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0 Projeto Eden 64 setifiasso oportunae intigante das fan- {asiae generalaadas sobre relaclonamento que impregnam, posse cultura Este no ¢ um guia prético que diz como cor ‘ei uma relaglo, mas ¢o desafio 8 maior responsabilidade pessoal nos relacionamentos, pelo ao crescimento indvi- {nal em oposig & busca de resgate por meio de outros. “0 desafio langada por James Hollis écheio de compalxao & Inspiragao. Ele quer que tenbamos sucesso." (Pycholagical Perspectives) ‘Sua obra nos lev teller sobre més mesmos com nova ciesidade sobre nossos mites pessoais" (Round Table Review) {AMS HOLE forma om Pio iia plo faweG lune deZangueedraar oC © fang Educate O PROJETO ayes dames Hollis CoweSoAMOREPSIOUE == wae JAMES HOLLIS O PROJETO EDEN A busca do Outro magico ‘hen 2 ecm hoi Ineo ste Saad a8 ‘cramas Preah us enOns St" ST Sa Pa at) spa cante conlapna come INTRODUGAO A COLECAO AMOR E PSIQUE Na busca de sua alma e do sentido de sua vida, 0 hhomem descobriu novos caminhos que o levam para a sua interioridade: o seu préprio espago interior torna-se ‘um lugar novo de experiéneia. Os visjantes destes cami- ‘nhos nos revelam que somante o amar é eapaz de gerar a ‘alma, mas também o amor precisa de alma. Assim, em lugar de buscar causas, explicagtes psicopatoldgicas as ‘notsas feridas ¢ nos noseos sofrimentes, precistmoo, em. primeiro lugar, emar a nossa alma, assim como ela 4 este modo é que poderemos reconhecer que estas feri- dase ests sofrimentos nasceram de uma falta de amor. PPor outro lado, revelam-nos que a alma se orienta para ‘um contro pessoal e transpeasoal, para anossa unidade e 2 realizagdo de nossa totalidade, Assim a nossa prépria ‘vida carrega em si um sentido, ode restaurar a nossa ‘unidade primeira Finalmente, nfo 60 espritual que aparece prime ro, mas 0 psiguico, © depois o espritual. E a partir do clhar doimo espritual interior quea alma toma seu sen- ‘do, © que signfiea que a priclogia pode de novo esten- der a mio para a teologia Esta perspectiva pscoldgica nova 6 fruto do eaforgo para libertar a alma da dominapio da psicopatalogia, do espirito analitico do psicologisme, para que volte a si 5 bp mesma, gua propria orginalidade, Bla nasceu derefle- tes durante a prtica pieoterdpica est comegando a renovar o modelo © a inalidade da paicoterapia. E ume nova visdo de homer na sua existencisectidiana, do seu tempo, edentro de seu context cultural, abrindo dimen- ses diferentes de nossa existancia para podermos reen- ‘ontrar a noase alma, Ela poderd alimentar todos aque- les que ao censiveis & necessidade do inserir mais alma ‘em todas ae atividades humana. ‘ASinalidade da presente colegio 6 precisamento res- ‘ituira alme asi mesma e “ver aparecer uma gerapo de sacerdotescapazos de entender novamente a linguagem a alma’, como C. G. Jung o desejava Léon Bonaventure Para nossosfithos, como sempre: Taryn e Tim, Jonah e Sech, boas-vindas @ Nicholas James. Para meus colegas do Philadelphia Jung Institute € ‘pare os Bons companheiros do C.G.Jung Educational Center of Houston, Texas. PREFACIO O CARDEAL EM MINHA JANELA ‘Meu consultério de casa tem paredes de vidro om dois ados e meio, com estantes equadrosna érea restan- ‘te, Ha dois anos, de uss a quatro vezes por dis, um ear- deal chaga perto ese arremessa repetidamente contra @ jancla. Embora haja no parapeita cbjotes perfeitamente ‘isiveis, opissaro mantém sua rotina quase disria de se ‘aproximar e bater no vidro. Hoje os analisandosjé esto scostumados com essas interferénciasruidases, Com afei- ‘ta, certo dia, uma mulher que forgavarelacionamento com ‘um homem exageradamente timido e passive disse: “t ‘como bater minha eabega contra a parede de