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A EXPERIENCIA BURGUESA DA RAINHA VITORIA A FREUD VOLUME 3 O CULTIVO DO ODIO “Tradusao: SERGIO GOES DE PALIA INANE DE LaMARE NORONHA 1 reimpresae sin Pale eens a, 1988 ‘Tito oni The cultwation of bared Capa Jodo Baptista da Costa Aguiar sobte gravura de Honoré Victoria Daumler Une discussion liératne 2 la doussirne galerie (1864) Preparagao: Marcos Lutz Fernandes Rerisio Gartos Atoesto fader Indice remisive Gare Midort none Maria de Macedo Soares “Todos os dretos dest edigto reservados & ua Bandeica Paulisa, 702,32 '04532.002 — Sio Panlo— © ‘Telefon: (11) 3846-0801 Fax (1) 3846-40814 ‘www companhiadaleras. comb Janet Malcolm e Gardner Botsford Was ist elas, wast ens lige, mordet, stoblt? lel mag dem Geaanken nicht wetter nachgeben. Georg Biichner pant a noiva Minna Jaegle, ca 1835 Le sentiment de ta destruction est inné davis Ubomme: on dinait que ced un aninel mal doubt homicide de nature Edmond et Jules de Goncourt, Journal; memotres de a vie littéraire, 16 de aavembro de 1859 ‘The joy of kiting The joy of seeing kitting done — these are the traits of the buman race ai large ark Twain, Following the Equator, 1897 SUMARIO Introdugao. EXPERIRNCIAS BURGUESAS, 11 Mensur — a acariclada cleacrlz Allbis A apoteose do confito, © owiro conventente... Virilidade: ideal ¢ trauma... T. Rs exwremista de cenuo, . Patologias... Em busca de explicagdes civilizadas. Entre as prisOes © © destino. A consciéncia burguesa em acio. Os prazeres da dor... Demagogos ¢ democrats. Redefinigdes....~ © tongo parto da cultura politica Césares modernos. - A natureza humana na politica © poderoso sexo frail Domesticidade: a feminilidade definica. Um tempo de tentativas Uma multidio — a de mulheres escrevinhadoras, Competéncin: redefinicao da feminilicade . 269 a 43 46 76 103 123, 135 136 148, 167 188 218 218 224 240 292 204 316 331 356 5. humor mordaz, ‘Varledades de risos. Médicos para a sociedade. A villa COMO CAETASCO..... Um sibio risonho ¢ cruel 6. Dominio incerto. Equiyalentes: morals © outros. © império dos fatos. 0 fim de homer da Renascenca, ‘Uma eta de conselhos © de neuroses, Epflogo: 4 de agosto de 1914 Apéndice: Teorias da agressio. Notas. pri Enstio bibliogréfico. Agradecimeatos, Indice... 371 37L 385 398 410 426 . 428 449 ATA - 492 515, 529 337 508 657 661 INTRODUGAO oo Lutas ane core entre denominagées religiosas ou grupos rackais € étnicos, rivalidades por postos ¢ por poder na politica ow nos negécios, os ddios gerados pelo nacionalismo ¢ pelo impe- Fialismo, os estragos do crime, os enfeentamentos da vida privads, da dis eGrdia conjugal aos Feudos familiares —} ‘is «la ageessividade — ameacadora ou adaptadora — sempre fol, ¢ sempre seri, uma grande preocupagio para juizes, reformadores sociais, planejado: peng: luva retoricamente o ceamaturgo alemao Georg Biichner numa carta le 1835, que mente, mata, 1ouba?";€ se recusava a esperar por uma resposta: “No ero aprofundar este pensamento"! Nao queria aprofundi-lo porque a res- posta deprimente— a narureza humana é assim mesmo — parecia-he dolo- omamente Obvla, Um quarto de século depois de Bichner, os imios Gon- ‘court, romancistas experimentais, esnobes consumg cromistas: ie a a Ya — vine Une. ©, I, 218 mt ffuents de Herbert Spencer e Charles Darwin, € frequencia mal compreend tin acque bem comprenas, iat ieesSe ie aaeSeanesm- ideramos comno caactersticos dos vEorlanos nao estavam continados & GraBretanha u sOficas ¢ clentificas para a essencial ¢ indelével combatividade humana Xo final do século, William James resumin a opinido pés-darwiniana quando ob- seevou que a “evolugdo ancesiral tornou-nos a todos guerreiros em poten- cial”, Em sua visto, fanatismo, dogmatismo, a nsia de dominar — “‘o tor- mento dos judeus, a.caca dos alhigenses ¢ waldenses, o apedrejamento dos quakers ¢ 0 afogamento dos metodistas, o assassinato dos méimons € 0 mas sacre dos arménios” — demonstram “aquela aborigine neofobia humana, a belicasidade de cujos vestigios todos nds partilhamos”.3 Alguns anos mais tarde, o sutil sociGlogo alemi@@EORBISIMINR! rcitcrava esse amplo consen- so: em sua obra principal, Soztologie, supos cuc iene itt Sea aOrac GETING GENIE necessidade naka de aden Seas tinham reseevas quanto a case veredicto popular const minoria. ‘Aimaioria tinha uma convioezosseja um dom humano essencial, um tra- coadquirido, ou uma.tesposia cransitSriac ado premeditada a uma provoca ‘cio, a ageessio em algumas formas parecia ser necesséria 2 mais cimita e dis- GEAMMERMRTURED. 0 proverbial sudakerno humile que jamais eleva a voz para seus iguais (quanto mais pera seus superiores) abusa da mu- ther ou, como Gitimo recurso, chuta o cachorr 0. PARA RACAL Sal PFOpE: GRFESSEO, Mas além desse terreno seguro esté 0 vasto € ndo inteiramente ma- ;peado (longe disso) dominio dos enigmas. Para come¢ar, M&mROGOSESTAtS agressivos sao pugilismo primitivo, crueldade brutal, ou assassinato comum. Eles variam num amplo espectro de expressio verbal fisica, cla cntiante autopublicidace as lesées permissiveis, da malfcia astuta a tortura sidica, Sur- ‘gem como palaveas e gestos — menos fatais, sem divida, do que a violencia fisica, mas pouco menos inequivocos. Payonear-se de suas posses ou vencer uum rival no amor é um aio de agressio tanto quanto provocar um duclo ou invadir o pais vizinho. A pratica de inve\osas comparagGes sociais esta ba- nhada de impulsos agtessivos, O mesmo ocorre com 2 deliciosa pritica do mexctico, ¢ 0 mesmo, c ainda mais, com o campo de batalla da competicio hos esportes, politica, comércio ow a cortica pelos prémios na arte, literatu- rae ciéncia_Além do mais, como ficari claro, @/fipe de agressividade que) ‘uma cultura recompensa ou deprecia, Iegaliza ou bane, obviamente depen- Geos tempos das citcuistincias, dos riscos c vantagens percebidos, GOS habitos sociais Alémn do mais, MHOHOS AIDS aBIESSIVOS SAO FEAEVDS; uma respeitavel es- cola de cientistas sociais comprometeu-se com a proposigao dle que 0 mai seguro gatilho de tais atos é a frustragio,® E 0s teéricos oferecem algumas cvidgnclasconvincentes; 2s (RESSORSISIO) com muita freqlencia, um meio de AMtodeteSA, As desabricas © muitas vezes descomedicas reagies dos edi- torlalistas e pregadotes americanos ao moderado programa politico que as feministas apresentaram em 1848, em sua convengao em Seneca Falls, Nova (+) Para teoria rivals sobre a agressdo — tne to, ver 0 Aptnice Peleanallea, que ev wo neste ten 12 York — as delegadas quase nao se deixaram persuadi a pedir 0 direito de volo —, foi uma nervosa contestagio visando preservar estilos tradicionais ‘de pensamento contra 0 que aqueles temerosos eriticos percebiam como sen- do ameagas de subversio radical. As nao menos descomedidas reagdes dos ceriticos acaclémicos do final do século x1x 2s pinturas impressionistas foram Igualmente nervosas. Aclemais, GEntinmentOs| 4gressiv08 NAO sic identicos @ los agressivos; os sentimentos mustas yezes sao inconscientes, Der a7aIx0 tha fronteira da percepeto, ao mesmo tempo: ue consedin clade conf los internos encobertos, A expresso de outros sentimentos, reprimido: ee ee Sorrel ee arc ceca ‘an com 1s Giiliaidiaidiiaiiadiiniiese Inn il ag c ban es Gealeree' a peeepeso ex mur oo nnn? nieve pan clare cn ca potter ‘Ao promover suas disputas sinceras, 64 WitOHlaniOs!desenvolveram 6) que chamatei de dlibis para a agtessdo: crengas, prineipios, platitudes ret6ricas 1B que legitimavam a milirancia verbal ou fisica cm terrenos religiosos, poli (COS, Ou, melhor que tudo, cientificas. Bisso leva a maiores complicagdes Tale uooaiewstedemttayam' neural artdtice 1a ein ee Uae retrtavam acultuta de classe media ecgaanco-se em ataques mindanos cue pees sacs aia cLgibs, Pou Eee Ge Meneame liter = alee Gnargu, « creanlcarag Oe negocios © 0s coed anid at COMUNICACOES a Uist Dla 6.05 MISLETIOS CiCRLLCOs nao cram, atividades pusa- mente consirutivas? @ Werdade: podemas chamar os vitorianas de agressi- Saal po RUN NS FCS ETE EES socials para os t exaustos, funcionarios explorados, artesdos ob- Sais eure Snanharmnnass cat cally ne Teena Fr errr Aunca ocorrera antes. Nessas ag0es defensivas, algUnS esses at0s aBfeSsiv0s GEMEMMIEIEED. Noscntso, cevese sant emuice entices dacultu vionanaoficnam ~ vc, ari. ‘\C7RSImpIedosa|abalHOprais|campaniias|pelo domibio, em que o inventi- vo e decidico século xix se distinguia, dObeatam © QueBraRiiiaesseeneia ‘eakaram-modostiidconats de vie, Serena ee enemas SE ae, OS0S € OS Sem poderyns ricos ¢ os pobres. Exibiram o fato familiar de que Pee etre acs eclgns ce itenshe) cu osultsdng, aac No entanto, a insisténcia quanto a natureza positiva de pelo menos algu- ibeeieste dade Fk as ae eta apclo gd para vue oecoetos Fonte Heseconhees!quesiim comp scraper cneggos sexual cbogr agen como um educador para a vida, suas agressdes treinam suas capacidades ¢ trap ellos Dia fe sectanta ane il etnies ee ta paca etter HeceatlG4 NA) led ees par rob Loe Birgu por uma eaixa de arela pode se vm teste dos poderes de aaa I el aca a Por sua parte, podem agir agresstramente, e multas vezes isso acontece, nao @penas para instar) Giende? OW Mair. O movimento feminino do século Sirs combetviance cursceriien de ou bumor, ¢ sas canpatnes dean todo ce cower da naturea mostra cone 4 ealtiinde: ae quadamenie sublimada, podia ser ditigida a. conquistarumemundo.serebrie talviclo Mas nunea se pode determinar conclusivamente se determinado ato GTEEIEED.. 6 5. 