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POEMAS
DE
AMOR
EM
TRÂNSITO

Sammis Reachers
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[ 2018 ]
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Índice

Introdução ......................................... 05
Cosmogonia ....................................... 07
A pequenina fábula urbana da Beleza
que despedaçou o Tempo ................... 09
A Esperança Que Amo ........................ 10
Sturm Und Drang ................................ 11
Desembainhar ..................................... 13
Deambulantes ..................................... 14
Detonador ........................................... 16
Em teus braços .................................... 17
Fundação ............................................ 18
Hoje é o Dia dos Namorados, ou assim o
comemoramos neste Dia do Senhor ... 20
Ondina ............................................... 22
Harmonizados .................................... 23

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Introdução

Este livro é um pequenino mimo. Poemas e livro possuem


uma única leitora efetiva ou assertiva, que acumula as vezes de
musa e destinatária dos versos – minha Érika.
O título do livro decorre de a franca maioria dos poemas ter
sido escrita em trânsito – dentro de ônibus e, em geral, quando
eu atravessava a baía de Guanabara em regresso para a São
Gonçalo de meu desmazelo, vindo dos encontros no Rio de
Janeiro com a minha então (primeiro) amiga, depois namorada,
hoje esposa, consorte, âncora de Deus e fofa metade.
Poemas não ‘trabalhados’, mas instantâneos, escritos no
celular e imediatamente remetidos de volta à sua origem – e
nisso mesmo mais preciosos, frutos do puro e espontâneo
enlevo poético e sua escrita quase automática, irrefreável (e os
poetas sabem do que falo).
Passeios no Jardim Botânico (onde os bancos guardam
nossos nomes), na praia de Copacabana – onde enfrentamos
duas tempestades climáticas e uma relacional... Tours regados a
café expresso pelos museus diversos do centro da cidade...
Nossos beijos entre os livros (onde mais?) da aprazível Biblioteca
Parque Estadual, e uma tarde edênica, elísia, no Jardim
Suspenso do Valongo... A distância e a incompatibilidade de
horários tornavam os encontros poucos e esparramados pelo
calendário, mas eram sempre repletos daquela magia arcana do
amor que já julguei extinta (até vivenciá-la) e que hoje se perde
(ou já nem chega a ser divisada) nos relacionamentos líquidos –
e redundaram quase todos em poemas.
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Esse livrinho despretensioso é só para ela. Se o torno público,
é tão-só para alegrá-la, e porque reza a justiça que compete, aos
amores grandes, quando realizados, a comunicação de seu
sucesso. No mais, sou um poeta na acepção mais triste do
termo: mal tenho onde cair morto. Entanto, se muitas ganham
joias e viagens, Pajeros e poodles, quão poucas hoje em dia
podem ganhar um humílimo poema que se sustente – ou as
sustenha desse ar eletrificado que a poesia insufla... E quão
ínfimo é o time daquelas musas, quando musas, que possuem
um livro pra chamar de seu.
E, assim, acerto minha gravata borboleta, meu terno surrado
de poeta falido – e declaro sem cerimônias meu profundo e
grato amor.

Sammis Reachers

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Cosmogonia

Estrelas e mares sabem seu nome


Pequenina fada
Quedam entorpecidos a observar
Suas cismas, quando os defronta,
Quedam apaixonados e tristes
Pois Deus não lhes deu
Amar as mulheres humanas
E anjos que o tentaram em dura treva
Agora jazem, privados
Da melhor visão.

Eu, um rebelde trôpego,


Logro o que não puderam potestades:
Beijar a linha fulminante de seus lábios.

Tenho medo, medo que me acordem,


Me desfaçam os astros, me interrompam
O voo, pois agora voo
Azul e álacre:
Numa tarde de alinhamentos planetários
Conquistei um beijo à uma fada
E junto uma fração do seu poder de alar.

O Cosmos, antes indiferente,


Agora ouço desembainhar espadas
Pois como um Prometeu, lhe
Furtei a chama, toquei
Sua secreta Elemental.
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Que tente me matar;
O graal que roubei, levarei
para sempre comigo.

