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Artigo - Rielli JR
Artigo - Rielli JR
Artigo - Rielli JR
A preparação da tela, normalmente a base caulim lixado e isolado, deveriam ser elaborados a
base de P.V.A (composto usado em colas brancas e tintas tipo látex, no o mais recomendável para o
caso brasileiro, já que esses materiais conservam a elasticidade da base da pintura). O chassi (a
estrutura de madeira sobre a qual a tela de pano é esticada), em sua grande maioria, é feito sem
cunhas (manchões próprios para controlar a tensão do tecido), e esse fato, costuma em uma
freqüência muito grande, acarretar uma flacidez na trama do tecido da tela, propiciando o
descolamento da capa pictórica e por fim um sinistro irreparável na pintura. Por fim os vernizes,
novamente sempre os de origem e fórmulas européias, onde o clima definido e fiel às quatro
estações do ano, não requerem nenhum tipo de elasticidade. No Brasil, como temos as quatro
estações as vezes em um único dia, o único verniz adequado, seria um verniz maleável às
intempéries, portanto a base de um composto de cera animal e vegetal. Ainda assim, a pintura está
constantemente submetida á ação dos fungos aeróbicos presentes o ano todo em nosso clima
tropical, e implacavelmente haverá um ataque sobre o pigmento da tela, tão logo esta entre em
contato com algum tipo de umidade, seja ela atmosférica ou proveniente da parede em que o quadro
está dependurado. No primeiro caso, a umidade atmosférica, podemos através de uma constante
manutenção de uma grossa camada de verniz na tela, com produtos antibióticos misturados a estes,
resolver o caso. E quanto a umidade da parede onde o quadro está dependurado, a simples
colagem na parede de uma fina placa de isopor poderá vir a isolar a tela do contato direto da
temperatura "fria" da parede, tornando a temperatura total do quadro, semelhante a do ambiente a
que está exposto.
Obras de arte que passam anos e anos penduradas na parede, suportando todas as mazelas
climáticas de nossas indefinidas estações, acabam adquirindo uma camada graxosa, composta de
inúmeros elementos corrosivos e degenerativos. Esta camada é o ambiente propício para o
desenvolvimento de fungos e bactérias, que desidratam e alteram a pigmentação original de uma
pintura.
Segundo o perito e restaurador de obras de arte Carlos Rielli Jr., "é preciso uma ação preventiva
para evitar que o dano causado pelo tempo prejudique o valor artístico e comercial da obra".
O processo de restauração é composto, basicamente, por três fases distintas: testes preparativos
em toda a capa pictórica (até nos menores tons das cores básicas); restauração propriamente dita,
que consiste na remoção de resquícios de verniz e da camada graxosa, limpeza completa da capa
pictórica e eliminação e remoção de colônias de fungos impregnadas na tinta; refixação de toda a
capa pictórica na tela (que vai paralizar o processo de "craquelagem" na tela). "Após todo este
trabalho é preciso, ainda, aplicar uma camada de verniz 'Adaubert' e, sobre este, dar o retoque
ilusionista (pigmento puro mais água), quando necessário. E, enfim, aplicar mais três camadas
distintas de verniz "'Adaubert'", explica Rielli. Conforme os padrões internacionais de restauração,
qualquer trabalho realizado em uma obra de arte deverá ter o padrão de reversibilidade. Afinal, cabe
ao restaurador devolver a obra de arte a sua beleza original.
O PRIMEIRO CONTATO!
Esse, foi meu primeiro contato com Dali, e claro o mais traumatizante! Mas também
inesquecivelmente, o melhor!
Era uma terça feira, das mais comuns do mês de Julho de 1992, noite, frio, e estar presente
naquele instante diante de um quadro em frangalhos, era normal em meu trabalho de restaurador. O
telefone tocou, e em um total desespero meu interlocutor num tom semelhante a súplica e
ansiedade, disparou sem piedade: - O Monet....estraguei o Monet !!!! Fiquei chocado, atônito;
naquele momento eu não poderia avaliar a extensão do sinistro, o que exatamente havia acontecido,
podia apenas pensar que uns dos quadros mais lindos e importantes que já estivera em meu atelier,
poderia estar irremediavelmente perdido!
O jatinho me esperava nas primeiras horas da manhã seguinte, com os motores ligados,
tripulação a postos e todo meu material de restauro de emergência embarcado. Levantamos vôo
rumo a um estado nordestino as 7:45 e três horas depois, estávamos aterrizando na fazenda do
aflito, desesperado, inconsolável e talvez ex-proprietário de um autêntico Monet. Meu coração
disparava, a cada passo que me aproximava da tela. Por fim, o quadro! Como um doente em estado
crítico e terminal, o quadro me foi confiado. Uma cratera! Isso...uma cratera! É o que parecia o
imenso rasgo em forma de cruz de exatos 15 x 12 cms que sangravam o quadro na parte inferior
direita da pintura, a apenas milímetros da assinatura. Tons de verde mesclados com sépia e cobalto,
desfraldavam uma rica marinha, com o mar em movimento constante e barcos dispostos ao sabor
das ondas. Uma profunda emoção tomou conta de mim, quando tomei a consciência que eu, e
apenas eu, seria responsável pela recuperação de tal obra de arte.
A primeira providência foi isolar e manter fixa a área de sinistro da tela, de modo que o efeito
"terremoto" do furo, não atingisse outras partes da obra, nem acarretasse ainda mais descolamento
de pigmento. Depois da refixação total da capa pictórica, fio a fio, reconstituída a trama da tela,
preenchidos os espaços vazios com composto a base de caulim, lixados, isolados e nivelados os
espaços, veio por fim, a parte mais difícil....o retoque final! Meu Deus...o resultado havia ficado
espetacular! Não se notava sequer o local do sinistro, e as cores do retoque, como por mágica, se
mesclaram às do grande mestre, deixando o restauro imperceptível. Com todo cuidado e esmero,
sobrepondo-se os vernizes, as veladuras chegou-se ao final da recuperação da tela, onde depois de
18 dias de um profundo mergulho nessa tarefa, emergi de uma viagem que pareceu ser de apenas
um átimo. Por fim, Monet saiu da U.T.I. apresentando um plástica impecável, uma saúde perfeita
embora reversível, e com muito, mas muito mais segurança que antes, foi repousar em seu nicho na
parede principal da sala. O diagnóstico?? Monet estava salvo, completamente restabelecido! E o
mundo das artes aliviado por não perder um de seus filhos.
