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Marcello Chalvinski*
Epígrafe:
Ficha Técnica:
Revisão: Petha
Programação Visual: Marcus Vinícius
e Marcello Silveira
Foto: Márcio Vasconcelos
Impressão: Unigraf
Colaboradores: Luciana Fernandes,
Carlos Henrique, Edgar A., Johnnie Walker,
Augusto dos Anjos, Akademia dos Párias, The Doors,
Tom Jobim, Miles Davis
e todas as noites do mundo.
Normalização:
S 587 a
Silveira, Marcello
Anjo na fauna & outros poemas/Marcello
Silveira. - São Luís: Brancaleone Ed., 1999.
87 p., 1. Poesia brasileira. I. Título
CDD. 869.91
Sumário
Devagar...
PREFÁCIO
A história começa
com uma sensação amnésica.
A confusão que se forma
no riso da moça.
O uísque inevitável.
Meu exército incendiário...
O jogo parece
não ter importância,
mas um lance provoca
reações desfavoráveis.
Entra em cena a cara & a
sarjeta. A moça se despede.
Impossível esconder a
paixão
pela noite.
Tudo que faço é fruto
de anseios & dores.
Putas & camburões.
Cordas & laços.
Quanto às flores,
amores & cores
_desejos noturnos, gritos,
horrores.
Feridas abertas
a fogo & aço.
VÓRTICE
d er a
ver-te
di v i na
ver t ente
di ver ti damente
di ver sa
a
ver-te ente
in ver samente
m ver na
na
mente
vertida
in tensamente
o vagabundo tomba
do alto da noite
olhos abertos
alma na sarjeta
grades nos ouvidos
sem perder a pose
enxuga o sangue
da boca & mergulha
ainda mais fundo
na maquinaria
da selva urbana
agora
sereI um anjo
&
terei olhos azuis
migrarei para uma biblioteca elegante
dormirei em poemas finíssimos
& reinventarei todos os versos
a meu modo
depois
serei bruxo
& terei olhos azuis
voarei rasante pelos bares
explodirei em tragos vigorosos
& paixões incendiárias
porém
quando o último sol
engendrar o sono implacável
prometo voltar pra casa
& me tomar
em meio ao luxo
um simples mortal
o MENDIGO PARADO
com um vazio tatuado no olho
sorria um riso fraco
fitando a vida vadia
que a morte lhe servia
no prato
o teu adeus
vestiu-me a morte de leve
& como um deus
aprisionado na sorte breve
arrastei pela neve
as correntes da tua lembrança
demente entre os dementes
com as unhas sujas
de esperança
removi da alma suja
cada mancha
do teu batom ausente
rimei em vão
rimei sim & rimei não
rimei assim tão
perdidamente
que à minha frente
perdia-se
a reflexão
& o teu adeus
que me cortou feito navalha
dissipou-se enfim
_negra mortalha
sangrando a paixão falha
numa hemorragia de falhas
VAU DA INDIFERENÇA
esparadrapo
é como dizer
branco
trapo
não importa
a carne
ferida
ou
a dor
do
poeta
fraco
DEPOIS DOS
BOMBONS
DE CHOCOLATE
sob o teu retrato
uma coisa
como tirar
pedras
dos sapatos
outra
de colher teus olhos
no ano-novo
I
1. do oitavo andar
eu pulo
poluo o chão
com meu sangue
asas espatifadas
& alma de patife
nenhum nome
para resolver
minhas equações
etílicas
2. soprada por deus
minha boca abriu-se
em beijos
carne ferida e úmida
sabores
hálitos
sonhos táteis...
3. o tempo distraído
engole distâncias
.. .
