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Klecius Borges. (2013).

Muito Além do Arco-Íris: Amor, sexo e relacionamentos na


terapia homoafetiva

● Na prática clínica, é comum aparecerem questões sobre relacionamentos, tanto com


heterossexuais quanto LGBTs, mas há uma particularidade:
● LGBTs, ao contrário dos heterossexuais, não encontram nas livrarias, no cinema ou na
televisão, muitas referências ou representações sobre a natureza dos seus
relacionamentos
● E os relacionamentos LGBT, por razões óbvias, têm características e desafios bastante
diferentes daqueles que seguem a heteronormatividade

● Felizes para sempre


● Nós pensamos que encontrar uma cara-metade é suficiente para termos o nosso
“felizes para sempre”
● Vemos nas novelas e no cinema, que o final feliz está reservado àqueles que se
dedicam, com afinco e determinação, a fazer dar certo um relacionamento que estava
“destinado” a ser
● Temos a ideia de que há por aí, vagando, a nossa alma gêmea, também em busca de
completude, e que será capaz de satisfazer todas as nossas necessidades emocionais,
sexuais e espirituais
● Quando nos apaixonamos, projetamos no outro todas as nossas expectativas, sonhos,
esperanças e fantasias
● Fazemos do outro o nosso cabide emocional, cuja principal missão é vestir a imagem
idealizada do ser amado
● Mas essas expectativas são irreais, e estão na raiz do problema: quando são
quebradas, dão a sensação de fracasso e frustração, e é exatamente com esse
sentimento que muitas pessoas chegam até a terapia
● Para que o outro pareça perfeito, acabamos por ignorar certos aspectos e
peculiaridades dele que não se encaixam no que idealizamos
● À medida que o relacionamento avança e a intimidade se aprofunda, esses aspectos,
que no início pareciam irrelevantes e menores, adquirem um peso maior. A paixão,
fundada nas projeções inconscientes e no desejo de encontrar o outro perfeito, cede
lugar então a uma realidade concreta, na qual as pequenas ou grandes diferenças que
antes eram fonte de atração se transformam em intermináveis conflitos
● Essa pode ser uma fase de grande riqueza e aprofundamento emocional, ao se retirar
as projeções sobre o outro, que te cegam e iludem, e poder descobrir no outro, um ser
real, com qualidades e defeitos, características e particularidades que o tornam mais
interessante, instigante e atraente
● As diferenças e conflitos podem ser vistas como uma oportunidade para o crescimento
do casal e aprofundamento da relação

● O Medo de Amar
● Por mais que isso possa parecer surpreendente, é muito comum que homens gays, de
diferentes idades e estratos sociais, se queixem da dificuldade de manter um
relacionamento amoroso sério por mais do que alguns meses.
● Alguns se frustram e justificam seus fracassos através de frases como
"Relacionamentos gays não duram mesmo", ou "Gays só pensam em sexo"
● Dessa forma, eles se eximem de realmente refletir e questionar porque não conseguem
ou não desejam, de fato, estabelecer um relacionamento profundo com outro homem
gay
● Muita dessa dificuldade de amar tem raízes na homofobia a qual os homossexuais são
submetidos ao longo da vida. É por causa desse processo contínuo de opressão que
homens gays, principalmente, crescem sem espelhos que reflitam positivamente sua
qualidade de amor e, portanto, não tem a possibilidade de se imaginar num
relacionamento conjugal que lhe ofereça toda a afetividade pela qual anseia
● O LGBT é induzido pela sociedade a viver uma vida marginalizada, sem ver a
possibilidade de vínculos que conduzem à intimidade amorosa. As fantasias
relacionais tem como base um modelo heterocêntrico, ou seja, o relacionamento
idealizado entre um homem e uma mulher, enquanto a sua afetividade e sexualidade
não segue esse mesmo modelo, e é isso que cria uma cisão interna, um obstáculo ao
desejo de estabelecer relacionamentos íntimos de profundidade amorosa
● Um dos caminhos para superar essa barreira é se conscientizar sobre o quanto essas
imagens estão fortemente incrustadas em seu inconsciente, e são um forte
determinante em sua forma de enxergar e atuar no campo relacional
● Além disso, entre em contato com outros LGBT's que vivem relacionamentos
estáveis, grupos que reúnem pais, mães e famílias LGBT, e também filmes, séries,
novelas que apresentam modelos de relacionamentos homoafetivos fora dos
estereótipos sociais
● Ou seja, é preciso começar a se imaginar amando, se envolvendo emocionalmente e
se permitindo desenvolver mais intimidade com a outra pessoa

