Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Resumo: Este texto expõe um estudo sobre a educação inclusiva de alunos cegos ou com baixa visão,
enfocando o ensino da Matemática. O trabalho investigativo foi elaborado com o objetivo de conhecer como
estes alunos aprendem conteúdos matemáticos com o auxílio de recursos didáticos manipuláveis. Baseados na
realização de entrevistas semiestruturadas, foram ouvidos alunos cegos ou com baixa visão do Centro de
Apoio Pedagógico (CAP) para conhecer o modo como constroem conhecimentos matemáticos e sua
percepção acerca dos recursos pedagógicos utilizados para promover ou auxiliar o aprendizado. Conclui-se
que, até mesmo nos centros especializados, falta profissional na área da Educação Especial. Portanto, faz-se
necessário promover formações continuadas e incentivar os educadores a buscar especializações visando
melhorar o desempenho das atividades educacionais, a fim de promover o ensino de conteúdos matemáticos à
alunos cegos ou com baixa visão.
Palavras-chave: Educação inclusiva. Deficientes visuais. Ensino de Matemática. Recursos didáticos
manipuláveis.
Abstract: This text exposes a study on inclusive education of blind students and low vision, focusing on the
teaching of mathematics. The investigative work was done in order to know how these students learn
mathematical content with the help of manipulatives teaching resources. Based on the performance of semi-
structured interviews, we hear blind students with low vision or the Educational Support Center (CAP) to
know how build math skills and their perception of teaching resources used to promote or assist learning. We
conclude that, even in specialized centers, professional misconduct in the field of Special Education.
Therefore, it is necessary to promote continuing education and encourage educators to seek expertise to
improve the performance of educational activities to promote the teaching of mathematical content to blind
students and low vision.
Keywords: Inclusive education. Visually impaired. Math Education. Manipulable teaching resources.
1
Mestrando do Programa e Pós-Graduação em Educação em Ciências e em Matemática - PPGECM - da Universidade Federal
do Paraná – UFPR. Professor auxiliar da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará – UNIFESSPA.
josieloliviera@unifesspa.edu.br.
2
Graduado em Matemática pela Universidade Federal do Pará - UFPA
3
Doutora em Educação Matemática pela UNESP/Rio Claro. Professora na Universidade Tecnológica Federal do Paraná,
Curitiba – UTFPR; professora do PPGECM-UFPR. mocrosky@gmail.com.
deixou de se constituir em uma medida precária indivíduos que apresentavam deficiência, cujo
em termos nacionais, pois, em 1872, com uma objetivo era integrá-los em ambientes escolares, o
população de 15.848 cegos e 11.595 surdos, de mais próximo possível daqueles oferecidos à
todo o território eram atendidos apenas 35 cegos e pessoa normal” (MIRANDA, 2008, p. 30). Porém,
17 surdos nestas instituições. Diniz (2007) ao invés da escola ter de se adequar ao aluno, o
explicita que a maioria dessas instituições tinham aluno é que deveria adequar-se à escola. Nesse
como objetivo principal afastar as pessoas que período, nega-se a questão da diferença e o aluno
apresentavam lesões do convívio da sociedade, é inserido ao contexto escolar sem levar em
pois acreditavam ser possível normalizá-las para consideração os diversos níveis existentes no
só então devolvê-las à família e à sociedade. processo de aprendizagem.
Trata-se dos primórdios da Educação Especial no Com o surgimento da Educação Inclusiva,
Brasil, pois foi a partir da criação destes institutos, surge também a esperança de consciência da
que o país deu os primeiros passos no atendimento diversidade e da necessidade de um atendimento
às pessoas com deficiência. especializado de acordo com as especificidades de
Os atendimentos iniciados em 1854 cada educando, ou seja, o advento da Educação
perpassam pela Constituição Brasileira de 1988 Inclusiva implica em modificações substanciais na
que assegurava “[...] o direito de todos à prática educativa, pois o modelo pedagógico
educação, garantindo, assim, o atendimento agora é centrado no aluno e na capacidade de dar
educacional de pessoas que apresentam respostas às necessidades educativas de cada um.
necessidades educacionais especiais” Isso por que “[...] a inclusão não se limita ao
(MIRANDA, 2008, p. 36), e chega aos dias atuais atendimento aos indivíduos que apresentam
tendo como base a LDB (Lei de Diretrizes e necessidades educacionais especiais, mas
Bases) 9394/96, que definiu parâmetros para que a demonstra apoio a todos que fazem parte da
inclusão fosse realizada da melhor maneira escola: professores, alunos e pessoal
possível, preferencialmente, em escolas públicas. administrativo” (MIRANDA, 2008, p. 40).
