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O DIREITO ADMINISTRATIVO DA ORDEM PUBLICA! ALVARO LAZZARINI. Desembargador do Tribunal de Justiga do Estado de Sao Paulo. Professor de Direito Administrativo da Academia de Policia Militar do Barro Branco. Resumo: Analisa o tema da Ordem Publica, entendida como a ordem administrativa em geral, ou seja, a normal execugao do servico piblico, 0 regular andamento das obras ptiblicas e 0 devido exercicio das fungoes da Administragao pelas autoridades constituidas. Enfoca, ainda, a segu- ranca piiblica, os conceitos de polfcia administrativa e de policia judici- dria e sua posicdo na Constimigéio Federal Palavras-chave: ordem piblica, seguranga publica, policia administrati- va, policia judicidria. 1 INTRODUGAO No Brasil, 0 tema da ordem piiblica sempre foi tratado por processualistas penais que, na interpretagao das leis processuais penais, em especial quando cuidam da au- toridade policial e de seus poderes, se descuidaram de considerar 0 Direito Adminis- trativo, principal ramo-base do direito ptiblico infraconstitucional’ que pode ser con- ceituado como conjunto de principios juridicos que informam e disciplinam as ativida- des da Administragao Publica em qualquer dos Poderes do Estado’. © tema da ordem ptiblica é importantissimo quando se trata de Administragao Publica, porque nele se compreende o da prépria ordem administrativa. Hely Lopes Meireles* lembra a propésito que “interpretando construtivamente e com largueza a ordem ptiblica, o entao Presidente do TFR (Tribunal Federal de Recursos) e atual Ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), José Neri da Silveira, explicitou que nesse conceito se compreende a ordem administrativa em geral, 'Palestra proferida no auditério do Egrégio Tribunal de Justiga do Estado de Goifs, como abertura oficial do ano letivo de 1996 da Policia Militar do Estado de Goids. Goiania-GO, 08 de margo de 1996 *ALVIM, Teresa Arruda. Nulidades da sentenga, Sao Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1987, p. 69. LAZZARINI, Alvaro. Estudos de Direito Administrative, S30 Paulo: 1995, Editora Revista dos Tribu- nais, 1995, p. 21 LOPES MEIRELLES, Hely Lopes, Mandado de Seguranca, Agao Popular, Agdo Civil Piica, Habeas Data. \2. ed., S49 Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1989, p. 58. OAlferes, Belo Horizonte, 13 (47) 13. ‘outubro/dezembro 1997 13 O Direito Administrativo da Ordem Publica ou seja, a normal execugdo do servigo piiblico, 0 regular andamenio das obras piiblicas, 0 devido exercicio das fungdes da Administracao pelas autoridades constituidas”. Foi Ney Francisco Menezes, oficial superior da Policia Militar do Estado do Rio de Janeiro que, no dizer de Carlos Magno Nazareth Cerqueira, entéo seu Comandante Geral, tudo isso compreendeu, e passou a difundir, no Ambito de sua instituigao policial, a importancia do estudo do Direito Administrativo na Ordem Publica, e isso apés ter lido, em 1976, na 4.* edig&o do Direito Administrative Brasileiro, de Hely Lopes Meirelles, a mengao especffica a uma Policia de Manutengao da Ordem Piblica, quando discipulo de Diogo de Figueiredo Moreira Neto que, no seu Curso de Direito Administrative, j4 dedicava uma segio inteira A Seguranca Publica’. Surgiu, por iniciativa de Carlos Magno Nazareth Cerqueira, entdo Secretirio de Estado da Policia Militar do Rio de Janeiro, um livro pioneiro no Brasil, cuidando de modo especifico do Direito Administrativo da Ordem Publica’, reunindo monografias de responsabilidade de administrativistas do porte de Caio Tacito, Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Hely Lopés Meirelles, José Cretella Junior e Sérgio de Andréa Ferreira, © além da nossa, e com primorosa apresentagio de Miguel Seabra Fagundes. Até en- tao, o tinico livro conhecido a respeito do tema ora desenvolvido era o do francés Paul Bernard. que o publicou com 0 titulo La Notion d’Ordre Publique en Droit Administratif', dedicando a primeira parte de sua obra ao enfoque da nogao da or- dem piiblica em matéria de policia administrativa (“La notion d’ordre publique en matiére de police administratif”). O tema da ordem publica, em especial, integra o Direito Administratiyo, porque ao Estado cabe preservé-la através de sua Policia, que sempre exerceré uma atividade de tipica administragao ptiblica, como poder piiblico. A idéia de Estado, alias, 6 inseparavel da idéia de policia, e 0 poder de policia, que € um poder instrumental da Administragio Pablica, é o fundamento da ago de poli- ia, como afirma José Cretella Jtinior, invocando a ligdio de Rafael Bielsa* SLAZZARINI, Alvaro et alii. Direito Administrative da Ordem Publica, 2. ed, Rio de Janciro: 1987 Preficio, p, 1X “LAZZARINI, Alvaro et alii, Obrae ed. cits.. 229 p. "BERNARD. Paul. La notion d’ordre publique en droit adiministrati. Pacis: Librairie Générale de Droit et de Jurisprudence, R. Pichon et R. Durand-Auzias. 286 p. SCRETELLA JUNIOR, José, Conceituagao do pod Advogados de Sao Paulo, n. 17, abril de 1985, p. 53 de policia. Revista do Advogado, Assoc 14 O Alferes, Belo Horizonte, 13 (47) 13-35, outubrofdezembro 1997 Alvaro Lazzarini A importancia dessa colocagao foi reconhecida por Honoré de Balzac, a quem se atribuiu a afirmagao de que “Os governos passam, as sociedades morrem, a polt= cia é eterna”, Ela & cterna porque as nagdes podem deixar de ter suas Forgas Armadas, mas nao podem prescindir de sua policia, da Forga Publica, para preservar a ordem publica, na realizacio do bem comum". Na realizagao do bem comum, de fato, 0 Estado deve tera sua Policia, a sua Forga Ptiblica, que nao cogitara, tao s6, da sua seguranga ou da seguranga da comunidade como um todo, mas sim, e de modo especial, da protegdo e da garantia de cada pessoa, abrangendo o que se denomina de seguranca ptiblica o sentido coletivo e 0 sentido individual da protegaio do Estado. A célebre ¢ bicentenaria Declaragao dos Direitos do Homem e do Cidadao, data- da de 26 de agosto de 1789, no seu artigo 12, tudo isso ja firmou, ou seja, a garantia dos direitos do homem e do cidadio necesita uma forga publica: esta forga é, pois, instituida para favorecer a todos e nao para ser utilizada particularmente por aqueles a que est confiada"'. 2 ORDEM PUBLICA E SEGURANCA PUBLICA A Constituigao Federal de 1988, no artigo 144, caput, estabelece que “A segu- ranca publica, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, 6 exercida para a preservacao da ordem piiblica ¢ da incolumidade das pessoas e do patriménio”, indicando, em seguida, quais os érgaos que cuidam da seguranga puibli- ca, certo que, no seu pardgrafo 5.°, atribuiu as Policias Militares, como policia osten- siva, a competéncia constitucional de Policia de Preservagao da Ordem Ptiblica. O constituinte de 1988, na rubrica “Da Seguranga Publica”, inseriu essa norma no Capitulo IIT do Titulo V, que cuida “Da Defesa do Estado ¢ das Instituigdes Democr: ticas”, com 0 que priorizou esse aspecto da “Ordem Piblica”, de vez que aos brasilei- Tos ¢ aos estrangeiros residentes no Brasil é garantida a inviolabilidade do direito a vida, & liberdade, a igualdade, & seguranga e a propriedade, nos termos expostos no artigo 5.