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UNDAM ZONAGEM SOB 0 PONTO DE VISTA PAISAGISTA (*) O PONTO DE VISTA DO ARQUITECTO PAISAGISTA Todaa tividade do homem neste Mundo destina-se, evidentemente, a sa- tisfazer as suas_necessidades quer materiais. qu = espirituais e, por isso, € | infalivelmente dominada por interesses humanos. Mas como esse dominio € ‘mais evidente numas do que noutras actividades, pode acontecer —e € mesmo | frequente — perder-se o homem no pormenor, ficar atido ao ambiente restrito da sua especialidade, perdendo de vista a finalidade tiltima e universal do seu trabalho e desprendendo-se do enquadramento no plano geral. ra, a arquitectura paisagista procura justamente, apoiando-se nos conhe- ‘cimentos especializados, manter esse ponto de vista de conjunto em que todos os. interesses 2 fundem pare alcaneatos fits romniamente humans tes de entrar na minha exposigao, desejo fazer um esclarecimento. Muitos ficaro certamente desiludidos com as minhas palavras, porque esperavam que eu como arquitecto paisagista Ihes viesse fazer 0 louvor da drvore e da floresta cou dar receitas certas e infalveis para embelezar a paisagem e, em vez disso, ouvirdo discorrer sobre conceitos cientificos ou técnicos. F que, longe de desprezar a beleza das coisas, pretendemos que ela deve ser 9 reflexo espont- coda boa adequasio da obraaTit propose, comb qualidade endo” ‘como geralmente se supde em resultado de uma Série de operagies acess6rias Posteriores —e portanto extrinsecas —chamadas de «embelezamento». Trata- ~sedecriar obrabelaenio de embelezar oque de inicio eradefeituoso, seguindo © velho ditado de que «quem torto nasce, tarde ou nunca se endireita ()Contibuigi arao4 Simpsio—0 Resurgimento Floresta do Pals —do | Congress de Ciencias Ageia, Lisboa, 1983, 0 ‘Compreende-se portanto facilmente que o ponto de vista paisagista sobre Zonagem mais no serd do que a sintese dos pontos de vista j4 expostos — edifico, climéticoe geobotinico— conjugados com o ponto de vista humano. ZONAGEM: MATA E EXPLORAGAO AGRICOLA PPretende o homem desde sempre taro maximo proveito da terra, conciliando dduas necessidades até certo ponto opostas Obter o rendimento méximo em cada moment. Garantir a permanéncia desse rendimento, ou até aumenté-lo, através dos tempos. Na boa realizacdo destes dois objectivos se contém, afinal, o programa da zonagem. Porum ado, érvoreéelemento indispensiivel de producdoe éaquele ‘que melhor assegura a permanéncia do rendimento, mas por outro lado, ela é a forma menos intensiva de exploragao da terra comparada com todas as outras culturas. Sempre se me afigurou, por isso, no ser possivel conceber uma distribuigo dos povoamentos florestais seniio em intima correlagdo com a exploracao agricola e como complemento desta. Quer dizer: a mata devera ser istribuida de forma a garantir em primeiro lugar o abastecimento dos seus Produtos directos (madeiras, lenhas, etc.) espalhados tanto quanto possfvel por todo o Pafs; em segundo lugar, onde seja necessria para valorizar as outras culturas e, finalmente, naqueles terrenos em que ela represente a nica forma possivel de revestimento. O bom equilforio biol6gico da paisagem exige, por outro lado, que a mata e {as érvores se encontrem distribufdas por todo o Pafs oque aliés vem ao encontro das necessidades econémicas), nio devendo, por isso, ligar-se zonagem ideia deatribuira funcio florestal aextensas regides, ao passo que doutras, porventura igualmente extensas, a mata seria banida. Sabemos que todas as paisagens de antiga e intensa cultura —e a maior parte das nossas esto nesse caso — si0 Paisagens de policultura, de que entre n6s poderiio tomar-se como o mais per- feito exemplo, o Minho e as Beira. NECESSIDADE DE EQUIL{BRIO BIOLOGICO DA PAISAGEM (© nosso colega Vieira Natividade chamou a atengdo neste simp6sio para a necessidade de considerarmos a mata como um todo orgfinico, coma