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Bizancio e 0 Ocidente Bizdneiofenoroulq ase total mented eeopesttat con: ad ogmveneart pelos gregos antigos e florescida na Idade Média entre seu inimigo e vizinho, 0 Isla. Alguns termos técnicos e um fragmento de portulano do século X, eis toda sua bagagem “geogrifica”, a ndo ser que se acrescente a Topoprafia cns- t@ de Cosmas Indicopleustas (cerca de 550), na qual as descrig6es apenas servern cle apoio alumna ccsmopraiatrelepteniernolemienenneceniane os tratados de Constantino Porfirogéneta, De thematibus e De administrando imperio, cujos fins sao diplomatico-administrativos. concepgao romano-bizantina do poder imperial, encarnagao terrestre do lidade dos territérios e pessoas que reconhecem sua supremacia. Desse modo, vistos do Império, os espagos exteriores, pagaos ou “cristaos rebel- des”, formam uma “barbérie” que, para os antigos e ainda para Cosmas In- dicopleustas, no século VI, cerca o ectimeno e sao considerados inexistentes Porque nao reconhecem a autoridade de Constantinopla; eles nem mesmo podem ser descritos, pois ainda pettencem ao mundo do caos. Psellos es- creveu que, desde o Céucaso e o pats dos arabes até 0 dos “celtas”, nao existia nada, a no ser uma “barbérie periférica”, no seio da qual nao havia diferenga essencial entre bérbaros do Oriente e barbaros do Ocidente. Tais 35) Diciondrio analitico do Ocidente medieval que nos legaram deixam transparecer: é preciso no esquecer que Bizancio possufa um excelente sistema de informagio sobre os barbaros, sem © qual soberanos como Justiniano ou Miguel VIII nao teriam podido montar as complexas redes diplométicas que por tanto tempo deram ao Império o dominio das relagdes internacionais. Um tenaz desinteresse pelo Ocidente Em um Império que soube manter até seus ultimos momentos escolas laicas muito semelhantes as do mundo greco-romano, e que se proclamarg sempre romano, o fato de seu programa escolar do enkyhliospaideusis (edu- cago geral”), do qual o cristianismo apenas expurgou os tragos pagios demasiadamente visiveis, nao reservar qualquer lugar 4 geografia — mesmo nos periodos de apogeu cultural dos séculos IX-X ou dos séculos XIIL-XV— no nos deve surpreender: trata-se de um saber que permanece implicito, Z. ”, como a este- nografia ou o direito, estes também excluidos e considerados pouco dignos. Ana Comneno, que conhece bem o Ocidente, pede desculpas a seu leitor quando se vé obrigada a dar algumas informac6es a respeito dos “bérbaros” ou simplesmente citar seus nomes. Se os bizantinos sio os homens mais cultos da Idade Média, eles possuem também uma cultura cujos contor- ijeci istianizagao, pois 0 povo romano considera- -se duplamente privilegiado, ranto por sua velha cultura grega quanto por ter sido eleito por Deus. Também nao é casual que os gregos medievais comecem a fornecer verdadeiros ensinamentos sobre o mundo exterior no momento em que, conscientes de certa esclerose de seu sistema educativo, soberanos dos séculos XIII ao XV, como Andr6nico II, Joio Cantacuzeno © Manuel II Paledlogo, dotam o Império de um ensino superior parcial- eee e-cuja qualidade le- vara Enéas Silvio Piccolomini, o futuro papa Pio Il, a dizer que ninguém podia se considerar verdadeiramente culto antes de ter completado sua educagio em Constantinopla. 136 Bigdncio ¢ 0 Ocidente Os revezes de Bizincio nao modificam de maneira alguma, antes do sé- culo XV, uma tenaz mentalidade “romanocentrista” que, em relagio aos ocidentais, admite sua presenga colonial no Império, porém jamais se rebai- xaa descrever seus locais de origem: sobre o imperador Henrique IV, aliado de seu pai Aleixo, Ana Comneno limita-se a dizer que domina os “chefes das regides célticas”. Passada a alta época, a propria palavra Europa designa ‘ail : ; germanicos e eslavos fossem indignos de af viver. No maximo, admitir-se-4 que ocupem uma “Europa exterior” cujos limites seriam a costa oriental do Adridtico eas colunas de Hércules, e que rodeia o Império com sua no- civa insignificancia. A Europa “barbara” tem to pouco prestigio que, em 1031, Romano III evita conduzir uma expedigao contra os ocidentais por consider4-los muito faceis de vencer, preferindo atacar os arabes de Alep, um adversério digno desse nome. E verdade que as amputacées sofridas Contudo, BizAncio reservou, entre os bérbaros do Ocidente, um lugar especial aos francos, “novo nome” dos germanos segundo Procépio. Sob ovockbulo Fraggia, tendeu-se desde ento a agrupar sem distingao todos os povos do ocidente europeu. Nao resta dtivida de que, ao empregar o plural x . f ‘tha do O fi i barbaros”, porque, em sua época, 0 termo