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Capitulo IV duewéria coletiva eo espago Augusto Comte observou que o equilibrio mental resulta em boa parte ¢ antes de mais nada, do fato de que os objetos materiais com os quais estamos em contato diario nao mudam ou mudam pouco € nos oferecem uma imagem de permanéncia ¢ estabilidade. Eles sao uma espécie de companhia silenciosa ¢ imédvel, estranha nossa agitagdo ¢ as nossas mudangas de humor, e nos dio uma sensagio de ordem e trangitilidade. E exato que mais de uma perturbagao psiquica vem acompanhada de uma espécie de ruptura de contato entre nosso pensamento e as coisas, a incapacidade de reconhecer 0s objetos familiares, embora nos encontremos perdidos num ambi- ente estranho ¢ movente, ¢ nos falte qualquer ponto de apoio. Até fora dos casos patolégicos, quando algum acontecimento também obriga a que nos transportemos a um novo ambiente material, antes que a ele tenhamos nos adaptado, atravessamos um periodo de in- certeza, como se houvéssemos deixado para tras toda a nossa per- sonalidade: tanto isso é verdade, que as imagens habituais do mundo exterior so partes insepardveis de nosso eu. Nao é apenas uma questo do aborrecimento que temos em ‘nudar nossos habitos motores. Por que nos apegamos aos objetos? Porque desejamos que eles nao mudem e continuem em nossa com- Nag Descartemos quaisquer idéias de comodidade ¢ fe dos cee material traz ao mesmo tempo a nossa reer nals at Nossa casa, nossos moveis € a maneira one a me «Tange 2 aranjo das pegas em que vivemos, nos lembram nos © 0 amigos que vemos com freqiiéncia nesse Comtex’ alboachs aucice RAT spago que nos circunda de Modo © Pere as, a regiho: doe: 9 refletem apenas © gue no, : S dis. diversas partes na outros. Nossa cultura € Nossos gostos apare gio desses objetos em grande medida nos ligam a um nimero e Vivernos S| manente ¢ sl tingue de todos © F ecotha ¢ na disposi gos que sempre ¢ invisiveis. Na tes ee. enorme ¢. o se pode dizer que as ensiveis > se pode d ae ciedade, Contudo, moveis, enteites, quadros, ure Fy + Uten- cireulam dentro do grupo e nele slo apreciag descortinam horizontes das novas of, silios ¢ bibeld los, a cada instante entagdes da moda & do gosto, ¢ também nos recordam os costumes vereigas distingdes sociais. Numa loja de antiguidades, todas as Spowas todas. classes se defontam assim nas peyas espalhadase fora de uso das mobilias dispersas e, naturalmente, nos pergunta- mos: a que pessoa teria pertencido essa poltrona, essas tapesarias, aquele estojo. aquela taga? Mas ao mesmo tempo sonhamos (no sa) com o mundo que reconhecemos ni comparad eas fundo, é a mesma coi ilo de um mével. 0 gosto de uma arrumagio fossem o equivalente de uma linguagem que ela compreendesse, Quando Balzac desereve uma pensio familiar, a casa de um avaren- to, e Dickens, 0 escritério de um tabelido, esses quadros nos pare- cem pitorescos porque nos permitem pri as que vivem ness tudo, como se 0 es entir a qu categoria social pertencem as p Nao é uma simples harmonia e correspondéneia fisica entre 2 ap 1 objeto reencontrado ¢ 0 kt r je set réncia dos lugares ¢ das pessoas. Cad gar que ele encontra no conjunto nos recordam uma maneira d amos esse conjunto ¢ lan comum a muitas pessoas e, quando analis gamos nossa atengdo a cada uma dessas partes, é como se diss cdes de semos um pensamento em que se confundem as contribuigd certa quantidade de grupos. De fato, as formas dos objetos que nos rodeiam tem este Sh m yolta de nifica os : ; ' ieado. Nao estivamos errados ao dizer que cles estio & nds, c ape = fi », como uma Sociedade muda ¢ imdvel. Eles nao filam, " rmente de> us OS ntido que familiat 08 compreendemos, porque tém um s as pref fordncia © jou mo ciframos. Sao imé . Sao iméveis somente na aparéneia, pois ansamos di envelheces habitos soci ji Seclits se transformam e, quando nos Vel ou de pee uum quarto, é como se os proprios objete 158 ¢:verdade que impressio de imobilidade predomina por periodos pastante Jongos € ao mesmo tempo se explica pela natureza inerte das coisas fisicas ¢ pela relativa estabilidade dos grupos sociais, Seria exagerado pretender que as mudangas de casa ou de lugar, ¢ as modi- ficagdes importantes introduzidas em certas datas, na instalagaio e no mobilidrio de um apartamento marcam €pocas na historia da familia, ‘A cstabilidade da habitagao ¢ sua aparéncia interior nao deixam de impor 20 grupo a imagem pacificante de sua continuidade. Anos de yida comum passados num contexto a esta altura uniforme mal se distinguem uns dos outros, ¢ se podera duvidar que muito tempo te- nha passado € tenhamos mudado imensamente no intervalo. Isso nao esta totalmente errado. Quando inscrido numa parte do espago, um grupo 0 molda a sua imagem, mas ao mesmo tempo se dobra ¢ se adapta a coisas materiais que a ela resistem. O grupo se fecha no contexto que construiu. A imagem do meio exterior ¢ das relagdes estiveis que mantém com este passa ao primeiro plano da idéia que tem de si mesmo. Essa imagem penetra em todos os elementos de sua consciéncia, deixa mais lenta e regula sua evolugao. Nao é 0 indivi- duo isolado, é 0 individuo enquanto membro do grupo, é o grupo em si que, dessa maneira, permanece sujeito a influéncia da natureza material ¢ participa de seu equilibrio. Mesmo que se pudesse acredi- tar que nao é bem isso, quando os membros do grupo esto dispersos enada encontram em seu novo ambiente material que recorde a casa © 0s quartos que deixaram, quando permanecem unidos pelo espago é Porque pensam nessa casa e nesses quartos. Quando as religiosas ¢ os senhores de Port-Royal foram dispersados, nada foi feito enquanto ndo arrasaram os prédios da abadia, enquanto nao desapareceram os que guardavam sua lembranga. Assim se explica como as imagens espaciais desempenham &sse papel na memoria coletiva. O lugar ocupado por um grupo ae ©como um quadro-negro no qual se escreve ¢ depois se apaga nu: Metos ¢ figuras. Como a imagem do quadro-negro poderia recordar que nele tragamos, se 0 quadro-negro € indiferente aos numeros & S¢ podemos reproduzir num mesmo quadro as figuras que bem ou ‘endemos? Nao, Mas o local recebeu a marca do grupo, © vice “4. Todas as agdes do grupo podem ser traduzidas em term 159 ciais, o lugar por ele ocupado ; ania eunio de todos 0s Cada aspeclo, cada detathe desse lugar tem um sentigg i. 1 os membros do grupo, porque todas 4S pany : ‘ocupou correspondem a outros tantos spectg, diferentes da estrutura € da vida de sua sociedad, pelo meN0S Ogu nela havia de mais estavel. E claro, novos fatos excepcionais também tém lugar nesse contexto espacial bid Porque em sua devida ocasig ‘0 grupo tomou consciéncia com maior intensidade doque era ha muito tempo ¢ até esse momento, ¢ os lacos que o prendiam ao lugar the apareceram com mais nitidez no momento em que se romperiam, No entanto, um acontecimento realmente grave sempre traz consigo uma mudanga nas relacdes do grupo com o lugar — seja porque este mo. difica todo 0 grupo, por exemplo, uma morte ou um casamento, seja porque o grupo modifica lugar: a familia enriquece ou empobrece, © pai da familia é chamado para outro posto ou passa a uma outra ocupagao. A partir desse momento, este nao sera mais exatamente 0 mesmo grupo, nem a mesma memoria coletiva ¢, a0 mesmo tempo, 0 ambiente material também nao sera mais 0 mesmo. om termos go ¢ inteligivel pa go espago que cle Os diversos bairros de uma cidade ¢ as casas em uma quadra tém ) fixa e também estado presos ao solo, como as arvo- uma Iq res, os rochedos, uma colina ou um planalio. Por isso o grupo urba- no nio tem a impressio de mudar enquanto a aparéneia das ruas € s formag: ura, P pare- das construgdes permanece idéntica; existem pouci clais 20 mesmo tempo mais estaveis e de duragao mai: ¢ Roma, por exemplo, apesar de guerras, revolugdes ¢ cri cem ter atravessado os si ulos sem que a continuidade de sua vida fosse interrompida em um tinico momento. O corpo nacional pode estar tomado pelas mais violentas agitagdes. O cidadao desce 41a I as noticias, mistura-se aos grupos que as discutem, & preciso que ©» jovens corram pa i fronteira, & preciso pagar impostos pesados _é um episodio sa agitagle ela. 7 ri Parte dos habitantes se arma contra a outr <¢ luta po ‘ ese is. Te * politica que se propaga por todo pais, Tod: acontece ae ; pe “enum cendirio familiar, que parece nio ser afetado per ibe eo tumult s nad Se afinal de contas nada ©contraste entre 4 8 a Sontraste entre a impassibilidade das pedras *s 8¢ entregam, os persuade de que 160 ondew. pois os muros eas casas Permanecem de pe? Temos de le. yar ent conta 0 fato de que os habitantes so levados a Prestar uma jo muito desigual ao que chamamos de Aspecto material ¢, le certamente se sentitia bem mais = sibilizada com 0 desaparecimento dessa rua, desse Prédio, daquela casa, do que pelos acontecimentos nacionais, teligiosos, politicos mais sérios. Por isso 0 efeito de perturbagdes que abalam a socieda- de sem alterar a fisionomia da cidade se abranda quando passamos aessas categorias do povo que se apega mais as pedras do que aos homens: por exemplo, 0 sapatciro em sua oficina, 0 artesio em seu atelié, 0 comerciante em sua loja no ponto do mercado em que nor- malmente 0 encontramos, 0 transcunte nas ruas que percorre, pelas estagdes do trem onde passcia, nos terragos dos jardins, as criangas, no canto da praga em que brincam, o velho no muro exposto ao sol, no banco de pedra, 0 mendigo acocorado na beira da calgada. As- sim, nao somente casas ¢ muralhas persistem através dos séculos, mas toda a parte do grupo que esté em permanente contato com elas econfunde sua vida com a vida das coisas permanece impassivel, porque nao se interessa pelo que acontece na realidade fora de seu circulo mais proximo e além de seu horizonte mais imediato. 