° da Constituigao de 1988 °LE CRERE, Marvel. La Police, 3. ed., Paris. Presses Universitaires de France, 1896, p. 3: (“Les gouvernements passent, les sociétés périssent , la police est éernelle"). "LAZZARINI, Alvaro et alii. Direito Adiinistrative da Ordem Publica, ed. cit., p. 19, 'FENET, Alain, Les Likertés Publiques en France, Paris: Presses Universitaires de France, 1976, p. 35 “La garaniie des droits de Uhonune ei du citoyen nécessite une force publique; ceite force est done instituée pour l'avantage de tous, ct non pour l'wilité particuliére de ceux auxqueles elle est confiée" O Aljeres, Belo Horizonte, 13 (47) 13-35, outubro/dezembro 1997 15 © Direito Administrativo da Ordem Publica Daf porque comporta examinar o que € ordem piiblica e o que é seguranga puiblica. As locugdes tém gerado confusdes, mesmo porque encerram conceitos juridicos indeterminados, como serio examinados em seguida. O vocabulo “ordem”, na Enciclopédia Universal Hustrada EuropeofAmerica- na ? dentre outros, tem o significado de acertada disposigao das coisas, no que im- porta uma pluralidade real ou ideal de seres, partes ou propriedades, razao de Santo Tomas, sob 0 aspecto teleoldgico, ter definido ordem, dizendo ser ela a reta disposiga das coisas para o seu fim Vejamos, porém, ordem publica no estudo juridico-administrativo, mesmo porque compete ao Estado preservar a ordem ptiblica, através do seu setor de Administragao Ptiblica, que é atribuido ao Poder Executivo no qual se situa a Policia Militar (artigo 144, § 5.°, da Constituigao Federal de 1998). Lembremos que a Administragao Publica 6 disciplinada por um conjunto de prine{pios juridicos que formam 0 modemo Direito Administrativo, Jean Rivero" comeca por advertir que nao se pode confundir o sentido de ordem publica dado pelo direito privado com o sentido em materia de policia administrativa, ou seja, no Direito Administrativo. As palavras so idénticas. Porém, ordem ptiblica— no dizer do grande mestre francés — é coisa completamente diversa segundo diga respeito ao direito privado" ou, entdo, ao direito péiblico, que rege a policia administra- tiva, malgrado ponto de vista em contrario que possam ter ilustres publicistas. "Obra cit.. Tomo XL, Espasa-Calpe, S.A., Madrid, Espanha, verbete Ordem, p. 119-195: “El orden consiste en la acertada dispesicién de las cosas, ELeoncepto le orden, por lo tanto, importa pluralidad real o ideal de seres, partes o propiedades, raza0 de Santo Tomés ter definido ordem “diciendo que ‘es la recta disposicién de las cosas a su fin”, salientando apis que “Comprendese por esto que el orden piiblico es la base jundanental de toda organizacion social y politica, Cuando aguél falte, no puede existir ed Derechoni, por lo santo, seguridad de las personas ni de la propiedad. con lo qual fatrard la tranguilided, la paz soctal, y la vida de los pueblos quedard a merced del mas fuerte ‘RIVERO, Jean, Direito Administrative, Tradugdo do original francés por Rogério Ehrardi Soares, Coimbra; Livraria Almeding, 1981. p. 480. “Vicente Rio (O Direito e a vida dos Direitos, 3. ed. anotada e atualizada por Ovidio Rocha Barros Sandoval, SGo Paulo: Revista dos Tribunais, v. 1, p. 181), com efeito prelecionou que “En algumas relacdes de cireiw privada, que sdo fais porque suaconstituicdo depende, diretamente ow indirewanente, da vontade das paries, os efeitos sociais, ou de cardter geval, predominam e vencem as imeresses individuais, Nesses casos, a vontade geral manifestada pelas normas de direito objetivo, que, destarte, se qualificam como normas de ordem piiblica, das quais os romanos diziam: privatorum conventio juri publico non derogat. Nao é possivel indicar a priori, por via de definicdo ou conceito geral, todas as novmas de ordem priblica E da natureza de cada disposi¢do, da namureza das relagdes contempladas & das razbes sociais determinantes de cada norma, que esse caréter resulta, Ceria 6, contuda, que no direito moderno, o legistador tende a imprimir esse maior grau de efiedcia a diseiplina de um niimero senipre crescente de relagdes, que, outrora, erant regidas pelas normas meramente dispositivas do direito privado”’ 16 O Alferes, Belo Horizonte, 13 (47) 13-35, outubro/dezembro 1997 Alvaro Lazzarini Importante, porém, se torna assinalar que a nogéo de ordem publica s6 pode ser nacional. Ela, reconhecidamente, & por demais incerta, porque varia no tempo e no espaco, de um para outro pais e, até mesmo, em um determinado pafs, de uma para outra épocal’. A nogio de ordem piiblica, em verdade, é mais facil de ser sentida do que definida e resulta, no dizer de Salvat, citado em acérdéo do Supremo Tribunal Federal”, de um conjunto de prineipics de ordem superior, politicos, econdmicos, morais ¢ algumas vezes religiosos, os quais uma sociedade considera estreitamente vinculado a existén- cia e conservacio da organizacao social estabelecida. A nogdo, portanto, obedece a um critério contingent, histéricoe nacional. Atento as ligdes de Waline, Rivero, Paul Bernard e Vedel, José Cretella Janior anotou que a nogao de ordem publica’ é extremamente vaga e ampla, nao se tratan- do apenas da manutengaio de uma certa ordem moral, 0 que € basico em Direito Administrativo, porque a ordem publica’é constituida por um minimo de condigdes SRoberto De Ruggiero (Instituigdes de Direito Civil, V.A, tradugio da 6. ed. italiana por Ary dos Santos, ed. revista e adaptada por Antonio Chaves e Fabio Maria De Mattia. Sao Paulo: Saraiva, 1971, p. 172) atestou que “Como a doutrina quase unanimimente ensina, deve distinguir-se 0 conceito de ordem piiblica interna, referente ds normas que tém império absolute e coa se admite derrogagao, do de ordem priblica internacional, referente a una outra série de normas que respeitam ao mesmo tempo a nacionais e estrangeiros ¢ que, sendo por regra conum aos povos cultos, sao uni obsticuio ao reconkecimento do direito estrangeiro, ne qual porventura sao admitidos institutos Juridicos que a elas se opdem, Néo basta, por outras palavras, que um instinuo jurtdico nao sejaacothide por uma legislacdo para que isso constitea, sem mais, obstdculo ao reconhecimento do direito estrangei- ro que o admite, mas sim que seja contrario ao sentimento mais espalhado € comum da sociedeule internacional (por exemplo: a poligamia e escraviddo); nem é swjiciente que a norma soja de natureza obrigatéria para os cidadéios para impedir que se discipline com ouira diversa a relagao juridica entre estrangeiros (como por exemploas que se referem ao estado, a capacidade das pessoas ¢ ds sucessdes), E preciso que elaseja tal que ndo se possa admitir sem grave perturbacdo da ordem interna e ofensa aos bons costumes, un regulamento diverso mesmo para os estrangeiros. A esfera de ordem piblica para efeitos do direito internacional é assim mais resirita que a de ordem piiblica para efeitos de direito interno, mas ndo é possivel fazer mais rigorosa delimitacao de modo abstrata e tedrico, dada aprépria natureza do conceito de ordem piiblica, que é essencialmente muttivel ¢ contingente. A determinagao, em cada caso, deve deixew-se ao prudente arbiirio do juuiz.” vo sobre os cidadaos ¢ as quais nao “SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, Recurso Extraordindrio n.° 14.658, de Sao Paulo. Revista dos Tribunais, v. 219, p. 81 "SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, Sentenca Estrangeira a.° 1.023, da Suiga, Revista dos Tribunais, v 148, p. 771 8CRETELLA JUNIOR, José. Diciondrio de Diretto Administrativo, 3, ed., Rio de Janeiro: Forense, verbete Ordem Publica, p. 370. O Aljeres, Belo Horizonte, 13 (47) 13-35, outubro/dezembro 1997 17 O Direito Administrativo da Ordem Publica essenciais a uma vida social conyeniente, formando-lhe o fundamento a seguranca dos bens e das pessoas, & salubridade e a tranqiiilidade, revestindo, final mente, aspec- tos econémicos (Iuta contra monopélios, agambarcamento e carestia) e, ainda, estéti- cos (protegdo de lugares e monumentos). Lembremos, a propdsito, que até mesmo o conceito de ordem administrativa esta compreendido no de ordem ptiblica, como transcrito na introdugao a este estudo Quem cuida da ordem publica, evidentemente o faz no exercicio da atividade de policia administrativa, ati vidade propria de Administragao Pablica que serd detalhada na devida oportunidade. Louis Rolland’, bem por isso partindo de textos legais franceses, concluiu que, realmente, é 4 policia administrativa que tem por objeto assegurar a boa ordem, isto é, a tranqiiilidade piiblica, a segurangae a salubridade piiblica, finalizando com a afirma- cdo de que assegurar a ordem publica é, em suma, assegurar essas trés coisas, por- que, a ordem ptiblica é tudo aquilo, nada mais do que aquilo Blaise Knapp”, por sua vez, na perspectiva de administrativista suigo, asseverou que a ordem ptiblica compreende a ordem piblica propriamente dita, a satide, a segu- ranga, a moralidade ¢ a trangiiilidade piiblicas, assim como a boa-fé nos negécios. Acrescenta, ao depois, o seu conceito de ordem publica propriamente dita como sen- do a auséncia de desordem, de atos de violéncia contra as pessoas, os bens ou 0 proprio Estado. Finalmente, para ndo nos alongarmos, merece destaque Paul Bernard", na sua classica obra sobre La Notion d’Ordre Public em Droit Administratif, quando ates- ta ser tradicional o entendimento de que a ordem pablica é a auséncia de agitacdes, audéncia de desordens (“i’absence de troubles”), nogdo esta que, alias, esta se alargando, como parece consagrar a jurisprudéncia a vista dos trés elementos citados por Louis Rolland e retro-transcritos, "ROLLAND, Louis. Précis de Droit Administratif. 