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Capitulo mn * am Mewria coleliva e o lempo Muitas vezes 0 tempo faz pesar sobre nds um impiedoso constran- seja porque achamos longo demais um tempo curto, por impacientamos, porque nos aborrecemos, porque temos terminar uma tarefa ingrata, por termos passado por al- fisica ou moral — ou, ao contrario, um periodo relati- vamente longo nos parece curto demais, quando nos sentimos pressionados ¢ apressados, tratando-se de um trabalho, de um pra- E __zer, ou simplesmente da passagem da infiincia a velhice, do nase : ee ean Maurice atalbwacks ee é dizer que as datas ¢ as divisdes ast s comeretos Pode a aio recobertas pelas dif ee a epee progressivamente ea ee cada vez mais deixa 4 sociedade o cuidado de organizar a luracdo. oe ‘Além do mais, quaisquer que sejam as divisdes do : homens se acomodam bastante bem a elas, pois em geral sao trag: cionais e, como cada ano, cada dia se apresenta com a mesma estrus tura temporal dos precedentes, como se todos fossem frutos mesma arvore. Nao podemos nos lastimar por sermos de dos em nossos habitos. Nossa dificuldade é de outra natureza, primeiro lugar, a uniformidade pesa sobre nés. O tempo é divid da mesma maneira para todos os membros da sociedade, Ora, nos parecer desagradavel que todos os domingos a cidade ar de ociosidade, as ruas se esvaziem ou se encham com um que nao é 0 costumeiro, 0 espetaculo do exterior nos fazer nada ou a nos distrair, ainda que tenhamos vontade Ihar. Serd para protestar contra essa lei comum que muit circulos, bairros, fagam da noite dia ou os que podem, calor das egies quentes em pleno inverno? A nece: idac diferenciar dos outros quanto a maneira de dividir e ‘empo se manifestaria mais se, no que diz respeito an G0es € distragdes, nao fossemos obrigados a nos dob social. Mesmo querendo, nao posso ir ao meu. ' em que nao ha trabalho, quando os et com 0 meu te a ria algumas nee 114 A Mantctn Colslnvn E mentos que a preenchem sob 0 aspecto da medida. Nao ¢ somente — que eu reflita ansiosamente na idade que tenho, expressa em niime- rode anos, & também no numero de anos que me restam, como sea : vida fosse uma pagina em branco dividida em partes iguais por tan- ‘tas linhas... ou antes, como se os anos que tenho a frente diminuis- “sem € Se contraissem, porque cada um representa uma Pproporgaio cada vez menor do tempo decorrido que aumenta. Contudo, a forca de medir o tempo, de modo a preenché-lo bem, ja nao se sabe mais ~ 9 que fazer com essas partes da duragiio que nao se deixam mais -dividir da mesma maneira, porque estamos entregues a nds mesmos ede algum modo saimos fora da corrente da vida social exterior. _ Poderiam ser outros tantos oasis onde esquecemos 0 tempo mas, E ‘em compensagao, onde também nos encontramos. Ao contrario, b _ somos sensiveis a0 que sao intervalos vazios, e o problema entéo ¢ | saber como passar 0 tempo. Tanto é verdade, que ao nos obrigar a estarmos sempre medindo a vida 4 sua maneira, a sociedade nos tor- "na cada vez mais inaptos para dispor da nossa. Para alguns, talvez ___ seja verdade que o tempo perdido é 0 que menos lamentamos (ou, em outro sentido, o que mais lamentamos). Contudo, estas so excegdes. existe um tempo social cujas divisdes assim se impdem as cons- ias individuais, de onde ele se origina? Alguém ja disse que bons motivos para distinguir o tempo ou a duracdo em si € s divisdes. Mais precisamente, todo ser dotado de consciéncia cao da duragao, pois nele se sucedem estados diferen- Aauctee MHalbwache lias (e das noites), & sueEsso dos passos que ‘marean a y nhada ete, un individuo isolado: A capaz de chepar uum fempo mensurivel, por suas propriay. forgas ea p de sua propr peridneia, Em torno de determinados objetos, nosso bem encontra o dos outros em todo caso, é no mim represento a existéneia sensivel daqueles com q contato em certos momentos, pela voz ou pelos g