Você está na página 1de 6
A dimensio discursiva do trabalho filosofico A atividade filosica discursiva: os ilosofos argumentam, desenvolvem teorias, colocam e respondem a objacdes,claiicam e distinguem conceltos, eses, problemas. Para participar na atvidade filosotica, 6 importante perceber como se faz tudo isto, © que implica dominar as fogdes que so intoduaidas neste capitulo. Proposicdes Frases e proposigées Quando alguém defende uma determinada resposta a um problema filosdfico,esté 4@ apresentar uma tese ou perspetiva. As teses sio propos Proposicoes. " tos ou conjunto: Uma proposigioé aquilo que é expresso por uma frase que tem valor de verdad AS frases que nao sao declarativas, como as perguntas ¢ as ordens, normalmenté ndo exprimem proposiges. Uma frase $6 exprime uma proposicao se fizer sentido jor de verdade 520 precisamente aquelas que sio verdadeiras ou falsas, mesmo que no saibamos se $20 classifiar essa frase como verdadeira o! ‘uma coisa ou outra, Perguntar pelo valor de a frase ou da proposies® que esta exprime é perguntarse ela éverdadeira Estas frases ndo exprimem proposicbes’ + Abrea portal + Aportaesté aberta? + Oxalé ele ndo abra.a porta 1s todas as frases seguintes exprimem proposicdes,jé que faz sentido perguntar 'o verdadeiras ou flsas: '» Aporta estéaberta, + Aporta ndo esté aberta, + Sea porta esté aberta, entdo alguém a abriu, [As frases sio a expressio lingufstica das proposicbes, Para cl iflcar um pouco @ slacto que existe entre frases e proposicées, importa sublinhar 0 seguint: ‘Se duas frases diferentes significam 0 mesmo, entio exprimem a mesma propo: sigio. + Se uma frase pode significar coisas diferentes, entio pode exprimir proposicoes diferentes Porexemplo, as frases “O Joo gosta de flosofia”¢“Eu gosto de floso iltima proferida pelo Jodo, exprimem a mesma proposigdo. Ea frase “O Miguel Joana com os bindculos" pode exprimir proposicbes diferente dizer que Miguel viu Joana através de binéculos como que bindculos. Uma frase como esta, que pode ser interpret ambigua I viu a * pois tanto pode querer Miguel viu Joana a ada de formas diferentes, é Proposigdes condicionais “Muitastesesflosoticas consistem em proposigdes condicionais. Estes sio exemplos de proposigdes deste género: * Seestia chover, entio o chao esté mothado. * Seas animais nao cém deveres, entao nao tém direitos. * Se tudo o que acontece tern uma causa, entdo nao temos livre-arbitio, * Sea indugao nao tem fundamento, entéo aciéncia éiracional, Como estes exentplos deixam claro, todas as proposigdes condicionais podem ser xpressas por frases com a forma "Se P entéo Q” Note-se que no lugar de P e de Q *ncontramos também proposicoes. Por exemple, a primeira proposigdo condicional 1a lista € constituids pelas proposigses expressas pelas frases “Esté a chover" e “O cho estd mothado’ Ea segunda é constituida pelas proposicSes expressas pelas frases "Os animais nao tém deveres" ¢ "Os animais nao tém diteitos” As proposicoes que constituem uma proposigto condicional tém nomes diferentes ‘Numa frase coma forma “Se P entéo Qa primeira proposigdo, Pé a antecedente, ca Segunda proposicdo, Q, 6a consequent ‘Numa proposigao condicional, a antecedente 6 uma condigdo sufieente para a consequente. Tomemos como exemplo a primeira proposigio da lista, Esta significa que estar a hover @ uma condicéo suficiente para o chao estar mothado. Ou seja, diz-nos que asta set verdade que estda chover para também ser verdade que ocho esté molhado, «Numa proposigie condicional aantecedente, ‘onsequente é uma condigia necessdria para A primeira proposi¢do da lista significa, portanto, que o chao estar molhado é luma condigdo necesséria para estar a chover. Ou seja, diz-nos que é preciso que seja verdade que o chao esté molhado para que