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HALLYN. F. Introduction: In: GALILEI, G. Le Messager des Hioiles. Paris Seuil, 1992, HECHT, H. Gotsfied Wilhelm Leibniz. Mathematik und Natunvissenschaften ins Paradigma der Metaphysik, Leipzig: Teubner, 1992. KEMP, M. Bildervissen. Die Anschaulich Kéln: DuMont Buchverlag, 2003, KEMP, W. Disegno. Beitrage zur Geschichte des Begriffs zwischen 1547 und 1607, Marburger Jahrbuck fir Kunstwissenschaft, v.19, p. 212-240, 1974 KLEE, P. Livro de esboros pedagégicos. Munique: Bauhausbiicher, 1925. . 2. LATTIS, J. M, Between Copernicus and Galileo. Christoph Clavius and the Collapse ofthe Ptolemaic System. Chicago: Londres: University of Chicago Press, 1994, LEIBNIZ, G. W. Briefan Gallofs (Carta a Gallois), 1677. In: GERHADT, C. 1 (Ed), Gotthed Wilhelm Leibniz, Mathematische 1863 freimp. 1962]. v. 1 LEIBNIZ, G. W. Stniliche Schifen und Briefe (Editado pela Academia Prussiana, posteriormente Academia Alem’ de Cincias de Beslim), [AA], VI, 4, cartan. 241,) Berlim: Akademie-Verlag, 1923. 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Queremos saber 0 que significam as imagens e 0 que fazem, o modo como elas se comunicam como signos e simbolos, que tipo de poder elas tém de afetar as emogdes ¢ 0 comportamento humano, Quando se levanta a questio do desejo ~ normalmente localizado nos produ- tores e consumidores de imagens —, a imagem tratada ou como uma expressio do desejo do artista ou como um mecanismo para suscitar 0s desejos do espectador. Neste ensaio, gostaria de deslocar 0 desejo para as prOprias imagens e perguntar o que elas querem. Tal pergunta certamente nao significa um abandono das questoes interpretativas € ret6ricas, mas permitira considerar diferentemente, espero, a questio acerca do poder e significado pictéricos. Também nos au: apossarmos da mudanga fundamental ocorrida na histéria da arte € €m outra disciplina chamada de cultura visual (visual culture) ou estti~ dos visuais (visual studies)! que tenho associado & virada pictérica da cultura intelectual tanto popular quanto erudita. Para poupar tempo, quero partir do pressuposto de que somos capazes de suspender nossa descrenca a respeito das premissas da © Visual ealtare ow visual sual ou estudos rns, historia da arte e teoria critica, edicada ao estudo da imagem. (NT) EE Pergunta “O que as imagens querem: uma pergunta estranha e mesmo passivel de questionamentos. Tam. bém estou ciente de que solicita uma subjetivagio das imagens, uma Personifica¢ao ambigua de objetos inanimados, que flerta com uma auitude regressiva e superstciosa com relagio as imagens e que, s¢ tomada seriamemte, nos levaria de volta a priticas como totemismo, fetichismo, idolatriae animismo, Sio priticas consideradas primitive, ‘ou infantis pela maior parte dos individuos esclarecidos quando trata- das em sua forma original (por exemplo, adorar objetos materiais ou tratar abjetos inanimados, como bonecas, como se estivessem vivos) ‘ou em suas manifestagdes modernas (fetichismo, tanto de commo, quanto de perversio neurética) ‘Também estou perfeitamente ciente de que a pergunta pode soar como uma apropriagao de mau gosto de uma questio normalmente reservada a outros individuos, patticularmente aqueles que tém sido objeto de discriminacio, vitimados por imagens preconceituosas, ‘dentificados com estereétipos ou caricaturas. A pergunta de cente modo ecoa toda a investigacio a respeito do desejo do Outro despre- zado ou menosprezado, da minoria ou do subalterno, que tem sido tio central para os estudos modetnios sobre género, sextalidade ¢ etnia ? “O que quer o negro?” a pergunta levantada por Frantz Fanon (1967, P. 8) arriscando a reificacio da masculinidade e negritude em uma $0 formula. “O que querem as mulheres?” foi a pergunta que Freud ‘40 pOde responder.? Mulheres e negros tém lutado para responder diretamente tais perguntas, em articular seu proprio desejo. E dificil * Transferir as imagens de caracteris 8 roprias is minorias e aos subalternos seré tum tema central para a sequéncia do texto, Poderiamos da famore sewn de Gayate Spivak (1988) “Pode o subalterno flan”. A resposte < rnfo’tma resposta que econ quando imagens fo tratadss como signos ‘ou mudos, desprovidos de fila, sonoridade ou negagio (esse caso +r ngunts sctia: as imagens querem uma voz, uma poética de emuncs 59) acerca da forma segundo a qual nagens, produzindo “wma linguagem ‘cavando baracos” na ‘ordinério, quando as vozes parecera tetetn3¢ al Jones relata que Freud uma vex exclamou a princesa Maria Bonaparte “Was will das Weiss?” (°O que quer a mulher?") (GAY, 1989, p 670) (NLA) 165 Fupesrencs ee Seat Como imagens podem fazer o mesmo ou como qualquer auestionamento dese tipo pode ser mais do que apenas uin Ventrilo. intencionado ou, na melhor das hipéteses, inconsciente Geen’ S& Belgar Bergen perguntasse a Charlie McCarthy “0 que querem as marionetes?”