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256 CONTRIBUICAO PROTESTANTE A REFORMA DA EDUCACAO PUBLICA PAULISTA Cesar Romero Amaral Vieira! INTRODUGAO Ainda que sua atuagao hoje nao esteja to presente nas paginas da hist6ria da educacao brasileira, o protestantismo norte-americano exerceu, nas primeiras décadas de implantacZo no Brasil, um papel relevante na histéria da educagio paulista. Nao s40 poucos os personagens que vive ram imersos nas tramas do periodo hist6rico aqui analisado, bem como alguns historiacores mais distantes dos fatos, compreenderam que escre- ver a histéria de Sao Paulo exige que se consagre numerosas paginas & presenga dos protestantes norte-americanos, ¢ sua destacada influéncia tanto na definigio do modelo educacional adotado nas escolas piiblicas, como no pensamento politico da elite republicana de $0 Paulo. Ainda que reconhecam que no campo estritamente religioso esta influencia tenha se mostrado um tanto timida, Mas essa questio é foco de uma outra anise Com o inteng3o de apontar para a necessidade de se fazer um res- gate hist6rico, aprofundando alguns aspectos da presenca de imigrantes norte-americanos no Brasil, pretendemos, no presente artigo, demonstrar através da andlise do perfodo que abrange a passagem do regime mond quico ao republicano, ~ mais precisumente durante a Primeira Repiilica - + que 0 modelo educacional e o acento nas idéias liberas, trazidas pelos primeiros colégios protestantes norte-americanos, exerceram uma grande influéncia sobre a sociedacle paulista, chegando mesmo a contribuir em larga escala para 0 aprimoramento da reforma da educagao piblica de Sao Paulo sob 0 governo republicano de Prudente de Moraes. Ainda que esse entusiasmo no tenha resistido as composigdes politicas posteriores. © esabelecimento de misses protestantes no Brasil é um fend- meno bastante recente, muito embora encontremos relatos histéricos da presenca de protestantes em terras brasileiras desdle 0 periodo colonial. Mas foi somente a partir da segunda metade da sfaulo XIX que os pro~ testantes, de origens missionérias, desembarcaram em portos brasileiros. Origindrios, princpalmente, do movimento de expansio missiondria norte-americana do Sul dos Estados Unidos, Metodistas, Presbiterianos, Batistas e Congregacionais chegaram ao Brasil com propésitos idénticos de evangelizar ¢ educar a nacio. "Dato: em Cn de Religio pe UMESP e dourorando em Educaco pela UNIMER E- mail: crvieira@unimep.br CCOMLINICAGS -Caderno do Programa de Pés-Gracuagio em Educaci0-Ano9- Ne T=Junhode 2002 Uma des consegiiéncias imediatas dessa presenga foi o abalo da hegemonia estabelecida pela Igreja Catdlica no campo religioso, politico ¢ calmral. Nesse contexto de acirramento, as principais forgas conservado~ ras da igreja Catdlica, sentindo-se acuadas, colocaram-se contra tudo que fosse considerado perigoso para a manutengio de sua f€ ¢ de seu poder. Enire esses perigos estavam relacionados, num mesmo nivel, o galica- nismo, o liberalismo, 0 protestantismo, a magonaria, 0 positivismo, 0 deismo, 0 racionalismo, o socialismo e certas medidas liberais propostas pelo estado civil, tis como a liberdade de religido, o casamento civil e 8 liberdade de imprensa. A resultante dessa aca0 foi o fortalecimento das novas correntes ideolégicas que a partir da segunda metade do século XIX, comegaram a freqiientar 0 idedrio filosbfico e politico daqueles inte- lccnaais que, inspirados na Revolugio Francesa e no ideal de liberdade expresso na constiuigio nore americana, anteviam beneficios para a socie- dade brasileira ‘Neste artigo, seguiremos a andlise feita por Mendonca (1984, p. 80) sobre a huta dos protestantes por um espaco religioso, na sociedade brasileira, em ts niveis: polémico, educacional e prosclitsta. Sem deixar de lado 0 polémico ¢ 0 proselitsta, nos concentraremos, prionitariamente, no segundo nivel, embora, vez. por outra, lancemes méo dos outros dois, pois, estes trés nfveis se confundem entre si € s4o importantes para a com- preensio do todo. © nivel educacional 6 subdivido por ele em dois outros, gute, em sua compreensio, so caracterizados pelo ideolégico, exo objetivo era introckezir elementos transformadores na cultera brasileira ¢ 0 instrumental, cxjo objetivo ena auexiliar o proselitismo e a manutengao do culto prrotestante na camada inferior da populago (MENDONCA, 1984, 7.80). O ideolégico teve como meio de propagagio os grandes colégios americans, ji o instrumental, as escolas paroquiais “Trataremos aqui, portanto, dos aspectos ideoldgicos contidos na agio educativa propagada pelos princfpios edncacionaisempreendides pelos protestantes no Brasil, Antes, porém, & necessiria uma ripida com preensao dos aspectos historicos e woldgicos que deram sustentacio & visio de mundo do protestantismo que aqui chegou. A VISAO PROTESTANTE DO MUNDO. Poxemos dizer, grosso modo, que os fundamentos do pensamento protestante que chegou ao Brasil tém suas origens no puritanismo” inglés que, por questées poltico-religiosas, em 1620, emigrou para as colbnias americanas, No entanto, esse encontra suas diretrizes no ajuste sofrido no enfrentamento com as novas express6cs religiosas que para [é também fencdonga define o pustansmo como um modo de ser da vida miso, de veros homens {eas cosas sob o prism da 12m moc de iver sob rgorismno da fe gencbna, peo so ase tismo austazo esa piedade Bibliea (#1984, p.37—38), CCOMUNICACOES-Caderme do Programa de Pos-Graduacio.emEducags0+ Ano -NP 1 Junho de 2002 27 258 imigraram, principalmente com o metodismo wesleyano. Muito embora esta constatacio deva ser submetida as diversas situagdes histricas, uma ver. que néo podemos afirmar que os mesmos tragos enoontrados naquele tipo de prowestantismo possam também ser encontrados, de igual forma, no protesiantismo que chegaria ao Brasil mais de dois séculos depois. Este contexto, segundo a andlise adotada aqui, definia 0 tipo ideal de protes- tantismo noreamericano que iri se impor como a grande religiio da América, como veremos a seguir. Em 1620, os puritans atravessaram o oceano Atlantico no layflower', mas foi entre 1628 ¢ 1640 que a imigragio se intensificon. Estava claro no universo mental destes pioneiros que a viagem do "Mayflower" tinha sido empreendida para a gléria de Deus e 0 avnrgo da Fé cristé e honra de nosso rei ¢ pats...