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INFORMAGOES BIBLIOGRAFICAS Diretor escolar: educador ou gerente? de Vitor Henrique Paro REsewna Por Rosana Evangelista da Cruz Vitor Henrique Paro O sequestro do carater publico da institui¢ao escolar: oo razao mercantil e amadorismo Fe pedagogico em politicas educacionais Vitor Henrique Paro, professor titular na Faculdade de Educaao da Universidade de So Paulo, autor de intimeras publicagSes sobre educagio e administrac3o escolar, tem oferecido & comunidade educacional, com suas obras, contribuigdes efetivas para a reflexo dos problemas que envolvem a gest3o educacional na realidade brasileira. £ incontestavel a importancia deste intelectual para o meio educacional, a partir do com: promisso com a produgio e adoco de modelos de gest3o educacional verdadeiramente democraticos, com vistas 4 construcdo de uma escola ptiblica libertaria e de uma socie: dade comprometida com a emancipagio humana. © livro “Diretor escolar: educador ou gerente2” é fruto de pesquisa acerca dos deter minantes pedagégicos e politicos da escola sobre a pratica administrativa do diretor escolar, Resultado de investigagio empirica em escola publica municipal de ensino fun. damental da cidade de S40 Paulo e de pesquisa bibliografica documental, o trabalho dialoga com os problemas atuais da administragao escolar e com os estudos classics da 4rea no Brasil, sintetizando e aprofundando reflexdes realizadas pelo autor em outras publicacdes sobre o papel da educacio, da escola e da administrac3o e direcdo escola: res. a desidades. nimero 8. ano 3-set 2015 No presente livro, de modo coerente com a pritica de pesquisa sistematica em escola publica, com vistas a desvelar seu cotidiano ¢ suas contradicdes, Paro efetiva um belo didlogo entre aqueles que constroem o dia a dia da educac3o publica e a teoria que em- basa sua produsao, oferecendo elementos importantes para a reflexdo sobre a gestdo escolar, na perspectiva da defesa da escola publica como um direito. O resultado da in. vestigacao ¢ apresentado em quatro instigantes sees, as quais despertam no leitor 0 iteresse em conhecer toda a obra do autor. Na primeira seco é apresentado o conceito de administrago como mediac3o ou “uti lizago racional de recursos para a realizac3o de fins determinados” (Paro, 2015, p.18). Este conceito, amplo e original, indica a indissociabilidade entre a ag3o administrativa € 0 fim que pretende alcangar; dessa forma, supera a ideia do senso comum de que administrativo 6 sindnimo de burocratico, com fim em si mesmo, negando seu papel de mediago para o alcance de fins determinados. No campo da administrago escolar, o autor informa que toda pratica pedagégica esta impregnada do administrativo, assim como o administrativo é potencialmente pedagé: gico. No caso da escola, o fim almejado é 0 aluno educado, portanto, o pedagégico deve sera razdo do administrativo no interior dessa instituicdo. Por esta compreensio, Paro advoga que qualquer diretor escolar deve, antes de tudo, ser um educador. Na escola, nas diferentes atividades realizadas pelos sujeitos que a compSem, esta pre sente 0 problema administrativo, no sentido da consecucao do fim a que se propée. £ neste sentido que o autor apresenta os dois amplos campos da administragao: a racio: nalizagao do trabalho ea coordenac3o do esforgo humano coletivo, que inclui a questo das relagdes na escola ¢ do papel desempenhado pelos diferentes sujeitos envolvidos, reconhecido o carter politico das referidas relades. A politica é compreendida por Paro como “produgio da convivéncia entre grupos e pes: soas [...] que possuem vontades e interesses prdprios que podem ou nao coincidir com 08 interesses dos demais” (2015, p. 33). Com isto, fica evidente que a coordenagao do esforgo humano coletivo na escola para o alcance dos fins educacionais est prenhe de politica. Dependendo do tipo de convivéncia estabelecido entre os envolvidos, pode contribuir para a afirmacao de cada um como sujeito ou para a negago dessa mesma subjetividade. Enesse contexto que 0 autor diferencia 0s objetivos (0s fins) de uma empresa capitalista 0s da escola, A empresa busca alcangar o lucro, viabilizado pela exploragéio do traba Ihador, negando-Ihe 0 usufruto pleno do valor produzido pelo seu trabalho. No caso da escola, o objetivo é justamente a afirmagSo do sujeito, mediante a fungdo precipua de contribuir para a atualizaco hist6rico-cultural dos sujeitos envolvidos. Como os fins so antagénicos, 0 autor questiona a adage do modelo gerencial na escola. Na segunda seco, Paro apresenta a discussdo sobre direcao/diretor escolar. Embora os componentes da administra¢ao (racionaliza¢o do trabalho e coordena¢do) estejam pre- sentes na dire¢ao, esta se coloca acima daquela devido ao poder que Ihe é inerente: “po: desidades. nimeros.ano3.set 2015 INronmacdes sistiocndricas 50 demos dizer que direc3o a administra¢do revestida do poder necessdrio para fazer-se a responsavel tiltima pela instituico” (Paro, 2015, p. 38). 