am Cortes, AO Mesmo tempo na minha durag cortes que tendem a se estender ds duragdes ¢ As s pessoas, de todos os que esto no u ses Momentos SuCeSSiVOS e CoMUNS cUja guardar, seré possivel imaginarmos que de tempo vazio, envoltério comum das zem os psicdlogos, pelas conseiéneias p dam em medir o tempo: atravéaid na natureza, como os dos 1 como em nossos relcaoe p definidos sufi entes, as. E. proprio que as d ferente, embora a sue eo ___A teméria Coleliva enquanto 0 dia de uma crianga esta cheio de impress6es e observa- goes multiplicadas (abrangendo um grande numero de momentos), no declinio dos anos 0 conteiido de um dia, se levarmos em conta apenas 0 contetido real do que despertou a nossa atengdo e nos deu osentimento de nossa vida interior, se reduz a muito menos estados distintos um do outro e, neste sentido, em um pequeno namero de momentos singularmente dilatados. O velho, que guardou a lem- branca de sua vida de crianga, acha que os dias no presente sio ao mesmo tempo mais lentos ¢ mais curtos, 0 que significa que en- quanto acredita que o tempo escoa mais lentamente, porque os mo- mentos, como ele conta a sua volta, como o ponteiro do relégio os mede, se sucedem com tal rapidez que o ultrapassam — nao ha tempo para preencher um dia com tudo o que facilmente uma crian- ga consegue nele encaixar; como sua duragio interior é lenta, 0 es- pago de um dia Ihe parece pequeno demais. Por esta razo, um velho uma crianga que vivessem lado a lado e nao tivessem nenhum outro meio de medir o tempo senao reportando-se a suas impres- ses da duragdo ¢ as divisdes que sua vida interior comporta, nao se entenderiam nem sobre os pontos de divisio nem sobre a extensio dos intervalos selecionados como unidade comum, que pareceria pequena demais para as criangas e muito grande para as pessoas idosas. Para estabelecer as divisdes do tempo, é melhor nos guiar- mos pelas mudangas e movimentos que ocorrem nos corpos materi- ais e se reproduzem de modo bastante regular, permitindo nos teportarmos sempre a eles. Nao estariamos sozinhos nesta escolha, teriamos de nos entender com outras pessoas. Na realidade, 0 que escolhemos como pontos de referéncia nesse retorno periddico de certos fenémenos materiais, ¢ a oportunidade oferecida a nds € aos outros — ja que os percebemos ao mesmo tempo — de constatar com muita precisao que ha, entre algumas das nossas percepcoes, 0u seja, entre alguns de nossos pensamentos, para eles € para nos, lima telagio de simultaneidade e, principalmente, que essa relaga0 Se reproduz a intervalos regulares, que admitimos considerar iguais- A partir desse momento, as divisdes convencionais do tempo ¢ impdem a nds de fora — mas tiveram sua origem nos pensamentos individuais, Estes somente tomaram consciéneia de que em deter- 117 maurice Kalbwacks minados momentos entram em contato, dé atitude idéntica diante de um mesmo Obj We as vezes aap atitude se reproduz com a mesma vegies ode agio desse tipo e pelas convengdes m ram fixar pontos de referéncia oodulaaaageeaall cles 6 Acada cons cia, Pols sdo comuns a todos — mas nig criar uma duragio nova, impessoal, que preencheria g os momentos selecionados como pontos de tempo coletivo ou social que abrangeria e ligaria todas individuais uma a outra, €m todas as suas partes, em sua. dade. Na realidade, no intervalo que se estende entre os que correspondem aos pontos de referéncia, s6 existem individuais separados em outras tantas correntes de pe tintas, cada uma com sua propria duracdo. Pode-se, por: imaginar um tempo vazio no qual transcorreriam individuais, que estaria dividido pelos mesmos. nogdo assim se impée a todos os p m uma representagdo abstrata, 4 qual nao ¢ realidade se as duragdes individuais dei Posicionemo-nos nesse ponto de de um tempo universal, que envolve | sucessivas séries de fenémenos, se descontinua de momentos. 