Na educação brasileira a inclusão vem Com as modificações e preparações nos
sendo realizada, mas ainda é tema de muita ambientes educacionais, bem como as
discussão, uma vez que a realidade apresentada capacitações dos profissionais da educação, já é
ainda está muito distante do que foi proposto pelas possível receber pessoas com necessidades
leis citadas. educacionais especiais nas escolas regulares e
Ao longo desse período, para que mudanças conseguir estimulá-las ao aprimoramento de sua
ocorram, políticas de conscientização e capacidade cognitiva, uma vez que agora as
sensibilização no âmbito social vêm sendo escolas estão começando a se preparar, no sentido
elaboradas, no intuito de haver compreensão dos de preparar os professores “[...] para lidarem com
direitos dos seres humanos, da inclusão, da as diferenças, com a forma de construção do
valoração da diversidade pelas marcas de sua conhecimento, em níveis diversificados de
importância e não pela desigualdade que não desenvolvimento, com as necessidades
raramente deixa a diferença em destaque. Tais específicas, métodos, técnicas e recursos que
iniciativas alimentam a possibilidade de mudança. facilitam o processo ensino-aprendizagem”
Desse modo, deficientes do mundo inteiro (BRASIL, 2001, p. 148).
ganharam força, reconhecimento e fôlego para Mesmo diante de todo esse esforço, não se
discutir as possibilidades de inclusão e os modos pode negar que ainda existe um grande desafio
como elas vêm sendo efetuadas, para mostrarem- para qualquer educador em trabalhar com alunos
se como cidadãos que merecem respeito e com deficiência visual, seja ela total ou parcial.
aceitação da forma como são, além de igualdade. No que diz respeito à Matemática, esse desafio é
Tais possibilidades foram pautadas no modelo de ainda maior, uma vez que a disciplina carrega o
sociedade defendido pelos membros da ‘Liga dos estigma de ser uma matéria difícil de aprender e,
Lesados Físicos Contra a Segregação’, uma vez para muitos professores, também difícil de
que a sociedade deficiente ainda não oferece ensinar.
meios para o desenvolvimento igualitário.
Conforme descrito por Miranda (2008), em
meados da década de 1970 é possível observar
“[...] um movimento de integração social dos
maioria, não possuem suporte em sua estrutura e Para alunos cegos ou com baixa visão é
qualidade de ensino para receber o estudante. preciso que se trabalhe com materiais que de
A participação do professor é fundamental alguma forma possam tocar, ouvir e sentir, pois
para o desenvolvimento do aprendizado do aluno com a falta da visão, sua sensibilidade torna-se
cego, pois este será o mediador do conhecimento, mais aguçada. Assim, “[...] algumas atividades
tanto na experiência de vida, quanto no repasse predominantemente visuais devem ser adaptadas
dos conhecimentos que compõem a disciplina do com antecedência e outras durante sua execução
desenho curricular. Ao professor cabe, também, por meio de descrição, informação tátil, auditiva,
apresentar o convívio escolar ao aluno cego ou olfativa e qualquer outra referência que favoreça a
com baixa visão e ajudá-lo a lidar com as compreensão do ambiente” (SÁ; CAMPOS,
frustrações encontradas pelo caminho e SILVA, 2007, p. 25). Os autores ainda
conduzindo-o a investigar, pesquisar e construir complementam que “[...] os esquemas, símbolos e
novos significados para continuar no trajeto diagramas presentes devem ser descritos
formativo escolar, ultrapassando os obstáculos oralmente. Os desenhos, gráficos e ilustrações
encontrados. Isto irá reforçar a identidade do devem ser adaptados e representados em relevo”
aluno e construirá a base necessária para que (SÁ; CAMPOS, SILVA, 2007, p. 25).
continuem na escola, aprendendo. Existem muitos materiais didáticos que
podem ser utilizados e adaptados para o ensino de
EDUCAÇÃO INCLUSIVA DE ALUNOS matemática, proporcionando aulas mais
CEGOS OU COM BAIXA VISÃO NO interessantes que possam tocar os alunos cegos ou
CONTEXTO DO ENSINO DA com baixa visão, bem como para os demais
MATEMÁTICA alunos. Braille, Geoplano, Tangram, Soroban,
Multiplano e outros, são materiais didáticos e
A Matemática, em seu contexto de ensino recursos tecnológicos que podem ser utilizados na
escolar, carrega o estigma construído pelo alunado disciplina de Matemática. Isso por que “[...]
como sendo uma das disciplinas mais difíceis da recursos tecnológicos, equipamentos e jogos
estrutura curricular. Em geral, esta associação se pedagógicos contribuem para que as situações de
dá devido aos tópicos envolvendo cálculos, aprendizagem sejam agradáveis e motivadoras
geometrias e álgebra e as aulas serem organizadas para alunos com limitação visual” (SÁ;
prioritariamente pela exposição teórica dos CAMPOS, SILVA, 2007, p. 26).