sua biologia prépria e mostrou, claramente, que nio a podemos ver apenas como fabrica de produtos, a luz de um critério meramente quantitativo. Apoiando inteiramente este ponto de vista, quero dizer, que ocritério organico e biol6gico 180 tem de seralargado a toda a paisagem. Nao é s6 a floresta, com as suas érvores, arbustos e ervas, a sua microflora e microfauna, mas também 0 conjunto das cculturas agricolas, que formam um todo, em que se fazem sentir as influéncias reciprocas e interdependentes, Se até certo ponto é verdade podermos dar & agricultura um cardcter de artificialidade impossivel de manter na mata, nio € menos verdade, sobretudo ‘emrelagio a permanénciada fertilidade, que éimpossfvel, com otempo, manter esse artificiosismo numa direcgdo contréria as leis naturais, nao podemos hoje continuar a encarar solugdes, como, por exemplo, drenar de Inverno até a0 excesso, para com estagdes de bombagem, regar de Verdo. As solugSes que procuramos serdo antes, pela boa distribuigdo das matas e dos prados, das terras de regadio e de sequeiro, estabelecer 0 novo equilibrio ao servigo do homem, ‘mas em que os agentes sio as forgas maturais, como aquelas barcagas que aproveitando a corrente do rio nos levam de uma a outra margem, apenas pela acgdo de um cabo e de um leme. ‘Assim, nés procuramos, no estudo das leis biol6gicas dos povoamentos naturais, descobrir como havemos de os transformarnoutros povoamentos, que, servindo-nos a nds, continuem de acordo com as leis que a Natureza desde sempre nos impés. Para tanto, teremos de adaptar mais do que substituir, de aproveitar ao maximo o que a Natureza nos deu, e assim vemos hoje felizmente todos concordes em que as nossas esséncias voltem a ocupar o lugar, que de direito Ihes compete. Nesta adaptacao, porém, é bom que se diga, que niio cabe 86 0s silvicultores e agrénomos a tarefa de produzir 0 que necessitamos, mas igualmente a todos a de procurar com 0 que podemos produzir satisfazer as nossasnecessidades. E porisso que a investigacio cientifica ¢ indispensével em todos os campos, e que, como disse 0 Prof. Sousada Camara, mal vai A indiistria «que procura resolver os seus problemas s6 pela execugdo técnica de solugdes alheias. Estou plenamente convencido que as nossas esséncias florestais, cuja utilizagdo nos & hoje imposta pelo ponto de vista biolégico e orginico da paisagem, como da floresta, poderdo também satistazer a maioria das exigen- ccias téenicas do consumo, uma vez encontradas as solugdes convenientes. Lembro-me de uma pequena noticia aparecida hd tempos nos nossos jornais e que mostra claramente a minha ideia. Com a guerra diminuiram as disponibi- lidades de carvao em Estocolmo e, segundo diziao jommal, os téenicos consegui- ram aproveitar 0s lixos da cidade para a produgaio de energia eléctrica,realizan- doassim uma economia de carvao de 60 % que se viria a manter mesmo depois deacabadaa guerra. Parece-meestaa melhor respostaaqueles que nos vem dizer que os carves portugueses nao servem. Serio piores que o lixo de Estocolmo? Oconto aplica-se igualmente aos que afirmam que as nossas madeiras de freixo ede carvalho, p. ex., ndo servem nem podem substituir as que importamos da América do Norte ou dos pafses europeus. rat FUNCOES DA ARBORIZACAO NO EQUILIBRIO BIOLOGICO DA PAISAGEM Para obter 0 equilibrio biol6gico da paisagem & evidente que a distribuigio das frvores — em macigos ou isoladas — é de importincia fundamental. Pare- ce-me porém indispensével dizer desde jd que ndo podemos de forma alguma ter em mira a econstituigdo nao s6 da floresta climax, mas tio-pouco da paisagem primitiva. Anossa paisagem, cujo principal factor genético 60 homem, —a evidentemente nas forgas naturais, mas em que estas no so mais do que as possibilidades que o bloco de pedra oferece ao escultor —terd de ser coisa muito ‘diferente doque os primeiroshomens encontraram. A propriaarborizagiotem uma