O Pequeno Príncipe
CENA 01 AVIADOR: E isso?
AUTOR no palco. Fundo com letras. Iluminação azul.
AUTOR: Peço desculpas às crianças por
haver dedicado essa história a uma grande
pessoa, mas essa pessoa grande é o melhor
amigo que tenho no mundo. Tenho outras
desculpas. Essa pessoa pode tudo
compreender, mesmo os livros para
crianças. Além disso, ela vive em uma
região onde sei que sente fome e frio. Se
vocês soubessem a que ponto essa grande
pessoa necessita sentir-se consolada. Se eu
posso, com essas palavras, um pouco
reconforta-la. Eu espero que vocês
compreendam, mas seja como for, se essas
desculpas não forem o suficiente, eu dedico
esta história a criança que este homem já foi.
Todas as grandes pessoas no começo eram
crianças... mas poucas dentre elas se
recordam.
CENA 02
Fundo do palco com nuvens e luzes indicando
tempestade. O ruído de motor de avião e conversas
pelo rádio ecoam no ar. Um avião aparece flutuando
no palco. De repente sua figura some nas sombras e
soa o barulho da queda. Luzes se apagam. Apenas
uma luz de lanterna surge iluminando um mapa. Aos
poucos a luz da lanterna passeia por entre elementos
do cenário. O fundo com a imagem de areias do
deserto à noite, vai aos poucos mostrando o que há
no palco. O AVIADOR se põe a escrever.
AVIADOR: Motor detonado, avião afundado
em pleno deserto. Talvez a mil milhas de
qualquer região habitada. Trinta de
dezembro de 1935. O conserto será difícil.
Água para oito dias. Pois bem, meu velho,
você quis ser aviador, você o é. Teria feito
melhor se tivesse continuado a desenhar
jibóias...
AVIADOR começa a mexer no avião, cantarolando
baixo. Arma uma pequena tenda. Senta no avião e
olha reflexivo para o nada. Surge a imagem
projetada de uma pequena lousa com um desenho e
logo abaixo, várias pessoas vestidas distintamente e
se relacionando como em uma festa.
AVIADOR: Vocês sabem o que é isso?
CORO: (Rindo) Ó... é um chapéu!
Tábua da lousa gira e desenho muda. AVIADOR faz
pose.
CORO: O que é isso?
AVIADOR: É uma jibóia!
CORO ri e graceja a resposta. AVIADOR volta ao
avião e começa a mexer na tenda de onde tira um
cachecol e coloca em torno do pescoço arremedando
a Mulher 2 de maneira infantil.
HOMEM 1: Você já aprendeu suas lições de
cálculo?
HOMEM 2: Onde é a China? Onde é o
Japão? O Arizona?
HOMEM 3: 9x8? 7x6? 6x9?
HOMEM 4: Seja sensato. Deve-se ser
sensato.
HOMEM 5: É um chapéu!
HOMEM 6: Não se esqueça de apagar a luz.
MULHER 1: Nós dizemos "apague a luz"!
MULHER 2: Meu Deus, mas que desastre
essa criança, vai pegar friagem, tenha
atenção ás correntes de ar e vista seu
protetor de nariz!
AVIADOR se levanta e olha para o CORO.
AVIADOR: Meu desenho lhes causa medo?
CORO: Porque um chapéu causaria medo?
CORO começa a comer, ora com indiferença quanto
ao Aviador, ora dando-lhe broncas, tudo em silêncio.
AVIADOR: Eu não compreendo, ninguém
via o elefante dentro dessa jiboia... Então eu
guardei todos os meus lápis de cor, meus
desenhos esquisitos nessas cartolinas,
enfim encontrei minha vocação, me tornei
piloto de avião.
CORO congela seus movimentos.
AVIADOR: As pessoas grandes são
cansativas. Elas não entendem mais, de tal
modo que precisam sempre de explicações.
Sempre e sempre explicações! Desde então
cruzei com um monte de gente e minha
opinião não mudou realmente. Não falo
nunca mais de estrelas, de jiboias, de flores
tropicais... Até mesmo quis tentar fazer novo
um rascunho do meu desenho, mas as
pessoas grandes responderam sempre e
sempre: "É um chapéu!"
1

CORO se movimenta para indicar chapéu e tem
reações de aprovação aos outros assuntos citados
pelo AVIADOR.
AVIADOR: Então eu falava de política, de
gravatas, de golfe, de corridas de cavalos e
as grandes pessoas se tranquilizavam por
conhecer um homem também sensato.
Coro some no fundo escuro. AVIADOR volta ao seu
avião.
CENA 03
Ainda sobre completo breu, AVIADOR tira o chapéu
e ao joga-lo encontra um avião de papel, que
imediatamente pega.
AVIADOR: As pessoas grandes não
compreendem nada sozinhas, não veem
além das coisas, além de si mesmo...(Joga
o avião) e é muito cansativo para as crianças
sempre e sempre lhes dar explicações.
AVIADOR se deita sob a tenda no escuro, sob a luz
de uma única lanterna. Aparece ao fundo
gradativamente a sombra de PEQUENO PRÍNCIPE.
PEQUENO PRÍNCIPE: Por favor, desenhe
um carneiro para mim.
AVIADOR desperta e sai da tenda tentando ver quem
está falando.
PEQUENO PRÍNCIPE: Desenhe um
carneiro para mim.
AVIADOR se levanta e vai até o menino que se
desvia dele. Suas sombras se projetam ao fundo do
palco.
AVIADOR: Mas o que é que você faz aqui?
PEQUENO PRÍNCIPE: (Aproximando-se
lentamente) Por favor, desenhe um carneiro
para mim.
AVIADOR: Ah! Sabe... eu estudei, muito de
geografia, história, cálculo... eu não sei mais
desenhar.
PEQUENO PRÍNCIPE: Não faz mal,
desenha um carneiro para mim.
AVIADOR: Escute... o único desenho que
sei é esse. (Mostra o desenho no avião)
Veja... venha, venha!
PEQUENO PRÍNCIPE assustado tenta ver o
desenho sem se aproximar do homem. Ele vê o
desenho e ri.
PEQUENO PRÍNCIPE: Não, eu não quero
um elefante em uma jiboia! Uma jiboia é
muito perigosa e um elefante é muito grande.
Em minha casa tudo é pequeno. Eu preciso
de um carneiro. Desenhe um carneiro para
mim.
AVIADOR descrente vai até seus papéis e começa a
desenhar. PEQUENO PRÍNCIPE se aproxima mais,
curioso. AVIADOR lhe estende a mão para entregar-
lhe o desenho, mas PEQUENO PRÍNCIPE receoso
não chega perto. AVIADOR deixa a folha próxima a
ele, no chão. PEQUENO PRÍNCIPE se aproxima e
observa.
PEQUENO PRÍNCIPE: Esse aí está doente.
Faça outro.
AVIADOR então volta aos papéis e tenta desenhar
outro. Como anteriormente, ele tenta entregar o
desenho, mas a atitude de PEQUENO PRÍNCIPE faz
com que ele tenha que deixar o desenho no chão.
PEQUENO PRÍNCIPE: Não esse é um bode,
olha os chifres!
PEQUENO PRÍNCIPE balança a cabeça
negativamente enquanto AVIADOR volta a desenhar
e lhe entrega outro desenho.
PEQUENO PRÍNCIPE: Ah! esse aí tá muito
velho... Eu quero um carneiro que viva por
muito tempo.
AVIADOR vai até a tenda, arranca a tampa de uma
caixa e põe-se a desenhar. PEQUENO PRÍNCIPE,
curioso se aproxima mais tentando observar o que
AVIADOR está fazendo. Ele então vai até ele e
entrega a caixa com três círculos pretos desenhados.
AVIADOR: Essa é uma caixa. O carneiro
que você quer está dentro dela.
PEQUENO PRÍNCIPE vai até a caixa e se debruça
para ver entre os "buracos".
PEQUENO PRÍNCIPE: Ah! Era bem assim
que eu queria! Mas você acha que precisa
de muita erva pra esse carneiro?
AVIADOR: (Aproxima-se) Por que?
PEQUENO PRÍNCIPE: Porque na minha
casa, tudo é pequeno.