conteúdos, seguidas de listas de exercícios que Os materiais didáticos manipulativos e
visam fixar o exposto. adaptados facilitam a aprendizagem do aluno de
No caso do deficiente visual as coisas não acordo com suas necessidades especiais,
são diferentes, porém, possui um agravante, pois a estimulando assim outros sentidos, através das
falta de materiais concretos e de atividades que texturas, marcações em alto relevo, escrita em
estimulem outros sentidos torna o aluno cego ou braille, dentre outros. Estes podem proporcionar
com baixa visão disperso e sem interesse pelos ao aluno cego um ambiente de manipulação e
conhecimentos matemáticos trabalhados. Assim, o investigação, dando-lhe as possibilidades de
ensino de Matemática a partir do tatear de gráficos desenvolver conceitos matemáticos, sobre como
e de figuras geométricas seria uma alternativa para reproduzir os conhecimentos e experimentar
tornar o aluno integrante ativo nas atividades algumas combinações, além de desenvolver a
educacionais realizadas. criatividade do discente na capacidade de resolver
Como o deficiente visual não pode problemas.
visualizar o que é mostrado no quadro em sala de Para que estas atividades sejam postas em
aula, em figuras, filmes, gráficos virtuais e outros, práticas na sala de aula, é preciso um
devem ser trabalhados os outros sentidos que lhes conhecimento específico sobre o assunto que
possibilitem acesso para que consigam interagir envolve o deficiente visual por parte do educando.
com esses materiais e relacioná-los com a prática No entanto, a formação acadêmica do professor
dos conteúdos ministrados pelo professor de ainda é muito deficitária no que diz respeito à
matemática. O professor, por sua vez, deve ter Educação Especial. Desse modo é de fundamental
uma estrutura pedagógica e competências importância que o professor de Matemática tenha
específicas para intervir na aprendizagem. a iniciativa de encontrar novas metodologias de
ensino e recursos para utilizar em suas aulas.
alguns professores que ministram aulas para Observamos que apesar da escassez de
pessoas deficientes visuais, ainda há falta de recursos didáticos e profissionais, as perspectivas
profissional qualificado para suprir às de aprendizado são boas, pois os profissionais que
necessidades do deficiente visual e ensiná-lo atuam junto a esses alunos os têm possibilitado o
matemática por meio de recursos didáticos manuseio de alguns materiais concretos, como
específicos, como denunciado pelo aluno a seguir. mencionado pelos alunos, de forma que o ensino
Em muitas vagas, ainda há profissionais que as tem fluído e possibilitado aos alunos expectativas
preenchem por improviso emergencial. no futuro, como por exemplo, o relato singelo de
concursos, como o vestibular, por exemplo. Pois,
Olha o cara que foi fazer um curso em a pesar de não se apresentar como alguém que iria
Belém, de multiplano, ele não foi pra utilizar esse recurso numa prova de concurso, ele
educação especial, ele saiu, ai ele trabalha o menciona para esses fins, demonstrando que já
lá no [...]. Ele não quis ficar por questão possui habilidades e que poderá utilizá-lo para tal
política, questão de desentendimento com a
fim.
coordenação, e aí quem perdeu foi o CAP,
ou seja, o aluno. [...] O único que fez este Com o exposto, é notório que o número de
curso foi ele! Aí quem dava aula lá de profissionais que atuam na educação especial, em
Matemática no lugar deste professor era o particular na parte da deficiência visual, deve ser
[...] que estava dando aula pra aluno do levado em consideração, visto que fica explícito
ensino fundamental. Ele é formado em que a falta de professor qualificado para ministrar
biologia, e gosta muito de informática e fez aulas para alunos cegos e de baixa visão, até
dois anos de matemática na UFPA, [...] mesmo no CAP, interfere na aprendizagem dos
Agora que tem uma outra professora, que é alunos, isto porque há recursos — mesmo que
formada mesmo em matemática que ela dá escassos — porém faltam professores que saibam
aula pra aluno cego e baixa visão, mais ela
manuseá-los. Também deve ser observado que
chegou agora e ela não teve tanto contato
ainda com o soroban e com o multiplano, esses profissionais do Centro agem como uma
ela ainda não foi fazer curso (Entrevista nº ponte entre as escolas regulares e o aprendizado
3, realizada com um aluno cego). dos alunos no CAP, pois, como relatado pelos
alunos, são eles que têm realizado intervenções
Em vista do que foi dito, os alunos foram precisas em relação ao ensino de matemática.