CONSERVAÇÃO E RESPONSABILIDADE
Um quadro, quando não conservado e tratado, com o passar dos anos, vai perdendo sua
elasticidade, o Q.S.P. (veículo condutor do pigmento), resseca-se ao passar de médios 7 anos, e a
partir daí, o processo de decomposição da capa pictórica e da base da pintura, como tela, madeira,
cartão etc., é irreversível (caso não tratado), acarretando com isso, sérios danos à qualidade visual,
artística e comercial desta obra. rte.
Fator "condições climáticas", são os maiores inimigos de seu quadro, pois como no Brasil, não
contamos com inverno rigoroso, a proliferação de fungos aeróbios e anaeróbios que atuam sobre e
sob a capa pictórica, são inúmeros. ( Caso tivéssemos um inverno como nos países Europeus,
ciclicamente, os fungos mais nocivos, desapareceriam nessa época do ano, não dando assim,
continuidade à colônia estabelecida no corpo do quadro.), também o fato de termos 4 estações
climáticas em um mesmo dia, magoa de forma profunda a composição como um todo. Outro fator de
grande relevância, é a grande poluição atmosférica a que estão sujeitas as grandes cidades,
poluição essa, que atribui a capa pictórica, uma camada graxosa intensa, de alto poder corrosivo e
degenerativo. Somado à esses agravantes do cotidiano, contamos ainda com o fato de que uma
obra de arte, tem vida, por mais inerte e estática que possa aparentar! A tela, de acordo com a
temperatura ambiente, pode estar mais o menos retesada, e quando a capa pictórica está
ressecada, isso acarreta a craquelação do pigmento, e por conseguinte, o desprendimento de parte
da tinta da tela. A tela base, ou seja, o tecido usado para a pintura, também entra em rápido
processo de decomposição, chegando ao total apodrecimento em algumas dezenas de anos. Tudo
isso somado ao verniz inadequado as condições climáticas brasileiras (pois o verniz a ser usado no
Brasil, para um clima tropical, necessariamente deve ser um composto a base de cera, que possa
"andar " junto com a pintura, em uma mudança abrupta de clima), torna seu quadro, sua obra de
arte, um sério candidato a acarretar um aborrecimento extra para você e para seu bolso. A solução
desses inevitáveis problemas, é a conservação periódica de suas obras de arte. O restaurador,
revigorará o Q.S.P., da capa pictórica, regulará a tensão da ela, e rehidratará toda a estrutura
interior e periférica do quadro. Um restaurador gabaritado e habilitado, pode definir qual o método
ideal de recuperação ou de simples conservação a ser adotado em sua obra, adiando com isso, por
tempo ilimitado a vida e sobrevida artística e comercial de seu inestimável acervo.
A aplicação de quaisquer produtos que não específicos para restauração, como cebola, batata,
lustra móveis, jiló etc., vão ajudar tremendamente o desenvolvimento de fungos na capa pictórica, e
envernizar um quadro sem antes estereliza-lo complemente, significa fazer um Sandwich de graxa e
fungos entre o verniz recente e o antigo. E lembrem-se que todo restauro feito por aquela "tia" que
entende de quadros, fatalmente levará a um sinistro irreversível de seu quadro querido!
RESTAURAÇÃO OU REFORMA ?
O conceito existente sobre a restauração de edificações costumeiramente executado no Brasil, vem sendo
erroneamente aplicado e ensinado desde as origens, ou seja desde as escolas de arquitetura. Quando se propõe a
restaurar um prédio, um museu, uma igreja, podemos normalmente contar com dois tipos distintos de restauração.
O primeiro, chamado de arqueológico ou museológico, consiste em conservar o sítio exatamente como ele se
encontra, preservando o local tal como ele se encontra, identificando separando o entulho real dos elementos
pertencentes e pertinentes à construção original, selecionando das quais partes esses elementos provieram, e
de acordo com a facilidade apresentada, recolocalos ao lugar original, e finalmente proceder ao suporte técnico
e material para estagnação do processo degenerativo gerado pelo tempo e por fatores estranhos aos naturais.
Esse tipo de processo, estende-se desde o reforço estrutural, até a simples limpeza e conservação física do
sítio como um todo, sempre lembrando que a originalidade do local deve ser preservada a todo custo, e de
nenhuma maneira admite-se a inclusão de novos elementos complementando assim o original. Esse é o tipo de
restauro é usado principalmente na Europa, e um bom exemplo é o Coliseu de Roma, onde nada foi
acrescentado desde que se iniciou o processo de conservação e restauração.
O segundo tipo de restauro, o ilusionista, é aquele que é subdividido em duas partes: A primeira, é idêntica ao
restauro arqueológico, os mesmos procedimentos são realizados, seguindo todas as etapas. A segunda parte,
consiste em acrescentar ao sítio, as características semelhantes às originais que este possuía do quando de
sua construção ou mesmo de alguma época pós reforma.
Desde que os materiais empregados para esse fim (a reconstrução), sejam de constituição diferente dos
originais, não haverá a homogeneidade entre estes, o que sempre será um divisor entre o original e o restauro
ilusionista. Um bom exemplo, seria de um prédio originalmente construído com pedras, e as partes ausentes,
reconstituídas com tijolos tipo “Ciporex” (material novo, poroso, muito leve, próprio para construções). Na
parte de acabamento, das paredes, pisos, forros, guarnições de portas e janelas etc.; deve-se usar materiais e
elementos semelhantes aos originais, respeitando contudo as divisões entre as partes originais e as refeitas.
Nesses casos, pode-se salientar tais limites de divisões, através de espaços claramente demarcados com
outros elementos ou mesmo com desenhos ou veios contrários aos originais.
Quanto a pintura, podem ser usadas as de “q.s.p.” baseados em P.V.A pois as pinturas originais, de
manufatura geralmente rudimentar, muito raramente e, em alguns casos especialíssimos, conseguem resistem
ao tempo. O envelhecimento artificial das pinturas irão dar o “cache” de antigüidade e uma melhora substancial
na estética de todo sítio.
O que vem a contradizer os dois conceitos básicos de restauração descritos anteriormente, visto que é usada
para refazer uma nova estrutura, sem a preocupação de distinguir, proteger e preservar o original, mantendo
apenas o interesse no aspecto estético e arquitetônico na apresentação final do trabalho realizado.
Ocorre que nessas reformas, são usados costumeiramente materiais e elementos idênticos e de mesma
procedência dos originais, que vem acarretar com o passar do tempo, a fusão entre original e reconstruído,
sendo praticamente impossível a ação de reversibilidade do feito, que é regra obrigatória da restauração.
