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CAPITULO II EXPERIENCIA RELIGIOSA E CONSCIENCIA M{STICA: JAMEs E JUNG REVISITADOS Vitor Borges* Tania Mara Campos de Almeida? Marta Helena de Freitas? Um cardapio que trouxesse uma wva de verdade em lugar da palavra “uva", um ovo de verdade no lugar da palavra “ovo”, talvez ndo fosse uma refeicdo adequada, mas seria, pelo menos, um comeco de realidade. William James (1902/1995, p. 309) No decorrer da histéria das ciéncias humanas, em particular da psicologia, o lugar destinado as experiéncias religiosas ¢ sua respectiva importincia para 0 sujeito que a vive e€ seu entourage tém se apresentado bastante confusos e controversos, com fortes tendéncias a serem rejeitadas enquanto expressdes_legitimas xper iéncias, ao longo do século XX, foram_com frequéncia sideradas na condigéo_de patologias individuais e mesmo. coletivas — neuroses, fobias, repress6es_¢ infantilizagées, -mascaradoras | de contetidos e estruturas psiquicas ¢ sociais “mais verdadeiros que elas mesmas. E evidente, na literatura em psicologia da religiao tfpica deste inicio de um novo século, a tendéncia de se respeitar, culturalizar e agregar tais experiéncias aos demais conhecimentos sobre 0 psiquismo ¢ comportamento humanos, resultando em vertentes tedricas que tecam olhares mais positivos sobre 0 fenédmeno religioso ¢ seu papel no modo Instituto de Ensino ¢ Pesquisa em Satide e Educagao — IEPSE. Universidade de Brasilia — UnB. Universidade Catélica de Brasilia - UCB. =55= Religiosidade e Cultura Contempordnea: desafios para a psicologia de lidar e dar sentido 4 vivéncia humana. Entretanto, ainda assim é frequente o embate entre modelos seculares e religiosos, categorias ilusérias a servigo da imposiga4o de limites artificiais entre o que € ‘religioso’ e o que € ‘humano’. Neste contexto, conceitos e esquemas tedrico-metodolégicos, que se mostraram resistentes a esta falsa dicotomia desde 0 inicio do século passado, merecem ser retomados, discutidos, ampliados e consolidados para se avangar com profundidade nesse campo. Com o intento de contribuir para o debate acerca das chamadas experiéncias religiosas e suas possiveis relagGes com a integridade do eu e do seu grupo, em nossa sociedade, recupera-se, por comparagi4o, o pensamento de dois grandes pensadores sobre estados alterados de consciéncia de fundo religioso. Trata-se de William James (1842 — 1910) e Carl Gustav Jung (1875 — 1961). Ambos, cada um a seu modo e em distintos contextos culturais, inauguraram tipos diferenciados de abordagem a respeito de tais estados, assumindo posigdes que se colocavam, desde o inicio, na contramao do iluminismo moderno. Hoje, portanto, ambos sao com frequéncia retomados como referéncias importantes aos estudos empenhados na abertura de temas e leituras dentro das humanidades, em particular quandose fala de experiéncias religiosas, relativizagao da tradigiéo herdada, privatizagd4o ou individualizagdo da crenga — fendmenos psicossociais, estes, comuns no mundo ocidental contemporaneo. A retomada destes dois pensadores ndo se dé aqui de modo ingénuo, caracterizando-os como autores que poderiam resolver os problemas do campo que se convencionou chamar ‘psicologia da religido’. Sabe-se que James foi ferrenhamente criticado por ter sido personalista, individualista e elitista no seu modo de reabilitar o elemento sentimental da religiao, subordinando-lhe a parte intelectual e social. Por outro lado, Jung também o foi, seja por ter enfatizado as primazias dos fatos psiquicos, seja por ter usado uma linguagem por demais hermética para descrevé- los. O que se considera aqui é que ambas as abordagens ainda =56= sao preferiveis 4 leitura do “card4pio vazio” (JAMES, 1902/1995, p. 309), apresentado por teorias que se envaidecem de nao tomarem conhecimento de nada particular ou, ainda, de tentarem exercitar “a brilhante arte do cirurgido cortando os tendédes que ligam imanente e transcendente” (CARRETTE, 2002, p. xiii). O retorno as concepgées destes dois autores parte do principio de que, ainda que elas contenham as suas tensGes internas, as suas omiss6es e limites contextuais, apresentam-se como espécie de protétipos, permitindo retomar as bases a partir das quais identifica-se uma viabilidade para a qualificagao da experiéncia humana fundamental em causa. ye De modo mais especifico, a escolha dos dois pensadores da primeira metade do século XX como foco de discussao se deve 4 busca de um cabedal teérico-conceptual sensivel 4 riqueza das formas do sagrado, que tém se manifestado cada vez mais multifacetadas. Quer sejam resistentes ou (re)emergentes no cenério politico-econédmico atual, independentemente das designagdes que Ihe sao atribuidas, enquanto ordem secular, p6s-secular ou dessecular, 0 que importa é a vigorosidade das experiéncias religiosas individuais e coletivas atuais. Estas tém muito a dizer por e para cada pessoa nelas envolvidas, assim como por e para seus meios externos e quem os circundam. Nao se vé nada pr6éximo a um momento histérico dito dessacralizado. Pelo contrdrio, depara-se com temas e cenérios contemporaneos com intenso apelo religioso, ainda que possam ser indicados como padrées redutores do simbolo a fetiche, a logomarcas, ao esvaziamento da densidade esotérica. Diante, portanto, das chaves de apreensio, descrigéo e compreensio de tais fenédmenos, propostas por James e Jung, tem- se a possibilidade de delas se aproximar com grande fidelidade aos sentidos que lhes sao atribuidos em ato, no préprio viver, sem necessariamente reduzir-lhes a forga fenomenolégica ou limita-las a interpretagdes reducionistas. Ao se langar mao de James e Jung, pode-se acompanhar, ainda que com certo assombro diante das Experiéncia religiosa e consciéncia mistica: James e Jung revisitados Capitulo II dimensdes humanas sempre desconhecidas, circuitos de pessoas e grupos por diferentes vinculos de pertencimento religioso, abertos a consciéncia mistica e devocional individual e de grupos. Trata-se de um fenémeno corriqueiro no cotidiano de 4reas urbanas médias e grandes, merecedor de leituras complexas e facilitadoras de acesso ao seu imagindrio encantado, transcendente. Afinal, onde se via apenas aridez e racionalidade da vida moderna urbana, depara-se com movimentos e dinamicas pautados por referéncias religiosas, sendo que muitas delas acabam por bater 4 porta de profissionais de satide mental e estudiosos do psiquismo. Este capitulo centrar-se-4 na contraposigao de dois padrées de experiéncias psicolégicas dessa natureza, que tocam parcelas pré-predicativas ou suprasensiveis 4 consciéncia do sujeito e que sao capazes de modificar sua visio de mundo e seu ethos, bem como dos grupos a que pertencem. Primeiro, discutir-se-4 as chamadas “vivéncias sombrias”, ou seja, experiéncias internas que podem ser explicadas dentro de um espectro negativo de estimulos e percepgdes. Nao as abordara aqui na condigaéo de psico ou sociopatologias, pelo simples fato de que também possuem o potencial de ampliagao e harmonizagao da personalidade de individuos e, destes, com dinamicas coletivas. Apesar de serem marcadas pela dor, medo, angtstia, culpa e/ou perda do sentido da vida, podem contribuir, por seu turno, para o amadurecimento e maior integragao da pessoa e de sua comunidade. | Em seguida, refletir-se-4 acerca das “vivéncias numénicas™* que, ao contrario das anteriores, possuem a tendéncia a se expressarem dentro de um espectro positivo de percepgées, cujas caracteristicas principais sao o prazer, a felicidade, um senso de comunhao com o universo, além de um desenvolvimento da personalidade em diregao a valores tidos como essenciais na existéncia pessoal e social. ¥€ Ambas as vivéncias, por se expressarem em polaridades opostas, além de refletirem a dualidade dos estados animicos, manifestam a parcela incondicionada do psiquico, fornecendo um caminho para a ampliagdo da consciéncia em varios aspectos e niveis. Trata-se de momentos capazes de diluir toda a voligdo e autonomia individual num cendrio em que o ser humano se percebe em condigao diferenciada daquela de vigilia e das suas interagdes sociais habituais, sem conhecimento ou controle suficiente sobre o que lhe é apresentado. Enfim, discutir-se-d estes estados em que 0 sujeito os vive como se nada ou muito pouco poderia fazer sen4o entregar-se aos mesmos, seja sozinho ou em grupo, caracterizando experiéncias que sao por ele percebidas como misticas ou mesmo santificadoras. * O termo numinoso foi originalmente refletido por Rudolf Otto (1917/2007, p. 37), em seu livro “O Sagrado — Os aspectos irracionais na nogio do divino e sua relagao com o racional”, onde utiliza o termo para descrever um acontecimento ou “momento” perceptivel da experiéncia consciente do sujeito e que, de acordo com 0 autor, “foge ao acesso racional, sendo algo drreton (impronuncidvel), um ineffabile (indizfvel), na medida em que foge totalmente a apreensao conccitual. Em sua ultima versio do texto Psicologia e Religiéo, Jung (1939/1995, p. 9) se apropria da terminologia utilizada por Otto com o fim de analisar sua abordagem da religido: “Religiao é — como diz 0 vocabulo religere — uma acurada e conscienciosa observagao daquilo que Rudolf Otto acertadamente chamou de “numinoso”, isto é, uma existéncia ou um efeito dindmico nao causados por um ato arbitrario. Pelo contrario, 0 efeito se apodera e domina o sujeito, mais sua vitima do que seu criador... O numinoso pode ser a propriedade de um objeto visivel, ou um influxo de uma presenga invisivel, que produzem uma modificag4o especial na consciéncia.” Capitulo I] — Experiéncia religiosa e consciéncia mfstica: James e Jung revisitados Religiosidade e Cultura Contempordnea: desafios para a psicologia 1. O eu moderno - afinidades criticas entre James e Jung Antes de iniciar uma discuss4do acerca das concepgdes oferecidas por James e Jung, faz-se importante dedicar algumas linhas — apesar de a complexidade e profundidade do assunto merecerem muitas p4ginas — 4 ideia de eu, do si mesmo, a partir da modernidade. Tal ideia encontra-se na base de nossas disciplinas humanisticas (MAUSS, 1985, FOUCAULT, 2002). Ou seja, a construgao interiorizada, introspectiva, dentro de algum territério interno ao individuo, a categoria de ‘pessoa’ no mundo moderno passa a ser percebida como distinta das representagGes de outras sociedades e épocas, em que a pessoa € completamente calcada no personagem que desempenha na vida coletiva ou no seu papel social. Seria impossivel atribuir 4s demais coletividades humanas, que nao as modernas, as premissas que regem 0 nosso centramento do eu num tinico nticleo de subjetividade existencial e moral, a partir da consciéncia ou da experiéncia de si. Portanto, conforme mostrou Foucault, em praticamente toda sua obra, a emergéncia do eu moderno € uma produgio da atuagao de diversos poderes historicamente situados e orquestrados, ou, como diria Dumont (1983), uma ideia-valor, uma ideologia. Evidentemente, em consonancia com seu tempo, as humanidades, em particular a psicologia, formularam modelos para o psiquismo que contribuiram sobremaneira para a criagdo imaginaria e simbélica das pessoas enquanto tal, assim como para 0 entendimento e amanipulagao delas, por parte das ciéncias, nos termos desses modelos. De modo geral, as diversas vertentes tedricas, academicamente disseminadas, privilegiaram as agdes, os sentimentos e as reflexdes do préprio eu consciente/inconsciente, em diferentes redes sociais e contextos, enquanto referéncia central para a individuagao, assim como para os processos de identidade pessoal e coletiva. Contudo, guardadas as devidas distingGes entre eles, James e Jung nos legaram saberes sobre 0 que vem a ser a pessoa moderna com mais possibilidades de construgao de si que tal perspectiva hegemGnica. Isso porque justamente destinam um lugar destacado para determinadas experiéncias religiosas nesse processo e admitem a possibilidade do Iécus da agéncia do ‘eu’ também se encontrar em planos misticos ou sagrados, em experiéncias sombrias ou numinosas. Embora também psiquicas, tais experiéncias nao podem ser reduzidas unicamente ao proprio psiquismo. Sendo assim, devido 4 ampliagao de horizontes trazida por suas proposigées, ambos os autores vém sendo hoje recuperados, no movimento de critica ao reducionismo do humano e ao poder instaurador e modelador de realidades das ciéncias modernas, com seus respectivos determinantes politicos e econémicos e decorrentes implicagdes éticas e epistemolégicas. Vejam-se, por exemplo, sobre este ultimo aspecto, as contribuigdes de Jeremy Carrette (2002, 2007), cujo retorno a James € proposto justamente no ambito de suas andlises sobre a experiéncia religiosa na economia do conhecimento. 1.1 William James Emrelagioa James, classificado pela filosofiacontemporanea como pragmatista (BUNNIN; TSUI-JAMES, 2002) e defensor do “empirismo radical” (HAACK, 2002), veem-se af suas tentativas de escapar ao dualismo da metafisica e da subjetividade epistemolégica cartesianas. Além de atribuir significado e valor a uma crenga, a partir das suas consequéncias experimentais, ele ressalta o seu valor predicativo na experiéncia do sujeito. Crengas religiosas, portanto, que a principio nao devem ser qualificadas como falsas ou ilusérias, podem ser legitimadas por seu efeito salutar sobre a vida de cada individuo, inserido em seu meio social e cultural. Sob esse aspecto, ovalor de “uma verdade” ganha contornos subjetivos, na medidaem que possa ser titil na construgio subjetiva do sujeito, articulando-se logicamente aos apelos ou impulsos de desenvolvimento, ampliagao e adaptagao de sua personalidade. 