Você está na página 1de 76
FRANCISCO CESAR epg X Tuas, para protestar contra 4 i , posta, declaracao de guerra cay FET pes tico-militar formada por Alemanha, Itdlia e Te Poli. 22 de agosto de 1942, o presidente xen, Em apés uma reuniao com seu mMinistério, a de beligerancia contra o Fix, O Brasil Por que um pats situado na peri capitalista ¢ sem politica externa agres: guerra? Como os brasileiros Particip: to? Quais as conseqiiéncias sociais, micas dessa participagao? Essas <4 Principais que nortearao este liyro. Ao respondé-las, estamos oferecendo também res- tas a perguntas que, ao longo de mais de meio século, surgiam naturalmente sempre que se abordaya assunto: “O governo Vargas era mesmo prd-Eixo?”, em leyou vantagem com a economia de guerra, no Os norte-americanos invadiriam o Nordeste nao houvesse um acordo diplomético?”, submarinos do Eixo que afundaram declaroy stale stava na. Suerra, feria do mund, Siva Entrou nessa aram desse confli- Politicas ¢ econg. 10 as trés questées > 0S BRASILEIROS E A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL Uma guerra nao muito distante A guerra em que os prasileiros estavam se envolven- do ja era, pela amplitude geografica ¢ pelo volume de recursos humanos ¢ materiais envolvidos, a maior da hist6ria da humanidade. E mais correto dizer que nao foram os brasileiros que foram & guerra, mas sim a guerra que chegou aos brasileiros. ‘A discussdo das causas principais do conflito esta fora dos objetivos deste livro, mas deve-se dizer que, embora tenha sido deflagrada “oficialmente” em 1° de setembro de 1939, com a invasao da Pol6nia pelas tropas alemas, suas origens remontam as conseqiiéncias da endo chamada “Grande Guerra” de 1914-1918, as tenses provocadas pela competi¢ao entre os interesses estratégicos ¢ econdmicos das principais poténcias ca- pitalistas e, néo menos importante, a luta entre os defensores do comunismo ¢ os que queriam sua con- tengao. Em nenhum pais essas tenses tornaram-se tao agu- das como na Alemanha. Derrotados na Grande Guerra de 1914-1918, os alemaes foram submetidos pelos ven- cedores & perda de territérios, ao pagamento de “repa- rag6es de guerra” e a reducao de suas Forgas Armadas. Essas medidas provocaram ressentimentos em boa parte de sua populacao, e combinadas com as crises econémicas das décadas de 20 e 30 abriram espago para «9. H Nazistas desen, yeram uma politica de exaltacao da nacional oe . i idade ger- -mianica e de Petseguicao sistemdtica aos JUdeus ¢ cg. munistas alemaes, acusados de trairem a Alemanha ng “Grande Guerra”. Ainda segundo os nazist: deveria, pela superioridade racial d -se a principal nacao da Europa e do mundo, tanto, deveria desenyolver-se internamente, pre- ndo-se para Fecuperar os territérios perdidos na anterior e ocupar os territérios dos povos con- ‘inferiores, principalmente na Europa do Les- ois em varias partes do globo. -se militar e economicamente, ape- I Seu povo, éxitos da diploma- érios “perdidos” » a Italia invadia alvo alemao seria a Inglaterra. Entre ardeou sistematicg. Pais, preparando uma Possivel invasao, milhares de toneladas de Suprimentos, em navios nos Estados Unidos ¢ Canad4 0 A sua aliada Inglaterra, softiam ataques de es. Intensificava-se a Batalha do Atlin- » ha drea de trafego entre a Buropaca rte. Milhares de tripulantes ¢ centenas * do Atlantico Sul estrangul das colénias africanas e aria os supri- asidticas (yer podem parecer, aos olhos de um oje, irrealistas e parandicas. Mas para 1€OS, €ssas ameagas cram efetivas e 1 convertidas em realidade. E depois de 1941, centenas de avides japo- ta-aviGes, atravessaram todo 0 Pearl Harbor, o perigo la. Os Estados Unidos de- ‘igiram uma tomada FRANCISCO césay Ferraz aE aado a guerra se tornara rin zd a 2 “atalho para o deseny, hot coe Mico € social de um pafs profiin cea Viments, Percorré-lo, porém, foi muito mais dific, te catente ‘esperava do g UE se tao Proxima liplomacia ambigua fveis acordos comerciais tornaram-se © centro engao das relades diplomaticas que Alemanha ¢ Unidos travavam com 0 Brasil, pelo menos até da guerra. Essa competicao serviu de esti- 0 aprofundamento das negociacies a respei- s prioridades definidas pelo governo de telagao a politica exterior: a construgao da necimento de armas e equipamento cas Armadas. Enquanto a diplomacia com a possibilidade de fornecer > uso militar e construir a side- o dos negécios ¢ da de certos materiais, 0s s, dependentes de FRANCISCO CESAR FERRAZ real ¢ imediato, enquanto que, para as lide; tares brasileiras, 0 efetivo perigo estava no numa possfvel conjungao de invasio argentina com apoio das expressivas colénias germanicas ¢ italiana, viviam nos estados da fronteira meridional, Desconfiados do filofascismo de algumas Tiderancas militares brasileiras, os norte-americanos Protelavam o envio de armas ¢ elaboravam projetos de oc, militar do Norte e do Nordeste do pais. A questo sidertirgica também era Postergada. governo de Roosevelt deixava claro que o apoio ao ijeto sidertirgico brasileiro deveria vir de investi- tos privados norte-americanos. Estes, por sua vez, no estavam interessados em sidertirgicas num pais que re thes exportava minério de ferro para suas pré- Enquanto o impasse com os norte-ameri- inuava, o governo brasileiro iniciava enten- ‘com representantes alemaes, que acenavam ‘total ao projeto sidertirgico e ao rearma- iis, tao logo o conflito na Europa acabasse. S norte-americanas aumentaram 0 discurso de Gettilio Vargas, Tancas mili. Sul do Pais, ‘upagao (95 BRASILEIROS EA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL « desmentidos, a Fepercussa> do discurso de Vargas preocupou os estrategistas aliados. Autorida- entenderam que © prego @ pagar des norte-americanas pelo apoio definitivo do Brasil no era tao alto assim: alguns milhoes de délares em financiamento para 4 construgao de uma usina sidertirgica ¢ envio de armas direcionadas para a defesa de um ponto estratégico que Jhes interessava diretamente. Para ‘Apesat do: uma nagao que ja de milhoes de délares em material enviava centenas seus aliados na pélico ¢ produtos de consumo para Europa, © acordo valia a pena, pelas vantagens estraté- gicas que Jhe adviriam. ‘Assim, em setembro de 1940, foi assinado © acordo para a construgao da sidertirgica, a ser instalada em Volta Redonda, no estado do Rio de Janeiro. O acordo liberava imediatamente 