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Equipe:

Adriele Silva de Oliveira


Ernângela Coelho da Silva
Fernanda Costa Mendonça
Hikaro Jorge da Silva Vieira
Kaype Luiz da Silva

A Psicologia Jurídica no Brasil


O início da psicologia jurídica no Brasil não tem apenas um único marco
histórico. A história da atuação de psicólogos brasileiros na área da Psicologia
Jurídica tem seu início no reconhecimento da profissão, na década de 1960. A
inserção no campo jurídico ocorreu de maneira paulatina, em decorrência
disso, muitos dos trabalhos iniciais foram trabalhos voluntários. Os trabalhos
iniciais se deram na área criminal, com foco em casos de adultos criminosos e
adolescentes que cometeram atos infracionais.
O trabalho do psicólogo junto ao sistema penitenciário existe, ainda que não
oficialmente, em alguns estados brasileiros há pelo menos 40 anos. Contudo,
foi a partir da promulgação da Lei de Execução Penal (Lei Federal nº 7.210/84),
que o psicólogo passou a ser reconhecido legalmente pela instituição
penitenciária (Fernandes, 1998). A psicologia na área jurídica lutou e se
desenvolveu durante muitos anos para se ampliar dessa maneira. E foi fruto do
trabalho árduo de muitos profissionais que acreditaram que poderiam contribuir
para melhorar a qualidade de vida de tanta gente que necessitava naquele
momento.
No Brasil atualmente se vê um reconhecimento atual pela qualidade e eficácia
do trabalho psicológico no meio jurídico. Mas para chegar ao verdadeiro
reconhecimento que vem sendo construído o psicólogo aceitou uma posição
inicialmente meramente técnica. Posição essa que pôde se desenvolver e
crescer conforme a necessidade da demanda e confiança estabelecida na
profissão.
Assim é possível perceber que para a Psicologia como profissão nessa área
ser reconhecidamente valorizada foi preciso muito empenho voluntário de
demonstração do trabalho e ainda um esforço jurídico para que garantisse
assim o direito de poder trabalhar oficialmente com seu cargo, salário e
dignidade garantida como profissional.
Entrevista
Psicóloga: Amanda Livia de Lima Cavalcante - CRP 11/11028
Como iniciou a trajetória nessa área?
Então, primeiro contextualizando o que é a psicologia jurídica, a literatura vem
trazer de maneira geral, que a psi jurídica é o campo da psi que vai agregar os
profissionais que vão se dedicar a essa interação psicologia e direito. nesse
sentido a gente pensa o quanto é importante a interdisciplinaridade. a
psicologia é convocada a participar dos processos jurídicos numa perspectiva,
ainda né, no início voltada para as questões individuais, avaliações, afeição de
periculosidade, psicopatologias. Mas atualmente a gente costuma falar, um ator
muito legal, que é o Sarafian e o Safim, que eles vão dizer que o estudo da psi
no direito não se restringe apenas ao comp decorrente de um adoecimento
mental, na criminalidade, porque no começo estamos muito inserido para a
construção de laudos e diagnósticos, mas a psi jurídica é o estudo das relações
psicossociais enquanto fatores existentes e influentes, tanto da realidade
social, quanto do espaço jurídico. Vai ser esse campo que vai pensar, refletir,
os impactos das questões jurídicas na vida desse sujeito que é biopsicossocial,
que não é só individualizado, mas construído sócio historicamente.

Práxis da Psicologia Jurídica?


Então a gente pode falar que a práxis da psi jurídica ela vai estar relacionada
ao contexto de o psicólogo colocar o conhecimento dele a disposição do
sistema de justiça, e o juiz, operadores do direito eles vão fazer o papel de
julgar cada situação. Uma coisa muito importante é que o psicólogo vai ajudar
a trazer aos autos do processo uma realidade que muitas vezes é passada
despercebida, porque os operadores de direito, por ser o objeto de estudos
deles, estão muito focados nos autos, na realidade relacionada a lei,
materialidade, e a psicologia jurídica ultrapassa a letalidade da lei, que a gente
costuma dizer que não chegaria ao conhecimento deles, se não fosse por meio
desses profissionais, que a gente pode trazer não só o psi jurídico, mas o
assistente social que é um outro profissional importantíssimo nesse contexto
multidisciplinar.

Papel da Psicologia Jurídica com o Direito?


É importante trazermos a análise vai interpretar, intercorrer a complexidade da
emocional, a estrutura da personalidade, das relações familiares e das
repercussões desses aspectos que vão se apresentar nos contextos judiciais,
jurídicos, dessa interação do indivíduo com o ambiente que ele está inserido.
Falando de uma forma mais próxima sobre a construção epistemológica da
psicologia jurídica, a gente costuma dizer, que se incide a contribuir a partir do
século XX, nos EUA, onde é fundada em 1969, a sociedade americana de psi
jurídica, onde éramos convocados a estar nos depoimentos dos tribunais,
chamadas como testemunhas peritas. O que que era isso? Nada mais que o
profissional que ia fazer um laudo pericial psicológico para contribuir com os
depoimentos das testemunhas, das vítimas, dentro dos contextos de conflitos.
E daí surge a definição de psicologia jurídica e forense, que foi muito
consolidada nos Estados Unidos. Essa definição da psi forense marca a psi
jurídica porque é atuação do psicólogo nos fóruns, voltados aos fóruns. Desde
o início nós estávamos muito voltados para as questões de avaliações de
delinquência, mais próximas às questões juvenis, responsabilidade criminal,
inimputabilidade penal, que é uma categoria jurídica muito importante, que
trabalhamos a partir da psicopatologia jurídica.
O que é essa inimputabilidade?
Nós vamos ter categorias jurídicas: imputabilidade e inimputabilidade
● A imputabilidade é quando o sujeito para o direito tem consciência e se
autodetermina, sabe o que está fazendo. Ele cometeu o delito e não
tinha nenhuma questão de saúde mental que viesse a prejudicar sua
autodeterminação.
● Já a inimputabilidade é quando o sujeito tem algum adoecimento
psíquico ou ele está em condição peculiar de desenvolvimento, no caso
de criança e adolescente. No caso, ele passa por uma perícia
psicológica tanto com médicos, quanto psicólogos, para que esse laudo
atesta esse transtorno psicológico, esse adoecimento psíquico. E aí eles
não vão ser responsabilizados iguais as outras pessoas.. eles podem ter
uma medida de segurança, um tratamento ambulatorial, porque estão
em uma condição psíquica diferente das demais. Então é uma forma do
direito de trazer uma equidade para a aplicação das penas.
● No caso dos adolescentes essa inimputabilidade é correspondida por
meio do estatuto da criança e do adolescentes, portanto,
responsabilizados diferente dos adultos, e a forma é por meio de
medidas socioeducativas
Estou te trazendo isso, porque foi um histórico onde começamos a nos inserir
na prática. a psi juridica da forma mais abrangente do psicólogo não só no
fórum, mas que se consolida no sistema de justiça como um todo. Então hoje
temos psis jurídicos que atuam na assistência social, nos fóruns, defensoria
pública, ministério público, em contextos de violência e tudo isso tem uma
relação, implicação com a justiça.
Aqui no Brasil a profissão vai ser sistematizada, instituída a partir da LEP (Lei
de execuções penais), que foi criada em 1984 7.210 - considera importante o
trabalho do psicólogo jurídico no sistema prisional. Antes disso já estávamos
trabalhando, mas de forma voluntária, muito próximo do psiquiatra, e com
trabalhos com adolescentes em conflitos com a lei, mas sempre nessa
perspectiva da avaliação psicológica. então nesse período a psicologia ela é
identificada exatamente como teatrólogos, e que é uma crítica que fazemos
hoje, porque o nosso papel no sistema de justiça não é de avaliação
psicológica. Então, o nosso trabalho é muito mais abrangente do que fazer uma
avaliação. O trabalho do psi jurídico, como perito, que é quem faz a avaliação é
muito importante, mas ele é convocado de forma específica, então quando a
gente vai trabalhar no sistema prisional, o nosso trabalho precisa ser muito
abrangente, voltado pras questões de responsabilização, reinserção social,
projeto de vida, a própria relação do sujeito com o aprisionamento, e isso tanto
na esfera de adultos, quanto de jovens em medidas socioeducativas.
Entrada dos psicólogos jurídicos no sistema prisional ?
Sobre a nossa entrada como psicólogos jurídicos no sistema prisional, a nossa
atuação é muito voltada para duas frentes: exames criminológicos e os exames
de prognóstico de reincidência. E essas duas frentes já foram criticadas e
rebatidas pelo conselho federal de psicologia que não nos autoriza a fazer
exame criminológico e nem prognóstico de reincidência. Porquê? Porque não é
o nosso papel estarmos aferindo questões de periculosidade, não é o nosso
papel estarmos trabalhando nesse quesito determinista do binômio delito-
delinquente, numa perspectiva muitas vezes de julgamento.. o papel de julgar é
sempre do operador do direito. Então o conselho bate de frente com esses
vieses que muitas vezes são reducionista, patologizantes e criminalizantes, que
a gente sabe que a realidade brasileira é uma realidade muito complexa
quando a gente fala de violência, então a violência não se incide (e assim como
a responsabilização penal) ela não se incide de maneira igual para todos
aqueles que cometem crimes. No brasil, a gente tem uma grande massa
carcerária que é perpetrada, que é construída a partir de um recorte de raça,
classe e gênero, onde a gente vai trazer isso como olhar interseccional de que
geralmente as pessoas mais criminalizadas são negras, pobres e moradoras
da periferia e que esse muitas vezes isso é um projeto político de estrutura de
como o brasil se organiza para continuar criminalizando determinadas pessoas.
Então, nós temos que ter um olhar muito crítico dentro dessas perspectivas e
estar nesses espaços somente como alguém que vai aplicar um teste
psicológico, que vai aferir periculosidade não faz parte do nosso compromisso
ético.
Resoluções do CRP para prática da Psicologia Jurídica
Tem algumas resoluções que eu acho importante vocês darem uma olhada, eu
vou citar aqui. Vocês encontram facilmente no site do conselho federal de
psicologia no próprio google. Tem a resolução 008 de 2010 que fala da atuação
do psicólogo como perito e assistente técnico no poder judiciário, que aí vai
fazer a diferença do que é um perito do que é um assistente técnico e quando
nós somos convocados para essa área. A resolução 009 de 2010 que vai falar
da atuação do psicólogo no sistema prisional, uma coisa importante é que essa
resolução ela vem trazer sobre a orientação técnica de como deve ser a
atuação do psicólogo no sistema prisional e aí vai trazer bem essa discussão
sobre os exames criminológicos que eu estou te falando. A resolução 010 de
2010 que vai falar sobre a escuta psicológica de crianças e adolescentes. E
uma resolução muito muito importante que é a 006 de 2019 que vai falar sobre
elaboração de documentos psicológicos, essa é muito importante porque ela
vai falar sobre o que é um relatório, o que é um laudo, o que é um parecer, o
que é um atestado, o que é uma declaração e vai explicar quando utilizar esses
documentos

A Psicologia jurídica hoje ela se encontra bem mais sedimentada que


anteriormente, então a gente ver muitos profissionais que já se intitulam como
psicólogos jurídicos porque às vezes tinha muito essa relação do psicólogo
com a justiça mas não havia muito essa identificação, então hoje eu percebo
que há um movimento, inclusive do próprio conselho de organizar melhor o que
que faz esse profissional nessa relação com a justiça, quais são as questões
éticas, o que fazer, enfim. A partir também dessas orientações e resoluções
que eu citei. Nós temos também profissionais que já estão atuando em
diversas áreas, então a gente tem psicólogos na defensoria pública que é um
órgão muito importante de acesso à justiça de forma gratuita para a população,
no próprio ministério público, na assistência social, no sistema socioeducativo.
Então a gente já percebe que há uma grande disseminação desse profissional
nas diversas áreas das políticas públicas e do Estado. Geralmente as pessoas
conseguem estar nessa área por meio de seleção pública ou por meio de
contratos via clt, ou seleção pública como eu falei.. Concurso público também é
algo, mas aqui no Ceará um pouco defasado, então a gente tem concurso sim
para o tribunal de justiça, a gente tem concursos em outros estados para as
defensorias, para o ministério público, Inclusive saiu um recentemente para o
ministério público da união e aí é tá atento, eu costumo dizer que para você se
tornar psicólogo jurídico você precisa se inserir nesses contextos, estudar
bastante essa relação da psicologia com o direito. Se possível faz uma pós
graduação mas não é algo também que seja um pré requisito, o próprio
conselho ele tem provas de títulos, então você pode ter uma especialização por
meio do conselho de psicologia. Então digamos que você atua a mais de 5
anos na área da psicologia jurídica, comprovado e tudo mais, você pode
solicitar ao conselho que ele faça lá.. você vai fazer uma prova de
especialidade e você pode se tornar especialista nesse sentido
Trajetória Profissional
Bom, na minha trajetória profissional enquanto psicóloga jurídica, a minha área
de atuação foi voltada para adolescentes em conflito com a lei. Então eu atuei
no sistema socioeducativo onde os adolescentes estavam privados de
liberdade e a minha pesquisa de mestrado (que vocês podem dar uma olhada)
vou mandar aqui pra vocês, foi sobre a produção do sentido do processo de
responsabilização juvenil, então eu quis entender como é que os adolescentes
compreendem aquela responsabilização jurídica, mas não só no âmbito jurídico
mas como é, qual o sentido que eles atribuiam a essa responsabilização na
vida deles. Então eu entrevistei alguns jovens que estavam no sistema
socioeducativo, tanto em meio aberto como em meio fechado e aí identifiquei
esses sentidos. Dentro dessa estrutura os sentidos que a gente percebia que
os adolescentes associavam era muito o sentido da punição, o sentido que é
muito vendido socialmente. Então a gente percebeu que a ideia central das
responsabilização juvenil que é as questões pedagógicas, que são as questões
de projeto de vida, que essa autoconscientização, a reconstrução da cidadania,
elas acabavam se perdendo pela forma como o próprio sistema
estruturalmente se organizava que era muito nessa perspectiva da violência, da
violação de direitos, de punições muito severas, deixando assim um pouco de
lado o aspecto pedagógico
Medidas Socioeducativas
Só pra situar, quando eu falo das medidas socioeducativas eu tô falando do:
eca. O eca vai definir que a partir dos 12 anos de idade qualquer adolescente
que cometa um ato infracional ele pode ser responsabilizado juridicamente. A
