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E, por se multiplicar a iniquidade,

o amor de muitos se esfriará...


(Mt. 24.12)

1 ) O que estava acontecendo?

No ministerial da 1ª Região Eclesiástica ouvimos um impactante sermão


do Pr. Neil Barreto sobre 1 Coríntios 13, sobre o amor que edificou todos nós.
Desde ai, à luz do que vivemos no momento no Brasil e no Mundo, tomando
uma linha diferenciada do que ouvimos naquele sermão, resolvi meditar com a
Igreja o que faz o amor se esfriar, tendo como pano de fundo uma reflexão
exegética, na verdade um estudo bíblico que nos tire da nossa zona de
conforto, e nos ajude a crescer no Discipulado e na Missão.
Por que Jesus afirmou isto? Seu amor pelos/as irmãos/ãs, pelos seres
humanos está esfriando? Seria a pergunta que precisa ser feita, ou seja, está
diminuindo nossa sensibilidade?
O quadro literário onde se encontra este versículo é o chamado livro da
paixão e morte de Jesus. Começa no capítulo 21 com a entrada de Jesus em
Jerusalém aclamado como Filho de Davi, título messiânico e de nobreza, e
contraditoriamente como Profeta. “E as multidões, tanto as que o precediam
como as que o seguiam, clamavam: Hosana ao Filho de Davi! Bendito o que
vem em nome do Senhor! Hosana nas maiores alturas! (Mt. 21.9), “E as
multidões clamavam: Este é o profeta Jesus, de Nazaré da Galiléia! (Mt 21.11).
Contraditoriamente porque Rei e Profeta numa visão bíblica se opõem. Um
reina e governa, e o outro, denúncia e anuncia.
Esta unidade do Evangelho de Mateus vai do capítulo 21 até a
ressurreição, no capitulo 28. Ali há constante confronto entre Jesus e a classe
religiosa de Israel, saduceus e todos os religiosos ligados ao oficio do Culto e
do Templo. E paralelamente a isto, com os fariseus ligados ao ensino e
vigilância do cumprimento estrito da Lei-Torah. A sequência é esclarecedora.
Mencionarei parte: purificação do Templo-religião e mercado religioso (Mt
21.12-13); mais adiante, as curas no templo e a aclamação Jesus incomodam
mais uma vez.
Nenhuma sensibilidade pelos enfermos (Mt 21.14-17 ); no capitulo
22.15-22, vemos entrar em cena os fariseus e herodianos com intento de
“...Então, retirando-se os fariseus, consultaram entre si como o surpreenderiam
em alguma palavra. E enviaram-lhe discípulos, juntamente com os herodianos,
para dizer-lhe: Mestre, sabemos que és verdadeiro e que ensinas o caminho de
Deus, de acordo com a verdade, sem te importares com quem quer que seja,
porque não olhas a aparência dos homens. Dize-nos, pois: que te parece? É
lícito pagar tributo a César ou não? Jesus, porém, conhecendo-lhes a malícia,
respondeu: Por que me experimentais, hipócritas? Mostrai-me a moeda do
tributo. Trouxeram-lhe um denário. E ele lhes perguntou: De quem é esta efígie
e inscrição? Responderam: De César. Então, lhes disse: Dai, pois, a César o
que é de César e a Deus o que é de Deus. Ouvindo isto, se admiraram e,
deixando-o, foram-se...” (Mt. 22.15-22) E assim se desenrola as narrativas e as
parábolas que Jesus profere, sim, neste clima de confronto. E o povo e as
ovelhas à margem, sem o cuidado destes “pastores”. Mas por outro lado sendo
sempre o centro da atenção de Jesus, estão as ovelhas. Vejam o que diz
Mateus: “Ouvindo isto, as multidões se maravilhavam da sua doutrina.” (Mt
22.33).
Em meio a estes confrontos sobre doutrina, ritual e autoridade, surge a questão
chave que nos ajuda entender a fala de Jesus. Vejamos:

“Entretanto, os fariseus, sabendo que ele fizera calar os saduceus,


reuniram-se em conselho. E um deles, intérprete da Lei,
experimentando-o, lhe perguntou: Mestre, qual é o grande mandamento
na Lei? Respondeu-lhe Jesus: Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o
teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento. Este é o
grande e primeiro mandamento. O segundo, semelhante a este, é:
Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos
dependem toda a Lei e os Profetas.(Mt 22.34-40)
Aqui é a chave, porque Jesus abandona a discussão da ortodoxia (reta
doutrina dos religiosos), em favor do que é fundamental, o que distingue um
filho de Deus dos filhos do Diabo, O Amor!!! O Diabo é capaz de entender
todas as Escrituras e Doutrinas, citá-las, mas é incapaz de Amar. O Diabo
incita o ódio, a contenda, a falta de perdão. Quer tomar o lugar de Deus como
Juiz, a semelhança do que tentavam fazer os fariseus e saduceus. E que
seguem hoje fazendo isso, aqueles que por conta de oprimir e julgar destroem
a vida de irmãos e irmãs com juízo maldoso e premeditado. Jesus no texto
chama para o que é central na natureza do cristianismo, do que é espiritual, do
que agrada a Deus, o amor, a graça arrebatadora e amorosa de Deus que a
tudo restaura, ama e reconcilia.
Entramos pelo caminho da iniquidade que esfria o amor quando nossas
ideias são mais fortes do que nosso amor aos irmãos/ãs, quando julgamos por
causa de um fato ou uma prática que discordamos. Queremos ser Deus, nos
glorificar como donos da verdade, e jogar no inferno os que discordam de nós.
A iniquidade aumenta e o amor diminui.
Esta palavra de Jesus é posta dentro do Sermão Escatológico, o
anuncio do tempo do fim, do dia do Senhor. E este juízo, alcança todos nós,
ninguém escapa deste juízo, pois em algum momento, em nosso meio,
incorremos neste pecado dos religiosos nos tempos de Jesus, mas é
importante nos aprofundarmos mais para que como povo chamado Metodista,
"...cresçamos à estatura do ser humano perfeito em Cristo."