3 relagdo estabelecida ! A dhewéria Coleliva ee tar pela imagem de um movimento ou de uma mudan- rn ee alizada entre um e outro) na metade, em um tergo, sag se intervalo. Assim se estabelecerao as divisdes do um quart Fs meses, dias, horas, minutos, segundos — afinal de aoe muito bem imaginar que certo ntimero de pensa- jndividuais entraré em contato em todos os momentos pre- separam as horas umas das outras e até mesmo os minutos: ‘gs divisbes do tempo simbolizam unicamente todas essas possibili- dades. Nada provaria mais claramente que o tempo, concebido como algo que Se estende ao conjunto dos seres, nao passa de uma criagaio artificial, obtida por soma, combinagao e multiplicagao de dados tomados de empréstimo as duragdes individuais e somente a estas. ‘Afinal, se essas divisdes do tempo ja nao estao contidas e indicadas nas consciéncias, bastara comparar duas ou um nume- ro maior destas para fazé-las aparecer? Temos de insistir nessa pro- posig&io ou postulado, porque aqui se descobre muito nitidamente sobre que concepgao de duragdo nos baseamos em especial, quando | sustentamos que a memoria é uma faculdade individual. i Para sentir o que é 0 pensamento interior e pessoal, de inicio somos levados a deixar de lado e esquecer tudo 0 que lembra 0 g0 ¢ os objetos exteriores. Esses estados sucessivos certamente uma diversidade, sao distintos entre si, mas de maneira diferente das coisas materiais. S40 apanhados numa continua que passa, sem uma linha de separagdo marcada © outro. A condig&o da memoria, ou melhor, da forma da '¢ tal, que s6 é verdadeiramente atuante ¢ psiquica ¢ nao se om o mecanismo do habito. A memoria (entendida neste tem poder sobre os estados passados ¢ nado os devolve fealidade de outrora, porque nao os confunde entre si ‘mais antigos ou mais recentes, ou seja: ela se ba- manctes Ralbvae he manocenant inteiramente diferentes de qualquer outro. vente tomado a parte ¢ delimitado? Qualque Separaeao nero significa que Se comeya & Projctanaaaa estadoen Entretanto, objetos NO espaco, por diferemtes que sej; tam muitas semelhangas. OS lugares que ocupam sio serrados em um meio homogéned: As diferengas ques ence entre eles sao determinadas em relagdo a tantos dos quais uns ¢ outros part asamentos Sio arrastados um meio homogéeneo, pois aqui a forma nao sed ria e 0 continente se mistura 20 Nos ¢ consciéncia (alias, empregando uma expressio inad realidade nao ha nenhum estado, e sim movimentos ¢ mento em permanente devi) tracdo, pois 0 essencial aqui os pe : A Memoria Coletiva oo. . _gesto, me revelam a presen¢a de outro Pensamento, que nao o pay " Terei entdo no espirito a representacaio de um objeto a partir ‘s de vista — do meu e de alguém que nao eu que tem como eu — € que dura. Como seria possivel, se o em minha consciéncia, se nao posso sair de minha o posso dela sair se, como afirmam, meus estados outro com um movimento ininterrupto, se esto utro tao estreitamente que entre eles nao ha nenhu- Ao, nenhum impedimento na corrente que pas- 0 de contomnos definidos se destaca na superficie te como imagem em relevo. que 0 que rompe a continuidade de minha vida éa aciio que sobre mim exerce, de fora, uma que me impde uma representagao em que esté con- oa que cruza meu caminho ¢ me obriga a notar sua no final das contas, os objetos materiais também paucice talbwacks digdes, ele nao pode chegar a esse mundo nem de q ni fora. No entanto, deve-se admitir que em qualquer p f: vel hé uma tendéncia a se exteriorizar, ou seja, a faze to sair do circulo estreito da consciéncia individual ea ver 0 objeto estando ao mesmo tempo Fe ser representado a qualquer momento em uma ou cias. Isto pressupde que ja estivéssemos, n dade de consciéncias”. Além do mais, se como 0s afetivos que, a diferenga das percepgd parecem estar relacionados a uma realidade e racteriza e Ihes empresta um aspecto purame nhuma agao exercida sobre nds de fora lhe d manifestar, mas existe, em estado latente, at