Embora o aspecto da construção e do sítio, após a reforma possa parecer de excelente qualidade, preservando
as características da construção original, não significa que este foi restaurado! Esse procedimento de simples
reforma, aplicado como se fora restauração, pode ser facilmente constado em várias igrejas, museus e prédios
históricos do país.
Segundo o perito e restaurador de obras de arte Carlos Rielli Jr., “é preciso uma ação preventiva para evitar que
o dano causado pelo tempo prejudique o valor artístico e comercial da obra”.
O processo de restauração é composto, basicamente, por três fases distintas: testes preparativos em toda a
capa pictórica (até nos menores tons das cores básicas); restauração propriamente dita, que consiste na
remoção de resquícios de verniz e da camada graxosa, limpeza completa da capa pictórica e eliminação e
remoção de colônias de fungos impregnadas na tinta; refixação de toda a capa pictórica na tela (que vai
paralisar o processo de “craquelagem” na tela).
“Após todo este trabalho é preciso, ainda, aplicar uma camada de verniz ‘Adaubert’ e, sobre este, dar o retoque
ilusionista (pigmento puro mais água), quando necessário. E, enfim, aplicar mais três camadas distintas de
verniz “‘Adaubert’”, explica Rielli.
Conforme os padrões internacionais de restauração, qualquer trabalho realizado em uma obra de arte deverá ter
o padrão de reversibilidade. Afinal, cabe ao restaurador devolver a obra de arte a sua beleza original.
RESTAURAÇÃO DE PAINÉIS
Em decorrência da poluição atmosférica nas grandes cidades, toda obra de arte esta sujeita a adquirir uma
camada graxosa, composta de inúmeros elementos corrosivos e degenerativos, criando assim ambiente
propício para o desenvolvimento de fungos e bactérias aeróbicos, os quais desidratam e alteram a pigmentação
original de uma pintura, assim como alteram as características estéticas da obra. A ação preventiva do
restaurador, impede que a obra de arte chegue a um ponto que o dano causado pela ação do tempo, venha a
prejudicar o valor artístico e mesmo afetar seriamente seu valor comercial.
Os referidos painéis, ainda apresentam sinais de sinistro grave, devido a atos vândalos.
O processo de restauração, a ser aplicado nestes painéis, consiste primeiramente em uma bateria de testes,
em todas as matizes, em todos os pigmentos, assim como em toda a estrutura da obra. O segundo passo, é a
limpeza, a remoção de todos os vernizes e restauros anteriores, assim como de toda a camada graxosa, que
este apresentam. Somente depois disso, é que o processo de recomposição, será iniciado.
Estando os painéis desinfetados e refixados, será procedida a etapa de restauração dos setores que não
apresentam a forma original, preparando-os com produtos reversíveis para os retoques e reparos, onde
necessário. Caso a análise química do pigmento permita, será passada a primeira camada de verniz neutro tipo
"Adaubert", e, sobre esta primeira camada de verniz receberá o retoque ilusionista, ( pigmento puro mais água
), quando se fizer necessário. Finalmente aplica-se três camadas distintas de verniz neutro tipo "Adaubert" ,
evitando assim o excesso de luminosidade sobre o painéis, e conferindo a este, uma cor mais uniforme e
natural.
No caso específicos dos painéis em análise, recomendo a aplicação de três camadas extras de verniz
“acrílico forte”, verniz este, que suportará com mais facilidade as intempéries a que estes painéis estão
sujeitos. Este verniz, permite a lavagem periódica do painel, limpeza esta que poderá ser executada pôr leigos.
De acordo com os padrões internacionais de restauração, todo trabalho executado em uma obra de arte,
deverá ter padrão de reversibilidade, não afetando nem modificando em nenhuma circunstancia o original do
artista.
Com essa definição, vamos encarar o restauro como uma ciência exata que cuida de preservar e recompor
aquilo que já foi criado. É muito grande a diferença entre restaurar e reformar, são coisas completamente
distintas, pois o restauro preserva na totalidade as características atribuídas à obra pelo autor e, reforma,
atribui uma nova “alma” a obra de arte.
A origem do restauro, vem do tempo dos homens das cavernas, onde o desejo de preservar a criação de outra
pessoa, logrou no desenvolvimento de técnicas especiais para tal fim. Na idade média, até tempos mais
recentes, os produtos usados, eram os fornecidos pela natureza, usava-se bílis de boi (emoliente de pigmento),
polvilho azedo (contra fungos) etc. Hoje em dia, usam-se produtos mais atuais, área onde me dedico bastante e
de uma feroz combatividade frente aos tradicionalistas. Por ex:, uso antibiótico onde se usava de polvilho
azedo, e silicone como substituído à bílis bovina.
O restaurador, deve obedecer a certas regras como a respeitar a reversibilidade do trabalho por ele feito, pois
se assim não fosse, um quadro de 500 anos, seria uma sobreposição de vários restauros, deixando o original,
escondido! O restauro bem feito, e realizado por um profissional gabaritado em Fine Art´s, nunca irá
desvalorizar ou depreciar a obra, claro que dentro de um critério onde o sinistro não envolva na perda total de
características principais da obra, como por exemplo o rosto do personagem principal, fato este que força o
restaurador a dar seqüência ao “criar” para poder manter ao menos a estética da obra, uma vez que o valor
comercial e artístico, se foi!
Existem três tipos de restauro, o arqueológico, ou museológico, onde nada é acrescentado a aparência final da
obra, visando preservar sem maquiagem a obra como ela está no dia da conservação ou o que restou dela. O
tratégio, uma técnica que retoca o original através de micro-bastões multicoloridos, proporcionando ao
expectador situado a uma certa distancia, uma situação de plenitude da obra original, sem danos. Apenas
chegando perto é que se nota os locais de restauro.
E por fim, a mais usada, o ilusionismo, que é o tipo de restauro reconstrutor, que retoca a obra nos locais de
sinistro, conforme era na original, mas sem contanto tocar fisicamente no trabalho do artista.
É simples como isso é possível... quando um quadro aparece com um furo, as providências tomadas pelo
restaurador são:
_a limpeza
_a desinfecção da obra,
Só então, é que o retoque terá início, sendo que a tinta usada pelo restaurador, não “toca” nem se agrega á
tinta utilizada pelo criador! Existem o material isolante, e as camadas de vernizes entre elas.
Quando o próximo restaurador for trabalhar com a mesma obras, um simples removedor de vernizes (que não
afeta a tinta) irá retirar todo o verniz, e por conseguinte qualquer pigmento que se encontre sobre este!
