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Foi me dada a missão de por meio deste discurso relembrar os momentos que vivemos

ao longo dos nove meses de formação que passamos aqui, no Tiro de Guerra 07-010. Contudo,
esta é uma missão impossível, afinal não há tempo suficiente para de maneira fiel retratar tudo
aquilo que vivenciamos. Entretanto aqui tivemos grande aprendizados, dentre eles uma frase
que nunca sairá de nossas memórias: “sem saber que era impossível, o atirador foi lá e fez”!
Inspirado pelos momentos que passam a barreira do improvável e beiram o impossível venho
hoje cumprir minha missão de compartilhar com aqueles que não os testemunharam, alguns
dos momentos mais marcantes da nossa jornada.

Não teria como partir de outro ponto senão do começo, o primeiro despertador, para
alguns às 4h da manhã, para outros 3h30, mas uma coisa era comum a todos: Deveriamos
estar prontos e em forma quando faltassem 5 minutos para as 5h da manhã. Nos primeiros
dias sequer utilizavamos o fardamento, que hoje já não mais o possuímos. Porém é certo que
está entranhado em nosso espírito e que carregaremos conosco para sempre.

Ainda nesses primeiros dias vivenciamos o prelúdio de um drama que perduraria por
muito tempo, eu particularmente me lembro apenas do estrondo... Um dos jovens que estava
em forma passou mal e caiu no chão, bravamente ele não fez disso um motivo para desistir e
escolheu por cumprir o seu período de serviço militar. Mal sabia ele que futuramente isso se
repetiria e ele atingiria o chão mais uma vez, perdendo seus dentes mas jamais a postura,
nesse dia ele caiu na posição de descansar perfeita!

Bem, o tempo passou, recebemos nossas fardas e começaram de fato as atividades,


entramos na sala de instrução, que foi onde passamos boa parte da nossa formação,
recebendo aprendizados da nossa saudosa equipe de instrução e dos “amigos do TG”
convidados externos que vieram e nos ensinaram muito. A trancos, barrancos, copos de água
na cabeça, ficar em pé ao fundo da sala e pagar flexões, nós vencemos o Morfeu, deus do sono
na mitologia grega e um dos maiores inimigos do atirador, que sai de sua casa todos dias antes
do sol nascer.

Tivemos nossos primeiros TFM (treinamento físico militar), onde fizemos mágica,
incrivelmente conseguiamos fazer uma das fileiras sumir todas as vezes que abriamos a
distância e os intervalos. Nesses TFM, corremos muitas vezes, por percursos diferentes e
puxando canções diferentes, afinal um corpo que não vibra é um esqueleto que se arrasta. De
toda forma, uma coisa não mudava, uma porção de militares que sempre ia até o seu limite,
para alguns esse limite se encontrava a 10km de distância para outros, na praça de convivência,
de onde voltavam andando para o TG.

Com pouco mais de um mês de atividade foi realizada a prova do CFC (curso de
formação de cabos), que selecionaria aqueles com aptidão para a liderança para ocuparem o
cargo de monitor, e que hoje se tornarão enfim cabos do exército brasileiro. Ocorre que os
jovens monitores, ainda nervosos com as novas responsabilidades, e com toda razão, também
fabricaram material para o meu discurso.

Ocorre que todos os dias temos uma equipe de serviço, fazendo a função da guarda do
tiro de guerra, essa equipe é composta de uma maneira que quem está no grupo dos
atiradores sabe bem: “quem é a guarnição de dia?”, “Um monitor e três atiradores”. Nos
primeiros seviços alguns monitores eram um pouco mais exigentes do que os atiradores
esperavam que fossem, teve atirador dormindo de cinto suspensório, pronto para qualquer
imprevisto. Teve atirador contando todos os livros das estantes, não podemos correr o risco de
estar faltando nenhum. E teve até atirador contando quantas colheres tinha na cozinha e
separando elas pela cor do cabo.

Por muitas vezes assim que entrávamos em forma o STen Carlos aproveitava o momento
para compartilhar ensinamentos filosóficos, espirituais e pessoais. Rola o boato que alguns
atiradores ficavam tontos só de ouvir o nome “Aristóteles” e já procuravam se sentar. Mas uma
das teclas que ele mais bateu foi a da rotina, e bem, acho que isso fizemos de maneira
satisfatória, a rotina seguiu e nada como um dia após o outro dia, mas todos se animavam com
atividades diferentes do habitual, como por exemplo a prática do tiro com fuzil. Conhecemos
os militares da nossa OM(organização militar) madrinha, o 16º batalhão de infantaria
motorizada, que de maneira, eu diria meiga, nos ensinaram a utilizar o armamento. Alguns
atiradores se comoveram mais que os outros, houve até quem escutou o fuzil dizer “ai” e
preferiu tratar o armamento com carinho.

Os dias passaram, desde palestras sobre DSTs, que os atiradores ouviam atentamente de
maneira madura, até cursos de primeiros socorros, defesa pessoal e o que fazia os olhos de
todos brilharem: As histórias do Sub Moreno. Tivemos a honra de fazer parte dessa história e
desejamos boa sorte para os próximos capítulos dela.

Ademais, fizemos longas marchas, longas mesmo. Só sabe o que são 16km quem anda
16km. Também tivemos a nossa última atividade militar, que foi o acampamento, onde nós
praticamos pista de rastejo, transporte de feridos, aprendemos a fazer armadilhas e fizemos
um curso básico de sobrevivência na caatinga com o GTO (grupo tático operacional da policia
militar), descobrimos os tesouros da mata branca, como cactos que podem te manter vivo em
situações extremas e até mesmo chás medicinais que podem ser feitos a partir das plantas
encontradas neste saudoso bioma. Um dos atiradores, não sei qual, experimentou um chá
diferente, o chá de jurema preta, apelidade de chá de jumenta preta e para os mais intimos,
burra preta. Quem estava lá sabe o efeito que esse chá tinha... eu especialmente.

Finalizo agradecendo a todos que fizeram parte desse período, que para nós foi de 9
meses, e para o Cabo Martins já se vão longos 14 anos, fazendo amigos verdadeiros e sendo o
primeiro contato entre os atiradores e a equipe de instrução. E por falar em amigos, gostaria de
relembrar as palavras do atirador Pessoa, que foi amplamente elogiado durante a visita do
General por ter dado, segundo o próprio general, a melhor definição de espírito de corpo que o
mesmo já houvera escutado: “ninguém fica para trás”. A sabedoria popular diz: “Quem tem um
amigo tem tudo.”, “Quem quer chegar rápido, vai sozinho, mas quem quer chegar longe, vai
acompanhado”. Hoje infelizmente não pude estar com vocês, mas um amigo vai levar as
minhas palavras a todos, que alegria isso me proporciona. A turma 2023 foi única e deixou suas
marcas por onde passou, desfiles, atividades, missões... Mas hoje amigos, é chegado o fim
disso tudo, pelo menos no presente, pois levaremos na memória do passado aquilo que
passamos aqui, e como diria Ariano Suassuna: Tudo que é ruim de passar é bom de contar.

Atdr. 64 Crispiniano

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