AVIADOR: Com certeza será o suficiente,
eu te dei um carneiro pequenininho.
PEQUENO PRÍNCIPE: Não tão pequeno
assim... Olha ele dormiu!
2
PEQUENO PRÍNCIPE se ajeita para deitar-se.
AVIADOR tira seu casaco, coloca sobre ele e afaga-
lhe a cabeça sorrindo.
CENA 04
PEQUENO PRÍNCIPE acorda de repente assustado
com o avião.
PEQUENO PRÍNCIPE: O que é aquela
coisa ali?
AVIADOR: (Rindo) Isso não é uma coisa,
isso voa, é um avião.
PEQUENO PRÍNCIPE: Ahn?
AVIADOR começa a imitar um avião com a mão,
fazendo o ruído do motor. PEQUENO PRÍNCIPE ri.
AVIADOR: É meu avião.
PEQUENO PRÍNCIPE: Nossa! Você
também caiu do céu?
AVIADOR: Mas de onde você vem, meu
pequeno homenzinho?
PEQUENO PRÍNCIPE: (Olhando para o
avião) É verdade que, nisto daí, não pode ter
vindo de muito longe...
AVIADOR: Tu vens então de outro planeta?
Onde é tua casa? Para onde quer levar meu
carneiro?
PEQUENO PRÍNCIPE: (Faz uma pausa) É
bom que a caixa que você me deu a noite
servirá de casa pra ele.
PEQUENO PRÍNCIPE se levanta e vai saindo de
cena.
AVIADOR: E... eu te darei uma corda para o
amarrar de dia em uma estaca!
PEQUENO PRÍNCIPE: Amarrar, mas que
idéia estranha!
AVIADOR: Mas se você não o amarrar, ele
sai andando e se perde...
PEQUENO PRÍNCIPE: Mas onde acha que
ele vai?
AVIADOR: Não sei. Por aí, seguindo
sempre em frente.
PEQUENO PRÍNCIPE: Não faz mal, é tão
pequeno onde moro... (Triste) E quando a
gente anda sempre em frente, não
consegue ir muito longe...
PEQUENO PRÍNCIPE examina o avião á frente
receoso.
AVIADOR: Tenho sérias razões para supor
que o planeta de onde vem é o asteróide
B612 que só foi visto por um astrônomo
turco em 1909. Ele demonstrou sua
descoberta em um congresso internacional
de astronomia, mas ninguém lhe deu crédito
por causa das roupas típicas que usava.
Felizmente para a reputação do asteroide, o
astrônomo repetiu a demonstração em 1920
vestindo uma elegante casaca e dessa vez
todo mundo acreditou. E se lhes dou
detalhes e lhes confio o número é por causa
das pessoas grandes. Elas adoram números.
Quando a gente lhes fala de um novo amigo,
as pessoas grandes jamais se interessam
em saber como ele realmente é.
AVIADOR se ajoelha e estende os braços. CORO
aparece ao fundo como antes.
AVIADOR: Encontrei um amigo!
CORO: Ooooh!
PEQUENO PRÍNCIPE vai até ele, aperta-lhe a mão,
começa a mexer nas coisas do avião. AVIADOR vai
até o CORO e começa a falar com eles.
MULHER 1: Que idade tem?
HOMEM 1: Quantos irmãos ele tem?
Quanto ganha o pai dele?
HOMEM 2: Quanto ele pesa?
AVIADOR: Mas porque vocês não me
perguntam qual é o som de sua voz? Quais
são seus jogos preferidos? Se ele coleciona
borboletas?
HOMEM 3: Que? O que isso quer dizer?
HOMEM 4: Onde ele mora?
AVIADOR: Em um planeta pequeno, com
dois vulcões em atividade, que ele deve
mexer cuidadosamente, pois é prático para
esquentar o café da manhã. E um vulcão
extinto, que ele deve mexer e cuidar
também... Nunca se sabe.
PEQUENO PRÍNCIPE mexe em algo que parece
uma faca embainhada, AVIADOR corre até ele e tira
de suas mãos com cuidado.
HOMEM 4: Que história é essa?
MULHER 1: O que é que você tem
inventado?
PEQUENO PRÍNCIPE: Na Terra, as
pessoas grandes são muito pequenas para
cuidar de seus vulcões, é por isso que eles
causam tantos aborrecimentos.
AVIADOR: (Escrevendo em seu caderno)
Hoje, terceiro dia no deserto. A prova de que
o Pequeno Príncipe existia é que ele era
encantador, que ele ria e que ele queria um
carneiro.
CORO gargalha.
3
AVIADOR: (nervoso) Quando nós
queremos um carneiro, é a prova que
existimos!
CORO continua rindo.
AVIADOR: E o planeta de onde ele veio é o
asteróide B612.
PEQUENO PRÍNCIPE: Mas é... é...
PEQUENO PRÍNCIPE aponta para o número no seu
avião (B612).
AVIADOR: (Ao Pequeno Príncipe) As
crianças devem ser boazinhas e perdoar as
falhas das pessoas grandes.
CORO some e as luzes vão se apagando como se
estivesse anoitecendo.
CENA 05
As luzes se acendem como o nascer do sol.
AVIADOR está escrevendo em um canto junto ao
avião e no meio do palco se encontra PEQUENO
PRÍNCIPE, com a sua caixa.
PEQUENO PRÍNCIPE: É verdade que os
carneiros comem os arbustos?
AVIADOR: Sim, é verdade.
PEQUENO PRÍNCIPE: Então se comem
arbustos, eles comem também os baobás?
AVIADOR: Ah, sabe, os baobás não são
arbustos, mas sim árvores grandes como
igrejas! E mesmo se você levasse consigo
uma manada de elefantes, essa tropa não
viria a destruir um único baobá.
PEQUENO PRÍNCIPE: Mas os baobás
antes de crescer, não começam pequenos?
AVIADOR: Ahn!?!
PEQUENO PRÍNCIPE: Então os carneiros
comerão os pequenos baobás.
AVIADOR: Mas porque você quer que os
carneiros comam os pequenos baobás?
PEQUENO PRÍNCIPE: Veja bem... Se nós
deixarmos crescer os pequenos baobás eles
vão ficar muito grandes e o farão meu
pequeno planeta explodir. Os baobás são
perigosos. Faça um desenho para avisar as
crianças de seu planeta!
AVIADOR: Você tem razão, não se devem
deixar crescer os pequenos baobás. Em
certas circunstâncias, em certos planetas, é
um perigo muito grave.
Aviador começa a desenhar o pequeno asteróide
tomado pelos baobás.
PEQUENO PRÍNCIPE: É uma questão de
disciplina, quando a gente acaba de escovar
os dentes, começa a fazer com cuidado a
higiene do planeta.
AVIADOR mostra-lhe o desenho e PEQUENO
PRÍNCIPE sorri.
PEQUENO PRÍNCIPE: É um trabalho sem
graça, mas é fácil. É preciso se acostumar a
arrancar todos os baobás os dias logo que
se diferenciem das roseiras porque se
parecem muito quando pequenos...
AVIADOR: Não gosto de assumir o tom de
moralista, mas ao menos uma vez abro uma
exceção. Vou escrever "Crianças, cuidado
com os baobás!".
AVIADOR aprecia o desenho e o guarda. PEQUENO
PRÍNCIPE toca a gaita encontrada na tenda.
PEQUENO PRÍNCIPE: Eu gosto muito
quando o sol se põe. (Puxando Aviador)
Vamos ver um pôr do sol!
AVIADOR: Mas temos que esperar...
PEQUENO PRÍNCIPE: Esperar o que?
AVIADOR: Esperar que o sol se ponha!
PEQUENO PRÍNCIPE: Na minha casa é tão
pequeno, que é mudar a cadeira alguns
passos e assisto o anoitecer cada vez que
eu quero. Um dia vi o sol se pôr 44 vezes...
Quando estou muito triste, amo ver o sol se
pôr.
PEQUENO PRÍNCIPE entra na tenda, se cobre e
deita.
AVIADOR: Então, nesse dia, você estava
muito triste?
PEQUENO PRINCIPE não responde. AVIADOR
fecha o livro e vai até PEQUENO PRÍNCIPE e
observa-o dormir. As luzes se apagam, apenas a
lanterna fica acesa.