0 x1v0 cu agcssio pode senuccomoum golpe injustificavel, 0 agressor pode defender, com sinceridade, como sen- ddo essencial pata a sobrevivéncia. Gaile elites) nil LEANEAgHio| @ a mancira comp ¢ julgaclo depende, obviamente, da perspectiva clos particl- antes. Quem deve decidir? Nao basta perguntar quem sacrificou o animal. Tals dlficuldades nao surgem apenas porque o agressor ca vung S10 quase que obrigados a discorcar_ MUitosagtessores realmente Mio paden saber se 80 levados por impulsos construtivos ou destrutivos Os dois scr tio Inteframente entrelacados que muito provavelmente ambos tém a sua par: “4 ola no disparar a agio, Certamente @simecanismos de defesa que bs psica® sulistas mosiraram ser essenciais a roclos os doses mentais es las de motivos amalgamados. © desejo de fer - Jo em produtividade estética ou cientifica: © hOFOr 208 préprios deseios ‘ud Certa vex obyervou secamente que quan (HONANEIeRte FostavaM|detorUMAR Animals. Isso no é cinismo, mas 0 re- Uerente reconhecimento da complesddade humana, Explorarei tais suiilezas hay paginas que se seguer, FF imporcante afirmar nestas paginas introdutorias que embotmeutenha Mme concentrado nas variedades de agressividade da cultuca de classe médi:: SEBO Kis) e103 tacmente prs upondo ceita medida de coluboracio, sole Cuogucs, ite Sexualidade € agreSsH0. Os dois sao glladosienNaversa Wlosllistimivts, Espécimens puros de agressto sio tao rarox quanto espéci- imens puros de amor. Isso no era aenhum segredo para os comanticos; Heinrich Heine nao fo! 0 vnico a reveli-io em oximoros provocadores co mo “doce crieldade”, a “voluptuasidade da vinganca” e “cruel ternura’ | Wiliams James observaria que iS) RS ROR NGRRSS URGE @URIPUTEHEIA GE NSrAaAMERIG ede Gdio™ lc, coma seus predeces- sores, Feconheceu que os dinamicos confrontos entre amar e Adio sho a0 imesmo tempo oposigao ¢ inceracio. A bazdfia sexwal de um Don Juan, 0 des Jricioso sentimento de citimes, que combina, numa miscura vot, inveja, faiva, ¢ um sentimento de perda, o complexe de Edipo, com seu amalgama Uelicado e instavel de desejo e de rejcigo, tudo isso documenta a continua Inieragio do amor e do odio Tal interacio € fundamental para a experiéncia humana. A prépria civi- llzagio, com suas exigentes demandas sobre os individuos € 0 esforgo dos indivicuos para gratficar seus desejos, € uma disputa intermindvel, ¢ apenas Intermitentemente pacifica, entre Eros e seu grande adversirio, a agressio Os habitos de trabalho de Freud exibiam informalmente essa tensa intimid- We: depois de publicar sua Interpretacdo dos sonbos, no final de 1899, ele (rabalhou alternadamente num liveo sobre os chistes e num livro sobre se- Avalidade, mantendo ambos os manuseritos sobre a mesa ¢ pegundo um ou jutro segundo 0 levava @ inclinagao.” Dessa forma, ele dramatizou o enga- Jmento mituo do que mais tarde destacaria como 2s mais interessantes ne cessidades da humanidade, © a facilidade com que uma podia ganhar, ¢ de- pols perder, a ascendeéncia sobre a outra. Como um estudo da agressio no século vitoriano, SEEMED vale por | mesmo. Mas como a interagio ca agressio. com Eros € um fato ca vid umana, ele camberr(9GGer TES 6mo parke de Uinta emipress maior) co- ‘0 0 tercelro volume dle uma extensa exploragao ds cultura burguesa na. QFIF ANEH Os voTumes anteriores mostram que os enigmas colocados pe 15 las sensibilidades e pelas agdes da burguesia vitoriana si bem incrigantes, bem dificeis de tratar * Mas empalidecem dante dos enigmas que aguar dam o historiados que tenta descobsir as qualidades definidoras ¢ os efeitos, caractetisticos da agresstio nas décadas que vio de Vit6riaa Freudl, Este livro uma tentativa de abrir pelo menos algumas das portas trancadas que bar. ram 0 acesso a0 nosso agressivo passado do século XIX. EXPERIENCIAS BURGUESAS, IIT MENSUR — A ACARICIADA CICATRIZ 0 ator, cramaturgo € Tomens.a prsseio}, que fala eloquientemente do tema bésico deste ivr GERRI & hase, caro, ¢ um jogo de patavras, mas € precisamente Porise que mercce set levada 2 <¢:o, Qa ' cir ado aaprescio ra mslorpare desuae pen ssix controls ites, ca ‘Alguns anos antes de publicar seu livro sobre aquele \passeio" — Bren mel — alemio, JAGR, um ensaista ardorosamente jovial, ho icional, ¢ até mesmo intemaciona, como otimista estudioso da nator Numana ‘Trés homens em um barco}. Neste livro tle relembrava, meio meio humoristico, uma excursio realiza th com dois amigos e um cachorro pelo tio Tamisa, partindo de Londes.! Jim seu outio ivro sobre a Aleman, com 0 mesmo elenco de petsonagens (exeeto pelo cachorro), Jerome deixou a sentimentalicade de lado e conte: tive seu GD vorraerne ‘gentil e até mesmo edulcorado, certa aspere- ya, Afinal de contas, cle era um ingles observando alemaes, com obliquo di: Verlimento e uma afeigio real, mas ndo sem wma certa aspereza Permitindo-se algumas comparagdes um tanto injustas, embora relativa- Inunte betievolenics? ——_ ae ddantes, Servis a autoridade, € - Ate mes Imo os pilssaros ¢ cachorros alemaes conhectam seu Tugar: os passaros se fecusavam a fazer pinhos em casas de prissaros que nao fossem fornecidas pelo governo; 0s cachorros obedeciam aos cartazes que protblam pisat na jyrama, esquivando.se dos terrenas protbidos com 0 rabo entre as pemnas, ‘Tudo isso pretendia ser algo leve, Mas entio, numa exploragio met6dica vr quase pachorrenta, de um duelo de estudantes, Jerome abandonou por in- rng sla dese copa, haa no minimo, um grave sintoma de 4 0 eemané rio airibufa x sobrevivenca do duelo entre os fran cral t20 polt- dos, 40 peso 2 esse pais: ‘ ey através da fala © da argu- 7 . pssves de ea ESTER CEE sco: tia ceeeee comum porque aquela ago, embora superticialmente diferente, era preci- samente igual 4 Franga, uma Urania, um despotismo “demagogico'’? Pou- cos meses depois, Franca com emai aierert en os ca uiens © cicets GiaG, Svan se enronerdo' cui i er cscise eoccamente em dispuns Furotae, passanie eato para armas mais letais, costar suas questécs.? ‘nadures QUEM, asanco pars matar Mas lexcme achava mais ‘ou menos a mesma coisa da luta de sabres dos estudantes, a despeito do re- sultado comparativamente indcuo de seu exercicio ritual, sivo, nad de degradante, O argumento deles € que ensina a juventude ale maa ter frieza e coragem”. Jerome nao aceitava nenhuma dessas transpa rentes racionslizagdes, O estudante, argumentava ele, repctindo os criticos alemaes aquela pratica, mostrarto mais coragem recusando um desafio do que honrando-o; afinal de contas, ' lo sua audiencta a0 aconsethala.ase reticar, EB 18 chas de cerveja, singue e sebo de vel; 0 tet0,esfumagadoy 0 chlo, coberto de seragem, Uma multlio de estudantes, indo, fumando, faando, alguns sentados no chao, outros encarapitados em bancos e cadeiras, formam aes. tmutura.” Os combatentes, de olhos esbuglhados e enrolados em almotadas protetoras, 2m una aparencta muito deselegante. “0 aebitro toma seu It Sir, 0 sinal € dado, ¢ imediatamente se seguem cinco répidas chaques das Tongas espalas ress.” Belo menos para Jerome, a uta ‘no nha qualquer iovlisemne, quad ger peri guaquer rans | buullueaipkancracte Toul forte ganha; ganha quem, com o braco pesadamente almofadado, sempre em posigio no natural, consegue manter sua grande © desajeitada espace por mais tempo sem cat fraco demals se para se por em guarda, cla para atacar’”> Embora o duelo ndo possia qualquer tensto ou encinto, ED " \s. Eles sempre se dao em dois logates — no topo da cadeca ou no lado esquerdo do rosto.".F sao um espe- taculo assustador. “‘Algumas vezes um pediago de couro cabelude ou da bo checha voa pelos ares, para ser cuidadosamente preservado num envelope Por seu orgulhoso dono, ou, estritamente falando, seu orgulhoso antigo co. 0, € exibido a volta em joviais noitadas.” Como seria de sc esperar, de cada ferimento “Jorra uma farta torrente de sangue. Mancha os médicos, os auxi- liares © 0s espectadores: salpica teto e paredes; ensopa os hutadores e faz po Gas na serragem, Ao final de cada round, os médicos se aproximam ¢ com as maos j4 encharcadas de sangue juntam as bordas clas feridas abertas, pressionando-as com pequenas bolas de gaze timid”, mas inevitavelmente, assim que os duelistas comegam 0 round seguinte, “o sanguc jorra outra vez, quase que cegando-0s, ¢ (omando 0 chio escorregadio”. A aparéncia dos combatentes é cada vez mais bizarra. "De vez em quando se véem os dentes de um deles expostos quase que até a orelha, de modo que por todo 0 resto do duelo ele parece estar fazendo uma careta para metade dos espectadores, enquanto 0 outro lado esta sério; e algumas vezes o nariz de alguém recebe lum calho, © que the di, enquanto lutz, um ar singularmente atrogante."© Mas o ferimento, claro, ve a aes ; a Sobiet s ois esse desejo garante ao duelista a invefa de s, ¢, 0 final, “uma esposa com um dote de pelo menos cinco cifgas" 7 ve < apenas o comego da diversio. (GERBRNDR os ctmnados doutores, que at domnam, parte, estudantes de medicina, “homens de aspecto que parecem “deleitarse com seu trabalho!" © que alegremente infligem 35 suas vitimas ‘0 méximo de punigto possivel m. Toda a operagao deve ser realizado el, € seus companheiros observam-no du- 19. ante 0 processo para ver se ele a suporta com uma aparéncia de paz ¢ pra- er, Uma 6 0 ferimento mais desejado por todas as partes. De crear Tashi leat oe pene EE ia Sole ce S HL ae monia, Certamente, “estou convencido de que exerce apenas 0 mal sobre on eqcrndorat Hetprovontow:moay priptee aestar Goorpeeens eo cr ox eullconeeee in pad coc ear oe sic especialmente vedenta de sangue egies ceaarere trabalho de verdade, minha sensago era de misturada com an- sicdade quanto a maneita em que a visao irla me perturba” @EBBs, “quan- do o sangue comecou a jorrar, € os nervos ¢ miisculos foram expostos, ex- perimentei devo confessat, 1 ¢ quando 0, € assala estava pesada com 6 cheiro ensagdes mais primitives exigiram prima- see dia Com sua franca admissio do surgime! to de uma cumplici 10. Para o ciado, 0 Menster era, como Jerome observou, brutal, repelente, sem sentido, 10 infantil ¢ irracional a ponto de desnortear, de ser, algumas vezes, selva: gemente engracado. Seu tinico valor para o observador que tivesse se livra- ¢o da hipocrisia, achava Jerome, ers lembritlo que, ‘sob nossas camisas en- gomadis, estava 2 espreita 0 selvagem, com todos os seus instintos selvagens, intocados”.? Certamente nao se trata de uma visio original. Mas Jerome re- cobriu as generalidades geralmente aceitas no século xix sobre a natureza hu- mana com, quase literalmente, a catne ¢ o sangue ca experiencia concreta. Apesar de todo 0 seu drama repelente, quase sérdido, o valor de prova do Mensur para 0 estudante burgués do século xx nio € imediatamente apa- rente © exige alguma reflex20, 1 se de una instituicao extravagante. Pode-se pensar em Alexander Hamilton, Por Aaron Burr; ou do pungente destino de Alexander Pushkin, que faz 0 seu grande romance em verso, Eugene Onegin, girar em torno de um encontro fatal como esse, € que caiu, ele proprio, em um duelo alguns anos depois. A era viu outras talentosas jovens vitimas — e felizes sobrevi ventes: 0 pocta ¢ tomancista russo Mikhail Lermontov foi mortoem um duelo em 1541, quatro anos depols de Pushkin; Heinrich Heine, ofendido por olha- res insultuosos e observagdes anti-semitas, participou de varios duelos en. quanto estudante ¢ sobreviveu para contar a histéria, No Sul de antes da 20 guerra, onde os pais educavam seus filhos para enfrentar a morte se fosse necessatio defender sua honra de cavalheiros, 0 cuidadosamente guardada to facilmente ofendida, possivelmente os duclos fatais cram o método acci: to de acertar as disputas a respeito da propria hombridace eo SERA RI minis to Ka sm pce itico teGrico ¢ politico socialista ale- ido Ferdinand Lassalle morreu em 1864 no que era tido como questao de honra— a disputa por uma mulher. Alguns anos antes, o radical francés fu les Valles, jornalista e romancista, entdo um jovera escritor sem dinheiro, 60 GRGRIOMIABS. idertememve, purrs Teraturs inagiatiea Ce epoca pe tolas a trinta passos era um bem-vindo artificio dramitico, sobretudo se os protagonistas fosscm militares. Quando o coronel Brandon, em Sense and senstbility (Senso ¢ sensibilidade), de Jane Austen, diz a sensivel Elinor Dash: wood que havia travado um duelo com o man-carster e sedutor Willoughby, cel “suspirou pela imaginada necessidade de tal fato, mas para um homem € soldado, ela achou melhor nao censurar”.