61= Capitulo I] — Experiéncia religiosa e consciéncia m{stica: James e Jung revisitados Religiosidade e Cultura Contempordnea: desafios para a psicologia Para discutir detidamente o pensamento dos dois autores sobre a experiéncia religiosa, a ordem das reflexGes aqui apresentadas serao guiadas a partir da classica obra de W. James, As variedades da experiéncia religiosca (JAMES, 1902/1995). Nesta obra, propondo-se a uma abordagem pragmiatica, que ele considera ser também a mais profunda, James (1902/1995) examina uma extensa variedade de escritos e depoimentos religiosos, ressaltando 0 carater emotivo da religido, em comparagao com a filosofia, cardter este que se expressa sob a forma de entusiasmo ou de emogio solene. De forma cuidadosa e detalhada, James (Op. cit.) examina uma longa e variada série de escritos religiosos, criando categorias para distinga4o entre as diferentes modalidades de expressao religiosa, as quais sao analisadas sob dois aspectos fundamentais: como valor de expressio moral e como testemunhos de sofrimento mental. Estendendo a nogao de experiéncia religiosa, propGe-se, também, a distingao entre o que diferencia a santidade do misticismo no doente mental. Compreendia, portanto, 0 misticismo como a expressio de anseios pessoais mais profundos procurando atingir um est4gio de consciéncia que transcende o individuo, caracterizado por uma espécie de unido césmica. Neste sentido, a santidade deveria ser julgada pelo valor humano de seus frutos. Parodiando Kant, James (1902/1995, p. 207) propGe-se a fazer uma “critica da santidade pura”. Ao longo de toda a obra, James realiza uma anilise abrangente a respeito da tipologia humana, da_plasticidade da consciéncia a partir de suas condigdes potenciais e da indeterminagéo do fenédmeno psiquico. Argumentos concisos sobre os processos de tomada de consciéncia, os estados psiquicos sombrios e desconhecidos, além do amplo espectro de sentimentos e sensag6es religiosas, que permanentemente afetam a experiéncia humana, foram detalhados ao longo de suas p4ginas. Para 0 autor, o fenédmeno psiquico nado é um sistema estético ou topografico, mas, acima de tudo, é€ movimento; fluxo e refluxo que varia dentro da experiéncia humana e em decorréncia dela, sempre =62= numa perspectiva intencional. Esta propriedade o levou a cunhar 0 termo “fluxo de consciéncia”, entendendo que qualquer tentativa de subdividir este fluxo em fases ou elementos, temporariamente distintos, s6 poderia distorcé-lo. Embora a pesquisa de James (1902) se desenvolva no contexto do positivismo, ainda influenciado pelo cogito ergo sum da filosofia cartesiana, suas andlises superaram o paradigma de sua €poca, enfatizando os aspectos nao racionais da natureza humana e antecipando o que seria, no futuro, o protesto generalizado contra a posigao wundtiana dos gestaltistas e funcionais. Afinal, conforme descrevem Schultz e Shultz (1989), James sempre se manteve independente e recusou-se a ser absorvido por qualquer ideologia, sistema ou escola. Nos tiltimos anos de sua vida, chegou a pedir para nao ser apresentado como psicélogo, num congresso em Princeton, argumentando que o campo oficialmente constituido como psicologia reduzia-se como que numa “elaboragao do ébvio”. Mesmo assim, James, que é considerado um filésofo, € também qualificado como o maior psicélogo americano e percursor da chamada psicologia funcional (SCHULTZ; SCHULTZ, 1991). Este Ultimo titulo certamente relaciona-se 4 sua formalizagao, na psicologia, da nogdo de pragmatismo, postulada em 1870, por Charles Sanders Peirce, seu grande amigo e reconhecido como um dos maiores filésofos americanos. 1.2 Carl Jung Ja o pensamento de Jung reflete uma linha intelectual bem representada pela Escola de Eranos, por ele fundada na Sufga nos anos trinta do século XX e herdeira dos estudos das religides comparadas. Caracterizada como umaescola de tradi¢ao filolégica, elaimpulsionou os estudos da cultura classica, a qual abrangia os vestigios egipcio, grego e romano, além dos orientalismos e das tradigGes persa, arabe, sanscrita e chinesa. Tais estudos, que também atrairam a atengdo de James décadas antes, se voltavam para a compreensao do seu legado 4 humanidade e eram considerados basicamente uma gnose, =63= Capitulo I] — Experiéncia religiosa e consciéncia m{stica: James e Jung revisitados 4 oD 2 o 3 zB a 3 g s a 2 $ a 3 8 S 3s 3s 3 & < € 2 < 6 OC © £ 3 2 3 Oo © © 3 % 3 ZB & => 3s A contribuindo para o conhecimento e também para a iniciagao dos seus hermeneutas. De modo algum tal legado era visto apenas como depositario e vefculo de informagGes sobre determinado contexto antigo, conforme postulavam os canones da ciéncia moderna, que o escrutinava, mapeava e fragmentava (REIS; ALMEIDA, 2001). Para a referida Escola, a apreensao das imagens simbélicas presentes na cultura cldssica nao deveria se pautar por critérios de andlise e sintese absolutamente ditados pela razao iluminista, que empreendia-se no exercicio da desimbolizagao do mundo, como aquele que vai além das aparéncias em busca de leis universais e limpa o peso da alegoria medieval, considerada impeditiva de se ver a légica mecanicista por tras. Pelo contr4rio, os critérios deveriam estar imantados da corrente de vida dos estudiosos, evocada pelo rico simbolismo, o qual, por sua vez, seria poroso, metonimico mais que metaférico, resistente ao seu enquadramento em determinados limites para significar. Foi, por conseguinte, esta perspectiva tedrica que embasou Jung em suas teorizagGes, em especial na concepgao do psiquismo enquanto uma linguagem de imagens mais do que uma estrutura linguistica e conceitual, povoada, dentre varios elementos, de tudo aquilo que foi simplesmente esquecido (nao apenas reprimido) pelo sujeito e pelo coletivo, impressGes e percepgées subliminais, ideias pouco definidas e contetidos incompativeis coma atitude consciente do eu. Assim, entende-se melhor a sua ideia de que a psique € um fenémeno empiricamente paradoxal. Sua expressao manifesta-se a partir de processos antitéticos, de princfpios ou forgas opostas que foram por ele denominadas por complexos opostos, resultado de uma separagao funcional e compensatéria entre uma parcela consciente e outra inconsciente, entre a negatividade e positividade dos elementos presentes, conforme mostrado adiante. No entanto, encontra-se nessas particularidades do seu pensamento a critica 4 concepgao moderna de pessoa, a qual teria trabalhado exclusivamente com a agéncia do eu, dando-Ihe um exagerado peso no drama da psique. Para o autor, segundo Segato =64= (1995), tal peso ajudou a produzir uma linguagem que tende a atribuir irrealidade 4 agéncia das outras forgas da psique, ou dos outros complexos. Afinal, na modernidade, 0 eu encontra-se confundido com a totalidade da psique, englobando outras manifestagdes psiquicas a ele subordinadas e ingenuamente evocado como um “ato acabado” e nao como um processo potencial emergente, determinado por princfpios teleoldgicos. Mas, se de um lado, as acepgdes junguianas buscam qualificar mais as potencialidades do ser que ainda nao se realizou, também é verdade que elas foram e ainda tém sido ainda muito criticadas, conforme se lé em Fromm (1950/1967), Vergote (s.d.) e Palmer (1997/2001), por comportar um reducionismo oposto ao de Freud, ao enfatizar a primazia dos fatos psfquicos. E possivel, entretanto, que o cardter fugidio do pensamento junguiano, considerado hermético e excessivamente dado a personificagao de contetidos inconscientes, reflita também o cardter fugidio do proprio psiquismo e seus determinantes. De fato, isso ele mesmo o afirma no trecho de uma carta escrita a um