*+ Nio obstante, gostaria de proceder como se a pergunta valese «Pens sr ita, por um lado, como um tipo de experimento de pen. Simento, simplesmente para ver © que sucede e, por outro, pela com. “isto de se tratar de uma pergunta que jf estamos fazendo, que nao podemos evitar e que, portanto, merece ser. analisada. Os precedentes de Marx ¢ Freud me encorajam, uma vez que ambos consideravam. necessirio que as ciéncias sociais ea Psicologia modernas tivessem que Jidar com as questdes do fetichismo e do animismo, com » subjetivi- dade dos objets, x pessoalidade das coisas. As imagens sie miacatna Por todos os estigmas préprios & animacio e & personalidade: exibern Corpos fsicos evireuais; alam conosco, is vezes lteralmente, 3s veses figurativamente; ou silenciosamente nos devolvein o elhar amen, Ge um abismo no conectado pela linguagem. Flas apresentam nis apenas uma superficie, mas uma face que encara o espectador. Ainds ue Marx ¢ Freud tratem o objeto personificado, subjetivade e ani, mado com profunda suspeita, subordinando seus respectivos fetiches & critica iconoclasta, acabam por gastar grande energia om detalhes G Mocessos pelos quais a vida dos objetos & producida na experitn. cia humana, E, a0 menos no caso de Freud, trata-se de uma questio realmente importante a possibilidade de uma “cura” de doenga do Edgar Bergen era um célebre ventriloquo americano ¢ Chalice McCarthy uma de suas marionetes, (N:T} Ao afismar que as imagens tm certas caractristicas d acerca do que é una pessoa. Qualquer que sean conta o que é que hi nas pes (Goat ananed) a Bementarto poderiainiciat-se pela origem da palavs peronone scarasusadas na tragédia grega. Em sama, pessoas ¢ personalida tacteristicas derivadas de imagens bem como as imagens drivam suas caracteciticas de poston. (Ny “ Escou ctendo aqui o comentério de John Berges (1980, p 3) sobre» Bulf unbridged by language”) em yeu elisico envio ‘Mais sobre esse assunto em meu texto “Looking at animale 1994, p. 329-344), (N.A) MJT. MITCHELL 0.UE AS mascENS REALNENTE CU fetichismo’ A minha posicio 6a de que o objeto subjetivado, anima- do, de uma forma ou de outra, é um sintoma incurivel, e que tanto Marx quanto Freud devem ser tomados como guias 4 compreensio desse sintoma para, talvez, sua transformago em algo menos danoso e Patoldgico, Resumidamente, estamos press a nossa atitudes magicas € pré-modernas frente a objetos, especialmente frente as imagens, € nossa tarefa no é superar tais atitudes, mas compreendé-las, para entio lidar com sua sintomatologia © tratamento literitio das imagens é bastante ousado na cele- bragio de sua personalidade e vitalidade misteriosas, muito provavel- mente porque a imagem literdria nfo solicita ser encarada diretamente, mas encontra-se distanciada pela mediagio da linguagem. Retratos magicos, mascaras, espelhos, estituas vivas e casas mal-assombradas estio por toda parte nas narrativas literdrias, tanto moderna quanto contemporinea, ¢ a aura dessas imagens imagindrias infiltra-se nas relagdes profissionais e cotidianas com imagens reais.® Os historia~ dores da arte podem “saber” que as imagens que estudam sio apenas objetos materiais que foram marcados por cores e formas, mas eles. frequentemente falam ¢ agem como se as imagens tivessem senti- mentos, vontade, consciéncia, agéncia e desejo.’ Todos sabem que 7 Freud (196, p. 152-157) aborda oftichismo sublinhando que se trata de um sntoma notoriament satisfatrio e que seus pacientes raramente reclamam dele, (N.A.) Imagens migiase objets aims so caraceitcs especialmente novels do samancs cropendo sae XIN. spaecndo nas pinan eBlse Does Ege Allan Poe, Henry James dlr, portods arte noomance tice (ZIOLKOWS 1979), Come 2 pido enconto com sxe hos tds pst-modernas~ esta deseo howvent se produsido nes pares domes reimentoporaluminita de objets sbjecvados (A) ‘A documentagio comy personificeda e viva no diseurso ‘da aparéncia e (para usar os termos, tuatamento oferecido por Winckelmann 3 ica como agente de seu proprio desenvolvimento histOrico e sua descri- $0 do Apolo de Belvedere como um objeto tio carregado de animo divino que mnsforma 0 espectador cm uma figura do Pigmaleio, uma estitua tornada viva, serd 0 foco central de tal ensaio, assim como o tratamento que Hegel faz do objeto aque recebeu o “batismo do espirito”. (N.A.) 168 suBesrenica uma foro de sua mae nao é algo vivo, mas relutariam em destruf-la, Nenhum individuo moderno, racional ¢ secular considera que ima- gens devem ser tratadas como pessoas, mas sempre estamos dispostos a fazer algumas excegdes para casos especiais. ‘Tal atitude nao esta restrita a valiosas obras de arte ou imagens que possuam um significado pessoal. Todo executivo do ramo da Propaganda sabe que algumas imagens, para usar o jargio, “tém Pernas" ~ ou seja, tém a surpreendente capacidade de gerar novas diregdes ¢ torgSes em uma campanha, como se tivessem € bropésitos préprios. Quando Moisés pede a Aardo que explique como fez 0 bezerro de ouro, Aario responde que simplesmente jogou © ouro dos israelitas no fogo e “saiu este bezerro” como se fosse um autOmato autogerado."' Evidentemente, alguns idolos também “tém ernas’* A ideia de que as imagens tém um poder social ou psicolé Bico proprio & de fato, o cliché reinante nos estudos contemporineos em cultura visual. A alega¢o que vivemos em uma sociedade do espetculo, vigiléncia e simulacro no é uma mera intuigio da critica Cultural. Mesto um icone do esporte e da propaganda como André Agassi pode afirmar que “imagem é tudo” e ser compreendido como alguém que fala nio apenas a espeito das imagens, mas pelas image como alguém que