na minissaia
da moça
...minha mancha
na calçada
é varrida cuidadosamente
no
rio dos edifícios
que escalo
& das ladeiras
que subo
há festas
onde travestis
desesperados
comem & bebem
do sangue das prostitutas
em mil lâminas de barbear
o meretrício em festa
não acredita em festa
nem eu
VOCÊ COMO UM
UÍSQUE
o desejo que não tive
roubou de mim
a última dose
de ontem
O MENDIGO EM
MOVIMENTO
mantinha-se grudado à
treva
olhando o mundo
através de um copo
até o dia
em que uma embriaguez
luminosa
com um golpe
quebrou-lhe
as lentes
OMNIVIDÊNCIA
autóctone das estradas
que joguei no lixo
da memória
sei de tudo
que acontece
agora
mas
por ora
nada me fascina
o melhor cenário
não faz comentário
o mal
é do novo
REALIDADE VIRTUAL
a mentira
comum
mente
a verdade
raramente
CALIBRE 35
o filme começa:
uísque pó & putas
alguém entra atirando
atrás do piano
ensaio a fuga
o barman
sabendo que vai morrer
prepara uma dose
& parte para outra cena
enquantoo sanguejo rra
entre as balas
um j azz hipnótico
encanta a loura
no meu conversível
a salvo
com os diamantes
fujo para o Brasil
&
sereno
conquisto o anonimato
UM COPO DE DEZ
foi aos vinte&oito
que reconheci
meu companheiro
& sua essência mutante
nem tão vítreo
nem tão plástico
mas receptivo
& receptáculo
Paguei dez dinheiros
pela dose
&
embora outros
tenham sido dados
este lance
não abolirá
o acaso
SANGUE AZUL
para uma alternativa
o primeiro filho
faz seis mortos
canta bossa
chega ao poder
fica pra estudar
escreve a todos
&
afirma não estar
preocupado
DIVA
amada fala
ímã da vida
vívida cala
na cama
a fama
da dama
dividida
A QUEDA
DO REI BRANCO
tomaria minha dama
se forçasse
& foi o que fez
quando irônico
mandou seus peões
me atacarem
escondendo o riso
sacrifiquei o bispo
& dei-lhe xeque-mate
PALAVRA OCA
devo
à
boca
outra
que não será dita
a coisa
é bem assim
você encara?
então é cara
ou coroa
a sua sorte
vai ficar
na borda
da moeda
as melhores flores
ocultam títeres sombrios
que dançam
& despedaçam
os fios da prisão
do movimento
as mais belas estrelas
derramam tinta
nos guardanapos
& embaraçam
sorrisos ácidos...
nos copos
(tulhas da memória)
cinza de emoções
moeda falsa
a dama pálida se desnuda
buceta ávida
disparos certeiros...
o amor num lance de
dados
à mercê de dedos
trapaceiros
quando
a consciência molha-se
dos latidos de agosto
sinto passar por mim
um cheiro nojento
de comida
&
o ar
se enche do adocicado
perfume
da hidrofobia
escondo de ti
minhas almas velhas
enferrujadas
&
feito um diabo sujo
roubo asas
desbotando lembranças
mofas
à luz
de amorfas flores
por amores
desbotadas
o mal
com seus olhos secos
percorria os bares
engendrando a dor
o sangue
& a peste
bêbado entre os bêbados
devorei seus frutos
& docemente
pude matá-lo
com minha semente
LILITH
sob
o'
sol
ateu
soube
o
que
é
teu
&
me
perdi
pelos
teus
pêlos
meus
NA IDADE DO
VAMPIRO
em segredo
eu sonhava crimes
através da noite
& media
com meus olhos
a carne macia
de minhas vítimas
blues na língua
perfume na boca
& nenhuma gota
nenhuma
se derramava
SAMBA
DA CAUSA MORTIS
se não for susto
há de ser vício
se for ócio
ossos do oficio
PLENILÚNIO
indiferente ao sabbath
o morto a meu lado
engendrava uma estranha
moeda
sob a língua
pus
de lado seu sorriso
& ele me presenteou
com balas
houve silêncio.
depois risos.
eram balas de festim
ÍNCUBO
na cama à minha frente
preparas o beijo
inconsciente..
silencioso
alegro teu sono
inoculando orgasmos
em teu corpo
mas
depois do gozo
deixo-te convulsa
em pesadelos
&
mesmo aSSIm
teu marido
dormindo ao lado
nada percebe
ARCANO MAIOR
todas as noites
quando me sento
(pés na sarjeta)
uma estranha forca
desce pelos beirais
& me enlaça o tornozelo
debochadamente
deixo que os risos
me caiam da manga
DA SOLIDÃO & OUTRAS
TRAGÉDIAS
o anjo bom
matou
o anjo mau
&
envelheceu
sem maldade.