CENA 06
A luz se acende como em um novo dia. PEQUENO
PRÍNCIPE está sentado sobre sua caixa, olhando o
horizonte. AVIADOR está fazendo reparos no avião.
PEQUENO PRÍNCIPE: Um carneiro... se
come os arbustos, também come as flores?
AVIADOR: Um carneiro come tudo que ele
encontra.
PEQUENO PRÍNCIPE: Até as flores que
tem espinhos?
AVIADOR: Até as flores que tem espinhos.
4
PEQUENO PRÍNCIPE: (suspira) Então... os
espinhos servem pra que?
AVIADOR continua consertando seu avião, não lhe
dá ouvidos.
PEQUENO PRÍNCIPE: Os espinhos... pra
que eles servem?
AVIADOR: Eles não servem para nada. É
pura maldade por parte das flores.
PEQUENO PRÍNCIPE: Eu não acredito em
você. As flores são frágeis delicadas demais.
Elas se protegem como podem. Elas
acreditam que são incríveis com seus
espinhos. Então, você acha que as flores...?
AVIADOR: (Interrompendo
impacientemente) Não, eu não acho nada.
O que eu respondi não importa. Eu me
preocupo com coisas sérias.
PEQUENO PRÍNCIPE: Com coisas sérias??
Você fala como as pessoas grandes! Eu
conheço um planeta onde há um homem
que nunca fez outra coisa além de contas.
Ele nunca cheirou uma flor, nunca olhou pra
as estrelas, e todo dia repete, como você
"Eu sou um homem sério, eu sou um homem
sério", mas isso não é um homem, é um
cogumelo!
AVIADOR: Um o que?
PEQUENO PRÍNCIPE: Um cogumelo!
Fazem milhões de anos que as flores tem
espinhos, e há milhões de anos os carneiros
ainda comem as flores. E isso não é
importante? (Vira-se de costas e começa a
chorar) Se alguém ama uma flor que é única
entre milhares de planetas, isso basta para
que fique ele feliz. Ele vai dizer "Minha flor
está lá em algum lugar", mas e se um
carneiro comer a flor? isso não é
importante!?!
AVIADOR: A flor que você ama não está em
perigo... eu desenharei uma focinheira para
seu carneiro, darei uma armadura para sua
flor. Calma... olha!
AVIADOR pega duas ferramentas e imita um avião,
PEQUENO PRÍNCIPE olha, sorri e para de chorar.
AVIADOR: (estendendo-lhe os braços) Vem cá...
PEQUENO PRÍNCIPE corre até seu abraço.
AVIADOR pega a caixa do carneiro e leva até ele.
CENA 07
Uma luz laranjada ao fundo, semelhante aos
primeiros raios de sol. PEQUENO PRÍNCIPE
continua a observar a flor com a lupa.
ROSA: (cantando) Sou eu a tão linda flor
Tenho várias fileiras de pétalas
Minha vida é maior que só um pôr do sol
Sou de todas a mais rara e bela.
Sou eu a tão linda flor
Tenho várias fileiras de pétalas
Minha vida é maior que só um pôr do sol
Sou de todas a mais rara e bela.
PEQUENO PRÍNCIPE: Você é bela...
ROSA: Não sou?
PEQUENO PRÍNCIPE: Você é bela, mas
bem complicada.
ROSA: Ah!, eu acordei com dificuldade! Ah,
eu lhe peço desculpas! Ah, estou
despenteada! Mas eu nasci ao mesmo
tempo que o sol...
PEQUENO PRÍNCIPE: (Pega um estojo de
maquiagem) É bela, mas um pouco
mentirosa.
ROSA: (Música) Ah, sem muito lhe
incomodar... ah, você pode me trazer
apenas um pequeno café da manhã? Eu
aceitaria algumas gotas de orvalho...
PEQUENO PRÍNCIPE: (Pega um regador)
É bela, mas um pouco manhosa.
ROSA: (Música) Ah, com meus quatro
espinhos... Ah, eu não me deixo ser pega!
Eu não tenho medo de tigres, eles podem
sempre vir, eu sei me defender!
PEQUENO PRÍNCIPE: (Pega um frasco de
perfume) É bela, mas um pouco pretensiosa.
ROSA: (Música) Ah, eu sempre tenho um
pouco de frio... Ah, eu detesto correntes de
ar... Eu amo tanto que cuidem de mim! Você
não teria por acaso um para-vento?
PEQUENO PRÍNCIPE: Não!
PEQUENO PRÍNCIPE continua a organizar os
objetos. ROSA começa a tossir dramaticamente.
PEQUENO PRÍNCIPE vai até ela e lhe coloca seu
cachecol.
PEQUENO PRÍNCIPE: Não tem tigres no
meu planeta e os tigres não comem ervas.
ROSA: Eu não sou uma erva. De qualquer
modo, á noite você me coloca embaixo de
um globo de vidro?
PEQUENO PRÍNCIPE: Ahn!?!
ROSA: Faz frio na sua casa. É mal instalada.
PEQUENO PRÍNCIPE: (Mexendo em suas
pétalas) Shhh...
ROSA: Lá de onde eu venho... ó perdão!
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ROSA lhe dá a mão para PEQUENO PRÍNCIPE
beijar e ele tenta alcançar seus lábios.
ROSA: (Tentando chamar atenção para
outro lugar) Ah, os pássaros selvagens! Sim,
sim!
PEQUENO PRÍNCIPE: Ah, eu não quero
mais a escutar. É melhor eu me mandar!
Pegarei o primeiro voo de pássaros
selvagens...
ROSA fica aflita com a declaração de PEQUENO
PRÍNCIPE. Ela vai até ele tentando chamar a
atenção, quando consegue corre em direção
contrária e se senta de costas. Ele vai até ela, toca
em suas pétalas, ela se vira e ele acena se
despedindo. Ela chora.
PEQUENO PRÍNCIPE: Bom, então tá, vou
embora. Já fiz tudo o que podia. Os vulcões
estão limpos. Você quer seu vidro para a
noite?
ROSA continua chorando e renega. PEQUENO
PRÍNCIPE vai até suas coisas, desenha a redoma e
lhe entrega. ROSA olhs mas se vira, permanecendo
emburrada. PEQUENO PRÍNCIPE vai deixando seus
objetos ao seu lado, até que vai deixar a foice, ela se
assusta e ele a coloca do lado.
PEQUENO PRÍNCIPE: (Estendendo-lhe a
mão) Adeus!
ROSA: (Música) (Toma-lhe a mão) Adeus e
trate de ser feliz. Eu perdi tempo, somos
muito bobos, em querer esconder todos
nossos sentimentos... Enfim, você parte, eu
te peço perdão, devia ter te dito já faz muito
tempo que te amo tanto...
ROSA beija PEQUENO PRÍNCIPE, coloca seu
cachecol em volta de seu pescoço.
ROSA: Vá, agora se vá! Aprenderei sem
você a amar o vento, o ar frio da noite.
Aprenderei sem você, com as lagartas e
com as borboletas a enganar o tédio...
PEQUENO PRÍNCIPE aparece com sua capa. ROSA
começa a arruma-la enquanto canta.
ROSA: Não se atrase adeus e trate de ser
feliz...
Aves voltam a aparecer no céu e levam PEQUENO
PRÍNCIPE. ROSA acena se despedindo. ROSA se
encolhe e as luzes vão se apagando lentamente.
CENA 08
Aparece a imagem de outros planetas projetada ao
fundo. O palco volta a iluminar-se. Surge REI sentado
em um planeta vermelho, flutuando pelo céu, com um
bilboquê. PEQUENO PRÍNCIPE passa por ele,
voando com suas aves.
RAINHA: Ah, olha aí um súdito!
PEQUENO PRÍNCIPE: Mas a senhora não
me conhece!
RAINHA: Mas todos os homens são meus
súditos.
PEQUENO PRÍNCIPE: Ah, sim.
PEQUENO PRÍNCIPE boceja.
RAINHA: Não boceje.
PEQUENO PRÍNCIPE: Mas estou
cansado...
RAINHA: Não fale e não se sente!
PEQUENO PRÍNCIPE: Mas estou cansado,
Vossa Majestade, e já me entediei. Acho
mesmo que vou embora.