é, ele proprio, “nada mais do que uma imagem’ Nio ha nenhuma dificuldade, portanto, em demonstrar que a ideia de uma personalidade das imagens (ou, no minimo, um ani- mismo) encontra-se tio viva no mundo moderno quanto outrora em sociedades tradicionais. A dificuldade esta em saber 0 que dizer 4 seguir. Como as atitudes tradicionais frente a imagens ~ idolatria, Expresio propria do ramo de propaganda, radugio da expresso ingles have lg wT) © Pier Bor linha que o relato acerca do “autoengendramento” do bezerro era uma ds expiagdo da culpa de Aatdo (c da condenagio do povo judet) pelos © Grande, por exemplo, descreve 0 our atirado ao foga ato em idolo como seo fogo imitasse a decisio [do povel” (BOR, 1990, P19). (NA) ‘Meu colega Wu Hung me afirma que a fendmeno comum nas lendas chinesas. (NA) ™ O autor se refece « uma propaganda’de miquinas fo ‘anos 1990 estrelada pelo tenista André Agassi, (NT) WJ. T. MITCHELL ou AS mancens ReaLMenre aucnEM? ) fetichismo ¢ totemismo — sio recolocadas na sociedade moderna? Seria nossa tarefa, como criticos da cultura, desmistificar essas ima gens, destruir idolos modernos, expor os fetiches que escravizam os individuos? Ou seria nossa tarefa discriminar 0 verdadeito do falso, © saudivel do doentio, o puro do impuro, imagens boas de imagens més? Sera que as imagens séo um terreno onde ocorrem disputas politicas, onde uma nova ética pode ser articulada? Ha uma enorme tentagio em responder tais perguntas com um ressonante “sim” e tomar a critica da cultura visual como uma estratégia direta de intervengio politica. Esse tipo de critica procede expondo as imagens como agentes de dano ¢ manipulagio ideolégica. Em um extremo encontra-se a tese de Catherine McKinnon (1987, p. 172-173 ¢ 192-193), segundo a qual a pornografia ndo é apenas a representacio da violencia e da degradacZo da mulher, mas um ato de degradacio violenta ¢ que, portanto, imagens pornogrificas — espe- Cialmente fotografias ¢ imagens cinematograficas — sio, elas proprias, agentes dessa violencia, Existe também o argumento familiar e menos controverso na critica politica da cultura visual: o cinema hollywoo- diano constréi a mulher como um objeto do “olhar masculino”; ‘massas iletradas sio manipuladas pelas imagens da midia visual e da cultura popular; pessoas de cor sio sujeitadas a esteredtipos grificos e & discriminagio visual racista; museus de arte sio uma forma hibrida de templo religioso e banco, nos quais os fetiches da mercadoria sio exibidos em rituais de adorago piblica, designados a produzir mais- valia estética e econdmica. ‘Ainda que todos os argumentos anteriores tenham algum grau de verdade (eu mesmo sou responsivel por formular muitos deles), hi algo de radicalmente insatisfatério neles. Talvez 0 problema mais sbvio scja que a exposi¢io ¢ demolig&o critica do poder vil das imagens é to facil de ser realizada quanto ineficaz. Imagens sio antagonistas politicas populares, pois é possivel posicionar-se contrariamente a elas ‘¢, no entanto, no final das contas tudo permaneceri praticamente éntico. Amplos sistemas podem ser depostos, um ap6s 0 outro, Um forte exemplo dessa politica de sombras € 2 indistria de testes psicaldgicos destinados a provar que 0s jogos de videogame sio causadores de violéncia juveni Enormes quantias de dinheiro piblico sio gastas anualmente em “pesquisas” (si - uBesrenca sem que isso surta nenhum efeito na cultura visual ou politica. No caso de McKinnon o brilhantismo, paixo e futiidade da empreitada sio evidentes. As energias de uma politica progressista e humana, que busca justica social e econémica, estariam sendo realmente bem empregadas em uma campanha que tem como objetivo erradicar a pornografia? Ou tal empreitada seria, no melhor dos casos, um mero sintoma de frustragdo politica e, no pior, um desvio da energia politica progressista pela colaboracdo com formas diibias de reacio politica? Ou, melhor dizendo, o tratamento que McKinnon oferece 3s ima- gens, como se tivessem agéncia, é um tipo de testemunho de nossa incorrigivel tendéncia a personificar e animar imagens? A futilidade politica poderia levar-nos 4 reflexio iconolégica? Em todo caso, é tempo de puxar as rédeas dos argumentos acerca das consequéncias politicas da critica a cultura visual e de moderar nossa retorica sobre o “poder das imagens”. Certamente, as imagens io slo desprovidas de poder, mas podem set muito mais frigeis do que supomos. © problema € refinar e complexificar nossa estimativa acerca desse poder e do modo como ele se exerce. E por esse motivo que estou deslocando a pergunta de o que as imagens fazem para 0 que elas querem, do poder para o desejo, do modelo de poder domi- ante, 20 qual devemos opor, ao modelo do subalterno que deve ser interrogado ou, melhor, convidado a falar. Se 0 poder das imagens € como o poder dos fracos, isso poderia explicar por que seu desejo é o forte: para compensar sua impoténcia. Como criticos, gostaria- zmos que as imagens fossem mais fortes do que verdadeiramente sio para, asim, conferirmo-nos uma sensagio de poder ao confronti-las, expé-las e aclami-las. Por outro lado, 0 modelo subalterno das imagens revela a dialé- tica entre poder e desejo mas relagdes com as imagens, Quando Fa- non reflete a respeito da negritude, a