vidro. Bu o ‘yo, mas ndo consigo aleangé-o". Nesse momento o ear eal campris sua fungso sagrada, entdo ela entenden a monsagem o péde rir desi mesma, Varios ornitéloges autonomeados apresentaram plicagdes para o comportamento do eardeal Alguns dis- seram que ele é muito agressive, e por isso, no reflexo, ‘tenta atacar seu semelhante, Outros sugeriram alterna. tiva que eonsidero merseedora de reflexio, seja verda- oira ow nfo. Estes dizem que o eardeal perdeu sua com- panhoira e acredita que acabou de vé-la. Tomado de Alegria ¢ entusiasmo, voa para ela e esbarra no vidro; mesmo aturdido,repete a tentativa de aleangé-la, sempre 4e novo, mas em Y8o, Hé dois anos nfo vejo sua compa- 9 hire e seus hots, por iso essa toria me pertegue € beorve. Se for verdadeira, 6 de door 0 coragio: 0 cardeal como née ‘Sem duvida, ele resisteobstinadamente & mudanga de eamportamentoe ao reforyo negativo, mas mesmo as- sim imagino que tem conscineia, que écapaz de refletir sobre eeu fasinio pelo reflexo, Acredito que sabe que ' companheira so fi para sempre; no entant, continua se aremessando contra a parede invisivel poraue sinda ‘em esperangas ainda procura. B jamais deixard de pro- Quando eu era erianca,& época da segunda guerra mundial, havia ume eangio muito popular intitalada “Este €6 momento, A etra ineluia versos memorivels enmo estes Logo extards nave Longe marsdens ‘eatantoeativere distant, {tbr do mim, por fo Quando voltares, are te esperando. Sim, muitas vezes en estivers na ferrovisrin para ver soldados © marinheiros partiem, e compreondin 0 significado das listas de baixas no jornal e das estrelas doouro nas janclas. Por razsea que posto apenas relatar, ‘mas nio compreender, costumava cantar easa eangio ‘numa esquina da rua e chorava sem nenbuma vergonba, 6 haje pose concluir que de certo modo sabi antes de ter consciénciaplena do apego eda perda, da ansiedade ds separapdo, da saudade e do fim da afliao, que esses vorsos descreviam nossa angustiante jernada. “Mesto enquanto escrevo essas palavras,o cardeal persite om sua inti tentatva, Como nés. 10 INTRODUGAO. ‘Todos os relacionamentos comesam ¢ terminam em separagio, ‘Através da corrente sangiinea da nossa mie, come sgamos a vida ligados ao pulsar o a ritmo do cosmo. Mas logo somos afastados da Me, separados do cosmo, sepa- rados dos deuses, separades para sempre. E terminamos todos oe relacionamentos de nossas vidas passando pela separagio a que nomeamos morte. Bsse héspede de sor- ‘iso aasustador choga a fazer parte do rito matrimonial, Jembrendo aos nubentes que,no momento mesmo em que Jjuram fidelidade etorna,inovitavelmente assumem tam- ‘bém compromisso com a perda. ‘Em tempo demasiadamente breve, um deixard.o ou- tro —e no panto aqui em divéreio. A prevalecerem as estatisticas, o homem morrerd uns sete anos antes {da mulher. A prevalecero acaso, talver ela parta antes, dele, Se o destino eaprichoso interferr sob a forma de ‘um chogue frontal a eaminho de casa, depois de jantar ‘num restaurante préximo, caberé a cada um adivinhsr. Do uma maneira ou de outra, ambos sofrerdo a perds do relacionamento. Seo avido cair com ambos a bordo, poderemos dizer que estavam juntos, mas ainda assim, no final, um perde o outro, sofre a perda do relaciona- ‘mento, ou pelo menes daquilo que o expressa de forma un mais tangivel ~ a presenga atenciosa, devotada de um so outro 0 que talvezsignificou mais é que terfo passado a vida no contexto de uma relagao mais profunda e uti ‘mente perdida, Terdo passado a maior parte da sua jor nada sofrendo a perda do relacionamento oom o melhor de si mesmos, Vivemos a vida separados — dos outros, dos deuses e, pior do tudo, de nés mesmo. Intuitivamen 1, todos sabemos disso. Sabemoa