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A COMUNIDADE DO ARCO IRIS BRUXA – Eu estava cansada de ser mandada.

Brincava
de tudo o que minha dona queria. Uma chatice. Até
Caio Fernando Abreu que um dia minha paciência esgotou. Então convidei a
PERSONAGENS: SEREIA; BRUXA DE PANO; MÁGICO; Bailarina que morava no mesmo quarto para fugirmos
ROQUE; SOLDADINHO; BAILARINA; TIÃO; SIMÃO; BASTIÃO para cá, não foi Bailarina?
BAILARINA – Foi sim. Antes eu dançava sempre na
(Um grande arco-íris ao fundo e um lago; um cartaz
minha caixinha de música, e todos me adoravam.
com letras coloridas com os dizeres: Comunidade do
Depois a minha dona comprou uma vitrola e não ligou
Arco-Íris. Enfeites de balões e bandeirinhas de papel
mais pra mim. Até que a Bruxa de Pano me convidou
como para uma festa. A Sereia está recostada em
para mudar para cá. Estou muito feliz, porque aqui
uma das pedras do lago. Música. Ascende a luz)
posso dançar à vontade.
SEREIA — (Olhando no espelho) Meu Deus, mas estou
MÁGICO—- Eu nunca fui um mágico muito bom.
horrorosa, toda descabelada. (Penteia o cabelo) Daqui
Nunca consegui parar de tirar coisas da cartola.
a pouco a festa vai começar e eu ainda nem estou
(Puxando mais um pedaço do lenço.) E todos me
pronta.
criticavam, o que me deixava chateado. Mas aqui
BRUXA (entrando com um enorme chapéu e um xale ninguém se importa se os meus lenços não acabam
colorido) – Bem, estou pronta! Mas, cadê o Mágico? nunca.
SEREIA – Deve estar terminando de escrever o
SEREIA — (Para Roque.) — E você, querido, por que
discurso!
você veio pra cá?
BRUXA – Será, mas já está na hora da festa começar!
ROQUE — Porque aqui tem natureza, não é, bicho?
(Grita) Mágico!
Na cidade as pessoas moram numas caixinhas
MÁGICO (entrando muito nervoso com a cartola na apertadas chamadas apartamentos. Eu nem podia
mão): O que é? (Revirando os bolsos) Onde é que está tocar minha guitarra em paz. Aqui não (tira um acorde
o meu discurso? (Procura) Passei a noite toda bem estridente), posso tocar à vontade.
escrevendo... Será que perdi? Ah, já sei! (Remexendo
SEREIA — (Para o Soldadinho.) — E você, por que
na cartola) Está aqui dentro. (Começa a tirar um lenço
você abandonou o Reino dos Homens?
enorme que não para de sair)
SOLDADINHO — Porque eu não tinha vocação
BRUXA (ajudando o Mágico a puxar o lenço) – Nossa,
nenhuma pra guerra. O meu sonho era ser jardineiro.
que coisa mais atrapalhada!
Aqui eu posso ter o meu regador e molhar as flores
SEREIA – Achou o discurso? todos os dias.
MÁGICO (puxando o lenço) – Ainda não... (começa a ROQUE — Pode crer.
puxar outro lenço) Deve estar aqui...
BRUXA — (Interrompendo.) — Ai, uma coisa peluda
BRUXA (impaciente) – Você não quer falar de tocou no meu braço! (Vai espiar atrás de uma pedra.
improviso? Solta um grito.)
MÁGICO (puxando o lenço) – Você acha? Mas um TODOS — (Agitados.) — Que foi?
discurso tão bonito... (puxa o lenço) Uma pena...
BRUXA — (Gritando.) — Tem três coisas peludas aí
SEREIA – Você é bom no improviso! Você pode
atrás dessa pedra!
começar assim. Senhoras e Senhores, bom dia! Hoje
está fazendo exatamente um ano que estamos TIÃO, SIMÃO e BASTIÃO — (Pulando de atrás da
morando aqui na Comunidade do Arco-Íris... pedra e fazendo muita bagunça. Os três carregam
gravadores, máquinas fotográficas, um estetoscópio,
MÁGICO (tira o último lenço e coloca a cartola) – E faz
e o tempo todo gravam, fotografam e auscultam as
exatamente um ano que nós cansamos de morar no
pedras e as árvores enquanto tomam anotações.)
Reino dos Homens e resolvemos mudar para cá. Eu, a
Bruxa, a Sereia, o Roque, o Soldadinho e a Bailarina. MÁGICO — Esperem aí, silêncio! Vamos parar com
essa bagunça. Quem são vocês?
(À medida que vai falando as personagens entram em
cena) TIÃO, SIMÃO e BASTIÃO — Nós somos Tião, Simão e
Bastião! Queremos entrar nesta curtição!
SEREIA: Eu estava cansada da poluição. Eu vivia suja
de óleo. Até meu cabelo verde estava ficando preto TIÁO (Pegando no cabelo da Sereia.) — Seu cabelo é
de tanta sujeira. Agora aqui moro numa lagoa natural ou é peruca?
limpinha e sem poluição nenhuma.
SIMÃO (Para Roque.) — Você sabe tocar (nome de MÁGICO – Então quem acha que eles podem ficar
uma música famosa)? vivendo entre nós, por favor, levante a mão.
BASTIÃO (Para o Mágico.) — Você não quer tirar um (Os macacos ficam tensos. Um a um todos levantam a
cacho de bananas dessa cartola? mão, exceto a Bruxa)
MÁGICO — Silêncio, silêncio! Que é que vocês OS TRÊS – Então quer dizer que podemos ficar?
querem aqui?
TODOS – Podem!
OS TRÊS — Queremos ficar morando com vocês.
Estamos cansados daquele horrível Reino dos (Os macacos pulam, gritam e beijam todo mundo,
Homens. TIÃO — Lá só tem poluição. tiram foto, dançam e fazem uma grande farra)

SIMÃO — E apartamentos. BRUXA (saindo furiosa) – Depois não digam que eu


não avisei! O meu sétimo sentido nunca me enganou.
BASTIÃO — E filas.
ROQUE – Nunca pensei que ela fosse tão
TIÃO — É horrível. preconceituosa, bicho!
SIMÃO — É terrível. SOLDADINHO – Bem, agora precisamos fazer os
últimos reparos para a festa começar. Vamos lá para
BASTIÃO - É assustador. dentro...
OS TRÊS — É catastrófico! (Ajoelham-se, muito SEREIA – Eu não posso, tenho que arrumar meu
dramáticos.) —Pelo amor de Deus, não nos obriguem cabelo...
a voltar para lá! Tenham piedade de nós!
TIÃO (para Sereia) – Mas está tão linda assim.
TIÃO — Aqui é tudo tão bonito. Eu fico doente só de
pensar em ver um edifício de novo na minha frente. SIMÃO – Gentil donzela!
(Atira-se ao chão, gemendo escandalosamente.) Não
me obriguem a voltar! BASTIÃO – Deslumbrante!

BRUXA (Muito agressiva.) — Olhem, por mim vocês (Saem todos. Os macacos vão fazendo grandes
podem pegar todas as suas trouxas e ir já embora. referências à Sereia)
Não acredito numa única palavra de toda essa SEREIA (escovando o cabelo) – Ah, como eles são
macaquice. (Tião começa a ter outro ataque. Grande fofos! (Para o espelho) Gentil donzela, que lindo!
agitação.) (Bocejando) Acho que o Roque nunca me disse nada
MÁGICO — Que crueldade, Bruxa. Você não tem o assim! Gentil donzela... que lindo... (adormece)
direito de não acreditar neles. (A luz apaga. Música suave. No escuro vê-se algumas
BRUXA — Tenho sim senhor. E não acredito mesmo. movimentações e ruídos.)
Vocês não me enganam com toda essa choradeira. SEREIA (despertando) - Acha! Acho que dormi demais!
MÁGICO (muito polido) – Mas em que é que você se Vou dar um jeitinho no meu cabelo. (Procura o pente
baseia para ter essas suspeitas sobre a honra de e o espelho) Ué, onde estão meu pente e meu
nossos amigos? espelho? (Procura mais) Será que alguém pegou?
(Nervosíssima) Não posso ficar despenteada. Daqui a
BRUXA – Amigos seus. Eu não sou amiga de macaco pouco começa a festa.
nenhum. E eu me baseio no meu sétimo sentido.
MÁGICO (entra correndo, muito agitado) – Sereia
SOLDADINHO – Desculpe, mas eu tenho uma solução aconteceu uma coisa muito estranha! Sumiu minha
democrática. Todo mundo tem o direito de dar a sua cartola.
opinião. A maioria vence. Vamos votar?
SEREIA – Sua cartola? Meu pente e meu espelho
OS TRÊS – Isso mesmo! Queremos democracia! também sumiram também...
Democracia!
MÁGICO (procurando) – Que estranho. Nossos
BRUXA – Pois eu me recuso! objetos não podem desaparecer assim. (vai andando
de costas e dá um encontrão no Roque) Ei Roque, você
BAILARINA – Que horror! Então você é não é não viu minha cartola por aí?
democrática?
ROQUE (ao mesmo tempo) – E você não viu minha
BRUXA – Sou, claro que sou. Mas não com essa guitarra por aí?
macacada!
SEREIA – Roque, não me diga que sua guitarra BASTIÃO – Uma criatura desumana.
também desapareceu...
TIÃO – Vil.
ROQUE – Pois é, bicho. Que grilo. Logo na hora da
festa. (Os três começam a procurar) SIMÃO – E com um xale colorido.