9 ed., Paris: Librairie Dallor, Paris, 1947, p. 399, “KNAPP, Blaise. Précis de Droit Administratif. Editions Helbing & Lichtenhahn, Bale et Francfort-sur- le-Main: 1980, p, 20 “BERNARD, Paul. La notion d’ordre public en Droit Administratif, Paris: Libraivie G de Jurisprudence, R. Pichon et R. Durand-Auzias, 1962. p. 12 e 25, fale de Droitet 18 O Aljeres, Belo Horizonte, 13 (47) 13-35, outubro/dezembro 1997 Alvaro Lazzarini Podemos concluir, assim, que a ordem piiblica é uma situagao de fato oposta a desordem, sendo essencialmente de natureza material ¢ exterior, alias, como susten- tou Louis Rolland, invocando a autoridade cientifica de Hauirou. Vemos, portanto, que a nogao de ordem publica abarca a de seguranga ptiblica Mas se vaga e ampla é a de ordem puiblica, nao menos o sera a de seguranga publica. Entendemos ser a seguranga publica um aspecto da ordem piiblica, ao lado da trangiiilidade e da salubridade ptiblicas. Entendemos assim porque a ordem publica é efeito da causa segurana piiblica, como também o € da causa tranqiiilidade piiblica ou ainda é efeito da causa salubridade puiblica. Cada um desses aspectos que Louis Rolland afirmou serem os aspectos da ordem piiblica, e teve 0 apoio incondicional de Paul Bernard, cada um deles é, por si $6, a causa do efeito da ordem ptiblica, cada um deles tem por objeto assegurar a ordem piiblica. O nosso entendimento do que é seguranga puiblica—e que vai interessar ao estudo da extensio da denominada policia de seguranga pablica — é ser ela o estado anti- delitual, que resulta da observancia dos preceitos tutclados pelos eédigos penais ¢o- muns e pela lei das contravengdes penais”, com agdes de policia preventiva ou de repressao imediata, afastando-se, assim, por meio de organizagSes proprias, de todo perigo, ou de todo mal que possa afetar a ordem piblica, em prejuizo da vida, da liberdade ou dos direitos de propriedade das pessoas, limitando as liberdades individu- ais, estabelecendo que a liberdade de cada pessoa, mesmo em fazer aquilo que a lei niio Ihe veda, néio pode ir além da liberdade assegurada aos demais, ofendendo-a® Como 0 afirma Diogo de Figueiredo Moreira Neto”, a seguranca publica é 0 conjunto de processos, politicos ¢ juridicos, destinados a garantit a ordem publica, sendo esta objeto daquela. Essas atividades proprias de seguranga ptiblica decorrem do Poder de Policia, que “PESSOA, Mitio, O Direito da Seguranga Nacional. Sao Paulo: Biblioteca do Exército e Revista dos ‘Tribunais/Fditores, 1971, Sao Paulo. p. 7. =DE PLACIDOE SILVA. Vocabulario juridico, Rio de Janeiro: Forense, p. L417. esbete Ordem Paiblica, 1963. “FIGUEIREDO MOREIRA NETO, Diogo de. Revisio doutrinaria dos conceitos de Ordem Pablica ¢ Seguranga Publica. Anais do IN Congreso Brastletro de Policias Militares, Belo Horizonte: Editora Bervalle, fevereiro, 1987. p. 49. O Alferes, Belo Horizonte, 13 (47) 13-35, outubro/dezembro 1997 19 O Direito Administrative da Ordem Pablica & um poder instrumental da Administragao Publica, merecendo ser recordada nesta oportunidade ligdo deixada por Carlos Siqueira Netto, na Escola Superior de Guerra, em conferéncia realizada em 26 de junho de 1978, quando ressaltou que “O Poder de Policia é utilizado no campo do desenvolvimenio, como o seu Poder de Contengao. Significa a expressio a faculdade de vedar abusos de direitos individuais ou impedir 0 exercicio anti-social desses mesmos direitos em fingdo do Bem Comum, como fim tiltimo do Estado e da Sociedade. Cui- da-se de verdadeiro mecanismo de frenagem que se justifica por pretender a construcao de uma nova sociedade inspirada nos ideais do Bem Comum que, além de contemplar 0 Bem-estar, define um modelo de sociedade que permite pleno desenvolvimento das potencialidades humanas ao lado de exemplar compreenséo e pratica dos valores espirituais"™ “arlos Siqueira Netto, nessa sua aludida conferéncia, também asseverou que a evolugio do Poder de Policia, no quadro do Estado Contemporaneo, aleangou a pré- pria Seguranga Nacional, para cuja realizagdio nao bastam, apenas, medidas de natu- reza politica, embora insuficientes as de cunho eminentemente administrativo, no Es- tado Social, principalmente, em razao da propria vida urbana que provocou mudanga substancial na forma de viver de segmentos substanciais da populagio Devemos lembrar que “A Expressdo Psicossocial do Poder Nacional estuda 0 Homem, as suas relacées em sociedade e 0 produto dessas relagdes, vale dizer, ocupa-se dos fendmenos sociais, culturais e psicolégicos na cena nacional, que nao se enquadram nas demais expressées do poder. Assim se alcangou as questées histdricas, a ciéncia e a tecnologia, a vida espiritual e tudo mais que diga respeito ao Homem e sua organizi ¢do social”, Deve, assim, refletir uma populagio higida, de padrdes culturais elevados, com suas necessidades basicas satisfeitas e conseqiientemente com capacidade de atuar em termos de opiniao publica, conforme antiga, mas atual li¢do da Escola Superior de Guerra-ESG Dai por que, como jé conclufmos em anterior trabalho", o Poder de Policia, como *SIQUEIRA NETO, Carlos. Conferéncia na Escola Superior de Guerra, Rio de Janeiro, 26 de junho de 1978, revista Convivium, Ano XVII, 1978, v.21, apud LAZZARINI, Alvaro, Do Poder de Policia, Tevista Julgados dos Tribunais de Alcada Civil de Sao Paulo, Lex Editora, Sao Paulo, setembrofoutubro de 1989, v.63, p. 13-23. “ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA - ESG. Manual Basico, Rio de Janeiro, 1993, p. 126, “ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA - ESG. Manual Basico - M75. Rio de Janeiro, 1975, p. 234. SLAZZARINI, Alvaro. Manual de Ensino Fuadamental - Direito Administrative. Subsegio de Publiva- 6es da Academia de Polfcia Militar do Barro Branco - APMBB, Sao Paulo, 1982, p. 94. 20 O Afferes, Belo Horizonte, 13 (47) 13-35, outubro/dezembro 1997 Alvaro Lazzarini mecanismo de frenagem de direitos e liberdades individuais, influi na Expresso Psicossocial do Poder Nacional, do qual é fangao a Seguranga Nacional. Assim, o regular e eficiente exercicio do Poder de Policia deve ser incenti vado como fator de Seguranga Puiblica e, também, como fator preponderante de Seguranga Nacional, por importar a premente necessidade bisica da populacdo de sentir-se com seguranga € bem-estar, para que o homem possa processar as suas atividades do modo mais per- feito possivel. Seguro, o homem pode trabalhar melhor, implicando, a ordem, o pro- gresso do Estado. Lembremo-nos, com Joaquim Cardozo de Mello Neto” quando escreveu sobre a ago social do Estado, que: “O servico de seguranca é um servico tipico do Estado: a inseguranga nao é apenas uma causa de lentidéo do desenvolvimento social, é uma causa da lentiddo no desenvolvimento social, € uma causa de retrogradacao e de perecimento da colectividade. A distribuigao da justi- ¢a é outro servico essencial do Estado: justitia fundamentum regni”. 