gente vai ter medidas socioeducativas em meio aberto e meio fechado (meio
aberto é aquelas que o adolescente não tem sua liberdade privada, então ele
responde em liberdade e aí a gente vai ter a prestação de serviço à
comunidade que é quando o adolescente vai fazer uma atividade voluntária
numa instituição por um determinado período de tempo que sempre é definido
pelo juiz ou a liberdade assistida, que é quando ele também passa determinado
período de tempo sendo acompanhado pela equipe técnica do centro de
referência especializado da assistência social- CREAS). No eca o processo de
responsabilização jurídica do adolescente ele vai de 6 meses a no máximo 3
anos, então o período máximo que ele pode ser privado de liberdade ou que
ele pode ser acompanhado nessas medidas em meio aberto. A gente vai ter
tbm a advertência, que já é uma medida bem mais branda, que é chamada
juridicamente de admoestação verbal (que é quando o jovem vai para
audiência e o juiz adverte ele e faz isso por escrito, coloca essa advertência
nos autos, mas essa já é praticamente a sanção dele) e a gente vai ter a
semiliberdade, que é quando o adolescente fica a semana no centro
socioeducativo privado de liberdade e vai no fds pra casa. A aplicação da
medida sócio educativa ela vai depender de alguns critérios: capacidade desse
adolescente cumprir aquela situação, as circunstâncias em que se deu o ato
infracional e a complexidade/gravidade desse ato. Então, não é por qualquer
ato infracional que esse jovem vai ser privado de liberdade. Então, essa
medida também é aplicada considerando a gravidade do ato infracional.
Eu queria destacar uma atividade pra vcs muito legal, uma intervenção que eu
construí quando trabalhava no sistema socioeducativo que foi sobre projetivo
de vida. Quando os adolescente estão privados de liberdade (o Sinase) ele
prevê que a responsabilização desse adolescente deve ser pedagógica, tem
que priorizar a construção ou reconstrução de projeto de vida, então esse
adolescente precisa passar por um processo de conscientização sobre o que
ele fez, sobre a realidade que ele se encontra (é importante a gente não olhar
pra essa violência cometida apenas como um ato individual), muitas das vezes
esse jovem já tem um histórico de violência na sua história de vida, violência
estrutural, ou seja, eles não têm acesso aos direitos fundamentais/básicos, eles
passam a ser vistos socialmente quando eles cometem o ato infracional. Já
atendi diversos jovens/adolescentes que tiveram a oportunidade de conversar
com um profissional da psicologia só quando estava no sistema
socioeducativo, que tiveram a oportunidade de ter acesso à cultura, lazer, as
questões de profissionalização no sistema socioeducativo. Então, essa é uma
questão muito importante para nós psicólogos analisarmos criticamente o
contexto sócio-histórico que esse sujeito está inserido. Uma coisa muito
importante que eu acabei não falando no começo é que a psicologia jurídica ela
hoje está muito alinhada a psicologia social, então as mesmas bases
teóricas/epistemológicas/visão de mundo/autores eles estão muito próximos da
psicologia social. Diferente de como a gente se construiu no começo, em que a
gente estava muito mais próximo de uma psicologia clínica. Então, a psicologia
jurídica precisa compreender os aspectos sócio-históricos em que esse sujeito
está inserido e a própria produção da criminalidade (quando eu falo produção
da criminalidade eu tô dizendo que essa sociedade ela produz o que é crime ou
não) e que nesse sentido esses sujeitos também acabam sendo engolidos
nessa produção social.