também seja verdade que esta a chover, (se 0 chao nao estiver mothado, encio nao esta a chover.) Resumindo, numa frase com a forma “Se P entéo Q’ Pé condi suficiente para Q, © Qé condigao necesséria para P Note-se que é um erro confundl ‘Se entio Q" com a sua inversa, “Se Qentdo P1A tenho um animal de companhia; por exemplo, nao sig- nifica o mesmo que “Se tenho um animal de companbia, entdo tenho um cdo” Estas frases exprimem proposigoes diferentes. Como é muito fil cometer o erro de confun. dir uma condicional com a sua inversa,é importante aprender a distinguir condigoes suficientes de condigdes necessérias. Consideremos agora as seguintes proposigdes condicionais: frase °Se tenho um cao, en * Se Joto vai a praia, entio veo mag, * Se fodo vé o mar entdo vai praia A primeira proposigio diz-nos que foao ir & praia é ura condigdo suliclente para ele vero mar. F a segunda significa antes que Joao ir praia é uma condi&o necessiria Para ele vero mar. Se ambas as proposigdes forem verdadeiras, Jodo ir praia ¢, enti, luma condicao necessdria e suficente para Joao ver 0 mar. Pata exprimir esta ideig ‘numa tinica frase, podemos dizer o seguinte: * Jodo vata praia se, e apenas se, ele véo mar, Esta proposi¢do ¢ uma bleondicional. As proposigdes deste género podem ser xpressas por frases com a forma “P se, e apenas se, Q! As bicondicionais sto, por assim dizer, condicionais que funcionam nos dais sentidos. Algumas das teses flosif- as que iremos discutr so bicondicionais, Note-se que as duas proposicdes relacio ‘adas numa bicondicional nao so designadas por “antecedente”e “consequent 2, Numa proposigio bicondicional, “P se, e apenas se, Q estabelece-se uma rela a0 de equivaléneia entre as duas proposigées que a constituem. Consideremos mais um exemplo de bicondicional * Margarida passa o ano se,e somente se, estuda todos os dias 'sto significa que se Margarida passa o ano, entio estuda todos os dias, e que Margarida estuda todos os dias entio passa o ano. Portanto, Margarida passar o ano & uma das coisas é condicio necessiria® equivalente a ela estudar todos 0s dias. Cad: suficiente para a outra, Proposicées universais Muicastesesfilosficas consistem em proposicaes universais, que podem ser alma "as ou negatvas. A forma mas comm cas proposigdesaniversas afirmatis® Todos os A sio B: Ea forma mals comum das proposigdes universais nese! ‘Nenhum A.) Estas sdo proposicées universals afirmativas: __Eestas S40 proposiedes universais negativas “+ Nenbum ma + Todos os mamiferos sio animais. mifero tem penas. + Nenhum objeto fisico ultrapassa a veloci ee dade da luz + Qualquer obra de arte imita a realidade + Nenhuma idelaéinata ———s Asduas primeiras proposig6es sio particulares, pois dizem respeito a apenas algu: as colsas. Eas duas iltimas slo singulares, jé que dizem respeito @ um duo ou objeto determinado, As propasigOes universais,sejam elas airmativas ou negativas, envolvem condicio nals. sto tomna-se claro quando constatamos, por exemplo, que "Todos os ma to animais” e“Nenhum mamifero tem pena” significam, respetivamente, o seguinte: + Todo 0 conhecimenco tem origem na expe Indiv uniferos * Para qualquer objeto X, se X 6 um mamifero, entéo X é um animal + Para qualquer objeto X, se X 6um mamifera, entdo X néo tem penas A primeira afirmagao significa, entdo, que ser um mamifero é condigao suficiente para ser um animal - ou, 0 que & 0 mesmo, que ser um animal é condicao necesséria para ser um mamifero. Ea segunda afirmagao significa que ter a propriedade de ser ‘um mamifero é condicio suficiente para ndo te a propriedade de ter penas. ste €um exemplo de uma proposi¢io universal que envolve uma bicondicional: + Todas as aves, eapenas elas, tem penas, Fazer esta afirmagio éo mesmo que dizer duas coisas: que todas as aves tém penas ¢ {ue tudo aquilo que tem penas & uma ave, Por outras palavras, ter a propriedade de ser lumaave é uma condigao necesséria esuficiente pata ter apropriedade de possuir penas, Consisténcia As proposigfes estao relacionadas entre si de vérias formas. Uma das relagoes mais importantes a de consisténcia. 