0 grupo entao se da conta de que uma parte sua permanece indiferen- tea suas emogdes, suas esperancas, seus medos—e essa passivida- de das pessoas reforca a impressio que resultava da imobilidade das coisas. O mesmo acontece com relagdo as agitagdes que abalam aquele grupo mais limitado, baseado em lagos de sangue, amizade, amor, lutos, rupturas, jogos de paixées e de interesses etc. No mo- Mento em que estamos sob o golpe de um abalo desse tipo, quando saimos, quando percorremos as ruas nos espantamos porque a vida # nosso redor continua como se nada houvesse acontecido, rostos alegres aparece nas janelas, as pessoas paradas numa esquina tro- cam comentarios, os compradores ¢ os negociantes no limiar da Porta das lojas, enquanto nds, nossa familia ¢ nossos amigos senti- Mos passar um vento de catastrofe. E porque nds ¢ os que nos a Mais chegados representamos apenas algumas unidades nessa - ‘ido. Certamente, cada um dos que eu encontrava, tomado ae a Situado em sua familia ¢ no grupinho de seus amigos, simpatiZ8 ateng i cidade, mas que a maior cidade, 161 a jacks maucice Kalbw. — comigo se Ihes expusesse minha tristeza ou minhas Preoeupagse, Has, presas nas correntes que segzueM pelas Tuas, quer se presen, tem em multiddo quer dispersas, as pessoas Parecem desejar figir evitar umas as outras, como partes de matéria comprimidas umas contra as outras, ou em movimento, em Parte obedecendo as leis da natureza inerte. Assim se explica a aparente insensibilidade de que injustamente as acusamos, como, censuramos a indiferenga danaty. reza porque, se nos fere, cla também contribui para nos acalmar, nos devolve 0 equilibrio, fazendo com que por um momento estjg mos sob a influéncia do mundo e das forgas fisicas. Para apreender corretamente esse tipo de influéncia que os diversos pontos de uma cidade exercem sobre os grupos que a cla se adaptaram lentamente, numa grande cidade moderna seria preci- so observar principalmente os quarteirdes antigos ou as regides re- lativamente isoladas, de onde os moradores sé se afastam para ir ao trabalho e que formam uma espécie de pequenos mundos fechados — ou ainda, mesmo nas partes novas da cidade, as ruas e avenidas povoadas principalmente por trabalhadores e onde estes se sentem bem a vontade, porque entre a moradia ¢ a rua sempre esto ocor- rendo mudangas, as relagdes de vizinhanga ali estéo sempre se mul- tiplicando. Nas cidadezinhas menores, um pouco afastadas das grandes correntes, ou nas dos paises orientais, onde a vida ainda é regrada ¢ ritmada como era entre nds ha um ou dois séculos, as tradigdes locais sio mais estaveis e 0 grupo urbano parece melhor como em outros lugares em grau menor, ou seja, como um corpo social que em suas divisées e sua estrutura reproduz a configuraca0 material da cidade em que esta encerrado. E claro, a diferenciayi de uma cidade resulta de uma diversidade de fungdes e costumes sociais — mas, enquanto o grupo evolui, a aparéneia da cidade muda mais lentamente. Os costumes locais resistem as forgas que tende™ 4 transformé-los e essa resisténcia permite entender melhor # que Ponto nesse tipo de grupo a meméria coletiva se apoia nas imagens oe cidades se transformam no curso da hist re be - i = cercos, de uma ocupagio militar, da me eles ice a ee quarteirdes inteiros sao destru : ‘elhes inas. O incéndio da golpes tenebrosos- 162 A hemoela Colelivg se deterioram lentamente, Ruas outrora habitadas Pelos ricos oto invadilas por uma populagdo miseravel ¢ mudam de aparéncia, ie publicas ¢ a abertura de novas ruas Ocasionam muitas de- moligdes ¢ construgdes — os planos SC Superpdem uns aos outros, Os subtirbios © iados em torno do. Fecinto urbano Thes sto anexados, 0 centro da cidade se desloca. Os bairros antigos, circundados Por no- vas construgdes altas, parecem Perpetuar © espeticulo da vida de an- tigamente. Em todo caso, é apenas uma Imagem de velhice — nao se sabe se 0 antigos moradores os reconheceriam, se voltassem.., Se, entre as casas, as ruas ¢ os grupos de seus hi vesse apenas uma relagdo muito acidental e de cui homens poderiam destruir suas casas, seu bairro, st construir em cima, no mesmo local, uma outra cida plano diferente — labitantes hou- irta duragio, os ua cidade, e re- ide, segundo um mas as pedras se deixam transportar, nao é muito facil modificar as relagdes que se estabeleceram entre as pedras e os homens. Quando um grupo humano vive Por muito tempo em um local adaptado a seus habitos, nao apenas a seus movimentos, mas ‘ambém scus pensamentos se regulam pela sucesso das imagens materiais que os objetos exteriores represents agora, elimine parcialmente ou modifique em ‘agdo, sua forma, sua aparéncia, es — ou mude apenas o lug As pedras ¢ os materiais tirdo e, neles, lam para ele. Elimine, sua diregao, sua orien- aS, CSsas Tuas, esses becos ar que cles ocupam um em relagao ao outro. niio oferecerdo resisténcia. Os grupos resis- » Voce ird deparar com a resisténcia, se nio das pedras, pelo menos de arranjos antigos. Certamente essa disposigao ‘ntcrior foi outrora a obra de um grupo. O que um grupo fez, outro Pode desfazer, Mas a inten ‘io dos homens antigos tomou corpo NUM arranjo material, em uma coisa, ¢ a forga da tradigao local vem dessa coisa, qual cla cra a imagem. Tanto isso é verdade que, em “ma parte de si, og grupos imitam a passividade da matéria inerte. sca Ds Para se manif hos Lar, essa resisténcia deve emanar de um grupo. Nao “hganamos ar speito d mena nen: Magdes de uma dem, Perturbem 10. Sim, & inevita : : cio de uma casa incomo- cidade ¢ a simples demoligao de uma c ssa seein © desconcertem alguns individuos em ses hibits Mencligo, © cego busca tateando o canto em que esP: 163 bwachs O passeante lastima a alameda de arvores onde Cost ima. ¢ aflige ao ver desaparecer mais de um Aspect 0 passantes. va tomar a fresca € St p i i bairro. Aquel: pitoresco que o prendia a esse bau quele morador — de ae pequeno universo faziam parte essas velhas paredes, essas casas decrépitas, essas travessas obscuras e esses becos sem Saida, cujas lembrangas se prendem a essas imagens agora apagadas para sem. pre — sente que toda uma parte sua morreu com essas coisas ¢ lastimam que nao tenham durado pelo menos tempo que Ihe restg de vida. Esses pesares ou essas inquietagdes individuais nao tém conseqiiéncias porque nao tocam a coletividade. Ao contrétio, um grupo ndo se contenta em manifestar 0 que softe, em se indignar e protestar na hora. Ele resiste com toda a forga de suas tradigdes ¢ essa resisténcia tem suas conseqiiéncias. Ele procura e em parte consegue recncontrar seu antigo equilibrio nas novas condigées. Ele tenta se manter ou se reformar em um bairro ou uma rua que jé nao sao feitos para ele, mas estao sobre o lugar que era seu. Durante muito tempo velhas familias aristocraticas, um antigo patriciado urbano, nao abandonam espontaneamente 0 bairro em que até 0 presente e desde um tempo imemorial fixaram residéncia, apesar da solidio se fazer sentir em torno deles, ¢ novos bairros ricos surgi- rem em outros pontos, com vistas mais amplas, parques nas proxi- midades, mais ar, mais animagdio ¢ uma aparéncia mais modema.A populagio pobre também nao se deixa deslocar sem resisténcia, sem ressentimentos e, mesmo quando cede, sem deixar atras muitas pat tes de si mesma. Por tras das novas fachadas, por avenidas bordeja- das de ricas mansdes recentemente construidas, nos patios. nas travessas, nas ruelas dos arredores, se abriga a vida popular de our trora, recuando passo a passo. E assim que nos surpreendemos * encontrar ilhotas arcaicas no meio de bairros novos. E curios Vt Teaparecer, mesmo depois de um intervalo em que nada parceia = a aoe canes transformados c onde se sere aicuke ms ugar, os estabelecimentos de prazer, 0S his ‘Ss comerciais ma os bree! A fos ¢ todos °° s ugh nas rida Isso acontece princi is OU Menos escondidos, os oe lee com os oficios, 0S negécie cidad ividades um pouco antigas, que nédo tem mah es modemas. Eles subsistem em virtude da forva #4" 164 a Khembcia Coletivg te teriam desaparecido, se nao se Prendessem teim, ente cortamen! s que outrora Ihes eram Teservados, En res: i 2 gos Ws ntos de comércio, que sé conseguem um; s pontos nos po losamente NO minimo o nome fabuleta de uma loja: “na a” ete, . uma praca ou a t no velho portio da Frang porta velha”, “| lugar, é ACO que cria entre “us membros as Telagdes sociais: uma familia, um casal pode ser Sfinido exteriormente j NO mesmo, apartamento, ou, como se diz nos recensea- cto. Os habit: ‘antes de uma cidade ou de um dio & exa lamente o que Podemos Parar os homens €neles s6 leva acontece com outros até dizer que a maioria dessas do espago, pois abstraem o lu- mM em conta qualidades de outra hs ena comunidade, porque estao reunidos em ae “#0. Desnecessirio dizer que esta ¢ apenas ial ia desses STupos, mas uma condigao essen- tipo, f Me eles ocupam 165 aanerce aealbvacks 3 orden, Os lagos de parentesco em sino se ie “im A coabitagio ey crupo urban no é 0 mesmo que ca se fe in ividuos isto, [As relagdes juridicas se bi cia ae fato de que as pessoas tem seng direitos e podem contrair obrigagées que, pelo menos em NOSSaS sog;. txades no parecer subordinadas sua posigio no meio extery gy grupos econdmicos resultam do lugar dos homens nado no ©9PaG0, mas na produgao, em uma diversidade de fungées ¢ também em ™odos diversificados de remuneragao, da distribuigao de bens; no Plano eco. nmico, os homens sio diferenciados e se aproximam pelas qualidade, ligadas 4 pessoa e ndo ao lugar. Por razo maior ainda, o mesmo corre nas sociedades religiosas: elas estio fundamentadas em uma comyni, dade de crengas que tem como objeto seres imateriais, essas associg. des estabelecem lagos invisiveis entre seus membros ¢ se interessam principalmente pelo homem interior. Todos esses grupos se ‘superpdem nas sociedades locais. Longe de se confundirem com elas, sio elas que os decompéem, conforme regras sem nenhuma relagio coma configu. rago do espaco. Por isso nao basta pensar que ha pessoas reunidas em um mesmo lugar e guardar na memoria a imagem desse lugar para descobrir ¢ recordar a que sociedades cles estao ligados. ae Entretanto, quando rapidamente passamos em revista — como aca- bamos de fazer — as formagoes coletivas mais importantes que se distinguem dos grupos locais estudados anteriormente, percebemos como ¢ dificil descrevé-los descartando qualquer imagem espacial. Esta dificuldade é ainda maior quanto mais longe retrocedemos no passado. Diziamos que os grupos juridicos podem ser definidos pelos bemos que outrort direitos ¢ obrigagdes de seus membros — mas © servo estava preso a gleba e que, para um camponés, a tinica ma neira de escapar 4 condigao servil era se fazer admitir em wnt C0- munidade urbana, Portanto, a condigao juridica do homem er consequéncia do local em que ele vivia, no campo ou em unt burge. O Feuime a que estavam sujeitas as diversas partes da ter w10 ° Mesmo €, por outro lado, a leyislagiio das diferentes comunisles oe: sarantiam os mesmos privilégios, Diz-se que a dade Média fol ‘era das particularidades e, realmente, havia entio uma eno" 166 K Newser 4 Coletiva oFrFrt~—~—~————C—C—“—*i;™C*s—==CsisTE™=CS™ antidade de regimes que diferiam conforme o lu; u : gar, ainda que, nde estava a moradia de uma pessoa, gabend0 0! n OS outros © essa mesma pessoa eram ao mesmo tempo informados sobre seu estatu- to, Nao é possivel descrever o funcionamento da Justiga © todo o sistema de arrecadagio antes do que chamamos tempos modernos, sem descermos a0 detalhe das subdivisées territoriais — ¢ porque cada provincia, na Inglaterra cada condado, cada burgo por muito tempo teve seu prdprio regime juridico e seus prdprios costumes, Desde essa época, os tribunais do rei, por exemplo, tendem a su- plantar os tribunais feudais na Inglaterra e, na Franga, desde a Re- volugio todos 0s cidadaos sto iguais diante da lei e dos impostos. Dai a maior uniformidade do presente: as diversas partes de um pais j4 nao representam outro tanto de regimes juridicos distintos, pensamento coletivo nao leva em conta as leis, abstragdo feita das condigdes locais em que elas se aplicam. Ele mais se prende a essas condi¢des. Ora, estas so muito diversificadas, porque unifor- mizando as regras, nao foi possivel uniformizar a condigao das ter- ras € a situagao das pessoas. Em primeiro lugar, é por isso que no campo uma diferenga de situagdo no espago conserva algum sig- nificado juridico. No espirito de determinado tabeliao do interior ou de um prefeito de cidadezinha, os campos, as pastagens, os bosques, as fazendas, as casas evocam os direitos de propriedade, os contratos de venda, as servidées, as hipotecas, as divisas, os loteamentos — ‘oda uma série de atos ¢ situagdes juridicas que nao contém a pura e simples imagem da terra tal como a vé um estranho, mas se superpoem na meméria juridica do grupo camponés. Essas lembrangas estio li- gadas a diversas partes do solo. Elas se apéiam umas nas outras por- ueas parcelas a que se relacionam esto justapostas. Se as lembrangas S¢ conservam no pensamento do grupo, ¢ porque cle permanece esta- belecido no solo, é porque a imagem do solo perdura materialmente fora dele ¢ ele pode retomé-la a qualquer instante. verdade que no interior todas as negociagdes ¢ todos os “nvolvimentos terminam na terra. Numa cidade, o pensamento juri- 0 grupo se distribui por meio de outros contextos cae oe Por outros objetos visiveis. Aqui, mais a ae ‘© ou um Ieilociro, quando lidam com as pessoa 167 ances albnete cs tratam ou cm nome da quais realizam transmiss ; eto a refletir sobre as coisas a que se referem C5se5 4g direitos. Talvez esses objetos se afastem ¢ nao caiam mai 0s depois que os clientes sairam do cartig ou o leilio terminou, mas o tabelitio Hae locali GAO do ime. oer qe fai vendo, consttuido em dote, legado. © leilocro tiga a lembranga aos lanc 10S teil cadjudicagdes em tal imo. vel ou tal obra de arte que nao voltara a ver, mas entra numa catego. ‘clos da mesma ordem — ora, estes sempre es\ Bes de intel posses, inter sob seus olh ‘aro presentes ria de obj d s passam continuamente sob scus olhos para cle, pois muitos Com certeza, sto outros os métodos para as tratativas relac- onadas aos servigos ¢ também de todas as operagdes da bolsa ¢ de bancos. 0 trabalho de um operirio, as ocupagdes de um cmprega. do, os cuidados de um médico, a assisténcia de um advogado ete, nao sio objetos que ocupam um local definido ¢ estavel no espago, Nao situamos os valores representados por titulos ou depésitos re- lativos a créditos ou dividas em um lugar — aqui estamos no mun- do do dinheiro ¢ das transagdes financeiras, em que os objetos particulares sio abstraidos, ¢ o que adquirimos ou doamos é sempre mui simplesmente a faculdade de adquirir ou ceder nao importa o qué. Entretanto, os rvigos sto prestados ¢ os trabalhos sao reali- zados num determinado enderego —— o trabalho ou o servigo sé tém valor para o patriio que 0 compra, se for utilizado ow feito em tal lugar, em tal escritério, em tal fibrica. Quando © membro de um conselho ou o secretirio de um sindicato passa diante de uma fibri- ¢a ou pensa no local que cla ocupa, essa imagem apenas parte de um contexto local mais amplo, que abrange todas as fibricas eujos operarios © patrdes estao suje) : ae Perarios ¢ patrdes estao sujcitos a se dirigirem a ele, ¢ Ihe permile voltar a encontrar a lembranga dades, os conflitos di © costumes locais Nn as as Ie Teitos reci ate is que definem a situagao ae de empregados ¢ empregadores, As ope estabeleg ae Jo situadas no contexto local de 0s de crédito em que temos de entrar para apo" 1 dos contratos salariais, suas modal ‘esultantes, $ ¢ também de todas as leis, Fee cos di- es fie nossa age assinatura sobre as =a PiSSOFfundog OO" AS Ordens de pagamento, para recede imagem do banco talvez ndo nos fay lem" 168 s do que um niimero restrito de op. ais er ordem regular de etapas que pr ticamente nao se distinguen, na eo ds quais guardamos apenas uma nogag geral. Este é Rormalmente a o contetido desse tipo de memériz is recente. Tabelitio, prefeito, | ae adicato: e50 ene de sindicato: escolhemos essas Pessoas a g énelas que a meméria das relagées de direi é k de 0c se prendem a sua fungiio deve adquitir o m cragdes. Precisas ¢, Sobretudo, tal circulo material, perma- necem encerrados em um mundo definido de telacdes juridicas formadas no passado, mas que lhes Permanecem presentes, Poderiamos raciocinar da mesma Maneira a propésito de ou tr0s tipos de sociedades. Por cxemplo, no & necessitio it ao interior para descobrir que a fazenda é a0 mesmo tempo a moradia eo prédio No qual ou em volta e diante do qual se trabalha, ¢ também nao preci- Simos passear nas cidades antigas e ler os homes de suas ruas — a Nua dos Tanociros, a rua dos Ouriy para evocar um tempo em AUC as profissdes se agrupavam em locais, Em Nossas sociedades modermas, os lugares de trabalho se diferenciam nitidamente das ca- Sas de moradia — Como a oficina, o escritério ea loja abrigam diari- amente as “quipes ou conjuntos de homens que neles realizam scu trabalho, realmente sobre um fundo espacial que se esbocam esses Pequenos grup Ccondmicos. Da mesma forma, nas cidades grandes 8 baitros se diferenciam con forme a predominancia dessa ou daque- BEPKECIC de profisa © ou de industria, desse ou daquele grau de po- Meza ou de iqueza, Assim se revelam aos olhos do passeante todas “Stuaneas das Condi¢gdes e nao ha nenhuma paisagem urbana na qual “S@ OU aquela classe Social nao tenha deixado sua marca. 