Você está na página 1de 26
|| AREPUBLICA | | DE PLATAO 9 OBRAS I J. GUINSBURG (ORG.) ‘Dados Internacionais de Catalogagio na Publicagdo (CIP) (Cimara Brasileira do Livro, SP, Brasil) 'A Repiiblica de Plato /J. Guinsburg organizacio e tradugdo. - Sto Paulo: Perspectiva, 2016. ~ (CFextos ; 19) | reimpressio da 2 edigdo de 2014 Bibliografia ISBN 978-85-273-0767-3 1. Filosofia antiga 2. Literatura grega 3. Plato ica - Filosofia I. Guinsburg, J. Il. Série. 06-5871 cDp-184 indices para catilogo sistematico: 1. Filosofia platnica 184 2, Plato : Obras filoséficas 184 2" edigo— 1" reimpressio Direitos reservados em lingua portuguesa EDITORA PERSPECTIVA S.A. ‘Av. Brigadeiro Luis Antonio, 3025 (01401-000 — So Paulo ~ SP ~ Brasil ‘Telefax: (0-11) 3885-8388 wwweditoraperspectiva.com.br 2016 — E por certo ~ reiniciei — embora tenha muitas outras razdes 5954 para crer que a nossa cidade foi fundada da melhor maneira possivel, € pensando principalmente em nosso regulamento sobre a poesia que o afirmo. ~ Que regulamento? ~ perguntou. —0 de nao admitir, em caso algum, 0 quanto nela for imitagao'. A absoluta necessidade de recusar a admiti-la é, suponho, o que aparece com mais evidéncia, agora que estabelecemos nitida distingao entre os diversos elementos da alma”. iblica com dois sentidos | OtermoyyryruKn “imitative” éempregado na Rep ‘sentido distintos (Livro m € Livro x). Por enquanto, é preciso termos em mente 0 cspecifico de “imitagao” (uijunavs) definido por Plato no Livro ut: ele designs s. Jorma literiria em que o poeta ou o ator narra a histéria em primeira pesso8, come ve fosse a propria personagem representada; opde-se forma narrativa de discurso em terceira pessoa, denominada dma 6.f'ynais “simples narrativa” (ef Livro uy °02d) Neste inicio do Livro x, Platio parece retomar o conceito de “imitaeao” (uiurp.>) do Livro m mas ficard evidente mais adiante na que setrata de outro sentido dos termos “imitago" (yixno.s) €“imitativo™ (june). 2. Platio anuncia aqui a nova perspectiva de andlise que seri 10 exame da natureza da poesia no Livro x: 0 aspecto psicolégico que envolve 2 ‘elagdo entre poeta e pablico (cf. 602¢-608b), que serd discutido depois da definigaio 4o estatuto ontolégico da poesia (cf. $952-602b)- 596 a boa # " [AREPUBLICA DE PLATA. ~ Como entendes isso? Cé entre n6s, pois ndo ireis denunciar-me aos poetas trigicos 0s outros imitadores, todas as obras do género arruinam, segundo parece, o entendimento dos ouvintes*, quando no possuem o antidoto, isto é, 0 conhecimento do que elas sdo realmente. Que razio ~ disse ele ~ te leva a falar deste modo? Cumpre explicar-se ~ repliquei - embora certa temnura e certo respeito que, desde a infancia, dedico a Homero, me impecam de falar; pois ele parece realmente ter sido 0 primeiro mestre e © guia de todos esses belos poctas tragicos. Mas ndo se deve testemunhar a um homem maior consideragdo do que a verdade e, como acabo de dizer, um dever falar’ ~ Certamente ~ disse ele. Ouve portanto, ou melhor, responde-me. ~ Interroga-me. ~Poderias dizer-me o que é, em geral, a imitago? Pois eu mesmo no concebo muito bem a finalidade a que ela se propée. ~ Entéo como iria eu concebé-lo?