20 milhdes de délares, ¢ mais 20 milhoes seriam acrescentados posteriormente. As- sessores técnicos colaborariam para © projeto € a cons- truco da usina. A inauguracao, prevista para 1944, somente ocorreu em 1946, coma guerra ja terminada. Durante décadas, Companhia Sidertirgica Nacio- nal (CSN) tornara-se © simbolo nao apenas do inicio de uma nova fase na industrializacao brasileira, mas do préprio apoio brasileiro aos Aliados na Segunda Guer- ra Mundial. Houve até quem. dissesse, na década de 90, no calor das manifestagdes contra a privatizagao da CSN, que vendé-la seria vender o sangue dos brasilei- ros que tombaram nos campos de batalha da Italia. +19. =| FRANCISCO CSR rennay > | némicas ea maior exploracao do trabalh: ser aceitas pela populacao como uma Ador py essen do “esforgo de guerra”, nt inevitévey : maydes MUSSOes exigidas do combatente qo « interno” era estar vigilante contra ees 0 “Frog espionagem e sabotagem do esforgo de guerra ew de Os membros das colénias alemas, italianas ¢ a, ote bem como seus descendentes, comaram-se a da populacao, suspeitos em potencial. Foram ne ie dos a portarem salvo-conduto especial para ae pelas cidades do pafs e tornaram-se alvos constantes de dentincias, na maioria das vezes infundadas, Rixas antigas, preconceitos ¢ mesmo cobicas Pessoais gera- tam muitas dessas dentincias. A eficiéncia dessas praticas, na luta contra os atos de espionagem do Eixo e na captura de seus agentes, foi quena. Os verdadeiros responsdyeis por investigar ¢ bater tais atos, os aparelhos policiais brasileiros, fizeram com afinco. Especializados em “cacar” de adeptos do integralismo ¢ simpatizantes fascistas. Freqiientemente faziam vista ces de alguns brasileiros (geralmente daos de patses do Eixo que envi € cas para segdes de espion” 2 inimigos “internos »@ nosta ao sactificio FRANCISCO CésaR FERRAZ taram suas atengdes para a que perdera os cco. imag OB 0 inicio do século, exatamente 18 de borracha 4S péias do Sudeste Asiatico, ere 3S coloniag a sao desde entio. Para intensificé [yoo Prod, do latex para as industrias de eee AE O envig governo norte-americano criou a abba Pals, 9 pany. O recrutamento de trabalhadores pary sc do l&tex nos seringais amazénicos aie a me alistados, principalmente da Tegiao Nts ann & Por uma das piores secas do século, aie € 1942. Nao hd consenso em telacdo 20. mee ‘GAO a0 ntimero de trabalhadores deslocados para a “Batalha da Borracha” mas pode-se estimar que nao menos de 20 mil ones. deixaram suas regides para aventurar-se na producio om amaz6nica, muitos deles levando consigo suas: jas. ntudo, os sonhos de prosperidade e aventura nao ‘sucedidos. Muitos nao se adaptaram ao 0 € ao ambiente indspito da floresta; as valho eram as piores possiveis, acabando mo dependentes dos comerciantes inclusive casos mal disfargados GuNDA GUERRA MUNDIAL 9s BRAsiLEIROS F Ast cha acompanbou © insucess© vail toneladas por ano 22 mil foram produ- reduziu-se drastica- querta acabou, : 2 nica. Como nae borrat s, Das 35 infra-estrucura CCO” azonia retornou a sua letargia de antes da guet™™ i de trabalhadores ixaral ancios da aventura amazOnica i ys dificuldades da “Batalha da Borra- e sobrevive! : abandonados a sua propria sorte. cha” ficaram. . Aguerra significou mudangas também no cotidiano mobiliza- dos trabalhadores nas cidades. O decreto de cao nacional para a guctra incluia o trabalho humano como recurso mobilizavel. Os trabalhadores seriam, assim, os “soldados da produgao”, expresso que Vargas utilizou em discurso comemorativo ao 1° de maio, em 1944. Isso significava, na pratica, uma militarizagéo da relagao entre capital e trabalho, com ébvia desvanta- gem para este ltimo. Varios direitos trabalhistas con- — anteriormente, como a limitagao da jornada _ em e al de adicional por horas extras, eoey aes : = nome da Baralha da Produgao”. foram considerados sane aw ae de trabal militar’, e as relagoes lho atenderam & mobilizagao naci levistacs eer ree. nacional enaoa . Faltas poderiam ser con- +25 FRANCISCO cisap a sideradas “ Bes", preves Ca. i, ey Poder; oon ane € Sus response fa ny em tribunais militares Julgados ent Um dos efeitos prat ios a Im dos itos Praticos dessas Medidas fj « ar’ a superexploracao do trabalho em nom. 4, bile lizagdo nacional Para a guerra: em a) “ me da mobi. na industria téxtil, aumentaram os Fs S C8505, co Praticados “de fato” i existentes. Como conseqiiéncia direta, amplionse g margem de acumulacao de capital dos j sileiros que tiveram seus ramos fabris Considerados estratégicos”. No entanto, deve-se sublinhar que, além da militarizagao das relacdes de trabalho, o setor indus. trial brasileiro foi beneficiado também com 0 aumento dos pregos no mercado interno ¢ externo, Provocados tanto pelas dificuldades de importacao quanto pela ab a de canais de exportacao que, em condigies , jamais seriam abertos, pela baixa competiti- em termos de qualidade ¢ prego, dos produtos no Brasil. ; acao de capital eo crescimento relativo da foram, contudo, artificiais, condi- ntura da guerra. Ao contririo do jouve no Brasil, durante pansiteiros € A gEGUNDA GUERRA MUNDIAL os ¢ quando o conflito areado, ‘ ntre as poréncias ii ermanecet suc a z I ica ©) diferensa teen? 2 : crm jnuaram produzindo para os €s- a + A : “103 - jonais de guerra) ea industria brasileira am. naci prutalmente- : ; do custo de vida foia contrapartida para ‘os que antes da guerra |hadoras- Produt ram destinados 20 mercado interno € que durante 0 ; queridos para exportagao tiveram scus i m re! se infcionad® Comas dificuldades de importa- gio, 0 consumo de alguns produtos foi racionado, como no caso dos combustiveis ¢ do trigo. Registrou-se éneros alimenticios, também © desabastecimento de gi termedidrios que 0S provocados por comerciantes € in estocavam e especulavam com a escassez, para auferir mais lucros. Na “economia de guerra” brasileira, por- tanto, uma parte dos industriais e comerciantes pode lucrareacumular capitais com a privagao dos consumi- dores ¢ com os rendimentos excedentes da superexplo- racao dos trabalhadores. Para estes Ultimos, como con- sumidores ¢ produtores de riquezas, a guerra significou um conjunto de privagoes € dificuldades cotidianas. Assim, a demanda externa garantida, o crescimento do volume e dos itens exportaveis, as restrigGes a im- Portago eaespeculagao interna com a escassez permi- ope cahoncrbencie FE cemiaie See acabou, os beneficios do neretizaram, pois a maior pliou-se OQ aumento as classes trabal +27- FRANCISCO Césap FERRAZ parte deste era composta de ide conversivel. i oo Aida, « Tio ¢ Durante décadas foram : a politica de Vargas durant : trialista e que os capitais acumulados ce Sido indus de “substituigao de importacées” fora 4 Peo i : pa dilapidados ‘NO governo seguinte, com a importacio desmedid, A bens supérfluos. Essas acusacoes caem em ruinas. 