rentemente mais pessoais? Seria este 0 caso q algum tempo uma dor fisica e nos embora a dor atual pareca prolor _—_ A hemoela Coleliva do que venha talvez a ser experimentada ¢ compreendida por mui- tas pessoas (o que nao aconteceria se ela permanecesse uma im- pressiio puramente pessoal ¢, portanto, singular), parece que transferimos parte de seu peso para os outros, que nos ajudam a suporta-la. O tragico, que faz com que, levada até certo ponto, a dor nds um sentimento desesperado de angistia ¢ impoténcia, é regides de nds que os outros — erieem | queemum mal cuja causa es s | nfio podem atingir, ninguém pode interferir, pois nos confundimos coma dor ea dor nao pode eliminar a sim . Por isso, instintiva- mente procuramos encontramos uma explicagio inteligivel deste sofrimento, com a qual os membros de um grupo concordem, da mesma forma com que 0 feiticeiro alivia 0 doente fazendo parecer | que extrai de seu corpo uma pedra, uma velha ossada, um preguinho ‘ou um liquido. Ou entao despojamos 0 sofrimento de seu mistério descobrindo seus outros rostos, os que ele volta para outras consci- éncias, quando imaginamos que pode ser experimentado por nos- sos semelhantes — nds 0 rejeitamos a um terreno comum a muitos seres e Ihe restituimos uma fisionomia coletiva ¢ familiar. Uma andlise mais vigorosa da idéia de simultaneidade nos leva a descartar a hipdtese de durag6es puramente individuais, uma impenetravel a outra. A seqiiéncia de nossos estados nao é uma li- nha sem espessura, cujas partes nada tém a ver com as que as prece- “dem e as que vém depois. A cada momento ou a cada periodo do ‘desenrolar, no nosso pensamento se cruzam muitas correntes que ~ passam de uma consciéneia a outra, das quais ele € 0 ponto de en- o. A aparente continuidade do que chamamos vida interior em I! mela segue por algum tempo o curso de ume de te ‘curso amento ue de tempos a tempos ee : to coletivo. Ela a tendéncia de um RS maurice Kalbwacks destacam sobre 0 fundo de um tempo coletivo a que tada sua substincia. tomam Estamos falando de um tempo coletivo, Oposigao dividual. Agora se impde a questio de saber se é um, de modo algum o julgamos antecipadamente. Segi ke discutimos, por um lado haveria tantas duragdes os e, por outro lado, um tempo abstrato que a todos Esse tempo é vazio, talvez n&o seja sendo uma i, que tragamos nos pontos em que muitas d cruzam nao se confundem com os estados, que o simultaneos. Nao poderia haver nessas divisdes n po que elas dividem, concebido como um meio ho uma forma privada de matéria. Que género de atribuir a essa forma e, principalmente, co contexto para os acontecimentos que ne Um tempo assim definido se pres Por essa razio que podemnos alu K hemécia Coletiva o de minha vida familiar, de minha vida Profissio- correu em um dos grupos a que meu pensamento se or freqiiéncia, talvez 0 contexto temporal que me melhor disso. O mesmo acontece com um certo futuros que sao preparados no presente — isso me e o, em geral é na época em que 0 fixei, me recor- i um parente, um amigo, que terei tal tarefa a realizar, tal ou que me prometo tal distragdo, é a data em que fatos devem se realizar. Também acontece que nao © contexto temporal sendo depois que a lembranga ejamos forgados a examinar em detalhe todas as suas ir a encontrar a data do acontecimento. Mesmo en- maurice Halbwachs inteiramente uniforme, muito vizinha a re até se confundindo com ela. Todo homes denne um gedmetra, pois vive no espago, Portanto, no é dente que os homens, quando pensam no tempo fi dos eventos particulares exatamente da maneira ue atingem ciéncias individuais que nel desenrolam, imaginem um; te homogéneo semelhante ao espago geométrico, Serd que a nossa memoria compreenderia um concebido? Em uma superficie tio perfeitamente lisa em, lemb: s pudessem se agarrar? Talvez seja 0 caso de Leibniz ainda, que nao encontrariamos esse tempo em si, n nenhuma razio