3 POLICIA ADMINISTRATIVA E POL{CIA JUDICIARIA Na conctetizago do Poder de Polfcia, que € um dos mais importantes capitulos, senao o mais importante capitulo do moderno Direito Administrativo’’, encontramos uma dicotomia, ou seja, existéncia de uma atividade que se denomina de Policia Ad- ministrativa e a que se denomina de Policia Judictaria. Essa dicotomia sempre gerou confusoes ao legislador, confusdes aos intérpreies da lei e, em especial, 20s administrados que querem ver 6rgaos policiais agindo, inde- pendentemente de suas competéncias impostas pela Constituigao Federal de 1988, no seu artigo 144. Pior, ainda, que a dicotomia geravae gera crises entre drgaos policiais de largas tradigées, isto é, a denominada Policia Civil, nos Estados que a tém estruturada, ¢ a Policia Militar, que esta estruturada em todos os Estados ¢ no Distrito Federal. Exemplo disso, como adverte 0 Desembargador Alcides Amaral Salles, é a prema- ‘CARDOZO de MELLO NETO, José Joaquim. A Agao Social do Estado, Segio de Obras do O Estado de Sao Paulo, 1917, p. 7 Rio de Janciro: Editora °CAETANO, Marcelo. Principios fiundamentais do Diveito Administra: Forense, 1977, p. 335. ‘Amaral SALLES, Alcides. Juizados Especiais Criminais - Breves Consideragées, Tribuna da Magisira- sura, Orgio Oficial da Associagio Paulista de Magistrados, feverciro de 1996, ano VIII, n° 66, p. 4. O Alferes, Belo Horizonte, 13 (47) 13-35, outubro/dezembro 1997 21 (0 Direito Administrativo da Ordem Publica tura crise, no Estado de Sao Paulo, a respeito de quem é autoridade policial para os efeitos do artigo 69 da lei federal n° 9.099, de 20 de setembro de 1995, que disciplina © artigo 98, inciso I, da Constituig%io Federal de 1988, cuidando dos Juizados Especiais Criminais para o julgamento das infragdes penais de menor potencial ofensivo. Cumpre, bem por isso, salientar que ambas as atividades exteriorizam tfpica mani- festago administrativa, ou seja, de Administracao Piiblica, embora uma delas possa ter 0 qualificativo de judicidria, nada tendo, porém, com manifestagao judicidria do Poder Judicirio, ao qual nao se integra como 6rgio. Kiyoshi Harada, aliés, mostra que “A Constituigao Federal, em varios de seus dispositivos, se refere & manifestacdo desse poder de policia (arts. 145, Il, 170. 174, 182, 192, 193, etc.)", tudo a indicar que a manifestagdo desse poder adminis- trativo nao se encerra na so atividade de policia judicidria que a cultura brasileira aceita como sendo 86 ela, ou seja, s6 exerce policia a policia civil, na sua atuagao de policia cartoréria, na apuragdo das infragdes penais, exceto as militares. Dai tomar-se necessdria a distingao, para evitar-se o quanto possfvel atos abusi vos de autoridades policiais, civis ou militares, lembrando a propésito 0 prinefpio da com- peténcia administrativa, bem sintetizado por Caio Tacito® no sentido de que “Nao é competente quem quer, mas quem pode, segundo a norma de direito”’. Recordemos, mais uma vez, conforme a mesma ligdo de Caio Tacito, que “A primeira condigdo de legalidade é a competéncia do agenie. Nao hd, em direito administrative, competéncia geral ou universal: a lei preceitua, em relacdo a cada fungéo piblica, a forma e 0 momento do exerctcio das atribuigées do cargo. (...) A competéncia é, sempre, um elemento vincula- do, objetivameate fixado pelo legislador”. Comecemos por observar, no campo juridico, que a policia administrativa é pre- ventiva, regida pelos princfpios e normas do Direito Administrativo. A policia judicia- ria € repressiva, exercendo uma atividade tipicamente administrativa de auxiliar da repressao criminal (a repressao criminal é exercida pelo 6rgdo competente do Poder Judicidrio, que detém o monopélio da jurisdigio), motivo pelo qual, embora manifesta- gio de atividade administrativa do Estado, a policia judicidria € regida pelas normas e principios juridicos do Direito Processual Penal. “HARADA, Kiyoshi, Direito Financeiro e Tributdrio. Sao Paulo: Editora Atlas, 1996. p. 20. “TACITO, Caio. 0 abuso de poderadministrativo na Brasil (Conevito e remédios). Edigao do Departamen to Administrativo do Servico Puiblico e Instituto Brasileiro de Ciencias Administrativas, 1959, p. 27, 22 O Aljeres, Belo Horizonte, 13 (47) 13-35, outubro/dezembro 1997 Alvaro Lazzarini Continuemos a observar a atividade policial, quando, entdo encontraremos 0 mes- mo 6rgio policial agindo de modo eclético, isto é, age preventiva ou repressivamente, porque, necessaria e automaticamente, passa da atividade policial preventiva para a atividade policial repressiva, dado que ocorreu ilfcito penal, que no se conseguiu evitar, Ha, nessa hipétese, 0 que passou a ser conhecido por repressao imediata, situagdo que deve ser considerada pelas repercussdes juridicas que ela enseja, em matéria de competéncia para a pratica do ato de polici Necess4rio anotar que ai estamos abordando sé a dicotomia policia administrativa € policia judiciaria no que elas tm por objeto o ilicito, evitando-o a primeira auxilian- do na repressao a segunda, A policia administrativa, porém, é bem mais ampla, pois tem por objeto nao s6 a prevencao do ilfcito penal, cabendo-Ihe também a prevengao ea propria repressdo administrativa de toda uma gama de outros ilicitos nao penais, como os de policia de transito de vefculos terrestres ou moto-aquaticos, os de policia das construgées, os de policia sanitiria, ete., enfim conforme a atividade policiada esteja sujeita 4 disciplina das leis respectivas (toda vez que uma lei impoe uma deter- minada restrigdo ao administrado, ela concede 0 correspondente Poder de Policia & Administragao Publica para possibilitar a concretizagao da restrigio). Bem por isso nao € 0 rétulo que ostente o 6rgao policial que qualifica a atividade. O que a qualifica em polfcia administrativa (preventiva) ou policia judiciaria (repressi- va ou auxiliar) sera, e isto sempre, a atividade de policia em si mesma desenvolvida. Portanto, a linha de diferenciagdo entre policia administrativa e policia judicidria é bem precisa, porque, sempre sera a ocorréncia ou nao de um ilicito penal", A ativida- de de policia administrativa que tenha por objeto a ndo ocorréncia do ilfcito penal, no gue exerce atividade preventiva, é de policia administrativa, enquanto a que tenha por objeto auxiliar a Justiga Criminal na repressao ao ilicito penal é de policia judicidria. Oramo da policia administrativa que tem por objeto evitar o ilfcito penal denomina- se policia de seguranga piiblica, que nada tem com atividade de policia judicidria. Policia judiciaria, ao certo, nado é ¢ nem pode desenvolver atividade de policia de seguranca ptiblica, que é preventiva, sob pena de subversao do ja enunciado principio da competéncia administrativa no sentido de que “ndo é competente quem quer, mas quem pode, segundo a norma de direito”®. MLAZZARINI, Alvaro et alii, Direito Administrative da Ordem Piblica, ed. cit p.36. DL PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrative. 