cconstituigdodiversa, claramente manifestada nas formas de povoamento de soutos ¢ olivais, dos pomares e érvores isoladas que adiante consideraremos ao lado dos ovoamentesclissicos. Todos eles representam na paisagem cultivada parcelas da fungao primtiva da floresta, adaptadas as nossas exigéncias. Dissociacao da mata e dos matos Quanto 20 aspectoeutilizago das matas todos sio concordes nanecessidade de cxigénciae salvaguarda da manta viva florestal. Mas embora est facto ja de 'hd muito se tenha reconhecido, a verdade é que em toda a Europa o problema continua por resolver. E que, a manta viva é indispensdvel & agricultural ‘Quer-me parecer que a solugao estaria em reservar determinadas reas para « producio de matos ¢ outras para a mata. Ficaria assim reduzidaa érea florestal ©, em parte, também, a érea agricola, mas essa redugao (alids inevitavel para alguns aspectos da produgdio sempre que se pense em zonagem) seria compen- sada pelo melhor aproveitamento de cada zona de produgio especializada. A reservade matos ser, ameu ver, atinica formade conservara fertilidade do solo florestal, e no s6 garantir & mata melhores condicdes de vida —e, portanto, de produgio — mas ainda de Ihe permitir que exerga eficazmente todas as sua fungdes de proteccao do solo, do clima e da fauna. Por outro lado, sendo 0s matos — penso nos Ulex, Eticas, ete. — formas de degradagio da flores, incompativeis com o denso coberto fiorestal também a agricultura muito terd a lucrar com esta dissociagio, pela melhoria dos matos. Lembramo-nos das regides mais elevadas da serra da Estrela, onde hoje pouco ‘mais se tira das matas do que caruma e um ou outro pé de giesta e de sargago. Jé ali se faz tradicionalmente a cultura da giesta para camas, em rotagio pobrissimacom ocenteio. Simplesmente esses giestais nao oferecem geralmen- tea necessiria protecgdo contra a erosio e, por isso, io factores de empobre- ccimento e nZo de riqueza, i O caso dos montados de sobro ‘Outro caso de conveniente dissociagao afigura-se-me ser o dos montados de sobro alentejanos, em que hoje se faz a cultura cerealifera e cujas péssimas ccondigdes de exploragdo, em relagdo ao sobreiro, jé foram focadas por Vieira Natividade. Estio as érvores condenadas a envelhecimento precoce, €otrigo— planta de estepe— sempre prejudicado pelo ensombramento. Julgo ser este um ‘caso em que os beneficios da dissociacio cultural seriam inegaveis. Reservando para a cultura cerealifera folhas de dimensGes e formas convenientes, — a ‘estudar em cada caso segundo 0 relevo e as caracteristicas do solo —ficariam essas folhas rodeadas por largas faixas de montado com 100 me mais, em que se poderia fazer uma exploragao silvicola correcta. A primeira vantagem seria logo podermos atribuir a cada cultura as manchas de terreno que mais the conviessem, visto que, felizmente, elas sio dispares nas suas exigéncias. Poderia aumentar-se bastante a densidade do montado, sem inconveniente para cereal e poderiam dispensar-se as areias tio funestas para a vida das drvores © para a qualidade da cortiga. Os matos cresceriam & vontade no montado, ficando no entanto reduzido o perigo dos fogos, uma das razdes que geralmente se aduzem em favor do cultivo dos montados, porque a disposigio em faixas tomaria mais féeil o isolamento do petigo. Finalmente, no meio da seara deveriam ficar algumas, poucas, érvores dispersas que manteriam o contacto Florestal e serviriam de abrigo aos gados e pastores. A compartimentagio E assim chegamos a outro ponto, que me parece muito importante, ao encarar azonagem do ponto de vista paisagista, a compartimentagdo. E que ha geralmente aatendéncia para considerar a zonagem num plano, quando de facto ela resulta em primeiro lugar de volumes, de espagosatrés dimensdes. Muito emborase considere a influéncia do relevo, falta quase sempre a visio pléstica da paisagem. Logo a seguir orografia, 6a 4rvore o elemento de