para que um acontecimento ocorre aqui do que ali, pois essas partes todas sao indiscerniyeis, © tempo matematico sé intervém quando se trata de ob fendmenos que nao propomos a fixar e reter o lugar no real, de fatos que nao tém nenhuma data e nao ue ya, quando ocorrem em diferentes momentos. Quando mos por f,, f,, 4, 4, 0S acréscimos sucessivos do tempo zero, talvez fixemos assim a duragio e as diversas fases: vimento, mas de um desses movimentos que p n zir em qualquer outro momento sem que obedega a n lei, Em outras palavras, 0 momento inicial, t,, esté vre de qualquer associagéo com um momento real. As leis dos movimentos fisicos, efetivamente nao dependem do tempo. Por isso 0 n recolocar esses movimentos em uma duragao in representa assim unicamente een ticos ou dos eit tod p corpos inertes, todos o: cimentos que mudam de n to em que ocorrem. Um te! A emécia Coletiva minutos, 0S segundos absolutamente nao se confundem vig divis0es de um tempo homogéneo: eles tém realmente um Cw moletivo definido. Sao outros tantos pontos de referén- ‘a duragdo em que todas as partes diferem, no pensamento ‘, e nao podem ser substituidas umas pela outras. O que o stra, é que sempre que ficamos sabendo que um trem partira «e horas, somos obrigados a traduzir essa idéia, e nos lem- -na verdade ele parte as trés horas da tarde. Da mesma for- 30 ou o 31 do més se distingue para nés do primeiro dia endo mais, pelo menos de outro modo, do que o dia pri- do dia 2 ou o 15 do 16. Mesmo quando a nossa atencao s6 se os ntimeros, sabemos muito bem que estas divisdes nado sao /e que nao podemos modificd-las a nosso bel prazer, como ica deslocamos a origem ou como passamos para outro de eixos. E completamente diferente passar da hora do ve- hora do inverno, e concordar que doravante diremos uma de meio-dia: 0 grupo nao aceita perder sua hora ou seu ‘este sofre um deslocamento, a vida social nao quer sair 0 e 0 acompanha em seu deslocamento. Isso é uma maurice talbwacks die provimo a proximo, Se nem ao todo por elog frouxos. Subemos que isto nao esti rigorosamey des certamente habitadas ha muito tempo, que tas muito tarde. Também existem povos cuja ex: praticamente desde sempre, através de tradiga narrativas muito sucintas de viajantes, eles na uma historia, nfo sabem fixar a data de acont embora algumas lembrangas tenham sobrevivic mos que esses eventos foram contemporaneos s civilizagdes e que $6 nos faltam de es em Monumentos ou anais, para pod tempo em que nossa histéria nos permite re aqui o tempo histérico de que falamos no cap esta diferenga que imaginamos estendida além d reconhecemos, de modo que envolve a vida dos ram historia ¢ até mesmo © passado histérico. Por mais natural que possa parecer um: mos de nos perguntar se ela é verdadeiramente ficado teria para nés um tempo de que os povos antigos que conhecemos, nao guardaram nenhut vez possamos deduzir por analogia. Podemos st que © planeta Marte sempre foi habitado, habitantes viveram no mesmo tempo que as cuja histéria conhecemos? Para que uma pro um sentido muito definido, seria preciso imagi butantes desse planeta se comunicassem conos pelo menos a intervalos, embora eles e nds t contato, tenhamos conhecido algo de sua vid cles da nossa, Se nada disso acontecer, tudo caso de duas consciéncias inteiramente encer Cujas duragdes jamais se cruzam. Como que seria comum a ambos? _ _A theméeta Coletiva —__—_— ocorreram™ simultaneamente em paises ¢ regides distantes entre si ccornte cone favor da reliade de um tempo univ sal 0s jimites da historia. E comum falar-se em “tempos histéricos uuvesse muitos, € talvez com isso designdssemos peri- mais ou menos distantes do presente. Contudo, dos sucessiVos, também podemos dar um outro sentido a essa expressaio, como se houvesse muitas historias, distintas, umas comegando mais cedo. ‘outras comegando mais tarde. Claro, um historiador pode colo : ge fora e