Fraggia designava os impérios ocidentais, carolingio e depois oténida, aliados e/ou adversérios constantes de Bizncio no oeste. E verdade que existem “reinos” no Ocidente, mas, vistos de BizAncio, eles encontram-se submetidos desde a época de Carlos Magno aum soberano principal (monokratér, e nao autokratér) que vela pelos destinos daquilo que o Porfirogéneta denomina a “Grande Francia”, e da qual percebe o cardter cada vez mais germanico: Saxéniae Francia sio para ele sinénimos. Dessa Francia, no sentido de Império do Ocidente, provém 0s refugiados que formam Veneza, sobre a qual o Porfirogéneta digna-se a explicar a origem, porque o Tratado de Aix, em 812, fizera dela uma terra bizantina. 137 Diciondrio analitico do Ocidente medieval ~ Odeclinio do Império Entre os séculos X e XIV, tempo em que conquistas normandas, cruza- das, invasio econémica latina, conflitos e rupturas com Roma fazem q jue clei ana nenhuna mudanga sgnificativa é feta naideologia imperial de modo que ninguém teve a ideia de descrevé-lo melhor a fim de explicar sua crescente superioridade. Os longos perfodos de inércia pelos quais passam os lari- hos, no meio de um magma bérbaro desprovido de referéncias espaciais temporais, nao foram narrados, e bastario alguns tracos de sua “barbérie cotidiana” para explicar suas aparigdes cada vez mais violentas no verda- deiro mundo, o Império. $6 de um caos, no qual um papa como Gregério VII pode se permitic mandar castrar os embaixadores de Henrique IV, é que naturalmente surgem auténticos monstros como Roberto Guiscardo e Boemundo, que, segundo Ana Comneno, sonham apenas em conquistar Constantinopla, 4 a dmitiu a ideia de guerra santa, que tanto reprovava nos muculmanos, viu apenas conquistadores banais: duas vezes anunciada na Alexiada por uma nuyvem de gafanhotos, a perversidade da Cruzada ficou depois provada pela falta de fé de uma expedico que, para os gregos, s6 se justificaria com a restituicgao ao Império das terras que os turcos lhe haviam arrancado. Raros Pain eee oe eee citer a dor — como Boemundo em 1107-1108, Rogério II, 0 “tirano da Sicilia”, em 1147-1148, Guilherme II em 1185 — dos peregrinos armados que sido claramente violadas por outros latinos. Mesmo os aliados ocidentais de Bizéncio, como os venezianos, genoveses e pisanos, continuam a ser bar- baros que, além de devorarem por dentro a economia imperial, nao hesitam em insultar 0 prdprio basileus, caso dos venezianos que em 1149, enquanto ajudavam Manuel Comneno a retomar Corfu dos normandos, apoderaram- -se de sua galerae nela fantasiaram um negro com os ornamentos imperiais. contra o Império que ela inveja: em 1190, enquanto Ricardo Coragio-de- 138 — Bizancio ¢ 0 Ocidente -Leio se apropria de Chipre, Barba-Ruiva est a dois passos de atacar Cons- tantinopla, contra a qual seu filho, Henrique VI, prepara uma verdadeira cruzada, e pouco importa aos gregos que tenham sido outros latinos que, em 1204, perpetram enfim o crime por muito tempo premeditado. Desde 1182, 0 povo de Constantinopla tinha dado mostras de que 0 édio nao era exclusivo das elites e do poder, ao massacrar todos os latinos que pode. Confirmando os piores temores de Bizancio, o ano de 1204 apenas reforgou o desprezo que sentia pelo mundo ocidental, o qual nao procu- ra descrever. Os latinos esto no Império, mas as explicag6es tradicionais bastam: as narrativas de Jorge Acropélita, Paqufmero e Grégoras a respeito das campanhas de Manfredo e de Carlos de Anjou sao exemplares a esse respeito porque, embora fornegam muitos detalhes relativos aos conflitos desencadeados nos Balcas, nada informam sobre a configuragao da Irélia do século XIII, tempo em que —segundo 0 testemunho do canonista De- métrio Chomatenos, por volta de 1230 — os ortodoxos continuavam a fazer peregrinagio a Roma. Mesmo os unionistas, para quem o Ocidente seria 0 tinico recurso contra os turcos, nao se esforgam em esbogar uma descrigéo, o que poderia ter contribufdo para atrair uma maioria renitente a unido das igrejas. Paquimero, que chama os latinos de romanos, mostra algum interesse pelos genoveses e venezianos apenas ao relatar um episédio ocorrido em 1276, no qual Miguel VIII concede as minas de alume da Foceia a familia Zaccaria e desperta a oposigao dos genoveses da metrépole, que pretendem continuar a transportar alume do Mar Negro, enquanto os de Pera aguar- dam com prudéncia, Ele nos revela algo muito novo, um verdadeiro saber fet bn nlc yu Simued em ‘0 explicar a sucesso das talassocracias veneziana e genovesa, ele ressalta a importancia do tipo de navios (longos, e depois redondos) que faziam a fortuna das reptiblicas