volume mais importante da paisagem. Os compartimentos da paisagem nao sio estanques, mas antes ordenados segundo uma hierarquia orginica, desde os grandes espagos geogréficos — a Peninsula, o centroda Europa, limitado pelos Alpes, pelos Riesengebirge, pelos Cérpatos, etc. — até aos pequenos espagos dos pomares com as suas sebes ou dos campos minhotos com as suas ramadas e bardos. Esta compartimentagao & indispensavel ao bom equilfbrio biol6gico e até social da paisagem, e {ndice seguro do seu maior ou menor grau de perfeigo. So assimas paisagensinglesas ‘mais afamadas, como as do condado de Surrey; é assim na Alemanha 0 Mecklemburgo; como é assim entre nds 0 Minho e a Beira Alta, sem davida me aquelas em que os portugueses melhor partido souberam tirar da terra. Pelo contrério,aCova da Beira o Alentejo nao apresentam compartimentagaioe sio também as regides onde mais longe estamos ainda do nosso ideal de zonagem de intensificagao cultural. Sao de facto as mais pobres. As margens dos rios e dos ribeiros No Alentejo, além da compartimentagio que j4 sugeri com 0s montados de sobro, muito hé ainda para fazer com o aproveitamento das margens de rios e ribeiros para plantacio de érvores de folha caduca— choupos, feixos, ulmeiros, etc. — que poderiam constituir outras sebes, protegendo as margens dos cursos deigua, regularizando oclimapela sua forte evaporacao e produzindomadeiras que faltam quasepor completo no Sul do Pais. Acompanhadas dos arbustos préprios da associagio dhriam abrigo e possibilidades de muttiplicagéo muitos pssaros benéficos que hoje, falta de protecgio, vio rareando a favor do pardal daninho, ‘Também a resolugo de muitos problemas de drenagem alentejanos criard zonas favordveis ao estabelecimento de manchas de arvoredo de folha caduca. ‘Sebes de compartimentagio No Ribatzjo, seria vantajosa a criagio de sebes de compartimentagdo nas baixas. Estassebes, ndo excessivamente densas, seriam constituidas por drvores de folha caduca e serviriam para a proteccdo do vento, colocadas ao longo das valase dos caminhos, em conjunto como sistema geral de irrigagioe drenagem, ‘€em contacto com as massas florestais das encostas. Claro estd que a zonagem, florestal estdintimamente ligada ao problema da regularizagio da economia da 4guae, porisso, se toma indispensével arborizar convenientemente as encostas. 'Nés ndio temps igua a mais, mas sim muitas vezes gua mal distribufda e mal localizada. As encostas No Centro ¢ nas regiées montanhosas do Norte, numerosas encostas, hoje cultivadas con cereais, e dando produgdes miserdveis, nunca deveriamter safdo dazona arborizada ou de matos e precisam urgentemente de voltaraesse estado. ‘do essas encostas desnudadas, esqueléticas, a maior causa das cheias dos rios € do caracter torrencial dos nossos ribeiros que, de ano para ano, se acentua, 88 juntando assim aos estragos das cheias os prejuizos da falta de égua no Verio. Previamos urgentemente proteger as nascentes, para poder intensificar as culturas de regadio, e também as de sequeiro, dependentes dos gados, aque as primeiras asseguram a existéncia. E, portanto, indispensavel arborizar todas as encostas a partir de certo declive, varidvel com a natureza do solo e a sua resisténcia A erosio, que terd de ser determinada pelos especialistas em pedologia, No Norte, a protecedo da encosta deverd realizar-se pela armactio em socalcos ‘04 pelo estabelecimento de prados permanentes até onde chegue a égua de rega¢ lima, seguindo-se-Ihe azona reservada aos matos —cortados segundos curvas de nivel —e depois a mata até ao cume ou até ao planalto, conforme os casos. Caracteristicas e formas de exploragio da mata Para que a mata cumpra estas finalidades, & preciso, porém, que obedega a certas caracteristicas, das quais a primeira é ser explorada em jardinagem, a segunda é conservar a manta viva, ca terceira é ser constitu(da, como jéfoi dito, Por uma associagdo