questionados acerca do aprendizado que tiveram
para manusear algum recurso didático que auxilie ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O
no aprendizado da matemática. ESTUDO
Mesmo que esta seja uma boa fonte para diversidade, que assegura para as diferenças o
que se consiga proporcionar conhecimentos caráter de importância e não de desigualdade.
matemáticos para alunos cegos ou com baixa
visão, a produção de recursos ainda é muito
precária e os professores se sobressaem utilizando REFERÊNCIAS
a criatividade, confeccionando materiais didáticos
em alto relevo e de fácil percepção para que ALVES, D. O. de. Inclusão escolar de alunos com
possam ser utilizados durante as aulas com alunos deficiência: expectativas docentes e implicações pedagógicas.
Revista da Educação Especial, Brasília, DF, v. 2, n. 3, p.
deficientes visuais. 31-36, 2006.
Conforme apresentado, a utilização de
recursos pedagógicos manipuláveis no ensino de BRASIL. Ministério da Educação. Lei nº 9.394, de 20
matemática pode ajudar na compreensão da dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional. Brasília: DF, 1996. Disponível em:
disciplina, por possuir alto relevo, denominações e <http://www.planalto.gov.brccivil_03/LEIS/L9394.htm>.
significados táteis. Também é fato que a pouca Acesso em: 16 de ago. 2012.
utilização da prática do uso destes recursos vem
acompanhada da falta de qualificação dos ______. Ministério da Educação. Política nacional de
profissionais da educação até mesmo da educação educação especial na perspectiva da educação inclusiva.
Brasília, DF, 2008. Disponível em:
especial. <http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/politicaeducespecial.p
Frente ao exposto, observamos que, até df>. Acesso em: 20 ago. 2014.
mesmo nas salas de aula de centros
especializados, faltam profissionais qualificados ______. Ministério da Educação. Diretrizes nacionais para
a educação especial na educação básica. Brasília, DF,
na área da Educação Especial. É frequente a 2001. Disponível em:
presença de profissionais sem formação específica <http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/diretrizes.pdf>.
para atuar com alunos com necessidades Acesso em: 25 ago. 2014.
educacionais. Os casos relacionados à
precariedade de profissionais da educação são CABREIRA, P. A. O papel da família frente à inclusão do
deficiente visual: contribuições psicopedagógicos. 2013.
citados durante este trabalho como forma de Disponível em:
comprovação, mesmo que empírica, e reforçam a <http://www.abpp.com.br/sites/default/files/123.pdf>. Acesso
ideia de que profissionais da educação apresentam em: 20 ago. 2014.
sérias limitações para atuarem com alunos
DINIZ, D. O que é deficiência. São Paulo: Brasiliense, 2007.
deficientes visuais. (Coleção primeiros passos).
Em vista do exposto neste artigo, chegamos
à conclusão de que é necessário promover FREITAS, S. N. Uma escola para todos: reflexões sobre a
formações continuadas e incentivar os educadores prática educativa.
a tomar iniciativa em busca de especializações Inclusão: Revista de Educação Especial, Brasília, DF, v. 2,
n. 3, p. 37-40, 2006.
voltadas para a educação especial, visando melhor
desempenho das atividades educacionais para LORENZATO, S. A. Laboratório de ensino de matemática e
deficientes visuais, a fim de promover a materiais didáticos manipuláveis. In: LORENZATO, S. A.
compreensão dos conteúdos matemáticos (Org.). O laboratório de ensino de matemática na
formação de professores. Campinas: Autores Associados,
ensinados. De maneira mais singular, o aluno 2006. p. 3-37.
cego, com baixa visão ou qualquer outra
deficiência visual, necessita de um atendimento LÜDKE, M.; ANDRÉ, M. E. D. A. Pesquisa em educação:
especial, voltado para as suas especificidades. abordagens qualitativas. São Paulo. EPU. 1986.
Como técnicas metodológicas, sugerimos
MANICA, L. E. A prática docente da educação profissional
sempre trabalhar com materiais concretos que na perspectiva da
venham suprir as necessidades de recursos inclusão. Revista Iberoamericana de Educación, Madrid, n.
visuais. Assim, os alunos têm a possibilidade de, 55, p. 1-9, 2011.
ao ter em mãos recursos didáticos manipuláveis,
MAZZOTTA, M. J. S. Educação especial no Brasil: história
interpretar os conteúdos apresentados em sala de e políticas públicas. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2011.
aula, visando diminuir as dificuldades na
aprendizagem causadas pela falta da visão. Por MIRANDA, A. A. B. Educação especial no Brasil:
fim, incluir é abrir horizontes pela valorização da desenvolvimento histórico. Educação especial no Brasil: