Você está na página 1de 23
DEL.T.A., Vol. 13, N° Especiat, 1997 (49-72) ‘Novos Horizonres no Estuno pa LINGUAGEM* *” Noam Cuomsxy O estudo da linguagem é um dos ramos mais antigos de investigacao sistemdtica, com marcos que rastreamos na antigilidade cléssica da India e da Grécia, e uma histéria rica em realizages. A partir de outro Angulo, esse estudo é novo. Os principais empreendimentos da pesquisa de hoje em dia tomaram forma apenas hé cerca de 40 anos, quando algumas das idéias mestre da tradi¢ao foram revitalizadas e reconstruidas, abrindo caminho ao que provou ser uma linha de investigagio grandemente produtiva. Nao surpreende que tamanho fascinio viesse a ser exercido pela linguagem ao longo dos anos. A faculdade humana de linguagem parece ser uma verdadeira “propriedade da espécie”, variando pouco de individuo a individuo e sem , em outra parte, nada de andlogo que seja significativo. Provavelmente os fendmenos andlogos mais significativos sao encontrados nos insetos, um bilhJo de anos distantes na evolug%o. Nao hé hoje nenhuma boa razdo para desafiar a visdo cartesiana de que a habilidade para fazer uso de signos lingiiisticos para expressar pensamentos formados livremente marque “a verdadeira disting%o entre o homem e o animal” ou a mdquina, quer entendamos por “m4quina” os aut6matos que fascinaram imaginacdes nos séculos 17 € 18, quer os que estdo estimulando o pensamento ¢ a imaginagio em nossos dias. Além de tudo isso, a faculdade da linguagem tem papel crucial em todos 08 aspectos da vida, do pensamento e da intera¢4o humana. Ela é em grande parte responsdvel pelo fato de que no mundo biolégico somente os seres humanos téma uma histéria, uma evolugao cultural e uma diversidade algo complexa ¢ rica, € também pelo sucesso bioldgico no sentido técnico de que a populacao humana é numerosa. spconfertacia proferida na UFRY (Universidade Federal do Rio de Jantiro) em 18 de fovembro de 1996. Promogiio do Departamento de Lingiifstica e da Pés-Graduagdo em Lingiiistica da Faculdade de Leas da UFRJ ¢ na UFPa (Universidade Federal do Pard) em 29 de novembro de 1996. Promogao do Musen Goeldi/CNPg e BASA (ransmitido 20 vivo pela TV Cultura) (Tradugio: Miriam Lemle). ___" Nossos agradecimentos 20 CNPq pelo apoio financeiro, 3 COPPE/UFRY por ter se Jjuntado ao Departamento de Lingiiisica na organizagdo das duas conferéncias que aconteceram. ‘na nossa UFRI, a varios colegas deste Departamento que investiram energias imeusas (em ‘modo muito especial, Carlota Rosa bem como Edione Trindade Azevedo e Lucinda Britto), a0 Diretor da Faculdade de Letras, Carlos Tannus, pela colaboragao inestimdvel. 50 D.E.LT.A., Vol. 13, N® Especiat, Um cientista de Marte observando as estranhas apdes aqui na Terra dificilmente deixaria de ficar impressionado com a emergéncia ea significagio dessa forma de organizacao intelectual aparentemente tinica, Mais natural ainda € que © tema, com seus muitos mistérios, tivesse estimulado a curiosidade daqueles que procuram compreender sua Prdpria natureza e seu lugar no conjunto maior das coisas do mundo. A linguagem humana est4 baseada numa propriedade elementar que parece também ela ser biologicamente isolada: a propriedade da infinitude discreta, que em sua forma mais pura é exibida pelos mimeros naturais 1, 2, 3,... AS criangas no apreendem esta propriedade; se a mente no possuisse ja de antemo os principios basicos, nao haveria quantidade de evidéncia capaz de prové-los. Do mesmo modo, nenkuma crianga precisa aprender que existem frases com trés palavras e frases com quatro palavras mas nao com trés palavras e meia, e que esse nimero pode ir aumentando sem ter fim; é sempre possivel construir uma frase mais complexa, com uma forma e um sentido definidos, Tal conhecimente nos chega necessariamente “origindrio da mio da natureza, ” nas palavras de David Hume, como parte da nossa dotagdo biolégica. Esta propriedade intrigou Galileu, que considerava a descoberta de um. meio de comunicar “nossos pensamentos mais secretos a outra pessoa com 24 diminutos caracteres” como a maior de todas as invengdes humanas. A invengdo destes caracteres é bern sucedida porque reflete a infinitude discreta da linguagem que é representada fazendo use deles. Poucos anos mais tarde, 9s autores da gramética de Port Royal ficaram impressionados com a “maravilhosa invengao” de um meio de construir a partir de umas poucas diizias de sons uma infinidade de expresses que nos tornam capazes de revelar a outras pessoas 0 que pensamos e imaginamos e sentimos —— em visdo contemporanea, ndo uma “invengao” mas nado menos maravilhoso como produto da evolugao biolégica, sobre a qual virtalmente nada se sabe, neste caso. A faculdade de linguagem pode razoavelmente ser considerada como “am 6rgio lingiiistico” no mesmo sentido em que na ciéncia se fala, como 6rgios do corpo, em sistema visual ou sistema imunoldgico ou sistema circulatério. Compreendido deste modo, um 6rgdo nao é alguma coisa que possa ser removida do corpo deixando intacto todo o resto. Um érgao é um ‘subsistema que é parte de uma estrutura mais complexa. Nos temos a esperanga de compreender a complexidade do todo em sua (Cuomsky 51 plenitude através da investigagao das partes que tém caracteristicas distintivas, e das interagdes entre elas. Do mesmo modo procede o estudo da faculdade de linguagem. Assumimos ainda que 0 6rgo da linguagem 6 como outros 6rgfos no sentido de que seu cardter fundamental é uma expresso dos gens. De que maneira se dé isto é uma pergunta que permanece sendo um projeto de investigagao a longo prazo, porém, por outros meios, podemos investigar 0 “estado inicial” geneticamente determinado. Evidentemente, cada lingua é 0 resultado da interagio de dois fatores: 0 estado inicial eo curso da experiéncia. Podemos conceber o estado inicial como um “mecanismo de aquisicao de linguagem” que recebe como dados de entrada (inpur) a experiéncia, e fomece como saida (ouput) a lingua — saida esta que constitui um objeto internamente. representado na mente/cérebro. Tanto a entrada quanto a saida esto nossa disposig&o para serem examinadas: podemos estudar o transcorrer da experiénciae podemos esmdar as propriedades das linguas que sto adquiridas. © que aprendemos assim fazendo pode nos dizer muita coisa a respeito do estado inicial, intermediério entre a entrada dos dados e a lingua pronta. Mais ainda, h4 muita razZo para crer que o estado inicial € comum no Ambito da espécie: se meus filhos tivessem sido criados em Tokyo, eles falariam japonés, tal como todas as criancas de 14 Isto significa que evidéncias da lingua japonesa tém aporte direto sobre assungées feitas com respeito ao estado inicial para o inglés. Por estes caminbos, € poss{vel estabelecer condigdes empiticas fortes a serem satisfeitas pela teoria do estado inicial, e também € possivel propor varios problemas para a biologia da linguagem: De que modo os genes determinam o estado inicial, e quais s4o os mecanismos envolvidos nesse estado inicial do cérebro ¢ nos estados que ele assume muais tarde? Estes so problemas muito drduos, até para sistemas muito mais simples que permitem a experimentacao direta, mas mesmo assim € possivel que alguns estejam dentro do alcance das fronteiras da investigacao. Para poder prosseguir, deveriamos colocar com maior clareza 0 que entendemos por “uma lingua”. Tem havido muita contovérsia apaixonada a respeito da resposta correta para esta pergunta, ¢, de maneira mais geral, para a perguata sobre como deveriam ser estudadas as linguas. A controvérsia no tem razdo de ser, porque a resposta correta nao existe. Se tivermos interesse em compreender como se comunicam as abelhas, tentaremos aprender algo sobre a natureza interaa das abelhas, suas organizagdes sociais, ¢ seu meio ambiente fisico. Estas abordagens nio so conflitantes; so reciprocamente comprovantes. O mesmo se d4 com o estudo da linguagem humana: pode ser 52 D.EL.TA., Vol. 13, N° Espectat investigado de um ponto de vista bioldgico, e de intimeros outros: 0 sdcio- lingliistico, o de lingua e cultura, o hist6rico ¢ assim por diante. Cada uma dessas abordagens define o objeto de sua investigago sob a luz. de seus proprios interesses; ¢, se for racional, cada uma tentard aprender o que puder do que vem das outras abordagens. Por que razio estas siio matérias que despertam muita paixdo no estudo dos seres humanos seja talvez uma pergunia interessante, mas por ora vou pé-la de lado. A abordagem que estive delineando se interessa pela faculdade de linguagem: seu estado inicial, e os estados que ela assume. Suponha que o Grgao de linguagem de Pedro se encontra no estado L. Podemos conceber L como a “lingua internalizada” de Pedro. Quando aqui falo de uma lingua, isto €o que tenho em mente. Compreendida assim, uma lingua ¢ algo como “nosso modo de falar e de compreender”, uma concepgdo de linguagem que tem tradicdio. Adaptando um termo tradicional a um novo arcabougo, chamamos a teoria da lingua de Pedro de “gramdtica” da sua lingua. A lingua de Pedro determina um conjunto de express6es infinito, cada uma com seu som e sua significagao. Em terminologia técnica, a Ifngua de Pedro “gera” as expressdes da sua lingua. Por isso, a teoria da lingua dele é chamada de gramatica gerativa. Cada expressao é um pacote de propriedades, que proporcionam “instrugdes” aos sistemas de desempenho de Pedro: sew aparelho articulatério, seus modos de organizar seus pensamentos, e assim por diante. Com sua lingua e seus sistemas de desempenho associados devidamente instalados, Pedro possui um vasto acervo de conhecimenio sobre o som ¢ 0 sentido de expressdes, & uma capacidade correspondente de para interpretar aquilo que ouve, expressar seus pensamentos e utilizar a sua lingua de outras varias formas. A gramitica gerativa teve origem no contexto do que muitas vezes é chamado de “a revolucao cognitiva” dos anos 50, ¢ foi um fator importante no desenvolvimento dela. Seja ou nao apropriado o termo “revolugao”, aconteceu_ uma mudanga de perspectiva importante: do estudo do comportamento e seus “produtos “ ( textos, por exemple) para os mecanismos intemos que entram Mm jogo no pensamento € na agao. A perspectiva cognitiva considera o comportamento e seus produtos no como © préprio objeto da investiga¢ao mas como dados que podem proporcionar evidéncias sobre os mecanismos interiores da mente e sobre as formas com que esses mecanismos operam ao executar ag6es ¢ interpretar CHOMSKY 53 experiéncia. As propriedades e padrdes que eram o foco de atengao na lingtiistica estrutural tém seu lugar nesta abordagem, mas como fenémenos a serem explicados, juntamente com muitos outros, em termos dos mecanismos internos que geram expressdes. E uma abordagem “mentalista”, mas mentalista num sentido que deveria ser nao controvertido. Ela se importa com “aspectos mentais do mundo”, que ficam lado a lado com os aspectos mec4nicos, quimicos, 6ticos ¢ outros. Ela se propée a estudar um objeto real no mundo natural — 0 cérebro, seus estados e fungdes — e assim levar 0 estudo da ‘Mente para uma eventual integragao com as ciéncias biolégicas. A “Tevolugo cognitiva” renovou e deu forma novaa muitos dos insights, realizagGes e divagacbes do que poderfamos chamar de “a primeira revolugdo cognitiva” dos séculos 17 e 18, que foi parte da revolucdo cientifica que modificou tao radicalmente nosso entendimento do mundo. Foi visto naquela época que a linguagem envolve “o uso infinito de meios finitos”, na expresso de von Humboldt, porém s6 foi possivel desenvolver esse insight de maneira muito limitada, porque as idéias bdsicas permaneciam vagas e obscuras. Nos meados do século 20, os avancos nas ciéncias formais haviam fornecido conceitos apropriados em forma bem precisa e clara, tomando Possivel dar conta com precisao dos principios computacionais que geram as expressdes de uma lingua e capturar com isso, a0 menos em parte, aidéia do “uso infinite de meios finit "”. Outros avangos também abriram caminho para a investigacao de questées tradicionais com mais esperanca de sucesso. Oestudo da mudanca lingiiistica havia registrado realizagdes muito importantes. A lingiiistica antropoldgica trazia uma compreensio muito mais rica da naturezae variedade das linguas, também minando numerosos esteredtipos. E certos t6picos, especialmente o estudo dos sistemas fonoldgicos, tinham dado um bom avango dentro da lingifstica estrutural do século 20, Os primeiros esforgos para colocar em prética o programa da gramética gerativa reyelou sem demora que mesmo nas linguas mais bem estudadas Propriedades elementares haviam passado sem reconhecimento explicito, e que as gramiticas ¢ dicionérios tradicionais mais abrangentes apenas tocar a superficie. As propriedades bésicas das Iinguas sio invariavelmente pressupostas, passam sem reconhecimento e nao vém expressas. Fazer isso é perfeitamente apropriado se o objetivo ¢ ajudar pessoas a aprender uma segunda lingua, a descobrir qual € 0 sentido convencionado e a pronincia de palavras, ou a ter uma idéia geral de como diferem as linguas. Porém se nossa meta € 54 DEL.T.A,, Vol. 13, N® Especia. compreender a faculdade de linguagem e os estados que ela assume, nio podemos pressupor tacitamente “a inteligéncia do leitor”. Antes, &este 0 objeto da pesquisa. © estudo da aquisicao de iingua leva & mesma conclusdo. Um olhar cuidadoso sobre a interpretagdo de expressdes revela bem rapidamente que desde os primeiros estdgios a crianga sabe muito mais do que the foi fornecido pela experiéncia, Isto é uma verdade até mesmo para palavras simples. Nos momentos de pico do crescimento da lingua, uma crianga esté adquirindo palavras numa velocidade aproximada de uma por hora, com exposi¢ao extremamente limitada e em condigdes grandemente ambiguas. As palavras sdo compreendidas de modos sutis ¢ intricados que vo muito além do alcance de qualquer diciondrio, ¢ que estéo apenas comecando a ser investigados. Quando vamos além das palavras isoladas, a conclusdo se toma ainda mais dramética. A aquisicao de lingua é bem semelhante ao crescimento de drgiios de maneira geral; é uma coisa que acontece com a crianga, e nao uma coisa que ela faz. E embora basicamente o meio-ambiente importe, o curso geral do desenvolvimento e os tragos essenciais daquilo que emerge s&o pre- determinados pelo estado inicial. Mas o estado inicial é uma posse comum a todos os homens. E necessério, ento, admitir que em suas propriedades essenciais e mesmo até o minimo detalhe as linguas s4o moldadas na mesma f6rma. O cientista de Marte poderia arrazoadamente concluir que existe uma 86 ifngua humana, com diferencas apenas pelas margens. Na pritica de nossa vida, o que importa so as pequenas diferencas, ¢ nao as semelhangas abrangentes, que nés inconscientemente tomamos como certas. Mas se desejamos compreender que tipo de criatura somos, devemos adotar uma postura bem diferente, basicamente a de um Marciano estudando seres bumanos. Este 6, de fato, o ponto de vista que adotamos quando estudamos outros organismos, ou os prdprios seres humanos afora os aspectos mentais ——humanos “do pescogo para baixo”, metaforicamente falando. Binteiramente razodvel estudar da mesma maneira o que fica do pescogo para cima. A medida que muitas inguas foram investigadas com cuidado a partir do ponto de vista da gramatica gerativa, ficou claro que tinham sido xadicalmente sub-estimados, em igual medida, sua diversidade, sua complexidade e o gran em que s&o determinadas pelo estado inicial da faculdade de linguagem. Ao mesmo tempo, sabemos que a diversidade e complexidade nao podem ser mais que mera aparéncia superficial. Cromsky 55 colocam de forma contundente aquele que veio a se tornar o problema central do estudo modemo da linguagem: Como podemos mostrar que todas as linguas s&0 variagGes sobre um mesmo tema, e também, ao mesmo tempo, registrar fielmente suas propriedades intricadas de som e sentido, superficialmente diversas? Uma teoria genuina da linguagem humana precisa satisfazer duas condigdes: “adequagdo descritiva” e “adequacio explicativa”. A gramdtica de uma lingua particular satisfaz a condigo de adequaco descritiva na medida em que oferece uma descrigéo completa e minuciosa das propriedades da lingua, ou seja, daquilo que o falante dessa Iingua sabe. Para satisfazer as condigGes de adequacao explicativa, uma teoria de lingua deve mostrar como cada lingua particular pode ser derivada de um estado inicial uniforme sob as “condigSes-limite” impostas pela experiéncia. Deste modo, ela fornece explicagao para as propriedades das linguas em um nivel mais profundo. HA considerdvel tensdo entre estas duas tarefas da pesquisa. A busca da agequagao descritiva parece conduzir & crescente complexidade e variedade dos sistemas de regras, enquanto a busca da adequacao explicativa requer que a estrutura das Iinguas seja invariante, exceto nas partes marginais. Foi esta tens&o que em grande parte deu a guia para a pesquisa. A maneira natural de resolver a tensdo € desafiar a idéia que a tradicdo assumia e que foi tomada pela gramética gerativa na sua fase inicial, de que uma lingua & um sistema complexo de regras, ¢ cada regra € especifica de linguas particulares ¢ construgdes gramaticais particulares: regras para formar oragées relativas em. hindi, sintagrnas verbais em banto, passivas em japonés, ¢ assim por diante. Considerando a adequagao explicativa, tem-se a indicago de que isto ndo pode estar certo. O problema central era encontrar propriedades gerais de sistemas de Tegras que pudessem ser atribuidas 4 prépria faculdade de linguagem, na esperanga de que o residuo viesse a se mostrar mais simples e uniforme, Cerca de 15 anos atrés, estes esforcos se cristalizaram numa abordagem 4 linguagem que foi um afastamento muito mais radical em relago a tadigao do que havia sido a gramatica gerativa da primeira fase. Esta abordagem, que veio a ser chamada de “Principios ¢ Parametros”, rejeitou por completo 0 Conceito de regra e de construgao gramatical: no hé regras para a formagao de oragées relativas em hindi, sintagmas verbais em banto, passivas em japonés, © assim por diante. As construgdes gramaticais familiares s%io tomadas como artefatos taxion6micos apenas, talvez.titeis para a descrigdo informal, porém 56 DELTA. Vol. 13, N° Espectat destituidas de valor te6rico, Elas tém um status de algum modo semelhante ao de “ mamiffero terrestre” ou “bichinho de estimagdo”. E as regras siio decompostas em principios gerais da faculdade de tinguagem, que interagem tendo como resultado as propriedades das expressdes. Podemos comparar 0 estado inicial da faculdade de linguagem com uma fiagao fixa conectada a uma caixa de interruptores; a fiagdo so os principios da linguagem, e os interruptores so as opgSes a serem determinadas pela experiéncia. Quando os interruptores esto posicionados de um modo, temos ‘0 banto; quando esto posicionados de outro modo, temos © japonés. Cada uma das linguas humanas possiveis é identificada como uma colocagao Particular das tomadas —uma fixagdo de parmetros, em terminologia técnica. ‘Se o programa de pesquisa der certo, deveriamos poder literalmente deduzir 0 banto de uma escolha dos posicionamentos, o japonés de outra e assim por diante em todas as linguas que os seres humanos podem adquirir. As condigdes empiricas em que se dé a aquisicdo de lingua requerem que os interruptores sejam posicionados com base na informagiio muito limitada que esté disponivel para a crianga. Notem que pequenas mudangas em posicionamento de interruptores podem conduzir a grande variedade aparente em termos de output, pela proliferacao dos efeitos pelo sistema. Estas so as propriedades gerais da linguagem que qualquer teoria genuina precisa captar de algum modo. Bvidentemente, este € um programa, e no ainda um produto pronto. As conclusées que tentativamente alcangamos nao sobreviverio em sua forma atual, provavelmente; e € desnecessério dizer que nao se pode garantir que toda a abordagem estejano caminho certo. Como programa de pesquisa, porém, tem sido muito bem sucedido, conduzindo a uma verdadeira explosdo de pesquisa empirica em linguas de um amplo leque tipolégico, a novas perguntas que nunca poderiam ter sido sequer colocadas antes, ¢ a muitas respostas intrigantes. Questdes de aquisicao, processamento, patologia, e outras também tomaram novas formas, que se provaram também muito produtivas. Além disso tudo, seja o seu destino qual for, o programa sugere como a teoria da linguagem poderia satisfazer as condigdes conflitantes de adequacdo descritiva © explicativa. Ele d4 pelo menos um esquema de uma teoria da linguagem genuina, realmente pela primeira vez. Neste programa de pesquisa, a tarefa principal ¢ descobrir e esclarecer 8 principios e parametros e a forma de sua interagao, e estender 0 arcabouco para incluir outros aspectos da lingua e seu uso. Enquanto ainda hd uma grande Grea obscura, houve progresso bastante para ao menos considerar, ¢ talvez CHomsky 37 deseavolver, algumas questdes novas e de maior alcance sobre o design da linguagem. Em particular, podemos indagar em que medida 0 design é bom. Em que medida a linguagem se aproxima do que um super-engenheiro construiria, dadas as condigGes que a faculdade de linguagem precisa satisfazer? As perguntas necessitam ser agugadas, e h4 meios para seguir adiante. A faculdade da linguagem se encaixa dentro da arquitetura maior da mente/ cérebro. Ela interage com outros sistemas, que impéem condigdes que a linguagem deve satisfazer se for para ser de todo usdvel. Estas poderiam ser pensadas como “condigées de legibilidade”, no sentido que outros sistemas precisam ser capazes de “ler” as expressdes da lingua e delas fazer uso para o pensamento € a acd. Os sistemas sensGrio -motores, por exemplo, precisam ser capazes de ler as instrugdes que tém a ver com som, as “representagdes fonéticas” geradas pela lingua. O aparelho articulat6rio e o perceptual tm um design especifico que lhes permite interpretar certas propriedades fonéticas, ¢ nao outras, Estes sistemas, portanto, impdem condigdes de legibilidade aos Procedimentos gerativos da faculdade lingiiistica, que precisam oferecer expresses com forma fonética apropriada. A mesma coisa se d4 com os sistemas conceptuais ¢ outros sistemas que fazem uso dos recursos da faculdade lingilistica: eles tém suas propriedades intrinsecas, que exigem que as expresses geradas pela lingua tenham “representagdes semAnticas” de certo tipo, e no de outro tipo. Conseqiientemente, podemos ‘perguntar até que ponto a linguagem é uma “boa solucdo” para as condigdes de legibilidade impostas Pelos sistemas externos com os quais ela interage. Até bem recentemente, esta questo nao poderia ser colocada de forma séria, e nem mesmo formulada de forma sensata. Agora isto parece ser possivel, ehé até mesmo indicagdes de que a faculdade lingtifstica possa ser préxima do “perfeito” neste sentido, uma conclusdo, que se for verdadeira é surpreendente. Aquilo que veio a ser chamado de “programa minimalista” é um esforgo para explorar estas questdes. E codo demais para oferecer um jufzo seguro sobre 0 projeto, Segundo meu juizo pessoal, as perguntas podem atualmente scr agendadas de maneira proveitosa, ¢ os primeiros resultados so promissores. Eu gostaria de dizer algumas palavras sobre as idéias e as expectativas do programa, e voltar em seguida para alguns problemas que continuam na distancia do horizonte. O programa minimalista requer que reanalisemos de forma Critica 0 que convencionalmente se assume. A mais venerdvel dentre estas assungées é que a lingua possui som e significado. Em termos correntes, isto se traduz de 58 DELT.A., Vol. 13, N° Especia, modo natural na tese de que a faculdade de linguagem coloca em fungao outros sistemas da mente/cérebro em dois “niveis de interface”, um relacionado 40 som, 0 outro ao sentido. Uma expressao qualquer gerada pela lingua contém uma representacao fonética que pode ser lida pelos sistemas sensério-motores, © uma representagdo seméntica que é legivel para sistemas conceptuais e outros sistemas de pensamento e agiio. Se isto estiver correto, cabe-nos perguntar em seguida onde exatamente a interface se localiza, Do lado do som, € preciso determinar em que medida, se for este 0 caso, os sistemas sens6rio-motores tém especializacao para linguagem, sendo neste caso internos & faculdade de linguagem; uma boa dose de discordncia cerca 0 assunto. Do lado do sentido, as perguntas se dirigem &relagdo entre a faculdade de linguagem e outros sistemas cognitivos a relagio entre a linguagem e 0 pensamento. Do lado de som, as questdes tém sido estudadas de modo intensivo com tecnologia sofisticada por meio século, mas os problemas sao 4rduos, e a compreensio continua sendo limitada. Do lado do sentido, as perguntas sio muito mais obscuras. Sabe-se muito tends a respéito dos sistemas externos a linguagem; da evidéncia que se tem sobre eles, grande parte é vinculada a linguagem de maneira tio intima que fica reconhecidamente dificil determinar quando ela tem a ver com linguagem € quando com outros sistemas (na medida em que a distingdo existe) . E a investigacao direta de tipo semelhante & que se pode fazer com os sistemas sens6rio-motores ainda engatinba. Ainda assim, existe uma imensa quantidade de dados sobre como se empregam e se compreendem expressSes em determinadas circunsténcias, o suficiente para permitir que a semAntica das Jinguas naturais seja uma das dreas de maior vivacidade no estudo da linguagem, © 0 Suficiente para que possamos fazer pelo menos algumas conjeturas plausiveis sobre a natureza do nivel de interface e sobre as condigdes de legibilidade que ele precisa satisfazer. Assumindo tentativamente alguma coisa sobre a interface, podemos prosseguir para perguntas subseqientes. Perguntamos que proporcdo daquilo que estamos atribuindo a faculdade de linguagem é motivada realmente por evidéncia empirica, e que proporcdo é uma espécie de tecnologia, adotada com 0 intuito de apresentar os dados de maneira conveniente porém encobrindo falhas de compreensdo. Com certa freqiiéncia, relatos oferecidos em trabalhos técnicos demonstram-se ao exame como sendo da mesma ordem de comiplexidade que aquilo que se esté querendo explicar, e envolvem assungdes que nfo tém, independentemente, muito boa fundamentagao. Isto nao constitui por si s6 um problema, contanto que nao fiquemos desorientados pensando CHOMSKY 59 que descrigdes teis e informativas, que podem servir de degrau para 0 prosseguimento da investigagao, sejam mais do que exatamente isto. Questdes como estas so sempre apropriadas em principio, mas freqiientemente na atividade pratica é intitil colocd-las; podem ser prematuras, por ser o entendimento simplesmente demasiado limitado. Mesmo nas ciéncias exatas, e de fato até na matemidtica, questdes desta natureza foram postas muitas vezes de lado. Mas as questdes sdo reais, apesar de tudo, e se tivéssemos em mos um conceito mais plausivel do cardter geral da linguagem, poderia talvez valer a pena exploré-las. ‘Voltemo-nos para a questo da optimalidade do design da lingua: Que medida de exceléncia tem a linguagem como solugdo para as condigdes gerais impostas pela arquitetura da mente/cérebro? Esta também poderia ser uma pergunta prematura, mas ao contrario do problema de distinguir entre assungdes feitas com base em princfpios e tecnologia descritiva, esta poderia ser uma pergunta sem qualquer resposta. Nao hd razao forte para acreditarmos que um sistema biolégico devesse possuir um design excelente no sentido estrito da expressdo. Na medida em que essa exceléncia existe, causa-nos surpresa essa conclusao, que é portanto uma conclusio interessante, talvez mais um aspecto curioso da faculdade de linguagem, que a coloca muito a parte no universo bioldgico. Apesar da aparente implausibilidade inicial, vamos assumir tentativamente que ambas estas perguntas sejam apropriadas, na pratica também em principio. Procedemos agora sujeitando principios lingiifsticos anteriormente postulados a uma reandlise critica para verificar se eles encontram justificativa empirica quando pensamos em termos de condigdes de Jegibitidade. Farei mengZo de uns poucos exemplos, desculpando-me de antemo por fazer uso de alguma terminologia técnica, que tentarei restringir ao minimo, mas que nao disponho aqui de tempo para explicar de alguma maneira satisfatéria. - A primeira pergunta é se existem outros niveis além dos niveis das interfaces: h4 niveis no interior da lingua e, especificamente, os niveis de estrutura profunda e estrutura de superficie, conforme postulados em trabalho dos iltimos anos? O programa minimalista tenta mostrar que todos os fatos que vieram sendo tratados em termos destes niveis foram descritos mal, ¢ podem ser iguaimente bem ou melhor compreendidos em termos de condigdes de Jegibilidade na interface: para os leitores que conhecem a literatura técnica, 60 DELTA, Vol. 13, N® Espectat Oque est sendo posto em questo € 0 principio de projeciio, a teoria da ligacao, a teoria do caso, a condicao de formagao de cadeia, e assim por diante. ‘Tentamos também mostrar que as tnicas operac&es computacionais sao as que ndo se podem evitar se forem acatadas as assungées mais fracas a respeito das propriedades das interfaces. Uma assun¢ao da qual ninguém pode escapar € a de que existem unidades do tipo palavra: os sistemas exteriores precisam ser capazes de interpretar elementos como “Pedro” e “alto”. Outra assungao € que estes elementos ficam organizados em expressGes maiores, como em “Pedro € alto”. Ainda outra € a de que estes elementos possuer propriedades de som e de significado: A palavra “Pedro” comeca com oclusio labial e é empregada para fazer referéncia a pessoas. A lingua envolve, portanto, tres espécies de elementos: as propriedades de som e significado, denominadas “tagos”; os elementos que sdo montados a partir dessas propriedades, denominados “unidades lexicais”, e as expressdes complexas construidas a partir dessas unidades “atomicas”. Disto se segue que o sistema computacional que gera expressdes possui duas operagGes basicas: uma ajunta tragos montando itens lexicais, ¢ a segunda, comegande com os itens lexicais, compde objetos sintdticos maiores a partir dos j4 construfdos. Podemos pensar no produto que resulta da primeira operac3o de montagem como sendo essencialmente uma lista de elementos Jexicais. Em termos tradicionais, esta lista, chamada “léxico”, € a lista das “excegdes”, associagées arbitrarias de som ¢ sentido e escolhas particulares entre as Propriedades flexionais postas a disposi¢ao pela faculdade lingiiistica, que determinam como indicamos que nomes ¢ verbos recebem plural ou singular, determinam que caso nominativo ou acusativo sdo marcas que recaem sobre nomes, ¢ assim por diante. Estes tragos flexionais exercerdio um papel central nia Computacao. ‘Num design com a propriedade da otimidade, no haveria introdugdio de Novos tragos no curso da computa¢iic. Nao deveria haver nem indices, nem unidades frasais, nem niveis de barra (portanto, nem regras de estrutura de frase, nem teoria X-barra). Também tentamos mostrar que se pode prescindir de invocar relagdes estruturais além daquelas exigidas por condigdes de legibilidade ou induzidas de alguma maneira natural pela propria computacio. Na primeira categoria entram propriedades como a adjacéncia no nivel fonético, € estrutura argumental e relagdes quantificador-variavel no nivel semantico. Na segunda categoria , temos relagdes muito locais entre tragos, e relagdes elementares entre dois objetos sintaticos associados no curso da computagaio: Cxomsky 61 arelaco que vige entre um objeto sintitico e partes de um outro é a relagZo de ¢-comando, conforme apontado por Samuel Epstein, uma nogo cujo papel central se irradia por todo o design da lingua e que havia sido considerada grandemente nao-natural, embora dentro desta perspectiva encontre seu lugar de maneira natural. Porém excluimos a regéncia, relagdes de ligacao no interior da derivacdo de expressdes, e uma variedade de outras relagSes ¢ interagdes. Como sabe quem esté a par de trabalho recente, ha vasta evidéncia empirica para sustentar a conclusdo oposta em toda a linha. E pior ainda, uma assuncao central do trabalho feito dentro do quadro de princfpios-e-parametros, com seus sucessos dignos de nota, € que tudo isto que acabo de expor é falso ~ que a lingua é altamente “imperfeita” nas relagdes acima, como bem seria de se esperar. Assim, nao € pequena a tarefa de mostrar que tal aparato pode ser eliminado por ser uma tecnologia descritiva indesejavel; ou mais ainda, que o poder de descricdo e explicagio se ampliam se for eliminado este excesso de peso. Nao obstante, penso que o trabalho destes tiltimos anos sugere que tais conclusdes, que pareciam fora de cogitago uns pouces anos atrds, so pelo menos plausiveis, ¢ com boas possibilidades de estarem corretas. As linguas diferem umas das outras, pura e simplesmente, e gostarfamos de saber de que maneiras diferem. ‘Uma é a escotha dos sons, que variam no interior de um determinado leque. Outra é a associagao de som e sentido, essencialmente arbitrdria. Estas possibilidades de diferenga entre linguas so faceis de ver, e no precisamos nos deter nelas. Mais interessante € 0 fato de que as linguas diferem nos sistemas flexionais: sistemas de caso, por exemplo. ‘Verificamos que estes so muito ricos em latim, ainda mais ticos em sinscrito ou finiandés, mas minimos em inglés, ¢ totalmente invisiveis em chinés. Ou assim parece; consideragées de adequacao explanatéria sugerem que também aqui as aparéncias podem ser enganosas, € de fato trabalho recente indica que esses sistemas variam muito menos do que parece quando se olha para as formas superficiais. O chinés e o inglés, por exemplo, podem ter 0 mesmo sistema de caso que o latim, mas diferir to somente na sua realizagio fonética, Além disso, parece que muita coisa da variabilidade das linguas pode ser reduzida a propriedades dos sistemas flexionais. Se isto for correto, entio a Possibilidade de variagiio entre as linguas esté localizada numa parte diminuta do léxico. As condigées de legibilidade repartem os tragos que se associam na montagem de itens lexicais em trés grupos: 62 DELTA, Vol. 13, N* Especiay (1) tragos semanticos, interpretados na interface semAntica (2) tragos fonéticos, interpretados na interface fonética (3) tragos que no recebem interpretagdio em nenhuma das duas interfaces Independentemente, os tragos se subdividem em “tracos formais” que S40 usados pelas operagies sintaticas e outros que essas operagSes nao usam. ‘Um principio natural que restringiria fortemente a variagdo das linguas € que apenas as propriedades flexionais sejam tracos formais. Isto parece correto, € um assunto importamte que deverei deixar de lado. Em uma lingua de design perfeito, cada traco deveria set seméntico ou fonético, endo meramente um mecanismo destinado a criar uma posigao ou facilitar a computagSo. Se & assim, entc tragos formais nao interpretdveis nao existem. Esta exigéncia é, ao que parece, excessivamente forte. Prototipicos tragos formais, como 0 caso estrutural —- 0 nominativo e 0 acusativo do latim, por exemplo — nao tém nenhuma interpretagdo na interface semAntica e nfo Sao necessariamente expressos no nivel fonético. Portanto, podemos propor uma exigéncia mais fraca que se aproxima do design Gtimo: cada trago ou & interpretado na interface semantica ou € acessivel ao componente da gramatica que dé forma fonética a um objeto sintético, o componente fonoldgico, que pode fazer uso (e algumas vezes faz) dos tragos em questo para determinar a Tepresentacao fonética, Vamos assumir que é esta condig&io mais fraca que ata. Na computagao sintética, parece existir uma segunda imperfeicao, mais dramitica, no design da lingua, ou ao menos uma aparente imperfeicfo: a “propriedade de deslocamento”, que é um aspecto pervasivo da lingua: unidades sintéticas sto interpretadas como se encontrassem numa posi¢o diferente daquela em que de fato se encontram na expressio, sendo esta uma posigao em que elementos semelhantes as vezes sZo encontrados, e interpretados em termos de relagGes locais naturais. Tomem a sentenca “Clinton parece ter sido eleito”. Nosso entendimento da relacZo entre “eleger” e “Clinton” € idéntico ao que temos quando estes dois termos esto localmente relacionados como na sentenga “Parece que elegeram Clinton”: na terminologia tradicional da gramética, “Clinton” € o objeto direto de “elegeram” , embora “deslocado” para a posi¢ao de sujeito de “parece” : 0 sujeito e o verbo concordam em tragos flexionais neste caso, mas nao tém relagdo semantica alguma; a relacao sem4ntica do sujeito da frase € a que se d4 com o longinquo verbo “eleger”. Cromsky 63 ‘Temos agora duas “imperfeigdes”: tragos formais nao interpretaveis, ea propriedade de destocamento, Se assumimos que o design ¢ Stimo, deveriamos esperar que as duas imperfeigdes tivessem alguma relagao, e parece mesmo que isto é verdade: tragos formais ndo interpretdveis sZio os mecanismos que implementam a propriedade de deslocamento. A propriedade de deslocamento nunca é utilizada nos sistemas simbélicos. que sao intencionalmente desenhados com vistas a propésitos especiais, denominados em uso metaférico “linguagens” ou “linguagens formais”: “< a linguagem da aritmética”, ou “linguagem para computador” ov “as linguagens daciéncia”. Estes sistemas também nao possuem sistemas flexionais, e portanto nao possuem tracos formais nao interpretados. O deslocamento e a flexio sio propriedades especiais das linguas humanas, entre as muitas que stio postas de lado no design de sistemas simbilicos para outras finalidades, quando se pode prescindir das condigdes de legibilidade impostas & linguagem humana natural pela arquitetura da mente/cérebro. A propriedade de deslocamento da linguagem humana pode ser expressa na descrico em termos de transformacdes gramaticais ou mediante qualquer outro mecanismo, mas de alguma forma essa propriedade € sempre expressa. Por que razdo teriam as linguas a propriedade do deslocamento € uma pergunta interessante, que tem sido discutida por quase 40 anos, sem que se encontrasse uma boa resposta. Suspeito que uma parte da sua razo de ser tem algo a ver com fendmenos que tém sido descritos em termos de interpretagdo de estrutura de superficie, muitos deles familiares desde a gramética tradicional: t6pico-comentério, especificidade, informagao nova e informagio velha, o sentido agentivo que existe mesmo em posic&o resultante de deslocamento, e assim por diante. Se isto est certo, entdo, a propriedade de deslocamento é realmente provocada Por condigdes de legibilidade: sua motivagao esté em exigéncias interpretativas que so externamente. impostas por nossos sistemas de pensamento, que Possuem estas propriedades especiais, ao que indica o estado do uso da lingua. Ha em curso atualmente interessantes investigagdes destas questées, porém, ‘neste momento no posso delongar-me nisto. Desde os trabalhos iniciais, assumiu-se na gramética gerativa que a computacao é composta de operagdes de duas espécies: regras de estrutura de frase que formam objetos sintéticos maiores a partir de itens do Iéxico, eregras transformacionais que expressam a propriedade de deslocamento. Embora os 64 DELTA., Vol. 13, N° Especta, Primérdios do tratamento de ambas as operagbes se possam encontrar desde 08 estudos gramaticais tradicionais, em pouco tempo de trabalho pudemos verificar que elas so substancialmente diferentes do que anteriormente se supunha, por apresentarem graus inesperados de variedade e complexidade. © programa de pesquisa tentou mostrar que a compiexidade ¢ variedade sto apenas aparentes, ¢ que os dois tipos de regras podem ser reduzidos a uma forma mais simples. Uma solugao “perfeita” para o problema da variedade das regras de estrutura de frase seria climinar totalmente essas regras em favor da operagao irredutivel que toma dois objetos jd formados e junta um ao outro formando um objeto maior dotado exatamente das propriedades do alvo da Juno: a operagao que podemos chamar de juagao (merge ). Esse objetivo pode muito bem ser atingivel, é o que trabalho recente indica. O procedimento computacional 6timo, ento, consiste da operagdo. juntar © operagSes destinadas a construir a propriedade do deslocamento: transformacionais ou alguma contraparte delas. O segundo dos dois empreendimentos paralelos tentava reduzir 0 componente transformacional 4 forma mais simples, embora, a diferenca das regras de estrutura de frase, este componente a&o parece poder ser eliminado. O resultado final foi a tese de que para um conjunto nuclear de fenémenos existe uma tinica operago Mover — basicamente, mover qualquer coisa para qualquer posicJo—, que nZo tem Propriedades especificas em uma dada lingua ou uma construcSo particular. Como a operacao se aplica é uma decorréncia de principios gerais que interagem com escolhas paramétricas especificas — posicionamentos de interruptores — que determinam uma lingua particular. A operacio Juntar toma dois objetos distintos X e Y e junta Y a X. A operaglo Mover toma um nico objeto X e um objeto Y que é uma parte de X, e junta Y a X. O objeto que € formado desta maneira inclu o que se chama de CADELA, que consiste de duas ocorréncias de Y; a ocorréncia na posicao inicial é chamada de VESTIGIO ( ing. trace ). O problema seguinte é mostrar que de fato os tragos formais nao interpretdveis sio 0 mecanismo que implementa a propriedade do deslocamento, de modo que as duas imperfeigdes basicas do sistema computacional ficam reduzidas a uma. E se vier a se mostrar verdadeiro que a propriedade do deslocamento tem como motivago condigdes de legibilidade impostas por sistemas externos de pensamento, conforme acabo de sugerir, entao as imperfeigdes acabam por ficar completamente eliminadas e o design da lingua se mostra, ao final das contas, étimo: tragos formais nao interpretados s&o necessaries como um mecanismo que satisfaz a condigao de legibilidade Cuomsxy 65 imposta pela arquitetura geral da mente/cérebro. Esta unificagac pode ser feita de maneira bastante simples, mas para explic4-la coerentemente deveriamos transpor os limites deste espaco. A idéia intuitiva bdsica é a de que tracos formais nao interpretaveis precisam ser apagados para satisfazer as condigdes da interface, e o apagamento requer uma relacao local entre o trago indesejado e um outro traco combinado que possa apagar o primeiro. A situagao tipica é a de que estes dois tracos esto afastados um do outro, devido 4 maneira pela qual a interpretag4o semantica procede. Por exemplo, na sentenca “Clinton parece ter sido eleito”, a interpretacdo semantica Tequer que “eleito” e “Clinton” estejam relacionados de modo local na frase “eleito Clinton” para que a construc&o possa ser interpretada de maneira apropriada, como sea sentenca fosse realmente “parece ter sido eleito Clinton”. O verbo principal da sentenga, “parece”, possui tragos flexionais nao- interpretaveis: est4 na forma /singular/, /terceira pessoa/, /masculino/, propriedades que nada de independente acrescentam ao sentido da sentenca, uma vez que j4 se encontram expressas no sintagma nominal com o qual ha acordo, sendo nao-elimindveis neste. Estes tragos ofensores de “parece” precisam, pois, ser apagados numa relagiio local, operacdo que é uma versio explicita da categoria descritiva tradicional de “concordancia”. Para conseguir este resultado, os tragos coincidentes do sintagma concordante “Clinton” so atraidos pelos tragos ofensores do verbo principal “parece”, que so entio apagados por efeito do pareamemto no local onde ele se dé. Mas agora 0 sintagma, “Clinton”, est4 deslocado. ‘Observem que apenas os TRACOS de “Clinton” so atraidos; o sintagma inteiro se move por razées relacionadas ao sistema sens6rio-motor, por ser este incapaz de “pronunciar” ou “escutar” tracos isolados da frase A qual Pertencem. Porém se por alguma razAo o sistema sens¢rio-motor fica inativo, sobem apenas os tragos, e lado a lado de sentengas como “um candidato impopular parece ter sido eleito” , com deslocamento: explicito, temos sentengas da forma “parece ter sido cleito um candidato impopular”: aqui a frase Jonginqua “um candidato impopular” concorda com 0 verbo “parece”, o que significa que seus tragos foram atraidos ‘para uma relacao local com “parece”, mas deixaram atrés o restante da frase. A razSo & que o sistema sens6rio~ motor foi desativado neste caso, ao qual denominamos de “movimento encoberto”, um fendmeno com muitas propriedades interessantes. Em muitas Uinguas, como 0 espanhol, existem tais sentencas. O inglés as possui também, 66 D.E.L.T.A., Vol. 13, N® Espectan, embora, por outras razGes, seja necess4rio introduzir o elemento semanticamente vazio “there”, dando lugar & sentenca “there seems to have been elected an unpopular candidate” ; ¢ também, Por razSes muito interessantes, € necessdrio efetuar uma inversiio de ordem, de modo que o resultado é “there seems to have been an unpopular candidate elected”. Estas ‘Propriedades decorrem de escolhas especificas de parametros, que tém efeitos as linguas de um modo geral e que interagem dando lugar a uma rede bem complexa de fendmenos, distintos apenas na superficie. No caso que estamos considerando, tudo se reduz ao simples fato de que tragos formais nao interpretaveis precisam ser apagados numa relago local com um trace coincidente, produzindo a propriedade de deslocamento exigida para poder haver interpretago seméntica na interface. Combinando estas variadas idéias, algumas ainda um tanto especulativas, podemos descortinar tanto o que motiva quanto 0 que detona a propriedade do deslocamento. Observem que é preciso distinguir estas duas coisas. Um. embriologista que estude o desenvolvimento do olho poderd anotar o fato de que para que um organismo sobreviva pode ser de muita ajuda que as lentes contenham algo que as proteja de danos e algo que faga a refraglo da luz; e continuando a observar, descobriria que as proteinas do cristalino tém ambas as propriedades e parecem ser também componentes da lente do olho encontrados sempre, marcando presenga por caminhos de evolugio independentes. A primeira propriedade tem a ver com “motivaco” ou “design funcional”, a segunda com o fator detonante que provoca o design funcionat apropriado. Hé uma relacao indireta e importante entre estas duas coisas, mas seria um engano confundi-las. Assim, um bidlogo que aceite tudo isto no proporia a propriedade do design funcional como o préprio mecanismo do desenvolvimento embriolégico do olho. Por raciocinio semelhante, nao gostarfamos de confundir motivagdes funcionais para propriedades da linguagem humana com os mecanismos especificos que as implementam. Semelhantemente, ndo queremos fazer confusio entre o fato de que a propriedade de deslocamento € exigida por sistemas extemos em niveis de interface ¢ os mecanismos mesmos da operagao Awair ¢ seu reflexo. Hi uma boa poredo de coises apenas alinhavadas nesta breve descri¢ao. Preenchendo os claros se chegaa um quadro bastante interessante, com muitas Tamificagdes em linguas tipologicamente distintas. Contudo, nao é possivel prosseguir porque irfamnos além do escopo destas observagies. CHOMSKY 67 En gostaria de finalizar fazendo pelo menos uma breve referénciaa outras quest6es que dizem respeito a0 modo pelo qual o estudo internalista da linguagem se liga ao mundo exterior. Para facilitar, vamos nos ater a palavras simples. Suponhamos que “Livro” é uma palavra que existe no léxico de Pedro. A palavra é um complexo de propriedades, fonéticas e sem4nticas. Os sistemas sensGrio-motores usam as propriedades fonéticas para articulagio e percepoio, relacionando-as a eventos externos: movimentos de moléculas, por exemplo. Outros sistemas da mente usam as propriedades semanticas das palavras, quando Pedro fala sobre o mundo e quando interpreta 0 que outros falam. ‘Nao hé nenhuma contovérsia profunda sobre como proceder do lado dos sons, porém do lado da significacdo h4 muitos pontos de discérdia, ou pelo menos assim parece; no minimo alguns podem se desfazer se olhados mais de perto. Noto que estudos empiricamente orientados abordam: problemas de significagdo com a mesma postura com que abordam 0 estudo dos sons, como na fonética e fonologia. Procuram descobrir as propriedades semanticas de “livro”: que é nominal, nao verbal, empregado para referir-se a um artefato endo a uma substancia, como Agua, on a uma abstragdo, como satide, ¢ assim por diante. Alguém poderia indagar se estas propriedades so parte do significado da palavra “livro” ou do conceito associado A palavra; até onde chego a compreender, ndo hé boa maneira de fazer disting3o entre as duas Propostas, mas € possivel que algum dia se possa desencavar um dilema empiric. De uma forma ou de outra, alguns tracos do elemento lexical “iivro” que sdo internos a ele determinam modos de interpretagdio do tipo mencionado acima, Investigando o uso da lingua, descobrimos que a interpretagdo das palavras é feita em termos de fatores como: constituig¢do material, formato, uso caracteristico e pretendido, papel institucional, ¢ assim por diante. As coisas So identificadas e alocadas a categorias em termos de tal tipo de propriedade, que estou tomando como sendo 0s tragos semanticos, paralelamente aos tragos fonéticos que determina o seu som. ‘© uso da lingua pode atentar para esses tragos seménticos de varias maneiras. Suponhamos que a biblioteca possui duas cépias do Guerra e Paz de Tolstoy, que Pedro toma de empréstimo uma, ¢ Jofoa outra. Pedro ¢ Joao pegaram o mesmo livro, ou livros diferentes? Se atentamos para o fator material do elemento lexical, diremos que eles pegaram livros diferentes; se atentamos para 0 seu Componente abstrato, eles pegaram © mesmo livro. Podemos focalizar simultaneamente o fator material © 0 fator abstrato, como quando dizemos que “o livro que ele est4 projetando 68 D.EL.T.A, Vol. 13, N® Especiat vai pesar no minimo dois quiles se ele conseguir escrevé-lo” ou “seu livro est4 em todas as livrarias do pais”. De maneira semelhante, podemos pintar a porta de branco e passar por ela, empregando o pronome “ela” referindo-nos ambiguamente tanto 3 figura como ao fundo. Podemos relatar que o banco sofreu um atentado a bomba depois de elevar a taxa de juros, ou que ele elevou a taxa de juros para evitar sofrer um alentado a bomba. Aqui, o pronome “ele” e a categoria vazia que € 0 sujeito de “sofrer atentado” simultaneamente adotam tanto os fatores materiais quanto institucionais. A mesma situagio se verifica se minha casa € destruida e eu a reconstruo, possivelmente em outro lugar; no ¢ a mesma casa, mesmo se eu fizer uso dos mesmos materiais, embora eu diga que A RE-construf. Os termos referenciais “re” e “a” sobrepassam a fronteira. Com cidades tem-se outra simagio ainda, Londres poderia ser destruida por fogo e, em outro lugar e com materiais completamenie diferentes, ELA poderia ser reconstruida, sendo ainda Londres. Cartago poderia ser reconstruida hoje, ¢ ser ainda Cartago. Suponha que eu Ibe diga que antigamente eu acreditava que Istambul e Constantinopla fossem cidades diferentes, mas agora sei que so a mesma cidade, acrescentando que Istambul deverd ser removida para uma outra localizagao, para que Constantinopla nZo tenha um caréter islamico; ELA deverd ser levada para outro lugar e 14 dever4 ser RE-construfda, embora de alguma maneira mantendo-se como a MESMA cidade. Este uso é perfeitamente inteligivel; ja me deparei com exemplos ainda mais estranhos na fala e na escrita, e estes exemplos mal arranham a superficie do que encontramos quando comecamos a olhar de perto os significados das palavras. Os fatos envolvidos nestas questdes so no mais das vezes claros, mas nada triviais. Assim, elementos referencialmente dependentes, mesmo os mais estritamente restritos, observam algumas distingdes mas ignoram outras, de maneiras que variam curiosamente para diferentes tipos de palavras. Tais propriedades podem ser investigadas de muitas maneiras: aquisig&o de lingua, generalidade entre linguas, formas iaventadas etc. O que descobrimos € surpreendentemente intricado; ¢, ndo surpreendentemente, 6 sabido antes de se terem evidéncias, portanto compartilhado entre as linguas. Nao hd razfo a priori para se ter expectativa de tais propriedades nas Iinguas do mundo; em Marte a lingua poderia ser diferente. Os sistemas simbélicos das ciéncias e da mateméatica sio decerto diferentes. Ninguém sabe em que medida as propriedades especificas da lingua humana s&o uma conseqiiéncia de leis bioquimicas gerais que se aplicam a objetos com tragos gerais do cérebro, outro problema importante num horizonte ainda distante. A filosofia dos séculos Cromsky 69 17 € 18 desenvolveu de maneira interessante uma abordagem a interpretagao seméntica semelhante a esta, freqiientemente adotando 0 princfpio de Hume de que a identidade que atribuimos as coisas é somente ficticia, estabelecida pelo entendimento humano. A conclusdo de Hume € muito plausfvel. O livro sobre a minha mesa no tem estas estranhas propriedades em virtude de sua constitui¢ao interna; antes, em virtude da maneira de pensar das pessoas, ¢ dos sentidos dos termos em que esses pensamentos sio expressos. AS propriedades semfnticas das palavras so usadas para pensar e falar sobre 0 mundo em termos de perspectivas postas & nossa disposi¢ao pelos recursos da mente, o que de certo modo se assemelina & maneira pela qual parece proceder a interpretacao fonética, A filosofia da linguagem contemporénea toma um caminho diferente. A Pergunta que faz é a que coisa uma palavra se refere, dando variadas respostas. ‘Mas a pergunta nao tem um sentido claro. O exemplo de “livro” & tipico. Faz pouco sentido perguntar a que COISA a expresso “Guerra e Paz de Tolstoy” se refere, quando Pedro e Jodo retiram da biblioteca duas cépias idénticas. A sesposta depende de como os tragos seménticos sio usados quando pensamos ¢ falamos, de umn modo ou ourro. Estas observagdes se estendem aos elementos referenciais ¢ referencialmente dependentes mais simples (pronomes, categorias vazias, “mesmo”, etc.). E também a nomes Proprios, que tém propriedades semantico-conceptuais muito ricas. As coisas recebem nomes de pessoa, de rio, de cidade, com a complexidade de entendimento que vai Junto com estas categorias. A linguagem no possui nomes pPr6prios do ponto de vista l6gico, despidos dessas propriedades, conforme apontou ha muitos anos atrés 0 fildsofo Peter Strawson, de Oxford. Em geral, uma palavra, mesmo do tipo mais simples, nao pinga uma entidade no mundo extemo, ou de nosso “espaco de crengas”— 0 que, evidentemente, nao implica em negar que existam livros ou bancos, ou que estejamos de fato falando de alguma coisa real se, discutinde o destino da Terra, dizemos que ELE é duvidoso. Mas deveriamos seguir o bom conselho do filésofe do século XVII Thomas Reid e seus ‘sucessores modernos, Ludwig Wittgenstein e outros, e nfo tirar do uso comum conclusdes injustificadas. Podemos, se isto nos apraz, dizer que a palavra “livro” se refere a livros, “céu” ao céu, “satide” a satide, e assim por diante. Acreditar em convengdes como essas expressa basicamente uma falta de interesse em como as palavras s30 usadas para falar sobre coisas, e sobre suas seménticas, Essas supostas convengdes levantam outros problemas e 70 DELT.A., Vol. 13, N® Espectat envolvem 0 que me parecem suposig6es duvidosas, outro i6pico importante que ndo posso ter a esperanca de poder abordar aqui. Mencionei antes que a gramatica gerativa modema tentou fazer face a Preocupagées que davam animo a tradicao, em particular, 4 idéia cartesiana de que “a verdadeira distingZio” entre o homem ¢ outras criaturas ou maquinas € a habilidade de agir da maneira que consideravam como muito claramente ilustrada no uso normal da linguagem: sem limites finitos, influenciada mas nao determinada pelo estado interno, apropriada a situagdes mas nao causada por elas, coerente ¢ evocadora de pensamentos que o ouvinte poderia ter expresso, e assim por diante. O objetivo do trabalho que estive discutindo é 0 de desvendar alguns dos fatores que entrant nesta pratica normal. Mas somente ALGUNS. A gramatica gerativa procura descobrir os mecanismos que s4o usados, coniribuindo assim para o estudo de COMO eles séio usados de maneira criativa da vida normal. Como sao usados € o problema que intrigou os cartesianos, e se mantém t&o misterioso para nés quanto era para eles, mesmo se hoje compreendemos bem mais sobre os mecanismos envolvidos. Neste aspecto, o estudo da linguagem € mais uma vez bastante similar ao de outros Grgios. O estudo dos sistemas visual e motor pés a descoberto mecanismos pelos quais o cérebro interpreta estimulos esparsos como um cubo € 0 brago que se estende para pegar um livro sobre a mesa. Porém, note- se que estes ramos da ciéncia ndo levantam a questo de como as pessoas decidem olhar para um livro na mesa ou pegé-lo, e especulages sobre 0 uso dos sistemas visual ou motor, ou outros, importa bem pouco. Sao estas capacidades, manifestas mais impressionantemente no uso da lingua, que estao no cerne das preocupagies tradicionais: para Descartes, elas so “‘a coisa mais nobre que podemos ter” e so tudo o que a nds “realmente pertence”. Meio século antes de Descartes, 0 filésofo-médico espanhol Juan Huarte observou que esta “capacidade gerativa” do entendimento e ago humana ordindrios € estranha a “animais ¢ plantas”, embora seja uma forma inferior de entendimento que est4 aquém do exercicio verdadeiro da imaginagao criativa. Mesmo esta forma inferior est4 além do nosso alcance tedrico, afora o estudo dos mecanismos que entram na sua composigo. Num bom niimero de dreas, em que est4 inclufda a linguagem, muita coisa se aprendeu nos iiltimos anos a respeito destes mecanismos. Os problemas ‘gue agora somos capazes de encarar so dificeis e desafiadores, porém muitos CHomsKy 7 mistérios ainda estéo além do alcance da forma de inquirigdo humana que chamamos de “ciéacia”, o que € uma conclusdo que nao deveriamos achar surpreendente se consideramos os seres humanos como parte do mundo organic, e talvez uma conclusdo que nao nos deveria tampouco parecer desanimadora.

Você também pode gostar