0 conceito de poder adotado pelo autor, amplamente discutido em obra anterior (Paro, 2014), refere-se 8 capacidade de determinar 0 comportamento de outros. Na terceira seco, dedicada & andlise da escola como objeto de gesto escolar, o autor afirma que a concepgao hegeménica de educagao, de senso comum, restringe o papel da escola & transmissZo de conhecimentos para as novas geracdes. Questiona tal con- cep¢do por entender que o educando nao aprende por transmissdo, mas ao se apropriar de determinado componente cultural historicamente produzido, incorporando-o & sua personalidade viva, mediante a aplicac3o de sua vontade na ago de educarse. Ade. mais, reduzir o papel da escola & transmissao de conhecimentos é limitar sua fungdo a somente um aspecto da “cultura produzida historicamente e necesséria 4 formacao do ser humano-histérico em seu sentido pleno” (Paro, 2015, p. 48)- © autor ressalta que o ser humano se apropria da cultura como sujeito; por isso, para no ferir 0 principio de adequacao de meios a fins, a escola precisa propiciar condigdes para que o educando se faca sujeito de seu aprendizado, o que demanda a revisio de sua estrutura e de todo o proceso de organizaco do seu trabalho pedagégico. Para aqueles envolvidos com as politicas educacionais, seja como sujeitos da politica, seja como pesquisadores, 0 ponto alto do livro de Vitor Paro fica por conta da discussao sobre a interferéncia da concep¢ao de educacao e da raz4o mercantil nas politicas da atualidade, elementos destacados no titulo desta resenha. Para o autor, as duas grandes ameacas 3 educac3o esto relacionadas azo mercantil que orienta as politicas educa- cionais e ao amadorismo pedagégico dos que cuidam da educacao. A razio mercantil esta calcada na perspectiva de privilegiar os resultados econémicos ena inser¢%io de mecanismos tipicos do sistema capitalista no mbito dos sistemas ¢ unidades escolares. Nas politicas educacionais, segundo o autor, a razdo mercant faz presente na defesa de interesses particulares, na privatizagao do ensino, no favo. recimento de escolas particulares, na compra de pacotes ou sistemas de ensino, no es- tabelecimento de parcerias com a iniciativa privada e na secundarizacao das condigdes dos trabalhadores da educac3o em favor de outros insumos que favorecem 0 actimulo privado, entre outras formas. No que se refere a0 amadorismo, Paro argumenta que este, acrescentado da ignorancia, € solo fértil para a absor¢3o do paradigma mercantil nas politicas educacionais, pois a auséncia do conhecimento técnico-cientifico sobre o fato educative ~ a “cegueira peda: g6gica” — leva & adogio de “principios, métodos e técnicas dominantes no mundo dos negécios, ignorando por completo a especificidade do trabalho escolar eanecessidade de levar em conta sua singularidade na tentativa de fazé-lo efetivo” (Paro, 2015, p54). Paro contrapée a esfera privada a esfera publica. Esta tltima envolve a universalidade de direitos e deveres de cidad3os, no ambito do Estado democratico. Este Estado ¢ 0 dominio da politica, encia entre individuos ou grupos que detém ou ‘a como “cont desidades. nimeros.ano3.set 2015 INronmacdes sistiocndricas 51 reivindicam sua condigdo de sujeitos, ou seja, detentores de interesses e atuantes em sua realizagio” (Paro, 2015, p. 56-57). Justamente esta condicgo de sujeito caracteriza o ho- mem como humano-histérico, que demanda a convivéncia com a subjetividade do outro, condico “que caracteriza a a¢3o politica em seu sentido amplo” (Paro, 2015, p. 57). A referida convivéncia, nos termos do autor, pode ocorrer pela dominago ou pelo dislo- go. No primeiro caso, a dominagao, mediante autoritarismo, ou seja, 0 poder de uns sobre outros. No segundo, o didlogo entre sujeitos, 0 que consubstancia a convivéncia demo: crética, livre e pacifica entre individuos e grupos, os quais estariam se afirmando como sujeitos. Para o autor, o aprendizado escolar precisa ser necessariamente democratico, [4 que a natureza do processo pedagégico evidencia que a aprendizagem s6 