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TROCANDO AS LENTES Um novo foco sobre o crime e a justiga HOWARD ZEHR Tradugio de Tonia Van Acke: Titulo original: Changing Lenses ~ A New Focus for Crime and Justice © 2005 by Herald Press, Scoitdae, Pa. 15683 Primeiraedicio 1990 Projeto editorial: Lia Diskin Tradugio: Tonia Van Acker Coordenacio editorial: Daniela Baudouin Projeto grafico e diagramagao: Luclano Pessoa Capa: Fabio Miguez Foto da capa: Craig Spaulding e Howard Zehr Dados Internacionais de Catalogasio na Publicacto (CIP) lira do Livro, SE, Brasil) ab, Howe Trocando as lentes um novo foco Seb o crime ea justica/ Howard Zehr tmaducio de Tonia Van Acker ~ Sto Paulo: Pals Athena, 2008, “iu original: Chanping lenses new focus for erme and use Biblograt ISBN 978.85-60804.05-4 1. Crimes ecriminoss 2, Jstiga criminal - Admunistagio 3, Panigto + gio 5. Vite de crimes. Ttlo 9.02407 cop 340.114 Indies para caalogo sstemaico: 1 JostgnrestauravnDreto 340.114 Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9610 de 19 de Fevereiro de 1998, E proibida a reproducio total ou parcial por quaisquer meios em autorizacio prévia, por escrito, da Edicor, Direitos adquiridos para a lingua portuguesa por Palas Athena Editora Rua Ledncio de Carvalho, 99 ~ sala 1~ Paraiso U 04003-010 Sao Paulo ~ SP ~ Brasil ~ TeVFax: (11) 3289-5426 ‘www palasathena.org.br editora@palasathena.org bt a7 2008 Deus é compaixao e piedade, Lento para a célera e cheio de amor, Deus ndo disputa perpetuamente, E seu rancor ndo dura para sempre. ‘Nunca nos trata conforme nossos pecados, ‘Nem nos devolve segundo nossas faltas. Salmos 103:810, Ba Sumario Prefaicio Parte 1— A experiéncia do crime Capitulo 1 - Uma ilustracio O caso Capitulo 2 ~ A vitima A vivencia Por que tio traumatico? processo de recuperacao Nossa reagdo Capitulo 3 - O ofensor ‘A experiencia da prisao 3 (© que precisa acontecer? © que acontecera? Capitulo 4 - Alguns temas comuns ‘Arrependimento ¢ perdao A questio do poder ‘A mistiicagao do crime 19 19 2+ 25 29 3 33 40 B Parte tt - O paradigma de justica Capitulo 5 ~Justiga retributiva Estabelecimento da culpa A vitoria da justiga ea dor © processo O crime como violagdo da lei Quem € a vitima? Capitulo 6 — Justia como paradigma A importancia do paradigma Aplicando os paradigmas Os paradigmas mudam Parte Ill — Raizes e marcos apitulo 7 Justica comunitaria: a alternativa histérica Justiga comunitaria A opeio retributiva A opcio judicial Uma avaliagto A revoluglo Juridica © papel da let canonica Vitoria da justia do Estado As dimensoes da revolugao juridica Uma mudanca de paradigma a 3 n "4 7 78 81 Bt 86 3 94 or 100 102 103, 105 109 us us Capitulo'8 — O direito da alianca: a alternativa biblica © que diz a Biblia? Shalom: uma visio unificadora ‘Alianga: a base para shalom Shalom e alianca como forgas transformadoras ‘A justiga da alianga Quais as qualidades da justiga divina? Direito da alianca © paradigma biblico Conceitos de justica, biblicos e modernos Um curto-circuito hist6rico Capitulo 9 - vorP, um campo experimental © conceito vor? © que aprendemos Os objetivos sao importantes © vorr como catalisador Parte Iv — Lentes novas Capitulo 10 - Uma lente restaurativa Crime: violagdo de pessoas e relacionamentos Formas de ver 0 crime Restauracio: o objetivo AA justica comeca nas necessidades © crime gera obrigacdes Ofensores também tém necessidades Uma questio de responsabilidade Compreendendo a responsabilidade 120 120 124 126 18 129 130 135 140 143, 146 9 151 154 159 162 167 im 14 175 180 185 188 189 190 O processo deve empoderar e informar ‘A justica envolve rituais Ha lugar para punicao? Duas lentes Visdes de justiga Capitulo 11 - E agora? Possibilidades sistémicas Enquanto isso O novo dentro do antigo No minimo Posficio a primeira edicao ‘Apéndice 1 — Indicadores de justiga restaurativa “Apéndice 2 — A subversdo das visoes ‘Apendice 3 — Sugestses para grupos de estudo Apéndice 4 ~ Ligoes aprendidas com os circulos de sentenciamento e confertncias de grupos familiares Posfacio a terceira edicao Questoes pertinentes as partes interessadas Historia e origens O conceito de justica testaurativa Na pratica Jm modo de vida? Valores Ensaio bibliografico a terceira edicdo 191 196 197 199 199 203 203 210 22 aut 27 29 223 244 257 262 264 266 269 Prefacio Este livro surgiu da minha experiéncia ao longo de varios anos e de leituras e discussdes, sendo mais um trabalho de sintese do que de criagao. Ou seja, resulta das idéias e experincias de intimeras pesso- 5a quem eu devo muito. Elas sao bem mais numerosas do que seria possivel registrar aqui, mas ao menos gostaria de expressar minha gratidao a algumas delas nominalmente. Meu colega canadense Dave Worth, que me incentivou e con- venceut a terminar este livto, ¢ também contribuiu com suas idéias, e sugestoes ‘A Martin Wright, Millard Lind, Alan Kreider e W. HL Allchin, que leram o manuscrito, me ofereceram incentivo para continuar € fizeram muitas sugestdes titeis Aqueles cujas contribuig6es procurei dar reconhecimento neste livto ea muitos que contributram de formas que eu nao seria capaz de citar especificamente. E especialmente a Nils Christie ¢ Herman Olanchi, cujos escritos € discussdes me ajudaram a vislumbrar 0 caminho a seguir. ‘Aos participantes de conferencias e seminarios nos Estados Uni- dos, Canada e Inglaterra, que ouviram ¢ testaram ao longo dos ulti- ‘mos anos as idéias que consignei aqui. As centenas de pessoas envolvidas no movitnento VORP ~ nos Estados Unidos, Canada, Inglaterra e alhures — cuja determinacao exemplo me deram coragem e ancoragem na vida real. ‘Ao Comité Central Menonita dos Estados Unidos (Mennonite Central Committee Us.) que me ofereceu incentivo e espago para de- u senvolver minhas idéias e escrevé-las, H. A. Penner, ex-ditetor do Pro- sgrama MCC-US, me deu especial incentivo ao longo do processo. A John Harding e ao Hampshire Probation Service, que me con- vidaram a visitar a Inglaterra, me acolheram e me ofereceram uma casa onde trabalhar no manuscrito durante mina estada, A Doris Rupe, que providenciou um lugar silencioso para eu escrever enquanto estava longe do meu escritério, “Muitas pessoas ajudaram a dar forma a esse trabalho na verda- de, mais do que as que consegui agradecer aqui. No entanto, neste momento assumo a tesponsabilidade pelo contetido toral, que nao reflete necessariamente a posigao do Comité Central Menonita, onde trabalhei enquanto escrevia, nem de outros que mencionei acima Nos an¢ 1pés o lancamento da presente obra, ela se tornou um classico no campo da justica restaurativa, Por isso, e pelo fato dos rmeus horizontes terem se expandido (mais do que se desenvolvido) em muitas direg6es, ndo mudei o texto para a edigéo de 2005. Ao invés disso, escrevi um novo posfacio que delineia alguns desdobra- rmentos recentes e substitu! a antiga bibliografia por uma nova, Obri- gado a Judah Oudshoom e Jennifer Larson Sawin por suas sugestdes sobre o posficio e a Judah por seu auxilio com a bibliografia Como sustenta a presente obra, a justica restaurativa €, acima de tudo, uma introdugao ao didlogo e ao descobrimento, Espero que vor junte ao crescente néimero de contunidades que empreen- dem essa jornada. Howard Zehr 2 Parte I A experiéncia do crime Capisulo 1 Uma ilustragao Este é um livro que trata de principios ¢ ideais. Ele busca ~ talvez presuncosamente ~ identificar e avaliar alguns dos nossos pressu~ [postos basicos sobre o crime, a justica e o modo como vives em comunidade, Procura esbogar brevemente a forma como viemos 4 adlotar esses pressupostos € sugete algumas alternativas. ‘Tal esforgo envolve abstracoes, sem se limitar a elas. Devemos comecar por entrar na experiéncia real do crime e da justica o mais profundamente possivel. Somente com uma base firme nessa reali- dade é que comegaremos a compreender o que fazemos e por que. E talvez, assim espero, sera possivel identificar 0 que podemos come- ar a fazer de modo diferente. Mas compreender a experincia do crime nao € tarefa facil, € nem todos estamos dispostos a empreendé-la. Enfrentar o signifi- cado de ser uma vitima ou fazer de outra pessoa uma vitima € algo {que desencadeia emocoes intensas que, em geral, assustam € nos fa zem recuar, A menos que terihamos vivenciado o crime diretamente pode ser dificil criar uma empatia total com a situagao. No entanto, € preciso tentar, sabendo que a tentativa sera incompleta e, talvez, dolorosa, Portanto, este livro comeca assim. O caso : HA muitos anos, eu me encontrava na corte de uma pequena cidade ‘norte-americana, sentado ao lado de um réu de dezessete anos. Ha- 15 UMA TLUSTRAGAO vviam pedido a mim e a um colega que preparassemos uma proposta de sentenciamento para submeter a apreciacao do juz. Agora aguar- davamos a sentenca. Uina triste sucessio de eventos € que culminou nessa situagao. Esse jovem (que na época do crime tinha