7 do cotejadas com estudos recentes, que ree durante a guerra a polftica cambial seguiu (ume 0 setor agroexportador, ¢ nao o industrial, ¢ que depois da guerra nao havia tanto capital acumulado assim, i Tampouco o pequeno volume de capital realmente acumulado em moedas estrangeiras conversiveis fo; mido predominantemente em Cadillacs ¢ outros supérfluos. Na verdade, a economia brasileira nio te nao diminuiu, como ampliou sua dependén- Propagados os mi H te a Suerra tinh, eq E agora, além do imperialismo eco- -cém-chegado imperialismo cultural, rante a guerra pela politica de “boa : s Unidos. FRANCISCO CESAR FERRAZ dos Estados Unidos, diminuir 0 espago das Telacdeg comerciais com outros paises europeus e suprimir "a influéncias do Eixo no continente, mas também in. clufa a disseminacao do American Way of Life, da divulgagao dos valores culturais ¢ ideolégi capitalismo liberal norte-americano. A medida que a sombra da guerra se espalhava pela Europa eatingia o Norte da Africa, eo Fixo conquistaya cada vez mais simpatizantes na América do Sul, os es- forcos norte-americanos para garantir o apoio latino- americano as suas polfticas iam sendo ampliados, Em agosto de 1940, foi criado 0 Office for Coordination of Commercial and Cultural Relations Between the Ame- tican Republics, mais tarde rebatizado de Office of the Coordinator of Inter-American Affairs. Informalmen- te, ficou conhecido como “Biré Interamericano” ou simplesmente “Bird”, ¢ tinha sede no Rio de Janeiro. Suas fungdes eram promover medidas para estimulara ‘Tecuperagao das economias da América Latina e produ- ir programas de educacao, cultura e propaganda que ni os valores norte-americanos de maneira apenas a proeminéncia polftica, eco- dos Estados Unidos, mas também a através icos do FRANCISCO CESAR FeRRAZ lismos estéreis dos excessos de in contrarias ao progresso do livre iniciativa; socialmente, com as lig tar a educacao, os padrées de hig: desfrutar um padrao de vida melhor. O American Way of Life encontrava, ao sul do Rio Grande, alunos a tos e aplicados. Enquanto isso, a Contrap; americana, e do Brasil em Particular, fecursos materiais estratégicos e ofere nacionais “exéticas” para o entretenimento fugar das massas consumidoras norte-americanas. A curta dura- Gao desse intercambio mostra quao pragmitica, para os Estados Unidos, foi essa aproximacao. Quando a guer- ta acabou, a presenca da cultura latino-americana nos Estados Unidos praticamente desapareceu e os estered- tipos pouco edificantes voltaram a preencher as telas do cinema, as Paginas de jornais, revistas e livros ea répria politica externa do pats. tervencdes es Comercio ¢ 4 es de como meth, ene € satide © como Tatas, a livre ten- artida lating. €a enviar seys ‘Cer suas culturas FRANCISCO Césap FeRRay Antes mesmo da guerra co tégica chamava a atengao do Bet Posicao tea. norte-americano, que percebia a fragili dt : Eady em defendé-la, em caso de ataque oy me asin ‘Vez, 0 governo brasileiro nao admitia que me OF sug te-americanas estacionassem na Tegiao, solicitan ae mas € tecursos para aperfeicoar sua PrOpria dep aa Como foi sublinhado anteriormente, nao havia < fianga das autoridades Norte-americanas na ctipula a litar brasileira, ¢ 0 envio de armas era Protelado, Com o dominio alemio no Norte da Africa, o tesponsdveis pela politica estratégica dos Es dos aumentavam as pressoes Para garantir do Norte ¢ do Nordeste brasileiros, por um lado, e ampliar 0 trafego aérco pela tegiao, sob controle dos Al Por outro. Nesse sentido, a conquista progres- Totas aéreas comerciais, através da Panair do tados Uni- a seguranca ‘otas aéreas nacionais ¢ internacionais sob controle de empresas de proprie- ‘0 BRASILEIROS E A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL de inveresse bélico diamantes industriais contraban- le deados, pot exemp! redes de espionagem : | estratégicas a submarinos e navios do Eixo. Para combater tal situacao, a estratégia norte-ame- ricana consistiu em duas ag6es: pressionar para aexti n- ao progressiva da influéncia de paises do Eixo no espago aéreo brasileiro, transferindo as linhas erotas para a Panair do Brasil, e conseguir a autorizagao do governo brasileiro para a construgao, reforma e utiliza- cao de aeroportos ¢ campos de pouso nas regi6es Norte eNordeste. O comportamento nao muito “neutro” das empresas ligadas ao Eixo contribuiu para a reducao de seu poder no espago aéreo do pais, e no inicio da década de 1940 o governo brasileiro tomou varias agoes para “nacionalizar” as rotas, restringindo a brasileiros a tri- pulagao dos avides e 0 controle de tréfego aéreo. Porsua vez, com 0 apoio financeiro do Departamen- to de Estado norte-americano, através do Programa de Jo), na circulacao de integrantes de emesmo no envio de informagoes Desenvolvimento de Aeroportos, e a autorizacao do governo brasileiro, a Panair do Brasil construiu, refor- mou ou equipou varios campos de pouso ¢ bases aéreas nos trechos brasileiros do percurso entre América Cen- tral, Antilhas ¢ Natal. Se 0 espago aéreo brasileiro foi “conquistado” de maneira gradativa e pacifica, a entrada e 0 estaciona- mento de militares dos Estados Unidos para garantir a Opera¢do ea seguranca das bases foi uma outra histéria. +35. FRANCISCO césap FERRAZ A resisténcia dos militares brasileiro e . Presenga maciga de fuzileiros Dotte-ameri tata bases era grande, Além disso, os Esta, ie Gee confiavam na capacidade brasileira de defen °S nig norte-americang incluttan @ ocupasao do Norte/Nordeste brasileiros eM sey planos militares Para o continente, entre 194] ¢ 1949, O primeiro plano, batizado de Rainbow, foi elaborado em agosto de 1939, antes mesmo da na Europa. Previao estacionamento de ¢ Fernando de Noronha. Meses depois, Plano, Pot of Gold, que previa uma for guerra ittomper tropas em Natal foi criado outro varios pontos tégicos do Norte, Nordeste ¢ Sudeste do pais, 1940 ¢ 1941, os