%° Em Vicholas Nickleby’, Dick- ens se livra de um de seus personagens menos acmiraveis, lord Frederick Verishopt, através de um duelo, Arthur Fletcher, ¢ her6i do romance de T'rol- lope, The prime minister |O primetro-ministto], lamenta nto poder dar um: {iro em Ferdinand Lopez, 0 misterioso homem a quem a mulher que ele ama ‘Mas continuaram a ser noticia, ou assuntos de historias, no continente. Maupassant mostra um duelo em seu romance Bel-Ami, Theodor Fontane usa um dueio como climax trigico em seu comance mats conhecido, Zi Birtest. Tehekov emprege um duelo com um resultado mortal, a sua maneita tinica c improvisada, em As trésirmas. Algumas das hist6riss mais mordazes de Schnitzler se dic em torno de duelos realizados ¢ duelos evitados: seu ‘monoiogo interior, justamente famoso, "“Tenente Gustl”, descreve um off cial austriaco atertorizado pela perspectiva de sua iminente e inttil morte em um duelo, salvo no 4 (HaRUCeIDM|DSAPIOA2 Vas r22r205 como gxecomum, pelome. os em certos circulos. ‘Verso rclativamente branda de tals confronts, era mais até mesmo para estranhos. Embora o Mensur fos: seum fendmeno teutOnice, a excitada reaglo dos estranyeiros visitantes su- gete fortemente seu apelo generalizado, mesmo que em grande parte sub: terriineo, Mais de meio séeulo antes de Jerome ter descoberto 0 embriagedor prazer de assistir ao derramamento de sanguc, outzo turista ingles, William Howitt, acreditava que seus conterrancos, ao verem a vida dos estudantes alemides, acharlam duas coisas extremamente repugnantes: “o delo de Cer. veja € 0 duelo de Espacas', No entanio, esse mesmo observador, embora an oss tum daqueles espléndidos defeitos culturais destinados a desviar para longe males muito piores, “uma espécie de cisciplina que os estudantes exercem entre cles mesmos, ¢ banindo assim qualquer explosao de paixio ainda mais rude € no raramente mais perigosa”*! Se havia uma generalizada e crescen te oposicdo @ que jornalistas ou oficiais tomassem a lei em suas préprias mos, 0 duelo de estudantes, aquele especializado exercicio teutdnico, encontraya jermaneceu como uma pretrogativa privada dos junkers da Prissia Ou dos bardes dos estacos do Sul da Alemanha, Bra uma sobeevivencia aristo: critica assumida por uma sociedad cada vez mals burguesa. Afinal de con: {as, no século XIX, 08 Beérger também insistiam em sua honra. Quando, em 1841, Heinrich Heine se ofendeu com um comentirio insultuoso do ban. queiro Salomon Strauss — ambos, claro, cram judeus, pelo menos de orl gem — e desifiou-o para um duelp, o editor de Heine, Julius Campe, encorajou-o a tomar tal caminho perigoso. “Melhor morta da que desonea- a acc 2 ‘ens alemaes, mas mesmo nos lugates de ensino gue estavam na moda, seus preferidos — Heidelberg ¢ Bonn —, eles raramente eram mais do que um entre seis na populagio estudantil. Fepecialmente em anos de muitas matri culas seu niimero andava e: siades, de um © Besit burgertum ¢ o Bildungsbierger ian; em geral os que se formavam nun UP mo Nos mais seletos de tais clubes. Alguns dos Corps mais cartegaclos de pres- tigio, como 0 Saxobornissia, em Heidelberg, ¢ 0 Bornissia, em Bonn, eram lum espaco de lazer para os jovens aristocratas, mas também admutiam uma boa p: F, por sua vez, deram 0 tom para as classes médias alemas, a mais do que as inglesas, amavam os nobres com palo, A despel to de seu fascinio pela tecnologia, os alemiies modernos insistiam em respa tare reviver elementos perturbadores de um passado distante. O snob, 0 par ven, 0 inseguro viam algo de irresistivel em seus nobres companheiras de bebida, de passcios ¢ de luta que condescendiam em dae calorosas ¢ ostenta- LGrlas demonstragdes de igualdade, © patético de jovens eacarapitados em hovas ¢ sedutoras passibilidacles sociais, geralmente estimulados por seus or- gulhosos, ansiosos e ambiciosos pais, era intenso e nada agradével de man. ler, A altive tomada cle empréstime podia ser «Zo brutal, ¢ do cOmica, quanto a verdadeira. Essa situacdo era algo comum, tida como normal. Em 1914, Hermann ‘Wendel, ceputado social-democrata, muito franco ¢ espirituoso, entrereve © Reichstag, sob o aplauso de scus colegas de partido € com hilaridade geral, com um devastador retrato do burgués alemao se portande como cavalhei ro. Em contraste com sua contrapartida inglesa, observou Wendel, as classes mé no haviam conseguido jafiltrar sua moralidade privaca e sita sar. Ao inves diss (O alemao ideal a quem o Durgués parecia mais apre iar nao era o honcado Bizrger, mas 0 “pomposo cavalheiro com as pontas do bigode para cima’. Os deputados, inevitaveimente lembrados do bigode marcial ¢ de pontas para cima do caiser Guilherme i, rirar 3s bandeiras des- ppeegadas.""| Na Alemanha, continuou Wendel, “um jovem homem de segécios nio quer ter a aparencia de um jovem homem de negeicios, mas, se possivel, a cde um tenente & paisana”. O jovem mais impecavelmente burgués compra sidada uma liga anti dueio, mas em sua se¢ao inaugural 1 moclo que obrigava todos os membros ‘recusar desafios havi sido derrotada. Nem mesmo os honrados oponentes do duelo queriam perder os privilégios de duelar!"® A hilaridade que, ano tou 0 estendgrafo, a cada momento interrompia a céustica descrigab de Weo: del sugere que sua critica a feucalizada burguesia alema havia alcancado 0 alvo sem ser excessivamente perturbadora. Fra uma verdade sobre a classe médigalemacue todos podiam mais ou menos reconhecer ¢ accitas Prestigio social, cargos politicos, sipida promogio nos ne- gocios eram as recompensas esperadis da cumaradagem organizaca,alimen- tada em abracos béhados e seladas com recordacdes talhiadas na face. Mas Weber, que foi estudante em Heidelberg, bebeu ¢ duelou com os melhores deles ~ scu rosto na juventude, inchado € cheio de cicatrizes, € prova clara deseu comportamento dissipado —, mais tarde desprezou aquela historia de fraternidades com um tinica ¢ desdenhoso nome. As fraternidades de duclo, esereveu ele, nada mals eram do que companhias de segura dedicadas a0 pro- sesso de seus membros: Avancementsverstcherungsanstatten 23 Dos, era tradicionalmente i- vidida — 13 —, sobretudo o tiltimo, os ar rogantes tunham 0s funclos e a inclinag2o para juntar-se a fraterni dades que se orgulhavam de ‘A maioria dos académicos estav ocupada demais estudando €, como desdenhavam 0 que chamavam Ce absurdos incivilizados, nao achavam atrativos as bebedeiras de cerveja, ‘05 uniformes da moda e os epis6dios sanguindtios. E 0 consideravel niimero Fe alanos conhecicos derrisoriamente coma Bratstudenten — os que est avam esforgadamente para os exames do funcionalismo civil, pensando em ‘mais tarde ganhar o pio de cacia dia — eram muito pobres, muito compulsi- vos ¢, de qualquer forma, nfo eram socialmente elegiveis para a vida dis diosa ¢ extravagante das fratcrnidades! cidade dos estudantes nascidos nobres para formar o estilo de suas fraterni ades, e por intermédio dele o de sua universidade, era o triunfo do status sobre a estatistica ‘Assim, a imagem popular da universidade alema do século a1x, infinds- velmente brunida, com pequenas vatiagdes, em cartDes-postais esmaecidos, maisicas sentimenta’s, restaurantes originais, novelas lacrimosas e relatos sen- sacionais de duelistas punidos ou, em raras, chocantes ocasides, mortalmen. te feridos, era uma distorgdo das realidades da universidade, Mas 0 que aqui importa ¢ merece ser reiterado é que a maioria dos membros da altamente visivel aristocracia estucantil que dava forma a tais celebragdes Fantasiosas cra ilhos de académicos, cientistas, magnatas das finangas ou professores de escola secundaria, sobretudo professores das escolas de elite com enfase nas linguas ckissieas, 08 Gymnasion. Revistas humoristicas, como a Simpliciss!- mus, ¢ politicos de fora desse meio, como os oradores do Partido Social Demlocrata, gostavam de atacar 0 estudante do Corps ou do Burschenschifi, grosseiramente encharcado de cerveja ou quase anorético em sua esguia de- cadéncia, Hasé, estapido, com medo de ser visto s6brio ou com um livro, Incuravelmente Ignorante, mas sempre vestido a rigor, segundo os ditames. ce sua fraternidade. Era uma caricatura coletiva mas — nao se pode negar esperanga de que “um dia desses, muitos funcionitios e oficiais vao surgir e seu circulo”, “Quantos homens importantes”, exclamou ele, “sentaram-se aqui entre nés: professores, oficiais, furciondrios e homens de negécios!"""” ‘Tratava-se de um pronunciamento exuberante ¢ sem tato, tipico do «: por sua tendenciosa preferencla do Corps em detrimento do Burschenscba 4 ten. No entanto, até mesmo esse imperador fot obrigado a colocar entre a clite que ele prezava nao apenss seus amados oficiais, mas também os buro- cratas, par ndo falar dos zeadémicos ¢ homens de negdcios. ‘Os burgueses, assim, eram proeminentes entre os estudlantes pertencen- tes aftatemidades de cuelo. Quando o grande historiacor cristao Adolf von. Harnack ema aluno na Universidade de Dorpat, fez parte de uma chat progressista” ¢ descobriu que "os inembros cram origindrlas de lias nobtes, pertenciam aos citculos dos chamados titerati (membros das pro- fissGes liperzis) e aos circulos comerciais. Fmbora na verdade os aristocratas em geral dominassem 0 estilo de vida, no havia nenhuma estreiteza aristo- critica, mas genuina liberalidade”, Antes, na Heidelberg dos anos 1840, 0 emi- nente médieo ¢ fisiologista Adolf Kussmaul tinha se sentido, quando eleito membro pleno do Corps Suevia, como pertenceate a “ cavalaria estudantil, em que principes e barOes, filhos de oficiais e de fazendeiros, honravam-se luns 208 outros como Burschen livres ¢ iguais”.'