- ~ Nada haveria de espantoso nisso. Muitas vezes os que tém vista fraca percebem os objetos antes dos que a tém penetrante. ~ Isto acontece. Mas, em tua presenga, nunca ousarei declarar, ainda que me parecesse evidente. Vé, pois, tu proprio. ~ Pois bem! queres que partamos deste ponto, aqui, em nossa indagago, conforme o nosso método costumeiro? Temos, com efeito, © habito de colocar uma certa idéia, e uma $6, que abarca cada grupo de objetos miltiplos aos quais atribuimos o mesmo nome. Nao ests compreendendo? ~Compreendo, sim. ~ Tomemos, pois, aquele que te aprouver desses grupos de objetos ‘midltiplos. Por exemplo, ha uma multiddo de camas ¢ mesas. 3. Plato ja antecipa seu juizo a respeito das consequéncias psicolégicas da ‘expeniéneia estética: a poesia se apresenta como adverséria da razo, corrompendo-&. ‘Do pomto de vista moral, a auséncia de discernimento entre bem e mal ea concepe30 antropomerfica dos deuses em Homero ¢ Hesfodo, conforme a anilise dos Livros & © m, incitam © homem a agir de forma injusta a praticar © mal. Do panto de vista Psicologico, ele age motivado pelas paixdes, pelas inclinagBes 60 corpo, obscure- ‘endo © que a razdo prescreve como 0 melhor a se fazer. ‘4 Essa hesitacio de Sécrates de eriticar Homero devido & “afeiglo” (iia) © 40 "Tespeito” (aibsis) prepara, entretanto, toda a magnitude € 2 violencia que #08 ‘itcaird assumir na argumentago posterior. Livro x +8 —Como nao? ~ Mas, para estes dois méveis, ha apenas duas idéias, uma de ‘cama e outra de mesa. = Sim. — Nao costumamos também dizer que o fabricante dos dois moveis Jirige seus olhares para a idéia, um a fim de fazer 0s leitos e, outro, as rmesas de que nos servimos, e assim quanto aos demais objetos? Pois, a idéia mesma, nenhum operdrio a modela, nao é? —Nao, sem diivida. — Mas veja agora que nome atribuiras a este artifice? ~ Qual? =O que faz tudo 0 que fazem os diversos artifices, cada um em seu género. ~ Falas de um homem habil e admirével! —Espera, ¢ logo mais o dirés com maior razio. Este artesio a que ‘me refiro nao ¢ unicamente capaz de fazer toda espécie de moveis, como produz ainda tudo o que brota da terra, plasma todos os seres vivos, inclusive a si prdprio, fabricando, além disso, a terra, 0 e&u, 0s deuses, ¢ tudo 0 que hé no céu, tudo o que hé debaixo da terra, no Hades. is um sofista’ realmente admirivel! —Nao acreditas em mim? Mas responde-me: pensas que nao existe de modo algum semelhante obreiro? Ou que s6 se pode eriar tudo isso de uma certa maneira, que, de outra, ndo se pode? Mas no reparaste que tu proprio poderias eriar tudo isso, de uma certa maneira. 5.Otermocodioriis (sofista”) ¢ empregado aqui no sentido original: “sofis- 1a" era qualidade de quem se distinguia pela habilidade e/ou conhecimento(sinénimo de odds, “sibio"), como, por exemplo, os poetas € 0s adivinhos. Mas a partir do sée. va, passou a designar especificamente os mestres de retirica (como Gorgias; of, Gargias, 49a) ou de arte politica (como Protagoras, ef. Provigoras, 3174-3196), « maioria deles estrangeira, Os sofistas surgiram em Atenas no auge da democracia, «quando se encontravam em pleno desenvolvimento os tibunais e a jurisprudéncia seniense, aAssembléia €o Conselho. Os ovens ricos buscavam, com essa educagdo suplementar oferecida pelos sofistas, adquirir as condigBes bisicas para obterem sucesso na carreira politica de Atenas jé que, no contexto da democracia as decisbes Politicas se davam por meio do debate, da argumentagdo publica, do convencimento dda maioria dos cidadsos. O termo “sofista” (ooxaT#}s), nessa segunda accpyBO, ‘em uma carga pejorativa, pois muitos atenienses, especialmente os mais velhos, "lo encaravam com bons olhos esses estrangeiros que eram admirados sobretudo Pelos mais jovens. Como cobravam dinbeiro pelos ensinamentos que ofereciam, ‘ram vistos muitas vezes como mercenaios;aliés Plato é um dos que compartilha ‘esse juizo. Sobre os sofistas, ver supra n. 28, p. 38:1. 