5." ed., $0 Paulo: Editora Atlas, 1994. p. 96, *TACITO, Caio. Obra, ed. e p. cits. O Aljeres, Belo Horizonte, 13 (47) 13-35, outubrofdezembro 1997 O Direito Acministrative da Ordem Publica José Cretella Jtinior”*, apés examinar as ligGes de Ranelleti e Guimardes Menegale, concluiu que a policia de seguranga tem por objeto prevenir a criminalidade em rela- cio A incolumidade pessoal, & prosperidade, 2 trangiilidade publica e social. Esse 0 conceito de polfvia de seguranga publica que devemos aceitar. Recorde- mos © que examinamos a respeito de ordem publica e de seguranga publica. Na oportunidade consideramos seguranca piiblica com um estado anti-delitual, que é 0 aspecto ou elemento do conceito maior de ordem ptiblica. A polfcia de seguranga, bem por isso, tem por objeto prevenir a criminalidade. Carlo Consonni Folcieri®, por sua vez, isso deixa bem certo no verbete “Policia Judicidria”, que escreveu para o Novissimo Digesto Italiano. Distinguiu-a da Policia de Seguranca, porque, “enquanto compreensiva de toda atividade discriciondria de prevengao no resguardo ‘de qualquer lei limitadora da liberdade e penalmenie sanci- onada, a policia em sentido lato tem sempre cardter de atividade adminis- trativa constantemente usada, Ao lado do eshocado conceito de policia administrativa, em sentido genérico, deve-se ter presente um outro que se pode dizer da policia em sentido estrito e que, compreendendo apenas a atividade de prevencdo referente ds leis administrativas sancionadas pe- nalmente, divide-se em iantas partes quanto sao as leis a que serve de atuagdo. A principal das referidas partes é a policia de seguranga, ori- entada a proteger os bens supremos de ordem publica, da paz e da tran- qitilidade social; considerada a sua importéncia preponderante entre os varios ramos da polfcia administrativa muitas de suas normas contém uma série de principios gerais aplicdveis a qualquer outra ramo (policia sani- taria, policia industrial, policia comercial)”. Carlo Consonni Folcieri ainda acrescenta que a policia de seguranga tem por objeto “uma atvibuigao complexa geral ¢ opera com wna vasta atividade de ob- servacéo e de coercdo para garantir a conservagdo da direito, dos bens @ das instituigdes sociais. Ela é mantida pelo uso de meios de execugiio ¢ opera com procedimentos e métodos dindmicos e com amplos poderes discri- *CRETELLA JUNIOR, José. Enciclopédia Saraiva do Direito, v. 59, Saraiva, 1981, verbete Policia Administrativa, p, 183-185. *CONSONNI FOLCIERI, Carlo. Novissimo Digesto htaliano, v. XM, verbete Policia Judiciéria. Tradu- ¢40 do Desembargador Geraldo Arruda, Revista de Jurisprudéncia do Tribunal de Justiga do Estado de Sio Paulo, Lex Editora, v.89, p. 34-37. 24 O Aljeres, Belo Horizonte, 13 (47) 13-35, outubro/dezembro 1997 Alvaro Lazzarini ciondrios, pois age para impedir a violagdo da ordem e da seguranga publica. A policta judicidria, ao invés, tendo finalidade espectfica atinente 4 reintegracao do direito violado, desenvolve de regra atividade preordenada aquela do érgdo jurisdicional e é vinculada no exercicio das suas fungdes & observancia das rigidas normas estabelecidas pela lei processual penal. A funcdo de policia judiciéria, — que se coneretiza em uma atividade voltada para a realizagao do escopo processual, hem que seja de natureza administrativa, — ndo se pode, portanto, recusar wna qualificagdo processual. De fato a dita policia é ligada @ administragéo da justiga penal de modo a constituir uma direta emanagao dela, indiscu- tivelmente coordenada @ esfera jurisdicional” Por nao compreender sé a policia de seguranga que € exercida pelas autoridades de seguranga ptiblica e est a garantir a preservagao da ordem piiblica, Aldo M. Sandulli®* sustenta ser a polfcia de seguranca nada mais do que uma parte da policia administrativa. Desse modo quem s6 detenha competéncia de policia judiciaria, hipstese da Poli- cia Civil (artigo 144, pardgrafo 4.°, da Constituigao Federal de 1988), nao pode exer cer atividades préprias de policia de seguranga, devendo, bem por isso, limitar-se a apuragiio das infragdes penais” nos termos da lei. Quanto 4 Policia de Preservagao da Ordem Publica (de Manutencado da Ordem Publica, na semantica constitucional anterior), prevista no artigo 144, pardgrafo 5.°,da Constituigio Federal de 1988, podemos aceitar o ensinamento de que a policia de seguranga ptiblica como exteriorizacio de policia administrativa dela faz. parte na exata medida em que previne a desordem, mantendo a ordem publica nas suas milti- plas facetas, procurando evitar a pratica delituosa em sentido amplo (crimes e con- uavenges penais), no que exercita a atividade de policia de seguranca publica. *SANDULLI, Aldo M. Manuate di Diritto Amministrativo. 12. ed., Nipoles: Casa Editrice Dott. Eugé- nio Jovene, 1974. p. 675. "0 artigo 144, parigrafo 4.°, da Constituigio Federal de 1988, deixa certo que a Policia Civil tema sé competéncia constitucional de polfcia judicidria, que nZo pode serampliada por norma infraconstitucional, devendo, portanto, limitar-se & apurago das iniragSes penais, exeeto as militares. Ela, no entanto, nio tom a exclusividade de policia judicidria comum, conforme discorremos em nossos Esiudas de Direito Administrative, que integra a Coletinea Juridica da Magistratura, da Escola Paulisia da Magistratura, 10 Paulo: Editora Revista dos Tribunais. p. 98-101). A Lei Federal n® 9.099, de 26 de sctembro de 1995, que disciplina o artigo 98, inciso 1, da Constituigao Federal de 1988, dispensa, expressamente, a figura do inquérito policial da competéncia da Policia Civil, substituindo-o por um “termo circunstanciado” lavra- do pela autoridade policial que atendcu a ocorréncia envolvendo infragio penal de menor potencial ofensivo e que nao & necessariamente delegado de policia civil, conforme se posicionou a Comissio Nacional de Jurisias, coordenada pela Escola Nacional da Magistratura, na interpretagao do artigo 69 da referida Lei Federal, O Alferes, Belo Horizonte, 13 (47) 13-35, outubro/dezembro 1997 25 O Direito Administrativo da Ordem Publica A Policia de Preservagéo da Ordem Ptblica esta, também, investida de compe- téncia de policia judicidria, quando cuida da represséio imediata a infraedo penal, que nao conseguiu evitar, restabelecendo, de pronto, a desordem causada pela infragao penal. Atua, nessa hipétese, que € propria ¢ exclusiva da atividade da Policia Militar, como auxiliar do Poder Judiciario, sob a regéncia das normas de Direito Processual Penal e, assim, controlada e fiscalizada pela autoridade judicidria competente. A auto- ridade judiciaria deve fornecer, na repressio imediata, um primeiro material de averi- guacfio ¢ exame, o mesmo ocorrendo quando da faléncia operacional dos outros 6r- gios policiais, como nas hipéteses de greves de servidores desses rgdos ou ineficién- cia no cumprimento de suas atividades. Isso bem apreendeu 0 legiskador infraconstitucional quando editou a Lei Federal 129,009, de 26 de setembro de 1995, prevendo seu artigo 69, que: “A autoridade policial que tomar conhecimento da ocorréncia lavrard termo cireunstanciado e 0 encaminhard imediatamente ao Juizado com o autor do fato e a vitima, providenciando-se as requisigdes dos exames periciais necessdrios”, com a supressao prevista no seu artigo 77, paragrafo 1.°, do que Joel Dias Figueiredo JGnior e Mauricio Aniénio Ribeiro Lopes“! afirmaram ser 0 “bolorento inquérito policial”e nés, em estudos sobre Juizados de Instrugao e Juizados Especiais Crimi- nais sempre dissemos ser 0 “anacrénico inquérito policial”. 4 ORGAOS POLICIAIS NA CONSTITUICAO DE 1988 © Constituinte de 1988 procurou valorizar o principal aspecto ou elemento da or- dem pablica, ou seja, a seguranga publica. Procurou, também, guardar a correta gran- deza entre a ordem publica e a seguranca publica, sendo esia exercida em funcio daquela, como seu aspecto, seu elemento, sua causa. “GRINOVER, Ada Pellegrini et alii. Juizados Especiais Criminais. Si0 Paulo; Editora Revista dos Tribu; nais, 1996. p.96-97: “Quaiquer autoridade policial poderd ter conhecimento do fato que poderiaconfigurar em tese, infracéo penal. Nao somente as policias federal civil, que tém a fiengdo institucional de policia Judicidria da Unido e dos Estados (art. 144, § 1. inc. IV, § 4.°), mas iambém a policia militar”. “FIGUEIREDO JUNIOR, Joel Dias ¢ RIBEIRO LOPES, Mauricio Antonio, Comentarios a Lei dos Juizados Espectais Civeis ¢ Criminais. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995. p. 327, “LAZZARINI, Alvaro, Juizado de Instrugio. Revista de Informagdo Legislativa, Senado Federal, Subsecretaria de Edigdes Técnicas, Brasilia-DP, ano 26, janeiro/margo de 1989, n° LI, p.197-206. Juizados, Especiais para 0 Julgamento das Inftagdes Penais de Menor Potencial Ofensivo. Revista de Proceso, Editora Revista dos Tribunais, Sio Paulo, a.15, abriljunho/ |990, n° 58, p. 99-109. 