® Essas recordagdes lumino- sas podem ser um tanto questionave's, mas de fato varios desses caveleiros burguesesacabaram com um aristocritico vor no nome, adquiride por meio de dinheiro, casamento feliz ou mesmo mérito. E a maior parte do resto, que continuou come seus pais, bons burgueses clecorados com as acariciadas ci ares dc procminencla © poccr na sociedacke alcrna Sem duvide, os jovens aristo- (@abtopobsessivae in 1 Brest. Fontane capron a quad fossiada Petree te cra Oba Vou inneten, teu peotemoainn, care tm antigo amante da esposa em um duelo travado ro por ralva oa cme — 0 fato havia ocorrido muito tempo antes € fora pateticamente curto —, fuse teas hedsie dk Soneetiorge: Ce sie ouemauenicne, Al fans Opes alores eas gets, tl ton Wan Mow, pollen vetind Mere sur uma suprema experiéncia educacional; apologistas, estrangeiros ou con- Teviiees gonamn de deiccoie como umm Geom pasa vide Macrmucos Hicaies Ge Chee recla~ Gauidadicd © pis emoieacrure ces — mae ea tam tio convictos da missio clvllizadora do duelo de estudantes. Seus de- fensoreseram veementes,enareseexireramente influentes, mas seus crite cos, gue cada nha de simples excentsicos ou radicals, nora desisticam. ‘GRAIN, com a universidade alema 2s vésperas de sua es- petacular care Tena, sob olmmpuluo dasicas feminista americana M, Carey Thoma entao completando seu doutoradlo em Zurique, relatou amae que estudantes gue petteuciu a cludes de duelo estritamente fora da lei, que enfren ‘avam multas ¢ pristo quando capturados de sabre na mio, viajavam até a Alemanha para realizar suas lutas.!? Mas os pontos de vista pacifistas nunca desapareceram por completo dos debates estudantis. Um substituto nao violento, ndoagressivo, a corte de honta designada para acertar as disputas referentes & honra de um estudante, teve ceita voga durante o século xix, Associagoes estuclantis religiosss, como as Gevoras fratemidades protestantes e catélicas, ¢ clubes de excursoes ou de Gebates explicitamente baniram o Mensur, por principio; outras organizacces, como a Reform-Burschenschafien da década dle 1880, eram contea a onda de duelos, mas insistiam em manter em scus estatutos a institulgzo do desatio € da Satisfaktion. Numa contiovérsia sobre 0 Mensur no final do século, 0 historiador Georg von Below, conhecido por sua oposigie a0 duclo, defen dia sua abolic2o. Ele falava por uma minoria. Pode ser, escieveu o jurista Hein, rich Geffeken, que embora a “honta interior” nao pudesse ser tocada por hinguém a nao ser por nbs mesmos, a “hones exterior", a Ebre, 6" mundo ne nos cerca tendo consciéncia de nosso valor’, ¢ precisa ser defendida O duelo estucantil nao isia desaparecer até existir outta maneira de restaurar @ honsa insultada, pois, como " velhos alemies, nés também queremos nossa fore intata”’2" Essa era também a posigao de professores reformistas como Adolf von Hamack, que teniaram, de denteo, civilizat 0 Burschenschajten Quando Harnack defendeu a causa da reforma nas tltimas décadas do século, seus argumentos era Dic fas S 08 dos abolicionistas. d clos, argumentava Ringseis — "bebida, brigas e ir ‘0s particularmente detestaveis, Sat OS OUITOS, CaCa Organizacao, as outras, nos sidade toctas as outras: em glorioso amor pelo Rei e pela Patra, ¢ 1a"; € invocoua “honea, a fama de nossa universidade, a fama da Patria e de nosso Re'2 ‘Comovedora essa fala, e um tocante esforco para encontrar um equiva- lente moral para 0 duelo em uma competigio mais pacifica, Mas embora as, leis estivessem do lado de Ringseis, seus argumentos tiveram poucos segui- cores, As auioridades universitarias tendiam a interpretar da maneira mais generosa 0 direito dos estudantes a seu modo livre de vida ¢ eram coniven- tes enm eles olhanda para 0 outro lado. Algumas veze>, sobreiudo depois de um compostamento especialmente turbulenio ou de um duelo fatal, clas se sentiam compelidas a implantar qualquer regulamentacdo antiduelo que existisse em seus livros. Mas normalmente os devotos do Mensur continua ‘vam acutilando-se uns aos outros sem screm perturbados, enquanto escrito- Fes populares em todas as partes, ingleses, franceses e italianos, assim como, os ale tanto, seu aparentemente peito, Lm dos debates que cle iria engendrar, sobre a sua histéria, estava en- ec os mais destemperados, De acoréo com um historiador cuja fi 2s fraternidg 4 Va década de 1890, George von Below, com um interesse pescoal coatrao duclo, ofereceu uma linhagem diferente: o Mensur, insistia ele, nao ra originaimente alemao, mas fo! inventaclo na corrupta ¢ decacente carte de Henrique it ¢ entao exportado para os Estados alemaes influenciados pela Franga, Qualquer que scja a clusiva verdade — ¢ ela continua elusiva apds iligentes pesquisas —, as prestigiosas credenciais, 20 mesmo tempo aristo- criticas € teutOnicas, que davam 20 Mensur o seu prestigio entre os herdei- tos de fortunas comerciais ou industriais, cram, na melhor das hipéteses, de origem incerta. Possivelmente eram forjadas.* Uma coisa parece estar além de qualquer disputa: como tantas institui- es cheirando a tradi¢io, as fratemnidades alemas de duelo do século xix cram, cm essénicla, retativariente modemas — resultados diticilmente reco- mheciveis das corporagdes medievais, Similarmente, o Komment das frater- nidades alemis, um conjunto de regras obsessivamente detalhado que regu- Java as roupas, os mancitistmos, as bebedeirts, as maneiras de fazer a conte, €€as raz0es para se sentir ofendido, tinha seu ancestral remoto nas repras mit menos elaboradas que governavam a vida dos estudantes do final da era me- dieval.?* Mas seja recentemente cunhado, inteligentemente adaptado ou iu: Lenticamente antigo, os costumes dos estudantes, tanto aristocratas como burgueses, eram inescapavelmente invadidos pela histéria. A maioria das Landsmannschaften, associagbes paroquiais de estudlantes de regides esp cfficas do velho Impérlo germantco, foram reorganizadas em torno de 1800 a hos Corps que, porsua vez, uniram-se em cartéisamplos, tanto dentro como entre untversicades, Seus membros se julgavam uma elite cuicacosamente sele clonada e levavam sua imaginagioa dar a seu states a mais alta proeminéncia possivel. Cooptavam novos membros com cuidado € com cerimoniais secre- tos, desenvolveram intricados procedimentos que governavam a sociabilicls- de ¢ criaram roupas caracieristicas, notavelmente o notério boné colorido ¢ a faixa de aparéncia militar. Gastavam dinheiro além da capacidade da conta bancaria da maioria dos pais, Cada estudante do Corps se propuata solene- mente preservar uma lealdade por toda a vida a sua corporagao, obedecer es crupulosamente ao Komment em todas as questées de comportainento, ves tuarlo e bebida, ¢ defender a honta coletiva, estando pronto a travar duelos ‘que solidificassem amizaces, mostrassem coragem e vingassem insultos. Ao reduzir todos os aspectos de conduta & regra, 0 Corps do século ix, ‘com sua soberba pretensao de falar por todos os estudantes, professiva ele. Var os padries éticos, sociais ¢ as vezes até intelectuais dos estudantes ale. mais, Nesse ponto, o Sdio cultivado aparece a frente da cena em too 0 scu cardter paradoxal: ao definir lelsrigidas, inviolavels para 6 combate, o que vale dizer, para a agressio, tais fraternidades afirmavam estar — e em certa medida realmente estavam — civilzando a beligeriincia crus. O Corps no tinba em bea conta 93 notorios bebertoes, rufides, vagabuados que haviam dado 4 vida universitéria alema uma ma reputacdo no século xvii e resol- veu reformar 0s excessos indisciplinados. E uma volta irénica da histéria, talvez inevitivel, que os tipos de comportamento nio eivilizado que inicial mente se deve evitar se tenham tornado, com o tempo, modelos a serem imitacos; vieram a ser vistos como supremamente elegantes e fortes, como aspectos de um comportamento piiblico clogiaveimente antiintelectual — desde que sob a égide de uma fraternidace O que quer que tenha levado os Corp da univessidade a lutar em due os, eles eram escrupurlosamente apoliticos. Um patriotismo primitive ¢ aria lealdade no menos primitiva a dinastia reinante era tudo 0 que exigiam € Permitiam. Sem davida, a situagdo social, ou as aspiragdes sociais de se membros, virtualmente obrigava os Corps a se transformarem em institui- p0es defensivas, agressivamente conservadoras, Os aristocratas naturalmen- le desejavam manter a privilegiada posi¢ao de que desfrutavam, os membros Dburgueses desejavam aclquii-Ia. Mas um politico socialista proeminente c mo Wilhelm Liebknecht continuow membro de seu Corps por toda a vida, assim como, nada mals nada menos, Otto von Bismarck.2" Nao ha nenhu- ma evidéncia de que Karl Marx tenha sentido saucade do Clube Taverna Trietn, uma fraternidade de bebedeiras e duclos a que ele se associou em Bonn, mas € divertico Iembrar que, como tantos outros burgueses, Marx par- Ucipou de um duclo, tendo como testemanho uma cicatriz no olho esquer- do. Pacifista ou belicoso mais tarde, conformista ou rebelde, estucante de diteito, medicine ou tcologia, o Covpster estava comprometico pelos sagra dos estatutos de sua fraternidade a realizar sua Iuta no campo do duelo, Po. tica nao tinha nada a ver com isso. 28 Em contraste, os Burschenschaften entratam na historia daagressio poli- tica desde seu nascimento no século xx. O primeito deles foi fundacio logo depois, « como consequéneta direta, da dertota de Napotedo 1, que por uma década havia acovardado os principes alemaes, humilhado os exércitos ale- mies, ¢ retalhado os territGrios alemaes segundo sua conveniéncia. Os Bur= schenschaften cram ctiaturas do regozijo misturado com o desespero: regozi- jo despertado pela campanha aliada contca a Franca, em que os estudantes desempenharam tum papel notével e corajoso; desespero devido 20 acordo. politico em Viena que se seguiu a queda de Napoleao em 1815, umacordo que tentou forgar uma restausagao do Antigo Regime ¢ enfiar os genios gemeos do nacionalismo ¢ da democracia de volta As garrafas das instituigdes pré revolucionatias, J em 1811, Friedrich Ludwig Jahn, @ demagogo pal da ci- listenka organizada, havia juncado a aptico fisica e a reforma patcidtica da Jingua em um progtama de unidade nacional ¢ elsborara um programa para uma osganizagao que deveria purificar a vida estudanti, suplantar os paro: quiais Corps ¢ recrutar seus membros