acima de todas essas evolugées paralelas ¢ considerd-las como outros tantos aspectos de uma historia universal. Sentimos também que, em muitos casos, talvez até com freqiiéncia maior, a unidade que obtemos entao é completamente artificial, porque as- sim aproximamos acontecimentos que nao tiveram nenhuma influ- éncia uns sobre os outros € povos que nao se baseavam, sequer temporariamente, em um pensamento comum. Temos sob os olhos a Cronologia universal de Dreyss, publicada em Paris em 1858, em que, desde tempos muito remotos, esto indicados, anos a ano, 0S acontecimentos notaveis que ocor- reram em certo niimero de regides. Passemos ao primeiro periodo Ee da criago do mundo ao dilivio. Afinal de contas, em especial a | tradigao do dilivio existe em um grande niimero de povos. Talvez _—_corresponda a uma Jembranga confusa de origem comum e, por isso, |" merega figurar no inicio de um quadro sincrénico dos destinos das nagdes. Em seguida, até Jesus Cristo e até o século V depois de Cristo, o autor se limitou a recortar a historia da Grécia ¢ @ historia de Roma, a historia dos judeus, a histria do Egito —¢@ justapor _ esses fragmentos, Esta ¢ apenas uma pequena parte do mundo. Pelo “menos, sao regides bastante vizinhas umas das outras para todas rem sentido o contragolpe dos abalos que umas produziam nas . Entre cidades ou grupo de cidades, que formavam ous chados, as idéias circulavam, aS noticias se propagavam- e até antes no que diz respeito 20 passado, © horizonte mawcle’e atalbwacks m conjunto de poves cujos destinos e: igados para que situassem suas vicissi mesmo tempo. Este nao é sendo o mundo conhecido q conheciam = pelo menos ele formava quase um todo, Mais tarde, © a medida que nos aproximamos: modernos, 0 panorama se amplia, mas perde cada ve dade, Sabemos que em 1453 a Guerra dos Cem no mesmo ano, os turcos tomaram Con memoria coletiva comum esses dois fatos dei Tudo esté realmente entrelagado e na hora nao p serio as repercussdes de um: acontecimento e até do espago elas se propagarao. Contudo, sao as | acontecimento, que entram na memoria de um | evento, e somente a partir do momento em que co importa que os fatos tenham ocorrido no- simultaneidade nao foi observada pelos localmente definido tem sua prop! so dele de seu tempo. Acontece que fundem em uma nova unidade, e plia, talvez até se estenda mais I uma parte do grupo, que agora enc g6es mais antigas. O inverso’ nos apresenta U estreitament li que, A icles Collin ressa ¢ a distancia maior do que imaginamos, 4 toda a Europa € até estendia seus tentaculos aos out, ‘Uma organizagao diplomatica muito desenvolvida permitia que os \__ principes e seus pos soubessem muito depressa o que aconte- cia nos selene paises: Os comerciantes tinham depésitos, balcdes, vitrines, escritorios e correspondentes nas cidades estrangeiras. Sem- houve determinados meios e determinados grupos que serviam de érgios de ligagdo entre os paises mais distantes. No entanto, 0 horizonte da massa do povo nao se expandiu. Durante muito tempo, o maior numero de homens no se interessava nada pelo que acon- tecia além dos limites de suas provincias e com ainda maior razio, ‘ deseu pais. Por isso é que houve e ainda ha tantas historias distintas ‘— quantas nagdes. Quem quiser escrever a histéria universal e fugir a seus limites, do ponto de vista de que conjunto de homens se poria? Serd esta a raziio por que os eventos que interessam a Igreja, como 1 os concilios, os cismas, a sucessao dos papas, os conflitos entre os clérigos e os chefes temporais, ou os fatos que preocupam os diplo- matas, negociagées, aliancas, guerras, tratados, intrigas de corte Passaram muito tempo no primeiro plano, nas narrativas histricas? Nao ser também porque, em periodos mais recentes, os circulos Sociais que compreendem os comerciantes, os homens de negécio, 0s industriais, os banqueiros ouviram suas preocupagdes especiais