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Pulsional - Revista de Psicanálise - Artigos - P
Pulsional - Revista de Psicanálise - Artigos - P
Rezende Cardoso
A violenta repetição do Édipo na adolescência:
o caso de uma jovem homossexual
O complexo de Édipo feminino ainda pa- da de caráter feminino, marcada pela va-
rece ser um tema bastante obscuro, tal gina. A transição de uma fase para a ou-
qual parecia a Freud que chegou, inclusi- tra, teria um complicador: a permanência
ve, a afirmar, no texto “Sexualidade femi- do representante da primeira fase, o cli-
nina” (1931), ter a impressão de que as tóris, que continuaria “funcionando” na
formulações acerca do complexo de Édi- vida sexual da mulher adulta (p. 262),
po se aplicariam exclusivamente à crian- ponto que Freud diz não compreender
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satisfatoriamente – e, acrescentaríamos consciente de feminino entendido como
nós, ponto que permanece obscuro na cicatriz, ferida, algo que inevitavelmente
teoria psicanalítica. precederia a também criticada “inveja do
Mas Freud não deixa de sublinhar, ainda pênis”. Esta, como marcam Laplanche e
que em meio a dúvidas e incertezas, a im- Pontalis, seria a “mola da dialética da se-
portante constatação de um desenvolvi- xualidade feminina” (p. 250), onde para
mento sexual feminino de caráter particu- constituir-se como ser feminino, a mulher
lar, no qual o Édipo tem papel fundamen- deveria apelar ao masculino – represen-
tal. Como já assinalamos, uma das dife- tado aí pelo desejo de ter um pênis.
renças em relação ao Édipo masculino André evoca uma carta de Abraham a
residiria na natureza da escolha de obje- Freud, datada de 3 de dezembro de 1924,
to. A dificuldade, para a menina, seria a onde é defendida a idéia de que haveria
de passar da fase de predominância do um reconhecimento da vagina desde
clitóris para a da vagina e, ao mesmo tem- cedo, idéia oposta à concepção freudia-
po, trocar o seu primeiro objeto de inves- na de uma aquisição e reconhecimento
timento por outro. No caso da mulher, a tardios desta, ocorrendo somente na pu-
relação dual pré-edípica tenderia a perpe- berdade, com a troca de zona erógena.
tuar-se. Por outro lado, a saída do Édipo Assim, se em Freud a menina abandona o
feminino se daria de forma insatisfatória, clitóris (análogo ao pênis), substituindo-
uma vez que este tenderia a não ser total- o pela vagina, cuja existência fora “igno-
mente superado. rada” até então, André retoma Abraham
Nosso desafio será analisar a questão da e afirma que na puberdade ocorreria a
repetição da vivência do Édipo na adoles- “renovação do estado original” (p. 26), um
cência feminina, o que, segundo estas estado primitivo, de dominância vaginal.
formulações, poderia envolver um para- É suposta, assim, uma erogeneidade da
doxo: como reviver algo que não foi su- vagina desde o início, reconhecida na in-
perado, algo que não deixou de existir? fância e objeto de recalque com o adven-
to da fase fálica. André retoma em sua
teorização outra carta de Abraham, data-
artigos
pirando-se, por sua vez, em diversos au- zadora da sexualidade adulta feminina,
tores que o precederam, como Abraham, está ligada à sexualidade infantil – e, vale
contemporâneo de Freud. André desen- ressaltar, trata-se, aqui, de uma vagina
volve uma abordagem singular do com- representada num corpo com represen-
plexo de Édipo feminino, a partir de uma tação inconsciente, corpo erotizado.
perspectiva não-“falicista”. Ele trabalha Na verdade, esta concepção de André
com a idéia de uma representação in- está em sintonia com o que Freud já de-
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fendia no “Esboço de psicanálise” (1940 por parte do outro. Estas mensagens,
[1938]): verbais e não-verbais, marcariam, inclusi-
A experiência analítica convenceu-nos da com-
ve, a própria organização da sexualidade.
pleta verdade da afirmação, ouvida com tanta
A sedução do outro deixa vestígios e é
freqüência, de que a criança psicologicamente decisiva para a psicogênese sexual femi-
é pai do adulto e de que os acontecimentos de nina, a partir da representação da vagina
seus primeiros anos são de importância supre- que é reconhecida e depois recalcada,
ma em toda a sua vida posterior. (p. 215) dando lugar à fase fálica que coincide
com o Édipo.