Todos materiais, colas, ceras, solventes, tintas, massas etc. utilizadas pelo restaurador em um trabalho,
obedecem necessariamente à condição de reversibilidade, ou seja, podem ser removidas sem afetar o original.
Dentre danos mais freqüentes em uma obra de arte, vamos usar a pintura como exemplo, estão em primeiro
lugar as condições atmosféricas, a graxa produzida pela poluição das cidades (antigamente originária de velas,
fogões a lenha etc), aos maus tratos que a obra passa através de sua “vida”, e acreditem, pela quebra do
suporte ou do prego que segura a tela na parede!
Para a exposição correta de uma obra de arte, deve-se evitar ao máximo, a incidência das intempéries sobre tal
obra. O sol direto, umidade, calor excessivo, choques térmicos, desidratação, são fatores que precisam ser
observados. Os locais de exposição de tal obra, devem ser refrigerados, livres de umidade e parasitas, e longe
das correntes de ar!
Quanto à conservação simples, é necessário e recomendado a passagem de um espanador de plumas uma vez
por semana. Apenas e tão só isso!!!!
Citarei algumas das crendices e costumes erroneamente usados na limpeza e conservação de uma obra de
arte:
Efeito secundário- Assim como o exemplo anterior, o efeito de desidratação será semelhante, apenas levando
um pouco mais de tempo para tal fato acontecer.
Efeito secundário- Nesse caso, será criado um sanduíche de matérias orgânicas, graxosos, e proteinícos entre
as camadas de vernizes, o que virá a prejudicar a qualidade estética e artística da obra.
Apenas um exemplo poderá servir como alerta. Imaginem que o poder de abrasão de uma flanela, seja mínimo,
digamos valor 0,5 , e de uma lixa seja valor 500.
Uma pequena passada de flanela na obra, passada por 50 anos contínuos, todos os dias faria que o efeito do
desgaste fosse semelhante a 10 minutos de lixa! Já pensou o estrago? Pois é o que costuma acontecer.
Costuma-se usar tal artifício para arremates ou mesmo para a reparação amadora de algum furo ou dano na
tela.
Efeito secundário - A “goma”, não seca! Ficando ali, um nicho perfeito para o desenvolvimento de fungos,
bactérias e insetos.
No caso de um sinistro, limpeza ou mesmo um ajuste no chassi, não tenha dúvidas, chame um restaurador!
Moldureiros, cuidam da moldura ...e isso não deve ser esquecido!
O ideal a fazer, é você comprar a peça, ou mesmo reservá-la mas levar a um perito que possa identificar a
autenticidade, a época, à qualidade e a compatibilidade de valores dentro de critérios de avaliação. Tal
segurança, será muito importante principalmente na hora da venda, pois um perito dará tal instrução mediante a
um documento, que não perde o valor a não ser em raros casos de contestação por um perito ainda mais
capacitado. Tal documento chama-se “Expertise”, e quanto mais cara for à obra, de mobiliário a quadros, esta
se faz ainda mais necessária. Nesses casos, o “tenho certeza”, o “juro que foi de meu bisavô” ou mesmo o “eu
vi o artista pintando” caem por água abaixo ou se comprovam, mas para um futuro comprador essa certeza de
um investimento seguro, facilitará em muito a revenda. Aí você verá que os valores cobrados de 3% a 6% do
valor da obra para identificação, são até mesmo barato. Caro mesmo, é pagar 100% de algo que não vale nada!
Quando você possui uma obra de arte em sua casa, nunca poderá esquecer que ela, diferentemente de sua
mobília, faz “parte da família”. Além de seu valor estético, artístico e decorativo, existe o valor comercial. Uma
obra de arte, para manter inalterado os valores artíisticos e comerciais, deve obedecer a uma série de critérios.
O primeiro desses critérios, é a conservação da originalidade da obra, que significa voce ter integralmente, o
mais fidedigno possível a obra tal qual o artista criou. Imagine voce se um quadro de 500 anos de idade, tivesse
sofrido uma restauração a cada 30 anos... hoje, o que existiria seria uma sobreposição de restauros e o original
estaria completamente perdido. Pos isso, é usado um critério de reversibilidade do restauro, que a cada
conservação ou a cada restauração, o profissional restaurador remove tudo o que seu antecessor fez ou
adicionou á tela orginal, refazendo o processo novamente desde o princípio.
Para um melhor entendimento: Um quadro que foi rasgado, passará a ser sempre um quadro rasgado, o
restaurador apenas dará a impressão que tal dano não exista, aplicando uma “maquiagem” na região afetada. A
essa técnica, que é a mais difundida e aceita no Brasil, da-se o nome de “Restauração Ilusionista”. Tal técnica,
feita com materias de padrão compatível com a reversibilidade, não acarretará a obra a perda de seu valor
artístico ou comercial.
Em primeiro lugar, precisamos de tempos em tempos, parar e “analisar” os nossos quadros! Pois é... um
quadro quando começa a se deteriorar, é um processo tão lento que nem chegamos a perceber e quando
notamos é porque o processo de decomposição já está muito adiantado, o que sem dúvida irá complicar o
trabalho de conservação/restauração.
Quando você estiver analisando um quadro, preste a atenção se existem setores esbranquiçados, ou mesmo
pontos que se pareçam com água respingada e depois seca, minúsculos furinhos em forma de micro vulcões,
pó cor de areia, mofo, alteração de cores... esses fatores isolados ou em conjunto, são indícios de colônias
fungo, muito comuns em paises de clima tropical.
O segundo fator de sinistro é a camada graxosa, decorrente de poluição atmosférica ou mesmo da nicotina do
cigarro. Esse tipo de dano atribui uma espécie de veladura sobre a pintura original, escondendo contrates de
luz e sombra, amarelando a composição, tirando a perspectiva e denegrindo a qualidade pictórica da obra, além
de agir como um corrosivo para o pigmento.
O terceiro e mais grave fator é o craquelamento da capa pictórica, que se deve ao ressecamento do q.s.p. do
pigmento, que sem dúvida alguma poderá acarretar um sinistro irreversível em seu quadro caso não seja
tratado a tempo. Isso é de simples identificação, pois inicialmente a tinta apresenta pequenas rachaduras, em
uma primeira fase, riscos esporádicos horizontais e verticais, e depois micro quadriculados em toda a extensão
da tela.
Esses três fatores acima apresentados, não são os únicos, mas são os de ocorrência mais comum em um
quadro. São processo que levam a decomposição da obra, e quando tratados a tempo, além de devolver ao
quadro todo seu esplendor artístico, conservam o valor artístico e comercial de seu patrimônio.