se faz coma vontade do educando. Ampliando sobremaneira o que entendemos por gestiio democratica, 0 autor informa que o processo pedagégico é auténtica ago politica, porque estd no ambito da relaco de convivéncia entre sujeitos, o que vai remeter diretamente ao tipo de profissional res- ponsavel pelo processo de ensino-aprendizagem. Neste sentido, compreende que 0 pro: fessor é um trabalhador com cardter especifico, diferente de outros profissionais, porque precisa de envolvimento pessoal e politico com o educando, condi¢do para a eficiéncia do processo educativo. A importancia e a complexidade da acdo docente requerem que sejam garantidas condi es politicas e técnicas para o efetivo cumprimento de seu papel. Na auséncia das refe. ridas condigdes, ocorre o sequestro do cardter publico da instituigSo escolar e a degrada 0 do desempenho pedagégico, levando & negac3o do direito & educago. Tal sequestro corre, por exemplo, quando o Estado descuida das politicas educacionais e adota siste mas € pacotes de ensino da iniciativa privada, visando favorecer os interesses particula: res e desqualificar o trabalho do professor, ou quando limita 0 conceito de qualidade aos resultados de testes padronizados em larga escala, nos termos do autor. A quarta seco do livro, intitulada “Diretor escolar: dirigente ‘sui generis’ para um traba: Iho singular”, é dedicada especificamente ao papel do diretor. Nesse espaco, Paro discute a natureza da fungo de diretor em seu papel de mediaco para a garantia da educaco escolar. Pondera que a escola de antigamente era seletiva e elitista, porque no univer- salizada e com fatores evidentes de estratificaco, dentre os quais os testes seletivos € a reprovacao escolar, mecanismos de culpabilizacdo dos alunos pelo fracasso da escola. No entanto, hoje, como a escola precisa receber todos os que a procuram, 0 fracasso escolar fica evidente, havendo um movimento intenso de adoc3o acritica dos principios e métodos da empresa capitalista nas escolas, mediante proposigdes de modernizagao, qualidade total, empreendedorismo, bonificac3o, remunera¢ao por mérito, ranqueamen: to, entre outras denominagdes que contribuem para a precarizagao da escola. Combatendo a ideia de que o diretor deva ser um gerente, o autor reforca o entendimen- to de que a administrago escolar uma funco que somente pode ser exercida por edu- cadores, dada a necessidade de adequacao dos meios aos fins tipica da administragio, a singularidade do trabalho desenvolvido nas escolas ¢ a necessidade de seu compromisso com a construco de personalidades humano-histéricas, portanto, de verdadeiros cida: dios. desidades. nimeros.ano3.set 2015 INronmacdes sistiocndricas A peculiaridade da escola € do trabalho nela desenvolvido, segundo Paro, requer um di rigente escolar democratico, cuja legitimidade advenha da vontade e do “consentimento daqueles que se submetem a sua diregdo” (Paro, 2015, p. 115). Neste sentido, 0 autor con: testa ndo somente a compreenso do diretor como um gerente, mas também o provi- mento do cargo por indicagao polit os principios democréticos. Na realidade, além da defesa da elei¢go, o autor advoga que ico-partidéria ou concurso piblico, formas que ferem a coordenacdo nao precisa ser feita sempre a partir de um coordenador unipessoal que determine a conduta de grupos e pessoas, mas pode ser realizada coletivamente, direta mente ou por meio de conselhos, representantes ou de colegiado diretivo. A leitura da obra de Vitor Henrique Paro é imprescindivel, pois apresenta contribuigdes fundamentais para pais, educadores, gestores e pesquisadores, que defendem a educa: (40 publica como direito fundamental, especialmente em contexto de ampliaco da razio mercantil em politicas educacionais. Além do relevante livro ora resenhado, os interessa: dos em aprofundar estudo sobre as instigantes questdes apresentadas pelo autor podem obter maiores informagSes sobre suas produgées no ‘site’ . REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS PALAVRAS-cHAVE! 52 PARO, V. H. Diretor escolar: educador ou gerente? Sao Paulo: Cortez, 2015, PARO, V. H. Educago como exercicio do poder: critica a0 senso comum em educagao. 3. ed. Sao Paulo: Cortez, 2014. politica educacional, administracao da educacao, diretor escolar. Dara be RECEBI Dara DE apnovacko: 04/09/7015 Rosana Evangelista da Cruz Universidade Federal do Prout, Brasit rosanacruz@ufpi.edu.br desidades. nimeros.ano3.set 2015 INronmacdes sistiocndricas

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