26 O Alferes, Belo Horizonte, 13 (47) 13-35, outubra/dezembro 1997 Alvaro Lazzarini Lembremos que 0 conceito de seguranga piiblica, como universalmente aceito, & mais restrito do que o de ordem ptiblica, esta a ser preservada pela Policia Militar (artigo 144, pardgrafo 5.°, de Constituigao Federal de 1988), & qual se atribui, além das atividades de polfcia ostensiva de seguranca, as referentes 2s que cuidam da tranqiii- lidade publica e da salubridade puiblica. O constituinte de 1988, outrossim, patenteou no caput do artigo 144 da Constitui- ao Federal de 1988, que a seguranga publica é dever do Estado, razio de ser direito e, igualmente, responsabilidade de todos. Para desempenhar as atividades correlatas, 0 constituinte de 1988 fixou a compe- téncia restritiva de cada érgio que cnunciou, dando, s6 agora, dignidade constitucional a Orgaos policiais até entao inexistentes em termos constitucionais, ow seja, a Policia Rodovidria Federal, 4 Policia Ferrovidria Federal e 4 Policia Civil Estadual. A Constituigdo da Repiiblica Federativa do Brasil, assim, passou a prever que a seguranga publica, como dever do Estado, direito e responsabilidade de todos (artigo 144, caput), sera exercida pelas Policia Federal, Policia Rodovidria Federal, Policia Ferrovidria Federal, Policias Civis, Policias Militares e Corpos de Bombeiros Milita- res, devendo ser lembradas, por assemelhacao, as Guardas Municipais, porque inte- gram a previsdo do aludido artigo 144, no seu pardgrafo 8.°, niio como érgaos destina- dos seguranga_ptiblica e sim como guardas do patriménio dos municipios que as constituiram para a protegao de seus bens, servicos e instalagdes. Devemos observar, outrossim, que a previsao constitucional é taxativa, nao poden- do, portanto, ser criados outros érgaos policiais com incumbéncia de exercer ativida- des de seguranga ptiblica, em quaisquer dos nfveis estatais, 0 que impede, por isso mesmo, que Srgaos autarquicos, fundacionais ou paraestaduais, ndo previstos na nor- ma constitucional, exercitem atividades de seguranca ptibl Observemos, também, que os Corpos de Bombeiros Militares, em principio, néio exercem atividades de seguranga ptiblica, porque, estas, repitamos, dizem respeito as infragoes penais, com tipicas agoes policiais preventivas ou repressivas imediatas. A atividade-fim dos Corpos de Bombeiros Militares é de prevengiio'e combate a incéndios, busca ¢ salvamento e, agora, a de defesa civil, como previsto no artigo 144, pardgrafo 5.°, final, da Constituigaio Federal de 1988 e legislaco infraconstitucional de cada unidade federada A gama de atribuigses dos Corpos de Bombeiros Militares diz respeito, isto sim, a trangiiilidade publica 8 salubridade piblica, ambas integrantes do conceito de ordem piiblica, como desenvolyido em nossos estudos sobre 0 Direito Administrative e pre- O Alferes, Belo Horizonte, 13 (47) 13-35, outubro/dezembro 1997 27 O Direito Administrativo da Ordem Puiblica vengiio de Incéndios® e sobre Poder de Polfcia e o Corpo de Bombeiros™. Essa competéncia, como também as responsabilidades dela decorrentes nao fo- ram previstas para os municfpios e, muito menos, para entidades de direito privado, inclusive as de natureza paraestatal, como sejam os Corpos de Bombeiros Voluntari- 0S, que, se existentes, assim o sao 4 margem da lei, por nao previstos na previsdo constitucional de 1988. A nossa Carta Fundamental de 1988, lembremos, cometeu as atividades ds sé entidades que nominou expressamente, ou seja, 20s Estados, Distrito Federal ¢ Territérios’ A Constituigao de 1988, devemos entender, tratou de distribuir corretamente as atribuigdes decorrentes do Poder de Policia. Foi, porém, tfmida quando deixou de prever 6rgao de Policia Fazendéria, importantfssimo para a conjuntura nacional nos denominados crimes do colarinho branco. Ela preferiu dar essas atribuigdes, na érbita da uniao, & Policia Federal, que, hipertrofiada na sua esfera de competéncia, prevista no seu artigo 144, parégrafo |.°, nao tem apresentado condigdes humanas e materiais’ para atendé-la, em que pese 0 esforco dos seus integrantes, que Vinham sendo ampa- rados, até pouco tempo atrds, por excelente esquema de marketing, em especial junto as emissoras de televisiio, 5 GERENCIAMENTO DE CRISES ENTRE ORGAOS POLICIAIS Sabemos, portanto, quais os 6rgaos policiais com legitimidade administrativa para atuar na Reptiblica Federativa do Brasil, dentro de sua esfera de competéncia admi- nistrativa. Importante, em relago a eles, 6 deixar claro aos seus integrantes ¢ ao povo em geral que a order cronolégica apresentada no artigo 144 da Constituicao Federal de 1988, em absoluto, ndo indica um escalonamento hierérquico, que implicaria suprema- cia de um sobre outro érgio ou, ao inverso, subordinagio de um para com o preceden- te 6rgao na referida previsao do artigo 144 Os sete 6rgaos policiais, aliés, pertencem a entidades estatais diversas, como di- versas so as linhas hierdrquicas, quando pertencentes a uma mesma entidade esta- tal, tudo a demonstrar que cada um deles, consoante os princfpios jurfdicos que infor- “LAZZARINI, Alvaro. Estudos de Direito Administrativo, ed. cit., p. 335-354. #LAZZARINI, Alvaro. Estudos de Direito Administrative, ed. cit., p. 355-377. “LAZZARINI, Alvaro. Estudos de Direito Administrativo, ed. cit., p. 375, 28 OAlferes, Belo Horizonte, 13 (47) 13-35, outubro/dezembro 1997 Alvaro Lazzarini mam o Direito Administrativo, a partir da Constituigdo Federal promulgada em 5 de outubro de 1988, tem esfera de competéncia administrativa bem definida no seu artigo 144. Bem por isso, em razio de sua investidura no érgio policial a que pertenga, os seus agentes ptiblicos, que 0 Direito Administrativo classifica na espécie agente ad- ministrativo™, tm a correspondente autoridade policial, conforme tratamos longamente nos livros de Direito Administrativo’”. Essa tematica da autoridade policial diz respeito ao Direito Administrativo e nao ao Direito Processual Penal, porque, como examinamos, todo policial é agente admi- nistrativo da Administragao Publica, ¢ esta é regida pelo Direito Administrativo. Todo policia é autoridade no sentido técnico-juridico do termo". A tematica da autoridade policial é importante dentro da de ordem publica, eo seu desconhecimento gera crises entre os érgios policiais, ou seja, conflitos positivos ou negativos de competéncia, com graves conseqiiéncias para a ordem piblica e, por- tanto, para a seguranga publica, como, por exemplo, agora, que a Lei Federal n.