dificultando muito a coopera- deral. Penso que a lógica do controle
ção dos atores”. é a mesma dos setores das finanças,

10
Não cabe aqui uma lista longa das tentativas de reformas na administração pública federal, porém as mais significativas foram
institucionalizadas a partir da criação do Conselho Federal do Serviço Público Civil, que se consolida com a criação do DASP
em 1938. Em 1956 a Comissão de Estudos e Projetos Administrativos e a Comissão de Simplificação Burocrática foram
instituídas com o mesmo fim. Em 1967 o conhecido Decreto-Lei n.º 200 tentou substituir uma “Administração Burocrática”
por uma “administração para o desenvolvimento” (Bresser Pereira, 1998, Cap. 8). Para uma visão mais detalhada da
evolução do fenômeno, ver Lima Jr. (1998).
11
Entrevista concedida à Rezende por um diretor da Secretaria de Reforma do Estado.

16 Adcontar, Belém, v. 5, n.1. p. 15-34, junho, 2004


planejamento e de outros atores buro- modelo e um só meio de se realizar mudanças ou
cráticos que têm sua performance reformas, mesmo que “apenas” no sentido de
baseada no controle” (Rezende, 2004, melhorar o desempenho da máquina pública para
p. 107). realizar sua função essencial, que é a de atender
Do ponto de vista acadêmico, acreditamos melhor possível o cidadão.
ser de grande relevância, em estudos e pesqui- Há uma forte insistência dos governos no
sas em administração pública, a possibilidade de sentido de melhorar a performance do setor pú-
se aplicar teorias a realidades empíricas total- blico, mais especificamente do aparato burocrá-
mente diferentes das que serviram de base para tico. Essa ânsia de melhoria pode não estar con-
a construção destas teorias, abordagens e esco- siderando variável importante, como a cultura do
las teóricas. Um esforço sistemático na constru- cidadão. É justamente na percepção do seu pú-
ção de indicadores, ainda não construídos, sobre blico-alvo que as ações dos governos no Estado
performance do setor público, pode auxiliar ou- brasileiro devem focar suas mudanças. Se o ci-
tros pesquisadores a coletar informações sobre dadão reconhece seus direitos e deveres, saberá
organizações estatais que as próprias organiza- distinguir se as ações dos governos no sentido de
ções não as têm e, ainda, para a sociedade que oferecer serviços estão dentro dos padrões de
necessita conhecer como funciona o Estado e quais qualidade que ele – cidadão – tem direito e, so-
seus limites e avanços nas diversas áreas de po- bretudo, se seus deveres para com o Estado es-
líticas públicas. tão dentro do que o governo cobra dele.
Diagnósticos pessimistas ganham destaque Readequar as organizações públicas para
na maioria das notícias que temos da organiza- melhor atender o cidadão não é tudo. É necessá-
ção e funcionamento das agências públicas no rio fazer este cidadão compreender que as mu-
Brasil. Antes de qualquer diagnóstico precipita- danças são necessárias e por que são. Dentre os
do é necessário fazê-lo no sentido de desvendar fatores que há necessidade de se analisar quando
“mitos” que giram em torno das organizações. tratamos de reformas em organizações públicas
Como se organizam e se relacionam as organi- é a relação histórica entre Estado e sociedade.
zações e instituições do Estado. Romper com o São nessas relações que se encontram a maioria
desconhecimento que ronda a administração pú- dos entraves internos e externos à organização
blica em geral, já que as propostas de modernizá- pública.
la é um desafio.
Saber por que reformas são necessárias
está no fundamento das mudanças. No caso bra-
CONSIDERAÇÕES FINAIS sileiro a democratização recente exigiu uma nova
estrutura organizacional adequada ao novo
arcabouço institucional e constitucional recente.
Discussões em torno de mudanças nas Mas, então por que tanto se fez e pouco se vê de
organizações públicas suscitam novas formas de mudanças, tanto em resultados quanto em pro-
abordagem quando se trata de Brasil. A cultura cessos de políticas públicas? Organizações e ins-
administrativa desenvolvida no país sempre es- tituições estatais passam por mudanças promo-
teve pautada em modelos importados. Tais mu- vidas pelos governos no sentido de adequar os Es-
danças são reflexos de reorientações dos estados tados às novas exigências da economia e da soci-
nacionais que exigem de seus governos ações para edade. Neste caso, é necessário verificar as pre-
uma constante readequação de suas estruturas ferências dos atores e seus comportamentos no
burocráticas a formas mais flexíveis de gestão. interior das organizações e como eles constroem
Melhorar a performance é o grande desafio dos instituições. Assim, é interessante resgatar o
governos no atual estágio do capitalismo conceito sociológico de instituição dos novos
globalizado. No entanto, não pode existir um só institucionalistas.

Adcontar, Belém, v. 5, n.1. p. 15-34, junho, 2004 17


É necessário trabalhar o caráter macro- _____. Crise Econômica e Reforma do Estado
estrutural das instituições e os conceitos como no Brasil. São Paulo: Editora 34, 1996b.
campos, setores, ambientes institucionalizados.
DIMAGGIO, P. J.; POWELL, W. W.
Necessário saber como as regras passam a ser
Introdution. In: _____ (Org.) The new
importantes no interior da organização sem per- institutionalism in organizational analysis. Chi-
der de vista suas raízes no sistema social maior
cago: University of Chicago Press, 1991. p. 1-
de uma sociedade. Por isso é importante com- 38.
preender a relevância das regras e como elas se
apresentam dentro das organizações e, ainda, FARIA, José Henrique de. Poder e relações de
como regulam ações, mesmo que estejam sujei- poder nas organizações. In: CARVALHO,
tas a mudanças. Cristina Amélia; VIEIRA, Marcelo M. Falcão
(Org.) Organizações, instituições e poder no
Não temos dúvidas, afinal, de que
Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 2003.
analisar e compreender as mudanças nas insti-
tuições e suas ações/influências sobre atores in- FARIAS FILHO, Milton Cordeiro. Reforma
dividuais e/ou grupos pode ser um passo funda- administrativa e arranjos Institucionais: a ex-
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