RAINHA: Não, espere... eu te ordeno
bocejar, eu te ordeno falar, eu te ordeno se
sentar e me interrogar. Eu te ordeno ficar.
Minhas ordens são sensatas, podem confiar
em mim, senão, caso eu ordenasse a
qualquer general que voasse de flor em flor,
ou se eu exigisse de meu povo, que se
jogassem no mar... Se eles não
obedecessem ou então se revoltassem,
estariam dentro de seus direitos e, portanto,
quem estaria errado seria eu, é claro! A
autoridade repousa inicialmente sobre a
razão. Deve-se exigir de cada um aquilo que
cada um pode dar.
PEQUENO PRÍNCIPE: (Brincando com o
bilboquê) E sobre o que a senhora reina?
RAINHA: Sobre tudo. Eu sou uma monarca
absoluta e universal.
PEQUENO PRÍNCIPE: Até as estrelas te
obedecem?
RAINHA: É claro! Eu não tolero indisciplina.
PEQUENO PRÍNCIPE: Nesse caso, me
faça um favor?.. ordene ao sol que se ponha.
RAINHA: Eu o obrigarei, mas esperarei com
o conhecimento de meu governo até que as
condições sejam favoráveis.
PEQUENO PRÍNCIPE: E quando será isso?
RAINHA: Esta noite. Por volta das...
(consulta um jornal, Pequeno Príncipe
indica-lhe) Por volta das... 18h40! Você verá
como sou bem respeitada!
PEQUENO PRÍNCIPE: Entendi. Vou
6
embora.
RAINHA: Não, não parta, eu te farei
ministro... da justiça!
PEQUENO PRÍNCIPE: Não tem ninguém
no seu planeta.
RAINHA: Não, mas você julgará a si mesmo.
É bem mais difícil julgar a si mesmo do que
julgar o outro. Se conseguir fazer um bom
julgamento de si, será um verdadeiro sábio!
PEQUENO PRÍNCIPE: Posso me julgar em
qualquer lugar, não preciso morar aqui.
Adeus!
RAINHA: Não, espera! Acredito que há, em
algum lugar, um velho rato que ouço correr
á noite.
O rato aparece embaixo da RAINHA. PEQUENO
PRÍNCIPE lhe acena adeus.
RAINHA: Você o condenará a morte de
tempos em tempos, mas você o perdoará
um pouco a cada vez, para economizar, pois
só há ele.
PEQUENO PRÍNCIPE: Eu não gosto de
condenar à morte e acredito que vou mesmo
embora.
RAINHA: Não...
PEQUENO PRÍNCIPE: Se vossa majestade
quer ser obedecida, me mande ir em um
minuto! As condições estão favoráveis...
RAINHA: Não... (pausa) Eu te farei meu
embaixador, agora vá...
PEQUENO PRÍNCIPE: As pessoas grandes
são bem estranhas.
PEQUENO PRÍNCIPE sai junto de seus pássaros.
RAINHA não é mais vista em cena.
CENA 09
Surge na cena, VAIDOSO. Ele aplaude e sorri
quando avista PEQUENO PRÍNCIPE.
VAIDOSA: Ah, Olha aí a visita de um
admirador...
PEQUENO PRÍNCIPE: Esta é uma vaidosa.
Você tem um chapéu engraçado!
VAIDOSA: É para agradecer quando me
aclamam. Bata com suas mãos uma na
outra.
PEQUENO PRÍNCIPE o aplaude. VAIDOSA
agradece levantando o chapéu.
PEQUENO PRÍNCIPE: Ah, isso é mais
divertido do que a visita a rainha.
VAIDOSA: (Rindo em êxtase) Oh! Eu amo
que me joguem flores, eu amo a luz dos
projetores, eu amo os elogios, (Começa a se
olhar nos espelhos) eu amo até mesmo os
mentirosos. Quando eles sabem me dizer
aquilo que quero ouvir! Eu amo os
cumprimentos, o calor dos aplausos, eu amo
a glória! Se eu devo me sentir, nem que seja
por um instante, a mais interessante, a mais
bela... Eu sou a mais rica, eu sou a mais
engraçada... Eu sou eu, eu sou eu! Eu sou a
melhor de todo o planeta...
PEQUENO PRÍNCIPE: Mas só você mora
neste planeta!
VAIDOSO coloca o espelho no rosto dramaticamente.
VAIDOSA: Me dê esta alegria e me admire
mesmo assim!
VAIDOSA faz poses.
PEQUENO PRÍNCIPE: Eu te admiro.
VAIDOSA: Oh sim!
PEQUENO PRÍNCIPE: Mas em que isso iria
te interessar? As pessoas grandes são
decididamente bem bizarras.
PEQUENO PRÍNCIPE segue e VAIDOSA some de
cena, admirando a própria beleza.
CENA 10
Os planetas do fundo ficam amarelados e surge
HOMEM DE NEGÓCIOS com um enorme ábaco,
fazendo cálculos. PEQUENO PRÍNCIPE se aproxima.
PEQUENO PRÍNCIPE: Bom dia! Sua
gravata está torta.
HOMEM DE NEGÓCIOS andando.
HOMEM DE NEGÓCIOS: 3+2=5 e 5+7=12
e 12+3=15. (Sussurra) Bom dia. 22+6=28,
não há tempo de arrumar, 26+5=31. Isso me
dá, portanto, 501 milhões 622 mil e 731
PEQUENO PRÍNCIPE: Quinhentos e um
milhões de que?
HOMEM DE NEGÓCIOS: Você ainda está
aí? quinhentos e um milhões de já nem sei
mais.
PEQUENO PRÍNCIPE: Quinhentos e um
milhões de que?
HOMEM DE NEGÓCIOS: Tenho muito
trabalho, não posso me distrair com todas
essas bobagens.
PEQUENO PRÍNCIPE: Milhões de que?
HOMEM DE NEGÓCIOS: Você não deve
me atrapalhar, 2+5=7. Eu sou um homem
7
sério!
PEQUENO PRÍNCIPE: Quinhentos e um
milhões de que?
HOMEM DE NEGÓCIOS: De milhões de
estrelas às quais sonham os preguiçosos e
eu conto em cálculo mental. Eu que sou um
homem sério, preciso possuir estrelas para
comprar outras estrelas se alguém achar. As
milhões de estrelas que não sei fazer mais
que apenas contar. Eu, que jamais sonhei...
3+2=5 e 5+7=12 e 12+3=15. 15+7=22,
22+6=28, 26+5=31. Isso me dá, portanto:
501milhões 622 mil e 731...
PEQUENO PRÍNCIPE: De estrelas, já sei.
Eu já vi uma rainha que tinha uma estrela.
HOMEM DE NEGÓCIOS: Mas as rainhas
não possuem, elas reinam. É bem diferente.
PEQUENO PRÍNCIPE: E como podemos
possuir uma estrela?
HOMEM DE NEGÓCIOS: Eu possuo
estrelas porque ninguém antes de mim
pensou em possuí-las.
PEQUENO PRÍNCIPE: (Sorri) É verdade,
mas você não pode cheirar uma estrela
como eu posso cheirar uma flor...
HOMEM DE NEGÓCIOS: Não, mas eu
posso coloca-las em um banco. Eu escrevo
em um papelzinho o número da quantidade
de minhas estrelas e o tranco á chave dentro
de uma gaveta.
PEQUENO PRÍNCIPE: É bastante poético,
mas não é sério de verdade. Eu limpo meus
vulcões e molho minha flor. Portanto é útil
aos meus vulcões e à minha flor que eu os
possua. Mas você não é útil às estrelas....
HOMEM DE NEGÓCIOS abre a boca, mas não
consegue encontrar uma resposta.
PEQUENO PRÍNCIPE: As pessoas grandes
são mesmo extraordinárias.
PEQUENO PRÍNCIPE segue em frente e HOMEM
DE NEGÓCIOS sai de cena.
CENA 11
PEQUENO PRÍNCIPE se aproxima do ACENDEDOR
DE LAMPIÕES que está acendendo e apagando o
Lampião.
PEQUENO PRÍNCIPE: Bom dia. Porque
você apaga seu lampião? Você acabou de
acende-lo.