alemies Conquistaram espacos no Norte da Aftica, inclusive a utilizagéo mo base de submarinos, mas a resisténcia ileiro continuava. Tal situagao estimu- anos do Departamento de Guerra nestes dois anos desenvolveu i um movimento ilusério, Depois do s norte-americanos deixaram as bases, > suas talagoes. Em todo o litoral do None le haviam sido instaladas bases dos mente nada foi deixado. Assim como a produgo ¢ exportacio de materiais guerra, nZo houve um impulso ou desenvolvimento regional, eas cidades ‘urante a guerra acabaram retornan- A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL (05 BRASILEIROS o tinha mais volta. Com a ativa partici- macia brasileira, os pafses Jatino-ameri- com os paises do Eixo, na continente na 40 da diplo acio da r ee romperam relagoes énci jo de Janeiro, nferencia do Rio ‘ 2 se ar das adverténcias das autoridades alemas de que 3S compimento seria considerado um ato de hostilida- de direta do pals. Romper relagoes em janeiro de 1942, significava mais do que fechar embaixadas € consulados. Em um ambiente de guerra, condicionavam-se 0 comércio e as tarefas de defesa interna aos interesses da coligacao aliada. Cidadaos dos paises com os quais as relagdes foram rompidas pode- riam sofrer, nesses territérios estrangeiros, dificuldades e mesmo perseguigées. O apoio mais explicito a um dos beligerantes tornaria a nagao uma inimiga em. potencial da outra. A diferenga entre essa situagao € a declaracdo de guerra estava em uma agressao direta. Bastava 0 primeiro tiro. E nfo tardou a acontecer. Os navios mercantes brasileiros, carregados de produtos que poderiam servir ao esforco de guerra aliado, seriam alvos potenciai Entre fevereiro e agosto de 1942, doze embarcagGes mercantes brasileiras foram afundadas por submarinos do Eixo em 4guas internacionais (litoral norte-ameri- cano, Caribe e Guianas), causando 133 mortes. O litoral brasileiro logo seria incorporado direta- mente na guerra. Em maio de 1942, um submarino +39. } atacou o mercante Comandante qualquer embarcacao no Atlantico Sul, das argentinas ¢ chilenas, que nao haviam as relacoes diplométicas com o Eixo, Como co Norte ¢ nos mares centro-americanos a a aos navios aliados estava cada vex 4 utilizacao intensiva de patrulhas comboios, a extensio da Batalha guas ao sul da linha do Equador FRANCISCO CESAR FERRAZ formal, as autoridades militares brasilej vam oenvio deuma forca expediciondria ja Plangja. ‘Vingar os brasileiros mortos” nos ata i brasleir Em face dessa conseqiiéncia a Bee brasileiros para a guerra na Europa), es ai envio de uma divida, que até hoje causa all PaPhou-se no a: teriam sido mesmo os alemaes que nee Polémica vios mercantes brasileiros? Nao ee aioe iad norte-americanos ou os ingleses, para Bloc. ap : definitivamente entre as forgas aliadas? ae Sao duividas infundadas. Toda a documentaca ‘comprova a autoria alema dos torpedeamentos ie registros da Marinha de Guerra alemi sio coe : bastante minuciosos — nomes das embarcagées afun- dadas, numero de torpedos utilizados, horério, posi- caeceno) decorrido entre o impacto do torpedo 2 _ submerso total, até o ntimero de baleeiras que sobra- para recolher os sobreviventes. Se os alemaes nao n a intengao de atacar no litoral brasileiro, © a autoria dos afundamentos, 0 qué As diretivas do Alto Comando da Ma- so claras a respeito do que osseus n fazendo no Brasil. Além disso, 0 aéreas e maritimas aliadas mes resultaram no afunda- oral brasileiro: eles estave™ | passeio turistico 6 = (9s BRASILEIROS E A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL tropa, € mantinha a corregao profissional. Nao ofere- ceria, portanto, perigo a0 regime, caso retornasse com a tropa vitoriosa. Um grupo de oficiais, sob 0 comando de Mascare- nhas, foi enviado ao Norte da Africa ¢ 2 Itdlia, em dezembro de 1943, para observar e colher as informa- ges necessdrias sobre o tipo de guerra, o terreno de operagoes e as potencialidades dos aliados ¢ dos inimi- gos no Teatro de Operagoes do Mediterraneo. Desse grupo, alguns ficaram na Itdlia, em contato permanen- te com as forcgas americanas, para operacionalizar o desembarque, 0 estacionamento € o treinamento dos expediciondrios, bem como para prestar ao Exército, no Brasil, informag6es adicionais sobre a guerra que iriam enfrentar. Asimples observagao dos brasileiros acerca da guerra no Mediterraneo mostrou 0 quanto estavam desprepa- rados para aquele tipo de conflito. “Esta é uma guerra de ricos”, exclamou o futuro comandante, impressio- nado com a dimensio dos recursos materiais envolvidos. Aquela guerra exigia mais que armas e equipamentos modernos. Os homens que os portavam e manejavam precisavam de aptidao fisica ¢ intelectual maiores do que aquelas necessdrias na Primeira Guerra. Com essas premissas, iniciou-se o recrutamento. A idéia inicial era selecionar expediciondrios de apenas algumas unidades militares que ja contassem com trei- namento ¢ equipamento de combate satisfatdrios, mas +45. FRANCISCO CESAR FERRAZ ficativa parte dos oficiais considerava as futuras fee expediciondrias. as : Mesmo com todas as facilidades de aprovacio ¢ as distorcdes do planejamento inicial, foram tealizadas 107.609 inspegoes de satide, e reprovados 23.236 con- yocados. Como resultado, durante a guerra na Itélia, os expediciondrios feridos ou que contrafram cone ‘em combate tiveram de dividir as atengoes ¢ os leitos com aqueles que precisaram realizar, no front, o trata- mento de doengas que levavam do Brasil. Uma vez definidos os aprovados nesses exames, iniciou-se uma movimentagao entre alguns seleciona- dos para conseguir dispensa do Corpo Expedicionério. Expedientes como o “pistolao” foram fregiientes ¢ beneficiaram principalmente os selecionados das clas- ses média ¢ alta. Estes conseguiam dispensa ou trans- feréncia para guarnig6es de defesa local. Mais chocante foi que tais expedientes também eram usados por “militares regulares, que escapavam de ir & guerra, e™ | unerados para essa finalidade. uanto muitos dos mais abonados ¢ t eram dispensados, ¢ os menos acantonados nos quart¢is € recebiam combate, foi-se formando o grup? de ‘0S BRASILEIROS E A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL meados com alguns membros da classes média e pou- cos membros da elite. Sua escolaridade média era baixa, sua compreensao do que era aquela guerra e das raz6es porquelucar