que somos os piores {nimigos de és masmos. Estamos sempre proeurando nos religar, encontrar nossa casa novamente, eno fim sim- plesmente a abandonamos de modo diferente, Talver ndo haga casa para onde possamos retornar. Nio podemos ‘oltaraositero, embora tentemos,e poucoe de née scrodi tam na morada celestial fotura. Assim viveroe, sempre ‘desabrigados, quero saibames, quer nfo. ‘Nos tims anos, passoi aproximadamente dois - naisdo semana por més—outena imvernoe primavera — proferindo palestras e ministrandocursoaesezsnrios na [América do Norte e no estrangeir, Seja qual fro titulo da apresentagéo, a grande maiora das perguntas se refe- ro ao relacionamento, Serd este um sinal da sua impor inci? Sem dvidal Ser esto um sina do valor inestina- ‘elatribufdo ao relacionamento? Sem davidal Haver sob a superficie algo em ebuligde, pedindo a refermulagdo de quests to onipresentes, quase sempre urgentes, algo {que as situe em contexto mais ample? Sim, sem dividal Bm esséncia, este livro 0 ensaio sobre a psiodi- zémica do relacionamento. Hle pretende ser heuritico, provocar perguntas o respestas ¢ servir como uma expé- ‘le de retifcagdo des fantasias generaliradae sabre rela- ‘ionamentas que impregnam nossa cultura. Elono 6 guia pratico que diz como carrigir relagées, mas é, ou pelo ‘menos se propte ser, esforgo que quer provocar relexso ‘ais profunda sobre a natureza do relacionament, of 2 recer a possibilidade da responsabilidade pessoal mais ampla nas relagtes,e inspirar o desejo de crescimento pessoal como alterativa & fantasia do possvel resgate através de outros. Suas promissas pedem decepsionar alguns, epara dizer a verdade, ew mesmo pouco me preo- ‘cupo com elas, embora sejam, acredite, mais préticas © tieas que as de outras propostas que pairam sobre nos- ‘a cultura popolar, ‘Ao Tongo do texto uso os tormos eu (significande a pessoa em si) ¢ Outro, com inicial maiiscula. Este é 0 esforg intencional para distinguir o que é universal nos relacionamentos, daquilo que se refere a aspectos se- xuais ou culturais apenas. Por isso, os termos eu e Outro ‘seaplicam tanto relacionamentos dentro do mesmo sexo ‘quanto a relagées heteressexuais. © termo eu — nfo confundir com Si-mesmo (sal © Salf,respectivamente), termo usado por Jung para deno- tar a intencionalidade holistea do organismo humano— rofere-se ao nosso senso consciente de quem somos, inde- pendantemente do fato de 36 conhecsrmos parla muito pPequena do enorme mistério que encarsamos. Da mesma, forma, a palavra Outro éesritacom inicial maiseula para lembrar que a outra pessoa pode assumir uma posigao ‘eminente, efamica, em nossa mitologia psiquica. Para a ‘rianga, o palms como Outro tao infinite quanto aida ‘de Deus para o adulto. uso desses termos, entio, tom © objetivo do sor lembreto da dindmiea universal, rquetipiea os relacionamentos, totalmente distinta do fat dbvio de ‘que cada relacionamento é tinea, profundamentsinfluen- lado pelaapartiolaridades de tempo, lugar, eultura, fa infla de origem e outros aspectos semelhantes, ‘Do mesmo modo, usarei por Yezes o terme casamen- ‘o, remetendo nfo & formalideds legal, mas a0 compro- ‘isso profundo assumido por duas pessoas de um ou outro ‘sexo ou preferéncia sexual, Uma promesea matrimonial 3 lh ae ‘io 6 garantia de nada definitiv, mas pretande ser ex- ‘preasto de intengao séria, duradoura e profunda. Uma as exigéncias implictas do casamento é que os proble- ‘mas precisam ser enfrentados e analisads, néo ovita- dos. Eaasim, nfo “admitamos impedimentos & unio de ‘mentessinoeras" (0 aprofundamento deste toma nos eompele a ana- liser a8 varia fhoes do cardter humano nos relaciona- ‘mentze. Precsamoe aceltar que a natureza de todos 06 