● O Gênero ao Quadrado
● Um drama muito comum nas relações entre duas mulheres é que há uma espécie de
fusão instantânea: se apaixonam "à primeira vista", se reconhecem nos gostos e
desejos, e rapidamente decidem se unir. Mas, com isso, o casal tende a se recolher do
mundo exterior, criando uma intimidade entre si difícil de se penetrar, até mesmo para
os mais próximos.
● Durante certo período, desfrutam de uma relação quase simbiótica, da qual extraem
grande parte da satisfação de suas necessidades afetivas e emocionais, negligenciando
outras fontes de convívio social e familiar e se entregando à construção de um ninho
acolhedor e quase autossuficiente.
● Com o passar do tempo, essa relação simbiótica passa de uma experiência agradável
para sentimentos de constrangimento, sufocamento pessoal, ciúmes, cobranças,
disputas e exigências irreais. O que era confortável e seguro de transforma em
aprisionamento e limitação
● Brigas frequentes, de tom emocional, declínio do desejo sexual, desconfianças,
fantasias, acusações de traição, hipervigilância e hipersensibilidade a qualquer
situação que fuja do controle. Em muitos casos o casal se torna hostil e até mesmo
agressiva uma contra a outra
● O casal se sente frustrado por não ter mais suas necessidades plenamente atendidas
pela companheira, além da percepção que alguns aspectos negligenciados no início do
relacionamento reaparecem com forte carga emocional negativa. Tudo isso torna a
convivência insuportável, mas também não conseguem se separar.
● O trabalho com esse tipo de paciente tem como objetivo aumentar o nível de
consciência da paciente sobre os efeitos que o modelo relacional internalizado produz
nas escolhas e dinâmicas com a companheira
● Refletir sobre as suas necessidades que se obrigou a negligenciar em nome do casal e
sobre como pode satisfazê-las sem ameaçar o relacionamento
● Analisar as diferenças entre a paciente e a parceira de uma nova perspectiva, de modo
que essas diferenças possam ser reconhecidas, aceitas e valorizadas, ao invés de
neutralizada

● Monogamia e exclusividade sexual


● Um dos dilemas mais frequentes na clínica voltada para os homens gays é o desejo de
se adequar à norma social da exclusividade sexual nos relacionamentos estáveis, e o
desejo por outros homens, que brota espontânea e aleatoriamente.
● Criados numa cultura heterocentrada, onde o casamento monogâmico representa o
modelo saudável de relacionamento, e a não exclusividade sexual é tratada como
traição, passível de punições, inclusive o divórcio, é natural que internalizamos esse
padrão.
● Porém, os homens tendem a vivenciar sua sexualidade de forma mais livre e menos
associada a vínculos afetivos, o que torna a exclusividade sexual como uma tarefa que
não é enxergada com facilidade.
● No relacionamento homoafetivo não há o risco de uma gravidez, ou a expectativa de
casamento, o que torna esses relacionamentos, principalmente entre gays, mais
casuais e descompromissados
● Não há receita ou fórmula pronta para esse tipo de dilema, mas existem diversas
possibilidades a serem exploradas.
● O paciente pode compartilhar com seu companheiro o seu dilema, angústias e culpas e
os dois podem tentar encontrar uma saída criativa que preserve e aprofunde o
relacionamento, alivie seu sofrimento e o faça amadurecer.
● É necessário conversar aberta e honestamente sobre seus medos, inseguranças,
vulnerabilidades, desejos, fantasias, expectativas e necessidades reais. Poderão
discutir e examinar com seriedade conceitos como monogamia emocional e
exclusividade sexual, assim como modelos de relacionamento aberto, fechado, misto,
etc. Além disso, deverão decidir juntos o que é melhor e mais adequado para eles
nessa fase do relacionamento.

● A Identidade Dividida
● Um conflito comum entre homossexuais de gerações anteriores é que, por não poder
se assumir quando jovem (devido à época muito homofóbica, etc), esses LGBT'S
acabam se casando e tendo filhos, em um relacionamento heterossexual.
● Mas esses relacionamentos tendem a acabar em divórcio, em que a pessoa LGBT
acaba não contando à família sua real identidade, e prefere viver suas duas identidades
de forma separada, mantendo trabalho, família e parentes com sua identidade
"heterossexual", e contando sobre sua homossexualidade a apenas alguns amigos
próximos, e vivendo encontros casuais, sem se permitir um relacionamento sério.
● Até pode surgir o desejo de ter um relacionamento mais profundo, mas isso coloca em
risco a "identidade dividida" da pessoa
● O medo principal em se assumir para o restante das pessoas é que sua família,
sobretudo os filhos, deixem de amá-los e respeitá-los.
● O trabalho com esse tipo de paciente deve ser abordado com cuidado. Ainda que seu
medo possa ser desproporcional em relação ao perigo real, não se pode
menosprezá-lo.
● O foco inicial é analisar os medos e fantasias negativas quanto ao que poderia
acontecer se decidisse contar à família
● Essas imagens devem ser trabalhadas e discutir de maneira racional os possíveis
cenários e desfechos para o conflito
● Em seguida, entrar em contato com artigos e livros sobre as mesmas questões que o
paciente enfrenta, e até grupos para compartilhar experiências