dezesseis anos) usara wma faca para confrontar uma moga num corredor escuro, Durante a hita que se seguiu ela perdeu um olho. Agora a sorte dele seria decidida Embora os detalhes nio tenhiam ficado claros, algo assim parece ter acontecido: O rapaz ~ que vinha de um contexto familiar infliz, onde provavelmente sofria abusos - decidira fugir com sua namo- rada, mas nao tinha o dinheito necessério. Fle nao possufa histérico de violencia, mas a televisdo parece té-lo convencido de que se ele ameagasse alguém, esse alguém daria a ele o dinheiro e o problema estaria resolvido Como vitima ele selecionou uma moga com a qual cruzara na rua ocasionalmente. Varias vezes tentara conversar com ela, mas fora rejeitado. Presumindo que ela estava bem de vida, concluiu que a moga seria uma boa escolha, Esperou no corredor do apartamento dela com uma faca na mao € 0 rosto coberto por uma mascara (ele alegow ter escolhido uma faca pequena de propésito). Quando ela entrou, ele @ agarrou por tris. Mas em vez de passivamente entregar o dinheiro, conforme o rapaz esperava, a moga entrou em panico - como a maiotia de n6s provavelmente faria ~ e comecou a geitar e reagir. A mae do rapaz mencionou mais tarde que ele jamais suportara que The levantassem voz, ¢ que ele tendia a agir de modo irracional quando isso aconte- cia, Talvez isso explique o comportamento dele, pois quando a moca reagiu, cle também entrou em panico, apunhalando-a varias vezes, inclusive no olho. Os dois entao entraram no apartamento dela. Nesse ponto as est6rias do rapaz e da moga comecam a divergir, ela dizendo que ele a manteve cativa, ¢ ele dizendo que tentou ajudé-la € que ela coo: 16 UMA ILvSTRACAO perou, Segundo relatos, na ocasido da pristo ele teria dito: “Eu nao queria fazer isso, eu nao queria fazer isso. Eu néo queria machucar ringuém. Diga a ela que sinto muito”, De qualquer forma, ele foi preso quando 0s dois safam do apartamento. Por fim, fol indiciado e agora aguardava a sentenca Na miniscula corte dessa pequena comunidade ele estava sen~ tado com seu advogado de frente para o juiz. Atras dele estavam ‘os membros de sua familia. Na fila de tris, a familia € parentes da vitima, Dispersos pela sala estavam uns poucos observadores inte- ressados e profissionais de direito criminal. ‘Antes que ele ouvisse a condenaco, apresentei minha proposta de sentenca que pedia por um tempo limitado de privacao de liber- dade, supervisto posterior, ressarcimento vitima, reintegracio & comunidade, aconselhamento, educacao, rotina de vida estruturada ‘eemprego. Foi-lhe perguntado se queria dizer alguma coisa, Ele falou de seu arrependimento pelo que tinha feito, de sua ten- tativa de compreender o que aquilo significava para a moca: “Perce- ‘bo, disse ele, “que causei muito sofrimento, A sta (...[ perdeu uma coisa que nunca ter de volta, Com prazer eu daria meu olho a ela para que pudesse enxergar de novo, Sinto muito pelo que fiz, ¢ peco que ela me perdoe, Nao quero causar nenhur dano a famulia dela no futuro, nao importa quando”, E entdo veto o momento da sentensa. Mas antes do promunciamento da sentenga o juiz enumerou me- todicamente os abjetivos corriqueiros das sentencas: a necessidade de ressarcimento, a necessidade de isolar os ofensores da sociedade, a necessidade de reabilitacao, a necessidade de coibir. Observou, ainda, que & necessério que os ofensores sejam responsabilizados [por suas acoes. (© juiz também examinou a intengdo do rapaz ao cometer 0 crime, Ele havia sido acusado de assalto @ mao armada com intencio __ de matar, O juiz pareceu concordar com a versio do réu de que nao havia intencao de matar no inicio do assalto, Contudo, 0 juiz con- wv UMA TEUNT HAG AG clutu que a intengto havia se formado durante a luta e, portanto, a acusagdo era acertada e grave E entao o juiz pronunciou a sentenca. © rapaz foi condenado a uma pena de 20 a 85 anos de prisio sem possibilidade de condicio- nal ou liberdade por bom comportamento antes do cumprimento da pena minima, Na melhor das hipoteses, ele sairé da pristo com 37 anos de idade. “Espero”, admoestou o juiz ao pronunciar sua sentenga, “que la voce esqueca os padrdes de comportamento que 0 levaram a essa violenta transgressio”. ‘Nao se pode negar a natureza tragica desse caso. Mas € uma tra sgédia que foi logo abstraida para tornar-se um outro tipo de drama Em vez de um confronto tragico entre dois individuos, o procedi- mento legal e a midia o transformaram num crime envolvendo um criminoso e ~ algo lembrado apenas secundariamente ~ uma vitima. (© drama foi travado entre duas abstragdes. © acontecitmento foi mis tificado e mitificado até que as verdadeiras experiéncias ¢ motiva- ‘des desaparecessem, Comecemos, portanto, a desmistificar e desmitificar essa tra- gédia t20 comum. Tentemos desembaracar os meandros dessa vi- vencia, enxergando-a como uma tragédia humana que envolve duas pessoas — pessoas que, em muitos aspectos, se assemelham bastante a nds mestnos, Capital 2 A vitima Nunca estive com a moca do caso narrado acima, A natureza ad- vyersarial do proceso judicial desestimulou esse encontro pelas cir cunstancias do meu envolvimento no caso, ¢ por minha propria davida quanto ao modo de agir. Olltando em retrospectiva, penso que deveria ter arriscado uma tentativa. De qualquer modo, pro- curei projetar, com base nas experiéncias de outras “vitimas", um ppouco do que ela passou A vivéncia Quando ela entrou no corredor de seu apartamento ¢ foi atacada por um homem de mascara com uma faca na mao, ficou aterrorizada Sua primeira reacdo foi de choque € negagio: “Isso ndo pode estar acontecendo comigo”. Algumas vitimas relatam que ficam intcial- ‘mente paralisadas, incapazes de agi. Ela, no entanto, gritou ¢ tentou se livar. A moga disse, depois, que teve certeza de que ia morrer, ‘Uma reagao comum entre as vitimas € 0 que os psicdlogos deno- minaram “aceitagao por pavor paralisante”. Diante de uma situaca0 apavorante ¢ inescapivel, as vitimas de crimes violentos (como, por exemplo, seqiesiros) frequentemente parecem coopera com seus 19 a reagio psicol6- opressores. Em alguns crimes como o estupro, gica natural pode ser interpretada erroreamente durante o processo Judicial como colaboracao voluntaria. Na verdade, entretanto, tal colaboragao se funda no medo. fu dessa forma. Do Ao fim do ataque inicial, a maca de fato reagi ponto de vista do agressor, depois de perceber 0 que tinha feito, ele tentou procurar socorro, Na ética dele, ela cooperou. Mas, na ver- dade, ela estava com medo, sentia-se totalmente a mercé dele, ¢ por isso procurou cooperar e acalma-lo como pode Durante a fase do “impacto” inicial, portanto, as reagdes dela foram iguais & da maioria das vitimas: viu-se tomada por sentimentos de confusio, impotencia, pavor e vulnerabilidade. Estas emogdes a acompanharam por algumas semanas, embora com menor intensida- de. Contudo, novas e intensas emocées surgiram: raiva, culpa, sus- peita, depressio, ausencia de sentido, dividas e arrependimento. Durante essa fase de “retracao” ela hutou para se ajustar € passou ppor violentas variagées de humor. Havia dias em que parecia ter reco- brado sua animacao costumeita, seu otimismo, que em seguida eram, substitutdos por depressio profunda e/ou raiva. Ela passou a suspei- tranhos, ¢ a se assustar facilmente tar dos outros, especialmente ‘Comecou a ter sonhos vividos e assustadores e fantasias que nao Ihe eram préprias e que iam contra seus valores. Ela fantasiava, por exemplo, que estava se vingando cruelmente da pessoa que Ibe tinha causado mal. Pelo fato disso ser contratio aos seus valores, senitia ansiedade e culpa. Acordada, muitas vezes tepassava mentalmente 0 ocorrido € também suas reagoes, imaginando por que teria reagido daquela forma e 0 que poderia ter feito de modo diferente Como a maioria das vitimas de crimes, ela hutou com sentimen- tos de vergonha e culpa. Repetidamente se perguntava por que aqui- lo tinha acontecido com ela, por que tinha reagido daquele modo € se poderia ter agido de outra forma, sentindo-se tentada a concluir que tudo aquilo era de algum modo culpa sua. Se ela nao tivesse 20 a voTEMA esnobado o rapaz das vezes que ele tentara falar com ela... Se ela nao tivesse safdo naquela noite... Talez isto fosse uma punicdo por algo ‘que fizera no pasado, Ela sempre lutard com o medo e com a sensagao de vulnerabi- lidade ¢ impoténcia. Alguém assumit 0 controle deixando-a impo- tente e vulneravel e sera dificil reconquistar a confianga de sentir-se segura ¢ no controle da situacao, Junto com essa luta interior ela es- tard tentando recobrar a confianga nos outros, no mundo. Ela e seu mundo foram violados por alguém, ¢ a sensacio de estar a vontade Com as pessoas, com sua casa, sua vizinhanga e com seu mundo sera dificil de resgatar, A maioria das vitimas sente muita raiva da pessoa que cometeu ©ato, dos outros que deveriam ter evitado