ACENDEDORA DE LAMPIÕES: É o
regulamento... Bom dia!
PEQUENO PRÍNCIPE: Qual é o
regulamento? Eu não compreendo...
ACENDEDORA DE LAMPIÕES: É apagar
meu lampião. Boa noite! Não é pra
compreender, regulamento é regulamento.
Bom dia!
A ACENDEDORA DE LAMPIÕES apaga novamente
o lampião e retira um lenço do bolso, gesticula
enxugando o suor da testa.
ACENDEDORA DE LAMPIÕES: Eu
executo uma tarefa terrível. No passado era
mais sensato. Apagava de manhã e acendia
á noite. Tinha o resto do dia para descansar
e toda a noite para dormir...
PEQUENO PRÍNCIPE: E depois mudou o
regulamento?
ACENDEDORA DE LAMPIÕES: O
regulamento não mudou. Aí que está o
problema! O planeta a cada ano gira mais
depressa e o regulamento não muda. Agora
ele dá uma volta por minuto e não tenho
mais um segundo de repouso. Acendo e
apago uma vez por minuto.
ACENDEDORA DE LAMPIÕES desanima, vai saindo
de cena na sua rotina.
PEQUENO PRÍNCIPE: Pelo menos ela não
se ocupa apenas de si mesmo. Se houvesse
lugar para dois, eu amaria ser amigo dela. E,
além do mais, 60 pôr-do-sol por hora seriam
1440 pôr-do-sol por dia. Voltarei!
PEQUENO PRÍNCIPE segue sua jornada.
CENA 12
PEQUENO PRÍNCIPE aproxima-se do GEÓGRAFA
que está com uma pena e um grande livro nas mãos.
PEQUENO PRÍNCIPE: Ah, eis aqui um
grande planeta!
GEÓGRAFA: Olha, eis aí um explorador!
PEQUENO PRÍNCIPE: O que é esse livro
grosso? O que a senhora faz aqui?
GEÓGRAFA: (Mostrando um de seus
objetos) Eu sou geógrafa e tomo notas das
lembranças dos exploradores.
PEQUENO PRÍNCIPE: Seu planeta é bem
bonito. Ele tem oceanos?
GEÓGRAFA: Eu não sei.
PEQUENO PRÍNCIPE: E montanhas?
GEÓGRAFA: Eu não sei.
PEQUENO PRÍNCIPE: E cidades?
GEÓGRAFA: Eu não sei.
PEQUENO PRÍNCIPE: E rios?
8
GEÓGRAFA: Eu não sei.
PEQUENO PRÍNCIPE: Mas você não é
geógrafa?
GEÓGRAFA: Exato, mas eu não sou
exploradora. Uma geógrafa é importante
demais para vaguear sem rumo, ela não
deixa seu escritório, mas recebe os
exploradores. E se as lembranças de um
deles lhe parecem interessantes, então a
geógrafa faz uma pesquisa acerca da
moralidade do explorador.
PEQUENO PRÍNCIPE: Pra quê isso?
GEÓGRAFA: Se o explorador mentiu, você
imagina a catástrofe? (Começa a gargalhar)
E se é um bêbado, ele terá visto duplamente
e terá anotado duas montanhas, duas! Ali
onde só tem uma.
PEQUENO PRINCIPE: Ah, ah, ah!
GEÓGRAFA: E você? Vem de longe? Vou
anotar sua narrativa, a princípio a lápis, e a
tinta quando você houver fornecido as
provas.
PEQUENO PRÍNCIPE: Que provas?
GEÓGRAFA: É bem simples. Se se trata,
por exemplo, da descoberta de uma grande
montanha, exigimos que o explorador nos
traga pedras grandes.
GEÓGRAFA mostra uma caixa com as provas.
PEQUENO PRÍNCIPE: Na minha casa é
tudo pequeno...
PEQUENO PRÍNCIPE lhe entrega o bilboquê do REI
a GEÓGRAFA se impressiona e o guarda
imediatamente.
PEQUENO PRÍNCIPE: ...dois vulcões em
atividade, um vulcão extinto,
GEÓGRAFA: Tomarei nota... nunca se
sabe...
PEQUENO PRÍNCIPE: (Se levanta)
Também tenho uma flor.
GEÓGRAFA: Nós não fazemos anotações
de flores, elas são efêmeras. Não
escrevemos nada além das coisas eternas,
que não se desfazem.
PEQUENO PRÍNCIPE: O que significa isso,
"efêmero"?
GEÓGRAFA: Isso significa...
humm...vejamos... (Consulta um pequeno
dicionário) "efêmero" significa "que está
ameaçado de um desaparecimento
próximo".
PEQUENO PRÍNCIPE: Minha flor é efêmera?
Ela só tem quatro espinhos para se defender
do mundo! E eu deixei ela sozinha em casa!!!
PEQUENO PRÍNCIPE se aflige por um momento,
mas logo retoma a coragem.
PEQUENO PRÍNCIPE: E que planeta a
senhora me aconselha ir visitar?
GEÓGRAFA: O planeta Terra. (Entrega-lhe
binóculos) Ele tem boa reputação. O sétimo
planeta será, portanto, a Terra. A Terra não é
um planeta qualquer. Nós contabilizamos
111 reis, considerando, é claro, os reis
africanos.
PEQUENO PRÍNCIPE: Muito engraçado...
GEÓGRAFA: Sete mil geógrafos.
Novecentos mil homens de negócios. Sete
milhões e quinhentos mil bêbados. Cento e
trinta milhões de vaidosos... Ou seja, mais
ou menos, dois bilhões de pessoas grandes!
PEQUENO PRÍNCIPE se põe a observar com os
binóculos. GEÓGRAFO desaparece no fundo escuro.
PEQUENO PRÍNCIPE: Tem carneiros! Vou
lá!
O palco se apaga completamente.
CENA 13
A imagem de um cometa caindo na Terra é projetada
ao fundo. Surge no palco a figura do PEQUENO
PRÍNCIPE vestindo sua capa, que ele tira devagar e
começa a observar o local. A luz abre mais um pouco
e revela rochas ao fundo e uma serpente á frente.
SERPENTE: Boa noite!
PEQUENO PRÍNCIPE: Em que planeta eu
caí?
SERPENTE: Sobre a Terra, na África...
PEQUENO PRÍNCIPE: Onde estão os
homens?
SERPENTE: Aqui é o deserto, não há
ninguém nos desertos. A Terra é grande!
SERPENTE gesticula rispidamente, se escondendo
na pedra. PEQUENO PRÍNCIPE se afasta, vai até a
capa e a segura tentando joga-la sobre SERPENTE.
PEQUENO PRÍNCIPE: Eu sei, dois bilhões
de habitantes.
PEQUENO PRÍNCIPE joga bruscamente a capa sob
SERPENTE que escapa.
SERPENTE: Atenção, quando queremos
9
bancar o inteligente, pode ser que
inventemos um pouco. Você vai causar uma
falsa impressão do planeta aqueles que não
o conhecem. Os homens ocupam muito
pouco da Terra. (Vai enroscando no pescoço
de Pequeno Príncipe) Se todos os
habitantes se colocassem de pé e bem
próximos, (Finge dar o bote e sai)
poderíamos empilhar toda a humanidade
sobre a menor ilha do pacífico.
PEQUENO PRÍNCIPE: As pessoas grandes
nunca irão acreditar em você.
SERPENTE: Elas se acham importantes
como os baobás.
PEQUENO PRÍNCIPE: Eu me pergunto se
as estrelas brilham para que cada um possa
encontrar a sua... Olha meu planeta, ele
está bem ali, acima de nós. Como ele está
longe...
SERPENTE: Ele é bem bonito, mas o que
você vem fazer aqui?
PEQUENO PRÍNCIPE: Tenho... dificuldades
com minha flor.
SERPENTE: (Aponta para FLORZINHA)
Uma flor?
PEQUENO PRÍNCIPE: Não é uma flor de
três pétalas, uma florzinha de nada. A minha
é efêmera.
PEQUENO PRÍNCIPE se deita sobre SERPENTE
que afaga-lhe o cabelo.
CENA 14
A luz fica mais forte e o cenário projetado parece de
um amanhecer no deserto. PEQUENO PRÍNCIPE
acorda.