italianas, e também a superioridade do sistema de navegacio de Génova. © episédio de 1276 demonstra seu bom conhecimento das ten- ses que opunham a prépria Génova, os genoveses do Oriente e os gran- des concessionarios como os Zaccaria. Sem diivida, ele sabe mais do que revela acerca dos sistemas politicos latinos, o que se pode deduzir de seus HED Diciondrio analitico do Ocidente medieval esforgos para encontrar equivalentes gregos aos titulos dos representantes das reptiblicas italianas no Império: podestade genovés, bailio veneziano, cénsul pisano. Além disso, nosso autor especifica que os funcionérios silo delegados em Constantinopla pela “assembleia geral de seu povo”, detalhe que mostra que Paquimero conhece o sistema de administrago comunal de Veneza, Génova e Pisa, embora nio insista nesse ponto. A Propésito do episédio de 1276, ele trata justamente do enriquecimento simultaneo de Veneza e de sua “assembleia”. Pode-se, portanto, pressentir que o escritor mais tarde, de Nicéforo Grégoras ou de Jodo Cantacuzeno, nos quais o iceberg também continua submerso. A medida que o Império declina, h4, porém, cada vez menos lugar para diividas: a elite bizantina deve escolher entre a submissio aos turcos ea unio com 0 Ocidente, e sabe, doravante, perfeitamente bem de quem fala quando evoca este ultimo. Com apenas uma excecio, sobre a qual voltare- mos, ela continua fiel 4 tradigdo de quase mutismo porque, quaisquer que fossem suas opgdes, a completa desaparigio do Império era-lhe impensivel. Doukas, em cujo pensamento se revela uma mistura entre a tradig&o impe- rial ea descoberta do outro, conhece bem os soberanos que participam da cruzada de Nicépolis porque, quando apresenta Manuel II pedindo socorro aos reis da Franga e da Hungria, vale-se de termos especificos que supdem 0 conhecimento dos designativos do soberano em cada um daqueles rei- nos: rex na Franga, krales na Hungria. Ao enumerar os povos e soberanos cruzados, o “rei de Flandres”, numerosos ingleses, nobres franceses e uma quantidade aprecidvel de italianos, ndo apenas revela sua capacidade de per are -4 SreeTergatre eens cimento dos poderes de cada uma: a atribuigdo equivocada do titulo real ao duque da Borgonha realca a preeminéncia entio mantida pelos grandes duques do Ocidente. Entretanto, embora saiba nomear as principais cida- des italianas, permanece na tradicdo “romana”, ao retomar a velha equiva- Tencia entre Franga e Germénia, algo que se confirma em sua nartagio da viagem de Joao VIII a Italia, por ocasiio do Concilio de Florenga: para eles © imperador passou “a Franga”, aliou-se com “os francos”, tornando-se 140 ~ Bizéncio ¢ 0 Ocidente cle proprio “franco”, termos em que subsiste a antiga imagem de um Oci- dente dominado pelo Sacro Império. Doukas sabe mais do que diz a respeito da Itdlia, mas menciona os doges genoveses apenas para esclarecer que o podestade da Foceia era filho do doge Jorge Adorno, membro de uma das “mais nobres familias” de Géno- va, o que permite supor que conhecia o sistema oligatquico da cidade. E é a titulo de simples item que menciona a feroz guerra travada no principio do século XV entre Génova e a Catalunha, que dificultava 0 acesso dos genoveses aos portos italianos, franceses, espanhdis e ingleses e paralisava o transporte de alume, e desse modo langa alguma luz sobre a indistria de lanificio desses diferentes paises. Percebe-se, ademai: , que ele sabe muito acerca de Veneza, primeiramente quando mostra os tessalonicenses em 1423 prestando juramento de fidelidade a “comuna dos venezianos, como os venezianos de sangue, nascidos e criados em Veneza’, o que permite entender que tinha algum conhecimento do sistema comunal veneziano e mesmo das condigées de aquisigao da cidadania veneziana; em seguida, quando evoca os “navios mercantes venezianos voltando de Palus Maeo- ticus, do rio Tanais e de Trebizonda”, uma alusao 4 muda da alta Romania, cujas metas eram o Mar de Azoy, Tana e Trebizonda. No entanto, de acordo coma antiga pratica bizantina, ele evoca esses temas apenas para esclarecer dois episédios da histéria imperial, a sedigao de Tessalénica e a derradeira defesa de Constantinopla. Quanto a seu contemporaneo Sphrantzis, que percorreu boa parte da Itdlia depois da queda de Mistra, fornece apenas um dado, e falso, sobre a histéria daquele pats, sempre em relagao com a queda da capital bizantina, quando se refere a uma reuniao do Mageior Consiglio no decurso da qual o doge veneziano Francisco Foscari se opés aos projetos de paz coma Hungria, que teria permitido uma intervengao unificada de todos os latinos em favor da cidade. Um testemunho excepcional, embora