descreve como uma “maldicio corporal” arremessada na imediatidade do encontro visual: “Olhe, Sobre o impacto de videogames, apoin : bode expitriocbnico, “culural, do que steno aos vedadton instrumented oléni, sabe, sma de fog. Paramsices etal’ yer conferneiaproferida ma Universidade de Chicago, “Phying By The Rules: The Culteral Policy Cha of Video Games’ pace do evento The Arts nd Haman in able Life, 27 de outubro de 2001. (N.A.) " 1. J.T. MITOHELL 0 ou¢ As nAcENS REALWENTE QUEREM? ” um negro!” (FANON, 1967, p. 109). Mas a construgio do exterestipo racial ¢ racista nfo € um simples exercicio da imagem como técnica de dominagio. Antes, trata-se da atadura de um né que une tanto © sujeito quanto objeto do racismo em um complexo de desejo ¢ édio. A violéncia ocular do racismo parte seu objeto em dois, tornando-o simultaneamente hipervisivel e invisivel,"© um objeto de “abominagio” e “adoracio”, nas palavras de Fanon.!” Abominacao e adoragao so precisamente os termos usados na Biblia para condenar a idolatria: € exatamente pelo fato de o idolo ser adorado que deve ser abominado pelo iconofébico."" O idolo, como o homem negro, é to desprezado quanto adorado, desvalido por ser insignificante, um escravo, ¢ temido por ser uma forca desconhecida e sobrenatural. Se a forma mais dramatica do poder da imagem na cultura visual é a idolatria, ela também é uma forca consideravelmente ambivalente ambigua. Enquanto a visualidade ¢ a cultura visual estiverem infec~ tadas por um tipo de “culpa por associago” com a idolatria e 0 mau- olhado do racismo, nio é de se admirar que historiador e intelectual Jay (1993) possa considerar o préprio “olho” constantemente na cultura ocidental, e a visio repetidamente “denegrida”. Se as imagens sio pessoas, entio, sio pessoas de cor, marcadas, ¢ 0 escindalo da tela completamente branca ou preta, da superficie em branco, sem matcas, apresenta uma face bastante diferente 0 homem que adora 0 Negro ¢ tio doente quanto aquele que © abomi- (FANON, 1967, p. 8). (N.A.) ™ Ver, por exemplo, 0 caso do idolo de Astoreth (Reis 23:13, logia davidoss: “Abo- licado como ab homine, io da imagem animada com bestss do também & um c Sobre o idole epee possivel de formas que combinamn caracter ver Carlo Ginzburg (1994, p. 55, 67). (N.A) " Da expressio ingless downcast eyes, utiizada por Martin jay (1993) (N.A.) m usesrenca Quanto ao género das imagens, esté claro que a concep¢io- padrio € que estas sejam femininas. Segundo o historiador da arte Norman Bryson (1994, p. xxv), as imagens “constroem sua audignels 20 redor de uma oposicio entre a mulher como imagem ¢ o homem como 0 portador do olhar” ~ nao imagens de mulheres, mas imagens como mulheres.” A pergunta “o que as imagens querem?” é, portanto, inseparivel da pergunta “o que querem as mulheres?”. Muito antes de Freud, “O conto da mulher de Bath”, de Chaucer, coloca em cena uma narrativa construida em torno do questionamento “o que as mu- theres mais desejam?”. A pergunta é posta a um cavaleito condensdo elo estupro de uma dama da corte, a quem foi concedido um ano de Suspensio da execurio de sua pena de morte para que vi em busca da Tesposta correta. Caso ele retorne com a resposta errada, a sentenca de morte sera executada. O cavaleiro recebe muitas tespostas erradas Gas mulheres que entrevista: dinheiro, reputagio, amor, beleva, belae *oupas, Prazer na cama, admiradores. A resposta correta, no entanto, & maitre, termo do inglés medieval que indica a ambiguidade entec a dominagdo de direito on por consentimento ¢ o poder advinds de uma forca superior ou astiicia.”” A moral do conto de Chaucer é due © dominio consensual, livremente outorgado, 6 melhor, mas o narrador do conto, a cfnica e mundana mulher de Bath, sabe que o ue as mulheres querem (ou seja, 0 que Ihes fata) & poder, e que elas © tomario da forma que for. Qual € a moral para as imagens? Caso se pudesse entrevistar todas as imagens que se encontre em um ano, quais respostas elas da. riam? Certamente, muitas imagens dariam as respostas “erradas” do conto de Chaucer, isto &, as imagens pediriam um alto valor para si, serem admiradas e louvadas por sua beleza, adoradas por muitos aman, kes, Mas, acima de tudo, elas gostariam de exercer alguma maestria (maistrye) sobre o espectador. O critico e historiador da arte Michael Fried resume a “convencio primordial” da pintura nos seguintester- ‘mos: “uma pintura deve, primeiramente, atrair o espectador, de ® Um texto central acerca do género da imagem e do ol Pleasure and Narrative Cinema” de Laura Mulvey (1975). (NA) * Meus agradecimentos a Jay Schléusener por soa ajuda maistye. (N.A) JT. MITCHELL 0.QUE As ukGENS REAL MENTE QUE? prender seu olhar e finalmente encanté-lo. Uma pintura deve cha- mar 0 espectador, paralisi-lo e sustentar sua atengio, como se 0 espectador estivesse impossibilitado de mover-se, como se estivesse enfeitigado” (Friep, 1990, p. 92). Em suma, 0 desejo da pi trocar de lugar com o espectador, fixé-lo em seu lugar, paralisé-lo, tornando-o assim uma imagem para o olhar da pintura, 0 que po- deriamos chamar de “efeito Medusa”. Esse efeito é, provavelmente, a demonstragio mais clara que temos que o poder das imagens ¢ ‘© poder das mulheres sio modelados um a semelhanca do outro, ¢ que se trata de um modelo, tanto de imagens quanto de mulheres, abjeto, mutilado ¢ castrado.”” O poder que desejam € manifestado como falta e nio como possessio. Sem davida, poderiamos estabelecer uma relagio entre imagens, feminilidade ¢ negritude de forma muito mais elaborada se relacio— ndssemos outras variagdes da subalternidade das imagens com outros modelos de género, identidade sexual, local cultural, e até mesmo de identidade entre espécies (suponha, por exemplo, que 0s desejos das imagens fossem modelados a partir dos desejos dos animais? O que ‘Wittgenstein queria dizer com suas frequentes referéncias a certas penetrantes metaforas filos6ficas como “imagens queer”?), Mas, pelo momento, gostaria simplesmente de retornar ao questionamento de Chaucer e ver 0 que acontece se questionarmos as imagens a respeito de seus desejos em vez de simplesmente olharmos para clas como veiculos de significados ou instruments de poder. Comecemos por uma imagem que é como um livro aberto, 0 famoso cartaz de recrutamento do exército norte-americano durante 4 Primeira Guerra Mundial, Uncle Sam, de James Montgomery Flagg (Fig. 1). Trata-se de uma imagem cuja demanda e mesmo seu desejo parecem ser absolutamente claros, focados em um objeto especifico: ® Ver Neil Herz (1983) e minha argumentaglo acerca da Medusa em Mite! 7). (NA) No entanto,o termo queer, como utilizado por Wittgenstein (1953, p. 79-80 e 83-84), ‘io significa de forma alguma perverso (wideratirll), mas sim alge absolutamente satural (ganz natch), ainda que estrano (seltsum) ou cxriaso (merkwvurdig) (N.AL) Na tradueio ingless, os vocsbulos slemies supracitados so traduzidos por queer A diferenciasio de significados é estabelecida por Mitchell e nio por Anscombe, ‘radutor para o inglés desta obra de Wittgenstein, (N.T) 1994, 174 uBesrenca 1 seja, jovens homens admissiveis para o servigo militar.* O. objetivo imediato da imagem parece ser uma versio do efeito Medusa: ela interpela o espectador verbalmente ¢ tenta paralisi-lo com seu olhar penetrante e (eu elemento pictérico mais extraordinério) com © efeito de proximidade de sua mao e seu dedo que aponta ao ‘espec- tador, acusando-o, designando-o comandando-o. Mas o desejo de paralisé-lo nao passa de um objetivo transitério e momentineo. Seu objetivo a longo prazo é emocionar e mobilizar 0 espectador, envié-lo 20 “posto de alistamento mais préximo” e, finalmente, fazer com que atravesse © oceano para lutar ¢, possivelmente, morrer por seu pais. Fon U.S ARMY NEAREST RECRUITING STATION Figura 1~ Monigomery Flagg, Unsle Som “Quero vocd para o ex Lee (1991, p. 58) oferece umta glosa intervalo em que a demanda o esv para além da necessidade por perverso vis exp ‘Sa demand. No en ‘quo pervers essa imagem! (NA) 19.4.7. MITCHELL 0 QUE AS MAGENS REALMENTE Até aqui temos feito uma letura do que poderiamos chamar de signos manifestos do desejo positivo. O gesto do dedo apontado é um elemento frequente nos cartazes de recrutamento modernos (Fig. 2). Para avancarmos, precisamos perguntar 3 imagem o que deseja, no sentido do que Ihe falta. Aqui o contraste entre o cartaz norte-a meticano ¢ © cartaz alemio é esclarecedor: a diltimo mostra um s wudando seus irmaos, chamando-os para se juntarem Uncle Sam, como o nome indica, estabelece uma relagdo mais ténue ¢ sutil com o potencial recruta. Trata-se de um homem velho, desprovido do vigor da javentude indispensivel para o combate ¢ talvez ainda mais importante, da conexo sanguinea direta que a imagem da patria poderia evocar Ele chama jovens rapazes para lutar ¢ mozrer em uma guerra nna qual nem ele nem seus filhos participario. Tio Sam nio tem filhos, usesr 76 apenas sobrinhos, sobrinhos da vida real (real life nephews) como coloca George M. Cohan. Tio Sam é esté , um tipo de imagem abserata, um cartaz que no possui sangue ©u corpo, mas que personifica a na: 40, pede o corpo e sangue dos filhos de outros homens. E apropriado, portanto, que seja um descendente pictérico das caricaturas brit pleas do Yankee Doodle, uma figura ridicula que adornou as pginas da evista Pari a0 longo do século XIX. Seu ancestral mais longinguo € uma pessoa real: “Tio” Sam Wilson, um fornecedor de carne ara o exército americano durante a Guerra de 1812. uma cena onde o protétipo original do Tio Sam esteja se ditigindo, nio a um grupo de jovens, mas ao gado prestes a set abatido. Nao é d admirar que essa imagem tenha sido tio uma inversio parédica na figura do L Podemos imagin Prontamente apropriada para Jncle Osama, incitando os jovens notte-americanos a irem para a Guerra do Iraque (Fig, 3), Figura 3 Tom Paine, Unle Osama, 2002 “Quero que voed vada o esque” ® George M. Cohan foi autor da versos sio: “I'm a Yankee live nephew of my U fnkee Doodle Dandy’ yodle Dandy / A Yankee Dood ile Sam's /Born on the Fi dada em 1941, era uma célebre em 2002, (N.T) WJ. TeamTeHELL 0 Entio, 0 que quer essa imagem? Uma andlise completa nos levaria as profundezas do inconsciente politico de uma nagio ima- ginada como uma abstragio desencarnada, um regime iluminista de leis e ndo de homens, de principios e nao de relagdes sanguinea, efetivamente encarnada como um lugar onde velhos brancos alistam Jovens de todas as ragas (incluindo um nimero desproporcional de pessoas de