Bom, falando sobre essa intervenção, quando eu comecei o trabalho algo que
me angustiava muito era que eu via que os profissionais estavam muito
imersos a produção de relatórios (que é importante, esses relatórios que a
gente produz são para avaliação, pro juíz avaliar o desenvolvimento da medida
socioeducativa, mas que eu percebia que tava muito focada no bom
comportamento e no juízo de valor) e as questões de vida, de fazer essas
reflexões/problematizações elas ficavam um pouco perdidas. Então eu construí
uma intervenção que inclusive virou capítulo de um livro (vou buscar pra vocês
darem uma lida) e que nessa intervenção a gente trabalhou passado, presente
e futuro. Tínhamos um atendimento inicial, fazíamos uma espécie de
anamnese, uma entrevista inicial com ele (perguntando vários aspectos da
família, da sociedade, da comunidade, dele individualmente, de saúde, questão
da assistência social, escola) pra gente conhecer ele de maneira geral e
explicava como seria a intervenção. No segundo momento, a gente fazia o
passado, então ali ele contava a história de vida dele (de onde ele lembra até a
chegada dele no serviço socioeducativo) e aí a gente utilizava jornais, revistas,
pintura (uma forma bem lúdica) para que ele pudesse expressar para além da
fala como é que ele se via/como via a história de vida dele, pedi pra ele
construir algo que a gente intitulava “álbum de memórias”. Neste álbum de
memórias ele ia contando da forma como ele quisesse a história de vida dele.
A gente ia fazendo as devidas problematizações, com ele sobre isso. Na etapa
do presente, a gente trabalhou as questões do aqui e agora, como é que ele se
sentia na medida socioeducativa, privado de liberdade, longe da família o que
ele pensava sobre aquele momento que ele tava vivendo e aí a gente construía
algumas frases incompletas que a gente nomeou de “sentenças incompletas”
pra ele ir completando. Essas frases iam depender do adolescente, do
contexto, das coisas que a gente já tinha percebido no primeiro e segundo
atendimento. Mas a ideia central era trabalhar o aqui e agora. No terceiro
atendimento, a gente trabalha o futuro. Aí a gente trabalhava o que ele
pensava sobre o futuro dele. Percebia-se que eles tinham muita dificuldade de
falar sobre mercado de trabalho, sobre profissão, quando eles traziam esse
repertório era um repertório voltado para profissões precarizadas e aí a gente
imprimiu diversas imagens de profissões, tanto profissões formais quanto
profissões mais informais e a gente pedia para eles escolherem três que eles
gostavam e três que eles não gostavam. E aí a gente discutia o porquê deles
escolherem ou não também. Porque a não escolha também é importante para
a gente trabalhar. E não só trabalhávamos isso, a gente construía uma espécie
de passo a passo com ele de que o que ele precisava fazer para que pudesse
chegar até essa profissão. Então a gente ia simbolicamente construindo o
futuro dele junto com ele. Em todas essas intervenções para nós era muito
importante que o adolescente fosse autor, disse o protagonista. Então, não era
eu que ia lá dizer o que ele precisava fazer, era coletiva mesmo. E aí a gente ia
trabalhando questões de risco, de apoio, que ele precisa pedir ajuda, como ele
poderia organizar a rotina dele. A gente tbm ia trazendo uma concretude para
aquele planejamento e no final a gente fazia uma espécie de devolutiva.
Tivemos feedbacks muito positivos, quando eles estavam perto de sair eles
levavam esse planejamento, e aí nosso trabalho já era fazer as devidas
articulações com a rede. Ele dizia que queria ir pra escola tal, então a gente já
entrava em contato com o setor de pedagogia pra gente fazer a articulação
com a escola pra fazer a matrícula para quando ele já saísse.

