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A diferença dos sexos1

Miquel Bassols

Será talvez uma surpresa para aqueles que conhecem da psicanálise somente sua
versão caricatural. Será sobretudo uma surpresa para aqueles que sequer leram Lacan
como ele merece. Contudo, aí estava, como a carta roubada do conto de Edgar A. Poe –
especialista em monstros –, à vista de todos e escondida de cada um: não há nada no
inconsciente freudiano, tampouco em suas formações – sonhos, sintomas ou delírios –
que nos assegure que a diferença entre um ser-homem e um ser-mulher esteja escrita nele.
O inconsciente se comporta como se só existisse um sexo, e todo o problema é saber qual.
Há que se repetir para que fique mais claro, depois de buscar e rebuscar: dessa diferença
dos sexos, não há rastro no inconsciente freudiano: nadica de nada. Mal poderia a
psicanálise construir sua arquitetura sobre uma diferença da qual não se tem notícia
alguma no inconsciente. Que Paul Beatriz Preciado (PBP) atribua à psicanálise justo o
contrário pode ou não ser puro desconhecimento, o que dá exatamente no mesmo para
efeito de argumentação.

A questão não se resolve com o expediente de repetir que os gêneros, diferentes


ou não dos sexos, não são mais que uma construção cultural2. Encontramos muitas
diferenças inscritas no inconsciente entre termos que se definem, precisamente, cada um
pela diferença binária com relação ao outro: ativo-passivo, presente-ausente, ver-ser visto,
tragar-ser tragado, expulsar-ser expulsado, fálico-castrado, pai-mãe, filho-filha... A lista
prossegue, embora não até o infinito. Impossível, entretanto, fazer diferenças e
estabelecer uma relação entre elementos que não têm uma representação no inconsciente.
É o caso do ser-homem e o ser-mulher.

Para formalizar os binários que – estes sim! – estão inscritos no inconsciente,


Lacan partiu no início do seu ensino de um famoso axioma: “o inconsciente está

1
Texto que compõe o quarto capítulo do livro: BASSOLS, M. La diferencia sexual no existe en el
inconsciente: sobre un informe de Paul B. Preciado dirigido a los psicanalistas. Olivos: Grama
Ediciones, 2021. Tradução de Rogério Paes Henriques.
2
Aqui o debate segue girando em círculos desde a clássica diferença feita por Robert Stoller entre sexo e
gênero. STOLLER, R. Sex and gender: On the Development of Masculinity and Feminity. New York:
Sciense House, 1968.
estruturado como uma linguagem”, isto é, construído como uma arquitetura feita a partir
das diferenças entre seus elementos, definidos precisamente por suas diferenças. São
diferenças entre “significantes” – eis o termo que Lacan tomou emprestado da linguística
de sua época que entendia, e permanece entendendo, a língua como um sistema de
diferenças – significantes não definidos por nenhuma essência ou significado dado de
antemão. Nesse ponto, nenhuma representação se refere a uma suposta essência, vale
somente por sua diferença para com outra representação. A linguagem, e os discursos que
se constroem por ela e a partir dela, fundam-se necessariamente nessa categoria de
diferença relativa entre seus elementos. E não parece tão fácil sair dessa lei de ferro da
linguagem na qual cada um de nós está imerso, sempre sem nos darmos conta disso
totalmente. Com essa sólida lei da diferença relativa entre dois elementos se construiu
todo um sistema, construiu-se também cada civilização conhecida: mente/corpo,
natureza/cultura, normal/patológico, homem/mulher, hetero/homo, yin/yan,
endogamia/exogamia etc. A diferença é o princípio de uma maquinaria que chega até onde
chega, com frequência por caminhos que são os da segregação, ora dura, ora sutil, porém
sempre chega a lugares inóspitos para preservar a singularidade dos seres humanos, os
seres que reivindicam – me incluo aqui decididamente – tal singularidade.