(In: REILY, 1984, p.19), Com isso, os Puritanos encontraram uma forma racionalizada de conduzir suas convic- ¢6¢s politico-religiosas ¢ passaram a se sentir como 0 Povo Escolhido (Gods Chosen People), tarito no sentido espiritual como intelectual, con- forme nos diz Mendonga (1984:, p.45). Sob a forma organizativa ¢ teolé- ga do aalvinismo, e © racionalismo ¢ 0 clitismo come motivagées Principais as suas agdes, se viam fortalecidos no confronto com outros g7upos religiosos que por ali também se organizavam. F é nesse contromto com as novas idéias, praticas religiosas ¢ politicas adversas que encontra- mos 0s elementos condicionadores do protestantismo desenvolvido nas colénias americanas. UM PROTESTANTISMO METODIZADO, © movimento metodista fincou suas raizes definitivamente nos Estados Unidos a partir do ano de 1784, na chamada Conferéncia de Natal; quando se separou do movimento inglés ¢ conscituin uma lercia aut6noma, a lgreja Metodista Episcopal. Gragas & forma dessacralizada e lescentralizada, os metodistas foram os que melhores se adaptaram a «stas novas condigdes e que mais exerceram infinéncia na constimiigio da nova nagio ¢ na configuracao do tipo de protestantismo que iria dominar © pensamento religioso da América. As outras denominagdes, como os presbiterianos por exemplo, mais formalistas, ajustavam-se com certa difi- culdade a essis novas condigies ¢ por iso ficaram mais ow menos na esteira dos metodistas, que cresceram extraondinariamente (MEN- DONGA, 1984, p.50). © discurso metodista centrado no individualismo € no voluntarismo pessoal contribuiu de modo marcante para desfocar a doutrina da salvagio eletiva dos puritanos pela valorizacio do desempe- anho individual e do esforco de cada um, A partir de 1820, iniciou-se um periodo nos Estados Unidos que se convencionou chamar de La Metorista. Neste periodo, as outras denominagoes protestantes da América passaram a softer a influéncia ‘metodista, 0 que resultou em nudancas substanciais nas suas priticas e até ‘COMUNICACOES -Cademno de Pragrams de Pés-Gracuacao em EdvcagS0-Ano +N 1-Junhwode 2002 ‘na sua postura doutrinéria (REILY, 1981, p.22). A Igreja Metodista passou a exercer © papel hegeménico dentro do campo religioso, muito embora 1ndo tenha se limitado a este espaco. Contréitio 4 visio teolégica calvinista da eleigio, 0 merodismo acreditava na capacidade do aperfeigoamento e progresso do individuo e da sociedade, 0 que era reforcado pela teoria evolucionista de Charles Darwin e pelas correntes filos6ficas da época, conduzidas pela visio ral de mundo. Deus deixava de ser entendido como aquele que escolhe uns e rejeita outros, mas que oferece oportunidades iguais a todos indis- tintamente, Com iso, a cleigao calvinista dava lugar a0 voluntarismo metodista ¢ a doutrina da soberania absoluta de Deus era substituida pela vontade individual da pessoa humana. A Tgreja Metodista passou a ser 0 referencial de agao de sociedade americana, gracas ao espirito voluntarista presente em seus pressupostos teolégicos € ao liberalismo que The garantia o cariter ideolégico. Sendo assim, coordenou um avango missionério dentro ¢ fora de seus limites ter ritoriais. Eta necessétio levar a cultura americana identificada como a tepresentante do Reino de Deus na Tetra a outres povos. A estratégia metodista utiizada para obter 0 cardter hegem@nico na sociedade foi a educagio. Proliferaram rapidamente as esvolas em toda nacéo americana com os mesmos objetivos, no s6 o de formar ministros para suas igrcjas mas, principalmente, levar os ideais de uma América crista (metodista) a todo o mundo. Resumidamente, 0 Metodismo de Wesley, fruto do pietismo moraviano, que saiut da Inglaterra rumo & América, influenciado pelo moralismo e individualismo puritano, ¢ no enfrentamento com as novas configuragdes religiosas apresentadas pela sociedade circundante, adap- touse as novas condicies € logo foi considerada a maior lereja de toda a nagio americana, envolvendo em seu bojo as demais denominagées pro- testantes ¢ imprimindo um ritmo proprio naqucla sociedade. Este periodo foi chamado de a Exa Metodista. ‘As idéias do liberalismo. encontraram ressondncia na teologia Metodista e, através dela, em toda estrutura americana, A hegemonia metodista permeava 0 cenério nacional. Isto levou mais tarde © préprio presidente Theodore Roosevelt a dizer: Ex perso que nenbunna oilira parte do mumdo a Igreja Metodista desempenbou unt papel 120 impor- tante ¢ 230 especial como ros Estados Unidos. Sua historia esta indissolue velmnente ligada & histéria do nosso pais (In: MESQUIDA, 1994, p.102) Este eta o contorno principal do protestantismo que chegou ao, Brasil, cuja ideologia foi citada pelo liberalismo norte americano ¢ seus dois postulados fundamentais que exercen forte sedugio na sociedade brasileira: a liberdade ¢ 0 individualismo em suas ditimas conseqiiéncias. Entretanto, se nos Estados Unidos, o liberalismo atingiv. 0 seu mais alto grau de perfeigio, no Brasil ocorreu a presenca de um liberalismo conser ‘COMUNICACOES Calero do Programa de P&- Graduagio em Educa¢ioAno-N 1 Junho de 2002 259 260 vyador, fruto das condigbes socio-econdmicas e politicas de um pais depen- dente, inserido no sistema capitalista internacional. Jecher Ramalho nos chama a atencio para 0 fato de que as idéias tém sama origem historica, mas na medida em que sio transmitidas vio sofrendo a influéncia de outros intervenientes, que thes realgam certos aspectos om acrescexttam outras nuances (1976, p41). Isso & demonstrado claramente tanto no caso do pensamento provestante, quanto no desenvolvimento da corrente doutringria liberal. Ambas expresses, no tanscorrer de seus caminhos, sofreram modificagbes substanciais que influenciariam de maneira decisiva a cultura brasileira Sendo assim, as primeiras misses protestantes permanentes que chegaram ao Brasil representavam uma mesma culura e uma mesma forma de pensar ¢ de agis, dominada pela hegemonia metodista norte americana. © protestantismo neste periodo se afigura, assim, como uma versio religiosa dos ideais iberais, caracterizado pelas influéncias de um determinado contexto ¢ pais. Quando veio para o Brasil, era um protes- tantismo metodizado a expresso utilizada por Reily quando diz. que a : em geral, as igrejas norte-americanas, ao emiarem missionérios para 0 Bra- sil, jd se encontravam “metodizadas” (1984, p.22). Portanto, o protestan- timo norteamericano, que aqui chegou, era um conjanto de denominagoes (metodistas, presbiterianos e batistas prindpalmente) que tinham uma visio ¢ uma pratica tanto religiosa quanto educativa, domi- nada por uma igreja que, naquele momento, exercia o papel hegem@nico a sociedade americana. Estes cram prontamente identificados como representantes da América, livre e demoeritica, do Norte. © protestantismo que aqui chegou oferecia para aqucles descjasos de uma reforma nos modos sociais ¢ econdmicos da época um rompi= mento com os antigos valores representados pela lgreja Catdlica € sua sociedade provincial, sacralizada, hierarquizada, dltista e aristocrética. Muito mais do que uma simples forma de se expressar uma fé num Deus, © protestantismo, era, antes de mudo, uma nova visio de mundo, um pas- saporte para o mundo moderno, vindo dos Estados Unidos como uma bandeira viva do progresso. IMIGRANTES E MISSIONARIOS NO BRASIL © desejo coletivo de se buscar um novo lugar onde pudessem transplantar 0s costumes sulisas cristalizourse no ambiente pOs-guerra Givil norte-americana, O Norte imprimiu sobre o Sul uma titica de des- ‘gaste que conseguin minar seu sistema de resistencia, deixando sem a minima condigo de reorganizar sua sociedade nos mesmos moldes ante- riores. Restaram ao sulista apenas duas opedes num horizonte bastante turvo: adapearse a0 processo de Reconsirugdo, empreendido entre os anos de 1865 ¢ 1877 pelo Norte, que representava uma sobrecarga 20s animos téo duramente atingidos ou transplantar seus ideais para outras ‘COMUNICACOES -Cademo do Programa dePé-Graduacio em Educaca0= Ano 9+N T+ Junho de 2002 plagas onde pudesse se reorganizar conforme sua visio conservadora de mundo. [A partir daf, a emigragZo passon a ser encarada como uma alterna- siva nfo apenas de expatriagio, mas de uma provével continuidade de uma vida que em sua propria terra natal nao era mais possivel. Buscar um outro local para se viver significava uma alternativa de preservar uma identidade que sofrera grandes abalos com a derrota da guetta. A questo da preservacio de seus ideais era tio forte para muitos desses sulistas que, quando na primavera de 1865, 0 Std foi vencido pelo Norte, ¢ 0 Gene- ral Lee mal acabava de entregar seu sabre ao General Grant, os empre- sérios de imigracao largarant sua terra nativa, em busca de otaras plagas ¢ aleuss escolherant 0 Brasil. (GOLDMAN, 1969, p. 261) ‘Muitos sulistas se opuscram a essa nova empreitada, conseguindo ajustarse 8 nova ordem social imposta, Aqueles que estavam convictos de que esta era a melhor, senao a tinica safda, nfo se deixaram intimidar ¢ guase sem recursos nenhum langaram-se ao mar. Entretanto, um fend- meno curioso se deu: 0s imigrantes sulistas confederados que aqui chega~ ram foram prontamente identificados, na mente da elite revolucionétia, como representantes de um progresso ¢ de um desenvolvimento subja- gente a sua propria condigio, Mas na simagio de desterrados, estes eram na verdade representantes do que havia de mais conservador naquele pais. John C. Dawsey, antropélogo brasileiro, filo de americanos resume esta Situagio ao dizer que: Se alguns historiadores argumentam que muito do que os republicanos flzeram era para “inglés ver” (o1t “amencano ver"), talvez também seja verdade que confederados eram americaros para brasileieo wer. A oficiciz simbolica dos lagos de amizade que associavam republicanos ¢ america nos se tontana possivel mediante a condigao de que osamericasts fos- sem vistas realmente coma americanos, portanto “progressstas”, ¢ 120 como confederados “dejensores da escrvidao” ou sulistas “retrégrados oponentes da industrializacao.(1993, p-125) Muito embora esses sulistas confederaclos, a principio, nfo quises- sem ser identificados como americanos, pois pretendiam evitar as come paracdes constrangedoras com os iangues, que Thes impingiram tamanha humilhagéo no episddio da Guerra Civil, acabaram por aceitar o rétulo em funcao de um beneficio maior que era a sua aceitagio nessa nova ordem social, Foram sensiveis o bastante para perceberem que seria mais vantajosa uma unio com as forgas progressistas do pais, que os conside- rava como 0s legitimos representantes dos ideais liberais norte-america- nos, do que com © conservadorismo daquela época, representado pela sociedade catélica. De fato, esta consideragdo nao estava tio equivocada, quando levada em conta a situagao do Brasil naquele momento. Assi COMUINICACOES - Cademo do Programs de Pés-Gracluagio em Educacao~ Ano 9-NP 1+ Junho de 2002 261 262 mesmo conservadores e defensores da escravido, trouxeram de imediato iniimeros beneficios que os identificavam de pronto como portadores de uma cultura mais desenvolvida até mesmo pela parcela da sociedade ‘menos culta. A capacidade inventiva dos mortesamericanos teve que ser testada no Brasil. Suas bem sucedidas empresas interferiram naquele espaco a ser dominado, caja sociedade e economia se ressentiam de elementos pro- dutivos (..). Ademsais 0 norte-americano representav todo 0 mito do rogresso e do desenvoluimento moderto. Os imignantes estadwnidenses, ‘por sua vec, cerann prosperar suas enrpresas gracas d receptividade do ‘meio, tnaducida nia constano de sua producdo. (COSTA, 1985, p.141) Portadores de novas técnicas e de conhecimentos cientificas mais avancados, estes sulistas estimulavam a curiosidade dos brasieiros da regio, fosse pelo porte fisico, pela mancira de vestir, pela lingua estranha, pelos habitos e costumes mas, principalmente, pelos instrumentos domés- tioos e agricolas que, até aquele momento, eram desconhecides dos mora- dores das regides vizinhas. © anado fot a grande novidade da regito e espalbou-se mpidamente a noticia de que uns americanos tinbam vt insiremento para preparar 0 terreno para o plantio com muito mais vantagens do que a enxada. Muitos vierant ver como os americanos plantavam suas terras, oxttros (quiseran aprender. Sem dar pela coisa, logo 0 Coronel Norris) tixha sma boa escola prtica de agricultura. (JONES, 1967, p. 150) Outro ponto que proporcionou esta adaptagio foi a luta que os republicanos travavam com o Império Monarquico e a Igreia Catélica. Seria a. mesma luta que o protestantismo iria empreender para a implanta- ao de sua f€ nestas plagas. Republicanos e protestantes lutariam a favor da liberdade religiosa; da separacio lereja e Estado; fim do carster obriga- tério do ensino religioso nas escolas piblicas; a insticuigao do casamento vil