erudito (UNG, 1961/1975, p. 322): A linguagem com que me exprimo deve ser equivoca, isto é, de duplo sentido, se quiser levar em conta a natureza da psique e seu duplo aspecto. E conscientemente e com deliberagdo que procuro a expressao de duplo sentido: para corresponder 4 natureza do ser, ela € preferfvel 4 expresso unfvoca. (...) A expresso unfvoca sé tem sentido quando se trata de constatar fatos e nao quando se trata de interpretacga0, pois o “sentido” nao € uma tautologia, mas inclui em si sempre mais do que o objeto concreto enunciado. (...) Tratando-se de experiéncia, nada escapa 4 ambigiiidade da psique. Esbarrando ou nao nos limites da linguagem, poder-se-ia dizer que Jung, a seu préprio modo, procurou apontar, acerca dos tica: James e Jung revisitados éncia mis Experiéncia religiosa e consci Capitulo II x Sb — o 2 a a 3 s g s s. a 3 mI 3S & S 3 z 3 e < < 3 a & 3 < 6 Oo Ss £ 2 3 OC o 2 ss s BS) 3B Ss =p oO mm mistérios do ser, aquilo que n4o pode ser dito, mas apenas mostrado. Insatisfeito com os ditames iluministas do mundo ocidental, encontrou na filosofia oriental, outros recursos para interpretar o referido mistério. Tal diregdo, em sua abordagem da consciéncia mistica, foi legitimada na tradugdo de um velho texto chinés - “O segredo da flor de ouro” ((UNG; WILHELM, 1929/1984). 2. Experiéncias sombrias Os estudos de James a respeito dos estados incondicionados da psique, publicados no seu classico Variedade das experiéncias religiosas, derivaram-se de uma série de conferéncias realizadas por ele na Escécia. Em sua terceira conferéncia, procurou refletir sobre o que chamou “A realidade do invisivel”, ressaltando que a experiéncia humana nao se reduz ao sensivel, isto é, ndo se esgota dentro dos limites de suas aptidGes sensoriais, mas desenvolve-se para além dessas, por meio de contetidos especificos da consciéncia, irredutiveis as experiéncias concretas e externas da mente. Por isso, escreveu: “A determinabilidade absoluta da nossa mente por abstrag6es € um dos fatos cardeais da nossa constituigao humana” (JAMES, 1902/1995, p. 46). Para reforgar tal afirmagio, baseou-se em alguns dos grandes pensadores gregos do passado, que deram importancia para os fenédmenos ideativos - fendmenos puramente abstratos e conceituais que determinam tanto quanto, ou até mais que os sentidos, o amplo espectro de expressao do psiquismo. Ele disse: As provas mais curiosas da existéncia de um sentido nao-diferenciado como esse se encontram nas experiéncias de alucinagio. Acontece, muitas vezes, que uma alucinagdo é€ imperfeitamente desenvolvida: a pessoa afetada sente uma ‘presenga’ na sala, localizada com preciséo, voltada para uma diregdo determinada, real no sentido mais enfatico da palavra, que nao raro surge de repente, tao de repente como desaparece; e, todavia, nao vista, nao ouvida, nao tocada, nao cognoscida de nenhuma das maneiras ‘sensfveis’ habituais (1902/1995, p. 47). Em seguida, a fim de ilustrar este tipo de experiéncia, cita, na mesma pagina, o caso de um amigo préximo, reconhecido por um dos intelectos mais agudos que conhecera e que passara por este tipo de experiéncia algumas vezes. Senti varias vezes, nos tltimos anos, a chamada ‘consciéncia de uma _presenga’. As experiéncias que tenho em mente sao claramente distinguiveis de outro tipo de experiéncia que me tém ocorrido com muita freqiiéncia, e 4s quais imagino que muitas pessoas também chamariam ‘consciéncia de uma presenga’. Mas a diferenga, para mim, entre as duas séries de experiéncias é tao grande quanto a diferenga entre sentir um leve calor que ver nao sei de onde e ficar no meio de uma conflagragao com todos os sentidos comunsalertas. (...) Foi por volta de setembro de 1884 que tive a primeira experiéncia. Na noite anterior eu experimentara, depois de ir para cama em meus aposentos no College, uma vivida alucinagio tactil de ser agarrado pelo brago, que me fez levantar e vasculhar © quarto 4 procura de um invasor; mas o sentido de presenga propriamente dito apareceu na noite seguinte. Depois de enfiar- me na cama e apagar a vela, fiquei acordado pensando na experiéncia da noite anterior, quando, de repente, senti alguma coisa entrar no quarto e aproximar-se da minha cama. Ali ficou apenas um ou dois minutos. Nao a reconheci por nenhum dos sentidos comuns e, no entanto, havia uma sensagao horrivelmente desagraddvel ligada a ela. Mexeu mais com as raizes do meu ser do que qualquer percepgao ordindria. A sensagao tinha o que quer que fosse da qualidade da Experiéncia religiosa e consciéncia mistica: James e Jung revisitados Capitulo II 3 bb & S S B a oO s s a a S a oO 8 3 3s 3S S a 2 & 2 2 a 3 Oo S £ 5 = 3 oO vo o cs ss ss B 2 2» oy 4 dor vital de uma dilaceragdo muito grande, 0 que se espalhava principalmente pelo peito, mas por dentro do organismo — e, contudo, nio era tanto de dor quanto de aversiao. Fosse como fosse, alguma coisa se achava presente, ao meu lado, e conheci-lhe a presenga muito mais seguramente do que jamais conheci a de alguma criatura viva de carne e osso. Tive consciéncia de sua partida como a tivera de sua chegada: e quase instantaneamente um rapido atravessar a porta e ‘sensagao horrivel’ desapareceu. Esse caso poderia ser explicado tal qual um simples fenédmeno de opressao espiritual, se a respeito dele se refletisse de acordo com os devaneios do senso comum, especialmente os de origem religiosa. Entretanto, apesar de sua qualidade invasora, intangivel e desconfortavel, além do fato de se processar estranha e externa ao eu do individuo que a testemunhou, possui elementos psicolégicos que podem ser caracterizados a partir da parcela desconhecida e indeterminada da mente. Sensag6es fisicas, como a de ser tomado pelo braco pela “suposta entidade”, além da percepg¢ao de uma dor vital que se espalhava principalmente pelo peito, atestam que sua experiéncia subjetiva possufa um carater psicossomatico, em razao da solidez de suas sensagdes fisioldgicas. Nao obstante, a identidade da experiéncia permaneceu desconhecida e difusa. Mas, apesar de nao saber o que era de fato, percebeu tratar-se de algo negativo, algo que o incomodava. E, no final do seu testemunho, ainda afirma que tal “presenga” era vizinha dele, ou seja, se parecia em alguma medida com ele. Tal testemunho abre espago para muitas especulagdes. Uma delas seriaa hipdtese de que 0 individuo tomava contato com parcelas sombrias de sua psique, parcelas estranhas e irreconheciveis, sé que, paradoxalmente prdéximas, ainda que ele nao as reconhecesse de forma segura. Se fosse seguida tal hipdtese, tipicamente junguiana, afirmar-se-ia que 0 sujeito experimentava sua prépria sombra de modo projetado e até mesmo hipostasiado. Seria possivel, entao, dizer que o ponto central aqui € a relagao entre 0 eu a totalidade da psique, as vezes, assumida como 0 material em que se nutre e ancora a identidade desse eu, e, outras vezes, concebida enquanto outro do eu, que faz contraponto ao mesmo. Seria como estar diante de um complexo, o qual é basicamente aquilo que se manifesta cada vez que se constata uma expressdo aut6noma da psique, em relagao