PEQUENO PRÍNCIPE: Onde estão os
homens? Estamos um pouco sozinhos no
deserto.
SERPENTE: Também estamos sozinhos
entre os homens.
PEQUENO PRÍNCIPE: Você é uma criatura
engraçada, não tem nem patas, não pode
nem mesmo viajar.
SERPENTE: Ah, eu posso te levar mais
longe que um navio. Aquele que eu toco,
devolvo á terra de onde saiu. Mas você é
puro, vem de uma estrela, me dá pena, você
é tão frágil, sobre essa terra de granito... um
dia posso te ajudar, caso sinta muita
saudade de seu planeta! Eu posso... (faz
gesto do bote)
PEQUENO PRÍNCIPE: (Afagando Serpente)
Ah, entendi! Mas porque você sempre fala
através de enigmas?
SERPENTE: Eu resolvo todos eles.
SERPENTE vai saindo. Ao fundo, continuam as
FLORZINHA.
PEQUENO PRÍNCIPE: Bom dia!
FLORZINHAS: Bom dia!
PEQUENO PRÍNCIPE: Onde estão os
homens?
FLORZINHA 01: Ah, os homens! Não existe
mais que seis ou sete
FLORZINHA 02: ... Faz anos que os vi, mas
nunca se sabe onde os encontrar.
FLORZINHA 03: O vento os faz caminhar,
eles não têm raízes. Isso os atrapalha muito.
PEQUENO PRÍNCIPE: Adeus!
FLORZINHAS: Adeus.
PEQUENO PRÍNCIPE: (Aproxima-se
novamente) Vou escalar aquela montanha
alta. Nunca tive uma montanha assim.
Tenho três vulcões na altura dos joelhos.
FLORZINHAS: Nos joelhos?
PEQUENO PRÍNCIPE: Lá no topo, irei
perceber de uma só vez todo o planeta e
todos seus homens.
As luzes vão se apagando e FLORZINHAS somem.
Luzes iluminam as montanhas ao fundo. PEQUENO
PRÍNCIPE surge ao fundo como que escalando e
finalmente fica de pé.
CENA 15
PEQUENO PRÍNCIPE: Bom dia!
ECO: Bom dia... Bom dia... Bom dia...
PEQUENO PRÍNCIPE: Quem são vocês?
ECO: Quem são vocês? Quem são vocês?
Quem são vocês?
PEQUENO PRÍNCIPE: Sejam meus amigos.
ECO: Meus amigos... amigos... amigos...
PEQUENO PRÍNCIPE: Estou só.
ECO: Estou só... Estou só... Estou só...
PEQUENO PRÍNCIPE: Essa Terra é um
planeta engraçado, os homens são sem
imaginação, eles repetem tudo que dizemos
a eles. Tenho uma flor em minha casa e ela
é sempre a primeira a falar... (suspira)
PEQUENO PRÍNCIPE se espreguiça e a luz começa
a diminuir, indicando a chegada da noite.
A luz novamente volta, indicando que amanheceu. Ao
fundo, imagens que evocam vegetação e areias do
deserto. PEQUENO PRÍNCIPE acorda confuso.
ROSAS desabrocham e PEQUENO PRÍNCIPE se
aproxima.
CENA 16
10

FLORZINHA 01: Ah! Demoramos para
acordar?
FLORZINHA 02: Lhe pedimos desculpas!
FLORZINHA 03: Estamos despenteadas!
FLORZINHA 01: Mas despertamos ao
nascer do sol...
FLORZINHA 02: Sem muito lhe incomodar...
FLORZINHA 03: Você pode nos trazer
apenas um pequeno café da manhã?
FLORZINHA 03: Nós aceitamos algumas
gotas de orvalho...
PEQUENO PRÍNCIPE: Minha flor me disse
ela era a única de sua espécie em todo o
universo, mas isso não é verdade! Como ela
existem milhares... Se ela visse vocês, se
sentiria humilhada, e, para parecer menos
ridícula, iria tossir e se fingir de morta.
E eu me achava tão rico por ter uma flor
única e só uma flor comum. Com ela e meus
vulcões, não pareço um grande príncipe!
PEQUENO PRÍNCIPE se deita em um canto e fica
chorando.
CENA 17
Surge entre as rochas o focinho de RAPOSA.
RAPOSA: Bom dia!
PEQUENO PRÍNCIPE: (Se levanta) Bom
dia!
RAPOSA se aproxima, mas ainda atrás das rochas.
PEQUENO PRÍNCIPE: Quem é você? Você
é bem bonita!
RAPOSA: (Se arrumando) Eu sou uma
raposa.
PEQUENO PRÍNCIPE: Vem brincar comigo,
estou muito triste.
RAPOSA se aproxima rapidamente farejando
PEQUENO PRÍNCIPE como um cachorro e volta a
se esconder.
RAPOSA: Não posso brincar com você,
(Distanciando-se) você ainda não me
cativou.
PEQUENO PRÍNCIPE: Perdão! O que
significa "cativar"?
RAPOSA: (Voltando) Ah, você não é daqui.
O que procura?
PEQUENO PRÍNCIPE: Procuro os homens.
O que significa "cativar"?
RAPOSA: Os homens tem fuzis e eles
caçam. É bem incômodo. Eles também
criam galinhas. É seu único interesse. Você
procura galinhas?
PEQUENO PRÍNCIPE: Não, procuro
amigos. O que significa "cativar"?
RAPOSA: (Se aproximando novamente) É
uma coisa muito esquecida. Nesse caso,
significa criar laços, CATIVAR...
PEQUENO PRÍNCIPE: Criar laços?
RAPOSA: (Sentando ao seu lado) É claro!
Você ainda não é para mim mais do que um
menininho, igual a cem mil menininhos e eu
não preciso de você. E você também não
precisa de mim, eu não sou para você mais
que uma raposa, parecida com cem mil
raposas. Mas se você me cativar, nós iremos
precisar um do outro. Você será para mim,
único no mundo. Eu serei para você, única
no mundo.
PEQUENO PRÍNCIPE: Tenho uma flor...
acredito que ela tenha me cativado.
RAPOSA: É possível. Nós vemos todo o tipo
de coisa na Terra.
PEQUENO PRÍNCIPE: Ó, mas não é na
Terra.
RAPOSA: Em um outro planeta?
PEQUENO PRÍNCIPE: Sim.
RAPOSA: Existem caçadores nesse
planeta aí?
PEQUENO PRÍNCIPE: Não.
RAPOSA: Isso é interessante! E as galinhas?
PEQUENO PRÍNCIPE: Não.
RAPOSA: (Distanciando-se) Nada é
perfeito.
RAPOSA segue e PEQUENO PRÍNCIPE acena
adeus. RAPOSA, de repente, volta.
RAPOSA: Por favor, me cative.
PEQUENO PRÍNCIPE: Eu quero muito, mas
não tenho tempo. Tenho amigos para
descobrir e muita coisa pra conhecer.
RAPOSA: A gente só conhece bem as
coisas que cativou. Os homens não tem
mais tempo de conhecer algumas coisas.
Compram tudo pronto nas lojas. Mas como
não existem lojas de amigos, os homens
não tem mais amigos. Se tu quer ser meu
amigo, então me cativa.
PEQUENO PRÍNCIPE começa a tentar pegar
RAPOSA que foge.
PEQUENO PRÍNCIPE: E como faço isso?
RAPOSA: Deve-se ser paciente. Você se
sentará no começo, um pouco longe de mim.
11

PEQUENO PRÍNCIPE então obedece às instruções
de RAPOSA.
RAPOSA: ... e eu te observarei com o canto
do olho! E você não dirá nada! Ó, a
linguagem é a fonte dos mal-entendidos. (Se
aproxima) Mas, a cada dia, você poderá se
sentar um pouco mais perto.
A luz indica que já é noite. PEQUENO PRÍNCIPE se
aproxima mais de RAPOSA.
RAPOSA: Teria sido melhor aproximar-se
sempre na mesma hora. Se tu vens por
exemplo às quatro da tarde, desde as três
começarei a ser feliz. Se tu vens a qualquer
momento, nunca saberei a hora de preparar
meu coração.