Maiores dificuldades na carreira


Olha, eu acho que as maiores dificuldades que eu enfrentei são as dificuldades
estruturais, né? Essas que muitas vezes o nosso trabalho, ele não dá conta,
então a gente entende que a violência é estrutural, que muitas vezes aí a gente
encontra diversas dificuldades territoriais, né? Que às vezes o adolescente não
conseguia ter acesso à escola por questões de Então, ah, não vou para a
escola porque se eu for para outro bairro eu vou morrer, né? As próprias
questões de não acesso a direitos fundamentais dessa família, então famílias
que também estavam em situação de vulnerabilidade e violência e a própria
precarização da vida, né? Que não vai se resolver apenas com um desejo
individual dele mudar de vida, porque muitas vezes o que a sociedade coloca é
esse viés meritocrático, não. E a transformação social, a mudança de vida, a
verdadeira ressocialização, ela está associada ao sistema político. A Coma
Sociedade também oferece possibilidades reais e oportunidades para esses
meninos saírem da situação de criminalidade. Então acho que o maior desafio
era esse, né? Eu também tive muitos desafios, porque na época que eu
trabalhei no Ceará, ele estava vivendo uma grande situação de superlotação
no sistema social educativo, muitas rebeliões, muitas situações críticas de
violência, né? Então no Ceará, ele foi notificado pela Corte Interamericana de
Direitos Humanos, processado por conta de violência contra os adolescentes
privados de liberdade. Então esses desafios que são mais estruturais eram os
que eu mais encontrava. Alguns desafios também, de outros profissionais, não.
Entenderem qual é o nosso papel. Então acharem que a gente vai estar lá
fazendo clínica, vai estar fazendo atendimento individualizado, vai estar ali
fazendo, trabalhando a partir dessa perspectiva de olhar pra esse menino de
uma forma que, ai, vamos ver se ele é perigoso, se ele é psicopata. A história
do diagnóstico sabe que é uma coisa que a justiça e os operadores do direito,
por não compreenderem qual é o nosso papel ético com psicólogos, né? E aí a
gente precisa marcar muito bem, olha, isso não é ético, eu não posso fazer
isso. E tá muito alinhado nisso, né? Então acho que esses eram os maiores
desafios que eu enfrentava. De nenhuma maneira eu enfrentei desafios
diretamente com os meninos, né? Por contrário, eles sempre foram a parte
mais fácil de se trabalhar, porque eles sempre foram muito acessíveis, sempre
estavam abertos e disponíveis. Para passar por esse processo de
desenvolvimento, sabe?