obrigatério, sem prejuizo das ceriménias religiosas particulares; da secularizagio dos cemitérios e a administracao pelo municipio? Enfim, tanto um quanto 0 outro necessitava dessa unio, sem a qual poriam em risco as suas pretensdes. Em outras palavras, concordando com Dawsey, a eficacia simbélica dessa relag2o se sobrepunha aos papéis reais dados os imteresses que teriam de ser preservados. Os imigrantes ¢ os missionétios, que para aqui se dirigiram, eram portanto, antes de tudo, norte-america- nos portadores de um mesmo ideal, ainda que fossem frucos de uma ade- quagio a uma realidade falseada, que os tornava distintos dos. demais segundo um modelo proprio € pertencente a uma unidade de relagoes 5 Cara circular em nome do furuto do Beas, redigida por Quintino Bocayuva, Tavares Bas- tone Saldanha Marini in MESQUIDA, 1984, p. 81. [COMUNICACOES Carer do Pragrata de Poe Grading em EducacSo An.9-N® Ts unhade 2002 sociais considerada superior. Assim, para as elites repuiblicanas, a dicoto- mia entre Norte ¢ Sul foi abolida definitivamente. Os frigates vieram da América, vivam os americanos! COLEGIOS PROTESTANTES E SUA IDEOLOGIA Os primciros missionaries que aqui chegaram, no vacuo dos imi- srantes, logo se convenceram de que, somente com a doutrina religioss, protestantismo 140 ganharia espago nesta cultura. Fra necessiria uma ado educativa capaz de criar uma tensao que deslocasse a Tgreja Catélica do seu posto hegem6nico. Esta tensao vita através dos colégios provesta tes em Oposicao aos colégios catdlicos. Qs missionarios estavam certos da superioridade do seu sistema pois, em seu proprio pais cle jf havia resuk tado como satisfazorios representando um meio excelente de transmissio cultural e ideolégica, Em 1867, ja se encontrava estabelecida a primeira excola protestante na regio de Campinas, o Colégio Internacional. A educagio foi utilizada como um instrumental possibilitador do aceso ao poder e da constituigéo de uma pretensa hegemonia politica, cultural e religiosa. Nesta anillise, o conceit de educagio std vinculado organicamente ao de hegemonia, ou seja, nio existe educaczo desvinar lada completamente dos fatores ideolégicos, uma educacio neutra, sem interesse de uma determinada classe oa grupo social, Visto por esse prisma, a funcéo da educagio visa as relagGes sociais em que © homem esti imerso, cujo objetivo é modificar ou manter uma estrutura social. O protestantismo norte-americano, imbuido pelo mito do Destino Mani- festo,4 acreditava-se guardio e portados da verdadeira organizagio social € da verdadeira religido cris. A vertente educacional operacionalizou esta forma de interpretacio da realidade, trazida pelos missionérios, adqui- rindo uma dimensio de influéncia mais ampla do que aquela do espago evangélico, na sociedade brasileira. E necessério lembrar que anilise recacm sobre um cenario hist6rico tomado pela tensio existente entre 0 Império € o surgimento da Repablica. Esta andlise leva em conta que os primeiros colégios sungidos neste periodo nao foram frutos de um planejamento anterior, mas decorrenses cas condigées apresentadas, © surgimento dessas insttuigées & portanto, frato das condigées sociais do seu tempo, sem contudo, tirar-he os aspec- tos ideolégicos por tris dos seus estabelecimentos, principalmente nos anos que sucederam esse periodlo. ‘A educagio protestante veio aliada as novas descobertas metodo- légicas presentes na Europa dinamizadas, porém, segundo padroes norte- americanos: uum novo modelo edutativo que veio ao encomrto dos anseios + Conviccio de que a nagio none-americana seria © novo povo escolhido por Deus para a imissio de levar a0 raundo os ideais de uma alta socedade criss, no por um privlégio conce- dddo, mas como um devera ser cumprido. CCOMUNICACOES - Cademo do Programa de Pés Graduacio em Educacio Ano +N T-Junhode 2002 283 268 das elites progressistas, descjosas de uma educagio que trouxesse a revo- lugio em seu arcabougo. Um dos aspectos importantes dessa educagio era © valor atribuido a0 magistério feminino que dava um aspecto maternal 20 ensino, além do que, os novos métodos de ensino trazidos por essas mnissiondrias contribuivan bastante para modificar o ambiente das escolas antes amedrortados ¢ macante. (MENDONCA, 1984, p. 99) EDU CAO NO BRASIL: DA COLONIA A REPUBLICA Por mais de 200 anos o ensino formal no Brasil ficou entregue aos padres da Companhia de Jesus, que chegaram aqui em 1549. Tal domi nio, fundado na visio de mundo da Epoca, ¢ que 0s jesuitas, através da educagio perpenavam, exerceu uma considerdvel infla Numa sociedade escravocrata, cuja elite colonial exercia o mando, a edue cacio era marcada por uma intensa rigidez na maneira de pensar e inter- pretar a realidade, sem, no entanto, se importar em instramentalizar a Col6nia para exercer transformagées no seu préprio meio. Isto € facil de imaginar, se levarmos em conta que a educagao sé atingia uma pequena minoria, por isso foi de pouca importancia na constru interpretagio da sociedade nascente, Dediicava-se mais a quest6es filosGfi- «2s ¢ teolégicas, No entanto, com a expulsio da Companhia de Jesus do Brasil em 1759, surgi de um modo ainda timido, idéias provenientes do enciclopedismo francés, declaradamente anticlerical. No Brasil Império, 0 ensino passon a atender aos interesses da mewépole, Era necessdrio preparar a corte com intelectuais que garantis- sem a efetivacio do Estado imperial. Surgi 0 ensino pablico e laico. Financiado pelo Estado, o ensino passou a formar cidados pata o exerci cio de atividades necessirias A sua manutencéo. © cenério politico ainda era dominado por dois partidos, que se alternaram no poder desde sua qtiacio, na década de 1830, até a proclamacao da repablica: 0 Liberal e 0 Conservador. Neste perfodo, o ensino pablico passou por algumas reformas de cunho mais esteutural do que metodolégico, O ensino primrio deixou de ser responsabilidade do poder central e passou a ser competéncia das pro- vincias. Sungiram entao, as primeiras escolas normais do Brasil, com a fun- Gio de serem instituigdes destinadas exclusivamente & preparagio dos candicatos 20 magistério piiblico, Fra a primeira mostra concreta de uma Preocupacio quanto & formagio de professores que haveriam de ensinar as primeiras leas. A primeira escola normal da Provinela de Sao Paulo surgiu a 16 de marco de 1846, Desde a sua implantagio, nao faltaram empecilhos & sua continuidade. Uma