169 Manele’ sealbvachs oes As religides esto solidamente instaladas sobre 0 solo, tip apenas porque es ta é uma condi¢do que se oe a todos os homen, = todos os grupos, mas uM gTUpO de ficis € levado 8 distribuir entry : ae partes do espago o maior numero de idéias ¢ imagens = defende. Ha lugares consagrados, hii outros Tugares que eyo. cam lembrangas religiosas. ha lugares profanos, alguns dos quais povoados por inimigos de Deus — nos quais € preciso fechar olhos ¢ ouvidos, alguns sobre os quais pesa maldicdo. Hoje. em uma ve. tha igreja. ou no claustro de um convento, caminhamos distraida. mente sobre as lajes que marcam o local de timulos e no tentamos decifrar os caracteres gravados na pedra, no solo ou nas paredes dos santuarios. s inscri se ofereciam permanentemente aos olhares dos que se encerravam no claustro, que faziam demoradas meditages nessa igreja, entre essas lipides, e pelos altares, estitu- as, quadros consagrados a santos, 0 espaco que circundava os figis no seio do qual eles passavam horas se impregnavam de um signi- ficado religioso. Teriamos uma idéia muito incorreta da maneira como se dispunham em sua memoria as lembrangas das ceriménias, das preces ¢ de todos os atos, todos os pensamentos que preenchem uma vida devota, se ndo soubéssemos que cada um deles encontra- RK ria lugar em alguma parte desse espago. Assim, ndo ha meméria coletiva que ndo acontega em um contexto espacial. Ora, o espago & uma realidade que dura: nossas impres- SOes se sucedem umas as outras, nada permanece em nosso espitito sado se ele © ndo compreenderiamos que seja possivel retomar o pa N40 estivesse conservado no ambiente material que nos circunda. Eb 80 Pago, a Nosso espago — o espago que ocupamos, por onde oa apa “a Passamos muitas vezes, a que sempre temos acesso ¢ que, de quit quer maneira, nossa ima tante € capaz de re hele que azinagdo OU nosso pensamento a cada its pnstruir—— que devemos voltar nossa atenyae. ¢ Hosso pensamento tem de se fixar para que ¢esst ou aes categoria de lembrangas re; parega. | Diremos que realmente € coletiva que no t com uma parte ‘ ¢ ida io ha grupo nem género de aly! a fenha alzuma relagdo com o lu espac. " e isso es © €spago — mas diremos também que iSs° 170 ah nge de ser suficiente para explicar que, rey : lugar, sejamos levados a pensar em tal acio do grupo que the esteve associado. Todo quadro tem uma moldura, mas nao ha ne- nhuma relagéo necessaria ¢ estreita entre UM € outra, e a moldura nao tem como evocar © quadro, Essa objecao seria Valida se, por espago, entendéssemos somente o espago fisico, ou Seja, 0 conjunto das formas ¢ das cores tais como os Percebemos a nosso redor. Sera este o espago primitivo para nds? Sera assim mesmo que normal- mente e com maior freqiiéncia percebemos o ambiente exterior? £ dificil saber 0 que seria 0 espago para um homem realmente isola- do, que nao fizesse ou nao houvesse feito parte de nenhuma socie- dade. Apenas nos perguntamos em que condigdes deverfamos nos situar se desejassemos perceber somente as qualidades fisicas e sen- siveis das coisas. Teriamos de livrar os objetos de uma série de rela- des que se impdem ao nosso pensamento e Correspondem a outros tantos pontos de vista diferentes, teriamos de nos livrar de todos os grupos de que fazemos parte, que entre si estabelecem tais ou quais relagdes e os enxergam de tais ou quais pontos de vista. Em todo caso, s6 conseguiriamos fazer isso adotando a atitude de um outro grupo definido, a dos fisicos ou a dos artistas, uma vez que preten- diamos fixar nossa ateng’io em determinadas qualidades abstratas da matéria ou nas linhas ¢ nuangas das figuras ¢ das paisagens, Quando saimos de uma galeria de pinturas ¢ nos vemos sobre 0 cais 4 beira de um rio, na entrada de um parque ou na animagio da rua, Sofremos ainda 0 impulso do grupo dos pintores € nao vemos as Solsas exatamente como elas siio, mas como se mostram aos que se ¢sforgam unicamente em reproduzir sua imagem. Nada menos na- ‘ural, na realidade, E claro, no espago dos estudiosos e dos pintores, as lembrangas que intere: ‘Presentando a imagem Mm aos outros grupos ndo podem ter lu- 8a ¢ se conservar, Nao poderia ser diferente, j4 que 0 espago dos ¢studiosos e dos pintores & construido por eliminagio de outros es- Pagos. Contudo, isso nao prova que estes nao tenham tanta realida- de quanto aquele... jo que simbolize © espago juridico! também niio é um meio pees ca Ae relacdes de dire - “nicamente uma possibilidade indefinida de relaydes de dite 171 moucice Halbwachs 1s — como € que essa ou aquela de suas partes Poderig ea iene einer earn Pensemos no qe sbi ae que certamente esta na base de qualquer Pen. rei de eae sobre cujo modelo ¢ a partir do qual & Possiye| Saeed ae todas as outras obrigagées foram definidas, Por isso Sanat adota uma atitude, atitude essa duradoura, diante de tal ee solo ou de tal objeto material. Enquanto 0 solo esta iméve} € os objetos materiais — se nao Permanecerem sempre no mesmo lugar — guardam as mesmias propriedades e a mesma aparéncia, embora possamos acompanha-lo e nos assegurar de sua identidade pelo tempo afora, os homens mudam de lugar, assim como se trans- formam suas disposigdes, suas faculdades, suas forgas e seus Pode- res. Ora, um homem ou muitos homens sé adquirem um direito de propriedade sobre uma terra ou sobre uma coisa a partir do momen- cle associou, que, tao logo ela volta sua atengao para 0 TOP, estiig Mundo ext, es ° Sempre presentes em seu pensamento. Ni0 T Antes deg; studo le estu ae - "SP ago geomet tay esPao Juridico, ‘©, que permanecen © manuscrito esboga uma an muito informe para ser publicado. 172 A &® s indicios scjam exterion as Colsas © Com elas tenham, uma relagdo arbitraria © artificial, Quando a Carta Maga ida, logo depois da conquista da Inglaterra, 0 solo no fai aividido n0 papel, mas foram registrados os poden i &S sobre as dife- ates partes exercidos pelos bardes entre os quais cle havia sido gistribuido. O mesmo acontece sempre que faremus um cadastramento ou Tegistramos em uma lei a existéncia de ireito dé propricdade. A sociedade nao estabelece o entre a imagem de um lugar e sua eserigao por escrito. 11 lugar a partir do momento em que ele j so. seja porque es tleum apenas uma re- a 56 a estiver ligado a uma © circundou de limites & almente ali reside, o explor. pe: porque nort conta, Tudo i go permanent que a memori fechaduras, seja #1 ou 0 faga explorar por sta 10 € o que podemos chamar de espago juridico, espa- + pelo menos em certos limites de tempo, permitinde coletiva a cada instante, assim que percebe o espa- 0. nele encontre a lembranga dos direitos Nao € somente a relacao entre o homem ea coils: . 