isso e de Deus que permi- ti que acontecesse, Essa intensa raiva podera contradizer os valores que professam, agravando o sentimento de culpa, Para uma pessoa religiosa, uma experiéncia assim muitas vezes provoca uma crise de fe. Por que isso aconteceu? © que fiz para merecé-lo? Como pode um Deus justo e bom deixar que isso acontecesse? A falta de uma Tesposta satisfatoria a essas perguntas pode levar a uma profunda crise de crenga religiosa Durante as semanas que se seguiram ao assalto essa jovem Iutou Para se adaptar a sua nova situacio. Em parte ela lamentava uma perda, a perda de seu olho, de sua inocéncia. Ela buscou formas de {dar com as novas e intensas emogoes de raiva, culpa e vulnerabili- dade. E precisou reajustar sua visto de mundo e de si mesma, Hoje la vé o mundo como um lugar potencialmente perigoso que a trait; ‘fo mais Ihe parece o ambiente confortavel e previsivel do passado Ela se vé como tendo sido inocente, e sente que precisa parar de ser {to “boazinha” e confiante, Diante destes novos sentimentos, ela in- lusive comecou a reajustar sua auto-imagem, Emibora antes se visse Como um individuo amoroso, voltado para o cuidado dos outros e _ Para as pessoas em geral, esta icéia de si mesma foi destruida E seus amigos? au A virima Com um pouco de sorte ela teria amigos, companheitos de fé e de trabalho e vizinhos que a procurassem, Ela precisava de pessoas que aceitassem seus sentimentos, independente de compreensio e julgamento, ¢ que estivessem dispostas a ouvir sua historia repetidas vvezes. Precisava de amigos que a ajudassem a nao sentir culpa pelo que aconteceu ou pela forma como reagiu, e que oferecessem apoio € ajuda sem paternalismo* Mas para sua infelicidade os amigos procuraram evitar 0 assunto. Logo se cansaram de ouvir essa historia e acharam que ela precisava esquecer ¢ tocar a bola para frente. A aconselharam a nao sentir raiva sugeriram, de varias maneiras, que ela contribuiu com 0 acontecido — que ela foi em parte culpada. Sugeriram que os fatos foram de certa forma a vontade de Deus. Talvez ela estivesse precisando ser punida por alguma coisa. Talvez Deus teniha feito isto para o bem dela. Talvez Deus estivesse tentado ensinarthe algo. Tais sugest6es aumentaram sua tendéncia de culpar a si mesma e questionar sua fé Essas reagdes por parte de amigos ¢ conhecidos sao exemplos do que os psicélogos chamam de “vitimizacao secundaria”. Quando ou- vvimos o relato de um crime, quando escutamos a vitima contar sua historia, também nés vivenciamos a dor que gostariamos de evita. 2 Charlo Hullinger, o-fandadorn da Parents of Murdered Chidren, ela prépra una ‘rma, enicou quate modos com os amigos tendem a reagi diame de ura vii CO salvador: O medo iz com qu ein uma decks rp, Em vex de ox le fz sugestes incentive adependencia,Senese desconforvel em detara itma des ‘er pesos sotendo e seni empotenes, portant cuer solucona as cols rpidament, 0 ajudante hos © medo o toma agressive, Ee talvez culpe a vitma, Fala emitndo ul xmentos e procra dstancarse da via, Como sente edo, alga Que tl cosa nao teria ‘scomteida com ee © ajudane impotente: tomado pelo medo, Seats to maou ploe do que wim, eas ‘no cuve realmente, Poderafzer a itma sents to ral que esta far com pena daquele ue ex tentando ajuda. © ajudante posi: Essa pessoa et consents e rconbece o med, Encara a valnesb dade, ouve sm julgare sabe fszer as cokss no momento sproprado. Tal ajudante poder dizer coisas do tipo: "Voc deve eta esentindo muito malo "Vai eva tempo of Nook fee o cen ou "Deve ser hore”. Em outaspalavs, dao a vtina permis para falar sem ier espeticamence como devem fl, 22 Entdo procuramos fugir do assunto ¢ estabelecer culpas. Afinal, se conseguirmos localizar a causa do problema em algo que a vitima € ou fez, nos distanciaremos de sua situacdo. Conseguiremos acreditar que tal coisa nao acontecera a nés. Isto nos faz sentit mais seguros, Portanto, ela teve que lutar pelo direito de lamentar sua per- da, Como seus amigos mais proximos (inclusive, talvez, o namorado) sofreram com ela, um estresse adicional foi causado pelo fato de que cada um deles lamentou de modo diferente e expressou menos abertamente seus sentimentos. Sabemos, por exemplo, que o indice de divorcios entre os pais de criancas assassinadas € alto, em parte porque os parceiros choram a perda de modo diferente e tém formas distintas de se adaptarem. Essas diferencas, se ndo identificadas compreendidas, podem afastar as pessoas. Acexperiéncia de ser vitima de um crime pode ser muito inten- sa, afetando todas as areas da vida. No caso desta moga afetou seu sono, seu apetite ¢ sua satide. Ela recorreu a drogas e bebidas alco- Olicas para agientar. Os custos do tratamento foram muito pesados. Seu desempenho no trabalho caiu. Varias experiéncias e eventos continuaram a levé-la de volta a lembrancas dolorosas. Se ela fosse casada, seu casamento poderia ter sofrido, Sew interesse sexual € comportamento poderiam ter sido afetados. Para as vitimas de cri- mes, os efeitos colaterais so muitas vezes bastante traumaticos e de longo aleance. Nao € dificil reconhecer a amplitude e intensidade da experi- {ncia do crime no caso de um ataque violento como este, unas para pessoas que nao foram vitimas nao facil avaliar a dimensto total da crise, O que ignoramos € que as vitimas de agressdes menos graves podem ter reagdes semelhantes. Ao descrever suas experiéncias, as vitimas de furto muitas vezes tém um discurso semelhante as vitimas de estupro. Vitimas de vandalismo ¢ furto de carro relatam muitas reagdes semelhantes as de vitimas de assalto, embora, talvez, de for- gpa menos intensa 23 Por que tao traumatico? Qual o porque dessas reagdes? Por que o crime € tio devastador, tao dificil de superar? Porque o crime € essencialmente uma violacdo: uma violagto do ser, uma dessacralizacio daquilo que somos, daqui- lo em que acreditamos, de nosso espaco privado. O crime ¢ devasta- dor porque perturba dois pressupostos fundamentais sobre os quais caleamos nossa vida: a crenca de que o mundo ¢ um lugar ordenado € dotado de significado, e a crenga na autonomia pessoal. Esses dois DPressupostos so essenciais para a inteireza do nosso ser. A maioria de nds supde que 0 mundo (ao menos a parte do mundo na qual vivemos) € um lugar ordenado, previsivel e com- preensivel. Nem tudo acontece da forma como gostariamos, mas a0 menos conseguimos encontrar explicagdes para boa parte do que acontece, Geralmente sabemos o que esperar. Nao fosse assim, como ter alguma sensacao de seguranca? O crime, como um cancer, rompe com o sentido de ordem e sig nificado. Conseqdentemente, as vitimas de crime, como as vitimas de cancer, procuram explic © que eu poderia ter feito para impedir? Estas sao apenas algumas das quest6es que atormentam as vitimas. E importante encontrar as Tespostas porque elas restauram a ordem e o significado. Se conse- guirmos responder ao como e aos porqués, o mundo pode tornar- se seguro outra vez, Sem respostas as vitimas tendem a culpar a si mesmas, aos outros, ou a Deus. A culpa, de fato, é uma importante forma de responder as perguntas que buscam restaurar o significado eum simulacro de inteireza ‘des. Por que isso aconteceu a mim? Mas para sermos inteiros também € preciso possuir um sentido de autonomia pessoal, de poder sobre nossas vidas. I imensamente degradante e desumanizador perder o poder pessoal contra a pro- prla vontade e ficar sob o poder dos outros contra a propria vontade. O crime destréi o sentido de autonomia, Alguém de fora assume 0 controle de nossa vida, nossa propriedade, nosso espaco. Isto deixa a 24 see A vETIMA. vitima vulneravel, indefesa, sem controle, desumanizada, Novamen- te, a auto-culpabilizacao ofetece um mecanismo para lidarmos com a experiencia, Se conseguirmos localizar em algo que fizemos a cau- sa do crime, podemos tomar a decisto de evitar tal comportamento, teconquistando assim um sentido de controle. A moga da nossa histéria nao foi simplesmente vitima de um assalto fisico, portanto. Ela foi —e ainda é — vitima de um assalto a0, seu proprio sentido de ser, de sua auto-imagem como ser autonomo atuando num mundo previsivel. Na verdade, os efeitos psicolégicos podem ser mais graves que a perda fisica O processo de recuperacao Para se recuperatem as vitimas precisam passar da fase ce “retracao" & fase de “reorganizagao". No caso de crimes graves, precisam deixar de ser vitimas e comecar a ser sobreviventes, As vitimas precisam progredir até o ponto onde a agressto e o agressor nao mais os do- rminem. Contudo, este é um processo dificil e que leva muito tempo. Para muitos ele jamais termina © que € preciso para que a vitima se recupere? Qualquer res- 2 posta aessa questio é um pouco arriscada, Somente a vitima poderia = responder com autenticidade, ¢ as necessidades variam de pessoa ppara pessoa. Mas em geral as necessidades das vitimas incluera (sem fe limitarem) as que descrevo a seguir. © mais obvio € que as vitimas precisam ressarcimento por suas perdas, Prejuizos financeiros e materiais podem constiuir um fardo financeiro muito concreto. Além do mais, o valor simbélico das per- as pode ser to importante ou até mais importante que 0 prejuizo Imaterial em si. Em todo caso, a indenizagao contribui para a recupe- ragHo, Pode ser que seja imposstvel ressarcir plenamente as perdas sateriaise psicoldgicas. Mas a sensacio de perda e consequente ne- " gessidade de reparagdo material podem tornar-se muito prementes. 