cor) para lutarem suas guerras. O que falta a esta nagio, real e imaginéria, é carne — corpos e sangue ~ e, para obté-los, envia ‘um homem oco, um fornecedor de carne, ou talvez apenas um artista Afinal, modelo do cartaz é 0 préprio James Montgomery Flagg. Sam é, portanto, o autorretrato do patriota artista norte-americano vestindo as cores da bandeira, reproduzindo a si mesmo em milhdes de impresses idénticas — um tipo de fertilidade que est4 disponivel as imagens ¢ aos artistas. A “desencarnacio” dessa imagem produzida em massa contrasta-se com stra encarnagio e localizagio como imagen” relacionada a postos de alistamento (e corpos de recrutas) espalhados por todo o pais. Dado esse pano de findo, pode parecer surpreendente que 0 cartaz tenha tido qualquer poder ou et de recrutamento e, de fato, seria muito dificil saber qualquer coisa a respeito do poder real da imagem. © que podemos descrever, no entanto, € a construgio do seu desejo em relacio a fantasias de poder € de impoténcia. Talvez a combinacio da sutil inocéncia da imagem quanto a sua esterilidade anémica, com suas origens no comércio ¢ caricatura, forme um simbolo apropriado dos Estados Unides. Por vezes a expressio de um querer significa antes uma falta do que 0 poder de comandar ou exigir, como no caso do cartaz promo- cional da Warner Brothers para 0 filme The Jazz Singer de Al Jolson (Fig. 4), cujo gestual evoca sdplica ou rogo, declaragdes de amor por uma “mie preta”* uma audiéncia que deve ser encaminhada para 0 cinema e ndo para um posto de recrutamento. O que essa imagem quer, diferentemente do que ela pede, é uma relagio estavel entre imagem fundo, uma demarcacio entre corpo e espaco, pele e roupa, exterior ¢ ividade como instrumento ® ‘A relagio entre aimagem desencarnada, sem corpo, ¢ aimagem concreta éabordada no capitulo 4 de Mieehell (2005). (N.A}) vy, uma ama de Teite negra que serve &s criangas brancas, * Do inglés mar interior. Essa demarcacio ¢ exatamente o que a imagem nio pode ter, ois os estigmas racial e corporal se dissolvem em um vai e vem de espagos pretos ¢ brancos que se alternam e tremulam frente a nossos olhos, como um medium cinematografico e a cena que promete a farsa Tacial. Como se essa farsa finalmente se reduzisse a uma fixago nos otificios e érgios do corpo como zonas de indisti s ‘Zo: olhos, boca € indos fetichizadas como portées iluminados entre o homem visivel ¢ invisivel, brancura interna e negritude externa, “I am black but O my soul is white” (sou negro mas minha alma é branca), diz William Blake, mas as janelas da alma estio triplamente inscritas nessa imagem como ocular, orale téctil — umm convite para ver, sentir e filat para além do véu da diferenca racial. Tal como afirma Lacan, o desejo que a imagem desperta em nosso olhar & exatamente aguilo que nao pode ‘mostrar. Tal impoténcia é o que Ihe confere seu poder especifico, ___O desaparecimento do objeto de desejo visual em uma imagem € por vezes 0 elemento caracteristico da produgio de espectadores, como no caso da miniatura bizantina do século XI (Fig, 5). A fi Cristo, como a do Uncle Sam ou a de AlJolson, se dirige d Wd. Te AITEMELL ooUE as, ao espectador, aqui com os versos do Salmo 77: “Escuta, meu povo, ‘mew ensinamento: emprestem suas orelhas as palavras de minha boca”. © que se mostra claramente, no entanto, pelas evidéncias a da imagem, é que as orelhas nio se inclinaram tanto 4s palavras da 7 quanto bocas foram pressionadas nos lbios da imagem, desgastando sua face até o limiar do seu desaparecimento. Sao espectadores que seguiram o conselho de Joio Damasceno: “acolher as imagens com. olhos, Libios coragio”.” Como no caso do Uncle Sam, essa imagem, deseja 0 corpo, sangue e espirito do espectador; diferentemente do Uncle Sam, ela entrega seu proprio corpo no encontro, em um tipo de reatualizacao pictorica do sacificio da eucaristia. A desfiguracio da imagem nio é uma profanagio, mas um signo de devocio, um reposicionamento do corpo pintado no corpo do espectador. pagado pelos bejos dos fs, Dumbarton Oaks, Washington D.C. ® Para uma discussio mais aprofundada, ver Nel susesrenca 180 Mo TemToWELL ove as macens ounewi quem? Expresses diretas de desejo pictrico como exsas sio geralmente associadas a modos “vulgares” de constituigio da imnagem — publicidade comercial; propaganda politica ou religiosa. A figura como subalterna {anca um apelo ou emite uma demanda cujos eeito e poder emergem de um encontrontersubjtivo compost por signos de dessjo postive © tsagos de falta ou impoténcia, Mas ¢a obra de arte como tal, o objeto estético do qual se espera autonomia em sua beleza ou sublimidae> Michael Fried fornece uma resposta na qual ‘argumenta que a emergéncia daarte moderna deve ser entendida em termos de negacio ou renincis 4 signos diretos do desejo. © processo de seducio pictérica admirado pot Fried € 0 indizeto, aparentemente indiferente frente ao espectador, {catralmente absorto em seu préprio drama interior O tipo espect de imagens que o cativa obtém o que quer exatamente por fingir nao. querer nada, simular possuir tudo aquilo que necesita, As discusses de Fried em tomo das obras Bolas de sabio de Jean-Baptiste Siméon Chardin (Fig. 6) A balsa da Medusa de Théodore Géricault (Fig. 7) dlevemn ser