tardio O saldo dos conhecimentos que os gregos medievais deixam ver a res- Peito do Ocidente seria muito negativo nao fosse a obra de Laénico Chal- kokondylis, que, embora contenha muitos erros sobre fatos, lugares ¢ datas, 141 Diciondrio analitico do Ocidente medieval prova que numerosas informagbes relativas aos paises latinos circulavam riente crista S Esse ateniense excepcional realizou seus estudos em Mistra, onde Cirfaco de Ancona, que af o encon_ trou em 1447, diz que ele tinha se iniciado tanto nas letras gregas quanto nas letras latinas, algo muito novo. Ele encontrou na Moreia um terreno duplamente favordvel ao aprendizado do mundo ocidental, pois se tratava de um pequeno Estado grego quase auténomo, onde os sonhos imperiais se desvaneciam e onde subsistia uma forte presenga latina, inclusive nas aliangas matrimoniais de seus soberanos, portanto um lugar em que havia numerosos informantes dispostos a falar do mundo ocidental a quem qui- sesse ouvi-los. Sem duvida, como Sphrantzis, ele deixou Mistra apés esta ser conquistada pelos turcos, em 1460, retirando-se para sua cidade natal, onde parece nfo ter recebido qualquer noticia do Ocidente: se sua Histéria encerra-se com um relato sobre o reino de Matias Corvino, é apenas em virtude das intervengdes desse soberano hiingaro nas questdes otomanas. E da Hungria que lhe vem parte de suas informagées sobre a Alemanha, a propésito da eleicio imperial de Sigismundo, ou sobre a Boémia — cujos habitantes sio pela primeira vez denominados, em grego, de tchecos. Em Mistra, onde o latino era antes de tudo 0 veneziano, 0 genovés ou 0 catalio, nio surpreende que tivesse a seu dispor fontes de informacio italianas ou ibéricas. Dessa forma, é claramente a Itdliaea Espanha que ele conhece me- thor, e que lhe servem de referéncia para o resto do Ocidente: por isso ima- gina a existéncia de um sistema comunal onipresente, limitando todos os poderes soberanos, e cré numa tigorosa continuidade entre as conquistas de Carlos Magno e a Reconquista, da qual narra alguns episddios. Sé esses povos navegadores, gracas a seus contatos hansedticos, teriam podido ensinar- -lhe a posigao exata do estudrio do Reno e das grandes cidades flamengas, Bruges, Ecluse, Antuérpia, Gand, ou a existéncia de Colénia, Estrasburgo, Nuremberg, e até mesmo dos cavaleiros teuténicos — os quais elogia por sua luta contra os barbaros do norte e pela prosperidade de seu “santud- tio”: ele nao insiste sobre a afluéncia para os grandes portos flamengos de navios provenientes do Mediterraneo, Espanha, Inglaterra, e também das “margens Oceanicas da Alemanha” e da Dinamarca? Disso resulta uma vis4o muito “litoranea” do Ocidente, tanto que, quando Laénico menciona suas 142 Bizdncio e 0 Ocidente dreas continentais, comete estranhos erros, como um Reno que nasce nos Pireneus ou um reino de Granada limitrofe com a Franca. Essas mesmas fontes trazem, além de menges a Londres e ao Kent, uma longa descrigio do fluxo e refluxo das marés no estusrio do Tamisa, mas, antes de tudo, seu livro é 0 tinico testemunho bizantino conhecido a res- peito da Guerra dos Cem Anos. Nele consta uma boa descrigao da tomada de Calais, da campanha de Azincourt e da queda de Paris, uma mengio a loucura de Carlos VI, “protegido por seus nobres a fim de curar seu mal”, eum curto relato dos grandes feitos de Joana d’Arc, de quem nosso autor ignora o nome e cré tenha sido simplesmente “morta no decurso dessa guerra”. No conjunto, mostra-se muito favordvel aos ingleses, como o eram 0s venezianos, seus provaveis informantes na matéria. Ao relatar a hist6ria de Joana d’Arc, comenta com certa complacéncia quea “confianga” impré- pria dos franceses numa mulher seria um exemplo da “supersti¢ao” na qual recaem com frequéncia os povos em desgraca, situagio bem merecida pelos franceses, dos quais traga um retrato pouco brilhante, apresentando-os re- pletos de imprevidéncia e de orgulho desmedido, assim renovando e “con- firmando” um topos que temontava as irrupgdes normandas. No mesmo sentido vao a importancia que confere ao “tirano da Borgonha” — que sabe estar teoricamente submetido ao rei da Franca, mas que denomina igual- mente de “rei de Flandres” — ou os elogios aos ingleses e alemaes, os pri- meiros pelo seu grande ntimero e os tiltimos por sua excelente organizagao politica. De resto, revela claramente sua fonte de informagdo no momento em que, ao tratar dos navios que se deslocam até Londres, destaca de modo particular as frotas venezianas que para ld sao “regularmente” despachadas, numa imagem muito precisa da muda de Flandres. E de Aragio, mas pelo lado italiano, que lhe vém