assosrelacionamentos resulta das nassas primeirasrela- ‘ee, que internali2amas e experimentamos como rela- ‘ionamento inconsciente e fenomenclégico também com. ‘née mesmoe. Dea relacionamento advém a profundida- de, a substancia ¢ 0 conteddo de todes os outros. Assim, necessariamente, analiaaremoe ae origens do nosso sen: ‘#0 de eu, do qual decorre nossa interardo com nés mes- ‘moa, com 08 outros e por fim como Totalmente Outro—0 transcendente. ‘A ideia que orienta e perme todo este ensato & que «qualidade de todos os nossosrelacionamentos depende ‘irstamente da qualidade da relapéo que mantemos com ‘nds mesmos. Como grande parte da relagio com nés mes- ‘mos ce realiza no plano inconsciente, quaso todo odrama fe dinAmica das nossas relagies com 08 outros e com © transcendente expressa nossa propria psicologia pes soal. O melhor que podemos fazer para nossos relaciona: ‘mentos com o@ outros e com o transcendent, entdo, éto- ‘marmas concciéncia seripre maior do relacionamento que “Essa ndo 6atividade nareisista. Na vardade, vromos ‘que. coisa mals amoroes que podemes fazer para o Ou- ‘0,0 maior presente que podemos dar aos outros é0 que ‘amos de melhor, nosso préprio ev. Assim, paradaxalmen- te, para um bom relaeionamento com 0 Outro, precisamos ‘empreender nossa prépria jornada pessoal, “ 1 0 JARDIM PERDIDO: 0 DESPERTAR DO SI-MESMO Nao 6 mero acaso que todos os poves, do passado © o presente, tiveram e tém sua mitologia de um paralso perdido, As vores clos caracterizaram cesacatéstrafe como ‘uma queda da graga, uma separagio ou um desligamen- te. As vezes ouve-ce dizer que a causa é alguma trans- ‘gressdo humana, outras, que se trata de algum eapricho dos deuses. Ninguém jamais afirma lembrar-se pessoal- ‘mente dease lugar abengosdo, mas os ancestrais, os ant- 0s, 08 Anasati, lombravam. Ele, os notéves, extavam 1 no Jardim da bom-aventuranga, mas nés, contempo- ‘neos, sempre nos sentimes excluidos, estranbos, des- cgerrados, ‘Talver essa meméria tribal ndo sea mais do que um holograms neurologics do nosso prépri trauma de na cimento, uma separagio da qual nunca nos recuperamos totalmente. Talvez possames encontrar vestigio nas dus ‘érvores do Eon, do mito do Génesis. Uma é a érvore da vida; @ outra, a drvare do conhecimento. Pode-se comer o frutada primeira, mas ao servir-e do fruto da segunda 0 transgressor candenado a tethar a melancdlica via para fora do Paraiso. Ao passar da drvore da vids, que "epreenta a vida ntetesid pls insti, para vvore do conhecimento, que ‘onascimento da Grice «rope pane Se bers tina eo 18 relhante com semelhante para a consciéncia atormen- tada que #6 pade decorrer da cisto sujeto-obeto ‘Ninguém lembra quando a conseiéneia comegou, quando o primer etilage de experidneia fragmentada {= aasnciow com outros estilhagos 0 so tornou tum isto em oposigéo a um aquilo, um eu em eontraste om um tu. ‘Mas desse momento imprevisivel oincontrolavel deriva, ‘o“sango de eu", ego tao frag! quo precisa fortfiear-se ‘om identidades proviséris e arrogdnciainsolente, Pre- tendendo ser Sonor do cosmo, treme-se na meméria, sombria das origens dolorosas. Com que agilidade racio- nalizam-se centenas de milhares de adaptagies, a demo- tadevir&tona ¢ sair de lodo primordial! Come se sente ‘ameagado pela rejeigao e pola hurnilhagao! ‘Jung usa 0 term Si-mesmo, distinguindo-o do exo, snovido pela intongto de respeitaro mistério que somos. ‘0 Si-mesmo, do mesmo medo que Deus, éessencialmen- ‘te incngnovelvel. Assim, preeisamos falar tanto do mist rio de Deus como do mistério do Si-mesmo. O Simesmo ‘no objeto nem objetivo, masatvidade, procosso. Gerard ‘Manley Hopkins expresson de forma podtica: ‘Ta coisa mortal fs uma 9 e mesma eves ‘Deanstoraa so