Sobre a maior parte da superficie da Terra que deram lugar, na his- ‘ria universal, ao progresso da industria, aos deslocamentos das Correntes comerciais, as relagdes econdmicas entre os povos? Mas historia universal assim estendida nao é mais do que uma justapo- Sigdo de historias parciais que s6 abrangem a vida de certos grupos. Seo tempo singular assim reconstruido se estende a espagos mais Igreja abracava TOS Continentes, ele s6 abrange uma parte muito restrita da humanidade aie ae i Iacdo que s6 entra em circu Secs eoneesnn rece te a historia. ‘0s limitados e ‘ocupa as mesmas regides também tem a su i ée Talvez nos tenhamos colocado em um ponto de vista eae To pode ser o dos historiadores. Nos os censuramos por snot fem em um ainico tempo histérias nacionais ¢ locals ey ek Sutras tantas linhas distintas de evolugdio. No 131 maurice Kalbwacks conseguimos imaginar um quadro sinerdnico em gue y tos, em qualquer lugar que tenham ocorrido, se aproxin porque os destacamos dos ambientes que os situavam prio tempo, ou seja, fazemos uma abstragao do tempo eles estavam situados. E opiniao corrente que, ao cont ria se interessa um pouco exclusivamente demais sucesso cronoldgica dos fatos no tempo. Lembremos dito no capitulo anterior, quando comparamos 0 que se p mar de meméria hist6riea e a meméria coletiva. A prim Prineipalmente as diferengas — mas as diferencas ou ag marcam somente a passagem brusca e quase imediata de que dura a um outro estado que dura. Quando abstraimo ou intervalos ¢ guardamos apenas seus limites, na verda mos de lado 0 que ha de mais substancial no proprio te mudanga também se estende por uma duragdo, as vezes ¢40 muito comprida. Em todo caso, é 0 mesmo que diz decompée em uma série de mudangas parciais, separadas p valos em que nada muda. Desses intervalos menores, a hist6rica faz mais uma abstracao, Seria até possivel que n ainda mais. Para nos fazer saber 0 que nao muda, 0 que verdadeiro sentido da palavra, para nos dar uma boa repre adequada, teriamos de nos recolocar no meio social que consciéncia dessa estabilidade relativa, fazer reviver para n meméria coletiva que desapareceu. Basta que nos descreva instituigao, dizendo que ela ndo mudou durante meio século comegar, isto nao é exato, pois de qualquer maneira houve modificagées lentas ¢ imperceptiveis, que o historiador nao be, mas 0 STupo pressentia, ao mesmo tempo alias que pres uma relativa estabilidade (essas duas Tepresentagdes estio s estreitamente ligadas). Por outro lado, ¢ conseqiientemente, est um dado puramente negativo enquanto nao conhecermos 0 © do da consciéncia do grupo ¢ as circunsténcias diversas nas q Pode reconhecer que a instituigao realmente nao mudaria. A! ria € necessariamente um. Tesumo e é por isso que ela encerra ; Centra em alguns momentos evolugdes que se estendem por pet inteiros — é neste sentido que ela extrai as mudangas da du! 132 a hemocia Coletiva impede agora que comparemos e juntemos acontecimentos m isolados do tempo real e os disponhamos segundo uma série dgica. Mas uma tal série sucessiva se desdobra em uma dura- que nada tem de realidade para nenhum dos grupos contecimentos foram emprestados — Para nenhum no ¢ o tempo em que seu pensamento tinha o hdbito de se entar ¢ localizar o que recordavam de seu passado, coletiva retrocede no passado até certo limite, mais ou quo conforme pertenga a esse ou aquele grupo. Além ja nao atinge diretamente os acontecimentos ¢ as pessoas. precisamente 0 que esta além desse limite que prende a aten- historia. As vezes se diz que a historia se interessa pelo pas- e nao pelo presente. Entretanto, para ela o que é passado e € 0 que ja nao esta mais compreendido no terreno em que ende 0 pensamento dos grupos atuais. Parece que a me- iva tem de esperar que os grupos antigos desaparegam, samentos € sua memoria tenham desvanecido, para que upe em fixar a imagem e a ordem de sucessio de