Lacan partiu, então, daquele axioma fundamentado no binarismo do significante,


para chegar, com brevidade, a outro aparentemente mais complicado, porém efetivamente
mais simples: “não há relação sexual”. O que quer dizer em primeiro lugar: não há nada
no ser humano que assegure a existência de uma diferença entre os sexos para estabelecer
depois uma relação, normativa ou não, entre eles. Disso tampouco há notícia alguma no
inconsciente e cada arranjo que se tente – incluindo o da multiplicação de “gêneros” –
parece destinado ao erro, a errar nesse espaço sempre “trans”. É que a solidez da lei de
ferro da “diferença” chega até onde chega para construir um discurso que pretenda
assegurar uma identidade ao sujeito. E quando se trata da sexualidade, há que se dizer que
não se chega muito longe. Na realidade, quando se trata da sexualidade e das formas de
gozar, quando se trata de resolver a pergunta sobre o mais íntimo da identidade sexual de
cada ser humano, tomado um a um fora de qualquer saco, não há barras de ferro
suficientes para armar a jaula. Toda tentativa de resolver a questão da identidade sexual
do ser humano fracassa estrepitosamente se só funciona com a categoria da diferença
relativa entre significantes. A diferença de gêneros tampouco chega a funcionar como
bússola para transitar nesse deserto, o deserto do gozo no qual, digamos já, não há terra
prometida possível. Dito de maneira mais simples e direta: no deserto do gozo e dos gozos
sexuais, não há oásis, só miragens. Cada ser humano é “trans”, transfugitivo ou
transmigrante, em trânsito ou em transferência de um lugar a outro. Porque “um lugar” e
“outro lugar” só podem ser definidos precisamente a partir de suas diferenças de um para
com o outro. É esta certamente uma das razões pelas quais o significante “trans”
converteu-se em um guarda-chuva para congregar identificações tão diversas como
contraditórias entre si. Pode funcionar também, funciona de fato em muitos casos, como
traço de uma diferença relativa, igualmente binária, para opor-se a outros significantes na
multiplicação de gêneros.

Esse fato de estrutura estava escrito com todas as letras na obra de Freud. Porém,
é certo que haveria que se saber ler onde isto estava, e não ler o que não está, com todas
as miragens e engodos com os quais se adorna o baile de máscaras da vida sexual. E,
digamos claro também: foi Jacques Lacan quem soube pôr essas letras em seu justo lugar
com esse aforismo, sempre difícil de comentar sem que a emenda seja pior que o soneto:
“não há relação sexual”. Seria razoável perguntar a PBP o que ele leria nesse aforismo
para permanecer sustentando sua crítica. Digamos ao menos como nós o entendemos:
quando se trata da sexualidade, não há modo de estabelecer identidades normativas a
partir da diferença entre significantes, sejam eles quais forem. O que deixa ao ser humano
– a cada ser humano sem exceção – em uma situação bastante precária na hora de instalar-
se em identificações sólidas e abordar a partir delas o gozo do corpo, de seu próprio corpo
e do corpo dos outros. Tudo o que podemos construir no discurso dos gêneros se move
necessariamente nesse trânsito generalizado entre significantes e mascaradas, que o
discurso e a experiência da psicanálise podem ajudar a transitar, porém sem nenhuma
norma prévia como bússola.

Certamente, tal como evoca PBP em vários momentos de seu discurso: o ser
homem e o ser mulher só podem definir-se por sua diferença entre eles, como dois
significantes da linguagem, e não por uma essência definida por si mesma. Tampouco o
sexo chamado biológico pode nos dizer nada dessa essência e dessa diferença. Este é um
ponto de acordo, porém é precisamente sobre esse mesmo ponto que PBP constrói todo
seu desacordo e sua crítica aos psicanalistas em seu conjunto. O mal-entendido está pois
assegurado. Mas o mal-entendido é também a lei de toda conversação possível. Quando
duas pessoas estão muito de acordo, não há conversação, só consenso sustentado em
acordos tácitos. E a conversação, quando é analítica, põe sempre em questão acordos
tácitos.