DAS TRISTES
pousei meus olhos
no céu da cidade
& uma andorinha
me perfurou a córnea
a chuva que caiu depois
nada teve a ver
com a dor que você não viu
em goles
(ab)sinto
um trago
de(s)culpa
culpo
a responsabilidade
&
me habilito
(brevê de amante)
rasante
kamikaze
ou
quase
soturnamente
instalo portas
ao vento
carrego lenços
acendo cigarros
Incensos
versos...
oportuno
não me importo
cesso
LEGENDAS DO DIA
SEGUINTE
com o carinho incendiário
de um irmão
o que não parece tranqüilo
aponta os autores
&
o conhecimento da
capacidade
psíquica
divide opiniões
na favela
trago na boca
um corte
&
o gosto estranho
das palavras
que esquecemos
o que restaria
de tudo que dissemos?
talvez cinema
talvez azul
talvez poemas...
nossas línguas
em linguagem única?
que eu na
assim à míngua
do furor de minha fantasia
depois de mim
o dia
presa ao relógio
por uma fita
. a espera
comportava-se
como um porco
tic-tacs
& seus vaticínios...
catástrofes
derramadas à mesa
VERÃO
seu jeito pelo caminho
tem data para ir
(todos já têm!)
abril
é insuficiente
antes do baile verde
ROTEIRO DE ÁUDIO
para Gullar
Locução:
Todos em suma.
Uns púrpura coisa
Outros porra nenhuma
3h37min
olhares sepultados
no último momento de
reflexão
tua sombra no mictório
me espreita entre os
bêbados...
a caminho
abro a porta
& um vaga-lume no
espelho
pronuncIa
teu nome
ANJO NA FAUNA
vivo (à noite)
o pardo
obscuro/cinza
&
ainda
sonho flores
telhados
& elevadores
morrendo à míngua
o fim de tudo
é a abertura de uma velha
porta.
O que há por trás
traz desejos órfãos
& sonhos incestuosos.
Gemidos incontidos
clamam por dedos lisos,
na ânsia corpórea
do incontido.
O cio que se repete após
o CIO.
A fome que alimenta a
fome.
O vício que devora o
vício.
É que, quando as ruínas
da noite se anunciam,
o exercício do fogo
desperta
vestais inconcebíveis.
A madrugada anuncia o
óbvio.
Duendes & diabos
seduzem fadas, enquanto
as virgens, caladas,
deixam de ser virgens
& os faunos insaciáveis
precipitam as paixões
pelos devaneios
...que são só o início
1. tem a boca de um
zeppelin
em chamas
mas
o incêndio
não provém da noite
nem
do dia frio
em que cremei seu
cérebro
2. à mercê
de demônios mesquinhos
& viúvas depravadas
as uvas
rendiam o vinho
com a precisão
de um cigarro vil
& calculista
PRIMEIRO SEGREDO
DOS MIADOS
URBANOS
ao longe
era como se a fêmea
sintetizasse o vício
ou
no início
a culpa de não ter
derrubava caixas
no porão
..
sem maIS nem maIS
despejou sobre mim
um rio de escárnios
& o desvario
de seus seios angelicais
louca dama
entre as damas loucas
atou-me à lascívia de suas
coxas
& me feriu assim
nuca alma boca
de unhas prazeres dentes
& desejos infernais
Z
flor tóxica do vício
z era meu anJo
de dedos devassos
perfume exato
doce & langue
con
tato
BABY VESTAL
do alto da torre
em chamas
minha amada
chama por mim
a dor é espessa
mas todos os segredos
estão sob minha capa
OPUS DO DESATINO
do topo da noite
posso adivinhar-te
olhos iluminados
& lábios úmidos...
mas
como um menino
nosso destino
deixo ao ocaso
A PAIXÃO
SEGUNDO LÚCIFER
na alma
de demônio
dois pensamentos:
te possuir
& aniquilar
o exorcista
deixe-me irmã
deitar sobre teu busto
meu olhar vampiro
deixe-me pousar meus dentes
meus lábios
&
meus ímãs
sobre teu destino
pra fazer
assim
no que de ti destilo
a metade
mais incandescente
de mim
ESTÉTICA DO TESÃO
bela é minha amada
que me dá arrepios