correcta em face das indicagdes da fitossociologia. Ora, é ‘requente observar-se justamente 0 contrério, como seja a destruigdo de matos de encosta para plantagtio de olivais, sem mais proteccio do que umas pedras junto de cada érvore, para que elas nao sejam completamente arrancadas pela gua, Em 1938, tive ocasido de ver muitas plantagées deste tipo nas encostas abruptas da for do Zézere,e outras conheco muito mais recentes no concelhode Seia. Mesmo que a mata obedega a todos 0s requisitos enunciados, ainda serio necessérias obras complementares de fixagdo da gua, a principal das quais consiste na abertura de regos horizontais que impegam o seu escoamento superficial e favorecam a infiltragdo. Nao se pense que seja isto trabalho insano cexcessivamente dispendioso. Posso dizer, por experiéncia prépria, que bastam alguns regos abertos & enxada de espago a espaco para se conseguir o efeito desejado ou, pelo menos, melhorar muito o estado actual. A resolugio destes problemas depende mais do somatério de um elevado ntimero de pequenos efeitos do que de grandes obras feitas num s6 local e, assim, oesforgo repartido _Por muitos seré facilmente suportével e de incalculaveis beneficios para todos. A arborizagiio dos baldios e a necessidade dos pastos Outro problema intimamente ligado com o que temos estado a tratar é 0 da arborizagio dos baldios serranos. Sao estes sobretudo utilizados para pastagem estivale para.a produgio de matos. Em regidescomo ada serrada Estrela, falta as destes pastos faz-se sentir tanto mais quanto no Verio a égua nao chega para regar os prados permanentes das encostas mais baixas,¢ os prados anuais—que nessaaltura absorvem aégua—acabaramde ser semeados em consociagdiocom © milho, ou, em Setembro, apés a colheita da batata, e nao esto por isso em condig&es de dar pasto aos gados. Encontram-se os pastos das grandes altitudes em lamentavel estado de degradagao, devido sobretudo falta de ordenamento que conduz a uma apascentago excessiva, mas ao pensarmos na arborizacio dias serras ndo os podemos encarar como uma concessio magnanima feita 20s hhabitantes da Serra, deixando-the uns cantinhos para esse efeito, mas, pelo contrario, temos de arborizar em fungi0 do melhoramento e valorizagao das ppastagens. Serd ainda indispensdvel verificar antes de mais, como muito bem disse 0 Prof, Jodo de Vasconcelos, seo prado nao constitui otnico revestimento possfvel como no caso citado das Cevennes, se bem me recordo, Oraeu nao sei se o Nardetum da serra da Estrela no esté também — refiro-me, & claro, as grandes altitudes acima de 1600 m do lado de Gouveia — exactamente nessas ccondigées. Seja como for, necessitamos de estudar aprofundadamente as possibilidades de melhoramento de todos os pastos serranos, inclusive através dda mata, como reguladora da humidade atmosférica, da toalha de agua do solo, da distribuigdo da neve e protectora do vento, um dos elementos que entre n6s parece condicionar o Nardetum — uma das formas mais pobres da pastagem. A arborizagio na regio de Lisboa ‘Oque se disse para o Norte aplica-se igualmente a regido em volta de Lisboa mais concretamente aquela que se estende ao longo do Tejoaté ao mar, por um lado, e, pelo outro, até & serra de Sintra, e que nos oferece toda um aspecto da ‘maior pobreza e miséria. Desarborizagio quase completa, searas pobres em terrenos onde mais abundam as pedras que a terra — salvo algumas aluvides € solos da mancha baséitica—. e por todaa parte uma superabundincia de matos ‘que no constitui, como noutras regides, previdéncia e boa norma de cultivo porque esté em manifestadesproporgo coma éreacultivadaeéaproveitada, em grande parte, para pastagem de vacas leiteiras — 0 que s6 & forga de o termos visto sempre pode parecer acreditével, —e para combustivel de forno de cal, & falta de melhor. Foi tal a destruigdo que até se chegou a por em diivida a possibilidade de arborizar esta