nelaera, em geral, minima. Em contraste, entre os estudantes universitarios, que capitaneavam comicios e manifestac6es para o Brasil entrar na guerra, pouquissimos realmente alistaram-se para o combate. O ntimero de voluntarios foi pequeno: pouco mais de mil homens, em um contingente de 25 mil selecio- nados. Esses homens foram reunidos em trés regimentos (unidade militar que perfazia aproximadamente 5 mil soldados). O restante compunha o Depésito de Pes- soal, responsdvel pelo recompletamento das baixas em combate, e varios érgios de comando ¢ apoio log{stico aos combatentes da linha de frente. O treinamento foi concentrado no Rio de Janeiro, o que obrigou o des- locamento das tropas até a capital federal. Apesar de reunidos, nunca fizeram exercicios de combate como uma diyis4o, tampouco com 0 préprio regimento. O treinamento no Brasil foi sofrivel, pois, além de os oficiais instrutores estarem desatualizados com o tipo de guerra que se praticava, ainda dependiam da che- gada das armas norte-americanas a serem usadas em combate. As futuras unidades expediciondrias ficaram em quartéis da capital, em condig6es precérias. Tinham de dividir 0 espago com os militares regulares, e logo sur- om propaganda intensiva e apelo.aacées letivas para a vitoria dos Aliados. Outro atribuiu para a importancia secundéria das jas nas preocupacdes cotidianas da . foi sua proporcao demogréfica ‘pequena: eram pouco mais de 25 mil ypulacao masculina de mais de 20 0,06% da populacdo brasileira. Ape- mparacao, na Guerra do Paraguai 5% ina adulta combateu. contradas para scle¢ao, transpot- ito dos soldados proporcio- SSS Se ee TT OS BRASILEIROS E A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL ‘Adolf Hitler teria afirmado que somente quando uma cobra fumasse cachimbo o Brasil conseguiria enviar | seus homens para a guerra, tamanha a incapacidade | brasileira. Essa é uma das possiveis versoes para o surgimento do lema ¢ do distintivo que a For¢a Expe- diciondria Brasileira usou na Itdlia, a “cobra fumando”. Em um ambiente como esse, 0 embarque das uni- dades expediciondrias jd foi considerado uma vitéria. Devido 2 falta de navios nacionais em condigées de levar em seguranga a FEB como um todo, as autorida- des militares brasileiras tiveram de apelar pata os na- vios-transporte americans ¢ proceder ao embarque em cinco escaldes, com mais ou menos 5 mil homens em cada um. O primeiro escalao partiu do porto do Rio de Janeiro em 2 de julho de 1944, no navio USS General Mann. Poucos sabiam que o escalao iria para a Itélia. Durante.a viagem desse escalo, bem como dos seguin- tes, os brasileiros experimentavam o primeiro contato com a organizagao de guerra norte-americana ¢ com- paravam, negativamente, com o que vivenciavam no Brasil. Refeicées, exercicios, servigos de limpeza, lazer, tudo rigorosamente organizado ¢ no hordrio, sem es- | pago para improvisacbes ou “jeitinhos”. ‘As tropas brasileiras foram transportadas, vestidas, equipadas, armadas, municiadas, alimentadas ¢ assisti- das em suas necessidades pela imensa m4quina de guerra norte-americana. Em contato com as tropas -51- FRANCISCO CESAR FERRAZ norte-americanas, conheceram uma nova Sociabilidade militar. Essa convivéncia produziu comparacies Pouco favoraveis ao cotidiano vivido nos quartéis do Brasil, Desde os navios-transporte norte-americanos, os expe- dicionarios faziam referéncias, informalmente, dois tipos de exército, em tudo diferentes entre si. De um lado, 0 “Exército de Caxias”, aquele que ficara no pats, caracterizado por seus quartéis pouco higiénicos, pelas exteriorizagoes excessivas de disciplina, com pouca ser- yentia para a guerra real, pela maior importancia que conferia as perdas materiais do que as baixas de com- bate; de outro, o “Exército da FEB”, baseado no mo- delo militar norte-americano, mais democrético, no qual as relac6es humanas entre oficiais e pragas visavam a eficiéncia em combate, ¢ nao a exteriorizacao de uma superioridade social imanente do oficialato. Quando chegaram a Népoles, no litoral sul da Itdlia, rraem que lutariam. O porto estava tomado s de embarcagoes abatidas, ¢ na cidade havia (0S BRASILEIROS E A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL tropas. Alids, em toda a guerra, as unidades brasileiras foram as Unicas racialmente integradas. Havia negros nas tropas norte-americanas, é claro, mas em unidades especificas, sistematicamente segregadas ¢ comandadas exclusivamente por oficiais brancos. Embora possam set registrados casos de racismo na FEB, ¢ 0 nosso “tacismo cordial” escondesse relagGes sociais bastante desiguais, soldados de ascendéncia branca, negra, indf- gena, asidtica ¢ mestica lutaram lado a lado nas tropas brasileiras. Nem sempre, porém, a populagao local hostilizou os alemies e nazi-fascismo. Em poucos anos, a pe- ninsula itdlica passara do apogeu do regime fascista para a ocupagao estrangeira de seu territério, dividido entre o Centro-Sul, ocupado pelas forgas aliadas lide- radas pelos Estados Unidos ¢ pela Inglaterra, eo Norte, dominado pelos exércitos germanicos. Lutando inicial- mente ao lado do Eixo, os italianos acumularam der- rotas militares clamorosas, que culminaram com a in- vasao aliada na Sicflia e na Calébria, contra as tropas locais ¢ as divis6es alemas que ali se instalaram para socorrer o aliado enfraquecido. Os alemfes recuaram até os Montes Apeninos ¢ estabeleceram s6lidas linhas de defesa, aproveitando o terreno acidentado, ao ocupar as altitudes ¢ posicionar os fogos de artilharia, morteiros e metralhadoras de maneira a tornar o mais dificil posstvel o avango aliado. Essa tdtica ja havia sido bem-sucedida na defesa de ease FRANCISCO CESAR FERRAZ Monte Cassino, elevacao situada ao sul de Roma, que resistiu duramente aos ataques Sucessivos dos Aliados, alguns meses antes dos brasileiros chegarem a Itdlia Durante meses, os Aliados acumularam insucessos na tentativa de conquistar 0 monte, encimado Por um. mosteiro medieval que foi reduzido a ruinas pela arti- Iharia constante. Mesmo assim, os alemaes somente Tecuaram quando jd nao havia mais esperanca de man. ter suas defesas. Mas as ligdes foram aprendidas: para defender um terreno acidentado, poucos homens ¢ armas certas nos lugares certos sio capazes de destrogar uunidades inimigas muiro mais numerosas ¢ equipadas. A guerra na Itdlia possufa outra diferenca em relagéo