SOLDADINHO (entra correndo) – Gente, gente vocês SEREIA - A Bruxa de Pano?


não sabem o que aconteceu! O meu regador sumiu. OS TRÊS – Ela mesma! Ela mesma!
(Todos olham para ele e para bailarina que tenta se
expressar por mímica) E desapareceu também a chave MÁGICO – Não acredito. A Bruxa sempre foi uma
de dar corda na Bailarina. E ela só fala quando aquela criatura de bons sentimentos. Um pouco atacada de
musiquinha toca. (A bailarina corre e abraça a Sereia) vez em quando, mas jamais seria capaz de fazer isso
Tadinha, ficou muda. tudo.

SEREIA (consolando a Bailarina) – Não chore meu TIÃO – Então porque ela não está aqui?
bem. ROQUE – Ela saiu daqui tri grilada!
SOLDADINHO – Mas isso não é possível. Precisamos SIMÃO – E dizendo que todos vocês iam se
fazer alguma coisa. arrepender amargamente.
MÁGICO (subindo em uma pedra) – Em vista da BASTIÃO – Está tudo muito claro. Ela ficou zangada e
gravidade dos últimos acontecimentos, fica decretado decidiu se vingar.
o estado de sítio na Comunidade do Arco-Íris:
ninguém entra ninguém sai. Vamos fazer uma reunião OS TRÊS – Está na cara que foi ela.
geral imediatamente. Está todo mundo aqui?
MÁGICO – Não posso acreditar.
ROQUE – Faltam os macacos, bichos.
SEREIA – Mas todas as provas são contra ela.
SEREIA – E a Bruxa de Pano!
MÁGICO – Isso é muito grave, não sei o que fazer.
MÁGICO – Onde é que andam aqueles macacos?
(Grande agitação. Todos falam ao mesmo tempo. )
(Chamando) Tião, Bastião, Simão. (Os três entram)
SOLDADINHO – Tenho uma ideia, acho que a gente
OS TRÊS – Aconteceu alguma coisa?
deve fazer uma expedição de busca. Dividimos as
MÁGICO (em tom discursivo) – Senhores macacos, pessoas em dois grupos e saímos à procura da Bruxa.
aconteceu uma coisa muito séria. Uma coisa que
TIÃO (muito nervoso) – Não, isso não.
nunca havia acontecido antes na nossa comunidade.
SIMÃO E BASTIÃO (em coro) – Não, não!
SIMÃO (gritando) – Subiu o preço da banana?
MÁGICO – Mas porque não? Acho que esse é o único
BASTIÃO – Que desgraça!
jeito de encontrarmos as nossas coisas.
TIÃO – Vamos morrer de fome! (Os três têm uma
SEREIA - Também acho. Não entendo por que é que
crise histérica e se jogam no chão, gritando)
vocês não querem.
ROQUE – Não é nada disso, bicho!
OS TRÊS (cochichando, muito nervosos) – Está bem. Já
SIMÃO (se recompondo) – Não, então o que que vocês insistem.
aconteceu?
TIÃO – Eu, Bastião e Simão vamos para a esquerda.
SOLDADINHO (com voz cavernosa) – Um roubo!
MÁGICO – Está certo. Eu, o Soldadinho e o Roque
TIÃO – Roubo? vamos para a direita.
BASTIÃO – Furto? SEREIA – E nós?
SIMÃO – Afanação? ROQUE – As damas ficam esperando. (Dá um beijo na
Sereia. Todos saem.)
MÁGICO - Sim, senhores. Fomos roubados.
SEREIA – E agora, meu Deus? (Olha para a Bailarina.
(Todos se lamentam. Os macacos cochicham entre si) Ambas choram) Veja só Bailarina, como as pessoas
TIÃO – Um momento, nós sabemos quem foi. podem nos enganar. Quem diria... a Bruxa de Pano
que parecia tão nossa amiga, uma ladra. E logo no dia
SIMÃO – Foi uma pessoa que não está presente. do nosso aniversário... Que papelão. Uma ladra!
BRUXA (entrando com uma bolsa cheia de coisas) – BRUXA (aparecendo) – Segura a macacada! Ladrões
Ladra? Ladra é a excelentíssima sua avó, fique mentirosos!
sabendo!
TIÃO – A ladra voltou! Segurem a Bruxa!
SEREIA – Você? Como você tem coragem de voltar
depois do que fez? BRUXA – Ladra, eeeeuuuu? Ladrão é você sua fera
peluda!
BRUXA – Então vocês estão pensando que fui eu
quem roubou todos aqueles cacarecos? Francamente, MÁGICO (entrando com Roque e Soldadinho) – Mas o
eu não esperava isso das minhas melhores amigas! que está acontecendo por aqui?
(Abrindo a bolsa tira a chave) Aqui está a chave de sua BRUXA – Nós acabamos de prender os verdadeiros
musiquinha, dona Bailarina. (Pega o espelho e o pente ladrões. E tenho uma surpresa para vocês (tira as
na bolsa) E aqui estão seu espelho e seu pente de orelhas dos macacos)
ouro dona Sereia.
SEREIA – Meu Deus, é um homem!
BAILARINA (dançando muito contente) – Eu sabia,
Bruxinha, eu sabia que você não faria uma coisa BRUXA – É sim. Um homem mau caráter, ainda por
dessas. (Abraça a Bruxa) cima. Os outros dois também. (Os Macacos ficam
envergonhados. Todos falam ao mesmo tempo)
SEREIA (penteando-se felicíssima) – Ah, me desculpa
por ter pensado que mal de você. Mas se não foi você, MÁGICO – Bruxa, ninguém está entendendo nada.
então quem foi? BRUXA – É muito simples. Depois que vocês decidiram
BRUXA – Adivinhem? que eles poderiam ficar eu resolvi investigar. Descobri
que eles eram espiões do Reino dos Homens que
BAILARINA – Se não foi você, nem eu, nem a Sereia... foram enviados para cá para acabar com nossa
SEREIA – Nem o Roque, nem Mágico, nem o comunidade.
Soldadinho, então... MÁGICO (para Tião) – Isso é verdade?
BRUXA – Então? TIÃO (muito humilde) – É.
SEREIA E BAILARINA – Os macacos! ROQUE – Mas por que os homens querem acabar com
BRUXA – Claro suas tontas. Bem que eu avisei! O meu a nossa comunidade, bicho?
sétimo sentido nunca me enganou. E sabe como eu BASTIÃO – É que todos falam que vocês vivem de um
descobri? (Barulho fora de cena) Ih, acho que vem modo diferente. Respeitando e aceitando uns aos
gente por aí... É melhor eu me esconder. Vocês façam outros.
de conta que não sabem de nada. Vamos desmascarar
aqueles três. (Se esconde) SIMÃO – Aceitando as diferenças e opiniões. Tem
gente com medo de que esse modo de vida chegue à
TIÃO (entrando) – Foi inútil. Não conseguimos cidade.
encontrar a criminosa.
TIÃO – Fomos enviados para impedir que isso
BASTIÃO- A esta hora ela deve estar bem longe daqui. acontecesse. Nós queríamos provocar uma brigar
SIMÃO – Deve ter tomado o primeiro trem para bem entre vocês.
longe daqui. BASTIÃO – Até desistirem desta comunidade feliz e
TIÃO (fazendo uma reverência para a Bailarina) – Mas voltarem para cidade.
a senhorita está tão animada, dona Bailarina. Nem SIMÃO – Mas agora nós gostamos deste modo de
parece aquela Bailarina sem música. viver e queremos ficar com vocês. Por favor, não nos
(A Bailarina começa a dançar lentamente) obriguem a voltar para lá! (Os três ajoelham).