informagSes abundantes e variadas sobre a Peninsula Ibérica, a propésito das conquistas de Afonso, © Magnanimo, que merecem uma descrigao fantasiosa de Aragio, de Caste- la (chamada Tbéria), de Navarra e do reino “africano” de Granada. Mas ha detalhes muito precisos, como aqueles sobre o estatuto particular de Barce- lona, onde o rei é apenas “governador” (eparkbén) em razio do sistema dos JSueros, que limita a autoridade dos soberanos, e sobre a persisténcia das refe- réncias As antigas taifas mugulmanas (Valéncia continua um reino). Quanto 143 Diciondrio analitico do Ocidente medieval a Alvaro de Luna, cuja “gesta” devia circular na Grécia do século XV, seus altos feitos a servigo de Joao II de Castela (que Ladnico denomina dommos Iéannés, don Juan), tanto contra seu senhor natural, Afonso, quanto contra Granada, sao relatados com detalhes tao precisos que s6 podiam Provir de um informante direto: na descrigdo do sitio de Granada, em 1431, em que Alvaro convence o rei que tinha mais a ganhar deixando subsistir uma cidade pela qual chegava todo 0 ouro da Africa, fica suposto 0 conhecimento do velho sistema das parias. Se ele parece ignorar tudo sobre o mundo ibérico ap6s 1453, ano da desgraga de Alvaro, é porque, sem dtivida, seu informante aragonés manteve siléncio voluntariamente sobre tais fatos, No entanto, é a Italia que ele conhece melhor. Como bom grego, na- turalmente ele tem pouca simpatia por Roma, mesmo se aqueles que re- conhecem a autoridade do papa sejam para ele os “romanos”, termo até sua época rigorosamente reservado a Bizincio. Embora conhega a crise conciliar e saiba o que sao cardeais e conclaves, teproduz boatos — sem diivida saidos do Concilio de Florenga, no qual seu mestre Pleton esteve presente — relativos 4 lenda da papisa Joana, que para ele explicaria o miti- co “reconhecimento da virilidade” ao qual seria submetido 0 novo eleito. Consciente da tradicional divisio da Itélia em partidos guelfo e gibelino, sabe também que, embora certas cidades e ptincipados inclinem-se majo- Titariamente por um ou por outro (Veneza, Roma e a Marca sio guelfas; Génova e Milo, gibelinas), a minoria esté sempre presente em todos eles: €0 caso de Bolonha, para onde o Papa envia Bessarion, encarregando-o de fazer cessar as lutas entre facgdes. Bem informado sobre as instituigdes comunais italianas, tem predilecio pelas mais “democréticas”, sobretudo por Florenga, da qual descreve bem o complexo sistema e minimiza as con- vuls6es partidérias, enquanto realga 0 caos politico genovés e insiste sobre a oligarquia veneziana, da qual conhece bem toda a organizagao (observa qué sao os 2.000 membros do Grande Conselho que “votam e elegem 0s titulares de todo o poder”). E aliés Veneza, tio presente no Oriente, que merece mais destaque: € a tinica cidade italiana que ele verdadeiramente enaltece, mostrando-a toda pavimentada de tijolos, onde se vai apenas a pé ou de barco, mas sobretudo notavel por seu porto e seu arsenal, dos quais € 0 tinico grego a dar uma descrig&o. Procura também explicar as bases eco- i 1 oe 44. Bigancio ¢ 0 Ocidente némicas da cidade ao detalhar suas mude, que nomeia na ordem exata de importancia no século XV: Levante, Berbéria, Oceano, Romania. Depois, trata de sua conquista da Terra Ferma até a paz de Lodi, ocasio em que as- sinala o papel desempenhado na Itélia pelos condottieri, Malatesta, Carmag- nola, Sforza, que contribuem para transformar certas cidades maiores em verdadeiras poténcias territoriais em detrimento das mais fracas, das quais conhece igualmente os pequenos principes, os Este de Ferrara, os Scaliger de Verona, os Malatesta da Marca e de Rimini. Seria, pois, um grande engano considerar Chalkokondylis 0 “descobri- dor” bizantino do Ocidente sem levar em conta que foi também o primeiro grego a descrever o Oriente. Nele emerge o que seus predecessores censt- raram em virtude de uma ideologia “romana” que ele julga ilegitima e que 0 sultao otomano, chamado por ele basilees, pode herdar enquanto nao vem um novo império que ele deseja verdadeiramente grego. Sob sua pena, € portanto a morte de Bizancio que nos revela um saber que a propria exis- téncia do Império impunha manter implicito, mas também revela uma nova disposicao para conhecer os outros, o que explica sua relativa renovagio. Micuet Batarp & Avan DuceLuer Tradugio de José Rivair Macedo Ver também Centro/periferia — Guerra e cruzada — Império — Isla — Meméria — Roma — Universo Orientagao bibliografica AHRWEILER, Héléne, L’déologie politique de l’Empire byzantin. Paris: Presses Univer- sitaires de France, 1975. DOLGER, Franz, Byganguund die Européische Staatenwelt. Excal: Buch-Kunstverlag, 1953. DUCELLIER, Alain. La France et les iles Britanniques vues par un byzantin du XV sigcle: Laonikos Chalkokondylis. Economies et sociéés au Moyen Age. Paris, 1973. —_. La Péninsule Ibérique d’aprés Laonikos Chalkokondylis, chroniqueur byzan- tin du XVF sitcle. Norba, Revista de Historia, Caceres, 1984. 