° 9.099, de 26 de setembro de 1995, se refere a autoridade policial para as providéncias previstas no seu artigo 69”. E, porém, na drea de atuagdo da autoridade policial ¢ nos seus estritos limites constitucionalmente previstos ~ a Constituigdo Federal de 1988, em tema de segu- ranca publica e ordem publica, nao recepcionou a legislaga4o infraconstitucional ante- rior — , que essas pessoas fisicas, que operam em nome do Estado no desempenho da atividade policial, devem exercer o Poder de Policia, que legitima a sua agao. Aquela autoridade policial que entenda de exercer atribuigdo nao decorrente da esfera de competéncia constitucional do érgio policial que integra e serve, ao certo, estar sc havendo com excesso de poder ou desvio de poder, porque, convém recor- dar,” *LAZZARINI, Alvaro ct alii. Diretio Administrative da Orden Piblica, ed. cit., p. 52 ¢ sgtes. “LAZZARINI, Alvaro. Esiudos de Direito Administrativo, ed. cit., p. 263-280. *CRETELLA JUNIOR, José. Artigo publicado na Revista de Direito Administrative, v.162, p. 33. A crise surgiu no Estado de Sao Paulo, a partir do nosso artigo Juizado Especial e autoridade (Folha de Sao Paulo, 03.11.1995, p.2), que ensejou eritica de Bismael B. Moraes, Presidente da Associagio dos Delegados de Policia do Estado de Sao Paulo, no artigo Conceito de Autoridade (Folha de Sao Panto, 18.11.1995, p. 2) e cartas de leitores apoiando-nos ou niio, Confira-se a nota de rodapé n® 38. “TACITO, Caio. Obra e ed. cit., p. 27. O Alferes, Belo Horizonte, 13 (47) 13-35, outubro/dezembro 1997 29 O Direito Administrativo da Ordem Ptiblica “A primeira condicdo de legalidade 6 a competéncia do agente. Nao hé, em direito administrative, competéncia geral ou universal: a lei precei- tua, em relacdo a cada fungdo piblica, a forma e 0 momento do exercicio das atribuigdes do cargo. Nao € competente quem quer, mas quem pode, segundo a norma de diretto. A competéncia €, sempre, um elemento vincu- lado, objetivamente fixado pelo legislador”. A nfio observancia dessa regra de competéncia administrativa leva a inevitaveis crises entte os 6rgaos policiais que necessitam ser gerenciadas, conforme os princf- pios juridicos do Dircito Administrativo. Elas decorrem, pelo que podemos observar, da superposigao de meios, dispersao de esforgos, busca de notoriedade ou vedetismo por policiais, enfim falta de profissionalismo em prejuizo do povo e da prépria instituig&o policial a que servem. Nas raizes da divergéncia, podemos encontrar objetivamente uma mistura de des- conhecimento da lei, sentimentos corporativistas e até classistas, busca de publicida- de pessoal e, em ano eleitoral, inevitavelmente, fins politicos. Todos esses fatores, alids, sto perfeitamente contorndveis desde que haja firme decisdéo por parte das autoridades governamentais de fazer cumprir a Constituigao Federal de 1 988°! Essas crises a serem gerenciadas, em verdade, tipificam os denominados confli- tos de atribuigSes internos que, na arguta observagao de José Cretella Jinior® ¢ no prisma do Direito Administrativo, ocorrem a todo momento, com “tuta ou choque de comperéncia entre duas auoridades do mesmo Poder, em matéria administrativa. Séo dois agentes piblicos que se julgam com- petentes — um conflito positivo de atribuigéo — ow se julgam incompeten- tes — canflito negativa de atribuigdo — para o desempenho de determina- do servico piiblico ou para o exercicio de certa funcao. Ou para a edi- go de ato administrative. Cabe ao superior hierdrquico desses dois fun- ciondrios de mesmo nivel a resolugdo do conflito, cessa a disputa, por- que o superior decidiu de plano a quem cabe a tarefa. Se os funciondrios forem de niveis diferentes, sobe-se na escala hierérquica, até chegar-se ao superior comum aos dois e¢ a este cabe dirimir o conflito de atribui codes suscitado”. 'LAZZARINI, Alvaro, A Constituigao Federal de 1988 © as Infragoes Penais Militares. Revista de Informagao Legislativa, Senado Federal, Subsectetaria de Edigdes Téenicas, Brasilia, a.27, n.° 108, p. 147-154 °CRETELLA JUNIOR, José. Conflito de Atribuigdes no Dircito Administrative, Revista Forense, Rio de Janeiro, v.291, p. 56-57, 30 O Alferes, Belo Horizonte, 13 (47) 13-35, outubro/dezembro 1997 Alvaro Lazzarini Do mesmo sentir a li¢&io de Mario Masago”, que, ao tratar do Poder Hierarqui- coe cuidar de suas consequéncias como instrumento de Administragdo Ptiblica, en- sina que “Os conflitos de atribuicdes entre drgdos subordinados ao poder exe cutive sao resolvidos pelo primeiro superior hierdrquico comum aos confli- tantes”, obviamente observados os preceitos, constitucionais e infraconstitucionais, de regéncia da competéncia administrativa desses 6rgdos. Podemos afirmar, portanto, que ao Chefe do Poder Executivo ou ao seu Secreta- rio de Estado da Seguranga Piiblica cabe a vontade politica de por cobro a qualquer conflito de atribuicao entre os dois segmentos da polfcia estadual, assim, gerenciando a crise entre os 6rgaos policiais subordinados. Para isso deverdo observar, estritamente, o principio da legalidade, porque, no Estado Democratico de Direito previsto na Constituigdo Federal de 1988, artigo 1.°, os governantes também tém as suas decisées politicas sujeitas aos limites da lei, ou seja, nao tém carta branea para tudo fazer, a ndo ser aquilo que esteja dentro dos limites da lei. Lembremos que a Constituigao Federal de 1988, no seu artigo 144, pardgrafo 6, prevé a subordinagao aos Govemnadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Terrritérios das policias militares e corpos de bombeiros militares, juntamente com as policias civis. Eles devem assumir, assim, a responsabilidade nao s6 diante dos érgios policiais que Ihe esto subordinados, mas em especial perante 0 povo que os clegeu € que almeja uma efetiva seguranca publica, dentro dos padroes da legalidade. O conflito de atribuigdo, porém, complica-se quando ocorte crise entre drgaos de entes estatais diversos, ou seja, Unido, Estados, Distrito Federal e Municipios. O gerenciamento da crise, nessa hipétese, caberé ao Poder Judicidrio se nao se chegar a um entendimento entre os Governos enyolvidos ¢ litigio houver, devendo mais uma vez 0 litigio ser solucionado a luz dos prineipios que informam o Direito Administrativo. O exemplo das Guardas Municipais é bem marcante, em especial apés 0 II Con gresso Nacional de Guardas Municipais, realizado nos dias 29 ¢ 30 de agosto de 1991, na cidade de Americana, Estado de Sao Paulo, onde, ap6s graves criticas as Policias Militares, conclufram que é urgente a participagio dos municipios, com as suas Guardas, no combate & criminalidade, razio de criarem uma entidade de direito privado denominada de “Conselho Nacional das Guardas Municipais” MASAGAO, Mario. Curso de Direito Administrativo, 6, ed., S30 Paulo: Editora Revista dos Tribu nais, n 516. p. 321. O Aljeres, Belo Horizonte, 13 (47) 13-35, outubro/dezembro 1997 31 ODireito Adminisirativo da Ordem Publica Caberd, no caso, ao Distrito Federal ou ao Estado envolvido na crise, ou aos 6rgios pablicos ou particulares que tenham legitimidade para fazé-lo (art. 5.°, incisos XXLe LXX, letra “bd”, 103 ¢ 129, IIL, todos da Constituigao Federal de 1988), ajuizar ago judicial adequada para dizer da inconstitucionalidade ow ilegalidade das leis ou atos administrativos que concretizarem tal intengao das Guardas Municipais, agora submetidas ao que denominaram de seu “Conselho Nacional”. Recordemos que a melhor doutrina entende, uniformemente, que a Constituigao Federal de 1988, apesar das investidas em contrario, nao autoriza os municfpios a instituirem 6rgdos policiais de seguranga, pois as Guardas Municipais s6 podem ser destinadas & protegao de seus bens, servigos ¢ instalagdes, o que equivale dizer que Municipio nao pode ter Guarda que substitua as atribuigoes da Policia Militar”. Nesse sentido, igualmente, a jurisprudéncia do Tribunal de Justiga do Estado de So Paulo tem sido pacifica® no sentido da incompeténcia das Guardas Municipais para atos de policia, como, por exemplo, a condugao de alguém, por guardas munici- pais, para autuacao em flagrante e, até, mesmo a incompeténcia de guardas munic pais para dar busca pessoal. Outro exemplo, e este grave, foi a delegacao de parcela de Poder de Policia a entidade de direito privado municipal, que passou a invadir, com pleno apoio do Go- yernador do Estado de $ao Paulo, atribuigao indelegdvel da Policia Militar na area do servico de policiamento de trinsito. Explicando melhor: em razio de convénio do Estado de Sao Paulo com 0 Municipio de Sao Paulo, empregados celetistas da Com- panhia de Engenharia de Tréfego-CET, uma sociedade de economia mista do Muni- cipio de Sao Paulo, foram autorizados a autuarem veiculos que trafegam ou estaci- onam nas vias puiblicas da Capital Paulista, estando, até mesmo, a dirigir 0 tréfego desses veiculos, devidamente uniformizados (so os denominades “amarelinhos” ou “marronzinhos”, conforme a cor de seus uniformes, ou as denominadas “mocas da zona azul”, que atuam e autuam no estacionamentos da “Zona Azul”), O exemplo da “SILVA, José Afonso da. Curso de Diretto Constincional Positivo, 6. ed., 1990, Sa0 Paulo: Editora Revista dos Tribunais, p. 653, ¢ O Municipio na Constituigdo de 1988, S30 Paulo: Editora Revista dos Tribunais, p,11; MUKAI, Toshio. A adiinistracde pitblica na nova Constituigdo brasileira, Sao Paulo: Editora Saraiva, p42; GASPARINI, Didgenes. Parecer, Fundacdo Faria Lima-CEPAM: MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo, 7. ed. Forense: Rio de Janeiro, p. 358; BEZNOS, Cldvis, Guarda Municipal, “Cadernos de Direito Municipal”, Revista de Direito Puiblico, Editora Revista dos Tribunais, Sao Paulo, V. 78, p.178; CRETELLA JUNIOR, José, Comentarios @ Constituigdo Brasileira de 1988, Rio de Janeito: Editora Forense Universitéria, v. VI. p. 342 *AcOrdao wndnime da Quinta Camara Criminal, na apelagao criminal n° 24,767-3/5, de Americana, em 03 de margo de 1994, relator Desembargador Cunha Bueno, revista A Forga Policial, 6rgao oficial de infor- magio ¢ doutrina da Policia Militar do Estado de Sao Paulo, Sio Paulo, ano de 1994, jancirofmargo, n° 1, p. 136-140; Acérdao undnime da 2.