O CASO SALVATTORE
Arlindo Salvattore era meu amigo, um grande colecionador de arte além de meu cliente de
restauração. Era um italiano do sul, bravo, rigoroso, exigente e normalmente estava com o humor
abalado. Em um determinado dia no inverno de 87, em um leilão realizado por um outro amigo meu
e também cliente, que aqui vou chamar de Paulo Pereira, Salvattore arrematou um quadro
maravilhoso, animalista de um pintor chamado Cavalheiro Scognamiglio. Eu sempre fui bom na
identificação do Scognamiglio, um pintor do séc. XIX, especialista em campo, animais e cotidiano.
Ele era um pintor nascido no sul da Itália e que teve uma grande produção artística. Sei que
Salvattore comprou o Scugnamiglio por um bom preço e enviou o quadro diretamente para eu
realizar uma limpeza básica e aplicação de proteção antifungicida. Quando olhei pro quadro,
comentei com Salvattore que o quadro era bom, bom até demais, nunca tinha visto algo tão bem
feito por Scugnamilho, que era até surpreendente para a capacidade pictórica do pintor. Comecei a
limpeza em uma tarde de quinta feira, tarde fria, chuvosa, e acho que foi isso que me motivou a ir
limpando o quadro de modo que na sexta à tarde, ou seja, após 24 horas eu ainda estava
debruçado sobre o quadro, extasiado com as cores, sombras e formas que apareciam. Quando
comecei a limpar em torno da assinatura, (em torno porque a assinatura propriamente não se deve
limpar; ela sempre deve portar o sinal dos tempos a camada de sujeira de graxa e de vida,
conservando aí todo o histórico e originalidade possível do quadro) notei que a parte de baixo da
assinatura começou a soltar pigmentos diferentes dos originais do trabalho, e sob esses pigmentos
descolados, apareceram vestígios de uma letra! Rezei para que não fosse o que eu estava
pensando, mas era... a segunda letra apareceu, e a terceira.... indício forte, digo mais que isso,
certeza que era uma segunda assinatura coberta, provavelmente a do pintor original o que
matematicamente comprovava que o quadro tinha sido falsificado!! Bem, o Salvattore, caso
estivesse de bom humor e com o astral bem alto, iria apenas matar o Paulo Pereira por esse fato,
ou seja, ter vendido um quadro falso a ele. Pensei bem, fiquei meio perdido, afinal os dois são meus
amigos e bons clientes e resolvi o seguinte: iria ligar primeiramente para o Paulo, informando o
fato, para que ele providenciasse o dinheiro para desfazer a venda e depois para o Salvattore, que
era quem havia contratado meus serviços, avisando o ocorrido. O Paulo entrou em pânico, disse
que iria correr para o doleiro, reunir o dinheiro e ir imediatamente para a casa do Salvattore. Nesse
meio tempo, liguei pro Salvattore e dei a noticia... – Encontrei outra assinatura em teu quadro ! O
homem surtou, berrou, praguejou, esperneou e disse um rosário de palavrões tão grande que
muitos eu nem sabia que existiam.
Fiquei preocupado, resolvi ir ao encontro dos dois, levei o quadro pois sabia que o negócio iria ser
desfeito de uma forma agressiva, e achei que deveria ser da forma menos traumático possível.
Provido de um algodão embebido em Dermatil Formamida, passei sobre o vestígio da assinatura
para terminar de remover a camada de tinta que escondia a original, e assim que saiu todo o
retoque, tive a maior surpresa de minha vida... apareceu a assinatura de Fillipo Palizzi ... ninguém
menos que “Fillipo Palizzi”! Os quadros desse pintor, valem pelo menos 10 vezes mais que os
pintados por Scognamiglio, e diga-se de passagem, era um excelente Pallizi !
Peguei o quadro e fui correndo pra casa do Salvattore. Quando lá cheguei, já na porta de entrada,
pude ouvir o Salvattore praguejando, xingando o Paulo Pereira de todos os nomes, onde
estelionatário era o mais bonitinho dos nomes. Quando me deparei com os dois, Salvattore
abraçava a pasta com os dólares, e o Paulo Pereira tentava contornar a situação pra não perder o
cliente. Foi quando fiz a revelação sobre a verdadeira autoria do quadro, e na mesma hora,
Salvattore sem perder a entonação o timbre de voz e a ferocidade completou – “É como eu sempre
digo, por mais que me tentem fazer de bobo, negócios por mim realizados são definitivos, não volto
atráz por nada” e dizendo essas palavras, jogou a pasta de dinheiro para o Paulo Pereira, que por
sua vez, com os olhos esbugalhados sobre o Pallizi, não queria de forma alguma aceitar o dinheiro
de volta. A briga foi longa, durou um tempão, Salvattore explicando que ele tinha ficado bravo, mas
nem tanto e que quadro comprado era fato consumado, e Paulo Pereira, dizendo que o negócio
havia sido desfeito com devolução de dinheiro, identidade de artista incorreta e tudo mais..... No
fim, o quadro acabou ficando com o Salvattore; ainda bem, senão iria sobrar apenas para a
humanidade!
O que aconteceu nesse fato, foi o seguinte: na época de guerra, da segunda, os alemães tinham
relações de pintores que deveriam ser requisitados pelo Reich, então as pessoas cobriam as
assinaturas originais, sobrescrevendo com a de pintores menores. Como a guerra durou muito
tempo, a retirada da assinatura falsa foi relegada ao futuro, e assim até hoje existem muitos e
muitos caso semelhantes. Também em caso de divisão de herança ou divórcio tal procedimento era
(ou ainda é ?) adotado.
Essa foi uma História real, acontecida em 1.987
Era uma terça feira, das mais comuns do mês de Julho de 1.992, noite, frio, e estar presente naquele
instante diante de um quadro em frangalhos, era normal em meu trabalho de restaurador. O telefone
tocou, e em um total desespero meu interlocutor num tom semelhante a súplica e ansiedade, disparou
sem piedade: - O Monet....estraguei o Monet !!!! Fiquei chocado, atônito; naquele momento eu não
poderia avaliar a extensão do sinistro, o que exatamente havia acontecido, podia apenas pensar que uns
dos quadros mais lindos e importantes que já estivera em meu atelier, poderia estar irremediavelmente
perdido!