Estas teorizações nos permitem repensar,
Na puberdade há nova eclosão da vagina
sob um novo viés, o Édipo e a repetição
como organizadora da sexualidade femi-
de sua vivência na adolescência. Lou An-
nina; então, mais do que uma repetição
dreas Salomé, outra autora que se propôs
da vivência do Édipo, ocorreria um retor-
a pensar o feminino sob uma ótica diver-
no ao pré-edípico, uma vez que neste pe-
sa da fálica, evoca em texto de 1916 (an-
ríodo já havia representação da vagina.
terior a Abraham e apoiado no texto de Isto difere da idéia de uma construção da
Freud de 1913, “A predisposição para a feminilidade pensada a partir daquilo que
neurose obsessiva”) que existiria uma falta à mulher, e que deveria ser por ela
passividade do eu diante da exacerbação invejado: o pênis. Para Jacques André, a
pulsional provocada por uma pressão inveja do pênis torna-se um paradoxo:
genital. Esta pressão vaginal (cabe aqui deseja-se um pênis externo no lugar de
ressaltar o termo vagina, já que muitas algo inexistente. Como pensar em aban-
vezes Freud utiliza o termo “genital” refe- donar algo que não se conhece, para in-
rindo-se somente ao pênis) seria, na visão vejar e desejar outra coisa? E, mais grave,
de Jacques André, sofrida como algo ex- se nem ao menos se tem algo? É o que o
cessivo que a mulher experimentaria com autor nos convida a questionar, recorren-
extrema violência nos dois tempos, na in- do a uma formulação do próprio Freud,
fância e na puberdade, momento no qual nos “Três ensaios sobre a teoria da sexua-
esta vagina seria reinvestida com o retor- lidade” (1905), segundo a qual qualquer
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no das fantasias edípicas (e novamente o lugar da pele ou das mucosas poderia ser
ego estaria em posição de fragilidade dian- tomado como zona erógena (p. 140). E
te das modificações corporais e psíqui- por que razão a mucosa vaginal não seria
cas). então reconhecida como zona erógena?
Seguindo certos aspectos desenvolvidos A mãe como objeto de investimento libi-
por Jean Laplanche em sua Teoria da se- dinal possui, para o autor, um lugar espe-
ano XV, n. 163, nov./2002
mário e aquilo que só surgiria a posteriori, condição, não tendo sido sua a iniciativa
é necessário investigar o aspecto do femi- de procurar tratamento, foi um dos as-
nino, dentro do Édipo, terreno que para pectos desfavoráveis apontados por
o próprio Freud, numa de suas cartas a Freud.
Abraham, ainda permanecia obscuro. Passemos agora a uma abreviada análise
do cenário edípico envolvido no caso: o
ano XV, n. 163, nov./2002
pelo pai (forma positiva, marcando a en- contra isto, por ocasião da adolescência,
trada no Édipo feminino). A partir da gra- operando uma das três saídas, conforme
videz da mãe, Leonora pareceu reviver o o indica Freud, diante do reconhecimen-
amor por ela, abandonando o desejo de to da castração. O complexo de masculi-
ter um filho e passando a buscar, como nidade parece ter sido a saída escolhida:
objeto, a mãe. Leonora afastou-se do pai, dos homens e
Leonora amava tanto as mulheres, nas de um papel feminino, tomando a mãe
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como objeto de amor. Um objeto de amor não pesam no entendimento da sua orien-
ambivalente, misturado de sentimentos tação sexual. Maria é uma jovem que cer-
de amor e ódio. tamente não é feia mas, como Leonora,
A dama poderia representar, ainda, uma não apresenta uma beleza tipicamente fe-
alternativa para o desagrado de Leonora minina. O modo como se veste e se mo-
em relação à mãe, funcionando como vimenta indica certo desconforto para
substituta desta, substituta mais afetuosa com seu corpo feminino.
e que não compete com Leonora pelo A sua queixa principal é centrada no fato
amor de seu pai. Leonora, por amor à de ser dependente química em recupera-
mãe, afastando-se de uma escolha hete- ção (não há desconforto em relação a
rossexual e de uma posição feminina, sua orientação homossexual). Diz ter vin-
deixa os homens, inclusive seu pai, para do procurar apoio psicológico para ten-
a mãe. Ao mesmo tempo, esta parecia es- tar compreender o domínio que a droga
tar revivendo o seu próprio Édipo na re- exercia sobre si. Apresentava ainda uma
petição da vivência do Édipo da filha: este sexualidade compulsiva e promíscua. Po-
é um aspecto interessante a ser destaca- demos apontar também uma ligação mui-
do. Os pais de adolescentes, em geral, dian- to forte e intensa vinculação sexual com
te da reedição do Édipo de seus filhos, a mãe que a tratara de forma agressiva,
também efetuam um retorno às suas pró- quando a apanhou mantendo relações
prias fantasias edípicas. No caso em ques- sexuais com uma amiga.