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A pequenina fábula urbana da Beleza
que despedaçou o Tempo

Você não gosta de esperar, e afinal quem gosta? Você


definitivamente não gosta de esperar. Mas o tempo passa, você
espera, ela está vindo, em algum lugar ela está se arrumando e
vindo. Você olha as árvores, olha para a estátua do Redentor, é
a cidade mais bonita do mundo, esteja feliz! O tempo passa. Seu
ímpeto arrefece, você não se estressa, apenas inicia a queda na
ladeira do desânimo. Rola. E nada. Que saco, hein? Você circula,
vai aqui e ali. Não sabe o que fazer. Uma hora e meia. Seu
recorde foi batido, em plena Cidade Olímpica. Vai para fora do
jardim, cabisbaixo, contrafeito. Então olha para a calçada. Um
vestido verde rompe entre a multidão. É ELA. Num repente a
cidade inteira parece exultar de esplendor e ao mesmo tempo
desfazer-se, transmutar-se em tela em branco, em vácuo e
palco, e todo o seu ser, cada célula, e seu espírito dizem,
escravos de uma certeza total, inescapável: "Veja, é ela, a
mulher mais bonita de todo o mundo". O desânimo,
despedaçado, já não é sequer uma lembrança. Então ela sorri, e
seu sorriso é um Universo armado que dispara, e você surta,
atingido, e ouve um som frenético dentro da sua cabeça, "plein,
plein, plein..." São todas as fichas do mundo que caem no seu
cérebro, ao mesmo tempo, e você entende por que Einstein foi
o gênio que foi, pois ele deve ter visto ou sido atravessado por
uma maravilha assim, que só ocorre uma vez a cada século, e
nesse instante ele concebeu sua maior teoria, pois entendeu
que o tempo é relativo, o tempo não é nada.

26/07/2016
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A Esperança Que Amo

Esperança, tenho dúvidas


Não de você, céu de acessos
Dúvida de meus processos e fraquezas
Medos lentos que se acumulam, na biblioteca dos dias,
onde acumulo os cargos de falsário e pior dos escritores
Esperança, céu pequeno que anda
Ventos ventam volitivos
Em dores que rimam fáceis
Esparramando os mares, e peixes baços como eu andam secos
Prontos pra coisa nenhuma
Santos esculpidos em barro que se quebra, que se enfrenta
Mas você esperança, espinhal de sorrisos, carnaval da paz
despudorada
Você salvou um afogado.

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Sturm Und Drang

A chuva e o vento solapam


Mas não nos podem desconstruir:
Quedam, construtos do caos emasculados,
Moldura & motivo
De termos as ruas esvaziadas
Para agora nossa possessão

O guarda-chuva enverga, tensiona


Meus músculos, enquanto resisto
Contra o vento, e a resguardo, Dádiva
Da intempérie que, cada vez mais furiosa
Me assiste decompô-la em beijos

Circulamos quarteirões em busca


De um café, um abrigo
E nada logramos.
Colhidos por um insight
Descobrimo-nos andorinhões
Encharcados e no entanto imunes à tempestade:
Somos nosso próprio abrigo,
E mais: eleitos provedores de abrigo,
Arco & abóbada, Colunas do Templo,
Párias cavalgando lentos por sobre
O couro das tormentas.

(Ao despedir-me, pus em suas mãos um biscoito chinês,


Que ao quebrar-se, explodiu em dadivoso vaticínio:
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- Não haverá mais muros quando você acordar e ver os olhos
dele observando os seus. -

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Desembainhar

Forma de o Universo sorrir


Aceno inesperado do Deus silencioso
Enquanto meus olhos se estabilizavam hoje
Em seus olhos, vi a felicidade como uma Nêmesis
Fluir pelo quarto num espasmo de plasma,
Clarão sem luz, singularidade plena
Pois para o infeliz, a boa ventura é uma morte dócil