er iterarem sua morade; ‘Tome-se eu —adquire vida propia; eu mesmo cle diz, ‘Getande O que fag eo en para iss vim 0 Simesmo 6 a intencionalidade do organism, a intengio eleodgica que oorganismo tem dese tomar ele ‘meema o méximo que Ibe soja possivel, Como o rizoma ‘contém a totaldade da for, assim a identidade unifcada ‘do organismo se expressa pela diversifieagio derai,caur Te, flor pstile eestame, O Si-mesmo 6 incognoscivel, mas ‘podemos inferie soa intencionalidade por seu modo de eng Can i Hopi Rede 6 expressarse através de manifestagbes fsiea, do afeto, dia eognigso, do sintoma, da imagem de sonho e seme. Thantes, A"leitara” da intencionaldade do Si-mesmo €3 principal tarsfa da terapia de orientagéo junguiana e ‘upostamente eondigéo primeirada cura. Como 0 Si-mes- ro abrange a totalidade do organismo e sua atividade nisteriosa e auténoma, talver jamais 0 conhegamos teirarmente, da mesma forma que o nadador nao pode eo- snhecer ocean em sou todo nem o pensador decfrarto- talmente a ctpula do oéu. Assim o fragil ego tem de se contentar com “um senso” de Si:mesmo, oSi-mesmo eer ‘namente deveonheeido, ineognosevel ‘Deese modo, 0 parcial sempre nos acompanha, ape- sardo aereditarmes que nos conhecemos totalmente, Sem ‘vida, ndo hi maior insensater do que essa arrogante pretensio. Na tragédia grega, a terra treme quando 0 Drotagonista diz que ae conhece perfeitamente. Nesse fexato momento os deuses comegam a agir —a confundir ‘ea coagir a pesgoa & humildade peculiar do questions- mento soerdtico. Jung disse que neurose é como um deus Gfendido ow negligenciado, querendo dizer que quanto mais o ego se torna unilataral, tanto mais iso significa ‘que a pessoa esta negando a profundidade, a extensio.e 4 mullplicidade do Srmesm. Tnterrompido o tempa de sonhe no Jardim, 0 choque da separagio & to sistémien, tao sismico, que ele se im- prime indelevelmente nas redes neurologieas, permane- ‘endo no inconseiente eomo elo perdido, Nao & por acaso {que motive essencial, as intengbes ocultas em todo rela- clonamento, 60 anseio de retornar. Esse motive Go proje- “G do cardeal, o projeto Bilon, 0 objtivo expresso dos poctas roménticos, a saudade do Amado. Essa 6 essen cialmente uma busca religiosa, mmo atestaa etimologia da palavra “religigo,” do latim religare, voltar a ligar, religar. w ‘A constincia so desperta através da perda do Outro ‘através da poroopgie de que o Outre é verdadciramen- tw Outro, Essa 6a origem do choro do bebé e da famosa obra de Bavard Munch, O grfo. Observe a ansiodade e a angiistia dobebé quando 6 separado do seio materno. Veja camo ele procura, Suga ¢espera absorver a mie para unir ‘seaelanovamente, Ocuidado ea alimentagio do bebé se tornam entio a sutil combinagio de 1) reafirmagao do {quo 0 Outro esta af, « 2) separagbes progressivas impos- tas a crianga. Com efeita, poderse-ia dizer que a tarefa eicolgica mais importante do paiméo ndo 6 facilitar as, ‘nls, mas preparar a passagem para a separspao total, para aquele estado subseqlionts que chamamos de dade ‘adulta, O modo como a crianga enfrenta esse dessfio 6a “inica grande contribuigdo que ela recebe como heranca psicoligica, Oferocer seguranca e confianga e 20 mesmo ‘tempo, 20s poucos, “abandonar” esse é 0 ponto crucial paradoxal da maternidade e da paternidade, ‘Tang comparou o custo da conseiéncia com um fardo ‘prometeico —0 fogo que lamina &roubado, mas a prego ‘ago com sangue. Cada dia mais afasta a erianga dalem- ‘branga do Jardim, "Nosso nascimento nfo passa de sono © esquecimento", escreveu Wordsworth sobre o Jardim ‘que vai desaparseendo.