de uma fonte mais ampla. No final da primavera de 1815, apés vacios falsos inicios, os estudantes dda Universidace de Tena transformaram em cealidade as idéias de Jahn e dos idedlogos seus coleges. Embord a fratemicade que funcaram tenba encam- pado as regras que haviam governado as associzcdes do século xvi, entao, dispersas em grande parte, seu programa ético e politico era a resposta de jovens entusiastas 25 correntes romanticas ¢ radicals de sua propria época. A palavra de ordem adotada pela fraternidade de Tena era sucintae revelado- rt; "Liberdade, Honta, Patria” Esses trés atissonantes substantivos resumiam © sentido que os estudantes tinham de sua missio: provocar a dréstica am- pllagao da politica publica combinaca com o desatrelamento de novas idéias, promocio de uma conduta honrads em todos os teatos piblicos e priva. dos, ¢ a propaganda dlo Fstado nacional alemao, Nerhum historiador em busca de uma "burguesia ascendente” precisa procurar mais tonge. O Burschens- chaft tinha, evidentemente, chegado na hora certs: em outros lugares, estu- antes rapidamente imitaram seus colegas de Tena, ¢ logo as universidades alemis cram ninhos de fraternidades altamente politizadas, agressivas ate 0 amago ¢ ansiosas por ado. Dos trés elementos de sua palavea de ordem, a honra era, desde o ink cio, a mais sensivel, A despeito das aristocraticas ratzes do duelo, as fraterni- dades nao desejavam que ele impedisse a democratizacdo da vida estudantil: todos, exceto 0s judeus no convertidos, deveriam ser bem-vindos. E nem mesmo e280 tinica estrigao foi cstritamente seguida em todas as partes: Hel ne fo} admitido a um Burscvenschaft em Bonn no semestie do inverno de 1818-9, scis anos antes de seu hatismo. Como os Cerps, os Buurschenschaf- ten rejeitavam a tradicional brutalidade dos combates estudantis que muitas vezes haviam terminado com 4 morte de um dos duelistas: cram insustents. veis, pervertidas interpretacdes la Fre. A honra, para eles, era uma con. dligao espititual, uma nobre autopercepeo que nto deveria ser irresponsa. velmente Invocada para cigniticar altercagoes de bebadlos ou para garantit 29 satisfagao"* a provocayoes imaginarias, Ao mesmo tempo, os primeitos mem: bros das fraternidades consideraram que © duelo regulamentado era um in: grediente indispensivel a sua educagao moral; ea masculino, ¢ portento ir resistivel a jovens romanticos imbufddos de nogoes de cavalheirismo medieval ce excessivamente sensfveis a0 que Ihes era devido, Eles defenderam a purif cagio do combate estudantil, ¢ nao a sua eliminagao. As fraternidades que iejeltavam 0 Menseor nunca tiveram o prestigio de seus concorrentes mais beligerantes Enquanto @ honra impunha delicadas tarefas para as fraternidades, liber dade ¢ patria se mostraram probleméticas para os politicos. As autoridades dia Europa pos-napolednica, sob a tutela perita e ansiosa de Metternich, viam nacionalista radical dos estudantes organizados como uma ameaga que mio se deveria ignorar. E entio os acontecimentos empusraram as fra ternicades para as batalhas da vida real. O tenebroso reservatorio de nocoes filosoficas fornecidas por professores exaltados deu-lhes as viris nodes po: Iiticas em que a linha do pensamento para a agio era diteta e curta, Um dos alibis mals sedutotes pata a agress20 eta a convicgao, bebida de professores preferidos, de que um rebelde com prineipios ¢ honra tinha o diteito de to mar ale: em suas préprias mios e punis of inimigos da liberdade. A justifica tiva dida para a iberacdo de impulsos agressivos tina muitas vezes um tom, bastante tecnico; simplificaca, produziu uma Gevastacio nas confusas men: tes junvenis. De inicio, os estudantes mais zelosos ¢ seu punhado de aliados na cate dra se satisfizeram com discursos ¢ desfiles. Em outubro de 1817 (tricente nario da data em que Lutero pregou suas teses na porta ce uma igreja em Wittenberg ¢ quarto aniversétio da decisiva vitéria aliada sobre Napoledo cm Leipzig), cerca de quinhentos estudantes deram inicio ao ja muito deserito Festival de Wartburg. Foi uma orgia de leituras poétieas, discursos patricti- cos, palavras de ordem nacionalistas, fervorosas oragGes germanicas e quci ‘nus de livros, uma Inebilante iniciacao coletiva 4 politica, sem precedentes nas fragmentadas terras da Alemanha.*® Seu principal resultado foi um pla no para um cartel nacionale nacionalista de fraternidades estudantis, Foi fun dado precisamente um ano depois s defensores da ordem acharain tudo iss de muito mau agouro, com tum jeito de conspiracao clemagégica para subverter a autoridade legitima tio dolorosamente restaurada aps duay décadas de levantes revolucionsclos. Um. assassinato isolado, um exemplo assustador do que os anarquistas mais tar de chamariam de propaganda dos fatos, dea novas e mais fortes razBes para ansiedade. Em margo de 1819, 0 estudante de teologia Karl Ludwig Sand apu halou mortalmente 0 dramaturgo € editor August Friedrich von Kotzebue, assassinando-o melodramaticamente por ser “traidor da Patria”. Nao era ne- ‘nhum segredo que Kotzebue, um polemista insultante que se opunhaas idéias hhacionalistas ¢ democraticas, havia fornecido ao governo russo informagoes, sobre os estudantes radicais; cle era a vitima perfeita sobre a qual praticar 4 nogio de que os fins santificam os meios, Foi mais co que tm acidente 30 lingoistico 0 fato de 0 Burscbenischafi, com cujos objetivos Sand se identifi cava, chamar-se Unbedingten — os "Incondicionais’’. Tal compromisso sig- nificava, quase literalmente, morte & piedlade 40 acordo, Decapitado dian- te de uma multidia a seu favor, que chegava as raias da bisteria, Sand foi rapidamente promovido a mértir da causa em prol da qual havia saccificado 4 vida, Seu gesto fatal foi esquuecicdo perante 0 que foi saudado como a pie~ dade € a justiga de suas intengdes.* A pureza de suas convicgécs, disse um teologo & mac de Sand, lavava 0 crime. O antinomianismo, a privilegiada ideo: logia de alguns publicistas e de seus impetuosos jovens acimiradores, mos- teava-se contagioso, Os repressores Decretos de Karlsbad, que os Estaclos contederadtos ale- mies fizeram passar no final cle 1819, por pressio de Metternich, foram a reagio dos governantes nervosos ¢ de sua intengao de preservar 0 que fero zes idealistas pareciam estar dispostos a desttuir. Uma selvagem le: de im- prensa sufocou a critica politica ¢ manictou a expresso de opinibes questio: naveis, uma comissio com pacleres para investigar atividades subversivas foi posta em agao; professores suspeitos dle estimular estucantes influenciayels € de propor indesejadas nodes modernas foratn demitidos ou transfetidos 0s Burschenscbaften foram dissolvidoss © mesmo acontecen com os Corps. A revolta dos jovens provocou a cesposta furlosa dos velhos; a agressao, aié mesmo a sugestio de agressio, era energicamente reprimida com contra agtessio. Por mais de duas décadas, pelo menos até Frederico Guilherme 1 ascender ao trono prussiano em 1840, as fraternidades dle todos os tipos ve- etaram sab a forma de sociedades de bebidas ou levaram adiante seus ve- Jos debates politicos, suas bebedeiras — e seus duelos — em esconderijos Clandestinos, assombrados por preocupagdes persistentes, cmbora inteira mente realistas com a deteceao e suas possiveis conseaiiencias. A Universidade de Géttingen de meados da década de 1820, 2 época de Heine, € um caso ilusteativo, Gabava-se de ter nada menos do que dezes: sete “cludes” secreios que praticavam os dictos como se os Decretos de Karks- ad nunea tivessem existido, De vez em quando, as autoridades decidiam ‘omar ciéncia: em 1821, o proprio Heine foi banido da universidade por meio ano por causa de um duelo, Em seu Harzreise, uma aguda mistura ce reiato dle viagem e reminiscéncia nostalgica, relembrou um encontro casual com alguns alunos de Géttingen; a conversa no jantar comegou “como sempre” por “duelos, duelos e, mals uma ver, ducios”.” Eduard Wedekind, mais tarde um advogzdo liberal e politico, amigo in limo de Heine em seus anos de Géttingea, encheu seus dicios com relatos Uctalhados de excessos alcodlicos, desafios grosseiros e brigas coletivas. "O lihimo semestre”, anotow ele em 1824, “foi extremamente tempestuoso pot iui; nao apenas mais duelos do que nunca, mas também muito perigosos.”” (+) Num gesio nostilgico, Impregnado de ions inconsciente, 0 carasco consteaiu um pavtthto de jadi como madeirane do catafalco de San, um lugar reservado onde mais tarde memos de soctecdes clandestinas viram a encontrar-se. ar Um duelista "teve até o nariz decepado’’, Varios desses Mensuren foram rex lizados com 0 cruel sibre curvo, sem couracas protetoras e até mesmo sem provocagio, Quando as autoridades universitavias ameagaram explicitamen: {e suspender quem fosse pego lutando em tais condigoes, relatou Wedekind, 68 duelos continvaram cam maiores precaugées e armas menos letais. Em. bora fosse um pocta sensivel ¢ um leitor diligente, a preocupagio primécia de Wedekind parece ter sido os “escandalos" que tinham de ser acertados através de um Menswr, realizados em lugares remotos para escapar a vigilin- cia dos atentos bedéis. Ele ndo fazia nenhuma reserva quanto ao “esporte” em si mesmo: “Nossos duclistas 50, todos eles, diabolicamente corajosos”. Um de seus conhecidos tinha sido aluno em lena, onde tivera 0 “infortt rio” de matar um robusto daelista de Heidelberg, “0 que ele sentia muito" ‘Wedekind acrescentou ingenvamente que “o matador ert um Gtimo tapaz’ Em determinacos momentos mostrava certa ansiedade, mas o que aparente- mente o preocupava mais do que um possivel aleijamento ou 0 resultado letal de um Merisur cra a despesa — as multas que se tinha de pagar quando condlenado ac Karzer, a pristo pata estuctantes, mais ou menos confortivel, €a conta do médico que suturava os combatentes e que, obviamente, exigis lum pagimento mais substancial do que o de um mero estudante de meut- ina Em alguns &stados alemaes, sobretudo na Raviera, as fraternidades de duelo mais combstivas contavam com a protego do principe governantc, mas outros Estados, especialmente 4 poderosa e preocupada Prussia, apli: cou os Decretos de Karlsbad de maneira conscientemente pedante, as vezes até imaginativa, Rompantes quixotescos de ativisme politico por parte de alunos ¢ professores, bravos mas inteitannente sem sentido, provocavam uma eficiente perseguicao ¢ sentencas draconianas. Espias da policia, autoridades Luniversitarlas ¢ funcionstios governamentas efetivamente