O jatinho me esperava nas primeiras horas da manhã seguinte, com os motores ligados, tripulação a
postos e todo meu material de restauro de emergência embarcado. Levantamos vôo rumo a um estado
nordestino as 7:45 e três horas depois, estávamos aterrizando na fazenda do aflito, desesperado,
inconsolável e talvez ex-proprietário de um autêntico Monet. Meu coração disparava, a cada passo que
me aproximava da tela. Por fim, o quadro! Como um doente em estado crítico e terminal, o quadro me
foi confiado. Uma cratera! Isso...uma cratera! É o que parecia o imenso rasgo em forma de cruz de
exatos 15 x 12 cms que sangravam o quadro na parte inferior direita da pintura, a apenas milímetros da
assinatura. Tons de verde mesclados com sépia e cobalto, desfraldavam uma rica marinha, com o mar
em movimento constante e barcos dispostos ao sabor das ondas. Uma profunda emoção tomou conta de
mim, quando tomei a consciência que eu, e apenas eu, seria responsável pela recuperação de tal obra de
arte.
A primeira providência foi isolar e manter fixa a área de sinistro da tela, de modo que o efeito
“terremoto” do furo, não atingisse outras partes da obra, nem acarretasse ainda mais descolamento de
pigmento. Depois da refixação total da capa pictórica, fio a fio, reconstituída a trama da tela,
preenchidos os espaços vazios com composto a base de caulim, lixados, isolados e nivelados os espaços,
veio por fim, a parte mais difícil....o retoque final! Meu Deus...o resultado havia ficado espetacular! Não
se notava sequer o local do sinistro, e as cores do retoque, como por mágica, se mesclaram às do grande
mestre, deixando o restauro imperceptível. Com todo cuidado e esmero, sobrepondo-se os vernizes, as
veladuras chegou-se ao final da recuperação da tela, onde depois de 18 dias de um profundo mergulho
nessa tarefa, emergi de uma viagem que pareceu ser de apenas um átimo. Por fim, Monet saiu da U.T.I.
apresentando um plástica impecável, uma saúde perfeita embora reversível, e com muito, mas muito
mais segurança que antes, foi repousar em seu nicho na parede principal da sala.
O diagnóstico?? Monet estava salvo, completamente restabelecido! E o mundo das artes aliviado por
não perder um de seus filhos.
O PRIMEIRO CONTATO!
E u tinha acabado de terminar meus estudo de especialização de restauro de pintura de cavalete em
Verona, no Palazzo Giorfinno, isso em 1.978, e estava louco ou melhor alucinado para conseguir algum tipo de
estágio em algum museu ou galeria. Mandei meu curriculum para todos e para tudo que se movessem em
direção a arte, sabendo que seria praticamente impossível uma resposta positiva, visto minha falta de
experiência como restaurador titular. Passaram-se algumas semanas e uma correspondência chegou....O timbre
era de uma instituição de Bruges, Bélgica, e a carta minha presença para início de trabalho de restauração em
uma semana! Incrédulo, mais do que depressa embarquei para Bruges, e logo já estava instalado naquela
cidade a espera de minha nova função...provavelmente auxiliar de algum bom restaurador. Era o que eu mais
queria, seria o máximo onde eu poderia chegar naquela fase de minha carreira. Bem, me apresentei ao trabalho
na data marcada e fui encaminhado ao atelier principal - que por sinal encontrava-se vazio - e comecei a me
familiarizar com os equipamentos e materiais do local, um atelier completo, super moderno!! Qual não foi minha
surpresa, quando depois de alguns minutos, entra pela porta do atelier, o curador do museu, com um quadro
nas mãos e dizendo...—Este quadro precisa de um restauro urgente! Corre risco de deterioração iminente!
Faça...disse ele! Gelei..... Quando olhei para o quadro, um óleo de médios 40 X 50 cm, PETRIFIQUEI !!!!......era
um original de Salvador Dali! Isso mesmo...um original...óleo..., típico, surreal e maravilhoso, mas em um
adiantado estado de descolamento da capa pictórica. Meu Deus...era muito pra mim, eu tremia apenas de olhar
para o quadro, imagine restaurá-lo!!!!! Lembro que fiquei por três dias apenas observando a tela, analisando,
medindo, calculando o tamanho do sinistro e qual técnica eu iria usar. Nem preciso falar que meu pesadelo de
todas as noites era o quadro de Dali e era nisso que eu pensava desde o café da manhã até eu deitar! O restauro
virou uma total obsessão para mim, eu estava transtornado, morrendo de medo de tanta responsabilidade!
Enfim.... tinha que ser feito! Foi pra isso que estudei e era isso que eu vinha fazendo desde praticamente minha
infância, quando aprendi as técnicas de restauro com minha mãe, a artista plástica Ritowskaia.
Finalmente.... materiais selecionados, técnica definida - refixação através de composto a base de mistura de
cêras e emolientes - passei ao processo de restauração. Por incrível que pareça, assim que comecei a
manusear o quadro, este se tornou tão familiar e simples pra mim que foi como se eu estivesse restaurando um
quadro velho conhecido, meu camarada! Os pesadelos deram lugar a bons sonhos, o medo deu lugar a uma
grande confiança, e o Dali, em alguns dias, voltou ao seu lugar de destaque na parede do museu, com toda a
pompa, autenticidade e perfeição como no dia em que foi pintado!
Esse, foi meu primeiro contato com Dali, e claro o mais traumatizante! Mas também inesquecivelmente, o
melhor!
Neste texto vão-se utilizar termos e conceitos específicos, cuja definição aqui apresentada exprime o
significado e interpretação pessoal dos mesmos. Sempre que forem utilizados corresponderão às
definições aqui propostas, que não se pretendem ser definitivas, mas esclarecedoras das ideias que
se querem transmitir.