25 Ninguém pode devolver o olho & moga desse caso, Mas o reem- bolso das despesas pode suavizar o onus. Ao mesmo tempo, pode ferecer uma sensacao de restauragdo no Ambito simbslico, Mesmo que as perdas materiais sejam importantes, pesquisas feitas entre vitimas de crimes mostram que elas em geral dao Pros ridade a outras necessidades. Uma delas é a sede de respostas ¢ de informagées. Por que eu? Essa pessoa tinha alguma coisa pessoal tra mim? Ele ou ela vao voltar? O que aconteceu com minha ropriedade? O que eu poderia ter feito para nao me tornar uma vi- ta? As informagoes precisam ser fornecidas e as respostas dadas, Poderiamos dizer que a vitima precisa encontrar respostas para seis perguntas bésicas a fim de se tecuperar: 1. O que aconteceu? 2. Por que aconteceu comigo? 3, Por que agi da forma como agi na ocasio? 4, Por que tenho agido da forma como tenho desde aquela ocastio? 5. E se acomtecer de novo? 6.0 que sso significa para mim e para minhas expectaivas (minha fé, minha visio de mundo, meu futuro)? Algumas destas perguntas 56 podem ser responds Peles propras vitimas. Els devern encontrar sua prOpria exp oot, po ‘exemplo, para seu comportamento na ocasiio € a partir 2 Precisam também resolver qual ser sua reagto diane de stuacbes similares no futuro, No entanto, as duss primeis perguntss se referem aos fatos que constituiram a violencia, © que aconteceu cy de o w of Family Reactions", cap. 1 do 3 kph Cope An cry Fd ei. ode Cha nye Huon € cca sale Fah Cos Catasopie (Nova Yor: Branner/Maze), 1983). 26 z A viriwa. realmente? Por que comigo? Informacoes podem ser muito Preciosas Para as vitimas, ¢ a5 respostas a tais perguntas poderiio constitair lima Passagem para 0 caminho da recuperasio, Sem respostas a esas questoes, a cura pode ser dificil Alem de indenizacio e respostas, 2s vitimas precisam oportuni- clades para expressar e validar suas emocoes: sua raiva, medo ¢ dor, Mesmo que seja dificil ouvir esses sentimentes, mecano que nao extejam de acordo com o que gostariamos que a vitima sentisse eles sé0 uma rea¢do humana natural a violagao do crime. Alias, a raiva Precis ser Teconhecida como uma fase normal do softimento, um Giislo que nao pode ser pulado. O solrimento e a dor fazem parte da violagao e precisam ser ventilados e ouvidos. As vitimas precisam encontrar oportunidades e espagos para expressar seus sentimentos € seu softimento, mas também para contat suas historias, Flas preci sam que sua “verdade” seja ouvida e validada pelos outros. AS vitimas precisam tambem de empoderamento. Seu sentido de autonomia pessoal Ihes fi roubado e precisa ser resituido, Iso inclui uma sensacdo de controle sobre seu ambiente. Assim, fecha, duuras novas e outros equipamentos de seguranca sig importantes para clas. Ela talvez queiram modifcar sew estilo de vida como for tna de tinimizar riscos. Precisam igualmente de uma sensagao de controle ¢ envolvimento com a solucao de seu caso, Necessitam sen. tir que tem escolhas, e que tais escolhas sao reais, Um fio condutor que une tudo isto pode ser descrito como a necessidade de uma experiencia de justica, Para muitas vitimas isto Pode assumir a forma de uma exigéncia de vinganca. No entanto, lama exigencia de retribuicao pode surgir da propria frustracdo da ehima que ndo conseguiu ter uma experiencia positiva de justica Com eleto, a experiencia de justiga¢ tao basica que sem ela a corm poder ser invidve Aauilo que a vitima vivencia como experiencia de justia € algo ue tem muitas dimensoes,algumas das quais a esbocadas aqui. As Wilimas precism ter certeza de que o que thes aconteceu é etrado, 27 avira, {njusto, merecido. Precisam oportunidades de falar a verdade sobre 6 que Ihes aconteceu, inclusive seu sofrimento, Necessitam ser ouvi- das ¢ receber confirma¢ao, Profissionais que trabalham com mulhe- res vitimas de violencia doméstica sintetizam as necessidades delas ‘usando termos como “dizer a verdade”, “romper o silencio”, “tornar ppblico” e “deixar de minimizar" Como pant integrante da experiéncia de justia, as vitimas pre- cisam saber que passos esto sendo tomados para corrigit as injus- ticas e reduzir as oportunidades de reincidéncia. Como observado antes, podem desejar indenizacio ni s6 para os aspectos materias, nas para os aspectos morais implicitos no reconhecimento de que 0 ato foi injusto, numa tentativa de corrigit as coisas. ‘Ajustica pode ser um estado de coisas, mas € também wma ex periencia e deve ser vivenciada como algo Teal. As vitimas em geval vhao se satisfazem com afirmagbes de que as devidas providencias festio sendo tomadas. Querem ser informadas e, ao menos em certos aspectos, consultadas ¢ envolvidas no processo. CO crime poderd nos roubar o sentido de significado, que consti- tui uma necessidade humana basica. Consequentemente, o caminho para a recuperagto envolve a busca de significado, De fato, as seis perguntas que as vitimas devem responder para conseguir se Tecu- perarem envolvem precisamente essa busca, Para vitimas de crimes ‘a necessidade de justica ¢ a mais basica porque, como observou 0 flosofo e historiador Michael Ignatiell, a justica oferece uma estra- tura de significado que confere sentido a experiéncia.* Tudo isto me Jevou a varias constatacoes. cio poder ser uma experiéncia Em primeizo lugar, a vitimiz extremamente traumatica. Isto porque € uma violacao de algo fun- damental: a nossa auto-imagem como individuos autonomos mum wy Vochaa igus “imprienmeat andthe Need for Jae", confrtncla prefer no coagse de figa Crimial Cadena ex Toto, 1987. Uma versio eta ot pubis em Liston, Janeiro de 1988 28 cweeeeemeenetenmne. 2yree Serene mundo que tem significado, O crime € também uma violagao da confianca depositada no relacionamento com 0s outros. Em segundo lugar, isto é verdadeiro nao apenas nos crimes vio- lentos como assassinato € estupro, que a maioria de nés vé como graves, mas também para crimes como violencia conjugal, assalto, vandalismo ou roubo de caro ~delitos que a sociedad muitas vezes trata como de menor gravidade. Em terceiro lugar, entre as vitimas ha padres comuns de rea ‘cio, mesmo levando em conta as variacies advindas de personali- dade, situagdo e tipo de delito, Sentimentos como medo € raiva si0 quase universais, por exemplo, e muitas vitimas parecem transitar por estagios identificaveis de adapta Por fim, ser vitima de uma outra pessoa gera uma série de necessidades que, se satisfeitas, podem auxiliar no processo de recu- peracio. No entanto, a vitima desatendida podera ter muita dificul- dade para recuperar-se, ou ter uma recuperagao incompleta. Nossa reacao Diante de tudo isso, seria mais logico que as vitimas estivessem no fulcro do processo judicial, e que suas necessidades fossem o foco central, Seria de se supor que as vitimas tivessem alguma ingerén- cia sobre as acusagdes que so feitas, e que suas necessidades se- riam levadas em consideracdo no desenlace final do caso. Seria de se esperar que, ao menos, elas fossem informadas de que o infrator {1 identificado, e sobre as demais fases do processo penal. Mas na maioria dos casos pouco ou nada disso acontece. Elas ndo podem influenciar em nada o mado como o caso sera decidido. Freqiien- temente as vitimas so levadas em consideracdo apenas quando sto necessétias como testemunhas. Raramente sao notificadas quando um infrator € preso. Somente quando a lei exige ¢ que as varas criminais fazem um esforgo istematico para notificar as vitimas 29 A viTiMa sobre o andamento do processo ou solicitar sua contribui¢ao para 0 sentenciamento. . Isto fot ilustrado exemplarmente por uma mulher que partici pou de ui seminario que ajudei a organizar. Eu passei algum tempo sol , sas descrevendo a situagao das vitimas de crimes ~ seu s amen, : necessidades, sua auséncia do processo da “justica” ~ quando um mulher sentada 14 no fundo se levantou e disse: Voce esta certo. A minha casa ja fol arrombada por assaltantes, Eu ja fui assaltada numa rua escuta, Em nenhum dos casos fui oe consultada até que 0 processo j estivesse no fim ou quase os Een soua procuradora de justiga! A minha prépria equipe dei me informar! Imaginem, entéo, o que acontece ao restante dos cidadaos. ssa percepcao em geral chega as vitimas logo depois S| a dado queixa de um delito. E comum o seu assombro ae a de que suas demiincias sao investigadas