O filme inevitável de minha sina imiscuiu-se sobre a penumbra,


Pude rever aquele dia, como
Deus me assobiou enquanto eu estava já tão longe
Com minha trouxa de pródigo, um punhal embainhado
Numa mínima urna de obsidiana, que me fora um dia
O músculo cardíaco:
Um punhal frio e que eu mantinha tão aquecido.
Pude rever aquele dia
Uma praia duas mãos duas timidezes a esmurrarem-se
Um desconcertado beijo
Uma forma de o Universo (me) sorrir
Eu seu desistente, seu mutilado desertor

Mesmo morto, soldadinho de plástico desses de Esparta:


Firmei a máscara de angústia & polipropileno
E gritei tão quieto enquanto o punhal tão frio
Me era arrancado, após tanto tempo
Por um assobio tardio de meu Pai silencioso
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Deambulantes

Deixadas livres na antecâmara do Éden,


displicentes, encontraram-se as duas crianças,
sedentas de si, felizes pelo mútuo consentido sequestro
e a realização alcançada, a paz primordial
que só traz o compartilhado colo.
Longe de seus pais, eram folhas amarelas
testando a fluidez do vento: aquarelas, ensaios de anarquia.
Na parede exterior, despidas, suas cicatrizes:
grosseiras casacas sem utilidade
quando aquelas duas almas francas se encontram.
Uma sorri em seu sorriso repleto de flores
e derruba a outra pela grama exuberante;
rolam céleres, felizes pois impossíveis de deter.
Uma delas, a mesma que dispara flores
quando sorri, modula sua doce voz,
e sua fala é um (en)canto, uma denúncia
do sol e da maritimidade de sua origem.

O Universo morre fora da ravina onde folgam;


elas seguem sorrindo, incólumes, inalcançáveis.
Pois quem, dentre as remanescentes criaturas de Deus,
ousaria adentrar seu campo de fruição
para avisar que o Universo, este opressivo detalhe,
estava agora findo?

Continuaram a sorrir sem cansaço, edificando lembranças,


decompondo a saudade que antes os decompunha.
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Livres agora do Tempo, morto com seu consorte, o Universo;
Perfeitos em sua dança, saciados de sua própria música.

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Detonador

Lancei todas as minhas sementes contra o sol


da lua reuni as últimas armas e pratiquei ataques suicidas
pois sabia que Satanás iniciara a contagem - tic, tac -
os demais combatentes eram agora mártires ou príncipes
no céu, em palácios - no pólen de flores inacessíveis
e eu era um alvo e um aborto e uma sombra em xeque
tentando contra o Sombrio os últimos cartuxos
da luz que a Luz me dera
Quando à todas as cargas já havia detonado
e me curvava em rendição e cismava que Deus era morto
Ele me enviou você, menina
e me disse, no tombadilho daquele navio fantasma
que eu fora explodir, e explodir-me:
"Ninguém fica para trás."

16
Em teus braços

Dentro desperto
Dos sonhos ofertos
Por teus braços abertos

Tuas costas, planeta


Inexplorado
Onde a cada beijo
Fundo uma cidade
Instauro
A complexa anarquia
De minha civilização

Lembrei de um poema antigo


Dos que queimei
Quando vi a Luz:

'Não mais mulheres-jogos


Onde me perder
Mas mulheres-campos
Onde o tempo que me resta
Eu semear'.
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Fundação

Eu fugia, sátiro por corsários


Amotinados
Mutilado
A entrelaçadora, a Escuridão
Me cirandava esfaqueava e enfim deitava
Às paredes do labirinto
Que me nascia:

O frio me desnudava
Vazio após vazio e vazio
Eclipsava no infinito, falsa
Crisálida que leva de processo
A processo, sem final em seu cio

Esperei pelo levita,


O escriba e o sacerdote
(e Lutero não trans
tornou a Terra num orbe de sacerdotes?)

Por fim, o samaritano:


Passou ao largo, ocupado o mui coitado
Em fazer guerra ao judeu (e quem nunca?)
Que os tempos primam pelo mal

E ela apareceu, descendo com a noite


mínima ninfa solitária
18

Sobre cada uma


Minha
Cicatriz
Ela deitou uma flor, freira das heras
Pródiga em unguentos e emplastros
Karma & cura
Para minha colectânea de feras

E unimunimo-nos de nós:
A flora e a fauna
Dum planeta erradio,
Pais fundadores de nossa imprópria
Raça de seres milifelizes.