*E Dylan Thomas recordava, a nfo culdava,nosinosentes das claro, que o tempo me levacia festowinindodotndretaspagsomtradaminhamts, Nalua que std compre Ren gates wepeeteg pert dora, vin ror com ge ah amon BE cordara para pra sempre sumida ‘Além de ser uma metéfora mitca para onascimento dda consciéncia © da cultura, oroubo do fogodivino simbo- lisa também um ato responsével pela neurose — a cio interna entre sujeito © objeto, entre o eu e 0 Outro. Ao, contrafeita, comepar a carregar esse fardo de conseiéacia ‘ada vermais pesado, erianga previa desesperadamen- te aprender tudo o que puder para religar-se, ge for pos- sivel, ou para aobreviver, se nfo for poravel. Fla comera ‘"ler”o mundo para entender suas mensagens, perceber ‘que ele pode ensinar e 0 quo ele exige. Essa leitura é enomenclogica, val dizer, experiencial, nfo rational ou ‘ognitiva no sentido convencional A Teitura fenomeno- ‘igiea do mundo cria a sensibilidade da erianga; dasa senaibilidade docorrem a estratura da personalidade © as estratégias de sobrevivéncia ‘ impossivel para o paV/mile conduit inteiramente a tarefa acima deeerita, ot seja, mantor a ligacio com a crianga e ao mesmo tempo separar-se cada vou mais. As- Sim a cvanga chora quando 0 paifmie ndo esta & vista ‘Mesme quando distrafda oa tranquilizada, ela ainda no eequece cates agravos. Seja qual fora famfia em que 0 detino a langar, a crianga faré a leitura do ambiente & ‘procura de pstas. ssa letura 6 necessariamente parcial, ‘biog limitada a essa familia especfiea, em conaciéncia ‘de que outros modelos so possveis, numa variedadein- finita. Com baso nossas peroepsdes parciais do mundo, srandes decisées sdo tomadas, antes mesmo de haver ‘onscitncia suiiente quo possiblite ompreensiodiferen- ‘dada. Na verdade, os deuses entregem & crianga um pris- ‘ma através de caja luz refratada cla teré de ver, esolher e er SSmais tarde, oe0 acontocer, ela perecberd que o pris- ‘ma é sedimentade pelas easualidades, quer da familia em particular, quer do eantexto cultural espectio. YW Comegames a letura de n6s mesmos vis-tvis Ou- ‘to, jdaonascer Acrianga sente a ligagto, ou a falta dela, eT come declarapso extrapolada a respelto do mundo em ‘eral, Base mundo éconfisvel, proteter on Simprevisive, até agressivo? Nio hi nenham exagero em dizer que a vida toda da pessoa pode ser decorréncia da leitura fenomenoligica de mensagens impliitas desse tipo. Sa- ‘bemos que 0s bebés que nto recebem carinho ou confian- 42 sofrem do que se chama de depressio anacitica. les ‘tm maior tendéncia 20 retardo mental e Bsioldgico ea doengas graves do que aqueles que recebem atengio emo: ional. Como a natureza dé a0 organismo os meios de sobrevivéneia, parece estranho a experiéncia do vinculo esempenhar papel to determinante. E no entanto, & cexatamente isso que acontece. Da mesma forma, 0 bobs 18 o mundo de outras ma- neiras para ter idéia do que o mundo The diz. Observa- ‘les feitas mostraram que bebés de apenas seis semanas ‘eram capazes de imitar orosto do paimse, reproduzindo ‘sentiments de medo, depressto,alegria e assim por dian- te Nesse proceaso, a erlanca nao somente procura sua base de apoionarealidade elemental, mas também sssu- me @ realidade emocional do Outro, e é assim que um ‘casal poe criar um bebé deprimido ou ansioso. No ger, © beblerianga vé no comportamento adult pistas que The mostram o que esperar do mundo. Por exemplo, na minha infincia, durante a Segunda Guerra Mundial, ex sentia os adultos A minha volta muito ansiosos, Se ele, com toda aquola onipoténcia,tinham medo, eu s6 podia cmneluir quo devia sor muito assustador esse mundo a (quo cu viera. ‘Além disso, a crianga observa o comportamento dos ‘adultos para com as eriangas o do'um eom eutro come {arma de pereebor nfo apenas o modo de funcionamento

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