série de descasos envolvendo principalmente a dota- Go de recursos financeiros € a mA vontade poltica levaram a escola a fechar suas portas por varios anos. Neste interim, varios nomes de desta- ques tanto em questio de educacio como politica se debrucaram em ja no ensino. ena CCOMUNICAGOES -Cademno do Programa de Ps GracuacSo em Educags0 Ano 9+ ~Junha de 2002 tomo dese problema, tentando achar alguma solugio para esse impasse. A sociedade, em fase de transigio, carecia de um ensino que instrumenta- lizasse os individuos nao s6 na compreensio dos novos fatos que cada ver. mais chegavam principalmente da Europa, mas também na busca de solugies para os problemas que se apresentavam tanto de ordem politico social quanto econdmica. Com o seu fechamento em 1868, surgiu uma lei da Assembldia Provincial exatuindo que © provimento de professores para as escolas dependeria de um simples exame perante uma comissio nomeada pelo governo. Os professores beneficiados por ess Ici ficaram conhecides como professores de palicio, por serem os exames efetuados numa das salas do palicio, Cada vez mais, 0 ensino dava mostra de sua fragilidade, uma ver. que esta ei apenas beneficiava os apadrinhados. Joao Rodrigues nos da relatos sobre esta fragilidade: (Os conspéndios da época, organizades por pergiortas ¢ respostas, ten- dam a agravar a situagdo das pobres criangas condenadas a maieused- los: tinha de decorar paginas e pdginas, sem a menor explicagto do pro- fessor, quicsé incapaz de dé-la. Quando a memorizagio ent dificil, os los da inteligéncia se thes abniam, gracas a prestgio miracitlas, dt “Senta Luzia”: era um eufernisnro muito conbecido da pabmatoria de cinco furos, exposta em lugar bem visivel na mesa do nestre-escola. (1930, p. 41) ‘Novas tentativas foram feitas, mas sempre esbarravam nos mes- mos problemas. A situacio politica e de pessoal, que tomava conta do. inoperante ensino piblico na Provincia, somavarse a falta quase que foldrica de local apropriado para se ensinar, material mobilirio e did tico, tornando o ensino uma tarefa quase que imporsfvel. A escola secun- daria nao “formava'’, pois tinha como fangio fundamental preparar os filhos das classes dominantes para o ingresso nas acadlemias e escolas de medicina ¢ de engenharia, on seja, preparar para a entrada-nas escolas superiores. Fsta funeao nao era antagOniea ao modelo educacional pro- posto para a época, pois 96 freqiientavam as escolas os filhos das camadas sociais mais abastadas, portanto, aqueles que tinham como objetivo serem. doutores. A educacio estava dividida entre dois sistemas igualmente insfic Gentes para as prevensdes visadas. De um lado © religioso, representado pela Igreja Catélica, preponderantemente jesuitico, que formava o pensa- mento nacional, ¢ do outro 0 Ieigo, que era funcio do Estados terrivel- mente influenciado, entretanto, pelo primeiro, que se estabelecia como parimetro (Mendonga, 1984: 104). Conmdo, para intelectuais que jd respiravam os novos ares liberais vindo da Europa, ¢ também dos Estados Unidos, a crenga na educagio cestava assentada no viés instrumental. Era nocessério fazer a reforma poli- tica c a educaggo seria o principal veiculo. A ignorncia era vista como a causa de todas as crises e a educacio do povo deveria ser a base da nova COMUNICACOESCaderno do Programa de Pés- Graduagio em Educacio Ano S+NF te Junho de 2002 265 256 organizagio social. Portanto, o primeiro problema nacional estava na difusao da inserugio como a chave para a solucio de todos os problemas sociais, econdmicos ¢ politicos, O impasse que se estabelecia naquele momento era sobre as fontes inspiradoras para um modelo de educaczo que correspondesse as mudancas desejadas por aqueles intelectaais, uma ver que a educacio do povo no Brasil imperial nunca foi prioridade do Estado. Esta era uma questo que demandava uma resposta urgente, pois 65 problemas cducacionais 96 tendiam ao agravamento, arrastando con- sigo as ambigdes politicas dos republicanos. A ligagio desse grupo remonta ao inicio da década de 60, no mpo em que seus componentes fregiientavam a Academia de Direito de Sao Paulo. Entre eles encontravam-se Prudente de Moraes Barros, Cam- pos Salles, Bernardino de Campos, Rangel Pestana, Salvador Furtado de Mendonga, Francisco Quirino dos Santos ¢ Te6filo Oroni. Todos foram muito influenciados pelo professor José Tell Ferro, um americanéfilo que havia deslocado 0 eixo de referéncia da Enropa para os Estados Unidos, Alguns destes agentes histbricos se destacaram na lata em favor da educa- Go. Embora no seja 0 propésito deste trabalho, discorrer sobre esses personagens & necessirio entender os papés desempenhados por alguns deles nesta luta, pois foi com a forga de sua organizacio que o ensino pro- testante pode chegar € conquistar o seu espago na sociedade pauilista de modo mais tranqiiilo.5 A permanéncia e o sucesso das escolas protestantes norte-americanas junto a sociedade paulista, esava ligado diretamente na rrelagio que se havia estabelecido entre o desejo dos protestantes se expan- direm no Brasil ¢ o interesse desses intelectuais na bagagem que os norte- americanos poderiam twazer. Somente por ocasido da mudanga de regime politico foi que 0 sis- tema de ensino piblico sofren alteragées tanto estruturais quanto metodo- légicas. Embora alguns aurores, como Nagle, sustentam que no houve aleeragées significativas no sistema educacional nos primeitos decénios do regime republicano, ¢ qne o fervor ideoligico, apresentado no campo da escolarizagio, no inicio da Repiiblica, néo 36 dio durow muito tempo, como ndo rendeu frutos que dele se esperava (1977, p.191); 0 que em parte, impelidos pelos argumentos histéricos concordamos, contudo, 0 que nos interessa aqui ¢ trazer a tona alguns aspectos da contribuicao da educagio norte-americana neste periodo reformista € nio qualificéla. O mesmo antor deixa brechas para esta suposicio, ao dizer que apesar da nao continuidade houve algam esforgo reformista mais profundo — por exemplo, 0 representado pela reforma paulisea de 1892, realizado por Cae- tano de Campos (NAGLE, 1977, p.191). 5 MESQUIDA (1994) raz um bom mapeamento Sobre ete petiodo. CCOMUNICAGOES -Cadeno do Programa de Pés Graduacae em Educacao AN +Ne 1+ Junhode 2002 ‘VISAO REPUBLICANA DE EDUCACAO Os ideais republicanos nao cram novos no Brasil. Eles j4 nutriam rentos revoluciondrios favoraveis 8 emancipagio que ocorreram antes mesmo da independéncia.