● Asas do Desejo
● Uma das maiores angústias dos homens gays é a culpa pelo seu desejo sexual
● Tem medo e chegam à terapia com vergonha e tentando reprimir desejos e práticas
sexuais que consideram “pervertidas”, acreditando que sofrem de compulsão sexual
● Essa identidade sexual é fortemente estigmatizada e atrelada a um padrão de desejo
considerado desviante, enquanto a identidade sexual e afetiva heterossexual tem um
reconhecimento social positivo
● Por causa disso, se veem em um conflito de difícil solução
● São movidos por desejos e fantasias que encontram espelhamento , veículos e espaços
de realização na comunidade a que pertencem, mas se sentem envergonhados e
culpados por se deixar levar por esses desejos que não atendem suas expectativas
internalizadas de o que é uma socialização, uma sexualidade e uma afetividade
saudáveis
● Essas pessoas crescem, quase sempre, lutando contra esse desejo, que se manifesta
independentemente do querer, e em seu imaginário os torna vulneráveis e em
permanente risco
● Ao mesmo tempo, a sociedade projeta nos gays as expectativas de uma vida livre e
sem compromissos afetivos, ainda mais na cultura atual, altamente sexualizada
● Apesar disso, o preço a pagar ainda é muito alto: mesmo sendo receptáculos de uma
visão de liberdade, ainda sentem muita culpa
● A mesma sociedade que estimula a sexualidade livre e a apresenta como um produto
de consumo ao alcance de todos, ainda estabelece padrões de normalidade e
aceitabilidade muito enviesados por uma visão heterocentrada
● Essas queixas são apenas a ponta do iceberg:
● A questão é que temos muitas fantasias, crenças, imagens, ideias e pensamentos muito
negativamente associados aos desejos e afetos da comunidade LGBT. Esse conjunto é
apresentado de diversas formas: a rejeição, aberta ou velada, da família ou amigos, do
Estado que não reconhece o indivíduo LGBT, e as religiões que os condenam. Esse
conjunto, então, é internalizado, num processo chamado de homofobia internalizada,
que faz com que a pessoa LGBT seja guiada por sentimentos de culpa e vergonha
● Logo, o que o paciente pensa ser compulsão sexual se trata, na verdade de homofobia
internalizada
● Mas por quê?
● Por ter crescido acreditando que o homossexual é naturalmente promíscuo, cuja
identidade se estabelece de forma unilateral pela sexualidade, e que o amor verdadeiro
entre dois homens não é possível, acabou desenvolvendo um padrão de atuação sexual
por meio do qual reforça e valida suas crenças internalizadas
● Seu comportamento sexual compulsivo nada mais é que uma tentativa de reduzir a
ansiedade causada por sua homofobia num primeiro momento, mas acaba gerando
mais culpa e mais vergonha em seguida. Essa situação faz que o ciclo se repita
infinitamente
● Essa ideia é uma armadilha perigosa, pois impede que o indivíduo desenvolva uma
identidade homoafetiva saudável, que lhe permita, conscientemente, escolher como
lidar com seu desejo e compartilhar seu afeto

● Só e feliz
● Grande parte dos pacientes sofre por não conseguir ter um relacionamento estável,
mas alguns chegam com a demanda oposta: se sentem julgados, e até discriminados
por não ter nem desejar ter um relacionamento
● Essa cobrança os faz pensar que há algo de errado com ele, e é frequentemente
confrontado, tendo que ouvir previsões catastróficas sobre seu futuro solitário
● As pessoas confrontadas com esse “consenso social” tendem a questionar sua
normalidade
● Por isso, é importante para o paciente que o psicólogo se coloque
● É importante para esse tipo de paciente que o psicólogo se coloque numa posição
positiva sobre essa forma de pensar e conduzir sua vida afetiva-sexual
● O fato de não se sentir julgado ou avaliado o deixará à vontade para se debruçar sobre
sua vida, seus desejos, ambições, dúvidas e escolhas
● A escolha de se relacionar afetiva e sexualmente com várias pessoas ao mesmo
tempo, como a desses pacientes, pode tanto ser uma escolha legítima, fruto de um
grau razoável de autoconhecimento e autoaceitação de sua natureza mais livre e mais
autônoma, como também pode ser uma forma de defesa contra medos e angústias das
quais ainda não estava consciente
● Sem perceber, esses pacientes podem se

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