0 proprio homem que supomos ser imével ¢ niio mudar, quando pensamos bre as coisa Em uma comunidade cam- Ponesa, no cartério de um tabelidio, diante de um tribunal, os direi- tos que evocamos estio claramente relacionados a determinadas pessoas. A medida que se volta para 0 aspecto juridico dos fatos, 0 Pensamento s6 retém da pessoa a cai cteristica na qual ela inter- € o titular de um direito reconhecido ou contestado, é 0 pro- . © usufrutuario, o donatirio, o herdeiro ete. Ora, enquanto uma pessoa muda de um momento Para outro, mas reduzida a uma qualidade juridica, el muda. Fala-se muito de vontade, da von- {ade das partes, por exemplo, no direito, mas entendemos nisso a 'ntenedo decorrente da qualidade juridica da pessoa, considerada a mesma para todas as Siderada a mesma di nao muda, Essa tent Ndades indiy: $80 dos dire Jtidico, di Pessoas que tém a mesma caracteristica ¢con- lurante todo o tempo em que a situacio juridica déncia a fazer a abstragio de todas as particula- ‘iduais, quando levamos em conta os sujeitos em fun- ‘tos, explica duas ficgdes muito proprias do espirito 7 erdeiro natural, Quando uma pessoa morre ¢ deixa um herdeiro natural, Zemos que * , tudo acontece Morto se agarra ao vivo" 173 maucice Kalbwacks como se nfo houvesse interrupgdo no exercicio dos direitos, ¢ + Come se houvesse continuidade entre a pessoa do herdeiro ea do decnjy, Por outro lado, quando muitas pessoas se retnem para adquien explorar scus bens, presume: © que a socicdade que elas former tenha uma personalidade juridica, que no mude, enquanto 0 con. trato de associagao subsistir, mesmo depois que todos os membros dessa comunidade dela sairam ¢ foram substituidos por outros, As. sim, as pessoas duram porque as coisas duram, e é assim que ys, processo iniciado por causa de um testamento podera Prosseguir por muitos anos ¢ nio ser julgado definitivamente senao depois de mais de uma geragao. Enquanto permanccem os bens, a meméria da comunidade juridica nado se engana. O dircito de propricdade nao ¢ exercido apenas sobre a terra ou objetos materiais © definidos. Em nossas sociedades aumentou imensamente a riqueza mobilidria — em haveres, depdsitos ¢ em- préstimos nos bancos — e, longe de permanecer estatica ou conser- var a mesma forma, esta sempre em circulagao e escapa aos olhares. Tudo se reduz aos compromissos assumidos entre emprestadores ou credores ¢ os que tomam empréstimos ou devedores — mas 0 objeto do contrato n&io ocupa um lugar invariavel, pois é dinheiro ou sao dividas, quer dizer, simbolos, signos arbitrérios. Por outro lado, existem muitas outras obrigagdes que absolutamente nao di- zem respeito as coisas ¢ dao a uma parte tais direitos a servicos, escrituras, c também a abstengées da outra parte — onde as pessoas apenas se relacionam e onde nao ha mais bens, parece também que saimos do espago. Nem por isso é menos verdade que qualquer con- trato, mesmo nao se referindo a coisas, deixa as duas partes em situagdo supostamente imutavel enquanto o contrato estiver em vi gor. Essa também é uma ficgao introduzida pela sociedade que. 4 partir do momento em que estao fixadas as cléusulas do contrato. considera as partes ligadas, Entretanto, é impossivel que a imobili- dade das pessoas ¢ a permanéncia de suas atitudes reciprocas n20S° ©Xpressem sob forma material e nao se delineiem no espaco- Cala Parte sempre deve saber onde encontrar a outra ¢ as duas parte® devem saber também onde esta a linha que delimita os podet®s 3" uma tem sobre a outra, 174 A ems {\ forma extrema sob a qual Se apresenta © poder de ums scgoa sobre a outta € 0 direito em virtude do qual outrora se — spin ESETIVOS: O escravo era apenas uma pessoa reduzida ao estado coisa: NO havia contrato entre senhor ¢ escravo, 9 direito de optic dade era exercido tanto sobre este quanto sobre os demais ae Contudo. os escravos eram pessoas, diferentes das coisas, ¢ podiam ferir os ee dos senhores — reclamando sua liberdade em cima de titulos falsos, fugindo 0u se suicidando. Por isso 0 es- cravo tinha um estatuto Juridico que, é verdade, comportava apenas obrigagdes & nenhum direito. Ora, nas casas antigas os lugares re- cenvados aos escravos eram separados de outros, em que eles s6 podiam entrar quando recebiam ordens para isso, ¢ a separagao des- sas duas partes do espa¢o bastava para perpetuar, tanto no espirito de senhores como no de escravos, a imagem dos direitos ilimitados de uns sobre os outros. Longe dos olhos do senhor, 0 escravo podia esquecer sua condigdo servil. Entrasse ele numa das salas em que vivia o senhor, tomava de novo consciéncia de ser escravo — como se, passando © limiar, fosse transportado a uma parte do espago em que se conservava a lembranga da relagao de dependéncia em que estava diante de seu senhor. Nao conhecemos mais a escravatura, nem a servidio, nem as distingdes de ordens ou de estados, nobres, plebeus etc. — ou seja, atualmente no aceitamos outras obrigagdes a nao ser aquelas a que nos comprometemos. Contudo, pensemos no que sente um opel “ario ou um empregado que é chamado ao gabinete do patrio, um deve- dor que entra na c 1 comercial ou no banco a que pediu um em- préstimo ¢ que ndo vem para pagar, mas para pedir um prazo maior ou para se endividar ainda mais, Eles também podem ter esquecido 5 prestages e servigos a que estio obrigados; quando se lembram, quando bruscamente se véem numa situagdo de dependéneia, ¢ por que moradia ou o lugar habitual de residéneia do patrao ou do Sredor a seus olhos representa uma zona ativa, um centro de onde irr s ‘perdade de dispor de diam os direitos e poderes de quem tem a liberdade de dispo 8 Pessoa . » apenas & medida que Sua pessoa dentro de certos limites — que, apenas & medida Penetram ne: y as circunstanci- 4 Zona ou se aproximam deste centro, aS aa * sendo 8S € 0 significado do contrato que assinaram parecem © 175 ‘ou evocados em sua memoria, Claro, estes sag casos reconstimidos ; i smos, Acontece que ao mesmo tempo estamos diante de uma cutremos. / ima situagdo de superioridade ou infe loridade jurideca: por exemplo, certo Sr Domingos tem como devedor um fidalgote e, na humildade de homem do povo, nao mesma pessoa em Uw! seu direito. F essencial que em qualquer contrato © local em que ele deve ser executado ou 0 local de resi duas partes, aquele em que 0 credor sabe que podera esperar sey devedor, aquele de onde o devedor sabe que Ihe vird a ordem de execugao. Ademais, essas Zonas em que um se sente senhor ¢ os outros dependentes podem se reduzir a uma espécie de ponto local, em que as duas partes elegeram domicilio ou estender-se aos limi- tes de uma empresa, embora desde a entrada na fibrica ou na loja sentitnos a pressio dos direitos que nos foram concedidos ¢ as ve- zs ate mais longe: na epoca das vias de fato, o devedor insolvente no tinha coragem de sair 4 rua. Aqui chegamos ao caso em que nao se trata mais apenas de um contrato entre dois particulares, mas de leis ¢ do desrespeito as lets. Normalmente s6 pensamos nessas obrigagdes de ordem piibli- ca quando demamos de cumpri-las ou somos tentados a isso, Hi poucas partes do espaco ocupado pela sociedade que fez essas leis €m que nio nos sintamos constrangidos, como se teméssemos es barrar com alguma repressdo ou alguma reprovagao, Em todo caso, Mesto quando seguimos as regras, nem por isso a pessoa juridica deina de estar por ali, estendida no solo. Para os a Atigos, a imagem 3 cidade no se separava da lembranga de suas leis, Ainda hj, Guando saimos de nosso pais para ir ao estranyeiro, sentimos que Passainos de uma zona juridica para outta, ¢ que a linha que a separa cot matenalmente marcada no solo A vids econdmica nos relaciona com bens materiais, nus de matte {S Sitercnte do excteiciy do direito de propricdade ¢ a formagae & papers propia dessas coisas, Saimos do mundo dos Cae mundo fein mundo do Valor: um © outro sao muito diferentes ‘i Bee mas, talvez, quando avaliumos os objetos deles @fastam \- Nes ainda mais do que quando, de acordo com outros h? 176 a Remora Coleliva determinamos a extensio e og limites de ge diversas partes do mundo material, pre as Nao falemos em valores, mas &M pregos, jd que afinal éjus- tamente 0 que NOs é dado. Pregos estdo ligados as Coisas como eti- quetas — mas entre a aparéncia fisica de um objeto e seu Preco nao pa nenhuma relacao. Seria diferente S€ 0 prego que uma Pessoa dg ou esta prestes a dar para uma coisa Correspondesse ao desejo ea necessidade que dela sente, ou se o Prego que pede mediria sua dificuldade e seu sacrificio, quer renuncie a esse bem, quer trabalhe para substitui-lo, Nesta hipotese, nao haveria motivo para se falar em meméria econémica. Cada pessoa avaliaria os objetos segundo suas necessidades no momento e a impressao real da dificuldade que teve para produzi-los ou para se Privar deles, Nao é nada disso, Sabemos muito bem que as pessoas avaliam os objetos, como ava- liam também a satisfagaio que eles nos trazem do esforco e do traba- Tho que cles Tepresentam, segundo seus PIe¢OS, € esses precos sio dados fora de nés, em nosso STupo econdmico. Ora, se os homens decidem assim atribuir tais Precos aos diversos objetos, certamente nao sera sem se referirem de algum modo 4 opiniao que reina em Scu grupo no que toca utilidade desse objeto ¢ a quantidade de trabalho que ele pede. Esta opiniio, em seu estado atual, se explica Principalmente pelo que foi antes ¢ os Pre¢gos atuais pelos prece- dentes, Portanto, a vida ccondmica se baseia na meméria dos pre- AMF anteriores, pelo menos do “iltimo prego,” ao qual se referem compradores ¢ vendedores, ou seja, todos os membros do grupo. Essas lembrangas se sobrepuseram aos objetos atuais por uma série de decretos Soclais — como, entio, a aparéncia dos objetos e sua Posigao no ¢spaco bastariam para evocar essas lembrangas? Os pre- $98 siio nimeros, que representam medidas. Enquanto os niimeros ndem iis qualidades fisicas da matéria em certo sentido ® contidos nela, pois, podemos recuperi-los por observagio ¢ Pela