145 Dicionério analitico do Ocidente medieval LECHNER, Kilian, Helene und Bardaren i Wéltbild der Byantner. Munique: Ludwig. -Maximilians-Universitit, 1954. LEMERLE, Paul. Le Premier Bumanisme byzantin. Paris: Presses Universitaires de Fran- ce, 1971. ___. Cing Etudes sur le XI sitcle. Paris: Presses Universitaires de France, 1977, PERTUSI, Agostino. Il pensiero politico bizantino. Bolonha: Patron, 1990. WOLSKA-CONUS, Wanda. La Topegraphiecbrétinne de Cosmas Indicopleustts: chéologie et science au VI sitcle. Paris: Cerf, 1968. _ Bigdncio visto do Ocidente “Hi centenas e centenas de anos, a ave divina permanece na extremi- dade da Europa, perto dos montes de onde saiu e, & sombra de suas asas sagradas, daf governa 0 mundo, passando de mio em mio. Numa dessas mudangas, ela pousou sobre a minha. Eu fui Juilio César e sou Justinia- no...” (Dante, A divina comédia, “Paraiso”, VI, 4-10). Interrogando a alma de Justiniano durante seu percurso pelo Paraiso, Dante demonstra ter consciéncia da unidade e da continuidade do Império, simbolizado pela guia que partiu de Troia para Roma antes de se fixar em Constantinopla, de onde governaria toda a Cristandade. Para o poeta, Bizancio personifica a ideia de um império regido segundo leis, tal como sonhava que o Oci- dente fosse governado. A imagem que sugere difere daquela encontrada em crénicas e docu- mentos oficiais de chancelaria, Com efeito, os textos narrativos nao se in- teressam muito pelo velho império oriental; seus autores substituem de bom grado pela histéria-batalha a compreensio profunda de um mundo tornado estranho ao Ocidente. Os documentos oficiais, para uso dos go- Vernantes, propdem uma visao mais concreta do Outro, uma visio mais fundamentada na relagio de forcas ena ideologia que sustenta 0 exercicio do poder. Assim, as oscilagdes da imagem de Bizancio ao longo dos séculos tesultam de consideragées politicas e estratégicas, de interesses religiosos 147 Diciondrio analitico do Ocidente medieval ou econdmicos que levam o Ocidente primeiro a respeitar a tomanidade crista e depois a tratar com indiferenga e desprezo um mundo que redes. cobre com simpatia apenas no tempo do humanismo e do Renascimento, O prestigio de Bizancio At€ o prinefpio do século VIII, Bizancio desfruta de grande prestigiono Ocidente. Pelo menos formalmente, este reconhece a superioridade do su- cessor cristao do Império Romano. A divisio de 395 nunca foi vista pelos contemporaneos como uma ruptura definitiva; mesmo a invasao dos bér- batos pode ser consideraca fator de renovagio do ideal universalista porque restitui sua cabeca a um império vitimado até ent4o por uma divisio contra a natureza. Assim, a restituigao das insignias imperiais a Constantinopla por Odoacro, em 476, nio significa para o Ocidente a desaparigao total da ideia ou mesmo da realidade imperial: ela reconhece a eminéncia e dig- nidade tinica do soberano bizantino. Este recebe a heranca de uma nogio nascida no Ocidente, segundo a qual o imperador tem preponderancia sobre os reinos, isto no momento em que os povos germénicos transfor- maram as provincias do Império Romano em varios reinos. A chancelaria bizantina elabora 0 esquema de toda uma hierarquia de soberanias sob a presidéncia do basileus, que est em seu ponto mais alto. Nao é somente uma reivindicagio ideolégica. O Império intervém na Glia, na Espanha, acolhe em suas cortes os principes provenientes das familias reais barbaras. De acordo com Gregério de Tours, Clévis orgulhava-se de ter recebido 2s insignias consulares do imperador Anastdcio, e Chilperico, medalhas de ouro de Tibério, ao passo que, por volta de 630, Dagoberto relaciona-se com Herdclio prometendo-lhe a paz perpétua, como fiel servidor. O respeito por Bizancio nio era menor na peninsula italiana. Aspirando assumir a diregao dos povos getm4nicos espalhados na Romania, Teodo- rico parece ter desempenhado esse papel como delegado do poder impe- rial tinico. Ele aceita o titulo dulico de “mestre das milicias” ¢ manifesta 9 desejo de reconquistar a Itélia e governd-la em nome do imperador. O fracasso, sem diivida, deve-se 3 recusa dos ostrogodos por parte da pop” 148 Bigncio visto do Ocidente lagio italiana, profundamente ligada 4 ortodoxia conciliar. Daf a relativa facilidade da reconquista levada a cabo por