regido. As tentativas foram feitas, a principio, inteiramente ao acaso com Eucalyptus das mais variadas espécies, com Cu- pressus, etc., € quase sempre com resultados puramente negativos. E, no entanto, j& ha alguns anos, ao ler a descrigo que faz Braun-Blanguet das sucessées da garrigue mediterrénica, e ao observar alguns restos de vegetagio espalhados por quintas antigas, me convencera de que era ndo s6 possfvel arborizar a regio, mas também que ela jé fora arborizada. Felizmente, os 15 estudos posteriores de que tenho tido conhecimento, como os dos nossos colegas Francisco Flores ¢ José Maria de Carvalho, ndo s6 confirmaram estas ‘suposigdes, como excederam largamente a minha expectativa. Ao determinar as superficies a arborizar, deveremos também aqui deixar os ‘matos necessérios & agricultura, cuja rea terd de ser, apesar de tudo, bastante elevada, pois nio podemos esquecer que sobretudo as terras calcdrias necessi- tam de estrumages abundantes e frequentes, devido ao clima que provoca uma activa destruigio do hiémus. Nao temos de considerar nesta zona apenas 0 pro- blema da erosio, mas igualmente o de abrigodos ventos que so, ameu ver, um ddos mais importantes factores-limites da cultura na regio. Tenho verificado ‘muita vez que a vegetagao seca primeiro nas encostas viradas a norte do que nas do lado sul, ¢ nas estagdes da linha do Estoril é facil fazer esta comprovagio Junto aos cais de desembarque, onde as paredes que os suportam provocam diferencas extemas do microclima. Bem o provam, alids, os engenhosos sistemas de abrigo usados tradicionalmente na regio, desde as sebes de buxo © canaviais aos muros de pedra solta ou alvenaria que nio tém outra fungi. Mantendo as sebese canaviais pretendemos, no entanto, alargaracompartimen- tagdo das hortas e pomares as préprias searas, com linhas de oliveiras ¢ faixas de mata, O uso das linhas de oliveiras, que podemos observar em muitas quintas antigas, entre elas a do marqués de Pombal, em Oeiras, parece-me ideia muito feliz, principalmente nas zonas em que se ndo faz sentir 0 vento do mar, pois, ‘os outros casos, a oliveira pouco ou nada produz, no havendo por isso van- tagem em usé-la em vez das drvores florestais melhores produtoras de madeira elenhas. Ao constitu as sebes florestais, teremos de levar em atengao a acgio do vento e dar-thes forma conveniente, para ndo obtermos linhas de arvoredo com o aspecto que todos conhecem da esirada Lisboa-Sintra ou Sintra-Cascais Arvores hé como o pinheiro-manso, o pinheiro-das-Canérias, 0 ulmeiro e a oliveira, que apresentam enorme resisténcia ao Vento, mas mesmo para as ‘menos resistentes poderemos encontrar solugio, quer protegendo-as com as primeiras, quer acompanhando-as dos arbustos de sub-bosque que formem do lado do vento cunha protectora. Vantagem das sebes Nao se julgue que 0 espago roubado por estas sebes as culturas perdido. Esse erro, que tem sido cometido entre nds, como o foi por exemplo também na Alemanha, provém de um exame demasiado superficial da questio. A perda de espagoé certamente compensada, como 0 provao seu uso, emhorticultura, onde ‘© espago & bem mais valioso. A mi influéncia do raizame das drvores é fécil de evitar, abrindo uma vala de 0,60-0,80 m de fundo entre as arvores e a searae procurando sempre que posstvel interpor um caminho entre ambas. Jé tive wer ‘ocasidio, aqui bem perto, na Terra Grande, de fazer a demonstragio do que afirmo. As érvores do lado da Parada prejudicavam uma faixa de terra de cerca de 15 m de largura. Bastou abrir a referida vala com I m de largura por 0,60- -0,80 mde fundo, e levantar um poucoas copas das érvores, que nalguns pontos impediama manobra do tractor, para que a seara se desenvolvesse por igual até Amargem da vala. Mas, estas objecgdes, mesmo que fossem reais, ainda seriam ‘compensadas pelo abrigo do vento e pela conservagiio do CO> da respiragao do solo e das plantas nas baixas