O mesmo autor tenta aprofundar esta questão ao tentar perceber que motivos justificaram estas
acções:
" ...em tempos idos, sobretudo nos séculos XV e XVI, a intangibilidade das obras de arte não era
considerada (...) pintava-se um quadro sem preconceitos de originalidade nem de autoria. (...) Se
portanto o retábulo pintado não era obra de uma só mão, porque razão deveriam os restauradores
posteriores, ainda embebidos do espírito de oficina, ser mais respeitosos? O fito do restaurador
antigo, era consertar com aspecto agradável, e sem outro critério, as pinturas que lhe entregavam
para restauro; não havia a moderna museografia com a preocupação do respeito religioso pela obra
original do autor." [3]
Era efectivamente no meio oficinal que as obras eram restauradas e provavelmente em oficinas de
pintura, onde se praticava o regime de mestre-aprendiz, com vários pintores a trabalhar numa
mesma peça. Os mestres destas oficinas dominavam as técnicas antigas e limitavam-se a renovar
as camadas superficiais da pintura, ao seu gosto, ou ao gosto do proprietário, mesmo que isso
significasse, a adulteração do aspecto original da mesma. Contudo, esta era uma prática comum
que efectivamente se manteve até ao século XX. Luís Ortigão Burnay questiona ainda:
"A que intuitos obedeciam estas repinturas ou restauros feitos em os nossos quadros? Certamente o
desejo de os actualizar, de lhes refrescar as côres (...) Todavia, em Portugal foi empregada com
exuberância, e já na época de D. João III por um documento nos é revelada a existência de um
restaurador oficial de quadros, italiano de origem, ainda que as repinturas de que temos
conhecimento devem ter sido feitas nos séculos XVII e XVIII, por maus artistas." [4]
Efectivamente, apesar de não serem citados pelo autor, há registos de restauradores da corte e a
sua presença está bem documentada, como é o caso de Reymão d'Armas, um pintor-restaurador-
dourador quinhentista que efectuou (com a colaboração de Fernão Rodrigues e António de Araújo) a
limpeza dos retábulos e vitrais do Convento de Cristo, em Tomar, entre 1533 e 1535 [5], ou o caso
de João Baptista Pinto de França, que realizou a primeira intervenção no retábulo da capela-mor do
Mosteiro dos Jerónimos.Relativamente às intervenções de restauro que o autor denuncia, também
Manuel de Macedo relembra situações flagrantes:
"Casos houve também, infelizmente, em que os restauradores começaram por ensaiar a limpeza dos
quadros, atacando-os com reagentes alcalinos que lhes produziram profundas avarias." [6]
Foram situações como a acima descrita que levaram posteriormente à realização de repintes
sucessivos, de modo a ocultar os danos infligidos nas superfícies pictóricas. Ortigão Burnay cita
ainda algumas “receitas” que o mesmo encontrou numa enciclopédia chamada “Segredos
necessários para Ofícios, Artes e Manufacturas, etc.”, cuja aplicação prática poderá também ter
provocado danos irreparáveis em determinadas pinturas, pelo que se passam a citar as mais
relevantes para este capítulo:
"Se o painel fôr antigo he necessário alimpalo com uma brocha hum pouco áspera, molhada em
lexívia tépida, composta de uma camada de água do rio e de huma quarta de sabão negro (...)
Depois que estiver lavado, limpo e secco dá-lhe huma, ou duas mãos de verniz para os paineis."
"Para renovar huma pintura velha lava a pintura três ou quatro vezes com agua de cal." [7]
Pode-se então concluir que neste limite temporal, o conceito de restauro englobava termos como
reparação, renovação, repintar, limpar e ainda não está associado à sua vertente conservativa.
Detinha provavelmente um carácter artesanal e oficinal, no seguimento das corporações de escolas
e ateliers de pintura. Assim, a originalidade do autor e o carácter histórico-artístico-cultural da obra
não eram levados em conta. As peças que eram restauradas seriam provavelmente só as mais
notórias ou as que detinham uma importante função no seio da corte e da Igreja e que deviam ser
mantidas (foi no século XVII que se puseram em prática os decretos tridentinos relativamente às
correcções e actualizações iconográficas das obras de arte sacra). Ao nível dos tratamentos, estes
baseavam-se essencialmente nos tratados antigos e em receitas e/ou manuais de conhecimento
empírico, sem qualquer rigor científico e traduziam-se essencialmente em tratamentos de superfície
como limpezas, repintes, repinturas e, por vezes, “aplicação de patine”.
Segundo limite temporal: século XIX
No século XIX surgem os primeiros museus e colecções particulares e as obras de arte mais
importantes são retiradas dos seus locais de exposição originais para serem colocadas em museus
ou são amputadas para melhor se encaixarem noutro local de exposição (por vezes por motivos de
degradação das peças, mas não só).
A exposição de obras de arte para o grande público vai servir de motor ao desenvolvimento do
restauro em Portugal, na sequência do que sucedia também na Europa. Os historiadores e
estudiosos de Arte vêem nestas colecções uma fonte de estudo e esta curiosidade sobre os autores
e a originalidade do artista vai também influenciar os critérios de restauro. As imagens sacras
inseridas nestes ambientes, nomeadamente as pinturas, são vistas somente como obras de arte nas
quais se deve valorizar e destacar os valores estilísticos-artísticos da mesma.
Esta visão vai levar a intervenções de pendor meramente estético e de renovação dos valores
formais e compositivos dessas superfícies pictóricas, provavelmente sem dar importância ao
carácter devocional, de culto e catequético intrínseco das mesmas.
De modo a que se tome conhecimento das técnicas dos grandes mestres e de modo a treinar as
capacidades do restaurador, no que diz respeito à reintegração de lacunas, o autor recomenda ainda
que:
"O restaurador exercitar-se-ha assiduamente, nas galerias de quadros, a copiar com franqueza e
toque seguro fragmentos das obras dos mestres, escolhendo de preferencia os mais característicos
e significativos da maneira de pintar de cada um d'elles." [13]
Relativamente à sua visão sobre intervenções de restauro anteriores e qual a metodologia a adoptar,
o autor refere que:
"É possível, levantando o verniz, descobrir-se que o quadro, tendo já sofrido uma primeira
restauração, aparenta partes repintadas ou apenas retocadas. Se a pintura for má, proceder-se-á a
exterminá-la, e cobrir-se-á inteiramente também as porções repintadas de tela com essência de
terebentina em abundância. Pode suceder que o quadro, apesar de restaurado, tenha sido
judiciosamente retocado por um artista hábil e consciencioso, e em tal caso, quando se proceder a
atacar o verniz, operar-se-á com muita precaução sobre a parte repintada, poupando-a o mais
possível à acção do álcool." [14]
Ao tomar a decisão sobre qual deve ser o restauro a preservar, o autor alerta ainda para que “...
todos os maus restauradores pintam muito.”.
Apesar de Manuel de Macedo ser o único autor citado do século XIX, por se tratarem de excertos de
um Manual de restauro de pintura e gravura, pode-se concluir que seriam estas as práticas comuns
ao nível deontológico, ético e técnico. Através da análise deste testemunho, é possível estabelecer
uma certa relação de continuidade com as práticas anteriores essencialmente ao nível das
metodologias de intervenção, porém, detecta-se uma clara evolução na tentativa de compreensão
da obra e do seu autor, ao ponto de treinar as suas técnicas, de modo a facilitar uma boa imitação
aquando de uma reintegração.