2) Uma lição prática: Os ais contra os Fariseus e a nós.

O capitulo 23 expõe com clareza a natureza do confronto. Jesus se


dirige a quem quer ouvi-lo e aprender Dele, Discípulos e Discipulas: “Então,
falou Jesus às multidões e aos seus discípulos:... (Mt .23.1) Características do
Religioso :
a) Se assentam na cadeira de Moisés para julgar. São
usurpadores, não pastores (23.2);
b) Sabem as doutrinas corretas, mas não as praticam. (23.3);
c) Impõe cargas religiosas sobre as ovelhas que eles mesmos
não carregam. (23.4);
d) Gostam de serem vistos e reconhecidos. Exaltam-se, pedem
honra para si como Lúcifer. (23.5)
e) Amam os primeiros lugares, adoram seus títulos e querem ser
distinguidos. (23.5-7)
Os ais que seguem são mais pesados ainda.

“Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas, porque fechais o reino


dos céus diante dos homens; pois vós não entrais, nem deixais
entrar os que estão entrando! [Ai de vós, escribas e fariseus,
hipócritas, porque devorais as casas das viúvas e, para o
justificar, fazeis longas orações; por isso, sofrereis juízo muito
mais severo!] Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas, porque
rodeais o mar e a terra para fazer um prosélito; e, uma vez feito, o
tornais filho do inferno duas vezes mais do que vós!... “ (Mt. 23.
13- 35).

E em seguida, o Juízo sobre Jerusalém e o Templo. Juízo que está


posto até os dias de hoje.

3 ) O que está acontecendo em nossos dias ?

Já apontei desde o inicio algumas crescentes iniquidades em nosso


mundo e mesmo na Igreja. Mas quero aprofundar. Comecemos com Wesley:

“A pessoa pela qual Deus julgará o mundo é seu Unigênito Filho,


“cujas saídas são desde a eternidade”, “que é Deus sobre todas
as coisas, bendito para sempre”. A Ele, que é “o resplendor da
Glória de seu Pai, a imagem expressa de sua substância” (Heb
1.3), o Pai “entregou todo o juízo, porque ele é filho do homem”.
(João V: 22-27)1

“Não serão apenas as ações de todo filho do homem que se


desvendarão, mas também todas as suas palavras, visto que “de
toda palavra ociosa que os homens disserem darão contas no dia
do juízo” (Mat. XII: 36.37); pois que “pelas tuas palavras”, tanto
como pelas tuas obras, “serás justificado, e pelas tuas palavras
serás condenado”. E não quererá Deus trazer também a lume
1
Wesley, J. Sermões de Wesley, Imprensa Metodista, São Paulo, 1953, p303.
toda circunstância que tenha envolvido cada ação ou palavra e
que, se não alterou a natureza do ato, pelo menos lhe atenuou ou
aumentou a bondade ou a iniquidade?” 2

As advertências de Jesus, ou mesmo as de Wesley, seguem sem


resposta para muitos. Percebe-se a ausência do temor de Deus, do
Juízo. Há uma crescente insensibilidade para com o outro. O outro só
existe na medida em que me é útil para satisfazer meu prazer ou minhas
aspirações e cobiça. Ou mesmo para encontrar culpados para as minhas
frustrações. Paul Tournier, em seu livro clássico, “Graça e Culpa”, diz
que as pessoas se tornam ácidas, depressivas, ou mesmo violentas por
não saberem lidar com suas culpas do passado que as acompanham.
Mesmo cristãos que tem a graça a seu alcance, não conseguem se
apropriar dela, tal o peso da culpa. Há então, diante deste peso, uma
transferência deste peso para uma situação ou pessoa. As redes sociais
estão repletas desta descarga de transferência e rancor.
Há ausência de temor de Deus, baixo nível da ética e da moral.
Tudo me é lícito desde que me dê prazer, compensações, me ajude a
alcançar minhas aspirações de poder.
O mensalão, o petrolão, são exemplos claros de como a moral e a
ética podem ser extintas, para que as aspirações pessoais e
corporativas sejam atendidas.

Tudo isso dá lugar ao que Paulo ensinou em 1Co 13. Sobre o amor que
tudo suporta, e que jamais se acaba, mas como disse Jesus, a iniquidade faz
sim o amor esfriar, e sem o amor, pois Deus é amor (1Jo 4.8), a iniquidade se
multiplica. Portanto, vigiemos preservando o temor a Deus e o amor aos irmãos
e irmãs, para que jamais se esfrie.

Bispo Paulo Lockmann

2
Wesley, J. Op. Cit., p.305.

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