tão, isto fica ainda mais claro através do Seu pai se suicidou quando Maria tinha 12
comportamento competitivo que a mãe anos; ela demonstra em relação a ele
estabelece com a filha. A adolescência de grande ressentimento por tê-la abandona-
Leonora despertara em sua mãe o medo do. Afastou-se dos homens e de um papel
de perder aquilo que a tanto custo con- feminino, vindo a tomar a mãe como ob-
quistara: um pênis, ou um filho anterior- jeto de amor. Maria aparenta ter forte
mente negado por seus próprios pais. vinculação sexual com a figura materna.
Desta forma, mostrava-se mais tolerante “Ela é o meu espelho”, diz, na infinidade de
artigos
mãos, um mais novo e outro mais velho. valentes de amor e ódio e também um
Ao contrário de Leonora, foi a própria fascínio sexual que é vivido como algo da
Maria quem procurou atendimento, sem ordem de uma violência interna, dada a
que tivesse havido imposição da família. intensidade e sua veracidade e, a contra-
Como no caso de Leonora, as caracterís- partida disso, a instância interna norma-
ticas físicas de Maria são detalhes que tiva e repressora.
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Poderíamos ir mais longe dizendo que a com rapazes. No início do tratamento,
relação com as drogas estaria reproduzin- mantinha relações sexuais promíscuas,
do uma ligação com marcas primárias sempre buscando uma pessoa que preen-
que comportam esse caráter especular, chesse as suas expectativas, mas tal esfor-
indiscriminado e absoluto. ço era improfícuo, levando a paciente a
Maria mantém uma posição extremamen- associar que procedia daquele modo
te ciumenta e possessiva em relação à para “preencher o vazio da droga com
mãe. No discurso da paciente, ambas pa- pessoas.”
recem ser extremamente controladoras: Em seu discurso, no que diz respeito às
Maria acredita que a mãe quer controlar nuances de suas relações, podemos notar
a sua vida; ao mesmo tempo, parece a presença de grande possessividade, um
competir com o seu padrasto pela aten- forte ciúme e exigência de manipulação
ção da mãe. Maria já competira com seu de suas vinculações com os outros. Essas
irmão mais velho por essa atenção. Este relações são marcadas pelo fato de sem-
irmão é considerado o garoto “certinho” pre procurar atuar de modo preponde-
e preferido da família, inclusive da mãe rante e ativo, e disso depende o prazer da
que “faz de tudo para agradar a ele” (o relação. Parece ter dificuldade de se co-
que lembra um pouco a figura materna locar em posição de passividade, não só
presente no relato de Leonora, que, se- como posição sexual, mas como postura
gundo ela, também demonstrava prefe- em relação à vida. Neste ponto, aponta-
rência pelos filhos homens). mos outra semelhança com Leonora: am-
Na mesma época em que trouxe para a bas parecem apresentar não só uma apa-
análise o tema do suicídio do pai, Maria rência masculinizada como também ado-
relatou um outro fato de extrema violên- taram uma posição masculina, ativa, em
cia: um episódio de violência sexual (es- suas relações. Se para Leonora uma con-
tupro) sofrido por ela, da parte de um dição essencial era que o objeto de amor
antigo namorado que insistia em fazer fosse mãe, no caso de Maria suas escolhas
sexo contra sua vontade, quando ela es- são sempre mulheres heterossexuais.
artigos
pai. Sua mãe casou-se novamente e Maria ocorre mais), Maria apresenta comporta-
não gostava do padrasto. Por isso, prefe- mento fóbico em relação ao órgão sexual
ria ficar em casa quando a família – mãe, masculino. De início, havia indícios, por
padrasto, irmão mais velho e o filho do meio de associações da paciente, de que
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XVIII.
do servir isto como garantia, caso seja _____ (1940 [1938]). Esboço de psicanálise.
“abandonada ou trocada por um ho- E.S.B. v. XXIII.
mem”. Esta fantasia – de ser trocada por
pulsional > revista de psicanálise >
que está aí em jogo, por ela verbalizado L APLANCHE, J. e PONTALIS, J-B. Vocabulário da
como “medo do homem”, poderia ser tra- psicanálise. São Paulo: Martins Fontes,
duzido como medo da diferença sexual, 1997.
no sentido de que essa evitação do pênis
pode ser entendida como evitação da
confrontação com a diferença, resultan- Artigo recebido em junho/2002
te tanto dos processos que a teoria da Aprovado para publicação em outubro/2002
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