® Tais ideais permaneceram fortes no ide- tio de alguns revolucionatios que acreditavam ser a Repiiblica 0 melhor regime de governo para o Brasil. A partir da criagio do partide republi- cano ¢ da publicacéo do Manifesto Republicano em 3 de dezembro de 1870, estes ideais ganharam formulagdes mais consistentes. Seus integran- tes passaram a atacar © regime mondrquico com violentas campanlhas, sobretudo pela imprensa, pelas lojas macOnicas e pelas conferéncias pabli- cas, Em $40 Paulo, este movimento expandiu-se ¢ intensificou-se particu- larmente no Oeste do Estado, © Manifesto lancado aproximava indelevelmente o Brasil do modelo norte-americano: somos da America e quuerentos ser americanos. Desa maneita, os ideais ¢ 0 sistema de valores norte-americanos estavam sempre presentes nos discursos dos lideres republicanos brasileiros, dlistanciando-os do polo dominante inglés. Desde ‘a convengio do partido Republicano de 1873, teses como a defesa da liberdade religiosa e da soparagio ¢ independéncia entre os poderes tem- poral ¢ espiritual j4 escavam clefinidas nas bases para a Constimigio do Estado de $40 Paulo (REIS FILHO, 195 6). Com isso, os republi- canos estavam comprando uma briga nao s6 com © atual regime politico mas também com a Igreja Catdlica, j& que eram apenas faces distintas da mesma moeda. os mo ‘A Igreja Catdlica, como vimos anteriormente, j& havia se indis- posto com todos 0s segmentos progressistas da época: liberais, magons, positivistas, republicanos e outros que nao comungavam com sua idcolo- a dominante. O resultado foi a amplificagao das vozes no protesto con- tra os arbitrios tanto do Estado quanto da Igreja. Era 0 chamado espirito da civlizagdo moderna, que atingia as nossas plagas. Segundo Mendonga, este espitito se manifestava como: desejo de seeularizagao progressiva da sociedade, na promogdo das mas- sas em detrimento das elites bieninquicas, na libertagio dos espirtos em relagdo i audtoridade ent nome das exigéncias do progresso cientifieo, na sepuragao dia Igreja do Estado ¢ na concepcdo evolitioa da sociedade (MENDONCA e VELASQUEZ FILHO, 1990, p. 63) Ao levantarem esta bandeira, as elites intelectuais, além de desafiat os poderes constimidos, alargavam mais a possibilidade da presenga dos norte-americanos no cenério brasileiro, ¢ ao defenderem os imigrantes americanos que se viam cercados pela Igreja Carélica, dramatizaram a sua * Inconfidéncia Mincira em 1789: Revolugio Temambucana em 1817 ea Revolugio Farrou- pilha, que foi o movimento onde as idéias republicanas se transformaram emt realidad, Embord efémera. Durante ito anos os gauchos constinairam uma Repiiblica na Monargui. CCOMUNICACDES -Cademo do Programs de Pés-Grasuacio ern Educagao Ano 9+N° 1 Junho ce 2007, 267 ~~ 268 luta pelo progresso. Estava bem claro para eles que tal progresso passava por uma organizacdo do sistema educacional e religioso, que aquele pais tinba como modelo, Tavares Bastos expressa de forma inequivoca esta admiracio: Como é que wma simples colénin, a Nova Inglatera, pode de repente hansformarse na poderosa, rica, vasta, iluminada, livre, inteligente, generosa, audaz repiblica dos Estados Unidos? Porque, desde os seus comecos, desde a primeint povoagao, fecundotese o espirito liberal da reforma protestante, a moralidade, o amor ao trabalho, a inteligencia, a perseveranga, a consciéncia da dignidade humana e 0 xelo da indepen: dercia pessoal, que s20 0 verbo do Evangelho que constituent as grandes caracteristicits das ragas do norte do globo. (1862, p.143) Entretanto, destes dois sistemas, o que veio vigorar de fato foi o educacional, muito embora religioso sempre estivese presente, néo sendo possivel desassociéelos plenamente. © movimento republicano den & educacio um peso que certa- mente no tinha até entio, Era necessério buscar uma saida que substi- tuise "o velho ¢ ineficaz’ sistema escoléstico dos jesuitas, ainda presente nas escolas. A democracia significava a liberdade e esta 96 seria atingida pela insrugio. Para © positvista Alberto Salles, a educagio era um fato soxial capaz. de ser utilizado como instrumento privilegiado da agio revo- lucionaria: é por isso que queremos a Escola, porque é ela que ha de fazer a revolucado (BASTOS, 1862, p.157). Estes republicanos tomaram a tevo- lugo americana como a representante na América dos mesmos ideais revolucionérios franceses, gracas ao seu sistema educacional pragmtico, implantado nos Estados Unidos. E esa revolugio poderia chegar ao Brasil ‘caso se oprasse por um modelo educacional semelhante ao daquele povo. Visto por esse Angulo, 0 entusiasmo que transparece nas palavras de Alberto Salles so embleméticos, Para ele, quer diz democracia, diz liber dade; e quem diz liberdade, diz instrugao, escola, luz: porque to imposst vel & compreenderse um povo livre sem escolas, como é impassivel compreender-se 0 sol sem a liz, o firnamento sem estrelas, 0 efeito sem a causz.(1879, p.157) partido republicano, para aleangar e manterse no poder, neces- sitava permanentemente reproduzir as condigdes que Ihe possbilizasse cexercer sua forma de dominagio. A educacio seria utilizada como meio de reproduvir uma ideologia dominante, dissimulando as contradigdes da realidade. Tal qual fora utilizada, até entio, no regime monécquico. Era necesséirio convencer 0 povo das vantagens e da superioridade do regime republicano com relagSo & monarquia. Progressistas de varias linhas dou- trindrias, de um modo geral, haviam se engajado nesta Iuta: os magons republicanos estimularam a criagio de escolas em toda a regio Oeste de So Paulo e passaram a apoiar largamente os pastores ¢ sua miciativa edu- CCOMUNICAGOES = Caco clo Programa de PésSraduacao em Educacia Ana 9-NP 1- Junho de 2002 cacional; os positvistas também comtibuiram de diversas formas com a, presenga ¢ permanéncia dos colégios protestantes. Foi um perfodo de ver- dadeiro entusiasmo pela educagao. Os republicanos utilizaram a educagio como um elemento de luta contra 0 regime dominante, pois cla atendia perfeitamente suas intencOes: exercer uma hegemonia no pela cocrgio do individuo e da sociedade, mas pelo consentimento. Este interesse levou. a0 estabelocimento de uma proficua aproximagio entre os homens que quetiam a repablica como forma de governo € os protestantes que dese- javam ardentcmente expandir-se por todo territério brasileiro. Dawsey