Aquela que se travava, por exemplo, nos campos abertos € relativamente planos do norte e leste ‘europeus: 0 terreno montanhoso reduzia drasticamente a cficiéncia dos tanques, atrasavaa circulacao de tropas e suprimen- tos, dificultava as comunicagées ¢ desestimulava 0 uso de grandes unidades de exército nas ‘operacoes. Era 0 melhor dos mundos para aqueles cuja missao era de- fender as posigdes previamente conquistadas ¢ 0 pior Para aqueles destacados Para atacar ¢ tomé-las. Os avancos ¢ recuos deveriam ser efetuados por pequenas unidades, como os pelordes (aproximadamente 50 ho- mens, comandados por um tenente) ¢ as companhias »€ mais algumas pequenas unidades auxi- Pouco menos de 200 homens, co- por um capitao), 54. FRANCISCO CESAR FERRAZ cupavam tanto os soldados quanto a troca diteta q tiros ¢ granadas. A letalidade s6 nao era maior por i os dois lados evitavam ao maximo abrir fogo, Bee atitude poderia revelar as Posigoes dos soldados ede suas armas (ninhos de metralhadoras, Por exemplo), tornando-os vulnerdveis aos tiros da artilharia e dos mortciros inimigos. “Cuidado! O inimigo vé!” era um dos principais lemas, tanto entre soldados aliados quanto entre soldados do Eixo. J& as missées especificas, em coordenagao com ou- tras unidades maiores, consistiam em avangar linhas de defesa inimigas, atacar Pontos especificos, ocupar vila- tejos ou cidades ou substituir unidades nos pontos jé dominados ou a conquistar. Em geral, para preparar os ataques, obtinham-se informagoes das patrulhas, do esquadrao precursor e da Esquadrilha de Ligacdo ¢ Observacao, unidade composta por avides de pequeno jorte (teco-tecos) que sobrevoavam o terreno inimigo ‘enviavam as informag6es para 0 comando das ope- ia geralmente precediam os ata- -a ofensiva fosse malsucedida, as am recuar, contabilizar as baixas, (OS BRASILEIROS E A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL preparando-se para defendé-lo de contra-ataques dos inimigos desalojados. Para tanto, antes das tropas esta- cionarem em um local, este precisava ser “varrido” pelas unidades de engenharia, que procuravam por minas ¢ armadilhas escondidas. Os feridos eram encaminhados aos hospitais de campanha, na retaguarda, € nos casos mais graves, a hospitais militares em cidades maiores. Nesses hospitais, enfermeiras voluntarias brasileiras se desdobravam para atender seus compatriotas. Uma vez consolidada a ocupacao, os soldados aguar- davam o momento de entrar novamente em agio, 0 que poderia demorar alguns dias. Entre patrulhas e missGes, os expediciondrios acomodavam-se como po- diam, em casas abandonadas, celeiros, estabulos, abri- gos individuais ou em pequenas trincheiras, chamadas pelos soldados norte-americanos de “fox hole” (buraco de raposa). Nesses intervalos, os soldados tentavam desenvolver certas rotinas cotidianas, pata enfrentar as privacdes comuns na guerra. Era freqiiente travar contato com os habitantes das vilas e cidades ocupadas. Depois de uma aproximagao inicial desconfiada — os alemaes haviam espalhado boatos de que os brasileiros, espe- cialmente os negros, seriam capazes das maiores barba- ries — as comunidades italianas, em geral, recebiam bem os brasileiros. Ocasionalmente, os soldados das linhas de frente recebiam licengas dos comandantes para descansar da extenuante rotina de combate, 0 que -57- rages de combate. No entanto, por melhor que fosse © tratamento recebido, era impossivel €squecer que estavam em guerra, € que logo entrariam novamente em contato com o inimigo. E este desfrutava de uma legendéria fama de combate. Com excegio de algumas poucas e teduzidas tropas fascistas italianas, o inimigo enfrenta- do pelas tropas brasileiras era 0 soldado alemao. No confronto com os brasileiros, entre setembro de 1944 bril de 1945, os alemaes ja tinham consciéncia de derrota era iminente, mas seu moral ¢ energia combate ainda eram bons, pois sabiam que a de manterem-se vivos e voltarem para -sendo combater da melhor maneira havia um temor generalizado de yanha sofressem represdlias, condiges de com- ida dos ‘he- FRANCISCO CESAR FERRAZ escal6es seguintes, comporia a Divisio de Infantaria Expediciondtia (D.1.E.), que seria incorporada ao 4a Corpo do V Exército Americano, comandado pelo general Mark Clark. Este comandava uma forga verda- deiramente multinacional, que reunia amcricanos, in- gleses, poloneses, canadenses, indianos, neozelandeses e brasileiros, entre outros. A missao das tropas brasileiras era essencialmente tatica, como o era a de todo o V Exército de Mark Clark. Do ponto de vista estratégico, o setor em que a FEB lutaria nao seria “decisivo” para a sorte da campa- nha aliada na Itdlia, embora isso nao queira dizer que pudesse ser desprezado e deixado aos alemaes. A inter- dependéncia das frentes de batalha faz com que ° soldado empregado em uma frente “secundaria” seja tao titil e necessario quanto aquele que esta na “princi- pal”. Os soldados brasileiros, norte-americanos ou ingle- ses que estavam em patrulhas nas montanhas geladas da Itdlia no inverno de 1944-1945 desempenhavam a sua parte na guerra, do mesmo modo que os comba- ‘tentes americanos que transpiravam abundantemente ‘em alguma ilha do Pacifico, ou que os soldados que -desembarcaram na Normandia. en. atingia também outras armas. os soldados brasileiros estavam se preparando acio, os aviadores do 1® Grupo de neayam com muitas horas de vo brasileiro, cagando submarinos do FRANCISCO. CESAR FERRAZ nadas nos vales dos trios Arn a 0 € Reno, n; imi de Pisa ¢ Florenga. A idéia dos reo inicialmente a FEB em um setor calmo da ey batalha, através de aces de patrull h nte de a € pe ' sivas. A medida que os escalées ini ree: iciais fossem conquis- tando experiéncia de combate e os demais escaldes hes fossem agregados, as agdes comegariam a assumir pro- porgGes e responsabilidades maiores. Destarte, em se- tembro de 1944 foram conquistadas as primeiras po- sigdes € registradas também as primeiras baixas. A Progresso continuou para as forcas brasileiras, que foram aos poucos completadas com os escaldes subse- qiientes — somando ao final o montante aproximado de uma divisdo de exército, num total de 25 cml homens, dos quais 10 a 15 mil diretamente envolvidos r bate. Deve ser ressaltado que, ao contrario do tropas seguintes foram encaminhadas a te sem treinamento nem adaptag20 a0 FRANCISCO CESAR Fennay = chegada