camadas atmosféricas, que tio larga influéncia tem na intensicade da fotossintese e, portanto, da assimilago das plantas, como o demonstrou Lundegardh. ‘Macigos florestais junto a cidade E estando a tratar da arborizagao da zona em volta de Lisboa, vou falar em seguida dos macigos florestais junto & cidade. E bom dizer que em Portugal existem felizmente poucas cidades com o cardcter que hoje no estrangeiro & vulgar. A cidade modema, corpo estranho sem ligacio com a paisagem, como ( grandescentros industriais modemos, era etre nds até hd pouco inexistente, ecreio que hoje apenas Lisboa c talvez 0 Porto estejam a evoluir nesse sentido. Disse felizmente,e repito-o, porque a cidade modema niio representa um pro- sesso, mas sim um dos maiores absurdos que o homem tem conseguido criar. A cidade deve ser de facto para a paisagem o que a cabega ¢ para 0 corpo, o se Centro, centro de irradiago de cultura, de comando, e 20 mesmo tempo ponto «de concentragiio econ6mica da paisagem com intenso intereémbio. Onde assim for nio hé grande necessidade de nos preocuparmos com dreas florestais ot outras, especialmente destinadas aos habitantes da cidade, porque o contacto com 0 campo se mantém vivo ¢ directo. Quando, porém, a cidade se torna ‘monstra, desproporcionada coma paisagem aque pertence, e que, por um outro motivo, comega a isolar-se sobre si mesma, endo sim, surge a necessidade de restabelecer 0 contacto perdido, pelo menos o espiritual se nio for possfvel estabelecer jf 0 contacto econdmico. Assim apareceu a necessidade dos pparques e jardins, que a principio pareciam satisfazer as exigéncias dos higie- nistas, masque, a breve trecho, se verificou serem impotentes para realizar nio ‘6 esta finalidade como todas as outras,sociaise poiticas, que deles se exigiam. Destasiltimas, uma das principais €restabelecer ocontactoao menos espiritual entre o homem da cidade, vivendo num meio quase 100 % artificial, eo homem do campo ¢ a natureza, Verificou-se que, para isso, o melhor era criar-he ‘caminhos ficeis de penetragao na paisagem e preparar esta até certo ponto para © receber. Esté justamente no campo desta preparacio a criagio de éreas arborizadas, sobretudo numa regio como a de Lisboa, onde elas tanto faltam. Foi certamente a intuigio desta necessidade que trouxe a ideia da criagio do Parque Florestal de Monsanto, somente me parece que a designagio de «Par- que» revela ainda apego a velhas concepgdes jé ultrapassadas. Aquilo de que necessitamos, e que nos basta, nao é de «parqués», florestas ou no, —entenda- Se que me refiro ao exterior da cidade — mas sim de matas sem mais, com aproveitamento silvicola integral. S6 quem nao conhega a mata ou no sejajé capaz de apreciar as belezas da natureza, poderd julgar que alguma coisa se perdeucoma troca. A verdade é que a economia dos paises e dos muniefpios no ‘comporta, hojeem dia, as despesas sem proveitode parques com fins meramen- te estéticos e com centenas de hectares. Sejam elas matas para exploracio normal de madeiras, sejam matas de revestimento e protecgiiodo solo, ou sejam ainda reservas florestais com finalidade de estudo, devem sempre cumprir outra isso além de de recreio domingueiro do homem da cidade. Justamente as reservas flotestais podem prestar altissimos servigos neste particular. Considere-sea beleza das matas da Arrbida, do Bugaco, da propria ‘Tapada onde nos encontramos, de tantas outras, para se ver se no tenho razao. Ochoupal de Coimbra, cujaexisténcia se encontra tio gravemente compromet da no 6, como jé disse 0 Prof. Joao de Vasconcellos, pela plantagio de esséncias destruidoras, mas também, creio eu, pelas obras de hidréulica em curso no rio Mondego, que virdo afectar grandemente o regimen da toalha frestica, € uma demonstragao ideal do que refiro, e muito gostaria de o ver inclufdo no nimero das nossas reservas florestais. 189

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