A luz segue uma sequência indicando noite e dia, a
medida que PEQUENO PRÍNCIPE e RAPOSA vão
se aproximando, até que esta sente muito frio e
PEQUENO PRÍNCIPE tenta-lhe colocar seu
cachecol. RAPOSA não permite, então PEQUENO
PRÍNCIPE coloca ao seu lado. RAPOSA demora um
pouco, mas pega e coloca. Então ao anoitecer,
RAPOSA deita no colo de PEQUENO PRÍNCIPE.
Luz indica que amanheceu.
PEQUENO PRÍNCIPE: Eu devo ir embora.
RAPOSA: Ah, vou chorar!
PEQUENO PRÍNCIPE: É sua culpa. Eu não
queria te fazer mal, mas você quis que eu te
cativasse.
RAPOSA: Sim...
PEQUENO PRÍNCIPE: Mas você vai chorar?
RAPOSA: É claro...
PEQUENO PRÍNCIPE: Então você não
ganhou nada.
RAPOSA: Ah, eu ganhei, por causa da cor
do trigo. Vá rever as rosas e irá
compreender que a sua é única no mundo.
PEQUENO PRÍNCIPE pega um regador, sai
molhando as rosas. RAPOSA fica triste no canto,
observando.
PEQUENO PRÍNCIPE: Vocês não se
parecem com minha rosa.
Ninguém cativou vocês e vocês não
cativaram ninguém. Vocês não são únicas
no mundo. Vocês são belas, mas são vazias.
E minha rosa sozinha, conta bem mais que
vocês todas. Pois foi ela quem eu reguei e
protegi. Ela é a minha rosa!
RAPOSA: Para a nossa despedida, aqui
está meu segredo, não vemos bem senão
com o coração, o essencial é invisível aos
olhos. Se os homens esqueceram essa
verdade, você não deve esquece-la, foi o
tempo que perdeu com tua roas, que fez sua
rosa tão importante. Você se tornas
eternamente responsável por aquilo que
cativas...
PEQUENO PRÍNCIPE: Então eu sou
responsável pela minha rosa para sempre.
Porque foi ela quem eu reguei, porque foi ela
quem eu protegi, porque foi ela quem eu
escutei, pois é minha rosa! Adeus!
RAPOSA: Adeus! (Devolvendo-lhe o
cachecol) Não se esqueça do meu segredo.
Só vemos bem com o coração.
PEQUENO PRÍNCIPE: Só vemos bem com
o coração.
RAPOSA: O essencial é invisível aos olhos.
PEQUENO PRÍNCIPE: O essencial é
invisível aos olhos.
RAPOSA: É o tempo que você dedicou á
sua rosa...
PEQUENO PRÍNCIPE: É o tempo que você
dedicou á sua rosa...
RAPOSA: ...que fez sua rosa...
PEQUENO PRÍNCIPE: ...que fez minha
rosa...
RAPOSA: (sai definitivamente da
cena) ...tão importante!
PEQUENO PRÍNCIPE: ...tão importante!
(Percebe que a raposa sumiu) Raposa!
Raposa! Raposa!
PEQUENO PRÍNCIPE procura por RAPOSA.
CENA 18
Todas as luzes se apagam. Surge o ruído de uma
ventania. PEQUENO PRÍNCIPE caminha a esmo até
que inicia-se o ruído da cidade. Projeta-se ao fundo
grandes construções. Ouve-se um ruído de trem.
PEQUENO PRÍNCIPE: Bom dia!
MANOBRISTA: Bom dia!
PEQUENO PRÍNCIPE se aproxima de uma estação
de trem.
PEQUENO PRÍNCIPE: Quem é você?
MANOBRISTA: Eu sou a manobrista da
estação.
Surge a imagem de alguns trens. MANOBRISTA fica
sinalizando sua parada e partida.
12
MANOBRISTA: Eu separo os viajantes em
grupos de mil e despacho os trens que os
carrega, tanto para a direita, quanto para a
esquerda.
PEQUENO PRÍNCIPE: Eles estão bem
apressados, o que buscam?
MANOBRISTA: Nem mesmo o homem da
locomotiva sabe isso.
PEQUENO PRÍNCIPE: Eles já estão
voltando?
MANOBRISTA: Não são os mesmos, é uma
troca.
PEQUENO PRÍNCIPE: Eles não estão
contentes lá onde estavam?
MANOBRISTA: Nunca estamos contentes
onde estamos.
PEQUENO PRÍNCIPE: Eles estão indo
atrás dos primeiros viajantes?
MANOBRISTA: Eles não vão atrás de nada.
Eles dormem lá dentro ou então bocejam.
Só as crianças colam seus narizes contra os
vidros.
PEQUENO PRÍNCIPE: Só as crianças
sabem o que buscam. Elas brincam com
uma boneca de pano e ela se torna
importante. Se nós a tiramos delas, elas
choram.
MANOBRISTA: Elas são felizes.
MANOBRISTA sai de cena.
CENA 19
Entra pelo corredor do teatro, VENDEDORA gritando,
com uma bandeja.
VENDEDORA: Compre as pílulas, compre
as pílulas contra a sede!
PEQUENO PRÍNCIPE: Bom dia!
VENDEDORA: Bom dia!
PEQUENO PRÍNCIPE:E a senhora, quem é?
VENDEDORA: Sou uma comerciante de
pílulas aperfeiçoadas que acabam com a
sede. COMPRE AS PÍLULAS, COMPRE AS
PÍLULAS CONTRA A SEDE! Nós tomamos
uma por semana e não sentimos mais
necessidade de beber água.
PEQUENO PRÍNCIPE: E porque não sentir
sede?
VENDEDORA: Ora, é uma grande
economia de tempo. COMPRE AS PÍLULAS,
COMPRE AS PÍLULAS CONTRA A SEDE!
Nós tomamos uma por semana e não mais
sentimos necessidade de beber. COMPRE
AS PÍLULAS, COMPRE AS PÍLULAS
CONTRA A SEDE! Poupamos 53 minutos
por semana de acordo com os estudiosos.
PEQUENO PRÍNCIPE: E então o que
fazemos nesses 53 minutos?
VENDEDORA: (Gargalha alto) Ah, bem...
não sei... nós fazemos... o que quisermos!
PEQUENO PRÍNCIPE: Se eu tivesse 53
minutos poupados caminharia calmamente
em direção à uma fonte. Retornarei ao
deserto, prefiro muito mais o deserto.
VENDEDORA sai de cena resmungando sua
propaganda. PEQUENO PRÍNCIPE segue em
passos marcados.
CENA 20
As imagens das areias e do céu do deserto aparecem
novamente ao fundo. PEQUENO PRÍNCIPE caminha
pelo espaço. O avião é iluminado. A cena inicial da
conversa de PEQUENO PRÍNCIPE com o AVIADOR
se repete.
PEQUENO PRÍNCIPE: Desenha um
carneiro para mim!
AVIADOR: (Aproximando-se) Mas... o que
você faz aqui?
PEQUENO PRÍNCIPE: Desenha um
carneiro para mim! É para minha flor.
AVIADOR lhe estende a mão com o desenho.
PEQUENO PRÍNCIPE se afasta. AVIADOR coloca a
folha no chão. PEQUENO PRÍNCIPE a recolhe.
PEQUENO PRÍNCIPE: Para protege-la dos
baobás.
AVIADOR estende o desenho a PEQUENO
PRÍNCIPE novamente, na mesma dinâmica anterior.
PEQUENO PRÍNCIPE: Me faça também
uma focinheira, para protege-la do carneiro.
Mais uma vez AVIADOR desenha e lhe entrega.
PEQUENO PRÍNCIPE: Pensa, ele come
espinhos também. Entende, eu sou
responsável por minha rosa.
AVIADOR desenha e PEQUENO PRÍNCIPE pega o
papel de suas mãos. Ele deita no colo de aviador e
as luzes diminuem como se escurecesse o dia.
CENA 21
Ainda sob a escuridão, ouve-se ruído de papel sendo
manipulado.
AVIADOR: Oitavo dia no deserto. A água
acabou. Nenhuma chance de encontrar um
poço nessa imensidão.
13
Uma luz indicando o clarão da lua paira sobre
PEQUENO PRÍNCIPE e AVIADOR, que estão
sentados, jogando. PEQUENO PRÍNCIPE se distrai
olhando para o céu.