ow Seer sem qu quer respeito ao desejo delas, vitimas, e sem que recebam qual informagio sobre 0 caso. een alem de nfo atender as suas necessidades, agrava sua dor. Muitos falam sobre a “segunda vitimizaclo”, pet petrada pelos profissionais do judictario e pelo processo. A gues tao do poder pessoal ¢ de importancia vital nesse contexto. a da natureza desumanizadora da vitimizagio criminosa ¢ seu poder de roubar a vitima seu poder pessoal. Em vez de devolver-lhes 0 poder permitindo-Ihes partcipar do processo da justica, 9 ss : judicial reforca o dano negando as vitimas esse poder. Em vez de ajudar, o proceso lesa. ; Nos Estados Unidos foi aprovada uma legislacio federal cujo fro € auxiliar no apoio as vias ¢ fomentar programas de Ce zagao que haviam surgido em muitos Estados. Os programas inde- 30 nizatOrios permitem &s vitimas de crimes graves se candidatarem 20 reembolso de despesas, ja que pata tanto elas enfrentam vatios crité- ros muito rigorosos. Nas comunidades onde foram implantados, os Programas de assisténcia as vitimas oferecem aconselhamento ¢ ou. laos recursos, A Inglaterra é lider no desenvolvimento de programas locais de apoio a vitimas, usando voluntitios que oferecem apoio e assistencia a vitimas enguanto estas passam pelo processo judicial e buscam recuperagao? Tudo isso ajuda e revela uma nova e importante preocupacio ara com as vitimas. Mas lamentavelmente estas iniciativas conti- nnuam incipientes, verdadeiras gotas no oceano das necessidades existentes, As vitimas ainda continuam prioridades periféricas no Processo judicial. Elas sto as notas de rodapé do processo criminal O fato de que nao levamos as vitimas a sério deixa um imenso legado de medo, suspeita, raiva e culpa e nos conduz a exigencias persistentes ¢ crescentes de vingana. Encoraja a formacao de estere- Stipes (como entender um transgressor que nao conhecemos?) que, or sua vez, levam ao agravamento da desconfianca, estimulando reconceitos de raca e classe social Do ponto de vista da vitima, talvez 0 pior de tudo seja a falta de encerramento da experiencia. Quando as vitimas nao tém suas necessidades atendidas, muitas vezes acham dificil deixar a expe Fiencia no passado. Frequentemente relatam suas experiéncias de modo muito vivido, como se tivessem acontecido ontem, mesmo que anos tenham se pasado, Nada do que vivenciaram as ajudou 4 superar 0 trauma. Pelo contrario, A experiencia ¢ o perpetradot ainda dominam suas vidas, A vitima continua desprovida de poder. Eos danos nao se limitam a vitima individualmente, sto partlhados 5. National Association of Victim Support Schemes, Cranmer House, 39 inten Rl, Lone hes s9 602, Reino Unido; wore vctmsuppor.ory uk Nos Estados Unidos sora on ‘ization for Vict Aasctance, 1730 Pak RN. Washigron De 20010, ane soon ‘xno de referencia; worwicymova.or. National Center for Viste of Crime 3000 Mt ae [N.W Washington, 6¢ 20036; warerexe ong, 31 A veriata por amigos ¢ conhecidos que ouviram sobre a tragédia. Essas feridas abertas acabam gerando mais suspeitas, medo, raiva € sentimentos de vulnerabilidade em toda a comunidade, Aliés, operam silenciosa- mente minando o espirito comunitério. Mas 0 fato de nao conseguitmos atender as necessidades da vitima nao significa que jamais mencionemos a vitima no proceso judicial ou nas noticias. Pelo contrério. Conseguimos usar © nome da vitima para impor todo tipo de coisas ao ofensor, independente- mente da vontade da vitima, O [ato ¢ que, apesar da retérca, mo fazemos quase nada que beneficie diretamente a vitima. Nao escuta- mos o seu softimento nem as suas necessidacdles, Nao nos esforgamos para restituir parte do que perderam. Nao permitimos que ajudem a decidir como a situagao deve ser resolvida. Nao auxiliamos na sua recuperagio. Talvez nem informemos a elas 0 que aconteceu desde © momento do delito! Este é, portanto, 0 ctimulo da ironta, 0 ciimulo da tragédia. Aque- les que mais sofreram diretamente negamos participagao na resolu- cao da ofensa, De fato, como veremos adiante, as vitimas nao sto sequer parte da nossa compreensio do problema, 32 Capitulo 3 O ofensor No capitulo anterior sugeri que a vitima ferida no caso que relatei Provavelmente nZo tenha sentido que a justia fora feta. Mas o que aconteceu ao rapaz que a assaltou? Ele passou por um processo elaborado e longo ne qual um pro- fissional — um advogado, que supostamente representa seus inte- esses ~ foi colocado numa arena contra um outro profissional — 0 Promotor de justica, que representa o Estado e seus interesses, Tal proceso ¢ guiado por um complexo labirinto de regras chamadas “processo penal”, concebido para proteger os direitos de ambos (mas ‘do necessariamente os da vitima). Ao longo do processo uma série de profissionais (promotores, juiz, oficiais de condicional, psiquia- tras) contribuiram para decidir se ele é de fato culpado de um delito definido em lei. Nao apenas o processo determinou que de fato ele cometeu um delito definido em lei, mas também que teve intengio de fazé-lo, E 0 juiz decidiu o que sera feito dele Ao longo do processo o ofensor foi quase um espectador. Ele anteve sua atengio sobre sua propria situacao e seu futuro, Inevita Yelmente preocupou-se com os varios obstéculos, decisdese estigios ue precisam ser encarados. No entanto, boa parte das decisdes foi tomada por outros em seu nome. A experiéncia da prisao ‘Agora ele esta na pristo. Embora a extensio da pena em geral de- terminada nos Fstados Unidos possa parecer incomum no Canada 33 ou na Europa Ocidental, a decisao de privagao de liberdade nao ¢ Com efeito, o encarceramento ¢ a reacéo normal ao crime nas socie- dades contemporaneas ocidentais. Funcionamos sob 0 pressuposto da prisio. A privacao de liberdade nao é um itimo recurso que deve ser ponderado e justificado pelo juiz que a impée. Pelo contrario. A prisdo ¢ normativa, e os juizes sentem a necessidade de explicar e justificar as sentencas que diferem da privacdo de liberdade. Esse pressuposto explica por que nossos indices de encarcera- mento sAo to altas. Os cidadaos estadunidenses muitas vezes con- sideram que o pats € “tolerante demas" diante do crime. Embora de fato laja casos particulares e juristigdes em que o criminoso escapa impune, a realidade é bem outra quando se pensa em termos do pais como um todo. Pelos padroes internacionais os Estados Unidos so bastante rigorosos. No inicio da década de 1990 o pais tinha o maior indice de encarceramento per capita do mundo. Desde entdo, essas taxas aumentaram ainda mais em fungao das leis do tipo “Three-stri- hes, you're out” sancionadas a partir de 1994 A prisio € 0 primeiro em vez de ser o ultimo recurso, € nao ape- nas para crimes violentos. Muitos observadores internacionais ficam_ surptesos ao saber que boa parte dos condenados a prisao nos Eva servem penas por crimes patrimoniais. As taxas de encarceramento estadunidenses sao altas porque consideramos a privacao de liber- dade uma norma. No caso do rapaz do assalto relatado acima, em sua sentenca 0 juiz expressou a esperanga de que o jovem ofensor aprendesse pa- drdes de comportamento nao-violento enquanto estivesse na pristo. ‘Mas na tealidade o que ele aprendera? ‘A esta altura o rapaz bem pode ter se tornado uma vitima da violencia. Qual a licdo que ele aprender? Aprendera que o embate € ‘nin Let que determina aumento de pea sutomdico para teu reineldentes. © nome st refee a uma mara do beseho segundo a ial o rebated elinada se 230 consequat tres elas ads consects, at © OFENSoR Porm, que a violencia € chave para a solugao dos problemas de rane se Vidlento para sobreviver, que a violencia € uma for Teagit & frustragdo, Afinal, este € 0 padréo de normalid mundo distorcido da prisao stone A pouca i ae a de ¢ baixa estatura fsica desse rapaz o tomato uma wavel nao apenas de violencia fis we P ica, mas de violencia se- teas O estupro homossexual de jovens é frequente na pristo, onc "BressoTes mais velhos ¢ calejados mu ° jados muitas vezes fi delnaveses mus nos, meno exeemes Eacpn relet : ee tr prolong Privacdo sexual ¢ frustragdo caracteisteas de Ha, Mas em geralo estupro se torna urna forma distoreida é : Prove Qe Sen sentido de valor proprio e masculinidade sejam “ ‘mals severamente prejudicados distorcidos pela experitne rece a ; Fate cer, Porianto, que so vas as esperancas do juiz de que os Opis deca. Pomamento violento sejain esquecidos. Na verdade Protea ut Aue €88¢ ofensor viva por no minim vinte anos numa Imia de forma legitima, Est ima forma fengnelo de que crimes e violencia sao muitas vezes de afrmar a identidade e poder pessoais. Isto foi muito colocade por assou dezesse oe ‘co Por um amigo que passou dezessete anos ma prisao © wma serie de assaltos a mio armada. Depois, com 35 paciente ajuda de pessoas religiosas, cle fez a wransicio para a vida em sociedade. Bobby foi um menino negro e pobre. Sew pai, = aleodlatra que