0 termo "eoeréncia’ também é usado para referir esta relagao. 3 ‘Um conjunto de proposicbes & eonsistente se, e apenas se, é possvel que todas las sejam verdadeiras. + Beethoven nao compss sinfonias, * As obras musicais ndo sio obras de arte * As sinfontas sao obras musi Sabemas que as duas primeira proposes so falas, mas ndoexste qualquer a Ge Logica entre as trés proposigdes. & por isso que elas s40 consis fintes entte sl As segulntes proposicdes, pelo contrario, formam um conjunto inconsiscente: * As sinfonias de Beethoven nao imitam a realidade, * Todas as obras de arte imitam a realidade, * As sinfonlas de Beethoven sio obras de art. Estas proposigdes sdo logicamente incompativeis entre si. Nada precisamos de saber sobre Beethoven, sinfonias ou obras de arte para concluir que impossfvel que todas estas proposicées sejam verdadeiras, Pelo menos uma delas ha de ser falsa Se um conjunto de proposicdes ¢ inconsistente, entao pelo menos uma delas alsa. E por isto que temos de nos preocupar com a consisténcia, Quem defende teses {nconsistentes esté de certeza enganado em algum aspeto, pois pelo menos uma dessas teses ¢ falsa. Mas importa nao esquecer o seguinte: ‘Se um conjunto de proposigées é consistent, isso ndo garante que alguma das roposicdes seja verdadeira Podemos ter conjuntos consistentes constituldas apenas por proposigées falsas. Por iss0, 0 simples facto de alguém defender teses consistentes significa muito Pouco, pois € possivel que todas essasteses sejam falsas. Contraexemplos 0s fil6sofos tentam defender certas tesese refutar outras, isto 6, mostrar que sio fal- sas, Quando se pretende refutar uma tese que consiste numa proposigao universal, uma forma muito comum de o fazer é apresentar contraexemplos. ‘Um contraexemplo ¢ um caso particular que contraria uma proposigio wn versal Para apresentar um contraexemplo a uma proposicSo universal afirmativa com 3 forma “Todos 0s A sto B; indica-se algo que é 8, mas que nao é B. Suponha-se que ‘queremos refutaratese “Todas as obras de arte imitam a realidade” Uma sinfonia ot uma pintura abstrata podem servir de contraexemplos a esta afirmagao, ja que estes objetos sao obras de arte, mas aparentemente nao imitam a realidad. Para apresentar um contraexemplo a uma proposigao universal negativa com & forma “Nenhurm A é B;indica-se algo que é A, mas que também € B. Suponha-se que Stroman hse pale ser deomacrenglos eos ae jo thle cm de ton mat epucomens ae Or canteen, notes, i increta somos ses une ale Porsa sea propostioguecapancenmanenpin een eee Lasik earnest concn 4 Atgumentos Premissas e conclusao Argumentay ‘muito simples de um argumento, ® favor de uma tese & apresentar razdes para a aceitarmos. Este & um * Os animais tém direitos porque sio capazes de softer, e um ser tem direitos s liver essa capacidade A tse defendida éade que os animals ttm direitos. Para justiicar ou sustentar esta tese, apresentam-se duas razdes: 4 Os animals tém a capacidade de softer; e 2. Se m direitos. Podemos, entio, apresentar este uum ser tem a capactdade de softer, enti argument de una fora a 4 Osanimaistém acapacidade de sore 2 Seumser tema capactdade de softer, entdo tem direitos. 