medida, Aqui, no mundo ccondmico, os objetos s6 adquirem ‘leu Valor a patti de Momento em que thes ¢ atribuido um prego. © Nossos direitos So- Wwe correspon Cota Ese preg a2 aparéncia e “Se Preco nao tem Portanto nenhuma relagdo com a apard ae Propriedades fisicas do objeto. Como a imagem do objeto po “Vocar a te ‘ i dincia em 'mbranga de seu prego, ou seja, de uma importa 177 eee oo, Wauclee atalbwachs _ heiro, se o objeto nos & representado exatamente como aparece nheiro, s 7 din 9 com a vida do grupy? no espaco fisico: livre de qualquer li Fo ec Todavia, precisamente porque os pregos resultam de opin. spenso no pensamento do grupo ¢ nao das qualida. fo € 0 espago ocupado pelos objet0s, sig g, 5 fisicas dos objetos, Iugares em que se formam essas opinides no valor das coisas e ong, se transmitem as lembrangas dos pregos, que podem servir de supone S, NO pensamento coletiv, a memoria econdmica. Em outras palay certas partes do espago se diferenciam de todas as outras porque nor. brar e lembrar aos outros grupos quais sdo os pregos das diferentes mercadorias. No contexto espacial constituido por esses lugares que em geral evocamos a lembranga das negociagdes e do valor dos obje- 10s, ou sefa: todo 0 conteiido da meméria do grupo eeondmico, Simiand dizia que um pastor, nas montanhas, depois de ter dado ao viajante uma tigela de leite, ndo sabe que preco deve cobrar € pede “o que o senhor pagaria na cidade”. Do mesmo modo, os camponeses que vendem ovos ou manteiga fixam 0 preco tomando por base o prego pago na tiltima feira. Observamos imediatamente ¢ em primeiro lugar que essas lembrangas se referem a uma época muito recente, como acontece com quase todas as que tém sua ori- gem em diligéncias ¢ pensamentos econémicos. Se realmente afas- tamos tudo 0 que depende da técnica na produgao e que nao Precisamos levar em conta atualmente, as condigdes das vendas e das compras, os pregos, os salirios esto sujeitos a permanentes flutuagdes e, alias, nao ha nenhum campo em que as lembrangas Tecentes apaguem mais depressa e mais inteiramente as mais anti- gas, E claro, o ritmo da vida econémica poderd ser mais ou menos "épido. Sob os regimes das corporagées e da pequena indiistria. a ee de fabricagao mudavam muito lentamente, nes a Ries i" a ses compradores e dos vendedores tamben -— permaneciam mee variagdes, durante longos periodos os ae quando a téenien hea no mesmo nivel. Nao acontece 0 mest © transforma junto com as necessidades e. &™ uma socies domi i ; Pa iedade econémica ampliada até os limites da nagao e além es, sob um Tegime de 178 mais complexo do que outrora, esté Sujeito a flutuag ¢ parciais que Se propagam de uma regiao a out outro. E preciso que compradores e vendedores readaptando a condigdes de oo novo equilibrio © que, a cada vez, esquegam seus habitos, pretenses ¢ experiéncias antigas. Pensemos nesses periodos de inflagdo, de baixa precipitada da moeda, de alta ininterrupta dos pregos, durante os quais de um dia para 0 outro ¢ as vezes da manha para a noite é preciso guardar no espirito uma nova escala de valores. Podemos observar semelhantes diferengas quando, num mesmo momento ou num mesmo periodo, passamos de um do- minio da vida econdmica a outro. No interior, quando vao ao merca- do ou a cidade, em intervalos bastante longos, os camponeses podem achar que 0s precos nao mudaram a partir do momento em que foram compradores ou vendedores — cles vivem com base em lembrangas de pregos antigos. Nao é mais assim nos meios em que as relagdes entre comerciantes clientes siio mais freqiientes, especialmente nesses grupos de comerciantes de varejo ¢ atacadistas que no compram Somente para satisfazer suas necessidades de consumo e que nio ven- dem somente para escoar scus Produtos, mas compram e vendem por Conta e como por delegagao de todos os consumidores ¢ de todos os Produtores. E nesses circulos que a meméria econémica deve se re- novar constantemente ¢ fixar, a cada momento, 0 estado das relagdes © 05 pregos mais recentes. Com raziio maior ainda, o mesmo acontece nas bolsas em que siio negociados titulos, cujos pregos mudam nio Somente de um dia para outro, mas durante uma mesma sessio ¢ de uma hora para outra, porque todas as forgas que modificam a opiniao de vendedores ¢ compradores imediatamente fazem sentir sua pres- Sa0 © niio hé outro meio de conjeturar ou prever 0 que serio os pre- £95, 4 no ser guiar-se pelo que foram no iiltimo instante. A medida ANE nos afastamos desses cfrculos em que as atividades das trocas a is intensa, a meméria econdmica se torna mais lenta, S ne Passado mais anti igo ¢ retarda no presente. Sao os comet ‘Ges de Conjunto ra, de um setor a cstejam sempre se {ue The dio novo alento ¢ o forgam a se renovar. : : Sio os comerciantes que ensinam a scus clientes & Ihes re- Cordam o Prego de cada artigo, Compradores que sao nena Pradores s6 participam da vida e memoria do grupo economic 179 praucice talbvacks quando penetram nos circulos comerciais ou quando | neles entraram — de que outra maneira poderiam con das mercadorias e como, permanecendo encerrados ¢ as ¢ isolados das correntes do comércio, Conseguiria dinheiro aquelas de que dispdem? Examinemos ago: de comerciantes que, como ja dissemos, constituer atuante da sociedade econémica, pois é entre eles sao elaborados e conservados. Quer estejam reuni dos, atras dos balcdes ou nas ruas comerciais das ci ra vista parecer que est3o mais separados do que outros por uma espécie de consciéncia comum, clientes, é com eles que se relacionam e nao Se rel comerciantes vizinhos, que sao concorrentes ©a quem fingem igno- Tar, Ou que nado vendem os mesmos artigos — embora enquanto vendedores se desinteressem por eles. Contudo, mesmo nao haven- do nenhuma comunicagao direta entre um e Outro, nem por isso deixam de ser agentes de uma mesma fungao coletiva, Neles circula um mesmo espirito, tem aptiddes da mesma ordem, obedecem a semelhante moral profissional. Embora sej se solidarios quando se trata de pradores. Todos estao em cont: ‘embram que hecer 9 Valor 'M Suas famili. 'M a avaliar em Ta esses grupos Ma parte mais QUE Os Valores idos nos Metea- idades, a prime}. ligados uns aos Voltados Para os lacionam com os im concorrentes, sentem- impor € manter os pre¢gos aos com- ‘ato com outros ambientes, os dos alacadistas e, através destes, com as bolsas de lado, com banqueiros e negociante ca ¢m que se concentram todas as informagées, que imediatamente € rebatido por todas operagdes do comércio e contribui com mai- OF clicdcia na formacao dos Pregos. E 0 drgiio regulador, pelo qual todos os comerciantes estio ligados uns aos outros, pois as vendas de cada um contribuem, por sua vez, para modificar suas reagdes, ¢ todos obedecem ao mesmo tempo a seus impulsos. .___Em todo esse género de iniciados. O baledo d comércio e, por outro 4 parte da sociedade econémi- 0 so atividade, os consumidores 1 © comerciante & como uma cortina que impede aL ollates de penettarem nessas regides em que os pregos S claborados, Esta mais do que uma imagem, veremos que se og" Host omerciantes se imobiliza nein ce espago e se fixa em cers lugares em que o Negociante atende o cliente, é porque somente Nessa condicao ele pode Preencher sua fungao na sociedade econ?” 180 A Ihembera Coleliva Coloquemo-nos no ponto de vista dos clientes, Dissemos que NSUMO a nao ser s clientes tém de as uma condigio ca. i a nao podem aprender a avaliar os bens de cor de ‘os comerciantes thes déem o prego. Assim, o: a proximar dos circulos comerciais. Esta é ali secessitia para a troca, 0 cliente tera de saber em que enderego, poderd encontrar 0 comerciante (pelo menos, do Modo mais geral, e sem esquecermos que ha vendedores em domicilio, embora esta seja apenas uma excegao que, como veremos, confirma a regra). Portan- to, os comerciantes esperam os clientes em suas lojas, Ao mesmo tempo, nessas mesmas lojas, as mercadorias espe- ram os compradores. Estas néio so duas expressées diferentes de um mesmo fato, mas antes dois fatos distintos, que devem ser vistos ao mesmo tempo, porque um é outro ¢ sua relagao entram ao mesmo tempo na representagio econdmica do espaco. E porque a mercado- ria espera, quer dizer, permanece no mesmo. enderego, que o comer- ciante ¢ obrigado a esperar, ou seja: ater-se a um prego fixado pelo menos durante todo o tempo que passa até a venda, E com esta condi- so que o cliente ¢ incentivado a comprar ¢ tem a impressao de pagar 0 objeto a seu prego, como se este resultasse da propria natureza da coisa, nao depois de todo um complicado jogo de avaliagdes que mudam permanentemente. Claro, é uma ilustio, pois o prego esta pre- S04 coisa como uma ctiqueta a um produto e esta sempre mudando, mas 0 objeto n&io muda. Enquanto negociamos, como se percebésse- Mos todos os artificios que entram na determinagio do prego, na ver- dade continuamos convencidos de que existe um prego verdadeiro, {ue corresponde ao valor da coisa, que 0 comerciante esconde de nds © que procuramos fazé-lo confessar, ou que é 0 que ele diz, mas ten- ‘amos fazé-lo esquecer, A idéia de que 0 prego vem de fora, de que Cle nao esta no objeto, é a de que o comerciante se esforga por se ‘esfazer, persuadindo 0 comprador de que 0 objeto é vendide 20 mo ¥° Verdadeiro. © comerciante nao consegue fixar pouco a ae PreG0 ¢ integra-lo ao objeto, sendio oferecendo o objeto pelo mes! Prego durante um tempo mais ou menos longo. 