AVIADOR: Você pensa em sua rosa. Ela
irradia em você como a luz de uma lâmpada,
mesmo quando você dorme.
PEQUENO PRÍNCIPE: As estrelas são
belas por causa de uma flor que não
enxergamos. Eu amo o deserto.
AVIADOR: Eu sempre amei o deserto. Não
vemos nada, não ouvimos nada, e, no
entanto, qualquer coisa brilha no silêncio...
PEQUENO PRÍNCIPE: O que torna o
deserto belo, é que ele esconde um poço em
qualquer lugar...
AVIADOR: Então você também sente sede?
PEQUENO PRÍNCIPE: A água pode ser boa
para o coração. (Levanta-se) Vamos
procurar um poço!
AVIADOR: Aleatoriamente no deserto?
PEQUENO PRÍNCIPE aponta-lhe o céu.
AVIADOR: O que você observa?
PEQUENO PRÍNCIPE: O reflexo do poço
nas estrelas.
PEQUENO PRÍNCIPE pega na mão de AVIADOR e
ambos caminham como que olhando para o céu até
que se cansam. PEQUENO PRÍNCIPE dorme nos
braços de AVIADOR. A lua se projeta ao fundo.
PEQUENO PRÍNCIPE acorda, se levanta e
caminha. Surge um poço.
AVIADOR: Que estranho. Não é um poço do
Saara. Está tudo pronto, a roda, a corda, o
balde... como o poço de uma vila mas não
há nenhuma vila.
PEQUENO PRÍNCIPE: Está ouvindo?
Estamos acordando esse poço e ele canta.
Tenho sede dessa água. Me dê de beber.
AVIADOR: É doce como uma festa.
AVIADOR E PEQUENO PRÍNCIPE começam a tocar
a água com as mãos.
PEQUENO PRÍNCIPE: É muito mais que
água.
AVIADOR: Ela nasceu de nossa caminhada
sob as estrelas, do canto da roda, do esforço
dos meus braços.
PEQUENO PRÍNCIPE: Ela é boa para o
coração, como um presente.
AVIADOR: Quando eu era pequenininho, as
luzes da árvore de natal, a música da oração
da meia-noite, a doçura dos sorrisos,
iluminavam todo o presente que então eu
recebia.
PEQUENO PRÍNCIPE: Os homens de seu
planeta cultivam cinco mil rosas em um
mesmo jardim e não encontram aquilo que
procuram.
AVIADOR: Eles não encontram.
PEQUENO PRÍNCIPE: E aquilo que
buscam podia ser encontrado dentro de uma
única rosa ou em um poço de água. Mas
seus olhos estão cegos.
AVIADOR: Devemos buscar com o coração.
O mais importante é invisível...
PEQUENO PRÍNCIPE: Estou feliz que
pense como a minha raposa!
A imagem da lua vai se escondendo e o palco fica
levemente iluminado, como se o dia estivesse
começando a clarear.
CENA 22
AVIADOR se afasta do poço e começa a arrumar sua
bolsa e seu cantil. SERPENTE surge subindo o poço.
PEQUENO PRÍNCIPE está atrás dela.
PEQUENO PRÍNCIPE: Então você não se
lembra? Sim, sim, é bem esse o dia. mas
não era exatamente aqui. Você não terá que
me esperar, estarei aqui essa noite. Seu
veneno é do bom?
AVIADOR pega seu revólver e vai até a serpente e
lhe aponta.
AVIADOR: Que história é essa? (Tenta
puxar Pequeno Príncipe para perto) Agora
você fala com serpentes?
SERPENTE some e PEQUENO PRÍNCIPE segura
AVIADOR.
PEQUENO PRÍNCIPE: Desenha uma
focinheira para meu carneiro.
PEQUENO PRÍNCIPE e AVIADOR vão até a bolsa.
PEQUENO PRÍNCIPE: Não se esqueça, eu
sou responsável por minha rosa.
AVIADOR: (Desenhando) Eu não sabia
desenhar nada além de jibóias fechadas e
jibóias abertas.
PEQUENO PRÍNCIPE: Ah, tudo bem! As
crianças entendem...
PEQUENO PRÍNCIPE guarda o desenho. AVIADOR
14
toca-lhe o ombro.
AVIADOR: Homenzinho, você tem planos
que eu desconheço.
PEQUENO PRÍNCIPE: Sabe, minha queda
na Terra, amanhã será o aniversário. Eu caí
pertinho daqui.
AVIADOR: Então não era por acaso que na
manhã que te encontrei, há oito dias atrás,
você caminhava sozinho a milhas e milhas
de qualquer região habitada. Você retornava
em direção ao ponto de queda.
PEQUENO PRÍNCIPE acena positivamente com a
cabeça.
AVIADOR: Devido, talvez, ao aniversário?
PEQUENO PRÍNCIPE: Essa noite
completará um ano. Minha estrela estará
bem em cima do mesmo lugar onde caí no
ano passado. A serpente prometeu me...
(ruído de bote de serpente) ajudar.
AVIADOR: Oooh!
PEQUENO PRÍNCIPE: Sabe, vamos nos
reencontrar. É como para a flor que você
ama, se olhar o céu á noite todas as estrelas
são floridas.
AVIADOR: É claro...
PEQUENO PRÍNCIPE: (Se aproximando) É
como para a água. Aquela que você me deu
para beber era como música, Você se
lembra?
AVIADOR: (Ajoelhado, desanimado) É
claro...
PEQUENO PRÍNCIPE e AVIADOR vão se deitando e
observando o céu do anoitecer.
PEQUENO PRÍNCIPE: A noite você vai
olhar as estrelas... Minha casa é pequena
demais para que eu te mostrar. Minha
estrela será para você uma das estrelas. E
como eu irei rir dentro de uma delas, então
para você será como se todas as estrelas
rissem. Será como se eu tivesse te dado, no
lugar das estrelas, um montão de bolinhas
brilhantes que sabem rir.
PEQUENO PRÍNCIPE faz cócegas no AVIADOR que
sorri, lhe dá a mão e vão se soltando aos poucos.
PEQUENO PRÍNCIPE vai se afastando como se
tivesse se despedindo. AVIADOR se ajoelha,
PEQUENO PRÍNCIPE estende a mão em seu ombro.
PEQUENO PRÍNCIPE: Não venha! Você
ficará com pena. Parecerei estar morto e
não será verdade. Entende? É muito longe.
Não posso levar esse corpo. É muito pesado.
AVIADOR: Não te deixarei.
PEQUENO PRÍNCIPE: Será algo gentil,
você sabe... Eu também olharei as estrelas.
Todas as estrelas serão poços com uma
roda enferrujada.
PEQUENO PRÍNCIPE se afasta para o poço,
AVIADOR tenta segui-lo, mas ele acena para que
siga em frente.
PEQUENO PRÍNCIPE: Sou o responsável
por minha flor.
SERPENTE volta a aparecer. PEQUENO PRÍNCIPE
vai caminhando até ela. AVIADOR observa-o.
PEQUENO PRÍNCIPE: Ela é muito frágil, só
tem quatro espinhos para se proteger
PEQUENO PRÍNCIPE avança na penumbra onde
estava SERPENTE.
PEQUENO PRÍNCIPE: Enfim... isso é tudo...
SERPENTE abraça PEQUENO PRÍNCIPE que
desaparece. AVIADOR cai e joelhos. O poço começa
a sumir e a luz indica que um novo dia chegou.
AVIADOR permanece reflexivo.
AVIADOR: A mais bela e mais triste
paisagem do mundo, é essa em que não
mais estamos. Essa luz que se perde, é um
relâmpago no espaço de um segundo, como
quando ele apareceu... Mas se um dia,
estiverem em viagem a esse deserto, se
você encontrar bem embaixo de uma estrela,
espere um pouco... (Começa a escrever) Se
então uma criança vir até você, se ela tiver
os cabelos dourados, você irá adivinhar
quem é ele... então trate de ser amável, não
me deixe tão triste, me escreva rápido
contando que ele voltou...
AVIADOR observa a figura projetada de PEQUENO
PRÍNCIPE ao fundo até que esta começa a se apagar,
As luzes se apagam.
FIM
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