A diferença, então. Como sair dela sem se ver entrando de novo em seu império
governado pela lei de ferro do significante, seja para identificar-se com algum dos dois
termos, seja para rechaçá-los. A diferença tem já algo de monstruoso nela própria porque
escapa de si mesma e se expande por todo o sistema. E se expande mais na medida em
que se queira fazer desse sistema um todo, um conjunto fechado, saco ou jaula,
precisamente. É também o problema do “binário” e do “não-binário” no qual PBP segue
com sua crítica ao discurso da psicanálise. Onde termina um, “o binário”, e começa o
outro, “o não-binário”? O binário contagia a todos os elementos do sistema, seja
considerando-os cada um em relação a qualquer outro, ou ainda considerando-os cada um
como oposto a todos os demais. Lacan escreveu o código desse vírus da linguagem de
uma maneira muito simples: S1 => S2. (De fato, Lacan é muito mais simples que Freud,
embora pareça mais complicado.) Com esse par de letras afetadas por uma ordem e por
uma seta que os vincula em sua diferença, temos já escrito todo esse sistema de gêneros
que poderia parecer tão monstruoso com suas diferenças e suas segregações respectivas.

Porém, alguém terá observado que a própria definição do “não-binário” é,


olhando-a por qualquer ângulo, ela mesma binária, já que construída somente por sua
diferença para com “o binário”? Não é com a negação que se pode encontrar a saída de
um sistema binário. Esta cartada não é um simples paradoxo lógico. Ou, melhor dito, é
porque parece ser um paradoxo que se pode utilizá-la para confundir todas as cartas em
jogo. Não, não é tão simples sair arejado da lógica da diferença e do binarismo que está
sempre implícita em cada estrutura de linguagem, em cada discurso surgido dela. O
binarismo ou o dualismo que se aninha modestamente, sempre de maneira silenciosa, em
todo discurso se reproduz em cada uma das diferenças que se estabeleçam entre um
elemento e outro do sistema. Acrescentar um terceiro ou quarto elemento não anula o
binarismo fundamental, simplesmente o desloca a cada uma das relações entre os
elementos da série que consideremos: LGBTIQ+... A lei de ferro do significante não terá
nenhum problema em acrescentar a letra M de “monstro”. Sobra lugar no abecedário o
qual se algum dia se esgotar, poder-se-á fazer como se faz com as placas de automóveis
e seguir escrevendo novas combinatórias, todas elas binárias. O significante não conhece
outra lei, senão a do poder do significante mestre para organizar diferenças. O que tem
sem dúvida sua dimensão política, também quando se trata de enjaular aos seres humanos.
E essa lei – a única, na realidade, para além de toda norma jurídica e social3 –
insiste de maneira especial quando se trata de definir o “trans”. Falamos de “homem-
trans” e de “mulher-trans”. Porém, o binarismo permanece inevitavelmente no mesmo
lugar onde estava, sem ter movido um fio de cabelo. Haver-se-ia que encontrar então um
modo de abordar o “trans” que pudesse escapar a essa lei de ferro. PBP é honesto nesse
ponto: “Não é fácil inventar uma nova língua, inventar todos os termos de uma nova
gramática”4. Os esforços por integrar ao dicionário o gênero não-binário com a desinência
“es” – em espanhol é sem dúvida muito mais fácil a tentativa5 – não vão muito longe na
hora de romper a grade do binarismo, essa lei de ferro – e de erro – da linguagem.
Contudo, se em algum lugar podemos nos sentir acompanhados por PBP é nessa tentativa:
com as palavras da tribo, criar uma nova linguagem, um novo vínculo entre os seres
humanos fora de toda segregação. Eis o fio com o qual a psicanálise tece seu discurso,
não só na privacidade de sua experiência individual, mas também no coletivo6. É o
problema da segregação do Um e do Outro. Chamemos então a esta lei: lei do binarismo
do Um e do Outro, porque é assim que ela se apresenta nos discursos aos quais o ser
humano se mostra sempre servo.