7 a roupa ou qual- Alguém que tenha c movel, uma oP imag ‘gucm que tenha comprado um talvez imagine erciante, “Ner artigo de consumo habitual ¢ 0 leve para casa, 0 com ‘Ne ele mantera seu valor, medido pelo prego page # 181 durante todo 0 tempo em que o ree caté estar fora de USO oy ssaparecido. Este 6 um erro muito comum, porque s Tevendés. tees ei ou depois de algum tempo o mesmo objeto, neq” aca ele mudou de prego. O comprador vive em cima de vey fembrangas. As lembrangas do comerciante siio mais recentes, om relagdo ao prego — porque, vendendo a muita gente, ele passa Suas mercadorias adiante ¢ tera de renova-las mais depressa do que um cliente renova sua compra no mesmo comerciante. No €ntanto, em relacdo ao atacadista, 0 comerciante esta na mesma situagdo que cliente em relagao a ele. Por isso os pregos de varejo mudam mais lentamente do que os precos do atacado, com certo atraso. O Papel dos varejistas é 0 seguinte: eles devem estabilizar os pregos 0 tem- po necessirio para que os clientes possam comprar, Esta é apenas uma aplicagdo particular de uma fungdo que qualquer sociedade deve preencher: enquanto tudo est sempre mudando, persuadir seus membros de que ela ndo muda, pelo menos durante certo tempo e em relagdo a certos aspectos. Da mesma forma, a sociedade dos comerciantes deve persuadir scus clientes de que os pregos nao mudam, pelo menos durante o tempo necessario para se decidirem. Ela s6 consegue isso quando se estabiliza e se fixa em determina- dos lugares em que comerciantes ¢ mercadorias se imobilizam a S pregos niio se fixa- ¢ uns ¢ outros nao Pensassem ao mesmo tempo — niio somente nos objetos — mas nos lugares em que estes esto expostos ¢ stio oferecidos, Como 0 #Tupo econdmico nao pode estender sua memoria por um periodo ilo espera dos compradores. Em outras palavras, o: riam na meméria de compradores ¢ vendedor longo demais ¢ Projetar suas lembrangas de pregos num pa bastante longinquo, sem que cle mesmo dure, sem que permanega como é Ros mesmos lugares, nos mesmos locais, & natural que 0 YIUPO © set er r : a BFPO seus membros, se substituindo realmente ou através do pee same) C5Se: are: i “ smento nesses lugares, reconstituam o mundo dos valores cuj0 “ontexto continuam sendo, “t surpreendente em que as lembrangas de um grupo reli- S Sejam trazidac : : aan “Jan trazidas pela visdo de determinados lugares, deter —- dos objetos. Para ess48 Jos objetos. Para es eOes OU certas disposigdes 182 scien separagiio essencial entre © mundo ¢, sot rofano Se realiza materialmente no ©spaco. Quando entra numa a num cemitério, num lugar Santificado, 0 fie] sabe que ali i i ih a encontrar um estado de Espirito que ja &xperimentou z com outros crentes, reconstituira, ao mesmo tempo que uma comu- nidade visivel, um pensamento lembrangas Comuns — as mesmas que se formaram ¢ foram sustentadas em “Pocas anteriores, nesse mesmo lugar. Jé no mundo profano, durante Ocupacdes niio Telacio- nadas com a religiao, em Contato com ambientes de objetivos com- pletamente diferentes, muitos fidis se comportam como devotos, que ndo esquecem de transmitir a Deus o que podem de seus pensa- mentos ¢ seus habitos. Nas cidades antigas, a religiio transbordava por todos os cantos e, em outras sociedades muito antigas, na China por exemplo, néio existe religiio em que escapemos @ influéncia dessas ou daquelas forgas sobrenaturais. A medida que as princi- pais atividades da vida social se libertam do dominio da eligiiio, 0 nimero ¢ a extensio dos espagos dedicados & religio ou habitual- mente ocupados por comunidades religiosas, se reduziram e fecha- ram. Certamente, “para os santos, tudo é santo”, e nao ha lugar que na aparéncia seja tio profano em que o cristo nao Possa evocar Deus. Nem por isso os figis deixam de sentir a necessidade de se Tait periodicamente ¢ se comprimir ns contra os outros nos edi: ficios ¢ locais Consagrados 4 devogao. Nao basta franquear o limiar de uma igreja para nos recordarmos em detalhe e de modo preciso a8 nossas relagdes com o grupo dos que tém a Crengas, De qualq Sspirito comum Nao Se trate de ‘grado € o mun. ossas mesmas luer maneira, nos encontramos na disposigio de aos figs quando estio em lugar de culto e,embora eventos propriamente dios, mas de certainclinagao orientagio uniforme da sensibilidade e do pensamento, esse éexa- tamente o fundamento ¢ 0 contetido mais importante da memoria attivareligiosa, Nao hd duvida de que ela se mantenka nas reli f emi que entramos na 8s consaraday, Porque a partir do momento em que ent "8a, Voltamos ae Podemos Continu; ue, pe! ila. ‘ncont & ta ria de nosso grupo ¢ 0 até julgar que a memoria de noss 7 até julgar que a men ase conserva € quanto os locais em que nos parece que ela seaegeelins los tempos afora e sem interrupgdio, uma mes 183 eit oo wachs es is, atalboachs ee religioso passou Sob lodas S848 absbaday, Ng oa igreja esti quase vazia, Momentos gy azia, periodos eM que SUAS Portas sag fio paredes ¢ objetos inertes, N, de pensamento momentos cm qu ; m esti completamente ¥ Fecha, sali so est S Petig. Sa ease dispersou. No entanto, continua eXistindy dos, 0 ee que era; quando passar por transformagaes, mada Fra saper gus madiow ou deivou de exist por gum tempo, ang ser que nesse meio teMpo OS fidis eee re : 7 frente da ja, a tenham visto de longe, tenham escutado scus sinos, gem de sua reunido nesse lugar e das ceri centre essas paredes Ihes tenham permanet ido presentes ou que eles tenham sempre conseguido evoci-las num instante, Por outro lad, como estariam seguros de que seus sentimentos nao mudaram, de que sao hoje o que foram outrora, ¢ que neles nao se pode distinguir © que faz parte do passado ou do presente, se a permanéncia dos lugares nao Ihes trouxesse essa garantia? Mais do que qualquer ou- tro, um grupo religioso precisa se apoiar num objeto, em qualquer parte da realidade que perdure, porque em si ele nao pretende mu- dar, enquanto a sua volta todas as instituigdes ¢ os costumes se trans- formam eas idéias ¢ as experiéncias se renovam. Enquanto os outros erupos se atém a persuadir seus membros de que suas regras ¢ ar Fanjos permanecem iguais por todo um periodo, mas um perfodo limitado, a sociedade religiosa nao pode admitir que nao seja hoje como era no inicio, ou que deverd mudar no futuro. Como qualquer clemento de estabilidade que faz falta no mundo dos pensamentos¢ dos sentimentos, partes do Mm que igre. que a ima. imOnias a que assistiram na materia ¢ em uma ou muil que ela precisa parantir seu equilibrio, A igreja ndo é somente o lugar em que se retinem os fik fecinto em cujo interior as influéncias dos meios profanos nio pe- netr ' oy £m primeiro lugar, ela se distingue de todos os outros luga- es de reunioe liste toe de todas as outras sedes da vida coletiva. A istribuigao © iad do : i om Spa Fa em tradigdes e pensamentos do grupo ie : a8 divers cares ete iferentes estejam assim preparados Pr siteas fonne ed nas de fidis, se} porque os sacramentos essen Ms Principais de devogao ali encontram o local que Ihe atrumagao de suas partes res pondem as nec! Se Mspiram em tradi 184 A hembeia Coleliva Mtv xém, a propria igreja imp6e aos membros do grupo uma di tie 7 jo ¢ atitudes, € grava em seu espirito um Conjunto de imagens av finidas € imutdveis quanto os ritos, as Preces, os artigos do sai E certamente uma necessidade do exercicio da Teligido que, ental, certas areas se destaquem das outras Porque 0 pensa- mento do grupo precisa concentrar sua atencao em certos Pontos, ali projetar de alguma forma uma Parte maior de sua substincia e, enquanto para os padres, mais bem informados sobre as tradigdes, todos os detalhes desse arranjo tém o seu sentido, Correspondem a uma dirego do pensamento religioso, no espirito da massa de figis predomina uma impressio de mistério, diante dessas imagens ma- teriais. Da mesma forma, nos templos da antiguidade, no templo de Jerusalém, nem todos os figis eram admitidos nas partes mais sae gradas, no santuario e no santo dos santos. Uma igreja é como um livro cujos caracteres poucos sabem soletrar e decifrar, De qualquer modo, como praticamos 0 culto e recebemos 0 ensinamento religio- 80 dentro desses prédios, todos os pensamentos