faz a seguinte relagio entre o Brasil Império e o Brasil Repsiblica: © Brasil Imperial promovew a eriagto de escolas eatélicas: republicans promoveram escolas protestantes. A economia imperial era sustentada pela tecnologia de emcada, ou do arado “arcaico”; republicanos esimte lara 0 180 do “arado americana”. O Brasil bmperial era catlico: repne blicanos defenderam 0 principio de separagio entre igria ¢ 0 estado: promovenans interesses protestartes. O impeério ont govemado pelo neto de rei portugues: republicancs defeuderam principios da constituicao amertcav. Republicanos Iutaram contia 0 Império do Brasil; america- 1nos haviam confrontado de forma vitoriosa o império britanico. (1993, p.124) © eensino escolar pablico tinha, portanto, dois interesses intrinse- cos: o primeiro ligado ao seu papel hegeménico, ¢ 0 segundo refletia a atragio exercida pelo modelo cultural e politico dos Estados Unidos da América. Tavares Bastas conclamava: ddispam-se dos prejuizos europes os reformadores brsileives: imitemos a América, A escola moderna, a escola sem espirito de seita, a escola comum, a escola mista, a escolt livre, € a obnt original da democracia do novo neunndo. (1870, p.247) Estava claro, que, para a elite republicana, a aceitagao ou reicigio do protestantismo trazido inicialmente pelos imigrantes e estabelecido pos- teriormente pelas igrejas e escolas, se traduzia na medida em que gra visto como uma versio religios: dos ideais liberals ¢ democriticas do. séoulo XIX, Para Mendonca, as elites brasileras, em grande parte liberal, nto esta- van interessadas na “religido” protestante, mas na educagao que os missio~ narios ofereciam (1984, p.74). Trata-se de um fato bem real, ji que nio se tém muitos relatos convincentes de que esta elite tenha a ocupado os ban- cos das igrejas, professando a {6 protestant. Embora muitos exaltassem «sta fé, chegando ao ponto de defendé-a, era muito mais uma relagio de interesses do que realmente uma convicgio de cardter reigioso. Em oatras palavras, a sociedade brasileira aceitava 0 esprrito da ciuilizacdo moderna antes que a doutrina religiosa que estava presente no protestantismo. CCOMUNICAGOES -Cademe de Programs dePés-Graduacau em Educaedo~Ano9-N > juno de 2002 20 270 O puritanismo néo ena, porém, iinica ¢ exclusivamente uma seita religi- xa: ena tambén a personificagdo viva de wn credo politico, pautado atas mais elevados principios de dircito e de justica, e perfeitamente de acordo com as largas vistas da democracia. (SALES, 1879, p.155-156) Assim, prerenciam resolver os problemas que atingiam a sociedade através de um modelo educacional mais uma vez, importado, Entretanto io se deram conta de que os modelos pedagdeicos estrangeitos sempre «stdo vinculados & condigdes peculiares das quais so origindrios e que, a0 serem transplantados para uma outra cultura, sem os mesmos fatores motivadores, criam distoredes que precisam ser continuamente retificadas (REIS FILHO, 1995, p.9). E neste caso em particular, os fatores motivae dores eram definiclos pelo substraro religioso presente no modelo educa- onal, Extraindose © fundamento religioso do sistema educacional protestante, cle deixaria de ser o que é A REFORMA DA EDUCACAO PUBLICA SOB AS BENCAOS PROTESTANTES Apés a proclamacgo da Repiiblica em 1989, foram indicados pela frente do partido Republicano para constituir um govemo provisério do Fstado de Sao Paulo, os cidadios Rangel Pestana, Prudente de Moraes e coronel Mursa. No dia 3 de dezembro, Prudente de Moracs foi emo nomeado Governador do Estado. Como nenhuma transformacio social profunda se realiza sem a criagio de uma estrunura de ensino que de suporte ¢ transmita, por meio de formacdo adequada, s geracbes fururas, (05 novos valores (REIS FILHO, 1995, p.7), Prudente de Moraes Barros, propos a reforma da instrugio publica no estado de $40 Paulo, Prudente de Moraes encarregou Rangel Pestana de tracar a dese- jada reforma, Atendendo aos apelos do correligiondrio ¢ amigo, em pou- cos dias, aprontou um projeto que corpotificaria as idéias que desde muito j4 vinham defendendo na imprensa ¢ na entio Assembléia Provin- Gal. Rangel Pestana, nas palavras do proprio Prudente, era 0 scu mentor 1nos negécios relatives & instrugao publica de Sao Paulo. Pestana indicou para dirigir 2 Escola Normal o médico Anténio Caetano de Campos, 0 qual, se desviando de suas reais fungSes, accitou a importante incumbéncia de dirigir esta instituigao ¢, aos 12 dias de margo de 1890 apresentou a chamada Grande Reforma; reestururando a Fscola Normal e convertenilo-a em escola modelo para as escolas anexas. A par- tir dai, jé se demonstrava a inequivoca semelhanga com 0 modelo ameri- cano de ecucacao. As escolas modelos cram concebidas & semelhanga da Tiaining Schoo! americanas, como campo de experimentagio € observa- gio de novas técnicas ¢ atuagio dos professores. Isso mostraria a socic~ dade paulista a diferenca entre 2 monacquia e a repiblica no que diz respeito a educagio do povo. Dizia Caetano de Campos: No regime COMURICAGOES-Caderno do Programs de Pés-Gracuncne em Educagao~Ano'9-N®T-Junho de 2002 ‘mondrquico, a nagdo pragava as mestres dos principes sob o pretexta de que, estes tinham necessidade de uma istrucdo fora do comum para bem govemar 0 povo. Hoje o povo é o principe (..). (in: RODRIGUES, 1930, p. Almejava-se assim para as esoolas piblicas a aplicagdo do mesmo método pedagdgico ja desenvalvido nos colégios protestantes com resul- tados satisfardrios, 0 chamado meétodo intuitivo, que apesar de jf ter sido proposto anteriormente pela reforma Leéncio de Carvalho, de 1879, somente algnmas poaquissimas escolas particulares da época praticavam, Prudente de Moraes, responsavel pela iniciativa da reforma educativa, fo! tum incentivador desse novo modelo de ensino; ¢ vendo o Colégjo Piraci- c2bano como uma fonte de tas iniciativas, declarou que ele havia tomado como modelo 0 sistema norte-americano’, praticado por esta escola. Na tentativa de resolver o problema inerente a0 pessoal qualificado para a implantagio ¢ desenvolvimento do novo sistema educacional em que se viam envolvidos, Pridente de Moraes convidou a propria Martha Watts para tomar Ingar a frente na conducio do proceso; diante da impossbi- lidade declarada por Watts, por sugestéo de Prudente de Moraes, Caetano de Campos entrou em contato com o Dr. Lane do Colégio Americano, ue recomendou duas mulheres (Marcia P. Bowne ¢ Maria Gnilhermina Loureiro de Andracle) como conhecedoras experientes do método intui- tivo, Assim expressotrse Caetano de Campos, numa carta enderegada a Rangel Pestana, no Rio de Janeiro, sobre as duas professoras indicadas: Depois de wna luta que talves the possa covtar uns dia, descobri por intermédio do Dr. Lane, da Escola Americana a a quem ficarei eterna mente grato pelo muito que se tem interessado pelo éxito da nossa reforma ce uma musther que mora ai no Rio, adoentada, desconbecida, que esteve quatro anos estudanido nos Estados Unidos. E uma profes sont, dic Lane,.como nao hi segunda no Brasil e como nao hé melhor na América do Norte. Estudow li, sabe os segredos do: método, escreve compéndios, sabe gregs, latins, em suma é a “avisrara” que ex busca. (A muller do Rio (D. Maria Guilhermnia Louereio de Andrade) vent, pois, reger a aula de meninas da escola-modelo {..) Faltava-me, poréns, aon homem para as meninos & isso & que é absohiamente inapossivel ‘Nout luta e peripécias inacredtéveis para mim. Achei por fim, no umn omer, mas iona mulher-tomem (..) Miss Browne, 45 anos, solteina, sem parentes nem aderentes, exdiretora de ma Escola Normal de senthonas em 8. Lic (Massachusetts), possuidora de 250 coxtos, ensi- nando criaigas por prazer e vocacio (assim como Iki vocagdo para frera),e, Finalmente, trabalhando como dois homens, diz ela, quando 0 ensino 0 necessita. Americana, que me a cede cinco dias por seman, para ajudarme a realicar a reforma, que ficaria impossivel sem ela (.). (in: RODRIGUES, 1930, p.192 ¢ 193) Jornal de Pracicala. 15 ce sewemibro de 1901: 2 COMUNICAGOES Cacema do Programa de Pie Greduacao em Educacae “Ano 9 N Juno cle 2002 2m m Ambas estiveram a frente das inovacdes implantadas na Escola Normal desde a reforma, sendo que Browne permaneceu por mais tempo a testa dos trabalhos de onganizagio de novas excolas-modelo na rede de ensino pablico do Estado. Durante esse tempo, 0 Colégio Americano de Campinas ¢ 0 Golégio Piracicabano, em Piracitaba, estiveram ao lado da Escola Normal, oferecendo seus préstimos sempre que necessétio, seja intermediando compras de materiais indispensiveis & aplicagio do método intuitivo, fosse auxiliando na formacio de professores que pudes- sem instituir novos processos escolares. A partir dos anos 90, 0 Piracicar bano manteve uma segio de Pedagogia para atender a formagio de professoras que pudesser amar nas escolas da regio. im um discurso pronunciado em comemoragio a0 77° anivers tio do Colégio Piracicabano, 0 ex-aluno, Jodo Sampaio, demonstra de modo muito convincente © quanto a contribuicio deste educanditio foi importante para a educacéo no Esado de Sao Paulo ¢ 0 quanto as inte es expressas pelos educadores merodistas tinham atingido seus objeti- vyos: marcar indelevelmente a vida de sens aliunos para que esses exercam sua influéncia onde quer que estejam. Prudente de Moraes, (..) eletado ao governo do novo Estado de Sao Paulo, em 1889, entre as notiveis realzacdes que empreendeu, no curto Japso de wo ano, dei inicio e vigoroso impulzo & Reforma da Instrugio priblica, depois continsada por Cezdrio Motta. O enbrijo. dessa Reforma foi o Colégio Pracicabano. A mstrugto ptiblica na antiga Pro- vinci de Sio Paulo, como em todo o Intpério, nao excedia aos lrnites do rudimento. Ler, escrever, © as quatro operacces elementares. O seat tipo ena a Escola Régia, mal instalada, escassa e de orientacao obsoleta Prudlente de Moraes, inspirado pelo exemplo vivo da sistevsa rorte-anne- ricano, idealizon 0 plano da Reforma, cago desenvolvionento fot tama das bases da grandeza de So Paulo. (1958, p. 12) CONCLUSAO. E inegivel a contribuicio dos colégios protestantes 2 educagio piblica paulista na renovagao dos métodos pedagégicos, em detrimento da pedagogia essencialmente mneménica e "mondtona’ das escolas ptibli- «as: na introdugio da co-educacio, contra a tradiéo catdlica de separa- io rigorosa de sexos; na dignidade na educagio do sexo feminino, contra o preconceito & sua formacio; na inovagio curricular, com énfase a0 aspecto cientifico, contra um curriculo essencialmente cléssico, no qual as ciéncias fisicas ¢ naturais eram apresencadas quase sem 0 uso de labora- trios € experimentacéos no principio de liberdade de religio nas escolas € contra a obrigatoriedade do ensino religioso nas escolas piblicas ¢ no espirito de compreensio, ou mesmo de ternura, que permeava as relagies entre professor-aluno, contra o autoritarismo baseado no principio do muagister dixit (RAMALHO, 1976, p.79) COMUNICAGORS -Caceme do Programe Pos Graduacio em Educsga0~ Ano“? Tunho de 2002 Certamente muitas quest6es quanto ao mérito dessa contribuigéo ficam para serem resolvidas num estudo mais aprofundado. Entretanto, a0 se examinar detalhadamente as transformagées peclagdgicas, nesse periodo, depara-se inequivocamente com a marca educativa desses protes- tantes, sea na renovacao de mérodos pedagégicos, na reformulagio curri= colar, seja na introdugio de novas técnicas ¢ principalmente de um novo espirito © uma nova mentalidade. Nossa intengio aqui foi a de simples- mente jogar feixes de luz sobre alguns desses aspectos, ainda no tao esta clados na hist6ria da educagio brasileira. Essa lacuna toma a tarefa de avaliar a extenséo da influéncia da educacio praticada pelos protestantes, neste periodo, um tanto difusa. Os autores que discutem a eduicagio bra- sileira, no periodo em questo, tém se limitado a fazer pequenas referén- as sobre a contribuigo protestante norte-americana para 0 modelo educacional paulisa, Apesar de alguns concordarem com esta contr buigao, no dispensaram tempo necessirio a uma andlise histérica mais profunda, REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS BARBANTI, Maria L. Hilsdorf. Escolas americanas de confissdo protestante na provincia de Sao Paulo, 1977. (Dissertagio de Mestrado) — Sao Paulo: USE. BASTOS, Aureliano C. Tvares. A provincia: estudo sobre a descentralizagio do Brasil. Sao Paulo: B. L. Garnier, livrcio editor, 1870. . Cartas do solitrio. Rio de Janeiro: Tiposrafia do Correio Mercantil, 1862. COSTA, A. Maria Siqueira. © destino (no) manifesto: os imigrantes norte-ame- ricanos no Brasil. 1985. (ese de Doutorado) — Sao Paulo: USP. DAWSEY, John Cowart. O espelho americano: americanos para brasileiros ver € brazilians for americans to see. 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