Todavia, denota-se uma certa ambiguidade de discurso no que diz respeito à sua visão e
interpretação sobre intervenções de restauro anteriores, isto é, os motivos que justificam a
manutenção ou o “extermínio” dessa intervenção são essencialmente de índole estética, da
deturpação visual sobre o conjunto e não propriamente relacionados com a acção danosa sobre a
obra original. Tanto mais que, a consequente acção de “des-restauro” pode inclusivamente danificar
a peça. Para além disso, não se define a quem cabe a decisão sobre o que é um bom e um mau
restauro.
Terceiro limite temporal: século XX
No século XX surgem em Portugal as primeiras teorias de restauro, veiculadas essencialmente
através de publicações de Academias e Museus, através de encontros de Museus e publicações daí
decorrentes, boletins, etc. Surgem também os métodos científicos de análise e a sua aplicação em
obras de arte, nomeadamente a aplicação de métodos fotográficos e radiográficos. Já em 1928,
Pedro Vitorino e Roberto de Carvalho realizam a primeira radiografia e fotografia à luz rasante em
pintura.
Foi essencialmente através do Laboratório de Investigação Científica do Museu Nacional de Arte
Antiga, fundado por João Couto [15] em 1935, que se desenvolveram estas acções, em colaboração
com a Oficina de Restauro do mesmo Museu (criada em 1911 pelo Director de então, Dr. José de
Figueiredo e onde o mestre Luciano Freire exercia as funções de restaurador). Em 1965, cria-se o
Instituto José de Figueiredo, para onde foi transferido o Laboratório e a Oficina, que a partir daí
tomou sob sua tutela a conservação e o restauro das principais obras de arte nacionais.
Figura 1 - “Pentecostes”, pintura a óleo sobre tábua, do século XVI, proveniente Figura 2 – “Assunção”, pintura a óleo sobre tábua, do século XVI,
do Convento da Madre de Deus em Lisboa. Atribuída ao “Mestre de 1515”, Jorge proveniente de um retábulo do Convento da Madre de Deus. Atribuída a
Afonso, sendo que o enxerto é atribuível a Francisco de Holanda. Encontra-se Jorge Afonso. Encontra-se em exposição no MNAA. Note-se o acrescento
em exposição no Museu Nacional de Arte Antiga. no lado esquerdo, que não corresponde ao restante painel.
Figuras 3 e 4 – “Cristo Deposto na Cruz”, pintura sobre tábua do século XVI, de autor anónimo. Proveniência particular. A figura da esquerda representa o painel
antes da intervenção de restauro e a figura da direita, o mesmo painel, após a intervenção de restauro.
"No caso do professor Luciano Freire a concepção com que êle trata os quadros (...) é uma
concepção scientífica, ao mesmo tempo de cirurgião e de arqueólogo, - de cirurgião porque mede
com perfeita justeza o campo em que se devem produzir os seus ataques, de arqueólogo porque
possui o perfeito conhecimento da personalidade dos pintores que reïntegra." [22]
Em 1945, vinte anos mais tarde, é curioso constatar que a figura do “restaurador-pintor”(-”cirurgião”)
e as suas intervenções de restauro, nomeadamente as reintegrações “pictóricas” e não cromáticas,
são ainda mantidas num nível quase superior ao autor da obra:
"...de boa fé há que reconhecer que uma pintura estragada fere a vista; um bom restauro nem os
técnicos por vezes o descortinam; é o que sucede a muitas obras que se julgam intactas. A arte de
restaurar, especialmente pinturas, sendo das mais difíceis, é sobretudo a mais ingrata, pois quando
realizada com arte e mestria, desaparece absorvida pelo conjunto original." [23]
Pode-se então concluir que até ao terceiro quartel do século XX, a conservação e o restauro foram
marcados por reminiscências do passado e por avanços, tal como acontecera em épocas anteriores
e bem como hoje-em-dia. As reminiscências estão bem patentes na figura do restaurador que surge
numa fronteira um pouco ambígua entre conservador e o pintor, já que por um lado, prima pelo
respeito pelo autor e pela obra original (ao ponto de rejeitar toda e qualquer intervenção anterior),
mas por outro, a sua intervenção não é claramente diferenciada do original. Os avanços estão
patentes na utilização de outras disciplinas científicas no estudo das obras de arte e na sua
aplicação à conservação e restauro.
É ainda importante uma reflexão sobre a conservação e restauro ligada aos museus neste contexto
cronológico. Como já foi referido anteriormente, havia uma importante relação entre o conservador
de um Museu e toda a comunidade ligada a estas instituições, nomeadamente historiadores,
historiadores de arte, mecenas e amigos dos Museus, no sentido em que se tornava necessário
divulgar e valorizar a acção do Conservador-Restaurador e do restauro propriamente dito.
Assim, os benefícios dos métodos de exame e análise aplicados ao estudo das obras de Arte foram
apoiados, já que permitiam obter informações que se encontravam para além do visível, o que criava
evidentemente um efeito de espectacularização em observadores desconhecedores de matérias
científicas.
Com efeito, na sequência do que vinha acontecendo em Itália e também em Inglaterra, organizaram-
se exposições sobre a novidade do restauro científico, onde se expunham obras de arte, durante o
seu processo de intervenção (essencialmente durante a limpeza química), de modo a mostrar ao
grande público os efeitos do “antes e depois”, com a exibição de painéis mostrando todo o aparato
dos exames realizados que justificavam as operações de levantamento de repintes e repinturas.
Efectivamente, era o restauro que se encontrava em exposição e, em vez de operar em benefício
das Obras de Arte, encontravam-se estas em seu benefício.
Opondo-se porém a estas manifestações que, apesar de tudo, ocorreram em instituições públicas,
surgem os restauros anónimos, não divulgados, não publicados, não discutidos por comunidades
científicas competentes. Se, no primeiro caso, é ainda possível na maioria dos casos
percepcionarmos a obra antes da sua intervenção, no segundo, não haverá muitas pistas por onde
começar, excepto talvez alguns registos paroquiais ou testemunhos de particulares.
Nesse sentido, não será possível compreender os critérios de intervenções em peças de menor
importância artística ou pouco conhecidas do público em geral que, sendo restauradas em oficinas,
santeiros ou ateliers particulares, sobreviveram à “musealização” massiva dos recheios de igrejas
que enviavam as suas peças para o Laboratório de Restauro e que por vezes lá ficavam. Essas
intervenções, a um nível local, são ainda hoje fruto da encomenda de paróquias e comissões
fabriqueiras, bem como de particulares.
Este tema por si só não deixa de ser problemático, podendo mesmo levantar muitas outras
questões, pois os critérios de intervenção e de “re-intervenção” em obras de arte continuam em
evolução permanente e o que hoje em dia é considerado o mais correcto, poderá ser discutível ou
reprovável num futuro próximo.