tomadas como casos exemplares, pois nos mostram que a Guestio no se reduz simplesmente ao que as figuras parecem querer, 408 signos legiveis do desejo que transmitem, Figura 6~Jean-Bupriste- Siméon Cha INovslorgue, Musen Metropol Figura 7 ~ Théodore Géricault, A baba da Medusa, 1819, Museu do Louvre (© desejo pode ser contemplativo ou hipnético, como em Bolas de sabo, onde o globo brilhante e tremulante absorve a figura, tornan- do-se “o correlato natural da prépria imersio [de Chardin] no ato de pintar € um espelhamento do que ele acreditava que seria a absor¢io do espectador frente a0 trabalho finalizado” (Friep, 1990, p. 51). Esse desejo pode também ser violento como em A balsa da Medusa, onde os esforcos dos homens na balsa devem ser compreendidos no apenas em relagZo & composigio interna do quadro e ao navio no horizonte que ver socorré-los, mas sim “como a necessidade de escapar a nosso olhar, de pér um fim a nossa contemplacio e serem resgatados da inexoravel ppresenga que ameaca teatralizar seus sofrimentos” (p. 153). © estigio final desse tipo de desejo pi parece, ao purismo da abstracio modernista cuja negacdo da pr do espectador ¢ articulada pelo tedrico Wilhelm Worringer em sua obra Abstraction and Empathy e concretizada, em sua versio final, nos quadros brancos do jovem Robert Rauschenberg, cujas superficies eram consideradas pelo artista como “membranas hipersensitivas [...] registrando mesmo 0 mais sutil fendmeno em suas peles esbran- quigadas” (Jones, 1993, p. 647). Pinturas abstratas sio imagens que no querem ser imagens, que desejam ser liberadas de seu tornar-se uBesresica 182 imagem, Mas o desejo de no mostrar desejo é, conforme nos lembra Lacan, uma forma de desejo. Toda tradigao antiteatral retorna mais uma vez ao padrio de feminilizagdo da imagem, segundo 0 qual a imagem deve despertar o desejo do espectador e, simultaneamente, encobrir qualquer sinal de desejo proprio, ocultando inclusive o reconhecimento de estar sendo contemplada, como se o espectador fosse um voyeur olhando através de uma fechadura, A fotocolagem de Barbara Kruger, Your gaze hits the side of my fice (Fig. 8), fala diretamente a essa concepsio purista ou puritana do desejo da imagem. O rosto de marmore esti de perfil, como o rosto do menino com a bolha do quadro de Chardin, desatento a0 olhar do espectador ou ao aspero feixe de luz que varre seu rosto de cima a baixo. O interior da figura, seus olhos brancos, sua expres~ sio petrificada, fazem com que ela pareca estar além de qualquer desejo, em um estado de pura serenidade que associamos a beleza clissica. Mas a inscrigo verbal colada na imagem envia uma men- sagem absolutamente contriria: “seu olhar atinge a lateral do meu rosto”. Se lermos tais palavras como se fossem pronunciadas pela estatua, toda a aparéncia do rosto se modifica subitamente, como se se tratasse de uma pessoa que acabara de ser transformada em pedra, como se 0 espectador fosse a Medusa, langando seu olhar violento e maligno sobte a imagem. Mas o local e a segmentacio da inscricio (em mencionar 0 uso dos pronomes seu e meu) fazem com que as palavras parecam, alternadamente, flutuarem sobre e grudarem-se @ superficie da fotografia. As palavras “pertencem” tanto A estitua, quanto 4 fotografia e & artista, cujo trabalho de corte e colagem foi to notavelmente posto em primeiro plano, Podemos interpretar tais Palavras, por exemplo, como uma mensagem direta sobre a politica de género do olhar, como uma figura feminina criticando a violéncia do olhar masculino. No entanto, o género da estitua no é claramente determinado, poderia muito bem tratar-se de um Ganimedes."" B, se as palavras pertencem @ fotografia, ou 4 composi¢ao como um todo, qual género deveriamos atribuir-hes? Essa imagem envia ao menos trés mensagens conflitantes acerca de seu desejo: ela deseja ser vist ® Ganimedes, na mitologia grega, é unt dos sua beleza feminina, é um pe pes de Troia,raptad nagem cujo género aio & clatamente de J.T. MITOMELL 0 aU As naAGENS ReALWENTE aUEREU cla nao deseja ser vista, ela é indiferente ao fato de ser vista. Acima de tudo, ela quer ser escutada ~ uma tarefa impossivel para a imagem silenciosa, imével. Como o cartaz de Al Jolson, 0 poder da imagem de Kruger vem da alternincia entre diferentes leituras, deixando 0 espectador em um tipo de paralisia. Face a imagem abjeta/indiferente de Kruger, 0 espectador é, simultaneamente, um voyeur exposto, que € flagrado espiando, ¢ os olhos mortais da Medusa. De forma oposta, 4 interpelagio direta da imagem de Al Jolson promete a libertagio da paralisia ¢ do mutismo, a satisfagio do desejo da imagem silenciosa € imével pela voz e pelo movimento — uma exigéncia literalmente satisfeita pelas caracteristicas técnicas da imagem cinematografica. Figora 8 ~ Bazbata Keuger 1, Mary Boone Galery "Seu olla ange a Iatral do meu rosto™ Entio, 0 que querem as imagens? Podemos tirar deduces gerais a partir desse répido exame? Meu primeiro pensamento é 0 de que, apesar do meu gesto inicial de afastar-me das questes acerca de significado e poder das imagens 184 Fusesterica Para aproximar-me da questio do desejo, acabei por retornar a0 pro~ cedimentos da semi6tica, hermenéutica e retérica. A questio acerca do gue as imagens querem nao