as determinag6es e volig6es do eu. Tratar-se-ia de imagens dotadas de poderosa coeréncia interior e [que] tém sua totalidade prépria [assim como] um grau relativamente elevado de autonomia (...) €, por isto, comportam-se, na esfera do consciente, como um corpus alienum, animado de vida propria (JUNG, 1934, p. 201). Neste texto, porém, interessa ressaltar a parcela incondicionada da mente, importando principalmente destacar que a personalidade do sujeito nao possuia qualquer trago que leve ao questionamento de sua integridade mental. James referia-se a um intelecto nobre, de uma personalidade sensivel, que sabia se expressar légica e integradamente. Entao, o que aqui se sublinha € 0 fato de que a consciéncia pode experimentar contetidos desconhecidos e, ao mesmo tempo, percebidos pelo sujeito. Trata-se de contetidos que nao sao explicitados a partir de uma explicagao do mundo ordindrio, mas que sao considerados terrivelmente reais para a pessoa ou o grupo que os experimentou, numa perspectiva sombria e dolorosa. Conforme aponta Jung (1934, p. 200), os complexos apresentam-se como verdadeiras personalidades fragmentarias da pessoa, almas dissociadas que dominam a totalidade da psique, deslocando momentaneamente o eu em graus diferentes de experiéncia para experiéncia. Em resumo, eles podem “‘ter-nos’ (...). De fato, um complexo ativo nos coloca por algum tempo 399 num estado de ‘nao liberdade’”. Nos casos de uma substituicgdo mais absoluta da consciéncia do eu pelo complexo, como parecem ser os eventos de possessio, Experiéncia religiosa e consciéncia mistica: James e Jung revisitados Capitulo II Religiosidade e Cultura Contempor4nea: desafios para a psicologia Jung diz estar diante de poténcias psiquicas cuja natureza profunda ainda nao foi alcangada pela consciéncia e que mantém forte semelhanga no modo de manifestagao de sujeito para sujeito. Nesse sentido, refere-se a camadas do inconsciente pessoal que tém suas raizes no inconsciente coletivo, sendo complexos nao sé reprimidos, mas também residuos do “estado de espirito primitivo” de um passado evolutivo humano que permanece num estrato psiquico e possui um “alto grau de dissociabilidade” (1934, p. 217). Ao aprofundar esse raciocinio, Jung postulou a existéncia de complexos inconscientes que pertenceriam ao eu e outros que nao deveriam tornar-se associados a eles, diferenciando “complexos de alma” de “complexos de espfrito” (UNG, 1919, p. 116). Os primeiros pertencem ao eu e sua perda € patoldégica. O oposto seria verdadeiro para os complexos de espirito: sua associagao com 0 eu causaria doengas e sua separacio dele traria a recuperacao da satide. Portanto, os de espirito sio situados no inconsciente coletivo, que est4 povoado de formas e instintos inatos, nado adquiridos no transcurso da vida pessoal. Imagens primordiais ou arquétipos preenchem o segmento do inconsciente que se funde no coletivo humano e que forma a camada mais distante do eu. E por isto que, quando um desses complexos se manifesta, é visto como estranho, misterioso, sendo a mente consciente alienada por ele da sua vida normal. A invasao da consciéncia por um complexo emergente desta faixa do inconsciente seria, em geral, um fendmeno perigoso. Ja, os complexos da alma pertenceriam ao nivel pessoal do inconsciente e seriam sentidos como incorporados e pertencentes 4 psique individual. Logo, ao se tornarem presentes 4 psique individual, por meio de tratamento psicoterapéutico, 0 sujeito experimentaria um aumento de poder, de enriquecimento da sua consciéncia. Contudo, € importante lembrar a impossibilidade de dividir espacialmente 0 inconsciente pessoal do coletivo e, com isto, estabelecer uma fronteira muito clara entre os complexos de uma origem e da outra (SAMUEL, A.; SHORTER, B.; PLAUT, F,, 1988). Pelo contrdrio, o que revela a maior parte das anilises deste tipo € que os complexos do inconsciente pessoal se expressam em imagens arquetipicas, ou seja, o que acontece é a intromissao da configuragdo arquetipica do complexo de espirito no inconsciente pessoal, dando forma aos seus contetidos, ao tempo que os contetidos arquetipicos emergentes do fundo coletivo do inconsciente se revestem de imagens cuja fonte é a experiéncia de vida pessoal e a cultura do sujeito. 3. Da experiéncia sombria 4 numinosa Outro exemplo que pode ser classificado como “vivéncia psicolégica sombria” foi apresentado por James (1902/1995) nas sexta e sétima conferéncias. Sua diferenca em relagdo ao caso anterior é o fato de expressar-se num progressivo curso melancélico, sem quaisquer estimulos externos objetivos que x acarretassem tal vivéncia. Nao ha nada que se refira 4 “consciéncia de uma presenga”, mas tao somente a uma dor psicolégica crescente e desorientadora, cujo desfecho se deu de modo inesperado e salutar. Conforme o relato do autor, a melancolia que o famoso escritor Tolstoi testemunhou em seu livro Minha confisséo, de 1882, levou-o ao encontro de conclusées religiosas que nao possuia antes de peregrinar por seu vale de lagrimas. E 0 que se observa em um fragmento do seu relato: Senti que se quebrara dentro de mim alguma coisa sobre qual minha vida sempre descansara, que eu nao tinha mais nada a que pudesse agarrar-me e que moralmente minha vida parara. Uma forga invencivel me impelia a livrar-me da existéncia, de um modo ou de outro. Nao se pode dizer exatamente que eu desejava matar-me, pois a forga que me arrastava para longe da vida era mais plena, mais poderosa, mais geral do que qualquer desejo. Era uma forga como a antiga aspiragao minha para viver, sé que me empurrava na direcao contrdaria. Era uma aspiragao de todo Experiéncia religiosa e consciéncia mistica: James e Jung revisitados Capitulo II Religiosidade e Cultura Contempordnea: desafios para a psicologia o meu ser de sair da vida... Eu nio sabia 0 que queria. Tinha medo da vida; era impelido a deixd-la; e, a despeito disso, ainda esperava dela alguma coisa. (...) Tudo isso ocorreu numa ocasido em que, no que diz respeito 4s minhas circunstancias externas, eu devera ter sido completamente feliz. Tinha uma boa esposa, que me amava e€ que eu amava; bons filhos e uma grande propriedade que estava aumentando sem nenhum esforgo de minha parte. Era mais respeitado pelos meus parentes e conhecidos do que jamais 0 fora; os estranhos me enchiam de elogios; e, sem exagero, eu podia acreditar que 0 meu nome ja se tornara famoso. Além disso, eu nao estava louco nem doente. Pelo contrario, possuia uma forga fisica e mental que raro tenho encontrado em pessoas da minha idade. Eu segava tao bem quanto os camponeses e era capaz de trabalhar com o cérebro oito horas ininterruptas sem sentir qualquer efeito nocivo. (...) Mas talvez’, dizia eu freqiientemente a mim mesmo, ‘haja alguma coisa que tenha fugido 4 minha observagao ou compreensio. Nao € possivel que esse estado de desespero seja natural ao género humano. E procurei uma explicagio em todos os ramos do conhecimento adquirido pelos homens. Interroguei-os penosa e prolongadamente e sem nenhuma curiosidade ociosa... Busquei como um homem perdido busca salvar-se — e nada encontrei. Convenci-me, além disso, de que todos os que, antes de mim, haviam procurado uma resposta nas ciéncias tampouco encontraram alguma coisa. E nao sé isso, mas reconheceram que a propria coisa que me estava conduzindo ao desespero — a absurdidade sem sentido da vida — € 0 inico conhecimento incontestavel acessivel ao homem (JAMES, 1902/1995, p.104-05). Apesar do sombrio e perturbador quadro mental no qual Tolstoi encontrava-se, o desfecho de sua experiéncia levou-o a uma polaridade oposta, que silenciou sua crise existencial. Eis a conclusao do seu relato (1902/1995, p. 106). Entretanto, enquanto meu intelecto trabalhava, alguma outra coisa em mim_ trabalhava também, e me impedia de executar 0 ato — uma consciéncia de vida, como posso chamar-lhe, que era como uma forga que me obrigava a mente a fixar-se em outra direg4o e arrancar- me de minha situagao de desespero... a par com todos os movimentos de minhas idéias e observagées, meu corag4o consumia-se em outra emogio pungente, 4 qual nao posso dar outro nome que o de sede de Deus. Esse desejo de Deus nao tinha nada que ver com o movimento de minhas idéias — , na verdade, era exatamente o contrario dele — , mas vinha do meu coragio. Dir-se-ia um sentimento de medo que me fazia parecer 6rfao e isolado no meio de todas essas coisas tio estranhas. E esse sentimento de medo era mitigado pela esperanga de encontrar a assisténcia de alguém. James concluiu o relato de Tolstoi em sua oitava conferéncia, observando que a crise psicolégica vivida pelo escritor russo possibilitou uma verdadeira ampliacao de sua personalidade, decorrida do nascimento e amadurecimento de um novo sentido para sua existéncia, como podemos observar em sua confissao. Lembro-me, de um dia, no principio da primavera, em que eu estava sozinho na floresta, prestando atengio aos seus rufdos misteriosos. Fiquei ouvindo, e meu pensamento voltou aquilo que eu sempre me ocupara nos tltimos trés anos — a busca de Experiéncia religiosa e consciéncia mistica: James e Jung revisitados Capitulo II Religiosidade e Cultura Contempordnea: desafios para a psicologia Deus. Mas, disse eu comigo, como foi que cheguei 4 idéia dele? E novamente surgiram em mim, com esse pensamento, alegres aspiragGes 4 vida. Tudo despertou em meu intimo e recebeu um significado... Por que olhar para mais longe? Perguntou-me uma voz interior. Ele est4 aqui: ele, sem o qual nao se pode viver. O mesmo € reconhecer a Deus e viver. Deus é a vida. Pois, entio, muito bem! Vive, busca a Deus e nao haver4 vida sem ele. Depois disso, as coisas se aclararam melhor do que nunca dentro e ao redor de mim, e a luz nunca mais se apagou de todo... Desisti da vida do modo convencional, reconhecendo que aquilo nao era vida, sendo parédia da vida, que suas superfluidades simplesmente nos impediam de compreender (JAMES, 1902/1995, p.123). Ainda de acordo com William James (Op. cit.), a crise de Tolstoi foi “a arrumagao de sua alma, o descobrimento de seu habitat e vocagao genuinos... Era um caso de personalidade heterogénea que encontrou, tardia e lentamente, sua unidade e seu nivel”. Deve-se também ponderar para o fato de Tolstoi sair de sua crise existencial a partir de uma ideia numinosa, de um conceito de grandeza que s6 poderia ser caracterizado pela “ideia de Deus”. O apelo religioso que progressivamente passou a perceber em seu intimo também nao decorreu de qualquer motivagio filoséfica ou intelectual. Enquanto permaneceu dentro das fronteiras do seu intelecto, nado encontrou uma saida ou um objeto capaz de amainar ou suavizar sua crise. O que o quadro sugere é que, em determinados momentos de desequilfbrio psicolégico, os determinismos da razao e os recursos do intelecto, apesar de fecundos no caso de Tolstoi, s6 servem para emaranhar ainda mais o individuo nas teias do seu sofrimento. Enquanto sua mente dava voltas sem conseguir enquadrar um sentido para sua existéncia, que aplacasse seu drama pessoal, também passou a perceber que outro motivo de ordem =74= emocional seguia seu préprio curso, aut6nomo e independente de sua voligéo ou esforgo mental. Assim, pode-se perceber a reorganizagio de sua personalidade a partir de uma experiéncia psiquica indeterminada, que ele s6 podia ter ideia de modo obscuro e aproximado. A riqueza desse testemunho decorre do fato de que, ao contrario do primeiro relato, que ficou limitado a uma estranha sensacao subjetiva, este, em contrapartida, manifestou um processo de transformag4o de cardter. Seria entao uma metanoia, em que o individuo é transportado das regiGes abissais de sua experiéncia animica para um territ6rio oposto, onde seus apelos sao elevados a alturas antes desconhecidas, proporcionando uma consciéncia mais clara e integrada a um maior sentido da existéncia. Na experiéncia de Tolstoi, constatamos uma clara migragao de uma polaridade negativa e sombria que se abateu sobre seu espirito, para uma polaridade oposta em que um sentimento de realizagdo passou a predominar em sua realidade pessoal, levando-o a descobrir o significado da religiao para sua vida. Registra-se, aqui, uma clara experiéncia de religere, no sentido de reintegrar ou religar o individuo a valores que o ultrapassam. Como o préprio James (1902, p. 41-42) sugere, deve-se refletir a importancia ou a veracidade de uma vivéncia subjetiva a partir dos resultados que ela produz na personalidade do individuo que a vivenciou e nas insergGes em seu meio. Tal mutagao no senso de identidade e no senso de percepgao de Tolstoi revela claramente a parcela indeterminada do psiquico atuando, possibilitando uma experiéncia subjetiva transformadora, que muitos pensadores identificaram como uma espécie de “novo nascimento”. Essa experiéncia interna, que proporcionou seu equilfbrio e integrag4o, foi também refletida por C. G. Jung (1929/1988, p.31), a partir da observagao de pacientes que vivenciaram patamares de consciéncia antes desconhecidos, conforme ilustra essa passagem: =75= Experiéncia religiosa e consciéncia mistica: James e Jung revisitados Capitulo II Religiosidade e Cultura Contemporanea: desafios para a psicologia Vi muitas vezes pacientes superarem-se de problemas aos quais outros sucumbiram por completo. Tal ‘superagdo’ ou ‘ampliagao’, como denominara anteriormente _ esse fenédmeno, revelou-se depois de experiéncias posteriores como uma elevagao do nivel da consciéncia. Algum interesse mais alto e mais amplo apareceu no horizonte, fazendo com que o problema insoltivel perdesse a urgéncia. Sem que este encontrasse uma solugao légica, empalideceu em confronto com um novo e forte rumo de vida. Nao foi reprimido, nem submergiu no inconsciente, mas simplesmente apareceu sob outra luz, tornando-se outro. Aquilo, que num primeiro degrau levara aos conflitos mais selvagens e a tempestades panicas de afetos, parecia agora considerado de um nivel mais alto da personalidade, uma tempestade no vale, vista do cume de uma montanha. Com isto, a tempestade nao é privada de sua realidade, mas, em lugar de se estar nela, se esta acima dela. Mas, como de um ponto de vista animico somos ao mesmo tempo