Justiniano (535-554), que sabe se aproveitar da fraqueza do reino ostrogodo. Mas o prestigio de Bizincio na Iedlia é rapidamente abalado pela conquista lombarda, desde 568. Seria, entretanto, erréneo considerar os invasores como adversérios irredutiveis do Império Bizantino. A maioria dos duques lombardos, mais ou menos seduzida pelo ouro de Bizéncio, expressa seu grande respeito pelo Império: alguns deles af encontram refiigio e protecio quando a sorte muda; outros colocam-se a seu servico e, até 751, data da tomada do exarcado pelo rei lombardo Astulfo, Ravena e Pentapole permanecem simbolos vivos de que toda a peninsula pertence ao Império. Com efeito, embora trés quartos de seu territério tenham sido invadidos pelos lombardos, a Itélia continua oficialmente imperial e as pretensoes “romanas” de Bizancio continuam muito vivas. © papado e os bispos do Ocidente reconhecem a posicgao eminente de um imperador que preside os concilios ecuménicos e transforma seus cénones em leis do Império. Gregério Magno (590-604), obrigado a lidar com os lombardos, conti- nua profundamente ligado ao Império. Na querela com o papado em 590- 591, os bispos da regiao veneziana pedem para ser julgados pelo tribunal de Constantinopla, fazendo valer o direito de todo stidito do Império de apelar perante a justiga suprema do imperador. Todavia, a ideia de uma ro- manidade cristi englobando Oriente ¢ Ocidente e unida sob a auroridade do soberano de Constantinopla nao resiste ao choque das invasdes — mu- gulmanas no Oriente, lombardas e depois carolfngias na Itélia —, as evolu- ses culturais divergentes, aos sobressaltos das heresias orientais diante das quais © papa aparece como 0 mais importante guardiao da ortodoxia de Niceia. Na primeira metade do século VIII, Bizancio deixa de ser para o Ocidente um poder tutelar, salvo em raras regides da Italia mantidas sob sua dominagio direta. Desconfianga e incompreensao Vatios fatores politicos e religiosos concorreram para tornar 0 Império Bizantino cada vez mais estranho ao mundo ocidental. Do ponto de vista 149 Dicionério analitico do Ocidente medieval politico, o acontecimento decisivo é a intervengio carolingia na Itélia, Com efeito, depois da queda de Ravena, o papa Estévao II nao obteve do im. perador Constantino V o apoio que pedia contra os lombardos, Volta-se, entao, para Pepino, o Breve, que oferece ao papado o reconquistado exar- cado de Ravena, fundamento do futuro patriménio de Sao Pedro, Bizancio considera-se trafdo e rompe com o papado. Em Roma, é entio elaborada uma célebre falsificagao, a “Doagio de Constantino”, segundo a qual, no momento em que partiu para fundar Constantinopla, Constantino teria transferido ao papa Silvestre todo 0 poder sobre Roma e a Itdlia. A ideia essencial do documento (correntemente usado na Idade Média) é excluir os bizantinos da peninsula e estabelecer os direitos do Papa a sua suces- so, fazendo do pontifice o receptor das insignias imperiais, praticamente identificando-o com o imperador. Um novo motivo de discérdia ocorre em 800, com a coroagio imperial de Carlos Magno, considerada por Bizincio um ato de rebelido, como a insuportével pretensio da Velha Roma de retomar para si direito de fazer 0 imperador. Confrontado com uma violenta reagdo antiocidental em Bi- zancio, Carlos Magno contemporiza. Em vez de se intitular imperator Ro- manorum, qualificagdo que Constantinopla nao podia admitir, contenta-se em ser chamado “governador do Império Romano” ¢ em 812 negocia um compromisso com o basileus Miguel Rangabe: a unidade politica do mundo romano € restaurada sob a forma de dois impérios irmaos, Bizdncio abando- nando o norte da Itélia, a {stria ea Dalmécia, Carlos Magno renunciando ao titulo de imperador dos romanos. O universalismo do Império do Oriente Testa em teoria intacto. Lufs II, em sua carta a Basilio I (871), procura voltar atrds nessas concessées e nega ao basileus seu titulo de imperador dos romanos, situando na Igreja-mae de Roma a fonte do poder imperial. Basilio I responde-lhe ponto por ponto, mas depois a querela se apazigua em razao do enfraquecimento e desaparecimento do Império Carolingio- A restauracio do Império em 962 nio teve na origem um cardter anti- bizantino. Fiel 4 tradicao franca, Oto I pretende apenas a paridade entre 08 dois impérios. Porém, diante da oposigao de Bizincio a sua atuagio na Itélia do Sul, ea recusa de Nicéforo Focas em reconhecer seu titulo im- petial, ele acentua o car4ter romano do seu poder, como se pode ver 4 150 Bizéncio visto do Ocidente narragio da infrucifera embaixada de seu enviado Liutprando de Cremona a Constantinopla (968). Pela