trabalhava como zelador, sentia-se preso num mundo que se tomou uma prisio sem safda, Para Bobby o crime era uma c io da nulidade pessoal. “Com uma arma na esperanca de sair da pristo da nulida See alguém!", cle me disse. Como respeitar 08 outros se ele tinha tao pouco respeito por si mesmo? © paicdlogo Robert Johnson, que escreveu sobre assassinos condenados @ morte, apreende muito bem o significado e as raizes da violencia vise um ean doe ie valle 0 mo, en urpouce un veto convenient pars pass edn. Palo coo scm spi vise ml ve baa 1 Avia] dea pe deshomers lense tins ane, gra pel esta e buss de oto eames pela falta de confianca em si e baixa auto-estima. Paradoxalmente, sua Solent € um ipo dorm deste def serve sree pta cota nner oe genes wtimas ocean no um triunfo de crge, as ta Pe da de controle.” Dadas a baixa auto-estima e autonomia pessoal caracteristicas da maioria dos criminosos, pequenas brigas ¢ conflitos dentro da prisio frequentemente levam a violencia extrema. Uma discussio por causa de um dolar pode facilmente acabar em morte. © jovem ofensor do nosso caso pode ter se metido na enc = a por causa de sua baixa auto-estima e sentido de poder pessoa Seu crime pode ter sido uma tentativa distorcida de dizer que ee¢ alguem ¢ afirmar algum controle sobre sua vida e talvez sobre a dos 1 ober Jason, “A Lefora Le te Quarey,.n°4(e,168), STL 36 ae © OFENSOR outros. No entanto, o ambiente prisional ira despi-lo de todo o seu senso de valor e poder. Todo 0 entomno carcerdtio ¢ estruturado com o fim de desuma- nizar. Os prisioneiros recebem um nimero, um uniforme, pouco ou nenhum espaco pessoal. Sao privados de praticamente todas as oportunidades de tomar decisoes e exercer poder pessoal. De fato, © foco de todo o ambiente ¢ a obediencia e o aprendizado de aceitar ordens. Numaa situacdo assim a pessoa tem poucas escolhas. Ele ou cla talvez aprendam a obedecer, a ser subinissos, e essa é a reagao que o sistema prisional incentiva, Mas ¢ justamente a reacio que ‘menos propiciard uma transigo bem sucedida para a liberdade da vida ld fora. Esse rapaz se meteu na encrenca par nao saber como se auto-governar, conduzir a sua vida de modo legitimo ~e a priséo ira agravar essa inabilidade, Assim, nio é de se surpreender que aque- les que melhor se conformam as regras da pristo slo os que piot se adaptam a vida na comunidade depois de soltos Uma segunda reacao diante da pressio para obedecer é a re- belido, e muitos se rebelam. Fm parte, essa reagdo & uma tentativa de reter algum sentido de individualidade. No geral, aqueles que se ebelam parecem ter mais sucesso na transigdo para a vida em li berdade do que aqueles que se submetem (muito embora a rebeligo eduza em muito as chances de uma soltura com condicional). Mas hha excegdes. Se a rebeliao for muito violenta ou muito prolongada, um padrao de revolta e violencia poderao dominar. Jack Abbot é um prisioneito que passou boa parte de sua vida Tutando contra a conformidade ma pristo. Seu livro intitulado In the Belly ofthe Beast [Na barriga da besta] uma obra articulada e perspi- caz sobre o mundo prisional * Depois de anos na prisao ele foi solto, € cometeu novo assassinato na primeira ocasiao em que se senti ofendido. 2. Jack He House, 1981 Abbot, Inthe Be Of the Beas: Letter rom Prion (Nova York: Radon 37 A terceira reacao posstvel € tornar-se ardiloso: manter as apa- rencias de obediéncia enquanto encontra formas de conservar algu- ‘mas reas de liberdade pessoal. Isto leva a uma outra ligdo ensinada pela privacio de liberdade: aprende-se que a manipulagéo é normal Afinal, ¢ assim que se conseguem as coisas na pristo. E também o meétodo usado pelas autoridades para gerenciar os prisioneitos. De que outra forma poderiam t&o poucos funcionatias lidar com tantos prisioneitos, dada a limitagdo de recursos existente? Em resumo, 0 condenado aprende a ludibriar. O jovem ofensor do nosso caso delingiiiu porque ndo soube tomar boas decisdes. A capacidade de decidir bem por conta prépria ficara ainda mais comprometida pela experiéncia prisional. Durante 5 vinte ou mais anos que passara ali, ele tert pouco ou nenhum estimulo ¢ oportunidade para tomar decisdes e assummir responsabi- lidades. De fato, ele aprender a dependéncia. Ao lenge a ae ele nao tera que pagar aluguel, nem gerenciar seu dinheiro, n nae sma fami Ele dependert do Estado que cuidara dele. E quando sair, teré poucas habilidades de sobrevivéncia. Como apren dera a manter um emprego, poupar, ficar dentro de seu orgamento, agar as contas? Na prisdo esse transgressor absorverd um padrao distorcido de relacionamentos interpessoais, A dominagao sobre os outros sera seu objetivo, seja no caso do parceiro matrimonial, dos contatos comer- ciais ou dos amigos. O cuidado amoroso seri visto como uma fra queza. E os fracos existem para serem explorados. Esse delinquente precisa aprender que ele ¢ alguém de valor, que ele tem poder € responsibilidade suficientes para tomar boas deci- soes. Ele precisa aprender a respeitar os outros ¢ seus bens. Ele precisa aprender a lidar pacificamente com frustrades e conllites. Ele precisa aprender a lidar com as coisas. Ao invés disso, aprenderd a recorrer para conseguir lidar com 0 a violencia para obter validacio pessoa 0 mundo, para resolver problemas. Seu sentido de valor ¢ autonomia seri solapado ou entao fincara suas raizes em terreno perigoso 38 FENSOR Vistas nesse contexto, as espetancas do juiz se mostram incri- vvelmente inocentes ¢ equivocadas, Seta que a prisio ensinara a ele padroes de componamento ‘nao-violento? Dificilmente, Com toda probabilidade o tornara ainda Inais violento, Conseguiré a prisio proteger a sociedade desse rapaz? Talvez por algum tempo, mas, por fim, ele sairé bem pior do que entrou. E enquanto estiver la dentro, talvez se tome uma ameaca para os outros internos. Sera que a pristo cofbe o crime? £ discutivel se seu aprisiona- mento desestimulara outros a cometerem crimes similares. Mas ele Proprio com certeza néo sera desestinmulado, Como ja mencionei antes, ele tem maior, € nao menor probabilidade de cometer novos crimes em fungao da falta de habilidade para lidar com a liberdade € dos padres de relacionamento e comportamento aprendidos na Prisdo, Alem disso, a ameaca de encarceramento nao seri mais algo 'Ho assustador para ele, depois de ter descoberto que consegue so: breviver alt, Na verdade, depois de vinte anos na prisio ela se ter tomado sua casa e ele se sentira inseguro fora dela Algumas pessoas que cumpriram penas longas cometem crimes a0 serem libertadas exatamente para poder voltat ao lugar onde se sentem em casa. Preferem estar num lugar onde conhecem as habi- lidades necessarias para sobreviver do que ter que enfrentar os peti- 0s da vida lé fora, Recentemente fui convidado a participar de uma Teunigo num centro de apoio a ex-prisioneiros na Inglaterra. Um dos Tapazes ja tinha estado na pristo varias vezes. "Eu gosto de estar fora", disse ele, “mas também nao acho ruim estar na pris". A ameaca de sprisionamento nao consegue intimidar uma pessoa assim, A prisio também no constitui desestimulo para pessoas pobres € marginalizadas que veer a vida em liberdade como uma especie de Pris, Para uma pessoa em tais condigdes, ser sentenciada a prisao simplesmente trocar um tipo de confinamento por outro, No entanto, sto basicamente pobres e desvatidos os que condenamos & prisao. 39 O que precisa acontecer? Na sentenca desse rapaz 0 juiz mencionou a necessidade de res- ponsabilizar os ofensores. A maioria de nds concorda com isso. Os of + responsabilizados por seu compor tamento. Mas o que significa responsabilizar? Para esse juz, e para a ‘maioria das pessoas no mundo de hoje, a responsabilizacao significa que oofensor deve sfrerconseqiéncias punitvas ~no mals das ve- 2s, a prsao ~seja com o intuito de coagio ou de punicdo."Respon- sabilizar” significa forcar as pessoas a “tomar um remédio amargo — uma velha metafora para algo to insalubre como a pristo. ores precisam, de fato Esta é uma visto extremamente limitada e abstrata da responsa- bilidade. Sem um vinculo intrinseco entre o ato e as consequencias, a verdadeira responsabilidade épraticamente impossive. E visto que as conseqiiéncias sao escolhidas por outros que nao o ofensor, elas ro levam o ofensor a responsabilizar-se. Para cometer ofensas e conviver com seu comportamento, os ofensores frequentemente constroem racionalizagbes bastante elabo- radas para os atos que cometeram, e a pristo thes oferece tempo € incentivo de sobra para tanto, Eles acabam acreditando que o que fizeram nao ¢ tao grave assim, que a vitima “mereceu”, que todas estio fazendo a mesma coisa, que o seguro pagara pelos danos. En- contram maneiras de colocar a culpa em outras pessoas e situacdes 0 sobre as vitimas de fato, e sobre viti- Tambem adotam estered ‘mas em potencial. Inconscientemente, ou talvez conscientemente, procuram