vale e montanha, parece uma presungao nada convincente sentir-se o individuo além do humano. Certamente, sentimos o afeto (a emogio), que nos sacode e atormenta. Mas, ao mesmo tempo, é-nos dada uma consciéncia mais alta, que impede nossa identificagao com 0 afeto. Poresse relato, observa-se que, apesar das “forgasde oposi¢a0” que exprimem a natureza psiquica, explicitadas na met4fora do vale e da montanha, parece haver um principio de compensagio por tras do véu da consciéncia, algo como uma experiéncia aparentemente espontanea que recupera a homeostase perdida. Entretanto, esse novo est4gio de equilibrio nao é apenas um retorno a um estagio anterior, mas uma verdadeira evolugio nos determinismos pessoais do individuo. Desse modo, pode-se hipotetizar niveis ou graduagées da consciéncia que podem ser ativados, ou nao, em conformidade com a constituigéo e experiéncia de cada um e 0 meio social no qual o sujeito est4 inserido. Tal hipétese foi observada pelo préprio James, conforme se vé na pégina 242, em suas conferéncias sobre o misticismo: E que a nossa consciéncia desperta normal, a consciéncia racional, como lhe chamamos, n&o passa de um tipo especial de consciéncia, enquanto que em toda a sua volta, separadas dela pela mais fina das telas, se encontram formas potenciais de consciéncia inteiramente diferentes. Podemos passar a vida inteira sem suspeitar-lhes da existéncia; basta, porém, que se aplique o estimulo certo para que, a um simples toque, elas ali se apresentem em sua plenitude, tipos definidos de mentalidade que tém provavelmente em algum lugar o seu campo de aplicagao e adaptagéo. Nenhuma explicagao do universoemsua totalidade podera ser final se deixar de lado essas outras formas de consciéncia. A questao resume-se em como observ4-las — pois nao ha muita continuidade entre elas e a consciéncia ordinéria. Quando James, na citada obra, aborda a natureza plastica da consciéncia ao tratar do misticismo, sua pretensdo nao é deixar as fronteiras de sua ciéncia, a fim de simplesmente adentrar o territério religioso; ao contrdrio, ele se apossa de certas vivéncias e contetidos religiosos para melhor explicitar a complexidade da consciéncia, objeto especifico de sua andlise. Como certas vivéncias religiosas exprimem estados especificos da mente, a psicologia encontra-se obrigada a seguir em frente, mesmo que tenha que penetrar num territério cheio de complexidades e intersegdes, onde as discriminagdes tornam-se cada vez mais complexas e as conclusées movedigas. tica: James e Jung revisitados éncia mfs Experiéncia religiosa e consci Capitulo II Religiosidade e Cultura Contempordnea: desafios para a psicologia 4. Experiéncias numinosas Analisar o fendmeno religioso a partir do modo como ele se expressa na vivéncia € buscar um campo de recuo na observacao que seja suficiente para abranger os sentidos e simbolos absolutamente centrais da constituigg0 humana. Os chamados estados misticos nao sao fendmenos incomuns. Sempre existiram em todas as culturas e sociedades, expressando-se a partir de simbolos centrais e suprarracionais. O que tudo isso implica € que, em seu desenvolvimento, a Psicologia direciona-se para um nico ponto da vida mental, um conceito de grandeza que substitui o conflito, cuja metdfora junguiana da “montanha” é apropriada. Quando se atinge tal estégio de conscientizagao de contetidos transcendentes, ocorre um notdvel equilfbrio na esfera mental. A percepgao da realidade muda, redirecionando a cognigao para um novo alcance de ideias e valores, confirmados na mudanga de comportamento. Essa metanoia, que desde os gregos era ressaltada principalmente em Platdo, € a conexdo com valores e contetidos numénicos que alcangam o psiquismo. Platao nomeou esses valores de Ideias, ao passo que Jung, em sua teoria psicolégica, chamou- os simplesmente de arquétipos. Quando, ao final do Banquete (PLATAO, 2003), Sécrates faz o seu discurso sobre a metafisica da beleza, sugere que a psique é determinada a progressivamente superar a compreensio e fruig4o de grandezas relativas, a partir da integragdo na consciéncia de uma grandeza de valor absoluto. Nao se trata de um dado relativo, que varia e sofre as vicissitudes das comparagées; ao contr4rio, por ndo se alternar, permanece estavel e invaridvel. Por meio de sua metdfora, Sécrates intufa “o que estava sobre si” refletindo-o através de um sentimento nostilgico. Nesse contexto, o sentimento religioso j4 havia se enraizado na filosofia, que se tornara, em certa medida, uma filosofia mistica durante 0 periodo classico. As vivéncias religiosas foram explicadas por Filo de Alexandria (ARMSTRONG, 1994, p.80) como uma espécie de “frenesi coribantico, uma verdadeira possessao divina”. Um estado de consciéncia, que, segundo dizia, “caia como a neve”, tornando suas impress6es extremamente claras. Tal polarizagao em torno de contetidos “numénicos” pode ser rastreada em quase todas as grandes culturas que se estenderam da Antiguidade ao perfodo medieval. Em todas elas encontram-se os indicios de uma vivéncia central; uma experiéncia viva que, entre os hindus, era chamada de samadi; entre os zen-butistas, satori; entre os sufis, Jana; entre os taofstas, wu-wi; e entre os cristdos, “renascimento pentecostal”. Em todas essas sociedades e em diversos estagios do seu desenvolvimento, o principio de uma vivéncia religiosa esteve presente, contribuindo para o progressivo desenvolvimento da consciéncia e, ao mesmo tempo, produzindo contetidos simbélicos que permaneceram vitalizados até os dias atuais. James (1902) interessou-se particularmente pelas vivéncias religiosas dos seres humanos de seu tempo e sua cultura, o que 0 fez sabiamente, uma vez que esses registros encontravam-se mais proximos de sua realidade pessoal. E uma comparacao destes com outros registros realizados na cultura ocidental contemporanea permite identificar similaridades em termos de estrutura e dinamica do modo como a experiéncia religiosa é vivida/descrita pelos individuos. Veja-se por exemplos os casos analisados por Jackson e Fulford (1997). A diferenga encontrada est4 muito mais, de fato, no modo em que estas experiéncias sao analisadas pelos psicélogos e psiquiatras da religido dos dias atuais. A despeito das diferengas de abordagens, entretanto, com frequéncia 0 critério proposto por James — “reconhece-se a boa arvore pela qualidade dos seus frutos” — continua valendo, desde para adeptos da psicologia cognitiva a propagadores das correntes Nova Era. Quando abre sua décima sexta conferéncia, James (1902/1995, p. 237) assim esclarece a sua abordagem sobre os estados misticos: Se o meu tratamento dos estados misticos projetara mais luz ou mais sombra, nao sei, pois =79= Experiéncia religiosa e consciéncia mistica: James e Jung revisitados Capitulo Il Religiosidade e Cultura Contempordnea: desafios para a psicologia minha propria constituigao me exclui quase inteiramente do seu desfrute, e s6 posso falar deles de segunda mao. Mas, embora forcado a olhar para o tema tao externamente, serei o mais objetivo e receptivo que puder; e creio que terei éxito, pelo menos em convencé-los da realidade dos estados em aprego e da importancia soberana da sua fungao. 