fatos que é capaz de conservar. Certamente é necessario procurar dhaucice Halbwachs a — Cer Que a Vida go corre num, tempo Ue seja assim, se decompoe a Poderiamos eg tudo, nao podemos deixar de reconhe conjunto ¢ em todas as suas partes de anos, meses, dias, horas. E preciso q duragdes nos diversos grupos em que Portassem divisdes diferentes, nao ma correspondéncia entre seus movimentos, Ora, j esses gTUpOs se separaram uns do Outros, cada um movimento, € porque as pessoas passam de um gy divisdes do tempo devem ser bastante uniformes por tos. Quando estivermos num Primeiro grupo, sempre ver em que momento entraremos num Segundo gru que, é claro, nos remete ao tempo do segundo. M; vermos no primeiro, estamos no tempo do primeiro. do segundo. Este ¢ 0 problema que se apresenta a deve ir ao estrangeiro e dispde apenas de reldgios d medir 0 tempo. No entanto, ele tera a garantia de n trem se a hora for a mesma em todos os paises... ou s quadro de correspondéncia entre as horas dos divers Diremos entao que existe um tempo tinico e todas as sociedades se referem, cujas divisdes se impo grupos e que esta oscilagao comum, transmitida a tod do mundo social, restabelece entre elas as comunicagd que suas miituas barreiras tenderiam a impedir? Em pri a correspondéncia entre as divisGes do tempo em muita vizinhas é muito menos exata do que em matéria de he nacionais de estrada de ferro — o que se explica pelo fa missa na hora, nao se pode prever a duragdo exata ~ Fora das ceriménias, as quais muitas vezes chegam a 2 sempre acompanham até o fim, os fi¢is podem it 4 pela hora astronémica. O comerciante deve Ce perder uma reuniao de negécios, mas eee i todo o dia, ¢ para as encomendas, entregas, S¢ A teméeia ¢ Se em geral é com uma grande aproximagao. Por outro lado, parece que descansamos Ou Nos vingamos em certos ambientes da ¢ a dio a que somos obrigados em outros. Ha uma Sociedade cuja ma- téria se renova sem parar, cujos elementos estio Continuamente se deslocando uns em relagao aos outros: © conjunto dos homens que circulam pelas ruas. Ora, alguns dentre eles talvez estejam com pres sa, apressam 0 passo, olham nos reldgios nos arredores das esta dos trens ¢ dos metrés, ao chegarem aos escritérios ¢ na saida ay ‘mas, em geral, quando passeamos, quando perambulamos pelas ruas, quando olhamos as fachadas das lojas, nao medimos a duragao das horas, naio cuidamos de saber exatamente que hora é ¢ quando te- mos de fazer um longo trajeto para chegar mais ou menos na hora, nos guiamos por um vago sentimento, como nos dirigimos em uma cidade sem olhar os nomes das ruas por uma espécie de faro. Visto que nos diversos ambientes ndo temos a necessidade de medir 0 tempo com a mesma exatidao, a correspondéncia entre o tempo do escritério, 0 tempo de casa, o tempo da rua, 0 tempo das visitas é fixado entre limites As vezes bastante amplos. Por isso pedimos des- culpas por chegar atrasado a uma reunido de negécios ou voltamos para casa a uma hora anormal dizendo que encontramos alguém na Tua: no final das contas, é 0 mesmo que reivindicar 0 beneficio da liberdade com que se mede o tempo num ambiente em que ninguém Se preocupa l4 muito com exatidao. Falamos principalmente em horas ¢ minutos, mas as vezes dizemos a um amigo: “Irei visitar vocé um dia desses, na semana que vem, daqui a um més” — ou, quando revimos um parente distan- te, contamos o nimero aproximado de anos em que nao nos vimos. Esse tipo de relacionamento ou sociedade no comporta uma locali- Zago no tempo mais definida. Assim, e ja desse ponto de vista, nao Ser exatamente o mesmo tempo, mas tempos em correspondéncia ‘Mais ou menos exata que encontraremos em nossas noes aun Ee Yettade que todos se inspiram no mesmo tipo €S° um mesmo contexto, que poderia ser considerado o tempo yaw Por exceléncia, Nao temos de pesquisar a origem da divi

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