isolar-se das vitimas. Alguns assaltantes chegam a relatar que, a0 entrar numa casa, viram os retratos para a parede a fim de nndo pensar em suas vitimas. Nenhuma etapa do nosso processo judicial questiona essas ati buigées equivocadas. Pelo contrario. © proceso em geral fomenta racionalizagoes e fortalece os estereotipos. A natureza adversarial do processo tende a sedimentar os esteredtipos sobre as vitimas e sobre a sociedade, A natureza complicada, dolorosa e nao participativa do 40 © oFeNsor Provesso estimula uma tendéncia a focalizar os erros cometides pelo ofensor, desviando a atencao que deveria estar sobre o dano causado a vitima. Muitos, sendo a maioria dos ofensores, acaba sentindo que foram maltratados (e bem podem ter sido!). Por sua vez, isto os incentiva a olhar para sua propria condigéo ao invés de ver a condi cao da vitima. No minimo, e por causa da complexidade e foco no ofensor do processo criminal, eles se véem totalmente envolvidos com sua propria situagao jurtdica Por conseguinte, os ofensores raramente sio estimulados a olha- rem para os verdadeiros custos humanos dos atos que cometeram. Qual serd a sensacio de ter sua casa invadida ¢ roubada, 0 carro roubado? Como seré sentir medo e ditvida quanto a quem fez isto e Por que? Como serd a sensacao de sentir que se vai morter e depois perder um olho? Que tipo de pessoa é a vitima? Dentro do ambito da experiencia do ofensor no processo judicial nada toca nessas ques tes. Nada o obrige a encarar suas racionalizacaes e esteredtipos, No caso acima, o ofensor tentow entender o ocortido, mas sua compre ensto foi incompleta e, além do mais, logo sera ofuscada pela sua vivencia da justica e da punicdo. A verdadeira responsabilidade, portanto, inclui a compreens4o das consequencias humanas advindas de nossos atos ~ encarar aqui lo que fizemos e a pessoa a quem o fizemos, Mas a verdadeira res- Ponsabilidade vai um passo além. Ela envolve igualmente assumir 8 responsabilidad pelos resultados de nossas agdes. Os ofensores deveriam ser estimulados a ajudar a decidir o que sera feito para corrigir a situacao, e depois incentivados a tomar as medidas para reparar os danos. O juiz Dennis Challeen mostra que o problema da maioria das sentengas € que, embora tesponsabilizem os ofensores (no sentido de receberem a puni¢do), essas sentengas nao os tornam responsé- vels, Allds, a falta de responsabilidade ¢ justamente o que os leva a transgredir. Quando uma punicao é imposta a pessoas responsiveis srgumenta Challeen, estas reagem com responsabilidade, Mas quan. 41 do impomos sancoes a pessoas irresponsaveis, isto tende a torna-las mais irresponsaveis ainda,” Algumas cortes comegaram a introduzir a restituicéo as vitimas como parte da sentenca. Esse passo vai na direcao certa, contudo, & jjustficacao para tal restituigdo tem se mostrado imprecisa ¢ Inade- quada no mais das vezes. Ela é vista frequentemente como forma de punir o ofensor ao inves de um modo de ressarcir a vitima, Em geral € também uma sancdo imposta e, como tal, nao fomenta o senti- mento de autoria dos resultados por parte do ofensor. Em geral, este nndo participa na decisio de restitui¢ao, e tem pouca ou nenhuma compreensio das perdas sofridas pela vitima, Assim, 0 ofensor tende aver a restituicdo como mais uma punicio imposta, ao invés de per cebé-la como uma tentativa logica de corrigir um mal e cumprir uma obrigacio frente a outra pessoa. Sentengas restitutivas impostas 20s ofensores como punigao tm toda probabilidade de nao ajudé-los, a se tomarem responsiveis, Esta € a principal razo para os baixos indices de retomo em alguns programas de restituicao. © jovem ofensor de nosso caso precisa assumir a responsabi- lidade por seu comportamento de todos os modos possiveis. Ou seja, ele precisa ser estimulado a formar uma compreensio, o mais completa possivel, daquilo que ele fez (por exemplo, 0 que suas ages representaram para a outta pessoa envolvida, € qual foi seu papel). Devemos também permitir e encorajé-lo a corrigir seus erros nna medida do possivel. Ele deve participar do processo de encontrar modos para fazer isto, Esta é a verdadeira responsabilidade. ‘Tal responsabilidade talvez ajude a resolver as coisas para a vi- tima, pois poder atender a algumas das necessidades dela. Talvez traga uma resolucao também para o ofensor, pois um pleno enten- dimento da dor que causou pode desestimular um comportamento semelhante no futuro. A oportunidade de corrigir o mal e de tomar 3, Dennis A. Callen, Making it Rght A Common Sens Approach to Criminal jase (Aber deci: Mies ana Peterson Publishing, 1888) 42 se um cidadao produtivo poder aumentar sua auto-estima e enco. tajé-lo a adotar um comportamento licito, O que acontecera? Nada disso aconteceré ao jovem ofensor do nosso caso durante 0 roximos vinte anos. Mas entéo o que acontecera? Ele nao terd qualquer oportunidade de questionar os esteresti- Pos ¢ racionalizagées que o levaram a este delito. Na verdade, eles serio amplificados e elaborados ao longo de seus anos de prisao, Ele ‘nao teré oportunidade de desenvolver as habilidades interpessoais ¢ a capacidade de lidar com as situagdes construtivamente que lhe serio exigidas para viver la fora. Alids, ele aprenderd as habilidades inter- Pessoais erradas ¢ perdera as capacidades que tem. Nao ter oportu- nnidade de encarar o que fez ou de corrigit os males que causou, Sera impossivel lidar com a culpa deixada por essa ofensa, Nio existe no processo criminal um momento em que ele possa ser per- doado, em que ele possa sentir que conseguiu fazer alguma coisa para cortigit o mal feito. Quais nao sero as conseqiiencias disso auto-imagem? Ele tem poucas Para sua alternativas. Poderd fugit da questao Tacionalizando seu comportamento. Poderd voltar sua raiva contra si ‘mesmo ¢ aventar a possibilidade de suicidio. Poderd voltar sua raiva Contra os outros, Em todo caso, continuard sendo definido como um ofensor muito depois de ter “pago a sua divida” sofrendo a punigao 0 odio e a violencia que serao cultivados dentro dele na prisio virio a substituir o pesar e 0 arrependimento que talvez tena sentido, Tal como a vitina, ele ndo ter oportunidacte de fechar este capitu- lo, de resolver a questao e passar adiante. A ferida continuaré aberta, Através de suas acdes nosso jovem ofensor violow uma outta Pessoa. Violou também as relacdes de confianca com a comunidade Mas o processo criminal nao ofereceréa ele nenhum dispositive que © ajude a compreender a dimensio do que fez. 43 © OF ENSOR A ofensa foi cometida por uma pessoa que, Por sua vez, ae foi violada. Embora isto nao seja desculpa para seus atos, eles ms lato nasceram de um histérico de abusos. Crianga, ele sofreu a fisica. Depois de crescido, softeu violéncia psicolégica € espe aue ferram seu sentido deste relacionarse com o mundo. Ne~ nhum aspecto do processo levara estas coisas em consideracao. vavelmente nada 0 conduziré ao caminho da inteireza. 3 Capitulo 4 Alguns temas comuns Embora tenhamos contemplado vitima e ofensor separadamente, cexistem alguns temas comuns a ambos, Arrependimento e perdao Até 0 momento analisamos suas vivencias e necessidades primérias em termos experimentais e psicologicos. Agora, examinemos breve- mente seu dilema do ponto de vista da tradicao crista Os dois jovens envolvidos no caso precisam de cura. Para que hhaja cura genuina, ao menos dois pré-requisitos devem ser cumpr. dos: arrependimento e perdao. Para que haja cura, € importante que as vitimas possam perdoat Da perspectiva teoldgica este € um dado objetivo: somos cha. mados a perdoar nossos inimigos, aqueles que nos fazem mal, pois Deus nos perdoou. Nao nos libertaremos enquanto estivermos do- minados pelo inimigo. Devemos seguir o exemplo de Deus. Do ponto de vista pratico e experimental, isto ¢ dificilimo, talvez até impossivel. Como pode uma mée ou um pai perdoar aquele que matou seu filho? Como chegar a sentir outra coisa sen raiva e sede de vinganca? Como alguém, sem tet pasado por isso, ousaria suge- Hir tal coisa? E possivel contemplar a possibilidade de perdoar antes Que estejamos em seguranca? Sera possivel obter tal seguranga? Perdoar e ser perdoado nao sao coisas ficeis, ¢ estas aces no podem ser sugeridas levianamente. Nem se pode impor um fardo mais de culpa aqueles que nao conseguem perdoar. O verdadeito 45 perdao ¢ imposstvel de obter pela forga de vontade ou por obtigacao, deve chegar no seu devido tempo e com a ajuda divina,' O perdao € um dom, e nao pode ser transformado em nus * importante explicar nosso entendimento do que seja o perdao. Muitas vezes se pensa que o perdio significa esquecer o que aconte- ceu, riscar o incidente do mapa mental, talvez desligar simplesmente «0 canal de comunicagio com 0 ofensot. Mas perdoar nao € esquecer. A jovern de nosso caso nao deveria ¢ jamais esquecera completamen- te o seu trauma e a sua perda, Nem se pode