3 Logo, os animaistém direitos. A Ultima proposigio, a tese, & a conelusdo do argumento, As duas primeite Proposes, asrazies que vam sia ou suxenar tse, so as premissas 2 argumento. A ordem pela qual se apresencam as premissas de um argument Um argumento um conjunco de proposigdes em que uma delas (a concl a ese defendida a partir das restantes (as premissas), (Um argumento pode ter apenas uma premissa, mas também pode ter muitas pre. aissas. A conclusio de um argumento é sempre apenas uma. Os agumentos também sedesignam por raciocinios” ou por “inferéncias? pots inferir extrair uma conclusan a partir de certas premisss,e raciocinar& partir de certas premissos para chegar 2 uma determinada conclusto, Note-se que uma proposi¢do pode sera conclusio de um certo argumento, mas surgir como premissa noutro argumento diferente. Na verdade, podemos construir «cadelas de argumentos:chegaros a uma conclusio, usamos depois essa conclucag como premissa noutro argument, de seguida usamos a conclusio deste segundo argumento como premissa para um novo argumento, e assim por diante, Tambem, podemos proceder no sentido inverso, indo de conclusées para premissas, Um argumento que se encadeia no anterior é0 seguinte: 3. Osanimais tém direitos 4. So os animaisém direitos, entao no dever ser maltratados, F Logo, 05 anima nso devem ser maltratados. Se discordarmos de um argumento, podernos apresentar uma objecao. Ea objecdo poderemos chamar eontra-argumento, - _waliar argumentos Senos propoem um arguinentoa favor de uma ese, é preciso examiné:-lo crticamente {oso argumento nio sefa coreto (ou “s6ldo; para usr o termo técnica) nde fon fica realmente a conclusto defendida Um argumento é sélido se, ¢ e ; Se,eapenasse, 4 tver premissas verdadeirase 2 for Assim, ter apenas premisses verdadtiras e ser vl sto duas condides neces jas p um argumento seja sido. A validade de um argument diz respeito & relacac que existe entre as suas premissas ea sua conclusdo. (Urn argumento ¢ valida se, e apenas se, as premissas apoiam logicamente a con Quando avaliamos um argumenta temos, entéo, de colocar duas questdes muito diferentes: 4 Seri que todas as premissas deste argumento sao verdadeiras? 2. Sera que as premissas deste argumento apoiam logicamente a sua conclusio? Se respondermos NAO a pelo menos uma destas questdes, teremos de concluir que argumento avaliado néo é sdlio, Consideremos agora alguns argumentos muito simples que nao sto sblidos Todas as aves voam, Todos os seresvivos sio animais (Os pombos sio aves As érvoressio sees vivos, Logo, os pombos voam, Logo, as érvores sio animais, Estes arguments sio vilidos. As suas premissas apoiam logicamente a sua conclu ‘Ho, Jé que em cada um deles, eas premissas fossem todas verdadeiras a conclusto também seria verdadeira,Contudo, a primeira premissa de cada um destesargumen tos ¢ alsa. por isso nenhurn deles ¢ sido, A situagao 6 diferente nestes argumentos: ‘Tados 05 mamiferos sio animais, Todas as drvores sio plantas, Asaves nao so mamuferos. Todas as plantas sao Setesvivos Logo, os gatos no sio plantas, Logo, todos 0s Seresvivos si drvores, Agora todas as premissas sto verdadeiras, Porém, nenhum destes argumentos & sélido porque ambos si invlides. No primero caso, éevidente que as premissas nto apoiam a conclusio, Afinal, as premissasestdo completamente “desligadas” cla eon elusio, pos nada diem sobce gatos oy plantas. No segundo cas, a invaldae pode bvia quando percebemos que a conclusio que se nao ser tio evidente, mas torna-s poderiaextarvalidamente seria ade que todas a vores sio seres vos, que e ‘muito diferente de afirmar que todos os seresvivos st drvores Obviamente, um argumento pode ter ambos os detetos: pode ter premissas falsas | serinvilido, | Se um argument é sid esabemos iso temas boas razdes para area que sua conclusio é verdad, Ese um argumedto nao ésélido? Seri qu iso mosta que a sua conclusdo ¢ fsa? Nd. O facto de existrem mausargumentos a favor de we perspetiva nao constitui &razdo para rejeiarmos,

Você também pode gostar