do tnVerno oferecey uma “trépya” aos combatentes brasileiros, ¢ situacdo page” melhor avaliada ¢ Planejada Finalmente deg: 4 combinada a manobra conj ae Montanha americana (que ee ie Belvedere) € do Apolo aéreo da FAB e da ar- de 1945, pemeCaseloiei tomado, em 21 de a Monte Castelo é 0 maior simbolo e mito das acGes da FEB. Muitas das histérias que 0 cercam originam-se na série de dificuldades enfrentadas pelos brasileiros para tomar a posicao indicada. Erros taticos grosseiros dos oficiais superiores, falta de apoio logistico ¢ de retaguarda, além de um dos piores invernos da década naquela regiao da Itdlia (a temperatura chegou a 20 graus abaixo de zero), conferiram luta pelo Monte Castelo um aspecto dramatico e épico, muito explora- Essas histérias e memérias da FEB, no ente ressaltam os aspectos herdicos, s ¢ as origens dos problemas em s montanhas dos Apeninos, (0S BRASILEIROS E A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL em 14 de abril de 1945. Boa parte delas ocorreu nas cercanias da cidade, em combates violentos com os alemaes. ; Duas semanas depois da conquista de Montese, apos algumas dgeis manobras de perseguicao, a divisao bra- sileira conseguiu a rendi¢ao da 148? Divisio de Infan- taria Alema, fazendo aproximadamente 15 mil prisio- neiros. Isso era pouco usual na guerra travada na Itélia, uma vez que as rendig6es se davam por unidades menores, como companhias ou batalhées, raramente atingindo regimentos. Em 2 de maio, as tropas alemas se rendiam incondi- cionalmente em toda a Italia. A guerra terminava para os brasileiros. Enquanto ela durou, 443 expediciona- rios morreram, em diversas circunstancias, na frente ou na retaguarda. A FEB permaneceu até 3 de junho como tropa ocupante e depois retornou ao Brasil. Em um balango sobre a atuagao da FEB em comba- te, seu desempenho pode ser equiparado ao das melho- res unidades aliadas envolvidas na frente italiana. Tro- pas novatas costumam cometer muitos erros no inicio, ¢ os expedicionarios brasileiros, assim como ocorrera antes com os ingleses nos desertos da Africa e com os norte-americanos na Tunfsia, tiveram de aprender com seus reveses. Seu aprendizado, répido, foi no préprio combate, ¢ se safram bem, dentro das limitagées pré- ptias de uma divisio de Exército, em meio a outras 125 divis6es do Exército Aliado na Europa. -65 Ey FRANCISCO CESAR FERRAZ Conseqiiéncias da participaca ilei a. Pacao brasileira A guerra chegara ao Brasil, e tinha sido necessério responder as novas contingéncias internacionais, a5 dificuldades de importagao de mercadorias, Pie para os Aliados, ceder a eles 0 uso das bases aéreas ¢ navais estratégicas, combater os ataques do Eixo no litoral e enviar uma forca expediciondria para partici- par ativamente na guerra. Todo esse envolyimento, quando a guerra acabou, produziu conseqiiéncias im- portantes, algumas imediatas, outras duradouras. Em termos econémicos, foi conquistada uma base para o desenvolvimento industrial no pais, com a construcao do complexo sidertirgico de Volta Redon- da. Mas a economia brasileira, inserida na reorganiza- mundial do capitalismo pés-guerra, manteve sua e dependéncia estruturais. FRANCISCO CESAR FERRAZ talitarismo. Quando voltaram, detrubaram sua Versi nacional, o Estado Novo. Em 1964, day . vam continui- dade & sua luta, agora contra o i > populismo de Jog Goulart. ae Mas essa era apenas uma parcela reduzida de oficiais militares, muitos j4 envolvidos politicamente antes da guerra. A maioria esmagadora dos brasileiros que luta- ram na Europa nao participou dessas articulagées, ¢ nao obteve quase nenhum beneficio de sua condigio de veterano de guerra. Muito pelo contrério, aqueles milhares de homens que realmente participaram da luta tiveram como principal recompensa 0 esqueci- mento. i Para entendermos as conseqiiéncias que a guetta trouxe para aqueles que efetivamente participaram dela, é necessario lembrar que a maioria dos expedicio- ‘nérios foi recrutada no meio civil, nas classes mais .e de menor escolaridade. Foram tirados das escolas, de suas familias, treina~ raa guerra. Por lei, teriam 0 direito estudos no retorno ao pais. maiores concentra- , recente. No (05 BRASILEIROS E A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL do governo, nem da sociedade brasileira em geral, pre- paragio para receber os jovens que voltavam. Estes, que viveram a experiéncia-limite que é participar de uma guerra, estavam naturalmente mudados. A maioria conseguiu retornar as rotinas da vida familiar e cotidia- na sem muitos problemas. Uma parcela dos ex-comba- tentes, no entanto, encontrou dificuldades na readap- tagdo 4s rotinas da vida civil, agravadas pela concep¢ao popular de que voltaram “neuréticos de guerra”. Al- coolismo ¢ violéncia doméstica dificultavam a reinte- gracao social. As pessoas j4 nao queriam mais ouvir suas histérias de guerra, ¢ nao era raro ao ex-combatente ouvir de populares que o perfodo passado na Italia foi mais um “passeio” que uma guerra de verdade. Os maiores problemas surgiram, contudo, na rein- tegracio profissional. As leis que determinavam a reto- mada dos empregos nem sempre eram cumpridas, e, mesmo quando isso acontecia, eram freqiientes as dis- pensas depois da readmissao, sob argumento de ina- daptagao, incompeténcia ou problemas de relaciona- mento. Ainda havia o fato de que muitos dos expedi- ciondrios tinham sido convocados justamente na faixa etdria de aprendizagem profissional. Quando voltaram da guerra, nao tinham emprego nem formacao. Segun- do as associacées de ex-combatentes criadas logo apés ° Seu retorno, 0 desemprego entre os veteranos brasi- leiros era contabilizado aos milhares. +69. FRANCISCO CESAR FERRAZ Essa situagao contrasta com a de seus colegas de linha de frente, os veteranos de guerra norte-america- nos, que apesar de somarem milhdes e de represen- tarem um alto custo para os cofres publicos, tiveram do governo de seu pafs um programa completo de reintegracao social ¢ profissional. No Brasil, 0 governo tentou solucionar 0 problema decretando leis, cujo cumprimento nunca foi seguido a risca. Apenas em 1988, com a nova Constituicao Federal, os veteranos de guerra conquistaram 0 direito de uma pensao especial, como reconhecimento de seus sacrificios na linha de frente. Os beneficios, no entanto, chegaram tarde demais para a maioria deles: dos 25 mil