elimina a interpretagio dos signos, tudo que alcanca € um deslocamento sutil do alvo da interpretacio, uma ‘modificacio sutil da imagem que temos das proprias imagens (etalvez dos signos)* As chaves para esse deslocamento sio: 1) consentir com a ficeao constitutiva das imagens como seres “animados”, quase agentes, simulacros de pessoas; ¢ 2) considerar as imagens no como sujeitos so beranos ou espiritos desencamados, mas como subalternos cujos corpos sto marcados pelos estigmas da diferenca, que fancionam tanto como ‘mediuns quanto como bodes expiat6rios no campo social da visualidade humana. £ crucial para essa mudanga ‘estratégica que no confundamos © desejo da imagem com o desejo do artista, do espectador ou mesmo das figuras na imagem. © que as imagens querem nao é 9 mesmo que a mensagem que elas comunicam ou 0 eftito que produzem, nio & Sequer 0 mesmo que elas dizem querer. Como as pessoas, as imagens podem nio saber o que querem, devem ser ajudadas a lembri-lo através do diélogo com outros. Poderia ter tornado esse questionamento mais dificil analisando Pinturas abstratas (imagens que no querem sé-lo) ou estilos como Paisagens onde a pessoalidade aparece apenas como uma Para usar a expressio de Lacan.” Comecei pela face como objeto Primordial e superficie da mimesis, do rosto tatuado as faces pintadas. Mas a questio do desejo pode ser dirigida a qualquer imagem e este ensaio & apenas um convite para que vooé mesmo o faca, scontece contemporaneamente com os conceitos def hoje, na era dos ciborgues, da vida artificial da engenhs ® Para uma anilise da animacio/personificacio da pa Landscape: Israel, Paletine and the A: © que as imagens querem de nés, o que falhamos em dar-lhes, € uma ideia de visualidade adequada a sua ontologia. Discusses contemporineas em cultura visual sfo frequentemente desviadas pela retérica da inovagao e modernizago. Querem atualizar a histéria da arte aproximando-a de disciplinas teéricas, do estudo do cinema ¢ da cultura de massa. Querem apagar as distingdes entre alta e baixa cultura e transformar “a historia da arte em uma historia das imagens”, Querem “romper” com a suposta dependéncia da histéria da arte de nogées ingénuas de “semelhanga e mimes supersticiosas frente as imagens que parecem Elas apelam a modelos de imagens “semidticos” ou “discursivos” que as revelam como projeydes da ideologa,tecnologiss de dominacio as quais a critica atenta deve resi ‘Nio se trata de tal concepgao de cultura visual ser errada ou infrutifera. Muito pelo contrério, ela produziu uma transformagio notivel até mesmo nos confins adormecidos da histéria da arte aca~ démica. Mas isso tudo 0 que queremos? Ou, mais especificamente, é isso tudo o que as imagens querem? A mudanga mais profunda que ‘marca a busca de um conceito adequado de cultura visual é precisa~ ‘mente a énfase no campo social do visual, nos processos cotidianos de olhar e ser olhado. Esse complexo campo de reciprocidade visual nfo é apenas um produto secundirio da realidade social, mas um elemento que a constitu ativamente. A visio é tio importante quanto -m na mediago de relagdes sociais sem ser, no entanto, re~ inguagem, ao “signo” ou ao discurso. As imagens querem direitos iguais aos da linguagem e no simplesmente serem trans- formadas em linguagem. Elas no querem ser nem igualadas a uma ‘historia das imagens”, nem elevadas a uma “historia da arte”, mas sim serem consideradas como individualidades complexas ocupando posigdes de sujeito c identidades maltiplas.»* As imagens querem uma critica de Michael Taussig (1993, p. 44-45) ao lugar-comum da “ ingénua” como “mera” cOpia ou representagio realista, (N.A.) S Estou resumindo aqui em linbas gerais os argumentos de Bryson, Holly « Moxey ‘em sua introduc editorial 3 revista Visual Culture, (N.A.) 5 Ouro modo de formular essa questo seria afirmar que as imagens no querem ser reduridas 20s termos de uma linguisticasistematica fundada no sujito cartesian tunitério, mas podem estar abertss 4 "poética da enuncia¢30” que Julia Kristeva see susesrericn hermenéutica que retorne ao gesto inicial da iconologia do historia~ dor da arte Erwin Panofsky, antes que este elaborasse seu método de interpretacdo © comparasse o encontro inicial com uma imagem a0 encontro com “um conhecido” que “me satida na rua removendo seu chapéu” (Panorsxy, 1955, p. 26).* © que as imagens querem, portanto, nio é serem interpretadas, decodificadas, adoradas, rompidas, expostas ou desmistificadas por seus espectadores, ou encanté-los, Elas podem nem mesmo desejar que comentadores bem-intencionados, que pensam que a huma- nidade € © maior clogio que se lhes pode oferecer, Ihes outorgue subjetividade. Os desejos das imagens podem ser inumanos ou nio- -humanos, mais bem modelados pelas figuras de animais, miquinas, ciborgues, ou mesmo por imagens ainda mais basicas — aquilo que Erasmus Darwin chamava de “o amor das plantas”. Portanto, o que as imagens querem, em tltima instincia, é simplesmente serem perguntadas sobre 0 que querem, tendo em conta que a resposta pode muito bem ser “nada”, Referéncias BERGER, J. About Looking. New York: Pantheon, 1980. BHABHA, H. The Location of Culture, New York: Routledge, 1994. (0 aca da

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