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Sábias as palavras do escritor que certa vez proferiu uma frase mais ou menos assim: “No fim, tudo
dá certo, e se não deu, é porque não se chegou ao fim ainda”.
Torcendo para que tudo acabe rapidamente, e restem apenas boas e saudáveis lembranças desse
momento a eternizar, esse é o “espírito” dos alunos do terceiro ano da EPCAR ao participarem do
acampamento do terceiro ano, o batismo final da Instrução Militar, onde por meio de diversas
oficinas, põem-se em teste as habilidades apreendidas, e algumas outras que inatas, serão
confessadas nesta oportunidade.
Muito que bem, vamos à história vivida, pois é o que interessa, ainda inverno em Barbacena/MG,
ano 1984, frio cortante e o tão aguardado por poucos e desejado por muitos, o inevitável que para
todos chega, o acampamento.
Bom, estamos aqui para reportar fatos inusitados ocorridos nessa fatídica e até engraçada semana.
Como bons guerreiros, velhos de guerra, chegava-se ao campo de batalha, diga-se, treinamento em
pé e voltava-se arrastando, exceto por um detalhe milagroso e contado ao final, segredo esse que já
faz parte da estratégia de guerra, a arte de dissimular.
Partiremos do fim para o começo naquilo que mais interessa, a cereja no bolo do acampamento é o
treinamento de embarque e desembarque de ataque, curso rápido (fast track) promovido por
equipe do PARASAR, prêmio esse consagrado aos vencedores nas oficinas, e que propiciava uma
volta no helicóptero de transportes de tropas, o Puma.
Em resumo, os ganhadores das oficinas, todos os 22, um pelotão segundo os parâmetros da época,
deveriam conseguir embarcar na aeronave pousada e desembarcar ainda em voo, isso em segundos
estipulados, em menos de 10, do contrário, tudo deveria ser muito bem sincronizado, senão a marca
exigida não era atingida e adeus ao voo.
Importante ressaltar, sim, ganhar a competição era o único caminho para o treinamento, e é esse o
processo que se vai desvelar aqui. Resgatem em suas mentes um cenário de guerra, perímetro do
acampamento a ser controlado por patrulhas diuturnas, oficinas de tiro, cordas, minas e armadilhas,
orientação noturna, todas, todas as atividades valendo notas aos pelotões previamente formados.
Pois que muito bem, a rotina era pesada, quase não se dormia, a semana passava em ritmo de
gincana, onde não havia chance de parada, pois mente vazia, já diz o ditado popular, é a oficina do
demônio, assim, vamos a alguns fatos inusitados ocorridos:
Noutro dia pela manhã, e há alguns dias à base de ração desidratada, loucos para comer proteína,
diga-se carne, em nova patrulha no perímetro do acampamento, e já recuperados do auto vexame
da noite anterior, eis que numa trincheira, que mais se assemelhava a uma vala comum houve o
avistamento de um reptiliano, vulgo urutu cruzeiro, era enorme. De pronto, decidiu-se por um
churrasco, mas quem ia dar o golpe no ofídio? Foi então que um guerreiro do pelotão, logo se
apresentou e dispôs-se à árdua tarefa, com a coronha de seu fuzil desferiu o golpe fatal. Morte
instantânea para a pobre cobra e para a coronha do fuzil também, pois se partiu em duas. Sem
salvação para o fuzil, nem tudo estava perdido, o churrasco parecia garantido. Só que não, eis que
perambulava pela área o oficial médico do esquadrão, que confiscou o futuro almoço, sem dó, nem
piedade. Ao inventário de perdas e danos, uma arma a menos, um aluno em débito com a União, um
réptil alçado aos céus e um churrasco frustrado.