primeira vez sio lancadas invectivas contra Bizancio, que nada teria feito para socorter o papado; s6 Oto I é aurénti- co imperador dos romanos. Entao, no auge de seu poder, Bizdncio replica, manifestando seu desprezo em relagéo ao embaixador de Oto e defendendo com vigor suas possess6es da Itdlia do Sul. O conflito de interesses, con- cretos e antagénicos, leva dessa forma grande parte do Ocidente a se opor 20 universalismo imperial bizantino. No plano religioso, diversas crises abalam a romanidade cristae distan- ciam progressivamente o catolicismo romano da ortodoxia de Constanti- nopla. Em primeiro lugar, nota-se uma incompreensio crescente entre as duas partes da Cristandade, cada uma passando a ignorar a lingua da outra. Em Roma, sé alguns especialistas da chancelaria pontificia conhecem algo do grego; em Bizfncio, nao se faz muito esforgo para aprender o latim. As divergéncias de mentalidade avultam por ocasiao da crise iconoclasta. O papa Gregério Il (715-731) excomunga o imperador Leio III Isdurico, enquanto seu sucessor Gregério III condena o iconoclasmo. Como bem sublinha mais tarde 0 cronista veneziano André Dandolo, os editos ico- noclastas separam as populagées italianas do Império e justificam a atri- buicao da coroa imperial a Carlos Magno. Desde o princfpio do século IX, 0s francos comegam a desconfiar da retidio dos gregos: estes so cristaos duvidosos e de uma espiritualidade estranha. Ao respeito inicial sobrevém a desconfianga, que alimenta uma incompreensio crescente. Rivalidades e rupturas Essa incompreensao miitua acentua-se no século IX, devido as rivali- dades pela dominagio espiritual e politica das populacées ainda pagas, em vias de converséo, quer dizer, os eslavos. Duas concepgées de missio se opsem: no Ocidente, onde a Igreja é relativamente independente do poder imperial, a missio € concebida como defesa da Igreja Romana e depende antes de tudo da iniciativa do trono romano. Em Bizancio, a colaboragao entre os dois poderes — Igreja e Estado — para a esto do Império e sua expansio no exterior € tal que a cristianizagio equivale 3 helenizagio e a0 151 Diciondrio analitico do Ocidente medieval crescimento do corpo politico. Dai as tensdes entre as duas Partes da Cris. tandade para assegurar a dominagao dos novos convertidos. Roma domi- naa Crodcia-Dalmdcia e fixa duravelmente as fronteiras da ortodoxia nos limites sérvio-croatas — como se pode ver ainda hoje. Na Bulgétia, o khan Béris de inicio aproxima-se de Roma, mas pende finalmente para 0 lado de Bizancio, enquanto a Morévia, inicialmente evangelizada pela missio dos irmaos Constantino-Cirilo e Metédio, liga-se ao dominio franco. O choque das duas correntes missionérias é 0 pano de fundo das primeiras fraturas entre as duas igrejas. A primeira delas ocorreu no momento da conversio dos biilgaros. O cisma chamado “de Fécio” era, de fato, uma querela entre as duas correntes que dividiam a Igreja bizantina. Mas Roma condena Fécio, um dos maiores sdbios bizantinos, em razio das condigdes anticanénicas de sua ascensio ao trono patriarcal em 858. A querela, encerrada no concilio de 879-880, dé ocasiao para formular as diferengas entre as duas igrejas, tanto do ponto de vista disciplinar quanto do ponto de vista dogmitico. A interpretagao da primazia romana e o problema da “procedéncia do Espirito Santo” (Filio- que) seriam doravante a pedra de toque de uma ortodoxia que BizAncio rei- vindica diante do Ocidente. A segunda fratura, bem conhecida, é aquela de 1054, ocisma de Miguel Cerulério ¢ a excomunhio recfproca do patriarca e dos legados pontificios. Ela se produz no momento em que as duas igre- jas disputam a jurisdigdo sobre a Itdlia do Sule em que o papado, por meio da reforma pontifical, comega a afirmar o cardter universal de seu poder. Apenas as repiiblicas maritimas italianas, outrora bizantinas, continuam até 0 século XI muito fiéis ao Império. Nao é 0 caso de Génova, que foi logo absorvida pelo dominio lombardo, ou de Pisa, mas é 0 caso sobre- tudo de Veneza e Amalfi. A Venécia mantém-se por muito tempo pro- vincia bizantina e sé lentamente se liberta da tutela de Constantinopla. O passado bizantino dé a Veneza uma legitimidade que ela perderia caso tompesse com 0 Império. Embora os jufzos de valor sobre Bizincio sejam raros nas fontes venezianas da Alta Idade Média, sente-se uma relagio de amor e édio, de dependéncia e progressivo distanciamento. A importancia de Constantinopla esté sempre destacada: os doges, os patriarcas e seus Parentes vao para l4 com frequéncia e recebem titulos 4ulicos do basilens. 152

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