expediciondrios, pouco menos de 10 mil ainda estavam vivos quando o reconhecimento foi aprovado. Ao es- quecimento histérico de sua participacao na guerra, acrescentou-se 0 esquecimento concreto, material. Por conta de uma confusao politica ¢ histérica, nem sempre bem-intencionada, a imagem dos ex-comba- tentes brasileiros foi associada aos militares que parti- ciparam do golpe de 1964. Devido a essa identidade equivocada — afinal, a FEB reunia em suas fileiras brasileiros de todas as classes sociais, regides, etnias ¢ posig6es politicas, inclusive comunistas — a memoria da FEB tem sido questionada. Num esforgo de revisio- nismo histérico, foi colocada em diivida até a eferiva contribuicao da FEB para a campanha dos ‘Aliados, na frente italiana. E imperioso desfazer esse equivoco. \5 E A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL (0S BRASILEIRO as histéricas sérias, com metodologias adequa- das, e que tentam manter-s¢ distantes de preconceitos, mostraram que, se a atuagao brasileira nao foi decisiva para a vitéria dos Aliados na Iedlia cas poderia ser a de qualquer divisdo de exército isolada, em meio a outras 23 divisoes no mesmo Teatro de Operagoes — tampouco sua importancia foi nula, Coloc4-los como um ridiculo exército brancaleénico ou ressaltar apenas seus problemas diz muito mais a respeito dos autores do que da prépria FEB. E também um erro afirmar que a participagao brasileira, com pouco mais de 25 mil homens, foi “simbélica”. Nao ha nada simbdlico na perda da vida de centenas de jovens, ¢ nas marcas indeléveis que o horror da guerra deixou para os outros milhares de combatentes que retornaram ao Brasil. Soldados, aviadores e enfermeiras combateram o nazi-fascismo e deram de si a contribuigao maxima que se pode exigir de um cidadao: defender a patria com 0 risco da prépria vida. Sua contribuigao pode ter sido pequena, se comparada com as cifras de milhdes que a Segunda Guerra Mundial exibiu. Mas nao ha relativismo histérico que anule o pequeno mas signifi- cante lugar que conquistaram na histéria da humani- dade. Se nao fosse por individuos como esses, lutando ie contra a barbsrie fascista, 0 presente poderia ser escrito, Pesquis “ne Referéncias, fontes e sugestées de leitura ¢ Para uma visao de conjunto, utilizei-me dos livros de Manoel Thomaz de Castelo Branco, O Brasil na Segunda Grande Guerra (Biblioteca do Exército Editora, 1960), Frank McCann, Alianga Brasil-Estados Unidos, 1937-1945 (Biblioteca do Exército Editora, 1995) e Ricardo Bona- lume Neto, A Nossa Segunda Guerra: os brasileiros em combate, 1942-1945 (Expressao e Cultura, 1995). Sobre a disputa diplomatica e a progressiva adesao dos brasileiros aos Aliados, além do livro de McCann, utilizei as obras de Gerson Moura, Sucessos e ilusbes: Relagoes internacionais do Brasil durante e apés a Segunda Guerra Mundial (Editora da Fundagao Geuilio Vargas, 1991), € Ricardo Seitenfus, O Brasil vai a guerra: O proceso de envolvimento brasileiro na Segunda Guerra Mundial (Ma- nole, 2003, 34 ed.) Sobre 0 “front interno”, a economia de guerra e suas conseqiiéncias, baseei-me em Roney Cytrynowicz, Guer- ra sem guerra: A mobilizagao e o cotidiano em Sao Paulo durante a Segunda Guerra Mundial (Geragio Edito- rial/Edusp, 2000), ¢ nos artigos de Cézar Teixeira Hono- rato e Geraldo Beauclair, “A economia brasileira durante a Segunda Guerra Mundial”, inclufdo no livro organiza- 75. FRANCISCO CESAR FERRAZ © Sobre a invaséo cultural Rotte-americana, ver Antonio Pedro Tota, O Imperialismo sedutoy: A americanizacédo do Brasil na época da Segunda Guerra (Companhia das Le. tras, 2000) ¢ Gerson Moura, Tig Sam chega ao Brasil (Bra. siliense, 1985). * A bibliografia sobre a FEB € telativamente grande, devido Principalmente aos numerosos livros de memérias escritos por veteranos. Um bom guia para Pesquisa em fontes documentais diversas, embora naturalmente desa- tualizado (sua edicao & de 1958) é o ensaio de Franciero Ruas Santos, Fontes ‘para a histria da FEB (Biblioteca do Exército Editora, 1958). Entre as memérias dos expedi- ciondrios, vale a pena ler o Depoimento dos Oficiats da Reserva sobre a FEB, de varios autores ($20 Paulo, s/ed., 1949), Cruzes brancas: Didrios de um pracinha, de Joa- da Silveira (José Olympio, 1947) ¢ Guernt , de Boris Schnaiderman. (Brasiliense, 1986). a Sobre o autor Francisco César Alves Ferraz nasceu em Bauru, Sao Pau- lo, em 1964, ¢ é professor do Departamento de Historia da Universidade Estadual de Londrina, Parané (UEL), membro do Nticleo de Politica e Estratégias (Naippe) da Universidade de Sao Paulo e coordenador do Grupo de Pesquisa em Histéria Contemporanea da UEL, Fez sua graduacio (1989) ¢ mestrado (1994) em Histéria na Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Assis, Sao Paulo. E Doutor em Histéria pela Uni- versidade de Sao Paulo (2003), onde pesquisou a rein- tegracao social e a memédria coletiva dos veteranos brasileiros da Segunda Guerra Mundial. Além de varios capitulos em obras coletivas ¢ artigos em periddicos especializados, publicou, pela Editora da VEL, A sombra dos carvalbos: Escola Superior de Guerra ¢ politica (Londrina, 1997). Também atua na drea de Ensino de Histéria. E membro do Laboratério de Ensino de Histéria da UEL tem publicada, em co-autoria, uma colerinea de documentos histéricos para o Ensino de Histéria (Do- cumentos em Histéria: Do fragmento a totalidade, Cas- cavel: Editora da Unioeste/MEC/SESu, 2 vols., 1994 ¢ 1996), +. No sul do Brasil, grupos das colonias alems manifestavam abertamente seu apoio ao rime de Hitler, O governo de Vargas, que mostrava certas tende fastistas, manteve durante muito tempo uma ambigtidade nas negociacdes diplomaticas, aproximando-se ora dos Estados Unidos, ora dos alemaes 2. Manifestacao em favor da entrada na guerra, 1942, Campanhas de mobilizagao do “front interno" foram destanchadas, convocando a populacao para contribuir com o aumento da produgio industrial, 0 que passou a ser caracterizado como um "esforco de guerra’: Briw i Ee ubmarinos alemdes contra navios brasileiros sm resposta ao ataque de si ae 4 frente de seu ministério, declara guerra na costa do Nordeste, Vargas, contra 0 Eixo, em 31 de agosto de 1942. SS¥___IMPORTANCIA ESTRATEGICA, SS Pieper A,B iemeseaehary, Baal Eater) AE, aA SS AS mS Een ArtANTICo WoRTE 5. 0 Nordeste brasileiro fepresentou uma posicao

Você também pode gostar