esperar isso dela. O perdao também nao significa redefinir a ofensa como uma nao-ofen- sa, Nao significa pensar: “Nao foi to ruim assim, nao faz mal", Foi péssimo sim, e negé-lo seria desvalorizar a experigncia, o sofrimento ea humanidade mesma da pessoa responsavel pelo ato. Perdoar ¢ abrir mio do poder que a ofensa € 0 ofensor tem sobre a pessoa. Significa nao mais permitir que a ofensa ¢ 0 ofensor dominem. Sem esta experiencia de perdao, sem este encerramento da experiencia, a ferida gangrena, a violagao toma todo 0 espaco da consciencia, domina toda a vida ~a violagao e 0 ofensor assumem o controle. Portanto, o verdadeiro perdao € um ato de empoderamento e cura, Ele permite passar da condicao de vitima a de sobrevivente. Também ¢ posstvel passar de vitima a sobrevivente de outras for- mas. Algumas vitimsas procuram esse resultado “vivendo bem’, pois 1. No tocaae ao pendap cro que o trabalho de Mare Marshall Fortune eeslareceder Ver, pot ex, Sena! Vinee: The Unmertinabe Sov (Nows York: Pygim Press, 1983) ¢ “Justice Making in Afermath of Wornan tering’ em Domest Vence ot Tal, ed. Darel Sorkin (oso Springer Publishers, 1987), pp. 237-48. ver Jefe G. Murphy e Jean Hampton, Forgiveness and Mey (Cararige: Cambridge University Pres, 1968) ¢ Thoras R. Yoder Neu “Forgvenese and tbe Dangerous Few: The Biblical Basis" pronanciamento para o Chis tan Couns! or Recenciton em Montes, em 18 de no. de 1983, Morton Malla Raterton suger que o pedo pode envelver uma vonade de desis de de dear questo mas maos de Deus 4 imcengao de vingarse. Pode envoiet a pica petoar. A etnologia da plava gles forgive na Novo Testamento, obser o sur {entregat on colocat de lado, Nee Toward a Justice That Hels (oront: The United Chu Publishing House, 1988). p. 56. 2. Si grat a Dave Worth po st dango bastame ati 46 ALGUMS TEMAS ComuNs Sentem que viver muito bem depois da tragédia é a melhor vingamy A abordgem dees ¢ dopo “eles vo vere nv dene de eo valor psicolégico, No entanto, tal abordagem ainda deixa a ofensa ¢ @ ofensor no centro da acio. O perdio, ao contrat, permite que a experiéncia se tore parte da histétia de vida, uma parte importante de nossa biografia, mas sem permitir que ela continue a dominar Certas condicoes favorecem o perdlao. Manifestagdes de respon- sabilidade, pesar e arrependirnento por parte do ofensor podem ser de grande ajuda. Mas, para a maioria das pessoas, um fator essencial £0 apoio de outros ¢ a experiencia da justica, A oracto é parte im- Portante na “cura da memoria”, Uma pessoa ou grupo que tentha um Papel pastoral pode ouvir a confissio e oferecer absolvicdo. Todos 4s, € prineipalmente nossas congregacoes, tem a responsabilidade de criar um espaco onde isto possa acontecer Como mencionei anteriormente, a experiencia de justia tem ‘Tuitas dimensOes, ¢ uma delas é retratada ho conceito biblico da la- Imentacao, que aparece em alguns salmos, Falando a igre, tedlogo Walter Brueggemann descreveu muito bem esse coneeito. «de ods as nepatviedes Poca vr acco conseguiu der tudo, ou ha mae alguma cose que gus po ne saul pel texto de ness vis. Ee um mando de neaee € que, se dizemos tudo honestamente a0 Divino, o Divino nao se a6 Susta, ndo se ofende, nao se afasta; ao contrario, Ele se aproxima ' 47 ALGUNS TEMAS COMUNS bo vere pasado anes pla delaacio intel de sons pds totientos doves. A trea pastoral € a de autrizar as pessoas ase expressarem de modo a viabilzar essa arf [1 mas ode dizer a verdade, © taal da ean dee cas bs mas ode er aver, Agana years euca verdad 6a da dr. © Sao 88 (87 press ones Ave xs pore wan oe Spa uname, mas no sem nes etl er, O Sto 88 ‘Boi me ddl yrdade de que ba echoed ia que sAo indizivets.* A gr tem uma esponsabildade vita nese proceso Tel mente, amiode etm procuado evar do pensar amen taco, Mas a0 mesmo empo em qe pressions. as ima a pedoar tem relutado em petdoar as vitimas por seus sentimentos natu rave hostilidade em rlago aa ofensor 8 soiedade €8 Devs, Se atin precisa de wma vivncn do perdi, asim bem o fens. De que ou forma podera enn sist asus csp De que out modo sega «const uma nova is Como desenvolver uma identidade seudavel ¢ um sentido de proprio, como se salvar a nao ser pelo pera ; Ao contrario do que em geral se pensa, 0s ofensores sentem cul pa pelosates que cometeran. Mas asensacio de culpa pode meseat sravemente seu sentido de vlor proprio e sua ientidade. Um est do cont ques ofensoes so craters por meds ere, e que sex malo emor ¢0 desert "eo esque ou 0 redo da total falta de valor pessoal." Conseqdentemente, 08 of Salmos rezado em Toronto ectado emt “A 3. aca emu wrk de 1980 sco Sos, azo em Toa tiem A Relive rayon Rein ees Cetin use’ ao no pb prepara por um gupo de abso da Nas Ascions Ace {im workshop de 1987 em Own no Canad, vem tee 4 Ver David Kelle, “Staking the Criminal Mind, Psychopath, ‘Mora Ibe ‘wilt, Harps, 985, 48 ALGUNS Temas comuNs sores se valem de uma série de técnicas defensivas a fim de evitar a culpa e manter seu sentido de valor proprio. Um desses métodos € © que Michael Ignatieff chamou de “es- ‘atégias desculpadoras’ para desviar ow negar sua culpa,"Eles talvez atgumentem, por exemplo, que “todo mundo faz isso”, ot que a vitima “mereceu”, ou tem recursos de sobra para arcar com os pre- Jutzos, ou ainda, que foram provocados além do razoavel. Poderio adotar a linguagem do determinismo social e psicolégico dizendo que “sou depravado porque softi privacoes". Da mesma forma, a tendencia que os ofensores tém de sentirem-se obcecados com as injusticas das quais se percebem vitimas pode ser um meio de se isolarem do peso da culpa. Para conseguirem conviver com a sua consciéncia, alguns ofen- sores desenvolvem elaboradas fantasias sobre quem sio e 0 que fize- ram, Alguns quase criam duas personalidades, separando totalmente 4 pessoa culpada do restante de si mesmos, Estou convencido de que a culpa esta por tras de boa parte da aiva manifestada pelos ofensores. A culpa aceita se torna taiva de si proprio. A culpa negada pode se tomar raiva dos outros, De todo modo tal raiva tem um grande potencial destrutivo, Alguns argumentam que a culpa pode ser aliviada através da Punicao. Aceitando a punicao, a divida fica paga e a culpa acaba Seja isto verdadeiro ou nao do ponto de vista tedrico, 0 fato ¢ que na realidade as coisas nao funcionam assim. Para que a punicdo alivie a culpa, ela deve ser percebida como legitima e merecida. Dificilmente isto ocorre na vida real. Além do mais, a idéia de que o delito foi contea a sociedade que a divida deve ser paga 4 sociedade raramente faz sentido para os ofensores. E uma idéia Por demais abstrata, e sua identificagao com a sociedade dema- siado limitada 5. Tarai “Imprsonmene and the Need fo Jus “op it 49 i 4 i Carecemos de rituais que reconhegam a divida como tendo sido saldada e a culpa expiada. Como aponta Ignatieff, o perdio deveria exonerar a divida tio bem ou ainda melhor do que a punigao. No en- tanto, partimos do pressuposto de que € preciso castigar antes de po der perdoar. Na pritica, administramos as punigdes de tal modo que elas se tornam perniciosas ¢ sio percebidas como imerecidas, e depois deixamos de oferecer oportunidades para que o perdo ovorra Para que uma nova vida seja possivel é preciso haver perdao e confissao. Para que os ofensores voliem a ser pessoas integras, de- vem conlessar seus erros, admitir sua responsabilidade e reconhecer 1 mal que fizeram. Somente entio € possivel o arrependimento e a virada para comecar de novo em outa direcio. A confissio seguida de arrependimento € a chave para a cura dos ofensores ~ mas tam- ‘bem podem trazer cura para as vitimas, Nada disso — artependimento, confissto € perdio por Deus ou pela vitima — elimina as consequéncias das acdes do ofensor. Um esta- do de graca nao se obtém tao facil, Restam as responsabilidades em re- lacao a vitima, No entanto, € possivel chegar a redencao e liberdade © caminho para esta redencao, segundo muitos capelies & pes: soa que visitam prisioneiros, repousa no reconhecimento do nosso pecado e indignidade, j4 que 0 pecado nasce do amor proprio.* E verdad que muitas vezes falta aos ofensores um senso ético, no sentido de uma preacupacao com suas proprias necessidades combi- nada coma inabilidade de se colocar na situacao do outro. No entanto, acredito que essa preacupacao consigo mesmo se funda, na verdade, numa auto-imagem fraca, talvez em 6dio de si. Se isto for verdadeiro, a cura s6 seré possivel mediante a consciéncia de que sto amados e tem valor — ao invés da confirmago de sua insignificancia Em suma, tanto a vitima quanto o ofensor precisam de cura, € esta 56 ocorrerd se forem oferecidas ocasides para que haja perdao, 6, er Gerald Austin McHugh, Christian Fath and Criminal usice Toward a Cision Reson se Crime and Panshment (Nova York: Past Pes, 1978), pp. 172 ess 50 ALGUNS TEMAS comuNs

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