29, . 39:0. 38, p. 4650. 18, P.186,n, 30, p. 237; n. 10, p. 269 n.35,p. 285. 5974 15 [AREPUBLICA DE PLATAO —E qual é esta maneira? ~ replicou. Nao é complicada — respondi; ~ é posta em pritica amiiide ¢ rapidamente; muito rapidamente mesmo, se quiseres apanhar um espelho ¢ levé-lo contigo por toda a parte; num itimo faris o sol ¢ os astros do eéu, em menos tempo ainda a terra, e menos ainda a ti mes- ‘mo, € 05 outros seres Vivos, e os méveis, e as plantas, e tudo quanto mencionamos ha pouco. ~ Sim, ~ disse ele ~ mas serio meras aparéncias e ndo realidades, ~ Bem ~ disse eu — chegas ao ponto pretendido pelo discurso: pois, dentre os artesos deste género, imagino que se deva incluir 6 pintor®, nio é? —Como niio? ‘Mas tu me diras, penso, que 0 que ele faz nao tem a menor realidade; no entanto, de certo modo, o pintor também faz uma cama, Ou nao? — Sim — redargitiu — ao menos uma cama aparente. ~ E 0 marceneiro? Nao declaraste hd pouco que ele nio fazia a ou, segundo nés, aquilo que é a cama, mas uma determinada cama? ~ De fato declare ~ Portanto, se ele nao faz 0 que é, nao faz o objeto real, porém um objeto que se assemelha a este, sem ter a sua realidade; e, se alguém dissesse que a obra do marceneiro ou de qualquer outro artesio é perfei- tamente real, haveria possibilidade de que dissesse algo falso, nlo é? ~ Seria ao menos ~ respondeu ~ a impressdo dos que se ocupam de semelhantes questdes. ~ Por conseguinte, no nos surpreendamos que esta obra seja algo obscura, comparada a verdade. — Nao, de fato. Queres agora que, apoiando-nos nesses exemplos, procuremos © que pode ser 0 imitador? Se quiseres ~ disse ele. Assim, ha trés espécies de camas: uma que existe na natureza das coisas ¢ da qual podemos afirmar, penso, que Deus é 0 autor, de contririo quem seria?, 6, Platdo insere na discussto a figura do “pintor” (C.sypdibos) como um anificio estratégico de sua argumentagdo, pois seu alvo principal j havia sido claramente Manna erage ddqumms, dig &v 71S pio fy Cyodynrae, éraubau be SeBGow, epirov wer emoriyat YyorraL, Enecra uoinyon” nai 614 TavTa bf Tiwuirepor émariun Opens BENS earie, a Brabepet bcowy Emoriyn ops BENS: MEN. Na Tor Ain, 6 Daiegaes, denne Toor TH 10. Kaw xa Cue is om cds Mew, GARG cindiCuw” Ome BE €or n dAdaio” (ph ike wnt émiarin, ob mw wx Bona ToUTO einen, AX’ elmep Te Ada gate Gv cleaves - catya 8° dv Gain ~ €0 8° oi wa Tivo éxeinus Gelny dv de oa, Socrats: De fat, enquanto perdurarem, as epinides verdadeiras s8o uma bela coisa © tudo o que produzem é bel: porém, no querem perdurr por muito tempo, mas acabam se evadindo ds slma do homem, de modo que no possuem muito valor, até que alguém 5 concatene por um raciocinio de causa, F isso, meu caro Moon, € a reminiseéneia, como haviamos consentdo anteriormente, Quando s3o concatenadas, elas $€ tomam, ‘2m primero lugar, conhecimentos, em segundo lugar, estiveis:e& por isso eno gue © conhecimento tem mais valor que ret opinido, e © conhecimento ve difere da ra ‘nin pelo concatenamento p Moon: Sim, por Zeus, Socrates, algo pared com isso. ‘Socaarts: Cm eeito, ev flo isso ndo como qucm conhece, mas come quem ‘todavia, que oconhecimento ¢ algo diferente da reta opin, no pares

Você também pode gostar