do grupo tomam a forma dos objetos sobre os quais pousam. Como encontram por toda parte as imagens de Deus, dos apéstolos, dos santos e num ambien- te de luzes, ornamentos e vestes eclesiasticas, cles imaginam assim & Ness¢ contexto os seres sagrados e o paraiso, e transpdem para esse tipo de paisagem as verdades transcendentais do dogma. A teligiao se expressa sob formas simbélicas que se desdobram e se 4proximam no espaco: é somente assim que temos a certeza de que ‘la subsiste. Por isso & preciso derrubar os altares dos deuses anti- 805 e destruir seu templo, se quisermos apagar da meméria dos ho- Mens cultos prescritos; os fiéis dispersos lamentam estar distantes de seus Santudtios, como se o seu deus os houvesse abandonado e, a Cada vez que se ergue uma nova igreja, 0 grupo religioso sente que aumenta ¢ se consolida, i Qualquer religiao tem também sua histéria, ou melhor, ha mnt meméria religiosa feita de tradigées que remontam a eventos TRuito distantes no passado, que aconteceram em determinados lu- SMCS. Ora, seria muito dificil evocar 0 acontecimento se ndo pen- Sdssemos no lugar, que em geral nio conhecemos porque vimos, *S Porque sabemos que existe, que poderiamos vé-lo € que, de 185 maucice Halbwacks qualquer maneira, testemunhas ae we Gt sténcia, Por ig, existe uma geografia ou topografia religiosa. Quando chegaray, a Jerusalém e retomaram a posse dos lugares Santos, Os cruzadog Nig se contentaram em procurar os locais em que a tradigao Situaya os principais acontecimentos narrados nos evangelhos. Muitas Vezes localizaram mais ou menos arbitrariamente alguns detalhes da vida do Cristo ou da primitiva igreja crista, guiando-se por Vestigios in. certs ¢ até, na auséncia de quaisquer vestigios, obedecendo a in piragdo do momento. Depois, muitos peregrinos vieram rezar nesses lugares, novas tradi¢des se formaram ¢ hoje temos enorme dificul- dade para distinguir as lembrangas de lugares que existem desde og primeiros séculos da era crista ¢ tudo 0 que a imaginagao religiosa 4 elas acrescentou, Ora, nenhuma dessas localizagSes & de fé, pois nenhuma foi comprovada por uma tradi¢ao bastante continua © su- ficientemente antiga. Sabemos que surgiram, a0 mesmo tempo, num mesmo lugar, muitas tradi¢écs diferentes, sabemos que mais de uma dessas lembrangas perambulou consideravelmente pelas encostas do monte das Oliveiras ou da colina de Sion, se deslocou de um quadrante a outro, que alguns dentre eles atrairam os outros ou, ao contrario, se dividiram, o arrependimento de Sao Pedro se desta- cando, por exemplo, da renegagiio, e se fixando em outro ponto. Se, No entanto, a igreja ¢ os ficis se acomodam a essas variacdes ¢ con- ttadi¢6es, nao sera porque a meméria religiosa precisa imaginar os lugares para evocar os acontecimentos que a eles associa? Nem to- dos os figis podem ir em peregrinagao a Jerusalém, para contemplar com seus préprios olhos os lugares santos. Basta que os imaginem e saibam que eles continuam ali, jamais duvidaram disso. No final das contas, qualquer que tenha sido o papel do culto dos lugares santos na histéria do cristianismo, e também de outras ‘eligides, hd isso de particular no espaco religioso — porque Devs € onipresente, no ha regitio que nao possa participar do mesmo cardter sagrado de locais privilegiados em que ele se manifestou, € basta que os figs queiram coletivamente ali comemorar tal aspec!? de sua pessoa ou aquele de suas ages, para que essas lembrancas *¢ abeguem a esse lugar e possamos reencontré-las. Como jé vimos. Gualquer igreja pode se prestar a esse oficio: podemos dizer que 186 sesus Cristo foi crucificado nao Somente sobre todos 0S lugares em que a cruz & adorada, ¢ ng Ceniculo que ele comungou com seus discipulos, te onde écelebrado 0 sactificio da missa e onde mam da Santa Mesa. A isso devemos acres; consagradas 4 Virgem, aos Apostolos, aos santos gares que atraem os fidis, Porque neles se guard: uma fonte que cura, um timulo ao redor do qui etc. E claro, em Jerusalém, na Palestina e na Galiléia 0s lugares de comemoracao sao mais numerosos, porque toda a historia evangéli- ca foi escrita no solo; eles sao, alias, duplamente sagrados, nao so- mente pela vontade e pela fé dos que ali se reinem ouali se sucedem, mas porque foi la (pelo menos € 0 que se acredita) que na época do Cristo foi visto 0 que os livros sagrados contam. No final, 0 que importa € 0 significado invisivel e eterno desses fatos, nfo ha lugar onde nao se possa evocd-lo — basta adotarmos a mesma atitude, ou melhor, basta que se reproduza materialmente a cruz eos santudrios que se apresentam no teatro histérico dos evangelhos, Assim se constituiu a devogao do caminho da cruz— como se, ao reconstituir muito longe de Jerusalém a via dolorosa e suas estagdes, nds e tam- bém os peregrinos, nos puséssemos a altura de reviver interiormen- teas sucessivas cenas da Paixiio. De qualquer maneira, buscamos 0 mesmo objetivo. A sociedade religiosa quer se convencer de que nio mudou, embora tudo se transformasse a seu redor. Ela sé con- Segue isso encontrando os lugares, ou reconstituindo a sua volta uma imagem ao menos simbélica dos lugares em que se constituin ~ Porque os lugares participam da estabilidade das coisas materi- aise é fixando-se neles, encerrando-se em scus limites e sujeitando Nossa atitude sua disposigiio que o pe aumento coletivo do Laan {dos crentes tem maior oportunidade de se imobilizar e drat. Tealmente a condig&o da memoria. Gélgota, mas em © fi somente no Mas Por toda par- 98 figis se aprox. Centar as capelas © tantos outros Iu. 3 alguma religua, fal houve milagres a maioria dos 27UPOS, ene le seus io permanente partament Resumindo tudo o que precede, diremos 4 No apenas aqueles que resultam da justaposis pr Membros, nos limites de uma cidade, wma css 187 muitos outros, esbogam de algum modo sua forma pre o solo e encontram suas lembrangas coletivas no contexto es So. eo einido. Emoutas paves, hi tantas manera de rroresens: ‘o espago quanto grupos. Podemos fixar nossa atengao nos limites da, propriedades, nos direitos ligados 4s diversas partes do solo, distin guir os lugares ocupados pelos senhores € pelos escravos, pelos suzeranos e pelos vassalos, pelos nobres ¢ pelos plebeus, pelos cre. dores e seus devedores, bem como zonas ativas e passivas, de onde jrradiam ou em cima das quais sao exercidos os direitos relacionados ou subtraidos 4 pessoa. Podemos também pensar nos locais ocupados pelos bens econémicos, que s6 adquirem valor na medida que sio Pmocidos € postos a venda nos mercados © nas lojas, ou seja: no némico dos vendedores ¢ seus clientes limite que separa 0 grupo eco} — aqui também ha uma parte do espago que se diferencia das outras: éaquela em que normalmente reside e sobre a qual deixou sua marca a parte mais atuante da sociedade, que se interessa pelos bens. Pode- mos, enfim, ter sensibilidade principalmente na separacdo que passa para o primeiro plano da consciGncia religiosa, entre Igares sagra: dos e lugares profanos, porque ha partes do solo ¢ das regides do espaco que o grupo dos ficis escolheu, que sio “proibidos” a todos os outros, onde encontram ao mesmo tempo um abrigo e uma base em que apoiar suas tradigdes. Assim, cada sociedade recorta 0 espago & sua maneira, mas de uma vez por todas ou sempre segundo as mes- mas linhas, de maneira a constituir um contexto fixo em que ela en cerra ¢ encontra suas lembrangas.. Agora devemos nos recolher, fechar os olhos, retroceder no tempo o mais longe possivel, até onde nosso pensamento consiga se fixar ¢m cenas ou pessoas cuja lembranga conservamos. Jamais saimos do espago. Além disso, nao voltamos a nos encontrar num ae indeterminado, mas em regides que conhecemos ou que sa- ee que poderfamos localizar, pois sempre fizeram freer ce em que hoj estamos. Nao adi Bie ae = ee circulo do meio local, para me ater i; ee as reflexdes que outrora fiz. Sensag6es, refle . quaisquer fatos, devem ser post local onde ja residi Pelo qual passei nesse fs postos nn local oe J ee omento ¢ continua existindo. Proc ‘mas também janta me As set- 188 i A Iemécia Coletiva oo is longe. Quando tocamos na época em que Ja ndo conse. mais ji 0s ir aginst os lugares, nem mesmo contusamente, chegamos si guimos regides do passado que nossa memé Por. ém a se . . jo ¢ exato dizer que, para lembrar, & preciso que nos trans- ndo ating tubs 0 ema em pensamento fora do espago, pois ao contrario & mos anc, oer a imagem do espago que, em fungao de sta estabilidade, justamente a oy i a ilusdo de ndo mudar pelo tempo afora ¢ encontrar © pass, nos di do no presente — 1 miria € somente 0 espago & estivel o bastante para durar s memoria ¢ s s € exatamente assim que podemos definir a " envelhecer ¢ sem perder nenhuma de suas partes. e 189

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