fresteavam quais quer aspiragSes polticas que um aluno pucesse abrigar. Mas nem mesmo eles Puderam impedir toialmente os duelos, Os espiritos mais ousados continua vam encontrando meios de lntar, perstuacidos de que suas fraternidades eram escolas de patriotismo, ou simplesmente despreparados para domar sua pt6: iia exuberancia, Seu estilo belicoso sobreviveu facilmente a0 desafio dos estudantes progressistas que, em meados da década de 1840, ganharam al- guns seguidores com sua defesa da completa abolicao do duclo. O Mensier continuou iereprimivel. Eke sobreviveria a décadas de vicissitudes politicas em tertas alemis. Em marco de 1848, na esteira da Revolugdo de Fevereiro na Franga, explosocs revelucionaclas artcbataram muitos Estados alemaes, inclusive a Prussia; pro- ostas exaltadas de uma Alemanha unificada sob um governante constitu cional ocuparam os debatedores por pelo menos mais um ano antes de fra cassarem patcticamente. Mas durante todas as Gécadas de prudéncia politica € reaGd0 vitoriosa que se seguitam as velhas ftaternidades Floresceram € 01 ras, novas, surgiram. As fratemnicades e Mensur também sobreviveram Fundagdo de um Refch alemao unificado em 1871. No entanto, a vida est 32 dantil da Alemanha, de 1848 até a Primeira Guerra Mundial, tornou-se um espeticulo de crescente complexidade e eipida mudanga, Os Corps e 08 Burs- cbenscoaften, presos a tradicio, foram forgados a concorser com novas as- sociagdes cheias de impeio. As ordens fratemais estudantis foram acossades por crises Financeitas e disputas ideol6gieas, respondendo as necessidades Cuiturais € a0s imperativos politicos. Ap6s a criacio do Reich, a questio que mais semeava a discérclia era 0 Jemitismo; 2 endémica tend2ncia antijucia ce tempos anteriores raramen- te merecera o stares de principio ou de convicgao racista que entae adqui- riu, Porém, cada vez mais, os membros mais intolerantes dhs fraternidades achavam que 08 juceus nio eram merecedores de acertar as disputes de hon- ra por melo do duelo; encaravam-nos como incapazes de dar “satisfagi0" — satisfaktionsunfithig. Slgumas fraternidades aceitavam judeus como mem- bros; Theodor Hera), inteiramente assimilado e ainda néo comprometido com © sionismo, tceinava e duelzva quatro horas por dia como membro do Bur cbenschaft Abia em Viena, até que um incidente anti-semita levou-o ase as tar, Outros estudantes judeus respoaderam 20 anti-semitismo sociel fundan. {do fraternidades prdprias, Como os gentios, eles brigavam por quest6es ce principio: € a0 final do sculo xix, com o nascimento do sionismo, tais ci Ses se tornaam ieremedliiveis. €, imitando os prSprios calegas que eles acha vam mais merecedores de censura, muitastraternidades juclalcas, todas elas burguesas, declararam-se a favor do Mensur.2? Alguns estudantes judeus, naquela época, pediram —e obtiveram — sa- \isfagao. Um desenho de Sémpticissimus de 1898, um semanario cléssico no «stilo satirico perverso, debocha crueimente dos judeus alemaes desajeita- ddamente se adaptando 3 cultura do duelo, A cena & 2 sala de uma familia evi- dlentemente prdspera, Os moradores — pai, mae € filo — sao inequive. mente judeus; 0 corpo nada atlético e 0 nariz recurvado atestam iss0. No sola, espadas cruzadas com fitas presas so testemunhas muds le que 0 ft lho pectence a uma fraternidade de duelos. © pobre dono das espadas est aldo no sofa, segurando a mao da mae. Sua cabega e nariz esto envoltos cm pesadas ataduras; obviamente, ele recebeu algnrs golpes solidos. A mae, hum alemio mistucado com ifdiche, est4 tentando aplacac chefe da fam lia, que ievitadamente caminha de um lado para outro: “Agora pare de res- mmungar, Lab Baruch, Um Mertsur & uma questio de honra, ¢ vocé nao en- tende nada disso, Nio € seu ramo de negécios”.*° Com mais seriedade, a necessidade de provar sua coragem, uma quali- dade qu thes negavam, levou os estucantes judeus a esposar 1 Mertser com uma convicgio ipcomum, assim como produziv um grande jnomero de lutadores de boxe judeus.* Em 1886, em um manifesto dirigido (8 anti-semita (+) Pxistem mutas provasfactals de que os jueus dvelawam com bravuen e perfcla Um dies fol Cat Koller, famoso por sua descotera das virtues anestéscas da cocaloa, Een 1885, Jovem medica etenente da reserva ele se nvolveu numa altreagao.com outro medica, can em tenente, em torno do trtamento de win pacenie da cnfermarta ch emergencia. sve colega 43 ascus colegas da Universidade de Breslau, um grupo de estudantes de medk cina judeus conclamava explicitamente a0 “exercicio fisico” para capacitac 6s judeus a mostrar seu valor. “Temos de lutar com todas 3s nassas energias contra v oprobrio de covardia e fraqueza que nos € langado, Queremos mos ear que qualquer membro de nossa associacio € igual a qualquer colega cris Wo em todos 08 exercicios fisicos e em bravura.” Em 1904, um estudante judcu tnha quatro vezes mais possibilidades de se envolver em um duclo do que um estudante gentio.*! Uma Scbmiss no rosto de um estudante ju dev tinka particular significado: a cicatriz era um sintoma de defesa, uma prova de bravura, uma afitmayso de status igual ¢ de auto-cespeito masculino, Em suma, a despeito de todas as regulamentagdes antiduelo presentes nos livros ¢ de todaa calorosa palémica antiduelo, o Menstrr continuou sen: ‘do uma forma de agressao estudaatil popular © sempre a mais espetacular. ‘Suas convencSes e rituais mudaram, masem meados do século todas as suas regulamentagdes estavam Id. A violencia feudal havia sobrevivido na moder ha ¢ disciplinada Alemanha; bons burgueses alemaes, pelo menos burgueses a classe alta, haviam-no adotado como um alibi aristocrético para a agres- sio. Nao foi prejudicado pelo fato de suas pretenses feudais serem inautén, lucas ao extremo e as formas de conduca cavalheirescamente honrada serem ‘muito mais importantes do que sua substancia.** As Scbmrisse, pela qual jo: vvens supostamente bem educadios softiam noites de ansiosa antecipagio, tor mentos de medo de mostrar medo, viviam epis6dios dalorosos € muitas vezes desfigurantes, eram, na maior parte do século 1x, insignias visiveis de lum espeticulo visivel, Nao interessa 0 que mais fossem, elas eram emblemas de agressio saboreada, testemunhada, softida, Com que proposito real? ‘Como sempre, 0 cinismo puro, como 0 de Max Weber, apenas jlumina fFragmentos da questo, Adolf Kussmaul, a esse respeito, tipico de muitos li: vros alemies de memérias de sua “cavalaria estudantil”, pontilhou sua auto: Diografia com oy nomes dos bons amigos que fez em seus anos universitarios ‘quase todos eles burgueses, tornaram-se médicos, ciemtistas ou funcionfrios governamentais, € mostraram-se homens de real mérito ¢ merecida eminén la, Em seus Gorps ¢ em suas Buerscbenschaften, 0s filhos de burgueses es: barravam nos filhos da aristocracia dona de terra e gozavam — pelo menos alguns deles — de uma sensagao de intimidade ¢ igualdade Na verdade, a5 reminiscencias — publicadas ou nao — ¢ os romances universitarios, ao mesmo tempo sentimentais no tom e fotogrificos no Tais eelatos ficcionais sio representacoes fieis de experi¢nclas de- maslacamente familiares, profundamente sentidas ¢ em geral rapidamente re. primis. Explicam por que 0 dlcoal era, com tanta freqiiéncia, chamado em. Socorro. Mesmo em Die Seaxoborussen, cle Gregor Sumatow — um romance sobre 0 Corps muito exclustvo de Heidelberg ¢ talver ainda mais advlador do que 0 exercicio de Bloem de embelezamenta de memérias —, mostia © maior amigo do herdi receitando 0 remédio do alcool, “Beba um copo agua com conhaque”, diz cle com tranquilidade enquanto enrola 0 brago do amigo na preparacao para o Mensur ¢ 0 vé ficando pilido, vai fortalece- lo e aquecé-lo,"* O herdi, afinal, resolve confiar apenas em sua propria for sa de vontade, mas 0 alcool estava 2 disposicao dos que nto contiavam tan- (0 em si mesmos para desempenhar com o exigido estoicismo estilizado a contrapartida 4 agress4o lberada, As hist6tias offciais, 05 apologistas € a fiogto universitaria watam com demonstrativa frieza os duelos em que labios séo cortados e faces so talha das, lObulos de orelhas czem na arena coberta de areia e 0 eangue jorra até Que 0 desafortunado e feliz cuelista fica virtualmente coberco por ele. Mas por tds desse cultivado e acquitido savoir faire espreita uma espécie de ale- aria embriagada, uma sidica pulsio de escapar & repressio misturada com Pura ansiedade, Talvez, como Bierbaum afiema sccamente, a8 pessoas se Aco. tumem a esse tipo de desempenho, assim como um poodle se acostuma & tomar banho,*” Mas para muitos estudantes dclistas, sobretudo antes que esse hanho sangrento se torne rotina, © desejo de uma sc20 vigarosa era tem perado, multas vezes sobrepujado, pela pura barbarie do procedimento, pa ra nao dizer nada do medo da dor nem das fantasias de mutitagio. Fra isso © que tornava tio indispensivel 0 caloroso sentimento de fraternidade: dar va a0 jovem duclista, de sabre na mao, a sensagao de que nao estava sozi- ho, € de que outros haviam sobrevivido 20 ordilio, Nao espanta que tais associagdes intimas de jovens de pensamento se- methamte, partithando momentos memoraveis dle excliagzo € de embaraco, Fornecessem a base solida de amizades pata toda a vida e permitissem que se olhasse para tras sem quaker critica. Nao havia nada de clandestino nes ses afetos adlolescentes: as publicagSes das fraternidades, as reunloes dos 36 Corps #, de novo, 2 fico descrevendo a vidla estuckantil davam muito valor 4 tais igagdcs masculinas. Mais uma vez, consideremas Werner Achenbsch le se apieda de um iemao de Corps muito admirado, Klausner, que embora has lutas tenha sido consistentemente bravo e sem qualquer mécula, travou um Mensur infeliz ¢ foi suspenso por duas semanas de todos os postos ho: norfficos em sua fraternidade. Ao visitar 0 profundamente humilhado Klaus: nes, Achenbach 0 vé resignaco ao desting, embora ele tivesse razées respei fveis para 0 fracaso0; havia ficado noive na noite anterivs, © sua atengio nao esiava no combate, Bloem nio trata da ironia da situagio de Klausner: uum motivo poderoso pasa heroismo no duelo era ganhar a mulher de seus soahos, © no entanto, precisamente por sonhar com. o amor, Klausner per- cu a honra, mesmo que apenas temporariamente, Vitima décil e submissa, ele insiste em que nio tem qualquer desculpa; € preciso aceitar 0 julgamento, die seus pares assim como se aceita o veredicto de uma corte Klausner, em suma, no € nenhum rebelde; nZo trava nenbuma luta con- tra o sistema, embora reconhega seu lado cruel e injusto. Mas sua resignagao apenas Intensifica 2 estima de Achenbach. quando os dois escudantes fi- lam com intimidacle cada vez maior da vica na fraternicade e de seusamores juvenis, sua relagio floresce. "E quando os jovens se olharam nos alhos 20 se dizerem adeus, a fragil cascada restri¢ao costameia dos estudantes do Corps se rompeu em seus jovens coracdes, De repente, estavam nos bragos um do outco." Esse momenta sentimental perturbou os, mas apencs de le- ve. Ambos os homens, Bloem nao se importa de escrever, sentiam-se calo- tos0s ¢ fortes no coracdo: “Naquela hora eles se tinham tornado algo me- thor do que irmios Gorpsmen. Eles se tinbam tornado irmaos"."