19
Hoje é o Dia dos Namorados, ou assim o
comemoramos neste Dia do Senhor

Ela está aqui ao meu lado.


Fez um dos pratos mais deliciosos que já comi;
Apanho sua mão perfumada e trago ao meu rosto
Faço-a de travesseiro, berço, trama e tumba a bastar-me:
As linhas de sua mão são a conclusão de meus circuitos

Já tive algumas mulheres, sim, ou


Beijei algumas mulheres, melhor assim
Que isso de posse ao fim e ao cabo cabe a quem assina,
Mas em todo caso dei-me sempre retido, a entrega é sempre
retesada
Num homem - ainda que aparentemente lançado
É apenas uma parte de seu coração que ele lança:

Mas eis-me aqui, entregue, catapultado por inteiro


Ao pequeno oceano de amor que essa moça
Tão terna trouxe de tão longe

Hoje é o Dia dos Namorados, e a pele dela todo dia


É um pergaminho branco, um convite ao poema
Apanho sua mão
Sua mão que ao meu rosto arrebanha,
Pastora dos animais que me habitam
Apanho sua mão de unhas azuis
“Olha, sua cor preferida”
Ah! Minha cor preferida é a que você usar, menina
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Nem se deu conta ainda, ninfa potestade


Da capitulação das terras de meu coração,
Nem se deu conta ainda
De seu domínio?

Hoje é o Dia dos Namorados


Ela está aqui ao meu lado, vendo vídeos
Falando de minha irmã
Ela a moça mais linda
Rindo sem graça não querendo ver
Este poema que escrevo

Ela a minha alegria, estrela não de hidrogênio e hélio


Mas de sândalo & nitroglicerina
Ela essa coisinha tão pequenina que aterrorizou
A escuridão que me habita, ela que olhou minha escuridão
Olhos nos olhos, e dedo em riste sem medo
A estapeou, “Bom dia, vadia! Vamos, saia por onde eu entrei”
Ela a pequena ninfa que estapeia e vitupera a escuridão e sorri,
Ciosa agente de Elohim, palavra de renovo
Ela que nos venceu a todos os animais em mim.

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Ondina

Ela percebe clareza onde vejo obscuridade


Ela possui intuições inacreditáveis
E eu apenas o malho míope de minha racionalidade
Ela possui o sorriso,
A chave de Salomão
Que abre todas as minhas portas
Me supre o fôlego em meio à tormenta

Ela é oceano contido, mar interior


Eu um afogado, lançado exasperado
Nauta guiado pela sua Lua em Vênus

Princesa escolhida pelo Sabaoth, o Senhor


Princesa das águias

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Harmonizados

Agora
Na paz pascal de casal aliançados
Fruímos a união da carne e do espírito
Sob os auspícios e mangueiras do Deus agricultor

Agrimensor, cujo cetro-cajado estendeu-se pelo parco


Tempo de nossas vidas, e mediu o tempo
– a nós tão tardo – de findar a nossa dor

Moça-símile-de-sinfonia
Jardim de hibiscos, primavera alongada
Pelo que alto habita, sementeira
A mim confiada

Crisântemo de ágape, anêmona do ar, pulsar


Tesouro que encontrei na ilha triste de meu degredo
Adaga que me rasgou o segredo, a face

Caravela de minha fuga, te amei


No momento em que olhei-te, trêmula
E como muda, no shopping dos obtusos

Jerusalém que sequestrei, minha fuga, agora navegamos


E pelo mapa bíblico do céu triangulamos
Latitudes do que é feliz, longitudes do que é serviço

Nautas postos & depostos aos pés do Númen


Agricultores & artífices de adagas prontos à toda obra
Por Aquele que se lembrou de nós naquela ilha,
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YOTZER MEOROT, o Criador dos Luminares.


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