BATIÃO (cutucando Simão) – Simão, veja ela está OS TRÊS – Por favor, por favor!
dançando. MÁGICO – Mas o que vocês fizeram não foi legal. O
SIMÃO (gritando) – Ai, meu Deus! E a Sereia está que você acha Bruxa.
penteando o cabelo! BRUXA (indecisa) – Não sei. Acho melhor eles
BASTIÃO (nervoso) – Companheiros, acho que está na voltarem.
hora de darmos o fora. Meia volta volver. (Preparam- OS TRÊS (suplicantes): Nós pedimos desculpas, pelo
se para fugir) mal que causamos! Por favor, estamos arrependidos!
BAILARINA – Coitados, é horrível lá na cidade.
ROQUE – Eu acho que eles devem ser perdoados,
bicho.
MÁGICO – Eu também acho. Parecem arrependidos. E
perdoar é uma coisa muito bonita. Vamos fazer uma
votação. (Todos levantam as mãos. Os macacos
comemoram, pulam, dançam e abraçam todos)
BRUXA (abrindo a bolsa) – Acho que agora podemos
começar a festa. (Entrega a guitarra, a cartola e o
regador)
SEREIA – Bruxa, em nome de todos, quero lhe pedir
desculpas por termos desconfiado de você.
BRUXA – É claro que eu desculpo. (Todos se abraçam)
Mas lembrem-se, meu sétimos sentido nunca falha!
SOLDADINHO – Viva a Comunidade do Arco Íris!
TODOS- Viva.
(CANTAM E DANÇAM)

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