Em todo caso, e este é o fator fundamental, a lógica binária do significante explica


só uma parte da sexualidade, das identificações e dos modos de orientarmo-nos no campo
do gozo. Ela não é a parte mais importante. Digamos que explica unicamente a parte
representável da sexualidade, aquilo que se costuma chamar hoje em dia de “gênero”,
mas também de sexo. Explica o baile de máscaras, mas não pode dizer nada da música e
da partitura que anima o baile. Que acontece se tentamos submeter o campo do gozo, tal
como Lacan o inaugura a partir dos anos 70, a essa lógica binária? Eis que a maquininha

3
Algumas teorias do gênero contemporâneas tendem a confundir o social com o simbólico (ver BUTLER,
J. O clamor de Antígona: parentesco entre a vida e a morte. Florianópolis: Editora da UFSC, 2014), o
que permite aos movimentos políticos delas derivados apostarem, por exemplo, num discurso
pretensamente neutro e inclusivo, promotor de um novo laço social, supostamente liberto da lei de ferro do
significante. Em psicanálise, o social e o simbólico se articulam, mas não se equivalem, haja vista que todo
laço social se modula com base num discurso estruturado pela linguagem. [N. T.]
4
PRECIADO, P. B. Eu sou o monstro que vos fala: Relatório para uma academia de psicanalistas.
Trad. Carla Rodrigues. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2022, p. 44.
5
O autor catalão provavelmente se refere aos atuais esforços do governo espanhol, via Ministério da
Igualdade, em oficializar um gênero gramatical neutro. [N. T.]
6
O discurso do analista é o único que toma o a-bjeto como agente de enunciação, operando orientado ao
real como avesso do semblante. Se todo discurso segrega – na medida em que, imersos na lei de ferro do
significante, visam à submissão dos indivíduos a sua própria ordem de gozo, rivalizando entre si (um dos
nomes dessa rivalidade atualmente é “disputa de narrativas”) –, o discurso analítico ardilosamente pretende
driblar tal disputa e a segregação dela resultante pela via do um por um. Nesse sentido, a política da
psicanálise só pode ser a do sintoma, orientada ao mais singular em cada Um. [N. T.]
da diferença relativa e binária deixa de funcionar. A máquina para, colapsa, produz toda
espécie de signos que os psicanalistas – mas não só eles – chamam “sintomas”. Quando
se trata do gozo, e especialmente do gozo sexual, entramos no campo do Um... sem Outro.
Cada um com seus fantasmas e seus sintomas, e cada um sem saber a partitura que os
cifra.

Bastava uma leitura, por sumária que fosse, de alguns seminários de Jacques
Lacan como o Seminário 207 para entender que essa mudança de registro é fundamental,
que entramos em outra lógica que não é a da diferença do Um com o Outro, sejam eles
quais forem, mas sim que entramos no campo do Um... sem o Outro. O Um sempre nos
engana quando se apresenta a nós como Outro, outro ao qual rechaçamos, ao qual
segregamos, ao qual consideramos subalterno, inclusive subdesenvolvido. E, assim,
podemos chegar também a acreditarmo-nos estranhos para ele, inclusive monstruosos. Na
verdade, acreditamos nele e criamos o monstro com essa lógica.

Que essa alteridade radical – uma alteridade sem nenhum Outro a partir do qual
possamos defini-la – seja o “feminino” – não as figuras culturais da feminilidade – não
se pode atribuir ao patriarcado, nem à lógica segregativa das diferenças8. É uma alteridade
anterior logicamente ao patriarcado, até o ponto que podemos nos perguntar se o Pai
mesmo não seria talvez – mas somente talvez – um dos nomes dessa alteridade sem Outro
no qual sustentar uma reciprocidade. Há muitas passagens onde Lacan lança tal desafio a
quem queira reconhecê-lo. Vejamos uma delas:

Como saber se, tal como enuncia Robert Graves, o próprio Pai, nosso eterno
pai de todos, não é apenas um nome entre outros da Deusa Branca, aquela que,
em suas palavras, perde-se na noite dos tempos, por ser a Diferente, o Outro
perpétuo em seu gozo? – como essas formas do infinito cuja enumeração só
começamos ao saber que é ela que nos suspenderá, a nós9.