* £ impossivel avallar a prevalencia de homossexualldade aberta entre es- tudantesalemaes, nao faz sentido tentas, mas certamente esse tipo de fervo- rosa identificag2o miitua que Bloem descreve de modo to inocente deixa lragos visiveis em muitas vidas. No mundo de estudantes lutando seu Men wr, aS mulheres figuravam apenas como temnos ¢ pilidos motivos de preo- cupacao € como prémios fugidies, objetos de fantasias de desejo. O ideal dacastidade pré-marital, que algumas fraternicaces explicitamente subsere- viam, apenas aumentava a ligacdo apaixonads de rapazes uns pelos outros Paixonites”, 09 romancistas ¢ psicélogos da época insistiam firmemente, ‘cram apenas pelas mogas, Mas havia muito de paixonite na timida ¢ inarticu- hacia adulaco que muitos postulantes do primeiro ano sentiam pelo Buarsche velerano a quem ele servia dle muito bom grado — aquele poderoso lider de homens, !a0 completo em recitar Os brindes em bebedeiras ntuais, tao adepto dle manefar a espada no Mensur, tio esplendidamente brusco com © Fuchs de olhos arregaladios que ansiosamente levava os seus recados, cae regava sua espada at€ 0 campo do duelo € tudo © que queria era se tomar como seu ideal, em algum clia distante. Enquanto a fantasia adolescente de masculinidade, a viril auto-exibigao de jovens animals perante seus pares e para sua gratificagio, informava a eco: er6tiea do duclista, um amor mais adulto espreitava a distancia, Ao final do seculo xix, uma pequena mas enfitica liteeatiara insistia em que a Verdadelra natureza do Mensur era biol6gica: tratavic-se de uma elaborada «langa de acasilamento, com o macho se exibindo na excitacla busca de uma femea. Segundo essa visio, as mulheres, por assim dizer, lutavam por pro- curagio; elas aprovavam inteiramente que scus homens recorressem 25 2 ‘mas part acertar questOes de honta. William James estava apenas repetindo um lugar-comum corrente quando declarou “que a mulher ama mais o ho ‘mem quanto mais enfurecido ele se mostie”.” A ficgio acerca do Mensur as evidéncias da vida real s20 parcimoniosas ao extrem — esté cheia tle mocas esperando em casa, rezando por seu bravo, honrado e combatente admiridor, torcendo um lengo molhado de kégrimas, Algumas joveus teutOnicas parecem ter tido um gosto especial par essas lesoes controladas, reservando Seu! amor nos que nelas tinham bom desem- penho. Jerome calmamente relatou a popularidade do homem com ima Scbmiss entre as jovens casadoiras, E, em seu romance Stilpe, Bierbauim con. firma a associagdo entre mutilacao e amor. “Recentemente, um jovem lutou com nossa arma preferica", diz Scilpe. “Estava terrlvelmente assustado, amas nao se deixou aba’, € lutou até receber no rosto um golpe que deixasse lima cicatriz, “Mais tarde, cle me confessou que tinha lutado “por amor” © seu oponente, Stipe perguntow suaremente, havia ousado por as mos na nolva dele? “On, nao’, disse ele, ‘minha noiva apenas queria que eu ti ‘esse uma bela Schmiss',” E Bierbaum comenta, invocando heroinas miticas € romanticas florestas alemis, que “é essa.a inclinagao das heroieas fllhas de Thusnelda. Voce nao esté ouvindo o farfathar da floresta de carvalho?". A melhor coisa do Mensur, Bierhaum faz Stilpe dizer, “é 0 caciro, a mais del ciosa mistura de iodo, fenol, conhaque © um pouco de suor. Funciona em mim como um afrodistaco, Mas € possivel que eu seja um pouco pervertido Sede de sangue € desejo! De-me sen eoragao para eu me cmbriagat, Laura! Eu a amo" 40 No Mensur, os impulsos mals fundamentais estavam indisso- huvelmente entremeados em contradi¢Ges humanas 20 extremo: a cicatriz, €m qualquer outro contexto um sinal de fracasso, tornava-se o passaporte para 0 sucesso; a agressao estimulava o amor, € 0 amor, a agressio, Era uma combinacao caracteristicamente adolescente. E mesmo os apo- logistas da vida das fraternidades reconhesiam que o Mensur era um ingre diente nobre, embora doloraso, ma preparacdo do estudante para um mun. do mais amplo. Uma autoridade no assuunto, como era 0 cdiser Guilherme 4 tinha a certeza de que a vida do Corps marcava cada um de seus mem: bros com seu espitito, para sempre ‘“forjando sua forga ¢ sua coragem". © duclo, segundo cle, em geral nao havia sido compreendido: era contrapar. Uda moderna dos torneios mecievais, “inculcando os graus de forga nect Silos 20 mundo exterior”. A literatura polémica, muito mais furiosa e vi tuperadora, afirmava 0 mesmo ponto vezes e vezes. "Testemunhel muitos uelos de estudantes em minha vida", exclamava um polemista, Heinrich 38 Nosenberg, num panfleto cirigito contra Franz Joseph Egenter, que ousara questionar seu valor moral e pecagSgico, "'mas os duelistas que Herr Egen for descreve cu nunca vier um Jersur. Ali eu vi Jovens alegres, honestos, felizes, que mediam sua destreza nas armas uns com os outcos, sem qualquer fancor, Nao se enfrentavam com os olhos brilhances de raiva e sedentos de fungue; vomavam seus lugares com um gracejo e quando acabava, tudo era esquecido”."" O Akademische Monatshejte, 6rg80 oficial do Corps, estava naturalmente de acnrela em que 28 corporagdes de duelo davam aoe jovens a verdeita dicegao © a melhor cducagao para a vida. Nio se podia esperar ‘que eles dissessem outra coisa, mas essa bazéfia tinha crédito geral. Nem era «la inteiramente absurda. Deve ter havido adolescentes pecturbados e teme tosos que conseguiam vencer suas ansiedades expondo-se aos riscos reais ‘mas circunscritos do Mensur. Desafiando seu meclo a0 buscar a situago que tals os assustava, verificavam que, no contexto cosreto, a conduta contra fobica podia dar ricos dividendos. Por séculos, os homens hutaram em duelos para apagar insultos contra sua honra, mas o insulto que provocava um Mensur era muitas vezes um pre lento puramente formal. Os estucantes nao duclavam para yingar uma des- feita; na verdace, eles buscavam — ou manufaturavam — uma desfelta para poderem duelar. O Menster parecia a maneira aclequada de fazer com que 0 Jovem inexperiente se destacasse entre seus companheiros; assim como meninos de escola entram em competigoes para ver quem urina mais longe ‘ou, quando ficam mais velhos, em competigdes de mastusbacio, da mesma forma mustos estudantes achavam essenciallutar para parecer vitis, estoicos © empreendedores. Klausner diz. a Achenbach: “Veja, para nds, estucantes Uo Corps, 0 Menster ndio & um esporte, um jogo com armas”, mas um “ins- tumento educicional”. O estudante, de sabre na mao, “deve provar que € indiferente a dor fisica, ao desfiguramento ou mesmo 4 ferimentos sérios ‘ua morte", E Klausner prova seu ponto de vista, sobriamente, sem bazé- . no Mensur que trava para recuperar seu bom nome, na presenga de seus amigos mais intimos."? 4 coisa mais vergonhiosa que um duclista poderia fa- zer seria recuar; virar as costas — kneffen — invariavelmente gerava 0 des- prezo universal. Nada poderia ser mais acolescente do que esse estorgo para buscar a identidade com seus companheiros, o caminho para a aceitagio © para o reconhecimento do valor. Aaadolescencia, na modema cuttuta de classe média, com certera, € uma énoca tempestuosa, excitante e excitala,f tempo de testes de experimen- tacio, um tempo que volta a encenar o5 dramas ¢ revive as paixdes infantis, ‘Os sentimentos sexuals ¢ agressivos que a crianga aprendeu a encarar como improprios € perversas, sentimentos que s20 colocados além da conscién- «ia, agora retornam, quase literalmence com uma vinganga, © comportamento, cexpressivo, desajeltaco, violento, multas vezes irracional, diigido contra to: os, inclusive contra s1 mesmo, parece menos uma escolha do que um dest no, A maturagio fisiolbgica permite que fantasias de teiunfos sexuais passem 49 dle fUtels © yages sonhos a possibilidades precisa ¢ acessiveis, O mesmo é Vetdade para a agressfo: a rebeligo contra.a auroridade paterna, impossivel, quase impeasivel, nos anos infantis, agora parece estar a0 alcance do ado lescente, Mas as visoes grandiosas de onipoténcia ¢ de supremacia so som- breadas pelo assustador pesadelo do fiasco. £ assim as novas forgas do ado. lescente se tomam uma fonte de confitos-e de ansiedades, bem como 0 dese jo de retct objetos de amor infantil teimosamente se confranta com o desejo de se livrar deles, ¢ a agressio é tecida na teeruma das florescentes fantasia sexuais. Ligagdes homoeréticas, as famosas paixdes a que o jovem puiber es- 4 suscetivel, fazem mais do que provocar prazer er6tico, servem como um Porto seguro para as pressdes e perigos do amor adulto pelas mulheees,*3 © adolescente, assim, est enredado cm conflitos perturbadores. Dai aquela extravagante pscilacao de humor € anio menos extravagante mistura de desafio ¢ conformidade que marca 0 comportamento nesse periodo. Pax rao adolescente, 0 apetite de vitGria na batalha edipica, reaparecendo em ovas € mais urgentes manifestag5es, € to perigoso quanto a derrora, talvex inais perigoso, Por isso 2 busca de experiencia tende a ser complicada por Juma busca de punigio, que, cm casos extiemes, pode acadat em suicidio, aberto ou distarada, Dessa perspectiva, o Mensur parece ter sido brilhantemente concebide para enfrentar as devastagdes da puberdade, Sem duvida, até mesmo na Ale- muha, a grande maioria das pessoas, homens e mulheres, tinha de atcaves sar © campo minado da adolescéncia sem o beneficio de um duclo ritual. Mas ento outros ritus de passayem estavam a sua espere, na escola, na fam lia, nas ruas. E muitos desses titos, fossem eles provas engenhosamente ela. boradas ou trotes violentos, eram exercicios de rara crucldade impostos a0 sspirante a adulto, justificados aos olhos dos que os infligiam como passes necessirios através de fronteita da maturidade, Jé 0 Menster combinava com Peculiar felicidade proibigdes © permissées, castigos ¢ cecompensas, softl- -mento e prazer, Apresentava cerlmontais para estabelecer a hombridade, estes € substitutos para as proezas sexuais, c, com suas regras de procedimento ‘obsessivamente cefinilas, uma estrutura confidvel em que os jovens podiain ominat os sentimeatos agressivos que os avassalavam. Melhot ainda, o Men- sur infigia dor suficiente para geatificar 0 mais exigente superego. Em suuma, 20 providenciar uma arena para a afirmagao simultanea de aur tonomia ¢ dependéacia, o Mensur dava aos filhos que batalhavam sob suas cores a possibilidade de gratificar e 20 mesmo tempo desafiar os pais. Peepa tando para carreiras respeitiveis ¢ veiculando sentimentos patridtlcos que seguiam de perto as praticas ¢ ideals patemos, 0 Lurschenschaftler se mos- {ava um rebelde complacente ¢ convencional, Ele era um burgueés personi ficado, domand suas feras 20 que era prescrito e com um olho na segurare a futura, Seguramente, nie € por acaso que a critica social-democrata a0 ‘Burger alemao iia caracterizé-lo como tetardado ¢ veria o Menst, com muita Justificaca0, como uma instituigio politica (ou, melhor, como uma introdu 40 ‘io a postura politica) que permitia pretensdes aristocréticas em uma época cada vez mais Gemocratica. O Mensur eraa coditicagao da adolescencia; era lun! caminho — nao 0 tinico, ou © melhor — para cue certos burgueses do, século xis regulassem suas agressbes, Nao chegava 4 ser uma receita para a maturidade pessoal ou politica. Mais do que a maloria dos arranjos socia's ue disciplinayam a belicosicade, 0 Mensur era paradoxal, e imensamente inscrutivo, nas maneitas contraditérias de cultivar 0 dio. Elaborado para con: toro copitito de agressividade, eatimulaya tal espirito. controlava a Violeocia © canonizavaa. 4 1 ALIBIS simples réplica de racionalizacbes consagradas pelo tempo, ou suis var Hlagoes das mesmas, apenas uma pequiena parte consegue ser verdadeiramente inovadora. Também 0s vitorianos, 20 buscar desculpas respeitaveis para seus ‘murtos (tanto em palavras como em atos). tomaam muita coisa emprestada © crlaram pouco; varias de suas principais justificativas para a falta de coer- io tinham um longo, embora nem sempre honrado, pasado. Mesmo fim, 0 que a burguesia do século x1x acrescentou, ou emendou, as razdes radicionals segundo as quals cercas atividades belicosas eram apropriadas, ‘ticas ¢ até mesmo comancadas pela natureza implica um estilo cultural re conhecivel. Assim, uma atmosfera composta de fumiliaridade ¢ novidade per- mela os 4libis para a agressao em que os vitorianos confiavam, A pré-historia dessas justificativas apresentadas no século xix 6, na ver dade, extremamente diversa, Das trés aqui assinaladas — existem, claeo, ow tras —, a primeira, a concorréncia, originou-se em urna modema tearia bio- logica e chegou @ permear a vida econémica, politica, literaria e até mesmo porivad das décadas vitorianas; a segunda, a construgao do Outro conveniente, ‘ora uma composicao de “descabertas” pseuciocientificas relativamente recen- les e dos habituais ¢ agradaveis preconceitos; a terceira, o.culto da masculi- Iiidade, era uma adaptagio no século x:x do ideal aristocratico de bravura or vartado que fosse esse cardapio de autojustificatives, todas elas forne- ‘clam identificagdes coletivas, servindo como gestos de integragio ¢, com b0, de exclusio, Ao reunir comunidades de pessoas “de denro" chis revela- vam — muitas vezes inventavam — um mundo de estranhos para além dis paligadas, individuos e classes, ragas e nagdes, que era perfeitamente ade quido contradizer, tratar com superioridade, ridiculatizat, explorar ou & lonminar, Todas as trés justificativas tinham 0 mesmo efeito; cultivavam 0 Odio, em ambos os sentidos do termo: ao mesmo tempo o estimulavam ontinham, fornecendo argumentos respeltaveis para seu exereicio e, simul- laneamente, obrigando-o a fluit dentro dle canais de aprovacao cuidaclosa- mente demarcados 43 Que tipo de comunicade tats ais para a agressfo criam ¢ consolidam < umd questao que vat, obviamente, depencer do tempo, lugar, oporiuinida, dle € press®es concotrentes dos interesses particulares, Eitem sempre apon. tam na mesma diresdo; sobseiudo em momentos em que as tensdes socinis ow intemacionais se tornam agudas, um slibi tende a contradizer seus rivals, ua ter dificuldades em coexistir com eles. Qual deles val prevalecer de Pende de qual identificagao — religiosa, racial, regional, econémica ou cul. tural — vence a batalia das lealdades divididas. No século wre, 4 familia de atibis para a agressio raramente estava livre de diseérdias intcrnus ¢ multe veres estava aberta a duvias, ais jusiificativas tampouco eram gravadas em pedra. Um pattiota po. da descobrit 0 pacilismo no meio de uma guerra, um anti-semita poxlia se espantar a0 aprender a valorizar os judeus que conltecia, £ precisamente ce, 4a mobilidade que faz. com que tais alibis sejam pistas valiosas para o tena broso, e em grande parte inconsciente, dominio das necessidades ¢ ansicdlas des humanas mais intimas. Todos eles constitutam licengas para desencadear sentimentos de agressio, mas se Originavam de reservatotios subterrineas imvito disperses @ encontravam a mais diferenciaca expresso publica, Al. Suns comecavam como uma propaganda elaborada pela elite no poder ou Como ideologias de uso proprio para justificara cobiga, 0 sadismo ou a inte Terancia ractal. Outros se apoiavam naquilo que era considerada a mais cien, tfica ds informagdes disponiveis. Outros, ainda, cram conviegbes tlupladasy © velha dito de que nem todos os inimigos de um parandico sio necessaria, mente imagindrios se aplicava no seculo xIx, Por mais egoistas que fosser 4 PermissGes que os vitorianos se cavam para se cntregar a belicosidade, Pelo menos algunas delas ram respostas racionaisa desordem social, 40 a2. Foquialisme religioso ou a corupcao politica. Generalizacdes vilidas da ex eriéncia, elas conseguiam, tanto na cultuea como na barca dos tribunals, re stir ao mais aguco ¢ cético escrutinio. Razodveis ou tendenciosts, eta tae do que uma desculpa einica para fuzer algo egotsta ou perverso e, a0 mesmo tempo, vantajoso. A diversicade serve apenas para complicar 2 compreensio da cultura bur suesa do sGoulo xx, Para complica alnca mais, 0s dlibis desenvolvidos pa fa fazer com que os vitorianos se sentissem confortiveis As vezes fizeram com glue muitos deles se sentissem extremamente desconforiiveis. Naquele se Culo, sobretudo, com a exigente consciéncia burguesi tendo de contro uma enorme varicdade de tentagoes a veeméncia, alguns dlibis se tornaram Fontes io de auto-satisfagio, mas cle autolaceragio, Varios burgucses mis ttivos — talvez no John D. Rockefeller ou Ancirew Camegie, mas outros Sliveram suas atividades inibidas, as vezes estropiadas, por um superego chelo de censura. Os vitorianos sabiam disso aa vieada do século, jf havia se tornado hugar-comum dizer que a agressio contra os OUttOs parecta se trans formar em agressio contra si mesmo, Beatrice Webb observou que vivia um tempo em que “homens de intelecto ¢ homens tle propriedade" haviam de senvolvido “uma nova consciéncia de pecado”, uma “conselénela de classe ory ou coletiva" acerca das obrigaySes com os menos afortunados. Sem dtivida alguma, George Bernard Shaw estava exagerando, da maneira que Ihe era indo, em 1912, olhou para trés ¢ afirmou que “as grandes con. versoes do s€culo xox ndo foram condenagdes do pecado individual, mas «lo pecado social. A primeira metade do sécula xx se considerava o maior dle todos os séculos. 4 segunda descobriu que era 0 mais perversa de todos bos séculos”, Na vertlade, o contraste nao fol tao agudo: a pemissao para ‘mostrar impulsos agressivos vinha sendo recusada cada vez mais desde a Re- hascenga, Nio hi duvida que, por voka de 1800, a rigorosa obrigagio de aulocontrole, sobretuco entte as respeitavels classes médias, era realmente Vigorosa, Em 1858, mais de cinglenta anos antes do pronunciamento de Shaw, o brithante homem de letras inglés Walter Bagehot observava que “a insensivel obtusidade da primeira parte deste século teria de ser corrigida or uma extrema, taivez excessiva, sensibilidace aos sofrimentos humanos hos anos que se seguiram’’.? A questo é que muitos contemporineos de Ba- xehOt no achavam que sua sensibiidade fosse excessiva,¢ taduziam unta incipiente auto-reprovacio em filantropia privaca, campanhas de organiza Sao de servigos sociais, ou cruzadas em prol de reformas politicas, Nao precisamos ficar sentimentais 2 respeito da vids interior da burgue- sia do séeula XIX. A época era; como seus erticos mostraram com amplas cevidencias, hospitaleira com mercadores de sangue Trio, cor!éceos donos de ‘abrica, burocratas indlolentes, politicos corruptos ¢ nada caticlosos adminis- tradores de instinuigées de caridade, Mas nas décacas vitarianas os burgue 1s mais suscetiveis e pensantes se preocupavam cada vez mais: era correto. nanter dOcels sgnorantes agueles que trabalhavam com as maos, para faci- Itar a busca de seus lucros empresariais? Fra justo manter afastados dos pri silegios da eidadania os pequenos proprictitios ¢ os tabalhadores respeita vyeis? Devotos cristaos, que tentaram aumentar o nivel de alfabetizacio para capacitar qualquer um 2 lera Bfbtia, encontraram aliacos um tanto contradi- \Orios enire os reformadores sociais jgualmente comprometidos com o mes to programa, sO que com um objetivo muito diferente, o de levar & arena politica os membros das classes responsivels mas sem representacio Assim, enfrentando um presente confuso ¢ um futuro incertw, 0s vito- Fanos de todas as partes se envolveram em disputas prolongadas, emocio- nals, geralmente inconchusivas ¢ freqiientemente fascinantes, sobre todas 2s quesides referentes a agressio, Como atesta a combativa linguagem da con- \roversia, a €poca Tevou a sério 08 seus conilitos, € alguns dos mais interes- santes entre eles discutiam se a belicasidade legitimada por um Alibi ou ou: (o era realmente necessaria ou justificavel. Os proprios titulos dos escritos polemicos, sobretudo no sensivel dominio da religo, sugerem lutas de mor- te; basta ver a inflexivel Hisiory of the warfare between religion and science [Historia da guetta entre religido c ciéncia}, de Andsew Dickson White, ea hao menos Inflexivel History of the conflict between religion and science [Historia do confiito entre religito e ei@ncia}. B os m: ticipan- exaltados p: cr

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