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A VELHA SEM GOGÓ

Lourdes Ramalho
1º PARTE

(Ana e João dançam enquanto colhem flores e frutos.)

ANA Que campo enorme e verdinho – até parece – um pomar!

Vamos colher flores, frutos – e correr, brincar, brincar!

JOÃO Depois, na relva dar pulos, rolar, deitar, descansar!

ANA Joãozinho, o sol já se esconde – não tarda a noite a chegar,

e você se lembra onde – a gente tem que passar?

JOÃO Ah, daqui não vou embora – enquanto há luz no lugar!

ANA Menino, passou da hora de em nossa casa chegar!

Nem quero pensar na surra que a mamãe vai nos dar!

JOÃO Eu invento uma mentira e ela vai acreditar!

ANA Mentir? – Nem ver! – Vamos logo o riacho atravessar!

JOÃO Não vou – naquela oiticica – sei muito bem quem está...

Eu tremo, não dou um passo... – Caio e vou me afogar!

ANA Não seja assim tão medroso – vai comigo, não vai só!

Lá não tem bicho papão...

JOÃO Ora, tem coisa pior...

Quem mora naquele tronco é a Velha sem Gogó!

ANA Isso é conversa fiada – e a mãe está a esperar...


Dando uma boa carreira – depressa se chega lá...

JOÃO Bem no meio do riacho – a Velha vai me agarrar!

ANA Então... vou chamar a Rosa... – É esperta, inteligente,

é ligeira e corajosa – passa o riacho com a gente!

JOÃO Sendo assim, eu vou no meio – ela atrás, você na frente!

ANA Rosinha, vem cá depressa! – Vem correndo, já e já!

JOÃO Tem que ser neste momento – não deixe a gente esperar!

ANA Vem mais depressa que o vento! – Cria asas e vem a voar!

ROSA (Dentro.) – Ainda estou ocupada com minha mãe, a cozer!

ANA Tem que ser agora mesmo, está perto de anoitecer!

JOÃO E a coisa fica mais preta depois que escurecer!

ANA Rosa não vem e anoitece – nós dois temos que enfrentar!

JOÃO Não vou! – O tronco se mexe – parece que vai andar!

ANA Ora andar – você se esquece... tronco não sai do lugar!

JOÃO Veja, veja, em cada folha há um rosto a espreitar...

São mil olhos, são mil bocas – mil luzinhas a piscar!

ANA Cale-se, pois deste jeito – eu também vou me assustar!

ROSA Cheguei! Cheguei, minha gente!

ANA Ai! Que susto nos pregou!

JOÃO Surgiu assim de repente – quase nos apavorou!


Pensamos que fosse um ente do outro mundo – que horror!

ROSA Do outro mundo? – Nem me fale! Tremo só de ouvir dizer!

ANA Você não é corajosa?

ROSA Eu? – Sou medrosa a valer!

JOÃO Agora pronto – até Rosa também se põe a tremer!

ROSA E o que queriam de mim?

ANA Que conosco fosse lá!

ROSA A esta hora? – Nem morta! – Logo hoje que tem luar,

fantasmas, bruxas, marmotas - vêm a Velha visitar!

JOÃO Você já viu?

ROSA Viu o quê?

ANA A tal Velha sem Gogó...

ROSA Eu não – mas o Chico viu... – Tem os olhos de socó,

a cabeça solta em cima – presa a um galho por um nó...

ANA A cabeça presa em cima, presa ao galho por um nó...

ROSA E o corpo sai dançando, com guizos no mocotó...

JOÃO E... no meio disso tudo – onde é que fica o gogó?

ROSA O gogó? – Ah, não sei não... – Vamos o Chico chamar,

ele é forte, valentão – logo vai nos ajudar!

JOÃO Se ele tem disposição – eu passo sem reclamar!


ROSA Chico! Chico! – Venha cá – venha depressa a correr!

CHICO (Dentro.) – Espere, estou trabalhando! Tenho muito o que fazer!

ANA Tudo vai se complicando... e a nós quem pode atender?

JOÃO Agora o tronco mexeu! – Vejam, saiu do lugar!

ROSA Mas que menino malvado – tem gosto de apavorar!

ANA Mas um dia é castigado! – Não perde por esperar!

JOÃO Eu vi! Eu vi! – Remexeu como quem anda pra cá!

Acudam que estou tremendo – a coisa vem me agarrar!

ANA Que cheiro... – Já sei, as calças ele acaba de sujar!

CHICO Pronto! – Aqui estou! – O que querem? – É mandar! É ordenar!

ROSA Inda bem! – Venha... nos passe daqui pro lado de lá!

CHICO Agora? – Não sou nem doido! – A Velha vai nos pegar!

ROSA A fama de valentão talvez você nem mereça!

CHICO Eu? Já peguei lobisomem, bicho de sete cabeças...

ANA Então prove! – Leve a gente daqui antes que anoiteça!

CHICO Não levo agora porque a Lua já vai sair,

vai haver a maior festa – esse tronco vai se abrir,

fantasma de todo jeito vai aparecer aqui...

A porta do cemitério logo vai se escancarar!

Defunto de todo tipo vem chegando pra dançar,


pois noite de lua cheia deve-se comemorar!

ANA Estou gelada de medo!

JOÃO Eu já virei picolé!

ROSA O meu tremor é tão grande que já nem fico de pé!

CHICO Rosa, vamos dar o pira e... salve-se quem puder!

ANA Que amigos engraçados – meteram os pés a correr!

JOÃO E nós dois... aqui parados – o que é que se vai fazer?

ANA Rezar... deitar conformados – pois só nos resta morrer!

Quem pode mais do que Deus?

VOZ Ninguém... Ninguém... Ninguém... guém...

JOÃO De onde você está falando?

VOZ Do além... do além... do além... lém...

JOÃO Socorro! – Morro de medo!

ANA Eu também... eu também... eu também... (Caem dormindo.)

2º PARTE

VELHA Está na hora, os convivas já não tardam a chegar!

A Lua já vem nascendo – a festa vai começar!

As formigas vêm trazendo comida pra cozinhar.

Vem o barato e a barata pra comer, beber, farrar,


mas está muito caro – precisa baratear,

do jeito que estão as coisas – ninguém mais pode escapar!

Lá vêm músicos, cantores, a festa vai esquentar,

lá vêm as almas penadas – tudo vai se animar!

Vem Pé de lã e La Ursa – Mãe D’água e Boitatá!

BOI Muito prazer em revê-la, Dona Velha Sem Gogó.

LA URSA Eu quase não venho à festa, pois meu rabo deu um nó...

MÃE Eu enganchei meu cabelo num danado dum cipó!

VELHA Convivas, desconvidados, todos já estão aqui?

Vamos cantar tarará e dançar o tiriri!

LA URSA Só o Cágado não veio pra tocar o firififi!

TODOS Vamos dançar ciradinha, ciranda, cirandá!

Dar à esquerda uma voltinha e à direita voltará!

Pula e fica de coquinha balançando o tarará!

BOI Bate rebate palminha, sacudindo o tarará.

LA URSA Dança imitando a cobrinha, volteia pra lá e pra cá.

VELHA Que bichinhos são aqueles que estão dormindo ao luar?

MÃE São duas lindas crianças e devem participar

de nossa amável festança – vamos todos até lá.

- Acordem, seus malandrinhos, venham conosco brincar!


3º PARTE

ANA O que fazemos aqui? – Morremos? – Onde se está?

JOÃO Já cheguei na outra vida?

LA URSA Tem um pé lá e outro cá!

ANA Somos meninos ou almas?

JOÃO Anjos papudos – será?

BOI Venham integrar a roda, tudo se explicará!

JOÃO Brincar com mortos – nem morto – eles vão me apavorar!

VELHA Vivos é que fazem medo e vos podem maltratar!

LA URSA Essa é a dona da casa!

JOÃO A tal Velha sem Gogó?

ANA Que o corpo anda sozinho... a cabeça presa a um nó?

VELHA Sem gogó é sua mãe... e velha – é sua avó!

BOI Vamos, vamos, meus meninos – o forró continuar,

vamos dançar tiriri r cantar o tarará!

JOÃO Eu danço com a La Ursa!

ANA E eu com o Boitatá!

VELHA Canta a orquestra dos Grilos – cantam Cigarras também!

MÃE Cantam Sapos na lagoa – Corujas piam além!

BOI Agora enrolem a Cobra e vamos no vai e vem!


TODOS Dança e pula, minha gente, sacudindo o tiriri

para trás e para frente – balançando o tarará,

só o Cágado não veio pra tocar o firiri,

mas a Cobra vai girando, vira lá, vira pra cá!

Lá vem a Lua saindo por detrás do tororó,

mas está escondidinha nas ramagens de cipó.

Não é Lua nem é nada - é a Velha sem Gogó!

Ciranda do tiriri, ciranda do tarará,

a Cobra vira Siri que sacode o Tangará,

a La Ursa, vai rodando, dançando com Boitatá!

Sereia se diz Mãe D’água – quando se deita no rio,

é Matinta N’água doce – mas todos têm arrepio,

quando o corpo toca na água, mergulha e treme de frio!

Roda e pula, minha gente, a festa vai acabar,

mamãe Lua vai embora pro outro lado do mar.

O Rei Sol já vem chegando pra tudo iluminar!


Adeus, adeus, meus meninos, agora voltem a dormir.

Acabou o tarará, vai embora o tiriri.

Se gostaram da festança, outra noite voltem aqui!

Amanhã estarão pensando se foi sonho ou ilusão,

se morreram ou se dormiram – mas um dia voltarão,

e mais uma brincadeira – conosco celebrarão!

FIM

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