4.1 Experiéncias misticas James (1902/1995) propde quatro marcas que, encontradas em uma experiéncia, podem identificd-la como sendo mistica. Primeiro, a inefabilidade, que pode ser caracterizada por um estado cognitivo que desafia a express4o ou a linguagem humana. Ela nao pode ser comunicada nem transmitida a outros e se assemelha mais a um estado afetivo do que puramente intelectual. A segunda marca seria a qualidade noética da experiéncia, caracterizada a partir de estados elevados de conhecimento e discernimento, “estados de visdo interior dirigida a profundezas da verdade nio sondadas pelo intelecto discursivo” (1902/1995, p. 238). Tais experiéncias também apresentam uma terceira expressdo comum: o grau de transitoriedade na consciéncia. Elas nao podem ser continuas, uma vez que a consciéncia ainda nao est4 devidamente desenvolvida no sentido de acolhé-las de modo permanente. Podem durar de minutos a horas, mas se apagam como o pér do sol, e sua real qualidade permanece opacamente reproduzida na meméria. A ultima caracteristica, que se manifesta nas vivéncias misticas, é o grau de passividade em que permanece a consciéncia. O senso-identidade do eu desloca-se para um ponto periférico da esfera mental e o individuo, tal como se apresenta ordinariamente, permanece afastado e passivo no contexto de sua experiéncia. Esta pode ser até bastante ativa em relagio 4 mobilizag4o de facetas desconhecidas do sujeito, levando-o a agir, sentir e/ou pensar de modos bem diferentes do habitual. Os casos que James analisa em suas conferéncias sobre o misticismo sao variados. Ao contrario das conferéncias anteriores, sua reflexdo se estende para outras culturas, como o sufismo, o budismo e o hindufsmo. Contudo, um caso que se deu em uma cultura protestante e que poderia, sem qualquer distorgio, ser experimentado em uma cultura oriental € o relato tirado da autobiografia de J. Trevor: Numa brilhante manha de domingo, minha esposa e os meninos foram para a Capela unitéria de Macclesfield. Pareceu-me impossivel acompanh4-los — como se deixar 0 sol que resplandecia sobre as colinas e descer 4 capela fosse, naquele momento, um ato de suicidio espiritual. Eu precisava tanto de uma nova inspiragio e expansio em minha vida! Por isso, com muita relutancia e tristeza, deixei minha esposa e os meninos descerem 4 cidade, enquanto eu continuava a subir os morros com minha bengala e meu cio. No encanto da manhie na belezados morros e dos vales, logo perdi o senso de tristeza e pesar... No caminho de volta, de repente, sem mais aviso, senti-me no Céu — um estado interior de paz, alegria e seguranga indescritivelmente intenso, acompanhado de um sentido de estar-me banhando num quente resplendor de luz, como se a condigao externa houvesse produzido o efeito interno — uma sensagio de ter passado além do meu corpo, conquanto a cena ao meu redor se me apresentasse mais claramente e mais préxima de mim do que antes, em virtude da iluminagdéo em cujo centro eu parecia estar colocado. Essa profunda emogao perdurou, embora com forga decrescente, até que cheguei a casa e por algum tempo depois, desaparecendo aos poucos (1902/1995, p. 248). Capitulo II — Experiéncia religiosa e consciéncia mistica: James e Jung revisitados Religiosidade e Cultura Contempordnea: desafios para a psicologia Essa experiéncia incorpora as quatro qualidades de um estado mistico, conforme descrito acima. O estado afetivo do autor sofre uma ampliacdo, ligando-se a um conceito de grandeza. H4 também uma suave despersonalizagéo processando-se em sua consciéncia. Quando sente “ter passado além do corpo”, conquanto acena ao redor se lhe apresente sublimemente clara, revela que seu estado mental comegaa se deslocar para um campo incondicionado, além do alcance de suas representag6es pessoais. A passividade em que ele se encontra € outra manifestagao explicita de seu relato; sentia-se deslocado para um centro consciente que ndo era o seu, mas que estranhamente estava ligado a ele. O relato termina com o desvanecimento progressivo da experiéncia, denotando o seu grau de transitoriedade. A seguir, conforme a mesma pdgina da publicagao de James William, Trevor interpreta sua experiéncia: A vida espiritual justifica-se aos que a vivem; mas que podemos dizer aos que nao compreendem? Podemos dizer, pelo menos, que é uma vida cujas experiéncias se revelam reais ao seu possuidor, porque permanecem com ele quando trazidas a um contato mais intimo com as realidades objetivas da vida. Os sonhos nao suportam essa prova. Acordamos de um sonho para descobrir que foi apenas um sonho. As divagagGes de um cérebro esgotado nao suportam essa prova. As mais altas experiéncias que tenho tido da presenga de Deus tém sido raras e breves — clardes de consciéncia que me obrigaram a exclamar com surpresa — Deus est4 aqui! — ou condigées de exaltagao e vis4o interior, menos intensas, e que s6 gradativamente se desvaneceram. Tenho questionado severamente o valor desses momentos. A nenhuma alma viva os contei, receoso de estar construindo minha vida e meu trabalho sobre meras fantasias do cérebro. Mas chego 4 conclusio de que, depois de cada questionamento e de cada =82= prova, elas se apresentam hoje como as experiéncias mais reais da minha vida, e experiéncias que explicaram, justificaram e unificaram todas as experiéncias e todo crescimento passado. Com efeito, sua realidade e sua extensa significag4o estao se tornando cada vez mais claras e evidentes. Quando elas chegaram, eu estava vivendo a vida mais plena, mais forte, mais sadia e mais profunda. Nao as estava procurando. O que eu procurava, com resoluta determinagio, era viver mais intensamente minha propria vida, contra o que sabia ser o juizo adverso do mundo. Foi nas temporadas mais reais que chegou a Presenga Real, tive a consciéncia de estar mergulhado no oceano de Deus. Um relato semelhante € encontrado num texto de Jung e Wilhelm (1929/1988) sobre o misticismo oriental, mais especificamente, o misticismo chinés, cujo manuscrito foi adaptado para o Ocidente sob o titulo: O segredo da flor de ouro: um livro de vida chinés. O comentario do texto chinés original foi desenvolvido por ele e Richard Wilhelm, seu amigo e experimentado sindlogo. Em seu ensaio, ambos (1929/1988, p. 38) refletem a vivéncia mistica de Edward Maitland, que € descrita da seguinte maneira pelo sujeito da experiéncia: Eu nio dispunha de qualquer conhecimento, nem tinha qualquer expectativa quando me decidi fazer essa experiéncia. Simplesmente, estava cénscio dessa capacidade... sentado a minha escrivaninha, pronto para anotar os acontecimentos, segundo as séries que se sucediam. Resolvi manter a consciéncia externa e periférica, sem preocupar-me com o distanciamento de minha consciéncia interna e central. Nao saberia se poderia voltar A primeira, caso a deixasse, nem se poderia lembrar-me dos acontecimentos Experiéncia religiosa e consciéncia mistica: James e Jung revisitados Capitulo II

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