Principais demandas do Psicólogo Jurídico


As principais demandas do psicólogo jurídico vão depender do local onde ele
está trabalhando. Então essas que eu te falei, eram as principais demandas
que eu trabalhava. E aí eu oriento que vocês possam dar uma olhada no ECA
e no CINASE. E tem um documento também do Conselho de Psicologia, que
vai falar sobre o trabalho do psicólogo no sistema socioeducativo. Porque aí vai
dizer sobre como é que a gente precisa atuar. Tá certo? Mas vai depender da
área. Se eu vou trabalhar com famílias, a maior demanda pode ser as questões
de guarda, de adoção. Se eu vou trabalhar em contexto de violência doméstica,
então as principais demandas vão ser o atendimento às mulheres que estão
nessa situação. Então vai depender da onde a gente está trabalhando.

Laudo
Uma coisa que eu acho muito importante aqui laudo só é feito certo por meio
de uma avaliação psicológica e a avaliação psicológica ela é no caso a perícia
não vamos fazer perícia em todos os contextos da psicologia jurídica
profissional que faz a perícia ele é um profissional específico então ele vai lá se
coloca à disposição do tribunal de justiça ele fica numa lista que tem uma lista
lá de vários profissionais que se cadastram e quando o juiz ele quer uma prova
técnica ele solicita uma perícia certo e aí sim a gente vai construir um aluno
nesses outros contextos a gente faz relatórios multidisciplinar relatório
psicológico tá certo.

DIficuldades de diálogo
Olha, sobre as dificuldades de diálogo, a maior dificuldade que eu vejo ainda é
um pouco da não compreensão do que faz o psicólogo nesse lugar, que às
vezes os operadores do direito, por terem uma visão um pouco do senso
comum, apesar disso já está melhorando bastante, né, porque inclusive em
algumas instituições aqui na UFM, por exemplo, os alunos têm a disciplina de
psicologia jurídica e eu acho que é importante porque isso no direito, certo?
Porque isso vai trazendo uma compreensão maior do que faz o psicólogo, né, e
vai nos ajudando a sair um pouco do senso comum e da superficialidade, mas
pela minha prática profissional a maior dificuldade era essa de compreender o
que nós fazemos, né, então tem algumas solicitações que não nos cabe, como
por exemplo, a gente não pode estar fazendo relatório, como eu já falei, que vai
aferir periculosidade, que vai dar. Diagnósticos que vão determinar o sujeito,
né? Então, esses documentos que são muito padronizados de sim ou não, de
inquirir o sujeito, de criar um provo técnico, isso não é ético da nossa parte, né?
Então, um pouco dessa dificuldade de compreender o que realmente faz o
psicólogo, que eu acho que é um trabalho nosso também, porque às vezes os
próprios pro fúngicos de psicologia não sabem o que vão fazer naquela área e
por ter uma representação social de que os operadores do direito, eles estão
num certo lugar de poder em relação a nós, é possível que alguns profissionais
sejam instrumentalizados por esses profissionais do direito e a gente acaba
desviando funções e acabe cedendo e fazendo coisas que não deveríamos
fazer. Por isso, a importância de estarmos alinhados ao que o Conselho
Federal de Psicologia fala, qualquer dúvida, sempre perguntar ao Conselho,
estar alinhado às orientações e as resoluções do Conselho. O próprio código
de ética para a gente se alinhar bastante a isso.
Referências
https://www.scielo.br/j/estpsi/a/NrH5sNNptd4mdxy6sS9yCMM/?
format=pdf&lang=pt#:~:text=A%20hist%C3%B3ria%20da%20atua
%C3%A7%C3%A3o%20de,por%20meio%20de%20trabalhos%20volunt
%C3%A1rios.
https://www.nucleodoconhecimento.com.br/psicologia/psicologia-juridica

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