A vingança é arrebatadora, dizem, é um prato que se deve comer frio, no caso, não houve prato,
nem comida, mas essa história de cobra não parou por aí, eis que após a fatídica experiencia dos
“sem churrasco”, em uma nova patrulha, sol a pino, o pelotão deslocava-se em uma área
descampada, arada, mas no terreno havia um barranco e uma moitinha de capim. Local excelente
para uma parada, jogar um pouco de conversa fora. Foi aí que um guerreiro decidiu sentar-se na tal
moita. Passados alguns poucos minutos, o aluno sentiu algo coçando o seu traseiro. Pasmem, ao se
levantar surgiram nada mais, nada menos que 05 (cinco) filhotes de cascavel. Inacreditavelmente, a
pressão que fizera ao sentar-se sobre a moita o salvou da morte certa, pois as cobras não tiveram o
espaço necessário para armar o bote e picar, estavam prensadas. Em resumo, salvo pelo traseiro.
Lição aprendida, um oásis pode ter dono, fique esperto, e a natureza pode não perdoar os
desavisados.
Passada a provação divina da fome, o foco era a pontuação dos pelotões nas diversas oficinas, a fim
de ganhar o prêmio maior, o tal voo de Puma, e a medida em que o acampamento evoluía os
pelotões estavam empatados, havia muito equilíbrio nas disputas, até hoje não se sabe se eram
todos muito bons ou todos muito ruins, fiquemos com a primeira hipótese, mas o fato é que as
notas estavam pareadas. A noite anterior ao dia do encerramento do acampamento iria revelar o
pelotão vencedor, este, sairia de três competindo em Orientação Noturna, o melhor deveria cumprir
o percurso estipulado em menor tempo, trazendo à origem os marcos de orientação alcançados a
cada etapa do trajeto. E aqui foi que a disputa ficou animada, pois afinal “guerra é guerra”, sempre.
Nessa noite dos desesperados, sim, todos empatados não havia mais lei ou regras, era o sprint final,
o tudo ou nada. Foi então que um detalhe se tornou revelador, era uma noite de lua cheia. O
percurso estava razoavelmente iluminado, vela, bussola e mapa em mãos, traçado o azimute, os
pelotões partiram rumo ao Ponto 1 - P1, e demais. Ao encontrar o marco inicial avistaram-se
também os marcos de outros pelotões e como a situação exigia vencer a guerra, nada mais natural
que recolher também alguns marcos das outras equipes para garantir a vitória, e assim foi feito. Em
menos de uma hora o pelotão dos desalmados sagrou-se o campeão, e os demais retornaram horas
depois, sem nada entender do ocorrido.
Dia seguinte, pela manhã, aterrizaram os helicópteros do PARASAR, mas antes, inexplicavelmente, o
comandante do esquadrão, talvez por desconfiar da guerra não convencional travada, avisou que
não haveria mais o tal treinamento e voo. Firmes na hierarquia, mas com o coração cheio de ódio, o
pelotão “vencedor” irresignado deu por perdida a missão. Mas já era tradição de muitos
acampamentos o treinamento e voo, então, ao que pousaram as aeronaves, o oficial do PARASAR,
mais antigo em solo, desembarcou e, sem titubear, logo perguntou quem era o pelotão vencedor, a
fim de cumprir a missão dele, treinar em embarque / desembarque de ataque. E assim, sem perda
de tempo, acusaram-se os vencedores, e foi cumprido destino traçado.
Ah, quanto à volta do acampamento, ao final dos exercícios de guerra, desmontaram-se as barracas,
equiparam-se os alunos, recolheu-se o lixo, devolveu-se o perímetro do acampamento ao estado
natural da coisa e a longa marcha rumo à escola começou, quase um arrasto cambaleante de
heroicos sobreviventes de guerra, e que no último esforço da chegada à escola foram surpreendidos
com a banda de música, que aguardava estrategicamente posicionada na cidade, e prestou o seu
apoio entoando hinos clássicos, como a canção da infantaria, impulsionando maior vibração aos
momentos finais dessa experiencia marcante do meio militar, o acampamento do terceiro ano da
EPCAR.