* CZimara Criminal, na apelagdo criminal n° 96,007-7/10, de Araras, relator Desembargador Weiss de Andrade, revista A Forca Policial,n. cit. p. 141-143 32 OAlferes, Belo Horizonte, 13 (47) 13-35, outubro/dezembro 1997 Alvaro Lazzarini cidade de so Paulo comegou a vicejar, existindo tal pratica, pelo menos, na cidade paulista de Campinas, como também em Belo Horizonte-MG, tudo a merecer contro- le jurisdicional dos atos juridicos do direito privado desses empregados de paraestatal municipal, embora nao se possa dizer que tecnicamente haja uma crise entre 6rgios estaduais e Grgdos municipais, estes de direito puiblico ou de direito privado, por nao instaurado um conflito de atribuigGes, uma vez que os Organs estaduais, por decisio do Governador do Estado, nao exercem 0 servigo de trnsito delegado ao municipio e os 6rgios municip: federal de regéncia® ptiblicos ou privados, 0 executam, embora violando a legislagao 6 CONCLUSAO O estudo permite concluir que 0 Direito Administrativo esté consubstanciado em um conjunto de prinefpios juridicos que informame disciplinam as atividades da Ad- ministragio Publica existentes em qualquer dos poderes do Estado e ndo sé Poder Executivo: Essas atividades da Administragao Pablica devem ser executadas segundo uma ordem administrativa, a qual est compreendida na nogdo maior da ordem publica. A ordem publica integra o Direito Administrativo, porque ao Estado cabe preservi la através de sua policia, que nunca deixa de exercer uma atividade tipicamente administrativa, de Administragio Piiblica como poder puiblico, mesmo quando essa atividade seja denominada de policia judiciaria. A idéia de Estado, alias, é inseparavel da idéia de policia. A policia tem por funda- mento ¢ por razdo de ser o Poder de Policia, que € um instrumento da Administracfio Publica para realizar os seus fins, na busca do bem comum. O Poder de Policia, assim, é um Poder Administrativo, considerado como um dos mais importantes cap! tulos do Direito Administrativo A ordem pliblica, necessario esclarecer, é um conceito juridico indeterminado, porque varia no tempo e no espaco. Tem-se, porém, por aceitiivel 0 conceito de que a ordem piiblica € a auséncia de desordens, ou seja, de atos de violéncia contra as pessoas, seus bens e 0 proprio Estado. Esse posicionamento da ordem publica no Direito Administrativo € diverso daque- le que se deve ter da ordem piiblica no Direito Privado. De qualquer modo, ordem pliblica s6 pode ser considerada no plano nacional, ou seja, ha uma ordem ptiblica interna que nao se confunde com aquela que possa ser denominada de ordem ptiblica internacional. “LAZZARINI, Alvaro. Estudos de Direito Adininistrativo, ed. cit., p. 311 OAlferes, Belo Horizonte, 13 (47) 13-35, outubrodezembro 1997 3 O Direito Administrative da Ordem Publica No Direito Administrativo, a seguranga publica, a trangiilidade e a salubridade ptiblica so os tinicos elementos ou aspectos da ordem ptiblica. Cuda um deles tem por objeto assegurar a ordem publica. A ordem piiblica, assim, é uma situagao de fato oposta 4 desordem, sendo essen- cialmente de natureza material e exterior. A seguranga publica, principal aspecto da ordem publica no enfoque constitucio- nal brasileiro que Ihe dedicou um capitulo consubstanciado no art. 144, caput e pard- grafos, da Constituigao de 1988, é um estado anti-delitual que deve perfazer-se com medidas de policia preventiva, inibidoras de praticas ilfcitas penais em geral, no que a policia exerce tipica atividade de policia administrativa, regida pelos principios e nor- mas de Direito Administrativo, Quando, apesar das medidas inibidoras, ocorrer o ilicito penal, a atividade de polf- cia administrativa (preventiva) deixa de operar, tendo inicio, entdo, a atividade de policia judicidria, voltada nao prevengiio do ilfcito penal e sim de sua apuragio, agora segundo as normas e principios do Direito Processual Penal, embora 0 6rgao competente para esse exercicio conitinue a ser érgio da Administragao Ptiblica e nao do Poder Judiciario. A ordem ptiblica, contudo, sendo violada em razao do ilicito penal, deve ser restabelecida de imediato e automaticamente pelo érgao de policia administrativa que tenhaa competéncia constitucional de “preservagdo da ordem publica”. Cuida-se da “repressaio imediata”, que tem o seu fundamento no art. 144, § 5.°, da vigente Cons- tituigdo da Reptiblica, porque, se nao se conseguiu preservar a ordem publica, 0 6rgio policial que detém a exclusividade dessa competéncia constitucional deve restabelecé-la imediata € automaticamente. A tematica em exame envolve também a da autoridade policial, cujo conceito é de Direito Administrativo e nao de Direito Processual Penal, como se pretendia. Agente publico, com as suas espécies, seus deveres ¢ suas prerrogativas, é matéria de Direi- to Administrativo. Todo policia, civil ou militar, nos limites da investidura legal, portan- to, é autoridade policial no sentido téenico-juridico do tema. Na preservagio da ordem ptiblica, quando houver crise entre as autoridades poli- ciais, é 0 Direito Administrativo que fornece os principios ¢ normas que devem ser observadas para o gerenciamento da crise, ou seja, para a solucéo do conflito de atribuicdes entre autoridades policiais de que nivel hierdrquico for. Quando elas integram 0 mesmo Poder da entidade federada, deve caber ao pri- meiro superior hierarquico comum aos conflitantes a solugdo do conflito; quando de poderes diversos ou, entao, de entidades federadas diversas, o gerenciamento da 34 O Alferes, Belo Horizonte, 13 (47) 13-35, outubrofdezembro 1997 Alvaro Lazzarini crise decorrente do conflito, observados os principios e normas do Direito Adminis- trativo, sé poderd ser dirimido pelo drgiio competente do Poder Judicidrio, através de processo judicial adequado. O Direito Administrativo da Ordem Publica, portanto, como especializagao do moderno Direito Administrativo, pode ser conceituado como conjunto de principios juridicos que informam e disciplinam as atividades de policia administrativa dentro das competéncias previstas para qualquer dos Poderes do Estado. Abstract: Administrative law of public order This paper analyses the theme of pubile order from the viewpoint of administrative order in general, that is, the normal execution of public services, the regular proceeding of public work and the due exercice of tration functions by constituted authorities. It also focuses on public security, the concepts of administrative police and judiciary police and their position in the Federal Constitution. Key words: public order, public security, administrative police, judiciary police. admin O Aljeres, Belo Horizonte, 13 (47) 13-35, outubro/dezembro 1997

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