Eis aqui o famoso patriarcalismo virado de ponta cabeça, desmantelado


definitivamente. O Pai: só um nome entre outros da Deusa Branca, mito anterior a toda

7
LACAN, J. O seminário, livro 20: mais ainda (1972-1973). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.
8
O feminino em psicanálise é a alteridade radical – o sexo como diferença absoluta – anterior logicamente
ao patriarcado, que rompe com a lógica fálica universal (toda-fálica) atrelada à linguagem e sua lei de ferro.
Parece um “Outro gozo”, mas se trata da irrupção do Um do gozo sem Outro do qual receber significação.
[N. T.]
9
LACAN, J. Prefácio a O despertar da primavera (1974). In: Outros escritos. Trad. Vera Ribeiro. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 2003, p. 559.
cultura patriarcal. Já não se trata aqui da diferença relativa à qual se refere PBP, a
diferença dos sexos. Trata-se de uma diferença absoluta10, Outro radical sem nenhum
Outro ao qual se opor para defini-la. É o gozo do corpo, o sexual como tal, o que funciona
como Outro para o sujeito. Nesse giro radical, o Outro não é mais única e exclusivamente
o Outro da linguagem, o Outro ordenado pelo binarismo do significante, regido pelo Pai
que inscreveria nele sua lei simbólica. O Outro é agora o corpo, habitado por um gozo
autista que não se vincula a nenhum Outro do Outro11. Nesse ponto, o significante do Pai
se revela como puro semblante, um entre outros que podem cumprir a mesma função. Há
uma profusão de desenvolvimentos nessa direção – “o pai, servir-se dele para prescindir
dele”, foi um dos temas de um congresso da Associação Mundial de Psicanálise – muito
mais frutífera para não se permanecer atribuindo à psicanálise lacaniana a falsa etiqueta
de hetero-patriarcal.

Alguns parágrafos bastam para dizer a que se reduziu aquele fantoche do


complexo de Édipo nas personagens de hoje. O que resta do pai nas olimpíadas edípicas
pode ser abreviado com a caricatura que Hollywood refletiu em um ser desprezível,
mesmo em um simplório, a Leste e a Oeste do Éden12. Porém, não é por isso uma figura
menos idealizada pelos novos autoritarismos emergentes, também ao estilo Hollywood e
universalmente assumidos. Anunciam seu retorno mais funesto, e aplaudido por
“gêneros” diversos.

Sim, a psicanálise sabe há tempos que o patriarcado perdeu seu estrelato, mas
também sabe que o que vem depois não é necessariamente melhor, e que esperá-lo é uma
crença tão religiosa quanto outra qualquer.

Aquela que curiosamente não foi tão tocada é a figura da mãe protetora, nutriz e
submissa, que permanece ocultando o feminino em homens e mulheres, trans ou não
trans, cis ou não cis. Assim é tanto no Olimpo cristão quanto no Jannah – paraíso –
islâmico. O que sem dúvida facilita mais ainda aquele retorno funesto dos autoritarismos

10
Devo ao meu amigo Leonardo Gorostiza ter me assinalado essa “diferença” no ensino de Jacques Lacan.
11
Na diacronia de sua transmissão, Lacan passa do Outro ao Um nos capítulos IX (“No campo uniano”) e
X (“Há Um”) de O seminário, livro 19: ...ou pior (1971-1972), inaugurando assim seu derradeiro ensino.
O Um corresponde ao gozo inaugural no instante do encontro entre a materialidade significante e a matéria
do corpo biológico, pura ressonância e luz: “É como um trovão que ressoa em nosso corpo e que, efêmero,
se apaga. Um trauma surpreendente, intenso, que dá lugar ao silêncio – que existe por causa do som.”
(HORNE, B.; GURGEL, I. (orgs.) O campo uniano: o último ensino de Lacan e suas consequências.
Goiânia: Editora Ares, 2022, p. 56; grifo nosso) [N. T.]
12
Referência ao filme East of Eden – baseado no romance homônimo de John Steinbeck, uma releitura da
história bíblica de Caim e Abel – estrelado por James Dean. [N. T.]
emergentes. “Nostalgia do pai”, chamou-o Freud. É o princípio de toda religião, algo que
não podemos abreviar só com alguns parágrafos. A religião triunfará, insiste em dizer
Lacan13. Veremos qual. Aquela que prescindiu desde sempre do amor ao Deus Pai e
promove a fratria como vínculo social indestrutível parece conhecer hoje suas
oportunidades.

13
LACAN, J. O triunfo da religião. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.

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